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Design: Yabis
Para gabi
Mude, ou nada mudará, meu bem. Obrigada pelo seu trabalho
duro nesses últimos meses.
Playlist
High School Sweethearts – Melanie Martinez
Beggin For Thread – BANKS
Dirty Little Secret – The All-American Rejects.
The Man – Small Town Titans
The Devil's Choir – Small Town Titans
Pacify Her – Melanie Martinez
Darkside – grandson
Nothing Else Matters – Apocalyptica
Drown – Bring Me The Horizon
Lifestyles of the Rich & Famous – Good Charlotte
Get Free – The Vines
Human – Rag'n'Bone Man
3Am –Janine
Daddy Issues – The Neighbourhood
Superman – Eminem, Dina Rae
Man! I Feel Like A Woman! – Shania Twain
Swim – Chase Atlantic
Bad Intentions –Niykee Heaton
I'm Not Jesus – Apocalyptica, Corey Taylor
Dress – Taylor Swift
Girls Just Want to Have – Cyndi Lauper
Detention – Melanie Martinez
Mirrors – Justin Timberlake
“Querida, deusas não sussurram, elas gritam.”
American Horror Story
01
Amber
Presente
Amber
Presente
Raios de sol atingiam meu quarto. Depois do meu irmão sair, fui
checar minhas ligações perdidas e mensagens não respondidas para saber se
minha mãe havia me procurado. Tinha apenas uma ligação perdida.
“São sete da manhã. Mamãe deve está acordada.” Afasto o cobertor,
arrasto as pernas para fora da cama e ponho os pés no chão. Fico sentada,
sentindo o piso frio sob meus dedos.
Minha mãe está sob cuidado psiquiatra há anos. E eu estive longe
por um longo tempo. Deve ser este o motivo para querer me ver
repentinamente, se o que Aiden disse for verdade.
Eu me arrasto até o banheiro, coloco o celular no suporte e começo
a discar. Minha mãe atende no segundo toque. Ela sempre atende rápido
diferente do meu pai.
“Olá, querida”, diz ela, sonolenta.
“Olá, mamãe, você está bem?” Pego minha escova e pasta de dente.
“Estou ótima. Tenho saudades da minha filha. Venha à cidade hoje,
ok?”
Ouço a voz da minha ex-babá ao fundo.
“Tudo bem, eu vou, ok?” digo, tentando suavizar minha voz ao
máximo.
“Senhora Reese, é hora do seu calmante”, Helena lembra.
“Eu mesma vou fazer sua sobremesa favorita. Venha rápido,
querida.”
Minha mãe ignora o lembrete e continua.
Aperto o tubo de pasta com força, ao ponto de quase estourar em
minha mão.
“Sim, mãe”, dou uma breve despedida e desligo.
“Faz sete anos que eu não piso naquele lugar de merda”, digo para
mim mesma.
De Midran até Burk é uma hora de carro.
Entro no meu aplicativo de músicas, rolo minhas playlists e clico
em Confusão. ‘Beggin For Thread’ – BANKS, começa a tocar. Mergulho
debaixo do chuveiro. Despejo shampoo nas mãos e levo até a raiz do
cabelo. Massageando o coro cabeludo, fecho os olhos. Água cai no meu
rosto e escorre como uma cascata pelos seios, barriga, coxas, pernas e pés,
até chagar ao chão. Fico ali por um instante, me permito relaxar antes de
enfrentar o mundo fora das paredes do meu apartamento.
Entro no closet. Pego alguns pares de roupas e uma bolsa grande de
couro e jogo tudo na cama.
Arrasto os cabides à procura de algo para vestir. Puxo um jeans justo preto
e moletom cinza. Me abaixo, e tiro uma bota de salto grosso da prateleira
inferior.
Me visto. Enfio as roupas, sapatos e minha caixa de curativo na
bolsa. Pego meus óculos de sol em cima da penteadeira e chaves. Passo pela
cozinha, contorno a ilha e pego uma garrafa de Jack Daniel's. Tranco a
porta e vou até o elevador.
As portas fecham. Sinto o piso prateado do elevador tremer.
Desbloqueio a tela do celular, conecto meus fones via Bluetooth, ‘Dirty
Little Secret’, de The All-American Rejects, começa tocar. Meu peito
aquece com o som da guitarra. Rolo as postagens do Instagram, curto
algumas publicações sobre decorações e design e respondo menções sobre
meu projeto. O elevador para, e as portas abrem. Eu me mantenho focada
nas redes.
Dei dois passos para o lado, deixando espaço para quem fosse
entrar. Alguém entra e, pelo canto do olho, vejo uma mão tatuada. Um
homem. Ele passa ao meu lado sem me cumprimentar, e vai para atrás de
mim. Fico imóvel por uns instantes, mas depois volto a focar no celular,
sem me importar com sua presença.
A maioria das pessoas de hoje em dia perderam a habilidade de dar
um simples “bom dia" quando encontra alguém. Educação está cada vez
mais rara nesse mundo. Faço uma crítica nada construtiva mentalmente.
Espera aí... em que andar estamos?
Olho para o pequeno painel. O número 19 está aceso. Logo em
seguida, o 18 acende. Ele entrou no décimo nono andar...
O décimo nono andar está completamente vazio.
Todos estão na verdade. Mas é proibida a entrada no décimo nono.
Motivo: um homicídio. Razão para todo o prédio ser inabitado, exceto por
mim e os três funcionários que trabalham na manutenção.
Bloqueio a tela do celular. Faço um movimento com as mãos para
conseguir ver quem estava atrás de mim, mas não consigo ver nitidamente
seu rosto, apenas parte de sua tatuagem no pescoço. Um arrepio corre
minha pele.
O cara da noite passada?
O elevador balança de repente, e as portas abrem novamente.
Levanto a cabeça quando várias pessoas entram, reduzindo o espaço entre
nós. Sinto o calor do seu peito em minhas costas. Sua respiração pesada no
meu cabelo. Eu fico imóvel sem saber se devo reagir ou não. Minha adaga
está presa no sutiã, eu poderia usá-la, mas qualquer movimento errado e eu
assustaria todos esses idiotas que estão aqui.
Calma, Amber. Eu sabia, Aiden mandou ele para me seguir. Filho
da puta. E, por segundos, lembro daquele armário escuro, do meu pai e dos
gritos. Mais pessoas entram e me forçam a dar alguns passos para trás. Que
inferno! De onde surgiu tanta gente às oito da amanhã de um sábado?
Minha espinha arrepia. Ele passa a mão pela minha cintura e agarra
a barra de aço presa na parede. Meu peito sobe e desce, com respirações
rápidas.
Oh, meu Deus.
Meus olhos caiem nos desenhos em sua mão. Uma rosa com a
palavra ‘Sussurros’ escrito ao lado. Uma interrogação no dedo anelar, uma
luva de boxe no apontador e outros desenhos pelos outros dedos.
Corro os olhos pela extensão do seu braço, e deduzo que existem mais sob a
camisa social preta.
Sussurros?
Olho de novo para ter certeza, mas de repente, o oxigênio parece
pouco. Sufoco lentamente. Ele estava agarrando a barra de ferro com tanta
força que veias saltavam e a mão estava vermelha. Sinto buracos abrirem na
minha pele, e sua respiração pesada rastejar pela minha mente. Ele se move.
Agora seu peito está contra mim. Engulo seco. Droga. Meu coração martela
forte no ouvido.
Droga, abra logo!
Um bip dispara no ar, quando as portas se abrem. Atravesso o
saguão sem olhar para trás. Taylor, o porteiro, me cumprimenta com um
sorriso, e eu retribuo acenando com a mão. Respiro fundo, aliviada por está
fora e longe. Destravo a Porsche 911 preta estacionada em frete ao prédio,
— eu poderia ter estacionado na garagem, mas apenas o larguei onde era
mais prático — Abro a porta do passageiro, pego alguns livros da faculdade
e transfiro para o banco de trás. Jogo minha bolsa no banco do copiloto.
Circulo pela traseira do carro até à porta do motorista. Coloco os óculos
escuros, mesmo que o dia esteja escuro e pareça noite pela tempestade que
se aproxima. Piso fundo.
Faz sete anos que sai da minha cidade natal. Não, que eu fui
mandada embora. Isso, eu fui mandada embora pelo meu
pai. Eu tinha quinze anos quando ele me enviou para, o que meu irmão
chama de manicômio, mas que na verdade é um castelo abandonado. Ele
queria se livrar da sua maior falha. Eu. A filha com problemas. Louca igual
a sua mãe. Que disse para o irmão mais velho que escutava sussurros de
demônios.
Aquela que o envergonhava. Então ele decidiu me jogar num lugar em que
eu poderia ser uma vadia sem envergonhar Os Reese. Ele me levou para
ficar com pessoas como eu. Mas ei, eu estava num castelo como uma
princesa. E depois de sete anos, ele me deixou sair. Meu pai é um amor, não
acha? Tão gentil da parte dele. Eu poderia chorar se eu ainda soubesse
como fazer essa merda.
Giro para a esquerda. O topo da montanha aponta no horizonte. A
cidade de Burk é conhecida pelas suas pistas desertas e sombrias. Cercada
por matas e escuridão. Ótima para jovens desesperados por sexo, que fodem
em qualquer acostamento.
Engato o modo Sport Plus. Piso forte no pedal do acelerador, giro o
volante para à direita e derrapo na curva. Meu clitóris pulsa quando o ronco
do motor preenche o silêncio. Aperto o volante, sentindo a umidade
aumentar entre minhas pernas. Eu me toco por cima do jeans, desejando
algo doloroso rasgando minha pele, me fazendo sangrar. Foda-se.
Continuo acelerando. Cruzo a montanha e o túnel na entrada da
cidade ao invés de pegar o desvio para casa dos meus pais. Viro à direita.
Passo pela casa do prefeito, que continua decorada com as mesmas cortinas
brancas de sete anos atrás. Vejo a praça. Viro à esquerda, desço a rua com
casas com arquitetura antiga. Passo pelo Hoser, bar mais
agitado da cidade, onde todos os caras vêm com suas garotas, ou atrás de
uma. Contorno, indo para o único parque da cidade, Hollow. Descanso o
braço na janela. Arrasto os óculos de sol para o topo da cabeça.
Isso continua igual.
Giro o volante. Os pneus tocam a grama quando o carro sai do
asfalto. Removo a chave da ignição, lanço os pés para fora e bato a porta.
Caminho, capturando todos os detalhes ao meu redor. Observo como nada
mudou, área estava apenas mal cuidada. A entrada era a mesma, perto de
uma barraca de doces para atrair as crianças. A barca com desenhos
animados, a casa mal assombrada e a casa dos espelhos, continuavam de pé
e a roda gigante, tão grande...
Eu costumava vir aqui para desenhar e observar os adolescentes da
minha idade se divertirem. Beber, transar escondido em lugares escuros,
pregar peças e fazer bullying com os nerds e punks.
Eu olho para a casa dos espelhos que sempre desejei entrar, e uma
dor estranha no meu peito me incomoda.
Por que desde a madrugada passada tudo parece tão confuso?
Primeiro meu irmão, depois aquela carta estúpida, o cara no elevador e
agora isso? Meu peito doer por causa de uma casa velha sem significado
algum? O que há de errado comigo?
Eu odeio ser sentimental, por isso sempre me mantenho indiferente
a tudo que não me diz respeito, ao meu passado e a todo pensamento inútil.
E, agora, do dia para noite isso vai mudar? Não, não vai.
Examino o perímetro entorno. Esse lugar pertence a uma família de
outra cidade. Nunca foi um empreendimento bem-sucedido, nem no
passado, nem agora, julgando pelo estado deplorável dos brinquedos e
entrada. Bom, eles não devem precisar de dinheiro, já que abandonaram o
parque.
Vejo algo. A traseira de um carro parado entre as árvores. Me
inclino para frente. Pisco duas vezes para ter certeza do que estou vendo.
Um Mercedes-Benz. Desde quando? Olho para a casa dos espelhos.
Alguém com uma máscara sai de lá. Tinha alguém me observando desde
que cheguei aqui?
Merda.
Imediatamente me afasto do portão. Volto dois passos, e coloco a
mão no bolso do casaco. Procuro minha adaga ou outra lâmina, mas não
acho nada. Droga, eu devo ter deixado no console. Viro, indo em direção ao
meu carro. Um barulho de motor soa atrás de mim. Piso com passos fortes,
afundando meus saltos na terra enquanto torço para chegar o mais rápido
possível. Uma fina camada de suor se forma na minha nuca. Eu achava
estar sozinha nesse fim de mundo. Seguro a maçaneta da porta e puxo,
quase arranco a porta junto. Pulo para dentro, e bato com força.
A Mercedes começa se mover. Eu olho pelo retrovisor e vejo outra
figura mascarada escorada numa árvore. Ligo o carro, mas antes que
consiga dar ré, a Mercedes passa por mim e as figuras somem.
Mas que porra é isso?
Eu fico ali, petrificada com as mãos coladas no couro do volante.
Estão se divertindo as minhas custas. Eu chutaria
meu querido irmão, mas conhecendo bem seus gostos, sei que Aiden não se
esconde atrás de máscaras quando ataca. Ele gosta de que saibam qual é o
rosto do homem que vai destruir seu coração.
Caio na real e volto para a estrada. Dirijo ao lado do cemitério, sem
voltar pela cidade. Entro no atalho, subindo a montanha até o bairro da elite
de Burk. Subo a pequena ladeira íngreme que dá acesso a residência dos
Reese. Alfred, um dos seguranças, abre os portões de ferro. Eu arranco
enquanto atropelo os cravos brancos que meu pai tanto ama.
Aquela merda fede.
Alfred corre e abre a porta para mim.
“Seja bem-vinda, Srta. Reese”, ele diz.
“Obrigada, Alfred”, pisco para ele.
Minha mãe cruza a entrada principal na companhia do meu irmão.
Aiden me fuzila com seus olhos azuis enquanto minha mãe vem me abraçar.
Ela estende os braços e me envolve em seu peito.
“Como você cresceu, minha pequena.” Suas pupilas estão dilatas.
“Você continua linda, Dra. Reese”, digo, me aninhando em seus
braços.
“Eu disse para você usar algo descente”, Aiden resmunga, e enfia as
mãos nos bolsos.
“Você deviria está feliz só por eu estar vestida”, retruco, saindo do
colo da minha mãe.
Ergo o olhar, e encontro a figura aterrorizante do meu pai em pé na
sacada. Montado num terno azul-marinho de três
peças, com uma camisa branca, descansa a mão na grade de proteção. Os
cabelos pretos alinhados para trás com um brilho sutil no topete como os
das estrelas Hollywoodianas. Um Rolex de ouro no pulso e um copo de
uísque na mão. E aqueles olhos pretos, frios e indecifráveis como o fundo
do oceano que causam calafrios mesmo de longe. Eu não me lembro de o
ter visto sem eles uma vez sequer.
É sufocante. Um nó se forma na minha garganta. Sinto o pânico me
possuir, e eu não consigo me mexer. É nítido seu desprezo por mim, já que
foi ele mesmo quem me mandou para
fora do país cinco anos atrás.
Ele toma um gole da bebida, vira-se, deixando a sacada.
Cinco anos.
Cinco fodidos anos, porra!
“Amber, venha, eu preparei um quarto para você”, minha mãe diz,
me puxando pelo braço.
Um quanto para mim... Não tenho mais um quarto, hein.
Subimos as escadas, ela me guia até o quarto, cambaleando. Suas
mãos estão moles. Sem força alguma.
Ela está completamente dopada, e pelo visto, sua obsessão por mim
não diminuiu com o passar dos anos.
Minha mãe era uma Neurocirurgiã brilhante até surtar meses antes
do parto. Seu mundo ficou cinza e meu pai nunca estava em casa para
ajudá-la. Minha mãe lhe deu filhos, seu desejo, e mesmo assim, ele a
abandonou. E ela só está de pé hoje pela vontade de me ver.
Eu sei.
Sento na cama, vejo uma bandeja na mesa de cabeceira, me inclino
e encontro uma forma de porcelana com pudim dentro.
“Mãe...” sussurro.
Afasto a bandeja sem tocar na sobremesa. Não tenho apetite...
Abro minha bolsa, pego o Jack Daniel's e meu Djarum Black de
menta. Escorrego para o banheiro. Há toalhas limpas sobre o armário de
canto, loções e sais de banhos. Ligo a torneira da banheira, rompo o lacre da
garrafa de vidro e afundo na espuma. Essa casa continua a mesma de que eu
me lembrava. Solitária e vazia. Ela é linda, no entanto.
Pestanejo, quando escuto o som das máquinas de luxo dos
convidados. Tento ver a hora, ainda sonolenta. Eu adormeci. Era para ser
apenas um cochilo.
Vinte e duas horas.
Meu pai estava dando uma festa esta noite para exibir ‘sua família
perfeita,’ mesmo não sendo do seu feitio fazer grandes comemorações.
Nem pequenas, na verdade. O Sr. Reese não gosta de festas e barulhos, ele
diz ser ‘inconveniente.’ Bem, isso combina com sua personalidade fria.
Engulo o resto de whisky, e deslizo para fora da banheira. Deixo um
trilho de pegadas molhadas pelo piso amadeirado.
Bem... Eu estou procurando diversão. Curvo os lábios num sorriso
diabólico. Por isso, preparei um presentinho para os convidados e os
queridos homens da família Reese.
03
Amber
Presente
Eric
Presente
Eric
Amber
Presente
07
Eric
Presente
Eu a vi hesitar, e depois entrar em ação assim como fez há sete
anos.
Desço no banco, sinto o couro ranger contra minhas costas. Minhas
roupas pesam quinze quilos. Abaixo a cabeça com a mão no volante.
Amber está se divertindo, no fim das contas. Ela tem suas armas, e
não hesita em usá-las. Diferente do passado, quando sua única jogada era
sua petulância, a garota do presente, pode ser bem sagaz e esperta.
As luzes do prédio estão apagadas exceto pelo pequeno raio que sai
do seu quarto.
Eu esperei pelo momento certo para fazê-la pagar por cada
segundo de tortura que me fez passar. Ela me fodeu e fodeu tudo. Agora,
que está de volta, é hora de tomar minha joia de volta.
Eu vou garantir que ela arraste sua bunda até minha cama,
implorando para se fodida, porque nenhuma das suas drogas vai satisfazê-la
como eu a satisfaço. E, desta vez, não será os espelhos que sairão
quebrados.
Meu celular vibra no bolso do paletó. Pego o aparelho, a tela brilha.
Aperto o botão verde.
“Tenho novidades”, diz, a voz envolvente.
“Sobre?” Ergo a cabeça.
“Liz McBride.”
Cerro o punho envolta do celular.
“Você sabe onde me encontrar. Venha até mim.”
Desliga.
Chuva bate forte no para-brisa. Piso no acelerador e arranco. Bato o
polegar no volante ao som de ‘Darkside,’ de grandson. Acelero, cortando as
avenidas, cruzamentos e os poucos carros esperando o sinal abrir.
Novidades sobre Liz McBride...
Meus olhos pousam no Hitman. Saio do carro. Paro em frente ao
maior prédio da cidade de Midran. Ergo o queixo, estudo topo do grande
amontoado de concreto até a base. Uma construção imponente com suas
vidraças pretas de cima a baixo.
Os ponteiros do Rolex marcam 3:15 AM. Deslizo as mãos nos
bolsos da calça e movo os pés para dentro.
Passando pela recepção, sou cumprimentado.
“Boa noite, Sr. McBride”, o homem diz. “Por favor, me
acompanhe”, ele estende o braço, apontando para o elevador.
Eu caminho e entro no espaço.
“Não precisa, eu conheço o caminho”, digo, com as portas do
elevador se fechando.
Vieira arregala os olhos e corre para tentar impedir que fechem,
mas é tarde, e eu só consigo ver sua boca gigante gritar ‘não’ em câmera
lenta.
Atravesso a escuridão. A ponta do cigarro é o único ponto de luz
entre os dedos.
Bato duas vezes, dou mais um trago, e empurro o trinco, a porta
cede e eu entro.
“Você chegou rápido, estava por perto?”
Sua voz calma flutua no espaço.
Giro a cabeça, encontro o homem sentado na sua cadeira de costas
para mim, apreciando a vista noturna através dos janelões, que vão do teto
ao chão.
Penumbra percorrer a sala luxuosa, apenas um pequeno abajur
aceso na sua mesa joga luz no ambiente.
“Vocês são mais parecidos do que imagina”, digo, inalando o
cheiro acentuado do charuto cubano.
“Sério? Talvez eu deva me aproximar um pouco mais... ou, talvez,
minhas intenções não sejam tão boas quanto as suas.” Sopra fumaça.
“Você está me superestimando. Ainda falta muito para eu chegar
aos seus pés.”
A cadeira gira, a lateral do seu rosto se ilumina. Ele não olha para
mim, seus olhos continuam focados no horizonte.
O homem coloca o charuto no cinzeiro de prata, cruza as pernas e
arruma o punho do terno italiano de três peças.
“Você aprendeu apenas o que eu quis que aprendesse, apenas para
me ser útil, garoto.”
Como já era de se esperar de um homem com todo poder que
possuí. Não importa quantos anos passem, ou quantas vezes estivemos
juntos, ele é como uma casca vazia,
sem qualquer sentimentalismo. Sua mente é focada na realidade. Faz o
necessário para conquistar seus objetivos e, se for preciso passar por cima
de alguém para isso, faz sem hesitar. O tipo de homem que faz as entranhas
de qualquer um revirarem ao ouvir a calmaria assustadora em cada palavra
ao sair da sua boca.
Já ouviu falar que você deve lutar contra o mal, ignorar o
desequilibrado e fugir do calmo? Pois é, fuja, corra o mais longe possível se
encontrar um.
A calmaria de um homem furioso pode ser sua ruína.
Ao virar, vejo seus olhos fixos em mim, agora.
“Quais são as informações?”
Tomo a inciativa, indo direto ao que me trouxe aqui.
Ele inclina a cabeça para o envelope preto em cima da mesa. Eu me
aproximo, arrastando o papel para mim, abro e tiro os documentos.
“Laudos médicos?” folheio.
“Causa da morte: acidente automotivo e parada respiratória por
overdose”, ele diz. “Me diga, Eric, por que Liz sofreria uma overdose
enquanto dirigia? E, desde quando, ela usava drogas?”
Overdose? Minha mãe nunca usou drogas, não por vontade própria.
Sim, eu já vi essa merda acontecer muitas vezes. Um pó no copo de uma
garota na balada, uma balinha para deixar mais animadinha, um calmante
para dormir, todas essas merdas que te fodem.
“Você está dizendo que alguém a drogou?” Pinço o lábio inferior
com o polegar e indicador.
Ele pisca lento.
“Todos os laudos dizem o mesmo. Um acidente.
Por que esse detalhe nunca foi citado? Porque quem fez isso sabia você
saberia a verdade. Liz não se drogava”, joga.
“O que ganhariam com a morte da minha mãe? Ela era apenas uma
pintora.”
Jogo os papéis de volta na mesa.
“O que a Liz sabia que nós não sabemos? Essa é a pergunta certa,
Eric” O homem se levanta. “Por que ela está morta se não por isso?”
Pressiona a mesa com as pontas dos dedos.
“Quem fez isso sabia como iria ser lento. Pela dosagem encontrada
no sangue dela, Liz vinha ingerindo pequenas doses diariamente. Fizeram
parecer natural. É perigoso, e continua matando outras mulheres. Porém,
com ela foi diferente. A forma como tudo foi planejado para parecer um
trágico acidente”, analisa os fatos, com precisão.
Eu olho por cima do ombro, o vejo caminhar enquanto penteia o
cabelo para trás.
“Como você pode ter tanta certeza de que foram eles?” Apago o
cigarro na mesa.
“Por isso”, ele tira um envelope azul do bolso.
“Onde achou?” eu pego.
“Não importa, apenas veja o que está escrito.” Seus olhos voltam-se
para o horizonte.
Eu tiro o cartão com letras pretas.
Pobre Liz, nunca teve o que mais queria e também perdeu seu prêmio de
consolação.
Pintar quadros não os trará de volta, porque agora, eles são meus.
08
Amber
Presente
09
Eric
Aceno para Cole Miller que desfila pela sala com as garras
cravadas em Backy Wilson, nossa líder de torcida, e sua mini saia.
Aiden está do meu lado com uma garrafa de água na mão enquanto
digita no celular com a outra.
O sinal toca, as carteiras são arrastadas com a presa dos
alunos para irem para a última aula do dia. A professora de física
sai.
Aiden desperta e me dá uma tapa no ombro, “vamos lá”,
chama, mas seus olhos voltam para tela.
“Desde quando, você quer assistir aula de literatura?”
provoco.
Ele sempre diz que as aulas de literatura são uma grande
perda de tempo.
“Eu não quero”, dá os ombros.
“Você queria está metendo naquele galpão, eu sei”, digo.
Conheço muito bem seus gostos.
Ele suga o ar e dá um sorriso malicioso.
Aiden não sente necessidade de estudar, suas notas são
impecáveis e ele assiste todas as aulas, – exceto se ele estiver em
um dos seus jogos – mas sempre se destaca sem nenhum esforço.
Ele nasceu numa família rica de Burk, com todos os privilégios de
um sobrenome importante, além de carregar a linhagem de
herdeiro, assim como eu. Mas, diferente de mim, Aiden admira o
pai, responsável por seu belo desempenho escolar.
Viro a esquina e subo dois lances de escadas. Passo pelo
laboratório vazio ao lado da sala de literatura. Paro na porta, mas
ao invés de entrar na minha aula, decido ir à sala de artes que fica à
esquerda.
Entro, e vejo uma garota sentada num banquinho na frente
de uma tela grande, quase do tamanho dela. Seu moletom cinza e
jeans justo claro sujos de tinta azul e roxa. Suas mãos estão caídas
entre as pernas, uma segura um pincel que pinga tinta vermelha no
chão e respinga nas meias cano alto e nos tênis. Ela balança a
cabeça devagar para lá e para cá com fones nos ouvidos e olhos
fechados. O vento bate, fazendo as mechas dos seus cabelos
bagunçados voarem, e ela sorri.
Amber joga a cabeça para trás e inspira a brisa do fim da
tarde. Ela abre os olhos e estuda o teto. Eu me apresso e saio antes
que me veja.
Não sei por que sai rápido. Mas ela parecia tão tranquila
que chegou a ser assustador. Tive a impressão que, se fosse
visto, iria quebrar algo. Fui totalmente manipulado por ela e seu
rosto inocente. Merda.
Cacete. Amber Reese é um território proibido para mim.
Não é alguém para brincar, ou é mais um dos meus joguinhos. Não
mesmo. E nem é por Aiden ou seu pai. É porque ela me faz querer
ficar perto. Porque conseguiu me expulsar da maldita sala.
Meu celular vibra no console. Eu olho para tela, vejo uma
mensagem de Aiden. Escoro a cabeça no banco. Não leio o
conteúdo. Estou sem paciência para ele agora.
Alguns estudantes estão no estacionamento e outros
conversam próximo ao campo de futebol. Will corre ao lado de
uma garota, ele joga a camisa no ombro e seus músculos
bronzeados brilham. Ele não estuda aqui, no entanto.
Pego meu celular e abro a mensagem.
Amber
Presente
Eu queria chorar.
Eles conversam, descem as escadas, chegam no túnel de espelhos.
E, todas às vezes, meu coração dói e o estômago congela. A cena se repete
várias vezes. Era como se alguém tivesse programado um loop infinito. Eu
nunca consigo ver o seu rosto. E, por que dói? Quem é ele, que me causa
tanta dor?
Sugo o ar pela boca como se estivesse prestes a me afogar. Arregalo
os olhos num sobressalto. Uma pontada aguda atinge todo o seio da face. A
sensação ruim de quem acabou de acordar de um pesadelo. Ergo o peito,
assustada. Visualizo uma luz branca que não sei se é uma alucinação ou
realidade. Caio na cama de novo. Inalo todo oxigênio possível, meus
pulmões expandem e se libertam das mãos que os apertavam.
Minha testa dói. Eu engasgo e tusso enquanto ofego ao sentir a
borracha dentro do nariz.
Pisco várias vezes. Todo meu corpo dói, minha cabeça lateja.
Onde estou?
Eles me trouxeram mesmo depois de nos sequestrar?
Nós. ... Sarah.
Pelo canto do olho, noto a agulha no meu braço, ligada uma bolsa
de soro. Engulo o bolo ácido, movo a cabeça, grogue com os remédios ou
sedativos. As paredes brancas me irrita, mas a janela, totalmente,
transparente é um pouco menos irritante, já que posso ver o jardim.
Sarah.
O que eles fizeram com ela depois que eu apaguei? Será que ainda
está viva... Talvez os médicos tenham achado uma forma de ajudá-la, afinal
a medicina está tão avançada.
De repente, me vejo correndo atrás de uma esperança inútil. Eu sei
o que vi. Eu sei o que senti. Ela não tinha pulso.
Uma enfermeira entra.
“Acordou, Srta. Reese. Como está?”
Ela segura uma bandeja.
Inalo com dificuldade.
“Onde estou?” pergunto, ansiosa, apesar da minha voz sair baixa e
falha.
“Midran, Srta.”, informa a mulher, com os cabelos acobreados mais
naturais e bonitos que já vi, preso com um trança e lenço.
Calça as luvas.
“Vou retirar o oxigênio. Não se mexa, por favor.”
Ela pega uma pilha de gazes do pacote, desconecta o
fluxo de oxigênio, segura o fio e puxa o tubo. Sinto um leve ardor e os
olhos lacrimejar.
“Você deve estar com fome, garotinha. Faz três dias que não se
alimenta.”
Ela joga o lixo em um saco na bandeja.
Garotinha? Eu tenho vinte e dois anos... Bem, ela deve ter quarenta,
apesar de não aparentar.
“Eu estou aqui há três dias? Quem me trouxe? E a outra garota que
estava comigo, onde ela está?”
“Um homem alto, bem vestido, trouxe vocês duas, mas... Sarah
Brid já havia morrido no local do acidente. Eu sinto muito”, responde, com
cautela e sai.
Abaixo o olhar quando a porta fecha. Encaro meus pés, mas não sei
se são eles mesmo para quem estou olhando. É um olhar vago.
O que eu estava esperando? Milagre? Que tudo não passasse de
uma fantasia da minha mente doente? Que houvesse alguém capaz de fazer
o que eu não pude por fraqueza, salvá-la?
Patética, Amber Reese.
Dou um sorriso amargo.
Eric, Will e Mika, eles a mataram. Eu a matei. Não importa como,
nós fizemos. Eles, por nos levar até aquela maldita estrada, e eu por ser a
mesma estúpida fraca de sete anos atrás.
Mas quem estava dentro daquele maldito carro, é quem mais me
enoja.
O médico entra, carregando uma prancheta.
“Boa noite, Srta. Amber. Como está se sentindo?” Sua voz é suave
e conhecida.
Eu ergo a cabeça, relaxo os ombros e cenho ao ver Riley Mitchell
colocar a mão no bolso do jaleco.
Meu Deus, é ele!
Vejo que seu cabelo loiro não mudou muito, ele continua usando o
mesmo penteado. Todas as mechas para trás, um risco divide a lateral
raspada. Nenhum fio fora do lugar. Impecável, educado e charmoso.
“Riley...”
Inspiro e expiro, libero o cansaço e surpresa.
Seus olhos azuis claros como duas turquesas brilham para mim
como antes. Sem maldade, sem desprezo, sem abuso.
“Você virou uma linda mulher!”, sorri.
“Você conseguiu, é um médico.” Eu me arrumo na cama.
“Eu sinto muito que para isso eu tenha tido que...”
“Você fez o que tinha que fazer para sobreviver”, eu o interrompo.
Ele arregala os olhos, mas relaxa em seguida.
“Vim entregar sua alta. Amanhã você pode ir. Quer ligar para
alguém?”
Faço que não com a cabeça. Riley entende sem fazer
questionamentos. Ele sabe melhor do que ninguém o porquê dessa decisão.
Riley abre a porta, “Amber, te vejo por aí.” Pisca para mim, e eu me
sinto um pouco melhor.
“Seus olhos são mais bonitos que os dele!” afirmo, com seriedade.
Ele bufa, e sai.
Calço as pantufas, passo a mão no cabelo para alinhar os fios
arrepiados. Não sinto mais dor no corte, olho para
confirmar minha teoria. Eles cuidaram disso também.
Quem me trouxe para cá?
Arrastando o suporte de soro, caminho pelos corredores do hospital.
Passo pelos quartos silenciosos. É um hospital com uma boa estrutura de
atendimento. Organizado e limpo. Eu conheço, é o melhor da região, e o
mais caro também. Bem, dinheiro nunca foi um problema para Os Reese.
Uma das vantagens de ter nascido nessa família.
Eba, me sinto bem melhor agora. Uma porra.
Empurro as suas portas duplas que dão acesso ao jardim. Inalo a
brisa gelada que rodopia no meu rosto. É bom respirar o vento refrescante
das noites escuras de outubro. Ah, acho que já é novembro.
Sigo o caminho de pedras sobre a grama. Observo as rosas e cravos
sob a luz do poste, ainda molhadas. Os ramos frios roçam meus tornozelos e
faz minha pele arrepiar.
A lua cheia tinha partido, dando lugar as nuvens escuras que
encobria as estrelas. O Halloween havia passado.
Sento no banco de ferro no centro do jardim, de costas para minha
janela. Meu peito sobe e desce. Agora, eu posso sentir o ar puro entrar e sair
sem nenhum problema, apesar das dores nas articulações e na garganta
continuarem, mas nada que me incomode.
A brisa noturna bate mais uma vez no meu rosto, e eu inalo o cheiro
sutil de cigarro. Fecho os olhos. É uma sensação prazerosa como o cheiro
de café fresco, livro novo e tinta.
Tento descobrir a mistura familiar que faz meu corpo excitar. Pestanejo.
Menta e tabaco.
Giro a cabeça, procurando quem está fumando meu cigarro
favorito, mas não vejo nada. Olho para a porta, de onde
vim. Nada. Eu sinto seus olhos em mim. Olho para frente, para o telhado do
hospital. Não vejo nada, mas posso sentir seus olhos em mim. Viro para
trás, e meu coração bate na garganta quando vejo Eric com os braços
cruzados no batente da janela do meu quarto. O cigarro preto entre os dedos
tatuados. Viro para frente, novamente. Me encosto nas costas do banco,
cruzo as pernas e solto o suporte de soro.
“Veio terminar o serviço?”
Ele fica em silêncio, mas seus olhos continuam em mim. De longe,
conseguiria sentir o calor na minha nuca.
“Como o Sr. Eric é paciente, nem esperou que eu saísse do
hospital.”
Sei que ele não ficou contente, porque o ouvi respirar fundo.
“Amber, Amber. Você só teve o melhor de mim até hoje, não
queira ver meu pior.”
A voz dele me atingem como pequenas agulhas.
Até hoje?
“Mas não se preocupe, baby. Foi você quem pediu por isso.
Cuidado com quem brinca, nem tudo é o que parece. E, nós não vamos
acabar comigo na cadeia e você fugindo. Não dessa vez.”
Meu peito sobe e desce rápido.
Mas que porr... Viro, mas ele não está mais lá.
Sinto falta de ar, percebo que havia parado de respirar.
Por que esse idiota continua falando coisas sem sentido? Quem é
ele para dizer tanta besteira como se eu devesse o mundo a ele?
Ah, isso não vai funcionar, querido. Seja lá qual for a dele, não vai
funcionar assim tão fácil. Eu não passei pelo
inferno para, nessa altura, aturar ameaças de um maluco.
Vamos ver quem é mais doente, baby.
11
Amber
Presente
“Onde está?”
Amber
Eric
Presente
14
Amber
Presente
Eu entro, escuto ele dar partida logo em seguida. Sigo, indo direto
para as escadas. É quase dia, eu preciso de um banho e minha cama.
Mordo os lábios, sinto o rosto corar. Ele é um idiota, e eu não
quero me envolver com nenhum dos amigos do meu irmão. Eles não são
bons. Todos têm uma fama péssima na cidade, destroem monumentos
públicos, lojas e são uns cretinos com as mulheres.
Viro à esquina, indo para meu quarto, mas uma mão grande me
puxa para trás. Eu tropeço nos pés e quase caio. Aiden me puxa pela gola e
me empurra contra a parede.
“O quê?” eu ofego, surpresa.
Meu irmão chega mais perto.
“Ele tocou em você?” Sua voz grossa e nervosa.
Olho por cima do seu ombro, vejo Riley atrás dele, com a cabeça
baixa, segurando o punho na frente do corpo. Claro.
“Você colocou ele para me seguir”, digo, entre dentes.
Aiden aperta minha gola.
“Fale!” ele grita.
Eu estremeço, minhas forças sendo sugadas.
“Sim, ele me tocou, e eu gostei”, grito, de volta.
Deixo toda a loucura sair.
“Eu gostei!” grito mais alto para toda a casa escutar.
Aiden abaixa a cabeça, decepção estampada nos seus olhos. Eu
não me seguro, começo a rir alto como nunca tinha feito antes. Riley
arregala os olhos para mim, surpreso enquanto meu irmão espuma de ódio.
“Fique longe dele!” impõe.
“Por quê?” Eu mantenho o ar superior. “Você está apaixonado por
ele?” bufo.
“Você sabe o que ele faz, ele destrói tudo que suas mãos tocam!”
Aiden grita de novo.
“Ele não pode destruir algo que já foi quebrado!” eu grito, abrindo
os braços e me igualando a ele.
Aiden, mamãe, papai, todos eles me quebraram. Todos eles
roubaram um pouco de mim.
“Eu vou foder. Eu vou foder tudo. Essa casa. Essa família. Essa
cidade...” Mordo o lábio inferior, ainda sentindo o gosto dele em mim. “Eu.
Vou. Foder. Você.” Minha risada explode.
Meu coração bate rápido como se fosse a primeira vez em que eu
me sentisse viva de verdade.
“Você é louca igual nossa mãe!” Aiden esbraveja, arrancando as
mãos de mim.
“Sim. Ele sempre está falando comigo.”
Eu me curvo, mãos nos joelhos.
“Ele?” ele pergunta.
“O diabo.” Eu dou um sorriso.
Inalo o cheiro de limão siciliano acentuado e sedutor dos
travesseiros e cobertas. Olho ao redor, vejo os móveis na paleta
acinzentada. Na parede, um quadro com uma pintura de um carro, e todas
as edições em HQs e livros de Star Wars enfileirados ao lado de Harry
Potter na estante.
Um carro e livros? De quem é esse quarto? Nenhum deles têm cara
de quem gosta de Harry Potter.
Mika entra no quarto só de jeans carregando um copo de água.
“Como você está?”
Ele estende a mão e me entrega.
“Confusa. Harry Potter?” Tomo um gole.
“Não são meus, eram da minha mãe.” Ele puxa a calça e senta na
beira da cama. “Nada dessa decoração foi ideia minha. Mas aquele Supra
combina comigo.” Aponta para a pintura.
“Quem fez?” questiono.
“Uma amiga da minha mãe, Liz McBride.”
“Você estava sorrindo enquanto dormia.”
Ele vira para mim.
“Eu?” Coloco o copo na mesinha de cabeceira, puxo o lençol e me
sento.
“Sim. Você também chamou um nome.”
Eu coloco os cabelos atrás das orelhas.
Ah merda. Eu estava delirando?
Não é possível, eu não tenho por quem chamar, talvez minha mãe,
só ela.
“Kene”, Mika diz, com um sorriso malicioso.
Eu arregalo os olhos, nervosismo toma conta.
“Eu chamei esse nome?” pergunto, confusa.
“Sim, várias vezes.” Ele dá os ombros.
“Mais alguém ouviu?” pergunto, me arrumando na cama.
“Aiden e Will”, Mika responde.
“O que eles disseram?”
“Nada.” Mika responde, tranquilo.
“Eric sabe?”
“Aiden não contou. Bem, ele não parecia interessado.”
Não lembro com clareza das coisas que aconteceram. Lembro de ter
lutado com Thomas quando descobri que ele era o culpado pela morte de
Sarah. Eric chegou e eles começam uma briga, depois eu enfiei uma adaga
nele.
Eu matei alguém...
Eu não conseguia respirar. Eric começou a gritar algo sobre eu ter
fugido dele... Droga, eu não consigo lembrar direito.
Eu ia falar algo para ele.
Só lembro dos sonhos, minha briga com meu irmão e depois
voltava a ver o homem sem rosto. Sofrimento e alegria.
“Onde Eric está?” pergunto.
“Lá embaixo, na sala de tv.” Mika escora o corpo nos braços.
Eu olho para ele querendo perguntar mais, mas hesito. Ele sorri.
“Não, ele não veio aqui em cima, nenhuma vez. E ele não sabe que
você estava chamando o nome de outro homem.”
Idiota. Não é isso que me interessa.
Eric moveu alguma peça do lugar, ou colocou de volta. Eu não me
encaixo mais sozinha, não enquanto eu não
descobrir a verdade. Por que ele tem tanta raiva de mim e por que estou
confusa.
“Tem roupa limpa no banheiro, se troque e desça. Eles ainda não
sabem que você acordou. Era meu turno, então quis fazer uma surpresa”,
Mika faz graça, seu sorriso, irritantemente lindo, brilha enquanto seus
olhos, da mesma cor dos meus, me encaram.
Eu fico em pé.
“Não me olhe assim, eu não vou te perdoar”, lembro ele.
Visto uma camisa branca e uma legging preta, calço uma pantufa do
King-Kong três vezes maior que meus pés, de Mika eu acho. Prendo o
cabelo num coque bagunçado. Vejo minha cara abatida no espelho, mas
ignoro.
“King-Kong, sério?” aponto para os pés.
Seus olhos descem.
“Elas não combinam com você, princesa”, ele bufa, zombaria
nítida.
Saio do quarto.
“Eu não sou uma princesa.”
Passo pelo corredor.
“Não são minhas!” Mika fala alto atrás de mim. Descemos a
sacadas e ele toma a liderança, mostrando o caminho.
A decoração da casa e inspirada na cultura japonesa e assinada por
Emma Morris. Pelo que eu li on-line, ela era ótima em decorar e criar. Não
me admira que sua casa seja tão linda. E ,apesar do seu marido ter se casado
novamente, sua presença continua viva aqui.
Por Mika?
Eu paro em frente a porta corrediça de bambu, escuto um som
característico. Olho para fora, vejo uma pequena fonte.
Uma fonte japonesa feita de bambu que faz um ruído quando a madeira oca
volta e bate nas pedras. Um ciclo interminável, onde o bambu soa com
um ruído de fundo suave e rítmico.
“São coisas da minha madrasta”, o mais novo diz, por cima do
meu ombro.
“Ela é japonesa?”
“Yeah.” Sinto o hálito quente dele dançar na minha orelha.
Chego na entrada da sala. Eric está sentado de costas para mim,
os braços descansam nas costas do sofá. Uma tela gigante em sua
frente. Sozinho.
“Para aonde os outros foram?” Mika pergunta, entrando na sala
e contornando o sofá.
“Will recebeu uma ligação e saiu, Aiden tem uma reunião com
o pai”, Eric informa.
Admiro seus cabelos pretos como um mullet simples e curto,
nada chamativo ou extravagante. Olho para sua
nuca coberta por uma camisa social preta. Ele sempre está bem vestido,
como se estivesse pronto para um coquetel. Deixo meus olhos caírem
por suas costas forte e largas, suas mãos tatuadas. As mangas da
camisa dobradas até metade do braço deixa à mostra os desenhos que
eu não vi antes.
Mika olha para mim, mas eu continuo parada. Eu não sei o que
quero dizer, nem sei o que pergunta. Eu me sinto como a garota de
apanhava do irmão e não sabia fugir daquilo. Acoada, confusa e com
medo. Eu não sou assim. Tudo isso está mexendo comigo de uma
forma que eu não
gosto. Não me sinto confiante, e isso é o pior que poderia acontecer.
Não posso enfrentar ninguém dessa forma.
Mika se levanta, passa por mim e sai.
Eu fico enraizada sem saber para aonde ir, o que está me
matando.
Engulo o nó na garganta, cerro os punhos. Você não é fraca. Eu
só tenho que ir. Não pense muito, apenas vá. Você sabe fazer isso. E
entro.
Circulo o sofá, e paro em pé na frente da tela. Seus olhos
sobem devagar, analisando meu corpo. A carne dos meus mamilos
endurecem a cada volta que seus olhos dão no meu corpo. De repente,
meu rosto queima e eu me sinto nua.
Jesus. Pare, só pare e fale algo, qualquer coisa. Meu rosto
arrepia quando nossos olhos se encontram.
Aaah, o que está acontecendo comigo?
Eric suspira, entediado. Eu aperto meus punhos, agora irritada.
Ele é um idiota.
Para quê esse alvoroço todo? Corpo estúpido. Parabéns Amber,
você acabou de receber o maior troféu de trouxa. Agora, ele deve estar
adorando ver seu rosto pegar fogo.
Pigarreio e cruzo os braços, encenando uma pose durona.
“Quem é você? De onde me conhece?” Minha voz soa séria e
dura.
Eric estira as pernas e cruza os tornozelos e braços.
Ele estreita os olhos em mim.
“Você é uma filha da puta”, cospe.
“Hã? Qual é o seu problema, cara?” Eu balanço a cabeça
indignada.
“Sonsa, fútil e falsa”, ele contínua listando.
Meu peito incendeia.
“Eu não conheço você, ok? Mas pelo visto, você me conhece
muito bem.” Me aproximo dele. “Então me diga quem é você!” Perco a
porra da paciência.
Eric levanta e avança em mim. Me segurando pelo pescoço, me
arrasta pela sala e bate minhas costas na tela.
“Eu sou aquele que te faz abrir as pernas”, ele sussurra, seus
lábios pairando nos meus.
“Então você deve ter sido ruim para caralho, porque eu não
lembro de foder com você”, cuspo sua gentileza de volta.
Ele inclina a cabeça como se estivesse me estudando, seu rosto
tomado de raiva.
“Você finge muito bem. Cuidado, ou eu posso acabar
acreditando no seu teatrinho”, late.
“Vai se foder. Eu já falei, eu não lembro de você!”
Eric para e cerra a mandíbula, seus olhos nos meus.
“Você não lembra?” pergunta, sem desviar o olhar.
Eu inclino minha cabeça para frente o desafiando.
“Não, eu não lembro.”
Eric solta meu pescoço. Coloca a mão na boca, ofegante.
“Você me denunciou!” grita e aponta para mim. “Você fugiu!”
Anda de um lado para o outro, nervoso. Passa a mão pela testa, tirando
o cabelo do rosto.
“Eu não fiz nada disso!”
Ninguém vai gritar comigo e me acusar de algo que não me
lembro. Ninguém.
“Eu não lembro de nada!” repito, indo até ele dessa vez.
Ele para e olha para mim, seus olhos me pediam algo ou
queriam dizer algo.
“Como você pôde...” lamenta.
“Porra!” ele rosna, e eu dou um pulo, assustada.
“Porra!” Eric grita e procura por algo, nervoso. Vai até à parede
e dá um soco, dois socos.
“Filho da puta.”
A risada do Coringa de Jared Leto soa atrás de nós. Eu olho
para Eric, sua cara furiosa encara a tela, giro minha cabeça e vejo o
Coringa e Arlequina no tanque químico. E então ele sai sem dizer
nada.
O que eu fiz a ele... Não sei o que fiz, mas eu fiz.
Meu coração bate angustiado.
Por que eu não lembro dele? O que aconteceu entre nós? Eu
não sei por onde começar. Meu passado se resume nas agressões de
Aiden, o desprezo do meu pai, a loucura da minha mãe e minha
internação fora do país. Depois disso, eu sou eu, a Amber de hoje. Ele
tem algo a ver com minha internação? Um rasgo na membrana?
Me escoro na janela e vejo o Mustang sair em disparate para
longe. E me dou conta de algo.
Filho da puta. É o mesmo carro da faculdade.
Volto para o quarto de Mika e me tranco. Passeando pelo
cômodo, vejo uma coleção de mangás de Dragon Ball, sete esferas do
dragão e bonequinhos em miniaturas, uns lançam poderes, outros
fazem poses chamativas. Devem ter
sido presentes. Ele parece um adolescente.
Abro a gaveta da mesinha de cabeceira, vejo os frascos de
remédios, pó e cigarros.
Ele é um adolescente que se afunda nas drogas. Bem, ele não é
mais um adolescente, então...
A noite chega tão rápido quanto o sol desperta. Saio do quarto.
Mika passa na sala de visitas com uma caneca, o cheiro de Whisky
coça minhas narinas, seguro o corrimão e espio ele caminhar devagar
enquanto as luzes da casa estão mais baixas.
“Isso é Jack Daniel's?” insinuo.
Mika gira a cabeça e ri.
“Sim, pequena Amber.”
Seus olhos deslizam pelo meu corpo.
“Elas ficam bem em você.”
Ele fala das roupas que eu peguei em seu closet.
Ele entregou minha bolsa com roupas mais cedo, mas eu não quis usar
nada do que trouxe, então ele disse que eu poderia pegar qualquer
coisa. Eu vi um par de roupa feminina, mas não quis usar, poderia ser
da sua mãe ou garota. Então peguei uma jaqueta de couro e vesti como
um vestido, já que chegava até metade da coxa, e finalizei com uma
bota até o joelho.
Will e Aiden saem da cozinha, cada um com um copo na mão.
Eles olham para mim.
“Você está acordada?” Aiden questiona, parecendo surpreso.
Acho que nenhum dos dois falaram nada.
“Pode ser que essa seja minha deslumbrante forma de
fantasma.”
Eu desço os degraus, mas continuo segurando o corrimão.
“Devemos chamar o Scooby-Doo e a sua turma para desvendar
esse mistério?” Will não deixa passar.
“Eu entendi a referência.” Eric sai da cozinha, segurando a
garrafa de Jack Daniel's com uma mão enquanto a outra está no bolso
da calça social preta combinando com a camisa da mesma cor. Ele
passa pelo meu irmão, Will e Mika, se planta na frente de todos eles.
Então é assim que ele vai agir.
Bem, você sabe que eu sei brincar, baby.
De repente, o silêncio some quando, ‘Man! Feel Like A
Woman!’, pega fogo na sala de tv. Todos ficam confusos. Eu olho para
Mika e bufo.
Eu detesto este garoto.
Solto o corrimão, meu cabelo molhado escorre pelas minhas
escapulas, deixando meu rosto livre. Passo direto por Eric, sinto seus
olhos em mim quando vou até Mika. Fico nas pontas dos pés e estico o
corpo para ver o líquido âmbar na caneca.
“Sem gelo?” provoco.
“Com limão”, Mika zoa.
Olho para o sorriso dele e me perco. Será que eu também
conheço ele e não lembro? Ele parece tão à vontade comigo. Volto,
meus saltos tocam o chão novamente. Será que é a semelhança dele
com sua mãe?
Mika estende a mão e eu pego. Ele me puxa e começamos a
dançar. Nada mais me importa. Eu só quero viver essa experiência. Eu
giro e dou pequenos pulinhos. Mika sorri, se divertindo tanto quanto
eu.
Segurando seu olhar, círculo ele. Costas com costas, e nós
dançamos no mesmo ritmo da música. Ele vira para mim, segura minha
mão e me gira, eu dou um gritinho, tonta. Então ele serpenteia o braço
na minha cintura antes que eu caía, e nós rimos.
“Você é livre pequena Amber!” ele grita, e eu pulo sacudindo
os braços.
Sinto os três pares de olhos em mim, mas eu não ligo. Que se
fodam.
Estendo a mão para pegar a caneca da mão de Mika, mas Eric
atravessa entre nós com uma carraca.
“Nós ainda temos um assassino para pegar”, diz, ríspido. Bem
na hora, a música acaba.
Ele bate os sapatos no chão e sai, deixando uma trilha de
chamas pretas para trás.
Sério, eu não sei qual o problema dele. Ele me irrita para
caralho, me xinga, me acorrenta, dá um chilique e agora isso? Me
poupe.
Nem buda teria paciência com esses tipo de humano.
Caio no sofá, cruzo os braços e pernas.
“Seja lá o que têm para dizer, digam logo. Eu não estou no meu
melhor humor”, cuspo logo, sem paciência para qualquer papo furado.
“Você parecia de muito bom-humor agora à pouco”, Eric late.
“Cale-se. A culpa é sua”, rosno.
“O quê? É tão mimada que não aceita quando o papai toma o
brinquedinho?” late de novo.
“Tão mimada que seu brinquedinho não duraria uma noite
comigo, papai.”
Hoje já foi irritante o suficiente e, quando estou me divertindo,
alguém me para? Cacete.
Eric senta na minha frente, Mika à sua esquerda e Will à
direita, enquanto Aiden fica na ponta entre mim e eles.
Aiden abre a boca, mas eu o corto.
“Era você no estacionamento da faculdade e na biblioteca. O
que estava fazendo lá? Era algum método estúpido para conquistar
mulheres ou faz parte da sua vingança?” Encaro Eric, sendo bem
direta. Tudo é culpa dele.
Ele franze a testa parecendo confuso.
“Nós não fomos ao estacionamento.” Ele é direto.
Então era mesmo eles na biblioteca...
“Era o seu carro”, aponto com o queixo para as chaves na mesa
de centro.
“Eu não fui de carro para faculdade naquele dia, eu estava com
o BMW de Will”, responde, tranquilamente.
“Então quem foi? Ele me ameaçou”, questiono, sem acreditar
na sua história conveniente.
“O que ele fez?” Aiden entra na conversa.
“Um sinal de silêncio com o indicador. E...”, pauso e dou uma
risadinha irônica. “Ele usava uma máscara estúpida igual a deles.”
Virando, encaro Eric de novo.
Eric se endireita no sofá.
“Uma máscara como a nossa....”, de repente, fica sério e
pensativo.
“Qual a cor?” pergunta, analisando.
“Vermelha.” Eu me encosto no sofá.
“Não era nenhum de nós.” Aiden reflete.
Viro para ele.
“Você usa uma também?”
Ele dá os ombros.
Meu Deus....
Bufo sem me conter, rindo com gosto da cara dele.
“Qual o seu problema?” ele rosna.
“É que,” rio mais alto, lembrando do passado. “Sete anos atrás,
você não usava máscara para me bater. Resolveu se esconder atrás
dessas porcarias agora?”
O clima fica pesado e tenso.
Eric se levanta e caminha até a janela, coloca a mão na boca,
numa pose pensativa.
“Você sabe de algo?” Will pergunta.
“Meu carro estava na oficina naquele dia... Quem mais está
atrás dela, e por que o meu carro?” Eric tenta encaixar as peças.
“Talvez alguém quisesse que ela pensasse que era você”, Mika
entra no assunto.
“O que ele ganharia com isso?” eu questiono.
“Você estaria aonde a pessoa queria que estivesse”, Will
responde.
“Em Burk, atrás de mim”, Eric mata.
“Alguém que te conhece e sabia que você iria agir assim”,
Aiden reflete.
“Meu pai", finalizo.
15
Amber
Presente
16
Eric
Amber
Presente
Meu peito afunda. Eu achava que era forte, que nada mais poderia
me afetar, porque eu tinha passado pelo inferno. Mas eu acho que depois do
inferno existe outro inferno. E só resta continuar lutando, não é?
“Saia!” exijo.
Corro a mão pela testa, tirando os cabelos do rosto.
“Você me odeia, então por que ainda está aqui? Vá embora da
minha casa!” Me levanto, me recuso ser uma vítima que não sou.
“Fique longe, ou irá se contaminar com a minha fraqueza e
insignificância.”
Eu aturei seu silêncio durante vinte e dois anos. Aturei quinze anos
das merdas de Aiden. Vivi cinco anos em outro país com loucos de todos os
tipos. Psicóticos, filhinhos de papai, bandidos, assassinos.
Porra, não há por que me controlar, há?
Amber Reese não é para fracos, papai.
Tiro um fone e depois o outro.
“Eu não sou uma criança que precisa ouvir as merdas do papai!”
grito.
Bato as botas no chão e vou até a cozinha.
“Você não é nada, sr. Reese, nada!” Varro o balcão, mando tudo
para o chão. Os vidros estouram quando caem e
facas riscam o porcelanato.
“Eu vou aonde eu quiser. Faço a merda que eu quiser. E se eu quiser
brincar com o meu vira-lata, eu vou! E você vai me ignorar como fez antes.
Vai manter sua boca calada!” Lanço uma garrafa de uísque nos seus pés.
Dou a volta na sala. Paro na frete da estante de vinhos.
“Eu me recuso a ser pisada por qualquer pessoa!” Tiro uma garrafa.
“Vamos, me enfrente, papai!”, lanço o vidro na parede.
Meu pai me estuda sem fazer nenhum movimento. Mãos nos
bolsos novamente.
Vou para o aparador e puxo o abajur com fio e tudo.
“Eu não tenho medo de vocês”, cantarolo enquanto me movo, indo para as
janelas. “Por que está tão sério? Não é divertido quando não tem mais poder
sobre mim?” Aperto o cabo dourado em punhos. “Oh, não seja assim, sua
princesinha quer brincar.” Lanço o abajur no vidro como uma boa jogadora
de beisebol manejando o taco. Tudo estilhaça no chão e eu curvo os lábios,
sorrindo.
Eu não sou mais uma menininha. Eu não sou mais aquela
menininha. Não preciso da pena de ninguém. Se eu precisar mostrar que eu
sou louca, eu vou mostrar. Se for preciso, eu quebro a casa inteira, eu
destruo prédios e cidades. Se for preciso levantar minha voz e gritar, eu
vou! Porque ninguém pode pisar em mim. Não mais.
Ninguém vai me ferir e sair ileso, porque é atacando que eu me
defendo.
“Você prefere cortar ao invés de curar.” A voz dura de Eric me
assombra.
Ele disse isso na escola?
“Você o escolheria agora”, meu pai fala.
“Parece que ele te moldou”, continua.
Eu franzo a testa. Do que ele está falando?
“Você é tão louco quanto eu.” Passo por ele, pego minha bolsa e
saio, batendo a porta.
Minha cabeça ferve. Ele entra na minha casa, despeja um caminhão
de merda em mim, e depois diz coisas que não faço ideia do que sejam?
Jesus, que porra.
Soco o botão do elevador, toco para fora. Meus punhos prontos para
socar a primeira pessoa que atravessasse meu caminho.
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Amber
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Me encosto na grade de proteção de vidro. Levo o copo de whisky
entre os lábios. Aiden geme do meu lado.
“Eu não vou ver isso”, e sai.
Mika se aproxima, fumando o mesmo cigarro com cheiro de menta
que Amber fuma. Will está no sofá, transando com a filha mais velha de um
banqueiro. Um tapa estrala no ar, e a vadia geme alto. II soltar um
sorrisinho safado, mas não tira os olhos da maldita piscina. Porra, nem eu.
Eu fiquei fora por três malditas semanas, e quando volto encontro
isso? Deus, me ajude.
O cabelo de Amber roça na bunda quando ela desce na garota de
cabelos loiros e a beija.
Meu sangue ferve, bombeando rápido pelo corpo e colidindo com a
ânsia de ter sua boca no meu pau e aquele corpo quente na minha cama. Ela
sendo minha todos os dias da semana. No café da manhã. No meu carro.
Minha depois que as crianças dormirem. Minha quando eu quiser, e ela
estiver quente.
A mão da garota desliza pela cintura de Amber enquanto elas
movem os quadris, esfregando uma na outra. Amber puxa a cabeça dela
para trás, e deixa uma trilha de beijos pela curva do seu pescoço. A garota
ri, e agarra um punhado de mechas pretas de Am, arrasta a perna dela pela
lateral da coxa e engancha pouco abaixo da bunda. Movendo lentamente, se
encaixa entre suas pernas. Seus olhos azuis descem pelo corpo de Amber e
a mão entre as pernas. Amber arqueia as costas. Cabeça caindo para trás.
A garota loira segura o rosto dela que levanta a cabeça e a encara.
Ela se aproxima, e beija, gentilmente, a testa de Amber. As duas riem, e se
abraçam, afundando juntas na água.
E pela primeira vez, eu a vejo tão relaxada e gentil. É como se, por
um momento, ela tivesse aberto mão do controle.
Sorrio para mim mesmo, e tomo um gole da bebida. Viro para II, a
garrafa de cerveja nos lábios. Os olhos triste e cabisbaixos. Ele dá um tapa
no meu ombro.
“Tô caindo fora”, avisa, vira e sai. Passando pela sala, deixa um
beijo na têmpora de Will e acaricia o rosto da garota.
“Vai aonde?” Will pergunta, ainda ofegante depois da terceira ou
quarta rodada. Um sorriso amarelo curva os lábios de Mika.
“Corrida”, II mexe as mãos imitando um volante.
“Seu pai vai te foder”, Will avisa enquanto a garota sobe e desce em
vaqueira invertida.
“Não se eu foder ele primeiro”, sai, batendo a porta da nossa
cobertura.
Poucas coisas tiram Mika do eixo. Mas este fenômeno acontece, e
não é legal. Apesar dele ser o mais atrevido e ter esse jeito que poucas
pessoas levam a sério e costumam subestima, ele consegue ser o mais cruel
quando é ferido. Seus sorrisos e brincadeiras escodem uma mente agressiva
e insana capaz de qualquer loucura.
Um aviso, não cometa o erro de brincar com um cara que esteve
preso durante três por um homicídio. Você não vai gostar de vê-lo perder o
controle. Não será bonito.
Saio do parapeito e sento na poltrona. Faz cinco dias que eu voltei
para cidade. Depois de tudo, eu precisava acertar contas com o passado.
Diferente da Amber ou dos meus garotos, eu precisava amarrar as pontas
soltas e procurar o que havia perdido. Eu não conseguiria seguir enfrente
sem consertar o que quebrou ou, pelo menos, tentar. Ficar não era uma
opção, não para mim. Não era pelo meu pai, ou porque eu não queria estar
aqui. Não era isso. Eu não me importo se ele vivi ou morre. Sean McBride
nunca foi um exemplo à se seguir, e eu nunca me iludi com essa história de
‘meu pai é meu herói.’ Sério? Isso é tão enjoativo e tedioso. Eu só precisava
ir. Ir para aquela cidade.
No meio do caminho, muitas coisas passaram diante dos meus
olhos como um filme. A primeira vez que Aiden me mostrou o vídeo e eu
não fazia ideia que a pessoa que procurávamos era meu pai. Quando
conheci a irmãzinha do
meu amigo e quis ela para mim. Minha mãe em seu ateliê, pintando uma
obra que eu nunca consegui entender.
Um túmulo de mármore escuro com velas vermelhas em pequenos
potes com furos nas tampas de metal. O fundo da pintura era borrado, não
dava para entender. Eu não entendia.
Mas quando fui questiona-la, ela me disse que aquilo era a vida. Eu
realmente não entendi naquela época. Mas pensando bem, agora faz
sentido.
Confusão. Morte. Luz. Sofia, o último quadro. A representação dos
sentimentos do homem que amava. Daniel e sua criança.
Vejo Amber pular e dançar o com as mãos no ar enquanto segura
um cigarro entre os dedos. Ela vai até o bar e se serve com mais bebida.
Seus mamilos duros e rosados apontam na renda fina do sutiã, agora, sem
cobrir quase nada. A outra garota está deitada na espreguiçadeira com o
braço nos olhos e sopra fumaça.
Eu fiz o que tinha que fazer, mas não achei o procurava. Então
resolvi voltar para Midran e resolver coisas pendentes com Daniel. Ele me
contou tudo sobre ele, Aiden, Amber e as cartas. Tudo faz sentindo, mas
ainda falta informações sobre a tal União, qual o propósito por trás das
outras mortes, e por que cartas. É um quebra-cabeça que está longe de ser
terminado.
Eu também tinha assuntos pendentes com Amber. Coisas que
precisava esclarecer e explicar, mas não fiz. Ela me fará perguntas,
perguntas que levam um tempo para serem respondidas. Foi sete anos de
espera para, no final, nada ser como eu imaginava. Se por um lado a culpei
por algo, por outro, nem sequer duvidei de Aiden.
Nós merecíamos espaço. Am mais ainda. Ela precisava decidir por
conta própria sobre nós, e como vai ser de agora em diante. Por isso,
ninguém, além de Daniel, sabia que eu estava de volta. Os rapazes podiam
sobreviver sem mim, porque, no fim, ela se tornou minha maior prioridade.
Eu a observei a maior parte do tempo quando não estava correndo
para administrar os bens do meu pai, que eu, legalmente, me tornei
responsável. Amber também esteve
ocupada com a faculdade, projetos e com seu novo empreendimento. Ela
esteve feliz.
Ela fica bem sozinha. Porra, ela se sai muito bem.
Eu odeio como a porra do meu sorriso pula quando ela é o assunto.
Amber é uma diaba que consegue tudo o que quer sem muito esforço. Ela te
fode e você acha graça. Ela me fodeu.
Ah, merda. Eu a amo. Não consigo fugir, nunca fui capaz. Ela é
minha desde do dia que a vi dentro daquela maldita sala.
Eu preciso dela nos meus braços, agora.
Coloco o copo na mesinha de vidro e me levanto. Passando pela
sala, vejo Will, agora sozinho, assistindo à um filme. Vou para meu quarto.
Tons de cinza para todos os lados, desde o edredom, aos acolchoados das
paredes. Puxo as cortinas, e as luzes dos arranha-céus apontam ao leste
através da neblina densa que se formava. Outra tempestade estava se
aproximando, mas o clima ainda estava agradável.
Arrasto as janelas corrediças. Desabotoo os punhos da camisa,
fecho os olhos ao inalar profundo. O ar dança no meu rosto, e parece mais
frio do que minutos atrás. Mantenho o
olhar fixo no horizonte enquanto deixo a camisa cair no chão. Deslizo a
mão pelo cabelo, descendo pela nuca.
As coisas teriam sido diferentes se eu soubesse a verdade? Não, eu
precisava ferir alguém para me sentir melhor. Todas as garotas que
passaram pela minha cama, as madrugadas em bares, os incêndios, até os
pontos marcados no
vôlei, tudo era para disfarçar o covarde que eu era. Amber era diferente. Ela
achou a paz em algo bom. Quanto à mim, tinha a destruição como abrigo.
Evito pensar muito, e volto para dentro. Abro o registro do
chuveiro, um jato de água quente cai nas costas como agulhas, mas melhora
quando me acostumo com a temperatura relaxante. O vapor cobre as
paredes de vidro. Penteio o cabelo para tirar o excesso de shampoo. Água
escorre pela testa, nariz e boca. E eu sinto meu corpo mais relaxado agora.
Melanie Martínez toca alto sob nós, e eu não consigo conter o
sorrisinho no canto da boca. Ela ama essa cantora.
Lembro do dia que entrei em seu apartamento. A primeira música da sua
playlist era dessa garota. Eu não sei por que ela gosta tanto. Tudo bem. As
duas parecem ser mulheres decididas que sabem bem o que querem. Mas
Amber pintaria o cabelo? Quero dizer, eu só sei que a cantora tem o cabelo
de duas cores, só pesquisei até aí, e depois me aborreci com as letras. Elas
têm línguas afiadas. Isto é parecido.
Corto o fluxo de água. Pego uma toalha e enrolo na cintura. Minhas
tatuagens brilham com pequenos cristais de água. A letra quente ecoa no ar,
e meu lábios se curvam num sorriso diabólico, entendendo. Cruzo os braços
no peito para ouvir com atenção.
A voz aveludada repete:
“Você não pode se esconder. Você quem pediu por isso. E...”
Entro no elevador. Faz um tempo que não escuto mais músicas. Ela
deve estar em casa. Toco para o vigésimo andar.
Graças aos jogos de Aiden, eu soube que o apartamento de
Amber estava localizado neste prédio quase vazio. Foi fácil
negociar a cobertura com parte do meu acordo com Daniel. A verdade sobre
a morte da minha mãe e a coberta no Raftel em troca da minha ajuda para
descobrir quem estava por trás das mortes.
Me mudar para cá fazia parte do plano de vingança, mas acabei
ficando no meu apartamento do outro lado da cidade. Era arriscado sair e
entrar sem ser visto. De quê serviria aparecer antes do planejado? Porém,
aconteceram vários contratempos no meio do caminho, como gabi e Sarah.
Todos estávamos ocupados nos revezando entre Burk e Midran. A cobertura
passou a ser usada como um ponto de encontro. Um lugar que todos nós
poderíamos ficar.
Acabou como nossa. Todos ficamos muito à vontade. Mika trouxe
alguns pares de roupas, enquanto Will só vem de visita e dorme às vezes,
Aiden faz o mesmo e eu também.
Paro em frente a porta preta, tiro as chaves do bolso e deslizo na
fechadura, giro, mas paro antes do click. Respiro e limpo a mente. Organizo
os pensamentos. Pacífico e silencioso. Toco a campainha.
Da última que vim aqui, eu não me controlei, e sai batendo a porta,
mas hoje, eu pretendo ficar um pouco mais, e
quem sabe, brincar com aquela coleção de lâminas na biblioteca. Não, meus
planos são outros.
Escuto o barulho da chave na fechadura, e a porta abre.
Meu coração bate. Amber está com a minha camisa, ofegante e sem nada
por baixo. Porra. Meu pau incha, e o tecido começa a pinicam na pele.
Trinta centímetros mais baixa que eu. Seu cabelo está bagunçado e
olhos acesos. Ela coloca a mão na cintura.
“Seu dono te dispensou hoje?” Pura arrogância nos lábios.
Me aproximo dela.
“Minha lady precisa mais de mim”, respondo, tão arrogante quanto.
Amber ri, se afasta da porta e estende o braço para dentro. O
convite claro.
Eu entro, e fito a cabeça loira no sofá. O cabelo claro como a neve
se destaca no meio de todos os móveis pretos. A luz do edifício vizinho
incide através dos janelões e bate no meio da sala. A cozinha é iluminada
por luzes fracas sob os armários de parede, e derramam sobre a bancada,
deixando resquícios caírem pelo chão.
“Deann”, Amber aponta com o queixo para garota, e eu fico
confuso.
Deann?
A garota passa o braço pelas costas do sofá e vira por cima do
ombro. Nossos olhares se encontram. O azul penetrante dos seus olhos
parece mais escuro longe da luz, e não brilham como antes. Ela me encara
fixamente, e eu sei. Eu sei.
“Eric McBride”, Amber me apresenta. Deann... fica em silêncio, me
encarando como um corvo raivoso, pronto para me atacar. Então vira para a
amiga.
“Ei, garota, tô caindo fora”, ela levanta e pega a bolsa.
“Pode ficar. Eu sei que gosta daqui”, Amber começa a sair da sala.
“Temos um lugar para ir”, aviso, ela concorda com a cabeça sem
olhar para trás enquanto atravessa o corredor e entra no banheiro.
Deann joga a bolsa de volta no sofá e vai para cozinha. Pega uma
cerveja no cooler, abre na bancada e toma um gole. Seus olhos em mim.
Volta para sala, senta e começa ver algo no iPad.
Alguns muitos minutos depois, eu estava sentado com as pernas
cruzadas numa poltrona, Deann na sua quarta cerveja enquanto via algo na
tela. Música vinha do banheiro. É claro que ela não perderia a oportunidade
de me fazer esperar, e tem aquele ritual na banheira, as velas, o escuro, o
cheiro de cigarro e bebida.
Estudo toda a sala. O piso mais baixo no centro onde fica os sofás e
a mesinha. O aparador de mármore preto, o abajur dourado, e as cortinas
que varrem o chão. Tudo reflete sua personalidade e bom gosto. Bem, quem
a vê sempre vestida de preto não imagina que sua obsessão pela cor é tão
grande que até as maçanetas das portas são pretas. Mas é só isso, não tem
muitas coisas que lembre a Amber de sete anos atrás. Nenhum quadro ou
desenhos. Ela deve ter enterrado tudo. Afinal, não é uma mulher que deseja
reviver o passado.
Ouço barulho de passos. Olho para o corredor. Amber vem,
desfilando num vestidinho de couro colado no corpo com todas as belas
curvas marcadas. Capa longa, também de couro. Botas pretas até os joelhos
e uma bolsa que imitava uma bola prata e com pequenas pedrinhas e um V
cravado na frente.
“Vamos dividir o macarrão?” ela se curva sobre mim, passa a mão
pelo colarinho da camisa e espalma meu peito. Seu hálito fresco faz cócegas
no meu rosto.
“Como quiser, dama”, me ergo lentamente, seu olha preso no meu
quando faz o mesmo, sem quebrar o contato visual.
Amber desliza a palma na minha, nossos dedos se entrelaçam. Roço
o polegar pela cicatriz feita naquele jantar. Ela ri e aperta o agarre.
“Estou indo”, avisa, por cima do ombro, eu sigo seu olhar enquanto
deslizo a outra mão no bolso.
“Seja uma garota má”, Deann fala para a amiga, mas seu olhar está
em mim.
Retribuo com uma leve inclinada na cabeça.
Ligo o carro, o motor da BMW M5 soa alto. Amber ri quando eu
acelero, e os pneus cantam no asfalto, tocando para longe.
Olho para o painel, são duas da manhã. Amber está do meu lado
com a cabeça virada para direita, olhando para fora. Seu peito sobe e desce
tranquilamente na longa reta.
A chuva que ameaçava cair mais cedo, começa a bater forte como
balas no para-brisa e na lataria. Amber geme, e eu olho de volta para ela.
Seu semblante complemente relaxado e fascinado com a chuva.
“Eu lembro da primeira vez que encontrei você no cemitério”,
quebro o silêncio. Olho para estrada, agora. “Você estava deitada ao lado de
um túmulo. Sua expressão era a mesma”, lembro. “Na sala de aula
também”, coloco o cotovelo na porta e levo a cabeça a mão. Amber respira
fundo.
“Sua energia caótica sempre esteve me espreitando”, diz, num tom
brincalhão.
“Eu gosto da paz”, fica séria.
“Eu sei, foi isso que sempre me atraiu em você. Claro, isso foi antes
de ver como você era quente.” Viro para ela, seguro o câmbio, “Como ainda
é!”, engato marcha.
Am coloca a mão na minha nuca e acaricia meu cabelo. Meus pelos
arrepiam. Meu pau recebe a mensagem e cutuca minha virilha. Com um
simples toque, porra.
“Você sabe que nós temos que ter àquela conversa, não é?” ela
descansa a cabeça no banco, sua mão macia e quente na minha nuca
enquanto enrola uma mecha de cabelo com o indicador.
“Sim”, concordo, pronto para isso.
Nós, meu pai, seu pai, seu irmão e o que vai acontecer depois, tudo
tem que ficar claro para funcionar. Eu quero isso.
Respiro fundo, e começo a falar sem hesitar, sem evitar a verdade,
sem ser desonesto com a mulher ao meu lado.
“Depois que você foi embora, seu pai me procurou e me ofereceu
um acordo. A verdade por trás da morte da minha mãe em troca da minha
ajuda. Eu queria vingança e estar perto dele me dava mais chances de ter
acesso a você, então aceitei. Foi um acordo”, piso no freio, a pista
escorregadia faz a traseira derrapar. “O resto você sabe.”
Eu fiz isso, eu queria fazer. Não. Não posso fingir que nada
aconteceu. Maquiar não vai resolver. Agora, depende dela.
Continuo olhando para estrada. Mil possibilidades de reações passa
pela minha mente. Ela pode achar tudo isso estúpido e se recusar a aceitar
como justificativa. Pode achar que sou o pior lixo, escroto. Pode ter nojo e
repulsa pelo o que fizemos com gabi, com ela e Sarah. E pode... Não. Andar
em círculos não faz meu estilo. É bobagem fazer suposições.
O que deu em mim? Porra. Pareço um cara inseguro.
Afasto qualquer pensamento irrelevante, e foco na estrada. A cabine
fica mais apertada quando o segundos
passam e o silêncio assustador toma conta. Angústia começa querer bater
forte quando ela não fala nada e permanece olhando para o lado. Sua mão
não está mais em mim.
“O que aconteceu com aquela garota?” finalmente pergunta algo.
Meu peito cede. Obrigada. Solto o ar preso nos pulmões aliviado,
finalmente.
Semicerro os olhos, confusão ao me dar conta da pergunta.
“Que garota?” viro para ela.
“Da noite do jantar”, Amber olha para mim, atentamente.
Eu forço os olhos até lembrar.
Ah... Gabi Greene. É verdade, ela viu a cena de como a tratei como
um saco de merda. Meu pomo do adão sobe e desce. Merda. Ela viu aquilo.
Solto o ar.
“Ela conseguiu fugir.”
Sinto os olhos de Amber continuarem em mim enquanto me
concentro na estrada.
“Deve estar bem”, tranquilizo.
Ela não fala nada, e meu estômago arde. Fale algo, qualquer coisa,
por favor.
“O que vocês fizeram com o corpo de Thomas?” pergunta, e eu
volto a respirar. Arregalo os olhos, surpreso.
“O quê?” ela franze as sobrancelhas.
“Você não tem medo que eu faça o mesmo com você? O que fiz
com a garota?” questiono, ainda surpreso.
Amber cruza as pernas. Meus olhos descem, automaticamente para
fenda profunda que se abre em sua coxa.
“Você já fez. E eu sei que não fará de novo”, diz, com um ar
arrogante.
“Como tem tanta certeza?” pergunto, encarando seus olhos que
parecem castanhos com a pouca luz. Coloca o cotovelo na porta e deixa a
cabeça relaxar na mão. O rabo de cavalo escorre junto.
“Porque você não quer se vingar e,” faz uma pausa. “Eu cortaria
cada membro seu.”
Ok, ela tem coragem.
“Eric”, sua voz séria, novamente. “O que fez com o corpo?”
pressiona.
Ponho a mão sobre a dela.
“Querida, você não precisa saber. Não foi sua culpa.”
Ela desvia o olhar.
“Ei”, puxo seu queixo. “Ele fez muitas coisas ruins. Matou minha
mãe e sua própria irmã”, falo duro. Amber engole seco.
“Eu sei. Não sinto autopiedade, mas não quero ser a única a não
saber.”
“No fundo do mar”, aponto para esquerda enquanto faço a curva.
“Você esperou por mim, e se eu não tivesse voltado?” mudo de
assunto.
“Eu o torturaria com meu corpo sensual e faria você implorar pela
minha cama quente. E no momento que conseguisse, pisaria em você”,
Amber expõe seu plano maligno.
Eu bufo.
“Fala sério. Eu? Implorando?” rio dela.
“Não seria a primeira vez.”
Merda.
“Eu sabia que iria voltar”, diz ela, de repente. “Eu não precisava
ligar ou me desesperar, você voltaria para mim.”
Meu coração dói. Meu Deus, eu sinto que posso morrer agora. Ela é
tão linda e confiante.
Amber
Um ano depois
Amber Reese
Fim
Nota da autora
Agradecimentos
Para meus irmãos. Minha irmã que cuida da maior parte da limpeza
da casa para que eu possa escrever e estudar, me deixa sozinha no nosso
quarto, porque eu sou chata com isso. E meu irmão mais novo que também
me deixa sozinha mesmo querendo brincar na varanda.
Para minha bisavó, de quem eu herdei essa sensibilidade brutal.
Obrigada por tudo.
Para Gabriel Araújo. Eu nunca vou esquecer daquela montanha
russa e de como eu gritei. Obrigado por existir.
Para Riih, minha leitora beta, que leu todo mesmo com os erros, e
me encorajou a continuar com seus elogios e empolgação.
Para Arthur. Vamos tirar aquela foto. O autógrafo será seu!
Para minha psicóloga, que me ajudou a enxergar muitos pontos e
me deu suporte e encorajamento para conquistar minha liberdade.
Para Marina Blanc, escritora e treinadora. “Seu livro é o melhor.
Você tem que dizer assim”, ela disse em um dos seus vídeos. Obrigada por
todas as dicas. Continue firme, garota super poderosa!
Para as pessoas que me acompanham e interagem comigo nas redes
sociais, eu amo cada curtida e comentário. Todo carinho é válido. Vocês
fazem um autor feliz.
Para os criadores de conteúdos, vocês são incríveis. O Pinterest é o
meu lugar favorito no mundo.
Para Penélope Douglas, a escritora que me fez quer escrever. Eu
amo todos os seus livros, mas Nightfall é o meu favorito. Impossível não
amar Will Grayson III e Emory Scott. Eu simplesmente não consigo deixar
de não me apaixonar por eles.
Para quem está começando. Aproveite o processo, essa é a melhor
parte. Nossas histórias serão encantadoras.
[1]
As máscaras representam mulheres que viraram demônios devido a obsessão ou inveja. Os
Hannyas são a representação do demônio faminto do Budismo japonês, similar ao Preta, uma
alegoria de sentimentos humanos como a paixão, ciúme e ódio, todos capazes de transformar homens
e mulheres em um terrível monstro.