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Copyright ©️2023 por Gabriele Araújo

Todos os diretos reservados. É proibida a reprodução total


ou parcial desta obra sem o consentimento prévio do autor.

Preparação, revisão, diagramação: Gabriele Araújo

Foto da capa: Amit Chowdhury

Design: Yabis
Para gabi
Mude, ou nada mudará, meu bem. Obrigada pelo seu trabalho
duro nesses últimos meses.
Playlist
High School Sweethearts – Melanie Martinez
Beggin For Thread – BANKS
Dirty Little Secret – The All-American Rejects.
The Man – Small Town Titans
The Devil's Choir – Small Town Titans
Pacify Her – Melanie Martinez
Darkside – grandson
Nothing Else Matters – Apocalyptica
Drown – Bring Me The Horizon
Lifestyles of the Rich & Famous – Good Charlotte
Get Free – The Vines
Human – Rag'n'Bone Man
3Am –Janine
Daddy Issues – The Neighbourhood
Superman – Eminem, Dina Rae
Man! I Feel Like A Woman! – Shania Twain
Swim – Chase Atlantic
Bad Intentions –Niykee Heaton
I'm Not Jesus – Apocalyptica, Corey Taylor
Dress – Taylor Swift
Girls Just Want to Have – Cyndi Lauper
Detention – Melanie Martinez
Mirrors – Justin Timberlake
“Querida, deusas não sussurram, elas gritam.”
American Horror Story
01

Amber

Presente

Observo meu reflexo no espelho embaçado. Penteio os fios escuros


desalinhados do cabelo. Uma necessidade desesperada me invade.
Eu preciso de algo forte.
Tão intenso que me faça querer jogar novamente. Que me leve até a
beira do precipício.
Minha vida é solitária com sempre desejei. Não tenho família
próxima ou amigos, exceto por uma, se é que posso chamá-la assim.
Sinto que falta uma peça.
Encho o copo com uma última dose, e completo com gelo. O
líquido âmbar transborda. Ponho a garrafa de Jack Daniel's vazia sobre o
mármore preto.
“Merda”, minha voz soa baixo.
Seguro a pedra gelada. Projeto o peito para frente. Agarro o seio nu.
Acaricio o coro duro do mamilo. Meu corpo reage como intensidade. Pego
o cigarro no cinzeiro de cristal. Seguro o copo com uísque, e tomo um gole.
Porra.
Posso sentir as chamas queimarem meu estômago e anestesiar os
sentidos.
“Eu estou fora de controle”, resmungo, deixando escapar um sorriso
doentio.
Balanço os quadris ao som de ‘High School Sweethearts’, de
Melanie Martinez. Deslizo os dedos sob as alças da calcinha. Ela escorre,
percorrendo o caminho até o chão.
Inalo profundo o aroma ardente de menta no ar.
Uh, estou cada vez mais úmida.
Afundo na banheira. Espuma transborda enquanto a água quente faz
cócegas nos meus mamilos. Olho através da parede de vidro, vejo os
prédios iluminarem o horizonte.
Dou mais uma tragada, inclino a cabeça para trás, solto fumaça.
Meu clitóris pulsa.
Engancho a perna na extremidade da banheira. A mão percorre o
interior da coxa. Desejo mais. Passo os dedos pela virilha. Descendo um
pouco mais... Acaricio, gentilmente o curo duro em movimentos circulares.
“Ah, merda!” minha voz rouca, ecoa pelo apartamento.
Mordo o interior do braço esquerdo enquanto mantenho o ritmo dos
meus dedos acelerado, forte e constante. A dor atravessa minha pele. Meu
interior lateja, aperta e queima. Sempre ganancioso. Desejando por mais.
“Mm-mm”, um gemido abafado escapa quando mordo mais forte.
Uma descarga elétrica invade minha cabeça, todo meu corpo fica
trêmulo. Cada célula se rende ao desejo quando o orgasmo explode.
Meus olhos pousam na espuma tingidas de vermelho. Sinto o
sangue escorrer pelo garganta. O gosto forte de metal na boca nem o whisky
faz desaparecer. Me aproximo da pia. Acendo mais um cigarro. Pego a
bebida e deixo cair sobre a mordida.
“Humm”, mordo o lábio inferior. Sinto a dor corroer. Inspiro fundo
e inalo a fumaça.
Pego o roupão preto no chão, visto e dou um laço firme. Penteio o
cabelo, e deixo todas as mechas escorrerem pela nuca. Com os pés
descalços, me arrasto até o quarto. Abro a porta, ligo o abajur e pego meu
celular em cima da cama. Desbloqueio. Vejo algumas notificações;
marcações em posts, e-mails e ligações perdidas do meu irmão que eu não
retorno. Tudo que eu menos preciso é do cretino do meu irmão para estragar
minha madrugada.
Vou até o closet, o cheiro das velas aromáticas penetra meu nariz ao
entrar. Passo pela gaveta de lingeries. Deslizo as pontas dos dedos pelas
caixas empilhadas na prateleira superior. Agarro uma preta com uma cruz
vermelha.
Volto para o quarto, circulo a cama e vou até à poltrona ao lado dos
janelões, onde jogo a caixa. Tiro o roupão, pego gazes e começo a fazer
pressão na ferida aberta. Em seguida, faço a limpeza apenas com soro.
Permaneço nua em frente a
janela com os dedos enterrados no cabelo enquanto admiro meu reflexo.
Ouço quando a campainha toca.
Diabos. São três da manhã.
Ando com passos lentos através da sala, sem sequer me dar ao
trabalho de vestir o roupão ou qualquer outra roupa.
Seja lá quem for, será ignorado.
Me aproximo da porta, levanto os calcanhares para ver através do
olho-mágico. As pontas molhadas do cabelo tocam minha bunda e um
arrepio corre minha espinha. Me inclino um pouco mais, os mamilos duros
roçam na madeira. Franzo a testa ao ver Aiden, meu irmão mais velho,
vestindo um terno cinza, camisa branca e uma gravata bege. O cabelo claro
lambido para trás, e o mesmo olhar asqueroso de sempre.
“Bege? Ugh, seu senso de moda me enoja”, resmungo.
A companhia toca novamente. Meus calcanhares alcançam o chão.
Minha testa franze em negação enquanto me afasto. Eu adoraria poder
ignorar essa visita surpresa, mas não, eu não posso. Na verdade, eu posso.
Entretanto, ele irá fazer da minha vida um inferno se eu não der atenção. E
minha mãe pode estar doente. Volto para o quarto, pego meu roupão no
chão e visto. Aiden nunca me liga. Não que isso me incomode, pelo
contrário, fico aliviada. Ele é um merdinha fodido que sempre quer impor
sua ‘autoridade’ de merda. Sempre arrogante. Um bastardo igual ao nosso
pai.
“Tsc, bastardo”, rosno.
Entro na biblioteca. Examino minha coleção de facas uma por uma.
Imagino qual seria melhor para corta a carne do bastardo. Pego uma adaga
preta com cristal vermelho, coloco a arma escolhida no bolso do roupão e
saio.
Passo pela cozinha estilo americano à minha esquerda. A direita
está a ampla sala, projetada num piso mais baixo.
Há janelões do teto até o chão e vidro. Uma cortina preta varre o chão de
porcelana. No piso inferior, há dois sofás pretos e uma mesa de mármore
branco. A arquitetura do apartamento é deslumbrante. Assim que coloquei
os pés nele, sabia que, com a decoração certa, ele seria meu.
A campainha berra mais uma vez. Agarro a maçaneta, giro a chave
duas veze. Ouço o click, e puxo a porta em minha direção. Aiden me encara
com a carranca furiosa. Encosto o ombro na moldura da porta, deixando-a
aberta, mas impedindo sua entrada. Cruzo os braços sobre o peito, e o
analiso ali, em pé na minha frente. Seu rostinho macio não é nada charmoso
com aquela cara de Sphynx enrugado que faz quando está puto. Um
desperdício aquele par de olhos azuis. Eu quase rio. Como ele reagiria se eu
disser em voz alta?
“Esteja lá às dez", diz.
“Meia noite. Estarei lá meia noite”, uma voz responde do corredor.
Tinha alguém com ele. Filho da puta! Trouxe um dos seus
cachorros aqui.
“Já acabou com o seu cão?” eu o provoco. “Diga o que quer, e vá
embora. São três da madrugada.”
Aiden risca o olhar em minha direção.
“Meus vizinhos são pessoas sensíveis.”
Ela se aproxima, furioso.
“Só mora você no prédio. Por tanto, não há vizinhos”, late, entre
dentes.
Eu inclino a cabeça para o lado.
“Eu não teria tanta certeza... Meus pequenos demônios sempre me
acompanham. Assim como antes, naquela casa. Você não lembra, irmão?”
“Cinco anos internada num hospício não foi suficiente para você,
irmãzinha?”, abre um sorriso de merda.
“Ah, foi. Inclusive...”, descruzo os braços e caminho até ele.
“Aprendi a como usar um pica-gelo de uma forma muito divertida. Quer
que eu te mostre?”, minha voz sai como um sussurro.
“Você não vai me convidar para entrar primeiro?”, aponta com o
queixo para a entrada.
“Vomite sua merda daí. Minha empregada limpou a casa hoje.”
Veneno escorre pelos cantos da boca.
Aiden avança. Me puxa pelos cabelos e me empurra contra a
parede. As costas dos dedos passeiam pelo meu rosto enquanto a outra mão
segura minha mandíbula com força. Encosta o nariz na minha orelha, e eu
sinto sua respiração ofegante no ouvido.
“Sua vadia. Por que continua bancando a superior?”
Leva a mão até a mordida no meu braço.
“Amber, você não passa de uma puta doente que abre as pernas para
o primeiro cara que esteja disposto te fazer sangrar”, aperta.
Engulo o medo e o susto de ter sido pega com a guarda baixa. Eu
sabia. Meu irmão também tem seus segredinhos sujos.
“Isso te deixa duro não é mesmo, irmão? Hã? Me diga, quantos
foram?” minha voz fica tranquila enquanto o encaro.
“Segure sua ejaculação precoce, Aiden. Demônios têm muito
apetite.”
“Sua doente!” Ele levanta a mão para me dá uma tapa. Mas antes
que faça, eu engancho o braço em seu pescoço, prendendo-o próximo à
mim.
“Me bata, Aiden. Vamos, me bata”, desafio, baixinho enquanto ele
congela ao sentir a ponta afiada da adaga pronta para perfurar sua pele.
Eu aprendi a sobreviver no inferno, irmãozinho.
Desvio os olhos de Aiden por uns instantes, e fito o homem
escorado na parede com as mãos enfiadas nos bolsos da calça social nos
encarando. Ele vestia um terno preto e uma camisa da mesma cor com dois
ou três botões abertos apenas o suficiente para mostrar parte de uma
tatuagem. O cabelo preto penteado para trás com algumas mechas que
escorriam pela testa. Ele nos observava atentamente com os olhos escuros
como se estivesse vendo o gato comer o rato.
Há quanto tempo ele está ali?
Sinto a energia ruim me possuir. Empurro meu irmão, e mantenho
contato visual com ele. Seus olhos pousam no meu peito que havia
escapado do roupão quando Aiden avançou em mim.
“Ei, cão” meus lábios se curvam num sorriso diabólico. “quer
tocar?”, jogo.
Ele ergue o queixo, os cantos do seu lábios curvam-se com um
sorriso malicioso. Um desafio.
Aiden atravessa entre nós e quebra nosso contato visual.
“A mamãe quer vê-la”, fala ao passar por seu cãozinho.
“Vá para Burk amanhã, e use algo descente.”, e as portas do
elevador se fecham.
Ele realmente trouxe alguém aqui para vigiar meus passos e me
atacar quando ele estiver afim? Ou ele vai dar ordens para ele me trancar
como fazia antes? Vou ter castigá-lo se ele se comportar mal.
Sorrio para mim mesma.
Meu irmão não sabe com quem ele esta brincando. Ele ainda não
se deu conta que eu não sou mais uma garotinha idiota de quinze anos?
Mas aquele cara era diferente. Tinha algo em seu sorriso, nos olhos
e até na respiração. Calmo, arrogante. Penetrante como uma força do mal
que te domina e te induz a fazer coisas que não quer, apenas por pura
diversão.
Os pelos dos meus braços arrepiam. Eu fico parada entre a cozinha
e a sala, lembrando da sensação incômoda que é sentir que falta uma peça.
Por que eu estou lembrando disso agora?
Pisco lento, e evito pensar muito. É perda de tempo.
Olho para a ilha da cozinha. Vejo a pilha de contas e cartas em
respostas aos projetos de casas e lojas que eu fiz meses atrás. Sim, ainda
existem pessoas que mandam cartas.
Me aproximo, estiro o braço e pego os papéis. Começo a folhear um
à um. Renovação do meu plano de saúde. Fatura dos meus cartões.
Assinaturas de revistas e jornais. Cartas de agradecimento. Um convite da
minha faculdade.
A companhia toca novamente.
Aiden ainda não está satisfeito?
Dou meia volta, planejando o que fazer com ele desta
vez. Abro a porta sem muito esforço. Não tem ninguém. Saio e procuro no
corredor. Nada. Ao voltar, vejo uma caixa de papel azul-mediterrâneo. Pego
o envelope preso na fita de cetim. Estudo o papel apenas com o meu nome,
sem remetente. Tiro o cartão da mesma cor com letras douradas. Sinto a
boca ficar seca. Meu coração bate forte.
Que porra é essa?
Leio mais uma vez.
Sabe o que uma criança maldosa faz quando
não consegue brincar com o brinquedo que
deseja?
Ela quebra ele para ninguém mais brincar.
Vinte e dois anos. Vinte e duas vidas.
O tic-tac do relógio não para. Assim como eu
não vou parar até conseguir meu brinquedo.
Você é minha.
Você é a próxima.

Abro a tampa da caixa. O cheiro repugnante de podre invade a


cozinha e a sala. Dou um passo para trás, sem saber ao certo para onde
olhar ou como agir.
O que é isso?
Meu pai...
Você é minha. Você é a próxima.
Minha garganta dói para cacete. De repente, meus pulmões
queimam e eu percebo que parei de respirar.
De novo.
Coloco a mão na banqueta. Inalo e exalo lento pela boca. Eu preciso
me acalmar e pensar devagar para não perder as entrelinhas.
Tremo até o osso quando encaro mais uma vez para as unhas
pintadas.
02

Amber

Presente

Raios de sol atingiam meu quarto. Depois do meu irmão sair, fui
checar minhas ligações perdidas e mensagens não respondidas para saber se
minha mãe havia me procurado. Tinha apenas uma ligação perdida.
“São sete da manhã. Mamãe deve está acordada.” Afasto o cobertor,
arrasto as pernas para fora da cama e ponho os pés no chão. Fico sentada,
sentindo o piso frio sob meus dedos.
Minha mãe está sob cuidado psiquiatra há anos. E eu estive longe
por um longo tempo. Deve ser este o motivo para querer me ver
repentinamente, se o que Aiden disse for verdade.
Eu me arrasto até o banheiro, coloco o celular no suporte e começo
a discar. Minha mãe atende no segundo toque. Ela sempre atende rápido
diferente do meu pai.
“Olá, querida”, diz ela, sonolenta.
“Olá, mamãe, você está bem?” Pego minha escova e pasta de dente.
“Estou ótima. Tenho saudades da minha filha. Venha à cidade hoje,
ok?”
Ouço a voz da minha ex-babá ao fundo.
“Tudo bem, eu vou, ok?” digo, tentando suavizar minha voz ao
máximo.
“Senhora Reese, é hora do seu calmante”, Helena lembra.
“Eu mesma vou fazer sua sobremesa favorita. Venha rápido,
querida.”
Minha mãe ignora o lembrete e continua.
Aperto o tubo de pasta com força, ao ponto de quase estourar em
minha mão.
“Sim, mãe”, dou uma breve despedida e desligo.
“Faz sete anos que eu não piso naquele lugar de merda”, digo para
mim mesma.
De Midran até Burk é uma hora de carro.
Entro no meu aplicativo de músicas, rolo minhas playlists e clico
em Confusão. ‘Beggin For Thread’ – BANKS, começa a tocar. Mergulho
debaixo do chuveiro. Despejo shampoo nas mãos e levo até a raiz do
cabelo. Massageando o coro cabeludo, fecho os olhos. Água cai no meu
rosto e escorre como uma cascata pelos seios, barriga, coxas, pernas e pés,
até chagar ao chão. Fico ali por um instante, me permito relaxar antes de
enfrentar o mundo fora das paredes do meu apartamento.
Entro no closet. Pego alguns pares de roupas e uma bolsa grande de
couro e jogo tudo na cama.
Arrasto os cabides à procura de algo para vestir. Puxo um jeans justo preto
e moletom cinza. Me abaixo, e tiro uma bota de salto grosso da prateleira
inferior.
Me visto. Enfio as roupas, sapatos e minha caixa de curativo na
bolsa. Pego meus óculos de sol em cima da penteadeira e chaves. Passo pela
cozinha, contorno a ilha e pego uma garrafa de Jack Daniel's. Tranco a
porta e vou até o elevador.
As portas fecham. Sinto o piso prateado do elevador tremer.
Desbloqueio a tela do celular, conecto meus fones via Bluetooth, ‘Dirty
Little Secret’, de The All-American Rejects, começa tocar. Meu peito
aquece com o som da guitarra. Rolo as postagens do Instagram, curto
algumas publicações sobre decorações e design e respondo menções sobre
meu projeto. O elevador para, e as portas abrem. Eu me mantenho focada
nas redes.
Dei dois passos para o lado, deixando espaço para quem fosse
entrar. Alguém entra e, pelo canto do olho, vejo uma mão tatuada. Um
homem. Ele passa ao meu lado sem me cumprimentar, e vai para atrás de
mim. Fico imóvel por uns instantes, mas depois volto a focar no celular,
sem me importar com sua presença.
A maioria das pessoas de hoje em dia perderam a habilidade de dar
um simples “bom dia" quando encontra alguém. Educação está cada vez
mais rara nesse mundo. Faço uma crítica nada construtiva mentalmente.
Espera aí... em que andar estamos?
Olho para o pequeno painel. O número 19 está aceso. Logo em
seguida, o 18 acende. Ele entrou no décimo nono andar...
O décimo nono andar está completamente vazio.
Todos estão na verdade. Mas é proibida a entrada no décimo nono.
Motivo: um homicídio. Razão para todo o prédio ser inabitado, exceto por
mim e os três funcionários que trabalham na manutenção.
Bloqueio a tela do celular. Faço um movimento com as mãos para
conseguir ver quem estava atrás de mim, mas não consigo ver nitidamente
seu rosto, apenas parte de sua tatuagem no pescoço. Um arrepio corre
minha pele.
O cara da noite passada?
O elevador balança de repente, e as portas abrem novamente.
Levanto a cabeça quando várias pessoas entram, reduzindo o espaço entre
nós. Sinto o calor do seu peito em minhas costas. Sua respiração pesada no
meu cabelo. Eu fico imóvel sem saber se devo reagir ou não. Minha adaga
está presa no sutiã, eu poderia usá-la, mas qualquer movimento errado e eu
assustaria todos esses idiotas que estão aqui.
Calma, Amber. Eu sabia, Aiden mandou ele para me seguir. Filho
da puta. E, por segundos, lembro daquele armário escuro, do meu pai e dos
gritos. Mais pessoas entram e me forçam a dar alguns passos para trás. Que
inferno! De onde surgiu tanta gente às oito da amanhã de um sábado?
Minha espinha arrepia. Ele passa a mão pela minha cintura e agarra
a barra de aço presa na parede. Meu peito sobe e desce, com respirações
rápidas.
Oh, meu Deus.
Meus olhos caiem nos desenhos em sua mão. Uma rosa com a
palavra ‘Sussurros’ escrito ao lado. Uma interrogação no dedo anelar, uma
luva de boxe no apontador e outros desenhos pelos outros dedos.
Corro os olhos pela extensão do seu braço, e deduzo que existem mais sob a
camisa social preta.
Sussurros?
Olho de novo para ter certeza, mas de repente, o oxigênio parece
pouco. Sufoco lentamente. Ele estava agarrando a barra de ferro com tanta
força que veias saltavam e a mão estava vermelha. Sinto buracos abrirem na
minha pele, e sua respiração pesada rastejar pela minha mente. Ele se move.
Agora seu peito está contra mim. Engulo seco. Droga. Meu coração martela
forte no ouvido.
Droga, abra logo!
Um bip dispara no ar, quando as portas se abrem. Atravesso o
saguão sem olhar para trás. Taylor, o porteiro, me cumprimenta com um
sorriso, e eu retribuo acenando com a mão. Respiro fundo, aliviada por está
fora e longe. Destravo a Porsche 911 preta estacionada em frete ao prédio,
— eu poderia ter estacionado na garagem, mas apenas o larguei onde era
mais prático — Abro a porta do passageiro, pego alguns livros da faculdade
e transfiro para o banco de trás. Jogo minha bolsa no banco do copiloto.
Circulo pela traseira do carro até à porta do motorista. Coloco os óculos
escuros, mesmo que o dia esteja escuro e pareça noite pela tempestade que
se aproxima. Piso fundo.
Faz sete anos que sai da minha cidade natal. Não, que eu fui
mandada embora. Isso, eu fui mandada embora pelo meu
pai. Eu tinha quinze anos quando ele me enviou para, o que meu irmão
chama de manicômio, mas que na verdade é um castelo abandonado. Ele
queria se livrar da sua maior falha. Eu. A filha com problemas. Louca igual
a sua mãe. Que disse para o irmão mais velho que escutava sussurros de
demônios.
Aquela que o envergonhava. Então ele decidiu me jogar num lugar em que
eu poderia ser uma vadia sem envergonhar Os Reese. Ele me levou para
ficar com pessoas como eu. Mas ei, eu estava num castelo como uma
princesa. E depois de sete anos, ele me deixou sair. Meu pai é um amor, não
acha? Tão gentil da parte dele. Eu poderia chorar se eu ainda soubesse
como fazer essa merda.
Giro para a esquerda. O topo da montanha aponta no horizonte. A
cidade de Burk é conhecida pelas suas pistas desertas e sombrias. Cercada
por matas e escuridão. Ótima para jovens desesperados por sexo, que fodem
em qualquer acostamento.
Engato o modo Sport Plus. Piso forte no pedal do acelerador, giro o
volante para à direita e derrapo na curva. Meu clitóris pulsa quando o ronco
do motor preenche o silêncio. Aperto o volante, sentindo a umidade
aumentar entre minhas pernas. Eu me toco por cima do jeans, desejando
algo doloroso rasgando minha pele, me fazendo sangrar. Foda-se.
Continuo acelerando. Cruzo a montanha e o túnel na entrada da
cidade ao invés de pegar o desvio para casa dos meus pais. Viro à direita.
Passo pela casa do prefeito, que continua decorada com as mesmas cortinas
brancas de sete anos atrás. Vejo a praça. Viro à esquerda, desço a rua com
casas com arquitetura antiga. Passo pelo Hoser, bar mais
agitado da cidade, onde todos os caras vêm com suas garotas, ou atrás de
uma. Contorno, indo para o único parque da cidade, Hollow. Descanso o
braço na janela. Arrasto os óculos de sol para o topo da cabeça.
Isso continua igual.
Giro o volante. Os pneus tocam a grama quando o carro sai do
asfalto. Removo a chave da ignição, lanço os pés para fora e bato a porta.
Caminho, capturando todos os detalhes ao meu redor. Observo como nada
mudou, área estava apenas mal cuidada. A entrada era a mesma, perto de
uma barraca de doces para atrair as crianças. A barca com desenhos
animados, a casa mal assombrada e a casa dos espelhos, continuavam de pé
e a roda gigante, tão grande...
Eu costumava vir aqui para desenhar e observar os adolescentes da
minha idade se divertirem. Beber, transar escondido em lugares escuros,
pregar peças e fazer bullying com os nerds e punks.
Eu olho para a casa dos espelhos que sempre desejei entrar, e uma
dor estranha no meu peito me incomoda.
Por que desde a madrugada passada tudo parece tão confuso?
Primeiro meu irmão, depois aquela carta estúpida, o cara no elevador e
agora isso? Meu peito doer por causa de uma casa velha sem significado
algum? O que há de errado comigo?
Eu odeio ser sentimental, por isso sempre me mantenho indiferente
a tudo que não me diz respeito, ao meu passado e a todo pensamento inútil.
E, agora, do dia para noite isso vai mudar? Não, não vai.
Examino o perímetro entorno. Esse lugar pertence a uma família de
outra cidade. Nunca foi um empreendimento bem-sucedido, nem no
passado, nem agora, julgando pelo estado deplorável dos brinquedos e
entrada. Bom, eles não devem precisar de dinheiro, já que abandonaram o
parque.
Vejo algo. A traseira de um carro parado entre as árvores. Me
inclino para frente. Pisco duas vezes para ter certeza do que estou vendo.
Um Mercedes-Benz. Desde quando? Olho para a casa dos espelhos.
Alguém com uma máscara sai de lá. Tinha alguém me observando desde
que cheguei aqui?
Merda.
Imediatamente me afasto do portão. Volto dois passos, e coloco a
mão no bolso do casaco. Procuro minha adaga ou outra lâmina, mas não
acho nada. Droga, eu devo ter deixado no console. Viro, indo em direção ao
meu carro. Um barulho de motor soa atrás de mim. Piso com passos fortes,
afundando meus saltos na terra enquanto torço para chegar o mais rápido
possível. Uma fina camada de suor se forma na minha nuca. Eu achava
estar sozinha nesse fim de mundo. Seguro a maçaneta da porta e puxo,
quase arranco a porta junto. Pulo para dentro, e bato com força.
A Mercedes começa se mover. Eu olho pelo retrovisor e vejo outra
figura mascarada escorada numa árvore. Ligo o carro, mas antes que
consiga dar ré, a Mercedes passa por mim e as figuras somem.
Mas que porra é isso?
Eu fico ali, petrificada com as mãos coladas no couro do volante.
Estão se divertindo as minhas custas. Eu chutaria
meu querido irmão, mas conhecendo bem seus gostos, sei que Aiden não se
esconde atrás de máscaras quando ataca. Ele gosta de que saibam qual é o
rosto do homem que vai destruir seu coração.
Caio na real e volto para a estrada. Dirijo ao lado do cemitério, sem
voltar pela cidade. Entro no atalho, subindo a montanha até o bairro da elite
de Burk. Subo a pequena ladeira íngreme que dá acesso a residência dos
Reese. Alfred, um dos seguranças, abre os portões de ferro. Eu arranco
enquanto atropelo os cravos brancos que meu pai tanto ama.
Aquela merda fede.
Alfred corre e abre a porta para mim.
“Seja bem-vinda, Srta. Reese”, ele diz.
“Obrigada, Alfred”, pisco para ele.
Minha mãe cruza a entrada principal na companhia do meu irmão.
Aiden me fuzila com seus olhos azuis enquanto minha mãe vem me abraçar.
Ela estende os braços e me envolve em seu peito.
“Como você cresceu, minha pequena.” Suas pupilas estão dilatas.
“Você continua linda, Dra. Reese”, digo, me aninhando em seus
braços.
“Eu disse para você usar algo descente”, Aiden resmunga, e enfia as
mãos nos bolsos.
“Você deviria está feliz só por eu estar vestida”, retruco, saindo do
colo da minha mãe.
Ergo o olhar, e encontro a figura aterrorizante do meu pai em pé na
sacada. Montado num terno azul-marinho de três
peças, com uma camisa branca, descansa a mão na grade de proteção. Os
cabelos pretos alinhados para trás com um brilho sutil no topete como os
das estrelas Hollywoodianas. Um Rolex de ouro no pulso e um copo de
uísque na mão. E aqueles olhos pretos, frios e indecifráveis como o fundo
do oceano que causam calafrios mesmo de longe. Eu não me lembro de o
ter visto sem eles uma vez sequer.
É sufocante. Um nó se forma na minha garganta. Sinto o pânico me
possuir, e eu não consigo me mexer. É nítido seu desprezo por mim, já que
foi ele mesmo quem me mandou para
fora do país cinco anos atrás.
Ele toma um gole da bebida, vira-se, deixando a sacada.
Cinco anos.
Cinco fodidos anos, porra!
“Amber, venha, eu preparei um quarto para você”, minha mãe diz,
me puxando pelo braço.
Um quanto para mim... Não tenho mais um quarto, hein.
Subimos as escadas, ela me guia até o quarto, cambaleando. Suas
mãos estão moles. Sem força alguma.
Ela está completamente dopada, e pelo visto, sua obsessão por mim
não diminuiu com o passar dos anos.
Minha mãe era uma Neurocirurgiã brilhante até surtar meses antes
do parto. Seu mundo ficou cinza e meu pai nunca estava em casa para
ajudá-la. Minha mãe lhe deu filhos, seu desejo, e mesmo assim, ele a
abandonou. E ela só está de pé hoje pela vontade de me ver.
Eu sei.
Sento na cama, vejo uma bandeja na mesa de cabeceira, me inclino
e encontro uma forma de porcelana com pudim dentro.
“Mãe...” sussurro.
Afasto a bandeja sem tocar na sobremesa. Não tenho apetite...
Abro minha bolsa, pego o Jack Daniel's e meu Djarum Black de
menta. Escorrego para o banheiro. Há toalhas limpas sobre o armário de
canto, loções e sais de banhos. Ligo a torneira da banheira, rompo o lacre da
garrafa de vidro e afundo na espuma. Essa casa continua a mesma de que eu
me lembrava. Solitária e vazia. Ela é linda, no entanto.
Pestanejo, quando escuto o som das máquinas de luxo dos
convidados. Tento ver a hora, ainda sonolenta. Eu adormeci. Era para ser
apenas um cochilo.
Vinte e duas horas.
Meu pai estava dando uma festa esta noite para exibir ‘sua família
perfeita,’ mesmo não sendo do seu feitio fazer grandes comemorações.
Nem pequenas, na verdade. O Sr. Reese não gosta de festas e barulhos, ele
diz ser ‘inconveniente.’ Bem, isso combina com sua personalidade fria.
Engulo o resto de whisky, e deslizo para fora da banheira. Deixo um
trilho de pegadas molhadas pelo piso amadeirado.
Bem... Eu estou procurando diversão. Curvo os lábios num sorriso
diabólico. Por isso, preparei um presentinho para os convidados e os
queridos homens da família Reese.
03

Amber

Presente

Paro em frente ao espelho de chão com uma moldura vintage. Uma


luz atravessa a janela e reflete minha silhueta no espelho. Meus dedos
percorrem o cabelo, penteio para trás, deixo o colo e seios expostos. Fios
escorrem e grudam nas costas. Viro para a cama. Um vestido foi deixado.
Roço os dedos na seda fina. O toque suave do bom gosto quase me faz ri de
euforia.
Quem?
Visto-o. Ele encaixa como uma luva. Deslizo as alças finas nos
ombros, quase não dão sustentabilidade nenhuma aos seios. Movo a perna.
Uma fenda se abre até a quadril. Calço os saltos agulhas, também deixados.
Caminho até a penteadeira, olho para as marcas roxas no braço, mas não me
preocupo em escondê-las. Eu nunca me importo com elas.
Bato a porta. Vou reto pelo corredor até as escadas. Desço os dois
primeiros degraus, e lá estão eles. Convidados com suas taças de
champagne nas mãos. Sentados nos sofás luxuosos da sala de visitas, com
seus trajes a rigor. Terno caros, Smokings importados, elegantes e neutros.
As mulheres com seus vestidos finos e discretos. Tudo chato e tedioso.
Olho para parede a minha esquerda. Vejo que meus quadros ainda
estão pendurados em ordem decrescente até o fim da escada. Quadros que
eu pintei durante o ensino fundamental e médio. Todos eles têm como tema
o inferno e seus filhos, os demônios. Admira-me meu pai ter deixado isso
aqui por tanto tempo, deve ter sido ideia da minha mãe. Olho para minha
última pintura, olhos vermelhos e intimidadores. Parecem reais, e que irão
pular para fora da tela e atacar quem quer que esteja passando.
Sorrio para mim mesma. Essa era a intensão, medo.
Eu viro de volta para as pessoas sob mim. Todos eles estão olhando
para figura parada no topo da escada. Acho que chegou a hora de agitar um
pouco esse velório. Movo meus saltos com sutileza, um degrau de cada vez,
e a fenda abre, deixando toda minha perna exposta.
Eu quase bufo com o espanto deles. As mulheres me atiraram facas,
e os homens desejavam minha pele bronzeada e durinha.
Passeio pela sala à procura do meu primeiro alvo. Escolho o garçom
mais atraente, — que ironicamente estava servindo meu pai —. Eu vou até
ele. Papai vê minha aproximação e franze a testa, mas eu não desvio o
olhar.
Eu não abaixo minha cabeça para ninguém. O medo pode me
corroer por dentro, mas eu não desvio o olhar.
Encosto os dedos na bandeja e faço contato visual com o cara, ele
imediatamente retribui. Não deve fazer ideia de
quem sou. Provoco, segurando sua mão, e um sorriso brota em seu rosto.
Ótimo, mordeu a isca.
Capturo uma taça, e deixo o caminho livre para ele passar e
continuar o seu trabalho. Aiden se aproxima, mas antes que lata, eu digo:
“Agora não, Aiden.”
Desvio de pessoas, escorrego até a cozinha, passo por mais
convidados e cruzo a porta em direção ao jardim repleto de mesas.
Jesus.
Uma decoração sofisticada com velas ao redor da piscina. Ramos
verdes suspensos por hastes de cobre formando uma cobertura retangular
por toda a extensão da piscina. E um lustre de cristais preso ao centro por
uma estrutura redonda de aço. Luzes brancas iluminam os canteiros e
árvores. As mesas forrada com seda branca e com arranjos de flores sobre
elas. Taças de cristais acompanham a prataria. Velas também harmonizam a
decoração das mesas. Garçons por toda parte.
Mapeio o perímetro. Encontro minha mãe em um vestido salmão.
Do seu lado, está a primeira dama da cidade. Ela gira a cabeça e me vê,
então vem até mim.
Ele a deixou sair.
Para minha total surpresa.
“Você está linda, Amber”, força um sorriso ao dizer meu nome em
anos.
Ela nunca gostou do nome que meu pai escolheu. Era o nome da
mãe dele. Mas não posso culpar ele por ter feito isso.
Primeiro, porque gosto do meu nome, afinal, era o nome da minha avó.
Segundo, porque minha mãe se recusou a me ver depois do parto. Então
meu pai teve que escolher um nome para mim.
“Tudo graças aos seus genes”, retribuo.
“Você é a cara do Dan.”
“Por favor, tudo menos isso”, minha voz fria e ríspida.
“Apenas os olhos são diferentes, já que ele os nega”, ela insiste em
me comparar como meu pai e nem se importa como o meu pedido.
Essa é Grace Reese em breves instantes de lucidez. Só enxerga e
ouve o que quer. Apenas a opinião dela tem valor. A mulher de quem
sempre ouvi falar. Uma carrasca. Terrível e afiada.
“Oh, Amber?” interrompe a primeira dama, me olhando dos pés a
cabeça.
“Me desculpe, quem é você?”
Ela sorri e eu fico séria, então sai.
O fluxo de pessoas no jardim fica mais intenso. Convidados saem
da sala e vão para seus assentos nas mesas ao redor da piscina. Mamãe
entrelaça sua mão na minha enquanto me guia até nossa mesa. Aiden puxa
uma cadeira para ela ao lado do meu pai. Após acomodá-la, ele circula a
mesa e senta-se a minha esquerda.
Olho ao redor, e vejo rostos conhecidos, ou que eu consigo
reconhecer. George Morris, sua atual esposa e a filha do casal estão a nossa
direita. Eu sei quem é porque sua fama de ser um promotor ácido sempre
está nas manchetes dos
jornais, e porque eu admiro o trabalho da sua falecida esposa. Eu soube que
ela morreu no parto do primeiro filho do casal, mas eu não vejo ele com a
família.
A nossa esquerda, está Miguel Bryant e sua esposa. Uma família de
linhagem de cargos políticos altos. Eles também têm um filho que não está
aqui.
Meu pai convidou todas as famílias importantes da cidade, mas eu
sinto que falta algo. A maldita sensação volta.
Desvio o olhar para os talheres de prata na mesa. Interessante,
especialmente as facas. Corro, suavemente, as pontas dos dedos pela
lâmina. Aiden para meu movimento.
“Pare com isso”, me repreende, baixinho.
“Eu mal comecei irmãozinho”, faço uma voz doce e inocente.
Eu giro o punho, e afasto suas garras. Inclino a cabeça para um lado
e depois para o outro, vejo os curiosos nos assistirem. Ângulo a cabeça um
pouco mais, e fito a imagem do homem sentado na cadeira ao lado de uma
árvore. Trajado num terno preto de três peças incluindo o colete e gravata.
Seu cabelo arrumado como o de um executivo importante. Um braço
repousa sobre a cadeira e o outro entre as pernas segurando um copo de
whisky. E mesmo sentado, eu posso dizer que ele é alto.
Ele me encara e eu retribuo. Empino o nariz, levanto o queixo e
curvo os lábios com um sorriso arrogante. Apoio o cotovelo na mesa, ergo a
faca e enfio a ponta no dedo indicador. Mordo os lábios ao sentir a dor
aguda na palma. Ele gira o copo nas pontas dos dedos, mas mantém os
olhos fixos
nos meus. A latência cresce gradativamente entre minhas pernas enquanto
desejo ser fodida aqui e agora.
Contrações acentuadas por todo músculo. Cruzo uma coxa sobre a outra,
provocando meu clitóris. O pomo-de-Adão dele sobe e desce enquanto a
lâmina vai fundo na minha carne.
Uhmm
De repente, Aiden avança em mim e arranca a faca. Olho surpresa
para ele, e depois para as gotas de sangue no prato e na toalha.
“Pare!” ele esbraveja, consumido pelo ódio.
Mas meus olhos se projetam novamente no homem sentado na
penumbra. Ponho a língua para fora, e lambo todo sangue na minha mão.
Seguro o dedo com os lábios e faço um movimento de ida e vinda com a
cabeça.
Aiden sacode meu ombro, mas não lhe dou atenção. Simplesmente,
não me importo se ele, meus pais ou a porra dos seus convidados estão
incomodados.
Torço meu punho. Minha palma apontada para cima. Pego o copo
dele, e derramo todo o líquido na ferida, imitando uma cachoeira. Minha
carne queima. Meus dedos se movem involuntariamente com o choque do
álcool. Tremores e espasmos se espalham.
Porra, isso dói para caralho.
O homem arruma a postura e, sem quebrar o contato visual desce
uma dose da bebida.
Quem desviar perde.
Deus. Jogo o copo na mesa que cai e trinca. Me levanto, minhas
pernas tremem e quase me lançam ao chão. Respiro
fundo e pigarro. Dou um passo a frente, sinto o mel pegajoso escorrer pela
parte interna da coxa.
Merda!
Minha mente flutua. Não consigo sequer ver os rostos das pessoas.
Com toda certeza, estão horrorizados com essa demonstração confusa de
loucura.
Ah, que se foda, também.
Caminho rente a borda da piscina. Desvio de mesas, garçons e
arbustos. Foco na porta e me lanço como um foguete através dela. Contorno
a ilha da cozinha e derrapo pela sala. Seguro o corrimão sentindo minha
visão turva demais para ficar em pé por muito tempo. Subo o lance de
escadas. Devo ter perdido mais sangue do que deveria. Vou reto no
corredor, abro a última porta à direta. Arranco o vestido e me livro dos
saltos. Chuto a porta do banheiro. Indo até o boxe, abro o registro do
chuveiro e deixo a água gelada acalmar minha pele e apaziguar a bagunça
interna. O que é inútil.
Sangue pinga no azulejo. Preciso de pontos. Eu me enrolo em uma
toalha. Sento na cama, tiro a caixa de curativos da bolsa e vasculho à
procura de um analgésico. Eu raramente tomo remédios. É melhor evitar
um futuro vício por drogas. Mas hoje, é necessário.
Pego gazes, luvas, esparadrapo, tesoura, agulhas, pinças
esterilizadas, ataduras limpas, soro, uma seringa e uma ampola de
anestésico. Calço a luva de procedimento. Despejo soro no corte e começo
fazer pressão com a gaze para limpar. Aspiro a anestesia com a seringa e
aplico dentro do corte. Em segundos, já não sinto nada. Abro a embalagem
da agulha e seguro com a pinça. Enfio a ponta afiada da agulha na
epiderme, faço o
primeiro ponto de sutura e corto. Seis pontos no total. Enfaixo a atadura na
mão e pronto. Perfeito.
Visto uma camisa preta e um short de pijama.
Me envolvo nas cobertas na tentativa de dormir enquanto a anestesia ainda
faz efeito. É inútil. A adrenalina continua me corroendo.
Abro os olhos, pego o celular para checar a hora. São três da
madrugada. Os convidados já partiram. Todos devem estar dormindo,
inclusive Aiden.
Levanto. Puxo uma calça moletom da bolsa, substituo o short.
Calço meu tênis. Agarro meu casaco, visto e coloco o capuz. Empurro meus
calçados, sorrateiramente, degraus abaixo. Paro na metade da escada, atenta
a qualquer movimento. Coloco o cabelo atrás da orelha, inclino o peito para
frente e checo o andar de baixo para confirmar se não há ninguém.
É madrugada, quem estaria aqui? Ninguém.
Coloco as mãos nos bolsos do moletom, para esquentar. Dou um
último passo e chego ao piso da sala, mas não entro. Eu desvio, indo para o
hall de entrada. Porém, antes de abrir a porta principal, um suspiro soa atrás
de mim.
Paro de respirar. Enterro minhas unhas na maçaneta. Olho por cima
do ombro. Fito meu pai escorado num dos pilares da entrada. Seus braços
cruzados no peito, calmo e confiante. Ele ainda usa seu terno.
“Você continua a mesma”, diz. “Fraca, patética e podre...” A voz
pacífica como a calmaria antes da tempestade. “Bem, você sempre foi a
peça com defeitos. Sem habilidades, inteligência e sagacidade.”
Ouço o atrito do seu sapato novo ao se chocar contra o piso de
porcelana.
Ele está vindo!
Enrijeço cada músculo quando ele encosta seu corpo no meu.
“Você não sabe jogar de verdade. Esses cortes espalhados pelo seu
corpo provam o quão estúpida é.” Ele encosta a bochecha na minha
têmpora. “Não foi assim que o papai te ensinou a usar seu corpo para obter
prazer.”
Suspira fundo e solta um gemido.
Eu cerro o maxilar tão forte ao ponto de quase quebrar todos os
dentes. Meu estômago embrulha e sinto o gosto ácido queimar o esôfago.
Está vindo. Porém ele continua:
“Dá próxima vez, vá atrás de um cachorro com pedigree, não de um
vira-lata qualquer. Seja uma vadia cara”, vomita.
Um nó se forma na minha garganta. Minha boca fica seca. Eu não
consigo respirar. Meu peito para de se mover, mas minha voz não sai para
que eu possa gritar por socorro. Todos os músculos tremem
incontrolavelmente e lágrimas caiem. Abro a boca e arfo várias vezes, mas
o ar não chega aos meus pulmões. Gemo quando o meu ritmo cardíaco
acelera mais e mais. Minha visão fica nebulosa. Não consigo racionar.
Queima, arde, sufoca e dói.
Fique longe de mim. Me deixe em paz. Cale-se!
Suas garras saem de cima de mim. E eu sinto que eu vou vomitar.
Ele volta alguns centímetro e diz:
“Se você colocar os pés em Burk novamente, eu vou me
certificar de fazer seus pulmões apodrecerem sem nenhum oxigênio. É
assim que se joga, pequeno cravo.”
Então sai, sumindo no escuro. Eu fico ali, parada. Eu nunca me
senti assim. Nem quando Aiden aparecia na escola e me levava à força.
Abro a porta. Cambaleio para fora e desabo na grama. Respiro
fundo, enchendo meus pulmões com todo oxigênio que podem suportar.
Choro e soluço, mas nem depois disso meus músculos voltam a relaxar.
Continuam rígidos e tenso.
Descanso as mãos no rosto. Essa tortura de novo. E, sem perceber,
eu sou aquela garota de catorze anos que corria para o quarto quando o
motor do seu carro disparava na garagem, ou quando escutava seus passos
fortes pelo corredor.
Porra, eu não sou mais uma garotinha! Eu me levanto e piso forte
pelo gramado cheio de mesas. Contorno a piscina, subo em uma cadeira e
pulo o muro. Caminho entre as árvores, já não me importo com nada. Eu fiz
esse trajeto várias vezes durante anos para ir ao parque e ao cemitério,
nunca foi e não é nenhuma novidade fugir daquela casa.
Entro na mata escura, passo por rochas, cipós, e espinhos. Circulo
algumas árvores, seguro um galho e piso em uma lápide. Cheguei ao
cemitério. Sozinha. Silêncio. A mais completa paz que era impossível ter
naquela casa. Após sete anos, aqui estou eu, procurando refúgio com os
mortos. Caminho entre as lápides, leio os mesmos nomes e os novos. Piso
em alguns túmulos e sinto à terra fofa debaixo do meu tênis.
Eu virei aqui antes de ir. Quero visitar o túmulo de Emma Morris e
checar se Vincent ainda está vivo. Mas hoje,
não. Eu quero ir um pouco mais além na escuridão que eu não tive coragem
antes mas agora tenho. Corto uma ponta à outra. Volto para mata. Atravesso
um pequeno rio, desço um morro e vejo asfalto a poucos metros.
“Socorro!”
Um grito ecoa alto e espanta as corujas e outros animais noturnos.
Eu pulo com o susto.
“Porra. O que é isso?” falo, quase como um sussurro.
Olho ao redor, mas não vejo nada na floresta. Era a voz de uma
mulher.
O barulho de um carro começa a se aproximar. Os faróis iluminam
o asfalto e eu noto alguém correndo lá. Me inclino para frente. Fito uma
mulher coberta de sangue. Corro, tropeçando nos galhos. Deslizo nas pedras
e tento me aproximar. A garota cai sem força enquanto o carro chega mais
perto.
“Jesus, há quanto tempo ela está correndo?” sussurro, para mim
mesma.
Um Mercedes preta para. Um homem alto sai de dentro. Ele usava
uma máscara preta assustadora dotada de dentes brancos e presas que
saltavam para fora da boca. Sua boca era grande e tinha chifres pontiagudos
que saiam da testa enrugada e carrancuda e curvavam-se para cima.
Ele caminha até a mulher. Para em pé ao lado da cabeça caída sobre
o asfalto. A observa sem fazer nenhum movimento, inclina a cabeça e
depois agacha. Diz algo no ouvido dela que a faz começar a se debater,
rastejar e tenta correr, mas ele não
deixa. Agarra seu pé, e sai arrastando seu corpo pelo chão. Eu me esgueiro
entre as árvores, para não ser vista. O homem abre o porta-malas do carro,
envolve sua palma no pescoço da mulher e levanta, os pés centímetros
acima do chão, pendurada. Ele vira a cabeça lentamente na minha direção.
Uma gota de suor escorre pelas minhas costas.
Ele a arremessa no compartimento como se não fosse nada, e seus
olhos continuam em mim.
Droga, ele me viu.
Dá um passo em minha direção. Minhas pernas se posicionam,
prontas para correr. Mas ele para e levanta a máscara, deixando apenas a
boca à mostra. Seus lábios curvam-se num sorriso diabólico.
‘Você é minha. Você será a próxima.’
Então eu me lembro. Sete anos atrás, garotas sumiam sem deixar
rastros e nunca mais apareciam. Alguém fez isso. É ele. E eu serei a
próxima à estar naquele porta-malas.
04

Eric

Presente

Meus olhos deslizam pelo seu corpo, apreciando o longo vestido


vermelho, com um decote v à frente. Seu colo nu valoriza seus seios,
sustentados apenas por duas alcinhas finas. Sua cintura fina marcada deixa
as curvas do quadril dela desenhadas sobre o tecido. Uma fenda abre
quando ela ergue os saltos, dando um passo. A seda desliza, e o interior da
sua perna fica exposta.
Suspiro. Eu sabia que vermelho iria combinar com ela.
Sangue respinga no chão quando ela desvia das mesas. Seus
cabelos pretos, roçam nas escapulas. Fios longos e lisos quase tocam o
início da sua bunda redonda.
Desabo na cadeira. Parece que a pequena Amber não é mais tão
pequena assim. Um sorriso se forma no canto da boca. Os anos passaram e
ela não parece mais aquela garotinha que espiava a casa dos espelhos de
longe.
Eu esperei por sete anos para dá-la o que merece. Ela me
denunciou, e fugiu. Mas agora, está de volta, e eu terei minha diversão.
Aproximo o copo dos lábios, mas paro quando meu celular vibra.
Desbloqueio. Uma ligação do Will. Deslizo o dedo na tela e posiciono o
aparelho no ouvido.
“Eric”, digo.
“A garota fugiu”, ele diz, calmamente.
“Porra. Onde Mika está? A vadia é responsabilidade dele.” Abaixo
o copo.
Will fica em silêncio e depois responde:
“Chapado.”
Chapado? Ele quer mesmo que eu acredite nisso?
“Estou indo. Diga a ele que terá sorte se eu não matá-la na volta.”
Filho da puta.
Eu não tenho tempo para lidar com as merdas que Mika faz. Um
par de perna é suficiente para que ele vire a cabeça, e não importa se as
pernas sejam de uma mulher ou de um homem. Ele fode qualquer buraco,
porque aquele cara pode fazer isso. Ele precisa disso. Fodido.
Saio do jardim em direção ao estacionamento e levo o copo
comigo. Desvio de um Ferrari vermelho. Viro à esquerda, passando pela
traseira de um Porsche preto invocado ao lado do meu carro. Figuras
influentes, tanto de Burk, quanto de Midran, estão presentes na festa
luxuosa do Sr. Reese. Não me admira que tantos carros importados estejam
estacionados aqui. Eu também não me surpreenderia se encontrasse algo
sórdido acontecendo com algum empregado, ou com a mulher de algum
executivo em troca de favores.
Bucetas selam alianças. É o que eles dizem.
Olho para frente. Um Mercedes-Benz se movimenta para cima e
para baixo. Foco o olhar no para-brisa, e uma bunda avantajada surge.
Encosto no capô do meu carro, cruzo os tornozelos para apreciar a cena.
Pego uma carteira de cigarros do interior do paletó e acendo um.
Aprecio a vista quando a mulher levanta o uniforme de garçonete e
abre as pernas para ele entrar na sua buceta. O homem enfia os dedos no
cabelo dela, desfazendo o coque. Ele desce e suga seu peito com a boca.
Ela geme e se contorce enquanto ele estoca com força. Eu sopro fumaça. A
mulher agarra os cabelos dele e mergulha no seu pescoço nu. Selvagem.
Ele puxa sua mão e beija seu rosto, colo e ombro. A mulher arqueia as
costas enquanto ele despeja sua porra dentro dela.
Não consigo conter os risos. Quase aplaudo o espetáculo de
depravação. O prefeito e a doce garçonete, trasando num carro no
estacionamento enquanto sua bela esposa diz para todos que ele teve que
sair as pressas para resolver algo importante.
Sim, transar é algo muito importante.
Jogo o cigarro no chão, tomo um gole do whisky e circulo o carro.
Ponho o copo no painel e começo me desfazer do paletó. Tiro o colete e
desabotoo as abotoadeiras da camisa. Entro na cabine, fecho a porta, ligo
o motor e acendo os faróis, dando o flagra na escapadinha do Sr. Brid.
Aponto a direção para o portão de saída. Alfred faz uma simples
reverência em sinal de despedida quando saio. O carro embala ao descer a
ladeira íngreme. O interior balança
de um lado para o outro, o copo ameaça cair no piso, mas sou
mais rápido e o pego antes que caía. Tomo do resto do conteúdo, e jogo o
cristal pela janela.
Acelero. Os pneus cantam no asfalto. Dirijo pela rodovia puto a
procura da vadia. Ela era trabalho de Mika Morris. Ele quem deveria
colocá-la nos trilhos. Filho da puta.
Os pneus batem nos sinalizadores quando giro o volante
bruscamente e entro na contramão. Mapeio o acostamento de um lado e
depois do outro. Ela não iria muito longe, não no estado que estava. Nós
não a alimentamos durante três dias. Sem água, sem comida, sem qualquer
chance de se manter em pé por muito tempo. Além disso, é provável que ela
esteja com alguns ossos quebrados. Faminta, desidratada, fraca e
quebrada. Uau.
Meu olhar, distraído, cai na estrada. Os faróis iluminam a
escuridão da madrugada e a silhueta magra de Gabrielle Greene é
revelada. Reduzo a velocidade, agora indo à menos de 30 quilômetros.
Para quê pressa... se eu posso dar a ela a falsa esperança que realmente
vai conseguir fugir? É muito mais divertido assim, não acha? O ratinho
pensar que pode fugir do gato.
Esfrego o lábio inferior com o polegar. Eu posso atormentá-la. Eu
quero atormentá-la.
Gabi corre, vestida com apenas uma camisa GG branca que vai até
metade das coxas suja de sangue. Seu
cabelo loiro amarrado num rabo de cavalo com um pedaço de barbante. Os
mesmos usados para prender seus pulsos.
Ela arrasta seus pés descalços pelo asfalto molhado. Suas pernas,
magras cobertas de hematomas roxos, vacilam e a levam ao chão. Ela
força os quadris para cima, lutando contra o peso da gravidade, mas é
inútil, cai. Esmurra o solo,
ergue o pescoço e a coluna, mas seus pulsos fraquejam e ela cai
novamente.
Estudo o esforço para levantar seu corpo inútil, sua luta perdida
contra o esgotamento. Ela para. Desmaio?
Abro o porta-luvas e pego uma máscara Hannya[1] preta, com dentes
brancos saltando da carranca feia e bizarra. Deslizo o objeto pela cabeça
de modo que cubra meu rosto. Nós estávamos sozinhos, e apesar de
Gabrielle já saber nossas identidades, eu quero me certificar que mais
ninguém saiba.
Um galho estrala a minha direta. Movo a cabeça em quatro horas,
por cima do ombro. Semicerro os olhos sem enxergar bem. Uma raposa?
Não. Uma mão enfaixada está segurando o tronco de uma árvore a alguns
metros de mim. O tecido branco reluz quando a luz da lua penetra na
floresta como pequenos flashes que escapam pelas folhas.
A tempestade que ameaçava cair mais cedo não veio, mas mesmo
assim, ainda choveu forte noite adentro. Os matos estavam molhados, as
pistas e o solo também. Porém a lua ousou aparecer no final.
Salto do carro, meus sapatos chiam quando o solado bate nas
pedrinhas soltas no chão. Ando lento até o corpo de Gabrielle estirado no
asfalto. Paro em pé ao lado da sua cabeça caída. Ponho as mãos nos
bolsos e fico ali, observando seu rosto pálido. Seus lábios roxos e
ressecados, olhos fundos com olheiras gritantes. Sangue seco na sua testa e
sobrancelhas. Suas unhas sujas de terra e sangue das inúmeras vezes que
lutou ao tentar escapar das garras dele. Quase sinto pena, mas não. Eu não
sinto. Ela é necessária para que essa merda funcione.
Gabi pisca devagar. Nenhum músculo se mexe, nem a cabeça. Seus
olhos entreabertos, pupilas dilatadas e sem foco. Flexiono os pés, dobro os
joelhos e aponho o peso do meu corpo nos calcanhares. Fico agachado.
“Você está brincando errado, Gabi. Pessoas espertas não correm,
elas atacam”, digo enquanto intercalo um suspiro. “Mika sabia que eu iria
te ter de volta. Ele está jogando... e você é um dos seus peões.”
Lanço o olhar para minha querida espiã escondida entre as
árvores. Corpo levemente inclinado para o lado, perna direta na frente
enquanto a esquerda está um passo atrás, joelhos flexionados. Ela está
pronta. Armada para correr ou lutar. Oh, ela...
Circulo Gabrielle enquanto ela se debate e tenta rastejar. Agarro
seu tornozelo esquerdo e ela geme de dor. Seguro com mais força, e ela
treme. Puxo a perna dela que
enfia as unhas no chão. Eu puxo novamente enquanto me movo. Sua pele
pálida é rasgada pelo atrito com o asfalto. Ela chora e geme. Suas coxas
nuas começam esfolar. Paro no porta-malas, abro. Agacho e engancho
minha mão no pescoço dala. Ergo seu corpo, seus pés se elevam do chão.
Gabi fica imóvel com os braços estirados ao lado do corpo. Ela respira
devagar, já sem forças para tentar qualquer coisa. Sua Jugular pulsa mais
rápido na minha palma, bombeado sangue para os pulmões enquanto força
o peito tentando sugar o ar.
Amber se esgueira para trás do tronco grosso com as
mãos no bolso do moletom. O movimento é preciso ao tentar
esconder sua presença, sem desviar os olhos do inimigo. Pisando com
cautela, mantém a calma.
Eu admito, ela pelo menos tentou. E teria dado certo se ela mesma
não tivesse entregado sua posição desde o início.
Olho por cima do ombro, encontro os olhos da minha pequena
espiã. Aterrorizados, não desviam por nada da cena que presenciavam.
Ergo o braço, mas mantenho os olhos fixos nela. Giro os pés e jogo o saco
de ossos no porta-malas.
Seus olhos paralisam nos meus lábios. Consigo ver sua respiração
acelerada, músculos tensionados e pernas firmes prontas para correr. Sinto o
cheiro atraente do medo que corre e dispara em cada fio do seu cabelo. Ela
é tão fácil... por isso, é perigosa.
Vou na direção dela. Sem hesitar, ela pula para trás, passa a mão
dominante pelo cós da calça, empunha uma faca de combate. Cerra os
punhos, uma mão segura a lâmina na diagonal, e a outra permanece no
peito, em punho.
Esfrego o queixo com o indicador. Analiso Amber aumentar o
espaço entre nós quando se esquiva. Boa garota. Meus lábios se curvam
num sorriso e minhas pupilas pegam fogo.
Ela sabe usar uma faca. Porém...
Avanço na sua direção. Amber prende o fôlego e arregala os olhos.
E, sem dar-lhe tempo para usar a lâmina, seguro seu punho. Circulo os
dedos no punho tenso e rígido, e torço com força. A garota grita. Pivô para
minha nuca arrepiar.
Não faça assim, eu sei que você aguenta, baby.
Ela geme, mas não solta a faca, ao invés disso, levanta o joelho e
tanta lançar um chute. Rio enquanto entrelaço minha
perna na parte interior da sua e pressiono-a contra a árvore.
Amber tomba e geme. Com fogo nos olhos, fecha a mão enfaixada e eu
sinto o tremor correr pelo seu corpo.
Abre as escapulas, inspira e expira enquanto contrai os ombros e
tronco. Ela joga o cotovelo para trás e lança o punho no meu rosto. Balanço
a cabeça em reprovação enquanto seguro seu soco com a mão. Forço seus
dedos a abrirem-se. Enfio o polegar em sua palma. Ela grita quando cravo a
unha na ferida. Lágrimas escorrem dos seus olhos, e ela se contorce,
tentando se desvencilhar do agarre. Pressiono mais fundo na carne. Gotas
de sangue pingam no Adidas branco. Suas pupilas dilatam. O desespero
possui cada milímetro da sua pele.
Eu solto, e ela fraqueja. Agarro um punhado de cabelo da sua nuca
e puxo sua cabeça para trás. Ao me aproximar do seu rosto quente, roço a
bochecha dela com o polegar. Prendo seus olhos.
“Você é lenta”, digo, sussurrando no seu lóbulo. “Não duraria uma
noite em minha cama.”
Tiro a faca dela.
Deslizo os dedos pelos fios pretos das mechas lisas. Escorrego a
mão pela sua nuca macia, livrando-a do agarre. Amber se curva sem forças,
quase perde o equilíbrio e cai. Mas, antes que atingir o chão, se encosta
numa árvore. Levanta a mão ferida e segura com a outra. Seu olhar cai no
sangue. Ela cerra os dentes com força.
De costas para ela, giro a cabeça por cima do ombro. Meus olhos
fita ela pelos furos da máscara.
“Você será a próxima”, aponto para o carro. “Eu irei caçá-la...”
Seus olhos fervem de ódio.
“E me alimentarei do seu medo.”
Solto um sorrisinho.
Piso fundo no pedal do acelerador. ‘The Man’, de Small Town
Titans abafa os gritos de Gabrielle.
Seguro o volante. Descanso o braço na porta, minha mente longe.
“Amber Reese... Porra, ela cresceu.”
Deslizo a mão manchada de sangue entre as pernas. Acaricio meu
pau duro e latejante na calça.
Aqueles olhos desafiadores ainda estão lá. E eu aposto que ela ainda
é quente.
Enfio a quarta, pronto para fazer a curva antes do túnel. Aperto meu
pau como mais forte. Sinto a pulsação se espalhar por todo o membro. Um
toque na embreagem, engato a quinta
marcha. Pé firme no acelerador novamente. Euforia toma conta de cada
polegada da pele. Uma camada fina de suor cobre o dorso das minhas mãos,
meu coração bate mais de mil quilômetros por hora.
Ela era boa e tinha as respostas na ponta da língua. Giro o volante
com agressividade, a traseira gira em 180 graus. Meu músculo prestes a
explodir sob o tecido quando os pneus cantam no ápice da curva.
Ela é fodida e fodeu tudo, mas quando a vi depois de sete anos, meu
corpo reagiu quase que instantâneo. Sua pele bronzeada sob uma seda cara.
O sorriso arrogante nos seus lábios e a ousadia de apontar sua lâmina para
dois homens.
Confiança, arrogância e loucura. Ela sabe como assustar uma
pessoa. Indo sempre além.
Eu entro na cidade. Dirigindo pelas ruas agitadas das
noites de outubro. Vejo a praça no centro da cidade. Folhas de bordo dão
um colorido a grama, bancos velhos de ferro sob as árvores, onde os velhos
adoram passar o resto de suas vidas, e um gazebo no centro.
Olho pelo canto do olho, vejo Thomas Davis pular da sua
caminhonete com uma bola de basquete debaixo do braço. Ele serpenteia
uma garota pela cintura e arrasta sua bunda para o Hoser.
Eu contorno a praça. Paro em frente ao bar. Empurro a porta. A
agitação para quando entro e vago pelo salão cheio de mesas com
adolescentes. Olhares em mim ao me aproximar do bar. Abro a divisória do
balcão, entro no espaço restrito. Eu me
aproximo de Lucas, o bar tender, que me lança um meio sorriso
safado. Abro a geladeira e tiro cinco cervejas. Dou a volta, jogo
alguns dólares no balcão, me viro para sair, mas uma figura
atravessa meu caminho.
Thomas Davis, filho bastardo do prefeito com uma prostituta, ex-
presidente do concelho estudantil. Um filho da puta que gosta de brincar
com calouras.
“Ora se não é o McBride. Como anda a sua mãe? Ah! Ela não anda
mais”, Thomas late, com os dentes amarelos. Os dois cães sarnentos e a
vadia que o acompanha, riem entre si.
O bar fica em silêncio.
Afio minha língua.
“Ora se não é o bastardinho do papai. Davis será sempre Davis.
Nunca carregará o sobrenome de que nosso querido prefeito tanto se
orgulha, não é mesmo?”
Insignificante Thomas.
“Saia do meu caminho, eu não quero sujar meus sapatos
pisando em merda”, falo, com tédio na voz.
Desvio os olhos de Thomas, atravesso o olhar pela janela de vidro.
“Qual é? Não sabe brincar?” Thomas continua, mas eu não caio na
provocação e continuo olhando para fora.
Pessoas caminham pela calçada e lançam olhares para rua. Garotas,
usando seus suéteres azul-marinho e saias acima dos joelhos, cochicham e
apontam para algo. Enrijeço a postura. Movo a cabeça, seguindo os olhares.
Cerro a mandíbula ao ver meu carro mover-se para cima e para baixo.
“Mamãe vai ficar brava”, Thomas late de novo.
Filha da puta.
Lanço um olhar seco ele. Esbarro em seu ombro ao tocar para fora
da li.
Eu chuto a lataria. Uma das estudantes grita e outros se assustam
com o estrondo. Foda-se. Dou a volta e bato a porta do motorista.
“É melhor você ficar quietinha, antes que eu mesmo vá ai fazer um
rasgo nesse belo pescocinho, ouviu?”
Toquei mata adentro por uma estrada de terra. Reduzo quando os
pneus batem nos cascalhos de pedras. O interior chacoalha, fazendo as
garrafas de vidro se chocarem com movimento irregular. Giro para
esquerda, por volta das nove horas. Desfaço e estaciono entre duas árvores
com o porta-malas voltado para a porta do celeiro. Destranco o porta-luvas,
retiro um par de luvas de couro preta, isqueiro e uma carteira de cigarros
fechada. Pego as garrafas de cervejas que joguei no banco do passageiro de
qualquer jeito.
Vejo uma BMW M4 preta do lado do galpão. Passeio os olhos ao
redor, e fisgo a traseira de um Audi. Estão aqui.
Eu chuto a porta enferrujada do celeiro abandonado.
Fito Mika, dono do Audi mal estacionado lá fora, deitado sobre uma pilha
de lonas usando o braço como travesseiro.
No teto, correntes penduradas nas armações de ferro e manchas de
sangue pelo piso de concreto. Garrafas de Whisky e Rum jogadas e outras
quebradas sobre uma pilha de lixo.
Deslizo os olhos para a esquerda, vejo Will sentado num saco de
pancadas com a cabeça escorada na parede e os olhos fechados. Uma das
mãos está caída entre as pernas e a outra, pressiona uma faca na coxa.
“Filhos da puta.”
Passo por Will, que permanece pacífico. Desvio das poças de
sangue, me aproximo de Mika, dopado com alguma
pílula. Jogos os litros em sua barriga. Ele se contorce e geme.
“Ugh, maldito”, resmunga.
Abre os olhos com a mão no abdômen.
“Acorde, seu viciado de merda”, eu chamo.
Ele me encara sem dizer nada.
Me curvo. Nossos rostos próximos. Enfio o dedo em sua testa.
“Era seu trabalho vigiar aquela puta”, rosno.
“Ah, qual é cara? Você não resolveu nosso pequeno probleminha,
hein?” Solta um sorriso debochado, levanta e abre uma cerveja. O cabelo
mel com um leve ondulado natural cai sobre as têmporas.
“É uma pena para ela que justo eu a tenha capturado, não acha,
Mika?” jogo.
Mika lança os olhos para Will que permanece imóvel.
“Você tocou nela... e agora resolveu deixá-la escapar?” questiono,
mas não espero uma resposta sincera desse cara.
Invado seu espaço pessoal, meu peito contra o seu.
“Eu esperava mais de você, Mika Morris II”, sussurro, contra seu
ouvido.
Os olhos âmbares dele se voltam para mim como um desafio. Ele
leva a garrafa aos lábios que se curvam num sorriso.
Sim, eu sei.
“Filhos da puta irritantes”, Will resmunga.
Eu ouço seus passos lentos atrás de mim. Ao me circular, arranca a
bebida da mão de Mika, toma um gole, vai em direção da porta e sai.
O barulho do porta-malas ao bater atravessa o interior do lugar.
Passo a mão no bolso do paletó mas não encontro minhas chaves.
Ladrãozinho fodido. Meus lábios curvam-se com um sorriso diabólico.
Will entra. Vestindo uma jaqueta de couro preta, camisa, calças
jeans preta e botas. Carrega a garota inconsistente sobre o ombro. Ele
prende os punhos de Gabi com as correntes sujas, se agacha e pega uma
fita, corta um pedaço e cola na boca dela. Seus olhos verdes vagam pelo
rosto machucado de Gabrielle. Ele não diz nada, ou faz, apenas filma a cena
com total atenção. Misterioso. Seus olhos parecem um enigma.
Gabrielle Greene. Ele a nocauteou ou ela já estava inconsciente...?
Sinto o peito de Mika contra minhas costas.
“Eu esperava mais de você, Eric McBride.”
Ele coloca o queixo no meu ombro.
“Não subestime o silêncio do Will. Ele é escorregadio”, diz,
baixinho no meu pescoço.
Mika, por outro lado, não é um mistério. Eu sei
exatamente o que ele quer, e que vai tomar isso para si, por bem ou por mal.
“Um alfa nunca subestima o poder de sua alcateia.”
Analiso Will fechar os olhos, enquanto traga um cigarro. Mika sorri
e agarra minha cintura.
William Bryant e Mika Morris II. Eu os conheço há anos.
Subestimá-los seria um erro. Não, eu não cometerei. Nós estamos juntos
por um propósito, e eu preciso deles.
Eu me afasto do agarre de Mika. Circulo Gabrielle. Seus braços
esticados ao lado da cabeça. Cotovelos na carne viva, assim como os
joelhos e coxas. A única peça de roupa que vestia estava tingida de
vermelho. Hematomas trilhavam seu rosto, e a marca do meu
estrangulamento era visível no pescoço.
Paro ao seu lado. Lanço um olhar para Mika. Estudo sua expressão
calma.
“Vamos, nosso trabalho aqui acabou”, falo.
Ele permanece inabalável.
“Ele estará aqui em breve.”
Me movo, saindo primeiro, Mika sai logo em seguida, enquanto
Will certifica-se de checar se todas as portas estão trancadas.
Will joga minhas chaves por cima do ombro. Os piscas alerta do
BMW acendem quando ele destrava o veículo. Mergulha dentro. O motor
ronca.
Entro no meu carro, giro a chave na ignição, toco a ré. Saindo do
local onde estava, endireito a traseira e tomo a liderança. Olho pelo espelho
retrovisor, Will continua parado esquentando o motor. Pisco, e ouço o
escape anasalado do Audi de Mika contornar o galpão. Ele passa do lado de
Will e
se posiciona no meio dos dois carros.
Eu arranco na frente, sentindo os cascalhos sob os pneus. ‘The
Devil's Choir’, berra no aparelho de som. Deslizo
o volante para a esquerda. O carro balança no meio fio quando os pneus
tocam o asfalto.
Mika buzina e entra na contramão, emparelhando comigo. Ele joga
o carro para direta me forçando a diminuir a
velocidade. Idiota. Logo em seguida, vejo Will se aproximar. Mika
toma a liderança. Troca para a faixa da direita, ficando na minha frente.
Will o alcança. Então o racha começa. Essa era a brincadeirinha deles.
Acendo um cigarro, sopro fumaça para cima.
“Fodidos.”
Sorrio.
Aumento a velocidade para acompanha-los de perto. Vejo Mika
jogar o carro para esquerda, trancando a BMW. Ele abaixa a janela, coloca
o braço para fora e mostra o dedo do meio. II debocha, e ri de Will que fica
para trás, enquanto Mika continua veloz.
Os faróis do caminhão apontam na reta. Mika coloca a cabeça para
fora. Ele olha para nós, tentação no seu rosto. Ele vai fazer. II pisa fundo, a
tinta do capô raspa no para-choque do tanque. Agito a cabeça, vendo o
outro motorista arregalar os olhos e começar a se desesperar com a loucura
do rapaz. As rodas do caminhão travam quando o motorista puxa todo freio
de mão, tentando parar antes de colidir com o Audi. O veículo gira, Will
desvia para direita, passando na minha frente. Mika puxa para esquerda,
saindo da pista. Ambos cortam um lado do tanque.
Eu ponho a quinta. Deslizo atrás de Will. O vapor
quente e o cheiro de borracha invadem minha cabine.
Mika balança a cabeça como se estivesse num show de Metal.
Eufórico. O velho do caminhão põe a cabeça para fora e xinga
fervorosamente com fogo nos olhos.
Mas a corrida ainda não acabou. Ambos se preparam para o ápice
da disputa, uma curva. Eles correm emparelhando-se. As luzes vermelhas
dos freios acendem, os pneus travam e as traseiras deslizam em 180 graus.
Fumaça sobe enquanto eles conquistam a fodida curva. Mika uiva com a
cabeça para fora da janela.
Will corre. Liga a seta, e vai para contramão, deixando o espaço
livre para mim.
Desvio, saindo de Burk e indo para a cidade de Midran.
A noite não acaba por aqui. Eu ainda tenho que brincar com a
minha pequena espiã. Ela não escapará de mim, não dessa vez.
Sete anos. Sete anos, que ela tentou me jogar na prisão e depois
fugiu. Mas agora, ela está de volta. E não é mais uma garotinha de quinze
anos, sim uma mulher.
Isso vai ser divertido.
05

Eric

Sete anos atrás

Eu me posiciono próximo à rede, cubro a nuca com as mãos, alerta.


Pronto para o bloqueio, caso fosse preciso, o que certamente não seria
necessário.
Nosso primeiro jogo oficial como veteranos do ensino médio. Mal
iniciou a temporada, e nós fomos escalados para sermos titulares, nenhuma
surpresa. Nosso treinador é obcecado por times ofensivos, era óbvio que ele
colocaria os mais agressivos para humilhar o seu rival.
Thomas Davis lança a bola. Olhei para trás, vi Aiden Reese, filho
do empresário mais bem-sucedido de Midran, dono da metade da cidade,
recuar para fora da quadra enquanto a bola voa até suas mãos. Ele ganha um
pouco de espaço, joga a bola para cima e corre para realizar sua técnica de
saque favorito, saque em suspensão. Ele ri, e bate. A bola atravessa, e é
enterrada no fundo da quadra adversária, arrastando o último set para nosso
time. O time corre na direção de Aiden que encara o capitão do time
adversário com arrogância.
Esse cara...
Curvo um canto da boca enquanto balanço a cabeça, exalando
preguiça. Todos o cercam exaltando sua bela jogada.
Aiden abre o peito, estica a coluna, quase nas pontas dos pés. Seus
olhos estudam as arquibancadas preenchidas pelos pais, professores e
visitantes. Ele para, e fixa o olhar por cima do meu ombro. Inclino a cabeça
sobre o ombro, bloqueando sua visão. Ele me olha como uma fera furiosa.
Um O se forma nos meus lábios. Seja lá quem esteja atrás de mim, deve ser
interessante. Giro o tronco, mas antes que pudesse reconhecer a pessoa na
arquibancada, o treinador Rick grita meu nome. Eu paro, voltando meu
olhar para ele. Vejo-o em pé ao lado da rede com uma prancheta na mão e
meu pai do lado.
Merda.
Rick toca no meu ombro.
“Parabéns, Eric. Você é um prodígio!”
Diz para mim, mas o seu olhar está no meu pai.
Imediatamente, me afasto do seu agarre. Ergo uma muralha entre
nós.
“O que você está fazendo aqui? Não deveria está com suas mãos
enfiadas num corpo qualquer tentando ‘salvar' seus preciosos pacientes?”
Cruzo os braços, tranquilo.
Meu pai fica parado na minha frente, imóvel como um buda
engessado.
“Sabe... o Sr. Rick estava me contando como você é agressivo
quando se empenha em algo. Então, vim ver pessoalmente”, ele para e
suspira como se não fosse nenhuma
surpresa.
“Suas mãos são precisas. Todo bom cirurgião tem mãos precisas”,
meu pai analisa enquanto se aproxima de mim.
Seu peito largo empurra meu corpo para trás. Eu ergo o queixo.
Nariz com nariz, sem ceder a intimidação.
“Logo mais, será você quem estará com suas mãos delicadas
enfiadas em corpos. E o melhor... Você vai desejar isso, porque será sua
única escolha. Eu mesmo farei que seja.”
Seus lábios se curvam num sorriso nojento.
“É o negócio da família.”
“Eu prefiro morrer, Dr. McBride.”
Vou embora.
Caminho pelo corredor, suor escorre pelo peito. Aperto minha bola
de vôlei entre as mãos ao entrar no vestiário masculino. Ácido arranha
minha garganta. Eu me sento no banco entre os armários. Agarro meu
cabelo, puxo sobre as têmporas, desejando arrancar fio por fio para aliviar
toda essa merda. Levanto e soco o armário. Assobio com a dor nos meus
tendões. Soco mais forte, pequenos cortes abrem nos dedos. Choque corre
meu braço. Foda-se a dor. Quanto mais doloroso é mais meu interior arde.
Eu nunca tive uma boa relação com meu pai. Mas, ao longo dos
anos, essa merda só piorou.
Saio vestiário. Passo em frente a sala de biologia, que eu devirá
entrar mas não faço. Quem em sã consciência obriga os alunos a estudarem
depois de um jogo?
Sigo. Vejo Aiden a minha espera na esquina com os braços
cruzados escorado na parede e com um cigarro na boca. Meu garoto. Pego o
cigarro dele e dou uma tragada. Nós caminhamos até o estacionamento da
escola.
Aiden entra numa Porsche 911 geração G, vermelha. E eu assobio,
vendo-o desfilar com milhões de dólares por aí. Ele olha para mim e dá os
ombros enquanto roda as chaves no indicador.
Nossos carros entram na residência Reese. Uma fortaleza cercada
por montanhas e matas. A casa mais escondia da cidade. A mais misteriosa
e escura.
O casarão antigo ocupa grande parte do terreno plano. A fachada
tem um tom de cinza envelhecido. Ranhuras ganhadas com o tempo estão
por todas as paredes. As torres nas laterais apontam para o céu e lembram
as das grandes mansões mal assombradas vitorianas, ou um castelo de uma
princesa. Plantas de escala se entrelaçavam nas frestas entre os tijolos de
pedras, chegando a alcançar o ponto mais alto da casa.
Um homem com um fone de segurança no ouvido vestindo um
terno preto encosta ao lado de Aiden. Ele dá alguma informação, Aiden ri e
sacode a mão e dispensa o cara.
Aiden tira a mochila do carro, “vamos”, e se vira, indo em direção a
entrada da garagem.
Eu o sigo, quando contorna a ilha da cozinha. Abre a geladeira
enquanto eu me sento no balcão. Aiden coloca um pote de wasabi em
conserva sobre o mármore, uma bandeja com filés de peixe cru e joga uma
garrafa de água para mim. Em seguida, ele vai até à despensa e traz hashis
descartáveis.
Vagando pela sala, filmo o interior moderno. Por mais luxuoso que
fosse, era melancólico, silencioso e solitário. Sem empregados na cozinha
ou arrumando as louças importadas.
Pouca luz entrava, as cortinas eram mantidas fechadas e os móveis
de tons frios. Pesado.
Subimos a escadaria. Novos quadros haviam sido pendurados na
parede desde o verão passado, eles combinavam com a decoração, tristes.
Exceto por um que ainda cheirava a tinta fresca.
Olhos vermelhos carmim agressivos e bizarros. Prontos para pular
para fora da tela com tamanho do realismo dos traços. Giro, vendo os olhos
ainda fixos em mim mesmo após subir todos os degraus. Sofia. Escrito no
rodapé.
Entramos no quarto de Aiden. Paro em frente a janela. O jardineiro
apara a grama. As tesouras encaixadas num cinto de couro preso no seu
macacão em volta da cintura. Ele fazia um jogo de trocas entre o aparelho
de cortar grama e elas quando passa pelos canteiros de rosas e cravos.
Aiden empurra uma mesa de cabeceira do meu lado, deixando o
espaço vago entre a parede e ela. O piso amadeirado range quando
pressiona os dedos ao checar a madeira solta. Deixo meus olhos caírem no
buraco de alguns centímetros. Profundo o suficiente para caber um
notebook, celulares e uma câmera. Aiden tira um saco preto aveludado.
Ele penteia o cabelo para trás, um sorriso brincalhão recheia sua
fuça pervertida.
“Você é muito arrogante ou burro para expor seu segredinho assim
na frente de qualquer um?” Balanço a cabeça em negação enquanto desvio
o olhar de volta para o jardim.
“Isso não é nada, ou melhor, você ainda não viu nada, Eric.”
Bufo.
Ele puxa um papel entre os livros. Senta na cama, abre o saco e tira
um computador envelopado com plástico bolhas. Uma tela grande é
projetada na parede quando ele conecta o
computador ao projetor portátil. A seta do mouse navega pelas
pastas codificadas.
“Você tem os códigos?” pergunto.
“Tenho”, ele bufa.
Uma batida soa sobre nossas cabeças, mas para logo em seguida.
Trabalho os ouvidos, tentado descobrir o que há acima de nós. Um sótão?
Olho para Aiden, mas ele continua concentrado em seu pequeno problema,
sem parecer se importar com o que acontece fora da li.
Então ele para, e diz: “Pequena ratazana.”
Caminhando pelo quarto, passo pela escrivaninha com livros de
contabilidade, bem organizado em uma pilha. Analiso cada um dos quatro
cantos do cômodo. Ratazana? Quantos segredos esse cara esconde aqui?
Aiden deixa rastros narcisistas em tudo que faz. Não tem medo de
ser pego em algum dos seus joguinhos sujos com as pessoas que ele arrasta
para seu lugar favorito. O dinheiro e as influências do seu pai o colocaram
num pedestal invisível desde cedo.
Ele bufa quando um gemido roco salta dos fones. Olho para a tela.
Jesus. Deslizo, sentando ao seu lado na beira da cama.
As pernas nuas de uma mulher surgem na câmera. Seus tornozelos
presos por fios desencapados amarrados em tocos de ferro.
“Que diabos”, deixo escapar quando a imagem começa a se mover
pelo espaço.
Pinças velhas jogadas em cima de um carrinho de instrumentação
enferrujado, panos sujos e alicates, também. A lente passeia pelo chão com
poças e mais poças de sangue,
preservativos usados e frascos de remédios espelhados.
O foco muda e um corpo nu, exceto pelo rosto, aparece no vídeo. A pessoa
que filma se aproxima e toca na barriga da mulher. Como a câmera rente a
pele roxa, ele enfia a mão na cavidade abdominal, e faz movimentos
circulares enquanto respira com dificuldade e arranca o apêndice da mulher.
Giro lento a cabeça para Aiden que grunhi baixo sem respirar.
Atento como se estivesse vendo seu filme favorito.
“Porra, Aiden.”
Ele finalmente pisca para mim, sorrindo quando o filme para de
rodar.
“Interessante, não é? Eu me pergunto como algumas das vadias da
escola ficariam nessa posição. Amarradas, sem seus saltos bregas e seu
orgulho de piranha.”
Ele fecha o notebook, se levanta e sai do quarto.
Deixo o peso do meu corpo cair para trás, sobre minhas mãos.
Aiden é idiota, mas isso... Desde quando ele tem essa merda e, por que ele
teria isso? Porra!
“Que idiota filma sua própria merda?”
Outro ruído estremece no teto. Eu me levanto. Abro uma porta
próxima à escrivaninha que tinha me incomodado desde a primeira vez que
vim aqui, ela está sempre fechada e quando perguntei o que era, Aiden
ficou em silêncio. Subo os degraus do estreito corredor até um pequeno
sótão que mal
cabe um pequeno armário. Sem janelas ou saída, sem espaço e iluminação.
Ligo a lanterna do celular, e me agacho para entrar no local que não cabe
sequer uma pessoa em pé. Dou dois passos para frente, mas paro quando
escuto soluços baixinhos vir do armário. Estendo o braço e puxo a
maçaneta. Clareando
lentamente o interior do móvel, volto um passo quando o rosto
molhando de uma garota surge assustado com a luz repentina. Ratazana,
hein.
Estendo a mão, mas a menina se encolhe como um caracol
assustado. Suspiro.
“Venha aqui”, digo, oferecendo-lhe a mão.
Ela olha, mas rejeita pegá-la. A garota força o corpo e se arrasta
para fora, sozinha.
“Quem é você, menina?” pergunto, mas meus olhos estão nos
hematomas azuis nas suas pernas e joelhos.
“Quando você fala com uma mulher é educado que olhe
diretamente em seus olhos.”
Seu tom arrogante perfura o ar. Ela arruma a camisa de flanela
xadrez que servia como vestido.
“Se a ratinha já está falando, é sinal que está bem. Então se apresse
e sai da minha frente”, retruco.
Ela morde os lábios e esfrega os pés descalços um no outro.
“Não posso.”
Sua voz suaviza. Lágrimas brotam em seus olhos.
Jesus. Onde foi parar a marra de antes?
“Levante-se e saia, agora. Eu não serei o príncipe que irá te carregar
nos braços”, aponto com o queixo para saída.
“Eu pedi para me carregar? Ugh, idiota. Eu não preciso da porra de
um príncipe. Saia da minha frente ou vou passar por cima de você!” ela
rosna, secando as lágrimas com tanta força que fagulhas saltam do atrito de
pele com pele.
“Ei, cuidado com a boca, mocinha!”
A garota desce correndo, esbarra na porta e cai de joelhos, mas logo
se levanta e sai desesperada para fora da li. Eu desço em seguida.
“Mantenha suas patas longe dela,” Aiden diz de algum lugar.
Eu paro, refletindo.
“Como é mesmo o nome dela? Ah, Amber. Sua irmã, certo? Era ela
na quadra hoje que quase te fez mijar nas calças depois da partida?”
Olhei por cima do ombro, capturando sua figura em pé atrás de
mim, encostado na parede com os braços cruzados sobre o peito.
“Encoste nela, e eu fodo os dois.”
Sim, Aiden, eu adoraria ver você tentar me foder.
Vai ser divertido, afinal foi você quem propôs o desafio. Eu não
tinha nenhum interesse na sua preciosa irmã, mas já que sua joia é tão
estimada, eu não posso ficar sem um pedaço.
Posso?
06

Amber

Presente

O despertador tocava na mesa de cabeceira.


Forço meus olhos a abrirem-se. Náuseas reviram meu estômago.
Sinto o refluxo ácido queimar minha garganta.
A chuva forte batia nos janelões e escorria, deixando marcas
molhada por todo o vidro.
Estico o braço, varrendo a mesa, à procura do som irritante. Meus
músculos contraem com câimbras e dor. Não consigo evitar a careta no meu
rosto.
São seis da manhã, e eu dormi pouco menos de uma hora. Por mais
que me revirasse entre os travesseiros e encontrasse uma posição agradável,
ou colocasse músicas instrumentais, nada me fazia relaxar, nem mesmo a
dor. Não que sentir dor seja algo relaxante para a maioria das pessoas. Mas
para mim funciona, o que não foi o caso da noite passada.
Depois da floresta, eu voltei para casa dos Reese, peguei minhas
coisas, fui no quarto da minha mãe dei um beijo nela e deixei um bilhete
com uma desculpa sobre minha fuga no meio da madrugada. Minha mãe
não precisava saber dos fatos de ontem. Ninguém precisa. É algo que
apenas eu posso resolver, e vou. Desci as escadas e sai, batendo a porta.
Felizmente, nem meu pai, nem Aiden surgiram para me atormentar e eu
pude pegar meu carro e tocar de volta para Midran.
Toda aquela cena na floresta, aquela garota, aquele homem e o jeito
dele e como falou comigo como se me conhecesse. Como tudo aconteceu é
estranho. Aconteceram muitas coisas confusas e totalmente fora do
controle. Digo, o psicopata sequestrador estava bem na minha frente, ele
estava se divertindo enquanto agredia uma mulher e, em instante, estava
cara a cara comigo.
E tem a carta. Ele fez a mesma ameaça da carta. Estava escuro
quando ele se aproximou e tudo foi tão rápido, eu não consegui ver nada
direito.
Não tenho nenhuma pista sobre ele, até sua voz não parecia
familiar. Bom, pelo menos eu sei que não foi Aiden.
Mas, mais cedo ou mais tarde, eu irei descobrir, e quando acontecer,
eu não serei tão fraca como fui ontem. E eu espero que ele me diga todas
suas merdas sem aquela porcaria de máscara. Espero me divertir um pouco.
Agite as coisas para mim, baby.
Curvo um canto da boca.
Qual será o motivo do papai ter me enviado para o Hedwyn? Eu
não sei.
Minha mão dói. Sangue escorre, e a aparência não é das melhores.
Inflamação pela falta de cuidados. Os pontos
romperam com toda a agitação da noite passada. Eu nem me dei o trabalho
de refaze-los.
Foda-se.
Visto meu robe, dou um laço apertado na cintura. Eu me arrasto
pela cozinha, procuro algo que diminua minha ressaca. Minha tolerância ao
o álcool é alta, mas hoje, eu não estou na minha melhor forma.
A chuva parou. O dia fica um pouco mais claro, mesmo com as
nuvens acinzentadas escondendo o sol. Deslizo até o sofá com um copo de
leite integral na mão. Abro uma pequena frasqueira, pego dois
comprimidos. Engulo ambos com auxílio do leite.
Trago meu notebook até meu colo, ligo a tela e espero os dados do
software carregarem. Clico no meu cronograma de aulas, vendo que hoje as
principais matérias são de perspectiva e proporções. Solto um longo
suspiro.
Nós estudamos perspectiva de várias formas, através de réguas,
pontos de fugas, proporções, das formas 3D e dos planos pictóricos que
Vincent Van Gogh tanto exaltava. Existem finitas técnicas, mas ela ainda
continua sendo a matéria mais insuportável de lidar, e o sr. Burtler,
professor da matéria, escolheu o método mais arcaico e metódico para
ensinar. Alguém deveria expulsar aquele ancião aposentado corrupto. De
qualquer forma, eu preciso ir às suas aulas e ouvir suas merdas até meus
ouvidos sangrarem.
Junto o cabelo num rabo de cavalo no topo da cabeça, as mechas
longas caem sobre minha nuca. Vestindo uma regata
branca com um decote quadrado, entro numa calça de couro
preta que imediatamente adere a pele. Calço minhas botas de
cano baixo e bico fino trabalhada com um salto grosso. Puxo
uma jaqueta de couro preta com estampa de caveira com uma coroa na
cabeça nas costas. Curvo os cantos da boca com um sorriso. É um ótimo dia
para usá-la.
Caminho pelo corredor, carregando o livro ‘Desenhando com o lado
direito’ de Betty Edwards, um dos poucos livros que me fez curtir desenhar.
Passo em frente a sala da reitora. Vejo Mai Jones em pé na frente da mesa.
Ela fala algo para Mai que abaixa a cabeça e concorda.
Apesar de ser apenas um ano mais velha que eu, Mai é uma das
alunas mais brilhante de toda a faculdade. Todos sabem quem é a garota que
encabeça a lista semestral de melhores alunos.
Aperto o passo, viro a esquerda, e subo dois lances de escada para
minha próxima aula. Entro na sala de artes. Cavaletes posicionados em
quatro filas com telas sobre eles. Alguns alunos tiram seus estojos de
desenho e organizam no espaço, e outros conversam e riem. Escorrego entre
eles até o lugar mais próximo da janela, ao fundo. Eu jogo minha bolsa no
chão e seguro minha caixa de lápis e plano pictórico.
O Sr. Burtler entra, carregando uma pequena maquete construída
com isopor. Estudo o objeto em suas mãos. Tento entender o que é. A base é
como um chapéu de bruxa e o corpo parece um cilindro vazado nas laterais,
enquanto o topo é fechado. As laterais são feitas com pequenos pedaços de
madeira com desenhos esculpidos neles. Iam da base até o topo, como
pilares...
Pisco, limpando a vista quando ele move, posicionando a estrutura
em cima da mesa. Um gazebo invertido? De onde esse velhote tirou isso?
Travo os lábios, tentando segurar o riso. Isso é
brilhante, velhote.
Murmúrios se espalham pelo ambiente. Os estudantes, cada vez
mais impacientes por uma explicação, olham uns para os outros enquanto
interrogações gigantes flutuam sobre suas cabeças.
Minha vontade de rir só aumenta.
Eles ainda não entenderam? Não posso criticar, afinal, nós somos
estudantes de designer e não de arquitetura, e o nosso professor traz algo
que não faz sentido, mas esse é o sentido.
Tudo fica mais interessante quando não faz sentido.
‘Qual o propósito de uma estrutura como aquela? Ele queria que
nós entendêssemos nosso papel ao lado de um arquiteto?’ Os cérebros
começam funcionar rápido para descobrir.
Vamos, colegas, corram.
“Silêncio”, o professor diz e deixa a pasta na mesa. “Conseguem
identificar essa construção?” Ele questiona enquanto se move de um lado
para o outro.
“Uma igreja...?” Alguém responde.
“Isso é uma pergunta ou uma resposta, Ivis?” Burtler para e encara
Ivis.
Reviro os olhos e quase vejo meu cérebro. E Lá vamos nós... Você
estava indo bem até abrir a boca, Burtler.
Eles vão começar uma discussão sobre os princípios da arte e toda a
história onde só ele fala e todos escutam e quando alguém fala algo
diferente, ele argumenta até quebrar a
confiança da pessoa e fazer com que ela começa a acreditar que realmente
está errada.
Giro a cabeça para janela. Observo o céu nublado
pronto para descarregar sua fúria em nós. Espio o estacionamento dos
professores logo abaixo de nós. Os estudantes são proibidos de
estacionarem lá. ‘Vagas exclusivas’, alguma merda dessa, estava escrito em
uma placa.
O estacionamento para os estudantes é grande e cheio, mas não foi
esse o motivo para não querer estacionar lá. Eu queria esse lugar, então
fiquei aqui. Por quê? Capricho. É um lugar só meu, e os professores não
iriam ficar incomodados com um Porsche embelezando o espaço.
Vejo meu carro mais ao fundo, ao lado um Mustang preto. Não
parecer ser de nenhum dos professores, eles usam os mesmos carros, nunca
um esportivo chamativo como esse, e nenhum outro aluno entra ali. Seria
de algum professor novo?
Encosto a têmpora no vidro para conseguir ver melhor. Estico o
troco, tentando conseguir uma visão mais ampla.
A janela do carro desce devagar, uma máscara vermelha surge
dentro da cabine do motorista. Eu observo sem piscar, um arrepio rasga
minha espinha. Aperto o vidro com as pontas dos dedos. Meu estômago
ameaça com uma pontada, a dor de mais cedo volta. O homem balança a
cabeça de um lado para o outro e faz um sinal de silêncio com o indicador.
Porra.
Fico paralisada sentindo minha pressão cair.
Ele aponta para mim e depois faz uma linha horizontal com o
polegar no pescoço. Eu pisco, e o ronco imponente do Mustang explode do
lado de foram, e ele sai em disparate.
Eu relaxo os ombros tensos. Ele me ameaçar duas vezes tem algum
efeito, mas perde a graça na terceira. Quem ele acha que é? Um super
vilão?
Cerro os punhos com força, mas paro quando sinto a
dor latejante na mão. Olho para os band-aid espalhados
verticalmente pela palma e aperto a mandíbula, lembrando da noite anterior.
Ele veio atrás de mim como disse. Eu não faço a mínima ideia do que está
acontecendo, apenas que ele me quer. Mas eu não vou ficar parada
esperando ser devorada. Não mesmo.
Pego minha bolsa e levanto do meu lugar. O barulho dos meus
saltos soam pela sala e todos olham para mim. Enrijeço a postura e
atravesso a discussão do Sr. Burtler, saindo da sala.
“Senhorita Reese, onde está indo? Volte para o seu lugar”, ele diz,
com um tom ríspido.
“Não”, respondo por cima do ombro.
“Não?”
Indignação plantada em seu rosto.
“Não, eu não vou voltar. Com licença, eu tenho algo mais
importante para fazer agora.” Saio, mas ele agarra meu braço, me puxando
de volta para sala.
“Sua... Você deve respeitar seus mestres, ainda mais se forem mais
velhos!” ele grita e gotas de saliva espirram no meu rosto. Fecho os olhos,
raiva borbulhando.
Todos olham espantados com o showzinho do palhaço Burtler.
“Tire suas mãos de mim. Quem você acha que é, ancião?” Franzo a
testa. Sinto o leite que bebi mais cedo voltar
pelo meu esôfago. “Você mal se aguenta em pé, velhote! Quer um babador?
Ou melhor, fraudas geriátricas? Você é repugnante.” Puxo meu braço a
força e saio, espancando o chão com minhas botas.
Eu não me importo se ele vai me reprovar na matéria ou
se serei advertida pela reitora. Ele não pode simplesmente agarrar uma
aluna pelo braço e exigir respeito, cuspir no rosto dela e achar que está tudo
ok.
Deus, eu não tenho tempo para isso. Merda. Eu preciso saber onde
estou pisando.
Reúno minhas energias nas pernas e acelero os passos pelo corredor
deserto. Empurro as portas da biblioteca, mas paro antes de entrar. O lugar
estava escuro.
Não são nem onze da manhã, mas as cortinas estão fechadas, e
voltou a chover. As luzes deveriam estar acesas, ainda tem alunos no
prédio. Toco na parede, procuro o interruptor, mas não acho. Eu não
consigo ver nada, nem sentir. Engulo, saliva molha minha garganta.
Desejava ter uma garrafa de água gelada comigo agora.
Aperto a alça da bolsa, adrenalina pulsando rápido pelos nervos.
Olho para um lado e para o outro, tentando ver alguém ou escutar algo.
Entro. Meu coração bate rápido numa pulsação frenética. Deslizo a
mão no bolso de trás da minha calça e pego meu celular, ligo a lanterna
enquanto continuo me aprofundando no breu.
A biblioteca fica no fim do corredor, depois de três salas após a
minha. É o atalho que eu pego quando quero chegar mais rápido ao
estacionamento. Eu posso andar
livremente por todos os lugares da faculdade, sem ser impedida pelos
inspetores ou professores, com exceção do Burtler que adora pegar no meu
pé. Os outros estudantes desviam o olhar toda vez que eu passo, isso facilita
minha saída.
Só três pessoas podem agir como bem entendem aqui. Eu e outros
dois. Eu não sei quem são, e não tenho interesse
em saber. Mas ouvi que um deles é o capitão do time de
basquete e o outro é herdeiro da metade cidade. Ambos estão fora do país, é
o que dizem.
Caminho próxima as estantes de livros.
“Tem alguém aqui?” Pergunto.
Tudo continua silencioso e eu continuo seguindo.
Passo por outra estante, levanto o celular para iluminar os livros e
checar se estou na sessão certa. Abaixo a cabeça para ver entre as
prateleiras, e uma sombra se move, segurando uma lanterna, e desaparece
no escuro. Em seguida, algo cai atrás de mim. Jogo a luz na direção do
barulho e corro na direção.
“Voltamos a adolescência?” jogo enquanto corro para o outro
corredor. “Esconde-esconde nessa idade? Ainda está na puberdade?”
Levanto a voz.
A luz bate e ilumina os livros e o vão vazio. Outra sombra passa
correndo a minha esquerda e outro barulho soa atrás de mim agora.
“Qual é? Você deve estar muito obcecado.” Sorriso na minha voz.
Ele quer brincar? Então vamos brincar.
Cerro a mão envolta do celular e a outra em punho, Começo a correr.
“Eu não tenho medo de você!” grito, controlando. “Quer ver quem
é mais louco? Então vamos fazer isso para valer, baby!” Empurro meia
dúzia de livros.
Risadinhas soam de vários lugares ao mesmo tempo.
Porra, é mais de um?
“Trouxe cachorros com você hoje? Está como medo de mim?”
Derrubo mais livros.
“Ou você quer me impressionar? Achei que tinha dito que eu não
duraria uma noite na sua cama. Mudou de ideia?” Mais meia dúzia cai.
“Vamos, baby, eu estou ficando excitada.”
Coloco a mão em mais livros, mas algo molhado toca meus dedos
através das prateleiras. Eu dou um pulo para trás, assustada. Minha pele
arrepia e meu coração bate na garganta. Mais risadas explodem próximo a
mim.
Filhos da puta.
Giro os calcanhares e corro entre as colunas. Uma corrente de ar
roça meu rosto, e eu me viro procurando de onde vem o vento, já que não
há nenhuma janela aberta. Mordo os lábios, prendo o fôlego e trabalho mais
rápido.
Objetos são atirados ao chão. Livros caem de duas estantes ao
mesmo tempo, e eu tropeço neles enquanto outros batem nas em mim antes
de cair. Eu gemo. Merda! Eles estão perto. Corro, e circulo a bancada de
madeira aonde o bibliotecário fica. Forço a porta para abrir, mas ela nem
sequer se move. Mais livros são jogados no chão e gargalhadas saltam.
Pressiono as costas na porta, ergo a lanterna. Livros estão
espalhados pelo piso, e... pegadas pretas, muitas pegadas. Quantos são?
Tudo fica silencioso novamente, até que um trovão balança a
estrutura do prédio. E eu pulo e grito com a porra do barulho. Eu começo a
rir, isso é loucura.
Escuto algo arrastar no chão, meu corpo vibra e uma estante cai ao
meu lado. Meu Deus, eu não consigo parar de rir.
“Idiotas!” grito.
Sugo todo oxigênio que posso, trabalho meus pés mais rápido que
um velocista e disparo. Escuto passos fortes vir às
minhas costas, mas eu não olho para trás. Meu sorriso não cai nem por um
instante. Frio na barriga e pelos arrepiados. Pulo por cima de uma mesa,
tropeço e quase caio de cara no chão. Levanto e me jogo entre as pilhas de
mapas. Empurro a pequena estante no fundo da sala e uma porta surge.
Mais risadas. Agarro a tranca, e empurro para fora. Ela abre e eu atravesso,
deixando a biblioteca para trás.
Coloco a mão na cabeça, respirando com dificuldade. Pingos
gelados caem sobre mim fazendo minha camisa grudar na pele em
instantes. Ofego sem conseguir voltar ao eixo.
Desço as escadas de incêndio até o estacionamento. Olho para trás
para ter certeza de que eles não estavam atrás de mim.
Caminho rápido até meu carro. Inspeciono a lataria, vendo se há
algo, uma bomba talvez. Agacho, meus joelhos tocam o chão, curvo a
coluna para visualizar se tem algum vazamento, nada. Levanto, limpo meus
joelhos e destravo a porta.
Seguro meu telefone e disco para meu irmão. Eu precisava saber se
esse era mais um dos seus jogos. Aiden atende no terceiro toque.
“O quê?” ele diz.
“Foi você?” Aqueço o motor.
“Eu. O. Quê?” questiona.
Maldito.
“Não se faça de idiota. Foi você quem deu ordens para seus cães me
seguirem? Assuma de uma vez.”
Digo, enquanto dou partida para fora da universidade.
“Esqueceu de tomar seus remédios? Amber, é muito cedo para seus
ataques de loucura.”
Aiden solta um logo suspiro.
Paro no semáforo. Mordo os lábios e olho para tela. Aiden não
gosta desses joguinhos. Ele não faria isso mas pode ter mandado alguém
fazer. Porém, ele não teria nada a ganhar com isso.
Meu irmão só me atacava quando eu desobedecia suas ordens
estúpidas. Entretanto, eu fiz várias coisas que o deixaram furioso nesses
dias. Então, sim, ele é suspeito.
Foi divertido a brincadeira, mas eu odeio não estar no controle. E
não saber onde estou pisando, me irrita. Tudo que eu sei é o que está na
carta e o que vi noite passada.
“Venha até minha casa essa noite”, dou a intimação, mas não espero
resposta e desligo.
Meu irmão é a última pessoa com quem eu posso contar. Entre ele e
o papai, eu prefiro ele.
Caminhando pela calçada, olho para as árvores alaranjadas de
outubro. O céu nublado emoldura o fim de tarde outonal.
Atravesso a rua correndo quando sinto pingos caírem sobre mim.
Contorno o poste e entro no clube próximo ao meu apartamento. Bato no
ombro para afastar as gotas de chuva. Olho ao redor, noto a portaria vazia.
Entro em silêncio para não chamar atenção do porteiro.
Cruzo o hall da entrada. Clientes estão sentados, eles conversam
enquanto descansam após exercícios. Paro em
frente a uma porta preta, respiro fundo e digito a senha de acesso.
Sento minha bunda em uma poltrona vermelha. Passo a mão no
bolso da minha jaqueta e tiro minha carteira de cigarro. Inspeciono a
embalagem, vendo se a chuva a atingiu.
Sinto o calor aquecer meus lábios quando aproximo o isqueiro da
ponta. Cruzo as pernas, deixo a cabeça cair no encosto da poltrona. Sopro
fumaça para cima, estudando o lustre de cristais vermelhos sobre mim.
Olhando em volta, pinturas decora o lugar. Paisagens noturnas com
figuras humanas rasgando a própria carne, lágrimas escorrem. Outros,
enfiam facas na garganta, flores murchas compõem as obras. Não sei se é
um péssimo olhar do artista ou apenas resquícios da sua mente perturbada.
Todos os artistas têm um lado... mórbido.
Arrasto as pontas dos dedos pela mesa redonda. Sinto a sensação
boa do tampo de madeira lisa sem nenhuma farpa. Esculpida no século
XVIII?
Vou até o bar, me sirvo de Jack Daniel's. O cheiro forte de terra
molhada pinica minhas narinas e a bebida queima na minha garganta.
Encaro os vários metros quadrados do lugar. Paredes com
acolchoados verde-musgo. Estante com livros. Dois sofás vermelhos
acompanhados de duas poltronas pretas. Uma mesa de centro com um jogo
de xadrez. Obras de artes caras nas paredes. Bar sempre abastecido, não
importa o quanto eu beba. Banheiro sempre limpo e, o mais estranho; eu
nunca encontro ninguém nos corredores ou aqui dentro.
A senha deste lugar estava junto as minhas coisas quando fui
trazida de volta de Hedwyn. Eu não sei quem me
daria isso, também não havia bilhetes ou qualquer outra pista do por que
disso. Eu apenas aceitei, afinal, esse foi o único lugar reconfortante o
suficiente para meu processo de readaptação durante meses.
Silencioso. Solitário. Escuro.

Enfio as chaves na fechadura da porta, giro até o soar do clique.


Jogo minha bolsa no sofá, e caminho até a cozinha. Circulo a ilha em
direção a geladeira. Pego uma garrafa de água com gás, um prato de salada,
atum e uma porção de batatas congeladas. Coloco água para ferver na
chaleira elétrica e, enquanto espero, abro a garrafa de água e tomo mais da
metade.
Despejo a pedra de gelo numa panela e jogo a água quente. Deixo
no fogo alto para descongelar.
Eu detesto comida esquentada no micro-ondas, fica com um gosto
estranho e não é saudável como seria se fosse preparada no forno.
Ligo meu computador, já esperando o e-mail de Burtler com várias
advertências e talvez uma suspensão e, amanhã, serei chamada a sala da
reitora. Grande merda.
Olho para o canto da tela, o relógio digital marca nove horas.
Volto para bancada de mármore e desligo o fogo. Escorro as batatas
e reservo. Sirvo a salada, o atum e a porção de batatas em um prato raso.
Puxo uma banqueta e sento.
Como meu jantar simples.
A campainha toca. Eu me viro, caminho em direção a porta. Abro, e
Aiden entra, suspirando.
“O quê você tem de tão urgente para me chamar aqui se ontem nem
sequer me deixou entrar?” ele diz, escorando o ombro no pilar da cozinha.
“Você mandou seus capangas me seguirem no parque e na
faculdade?” Afasto o prato para longe, sem apetite.
“Amber, pelo amor... Por que eu gastaria meu tempo mandando
meus homens irem atrás de você?” Ele caminha até a sala e senta no sofá,
olhando para a vista através da janela.
“Diga você. Por quê?” Meus olhos o segue.
“Seu problema é achar que tudo gira entorno de você. Você é
arrogante e mimada, além de uma psicótica fodida.” Aiden cruza as pernas.
Um sorriso arrogante se instala no rosto.
Olho para faca de prata ótima para fatiar carne exposta na bancada.
Engulo o amargo preso na garganta, imaginando o fio afiado na jugular do
meu amado irmão. Um corte limpo e macio.
“Vamos, me responda você, Aiden. Foi ordem sua ou não?” Deslizo
a palma pelo cabo preto da lâmina.
“Ora, pergunte aos seus demônios.”
Desço do banco. Empunhando minha arma, caminho em sua
direção. Eu agarro o cabelo dele forçando sua cabeça para trás.
“Não faça assim, me responda, por favor?” imito uma voz fofa. Ele
bate no sofá, tentando levantar, mas antes que consiga, eu pressiono a
lâmina em sua garganta. Aiden para. Sua respiração oscila. Seus olhos
arregalados encontram os meus, sorrindo da sua reação. Eu me curvo,
roçando minha
bochecha na sua orelha. Paro, e suspiro antes de falar.
“Eu não estou com paciência. Diga se está envolvido nessa merda,
ou...”, empurro o fio mais forte.
“Você não é capaz!” rosna.
“Ah, irmão, você sabe... eu gosto de brincar. E pode ser que sem
querer, a lâmina perfure sua garganta. Não se sabe. Acidentes podem
acontecer”, sussurro, achando graça de como meu irmão nunca aprende que
não deve subestimar ‘os fracos’.
“Não fui eu”, ele diz, entre dentes.
“Papai?” Semicerro os olhos.
“Quando o papai quer algo ele mesmo faz. Não precisa mandar
ninguém fazer por ele. Você sabe bem disso.”
Empurro sua cabeça para frente e me afasto. Circulo o sofá e sento
na sua frente. Aiden tira um lenço do paletó e
pressiona no corte superficial. Seus olhos desejando me matar aqui e agora.
Eu dou sorriso da sua figura patética.
Ele levanta.
“Wow, para aonde vai? Sente-se, eu ainda não acabei com você”,
digo, apontando para o sofá com a ponta da faca.
Ele vem até mim, curva-se e agarra a parte de trás do meu cabelo.
Eu levanto o queixo, sentindo o coro arder. Seus olhos azuis encaram os
meus.
“Vai se foder, sua cadela”, rosna.
Um sorriso satisfeito inflama no meu rosto.
“Ops. Cuidado com seus futuros bebês”, falo, prestes a enfiar a
lâmina nos seus testículos. Não consigo me conter e solto uma risadinha
sapeca.
“Nosso pai vai adorar saber que o seu herdeiro não tem mais uma
das bolas.”
Ele grunhi, e me joga para longe. Aiden atravessa a
sala, cuspindo fogo e bate a porta. Eu desabo no sofá com o coração na
boca, gargalhadas escapam.
Minha missão é infernizar meu querido irmão. Ele é o meu melhor
alvo.
Água quente corre na banheira, me viro e vou até o espelho.
Começo tirar da jaqueta, depois calça, seguido da blusa, sutiã e calcinha.
Desfaço o rabo de cavalo, deixo as mechas lisas caírem sobre meus seios.
Deixo meu corpo ceder, lentamente, contra a banheira. Fecho os
olhos quando minha nuca descansa na borda. Água roça meus mamilos,
fazendo cócegas. Sinto o peso do medo se dissipar quando minha bunda
toca o fundo, e a pressão empurrar meu abdômen para baixo.
Inalo pela boca, sugando todo ar que consigo. Eu só quero me
perder, sair do controle. Não sentir a dor, não ouvir as vozes sussurrar na
minha mente.
Deixo meus braços penderam ao lado do meu corpo afundar como
âncoras. Pestanejo, exausta. Sinto falta de algo, mas não desejo sair daqui.
“Eu não quero sair... Mas preciso... ” resmungo, baixinho quase
como um sussurro para mim mesma.
Trabalho os ouvidos ao ouvir o som vindo de algum cômodo
penetrar meus sentidos.
A voz doce de Melanie Martinez em ‘Pacify Her,’ viaja até o
banheiro, conduzindo calmaria até mim.
Os poucos momentos em que eu posso baixar a guarda são esses,
quando a cidade dorme, às 3 da manhã. Quando a luz da lua vai embora, os
veículos param e o silêncio reina. É apenas a escuridão e seus mistérios.
Pessoas quebradas em busca por qualquer droga para alimentar seus
monstros.
Algo que as façam esquecer a tortura de é viver atormentado. A procura
desesperada por algo que as entorpeçam, as façam fugir da agonia, porque
só assim nós conseguimos sobreviver mais um dia. Fugindo.
Entro no quarto. Luzes apagadas. Não vejo nada além da penumbra
fraca sobre a cama. Deixo a toalha cair no tapete. Deslizo sob as cobertas.
Deito de costas para janela. A música toca repetidas vezes, mas não me
preocupo em trocar.
Rastejo minha mão entre as pernas, sinto o calor se acumular lá
embaixo. A agitação do dia impregnada por todo meu corpo, corrompe
meus pensamentos. Eu quero fazer isso.
Movo meus dedos em pequenos círculos. Meu clitóris pulsa, e eu
quero fazer isso. Eu me viro, e fico de quatro. Deslizo os dedos pela minha
buceta, acaricio a carne dura. Deixo minha mente explorar cada desejo
sórdido.
Ele está aqui, de pé, escorado na entrada do meu closet, me
observando da sua vista privilegiada. Eu arfo e bombeio com pulsações
rápidas, minha buceta contrai e minha coluna arqueia.
Pode me olhar, mas não pode me tocar. Sim.
Eu gemo e deslizo dois dedos na fenda. Porra! Ele está ficando
louco. Rebolo para mim mesma quanto entro e saio.
Meu corpo é molhado e quente e você não pode sentir.
Meus joelhos afundam na cama. Agarro o travesseiro e deixo a testa
cair nele para abafar os gemidos. Minha bunda sobe pedindo por uma lição.
Uma respiração pesada soa atrás de mim. Eu arregalo os olhos e
prendo a respiração.
O quê?
Giro a cabeça para trás, e vejo uma sombra embaçada
no canto da parede. Meu sangue gela. Eu o encaro enquanto minha buceta
contrai forte.
“Continue”, ele anda e eu o sigo com o olhar.
A luz fraca entra pelas janelas e ilumina sua silhueta forte e alta.
Ele senta na poltrona e cruza as pernas, pronto para se divertir.
Eu ofego, e mordo o lábio. Adrenalina correr nas veias.
“Esse é o seu plano? Invadir minha escola e depois me espiar
enquanto brinco?” Falo, ofegante.
O cara bufa. Imponente.
“Mova-se.” exige, mais duro agora.
“Nem fodendo”, digo, baixinho.
Suspira, e meu cinzeiro vai para o chão. Meu corpo estremece. Meu
estômago revira e o calor se acumula no ventre. Olho para os cacos, sinto
meu útero coçar e, de repente, eu quero mais, muito mais.
Viro para ele, tesão nos olhos. Movo dedos, minha cabeça cai de
volta no travesseiro, os pelos do meu resto arrepiam e eu desejo chegar ao
fim. Eu arfo mais forte. Meu corpo treme, e eu fito seus olhos. O orgasmo
derretendo dentro de mim. Desabo, sem forças para falar. Ele circula a
cama, e para próximo a minha cabeça.
“Ah, Amber...” acaricia meu cabelo. “Você não sabe como quem
está brincado, agora. Pobre garota. Eu vou entrar na sua mente e te devorar,
e no fim...” ele faz uma pausa, se curva sobre mim e sussurra no meu
ouvido: “Você ficará sozinha com toda essa merda.” Frio.
Tremo com um sobressalto. Meus sentidos despertam, e eu pulo.
Me afasto dele. Olho, mas não vejo nada. Ouço sua risada e a porta bater.
Que porra?

07

Eric

Presente
Eu a vi hesitar, e depois entrar em ação assim como fez há sete
anos.
Desço no banco, sinto o couro ranger contra minhas costas. Minhas
roupas pesam quinze quilos. Abaixo a cabeça com a mão no volante.
Amber está se divertindo, no fim das contas. Ela tem suas armas, e
não hesita em usá-las. Diferente do passado, quando sua única jogada era
sua petulância, a garota do presente, pode ser bem sagaz e esperta.
As luzes do prédio estão apagadas exceto pelo pequeno raio que sai
do seu quarto.
Eu esperei pelo momento certo para fazê-la pagar por cada
segundo de tortura que me fez passar. Ela me fodeu e fodeu tudo. Agora,
que está de volta, é hora de tomar minha joia de volta.
Eu vou garantir que ela arraste sua bunda até minha cama,
implorando para se fodida, porque nenhuma das suas drogas vai satisfazê-la
como eu a satisfaço. E, desta vez, não será os espelhos que sairão
quebrados.
Meu celular vibra no bolso do paletó. Pego o aparelho, a tela brilha.
Aperto o botão verde.
“Tenho novidades”, diz, a voz envolvente.
“Sobre?” Ergo a cabeça.
“Liz McBride.”
Cerro o punho envolta do celular.
“Você sabe onde me encontrar. Venha até mim.”
Desliga.
Chuva bate forte no para-brisa. Piso no acelerador e arranco. Bato o
polegar no volante ao som de ‘Darkside,’ de grandson. Acelero, cortando as
avenidas, cruzamentos e os poucos carros esperando o sinal abrir.
Novidades sobre Liz McBride...
Meus olhos pousam no Hitman. Saio do carro. Paro em frente ao
maior prédio da cidade de Midran. Ergo o queixo, estudo topo do grande
amontoado de concreto até a base. Uma construção imponente com suas
vidraças pretas de cima a baixo.
Os ponteiros do Rolex marcam 3:15 AM. Deslizo as mãos nos
bolsos da calça e movo os pés para dentro.
Passando pela recepção, sou cumprimentado.
“Boa noite, Sr. McBride”, o homem diz. “Por favor, me
acompanhe”, ele estende o braço, apontando para o elevador.
Eu caminho e entro no espaço.
“Não precisa, eu conheço o caminho”, digo, com as portas do
elevador se fechando.
Vieira arregala os olhos e corre para tentar impedir que fechem,
mas é tarde, e eu só consigo ver sua boca gigante gritar ‘não’ em câmera
lenta.
Atravesso a escuridão. A ponta do cigarro é o único ponto de luz
entre os dedos.
Bato duas vezes, dou mais um trago, e empurro o trinco, a porta
cede e eu entro.
“Você chegou rápido, estava por perto?”
Sua voz calma flutua no espaço.
Giro a cabeça, encontro o homem sentado na sua cadeira de costas
para mim, apreciando a vista noturna através dos janelões, que vão do teto
ao chão.
Penumbra percorrer a sala luxuosa, apenas um pequeno abajur
aceso na sua mesa joga luz no ambiente.
“Vocês são mais parecidos do que imagina”, digo, inalando o
cheiro acentuado do charuto cubano.
“Sério? Talvez eu deva me aproximar um pouco mais... ou, talvez,
minhas intenções não sejam tão boas quanto as suas.” Sopra fumaça.
“Você está me superestimando. Ainda falta muito para eu chegar
aos seus pés.”
A cadeira gira, a lateral do seu rosto se ilumina. Ele não olha para
mim, seus olhos continuam focados no horizonte.
O homem coloca o charuto no cinzeiro de prata, cruza as pernas e
arruma o punho do terno italiano de três peças.
“Você aprendeu apenas o que eu quis que aprendesse, apenas para
me ser útil, garoto.”
Como já era de se esperar de um homem com todo poder que
possuí. Não importa quantos anos passem, ou quantas vezes estivemos
juntos, ele é como uma casca vazia,
sem qualquer sentimentalismo. Sua mente é focada na realidade. Faz o
necessário para conquistar seus objetivos e, se for preciso passar por cima
de alguém para isso, faz sem hesitar. O tipo de homem que faz as entranhas
de qualquer um revirarem ao ouvir a calmaria assustadora em cada palavra
ao sair da sua boca.
Já ouviu falar que você deve lutar contra o mal, ignorar o
desequilibrado e fugir do calmo? Pois é, fuja, corra o mais longe possível se
encontrar um.
A calmaria de um homem furioso pode ser sua ruína.
Ao virar, vejo seus olhos fixos em mim, agora.
“Quais são as informações?”
Tomo a inciativa, indo direto ao que me trouxe aqui.
Ele inclina a cabeça para o envelope preto em cima da mesa. Eu me
aproximo, arrastando o papel para mim, abro e tiro os documentos.
“Laudos médicos?” folheio.
“Causa da morte: acidente automotivo e parada respiratória por
overdose”, ele diz. “Me diga, Eric, por que Liz sofreria uma overdose
enquanto dirigia? E, desde quando, ela usava drogas?”
Overdose? Minha mãe nunca usou drogas, não por vontade própria.
Sim, eu já vi essa merda acontecer muitas vezes. Um pó no copo de uma
garota na balada, uma balinha para deixar mais animadinha, um calmante
para dormir, todas essas merdas que te fodem.
“Você está dizendo que alguém a drogou?” Pinço o lábio inferior
com o polegar e indicador.
Ele pisca lento.
“Todos os laudos dizem o mesmo. Um acidente.
Por que esse detalhe nunca foi citado? Porque quem fez isso sabia você
saberia a verdade. Liz não se drogava”, joga.
“O que ganhariam com a morte da minha mãe? Ela era apenas uma
pintora.”
Jogo os papéis de volta na mesa.
“O que a Liz sabia que nós não sabemos? Essa é a pergunta certa,
Eric” O homem se levanta. “Por que ela está morta se não por isso?”
Pressiona a mesa com as pontas dos dedos.
“Quem fez isso sabia como iria ser lento. Pela dosagem encontrada
no sangue dela, Liz vinha ingerindo pequenas doses diariamente. Fizeram
parecer natural. É perigoso, e continua matando outras mulheres. Porém,
com ela foi diferente. A forma como tudo foi planejado para parecer um
trágico acidente”, analisa os fatos, com precisão.
Eu olho por cima do ombro, o vejo caminhar enquanto penteia o
cabelo para trás.
“Como você pode ter tanta certeza de que foram eles?” Apago o
cigarro na mesa.
“Por isso”, ele tira um envelope azul do bolso.
“Onde achou?” eu pego.
“Não importa, apenas veja o que está escrito.” Seus olhos voltam-se
para o horizonte.
Eu tiro o cartão com letras pretas.

Pobre Liz, nunca teve o que mais queria e também perdeu seu prêmio de
consolação.
Pintar quadros não os trará de volta, porque agora, eles são meus.

Tenciono os dedos das mãos. Cerro o punho, e lanço um soco no


tampo da mesa. Todos os objetos tremem e o abajur ameaça cair.
“Pegue seus garotos, e volte. Você saber o que fazer”, diz.
Eu guardo a carta e pego o envelope. Viro para ele que vem e me
entrega um pen drive.
“A verdade está lá, bem no fundo, onde ninguém quer tocar.”
Eu abro a porta e saio, tocando para fora do prédio.

Pressiono o polegar na tela, o sensor digital reconhece minha


identificação, a trava é desativada e eu entro.
A luz da sala acende automaticamente com a minha presença.
Atravessei o cômodo, peguei o tablet no tronco grosso de árvore
usado como mesa de centro. Indo nas configurações,
ajusto o volume de luz de alta para uma penumbra baixa. Entro no
aplicativo e programo algumas músicas para tocarem.
A adega climatizada vira parte da decoração noturna com suas
luzes douradas quebrando o preto soturno dos outros móveis.
Eu me arrasto até o balanço suspenso. Sento com os cotovelos nos
joelhos, desço uma dose de Jack Daniel's, tentando limpar o gosto de ferro
da boca.
A harmonia instrumental dos violoncelos começa a
tocar num tom sinistro. Eu fecho os olhos, meus ouvidos acompanham os
acordes se intensificarem quando ‘Nothing
Else Matters’, na versão de Apocalyptica embala pela casa, rompendo o
silêncio.
Levo o copo aos lábios, engulo mais um pouco do líquido âmbar.
A sensação da pele dela contra a minha pinica nos meus
pensamentos. Sete anos atrás, ela estava derretendo nos meus braços, se
perdendo e enlouquecendo enquanto dava um pedaço seu para mim. Hoje,
ela não passa de vadia metida.
Amber Reese estava lá, ela queria fazer aquela merda tanto quanto
eu, e, agora, age como se nada tivesse acontecido. Depois de tudo que fez
comigo, do que ela fez com nós. Ela fugiu.
O melhor final será o seu.
Agarro o cabelo no topo da cabeça. Eu me irrito só de olhar para
ela. Estou no meu limite com todas essas porcarias acontecendo. Eu não
vou deixar ninguém se safar ileso. Ninguém.
Olho para o envelope no sofá. Nem fodendo que isso vai ficar
assim. Quem matou minha mãe terá que se esforçar muito para eu nunca
consiga colocar minhas mãos nele. Porque se acontecer, ele preferirá estar
morto.
Pego um dardo, “eu também tenho uma brincadeira que você não
vai gostar, baby.” Lanço no centro do quadro com uma foto de Amber.
Desabotoo os punhos da camisa e ergo as mangas. Começo a
navegar pelos dados arquivados sobre o dia da morte da minha mãe. Dados
e mais dados. Eu sei cada palavra, nada novo, nenhuma pista ou detalhe que
eu tenha deixado passar.
Uma hora depois, despejo café puro na xícara, olho para janela,
vejo os primeiros raios de sol entre as nuvens tempestuosas. Passo a mão no
bolso e tiro o pen drive. Encaixo o objeto no notebook, estudo as
informações sobre nosso próximo passo.
Sorrio. Nosso próximo joguinho vai ser interessante.
Logo será halloween. Burk ficará agitada. Perfeito para nossa
diversão. Com toda comoção na cidade, eles não irão notar o
desaparecimento de uma ou duas garotas.
Cretinos. Eles sabem fazer algo descente.
Entro no chuveiro. Água desliza pelo peito. Bombeio sabonete na
mão, massageio o ombro para dissipar a tensão. O jato quente cai na
cabeça, meu cabelo escorre pela testa e têmporas. Planto as mãos na parede,
pisco lento. ‘Drown', de Bring Me The Horizon derrama no banheiro.
Enrolo a tolha envolta da cintura. Ando descalço até a bancada de
porcelanato preto. Limpo o vapor do espelho, encaro meus olhos sérios e
cansados.
Tudo mudou desde o dia que a encontrei presa naquele armário. E
tudo acabou com aqueles malditos espelhos despedaçados no chão. Anos
passaram, nos não podemos voltar para o passado, mas o futuro, ele começa
hoje, pequena Amber.
Penteio lento o cabelo para trás. Coloco creme hidratante nas
palmas das mãos e deslizo sobre o abdômen, braços, pernas, pescoço e
escapulas, todos os lugares coberto de tatuagem.
Agarro o bolo de chaves e digito, mandando mais uma mensagem
para Mika, lembrando sobre nossa viagem. Bato a porta, saio, ainda com os
dedos no teclado.
Caminho pelo hall principal, vejo Will através do vidro
vestido com um moletom preto com capuz e uma jaqueta de couro sobre ele
— o que era raro acontecer, mesmo mantendo todos os tons de preto —
encostado no capô do seu BMW e tornozelos cruzados.
“Mika?” pergunto, ao me aproximar.
Ele aponta com a cabeça para o Audi R8 preto fosco dobrando a
esquina. A máquina rosna alto ao passar como um foguete por nós. Mika
pisa fundo e entra na avenida.
“Pronto?”
Escuto a voz fria de Will ao lado.
“Sim”, respondi, e voltei o olhar para sua direção.
“Então, vamos.”
Ele impulsiona o peito para frente, me circula e abre a porta do
motorista.
Pisei no pedal da embreagem e deslizei marcha. Toquei para a
avenida, e Will seguiu. Fomos ao encontro de Mika.
Cruzamos a ponte da cidade de Midran à Burk. Agora, eu liderava
enquanto os rapazes me seguiam.
Minutos depois, paro na entrada do Hollow. Observo o lugar
deserto, mal acabado com o tempo. No topo, a roda gigante aponta. Deixo
meus olhos caírem nos portões trancados com correntes de ferro. A casa dos
espelhos vazia, igual a todo o parque.
Como esse parque ainda funciona se não existe nenhuma alma viva
cuidando do lugar? Sem mencionar sua péssima localização. Quem constrói
um parque de diversões vizinho a um cemitério? Eu nunca entendi isso.
Porém, houve uma época em que esse lugar era diferente, cheio de vida,
cheio dela.
Alinho os punhos do paletó. Vou até Will, escorado num tronco de
árvore.
Mika salta do carro e vem até nós. Ele chacoalha uma garrafa de
Gin Tanqueray Dry sobre a cabeça enquanto mostra a língua. Plástico filme
cobre o desenho preto no pescoço.
Uma tatuagem nova.
“Gin? Fala sério, cara”, viro o rosto em sinal de total desaprovação.
“Álcool é álcool, irmão. Você sabia que esta bebida voltou à moda?
É, as mulheres adoram”, zomba, ao enganchar o braço no pescoço de Will.
“Desde quando você só come mulheres?” jogo, e risco o olhar para
ele.
Mika curva um canto da boca, aceitando a provocação, e toma um
gole da bebida.
“Com esse bafo, ele não pega nem um crocodilo.”
Will cospe. Dá um tapa no braço de Mika e se afasta enquanto coça
o nariz.
Prendo os lábios, tento conter a risada. Mika leva o gargalo da
garrafa até os lábios, enfia na boca e começa encenar um boquete enquanto
pisca para Will.
“Idiota”, WB bufa.
Uma Ranger Rover Evoque sai do asfalto, os pneus amassam a
grama.
“Ele chegou, vamos”, sinalizo para os caras que se movem,
alinhando-se atrás de mim.
O cara, de cabeça raspada, vem até nós.
“Onde está Gabrielle Greene? Nós queremos ela”, ele tem apressa.
“Bem, eu me certifiquei de deixa-la bem calminha,
presa no galpão. Não estava lá?”
O cara invade meu espaço pessoal. Seu nariz quase toca o meu.
“Não, a vadiazinha não estava. Se ela estivesse, eu não teria
perguntado, ou está me tirando de idiota, moleque?” Gabriel rosna como
um cachorrinho feroz.
Engulo meu sorriso sarcástico porque nosso objetivo não é causar,
mas sim conquistar, ou tomar à força. Tanto faz.
“Oh, é uma pena,” lamento. “Vamos atrás dela?”
Ele mantém o olhar duro.
“Não, ainda não,” responde.
Eles vão caçá-la. Porque, para gente como nós, a perseguição é
mais excitante. Dá-la liberdade e espaço, e quando achar que conseguiu,
puxá-la de volta. Ver suas
esperanças estúpidas serem despedaçadas igual cacos de vidro ao perceber
que tudo não passou de uma ilusão. Como um rato atraído até a ratoeira em
busca do pedaço de queijo.
Gabriel volta alguns passos, e vira de costas.
“Sarah Brid, traga-a para mim. Ela vai para a biblioteca depois da
festa”, informa. “Certifique-se de cumprir o trabalho”, diz, por cima do
ombro.
Nenhuma surpresa, mas a questão é... por que ela? Sarah Brid, a
filha mais nova do prefeito, dezesseis anos, se não me engano. A única
herdeira oficial. A única a carregar o sobrenome Brid.
“A filha do prefeito? Ugh”, Mika resmunga.
Giro na direção dele.
“Por que está resmungando? Eu avisei ontem por mensagem.”
Ele dá os ombros.
“Cara, alguém estava montando em mim durante toda noite.”
“Inacreditável, você veio até aqui sem saber por quê?”
Ele apenas ri.
Avanço nele, e agarro seu pescoço. Ele ri mais ainda da situação.
“Ele fodeu ela um ano atrás”, Will diz.
Estreito o olhar, um sorriso de louco curva meus lábios. Ótimo, era
só o que meu faltava.
“Seu papai não ficará satisfeito com suas brincadeiras estúpidas. É
melhor ficar bem atento ou ele vai ser te foder”, mantenho o tom de voz
num sussurro.
Raiva faz cada polegada de pele aquecer. Como se nós já não
tivéssemos merda o suficiente para uma vida, Mika me fode com uma das...
“Porra, Mika, ela é uma criança. É nojento até pra você. Você é
sete anos mais velho!”
Solto ele contra vontade, porque se fosse segui-la, ele estaria
fodido. Coço a têmpora, respirando pesado. Nem sei o sou capaz de fazer se
esse idiota sair da linha mais um fodida vez.
II ri.
“Cara, você já viu a bunda dela? E”, vira para Will, “Quando nós
dois a fodemos, ela parecia uma criança?” joga.
“Vão se foder.”
Saio de perto.
“Por que a filha do prefeito estaria na lista deles?” Escuto a voz de
Will. Ele tenta entender a situação enquanto andamos.
“Ela é loira e novinha, talvez eles querem expandir as
fronteiras. Virgens são raras atualmente”, Mika murmura.
“Vocês não foderam ela?” Solto um longo suspiro.
“Existe varias formas de foder alguém. E, você sabe... as mulheres
não têm só um lugar. A garota era habilidosa com a boca”, II faz pose de
pensador.
“Cara...” Will exala, tão cansado quanto eu.
Ao voltar para o afasto, conduzo pela serra. O sol desaparece e a lua
cheia surge, trazendo suas armadilhas.
Mika uiva com um copo vermelho de papel preso nos dentes
quando vê a multidão de adolescentes aglomerados em volta dos túmulos.
Meninas e suas minis saias saem dos esportivos dos jogadores de
basquete. Outras, ainda com o uniforme, pulam da caminhonete do capitão
do time de vôlei.
A playlist de 2002 gasta. O rock dançante de ‘Lifestyles of the Rich
& Famous,’ de Good Charlotte arrasta a multidão.
Will descarrega um barril de cerveja do SUV que Mika roubou da
propriedade Morris no caminho de volta. Ele chuta a bunda de Mika e
sinaliza com a cabeça para ele pegar a outra alça. Eles suspendem,
distribuindo o peso e levam para o centro da festa.
Destravo o porta-malas, arrasto uma mochila do fundo, tiro uma
camisa verde militar e uma jaqueta. Eu tiro o paletó e camisa social,
substituo pela outra. Pego a jaqueta e bato a porta. Saio, indo me juntar aos
caras.
Mika gesticula com as mãos, imitando uma guitarra, e dança em
cima de um túmulo ao som de ‘Get Free’, de The Vines, que berra alto no
alto falante.
As pessoas ao redor gritavam e pulavam, loucas, seguindo o fluxo
agressivo da música.
“Thomas está aqui.” Will encosta ao lado.
“Sozinho?” Continuo focado em Mika, agora com uma garota nos
braços.
“Não, com dois rabos”, ele informa. “Bem...” Will faz uma pausa e
vasculha a multidão com os olhos verdes afiados como os de uma águia.
Até que, “Ali”, ele diz, apontando com o queixo para frente.
Meus olhos seguem os seus até a nuca de Thomas. Lá estava nosso
querido Davis. Suas costas encostadas na
caminhonete com uma garota enganchada sob o braço, e a outra limpa o
rosto.
“Mika ia adorar ver essa cena”, Will brinca, mas sua expressão
permanece séria.
“Ele vomitaria”, entro na onda. “Fique de olho nele. Eu não quero
ninguém no nosso caminho hoje”, aviso.
Os irmãos são próximos, apesar de serem apenas meio irmãos.
Thomas sempre cuidou de Sarah nas poucas festas que ela ia. Se ele está
aqui, ela também está, e eu não o quero no nosso caminho. Pegar a garota
deve ser rápido e sem chamar atenção para nós.
“Sarah está aqui?” pergunto a Will, mas quem responde é Mika:
“Sim e não.” Ele para na nossa frente.
“Como assim?” Semicerro os olhos.
“Ela estava, mas acabou de ir embora.” II esclarece.
Merda. Aquela garota nunca foi popular entre as jovens da sua
idade. Faz sentido ela se mandar antes do clímax da festa, me surpreende
que ela esteve aqui.
Lidero, tocando pela cidade. Os pneus cantam nos afasto quando
piso no freio ao contornar a praça. Ligo a seta, e
avanço o sinal vermelho. Pisco para o retrovisor, fito a traseira do SUV
quase beijar a calçada do Hoser. Mika.
Reduzo a velocidade quando um veículo preto sai do acostamento e
ganha o asfalto. Passando pela casa do prefeito, ele acelera em direção ao
cruzamento entre a única escola e biblioteca de Burk. Fico atrás, vendo as
luzes vermelhas dos freios sumirem na curva. Os caras fazem o mesmo,
tomamos
distância e observamos qual seria seu destino. Ele entra à esquerda, mas, ao
contrário dele, eu lidero pela direita, para a escola.
Após deixar os carro, vamos à pé. Mudamos de calçada, subindo a
rua. Latas de tintas foram jogadas na grama. Tiras de papel higiênico
penduradas na cerca de ferro. Abóboras esculpidas e deixadas na calçada
junto com velas roxas.
Estudo a construção velha de cinco andares. As luzes internas
acesas. Já passava das dez horas. Seja lá o que ela faz aqui, ler não é uma
opção, é Halloween.
Subo a calçada, empurro as grades antigas da cerca baixa. Os
meninos me seguem. A porta velha abre e nós mergulhamos para dentro.
Velas artificiais estavam em castiçais de cobre presos nas paredes,
parte da decoração acadêmica. Olho para as grades protetoras do piso
superior, vejo mesas vazias e mais velas. Nenhum sinal de Sarah ou
qualquer outra alma viva. Silencioso e pacífico, porém, estranho.
Tiro lanternas da mochila e entrego uma para cada. Mika puxa uma
máscara igual a de Jin Sakai de Ghost Of Tsushima do casaco e coloca, ele
cobra a boca e deixa apenas seus olhos âmbar amostra. Eu tiro a hannya e
uma balaclava com um caveira igual a do Ghost de Call of Duty e entrego
para Will que prende no cinto.
O lustre balança sobre nossas cabeças quando uma corrente de ar o
atinge. Giro o corpo, e procuro de onde veio. Vejo a porta da saída de
emergência aberta. Dou um passo, pronto para verificar, mas antes de
continuar, a madeira em cima de nós range com o peso de um corpo.
Olho para os garotos, tão atentos quanto eu.
“Will, vem comigo. Mika, cheque esse andar e, se encontrar
alguém, não deixe escapar”, oriento meu garoto que pisca para mim.
Guio o caminho, subindo a escada em espiral enquanto Mika se
movimenta no andar de baixo.
Will vai pela direita. Ele checa os corredores entre as estantes. E eu
vou pela esquerda, visando a salinha secreta que eu sei que existe em algum
lugar da biblioteca.
Circulo a mesa de doze lugares, próxima à janela. Desvio da
bancada de madeira em forma de meia-lua. Nenhum objeto fora do lugar,
nenhum livro largado fora da prateleira ou devolvido sobre as fileiras
verticais.
Passo pelo acervo da história sobre a construção de Burk, trancando
numa estante de vidro. Outro ruído quebra o silêncio. Mas, dessa vez, mais
baixo e contínuo.
Sigo o som que navega até uma parede. Uma respiração calma e
constante soa ao meu lado.
“Uma sala secreta?” Will murmura sob a máscara.
“Sim”, respondo.
Finco os pés no chão, afofando a madeira e as paredes com as
pontas dos dedos. Procuro a entrada da passagem secreta. Uma parte da
parede cede e um corredor estreito surge bem na nossa frente.
Chamas aquecem meu rosto. Eu estava certo, realmente existe uma
sala secreta aqui. Virei para Will, seus punhos cerrados, mas eu não fazia a
mínima ideia no que pensava. Eu não podia ver seu rosto só escutar sua
respiração pesada, e mesmo se pudesse ver, seria difícil decifra-lo.
O foco da lanterna bate no fundo do corredor e uma porta, como
aquelas das masmorras mediáveis, surge.
“Hum.”
Tudo parecia velho. As tábuas estavam estragadas pelo tempo e o
piso com rachaduras, mas era surpreendentemente limpo.
Trilhamos o caminho. Segurei a maçaneta e torci. A porta abriu e
uma acorrente de ar varreu nossas roupas. Projeto a cabeça para dentro, e
analiso a sala. A lua lançava flashes através da claraboia, e deixava restas
no chão e fazia o lençol branco que cobria uma poltrona reluzir.
Will se move. Entra no cômodo e desliga a lanterna. Com passos
lentos, começa a explorar o segredo de alguém. Eu o acompanho, seguindo
pelo centro da sala.
As pontas dos meus dedos varrem a mesa sob o vidro no teto.
Arrasto a cadeira com um lençol, e me agacho. Tocando as fechaduras das
gavetas, puxo uma, mas ela não abre, o mesmo com as outras.
“Eric”, a voz rouca de Will atravessa a sala.
Giro a lanterna. Fito ele em pé próximo a uma estante de livros que
separa os cômodos. Um cabelo longo escorre entre suas pernas. Franzo os
cenho. Que porra é essa?
Forço os calcanhares, indo até ele. Meus pés pisam tão forte que
quase furam buracos no chão.
Calço minhas luvas e me aproximo, entrego a lanterna
para Will. Estudo a garota deitada de lado, sua cabeça pende na beira da
cama. Seu corpete preto sem alças estava semiaberto. Um sobretudo longo
da mesma cor, jogado no chão.
Abaixo, e agarro os cabelos dela, viro sua cabeça para meu peito,
analiso o rosto ferido. Arranhões nos seus seios e uma unha quebrada. Luz
ilumina seu rosto e ela geme incomodada.
“Porra”, rosno.
“Ugh, merda. Por que ela está aqui?” Will geme.
Ela pisca devagar. O dourado dos olhos de Amber caem em mim.
Um arrepio corre minha espinha. Ela parecia ver meu rosto sob a máscara.
Parecia ver tudo que estava na minha alma, meus pensamentos, meus
sentimentos.
Sangue escorria da sua sobrancelha e nariz.
A porta é chutada. Sinto Amber estremecer. Fito a bota de Mika
voltar ao chão, após seu pequeno espetáculo. Ele entra, arrastando Sarah
pelo braço.
“Oh, olha se não é a pequena Amber!”
E, a primeira coisa que ele faz é zombar.
“Tsc, tsc, tsc. Ele não ficou satisfeito só com uma, teve que arrastar
as duas? Filho da puta fodido” ele suspira, fingindo estar inconformado.
Amber força o corpo para frente e se levanta, cambaleando. Eu
agarro seu braço antes que se mova para sair. Amber lança um olhar
desprezível para minha mão no seu braço e depois para mim.
“Solte, agora”, exige, brava pela primeira vez.
Tão excitante.
“Oh, essa é a vadia que eu conheço”, sussurro na bochecha dela.
Amber trava a mandíbula, pronta para me atacar.
“Por que você está aqui?” Will avança.
“Qual é Will? Se ela for esperta, não vai abrir essa boquinha linda”,
Mika zoa.
“Eu vi o rosto dele”, Amber joga.
Todos ficamos em silêncio por um instante.
“E daí?” Will cruza os braços sobre o peito, tranquilo e indiferente.
“É uma pena, porquê...”, faço uma pausa e me aproximo dos seus
lábios. “Eu adoraria brincar um pouco mais com você, pequena espiã.”
Sangue ferve nas veias.
Não estava nos meus planos começar por esse probleminha. Ela
podia esperar mais alguns meses ou até anos como eu esperei.
Tsc, tsc, tsc. Que pena, Amber, por que furou a fila? Seria mais
gostoso te torturar aos pouquinhos, baby.

08

Amber

Presente

Sua respiração quente pairava em meu rosto. Senti a mão grande e


forte varrer meu coro cabeludo. Ele força, e me puxa para perto. Meu
pescoço dói, assim como minha barriga.
Quanto tempo eu fiquei desacordada?
Meus olhos pesam, não consigo abri-los de imediato.
Eu não consigo ouvir sua voz e nem vê-lo. Apenas sinto seus dedos
emaranhados em meus cabelos.
Meu corpo está tenso, não consigo mexer nenhum mísero músculo.
Eu deveria conseguir, eu luto todos os dias, mas não consigo.
Forço as pálpebras à abrirem-se contra vontade. Pestanejo, limpo
a visão. Olho para o teto, e depois para a máscara preta com presas
pontudas e chifres que pairava sobre meu rosto.
Espera, máscara preta com presas pontudas e chifres?
Merda.
Olho novamente, dessa vez, capturo os olhos pretos através dos
pequenos furos trabalhados na máscara. Sua respiração estável enquanto
os dedos continuavam enrolados num tufo dos meus fios.
Uma voz distante soa a minha esquerda. Eu não entendo com
clareza o que ele ou ela diz, mas eu nem me preocupo em checar, apenas
permaneço concentrada nos olhos sobre mim.
Meu peito sobe e desce quando um barulho forte chega aos meus
ouvidos. Limpo e alto. E meus sentidos voltam. Deixo minha cabeça tombar
em direção de onde veio.
“Oh, olha se não é a pequena Amber!” escuto o cara usando uma
máscara que cobre parte do seu rosto dizer enquanto arrasta Sarah Brid
pelo braço.
“Tsc, tsc, tsc. Ele não ficou satisfeito só com uma, teve que arrastar
as duas? Filho da puta fodido.”
Certo. Depois do cara sair da minha casa, eu o vi entrar no mesmo
Mustang que estava na minha faculdade. Ele ficou parado lá por um tempo,
depois arrancou e sumiu entre os prédios.
Aiden mentiu para mim, hummm interessante. Não era nenhuma
surpresa que eu não deveria confiar nos homens da minha família, então
tudo bem. Se ele não vai abrir o bico, eu mesma vou descobrir.
Voltei para a cama, me envolvi nas cobertas e deixei o cansaço me
dominar. Acordei por volta das cinco dá tarde. E, com um plano
arquitetado, toquei para Burk.
Eu só não contava em encontrar alguém arrastando uma menina à
força para dentro de um carro
Forço meu corpo quando minhas forças voltam. Meu abdômen dói.
Cambaleio para trás, mas consigo firmar a coluna. Rastejo até a beira da
cama e jogo as penas para fora. Meu pé, sem uma das botas, toca o chão
frio. Ela deve ter sido arrancada enquanto lutava contra a pessoa.
Levanto, porém, sou travada pelo cara de máscara preta. Fúria
jorra pelos meus olhos como um vulcão que acabou em entrar em erupção
quando vejo sua mão caminhar para meu corte.
“Solte, agora”, exijo.
De novo não, seu filho da puta. Hoje eu não estou afim de
joguinhos. Eu estou puta por apanhar de um zé ninguém que eu nem sei
quem é!
“Por que você está aqui?”
Viro o rosto para o cara encostado na estante. Ele também usava
uma máscara, porém diferente. Tem bom gosto, diferente dos outros dois.
“Qual é Will? Se ela for esperta, não vai abrir essa boquinha
linda”, seu parceiro zoa.
Will... esse é o nome dele. Interessante...
“Eu vi o rosto dele”, digo.
Eu sei que isso não vai assustá-los. Bem, não era a intenção
mesmo. Tudo é um jogo. Você tem que ficar atento as reações do seu
adversário quando lança suas cartas ou blefa. Sim, um blefe. Eu não vi o
rosto de quem me atacou e me trouxe para cá, muito menos com quem lutei.
Todos ficam silêncio enquanto minhas palavras flutuam no ar.
“E daí?” Will cruza os braços sobre o peito. Sua
indiferença surra minha cara.
O cara de cabelo castanho claro ri enquanto amarra um pedaço de
barbante no pescoço de Sarah.
“É uma pena, porquê...” diz, o desgraçado ainda grudado em mim.
Ele se aproxima, e toca meus lábios com a máscara. “Eu adoraria brincar
um pouco mais com você, pequena espiã.”
Puxo o braço para longe. Meu corpo chacoalha como a força
colocada para afastar suas patas. Eu sinto o vento entrar pelo caminho entre
meus seios e congelar meu estômago. Contraio o abdômen, é outono. Todos
olham para meu corpo. Sigo os olhares.
“Ugh”, rosno, ao ver duas presilhas do meu corpete quebradas. As
laterais dos meus seios saltavam para fora junto com parte das auréolas.
O homem ao meu lado bufa.
“O quê, quer tocar?” Insinuo.
“Você é tão fácil assim? Sai se oferecendo para qualquer um?” ele
joga, também.
Eu me aproximo, meu nariz quase toca sua máscara.
“Qual o problema?”, questiono. “Vocês, vermes, chamam uma
mulher de vadia quando não dão o que vocês querem, mas também quando
se oferecem à dar.”
Solto um longo suspiro.
“Então por que não mantem a porra do olhar no chão quando uma
mulher está exposta?” Invado seu espaço pessoal. “Porque vocês, vermes,
não têm cérebro para conquistar uma mulher. Não têm um pobre neurônio
para manter uma conversa
estimulante com uma garota. Então, tentam chamar atenção com
comentários nojentos e olhares repugnantes, e depois, se
gabam, achando que são os fodões.”
Lanço um olhar de vítima para baixo. “Pobrezinhos", subo, com os
cantos dos lábios se curvando num sorrio. Ponho a mão no ombro dele.
“Tão patéticos.”
Ele mantém contato visual enquanto deixo meu corpo derreter.
Abaixo, lentamente. O espaço entre nós cada vez mais estreito. Curva a
cabeça, e segura meu olhar. Sem ceder, sem quebrar. Agarro meu sobretudo
próximo aos seus pés e me levanto de uma vez.
“Ah! Eu ofereci, mas não lhe dei permissão para tocar” provoco.
Arranco o par da bota que ainda estava no meu pé. Ele faz um sinal
com a cabeça, e Will agarra meu braço pelas costas. Sai na frente, e seus
companheiros o segue como se fosse o líder do bando, ou algo assim.
Meus dedos doem quando piso no piso grosso e úmido. O sobretudo
roça meus tornozelos e faz cócegas. Encaro as costas de Sarah. Seu cabelo
loiro cor da lua preso numa trança. Ela tropeça no relevo e ameaça cair. O
barbante áspero rasga a nuca quando o cara puxa para que ela levante.
Descemos as escadas, e líder vem até mim.
“Você vai me matar agora ou depois?” pergunto, fingindo me
importar.
“Eu já disse, você rastejará até minha cama.” Ele pressiona a mão
contra meu rosto com um lenço vinho. Eu tento me afastar, mas Will me
prende. Ele se afasta, e a última
coisas que eu vejo antes de apagar são as tatuagens no dorso da sua mão.
Minha cabeça lateja como se uma banda marcial estivesse
desfilando lá dentro. Tento mexer meus braços, mas
eles não se movem. O cheiro de ferrugem irrita minhas narinas.
Ergo a cabeça, fito Sarah suspensa por correntes presas no teto. Seus pés
centímetros do chão.
Estudo o cara com máscara preta escorado na parede olhando para
mim. Minha pele arrepia.
“Ei, Sarah”, tento chamar sua atenção. Ela não responde, parece
inconsciente.
Minha garganta arranha, seca. Estou com sede, como se estivesse
com ressaca. Impulsiono as pernas, tento levantar, inútil. As braçadeiras de
ferro presas em meus pulsos me puxam de volta ao chão. Golpeio o ar com
os pés.
As tatuagens. Eles são a mesma pessoa. O cara que estava com meu
irmão. No elevador. O cara da floresta. Na biblioteca e na minha casa. Eles
são a mesma pessoa.
Que droga, Amber. Como eu não descobri isso antes?
Talvez meu pai esteja certo. Eu sou fraca. Não sirvo para isso. Não sou
inteligente.
Will entra, carregando uma bandeja. O cara mais novo, – eu acho
que ele seja mais novo –, entra em seguida, seguindo seus passos. Will para,
avalia Sarah enquanto o outro vem até mim.
“Dormiu bem, Branca de neve?” Ele se agacha na minha frente e
coloca as mãos sobre meus joelhos dobrados. “Seu príncipe não veio beija-
la?” continua com a provocação.
Eu abro a boca para colocá-lo no seu lugar, mas quem responde é
outra pessoa.
“Ela não precisa da porra de um príncipe”, diz o homem, ao sair da
sombra onde estava desde o momento em que abri os olhos.
Ele não se moveu nem mesmo quando esperneei,
chamei a garota e tentei me soltar. Agora, resolveu agir? Pelo amor. Ele
quer manter sua pose na frente dos seus amiguinhos? Reviro os olhos.
“Mika...” Will chama.
Mika? George Mika Morris II? O filho mais velho do promotor
Morris? Neto do homem mais rico do país? Jesus...
“Sim?” O cara aperta meus joelhos ao responder.
“Faça”, ordena.
Mika sorri.
“Eric, nós temos um problema. Ela sabe nossos nomes...” aperta os
olhos.
Oh, ele não é burro.
Eu sei, ele está sorrindo por trás daquela porcaria de máscara.
Eric olha para o relógio.
“São apenas nomes. Eu tenho certeza que ela já estaria longe daqui
se pudesse. Fugir é o que ela faz de melhor.” Ele olha para mim. “Pessoas
fracas não causam desconforto em gente grande. Então, tudo bem, deixe-a
saber.”
Cerro os dentes com tanta força que doem.
Fiquei com raiva por ele falar como se soubesse um terço da minha
história. Quem é esse filho da puta para dizer qualquer coisa, se nem ele
próprio dá a cara a tapa?
Eu não sou fraca. E não preciso provar isso para ninguém, muito
menos para alguém que se esconde atrás dessas porcarias.
Inspiro, oxigênio entra nos pulmões.
“Sim, são apenas nomes, Mika Morris II. Não há porquê fazer
tempestade” falo, tranquilamente para Mika. E um sorrisinho sarcástico
atravessa meus olhos.
Mika endireita a coluna, agarra meu queixo e me arrasta para perto.
Sua respiração quente na minha bochecha.
“Até porquê”, faz uma breve pausa. “Cadáveres não falam”,
sussurra.
Sacudo a cabeça para me livrar do agarre. Movo a mandíbula, e
sinto a dor se infiltrar. Bufo pela garganta.
“É, cadáveres não falam, mas demônios sim”, inclino a cabeça e
arqueio as sobrancelhas. “Para onde você acha que eu vou se me matar?”
Inclino a cabeça e arqueio as sobrancelhas. lanço a pergunta no ar.
Mika para, de costas para mim, olha por cima do ombro.
“Sim”, eu sussurro, excitada. “Entre na fila querido. Primeiro, eu
irei atrás dos grandes”, encaro o líder. “Depois, cuidarei dos ratos”, volto
para ele. O sorriso não sai do rosto.
No fim, eles foram uma boa diversão.
Os dois vão até Sarah. Will murmura algo para Eric enquanto Mika
pega um objeto na bandeja e se aproxima da garota.
Ele desencapa duas pinças e prende nas laterais do pescoço dela.
Sarah salta e abre os olhos, ofegante. Mexe a
cabeça e soca o ar, tenta se soltar. Seus olhos arregalam e movem-se para lá
e para cá, confusos.
“Bom dia, Sarah”, ele cumprimenta a menina que olha na direção
dele. Lágrimas escorrem.
“Vou amordaçá-la, ok?” acaricia o rosto dela. Sarah se debate, mas
não diz nada.
Mika coloca um pano sujo em sua boca e dá um laço atrás. Eric se
aproxima com mais duas pinças na mão.
“Você precisa está machucada, assustada e fraca”, diz,
sem arrependimento algum enquanto faz carinho na nuca dela.
Ele posiciona o metal na pele macia. A menina implora com a
cabeça ao perceber o que iria acontecer. Sem dó, enfia a pinça na carne.
“Hummm!”
O grito de Sarah é abafado, mas ainda é possível ver o sofrimento
nos seus olhos opacos.
“O que está fazendo, seu merdinha!?” grito e bato os pés em
protesto.
Eric enxuga as lágrimas da menina, troca de lado e, sem esperar que
ela se recupere do primeiro golpe, enfia a segunda pinça. Um estalo soa alto
quando a ponta afiada penetra na parte posterior do pescoço como se tivesse
atingido um osso. A coluna cervical?
Sarah solta um grunhido abafado enquanto chuta e balança as
pernas e braços. As correntes se chocam no ar. O líder encara a garota arfar
de dor, nenhum sinal de pena ou remoço.
Will me observa com frieza e desaprovação. Talvez minha presença
aqui não seja do agrado dele. Aquilo de, ‘a
falha do plano perfeito’. Na verdade, tenho notado seu incômodo comigo
desde o começo.
Porra, tudo que eu não preciso agora é atrair a atenção de caras
como ele. Você nunca sabe do que são capaz de fazer.
Meu peito afunda. Eu preciso sair daqui. Eu não posso ficar. Eles
vão matá-la. E irão me matar. Porque podem fazer, e pior, porque eles
querem. Esses caras fazem isso há muito tempo. Três contra dois será
moleza.
Minha mão dói, afastando pensamentos que não fosse o de fuga. Eu
precisava pensar num jeito se pegar a garota e
fugir. Merda. O corte abriu de novo.
Primeiro, preciso me soltar ou arranjar algo afiado para usar como
arma. Eu não faço ideia se minha faca ainda está no bolso do meu casaco.
Depois, eu tenho que arrumar um jeito de despistá-los.
Pense, Amber. Deve haver algo. Em algum momento eles não
estarão prestando atenção em nós. Olho, verificando quantas portas há.
Uma e uma janela pequena que, com um pouco de esforço, conseguimos
passar.
Will passa por trás de Eric, solta as correntes dos pulsos de Sarah.
Ela cai no chão, imóvel. Eles se afastam e saem. Escuto o motor dos carros
aquecer. O ronco fica mais distante quando partem.
Olho para Sarah desmaiada. Fecho os olhos, alívio toma conta,
porque, pelo menos agora, estávamos sozinhas e teríamos um pouco mais
de tempo para montar um plano.
Não sei quantas horas passaram desde que eles se foram, mas eu
tenho a sensação que já faziam dias. Não sei se é dia ou noite. Não sinto
fome ou qualquer outra necessidade.
Sarah não acordou desde então. Ela não se move ou dá qualquer
sinal de vida.
“Sarah? Sarah! Acorde”, implorei.
Eu a chamei várias vezes até minha garganta doer. Sem respostas.
Ela está livre. Will a deixou livre, por quê?
Será? Eles embebedaram as pinças com sedativos? Por isso, ela
ainda não acordou.
“Sarah”, eu chamo uma última vez.
Seus dedos se mexem, respondendo ao chamado.
“Como você está? Consegue se mover?”
Ela pisca, e depois mexe a cabeça, afirmando.
Ele não acertou sua coluna, isso é bom, muito bom! Nós temos uma
chance de fugir se eu não tiver que carregá-la
“Venha aqui”, endireito a postura.
Sarah move os braços. Forçando as mãos contra o piso, empurra o
peito para cima e senta sobre as pernas.
“Vamos, você consegue”, eu incentivo, mas minha voz sai meio
impaciente.
A garota fica de quatro. Usando as mãos e os joelhos como apoios,
engatinha até mim. Suas pupilas aumentadas enquanto ofega.
“Não dói?” pergunto, me referindo as pinças cravadas no seu
pescoço.
“Pra caralho”, choraminga, com a voz rouca.
Deus, o que eu faço? Ela é apenas uma adolescente.
Sarah senta sobre os calcanhares, todo seu corpo treme. As ondas
dos seus cabelos escorriam pelas sobrancelhas. Sangue trilhava caminhos
pelas costas, ombros e clavículas, e vaias saltavam do pescoço.
Ela está miserável, porém, nós precisamos uma da outra agora.
“Eu preciso que você me escute com atenção, ok?” eu explico, com
calma ao chegar o máximo que posso do rosto dela. “Eu tinha uma faca
comigo antes de sermos trazidas para cá. Eu preciso que você procure nos
bolsos do meu casaco.”
Ela olha para mim, seca as lágrimas e assente. Se aninha entre
minhas pernas e começa vasculhar, toda desajeitada.
“Calma, ok?” Eu procuro seus olhos.
“Porra”, rosna, e enfia os dedos no último bolso.
Ela para, e sorri. Mais lágrimas rolam pelas bochechas
quando mostra o canivete prata. E eu começo a rir também.
“Merda.”
E nós duas respiramos de novo.
Nunca imaginei que diria isso um dia, mas obrigada, papai, por ter
deixado isso num lugar tão fácil de achar.
Quando eu era criança, adorava fuçar nas coisas dos meus país. Eu
me aventurava pelos relógios caríssimos do Sr. Reese, pelas joias finas da
mamãe, roupas e sapatos de ambos. Era incrível, porque por trás de cada
assessório tem uma história fútil, elegante, sentimental ou qualquer coisa do
tipo.
Mas histórias são histórias. Foram momentos vividos, e isso, por si só, é
muito interesse. Eu acho que queria conhecer um pouco mais meus pais...
Em uma das minhas aventuras, achei um objeto estranho junto com
relógios quebrados e chaves antigas. Ele estava dentro de uma capa e era
pesado, então eu pensei: ‘o que
será isso? É tão pesado. Talvez seja uma pequena barra de ouro.’ – não era
como se eu pudesse ter feito algo com uma barra de ouro –. Quando abri, vi
o corpo prata com várias ferramentas embutidas. Tinha uma lâmina, um
saca rolhas, uma tesoura e, sim... uma chave de fenda estrela. Eu não sei
onde meu pai achou, mas escutei que havia encontrado. Era pequeno,
porém pesado. Então eu revolvi roubar para mim. Para me defender. Aquela
foi minha primeira arma.
Sarah estuda objeto prateado e compacto em suas mãos.
“Tem uma chave estrela aí, ache e abra as fechaduras”, aponto para
meu pulso. Ela hesita, e, eu aposto mil dólares que ela acredita que não
vamos conseguir.
Quando finalmente toma coragem, abre, e olha com
curiosidade o pedaço de metal. Ela enfia no buraco da
fechadura e gira duas vezes. A braçadeira abre e cai.
“Isso, garota!”
Sarah vai até a outra e abre, também. Massageio meus pulsos
feridos e marcados.
“Você conseguiu.”
Toco no rosto meigo dela.
“Eu preciso fazer isso, vai doer”, alerto, ao deslizar a mão em seu
pescoço.
“N-não...”, ela choraminga.
“Shhh.”
Empurro a pele, Sarah geme e tenta se afastar.
“Não se mexa”, peço, mas acho que saiu mais como uma ordem.
Ela morde os lábios e fecha os olhos. Mas relaxa os ombros quando
eu, gentilmente, puxo a primeira pinça. E sigo para outra, dessa vez, fui
mais ágil para evitar perder muito tempo. Quanto às da nuca, eu não podia
fazer nada a não ser puxá-las. Por sorte, ela ainda parece um pouco sedada.
Vai sair muito sangue. É um péssimo lugar para ferir alguém, cheio
de vasos sanguíneos e um puta poço de terminações nervosas. Eric... ele é
esperto. Eu faria o mesmo, só que menos fodido.
Se você quer torturar alguém, atinja o pescoço ou arranque suas
unhas, e depois coloque seus dedos numa bacia com gelo.
Procuro e acho uma faixa para curativo que havia trazido caso
precisasse enfeixar minha mão. Eu precisava, no entanto.
“Essas vão doer mais.” Abro a atadura e corto metade.
“Foda-se!” Sarah esbraveja.
Seguro a pinça e puxo de uma vez, sem fazer rodeios. Ela soluça,
mas não se mexe. Coloco a gaze improvisada, fazendo pressão. Sem dar
tempo para seu corpo relaxar, arranco a última. Sangue escorre, e eu sei,
mesmo que faça pressão, nós não vamos consegui estancar o sangramento.
Precisa de pontos urgente.
Olho em volta, procuro algo para usar como torniquetes. Lembro do
pano que Mika usou para amordaça-la. Engatinho até ele e pego de volta.
“Segure as gazes bem firme”, eu a oriento.
“Assim?” Ela ajusta as mãos para posicionar no lugar certo.
“Sim, isso mesmo.”
Passo o pano envolta do pescoço, envolvendo todos os machucados,
dou um pequeno nó na frente e fica como uma gravata.
Levanto e estendo a mão para ajudá-la ficar em pé. Sarah sorri e
pega minha mão.
“Por que está sorrindo?” Puxo-a para cima.
“Nada. Obrigada, Amber”, diz, gentilmente.
“Você me conhece?” Prendo meu cabelo num rabo de cavalo.
“Todos te conhecem”, a voz ainda arrastada.
Olho para ela, surpresa. É raro ouvir isso de alguém desta cidade,
ainda mais de uma adolescente.
“Vamos.” A conduzo para pequena janela no fundo do galpão.
Arrasto uma pilha de caixotes e coloco sob o batente da janela.
Subo, eles balançam ameaçando cair. Tento me
equilibrar para não ir para o chão. Empurro a trava de
segurança, mas ela não cede. Tento empurrar com o ombro, mas também
não funciona.
“Droga”, rosno. “Deve está enferrujada. Eles não devem abrir.”
O motivo deles estarem tão confiantes. Bom, eles estão me
subestimando demais.
“Sarah, pegue alguma coisa pesada.”
Sarah procura ao redor. Ela caminha até o canto, depois volta,
carregando um toca fitas. Eu quase sorrio. Nada de músicas para os rapazes.
Ela levanta para me entregar, mas antes que eu possa chegar até ele,
roncos de motores cantam distante, mas próximo o suficiente para fazer
meu estômago revirar. Sarah encolhe o braço, prestes a entrar em pânico.
“Sarah, olhe para mim. Eu preciso que me entregue. Nós vamos
para casa.”
Ela olha para mim.
“Nós vamos para casa, você promete?”
Sua voz chorosa me golpeia.
“Eu prometo.” Meus olhos estão sérios, com a mesma seriedade da
sua pergunta.
Então me entrega. Eu giro, e, sem pensar duas vezes, golpeio o
vidro que se estilhaça em mil pedaços.
O barulho dos carros chega cada vez mais perto.
“Suba.”
Sarah sobe sem pestanejar.
“Pule.”
Eu empurro seu corpo para frente, ela respira fundo e mergulha,
aterrissando num arbusto. Eu enrijeço meu corpo e mergulho em seguida.
As pontas dos vidros rasgam meus
braços, barriga e coxas. Gemo ao ver as pedras que esperaram para acabar
comigo na aterrissagem. As solas dos meus pés batem no chão de terra.
Sinto os espinhos e pedras perfurarem minha pele, mas não tenho tempo
para choramingar, mesmo se quisesse, e pode ter certeza que eu quero.
Aliás, quero muito
mais do que apenas chorar. Desejo, ardentemente, socar uma árvore.
Olho para os lados, só vejo mata e mais mata. As luzes dos faróis
apontam a minha esquerda, fazendo a curva para chegarem até nós.
Eu não sei onde estamos, qual lado da cidade é esse, se é que
estamos em Burk. Mas não importa. Nós temos que fugir. Pela estrada não
vai rolar, será mais fácil sermos pegas novamente. Então o que resta é...
Seguro a mão de Sarah.
“Shh, vamos. Agora!” Puxo sua mão e trabalho as pernas.
Corremos, mergulhando na escuridão sem saber para aonde ir. Deve haver
uma estrada do outro lado, se atravessarmos, vamos conseguir.
Sarah aperta minha mão. A ferida nem dói mais. De repente, tudo
fica silencioso. Nos afastamos o bastante? Não. Um uivo rasga o ar. Meu
estômago revira e minha garganta queima. Eles estão vindo! Corro mais
rápido.
Solto a mão a dela para conseguir mais velocidade. A garota me
acompanha, lado a lado, sem perder o ritmo.
Sinto a terra molhada arranharem meus dedos enquanto meus pés
afundam entre as folhas. Ouço uivos e risadinhas cada passo mais próximo.
Sarah passa na minha frente, correndo como um corredor de maratona,
veloz e obstinada. Eu corro para acompanhá-la.
“Ambeeeer”, Mika grita alto e perto.
As corujas batem asas e voam, assustadas. Outros pequenos animais
fogem também. Meu pulso bate descontrolado. Meu peito sobe e desce
acelerado. Eu odeio isso.
Escuto passos fortes atrás de mim. Olho para trás, fito uma silhueta
alta vir, correndo rápido. Galhos quebram de um lado, eu me viro,
desespero formiga na pele quando vejo outra pessoa me encurralar. Mudo
para direita, pingos de chuva começa a cair como balas furando minha
carne. Trabalho as pernas mais rápido, tentando desviar dos cipós. Olho
para frente, vejo Sarah correr sem olhar para trás. Pulo por cima de um
tronco caído no caminho e olho por cima do ombro. Fito as silhuetas mais
próximas. Eu cambaleio na aterrissagem e colido com algo.
“Olá, pequena espiã”, Eric diz.
Levanto o olhar, vejo o sorriso branco no rosto dele, uma lanterna
sob o queixo, iluminando parte do rosto sem máscara. Seus olhos pretos
brilhavam.
“Eu estava com saudade”, diz, com um sorriso arrogante. “Vamos
brincar!” ele grita e avança.
“Eu quero a minha bonequinha agora!” grita de novo.
Eu volto um passo, tropeço no troco e caio de bunda. Viro por cima
do ombro, vendo os outros dois homens mais perto. Droga, eu não tenho
tempo para fica sentada. Me levanto, seguro meu canivete dentro do bolso
e avanço nele. Empurro seu peito. Ele segura meu pulso.
“Você é lenta.”
“Sou? Engraçado, porque você está exatamente aonde eu quero que
esteja.”
Tiro o canivete com a lâmina aberta e empurro nas costelas dele.
Eric ofega, segura minha mão, mas eu giro a lâmina, antes que consiga tirar.
Ele geme e se curva para frente.
“Eu avisei, tire suas mãos de mim. Meu ferimento nunca vai
cicatrizar se o fizerem abrir toda hora, porra!”
Eu o deixo caído, e volto a correr com toda energia que ainda resta.
A chuva volta a castigar. Meu casaco pesa uma tonelada enquanto água
escorre pelo meu rosto. Escorrego no barro e rolo serra abaixo, espinhos
rasgam meu rosto e galhos espancam minhas costas, braços e coxas. Paro
na beira de uma fenda enorme. Um metro e setenta, no mínimo, de largura
divide a floresta em duas partes. Sento sobre os calcanhares, minhas unhas
enterradas na lama. Estico o pescoço, vejo mais de dez metros abaixo e,
bem no fundo, um rio recheado de pedras.
Sarah. Cadê ela? Ela conseguiu fugir, né? Sim, ela deve está bem.
“Amber”
Alguém grita, baixo demais para saber quem foi.
Ergo a cabeça e vejo a garota acenar toda machucada encolhida
atrás de uma árvore do outro lado da fenda. Eu bufo, rindo de como ela
perecia frágil, mas corajosa ao mesmo tempo. Fofa.
Os cabelos loiros sobre os ombros, a mini gravata caída sobre sua
blusa rosa de alças fininhas grudada no corpo. O jeans claro folgado com as
barras dobras até os tornozelos sujo e rasgado. Os All Stars pretos com os
cadarços emaranhados.
Ela me chama com a mão.
“Venha, você tem que pula”, força a voz para sair baixinho.
“Você pulou?” Estudo a largura e a profundidade. É alto.
“Simmm”, ela arrasta a resposta.
Eu bufo, sem me conter. A garotinha está mais falante agora.
Viro para trás e, porra, lá estavam os três no topo do morro. Levanto
rápido. Eles riem e começam desliza morro abaixo. Volto passos, ganho
distância da beira, e corro, e, sem pensar, salto de uma extremidade à outra.
O vento gelado varre meus cabelos para longe do rosto, fazendo eles
voarem. Sinto minha barriga revirar com o frio, como se borboletas
estivessem dando uma festa. Caio do outro lado, Sarah estende a mão e eu a
agarro. Nós duas voltamos a correr.
Desviando de uma caverna, ela aponta.
“Tem uma estrada logo ali.”
Eu solto uma risada aliviada.
“Jesus, nós consegui-", mas antes que eu pudesse terminar, Mika
grita alto:
“Ambeeeer, nós estamos te vendo.”
Eu e Sarah nos entreolhamos, em seguida, viramos para trás, eles
estavam no nosso rastro como caçadores famintos.
Continuamos correndo até ver as luzes dos postes da praça
brilharem à alguns metros. Nossos pés tocam o asfalto.
“Vamos, vamos para casa, Sarah!” Eu entrelaço meus dedos nos
dela e nós ficamos de mãos dadas. Ela sorri de um jeito tão meigo e acena
com a cabeça.
Pisco. A última coisas que eu vejo são os faróis de uma
caminhonete arrastar a garota para longe de mim. Nossas mãos se soltam e
eu sou jogada para fora da estrada.
Eu estou num lugar escuro que, por mais que me esforce, não
consigo ver nada.
“Você não tem coragem.”
O quê? De onde veio isso? Essa voz, por que é tão familiar?
Pequenos fragmentos de memórias.
Abro os olhos. O quê, um sonho? Estudo o corpo caído no asfalto
molhando. Sangue escorre pela boca, nariz e ouvidos.
“Sarah?” Toco o rosto ainda quente e depois verifico seu pulso. Os
três homens nos cercam e formam uma barreira atrás de nós.
Não... Não. Não!
Meu corpo treme. Eu pego Sarah no colo.
Não consigo respirar. Eu não consigo respirar! Eu estou me
afogando. Meu coração vai parar de bater. Por favor, alguém me ajude!
E, naquele momento, eu parei de respirar.
“Você não tem coragem”, ele me desafia.
“Isso não tem graça, Kane.” Eu toco a parede sem enxergar um
palmo à minha frente.
“Você sabe que eu odeio quando você me chama assim.” Ele
estende a mão e pega a minha. Eu roço o polegar na cicatriz perto do seu
polegar.
“E você sabe que eu odeio escuro, mas, mesmo assim, me trouxe
para o lugar mais escuro que pôde.”
Desço um degrau, o seguindo.
“Onde estamos?” pergunto, curiosa desde que ele me sequestrou
antes que eu pudesse entrar na escola.
“Adivinhe”, me desafia de novo.
“No seu cativeiro? Você guarda seus objetos de tortura aqui?”
Ele ri e nós descemos mais degraus.
“Eu passei semanas tentando te convencer a me aceitar, você acha
que eu seria estúpido de te mostrar minha verdadeira face agora depois de
tudo?” Ele aperta minha mão.
“Não sei, você mudou muito nos últimos dias, Kane...” Dou os
ombros.
Ele engancha minhas coxas e me joga no ombro. Seu osso afunda
na minha barriga enquanto esperneio.
“Eu já disse que detesto quando você me chama assim.” Ele prende
minhas pernas contra seu abdômen.
“Tire suas mãos de mim, Kane!” ordeno, dando tapas nas suas
costas. “Eu vou cair!”
Ele se equilibra, “claro que vai, se continuar fazendo isso. Agora
shhhh, feche os olhos.”
Eu hesito, mas cabo fechando.
Ele me coloca no chão e solta minha mão.
“Abra”, diz, sua voz desaparecendo em algum lugar.
Eu abro os olhos. Vejo várias de mim refletidas num caminho de
espelhos gigantes. Eu começo a sorrir sem parar, ele me trouxa aqui, de
verdade. É real! Meu peito encher de euforia. Borboletas na barriga.
Eu caminho pelo corredor. O chão espelhado dava a sensação que
eu poderia cair, era como se eu não soubesse
mais como andar. Eu fiquei aliviada de ter colocado um tênis novo hoje.
Passando pelos muros de espelhos, eu toco no meu indicador
refletido, depois nariz e olhos.
Eu o vejo no fim em pé com a mão estirada me
esperando. Eu me deixo guiar até ele. Seguro sua mão, mas eu não consigo
ver seu rosto.
Naquele momento, meu mundo desacelerou.

09

Eric

Sete anos atrás

Aceno para Cole Miller que desfila pela sala com as garras
cravadas em Backy Wilson, nossa líder de torcida, e sua mini saia.
Aiden está do meu lado com uma garrafa de água na mão enquanto
digita no celular com a outra.
O sinal toca, as carteiras são arrastadas com a presa dos
alunos para irem para a última aula do dia. A professora de física
sai.
Aiden desperta e me dá uma tapa no ombro, “vamos lá”,
chama, mas seus olhos voltam para tela.
“Desde quando, você quer assistir aula de literatura?”
provoco.
Ele sempre diz que as aulas de literatura são uma grande
perda de tempo.
“Eu não quero”, dá os ombros.
“Você queria está metendo naquele galpão, eu sei”, digo.
Conheço muito bem seus gostos.
Ele suga o ar e dá um sorriso malicioso.
Aiden não sente necessidade de estudar, suas notas são
impecáveis e ele assiste todas as aulas, – exceto se ele estiver em
um dos seus jogos – mas sempre se destaca sem nenhum esforço.
Ele nasceu numa família rica de Burk, com todos os privilégios de
um sobrenome importante, além de carregar a linhagem de
herdeiro, assim como eu. Mas, diferente de mim, Aiden admira o
pai, responsável por seu belo desempenho escolar.
Viro a esquina e subo dois lances de escadas. Passo pelo
laboratório vazio ao lado da sala de literatura. Paro na porta, mas
ao invés de entrar na minha aula, decido ir à sala de artes que fica à
esquerda.
Entro, e vejo uma garota sentada num banquinho na frente
de uma tela grande, quase do tamanho dela. Seu moletom cinza e
jeans justo claro sujos de tinta azul e roxa. Suas mãos estão caídas
entre as pernas, uma segura um pincel que pinga tinta vermelha no
chão e respinga nas meias cano alto e nos tênis. Ela balança a
cabeça devagar para lá e para cá com fones nos ouvidos e olhos
fechados. O vento bate, fazendo as mechas dos seus cabelos
bagunçados voarem, e ela sorri.
Amber joga a cabeça para trás e inspira a brisa do fim da
tarde. Ela abre os olhos e estuda o teto. Eu me apresso e saio antes
que me veja.
Não sei por que sai rápido. Mas ela parecia tão tranquila
que chegou a ser assustador. Tive a impressão que, se fosse
visto, iria quebrar algo. Fui totalmente manipulado por ela e seu
rosto inocente. Merda.
Cacete. Amber Reese é um território proibido para mim.
Não é alguém para brincar, ou é mais um dos meus joguinhos. Não
mesmo. E nem é por Aiden ou seu pai. É porque ela me faz querer
ficar perto. Porque conseguiu me expulsar da maldita sala.
Meu celular vibra no console. Eu olho para tela, vejo uma
mensagem de Aiden. Escoro a cabeça no banco. Não leio o
conteúdo. Estou sem paciência para ele agora.
Alguns estudantes estão no estacionamento e outros
conversam próximo ao campo de futebol. Will corre ao lado de
uma garota, ele joga a camisa no ombro e seus músculos
bronzeados brilham. Ele não estuda aqui, no entanto.
Pego meu celular e abro a mensagem.

“Estou esperando”, dizia.

“Eu estou a caminho”, respondo, e ligo o carro.

“Eu te mandei mensagem há quinze minutos, você já


deveria ter chegado.” Envia outra.

Ele fugiu da aula no momento em que eu dei as costas. Eu


me distrai com a garota, e nem me dei conta do tempo, e, muito
menos vi as cinco mensagens de Aiden pedindo que eu o
encontrasse no celeiro.
Olho para as escadas. Amber desce, carregando a bolsa de
couro preta num ombro e uma lata de café na mão. As outras
garotas olham para ela com deboche. Sem hesitar, para e encara as
três. Segurando seus olhos, põe os óculos escuros anos 90, e volta a
andar. Seus cabelos voam com sutileza a
cada passo.
Engato marchar. Saio da escola e pego a pista para o centro
da cidade.
Empurro a porta. Aiden está na frente do notebook
concentrado em algo. Papéis estão ao lado, junto a uma garrafa de
Whisky e o cinzeiro vazio.
“Por que me chamou?” Entro, segurando minhas chaves e
celular.
“Quero que me ajude.” Ele me chama com a cabeça. “Eu
quero descobrir quem é ele”, aponta para tela.
“Não é você?” fico em pé do seu lado. “Parece algo que
Aiden Reese faria”, falo sério, mas com um toque de sarcasmos.
Ele ri e diz: “Eu achei que me conhecesse melhor, Eric.”
Então mostra a algema presa no seu cinto. “Eu não gosto de órgãos.
Quem arranca um apêndice? É um órgão inútil.”
Curvo o canto da boca, desejando rir. Maluco.
Esse cara odiaria sujar suas roupas sem o intuito de
satisfazer seus fetiches. Aiden Reese é egocêntrico demais.
“Veja, ele torturou a mulher, e só depois tirou o órgão. Por
quê? O que acontece depois que as imagens são cortadas?” Aiden
esfrega o lábio com o polegar.
“Por que está curioso? É seu novo hobby criticar as mentes
dos seriais killers? Deseja fazer uma entrevista com ele?”
Aiden gosta de práticas agressivas. Ele dever ter ficado
curioso para entender a mente por trás. Esse é o motivo para ele
que esteja obcecado por essa história? Querer saber o que leva
alguém a ter esses fetiches doentios?
“Onde você acho isso?” interrogo.
“Alguém me deu”, e ele responde sem fazer rodeios.
“Ele quer que você descubra”, deduzo.
“Rápido como sempre.” Aiden congela uma imagem. “Vê
algo diferente?”
Nos entreolhamos.
“Nada”, eu digo, me afastando da tela.
“Pois é, nada. Mas olhe mais de perto,” ele dá um zoom na
imagem. “Vê?”
Me aproximo do notebook. Por cima do seu ombro, estudo
cada objeto da cena.
“Um anel?” Semicerro os olhos.
Um anel?
“Exato.”
Aiden gira na cadeira e fica de pé.
“Não um anel qualquer, um anel com letras gregas
cravadas nele.”
Como esse cara descobriu isso?
“Então... o que diz?” Cruzo os braços, recostando a cabeça
na parede.
“Enótita”, ele fala, com uma pronúncia impecável.
“União...” estudo. “E se for apenas um anel qualquer?”
questiono, nem um pouco interessado.
“E se não for?” ele instiga.
“Um serial killer que usa um anel bizarro e parece super
comum”, reflito enquanto dou batidas no antebraço com o
indicador.
Aiden penteia as mechas pretas para trás que escorriam do
topete pelas têmporas. “Incrível, não? Algo sujo está acontecendo
debaixo do nosso nariz.” Ele agarra um punhado de cabelo no topo
da cabeça.
Cruzo os braços.
“Então você acha que seu maníaco é algum morador da
cidade?”
“Nosso inimigo dorme no quarto ao lado”, ele ri.
“Por que você confia em mim? Pode ser eu quem está por
trás disso, afinal, você sabe...” Acendo um cigarro.
Ele vira. “Porque você é o capitão, e, por mais que eu seja
bom, ele confia mais em você.” Aiden me olha, seus olhos frios
como se tivesse perdido para mim.
“Ele quem?” Sopro uma nuvem de fumaça.
“Daniel.”
Jogo o resto do cigarro no chão e saio sem dizer mais nada.
Corro pela pista deserta às seis da tarde. Abaixo a janela e
deixo meu braço descansar na porta. Tiro meu celular do bolso e
jogo no console.
Eu não vou fazer isso, e não importa se pessoas morrem ou
são sequestradas. Não é da minha conta. Ponto. Confiança?
Capitão? Ok, eu estou sempre nessa posição. Mas liderar uma
caçada atrás de tarados? Eu prefiro que cem abelhas piquem meu
pau a ser capacho daquele homem. E, se eu tivesse um papel nessa
história, com certeza não seria o de herói.
Passo pelo Hoser cheio de clientes se preparando para
festejarem o Halloween, mesmo que ainda falte duas semanas.
O povo dessa cidade odeia todos os outros feriados, mas o
dia das bruxas é especial para eles. É o dia que todos se livram das
máscaras que usam para cobrirem suas caras feias durante todo o
ano.
Reduzo a velocidade ao passar em frente aos portões do
cemitério. Observo as lápides cinza escuro, de cimento e
concreto. Dois postes na entrada iluminam uma parte
enquanto o fim se perde na escuridão.
Olho para minha direita, através do para-brisa. Vejo o
parque construído na colina. A roda gigante iluminada com as
cores azul e roxo brilha no topo, o ponto mais alto de Burk. Outros
brinquedos estão ativos. Deslizo os olhos pelo estacionamento. Seis
carros estacionados.
Giro o volante, os pneus esmagam a grama. Procuro uma
vaga qualquer e paro. Olho para cima, para o topo da roda gigante
que gira sem para. Gritos eufóricos eclodem enquanto meninas
saem correndo, desviam barracas de doces quando são perseguidas
por um zumbi. Acendo um cigarro. Giro o corpo, encosto as costas
na porta. Relaxo o olhar, ombros, pernas e olho para frente. Estudo
com atenção o outro lado do estacionamento até ver alguém
sentado num banco debaixo da luz do poste com um caderno no
colo. Sopro fumaça. Ela estava com as mesmas roupas.
Amber estende a mão, segura um lápis enquanto levanta o
dedão e mede a roda gigante, depois ela rabisca algo no papel. Suas
mãos sujas de tinta. Ela mede mais uma vez e depois outra e outra,
até trocar o lápis por uma borracha.
Eu jogo o cigarro no chão e vou até ela. Passando pelos
carros, eu cruzo a entrada e atravesso para o outro lado. Paro atrás
dela, ponho as mãos nos bolos e observo o parque desenhado no
papel.
“Você deveria ser mais discreto, eu senti sua energia
caótica assim que colocou os olhos em mim”, Amber abre a boca,
trabalhando as sombras no desenho.
“Levante, eu vou te levar para casa.”
Ela franze o cenho. Lança um olhar por cima do ombro.
“Hã?” para, como de estivesse esperando uma explicação.
E diz em seguida: “Eu não vou a lugar nenhum com você. Sai
daqui, sua cara me enoja.”
Mais gritos explodem no ar, Amber vira a cabeça para ver
de onde viam. Seus olhos focados, observava as garotas da mesma
idade saírem da casa dos espelhos segurando a mão uma das outras
enquanto riam e brincavam. Jogadores de basquete saem em
seguida. Um arruma o casaco e o outro limpa a boca.
Seus olhos caiem de volta no papel. Eu me inclino, minha
bochecha toca seu ouvido.
“Eu te levo”, aponto para a casa, mas minha voz sai sem
nenhum entusiasmo, entediado.
Amber cobre um lado do seu rosto com a mão, deita a
cabeça sobre ela, e ri alto.
“Ouviram? O amiguinho do meu irmão está com pena de
mim. Patético não?” Inclina a cabeça para o outro lado, como se
estivesse com dúvida. “Ou será que ele gosta de mim?”
Numa fração de segundos, ou num momento de surto, ela
levanta e joga o caderno no chão, os outros materiais vão junto.
Avança em mim sem pestanejar.
“Não é porquê me encontrou naquele sótão que eu preciso
da droga da sua pena. Eu não sei quem é você, e não faço a mínima
questão de saber. Agora, saia da minha frente!” A gatinha brava
empurra meu peito e sai, deixando sua merda para trás.
Com certeza, ela não é alguém diga de pena. Eu quase
fiquei excitado.
Olho para o caderno aberto no chão, os mesmos olhos
do quadro em sua casa foi esboçado no papel. Tem uma mensagem
escrita com tinta preta no limite da folha.

Eles estão por todos os lugares te observando. Eles sabem


o que você faz às três da manhã. Eles te ouvem através das paredes
finas do seu quarto e te tocam enquanto está no banho. Eles tocam
a doce melodia que te faz dormir e sugam parte da sua alma
quando adormece.
O diabo está sempre sussurrando.
SOFIA
Viro, vejo ela colocar o capuz do moletom e enfiar as mãos
nos bolsos enquanto atravessa os portões do cemitério e some entre
os túmulos.
Tudo com ela é imprevisível. Uma hora, chora como uma
menininha frágil. Outra, está leve, sentindo a brisa fresca como se o
mundo tivesse parado, e ela apenas quisesse aquilo. Com seu
moletom sujo de tinta, porque ela não se importa com o que os
outros dizem, não naquele momento. E no fim do dia, ela levanta
os muros, prepara as armadilhas e, quem tentar atravessar o
corredor, ela atinge com lanças e suas palavras duras.
A garota sabe como colocar alguém no seu lugar. Não se
importa em ferir para se proteger. Não cansa de procurar a paz.
Mas não entendo por que não revida as agressões do irmão, afinal,
ela é forte, muito forte. Ela está viva. Quer continuar viva. Essa é a
grande diferença entre eles, entre nós.
Em casa, desabotoo meu relógio e jogo em cima da cama.
Entro no chuveiro. A imagem dela na sala me persegue. Como
alguém que é agredido pode ficar tão tranquilo daquela forma? Ela
é tão pequena e jovem.
Água escorre pelo meu peito. Esfrego o polegar na cicatriz
que meu pai fez quando eu tinha treze anos por ter colocar fogo na
casa de férias da família para me vingar dele.
Naquela mesma noite, eu destruí a vidraça da joalheria Morris.
Aquilo era apenas um aviso. Eu iria continuar. Porque ferimos para
aliviar nossa dor. Eu iria ferir todos, eu iria colocar fogo em tudo
para que eles enxergassem a dor que eu estava sentindo, para que
eles sentissem a agonia de viver atormentado por uma vida que não
pedi para ter. Porque eu não pedi para nascer, muitos menos ver as
coisas que vi.
Mas ela é diferente de mim, disso. Ela é uma sobrevivente,
não uma covarde.

Deixei o carro parado no acostamento. Atravesso a estrada,


indo direto para o cemitério. Passo pela sepultura do fundador da
cidade na entrada.
É madrugada, mas eu sei que ela está aqui.
Eu sei onde ela está.
Caminho em direção ao túmulo de Emma Morris. Todas a
vezes que eu a observei, era para lá que ia. Eu não sei por que ela
gosta de ficar num cemitério, aqui é escuro e sinistro. Pessoas
mortas por todos os lugares, mas ela sempre está aqui.
Viro, passando por outro túmulo, a vejo deitada na grama
com as mãos atrás da cabeça e os olhos fechados. Velas de leitura
vermelha acesas, formam uma cruz na lápide escura.
O vento bate forte, quase apaga as chamas. As árvores
balançam, e a luz branca da lua ilumina seu rosto, sorridente.
Meu Deus. Ela é linda.
Seu peito sobe e desce com respirações profundas. Todo
seu corpo parece relaxar, igual mais cedo. Tão bela e pacífica.
Alguns fios negros dos seus cabelos voam e pousam sobre as cílios
longos que chega a tocar as bochechas douradas pelo sol.
Eu me movo. Pairando sobre ela, me agacho. Noto sua
respiração ficar pesada quando eu me aproximo dos seus lábios.
Amber arregala os olhos num sobressalto, e planta as duas mãos no
meu peito.
“Que porra!” rosna.
Se debate e tenta se afastar, porém, eu fico plantado,
bloqueando seu caminho, predo-a contra o chão.
Jesus. Ela tem um cheiro tão bom.
Minha virilha dói, a calça jeans aperta e intensifica as
contrações que disparam por todo o músculo duro.
Nossos lábios se tocam, Amber vira o rosto, mas eu puxo
seu queixo de volta. Ela me olha cheia de raiva, o que só faz meu
desejo aumentar. Eu desço nela de novo. Beijando com mais
intensidade. Irritada, esperneia sob mim. Amber esmurra meu peito
com os punhos, na tentativa de escapar. Sorrio.
“Seu idiota, filho da mãe!” berra, ao conseguir escapar do
beijo.
Não consigo evitar o sorriso travesso. Vejo sua raiva
inflamar mais ainda ao notar meus lábios curvados em diversão. O
que eu podia fazer? Ela é tão divertida. A garota é o motivo dele.
Amber morde o lábio inferior, claramente furiosa por um
cara, o melhor amigo do seu irmão, para piorar, ter arrancado um
beijo seu à força.
“Louco.”
“Sou?” Me curvo sobre os lábios rosados do pequeno
desafio diante de mim. Amber ofega, os olhos acesos com chamas
âmbar.
“Um louco!” Endurece o tom.
“Não mais que você, querida.” Beijo sua boca, e, dessa vez,
retribui. A língua aveludada se encaixa perfeitamente em todos os
movimentos envolventes e habilidosos que faz.
Agarro seus punhos no meu peito, puxo sua nuca para
perto. Ela senta no meu colo, mas não deixo que sinta a
protuberância entre minhas pernas. Ainda não. Não é a minha
intenção desviar a irmãzinha do meu melhor amigo.
Eu a beijo mais forte. Uma mão na cintura e a outra puxa
seu cabelo. Ela geme e toca meu pescoço, hesita antes de chegar na
nuca. Eu seguro sua mão e guio. Amber agarra um punhado do
meu cabelo e segura firme, sobe e monta no meu pau. A diaba
começa a foder a seco.
Eu gemo, com a voz rouca.
“Jesus. Pare.”
Amber se aproxima do meu ouvido.
“Por que eu deveria? Você me beijou à força.” Ela se
esfrega, sinuosamente.
“Bem, você estava sozinha e é apetitosa", ofego enquanto
deixo que se mova no seu próprio ritmo.
“Essa é a sua desculpa?” ela arfa, moendo no meu pau.
“Não a parte que é apetitosa. Essa é a mais pura verdade”
Meu Deus.
Meu pau lateja, e o pré-gozo escorre. Eu puxo seu lábio
inferior entre os dentes, mordo com força. Ela geme, joga a cabeça
para trás e me aperta com as coxas.
Jesus, como eu queria está dentro dela.
Amber arfa. Arregala os olhos, sem acreditar no estava
acontecendo e, do mesmo jeito que montou, desliza, e sai de cima
de mim.
“Dessa vez eu vou deixar você escapar”, arfo.
Ela arruma o cabelo e risca um olhar bravo para mim.
“Por que tem tantas velas aqui?” pergunto, olhando para o
túmulo de Emma.
“Porque,” para, olha atentamente para mim e depois diz:
“Não te interessa.”
“Ok.’
Encho o peito e apago todas com um sopro forte. Amber
ofega e geme. Uma coruja canta, e ela salta, ficando em pé.
“Acenda!” grita, desesperada.
Eu fico em pé do seu lado e murmuro:
“Você tem medo do escuro.”
Amber se assusta. Eu escuto seus soluços quando começa a
chorar de medo.
Droga, Eric.
Eu me abaixo, tiro o isqueiro do bolso e acendo as velas.
Ela cai de bunda, chorando enquanto as chamas fracas iluminam o
breu.
“Me desculpe”, eu aperto seus joelhos. “Me desculpe.”
Deslizo a mão para limpar suas lágrimas.
“Pare de falar, isso é enjoativo”, faz cara de nojo.
Bufo.
Ela muda de humor muito rápido.
Fecha a porta do passageiro numa batida forte. Eu ligo o
carro e saio do acostamento, fazendo a curva ali mesmo. Ficamos
em silêncio boa parte do caminho. Amber observa a paisagem
tranquila e natural de Burk pela janela. Seus cabelos longos e lisos
voam suavemente ao bater da brisa outonal da madrugada. Ela
aumenta o som quando ‘Ribs’, de Lorde, começa a tocar.
“Eu não vou ficar com você”, torce o nariz. Prefere encarar
as árvores que à mim.
“Por quê?” Olho para estrada.
“Porque eu não preciso de um namorado e porque você é
um idiota.”
Pelo canto do olho, vejo ela escorar a cabeça no banco.
“Você é muito crítica.” Bato o polegar no volante ao ritmo
da música.
Ela suspira fundo, e eu bufo.
Acho que alguém não gosta de receber críticas.
“Por que vai para lugares escuros se tem medo?” questiono
e ignoro a ofensa.
“Eu não tenho medo do escuro se tiver alguma luz
comigo”, explica, parecendo cansada.
Por isso as velas. Não é que ela tenha medo do escuro, ela
tem medo de não está no controle.
“Eu me sinto tranquila quando tenho uma luz comigo,
porque eu sei que, se algo acontecer, eu sempre terei como acender
as luzes e todo medo vai sumir.”
Amber não parece se importar se vou entender seu modo de
pensar ou neuras, ela apenas é o que é.
Paro o carro, mas, antes de destravar as portas, eu digo:
“Eric McBride, o amiguinho do seu irmão.”
Ela bufa. Se inclina e projeta o peito para meu colo, aperta
o botão para destravar as portas e sai. Eu olho para a casa, vejo
uma sombra através da janela. Pisco, e a pessoa some.
Amber circula o carro, para na minha porta, me encara e dá
as costas. Empurra o grande e imponente portão de ferro. Fita meus
olhos por cima do ombro.

“Eu sei. Todo mundo sabe quem destruiu a joalheria


Morris. É uma pena que seu rosto bonito não tenha aparecido nas
câmeras, aposto que é super fotogênico”, diz.
Sorrio.
Diaba.
Abro a porta da grande mansão McBride. Escuto a
televisão ligada ao ir em direção ao segundo andar. Começo a subir
as escadas quando ouço a jornalista dizer:

“Mais uma garota desaparece em Burk. Julia Lowe é


uma caloura de quinze anos da escola Hoover Sun. Colegas
relataram que a jovem saiu da escola por volta das cinco horas
da tarde, sozinha. Uma das suas amigas disse em entrevista que
a garota havia recebido um envelope vermelho com ameaças,
mas Julia não levou à sério e queimou o conteúdo.
Os pais pedem que, quem tiver notícias, ligue para o
número que está na tela.
Júlia é décima quinta jovem a desaparecer nos últimos
quinze anos. A polícia nunca chegou a descobrir quem estar
por trás desses crimes.”

Congelo no lugar. Vejo meu pai sentado no sofá comendo


um pedaço de pizza.
10

Amber

Presente

Eu queria chorar.
Eles conversam, descem as escadas, chegam no túnel de espelhos.
E, todas às vezes, meu coração dói e o estômago congela. A cena se repete
várias vezes. Era como se alguém tivesse programado um loop infinito. Eu
nunca consigo ver o seu rosto. E, por que dói? Quem é ele, que me causa
tanta dor?
Sugo o ar pela boca como se estivesse prestes a me afogar. Arregalo
os olhos num sobressalto. Uma pontada aguda atinge todo o seio da face. A
sensação ruim de quem acabou de acordar de um pesadelo. Ergo o peito,
assustada. Visualizo uma luz branca que não sei se é uma alucinação ou
realidade. Caio na cama de novo. Inalo todo oxigênio possível, meus
pulmões expandem e se libertam das mãos que os apertavam.
Minha testa dói. Eu engasgo e tusso enquanto ofego ao sentir a
borracha dentro do nariz.
Pisco várias vezes. Todo meu corpo dói, minha cabeça lateja.
Onde estou?
Eles me trouxeram mesmo depois de nos sequestrar?
Nós. ... Sarah.
Pelo canto do olho, noto a agulha no meu braço, ligada uma bolsa
de soro. Engulo o bolo ácido, movo a cabeça, grogue com os remédios ou
sedativos. As paredes brancas me irrita, mas a janela, totalmente,
transparente é um pouco menos irritante, já que posso ver o jardim.
Sarah.
O que eles fizeram com ela depois que eu apaguei? Será que ainda
está viva... Talvez os médicos tenham achado uma forma de ajudá-la, afinal
a medicina está tão avançada.
De repente, me vejo correndo atrás de uma esperança inútil. Eu sei
o que vi. Eu sei o que senti. Ela não tinha pulso.
Uma enfermeira entra.
“Acordou, Srta. Reese. Como está?”
Ela segura uma bandeja.
Inalo com dificuldade.
“Onde estou?” pergunto, ansiosa, apesar da minha voz sair baixa e
falha.
“Midran, Srta.”, informa a mulher, com os cabelos acobreados mais
naturais e bonitos que já vi, preso com um trança e lenço.
Calça as luvas.
“Vou retirar o oxigênio. Não se mexa, por favor.”
Ela pega uma pilha de gazes do pacote, desconecta o
fluxo de oxigênio, segura o fio e puxa o tubo. Sinto um leve ardor e os
olhos lacrimejar.
“Você deve estar com fome, garotinha. Faz três dias que não se
alimenta.”
Ela joga o lixo em um saco na bandeja.
Garotinha? Eu tenho vinte e dois anos... Bem, ela deve ter quarenta,
apesar de não aparentar.
“Eu estou aqui há três dias? Quem me trouxe? E a outra garota que
estava comigo, onde ela está?”
“Um homem alto, bem vestido, trouxe vocês duas, mas... Sarah
Brid já havia morrido no local do acidente. Eu sinto muito”, responde, com
cautela e sai.
Abaixo o olhar quando a porta fecha. Encaro meus pés, mas não sei
se são eles mesmo para quem estou olhando. É um olhar vago.
O que eu estava esperando? Milagre? Que tudo não passasse de
uma fantasia da minha mente doente? Que houvesse alguém capaz de fazer
o que eu não pude por fraqueza, salvá-la?
Patética, Amber Reese.
Dou um sorriso amargo.
Eric, Will e Mika, eles a mataram. Eu a matei. Não importa como,
nós fizemos. Eles, por nos levar até aquela maldita estrada, e eu por ser a
mesma estúpida fraca de sete anos atrás.
Mas quem estava dentro daquele maldito carro, é quem mais me
enoja.
O médico entra, carregando uma prancheta.
“Boa noite, Srta. Amber. Como está se sentindo?” Sua voz é suave
e conhecida.
Eu ergo a cabeça, relaxo os ombros e cenho ao ver Riley Mitchell
colocar a mão no bolso do jaleco.
Meu Deus, é ele!
Vejo que seu cabelo loiro não mudou muito, ele continua usando o
mesmo penteado. Todas as mechas para trás, um risco divide a lateral
raspada. Nenhum fio fora do lugar. Impecável, educado e charmoso.
“Riley...”
Inspiro e expiro, libero o cansaço e surpresa.
Seus olhos azuis claros como duas turquesas brilham para mim
como antes. Sem maldade, sem desprezo, sem abuso.
“Você virou uma linda mulher!”, sorri.
“Você conseguiu, é um médico.” Eu me arrumo na cama.
“Eu sinto muito que para isso eu tenha tido que...”
“Você fez o que tinha que fazer para sobreviver”, eu o interrompo.
Ele arregala os olhos, mas relaxa em seguida.
“Vim entregar sua alta. Amanhã você pode ir. Quer ligar para
alguém?”
Faço que não com a cabeça. Riley entende sem fazer
questionamentos. Ele sabe melhor do que ninguém o porquê dessa decisão.
Riley abre a porta, “Amber, te vejo por aí.” Pisca para mim, e eu me
sinto um pouco melhor.
“Seus olhos são mais bonitos que os dele!” afirmo, com seriedade.
Ele bufa, e sai.
Calço as pantufas, passo a mão no cabelo para alinhar os fios
arrepiados. Não sinto mais dor no corte, olho para
confirmar minha teoria. Eles cuidaram disso também.
Quem me trouxe para cá?
Arrastando o suporte de soro, caminho pelos corredores do hospital.
Passo pelos quartos silenciosos. É um hospital com uma boa estrutura de
atendimento. Organizado e limpo. Eu conheço, é o melhor da região, e o
mais caro também. Bem, dinheiro nunca foi um problema para Os Reese.
Uma das vantagens de ter nascido nessa família.
Eba, me sinto bem melhor agora. Uma porra.
Empurro as suas portas duplas que dão acesso ao jardim. Inalo a
brisa gelada que rodopia no meu rosto. É bom respirar o vento refrescante
das noites escuras de outubro. Ah, acho que já é novembro.
Sigo o caminho de pedras sobre a grama. Observo as rosas e cravos
sob a luz do poste, ainda molhadas. Os ramos frios roçam meus tornozelos e
faz minha pele arrepiar.
A lua cheia tinha partido, dando lugar as nuvens escuras que
encobria as estrelas. O Halloween havia passado.
Sento no banco de ferro no centro do jardim, de costas para minha
janela. Meu peito sobe e desce. Agora, eu posso sentir o ar puro entrar e sair
sem nenhum problema, apesar das dores nas articulações e na garganta
continuarem, mas nada que me incomode.
A brisa noturna bate mais uma vez no meu rosto, e eu inalo o cheiro
sutil de cigarro. Fecho os olhos. É uma sensação prazerosa como o cheiro
de café fresco, livro novo e tinta.
Tento descobrir a mistura familiar que faz meu corpo excitar. Pestanejo.
Menta e tabaco.
Giro a cabeça, procurando quem está fumando meu cigarro
favorito, mas não vejo nada. Olho para a porta, de onde
vim. Nada. Eu sinto seus olhos em mim. Olho para frente, para o telhado do
hospital. Não vejo nada, mas posso sentir seus olhos em mim. Viro para
trás, e meu coração bate na garganta quando vejo Eric com os braços
cruzados no batente da janela do meu quarto. O cigarro preto entre os dedos
tatuados. Viro para frente, novamente. Me encosto nas costas do banco,
cruzo as pernas e solto o suporte de soro.
“Veio terminar o serviço?”
Ele fica em silêncio, mas seus olhos continuam em mim. De longe,
conseguiria sentir o calor na minha nuca.
“Como o Sr. Eric é paciente, nem esperou que eu saísse do
hospital.”
Sei que ele não ficou contente, porque o ouvi respirar fundo.
“Amber, Amber. Você só teve o melhor de mim até hoje, não
queira ver meu pior.”
A voz dele me atingem como pequenas agulhas.
Até hoje?
“Mas não se preocupe, baby. Foi você quem pediu por isso.
Cuidado com quem brinca, nem tudo é o que parece. E, nós não vamos
acabar comigo na cadeia e você fugindo. Não dessa vez.”
Meu peito sobe e desce rápido.
Mas que porr... Viro, mas ele não está mais lá.
Sinto falta de ar, percebo que havia parado de respirar.
Por que esse idiota continua falando coisas sem sentido? Quem é
ele para dizer tanta besteira como se eu devesse o mundo a ele?
Ah, isso não vai funcionar, querido. Seja lá qual for a dele, não vai
funcionar assim tão fácil. Eu não passei pelo
inferno para, nessa altura, aturar ameaças de um maluco.
Vamos ver quem é mais doente, baby.

Visto minha calça de couro limpa. As enfermeiras fizeram a gentileza de


lavar. Coloco uma regata cinza e calço os tênis que Riley deixou quando
passou para me visitar, há uma hora. Passo o pente no cabelo para deixar
todos os fios como de costume, lisos e escorridos. Arranco os nós à força,
sem muita delicadeza. Quero ir embora o mais rápido possível. Hospitais
lembram a minha mãe.
Noto os hematomas roxos nos antebraços, braços e mãos, mas
ignoro.
Saio do banheiro, uma enfermeira me espera em pé ao lado da
porta.
“Obrigada por cuidar de mim.”
Entrego a escova para ela.
“É muito bem que você esteja bem”, ela sorri.
“Aliás, alguém veio me visitar?” pergunto enquanto prendo o
cabelo num rabo de cavalo alto.
“Ninguém”, responde, meio receosa.
Ótimo, nenhuma surpresa. Aiden não viria, e meu pai muito menos.
Nem devem saber o que aconteceu.
Hum, apenas a visitinha surpresa do meu fã que, com toda sua
delicadeza, veio me dizer palavras tão gentis. Excelente.
Dobro a esquina. Parando na recepção, digito a senha
do meu banco no celular de Riley, e faço a transferência para pagar a conta
do hospital.
Ele insistiu para pagar, já eu não tinha nenhum pertence comigo,
nem meu celular. Mas não aceitei.
Eu soube que só fui identificada porque ele era o médico de plantão
no dia que dei entrada. Me disseram que ele foi responsável por mim,
também.
O táxi que pedi, encosta. Entro, e vejo Riley acenar da entrada. Dou
um breve aceno e peço para o taxista ir.
Atravessamos a cidade até o dojo da minha amiga. Passo pela
recepção, a atendente me cumprimenta. Dobro na esquina, indo para o
vestiário. Vejo as salas vazias, e lembro que hoje é segunda, dia de limpeza.
Abro meu armário, pego um short legging e top preto da pilha de
roupas limpas.
Eu sempre guardo um par de roupa extra nos meus armários, seja
aqui, ou na faculdade. É um hábito de quando fui estudar na Hoover Sun.
Se eu precisasse fugir de casa à noite, eu poderia invadir a escola e me
trocar para as aulas do dia seguinte. Eu também guardo escova de dente.
Creme dental. Calcinhas e sutiãs. Barras de cereal... E cópias dos meus
documentos e passaporte, além de dinheiro vivo.
Tiro os tênis, calça e blusa. Substituo por roupas novas. Puxo um
rabo de cavalo alto. Enfio a mão no fundo do armário e pego minhas luvas
de boxe e bandagens, bato a porta ao fechar, e caminho para fora do
vestiário feminino.
Sei aonde devo ir. Caminho através do corredor, vejo mais salas
vazias. Tatames azuis retirados do chão para limpar e escorados nas paredes
para secar. Cecília está a todo vapor hoje.
Vejo a porta vermelha no final do corredor escuro. Vou até ela, puxo
o ferro vertical e abro.
A sala subterrânea parecia mais com caverna do Batman do que
uma sala comum. Mas era lá onde ela estava.
Do topo da escada, observei Deann se mover sobre o tatame preto
ao som de ‘Human,’ de Rag'n Bone Man. Com os punhos na frente do
queixo, ela dá três chutes altos no ar. Em seguida, se move, balançando o
corpo para frente e para trás enquanto dá pequenos saltos para soltar o
quadril.
Deann soca com a esquerda depois com a direita. Uma cotovelada,
três joelhadas, um chute frontal. Repete a sequência de socos, e finaliza
com dois chutes altos e um pulo com chute.
Ela ofega, e joga a cabeça para trás, com as mãos na cintura. Sorri
ao me ver.
“Hey, garota!” me cumprimenta, feliz.
Felicidade mostrada para poucos, bem poucos. Deann é a mulher,
sim, mulher, mais seletiva e marrenta de Midran. É de pouco papo e difícil.
Difícil em todosss os sentidos. Faz o que quer, quando quer.
Eu conheci Deann um mês depois que voltei de Hedwyn. Ela
detonou a cara de um dos clientes do clube aonde fica minha sala secreta.
Ele foi machista e tentou abusar dela. Então, a garota quebrou o nariz do
filho da puta, que, nem o melhor cirurgião plástico, conseguiu consertar. E
quebrou três dedos para ele nunca mais tocasse uma mulher sem sua
autorização.
Eu tenho certeza que se ela não tivesse sido detida, teria quebrado
seu pênis, também.
Foi a primeira vez, em muito tempo, que eu me senti tão satisfeita
com algo. Então resolvi ir até à delegacia e a ajudei a sair. Nós viramos
amigas, e passamos a treinar juntas.
Pisei descalço no tatame. Deann pega uma garrafa de água e toma
dois goles longos, sobrando apenas um pouco no recipiente.
Prendo o velcro das minhas bandagens e calço minhas luvas.
“Pronta?” Deann confirma enquanto bate os punhos com um
sorriso, porque sabe que a diversão está prestes a começar. Mas é uma pena
que hoje eu não esteja de bom humor.
“Sim”, respondo ao entrar na posição de combate.
Ela se posiciona também. O sorriso some do rosto, e uma expressão
fria e vazia toma conta. Igual a de quando espancou o cara. Séria,
impiedosa e rápida.
Está aí, sua dupla personalidade.
Deann avançou lançando uma sequência de socos. Direita e
esquerda, direta e esquerda. Um atinge meu rosto e eu cambaleio para trás.
“Não precisa se aquecer, Amber?”
Ela arrasta os pés para a esquerda, mantendo o movimento e a
postura de combate. A guarda sempre alta. Tão alta que é quase impossível
de penetrar.
“Isso é um aquecimento, e...” paro, limpo o sangue do canto da
boca. “Eu já apanhei o suficiente, veja.”
Ela olha para as marcas roxas e azuis espalhas pelos meus braços e
coxas. Minha chance. Jogo o punho na cara dela. Deann se esquiva,
desviando do soco antes de atingi-la.
“Tsc, tsc, tsc. Por isso você apanha.”
Voa, acertando o joelho no plexo solar. Eu caio de quatro com as
mãos na barriga. Tusso e ofego, vômito prestes a sair.
“Você... não está melhor que eu”, gaguejo.
Aponto com o olhar para os cortes e arranhões nas suas pernas e
braços, que ela, estrategicamente, escondia com roupas largas para dar
aulas, enquanto as marcas do rosto, usava maquiagem para camuflar.
“Sim, eu não estou. Por isso, estou treinando. Agora, levante e
arrebente quem te arrebentou. Você é forte, porra!” grita, como se tivesse
tentando convencer a si mesma mais que a mim.
Eu me levanto. Entro em posição de novo.
“Você não é fraca!” grita de novo, e acerta um soco de esquerda no
meu rosto.
Meu tímpano zombe.
Isso dói pra cacete!
“Você não é fraca!” mais uma vez.
Minha pele arde quando o couro duro da luva roda na minha
bochecha. Sangue espirra do nariz. O nó na garganta não me deixa respirar.
Isso dói para cacete!
Tombo sem forças para ficar em pé.
“Você é forte, Amber!” Deann esbraveja. Fúria consumindo cada
palavras.
Ela pula, e lança um chute nas minhas costelas. Eu voo, e caio no
chão, sem respirar. Sem me mover, paralisada pela dor excruciante.
“Você não é fraca. Não foi sua culpa.”
A voz dura de Deann me atinge novamente.
“Eu não consegui protege-la. Ela morreu bem na minha frente. Nós
estávamos tão perto de casa. Eu prometi...”
Lágrimas escorrem dos meus olhos como uma cascata, desatando o
nó e me fazendo desabar naquele lugar quente.
Um tempo depois, encaro as caveiras em cima de um altar. Velas
tremulam enquanto soluço como uma criança após perder seu animalzinho
de estimação.
“Faça o que tem que fazer, Amber. Os mortos não voltam. Vá lá e
mostre o quão louca pode ser. Mostre que eles não podem fazer o que
quiserem com você.”
Deann se abaixa, e toca meu ombro. Sua expressão ainda mais
sombria.
“Seja uma garota má.”

11

Amber

Presente

Empurro a porta de vidro. Tiro os óculos escuros, passando pelo


saguão cheio de empresários multimilionários sócios das várias empresas
do meu pai. Os murmurinhos sessam quando eles param tudo, viram em
câmera lenta e me encaram.
Meus saltos agulha faz barulho ao pisar forte e confiante até o
elevador.
“Para onde pensa que vai?”
Alguém puxa meu braço antes que entre. As pontas do meu cabelo
roçam minhas costas nuas.
“O que aconteceu com você?” Aiden pergunta, entre dente, furioso
demais para manter a classe.
Acompanhando pelo seu cãozinho, mapeia os hematomas, que eu
fiz questão de deixar à mostra quando vesti um vestidinho de seda branco
muuuuuito sexy. Branco realça todas as outras cores, não acha?
Eu acho que meu irmão não gostou do meu look do dia.
“Você quer ter essa conversinha aqui?” pergunto, meio entediada de
como meu irmãozinho sempre é tão chato.
“Você não vai subir. Papai não tem tempo para ouvir suas merdas”,
retruca.
Dou um sorriso largo.
“Você acha que eu vim reclamar com o papai sobre a merda que
você e seus amiguinhos fizeram? Você é tão burro, não sabe nem mentir
direito”, dou um passo à frente. “Aiden, você já fez melhor.”
Aiden congela, os olhos arregalados.
Te peguei, filho da puta, burro.
Sobre o que eu falei... Blefes funcionam muito bem quando são
bem jogados.
Fecho a mão em punho, e soco a cara dele com tanta força que meu
punho arde. Aiden recebe o golpe. Seu rosto chicoteia no ar. Todos ficam
em silêncio, em choque. Perplexos com nosso amor fraterno.
Aiden espirra sangue. Os olhos cavam buracos em mim, e os
punhos se fecham. Então ele avança, e me dá uma tapa. Esfrego a bochecha
quente. Não consigo conter o riso e caio na gargalhada.
“Isso é tudo que você tem? Seu amigo fez melhor que isso”, aponto
para Eric sentado num sofá, assistindo ao show.
“Vamos, bata mais! Eu sei que você adora castigar, especialmente a
irmãzinha mais nova. Sem contar sua tara por hematomas!” eu grito,
abrindo os braços.
Ele lança mais uma tapa, e quando se prepara para outro, eu
trabalho minha perna. Aplico um chute frontal. Meu salto afunda na carne
macia da pelve. Ele se curva com a mão no pênis, e cai no chão enquanto
grunhi de dor.
Eu me aproximo, agarro um punhado do seu cabelo, ergo sua
cabeça.
“Eu avisei que, se estivesse mentindo para mim, você não teria
herdeiros. Mas eu acho que era exatamente isso que queria”, sussurro no
seu ouvido.
“Não fui eu!” ele late.
“Não me interessa. E... Eu não vim aqui para falar com o papai,
idiota.”
Solto Aiden, e caminho até Eric, que continua sentando como um
rei. Inabalável. Intocável. Superior. Paro em sua frente, imponho contato
visual que ele faz questão de retribuir sem abalar a pose de realeza. Eu me
aninho entre suas pernas, meus seios próximos ao seu rosto.
“Você ativou uma bomba relógio, sabia? Então agora, abra a porra
da sua boca, e fale por que está fazendo isso”, sussurro contra o ouvido.
Eric assopra meu pescoço.
“Eu não devo nenhuma explicação a você.”
Os lábios dele roçam os meus.
“Você só pode está maluco”, rosno, rouca.
Ele ri, e puxa meu cabelo, minha cabeça vai junto, para trás.
“Você quer saber quem matou a garota?” Lambe meu queixo.
“Hum, foi você, querido.”
Ele serpenteia minha cintura e me puxa para seu colo. Monto nele.
“Junte-se a nós, e venda sua alma ao diabo, para conseguir o que
deseja.”
Meu rosto arrepia quando ele lambe meu pescoço e pressiona sua
ereção contra mim. Movo o quadril, inconsciente.
“Ah, invente outra desculpa. Eu sei quem são os culpados. Vocês. E
não vou me juntar a escória.”
O calor entre minhas pernas aumenta. Mais úmida que o
oceano. Preparada para recebê-lo. Meus olhos, pesados, se fecham,
involuntariamente.
“Não fomos nós”, Eric diz, baixinho em meu ouvido.
“Foram sim.” Respiro rápido.
“Eu avisei que você iria implorar pela minha cama”, sussurra, ao
tirar as mãos da minha cintura.
Mas que merda?
Olho ao redor. Noto todos observando nosso pequeno filme pornô.
Vergonha aquece meu rosto.
Eric levanta, me lançando ao chão.
“Na verdade, eu acho que você já vendeu a sua alma para o diabo.
Eles ainda sussurram?” Ele penteia o cabelo para trás, e se curva,
aproximando o nariz do meu.
“Eu esperava mais de você, Amber”, cospe.
Eu agarro o sofá e fico de pé novamente tomada pela vergonha
inevitável da exposição premeditada da qual foi conduzida por descuido
próprio.
“Se você ainda for esperta, saberá aonde nos encontrar.” Então, ele
vai embora.
A vergonha se transforma em dor. Meu peito dói, mas eu não sei o
motivo. Tudo que ele diz e faz é com se me conhecesse muito bem. Por
quê? Eu nunca vi ele antes, a primeira vez foi na noite que Aiden foi até
minha casa. Meu irmão parece confiar nele e aqueles caras também. E ele
me envolveu agora à pouco, ao ponto de não me importar com as pessoas
que nos observava. Eu ia ficar com ele aqui, na frente de todos se tivesse
continuado?
Qual o meu problema? Qual o problema dele?
O que ele ganha fazendo isso comigo? Eu soco as costas do sofá,
fúria consume meus punhos. Olho para Aiden com uma bolsa de gelo no
rosto, fumando um cigarro.
“Você não fuma!”, rosno.
Ele dá um meio sorriso, e eu saio, enojada de tudo.

Raios e trovões atravessavam o céu escuro que ameaça cair sobre


nossas cabeças à qualquer momento. Toco na lápide molhada de Sarah.
Água escorria pelo meu rosto. Meus cílios pesados com as gotas da chuva
fina e constante. Meu blusão do Scooby-Doo grudado na pele, pesado e
frio.
Depois de sair da empresa, fui direto para o hospital entregar as
roupas que Riley me emprestou. Sofi, a enfermeira que cuidou de mim,
aplicou uma pomada no meu rosto e me deu um doce, dizendo ela, que eu
deveria comer doce quando estivesse machucada.
Ao voltar para casa, me encolhi debaixo das cobertas. Só levantava
para tomar banho e comer, ou tomar um pouco de álcool e fumar. Assim,
cinco dias passaram num piscar.
Eu estava doente. Doente pela morte de Sarah. Doente por um cara
que eu nem conheço. Doente pela falta, pelo excesso e pelo desconhecido.
Continuei remoendo suas palavras dia após dia, como uma fita
arranhada.
“Eu esperava mais de você.”
A sensação de está em cima dele, seu cheiro, sua voz, o toque das
suas mãos. Minha pele vibrava ao lembrar. Ele estava impregnado em mim.
Tão presente. Durante cinco dias, ele não deixou meus pensamentos.
Durante cinco dias, eu tive o mesmo sonho com o homem que eu nunca
consigo ver o rosto.
Eu desejei voltar para Hedwyn pela primeira vez.
Cansada, peguei meu carro e dirigi sem rumo. Mas aqui estou eu,
em Burk, olhando os detalhes da lápide de Sarah, de pantufa, vestindo uma
calça de pijama que eu ganhei da minha ex-babá aos treze anos e um blusão
que falta pouco para chegar nos joelhos.
“Como você está? Está feliz? Aí é legal?”
Agacho próximo ao túmulo. As rosas vermelhas deixadas lá, se
destacam entre o amontoado de cimento sem vida.
“Me desculpe...”, minha voz sai junto com uma lágrima.
Deixo um cravo branco com ela antes de sair. Eu detesto essa flor,
seu cheiro e significado. Mas eu não vejo outra flor que represente meu
sentimento por ela neste momento.
Meu celular brilha no banco do passageiro. Uma notificação do
Instagram. Abro o aplicativo. Indo direto no direct, vejo uma mensagem do
meu irmão.

“Onde está?”

“Não tenho paciência para você agora”, respondo, e jogo o


celular de volta no banco.
Liguei o carro e sai, sem pressa alguma. ‘3AM’, de Janine, tocava
baixo. Sem rumo, não desejei voltar para Midran. Odeio me sentir perdida
como aquela garotinha de sete anos atrás. Eu achava que ela tinha morrido
no dia de coloquei os pés fora do país. Mas hoje, ela voltou para me
assombrar. Os anos passam, mas as dores continuam adormecidas em
algum lugar como um monstro preso no porão.
O celular vibra mais uma vez, mas eu apenas espio pela barra de
notificação.

“Você deveria vir nós encontrar”, Aiden retruca.

Eu ignoro. Ele continua insistindo. Mais notificações chegam de


uma vez só.
Pego o telefone pronta para desligar, mas vejo que as mensagens
não são dele, e sim de Mika, Eric e Will.
Desbloqueio a tela e começo a ler.

“Estou com saudade de você, baby. Seus livros servirão para


minha fogueira. Quantos minutos levará até que todo esse lugar seja
reduzido à cinzas? E o prédio, quantas horas? Tic-tac.”

Mika diz, e em seguida envia uma foto do meu apartamento.


Segurava um isqueiro próximo aos meus livros.
Minhas mãos congelam. Meus livros. Minhas coleções especiais de
arquitetura e design.
Oh meu Deus!

“Nós achamos muito excitante sua coleção de facas. Estou


curioso para saber como elas ficarão na pele dá próxima garota...”

Will envia uma foto ao lado das minhas facas.


Filhos da puta!
Aperto um volante. Medo e raiva me consumindo. Eles estão na
minha casa! Eles vão destruir tudo.
Então outra mensagem chega.
“Venha até nós, ou iremos destruir tudo que você mais gosta,
sua querida mamãe não é uma exceção, claro.”

Eric, sentado ao lado da minha mãe.

Frio corre minha espinha, me fazendo tremer.


Não, não, não. Minha mãe não! Ela não pode se defender. Ela mal
se aguenta em pé!
Agarro os cabelos pesados e molhados. Puxei com tanta força que
arranquei fios e mais fios.
Eles não vão me deixar em paz até eu me juntar a essa merda. Ele
não vai me deixar em paz.
Eu sei seus nomes, vi seus rostos, sei o que eles fizeram. Então por
que não têm medo? Eles se acham tão invencíveis assim?
Pego o celular e começo a digitar:

“Estou indo, deixe-a em paz!” digito para Eric.

“Você sabe aonde nos encontrar”, responde.

Soco o painel. Raiva fervilha em meus olhos. Ele brincou comigo


mais uma vez, e eu caí como um patinho.
Mas não vou facilitar. Eric quer brincar e eu sou o alvo da vez.
Pisei tudo, cortando a cidade e indo para aquele maldito lugar.
Depois que acordei no hospital, refiz todo trajeto que fizemos e
descobri onde estávamos, no celeiro. Entre a delegacia e a casa do prefeito.
A chuva havia ficado mais grossa. Caminhei, atravessando a
tempestade, água corria pelo corpo, resfriando minha mente. Lama espirra
no meu rosto e roupas quando piso nas poças sem dar a mínima para mais
nada. Entro no lugar, vejo os quatros homens lá.
“Estúpidos!” rosno, jorrando água como uma esponja.
Lama é a marca da minha maquiagem hoje.
Eles olham para mim, surpresos. Mika bufa, rindo
descontroladamente enquanto Will é mais discreto, só dá uma olhada e
arqueia as sobrancelhas com um sorrisinho no canto da boca.
“Precisa de um pente ou um lencinho?” Eric cospe.
E, sem pensar duas vezes, avanço nele, mas Aiden me segura.
“Me solte! Eu vou quebrar os dentes dele!” rosno, entre dentes,
esmurrando o braço do meu irmão.
“Você era mais controlada, Amber”, Eric joga de novo.
“Ela deve está no cio”, Mika provoca. “Ela sempre te chama de cão,
deve ser por isso. A cadela quer seu cão”, ele cospe.
Cretinos filhos da puta.
“Aiden me solte,” respiro fundo.
Eu não vim aqui para isso.
Aiden me solta.
“Me dê seu paletó”, eu peço.
Ele me olha, e sem dizer nenhuma palavra, tira e segura para mim.
Todos olham, esperando algum movimento. Eu começo tirando as pantufas,
depois abaixo as calças e, em seguida, tiro a camisa, jogo tudo no chão.
Fico apenas de calcinha e sutiã. Aiden me entrega o paletó azul marinho
com o rosto virado.
“Aaah, você estava pronta para resolver o mistério”, Mika finge
lamentar. E eu sei que ele está zoando minha camisa.
“Linda camisa, você não acha, Mika?” Eric se intromete.
Idiotas.
Viro para Aiden, “qual é o seu papel aqui? Não, deixa eu
adivinhar”, coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha e continuo. “Você
as algema e bate nelas com um chicote, acertei?” Arqueio uma sobrancelha.
Ele fica em silêncio.
Eu me movo. “É o seguinte, eu não tenho tempo”, abotoo os botões
enquanto caminho até o centro da rodinha deles.
“Eu sei que vocês estão torturando pessoas aqui. Eu sei que vocês
queriam alguma coisa da Sarah. Eu também sei que tinham mais duas
pessoas na biblioteca. Mas eu não sei quem matou a Sarah e por que vocês
estão fazendo tudo isso”, paro na frente deles, puxo todo meu cabelo para
cima e faço um coque. “Então sejam rápidos e expliquem.”
“Veja por si só”, Eric aponta para tela branca do outro lado, na
parede. Ele dá o play, e eu cruzo os braços ao ver um vídeo começar.
“Sério?”
Olho para ele, desinteressada no que fosse aquilo. Então, surge uma
mulher nua presa numa maca. A mão de um homem acaricia seu corpo. Ele
se aproxima, enfia a mão no abdômen dela e arranca um dos seus órgãos.
“Jesus... Quem é ele?” eu engasgo, sem consegui assimilar tudo de
uma vez.
“Nós estamos aqui por isso, esse é o motivo.”
Aiden é quem responde.
“Mas por que vocês estão torturando garotas, o que ganham com
isso? E, de onde se conhecem?”
Vou direto ao ponto. Eles não são melhores que aquele homem.
Também estão machucando pessoas.
Eric ri, mas eu não vejo o que é tão engraçado para ele agir como
um palhaço.
“Amber, nós fizemos isso para nos infiltrar na organização deles.
Eles precisavam achar que somos como eles.” Aiden aponta para imagem
pausada. “Garotas somem desde antes, você consegue lembrar disso?” ele
tenta me fazer lembrar.
“Sim, eu consigo me lembrar disso”, reflito, lembrando de que sete
anos atrás garotas começaram a desaparecer. “Ele é um seria killer. Todo
mundo sabe”, respondo uma pergunta
óbvia. “Mas o que vocês fazem não faz o menor sentido.”
“Não é só isso”, Aiden explica.
“Nós não estamos juntos nessa porque gostamos ou queríamos.
Todos nós estamos visando nossos próprios interesses”, Eric abre a boca.
“Meu pai me obrigou”, Mika salta do canto com a mão levantada.
“Ele me chantageou”, Will toma um gole da sua bebida.
“Ele?” questiono, intrigada.
Tem mais gente nessa?
“Logo você vai encontrá-lo”, Will suspira.
“Ele me deu essa missão”, Aiden diz, atrás de mim.
Eric fica em silêncio. Tomo iniciava e vou até ele.
“E você?” pergunto. Pairando próximo ao seu peito, encaro seus
olhos.
Ele ri, e então diz:
“Porque eu quero infernizar a vida do assassino da minha mãe.”
Eu paro de respira por um momento.
A mãe dele foi assassinada? E que sensação familiar é essa que
sinto quando estamos próximos?
Mais um passo, e estou sentindo sua respiração quente em mim.
“E quem é ele?” Minha boca cada vez mais próxima da sua.
Eric pinça meu queixo com o polegar.
“É o que nós dois iremos descobrir.”
“Eu não vou fazer parte disso”, digo, me afastando dele.
“Você já faz parte disso.” Eric pega o copo da mão de Will e toma
um gole.
“Eles querem você agora. Acho que você sabe demais.” Eles riem
entre si.
Entendo.
“Então vocês resolveram jogar toda merda no ventilador para me
sujar também. Assim, eu estaria presa nesse jogo de xadrez.” Rio,
percebendo como fui usada.
“Na verdade, você foi uma falha no nosso plano”, Will murmura.
“Você não é tão especial assim”, Mika joga, com um sorriso de
merda.
Eu risco o olhar para ele, furiosa.
Eu odeio esse garoto!
“Querendo ou não, nós fomos jogados aos lobos. E, agora, você
também faz parte da nossa alcateia. Você teve sua alma roubada pelo diabo,
pequena espiã”, Eric curva os lábios, satisfeito.
“Amber, eles querem você. Você não será capaz de se proteger
sozinha”, Aiden puxa meu braço.
“Como quando você me trancava em lugares escuros?” Puxo meu
braço com força. “Como quando você mandava seus seguranças me trazer à
força e me trancar naquele armário minúsculo e sujo?” Invado seu espaço
pessoal, empurrando o indicador na sua testa. “Ou quando você deixou o
papai fazer o que ele fez comigo? Você não tem direto de abrir a boca para
falar que eu não posso me proteger.” O encaro, com ódio seus olhos azuis.
Aiden segura meu dedo, ameaçando quebrá-lo.
“Eu não vou aturar mais nenhuma birra sua! Amber, você vai fazer
o que Eric mandar. Agora, cale-se.” A voz do meu irmão era fria e dura.
Joga meu braço longe.
Aiden tem o poder de dominar qualquer situação e pessoa quando
bem entende. Exceto por uma. Ele é manipulador como nosso pai. A única
diferença entre eles é que: eu sei onde não devo pisar. Esta é a linha, ele
manda e eu obedeço. Medo? Não. Aiden Brian Reese ainda é a porra do
meu irmão mais velho.
“Eu posso até aceitar participar dessa merda, mas esse cretino não
vai mandar em mim”, exijo.
Eu não posso simplesmente fazer tudo o que querem, eu já fui
assim. Esse erro eu não cometerei duas vezes. A verdade é que eu preciso
saber o que aconteceu com a Sarah, e tem aquela carta. Então já que fui
arrastada para isso, o que me resta agora é ir até o fim ao lado deles.
“Você precisa ser iniciada”, Mika esfrega as mãos uma na outra,
ansioso por algo.
“Iniciada?” franzo a testa.
“Sim, agora você faz parte de grupo, precisa ser iniciada”, ele
explica.
Tipo um trote?
“Boquete ou ménage?” dá as opções.
O quê?
“Cala a boca, Mika, você tá bêbado”, Eric resmunga.
“Quem chamou esse cara?” Aiden late.
“Boquete”, eu cruzo os braços na frente do peito.
Eles viram com os olhos arregalados, incrédulos.
“No dia em que eu capotar um carro e bater a cabeça, eu faço um
boquete no seu alfa”, faço beicinho, apontando para Eric.
Mika cai no riso, e engancha meu pescoço.
“Essa é das minhas!” afaga minha cabeça.
“Foi mal. Você sabe... o que aconteceu”, sussurra.
“Eu não vou te perdoar”, eu aviso.
“Não precisa.”
Eu não vou perdoar merda nenhuma. Porque eu estou indo direto
para o inferno, e o demônio que me espera lá também não vai ser bonzinho
comigo.
Eles nunca são.
12

Amber

Sete anos atrás

Solto o pincel na bandeja de tinta.


“Uhumm”, alongo os braços rígidos, depois de uma noite pintando.
Espio por cima do ombro, vejo minha xícara favorita em cima do
banquinho. Eu me estico até ela e despejo um pouco de café dentro. O
aroma marcante dos grãos finos flutua, e eu não contenho o sorrisinho feliz.
Eu amo café. Não entendo os lunáticos que não gostam.
A claridade tímida do amanhecer bate na tela, invade o sótão e
ilumina a pintura. O dia chegou num piscar de olhos.
Vejo a hora no relógio digital do meu celular, minha paz sendo
destruída imediatamente. Cinco da manhã. Meu pai e meu irmão estarão de
volta em duas ou três horas, se eu tiver sorte.

Meu irmão está acompanhando meu pai em uma reunião em


Midran. Ele está sendo treinado para ser seu sucessor na presidência das
empresas Reese.
Aiden é dois anos mais velho que eu, e me detesta. Não, ele me
odeia.
Trabalho rápido, arrumando minhas coisas antes que eles cheguem.
Desço as escadas correndo, passo pelo corredor escuro. Meus passos
rápidos enquanto prendo o cabelo num rabo de cavalo. Dobro a esquina,
passando pelo quarto da minha mãe, vejo a porta trancada, fico em dúvida
se bato ou não. Decido passar direto. Seguindo, escuto o motor do
Mercedes do meu pai. Puxo a cortina da janela próxima à porta do meu
quarto, os vejo atravessar os portões.
Droga. Eles voltaram mais cedo.
Meu pai pode estar à uma milha de distância, mas eu sempre vou
sentir pavor quando escutar o ronco do motor do seu carro. Quanto mais ele
está perto de casa, de mim, mais meu interior se revira, e o único lugar que
sobra é meu quarto. Meu refúgio. O único lugar que eles não entram.
“Ugh.”
Volto um passo, mas tomo coragem e agarro a maçaneta da porta e
abro. Mergulhando para dentro, tranco e corro para minha cama. Ouço
pisadas fortes do outro lado da porta, sinto o tremor nas minhas pernas, e eu
já sei quem é. Meu pai passa pelo corredor, e vai reto, direto para o seu
quarto, isolado no fim do corredor.
Desde sempre, meus pais dormem em quartos separados. Eles não
se casaram por amor, pelo menos não o meu pai. Ele não ama minha mãe,
ele nunca a amou.
Aiden diz que, depois do meu nascimento, minha mãe
surtou, e isso fez com que ele a rejeitasse por completo. Acontece que meu
irmão diz muitas coisas para me machucar, mas isso é verdade. Eu sei, eu
vejo.
Grace Reese era uma Neurocirurgiã impecável. Se casou com um
empresário multimilionário bem-sucedido de apenas trinta anos, o homem
que amava. Após um ano de casamento, deu à luz a Aiden. Mas sua união
era infeliz, então minha mãe passou a passar mais tempo no hospital, longe
do meu pai e dele.
Ela desmaiava algumas vezes, mas nunca deu indícios de que iria
surtar. Então, descobriu estar grávida mais uma vez. Aiden ficou mais
infeliz, porque nossa mãe mal estava em casa para cuidar dele e, então, de
repente, outro bebê estava à caminho, o deixando totalmente de lado.
Os meses foram passando e minha mãe começou a ter alguns
delírios e surtos, ela dizia que escutar vozes, – é o que os empregados da
casa sussurram por aí –. Em uma discussão dos dois, meu pai deixou
escapar que, aos oito meses de gestação, ela perfurou a barriga várias vezes
com um bisturi na frente do Aiden, tentando me tirar dela. Os médicos
tiveram que fazer meu parto naquele dia. Aiden nunca falou sobre isso, mas
eu sei que é verdade.
Então, desde do meu nascimento, eu vim para esse quarto ao lado
do meu pai. Isolada do resto da casa, e criada por Helena, minha babá.
Agora, eu tenho 15 anos e os médicos dizem que minha mãe
desenvolveu algum complexo por mim. Eles dizem que
ela pode estar obcecada ou sente culpa, por isso me persegue pela casa e
fica violenta quando não estou por perto.
Eu não entendo, porque, no fundo, parece que ela apenas faz de
tudo para continuar não me aceitando.
Eu me arrasto até o banheiro, tiro o macacão jeans sujo de tinta,
ligo o chuveiro e tomo uma ducha, sem poupar meu cabelo. Aproveito e
escovo os dentes ali mesmo no box.
Hoje é meu último dia de aula. Eu estarei indo estudar no Hoover
Sun em poucos meses, o que não me deixa nem um pouco feliz. Aiden
estuda lá, e é a única escola da cidade. Eu não vou suportar ter que viver na
mesma casa e estudar na mesma escola.
Visto minha meia calça preta e a saia, parte do meu uniforme. Dois
toques estremece a porta.
“Amber, rápido, eu vou te levar”, Aiden avisa.
Meu semblante muda de cor.
O quê? Nem ferrando. Eu não vou ficar uma hora no mesmo carro
que ele, não mesmo.
“Eu não vou”, aviso.
“O quê?” sua voz engrossa. “Você vai sim!” ele grita.
Eu estremeço. Fechando os olhos, me agacho atrás da cama.
“Estou com dor.”
Como se ele se importasse com isso, idiota.
“Abra a porta”, exige. “O que você está escondendo? Abra a porra
da porta, Amber!” Ele soca a madeira.
Meu estômago revira, abraço minhas pernas contra o peito, prendo
a respiração. Soluços entalados na minha
garganta. Olho para a janela de vidro fechada pronta para me jogar nela.
Não vai doer tanto quanto ficar naquela escuridão sufocante.
“Cale-se, Aiden.”
É a voz do meu pai.
“Você tem coisas mais importantes para resolver, deixe-a ai.”
Meu peito cai, lágrimas escorrem mais uma vez, e ainda nem são
sete da manhã.
Depois que eles saem e o corredor fica silencioso novamente, eu me
levanto, visto uma camisa polo azul marinho e pego minha mochila,
destranco a porta e saio de fininho.
Pulo o muro e me enfio mata adentro até o cemitério. Caminho
pelos túmulos. Paro, vendo um enterro mais à frente. Agarro a alça da bolsa
contra o peito, e vou para o lado oposto.
Sento ao lado da lápide de Emma Morris, uma arquiteta famosa por
reconstruir a torre da igreja e a bela mansão dos Morris. Eu adoro a forma
única de como ela desenhou seus projetos. É como se sua alma estivesse em
cada construção. Eu queria ter tido a oportunidade de trabalhar com ela,
mas infelizmente, ela morreu durante o parto, Mika é o nome dele, se não
me engano.
“Você aqui de novo garotinha?”
Olho para trás, vejo o Sr. Vincent Jones, o coveiro, escorado numa
pá gigante.
“Os mortos são a melhor companhia, Vincent”, pisco para ele.
“Você sempre diz isso”, suspira.
Vincent mora aqui e já enterrou mais da metade dos velhos da
cidade que tinham a mesma idade que ele. É melhor tê-lo como aliado.
“O que aconteceu com o seu braço?” ele questiona, apontando.
Eu sigo seu dedo, encaro a mancha roxa.
“Ah, isso... É tinta.”
Não, isso não é tinta.
“Venha comigo”, ele se vira, anda em direção da pequena casa no
fim do cemitério.
“Sente”, aponta para cadeira de ferro na varanda e entra na casa.
Escuto barulhos de panelas caindo, e uns instantes depois, Vincent
volta com um bule.
“Tome um pouco de chá.”
O senhor serve uma xícara.
“Eu estou morta? Por acaso, esse chá vai me fazer esquecer tudo
sobre esta vida?” brinco, e ele me repreende com o olhar.
Eu não tenho amigos, meu irmão cuidou para que isso acontecesse.
Eu nem ligo, para ser sincera. Cresci assim, e não tenho pena de mim por
isso. Mas, confesso que gosto de conversar com o senhor coveiro, talvez, se
eu for boa para ele, o velho me enterre perto da Sra. Emma.
Sai pelo portão aos invés de voltar pela mata. Está escurecendo, e
eu quero ver o Hollow Aberto.
Subo o pequeno morro, e me escoro em uma árvore. Vir aqui é um
passatempo, mas também faz parte de um projeto de
design que eu quero montar e mandar para a universidade de Midran.
Garotas com uniformes saem de todos os buracos. Caras, com suas
jaquetas do time de futebol, correm e se abraçam, zoam os nerds e riem.
Motores estrondam à minha
Direita, e eu espio, vendo alguns caras saírem do estacionamento enquanto
uma Mercedes classe G com as janelas fechadas para de qualquer jeito. Um
dos cara salta, e meu coração congela. Fito Aiden vir em minha direção.
“Sua pequena mentirosa.”
Meu irmão avança e puxa meu braço.
“Me solte”, eu peço, segurando sua outra mão. “Por favor... Eu já
estava indo”, tento me afastar.
“Sim, você está indo”, ele faz sinal com a mão, e Riley, seu
segurança, se aproxima.
“Não Aiden!” eu rosno, com raiva ao invés de medo.
“Leve-a!” ele grita ao ordenar.
Filho da puta!
“Me solte, Riley! Agora!” exijo.
Empurro o peito dele, mas ele nem se move. Riley me joga no
banco de trás, seus cabelos loiros caiem sobre as têmporas. Ele dá volta e
entra no carro, liga o motor e toca para fora dali.
“Ele sabia que eu estava aqui?” pergunto, entre dentes.
“Sim, Srta.”, o homem responde, sem hesitar.
“Como?” Olho para o retrovisor, e encontro seus olhos azuis.
“Ele a conhece bem.”
Riley é dois anos mais velho que Aiden, e sua tarefa é apenas uma:
me trancar no sótão do quarto de Aiden quando eu faço algo que não gosta.
Aiden não fica satisfeito com nada que eu faço. Eu não o culpo, ele está
nesse emprego fodido porque precisa de dinheiro para faculdade. E ele
nunca me bateu – diferente dos antigos. Sim, foram vários ao longo dos
anos – Riley foi o menos escroto.
“Me desculpe, Srta.”
A voz de Riley sai baixa, então ele puxa meu braço e me arrasta
pelos fundos da casa. Nós subimos os degraus até o quarto do meu irmão.
Ele abre uma pequena porta entre uma estante e a parede. Eu vejo a
escuridão e meu corpo fraqueja. Angústia. Ele sobe um degrau e me puxa
junto. O espaço é pequeno, escuro e úmido.
Não me deixe aqui.
“Riley, por favor...” eu choramingo.
“Me desculpe.”
A voz embargada de Riley faz meu coração se despedaçar em mil
pedaços.
Não, por favor. Eu tenho medo do escuro. Não vá!
Ele pega minha mochila e celular e sai, me deixando sozinha.
Muito tempo após, uma pancada faz meu ouvido zumbir. Aiden
chuta novamente.
“Não minta mais para mim.”
Ele puxa meu cabelo e me dá um tapa.
“Não minta para mim!” ele grita no meu ouvido.
Eu não reajo.
Sim, eu não vou mais mentir para você. Um dia eu vou enfiar uma
faca bem na sua jugular, aí, nós vamos ver quem é mais forte.
Eu vou crescer, irmãozinho.
E as lágrimas escorrem mais uma vez, mas agora, são sete da noite.
13

Eric

Presente

Amber atravessou a entrada da boate com uma pulseira Vip presa


no pulso e uma lata de energético na mão. Usando uma blusa gola alta que
marcava as curvas dos seus seios volumosos, ela sorrir quando os homens
abrem caminho para ela. Sua saia de couro bem curta sobe a cada passo,
arriscando mostrar a bela bunda, se não fosse pela meia calça preta como
uma segunda pele. As botas até a altura dos joelhos à deixa ainda mais sexy.
Os saltos finos pisam confiante, e as pontas dos cabelos, presos
num rabo de cavalo, roçam a curvatura da sua coluna. Meu pau reage ao
estímulo, e a calça fica apertada. Tomo uma dose de whisky. Estudo ela
desfilar pela pista com aquele corpo sensual.
Ela entra na multidão, e logo se destaca. Todos olham em sua
direção. Desviando de alguns caras, vai até o bar. O barman solta um
sorrisinho nojento, e ela o cumprimenta. Se curvando sobre o balcão,
inclina-se, e procura algo. Os homens ao redor olham para sua bunda
redonda, e eu contraio o

maxilar, fecho as mãos em punhos. Ela coloca os saltos de volta ao chão, e


vira com uma garrafa de Gin e rodelas limão nas mãos. Amber olha para
eles como uma águia. Sabe o poder que aquele corpo tem. Não vai faz
nenhum esforço para se esconder, e nem precisa.
Diaba.
Mika se inclina sobre grade, e liga um sinalizador de LED
vermelho. Ele chacoalha a luz para lá e para cá.
“Ele está drogado de novo?”
Aiden suspira pesado ao meu lado esquerdo.
Amber levanta a cabeça e toma um gole da bebida direto da boca da
garrafa. Mika curva os lábios num sorriso malicioso. Ela move os saltos,
pisando confiante e sensual. Eu jogo os braços nas costas do sofá de couro,
apreciando sua ousadia. Até quando ela vai levar esse teatrinho?
Ela contorna o espaço, e meus olhos a seguem. Segura o corrimão,
sobe, lentamente, degrau por degrau até o espaço Vip. Mika volta para o seu
lugar à minha direta. Will está sentado em frete com as pernas estiradas e os
calcanhares cruzados, cabeça no encosto do sofá e olhos fechados. E Aiden
está sozinho na minha esquerda.
“Thomas Davis. Era ele que estava na biblioteca, mas vocês já
sabem disso”, Amber fala, passando por nós e indo sentar sua bunda ao lado
de Will.
“Sim, nós sabemos”, eu respondo.
Pego meu copo bebo mais uma dose.
“Tinha mais alguém lá”, Mika informa.
“Quem?” Amber olha para ele.
“Não sei”, ele dá os ombros.
“Thomas estava lá, isso faz dele um suspeito. Mas tinha outra
pessoa lá, também”, interrompo. “O que torna tudo mais difícil.” Devolvo o
copo a mesa.
“E se não foi Thomas? Ele pode ter ido apenas levar a irmã”,
Amber diz.
“Nem tudo é o que parece”, Aiden retruca e encara a irmã.
Amber bufa.
“Tem razão. Meu irmão faria isso, ele também pode ter feito”,
cospe.
E todos ficamos em silêncio.
“Thomas é nossa melhor pista”, continuo. “Nós só vamos saber a
verdade se chegarmos nele.” Cruzo as pernas.
Amber ri.
“Esse é o seu plano, ir atrás de alguém sem nenhuma prova?”
balança a cabeça em negação, com um sorriso de merda na cara.
Eu coloco os cotovelos nos joelhos..
“Você mesma disse que Thomas estava lá. De qual outra prova você
precisa?”
Encaro cada um. Aiden concorda com a cabeça, Mika também, Will
continua com os olhos fechados e Amber me encara, porque sabe que esta
disputa ela perdeu.
Mika e Will não têm interesse em nada disso, eles só estão aqui
porque foram enviados para nos ajudar. Aiden, eu e
Amber fomos arrastados para isso com propósitos reais.
“Seu chefe não sabe?” Amber debocha.
“Ele não precisa. É nossa responsabilidade”, retruco.
“Eu achei que canalhas não tinham caráter”, rebate.
Ela cruza as pernas e minha virilha dói.
Garota mau criada. Ah, como eu queria agarrar esse pescocinho e
jogá-la em cima dessa mesa, e ensiná-la que não pode desfilar por aí com
algo que me pertence. Que não pode me olhar com esses olhos e sair ilesa.
Sinto o calor se acumular. A pressão prestes a me fazer explodir e
voar em cima dela. E foda-se seu irmão, pai e essa vingança de merda.
“Então, qual o plano?” pergunta, colocando a mão na coxa.
“Vamos para Burk”, aviso.
Eu fiquei surpreso quando ele me contou o plano, mas agora, parece
ser a melhor opção. Eu não posso dizer tudo a eles. Isso vai ser um grande
festival de merda, especialmente quando Amber descobrir.
Seis horas depois. Aiden olhou para o relógio.
“Ela está atrasada”, reclama, impaciente.
Olho pele retrovisor, vejo Will, sempre indecifrável, falando ao
celular e Mika apagado ao lado, depois da noitada com mulheres.
A porta do passageiro abre, Amber lança um olhar irredutível para o
irmão.
“Eu não vou atrás. Saia”, ela ordena.
“Não”, Aiden nem discute.
“Eu vou sentada no seu colo, mais eu vou aí!”
Ela joga o corpo para dentro, bate a porta com força e
se amontoa no colo do irmão. Aiden rosna.
Eu desço, e abro o porta-malas. Passo por Will, que agora está
brincando com uma aliança de prata entre os dedos e encarando as costas de
Amber. Abro a porta da cabine, a pego pelas pernas e jogo no ombro.
Amber esperneia e bate nas minhas costas.
“Fique quieta!” ordeno, mas ela continua.
Dou um tapa forte em sua bunda, ela estremece sobre meu ombro.
Agarro suas coxas e a lanço no porta-malas que cai de bunda, geme.
“Se não quer se misturar, então vá no assento especial.”
Amber rosna, pronta para rasgar minha cara.
“Aproveite a viagem, princesa.” Empurro a porta, trancando na cara
dela.
“Eu não sou uma princesa!” grita, e eu bufo.
Têm coisas que não mudam, nem fingindo.
Amber bate no vidro, grita e soca o banco, fazendo Mika despertar
sem entender nada. Ele olha assustado, procurando de onde veio o golpe e
os gritos, seus olhos vermelhos e pequenos.
“Gabi?” ele pregunta, ainda desorientado.
“Cara, você precisa se tratar”, Aiden resmunga do meu lado.
“Não”, falo, vendo Mika esfregar os olhos. “Essa é outra vadia”,
digo, olhando para Aiden, agora.
Will ri atrás dele.
“Wowww”, Mika trabalha rápido, colocando mais fogo na fogueira.
As mãos de Aiden se fecham em punhos e ele me fuzila com o olhar.
Oh, parece que o irmãozinho ainda não superou sua possessividade
doentia. Ele pode fazer o que bem entende com ela, mas, se qualquer outra
pessoa ousar tocá-la, ele perde sua pose de fodão. Aiden fodido.
Mika atravessa entre nós e quebra nosso contato visual. Liga o
aparelho de som e conecta o celular. Eu olho para ele, vejo entrar em suas
playlists. Navega, até que, ‘Superman’ de Eminem, se espalha na cabine.
II move as mãos, fazendo gestos iguais aos dos rappers, e pula de
volta para seu lugar, atrás do meu banco. Movendo o corpo de um lado para
o outro enquanto a voz de Amber sessa, engolida pela música.
Atravessei o túnel. Passo pela residência Brid, complemente vazia,
tomada pelo luto. Toco pela praça, subo a serra, e passo direto pelos portões
da casa dos Reese, dirigindo morro acima, para mansão dos Morris.
Paro.
“Ela ficará com você, Mika”, falo, capturando os olhos de Will pelo
retrovisor.
II Agarra meu banco.
“Eu? Por quê?” pergunta, meio indignado.
“Porquê você não vai deixá-la fugir, e sabe por quê?” pergunto, mas
não espero uma resposta. Puxo a nuca dele para mim, sua bochecha na
minha.
“Porque ela não é Gabi. Ela é Amber. E é minha, entendeu?” Eu
falo enquanto nós dois olhamos para frente.
Abro o porta-malas, Amber me lança uma carranca – me admira ela
não tenha lançado suas faca – Fios soltos do cabelo caem no rosto, e ela
parece cansada enquanto segura a bolsa entre o peito e as pernas dobras.
Ela joga os pés para fora como uma besta raivosa, e sai.
“Por que paramos aqui?” Olha para mansão impecável.
“Você vai ficar com Mika.”
Bato a porta enquanto Mika sai por outra.
“Nem fodendo que eu vou ficar com esse cara”, Amber olha com
desprezo para o rapaz.
Mika nem se dá ao trabalho de discutir, puxa a bolsa da mão dela e
sai, indo para os portes de ferro. Ele joga a bolsa por cima do ombro.
“A casa dos meus pais é melhor que a dos seus. Eu entendo o
constrangimento, mas se esforce para não ser mais humilhante. Eu quase
me sinto mal por nascer na família mais rica do estado”, finge preocupação.
Prendo os lábios, segurando a risada. Fodido Mika.
Amber bate o pé e começa a marchar até ele.
“Idiota”, ela rosna.
Mika George Morris II é herdeiro de uma puta herança. Sua mãe era
uma arquiteta brilhante. Seu pai é um promotor
muito influente em todo o estado e vem de uma linhagem de joalheiros
muito famosos e respeitados. Eles não lidam apenas com as joias, mas
também a extração das pedras e a fabricação dessas peças.
Por algum motivo, Amber não quis criar uma confusão com ele
hoje.
De volta a estrada, passamos pela linda mansão dos Greene. Todos
se mudaram para fora do país, exceto por gabi que vem uma vez por mês à
cidade para cuidar da propriedade. A casa é bem cuidada, mesmo sem
moradores.
Entramos na pista escura cercada por matas de um lado ao outro. As
luzes brilham, e a última casa risca no horizonte.
A residência McBride.
Passo pelos portões e estaciono próximo à piscina. Ninguém vive
nesse lugar além do meu pai, mas hoje, ele está fora da cidade, e passará
uma semana longe.
Tirei um bolo de chaves. Começo a vasculhar, procurando a chave
certa. Enfio a menor de todas na fechadura dou duas voltas, um lado da
porta dupla abre, e eu entro. Aiden e Will me seguem pela sala. Aponto para
a cozinha separada da sala de jantar por uma parede de vidro.
“Deve ter comida na geladeira, procurem e preparem a mesa, eu já
volto.”
A senhora Olga deve ter preparado comida caso eu aparecesse de
surpresa e ela não estivesse aqui.
Subo as escadas e eles tocam casa adentro. Paro na frente do quarto
dos meus pais, forço a maçaneta, mas não abre. Penteio o cabelo e viro à
esquerda, ando pelo corredor
iluminado por um lustre com pingentes de cristais pendurados nas pontas.
Entro no meu quarto limpo e do mesmo jeito que eu deixei. Abro a gaveta e
pego uma camisa cinza. Tiro minha roupa social e substituo por uma calça
de moletom e camisa.
Olho para mesa de cabeceira, fito uma foto da minha mãe sorrindo
comigo nos braços. Meus olhos ardem, e eu volto para o passado quando eu
ainda era o bebê da mamãe, a criança feliz e inocente que não sabia o quão
podre as pessoas poderiam ser, o que elas fazem e dizem.
“Eric. Eric! O que você quer ser quando crescer?” minha mãe
acaricia minha cabeça enquanto eu só quero correr pela grama.
“Eu quero ser um pássaro”, eu pulo e corro com os braços
esticados como as asas de um pássaro.
“Por que um pássaro? Você vai deixar a mamãe aqui na terra,
sozinha?”
Eu viro, e vejo minha mãe, uma adulta fazendo beicinho. Eu corro
de volta para os seus braços, e digo enquanto acaricio seu rosto:
“É claro que não, você irá nas minhas asas para onde eu for.”
Ela dá um sorrio doce e beija meu rosto.
“Eu te amo Eric.” Lágrimas escorrem.
Você deveria ter me dito que eu nunca poderia ser um pássaro e que
eu nunca iria poder te levar comigo. Eu não fui capaz de levar ninguém,
nem a mulher da minha vida.
Deito o porta-retrato e saio.
Entro na cozinha. Vejo Aiden com a boca suja, atacando um
sanduíche com pasta de abacate enquanto Will veste um avental rosa e frita
salsichas.
“Mika iria adorar ver essa cena.”
Ponho a mão na boca, estudo o caos por tudo lugar.
“Você nos chamou para uma boate e não comparou nada para
comermos, e depois nos arrastou para cá antes do café”, Aiden para, e
engole seco o sanduíche, quase entala. “ E ficamos na estrada por quase
duas horas, porque você é lento. Nós estamos com fome!” Ele vira um copo
grande de suco enquanto migalhas de pão esfarelam na mesa.
“Vocês têm tanto dinheiro quanto eu, porque não compararam sua
própria comida se estavam com fome?” eu bato as mãos na mesa.
“Porque você é o líder!” Aiden grita e resto de comida com saliva
voa.
“Uau, é isso que eles querem dizer quando falam para
não mexer com um animal enquanto ele se alimenta?”
Endireito a coluna, ponho a mão na boca, faço cara de choque. Ele
rosna, e joga uma fatia de pão.
Eu também estou com fome, no entanto.
Circulo a ilha. O cheiro da comida fica mais intenso quando me
aproximo de Will, e minha barriga roncar. Aiden vira para trás com a cara
de quem acabou de dar uma lição na maior vadia da escola, vitorioso,
enquanto Will tenta esconder a cara de ‘bem feito.’
Me sento numa banqueta do lado esquerdo de Aiden. Ponho leite no
copo, pego duas fatias de pão e passo pasta de amendoim.
“Não tinha comida preparada na geladeira?” pergunto, olhando para
o amontoado de comida na ilha.
“Não.”
Quem responde é Will.
Meu pai deve ter pedido para a senhora Olga não deixar nada
pronto. Bom, eu mal venho aqui, e quando venho, não passo mais de uma
ou duas horas, e são raras às vezes que como.
Will serve as salsichas e nos acompanha na refeição.
“Mika vai conseguir vigiar a Amber?” ele pergunta.
“Duvido”, Aiden responde. “Ninguém segura aquela garota.” Ele
balança a cabeça, convicto.
Veremos, Aiden, veremos.
“Eric, seu celular está tocando”, Will aponta com uma faca de cerra
para o aparelho enquanto coloca um pedaço de presunto no sanduíche. Eu
me curvo sobre a ilha e pego meu celular. Coloco na orelha, giro a cabeça e
encontro o sorriso de Aiden.
“O quê?” pergunto, tentando permanece calmo.
“Ela fugiu”, Mika fala.
Aiden bufa.
“Mika, não faz nem duas horas que nós deixamos vocês, e você está
me dizendo que ela fugiu, é isso?”
Me levanto, passo pela lateral da ilha, abro a porta e saio, indo para
o jardim. Pingos finos de chuva faz minha pele arrepiar.
“Ela pulou pela janela. Eu não fazia ideia de que ela iria pular do
segundo andar. São quase cinco metros”, Mika se
apressa em explicar, sua voz nervosa. Ele respira fundo, e depois eu ouço o
barulho de vidro quebrar.
Ele tinha que ter tido mais atenção, ela é escorregadia e sabe se
mover. Ela é nossa isca, então é bom que se mostre, mas eu não posso
deixar que faça o quiser e caía nas mãos erradas.
Porra, Amber.
Caminho pela borda da piscina segurando o celular firme próximo
ao ouvido, escuto a respiração de Mika ir acalmando enquanto a minha
também segue o ritmo. A chuva faz meus cabelos escorrerem pela testa.
Inspiro todo ar que meus pulmões conseguem e digo:
“Onde ela está?” Tento manter a voz calma.
Mika fica em silêncio, mas depois responde:
“Ela deve ter ido para Hoover Sun. Vai ter uma partida de basquete
com os estudantes de Midran. Ela ouviu minha conversa com Luka”, ele
suspira, cansado.
“Nos encontre lá.” Desligo.
Cruzo os braços na frente do peito, vendo meu reflexo borrado na
água. As gotas caem mais forte e eu respiro fundo,
tentando permanece firme. Como ela não consegue fazer algo tão simples?
E, ainda foi para o lugar mais provável que um ex-capitão do time de
basquete iria estar.
“Vamos, agora.”
Entro na casa, batendo a porta. Virei à esquerda. Indo para o quarto,
troco as roupas molhadas e saio. Pego as chaves do Mustang e passo pela
entrada, vou para o jardim. Jogo a chave do Mercedes para Will.
“Você dirige.”
Pego a mochila atrás do banco do motorista.
“E você,” sinalizo para Aiden. “Vai com ele.”
Vou até à garagem, entro no meu carro. Will sai, e eu o sigo,
tocando para fora.
Nós atravessarmos o gramado, indo para a quadra aberta ao leste.
Thomas deve está em algum lugar, sendo o babaca de sempre. Passando
pela entrada principal, vemos as arquibancadas lotadas, divididas entre a
cor azul de Hoover Sun e vermelha do time de Tryler Bay.
Líderes de torcidas cantam e dançam. Elas jogam seus pompons
para cima enquanto saltam de um lado para o outro. O time do colégio de
Midran se aquece na quadra enquanto os garotos do Hoover uivam e
ovacionam uns aos outros.
Será como achar uma agulha no palheiro. Lembro que ela esteve
aqui sete anos atrás. Amber sempre sentava no mesmo lugar, no centro da
arquibancada, do outro lado da quadra. Era lá que ela estava no nosso
primeiro jogo da temporada como veteranos.
Procuro entre o mar de pessoas, umas em pé, segurando faixas e
agitando as mãos, outras com celulares a câmaras, tirando fotos dos
jogadores bronzeados sem camisas. Entre um
espaço e outro, consigo capturar os olhos radiantes dela. Raios de sol do fim
de tarde iluminam seu sorriso. Ela trocou de roupa, agora está vestindo um
short branco, sandálias de salto baixo e uma blusa de líder de torcida. O
cabelo preso no topo da cabeça com duas marias-chiquinhas e o resto solto.
Mas que diabos. Por que ela está vestida assim?
Olho para ela com o olhar de ‘eu te achei baby.’ E ela retribui,
me chamando com o indicar. Trabalho desviando dos torcedores e
jogadores na beira da quadra. Olho para minha
direita, vejo Thomas no último banco com uma garota sentada em seu colo.
As pessoas começam a se afastarem quando nos aproximamos. Eu
paro em pé na frente de Amber enquanto Mika senta na sua direta e Will na
esquerda.
“Vocês devem ter uma péssima fama...” Amber finge refletir.
“Você tem merda na cabeça?” enfio o dedo na minha têmpora.
Suspiro para não dar uma lição nela aqui na frente de todos.
“Não”, a diaba se faz de inocente.
A partida começa e ela bate nas minhas pernas, pedindo para que
saia da frente. Will afasta e eu me sento em seu lugar. Amber firma os dois
pés e coloca os cotovelos nos joelhos.
Luke, capitão do nosso time, faz uma cesta de três pontos. Hoover
está ganhando.
“Me sinto tããããoooo segura com meus homens de preto.”
Amber engancha o braço no pescoço de Mika.
“Então, eu sou muitooo fã da sua mãe. Eu ia visita-la todos os dias.
A senhora Emma era minha companheira, ou eu era a dela?” Amber ri.
Os olhos de Mika arregalam em confusão com a confissão
repentina.
Alguém faz mais uma cesta, mas nenhum de nós presta atenção,
todos estamos olhando para ela.
“Eu odeio vocês.” Soca o banco e começa chorar.
Todos ficamos paralisados.
Por que ela está agindo assim?
E, por um momento, eu vi aquela garota sentada na frente de uma
tela, suja de tinta em uma sala sozinha sentindo a brisa fresca da primavera
enquanto algo toca nos seus fones. A garota assustada no armário. Mas tudo
se quebra quando eu lembro do dia que ela fugiu de mim, de nós.
Amber começa a rir e eu volto a respirar.
Que porra?
Ela começa arranhar o pulso com as unhas, como se tivesse com
uma alergia.
Eu agarro as suas mãos.
“Pare, agora”, falo duro.
Por quê? Ela parece diferente. Olho em seus olhos. O copo vazio
nos seus pés...
Filho da puta fodido! Ela foi drogada.
Amber amolece nos meus braços, eu a agarro pela cintura e a puxo
para meu peito. Sua cabeça se aninha sob meu queixo. Inalo o cheiro fresco
do cabelo dela. Meu coração bate há mais de mil quilómetros por hora.
Arrasto suas pernas, trazendo-as para meu colo. Ela geme e passa os braços
em
volta da minha cintura, afaga meu peito até achar uma posição,
e permanece nela, quieta e calma, como um bebê no colo dos pais.
Engulo com dificuldade. Há poucos minutos, eu queria feri-la,
queira fazê-la sofrer. Eu iria entrega-la para os lobos só para vê-la implorar
para que eu ficasse do seu lado, e não a abandonasse. Mas agora, eu não sei
o que fazer com isso.
Meu Deus, ela parece tão pequena nos meus braços. Ela sempre foi
assim? Sim, sempre foi, mas ela se tornou tão gigante ao ponto de ninguém
conseguir enxergar sua verdadeira face sem os muros que ergueu. Nem eu.
O dia se foi, uivos e gritos fortes explodiam no ar, palmas e mais
festa, os torcedores eufóricos. Levanto, pessoas abrem espaço, e nos olham
quando passo pelo centro da quadrar carregando Amber nos braços. Os
caras me seguem. Viro no corredor, vejo Thomas indo para piscina. Entrego
Amber para Will.
“Vá para o carro.”
Ele concorda e sai. Aiden, Mika e eu vamos atrás de Thomas.
Passamos pela entrada e seguimos pelas arquibancadas de concreto.
Estudantes nadam nas arraias e outras estão sentadas na beira da piscina,
conversando com os caras do terceiro ano. Nada de Thomas.
“Mika, vá para os vestiários. E Aiden, cheque a porta lateral de
saída”, oriento meus garotos. “Vão.”
Eles saem.
Ele entrou aqui, eu tenho certeza. Então por que não está aqui?
Não faz sentido... Por que ele drogaria a Amber sabendo que ela
não estaria sozinha? Uma distração?
Claro. Por que eu não pensei nisso antes, porra!
Corro o mais rápido que minhas pernas podem, puxo a porta lateral
e saio em disparate pelo corredor até a área externa. Pulo os canteiros de
flores, e vejo Aiden correr atrás se mim.
“Ele foi atrás da Amber!” grito, por cima do ombro.
“Filho da puta!” Aiden range os dentes.
Descendo a colina, derrapo na grama, atravesso o asfalto, e
contorno os bancos e mesas de madeira, viro a esquerda e pulo direto na
pista de corrida. Corto caminho pelo campo e entro em um dos
estacionamento. Passo pela traseira do Audi, viro e puxo a porta do Classe
G. Nada, vazio. Giro, indo para o lado do motorista, mas paro ao ver Will
apagado no chão. Seu nariz e boca sangrando.
Porra. Ele a levou.
Chuto a porta e dou socos até meus dedos sangrarem.
Porra! Ele levou ela! Fodido Thomas. Não era para ser assim.
Aiden nos alcança.
“Ele a levou”, eu rosno enquanto agarro um tufo de cabelo.
“Cuide do Will, e...”
“Filho da puta!”
Um grito rasga no ar antes que eu pudesse terminar.
Eu fico em alerta, um arrepio corta minha pele. Uma fina cada de
suor se forma quando eu giro a cabeça e vejo Amber correr morro a cima.
Ela sobe os degraus e atravessa a entrada principal da escola, sumindo.
Giro os calcanhares, e corro tão rápido quanto antes. Entro na
escola vazia. Disparo pelo corredor, paro um instante
sem saber se vou pela direta ou esquerda. Escolho o caminho para o quarto
andar. Subo três lances de escada e escuto Amber grita mais uma vez.
Chuto a porra da porta. Viro a esquerda.
Passando pelo laboratório de química, pego um tubo de ensaio e pinças.
Toco para fora, para a última sala, de onde vinham mais gritos.
Entro na sala, e encontro os dois lutando no chão, Thomas em cima
de Amber enquanto ela chuta o ar, tentando se soltar. Eu aperto o tubo e voo
em cima dele, quebrando o vidro em sua nuca. Thomas cambaleia e eu puxo
Amber debaixo dele.
Ele se ergue de novo, lança um soco em mim. Eu sinto o gosto de
ferro. Cuspo o sangue e avanço, jogando os punhos nele. Agarro a gola da
sua camisa, o jogo contra a na lousa, enfio a pinça no seu ombro e ele se
contorce de dor. Sem dar tempo para que reagisse, o arremesso em cima das
cadeiras, monto nele, distribuindo mais socos. Ele rola para o lado, me
derrubando no chão. Inverte as posições e começa contra-atacar.
Ele esmurra meu nariz, eu sinto o zumbido eletrizante correr dos
meus ouvidos ao cérebro. Respiro pela boca, a dor é insuportável. Eu tusso,
sangue entrando nos pulmões. Thomas lança mais um soco. Eu sinto minha
consciência indo embora.
Ele agarra meu pescoço, os pés sem tocar o chão. Me leva para
janela e coloca minha cabeça para fora.
“É alto aqui, você não acha?” ri, seus dentes cheios de sangue. Ele
aperta meu pescoço, prestes a me estrangular.
“F-foi você que matou a Sarah.”
Engasgo com meu próprio sangue.
Ele aperta mais forte.
“Ah, aquilo”, diz, fingindo estar pensativo. “Ela era uma cadela,
não merecia carregar o sobrenome Brid.” Ri
“Você matou sua irmã por inveja? Isso é tão patético Davis.”
Seu sorriso de merda some. Ele joga minha cabeça para fora, pronto
para terminar o que começou.
“Sim, eu matei ela!” diz, com orgulho. “E sua namoradinha será a
próxima”, sussurra. “A vadia da Amber Reese está na lista há muito tempo,
porém, tivemos outras prioridades.”
Eu mal respiro.
Onde Amber está?
Eu não consiga vê-la.
Ela conseguiu fugir?
Eu não tenho certeza se eu quero morrer assim, pelas mãos desse
lixo. Eu não quero morrer. Eu não quero morrer, sem antes dá uma lição na
minha pequena espiã. Droga, eu não quero morrer!
“Como era o nome da sua mãe?” ele pergunta.
Eu ofego.
“Liz... Drogas, hein. Ela era a prioridade,” gargalha.
“Filho da put...” ofego.
“Como se sente ao saber que sua mãe morreu no lugar da sua
putinha?”
Uma sombra aparece atrás de Thomas, ela levanta o braço e enterra
o punhal no pescoço dele. Ele engasga e prende a respiração. Thomas gira a
cabeça e encontra os olhos âmbar de Amber, e começa a perder as forças.
Amber se move rápido
e segura minha mão, me puxando para dentro. Ela puxa o punhal e joga
Thomas pela janela.
Amber cai sentada sob o batente da janela, ela ofega e arfa pela
boca como se não conseguisse respirar. Enfia as mãos no cabelo e puxa os
fios para baixo. Eu me arrasto até ela, seguro suas mãos, mas ela começa a
gritar e se afastar de mim.
“Se você me odeia tanto, então por que me salvou? Por que não me
deixou morrer? Você é a mesma vadia de sete anos atrás!” eu grito,
deixando sair toda merda.
“Você prefere cortar ao invés de curar. Você quis me jogar na prisão
e fugiu!” esbravejo a encurralando contra parede, ela chora e treme.
Seu rosto começa a ficar roxo e ela já não consegue mais se mover.
Eu paro.
Alguém entra entre nós e me puxa para longe. Aiden voa por cima
das cadeiras, e correr ao encontro da irmã. Ele agarra Amber e coloca a mão
no peito dela.
“Amber. Amber. Fique comigo, ok?”
A voz dele é tranquila e gentil. Sem nenhum sentimento
corrompido. Sem fúria. Calmo como águas pacíficas.
Amber soluça e chora.
“Você consegue respirar. A culpa não é sua.” Ele segura o rosto
dela.
“Eu ainda tenho medo deles, eles ainda estão com você?” Aiden
insiste em falar com ela.
Amber balança a cabeça em sim.
“Então volte a respirar.”
Ela balança a cabeça, e começa a puxar e soltar o ar pela boca.
“Muito bem. Boa garota.” Aiden puxa a irmã para o peito e aninha
o queixo sobre a cabeça dela enquanto esfrega suas costas.
Mas que merda é essa?
Ela olha para mim, abre a boca para falar, mas desmaia nos braços
do irmão.

14

Amber

Presente
Eu entro, escuto ele dar partida logo em seguida. Sigo, indo direto
para as escadas. É quase dia, eu preciso de um banho e minha cama.
Mordo os lábios, sinto o rosto corar. Ele é um idiota, e eu não
quero me envolver com nenhum dos amigos do meu irmão. Eles não são
bons. Todos têm uma fama péssima na cidade, destroem monumentos
públicos, lojas e são uns cretinos com as mulheres.
Viro à esquina, indo para meu quarto, mas uma mão grande me
puxa para trás. Eu tropeço nos pés e quase caio. Aiden me puxa pela gola e
me empurra contra a parede.
“O quê?” eu ofego, surpresa.
Meu irmão chega mais perto.
“Ele tocou em você?” Sua voz grossa e nervosa.
Olho por cima do seu ombro, vejo Riley atrás dele, com a cabeça
baixa, segurando o punho na frente do corpo. Claro.
“Você colocou ele para me seguir”, digo, entre dentes.
Aiden aperta minha gola.
“Fale!” ele grita.
Eu estremeço, minhas forças sendo sugadas.
“Sim, ele me tocou, e eu gostei”, grito, de volta.
Deixo toda a loucura sair.
“Eu gostei!” grito mais alto para toda a casa escutar.
Aiden abaixa a cabeça, decepção estampada nos seus olhos. Eu
não me seguro, começo a rir alto como nunca tinha feito antes. Riley
arregala os olhos para mim, surpreso enquanto meu irmão espuma de ódio.
“Fique longe dele!” impõe.
“Por quê?” Eu mantenho o ar superior. “Você está apaixonado por
ele?” bufo.
“Você sabe o que ele faz, ele destrói tudo que suas mãos tocam!”
Aiden grita de novo.
“Ele não pode destruir algo que já foi quebrado!” eu grito, abrindo
os braços e me igualando a ele.
Aiden, mamãe, papai, todos eles me quebraram. Todos eles
roubaram um pouco de mim.
“Eu vou foder. Eu vou foder tudo. Essa casa. Essa família. Essa
cidade...” Mordo o lábio inferior, ainda sentindo o gosto dele em mim. “Eu.
Vou. Foder. Você.” Minha risada explode.
Meu coração bate rápido como se fosse a primeira vez em que eu
me sentisse viva de verdade.
“Você é louca igual nossa mãe!” Aiden esbraveja, arrancando as
mãos de mim.
“Sim. Ele sempre está falando comigo.”
Eu me curvo, mãos nos joelhos.
“Ele?” ele pergunta.
“O diabo.” Eu dou um sorriso.
Inalo o cheiro de limão siciliano acentuado e sedutor dos
travesseiros e cobertas. Olho ao redor, vejo os móveis na paleta
acinzentada. Na parede, um quadro com uma pintura de um carro, e todas
as edições em HQs e livros de Star Wars enfileirados ao lado de Harry
Potter na estante.
Um carro e livros? De quem é esse quarto? Nenhum deles têm cara
de quem gosta de Harry Potter.
Mika entra no quarto só de jeans carregando um copo de água.
“Como você está?”
Ele estende a mão e me entrega.
“Confusa. Harry Potter?” Tomo um gole.
“Não são meus, eram da minha mãe.” Ele puxa a calça e senta na
beira da cama. “Nada dessa decoração foi ideia minha. Mas aquele Supra
combina comigo.” Aponta para a pintura.
“Quem fez?” questiono.
“Uma amiga da minha mãe, Liz McBride.”
“Você estava sorrindo enquanto dormia.”
Ele vira para mim.
“Eu?” Coloco o copo na mesinha de cabeceira, puxo o lençol e me
sento.
“Sim. Você também chamou um nome.”
Eu coloco os cabelos atrás das orelhas.
Ah merda. Eu estava delirando?
Não é possível, eu não tenho por quem chamar, talvez minha mãe,
só ela.
“Kene”, Mika diz, com um sorriso malicioso.
Eu arregalo os olhos, nervosismo toma conta.
“Eu chamei esse nome?” pergunto, confusa.
“Sim, várias vezes.” Ele dá os ombros.
“Mais alguém ouviu?” pergunto, me arrumando na cama.
“Aiden e Will”, Mika responde.
“O que eles disseram?”
“Nada.” Mika responde, tranquilo.
“Eric sabe?”
“Aiden não contou. Bem, ele não parecia interessado.”
Não lembro com clareza das coisas que aconteceram. Lembro de ter
lutado com Thomas quando descobri que ele era o culpado pela morte de
Sarah. Eric chegou e eles começam uma briga, depois eu enfiei uma adaga
nele.
Eu matei alguém...
Eu não conseguia respirar. Eric começou a gritar algo sobre eu ter
fugido dele... Droga, eu não consigo lembrar direito.
Eu ia falar algo para ele.
Só lembro dos sonhos, minha briga com meu irmão e depois
voltava a ver o homem sem rosto. Sofrimento e alegria.
“Onde Eric está?” pergunto.
“Lá embaixo, na sala de tv.” Mika escora o corpo nos braços.
Eu olho para ele querendo perguntar mais, mas hesito. Ele sorri.
“Não, ele não veio aqui em cima, nenhuma vez. E ele não sabe que
você estava chamando o nome de outro homem.”
Idiota. Não é isso que me interessa.
Eric moveu alguma peça do lugar, ou colocou de volta. Eu não me
encaixo mais sozinha, não enquanto eu não
descobrir a verdade. Por que ele tem tanta raiva de mim e por que estou
confusa.
“Tem roupa limpa no banheiro, se troque e desça. Eles ainda não
sabem que você acordou. Era meu turno, então quis fazer uma surpresa”,
Mika faz graça, seu sorriso, irritantemente lindo, brilha enquanto seus
olhos, da mesma cor dos meus, me encaram.
Eu fico em pé.
“Não me olhe assim, eu não vou te perdoar”, lembro ele.
Visto uma camisa branca e uma legging preta, calço uma pantufa do
King-Kong três vezes maior que meus pés, de Mika eu acho. Prendo o
cabelo num coque bagunçado. Vejo minha cara abatida no espelho, mas
ignoro.
“King-Kong, sério?” aponto para os pés.
Seus olhos descem.
“Elas não combinam com você, princesa”, ele bufa, zombaria
nítida.
Saio do quarto.
“Eu não sou uma princesa.”
Passo pelo corredor.
“Não são minhas!” Mika fala alto atrás de mim. Descemos a
sacadas e ele toma a liderança, mostrando o caminho.
A decoração da casa e inspirada na cultura japonesa e assinada por
Emma Morris. Pelo que eu li on-line, ela era ótima em decorar e criar. Não
me admira que sua casa seja tão linda. E ,apesar do seu marido ter se casado
novamente, sua presença continua viva aqui.
Por Mika?
Eu paro em frente a porta corrediça de bambu, escuto um som
característico. Olho para fora, vejo uma pequena fonte.
Uma fonte japonesa feita de bambu que faz um ruído quando a madeira oca
volta e bate nas pedras. Um ciclo interminável, onde o bambu soa com
um ruído de fundo suave e rítmico.
“São coisas da minha madrasta”, o mais novo diz, por cima do
meu ombro.
“Ela é japonesa?”
“Yeah.” Sinto o hálito quente dele dançar na minha orelha.
Chego na entrada da sala. Eric está sentado de costas para mim,
os braços descansam nas costas do sofá. Uma tela gigante em sua
frente. Sozinho.
“Para aonde os outros foram?” Mika pergunta, entrando na sala
e contornando o sofá.
“Will recebeu uma ligação e saiu, Aiden tem uma reunião com
o pai”, Eric informa.
Admiro seus cabelos pretos como um mullet simples e curto,
nada chamativo ou extravagante. Olho para sua
nuca coberta por uma camisa social preta. Ele sempre está bem vestido,
como se estivesse pronto para um coquetel. Deixo meus olhos caírem
por suas costas forte e largas, suas mãos tatuadas. As mangas da
camisa dobradas até metade do braço deixa à mostra os desenhos que
eu não vi antes.
Mika olha para mim, mas eu continuo parada. Eu não sei o que
quero dizer, nem sei o que pergunta. Eu me sinto como a garota de
apanhava do irmão e não sabia fugir daquilo. Acoada, confusa e com
medo. Eu não sou assim. Tudo isso está mexendo comigo de uma
forma que eu não
gosto. Não me sinto confiante, e isso é o pior que poderia acontecer.
Não posso enfrentar ninguém dessa forma.
Mika se levanta, passa por mim e sai.
Eu fico enraizada sem saber para aonde ir, o que está me
matando.
Engulo o nó na garganta, cerro os punhos. Você não é fraca. Eu
só tenho que ir. Não pense muito, apenas vá. Você sabe fazer isso. E
entro.
Circulo o sofá, e paro em pé na frente da tela. Seus olhos
sobem devagar, analisando meu corpo. A carne dos meus mamilos
endurecem a cada volta que seus olhos dão no meu corpo. De repente,
meu rosto queima e eu me sinto nua.
Jesus. Pare, só pare e fale algo, qualquer coisa. Meu rosto
arrepia quando nossos olhos se encontram.
Aaah, o que está acontecendo comigo?
Eric suspira, entediado. Eu aperto meus punhos, agora irritada.
Ele é um idiota.
Para quê esse alvoroço todo? Corpo estúpido. Parabéns Amber,
você acabou de receber o maior troféu de trouxa. Agora, ele deve estar
adorando ver seu rosto pegar fogo.
Pigarreio e cruzo os braços, encenando uma pose durona.
“Quem é você? De onde me conhece?” Minha voz soa séria e
dura.
Eric estira as pernas e cruza os tornozelos e braços.
Ele estreita os olhos em mim.
“Você é uma filha da puta”, cospe.
“Hã? Qual é o seu problema, cara?” Eu balanço a cabeça
indignada.
“Sonsa, fútil e falsa”, ele contínua listando.
Meu peito incendeia.
“Eu não conheço você, ok? Mas pelo visto, você me conhece
muito bem.” Me aproximo dele. “Então me diga quem é você!” Perco a
porra da paciência.
Eric levanta e avança em mim. Me segurando pelo pescoço, me
arrasta pela sala e bate minhas costas na tela.
“Eu sou aquele que te faz abrir as pernas”, ele sussurra, seus
lábios pairando nos meus.
“Então você deve ter sido ruim para caralho, porque eu não
lembro de foder com você”, cuspo sua gentileza de volta.
Ele inclina a cabeça como se estivesse me estudando, seu rosto
tomado de raiva.
“Você finge muito bem. Cuidado, ou eu posso acabar
acreditando no seu teatrinho”, late.
“Vai se foder. Eu já falei, eu não lembro de você!”
Eric para e cerra a mandíbula, seus olhos nos meus.
“Você não lembra?” pergunta, sem desviar o olhar.
Eu inclino minha cabeça para frente o desafiando.
“Não, eu não lembro.”
Eric solta meu pescoço. Coloca a mão na boca, ofegante.
“Você me denunciou!” grita e aponta para mim. “Você fugiu!”
Anda de um lado para o outro, nervoso. Passa a mão pela testa, tirando
o cabelo do rosto.
“Eu não fiz nada disso!”
Ninguém vai gritar comigo e me acusar de algo que não me
lembro. Ninguém.
“Eu não lembro de nada!” repito, indo até ele dessa vez.
Ele para e olha para mim, seus olhos me pediam algo ou
queriam dizer algo.
“Como você pôde...” lamenta.
“Porra!” ele rosna, e eu dou um pulo, assustada.
“Porra!” Eric grita e procura por algo, nervoso. Vai até à parede
e dá um soco, dois socos.
“Filho da puta.”
A risada do Coringa de Jared Leto soa atrás de nós. Eu olho
para Eric, sua cara furiosa encara a tela, giro minha cabeça e vejo o
Coringa e Arlequina no tanque químico. E então ele sai sem dizer
nada.
O que eu fiz a ele... Não sei o que fiz, mas eu fiz.
Meu coração bate angustiado.
Por que eu não lembro dele? O que aconteceu entre nós? Eu
não sei por onde começar. Meu passado se resume nas agressões de
Aiden, o desprezo do meu pai, a loucura da minha mãe e minha
internação fora do país. Depois disso, eu sou eu, a Amber de hoje. Ele
tem algo a ver com minha internação? Um rasgo na membrana?
Me escoro na janela e vejo o Mustang sair em disparate para
longe. E me dou conta de algo.
Filho da puta. É o mesmo carro da faculdade.
Volto para o quarto de Mika e me tranco. Passeando pelo
cômodo, vejo uma coleção de mangás de Dragon Ball, sete esferas do
dragão e bonequinhos em miniaturas, uns lançam poderes, outros
fazem poses chamativas. Devem ter
sido presentes. Ele parece um adolescente.
Abro a gaveta da mesinha de cabeceira, vejo os frascos de
remédios, pó e cigarros.
Ele é um adolescente que se afunda nas drogas. Bem, ele não é
mais um adolescente, então...
A noite chega tão rápido quanto o sol desperta. Saio do quarto.
Mika passa na sala de visitas com uma caneca, o cheiro de Whisky
coça minhas narinas, seguro o corrimão e espio ele caminhar devagar
enquanto as luzes da casa estão mais baixas.
“Isso é Jack Daniel's?” insinuo.
Mika gira a cabeça e ri.
“Sim, pequena Amber.”
Seus olhos deslizam pelo meu corpo.
“Elas ficam bem em você.”
Ele fala das roupas que eu peguei em seu closet.
Ele entregou minha bolsa com roupas mais cedo, mas eu não quis usar
nada do que trouxe, então ele disse que eu poderia pegar qualquer
coisa. Eu vi um par de roupa feminina, mas não quis usar, poderia ser
da sua mãe ou garota. Então peguei uma jaqueta de couro e vesti como
um vestido, já que chegava até metade da coxa, e finalizei com uma
bota até o joelho.
Will e Aiden saem da cozinha, cada um com um copo na mão.
Eles olham para mim.
“Você está acordada?” Aiden questiona, parecendo surpreso.
Acho que nenhum dos dois falaram nada.
“Pode ser que essa seja minha deslumbrante forma de
fantasma.”
Eu desço os degraus, mas continuo segurando o corrimão.
“Devemos chamar o Scooby-Doo e a sua turma para desvendar
esse mistério?” Will não deixa passar.
“Eu entendi a referência.” Eric sai da cozinha, segurando a
garrafa de Jack Daniel's com uma mão enquanto a outra está no bolso
da calça social preta combinando com a camisa da mesma cor. Ele
passa pelo meu irmão, Will e Mika, se planta na frente de todos eles.
Então é assim que ele vai agir.
Bem, você sabe que eu sei brincar, baby.
De repente, o silêncio some quando, ‘Man! Feel Like A
Woman!’, pega fogo na sala de tv. Todos ficam confusos. Eu olho para
Mika e bufo.
Eu detesto este garoto.
Solto o corrimão, meu cabelo molhado escorre pelas minhas
escapulas, deixando meu rosto livre. Passo direto por Eric, sinto seus
olhos em mim quando vou até Mika. Fico nas pontas dos pés e estico o
corpo para ver o líquido âmbar na caneca.
“Sem gelo?” provoco.
“Com limão”, Mika zoa.
Olho para o sorriso dele e me perco. Será que eu também
conheço ele e não lembro? Ele parece tão à vontade comigo. Volto,
meus saltos tocam o chão novamente. Será que é a semelhança dele
com sua mãe?
Mika estende a mão e eu pego. Ele me puxa e começamos a
dançar. Nada mais me importa. Eu só quero viver essa experiência. Eu
giro e dou pequenos pulinhos. Mika sorri, se divertindo tanto quanto
eu.
Segurando seu olhar, círculo ele. Costas com costas, e nós
dançamos no mesmo ritmo da música. Ele vira para mim, segura minha
mão e me gira, eu dou um gritinho, tonta. Então ele serpenteia o braço
na minha cintura antes que eu caía, e nós rimos.
“Você é livre pequena Amber!” ele grita, e eu pulo sacudindo
os braços.
Sinto os três pares de olhos em mim, mas eu não ligo. Que se
fodam.
Estendo a mão para pegar a caneca da mão de Mika, mas Eric
atravessa entre nós com uma carraca.
“Nós ainda temos um assassino para pegar”, diz, ríspido. Bem
na hora, a música acaba.
Ele bate os sapatos no chão e sai, deixando uma trilha de
chamas pretas para trás.
Sério, eu não sei qual o problema dele. Ele me irrita para
caralho, me xinga, me acorrenta, dá um chilique e agora isso? Me
poupe.
Nem buda teria paciência com esses tipo de humano.
Caio no sofá, cruzo os braços e pernas.
“Seja lá o que têm para dizer, digam logo. Eu não estou no meu
melhor humor”, cuspo logo, sem paciência para qualquer papo furado.
“Você parecia de muito bom-humor agora à pouco”, Eric late.
“Cale-se. A culpa é sua”, rosno.
“O quê? É tão mimada que não aceita quando o papai toma o
brinquedinho?” late de novo.
“Tão mimada que seu brinquedinho não duraria uma noite
comigo, papai.”
Hoje já foi irritante o suficiente e, quando estou me divertindo,
alguém me para? Cacete.
Eric senta na minha frente, Mika à sua esquerda e Will à
direita, enquanto Aiden fica na ponta entre mim e eles.
Aiden abre a boca, mas eu o corto.
“Era você no estacionamento da faculdade e na biblioteca. O
que estava fazendo lá? Era algum método estúpido para conquistar
mulheres ou faz parte da sua vingança?” Encaro Eric, sendo bem
direta. Tudo é culpa dele.
Ele franze a testa parecendo confuso.
“Nós não fomos ao estacionamento.” Ele é direto.
Então era mesmo eles na biblioteca...
“Era o seu carro”, aponto com o queixo para as chaves na mesa
de centro.
“Eu não fui de carro para faculdade naquele dia, eu estava com
o BMW de Will”, responde, tranquilamente.
“Então quem foi? Ele me ameaçou”, questiono, sem acreditar
na sua história conveniente.
“O que ele fez?” Aiden entra na conversa.
“Um sinal de silêncio com o indicador. E...”, pauso e dou uma
risadinha irônica. “Ele usava uma máscara estúpida igual a deles.”
Virando, encaro Eric de novo.
Eric se endireita no sofá.
“Uma máscara como a nossa....”, de repente, fica sério e
pensativo.
“Qual a cor?” pergunta, analisando.
“Vermelha.” Eu me encosto no sofá.
“Não era nenhum de nós.” Aiden reflete.
Viro para ele.
“Você usa uma também?”
Ele dá os ombros.
Meu Deus....
Bufo sem me conter, rindo com gosto da cara dele.
“Qual o seu problema?” ele rosna.
“É que,” rio mais alto, lembrando do passado. “Sete anos atrás,
você não usava máscara para me bater. Resolveu se esconder atrás
dessas porcarias agora?”
O clima fica pesado e tenso.
Eric se levanta e caminha até a janela, coloca a mão na boca,
numa pose pensativa.
“Você sabe de algo?” Will pergunta.
“Meu carro estava na oficina naquele dia... Quem mais está
atrás dela, e por que o meu carro?” Eric tenta encaixar as peças.
“Talvez alguém quisesse que ela pensasse que era você”, Mika
entra no assunto.
“O que ele ganharia com isso?” eu questiono.
“Você estaria aonde a pessoa queria que estivesse”, Will
responde.
“Em Burk, atrás de mim”, Eric mata.
“Alguém que te conhece e sabia que você iria agir assim”,
Aiden reflete.
“Meu pai", finalizo.

15

Amber

Presente

Eles olham entre si e ficam em silêncio.


O quê? Por que não dizem nada? Meu pai é a única pessoa com
poder para fazer algo assim. Ele me conhece bem. Então eu lembro do
que Aiden disse: ‘Quando o papai quer algo, ele mesmo faz, não
precisa mandar ninguém.’
Sim. Meu pai é um homem misterioso, não da para saber o que
ele vai fazer, nós não descobríamos seus planos assim tão fácil. Antes
de chegar nele nós chegaríamos a beira da loucura com suas
armadilhas mentais. Então quem estava naquele Mustang?
Enrijeço minha postura, tensa.
“Digam o que estão escondendo de mim.”
Todos abaixam a cabeça, e só Eric me encara agora.
“Não”, ele responde, friamente. “Nosso objetivo é outro agora,
concentre-se”, me repreende.
“Ok” eu sedo, por enquanto.
Ele está certo, dessa vez.
“Então a pessoa sabia que eu iria atrás de você para investigar,
e me atraiu para cá. Mas com vocês sabiam que eu iria ser a próxima?”
eu pressiono.
Eric caminha pela sala.
“Existem outras pessoas que começaram isso. Eles nos dão as
informações”, ele finalmente explica.
“Como eles sabem?” pressiono um pouco mais, sem querer
saber quem são, ele não me dirá mesmo.
“Bons jogadores de xadrez”, ri.
“Isso é brincadeira, né?” Eu dou um sorriso amarelo.
“É brincadeira, não é?” Começo a ficar séria quando eles não
respondem.
“Como vocês podem confiar em deduções?” Olho para cada um
deles.
“Nunca falharam”, Mika joga os braços nas costas do sofá, seus
olhos baixinhos.
Limpo a garganta.
“Então quais são as instruções deles?” me faço de
desentendida. Nem fodendo que eu vou assumir essa merda.
Will bufa, acha graça enquanto Mika ri alto, Aiden balança a
cabeça com um sorrisinho.
“Calem-se!” eu rosno.
Eric vem até mim. Segura meu queixo com o polegar e o
indicador.
“As instruções são...” Ele se curva, pairando sobre meus lábios.
“Matar o filho da puta que ameaçou você, baby.” Seu hálito quente na
minha boca.
Meu estômago esfria, meu coração bate como uma britadeira, e
eu prendo a respiração. Sinto o ar quente roçar
meu rosto. A umidade se acumula entre minhas pernas, e eu aperto ao
sentir o clitóris pulsar. Eu quero sentir a mesma dor de antes. Eu quero
senti-lo dentro de mim.
“Saiam”, Eric ordena enquanto mantém o contato visual
comigo.
Minhas pernas tremem. Eu sinto o frio do estômago arrepiar
meu rosto.
“Saiam todos”, ele ordena mais uma vez, a voz rouca ficando
cada vez mais impaciente quando todos eles ficam congelados.
Will é o primeiro a sair, seguido por Mika. Vejo Aiden prestes a
explodir de ódio, mas ele apenas sai em silêncio.
“Uau, como o cão adestrou o dono?” provoco nos seus lábios.
“Não foi assim.” Eric desce em mim, me beija rápido e
envolvente. Segura minha nuca, forte e seguro.
Eu planto as palmas em seu peito tonificado e o empurro para
trás, ele cambaleia.
“Querido, eu não vou deixar você me dominar. Não hoje.”
Dou um sorrisinho malicioso e empurro ele na mesinha de
centro, Eric cambaleia e cai sentado. Eu deslizo, e monto no colo dele.
Gemo, sentindo seu pau duro
roçar minha calcinha. Ele me puxa de novo e me beija. Trilhando
minha nuca, enfia os dedos no meu cabelo e puxa, eu sinto a ardência
me consumir. A outra mão paira na minha cintura, me empurrando com
força, fazendo seu pau roçar na minha entrada. Eu gemo nos seus
lábios. Um rio escorre entre minhas pernas. Úmida. Sedenta.
Gananciosa.
Eu me esfrego nele. Arqueio as costas quando sua pulsação faz
meu clitóris latejar, me fodendo a seco. Arfo, o desejando dentro de
mim. Eric desce no meu pescoço, morde e chupa.
“Mais forte”, eu imploro, esquecendo de todas as merdas que
aconteceram.
O couro pinica e esquenta. Eu sinto uma camada de suor na
minha cintura. Ele trabalha rápido e tira minha jaqueta enquanto rebolo
cada vez mais duro. Ele geme no meu ouvido, minha pele arrepia.
Porra!
Eric pega meu peito com a boca, trabalha a língua no mamilo
duro, circulando e mordiscando.
“Mais forte”, imploro de novo.
Ele suga a carne e morde com força. Eu arfo, meus olhos
enchem de lágrimas e minha buceta lateja.
Ele se esfrega lentamente, me torturando enquanto eu gemo
baixinho.
“Por favor”, sussurro, enlouquecendo.
“Você disse que iria me dominar, mas eu acho que nossos
papéis se inverteram.” Ele aperta minha bunda, me conduzindo. “Eu
sei do que você gosta”, ele diz e geme.
“Você não sabe porra nenhuma.” Cravo minhas unhas nas suas
costas, rebolando nele.
“Eu sei que você gosta disso.”
Ele desliza a mão dentro da minha calcinha.
“E disso”, acaricia meu clitóris. Eu gemo mais alto.
“E disso” ele enfia um dedo, acariciando meu ponto G.
“E disso", puxa meu braço e morde o interior.
Eu grito, sentindo seus dentes enterrar na minha pele. A dor
latejante soube para minha cabeça e desce pelo corpo. Ele bobeia os
dedos mais rápidos. Minhas pernas dão espasmos quando o orgasmo
me pega.
Ele respira forte no meu ouvido, ofegando enquanto sai de
dentro de mim. Eu desabo nele, minha cabeça cai no seu ombro
enquanto meu braço sangra.
“Quem é você?” eu pergunto, minha voz rouca e ofegante.
“O rosto lindo que não apareceu na tv”, Eric responde.
Eu olho nem seus olhos. Não vejo nada, nenhuma lambança,
apenas um mistura de dor e desejo. E eu me sinto um lixo. Ele está
fazendo com que eu me sinta um lixo.
Me levanto, pego minhas roupas, visto a jaqueta de Mika, e me
viro para sair.
“Eu odeio como me sinto agora. Eu odeio quando brincam
comigo, quando me subestimam. Você é igual ao meu pai e meu irmão.
Mas marque as minhas palavras: Eu vou arrancar sua máscara.”
Ergo a cabeça e saio.
Eu não me arrependo de nada, mas não gosto quando não estou
no controle.
A verdade aparece, cedo ou tarde. Você pode fugir de tudo
menos dela.

16

Eric

Sete anos atrás


Amber me encara do outro lado da quadra. Eu atravesso de um lado
ao outro, paro na frente dela, com a camisa presa no short. Seus olhos
descem pelo meu corpo, me analisa.
“Achei que você não gostasse da minha energia caótica”, dou um
sorrisinho.
“Talvez eu tenha me tornado assim, também.”
Ela desvia o olhar. Viro, a seguindo. Vejo Aiden vir até nós.
Esse cara não vai deixar a irmãzinha comigo, vai?
Meus lábios se curvam num sorriso pretensioso. Pego a mão dela.
“Vamos”, chamo, puxando-a para fora.
“Para aonde?” Ela hesita antes de se mover.
“Para o Hollow.”
Nós viramos, indo pelo corredor de armários.
“O parque?” Ela segura minha mão.
“Sim.” Eu olho para ela que parece confusa.
Eu não sei o que aconteceu depois que eu a deixei em casa cinco
dias atrás, mas ela parece diferente. Quando voltei, mandei uma solicitação
no Instagram e, algumas horas depois, ela aceitou, nós conversamos um
pouco. Ela já parecia diferente.
Tocamos para fora da escola. Dirijo pela cidade. Viro para ela que
está com a cabeça inclinada no banco, seus olhos vagam na estrada.
Tiro uma mão do volante e apoio o braço na porta.
“Aconteceu algo?”
Ela inspira e expira profundo.
“Eu não gosto de você”, diz ela, mais para si mesma do que para
mim.
“Então por que está aqui?”
Mantenho a voz pacífica.
Ela fica em silêncio, e eu olho para a estrada de novo.
“Porque eu queria fugir...” Amber diz, baixinho.
Ah... Ela também sente a necessidade desesperada de por um fim ao
sofrimento.
“E, porque você é um cretino idiota que não sai do meu pé”, ela
levanta a voz de repente.
“Você pode me elogiar sem xingar?” Piso no acelerador ao entrar na
curva.
“Não foi um elogio”, resmunga.
Meus olhos encontram os dela.
“Você confia em mim?” pergunto olhando bem no fundo deles.
“Não, eu não confio em homens”, ela balança a cabeça em negação,
mas sua voz sai suava e calma, como eu nunca tinha ouvido antes.
Meu coração dói, e eu sinto o nó entalado na minha garganta. Eu
queria que ela confiasse em mim?
Jesus, como é fácil querer estar com ela.
Deus, como ela mexe comigo desse jeito? Eu já levei as melhores
garotas da cidade para cama. Desfilei com as mais cobiçadas de Midran.
Mas como eu nunca vi essa garota antes?
Ela é linda e tem esse corpo perfeito. Por onde passa, todos olham.
Uma garotinha do interior, mas quando tira o moletom e as tintas do corpo,
desbanca qualquer patricinha da cidade grande com seu vestido colado e
botas.
O interior do carro balança quando os pneus batem nos cascalhos de
pedras ao sairmos de asfalto e subir a colina, indo para o estacionamento do
parque. Amber fica sentada com os braços cruzados olhando para os
portões.
“Você não vai sair?” franzo o cenho.
“Não”, diz forte e irredutível.
Por que ela não sairia? Não tem ninguém aqui e já é noite. Claro....
“Está escuro”, eu olho para ela.
Eu me inclino, pego minha mochila no banco de trás. Tiro duas
lanternas e toucas com furos para os olhos. Amber olha para mim, sem
entender quando entrego uma para ela.
“Você não tem medo do escuro. Você tem medo de não estar no
controle. A escuridão é inofensiva nós é que somos o mau que habita nela.”
Ela me escuta com atenção enquanto passo a lanterna.
Amber desenvolveu esse medo porque Aiden estava
constantemente no controle e ela não podia fazer nada. Como a escuridão
não era diferente, ela não podia enxergar. O medo de ser atacado de
surpresa é aterrorizante.
Ela sabe que não precisa ter medo, porque tem o poder de acender
as luzes quando quiser. E agora, todos os seus sentidos estão ligados e nada
pode assustá-la. Onde há luz, não há travas. Ela tem o controle.
“E para quê as máscaras?” segura o tecido.
“Porque eles não podem te pegar se não souberem quem é você.”
Amber ri, desliza a máscara pela cabeça, segura firme a lanterna e
abre a porta. Pego a mochila e a sigo.
“Por você sai sozinha à noite se tem medo?”
Nós caminhamos até o portão.
“Porque o desespero supera o medo.” Amber faz uma pausa.
“Porque quando alguém levanta a mão para você, o medo cresce e vira
pavor, e o pavor te faz querer fugir, e você foge para um lugar calmo, mas
depois volta à sentir medo da escuridão. Mas...”, ela ri. “Eu sempre vou
para lugares escuros.”
Você não precisa mais sentir medo, baby.
Nós paramos em frente ao portão de ferro. O parque não abre na
primeira quarta-feira do mês, eles param para fazer reparos e manutenção
nos brinquedos.
Eu tiro o bolo de chaves do casaco e abro o portão.
“Por que você tem as chaves daqui?”
Amber pergunta ao meu lado.
“Eu peguei com o dono”, digo, colocando minha touca.
Amber fica em silêncio.
Eu peguei com o futuro dono, na verdade. Um amigo que me devia
um favor depois que o ajudei com uma garota. Ele não é daqui, no entanto.
“Vamos”, puxo seu braço.
Passamos pela bilheteria, e contornamos a tenda de tiros. Folhas
secas estralam quando nossos sapatos pisam rápidos indo enfrente. A brisa
do mar varre nossos rostos. A maré deve está alta, já que posso sentir o
cheiro da maresia daqui.
Trovões cortam o céu, anunciando à tempestade se aproximar.
Corro, sentindo as primeiras gotas caírem. Amber corre logo atrás para me
acompanhar. As luzes das lanternas batem no carrossel, e ela para, olha
encanada, como se nunca tivesse visto um.
“O que houve?” eu paro, estudando sua atitude.
A chuva fica mais forte e os pingos batem nos meus ombros como
agulhas.
“É lindo.”
Ela sorri, e vira para mim, aponta com a luz para o carrossel. Os
lábios úmidos e os cabelos começando a grudar no rosto.
“Você nunca foi a um parque?” eu pergunto, abismado.
“Não”, grita, a chuva dificultando nossa comunicação.
“Você...”, eu grito.
Não era só medo do escuro, ela nunca tinha indo ao um parque.
Essa garota...
Amber corre até mim, a blusa colada no corpo mostra o sutiã preto
por baixo. A calça jeans mais colada no corpo do que antes. Seu cabelo,
molhado, escorre pelo rosto, revelando uma franja.
Merda.
Nós corremos, pisando nas poças que se formavam enquanto o
temporal caia forte sobre nossas cabeças. Pego sua mão e puxo seu corpo
para dentro da casa dos espelhos. Amber
ilumina em volta, vendo os letreiros acenderem quando eu ligo a energia.
Ela olha para mim, surpresa.
“Entre”, chamo.
Ela hesita, mas caminha devagar até a porta em forma de arco.
Quanto mais ela se aprofunda na sala, mais luzes se acendiam, e várias dela
apareciam.
Amber caminha, toca nos espelhos gigantes e vê sua imagem
refletida de vários ângulos e tamanhos. Ela sorri, lágrimas escorrem e se
misturam com a chuva.
“Isso é...”, explora o lugar.
E eu não sei mais diferenciar ela dos reflexos, todas parecem tão
belas.
Ela sai de trás de um dos espelhos, e fica plantada, olhando para
mim.
Eu desço o degrau e vou até ela.
“Dizem que existe um túnel de espelhos construído bem aqui
embaixo.”
“E se for mentira?” questiono.
Abro a mochila e tiro uma blusa.
“E se não for?” ela joga, com sagacidade.
Eu entrego a blusa para ela que olha para a estampa sem acreditar.
“Scooby-Doo?”
“Você não é grade demais para compara este tipo de roupa?”
provoca.
Eu a olho de cima a baixo.
“Do seu tamanho, eu ainda assistia desenhos.”
“Pelo menos eu não compro roupas de desenho”, joga.
“Foi um presente da minha mãe. Eu não uso, só guardo como
recordação”, eu explico, perdendo a paciência.
“E onde está sua mãe?” Ela tira a roupa molhada, meus olhos caem
na sua barriga sem nenhum hematoma.
Eu acho que ele parou de bater nela. Eu
“Ela está fora do país”, eu digo, analisando seus seios e pescoço
com algumas marcas antigas.
Amber encontra meus olhos.
“Por que ele faz isso?” eu a questiono.
“Não há justificativas para agressões.” Sua voz é calma, mas dura.
“Ele é mau.”
Não há justificativas para agressões...
Me aproximo dela, e seus olhos enchem de lágrimas que ela tenta
guarda para si.
“Vá em frente, chore.”
Eu seguro seu rosto, mantendo sua cabeça erguida. Ela faz que não,
mas soluços batem forte fazendo seu peito tremer. Não consegue segurar as
lágrimas, tudo escapa.
Eu trago sua testa para minha.
“Você confia em mim?” sussurro.
“Não”, ela diz, baixinho.
Deslizo a mão pela sua nuca enquanto seco suas lágrimas. Beijo sua
testa, olhos e nariz, escorregando para seus lábios. Nossas respirações
ritmadas. Trago seu lábio entre os dentes.
Eu continuo buscando por ela, me perdendo no seu sabor. Ela me
desafia, e nunca é cansativo. Eu fugiria e me esconderia com ela num
estalar de dedos.
Puxo sua cintura para mim, agarro a parte de trás das suas coxas e a
pego no colo, ela prende os tornozelos atrás de mim. Me encarando,
serpenteia os braços no meu pescoço. Eu caminho até o centro da casa,
aonde os espelhos formam um
círculo, e nós somos os personagens principais.
Empurro seu corpo contra um deles, fico de joelhos e desço nela.
Amber levanta uma perna e coloca sobre meu ombro enquanto eu trabalho
com a língua na sua fenda. Ela se curva e agarra meu cabelo, conduzindo
meus movimentos. Minha virilha dói e meu pau clama para está dentro
dela. Eu deslizo a mão pelo interior da sua perna. Sua pele macia pega fogo
aos poucos. Ela treme e geme, arrepiada.
Eu subo para ela. Meu peito bate feito a porra de uma britadeira ao
ver a necessidade que sente por mim.
“Você confia em mim?”, sussurro, puxando seu cabelo.
A cabeça dela se curva para trás. Ela arfa.
“Não”, ofega.
“Muito bem”, eu solto um risinho pela garganta.
Aperto sua bunda, e puxo sua cintura para mim. Seguro a parte de
trás do seu joelho e engancho sua perna na minha cintura enquanto esfrego
meu pau nela, torturando lentamente.
Ela rebola, pegando o ritmo como uma boa garota. Enterro minha boca em
seu pescoço, deixando um rastro de mordidas e chupões nos antigos
hematomas. Amber geme, e esfrega mais rápido e forte. Meu pau lateja,
implorando por ela.
Arranco o sutiã. Seu seios balançam enquanto ela dança em mim,
confiante, precisa e sedutora. Diaba. Seguro sua perna, abro a calça,
trabalho a cabeça na entrada. Ela morde os lábios, e eu deslizo nela com
facilidade, brincando e torturando, sem entrar.
Amber arranha minhas costas.
“Ainda não, baby”, minha voz quase não sai, rouca.
Ela grunhi, impaciente.
Eu bufo.
“Eu quero que você tenha um bebê meu, mas não será agora.”
Amber ofega e arregala os olhos, se dando conta.
“Oh, Cristo...”, ela pisca e começa a ficar vermelha.
Quantos lados dela eu ainda vou ver?
Coloco o prestativo, e agora sim, deslizo devagar, entrando nela.
Ela geme e ofega, crava as unhas na minha carne.
Porra. Como ela é apertada. Rosno.
Eu começo a me mover, lentamente, até que ela se acostume.
Amber ofega, tira as unhas, me suga forte. Eu trabalho mais rápido, senti
seu corpo me aceitar. Indo profundo dentro dela, exploro seu calor enquanto
ela me aperta, fazendo meu pau crescer ainda mais.
Seu corpo espasma, ela joga a cabeça para trás, arqueando a coluna.
“Abra os olhos”, eu peço. “Abra os olhos e veja como eu te vejo”,
digo, baixinho nos seus lábios.
Ofego e gemo com as contrações ao entrar e sair dela.
Ela abre os olhos. Respirando pela boca, gira a cabeça e encontra a
imagem dos nossos corpos em todos os ângulos possíveis; nas paredes, no
teto e no chão. Ela olha para mim, sorrindo.
“Sim, baby, é assim que você é”, eu puxo sua outra perna, pegando-
a no colo. “É assim que você é quando eu te fodo.”
Ela grita quando eu estoco nela. Amber prende os tornozelos, me
travando dentro.
Oh, meu deus. Eu a quero na minha cama, agora e por cem anos.
Tão difícil de ignorar, especialmente quando ela aprende rápido.
“Você confia em mim?”
“Não”, sua voz rouca no meu ouvido.
“Baby, você é minha garota”, sussurro, apertando sua nuca.
Tão difícil de ignorar, especialmente porque eu provei dela e agora
não posso voltar atrás.
Ela é minha.
Amber fecha a porta, e circula o carro.
“Você está bem?” eu pergunto, vendo que ela está andando devagar.
“Não finja se preocupar, foi você quem fez isso”, resmunga, com a
cara de brava.
“Você não disse não”, dou os ombros, ficando irritado.
Ela pisa fundo, vindo até minha janela.
“Saia, sua energia caótica está me enjoando. Não vê que as flores
estão morrendo?”
Ela é rápida com as palavras, mas...
Eu beijo sua testa, ela estremece e cora. Plantando as mãos em
mim, empurra meu peito para longe.
Limpa a testa. Eu olho por cima da cabeça dela, vejo alguém em pé
na janela. A mesma sombra alta e imponente de antes, nos observava. Eu
volto para Amber que está prestes a me degolar.
“Eu confio em você”, murmura quase que para si mesma.
“Eu sei, pequena espiã.” Eu toco em seus lábios.
Isso não é mais uma disputa infantil. Eu quero essa joia para mim,
não apenas um pedaço.
17

Amber

Presente

Minha mão passeia por algo quente e grande. Apalpo. Sinto a


rigidez e as irregularidades muscular. Pestanejo várias vezes tomada pelo
sono. Viro, e encaro uma muralha na minha frente. Os músculos tonificados
das costas nua de Mika se contraem com respirações profundas.
Olho para baixo, noto que meu braço está circulando a cintura dele.
Deixo meu olhar descer pelo seu corpo cheio de tatuagens e percebo que ele
está totalmente nu.
Meus Deus, quando ele chegou aqui?
Eu tento puxar minha mão sem o acordar, mas é tarde de mais.
Mika prende meu braço e gira a cabeça para mim.
“Está pensando em fugir depois de me assediar?” A voz de Mika
rouca de sono.
Seu cabelo ondulado escorre pela testa. Parece que ele acabou de
sair de um furacão. Bagunçado. Natural.
“Você é quem está me assediando. Vista-se.”
Eu tento tirar meu braço, mas ele me trava.
“Foi você quem me agarrou enquanto eu dormia. Sou inocente.”
Ele acredita na própria mentira?
Faço uma pinça com os dedos e belisco sua barriga.
“Pessoas inocentes não invadem o quarto de alguém que está
dormindo.”
Eu giro a mão, apertando o beliscão. Mika se contorce e grunhi.
“Esse quarto é meu!” faz birra enquanto alisa a barriga.
“Nosso”, eu o corrijo.
Tudo bem. Esse quarto é dele, mas eu estou aqui, então é nosso, por
enquanto.
“Inclusive, eu vou mudar a decoração”, aponto para os mangás
enquanto me sento na cama. Mika me olha com desprezo.
Eu começo a rir.
“Eu nunca mexeria em nada que a Sra. Emma deixou”, eu o
acalmo.
Mika veste uma calça e senta do meu lado, olhando para a
decoração em tons acinzentados que sua mãe projetou para o quarto.
“Minha mãe fez o projeto desse quarto antes se saber meu sexo.
Ela fez dois, um para uma menina e outro para um menino”, ele faz uma
pausa e estuda o lugar. “Ela morreu logo
após me dar um nome. A Sra. Morris era uma ótima decoradora, não acha?
Ela amava isso.” Ele dá um sorriso amargo.
Sim, ela era.
As paredes eram acolchoadas. A cama era próxima ao chão,
persianas eram a cabeceira, e duas mesinhas de cabeceira acompanhavam.
Tinha uma TV de várias polegadas suspensa na entrada e estantes
espalhadas ocupavam as paredes vazias. Coleções de carros e motos, um
quadro e livros. Um cômodo espaçoso e perfeito para ele.
Ela sabia quem era seu filho antes de conseguir vê-lo. Uma mãe.
Mãe...
Meu celular vibra na mesinha de cabeceira. Deslizo o dedo na tela,
vejo um e-mail da reitora da minha faculdade. Jogo as pernas para fora da
cama, meus cabelos sobre os ombros. Vou até o banheiro, escovo os dentes
e saio.
“Preciso voltar para Midran”, eu digo para Mika enquanto me
abaixo para pegar uma roupa limpa na minha mala jogada aos pés da cama.
“Agora?” Mika cruza as mãos atrás da cabeça.
“Sim”, eu puxo um vestido e tênis. Saio do quarto e volto para o
banheiro, ligo o chuveiro e tomo uma ducha, sem molhar o cabelo.
“Eu vou com você.”
Ele levanta e caminha para fora do quarto. Eu nem perco meu
tempo discutindo, e saio, também.
Passo pela porta ao lado entreaberta, a cama estava bagunçada e
uma das cortinas aberta. Mika deve ter ficado aqui antes de invadir meu
quarto.
Desço as escadas, observo que a casa permanece silenciosa. Faz
quase uma semana que estou aqui, e ninguém entra ou sai, além de Mika e
os outros caras. Sempre como refeições saudáveis, mas nunca vejo quem
prepara, e ninguém
da sua família está em casa. É estranho. Tudo é tão limpo e arrumado, eu
duvido que Mika faça isso. Ele mal sabe que dia é hoje. Para ele, é sempre
Halloween.
Mika joga uma barra de cereal.
“Coma, eu sei que você não vai querer tomar café.”
Ele passa por mim com a camisa presa na cintura, o cabelo
penteado e arrumado agora. Os fios dourados que cai para trás, cintilam. Os
raios de sol da manhã bate em seu rosto e ilumina seus olhos cor de mel e a
pele bronzeada.
“Por acaso, o Sr. Mais rico do estado está com pena de me
alimentar? Negar comida aos pobres é uma grande falta de humildade, Sr.
Morris.”
Ele dá um sorrisinho sapeca vendo suas palavras voltarem para ele.
O cheiro marcante do seu perfume flutua na sala quando abre a
porta principal e nós saímos. Bom, pelo menos ele toma banho. Não adianta
ser bonito e charmoso se fede.
Entramos na garagem.
“Oh, meus Deus.” Solto, em choque.
Haviam duas fileiras de carros estacionados lá. Um mais potente
que o outro. Máquinas. Máquinas caras e luxuosas. Várias delas. No centro,
um jardim circular com
paredes de vidro que iam do chão até o teto. O verde das plantas combinava
com o cinza escuro das paredes.
“Foi a sua mãe quem projetou?” Olho fascinada para cada detalhe.
O piso de porcelana cinza-cimento. O teto era preto e lembrava a noite.
“Sim”, Mika responde, um sorriso na voz.
Movo os pés, admirando os carros, agora. A paleta de cores ficava
entre o preto e branco, me fazendo chegar à
conclusão de que nada condizia com a personalidade afiada e extrovertida
desse carinha. Bem, ontem, nós estávamos dançando música pop. Isso
também não condiz com nada.
As latarias reluzem conforme a luz fica mais alta.
“São do seu pai?” Eu giro, encontrando o rosto de Mika.
“Alguns.”
Ele aponta, e eu sigo seu direcionamento até uma fileira com três
Ferrais, um Bulgatti, um Jaguar e um Jipe.
“O resto é seu?”
Viro para outra fileira apenas com carros esportivos, incluindo um
Supra igual o da pintura.
Mika dá os ombros.
“Vamos”, ele joga uma chave para mim. “O seu não está aqui.” Sai.
O meu?
Nós passamos pelo jardim de roseiras e circulamos, indo para
piscina. Ele para na frente do Mustang preto.
“Você vai nesse”, abre um sorriso travesso.
Eu franzo a testa.
“Por que o carro dele ainda está aqui?”
“Ele está aqui”, Mika me corrige.
“Onde?” pergunto.
Eu achava que éramos apenas nós dois na casa.
“No quarto ao lado do meu”, ele curva os lábios, com um: ‘sim,
baby, ele estava aqui.’
Ele está aqui, bem debaixo do meu nariz, e seu carro é meu. Parece
que hoje o dia será muito interessante. Viro para Mika e sorrio.
Aperto no botão do controle da chave, as luzes piscam e
carro faz um barulho quando as portas destravam. Deslizo para dentro.
Deixando meu corpo afundar no banco de couro, observo minha pele
arrepia com o cheiro de carro novo. Seguro firme o volante, a sensação das
suas mãos afundando na minha cintura formiga em cada polegada de pele.
Oh, Deus, ele é tão irritante.
Giro a chave na ignição, o ronco grave e potente faz meu coração
bater rápido. Mordo o lábio inferior, excitada. Conecto meu aplicativo de
músicas, e a batida envolvente de ‘Swim’, de Chase Atlantic escorre pelo
aparelho de som.
Acelero, sem dá partida, deixo o motor aquecer.
Olho através da película escura da janela, fito Eric só de jeans inclinado
com os braços cruzados no batente da sacada. Cabelos penteados para trás
apenas algumas mechas escorrem pelas têmporas. O olhar dele está em
mim.
Deixo meus olhos descerem pelo seu braço direto fechado com
tatuagens do fim da nuca até os dedos. Ele tem mais do que eu imaginei.
Rastejando pelo seu corpo, inalo
profundo quando a luz natural bate nas curvas perfeitas dos músculos
tensionados dos braços, peito e abdômen. E eu consigo ver mais desenhos
sobre a pele definida.
Escuto o Audi sair. Coloco os óculos escuros, piso fundo e saio
atrás dele. Abaixo o vidro, olho pelo espelho. Um sorriso satisfeito curva
seus lábios, e ele parece gigante mesmo daqui.
Pelo espelho retrovisor interno, vejo uma mochila no banco de trás.
Dou uma rápida checada, mas não abro.
Disparo pela praça, arrancando para fora de Burk.
Meus quadris se move em pequenos oitos, guiados pelo ritmo da
música. Deslizo uma mão entre as pernas, acariciando
meu clitóris enquanto rebolo lentamente. Ofego, esfregando mais rápido e
forte. Pisando no acelerador, ultrapasso Mika. Meu peito sobe e desce com
as lembranças. Sua boca na minha, sua respiração ofegante no meu ouvido,
a voz rouca quando gemia.
Porra. Seus dedos em mim. Esfrego mais rápido. Seu pau duro
fazendo minha entrada coçar. Gemo, empurrando dois dedos.
Merda.
Minha mente flutua. E aquela maldita sensação do seu corpo colado
no meu me faz querer gozar.
Abro a janela. O vento gelado do começo de novembro varre meu
rosto e limpa a fina camada de suor da pele, acalmando a agitação. Respiro
fundo, tomando o fôlego de volta.
O Audi encosta pela contramão. Mika abaixa as janelas e desenha
uma linha horizontal no pescoço. Eu mordo o lábio e jogo o dedo do médio
para ele.
“Você pode ter um Audi. Mas hoje, eu jogo com os melhores
cavalos”, grito.
Aperto o volante, cheia de energia. Afundo o pé no pedal do
acelerador e corro, desfrutando do poder da máquina. Mika toca do meu
lado, sem ceder.
Bom garoto.
Ele provoca, costurando em zigue zague, brincando com seu
brinquedinho. Folhas secas voam quando ele engata marcha e acelera.
Uma curva aponta. Mika freia e reduz a velocidade. As luzes
vermelhas das lanternas acendem e a traseira gira para esquerda e depois
para direita. Fumaça sai do atrito dos pneus
com o asfalto. A tinta branca do para-choque traseiro passa raspando na
mureta quando ele puxa a direção, aprumando o eixo de volta ao centro,
deixando uma marca de 8 no chão.
Burk é uma ilha montanhosa, cercada pelo mar. Montanhas, rochas,
florestas e as malditas curvas.
Jogo tudo para à direta, sem desacelerar, e sigo Mika.
Vejo o mar pelo para-brisa. Chuva começar cair de mansinho. O dia
vira noite em instantes. Inalo o cheiro de couro. Meus olhos correm o
interior escuro, vejo uma caixinha preta aveludada no console. Corro a mão
por ela. Macia e delicada. Pego, e desço as pontas dos dedos nas laterais.
Sinto iniciais cravadas no veludo. Seguro, estudando o formato de
diamante.
DeL
Uhm, ele tem alguém...
Não abro, mas também não coloco de volta no lugar, deixo ela cair
no meu colo.
Mika nem deve ter notado que eu fiquei para trás, ele estava tão
empolgado fazendo suas manobras. Ele gosta mesmo de carros.
Cruzando o último quilômetro. Sorrio, ao vê-lo escorado na porta
do passageiro.
“Pensei que tinha sofrido um acidente”, explica, mas seu rosto não
parece preocupado, pelo contrário, ele estava se divertindo.
“Não, querido. Ainda não foi minha vez.”
Eu guio quando entramos em Midran. Estaciono numa vaga em
frente ao meu prédio. Coloco meus fones, e conecto via Bluetooth. Abro um
sorrisinho com ‘Bad Intentions’ no volume baixo. Pego minha bolsa no
banco do passageiro e jogo
o corpo para fora. Fico em pé e algo cai, olho para o chão, vejo a caixinha.
Fico encarando a coisinha, e depois pego, colocando-a na bolsa.
“Estou aqui”, Mika avisa.
‘Estou aqui.’ Não, não é uma gentileza. ‘Eu estou aqui caso você
pense em fugir de novo.’ Foi o que ele quis dizer. Eles não vão me deixar
sair dessa. Eles não são meus amigos, não são caras legais, e seus sorrisos
falsos não me enganam.
Lúcifer antes de ser o rei do inferno era um anjo. O mais bonito. O
mais forte. O favorito.
Empurro o botão, e as duas portas de vidros abrem. Passo pela
recepção. O elevador chega e eu entro, indo para o vigésimo andar. Tiro as
chaves do meu apartamento. Vou pelo corredor vazio. Paro perto da vidraça
e observo Mika com os braços cruzados e os carros irem e virem lá
embaixo.
Ele é mesmo obediente ao seu alfa. Eu não sei se fico com raiva ou
acho patético. Mas, por hora, prefiro entrar em casa, pegar roupas novas,
uma bebida e cigarros. Eu não fumo com frequência, é mas pelo cheiro.
Giro duas vezes, o click soa. Puxo a porta e entro. Pisco rápido, sem
enxergar nada.
Quem fechou as cortinas blecaute?
Os meninos quando estiveram aqui?
Por falar nisso, eu não soube como eles invadiram minha casa.
Aiden não tem a chave ou a senha. Eric?
Piso lento, vou até as cortinas e abro um lado. Minha visão fica
embaçada e irritada com a quantidade de luz que recebe de uma vez só.
Não sei o que eles fizeram, mas eu vou checar tudo.
Giro os calcanhares, piso de volta. Paro, paralisada.
Volto um passo. Deixo meu celular cair no chão com todas minhas coisas.
Perco o fôlego.
“O que você está fazendo aqui?” eu pergunto.
“Olá, pequeno cravo.”
Diz meu pai, em pé na minha frente.
Meu corpo treme com ao ouvir sua voz.
Vestindo um terno de três peças azul marinho, ele me dá às costas e
passeia pela sala, desce os degraus da sala rebaixada e vai sentar no sofá.
“Eu soube que você foi até a empresa.”
Abre um botão do paletó, deixando o colete à mostra.
“Isso foi há dias”, eu forço o caroço na garganta enquanto espinhos
pinicam meu estômago.
Ele cruza uma perna sobre a outra, cotovelo nas costas do sofá,
desce a mão na coxa. O cabelo arrumado para trás.
“Eu soube, também”, faz uma pausa e olha para mim. “Que você
pisou em Burk novamente.” Ele esteira os olhos, mantém o tom de voz
assustadoramente calmo.
Leva a cabeça até os dedos.
“Eu te avisei o que aconteceria caso voltasse lá.”
Meu coração bate na garganta. E eu não sei como esconder as
lágrimas. Elas vêm com facilidade, embaçando minhas pupilas, mas eu me
recuso deixá-las cair. Cerrando os punhos, enfio as unhas nas palmas para
espantar o medo.
“O que você vai fazer, papai?” O desafio na voz.
Minha garganta seca.
“Vai me mandar para fora do país de novo? Ou vai me trancar num
quarto como fez com a minha mãe?” aumento o tom. Atacando para me
defender.
Perca o controle, papai.
“Você é oco como uma árvore velha e podre.” Sinto o sangue
escorrer entre meus dedos enquanto deixo a raiva tomar conta. “Você nunca
fez nada para me proteger. Nunca me enxergou. Só se manteve como um
observador enquanto seu filho me agredia!” Circulo a sala, indo para porta.
Meu pai levanta e, com as mãos nos bolsos, caminha lentamente até
mim.
“Sabe, Amber...” Invade meu espaço pessoal.
Eu levanto a cabeça, encarando seus olhos, sem hesitar ou mostrar
fraqueza.
“Você precisa se controlar”, faz uma pausa.
Acaricia o lábio inferior.
“Sabe o que Sarah Brid e Thomas Davis têm em comum?” Ele joga
a cabeça para trás, suspirando. Então volta, mas dessa vez sua expressão era
assustadora.
Eu prendo o ar nos pulmões. Eu nunca vi essa expressão antes, nem
nas raras brigas com a minha mãe. Meu pai é intimidador e arrogante como
um rei, como se tudo ao seu redor fosse insignificante. Mas isso... É
assustador.
Ele se curva, sua bochecha toca minha orelha. Meu estômago
revira, e náuseas ameaçam.
“Estão mortos", sussurra, calmamente. “E sabe quem fez isso?” ele
agarra meus ombros. “Você.” Me sacode várias vezes.
Lágrimas escorrem, mas me mantenho firme no lugar.
“Você, pequeno cravo. Eu avisei para brincar com um cão de raça,
não um vira-lata qualquer. Sua impaciência, desobediência e falta de
controle levou uma garota inocente.”
Eu tento arrancar as mãos dele e me soltar, mas ele mesmo se
afasta. Eu caio, sem força.
“Se tivesse o mínimo de controle, não estaria tão ferrada, não seria
um empecilho no caminho das pessoas com quem cruza. Não percebe que
por onde passa, deixa um rastro de destruição? Você não foi escolhida por
ninguém. Por que continua entre nós?” Ele corre os dedos pelos cabelos,
alinhando os fios fora do lugar.

Meu peito afunda. Eu achava que era forte, que nada mais poderia
me afetar, porque eu tinha passado pelo inferno. Mas eu acho que depois do
inferno existe outro inferno. E só resta continuar lutando, não é?
“Saia!” exijo.
Corro a mão pela testa, tirando os cabelos do rosto.
“Você me odeia, então por que ainda está aqui? Vá embora da
minha casa!” Me levanto, me recuso ser uma vítima que não sou.
“Fique longe, ou irá se contaminar com a minha fraqueza e
insignificância.”
Eu aturei seu silêncio durante vinte e dois anos. Aturei quinze anos
das merdas de Aiden. Vivi cinco anos em outro país com loucos de todos os
tipos. Psicóticos, filhinhos de papai, bandidos, assassinos.
Porra, não há por que me controlar, há?
Amber Reese não é para fracos, papai.
Tiro um fone e depois o outro.
“Eu não sou uma criança que precisa ouvir as merdas do papai!”
grito.
Bato as botas no chão e vou até a cozinha.
“Você não é nada, sr. Reese, nada!” Varro o balcão, mando tudo
para o chão. Os vidros estouram quando caem e
facas riscam o porcelanato.
“Eu vou aonde eu quiser. Faço a merda que eu quiser. E se eu quiser
brincar com o meu vira-lata, eu vou! E você vai me ignorar como fez antes.
Vai manter sua boca calada!” Lanço uma garrafa de uísque nos seus pés.
Dou a volta na sala. Paro na frete da estante de vinhos.
“Eu me recuso a ser pisada por qualquer pessoa!” Tiro uma garrafa.
“Vamos, me enfrente, papai!”, lanço o vidro na parede.
Meu pai me estuda sem fazer nenhum movimento. Mãos nos
bolsos novamente.
Vou para o aparador e puxo o abajur com fio e tudo.
“Eu não tenho medo de vocês”, cantarolo enquanto me movo, indo para as
janelas. “Por que está tão sério? Não é divertido quando não tem mais poder
sobre mim?” Aperto o cabo dourado em punhos. “Oh, não seja assim, sua
princesinha quer brincar.” Lanço o abajur no vidro como uma boa jogadora
de beisebol manejando o taco. Tudo estilhaça no chão e eu curvo os lábios,
sorrindo.
Eu não sou mais uma menininha. Eu não sou mais aquela
menininha. Não preciso da pena de ninguém. Se eu precisar mostrar que eu
sou louca, eu vou mostrar. Se for preciso, eu quebro a casa inteira, eu
destruo prédios e cidades. Se for preciso levantar minha voz e gritar, eu
vou! Porque ninguém pode pisar em mim. Não mais.
Ninguém vai me ferir e sair ileso, porque é atacando que eu me
defendo.
“Você prefere cortar ao invés de curar.” A voz dura de Eric me
assombra.
Ele disse isso na escola?
“Você o escolheria agora”, meu pai fala.
“Parece que ele te moldou”, continua.
Eu franzo a testa. Do que ele está falando?
“Você é tão louco quanto eu.” Passo por ele, pego minha bolsa e
saio, batendo a porta.
Minha cabeça ferve. Ele entra na minha casa, despeja um caminhão
de merda em mim, e depois diz coisas que não faço ideia do que sejam?
Jesus, que porra.
Soco o botão do elevador, toco para fora. Meus punhos prontos para
socar a primeira pessoa que atravessasse meu caminho.

Puxo o freio de mão, pego as chave e saio. Raiva queima meu


interior.
“Me espere aqui”, eu digo a Mika.
Pisando forte e rápido. Desviando dos carros, ponho meus óculos
escuros.
Eu vou resolver o assunto pedante com a reitora e sair o mais rápido
possível. Eu sinto que se não fizer, vou explodir.
Passo pela entrada com portas duplas da faculdade e escuto
murmurinhos e olhares atravessados para mim.
Mas que porr...
Viro, e meus olhos encontram os 1,90 cm sem camisa atrás de mim.
O abdômen bem definido com o caminho para a virilha que não deixa nada
a desejar. Mika coloca as mãos nos bolsos, o jeans desliza, cobrindo apenas
o necessário.
“Ugh, está tão desesperado assim?” rosno.
“Vamos, pequena Amber, não seja assim”, ele inclina a cabeça com
um sorrisinho sapeca.
Mika sorri e cumprimenta os estudantes. Uma loira de mini saia se
aproxima e passa a mão pela sua barriga e peito.
Reviro os olhos, quase enxergo meu cérebro.
Por que eu não o ameacei com minha adaga?
Entro no corredor cheio de estudantes, escuto a multidão vir atrás
de mim, provavelmente seguindo Mika. Mas eu não viro para ver, continuo
seguindo até o meu armário. Abro a porta e tiro alguns documentos.
Uivos aquecem e pessoas gritam pelo capitão do time basquete,
MII. Eu não tive a chance de assistir nenhum dos jogos, então não sei quem
são os jogadores, mas se auto intitular ‘mil e dois’ é bem arrogante, não
acha?
Virando, encontro todo o time reunido na frente da sala da reitora.
Todos cercam alguém. Eu estudo suas costas quando ele gira uma bola nos
dedos. Trabalho as pernas, desviando sem esbarrar em ninguém. Os
jogadores com seus um metro e noventa, abrem caminho e eu vou
atravessando a multidão. Chego na entrada da sala e esbarro em quem eu
acho que seja MII. Ele vira e nós nos entreolhamos.
Eu começo a rir. É claro.
“Você estuda aqui, debaixo do meu nariz!” afirmo, um pouco
surpresa.
Eu não imaginei que o capitão do time de basquete fosse ele. Uma
surpresa atrás da outra hoje.
O aglomerado de estudantes continuam com falatório e risadinhas.
“Seu alfa os infiltrou?”
Sinto o veneno escorrer em cada palavra.
“Nós não podíamos nos infiltrar no que já era nosso.”
Ele se aproxima.
“Ele sempre esteve por perto, Amber, você é quem nunca percebeu.
Você não enxerga nada além de você mesma”, a voz dele soa calma e
confiante.
Eu o encaro sem dizer nenhuma palavra, não precisa. Eu não quero
fazer um show e, eu não quero dizer, mas tudo que ele falou é verdade. É
assim que eu levo a vida. Eu apenas faço o que me dá vontade. Saio sozinha
e vivo sozinha. Não preciso de pessoas ‘normais’ me julgando, me dizendo
o que devo fazer, o que é certo ou errado. Uma vadia egoísta.
Eu bufo, um sorrisinho sai pela garganta.
“Tem razão.” Viro, entrando na sala.
A reitora Scott está sentada na sua mesa, digitando no computador.
“Queria me ver?” Eu me sento na cadeira na sua frente.
“Como vai, Srta. Reese?” Ela para de teclar e olha para mim.
“Muito bem”, meu humor ácido coçando na língua.
“Eu soube que saiu da aula do professor Burtler, soube também, que
não assinou a ficha de suspensão e não retornou as aulas, três dias atrás.”
Tira o óculos vermelho três vezes maior que sua cara.
“Você sempre foi uma boa aluna, o que está acontecendo?” Cruza
os braços.
“Reitora Scott,” dou um longo suspiro. “Nós duas sabemos que eu
sou uma bomba relógio. Eu apenas não tinha por que incendiar, mas agora,
eu tenho.”
Ela franze o cenho.
“Vamos, não seja assim. Você sabe do meu histórico escolar e
familiar, não se faça de idiota”, eu bufo, me seguro para não gargalhar.
Pessoas ‘normais'...
Jogo o envelope marsala em cima da sua mesa.
“Todos os papéis estão assinados.”
Ela espia.
Eu me levando, mas antes de sair, eu digo por cima do ombro:
“Diga para o senhor Burtler que eu o vejo logo mais. Ele ainda terá
mais de mim.”
Sim, eles terão.
Passando pela sala de literatura, vejo Mai Jones segurando uma
pilha de livros enquanto os outros alunos riem e o professor empilha mais.
Viro, indo para saída. Piso fora, mas um braço me serpenteia e me
puxa para dentro. Pisco rápido, e enxergo o rosto suado de Mika.
“Vamos?” ele ofega.
Deixo o olhar cair, encaro seu braço na minha cintura. Ele me olha
e, sem dizer nada, mas entendendo tudo, me solta.
“Vamos.”
De volta à estrada, recosto a cabeça no banco, afundando no couro
preto e macio. Olho para o horizonte através do para-brisa enquanto
cruzamos a cidade. Sono me invade, e tudo que eu desejo é tomar um banho
e cair em uma cama, mesmo que não seja a mim.
Dirijo com uma mão enquanto a outra está sobre a porta. Eu não
voltaria para aquela casa ou para Burk se não
tivesse sido arrastada para isso. Eu poderia estar indo para minha casa, e
amanhã, acordaria e tudo se repetiria. Mas qual seria a graça de viver
assim? Nenhuma, não para mim. Eu queria algo que me fizesse pulsar, me
levasse a beira do precipício.
Acelero, engatado marcha e passo pelo túnel.
Os portões abrem, e os carros entram, indo para o mesmo lugar de
antes.
Me arrasto, passando pela sala enorme, mas não paro, vou para as
escadas. Mika, que vem atrás, vai pela sala, indo para cozinha, e eu subo
para seu quarto. Porém, vozes soam alto e eu paro no topo. Girando o
tronco, inclino a cabeça, vendo a porta da sala de TV aberta. Duas sombras
despontam no chão. Uma das figuras se move e a outra fica imóvel. Eu
trabalho os ouvidos para entender o que está acontecendo. Quem é.
As vozes ficam mais altas. Eu volto alguns degraus. E reconheço
uma voz. Eric.
“Você roubou uma parte da história dela”, muda o tom de voz para
áspero.
“Você sabe que foi ela quem escolheu esse caminho”, outra voz soa.
Meu peito desce. O gosto amargo queima minha garganta.
O que ele está fazendo aqui?
Um dia eu percebi que o medo te domina e destrói. Eu posso estar
há oito milhas de distância, mas sempre que escutar sua voz, meu coração
vai tremer. Meu pai.
Corro, desço escada abaixo. Viro, passo pela sala enorme e
atravesso a porta.
Cada passo era como se eu estivesse indo enfrentar um demônio.
Rápida, ágil. Possuída pela confusão de ser o que sou. De está onde estou.
De ter perdido algo sobre mim.
“Que porra está fazendo aqui?” Avanço pelo cômodo, indo de
encontro com meu pai sentado no sofá.
“Amber”, eu ouço Eric me chamar. Viro para ele, ombro escorado
na janela e braços cruzados.
“Saia”, ordena, e nem sequer se dá ao trabalho de ser educado.
“Cale-se. Você não é nada além de um covarde”, cuspo.
Nem fodendo que eu vou tolerar qualquer ordem vinda dele hoje.
Meu pai ficam em silêncio.
Eu me curvo, prendo seus olhos nos meus.
“O que ele sabe sobre mim que eu não sei? Ele é um dos seus
cães?”
Meu pai olha por cima do meu ombro, e eu sigo seu olhar. Fito Eric
atrás de mim agora.
Eu me ergo novamente, e viro para ele. Nariz com nariz.
“Foda-se.”
Ele me encara com uma expressão triste que me faz ferver de ódio.
“Foda-se! Engula essa cara de merda. Eu não vou ter pena de
você!” esbravejo.
Não, eu não vou ter pena. Ele é um covarde mentiroso.
Empurro o indicador em seu peito.
“Com toda essa pose, eu achava que você era melhor que isso.
Primeiro Aiden, e agora Daniel? Você é mais baixo do que parece.”
Eric engole seco. E eu paro, juntando as peças.
Sacudo a cabeça, viro para meu pai, e em seguida, volto para Eric.
Ele me encara, seus lábios entreabertos.
Eu rio para mim mesma. Como eu não percebi antes?
Levo os dedos ao coro cabeludo, esbarro nele e me afasto para ter
uma vista melhor de longe. Paro, observando os dois homens juntos. Há
quanto tempo eles estão nessa?
“Você é a pessoa por trás dessa merda”, gesticulo para meu pai que
permanece em silêncio.
“O que vocês fizeram comigo?” eu grito.
“O que vocês fizeram comigo, por que eu não consigo lembrar?”
grito mais uma vez.
Agulhas pinicam na garganta, e eu choro, mesmo dizendo para mim
mesma que não faria.
Cerro os punho e me jogo, indo para cima deles.
“Desde que voltei de Hedwyn vocês me atormentam. Primeiro
aquele jantar ridículo.” Eric me agarram, me impedindo de voar no meu pai.
“Depois você tortura uma mulher”, eu grito na cara de Eric. “A morte de
Sarah. Thomas. As invasões à minha casa, sem falar nas ameaças.” Eu
chuto o ar e me debato enquanto ele me prende contra seu peito.
“Foram vocês quem nunca me deixaram em paz!” Eu olho para
meu pai por cima do ombro de Eric. Ele arregala os olhos e demonstra outra
expressão diferente de frieza.
“Amber...” Parece lamentar.
Eu volto para trás, surpresa.
Eric coloca as mãos ao meu rosto, girando gentilmente para ele. Eu
encontro seus olhos.
“Amber... eu...”
Mas eu não o deixo terminar e, com o dorso da mão, dou uma tapa
no seu punho, afastando uma das suas mãos.
“Não me toque.”
Agarro a outra para me afasta, mas meu polegar roça em algo na
sua pele. Minha espinha arrepia e eu puxo sua mão, vejo a cicatriz
escondida pelas tatuagens mas perceptível ao toque.
Eu me lembro do sonho. O homem sem rosto.
“É você...” Solto a mão dele e me afasto.
“Era você.” Vou até a janela. “No corredor de espelhos, era você.
Eu não consigo ver o rosto, mas sinto a cicatriz ao segurar sua mão.”
Meu peito afunda, desespero me consume. Minha cabeça lateja e
minha visão fica embaçada. Eu não sei o que é isso. É angustiante. Eu sinto
que vou vomitar.
Eric fala: “Amber, nós...”
Mas é interrompido pelo meu pai.
“Amber, às vezes quando algumas pessoas sofrem uma perda muito
grande, elas sofrem muito. Sofrem tanto que precisam esquecer aquilo por
um tempo, para se recuperarem e
seguirem em frente. E um dia, quando estão prontas, tudo volta e já não dói
tanto quanto antes.” ele faz uma pausa. “Vocês tinham algo e eu destruí
isso. Eu fiz você escolher entre seu futuro e ele. E por medo, você escolheu
ir embora e deixá-lo.”
Eu pisco, sentindo minhas pálpebras pesadas e a ardência nos meus
olhos.
“Mas eu não aceitei”, Eric continua no lugar do meu pai. “E destruí
as lembrança que nos unia. Então você fez o mesmo, excluindo o que era
doloroso. Eu...” Ele se aproxima.
“Eu quis te punir, mas foi você estava sofrendo.” Ele desliza os dedos no
meu cabelo. “Foi você quem sangrou, não eu.”
Ofegando, puxo a gola do vestido. Agarro o sofá e tento ficar em
pé.
Um zumbido ensurdecedor corta de um ouvido ao outro enquanto a
chama das lembranças perdidas volta a brilhar, e os laços vão se atando
novamente.
O fogo que incendiou.
O vento que soprou meus cabelos.
Os espelhos que um dia refletiram nossos desejos, despedaçados,
reduzidos a cacos.
Fragmentos de uma história que foi quebrada.

18

Amber

Sete anos atrás


Passando pelas líderes de torcida na beira do campo, vou pelo
centro do campo, ainda vazio. Seguro a alça da mochila no peito e ergo o
olhar. Vejo Eric sentado em cima de uma mesa sob uma árvore, cercado
pelo time de basquete e alguns dos seus companheiros de time. Ele segura
uma bola sobre a coxa, conversa e ri. Atraente, desafiador, intimidador.
Nossos olhares se cruzam, e eu piso lento. Ele curva os lábios num
sorriso pretensioso, puxa a gravata solta sob o colarinho e enrola no punho.
Pulando da mesa, joga a bola para outro cara, e vem ao meu encontro.
Eu curvo os lábios. Ele não vai me deixar entrar, vai?
Meu celular vibra no bolso da mochila. Dou um longo suspiro.
Aiden.

“Coloque os pés para fora daqui, e eu faço você se arrepender


de ter olhado para ele”, diz.

Eu balanço a cabeça, procurando-o no meio dos caras que estavam


com Eric, mas não encontro. Aperto o celular em punho enquanto ranjo os
dentes. Esse jogo não tem mais graça.
“Vamos”, Eric se aproxima.
Viro para ele. Algo estava diferente. Estudo seu corpo para
descobri. Ele bufa, rir de mim.
“Qual é a graça?”
“Você.”
Inclina a cabeça para o lado, pega minha mão e põe na cabeça.
“É isso que você está procurando”, diz enquanto desliza a mão até a
nuca.
Eu bufo. Ele cortou o cabelo.
Passo os dedos pelos fios, sentindo o comprimento um pouco mais
curto. Chego mais perto, seu peito forte contra o meu. Inclino, ao tentar ver
a nuca dele, mas algo chama minha atenção e eu paro sobre seu ombro.
Uma sombra se move perto da árvore. Aperto os olhos, tentando focar, mas
desisto sem enxergar nada por causa do sol.
Inalo fundo o cheiro marcante do perfume no pescoço dele, e volto,
olhando para ele agora.
Eric segura minha mão e me puxa.
“Vamos.”
Sou arrastada pelo gramado.
“Para onde? Eu tenho aula”, hesito, mas ele não me ouve e
continua, sem parar.
Nós caímos na estrada, indo não sei para onde.
“Você não vai dizer para onde está me arrastando? Por acaso, vai
me levar para ser cúmplice de mais um dos seus incêndios?” eu falo, séria.
Ele curva os lábios, mas continua focado no caminho.
O interior chacoalha quando o carro desliza do asfalto para o
acostamento.
“Eu preciso fazer algo.”
Ele puxa o freio de mão e tira o cinto de segurança. Desenrola a
gravata e se estica, pairando sobre mim.
“Você está brincando, né?” Eu me afasto, pronta para pular do
carro.
Ele olha para minha mão.
“Estão travadas.”
Eu semicerro os olhos.
“Filho da puta.” Solto a maçaneta da porta.
Eric prende a gravata com um laço e tudo fica escuro. Não enxergo
um palmo à minha frente. O carro balança de novo, e nós voltamos para o
conforto da pista.
“Você não vai me dizer o que está acontecendo?” Viro a cabeça
para ele, mas não sei se estou virada para o lugar certo. Eric ri e segura meu
queixo movendo para esquerda.
“Não, pequena espiã”, ele diz, acariciando meus lábios com o
polegar.
Eu junto as sobrancelhas.
“Pequena espiã?”
“Minha pequena espiã”, esclarece.
Dá um toque no meu nariz e gira minha cabeça para frente.
Isto não explica nada.
A porta do motorista abre e depois bate. Logo em seguida, a minha
abre e eu sinto seus braços serpentear minha cintura e me puxar para fora.
Ele segura minha mão e eu escuto o barulho quando a porta bate
novamente.
Eric me guia para algum lugar. Meus pés afundam quando nós
andamos rápido. Abro os olhos e giro a cabeça, vendo apenas sombras
vermelhas, nada mais.
O pouco sol queima minha pele exporta pelo vestido de alças finas.
Meu rabo de cavalo roça as escapulas quando ele me leva para lá e para cá.
Sinto a mudança de temperatura, repentina. Um vento gelado acaricia entra
minhas pernas, nós subimos um degrau. Ele me puxa com cuidado.
“Cuidado com a parede”, avisa.
Entramos em algum lugar, e tudo vai de vermelho para preto em
instantes. Não estamos mais fora. O frio na barriga sobe pelos ossos. Eu sei
que estamos em um lugar escuro.
Ele me leva por um caminho. Para, e me circula. Seu peito roça
meu ombro e sua mão rasteja pela minha nuca. Acaricia o lóbulo da minha
orelha com as pontas dos dedos enquanto a outra mão puxa o laço da
gravata. O tecido escorre pelo meu nariz e boca. Eu abro os olhos
lentamente e não vejo nada.
“Kane, que merda é essa?” eu balanço os braços, procurando por
ele.
Ele fica em silêncio. Abano o ar na tentativa de tocar nele,
entretanto, algo gelado toca minhas pernas. Eu pulo, assustada, e ofego,
sentindo o líquido escorrer para dentro do meu tênis.
“Eu não tenho medo de você!” grito.
Não fico parada, começo a caminhar enquanto toco nas paredes
para guiar o caminho, é quando um braço serpenteia minha cintura e me
prende. A respiração forte na nuca faz meu coração bater na boca.
“Você deveria ter medo de mim”, a voz intimidadora disparar por
cada polegada de pele.
“Eu não tenho medo de você”, ofego, a pulsação acelerada.
Eric me vira bruscamente.
“Você gosta disso?” Arrasta a mão pela minha nuca, travando os
dedos num punhado de cabelo.
“Não”, arfo enquanto ele deixa uma trilha de beijos pelo meu
pescoço.
Puxa minha cabeça para trás, e desce, afundando a boca nos meus
mamilos duros sob o tecido.
“Seu corpo gosta”, ofega.
Rastejando a mão entre minhas pernas, vai de encontro com o meu
clitóris. Ele brinca, acaricia e pressiona. Minha pressão sobe tão rápido
quanto os movimentos dos seus dedos. Ele me levanta pelas coxas e me
joga contra parede. Eu ofego. Seu pau coça minha entrada enquanto mói
contra mim.
“Eric...” eu o chamo quase sem voz. Minha buceta lateja,
implorando por ele.
“Eric...” eu chamo mais uma vez.
Quero ouvir sua voz.
Quero que ele me toque mais.
Me toque mais, baby. Eu estou pronta para isso. Pronta para você.
“Eu quero você”, choramingo em seus lábios.
Ele grunhi, esfregando mais rápido.
“Onde você me quer, hã?” um sussurro enlouquecedor faz meu
ventre queimar.
“Dentro de mim”, eu gemo alto.
“Diga de novo.” Ele puxa meu cabelo mais vigido.
“Eu quero você dentro de mim”, solto um grunhido.
Seus lábios batem nos meus. Ele me beija exigente e possessivo.
Seu músculo, úmido e quente, roça na minha fenda. Eu forço a cintura,
engolindo ele.
“Amber”, geme enquanto agarra minha bunda.
Eu arqueio as costas e pressiono a cabeça contra a parede quando
ele bate forte. Entrando e saindo, percorrendo o caminho apertado dentro de
mim, empurrando rigoroso.
“Oh, meu Deus. Não pare”, gemo alto.
Sua língua chupa e suga meu mamilo duro.
Minha buceta lateja quando ele estoca várias vezes. Eu lanço os
braços envolta do pescoço dele e aperto seu pau. Eric geme, e me atinge
com força. Eu prendo os calcanhares nas suas costas mantendo-o dentro de
mim enquanto o calor nos atinge.
Eu ofego, me perdendo no orgasmo. Minha mente flutua enquanto
meus olhos se fecham lentamente. Deixo o rosto cair sobre seu ombro. Eric
me segura pela parte de trás das coxas e continua me pressionado contra
parede. Ele continua me preenchendo.
Acaricia meu cabelo, e eu me aninho na curva do pescoço dele.
“Você me trouxe aqui só para isso?” Viro o rosto, meu nariz toca
seu pescoço macio.
“Não, mas você mereceu isso”, ele suspira para espantar o cansaço.
Eu levanto a cabeça, esfrego os dedos no seu rosto. Mapeio todos os
detalhes com as pontas. Sinto a curvatura perfeita do seu nariz com uma
leve empinada na ponta. As sobrancelhas retas e o contorno sutil dos lábios
bem
desenhados.
Ah, ele é...
Interrompo meus pensamentos. Não quero assumir a realidade. É
assustador pensar na pequena possibilidade em cogitar sentir algo por ele.
Os homens da minha vida ou me trancam em armários ou não me
enxergam. Não quero que com ele seja assim.
Droga. É tarde demais para tentar não pensar, não é?
Quem eu estou tentando enganar...
Eric fecha os olhos quando toco nas pálpebras. É macio. Queria ver
seu rosto. Vê-lo relaxado sob meu toque. Vê-lo dormir.
O quero na minha cama.
“Posso saber por que fui punida?” Eu toco sua mandíbula bem
definida.
“Não me chame por outro nome", diz, arrastando meu dedo para a
boca.
“É o seu nome”, digo.
Ele responde lambendo e sugando meu dedo, depois engole,
provocante. Minha buceta contrai envolta do seu pau, ainda dentro de mim.
Eric geme.
“Não faça isso, nós temos que ir.”
Ele me dá um selinho e desliza para fora.
“Hummm.” Mordo o lábio.
Desço a barra de notificações. Mais mensagens do meu
irmão chegaram no tempo que fiquei distraída com Eric. Mais
ameaças, várias lições perdidas e correios de voz.
“Tudo bem?”
Eu vejo o rosto dele pairando na minha frente quando a luz da tela
brilha.
“Sim.”
Eu sigo seus olhos que caem na tela e eu rapidamente desligo,
voltando ao breu.
“Vamos?” eu o chamo.
Aiden deve está mais furioso do que nunca. Eu fui embora e não fiz
o que ele queria. Faltei as aulas e sai desfilando com o seu amigo. Eu
duvido que ele seja paciente comigo hoje, não que ele já tenha sido um dia.
Mas hoje, com certeza, ele estará mais agressivo.
Eric guia o caminho. Eu não enxergo nada além de preto. Arrasto os
pés ao invés de pisar. Não quero cair, caso apareça um degrau ou tenha
buracos no chão.
Escuto ele rir do meu lado e franzo os lábios.
“Você não tem coragem”, Eric me desafia.
“Isso não tem graça, Kane.” Eu toco na parede, sem enxergar nada.
“Você sabe que eu odeio quando você me chama assim.” Ele
estende a mão e pega a minha.
Eu roço o polegar na cicatriz no dorso da sua mão.
“E você sabe que eu odeio escuro e, mesmo assim, me trouxe para o
lugar mais escuro que pôde.” Desço um degrau.
“Ainda tem medo?” diz, com um tom sarcástico na voz.
“Estou falando sério.”
“Eu também quando digo para não me chamar por outro nome.”
“Que lugar é esse?” ignoro, curiosa desde que ele me sequestrou
antes que eu pudesse entrar na escola.
“Adivinhe”, me desafia de novo.
“No seu cativeiro? Você guarda seus objetos de tortura aqui?”
Ele ri e nós descemos mais degraus.
“Eu passei semanas tentando te convencer a me aceitar. Você acha
que eu seria estúpido de te mostrar minha verdadeira face agora depois de
tudo?” Ele aperta minha mão.
“Não sei. Você mudou muito nos últimos dias, Kane...” Dou os
ombros, retribuindo sua provocação anterior.
Nós trocamos mensagens todas as noites. E eu pude conhecer um
pouco mais dele sem aquela marra toda ou sem pensar nele como um amigo
do meu irmão. Ele é mais divertido do que mostra. Na escola, é o garoto
popular com quem todas as meninas querem sair, o líder temido pelos
outros caras, o amigo arrogante de Aiden. Comigo é diferente, ele é... bobo.
Eric engancha minhas coxas, e me joga no ombro. Seu osso afunda
na minha barriga enquanto esperneio.
“Eu já disse que detesto quando você me chama assim.” Ele prende
minhas pernas contra seu abdômen e volta a andar.
“Tire suas mãos de mim, Kane!” ordeno, dando tapas nas suas
costas.
“Eu vou cair!”
Ele se equilibra.
“Claro, se continuar fazendo isso. Agora, shhhh. Feche os olhos.”
Eu hesito, mas acabo fechando. Após alguns passos, ele me põe no
chão e solta minha mão.
“Abra”, sua voz desaparecendo em algum lugar.
Eu abro os olhos. Fico paralisada. Vejo várias de mim refletidas
num caminho de espelhos gigantes. Tochas entre os espelhos, iluminam
tudo. Começo a sorrir sem parar. Ele me trouxe aqui, de verdade. É real!
Meu peito enche de euforia. Borboletas na barriga.
Quando eu era criança, na única vez que meu pai foi ao meu quarto
me colocar para dormir, ele me contou a história de uma garota que
construiu um túnel de espelhos sob um parque para não se sentir sozinha.
Quando ela se olha nos espelhos, via várias em uma só. Era um lugar
brilhante e mágico que confundia a mente e resgatava um pedaço da garota
todos os dias.
“Você achou. É real!” Eu balanço a cabeça, procurando por ele, mas
não o vejo.
Eu caminho pelo corredor. O chão espelhado dava a sensação de
queda livre. Eu iria cair. Não sabia mais como andar. Passando pelos muros
de espelhos, eu toco no meu indicador refletido, depois nariz e olhos.
Eu não pensei que a história do meu pai fosse mentira, mas também
não acreditava na possibilidade de encontrá-lo. Quero dizer, parece meio
irreal. Mas por algum motivo, ele parecia emocionado quando fala sobre
este lugar. E Eric o achou.
Eu o vejo no fim do corredor. Ele está em pé com a mão estirada me
esperando. Eu me deixo guiar até ele. Seguro sua mão e nós vamos para
uma sala.
“Você não pode se esconder aqui, baby.”
Luzes douradas acendem no lustre de cristal sobre nós e ilumina da
cabeça aos pés. As paredes são espelhadas de cima à baixo, e é possível ver
pequenos cristais azuis e roxo cintilar no teto.
Lágrimas ardem nos meus olhos. Eric acaricia minha bochecha com
o polegar. É lindo. Uma obra de arte. Nunca imaginei estar em um lugar
assim com ele...
“Amber, você é minha. Ninguém vai tocar em você.” Sua testa na
minha. “Assombre-os. Nunca deixe que saiam ilesos. Sempre arranque um
pedaço deles. Sua alma é a própria chama, então queime.”
Meu peito sobe e desce, batendo rápido.
“Garoto, eu vou para o inferno com você.” Eu seguro firme sua
mão, pronta para viver isso.
Ninguém vai me parar, não mais.
Seguimos pelo túnel, pisando forte e confiante. Luzes vermelhas
acendem a cada passo que eu dou. Viro-me para trás, fito o sorriso satisfeito
no rosto dele. Porra. Volto um passo, agarro seu rosto e lhe dou um beijo na
boca.
“Obrigada”, sorrio nos seus lábios.
Tocamos para fora. Agora, o caminho todo iluminado. Percebo
onde estávamos. Sob a casa dos espelhos.
Eu não sei como ele achou isso, mas eu amo.
Meu celular começa a tocar numa ligação, mas antes que eu atenda,
Eric toma de mim e atende.
“Eu mudei de ideia, Aiden. Eu não quero apenas um pedaço dela,
eu quero sua joia inteira.” Ele pisca para mim. “Venha atrás de mim e me
foda, eu estarei esperando.” Desliga e desliza o celular no bolso da jaqueta.
Eu dou um sorrisinho atrevido. Eu adoraria ver a cara do meu irmão agora.
Caímos na estrada. Puxo todo meu cabelo, refazendo o rabo de
cavalo que ele destruído mais cedo.
“Qual o plano, baby?” Eric engata marcha.
“Você tem gasolina no porta-malas?” Eu olho ele que curva os
lábios.
“Sim, baby.”
“Aonde vamos esquentar?” ele brinca.
“Porsche 911 geração G”, eu olho para ele com um sorriso
diabólico. Eric arregala os olhos para mim, sem acreditar.
“Não...”, solta um grunhido.
“Sim”, mordo o lábio, mal podendo esperar para fazer. “Lataria
carbonizada é a nova moda”, falo, quase séria.
Das poucas coisas que meu irmão gosta, seu carro e o vôlei são
umas delas. Ele não vai ficar feliz em perder a garota que ele herdou do
nosso avô. E o vovô também não ficará nada feliz, no entanto. Bem, foda-
se.
Desço do carro. Eric estacionou um pouco antes da minha casa.
“Fique aqui e me espere, ok?” eu instruo. “Vou pegar o carro e você
me segue quando eu sair”, repasso o plano.
Atravesso a estrada, e subo a pequena ladeira. Contorno algumas
árvores, chego no portão, mas ao invés de abrir, vou pela esquerda, rente ao
muro. Subo na árvore, passo uma perna por cima do muro e depois a outra.
Sento e jogo as pernas, pulo direto na grama, ao lado da piscina. Corro,
passando pelos canteiros de flores iluminados por refletores brancos. Puxo a
maçaneta da porta dos fundos, entrando na cozinha, circulo a ilha e vou
direto para sala. A casa está silenciosa. Papai e
Aiden devem ter ido para Midran, e minha mãe deve está na clínica de
repouso.
Subo correndo as escadas, trabalho mais rápido no corredor. Abro a
porta do quarto do meu irmão. Sem acender as luzes, vou até à mesa de
cabeceira e ligo o abajur. Vasculho as gavetas, nada das chaves. Passo as
mãos debaixo dos travesseiros, nada. Apalpo as cobertas brancas, nada.
Piso, indo para sua escrivaninha. Abro as caixas, nada. Levanto os livros de
economia, nada. Viro indo para o sofá, vejo um pontinho prata em cima do
paletó preto quando a luz da lua bate através da janela. Eu dou um
sorrisinho para mim mesma.
Sangue corre rápido, aquecendo minha pele, pulsando forte pelo
meu corpo, espantando qualquer outro pensamento. Aperto as chaves em
punhos, e curvo os lábios.
Oh, meu deus. Tem algo que me faz querer ser má. Brincar com
meu irmãozinho é mais divertido do que imaginei.
Saio correndo. Pulo os degraus, deslizo pela sala e volto pela
cozinha, toco pelo jardim. Entro na garagem. Escorrego para dentro do
Porsche. Giro a chave na ignição, o motor
aquece e meu estômago revira com borboletas. Não paro de sorrir. Trabalho
pelo portão principal. Giro para à esquerda, vejo Eric fumar, escorado na
porta. Ele dá um sorriso diabólico e toca para dentro do carro. Me
acompanha em seguida.
Nós tocamos pela estrada, saindo da cidade e pegando o atalho para
a praia. Desço do carro, Eric vem até mim.
“Diaba.” Ele me puxa para seu peito, e me beija, me levantando do
chão ao mesmo tempo.
Sua diaba, querido.
“Meu irmãozinho vai adorar a surpresa, não acha?” bato no capô
enquanto circulo, indo para a Classe G de Eric.
Ele tira um galão de gasolina e começa despejar no capô, porta-
malas, bancos, volantes. Eu deslizo do seu lado, e trilho um caminho pelo
seu abdômen e pelves. Seu músculo, acordado, me dá um oi quando arrasto
as pontas dos dedos sobre o jeans e toco na protuberância.
“Está com fome, baby?” Eric fala, baixinho nos meus lábios. “Eu
posso te alimentar a noite inteira”, ele sussurra quando eu enfio a mão
dentro do seu bolso e agarro o isqueiro.
“Sim, você fará”, provoco, e dou um selinho entre um sorrisinho.
Acendo o isqueiro. A chama alaranjada treme com a corrente
noturna do mar, brilha na minha mão e eu jogo direto no banco do
motorista. O fogo aumenta rapidamente quando entra em contado com a
gasolina. As labaredas se espalham pelos bancos de couro em segundos. Eu
volto alguns passos quando elas atingiram o tanque prestes a explodir.
O estrondo monstruoso toma conta de toda a faixa de terra. Viro,
decidida a ir para os braços de Eric, mas paro ao ver duas figuras paradas na
beira do paredão rochoso atrás de nós.
“O que foi?” Eric segue meus olhos, vira a cabeça e encontra o
mesmo que eu. Nós nos entreolhamos.
“Você decide.” Fogo nos olhos, confiante.
“Deixe-os vir”, eu cruzo os braços no peito.
As duas figuras entram nos carros, e nós ouvimos o ronco dos
motores quando tocam de volta para estrada.
Na pior da hipóteses, meu pai e meu irmão voltaram da viagem.
Aiden não encontrou as chaves do carro e resolveu checar as câmeras. E
com a explosão, não foi difícil nos encontrar. Agora, quem é o outro com
ele? Seria Riley?
Aiden pula antes do carro parar, e corre, avançando direto para cima
de mim. Eric entra na frente e segura ele.
“Eu acho que corrompi sua irmãzinha, vai me foder?” provoca.
Aiden se ergue, e desce um soco no rosto dele. Eric cospe sangue.
“Tão fraquinho. Não esqueça quem é o líder, Aiden.” Balança o
punho e lança na cara do meu irmão, sem dar tempo para Aiden se esquivar.
Ele volta um passo e Eric joga outro, sem tempo para reação. A cabeça de
Aiden chicotear para trás.
Eu enrijeço minha coluna quando a porta do outro carro bate, e a
figura intimidadora do meu pai vem até nós. Olho para meu irmão que está
rindo.
“Eu disse que iria te foder!” ele grita. “Sua vadia!”
Então avança de novo. Me lança ao chão e monta em mim. Eu
sacudo os punhos, batendo nele enquanto Eric trabalha rápido puxando-o
pelos cabelos e tirando seu corpo de cima do meu.
Eu soco a areia ao sentar sobre os calcanhares.
Ele trouxe nosso pai. Filho da puta cretino. É claro que ele faria
algo desse tipo. Meu irmão é baixo, e odeia perder seus brinquedinhos. E eu
não tenho noção do que meu pai vai fazer. Ele é indecifrável e imprevisível.
Droga, Aiden!
Cerro as mãos em punhos com a figura de Daniel Reese parada
como uma muralha na minha frente.
“Escolha.”
Eu levanto a cabeça ao escutar a voz direcionada à mim após anos.
Um caroço cresce gradualmente na garganta. Lágrimas ardem nos meus
olhos.
“Escolha entre ele ou sua liberdade.”
Meus lábios tremem. Sobre o quê ele está falando?
“Isso é uma ameaça?” Eu engulo o soluço.
Meu pai se curva com as mãos nos bolsos, e sussurra: “Amber, eu
não vou deixá-los em paz, você sabe que eu posso fazer isso. Eu vou levá-lo
ao inferno, querida. Então, se deseja que seu amigo viva, escolha com
sabedoria.”
Meu peito treme e minha garganta fecha de vez. Meus pulmões
voltam a arderem e eu murcho como uma uva-passa. O ar fica pesado
demais para minha pele suportar. A areia da praia parece pequenos cacos de
vidros. Sinto uma ânsia de vômito excruciante, ao ponto de tampar a boca
com as mãos para conter o líquido ácido preste a sair.
Eu nunca subestimei a calmaria do meu pai. Nunca desconfie das
palavras que saíram de sua boca. Ele nunca fez nada comigo. Não nunca
encostou um dedo em mim. Mas pessoas imprevisíveis fazem coisas
imprevisíveis. Pessoas poderosas dominam os fracos. Hoje, eu sou a presa e
ele é o caçador.
Engulo o choro e toda merda.
“Fique longe dele, e eu faço o que você quiser”, digo, baixinho.
“Amber", Eric me chama, mas eu não olho para ele.
“Amber”, ele chama mais duro agora.
“Cale-se”, meu pai murmura por cima do ombro. “Eu tenho planos
para ela, e... Ela não te quer, não é, querida?”
Não faça isso comigo, por favor. Ele não merece isso. Nós não
merecemos nada disso.
“Não é, querida?” meu pai pressiona.
“Não quero.” Lágrimas escorrem. Levanto e saio sem olhar para
trás, indo para longe.
“Amber!” Eric grita, vindo atrás de mim.
Deus. Não venha, não piore tudo. Me deixe em paz antes que eu o
machuque. Eu não quero fazer isso, por favor fique longe. Eu não sirvo para
você!
“Amber, fale comigo!” ele exige, ficando impaciente.
“Me deixe em paz.” Eu enxugo as lágrimas
Eric corre e puxa meu braço.
“Me solte!” eu tento me afastar. “Eu não quero ficar com você!”
grito. Olhando no fundo dos seus olhos, vejo o brilho apagar.
“Você o quê?” Ele não acredita, e me puxa de volta para onde seu
carro estava estacionado.
Aiden se move, mas meu pai o para.
“Deixe. Ela quem começou essa brincadeira, então ela que
termine.”
Eu tento engolir as lágrimas mas é inútil.
“Afinal, ela apenas o estava usando para fugir”, Daniel diz alto.
Eric olha para ele, e depois para mim, decepção em seus olhos. “Ela não é
diferente de nós egoístas.”
Meu peito afunda com o olhar frio dele ao me jogar no dentro do
carro.
Eu fiz isso? Eu estava usando ele para fugir dos abusos? Eu... eu
queria está com ele apenas para alimentar o vazio dentro de mim? Era tudo
uma mentira? Não, não era. Eu queria estar com ele. Eu quis ser sua. Eu
quis todos os momentos, não quis?
Eric para na frente do Hollow. Segurando um pé de cabra, ele me
puxa para fora do carro. Nós entramos no parque e ele não diz nenhuma
palavra.
Eu preferiria levar cem facadas.
Apenas me deixe ir.
Segura meu pulso e me leva de volta para o túnel de espelhos. Ele
para, olhando para mim com os braços cruzados.
“O que aquele bastardo disse?” questiona, seu semblante irritado.
“Diga que não me usou”, exige.
Eu engulo seco. Mil agulhas perfuram minha garganta.
“Me deixe ir”, peço.
“Diga!” ele grita, seus olhos cheios de lágrimas. E eu estremeço.
“Eu te usei. Eu não gosto de você”, eu digo baixo, encarando sua
tentativa de segurar as lágrimas.
“Não!” ele grita de novo, as lágrimas escorrem.
Não chore, meu amor. Não chore, isso machuca.
“Por favor, me deixe ir”, eu imploro, segurando o choro.
Ele grunhi como um animal ferido e soca um espelho. Eu pulo,
assustada.
“Eric...” eu o chamo.
“Você deveria ao menos fingir que o que aquele filho da puta disse
era mentira. Assim eu poderia fingir que eu acreditava, e nós ficaríamos
bem. Você deveria lutar, é assim que você é! Você luta!” Soca outro
espelho.
“Você é igual a todos ele, só fere e nunca cura!” Ele chuta, levando
outro espelho aos pedaços.
“Pare!” eu grito.
Não faça isso. Este é o nosso lugar.
“Por quê? Tudo não passa de um joguinho para você, não é? Então
vamos dançar, Amber Reese! Vamos fazer isso!” Eric arrasta o pé de cabra
e lança contra a fileira, e tudo vira cacos.
Meu peito dói para cacete, e as lágrimas pinicam meus olhos. O nó
gigante na garganta é tão doloroso. Eu quero correr assim como faço com
meu irmão. Ir para o lugar mais distante que minhas pernas consigam
chegar. Virar cinza e ser levada para longe, porque esta dor é demais para
mim.
“Você não se importa, importa?” Ele corre os dedos pelos cabelos.
E eu engulo a porra do nó.
“Não, eu não me importo.”
Eu me aproximo, ergo a cabeça e o encaro.
“Minhas lembranças sobre você serão igual a esses espelhos, apenas
cacos, sem importância, sem emoção, sem brilho. Apenas lixo inútil!”
cuspo. “Eu sinto nojo de mim mesma por um dia ter sido tocada por você.”
Ele flexiona a mandíbula e dá um sorriso amargo.
“Você não deveria ter dito isso”, passa por mim, saindo e me
deixando para trás.
Eu caio de joelhos. Os cacos de vidro cravam nos meus joelhos e
pernas. Cansada e doente por pensar como a noite foi do paraíso ao inferno
em questão de minutos.
Deus, como dói! Eu não suporto tanta dor. É ele que eu quero, mas
como posso tê-lo depois disso? Ele era a única coisa verdadeira, e eu
acabei, estraguei tudo. Eu o perdi para sempre.
Volto para casa. Minha cabeça pesava uma tonelada enquanto
forçava minhas pernas continuarem à andar.
Empurro a portas duplas, entro, e vejo Daniel com os braços
cruzados escorado no corrimão da escada. Pisco, meus olhos ardem e eu só
desejo não passar por isso.
“Arrume suas malas” ele fala.
Eu encaro seu rosto tranquilo, e náuseas embrulham meu estômago.
“Ok”, eu piso, passando por ele e subindo os degraus.
Faça o que quiser papai. Eu não revidar. Nem você. Nem Aiden.
Nem Eric. Nenhum de vocês farão parte de mim quando eu me levantar,
porque eu não suporto mais viver com esse peso.
“Mande-me para o lugar mais longe que puder.”
Sigo para meu quarto.

19
Eric

Presente

Amber cai de joelhos. Leva as mãos ao rosto, chora e soluça.


“Como... como eu esqueci de tudo por tanto tempo?” grita para
Daniel.
O homem se ajoelha, e começa a explicar:
“Depois que você chegou em Hedwyn, começou a dar sinais de
amnésia. Médicos foram enviados. Você passou por exames, lembra?” ele
questiona a filha, que parece tentar lembrar.
“Não eram exames de rotina?” ela procura os olhos do pai.
“Não. Eles me ligaram e pediram que eu fosse até lá com urgência.
E eu fui. Ao chegar, me disseram que você tinha sofrido um trauma e que,
em questão de semanas, não lembraria de parte dos acontecimentos daquela
noite. Nós só não sabíamos que você iria esquecer tudo sobre vocês dois.
Ao
ponto de nem lembrar do rosto dele.” Daniel olha para mim e Amber o
acompanha.
Ele vira para ela.
“Com o tempo, você já não lembrava de nada. Por que estava em
outro país. Dele. É natural esquecermos o rosto de alguém que não vemos
há anos, mas, para você, sempre foi mais que isso.”
Amber balança a cabeça, sem acreditar.
“Tudo que eu lembro é verdade?” ela me encara, seus olhos
vermelhos e cabisbaixos. Anseia por uma resposta direta e rápida.
“Sim”, eu respondo, sem hesitar ou arrumar uma desculpa.
“Por que você não me disse a verdade?” Amber vira para o pai.
“O que você poderia fazer? Era um trauma. Você lembraria de tudo
se tivesse algum gatilho.” Daniel olha entre nós. “Mas devo admitir”, fica
em pé e desliza as mãos nos bolos. “Vocês estão fadados à cometerem o
mesmo erro do passado.”
“Você correu direto para os braços do seu pequeno gatilho, Amber.”
Curva os lábios num sorriso. “E se apaixonou pela mesma pessoa em uma
única vida. Devo dar os créditos ao seu irmão por isso.”
Aiden para atrás do pai.
Amber olha por cima do ombro de Daniel.
“Você sabia disso?” encurrala o irmão.
“Por qual outro motivo eu me aproximaria do cara que destruiu meu
carro?” Aiden arruma as mangas do paletó.
“Você acha que eu o levei para seu apartamento naquele dia por
coincidência? Ou para ele se divertir na nossa casa?”
Aiden vira para mim.
“Você queria se vingar dela, e ela não lembrava de você e queria
brincar. O que acontece quando o fogo chega perto da gasolina?” Aiden
para.
“Boom, diversão!” gesticula com as mãos.
Eu avanço nele, mas não o toco.
“Você estava brincando com a gente esse tempo todo?” rosno.
Enfio o dedo na testa dele.
“Você queria que eu fodesse sua irmã? Que tipo de lixo você é?”
Aiden dá os ombros.
“É, nós somos de espécies diferentes.”
Amber se move, vindo até nós. Daniel acompanha.
“Fale a verdade.” Amber diz, calmamente.
Aiden olha sério para a irmã e depois amolece.
O que está acontecendo? Aiden não cede a ninguém. Ela sabe de
algo?
Amber nos dá as costas, e caminha, indo para janela. Corre os
dedos pela cabeça, penteia o cabelo para trás, mechas finas escorrem pelas
laterais.
“Você não faz as coisas dessa forma. Você apenas pega. Não teria
paciência para esperar até que nós nos destruíssemos, e...” ela faz uma
pausa e olha para o irmão, cautelosa. “Você sabia que eu não conseguia
respirar naquela noite.”
Aiden arregala os olhos.
Amber sabe que tocou em algum lugar sensível por trás do muro
erguido em torno dele, então completa:
“Você não faria isso se não desejasse que eu lembrasse de tudo. E
não é pelo motivo que você diz. Tem algo mais que você não quer dizer.
Culpa?”
Meu peito afunda. Olho para Aiden, tristeza ao encarar sua irmã.
Todo esse tempo, e ele finalmente sente culpa pelo que fez com sua
irmã? Ele sabia de tudo e mesmo assim deixou que eu pensasse que Amber
era uma filha da puta?
Eu me viro. Avançando nele, seguro seu colarinho e lanço um soco
no seu nariz.
“Você tem noção do quanto eu desejei me vingar da sua irmã por
achar que ela tinha culpa? Eu passei anos alimentando uma vingança
estúpida! Você disse que ela havia ido embora para fugir de mim. Eu só
quis estar perto dela. Faria qualquer coisa por ela. Iria até o inferno por essa
garota. E você olhou nos meus olhos e disse que ela tinha me denunciado
pelo que aconteceu na praia. Você! Você me fez odiá-la!
Amber se agita do nosso lado.
“Eu fiz o quê? Do que eles estão falando?” ela pressiona Daniel,
mas quem responde sou eu:
“Depois que Daniel te mandou embora, alguém me denunciou e eu
fui preso por incendiar um carro. A denúncia veio de Amber Sofia Reese.
Mas, pelo visto, veio de Aiden Brian Reese.” Aiden respira fundo.
Engulo o nó na garganta.
“Você queria se vingar de nós”, sacudo o punho, pronto para mais
um soco.
Ele ri.
“Eu disse, se você encostasse um dedo nela, eu iria foder os dois”,
ele cospe, muito satisfeito.
Eu lanço outro soco enquanto Daniel e Amber observam. A cabeça
dele chicoteia para trás e sangue espirra do nariz.
“Seu filho da puta! Você não sente nem um pouco de culpa!”
rosno.
“Eu não sou mais uma criança, Eric!” Aiden ergue a voz e grita.
“Meu pai deixou claro que parte da culpa era minha quando me fez ir
naquele maldito lugar ver o que tinha feito com ela!” Ele faz uma pausa, e
encontra a figura da irmã por cima do meu ombro. “Durante cinco anos, eu
vi sua personalidade se moldar naquele inferno. Eu a vi sofrer sozinha e
abandonada por minha causa!” Ele grita mais alto enquanto limpa o nariz.
“Então, sim, eu sinto culpa. Mas...”
Amber enrijece a coluna enquanto Daniel fica atrás dela.
“Não satisfeito, meu pai exigiu que nós entrássemos nessa juntos.
Eu não tinha o direto de dizer a verdade, porque eu não tenho a porra do
direito de pedir desculpas!”
Eu me afasto. Um turbilhão de pensamentos correm pela minha
mente mas nenhum que me ajude a lidar com essa situação. Tudo parece
mais confuso ainda. Eu não sei como agir. Aiden causou a pior crise
possível.
“É tudo mais complexo. É uma merda escrota. Um emaranhado de
sujeira. Arrastar vocês para isso não ia resolver
porra nenhuma.” Ele solta um longo suspiro, e eu sinto a descarga de
exaustão passar do seu corpo para o meu.
“Você é um cretino filho da puta”, Amber grunhi.
Eu viro para ela, surpreso.
“Direito de pedir desculpas?” ela invade o espaço pessoal do irmão.
“De que porra você está falando?” grita.
“Todos brincaram com a minha vida com se ela fosse um tabuleiro de
xadrez”, ela olha para todos nós.
Vem até mim.
“Você quebrou tudo, e depois quis se vingar por uma história que
você ouviu da boca do meu irmão? Não, você só arrumou uma desculpa
para me fazer sofrer como eu fiz com você!”
Vai até o pai.
“Por que me mandou para Hedwyn? Nós tínhamos um trato. Tinha
a ver com minha presença em Burk, não é?” Amber é rápida com as
palavras.
Daniel coloca as mãos nos bolsos.
“Sim”, responde.
Amber estuda a resposta.
“Há”, bufa. “Você queria descobrir a verdade por trás de todos os
desaparecimentos na cidade. Por isso precisava de algo para atrair o Eric
para seu plano, porque queria ele do seu lado. Então usou a morte da sua
mãe, e aproveitou que ele estava furioso comigo e faria qualquer coisa para
extravasar.”
Daniel ri.
“Não. Eu apenas lhe dei algo para se ocupar e, assim, te esquecer.”
Amber curva os lábios num sorriso debochado.
“Bom, papai, muito bom. Você usou todos nós. Realmente, não se
pode confiar em pessoas silenciosas. Suas jogadas são as mais letais.”
Amber está no centro, e nós três encabeçamos cada ponta do
triângulo.
“O que você vai fazer agora que recuperou suas memórias, nos
ajudar ou fugir?” Daniel pressiona.
“Achei que você tinha dito que eu era...”, ela faz uma pausa.
“Como você me chamou mesmo?” encena um pose pensativa. “Ah! Uma
peça com defeito.” Faz cara de coitadinha.
Eu prendo os lábios para não gargalhar, vendo como ela joga bem.
“Não se preocupe, eu quero descobrir se valeu mesmo a pena o que
você me fez passar pela sua obsessão de merda. E eu quero pegar quem
mandou matar a Sarah.” Amber curva um canto da boca, confiante.
“Meu pequeno cravo”, Daniel curva os lábios. Satisfeito com a
atitude da filha.
Amber assumiu o controle quando nos desafiou. Quando mostrou
para Aiden quem é manda. Brigou e me colou no lugar. Quando determinou
que saberia a verdade e foi até o fim para descobrir tudo que havia sido
tomado dela.
Oh, Jesus, o que eu faço com essa mulher? Ela vai acabar me
matando.
As portas duplas abrem, Will entra acompanhado por Mika. Os dois
olham para nós, e Mika bufa.
“Uma reunião familiar?” zomba.
Aiden revira os olhos, sem paciência com II.
“Ah, que legal. Você sabia também?”
Amber cruza os braços.
“Apenas o básico.”
Ele passa por mim, inda até ela. Serpenteia o braço na cintura dela e
a puxa para perto. Eu cerro os punhos, raiva me consumindo.
Que porra é essa, desde quando esse filho de puta fica tocando nela
assim? Primeiro ontem, com aquela dança, e
agora isso? Viraram amiguinhos? Vão dormir juntos e trocar confidência?
Jesus.
Pressiono o maxilar. Não é o momento para brigar com ele. Mas
porra, solte a minha garota.
Mika a conduz, mas eu entro no caminho, encarando seus olhos
com frieza.
“Solte-a, agora”, tento manter a calma. Mika curva os lábios, sem
se sentir ameaçando.
“Ela é minha amiga, não sua”, me desafia.
Amber bufa e aperta a bochecha dele.
“Mais que amiga”, diz, sorrindo para ele.
Eu aperto os punhos. Que porra está acontecendo entre eles?
Daniel se move.
“Encontrou algo, William?” pergunta.
Will olha para mim, e depois para ele, antes de responder.
Franzo a testa. Will não é de lançar olhares furtivos sem um bom
motivo. Nem com um bom, na verdade. Sempre frio, ele não deixa nada
transparecer. Então, por que parece que ele acabou de tentar me dizer algo?
“Sim. Quem pegou o carro dele na oficina naquele dia foi o Sean.”
Ele vira para mim. “Seu pai.”
Ah.
Eu arqueio uma sobrancelha.
“Meu pai? Tem certeza?”
Ele balança a cabeça em sim.
Daniel senta, encarando Will.
“Nós descobrimos quem é o assassino da sua mãe, Sarah Brid e as
outras dezenas de mulheres.”
Eu viro para Will, que olha para mim com as mãos nos bolsos do
jeans preto.
“Espera, você está dizendo que...” Eu paro, sem acreditar.
“Sim. O assassino da sua mãe se chama Sean McBride.” Daniel
cruza as pernas.
“Como você pode ter tanta certeza que foi ele?”
“Dez anos atrás, Sean fez retiradas constantes de calmantes na
farmácia do hospital, os mesmos que estavam no exame de sangue da
autópsia de Liz. E...”
Will me entrega o celular de Thomas. Eu deslizo o polegar na tela e
aparece uma gravação.

“Para um garoto de quatorze anos, você é muito inteligente.


Depois que cortar os freios, livre-se das suas digitais... Quando Sarah
Brid estiver pronta, será a vez dela.”

A voz asquerosa do meu pai soa nos quatro cantos da sala. Eu


aperto o celular no punho.
Sean sempre foi um cretino, mas um assassino?
Levanto, lanço o aparelho no sofá. Avanço, chutando a mesa de
centro longe.
“Filho da puta!” grito, como se estivesse pronto para morrer ou
matar. Meu sangue ferve.
“Eu vou matá-lo com minhas próprias mãos!”
Pulo por cima do sofá, indo para porta. Will e Aiden trabalham
rápido e me seguram, mas eu sacudo os braços me livrando facilmente
deles. Viro-me, mas antes de sair, Amber atravessa meu caminho e planta as
palmas no meu peito, me fazendo voltar um passo.
O quê? Por que ela é tão forte?
Arfo como um animal ferido.
“Você vai ficar aqui!” ela grita ao ordenar.
“Ele matou a minha mãe! Eu não vou ficar assistindo outras pessoas
morrerem!”, mudo o tom de voz.
Mika vem e fica na retaguarda de Amber. O olhar de quem acabou
de despertar o instinto protetor ao notar o mínimo sinal de ameaça se
aproximar dela.
“Sim, ele matou sua mãe, a Sarah e a mulher do vídeo. E você não
sabe quantas mais. Mas não sabemos quantas pessoas estão com ele. Agir
sem um plano é burrice, Eric!” acrescenta. “E nós vamos foder ele!” Ela se
aproxima. “Mas nós precisamos de você.”
Amber chega mais perto. Levantando os calcanhares, segura meu
rosto com as duas mãos, leva minha testa a dela. Seu nariz roça o meu
enquanto nossas respirações se entrelaçam.
“Você está agindo como agiu no passado. Mantenha a calma, ou irá
cometer o mesmo erro que cometeu comigo no
corredor dos espelhos.” Sua voz calma dança pelos meus ouvidos, indo
direto para meu ponto sensível.
“Ele te quer. Eu não sei o que eu faria se algo acontecesse com
você.” Deixo minhas mãos deslizarem pela sua cintura.
“Ele não vai conseguir fazer isso. Lembra? Eu nunca curo”, ela diz,
confiante.
Meu peito sobe e desce rápido com respirações curtas. Eu perdi
muito tempo odiando a pessoa errada. Eu sempre a enxerguei como
admiração, mas em algum momento, me deixei levar pela fúria e quebrei o
que era mais importante para
mim. Fechei os olhos para verdade, ou nem sequer me preocupei em sabê-
la. Culpei quem não devia e não nem me dei conta que estava dormindo
debaixo do mesmo teto do assassino da minha mãe, enquanto Amber lutava
contra o mundo sozinha.
Permito que meus ombros relaxem, e toda tensão se vai, guiada pela
respiração pacífica de Amber. Encaro seus olhos dourados como uma
manhã ensolarada após a tempestade. O caos está por todo lado, mas àquela
sensação que te faz parar e admirar toda beleza está lá como um sopro de
esperança que te faz querer ser diferente só para poder viver aquele breve
momento de plena paz e felicidade para sempre, principalmente no caos e
desespero.
Por que está tão desesperado, Eric McBride? Você é o líder, então
aja como um. Seus garotos precisam de você para lidarem com toda essa
merda.
Eu olho para os meninos. II em pé, de guarda atrás de Amber. Will
à direita dela. E Aiden à esquerda, enquanto ela paira no centro com o nariz
empinado, confiante demais.
Nosso quinto membro.
Curvo os lábios. Como fomos parar nisso? Ela se encaixa
perfeitamente com a gente. A peça que faltava.
Eu olho para cada um. Coloco uma mão no bolso, fico imponente.
Levanto as barreiras e mostro que estou pronto para eles.
“Vamos foder tudo.”
Viro, volto para o centro da sala. Daniel continua sentado, imóvel e
intocável.
“Ela realmente escolheria você agora”, ele comenta.
Amber vira para o pai.
Vou me sentar de frente para ele.
“Eu disse, vocês têm mais em comum do que imagina. Ambos me
escolheram”, digo enquanto desabotoou o paletó.
Daniel ri.
“Vamos ao que interessa. O que deseja fazer com Sean?” Ele tira
um charuto do bolso.
Eu me arrumo no sofá.
“Me diga você, já que ele matou a mulher que você amava.”
Mika geme do lado de Amber que fica calada.
“Vocês não são irmãos, são?” II faz cara de nojo.
Aiden levanta, avança nele e puxa a gola da sua camisa.
“Eu vou te matar, seu drogado de merda!”
Mika dá um sorriso debochado.
“Ah, qual é cara? Eu sei que você é louco para me pagar. Eu
começo o cheiro de gays de longe.”
Aiden cerra os dentes.
“Cale-se!” exige.
“Me beije, querido.” II faz biquinho.
“Parem, os dois”, repreendo. “Agora, Aiden.”
Aiden resiste, mas solta Mika e volta para seu lugar.
“O que me diz, Daniel, vamos fazer do meu jeito ou do seu?” Levo
os cotovelos aos joelhos, e me inclino, descansando o queixo nas mãos.
Daniel sopra fumaça, o cheiro marcante do seu charuto flutua no espaço.
“Do nosso.”
O homem balança a cabeça para Will que, imediatamente, pega um
envelope preto e joga no lugar vazio onde estava a mesa. Todos nós
olhamos para ele.
“São todas as provas que incriminam seu pai. Se entregarmos isso
para a polícia, acabou. Sean vai preso e fim. Mas eu sei que você deseja
mais, então eu deixo por sua conta isso. Mate-o ou entregue-o para a
polícia, mas antes, descubra se existia apenas ele e Thomas nessa
organização e para quê faziam isso. Depois, faça o que quiser.” Ele desce o
cotovelo no braço da cadeira.
“Você me dá o que eu quero, e eu dou o que você quer”, eu o
encaro, sorriso dançava em meus olhos.
“Meu querido pai, vai dançar com um demônio de verdade.”
Acho que chegou a hora de enfiar as mãos em corpos como você
queria, papai.

A porta do quarto estava aberta. Deslizei para dentro, um pequeno


feixe de luz brilhava através da porta semiaberta do banheiro. Empurrei,
abrindo espaço suficiente para passar. Duas velas de leituras acesas na pia, e
meus olhos deslizam para Amber na banheira. Os olhos fechados e a parte
superior dos seios expostos pela falta de espuma. Os fios pretos do seu
cabelo escorriam pela borda, caindo para fora da banheira.
Um cigarro queimavam ao lado do seu celular que tocava ‘I'm Not
Jesus'.
Arregaço as mangas. Indo até ela, me sento na borda quadrada, seus
pés próximos a mim. Fico em silêncio escutando a música repetir uma,
duas, três vezes.
Admiro seu nariz empinado, o contorno dos seus olhos
afiados, provocadores e prontos para qualquer desafio. Seus lábios
avermelhados semiabertos.
Deixo meus olhos caírem na curva bronzeada do seu pescoço,
deslizando pelo colo e chegando ao seu corpo semicoberto pela espuma,
deixando escapar apenas algumas polegadas de pele.
Me pergunto o que ela fez durante todo esse tempo.
“Quer tocar?” a voz dela flutua. Eu ergo a cabeça, encarando sua
provocação.
“Você sai se oferecendo assim para qualquer um?” Curvo os lábios,
o desafio claro. Amber levanta uma perna e desliza o pé pela minha coxa. A
água quente se infiltra no tecido da calça social e toca minha pele que reage
imediatamente, bombeando sangue para meu pau.
“Eu perguntei se queria tocar, não que podia”, ela provoca, com um
sorrisinho sapeca.
Eu agarro sua panturrilha e a puxo para perto, arrastando sua bunda
para mim. Amber ofega, e enrijece a coluna para não afundar. Enfio os
dedos na nuca, me curvo e puxo sua cabeça. Testa com testa.
“Você não pode oferecer o que é meu”, sussurro nos seus lábios, e
ela sorri. Serpenteio o braço na sua cintura e, segurando sua nuca, puxo ela
para meu colo. Montando em mim, trava os calcanhares nas minhas costas,
e desliza os dedos molhados pela minha nuca. Empurro sua bunda contra
minha ereção, e sua fenda abre com o volume. Meu pau lateja com o calor
do corpo dela. Eu pressiono seu peito no meu, nossos lábios roçam.
“Quando tudo isso acabar, seremos só nós dois, e você não vai
escapar de mim.” Encho a mão e lhe dou uma palmada.
Ela geme e se esfrega em mim, liberando uma descarrega elétrica
no meu pau.
Oh, Deus.
Eu me levanto e ela desliza, saindo do meu colo. Eu aprecio seu
corpo perfeito. Os seios bem desenhados, cintura fina e definida, quadris
largos, pernas torneadas e uma bunda tentadora e saborosa que faz qualquer
um babar para discipliná-la com prazer.
Ela balança os quadris, caminha desinibida até a pia, rebolando
aquele rabo rosinha e suculento como um pêssego que me chama. Fico
tentado a dar umas boas tapas e enchê-la de marcas, e não seria só das
minhas mãos. Quem não teria...
Minha virilha dói com a necessidade de mergulhar nela, explorar
cada parte, sentir novamente seu sabor, e os novos. Mas hoje, nós tememos
que caçar alguém.
Amber veste o roupão, e me acompanha quando volto para o
quarto.
“Esteja pronta o mais rápido possível”, aviso. “Estamos indo visitar
Sean McBride.” Completo. Ela me encara por cima do ombro.
“Devo levar flores, ou um bolo para meu querido sogro?” Joga.
“Facas”, eu a acompanho.
Saio da casa. Aiden, Will e Mika na frente dos seus carros. Amber
sai logo depois de mim. Todos se reúnem em volta, prontos para as
instruções.
Daniel foi à algum um tempo. Ele não se envolve diretamente. Nós
precisamos manter sua identidade oculta caso não consigamos derrubar meu
pai. Ele é o único que continuará tentando derrubar eles.
“Mika, Aiden e Will vão juntos. Amber vem comigo”, eu ordeno.
“Eu posso ir sozinha”, Amber retruca.
“Não, você não vai”, eu corto seu protesto.
Ela não é fraca, eu sei. Mas eu não vou deixar que ela se arrisque
mais. E eu tenho uma dívida com ela.
O que aconteceu na escola foi minha culpa, também. Por erro meu, ela
matou alguém. Eu devo isso a ela.
Os garotos vão para o classe G enquanto eu e Amber deslizamos
para o Mustang.
Eu ouço Aiden e II discutirem para ver quem vai dirigir. Pelo
retrovisor, vejo Aiden brigar como um adolescente mimado enquanto Mika
cruza os braços, sério. Eu viro para Amber que parece está assistindo à um
filme do 007.
“Seu irmão não aproveitou a adolescência para ser aborrecente? Ele
não tem a mínima paciência com o II.” Sinto raiva de repente.
Amber tira o cinto, e toca para fora do carro. Olho pelo espelho,
vejo ela rebolar a bunda numa calça jeans apertada, enquanto vai até os
dois. Will bota a cabeça para fora do carro e observa, também. Ela chega no
irmão e dá um golpe nas costelas dele. Aiden se curva, alisando o local. Ela
arranca a chave da sua mão e joga para II. Mika pisca para ela, e afaga sua
cabeça, 20 cm mais baixa que ele. Amber volta, mas para e explica:
“Sabe, ele é ‘meu favorito’.” Ela faz o sinal de aspas e olha para
Aiden. “E ele dirige melhor que você.”
Ela volta e bate a porta.
“Seu favorito?” rispidez na minha voz.
Amber vira para mim e cruza os braços, me julgando.
“Você é filho de Emma Morris?” ela pergunta, mas não espera
resposta e dispara: “É, foi o que eu imaginei.”
Eu balanço a cabeça com um sorrisinho.
Filha da...
Os faróis acendem atrás de nós. Eu ligo o motor, disparando para
fora.
Estou indo, papai.

20

Eric

Presente

Estacionei em frente aos portões.


Amber prende o cabelo num rabo de cavalo alto. Calça as luvas e
fecha o zíper da jaqueta.
Puxo minha mochila do banco de trás, pego a máscara no bolso e
jogo de volta. Encaixo a Hannya na cabeça e, antes de sair, dou uma última
espiada nela.
“Você fique aqui.”
Amber olha atravessado, pronta para retrucar, e faz.
“Eu vou junto”, abre a porta e sai, determinada. Circula o carro,
puxa a maçaneta da minha porta e abre para mim. “Não vai?” me provoca.
“Amber, não”, sou firme na decisão que apenas eu tomei.
Eu sei que ela deseja encarar Sean e fazê-lo pagar pela morte de
Sarah. Eu sei que ela está pronta, e que agora é uma de nós. Mas eu preciso
que ela fique. Amber é boa motorista e pode conduzir nossa fuga.
Saio, e fico em pé na frente dela.
“Se algo acontecer com nós, eu preciso de você para nossa fuga”,
explico. Ela apenas pisca.
“Amber”, insisto. Sua teimosia me causa impaciência, porém, se
não insistir, será pior. Mas eu duvido que um de nós irá facilitar a vida do
outro.
“Não, eu vou’, cruza os braços e planta os pés no chão. Seus olhos
escuros fixos em mim. “Eu não sou um bebê que precisa da sua proteção,
você sabe disso”, fala, firme.
Ela tem razão. Eu me apaixonei por esse lado. Por que iria querer
que se segurasse agora, se é justamente sua loucura que me faz pulsar?
“Tudo bem. Faça o que quiser, só não destrua o ateliê da minha
mãe, ok?”
“Sim, senhor”, acata, fingindo submissão.
Pinço seu queixo enquanto deslizo minha mão pelo seu lindo
pescoço, prendendo-o num enforque.
“Você está pedindo por isso desde o início”, sussurro no seu rosto.
Ela estuda as tatuagens escuras por todo meu braço, e curva os lábios num
sorriso provocador.
Segura meu braço, força o aperto.
“Eu gosto da dor, senhor.”
Desço, dou-lhe um beijo suave e quente. Viro para sair, mas escuto
sua voz atrás de mim.
“Não tenho mais amnésia. Nem pense em escapar das
consequências. Você ainda tem muito para consertar”, Amber
avisa, com a voz repleta de segurança.
Olho para ela.
“E você ainda precisa ser muito bem disciplinada.”
Prendendo meus olhos nos seus, vem até mim. Para, puxa uma
máscara de hóquei de gelo do casaco, e duas adagas do cós da calça.
“Você é quem pisou na bola, baby", desliza a ponta afiada pelo meu
peito e desce até a altura da virilha. Num arquejo, prendo a respiração.
“Não me perdoe, garota. Eu não sou bom.”
Ela ri, satisfeita.
“Assim é mais excitante, garoto.” Os lábios roçam os meus, mas
congela quando um pigarro soa alto atrás de nós. Os meninos nos esperam.
Parado em frente a minha casa, sinto Mika me franquia pela
esquerda. Will pela direta. Amber e Aiden na retaguarda. Dou um passo à
frente, inalo profundo e empurro os portões duplos de ferro. Pisando firme,
vou pela trilha de pedras no gramado. Todos me acompanham.
Toco pela lateral do antigo casarão. Piso rápido pelo deck da piscina
azulada. II me segue enquanto Aiden e Will vão juntos pela entrada
principal. Amber vai para garagem, caso meu pai tente fugir.
Tiro o bolo de chaves e encaixo na fechadura. Giro, mas paro ao
perceber que estava aberta. Mika dá os ombros, e eu desço a mão na
maçaneta. Ela abre, e nós entramos.
As luzes da cozinha estavam apagadas, mas havia uma penumbra
vindo de algum lugar. Música clássica tocava ao fundo.
Vamos para sala, no final do extenso corredor. Meu estômago
revira. Esta casa sempre foi aterrorizante e sem vida, mas, após a morte da
minha mãe, se tornou mais repugnante.
Chegamos na enorme e luxuosa sala. Uma vitrola com um alto-
falante dourado lança som no ambiente, abalando o clima fúnebre. Will e
Aiden estão parados próximos à escada, esperando meu comando.
“Lá em cima”, aponto para o segundo andar com o queixo.
Will coloca sua máscara. Mika encaixa a dele, enquanto Aiden puxa
uma Wakaonna com olhos semicerrados, pele pálida, lábios grossos e um
sorriso bizarro. Deslizo a minha, e nós subimos a escadaria.
Encaro o corredor extenso, escuro e macabro, bem como os
daquelas mansões inglesas do século onze. A casa passou por
transformações ao longo dos anos. Alguns quartos sofreram modificações
para virar ambientes específicos. Tudo para se tornar o lugar mais próximo
de um cenário de filme de terror. Francamente...
Passo pelo primeiro, uma pequena sala de recepção estilo europeu
com uma grande lareira de pedra. O segundo, à direita, uma sala espaçosa
para leitura e estudo onde todos os livros sobre geografia e história estão.
Seguindo, encontro uma terceira porta, o ateliê de pintura da minha mãe,
trancado à chave. Ninguém, além de mim, entra. Sigo para última sala, o
escritório do meu pai. Os caras param, me franqueando pelas costas. Entro.
O abajur estava aceso no canto da grande mesa de madeira que mais parecia
a do gabinete do imperador. Indo até ela, analiso os papéis organizados
dentro das várias gavetas. Laudos médicos, contratos e envelopes lacrados.
“Está vazia”, Will relata.
Aiden vaga pela sala, observando com cautela. “Ele não está”,
observa.
Passo os dedos pela mesa e cadeira ainda quente. Ele estava aqui.
Para onde foi? Piso lento, me afasto, mas paro. Olho para baixo. Me abaixo,
e pego um envelope de carta azul. Viro, uma letra caprichada e elegante,
como aquelas da era vitoriana, gravada no verso.

“Por que uma pessoa vira um assassino?


Eu estou matando pessoas, e o engraçado é que eu gostando.”

Leio e releio, analiso cada letra. Não é a caligrafia de Sean. Parece


ser feminina. Quem escreveria isso para ele?
De repente, um barulho soa alto.
“Eric!” Mika me chama. Eu viro para ele, que está segurando a
cortina aberta e olhando através da janela.
“O filho da puta está fugindo!” berra.
Corro para janela, e vejo-o lutar contra Amber no jardim. Ele dá um
soco na barriga dela e a joga no chão enquanto lança chutes. Amber ofega e
se arrasta, ficando de quadro, ela arranca a máscara. Sangue escorre do
nariz e do canto da boca. Ela segura uma das adagas em punho e força as
pernas, voando nele. Sean segura um dos braços, e eu noto o sangue
escorrer pela camisa branca quando desvia dos golpes de Amber. Ela deve
ter atingido ele. Sean desce outro soco nela, mas, dessa vez, acerta o rosto.
Ele gargalha alto enquanto
a cabeça dela chicoteia para trás, e mais sangue espirra. Amber range os
dentes, contrai a mandíbula e cospe o sangue.
“Filho da puta!” berra. Mas o filho da puta continua gargalhando.
Sem esperar, ele avança mais uma vez. Puxando seus cabelos,
arrasta o corpo dela pelo jardim. Para na beira da piscina e empurra a
cabeça de Amber na água.
Eu cerro as mãos em punhos. Desgraçado.
Disparo, saio da sala. Tocando pelo corredor, cerro os punhos. Se
ele ousar fazer isso, eu mato aquele filho da puta! Corro depressa para as
escadas. A música para de repente e a voz de Sean soa nos quatro cantos da
casa. Eu paro, e os caras param em seguida.
“Tsc, tsc, tsc. Eric... Eu estava esperando por você, mas você
demorou, e o papai tem pressa, não posso brincar com vocês. Foi um tédio
ver você andar em círculos como um cãozinho, brincando com o próprio
rabo. Você perdeu muito tempo indo atrás daquela vadia e não enxergou o
que estava debaixo do seu nariz. Aliás, ela se tornou uma puta muito
gostosa. Obrigado pelo presente.” A voz corta e a música volta a tocar.
Merda! Ele vai matá-la.
Seguro o corrimão e trabalho as pernas, e me lanço por cima da
madeira, aterrissando na sala. Disparo o mais rápido que consigo, atravesso
a cozinha e toco, dando um chute na porta para sair, Mika faz o mesmo e
pousa ativo do meu lado.
“Que porra”, II rosna. Eu sigo seus olhos. Sean empurra a cabeça de
Amber na água enquanto ela se debate debaixo dele, tentando se soltar.
Nós dois corremos. II pula e dá um chute em Sean. O lança longe.
Eu corro, e pulo em cima dele, descendo uma sequência de socos até meus
punhos doerem.
“Você a matou!” lanço outro soco.
Sean ri com os dentes cheios de sangue.
“Sua mãe era uma vadia!” grita, diversão na voz.
“Cale-se! Você não tem direto de falar nada sobre a mulher que
você matou”, rosno. O garro pelo o colarinho da camisa.
“É a verdade. Ela era uma vadia que me dava enquanto pensava em
outro!” cospe.
Balanço o punho para lançar mais um soco, mas escuto Aiden
gritar. Olho para trás, e fitos três tentando reanimar Amber. Solto Sean, e
avanço na direção dela, os três se afastam. Eu começo a fazer massagem em
seu peito. Faço uma pausa e começo com a respiração boca à boca para
expelir a água. Repito três vezes, e só na quarta ela volta. Amber cospe
água e arfa, tenta recuperar o ar.
“Tudo bem?” pergunto, encarando o sangue escorrer pela testa e se
misturar com a umidade dos seus cabelos. Ela faz que sim com a cabeça e
tenta se sentar, eu seguro seu braço e dou apoio para conseguir.
Viro para onde Sean estava, o vejo em pé, limpando à terra molhada
da roupa. Ele para, e nos encara. Inclina a cabeça para a direta e diz:
“Essas máscaras são horripilantes.” Caminha, e aponta para mim.
“Fúria, rancor e vingança. O chefe”, bufa pela garganta. Aponta para Mika.
“O assassino cruel”, joga, e segue
para Aiden. “O psicopata de merda que fode os fracos”, vomita enquanto
arruma o punho da camisa. Inclina a cabeça para
esquerda, estuda Will. “O lobo em pele cordeiro. Você é o mais perigoso”,
curva os lábios num sorriso diabólico.
“Daniel é esperto. Mas vocês não são melhores do que eu. Afinal,
fizeram coisas nojentas para chegarem até mim, não foi, crianças?” Sean
volta um passo. “Venham me pegar, se forem capazes.” Entra no carro e
foge.
“Consegue andar?” Viro para Amber, que balança a cabeça.
“Sim”, assente.
“Corram”, grito para eles.
Seguro a mão dela, e nós corremos para pegar nossos carros. Amber
assume a liderança ao meu lado. Prende o cabelo com uma liga dourada
enquanto corre. Tocando na minha frente, abre a porta do motorista e entra.
“Eu dirijo, você se preocupa em pegá-lo”, afirma. Eu circulo o
carro, e entro no lado do copiloto.
Ela acelera, levantando poeira enquanto desliza marchar para pegar
o asfalto.
Cinco minutos depois. Vejo os faróis do Classe G piscarem duas
vezes. Amber pisca seta, e girou o volante para a esquerda, indo para
contramão. Mika acelera e avança, emparelhando os carros. Faz um sinal de
‘te vejo logo’ com os dedos, e toca na frente.
“Boa garota.”
Ela balança a cabeça, e volta para direita, atrás de II.
Ligo o aparelho de som e uma música, – que não era da minha
playlist – começou a tocar. Viro para ela, montada num
sorriso enquanto os insultos afiados de Eminem em ‘Superman’ derramava.
Essa amizade repentina está influenciando até no seu gosto
musical?
Trago seu queixo para mim.
“A primeira coisa que eu vou fazer quando voltarmos, é matar o seu
favorito.”
Ela ri e debocha: “Os olhos dele são iguais aos meus, você terá
coragem?”
Meu celular toca, solto Amber e pego-o. Arrasto o botão verde.
Will fala:
“Conseguimos.”
Amber vira para mim, rápida em entender a situação. Desligo e
jogo o aparelho no console.
“Troque comigo.”
Tiro o cinto, mas ela não responde. Ao invés disso, gira o volante e
joga o carro para esquerda. Acelera e alcança II. Coloco o cinto de volta.
Amber olha para frente, como uma águia. Aperta o volante e pisa
fundo. Mika reduz. O Ranger Rover branco de Sean aparece. Chegando
mais perto, ela tenta uma ultrapassagem, mas ele joga o carro na nossa
frente, nos tranca. Amber puxa a direção para não bater e reduz um pouco.
Entretanto, volta a insistir. Tenta de novo, mais uma vez, Sean não deixa a
ultrapassagem acontecer.
“Filho da puta!” soca o volante.
Seu o peito sobe e cai, numa respiração profunda e consciente.
“Vai doer. Então aproveite esse momento de loucura.”
Ela reduz. Viro na sua direção, com os olhos arregalados.
“Amber...”
Numa distância de seis carros entre nós e Sean, ela acelera, desce
marcha e, sem olhar para mim, pisa fundo no pedal do acelerador.
“Foda-se!” grita.
O ronco alto do motor penetra meus ouvidos e minha pele arrepia.
Pelo canto dos olhos, vejo o borrado das árvores e as folhas alaranjadas
voar. Cerro os punhos e pisco rápido ao perceber o que ela ia fazer. Amber
grunhi e bate com tudo no outro carro. Meu corpo chicoteia para frente a
para trás com o impacto e tudo balança. Meus ouvidos tampam, e a última
coisa que vejo é Sean perder o controle, sair da pista e se chocar contra uma
árvore. O carro dá um rebote e volta para pista, vindo em nossa direção.
Sem tempo para pensar, Amber joga tudo para direita, puxa o freio de mão,
fazendo o carro girar. Os pneus cantam. O SUV do meu pai nos atinge de
raspão e voa por cima do Mustang, capotando várias vezes na pista atrás de
nós.
Ergo a cabeça, ofegante. Sangue pingava da minha testa. Minha
visão embaçada. Olho para Amber. Parte da porta havia sido amassada, e a
não sobrou nada da janela. Tinha cacos de vidro em seu cabelo e costas. Sua
cabeça enterrada no volante enquanto um trilha de sangue saia do ouvido.
Me movo no desespero. Chacoalho seu ombro.
“Amber”, chamo alto.
“Amber!” grito.
Ela se move com calma, tira o rosto do volante e vira para mim.
Travo a mandíbula quando vejo os cortes por todo seu rosto, mãos e
pescoço.
“Consegue me ouvir?”
Ela pisca lento.
“Sim”, geme.
Acariciando seu ombro, giro a cabeça e olho ao redor. O carro do
meu pai estava capotado atrás de nós, os pneus apontavam para cima e o
teto afundou. A árvore foi tombada com a colisão.
Ouço o barulho de outro carro, e fito Mika parar. Sinto o ritmo
suave do peito de Amber ao subir e descer com respirações lentas.
“Não se mexa. Eu já volto”, peço.
Me arrasto para fora. Meu corpo dói de imediato quando ergo o
braço e chacoalho o cabelo para tirar o vidro. Mika, Will e Aiden estão
espalhados, observando o estrago.
“Morto?” Aiden questiona.
“Pelo menos quebrou os braços, isso eu tenho certeza”, Mika
comenta.
“Vai checar?” Will chega do meu lado.
Eu não hesito.
“Sim”, e vou em direção a cabine.
Me agacho, estudo a situação com cautela. Sua cabeça estava muito
inclinada para direita, talvez tenha quebrado o pescoço. O rosto dele está
machucado. Os braços e pernas, também. E sangue escorria pelo nariz, testa
e ouvidos. Coloco os dedos no pescoço dele, checo a pulsação. Fraca.
Sinto os caras se aproximarem por trás.
“Vivo?” Aiden pergunta.
“Ainda.” Forço os joelhos, fico de pé. “Chamem uma ambulância,
nós precisamos dele vivo.”
Saio, volto para ver como Amber está. Entro na cabine do
motorista. Observo ela com dorso da mão nos olhos.
“Como está?” Bato no porta-luvas e tiro um lenço preto. Viro para
ela, sua respiração rápida e curta.
“Amber”, chamo. “Você capotou um carro, isso me lembra algo.”
Ela se endireita no banco, limpa os cacos de vidros, e me encara
com os olhos famintos.
“Me pague.”
Amber solta o cinto. Sem dizer nada, passa por cima do console.
Eu abro as pernas, e ela se aninha como uma boa garota. Sentando sobre os
calcanhares, esfrega as mãos pelas minhas pernas e joelhos. Rasteja a palma
sob a camisa, suas unhas afundam, trilhando o caminho pelo meu peito até
o abdômen. E a mão desce, provocando meu pênis com as pontas frias dos
dedos. Meu coração martela no peito e eu ofego.
Ela vai me enlouquecer.
Aperta minha coxa e esfrega o polegar na minha virilha,
provocando. Sua respiração pesada enquanto massageia sinuosamente.
Inclina o peito para frente e, prendendo meus olhos nos seus, se curva.
“Eu fico muito excitada quando sinto dor”, sussurra, com a voz
rouca. Arfo, e prendo o ar nos pulmões. Meu rosto arrepia e meu pau
martela prestes à explodir.
“Eu te dou o quanto você quiser, baby”, sussurro.
Geme e tira o músculo para fora. Ela molha os lábios e sorri,
olhando para ele. Eu corro a mão pelos seus cabelos e prendo um punhado.
“Aproveite, baby”, diversão na voz.
Uma leve camada de suor se forma na minha nuca. Ela arqueia as
costas, empina a bunda e desce em mim. Prende meus olhos enquanto
lambe o corpo inteiro. Chegando na
cabeça, faz pequenos círculos com a ponta da língua. Meu pau lateja e ela
sente, porquê dá um sorrisinho. Eu mordo o lábio e aperto o punho com
força, ela geme abafado.
Deixa uma trilha de beijos, agarra a base e esfrega o polegar na pele
sensível. Seu hálito roça a cabeça, ela abre a boca e suga apenas a glande,
brinca com a ponta antes de engolir tudo. Eu gemo e ofego, apertando os
punhos quando escorrego na sua boca quente e molhada. Ela me engole, me
levando mais fundo na garganta, e, sem quebrar o contato visual, desliza a
mão pelo clitóris, se masturbando.
Eu arfo e gemo alto enquanto derramo nela. Amber ofega e treme,
engolindo tudo enquanto goza.
Ela sorri, e limpa o canto da boca com o polegar.
“Você não vai escapar disso.”
“Me faça implorar pela sua cama, baby”, lambe o dedo com meu
sêmen.

21

Amber

Presente

Desci, coroando seu pau na minha entrada.


Uma nuvem de prazer embaça meu raciocínio, e eu não consigo
manter o controle. Perco o rumo, engato marcha e deslizo nele.
Seu pau incha dentro de mim, e eu jogo a cabeça para trás,
cavalgando enquanto trabalho os dedos no clitóris duro e mais sensível por
gozar antes.
Eric me prende num enforque, seus dedos contraem sobre os cortes
ganhados durante a perseguição. Minha pele arrepia.
A curva do seu pescoço brilha com uma camada fina de suor,
fazendo suas tatuagens parecerem mais vivas. Deixo meus olhos cederem,
pousando nos desenhos, agora, mais próximos a mim. Duas cobras
serpenteiam suas clavículas que dão a impressão de estarem vivas,
atravessando a pele. A cabeça de outra cobra surge nas costelas, quase perto
do seu peito. Seu corpo enroscado num espelho quebrado que fletia um par
de olhos. O corpo cai pelas suas costas e o resto da calda derrama pela
virilha.
Outros desenhos estão espalhados pelo abdômen, peito e costelas.
Mas eu fico tentada a perguntar qual o significado dos olhos. Porém,
quando abro a boca para falar, ele me puxa mais forte, estocando tudo. Bem
fundo. Ofego e enfio as unhas no meu braço circulando sua nuca. Sinto seu
pau na minha garganta e meu coração martelar nos ouvidos.
Seus olhos correm pelo meu corpo, e um sorriso arrogante brota.
Ele sabe que está no controle.
Os músculos dos braços dele fazem curvas perfeitas quando força
meu corpo para cima e para baixo, me guiando enquanto entra e sai.
Agarro um punhado do seu cabelo. “Isso não vai ficar assim.”
Ele rosna, forçando o agarre no meu pescoço.
“Eu gosto disso”, geme. “Eu gosto quando minha garota dificulta o
jogo.” Traça uma linha no meu corte. “Continue assim, baby. Ninguém
poderia lidar com isso além de você.”
Eu engasgo, sinto a necessidade quando a ardência atingir meus
pulmões, sem ar. Minha barriga esfria, e meu coração bate forte, quase
pulando do peito. Jesus.
“Mmm, por favor...” choramingo.
O calor se acumula com o orgasmo prestes a explodir.
Ele geme de novo, e dá outro tapa na minha bunda.
“Eric,” choramingo, sentindo-o despejar tudo dentro de mim, e eu
derreto também. Caio sobre seu ombro.
Ofegantes, mas, sem confusões. Ainda temos assuntos para
resolver, porém, pode esperar até amanhã.
Escutei uma sirene próximo. Vejo uma ambulância vir. Viro para
Eric, seus olhos perdidos no horizonte, uma coisa rara de acontecer. Pisco,
lembro nitidamente dele agora. A estrela do time de vôlei. O garoto mais
popular da escola. Aquele que ninguém queria desafiar. A história da
cicatriz que ele me contou enquanto me observava pintar um quadro.
Nossos encontros. E como ele me desafiava e surpreendia com suas
descobertas. O tempo passou, mas ainda há coisas que permaneceram
intocadas.
Jogo as pernas para fora, e saio do colo dele, pousando em pé, fora
do carro. A ambulância para. Eu viro, encontro três pares de olhos em mim,
ou na camisa limpa que Eric me deu para vestir já que a minha estava suja.
Capturo os olhos de Mika, um ar safado nele, e eu espero uma das
suas piadinhas, mas ela não vem. Ele fica quieto, sem rir ou fazer qualquer
comentário típico dele. Todos estão sérios.
Fiquei tão fora de mim que nem perguntei sobre Sean. Não que eu
me importe se ele vive ou morre, tanto faz, com tanto que sofra. Mas ele
continua sendo o pai dele, e seria bom conseguir informações.
Os socorristas correm para o carro, enfermeiros e médicos vão
atrás. Eles trabalham rápido, verificando o pulso de Sean, e iniciam os
primeiros socorros.
“Liguem para os bombeiros”, um dos socorristas diz. “Nós não
podemos retirar o Dr. McBride sem a ajuda deles. Ele corre risco de vida e
o carro pode explodir”, explica. Eric balança a cabeça, assente. Olha para o
carro, e se afasta com o celular no ouvido.
Eu observo seu corpo longe do meu. Ele está mais forte.
Seus músculos mais aparentes do que antes. Está mais alto. Um e noventa?
Será que ainda joga vôlei? Ele era a estrela do time, um atacante ágil e
feroz. Mas não parece ter seguido carreira como jogador. O que ele faz? Eu
não sei nada sobre sua vida, enquanto ele sabe tudo sobre mim.
Ele mudou, ficou mais frio. Bem, eu também mudei. Todos
seguimos neste caminho confuso. Mas ele fez algo além de pensar em mim
e em vingança? Até que ponto sua vida andou?
De repente, meu peito dói, e eu sinto vontade de chorar. Como eu
pude esquecer uma parte minha?
Minha mente me leva de volta no tempo. Semanas atrás, ele estava
com raiva de mim por achar que eu tinha o denunciado e fugido. Mas não
fez nada quando descobriu que era mentira. Eu fiz pior, vivi uma vida sem
lembrar do que vivemos. Eu não lembrava de momentos que eram especiais
para ele. Eu entenderia se perdesse a cabeça e resolvesse vir atrás de mim
agora.
“Ele terá alguma sequela?”
Escuto a voz do meu irmão. Aiden estava próximo ao médico,
conversando sobre o estado de saúde de Sean enquanto se informava sobre
o futuro dele.
Mais sirenes soaram no fim da estrada. Os bombeiros e quatro
viaturas de polícia. Se a polícia está aqui, significa que todos nós vamos
para delegacia prestar depoimento.
Um policial desce da viatura. O homem, vestindo um suéter cinza
colado no peitoral e um coldre de ombro, vem até nós. Uma mão está na
arma enquanto a outra desliza pelos
cabelos loiro. Ele é alto e tem um rosto bonito, mas autoritário. E seus olhos
azuis estão em Aiden.
“Bom vê-lo novamente, Aiden”, ele fala casualmente com meu
irmão. Aiden dá um risinho e o cumprimenta de volta:
“Digo o mesmo, Alex”, estende a mão.
Alex estira o braço para pegar a mão e a ponta de uma tatuagem
surge. Ele puxa meu irmão num abraço, e eles dão tapinhas nas costas como
amigos.
“Como tem ido?” pergunta, afastando-se. Aiden bufa.
“Eu que faço as perguntas”, é direto.
“Sim”, o homem curva a cabeça para meu irmão.
Eu semicerro os olhos. Vejo o sorrisinho safado de Mika por cima
do ombro do policial.
Sinto alguém se aproximar por trás. Alex estreita os olhos para
mim, me notando. Giro a cabeça, fito Eric o encarando, mãos nos bolsos e o
peito roçando meu cabelo. Viro de volta.
Tão próximo.
Alex olha por cima da minha cabeça, provavelmente para Eric.
“Eu estava com saudade de você, McBride.” Segura a arma
novamente.
“Ainda com ciúmes?” Eric fala.
“Não, vejo que a irmã combina mais com você”, e sai, nós dando as
costas.
Eu franzo o cenho. Viro para Aiden que apenas dá um sorrisinho
safado. Mika sopra fumaça.
“Como você dava conta?” pergunta, e eu sei que foi para meu
irmão, mas quem responde é Will.
“Por que não tenta, se está curioso?” dá uma tapinha nas costas de
Mika.
Observo a troca de olhares entre os dois. Will é um mistério para
mim. Sempre está com uma expressão sombria no rosto, e vez ou outra,
parece está indiferente a tudo ao seu redor. Mas tem um certo humor. Não
se envolve, porém, sempre sabe de tudo e consegue todas as informações. O
único que esconde sua vida. Sean disse que ele era o mais perigoso.
A madrugada fica mais sinistra as duas e quinze. O vento é forte e
gelado. Os bombeiros começam a trabalhar no carro para impedir explosões
enquanto retiram as ferragens.
Depois de um tempo, eles conseguem fazer todo o trabalho
delicado, e então, a equipe médica começa se movimentar. Um médico tira
uma caneta do bolso do jaleco, e aponta a luz para os olhos dele. Ele
balança a cabeça negativamente, todos se apressam e entram na
ambulância.
“Vocês, venham comigo, eu preciso dos depoimentos de todos.”
Alex passa por nós.

Chuva fina batia na calçada e escorria pela rua. Nós entramos na


delegacia vazia. Alex pediu para esperarmos na entrada da sua sala e
chamou Eric para acompanha-lo. Aiden saiu por uns instantes, enquanto eu,
Mika e Will ficamos esperando.
“A primeira vez aqui?” Mika perguntou, sério.
Encosto-me na parede, com as pernas cruzadas. “Não”, respondo.
“Aliás,” lembro de algo. “Todos vocês estudam na minha faculdade?”
pergunto para os dois, mas Mika é quem responde.
“Apenas eu e Eric.”
Eu viro para ele, abro a boca para soltar um pouco de veneno, mas
lembro do que ele me disse dias atrás, decido ficar quieta. Ele tinha razão.
Eu vivo numa bolha, não posso atacar. Eles não se esconderam, eu que não
me dei conta que dois dos meus futuros sequestradores estudavam comigo.
Will está sentado num banco em minha frente. Cotovelos nos
joelhos, frio e intimidador. Olhando sala aberta do meu lado.
“E você?” pergunto, porque ele me incomoda, e eu quero saber por
quê. Ele raramente reage, fala ou explode, e sempre me olha como frieza e
indiferença.
“Em outro lugar”, responde. Minha pele arrepia com sua voz, e eu
percebo nunca ter prestado atenção nela. Assustadoramente calma.
“Ele estuda numa escola para problemáticos”, Mika diz enquanto
cruza as pernas e acende um cigarro. Will não responde, nem cai na
provocação.
A impressão era de como se William Bryant não precisasse
justificar ou explicar nada para ninguém. O que fazia o mistério crescer
mais ainda.
“Ugh”, Mika geme.
Eu olho para ele, e depois sigo seu olhar.
Meu pai e Aiden entram. Eles vêm até nós. Daniel para e me estuda.
“Você precisa de um médico”, diz enquanto desbotoa os punhos da
camisa preta combinando com a calça e sapatos.
“Eu posso sobreviver.” Meus olhos descem para seu relógio de
ouro.
“Eu sei que gosta de cicatrizes e hematomas, mas garanto que não
vai gosta delas para sempre no seu rosto”, ele joga, mas eu ignoro.
Continuo olhando para ele.
Meu pai é um homem alto, 1,93 cm, se não me engano. Ele se porta
como um verdadeiro homem da alta sociedade. Sempre com os melhores
ternos. Carros caros. Relógios de marcas famosas. Sua aparência jogaria
qualquer mulher aos seus pés. Cabelos pretos sem nenhum fio fora do lugar.
Pele lisa. Corpo tonificado, com músculos definidos, nada muito
extravagante. E os olhos pretos que combinam perfeitamente com a imagem
séria que ele passa, muito mais que a cor original passaria.
Eu nunca olhei para ele tempo o suficiente para saber todos os
detalhes do seu rosto. Mas agora, sob a luz branca do corredor, eu consigo
ver o pequeno sinal no final da linha d'água do seu olho esquerdo. O quanto
meu nariz parece com o seu. Até ontem, eu não conseguiria passar tanto
tempo estudando-o até perceber nossas semelhanças, mas por algum
motivo, me sinto forte e sem medo. Não é tão ruim perceber como somos
parecidos. Antes, iria ser repugnante pensar assim. Odiar sua aparência
seria como odiar meu reflexo, porque herdei todos os traços de Daniel
Reese e minha avó paterna. Nada da minha mãe. Diferente de Aiden.
“Você tem mais dele do que imagina.”
Ofego quando a voz de Eric colide com meus pensamentos. Pisco
lento para meu pai, e fito um sorriso curvar seus lábios, um sorriso que não
parece ser debochado, sarcástico ou irônico, mas amargo e triste.
Ele vira, encara Eric e diz:
“Você tinha razão”, entra na sala.
“Razão do quê?” pergunto para Eric, que balança a cabeça.
“Nada.”

22

Amber
Presente

Piso rápido pelo corredor do hospital. Meu rosto e pescoço estão


cheios de curativos transparentes. Sofi encheu meu saco para fazer. Ela
parece minha ex-babá. Reviro os olhos, achando graça. Elas se parecem até
no jeito fofo de amolecer meu coração. Nem Eric consegui esse feito. Sim,
nós ainda temos assuntos pendentes. Como, por exemplo: como entrou na
minha casa sem ser visto? O que estava fazendo o décimo nono andar?
Onde está a garota de Burk? Eu nem sequer sei quem ela era.
São muitas perguntas sem respostas. Mas agora, vou fazer uma
visitinha para seu papai. Nossa conversa fica para depois.
Sean ficou entre a vida e a morte várias vezes nas últimas semanas,
mas conseguiu se agarrar a vida, e agora está em coma. Típico dos vermes.
Nunca morrem.
Eric não veio ao hospital nenhuma vez. Ele sumiu depois de me
deixar no meu apartamento na volta da delegacia. Eu liguei algumas vezes,
mas ele não atendeu. Então, foda-se. Quando estiver afim, responderá. Eu
não preciso persegui-lo. Nós temos um acordo, e ele aparecerá para cumpri-
lo.
Luto por mim. Egoísta ou não, eu aprendi a ser assim. O que
acontece na vida das pessoas não interfere na minha, ou quase sempre. Não
serei a mulher que irá cobrar atenção ou respostas. Eu não preciso disso.
Posso estar com ele, mas não entregarei o controle da minha vida nas suas
mãos.
Porra, isso é difícil! Eu tenho que descontar todo esse estresse
acumulado. Estou pensando demais, e quando isso acontece, eu perco o
controle e faço merda. Deann me socou da última vez.
Viro na esquerda, entro num corredor quase sem luz. Eu vim aqui
mesmo com o Aiden me dizendo para não vir. Ele e sua mania de tentar
controlar tudo. Passo pelas janelas de vidro, e paro, vendo Sean McBride
deitando em uma cama da UTI. Fios saem do peito e se conectam ao
monitor sob sua cabeça. O aparelho apita sem parar, marcando seus
batimentos cardíacos estáveis. Mais vivo do que nunca. Apesar de ter uma
borracha de oxigênio do nariz. Uma sonda na boca. E soro no seu braço.
Meus olhos correm até uma bolsa de xixi presa na cama.
Aperto o batente da janela. Esse homem passou por seis cirurgias,
quase morreu dezenas de vezes, mas sobreviveu. Enquanto Sarah, uma
garotinha, morreu sem nem ter chances
para lutar por sua vida. Aquela menina passou por algo ruim naquele
maldito galpão, e eu nunca vou perdoar os garotos pelo o que eles fizeram.
Mas o que Thomas fez manipulado por esse
verme, foi nojento. Ele matou a própria esposa e usou todos os outros para
mata-las e violar seus corpos. Para quê? Pura diversão? Ele era um médico,
porra! Como pôde violar o que ele aprendeu a salvar? Filho de uma puta!
Pessoas inocentes. Mulheres e garotas que saíram para escola ou
trabalho e nunca mais voltaram para suas casas. Famílias que ele conhecia e
atendia, foram despedaçadas, jogadas ao desespero de nunca ter respostas
ou notícias. Elas nunca mais voltarão, assim como a Liz e Sarah não
voltaram.
Deslizo a ponta do meu punhal no vidro, entro no quarto. Enfio uma
mão no bolso da jaqueta e trago a ponta da lâmina para sua garganta.
“Ah... Sean, você tem que acordar. Nós ainda temos uma valsa para
dançar”, pressiono a lâmina. “Venha cumprir sua última missão, seu chefe
não deve estar feliz por você ter deixado sua presa fugir.” Inclino-me, meus
lábios próximos ao seu ouvido. “Merdinhas como você nunca é o chefão.”
“Eu sei que existe mais pessoas com você, verme. Sei, também, que
eles querem te matar”, continuo. “Eu vou descobrir. Mas se eu falhar, têm
mais quatro que não vão desistir até cortar a cabeça de cada um de vocês.”
Estreito os olhos para sua palma. Ele mexe um dedo e o monitor dispara
com batimentos acelerados.
Opa, acho que mexi com o coração de mais um McBride.
Alguém sabotou seu carro, mas não conseguiu o que queria.
Alguém o queria fora do caminho ou queria calar sua boca. E eles não vão
desistir tão fácil assim.
É bom você começar a rezar, Sean. Ninguém vai te livrar dessa.
Rolo para fora do quarto. Meu celular toca.
Daniel.
Coloco o aparelho entre a orelha e ombro enquanto fuço a bolsa
pelas minhas chaves.
“Amber, onde está?” Eu escuto sua voz suave através da linha.
“O que você quer?” digo, um pouco seca por força do hábito.
Ainda não tive tempo para refletir sobre a avalanche de informações
da últimas semanas. Não quero me precipitar. Ainda não sei se devo confiar
nele, ou virar a filha mais amorosa do século e fingir que os danos do
passado não existiram. Ele é culpado.
“Preciso falar com você”, ele suspira. Eu reviro os olhos, irritada
por não achar a chave.
“Ok”, fria.
“Onde você quer ir?” pergunta, prolongando a ligação.
“Porra”, rosno quando esbarro sem querer em uma enfermeira. Ela
curva a cabeça, seus cabelos pretos presos dentro de uma touca, e uma
máscara que deixava apenas uma faixa do seu rosto à mostra, seus olhos
azuis. E por um momento, eu paraliso com a impressão de conhecer bem
aquela cor tão viva. Porém, desperto com um suspiro longo que meu pai dá,
e lembro que nós ainda estamos na chamada.
“Desculpa”, peço a mulher, que segue seu caminho. Viro, vendo-a
entrar no quarto de Sean.
“Estou indo”, digo ao meu pai e desligo.
Os pneus cantaram no asfalto. Fiz o contorno e peguei o viaduto. As
luzes brancas e amarelas brilhavam no horizonte
para extinguir a noite. Chuva caia forte no para-brisa. A previsão do tempo
estava certa hoje mais cedo. Uma tempestade estava perto de abraçar
Midran. E é possível que um furacão atinja à costa. Burk passa a ser um
lugar perigoso em dias de tempestade, já que é uma cidade cercada pelo
mar.
Abro uma faixa da janela. Pingos gelados entram e molham minhas
mãos, rosto, ombro e parte da cabine. Rio comigo mesma. Eu gosto de dias
chuvosos. Desde cedo, me acostumei com o clima frio de Burk, e a maré
alta durante todo o inverno rigoroso.
A chuva sempre fez parte da minha vida. Nos fins de tarde quando
eu adormecia no túmulo de Emma e acordava com Vincent me chamando
no meio de uma tempestade. Eu não me importava se estava frio ou se
ficaria doente. Raios e trovões nunca foram um problema.
Dias nublados e chuvosos, eram aqueles que ninguém queria sair
da cama, mas eu sim. Eu poderia caminhar pela praça sem receber olhares
nojentos. Podia pintar debaixo de um guarda-chuva sem me importar com
os hematomas, não que eu me importasse, mas Aiden sim. Ele tinha que ser
o irmão perfeito na frente de todos. Ele não queria que vissem o quão era
feio e o que fazia com sua irmã.
O mesmo acontece com a noite. Depois que todas as luzes se
apagam, as pessoas não querem caminhar até um
cemitério, mas eu fazia pelo mesmo motivo que saia em dias chuvosos.
Ninguém quer se molhar, ninguém quer se arriscar por lugares que não
conseguem ver. Mas eu estava mais segura assim do que jamais fui em casa.
Mas, ei, banhos no escuro são os melhores. Você deveria
experimentar comprar sua bebida favorita, cigarro ou
chocolates, velas e uma boa música. Vale a pena.
Pego meu copo térmico no console, tomo um gole longo de
chocolate quente. ‘Church’, de Chase Atlantic, toca, embalando a noite.
Devolvo o copo, e giro para direita. O prédio enorme aponta. Reduzo a
velocidade, troco de marcha e puxo o freio de mão. Estacionei de qualquer
jeito, porque não pretendo alongar essa conversa. Eu preciso saber algumas
coisas, apenas.
As enormes portas duplas abrem e eu entro. O saguão estava vazio
como a portaria e recepção. Passava das 23 horas, é claro que não teria
ninguém aqui, nem seu secretário. Meu pai deve ter me visto chegar e pediu
para os seguranças abrirem.
Vou para o elevador, e enquanto espero, lembro da última vez que
vim aqui. Meu punho na fuça de Aiden, meu salto em sua pelve e eu e Eric.
Cerro os punhos. Agora faz sentido do porquê eu me deixei levar daquela
forma. Porque seu corpo parecia me atrair tanto. Ele foi o meu primeiro, e
meu corpo lembrava do seu toque mesmo que minha mente não. Não era
ele, era eu.
“Plim”, o elevador chega e as portas abrem-se. Escorrego para
dentro, e aperto para a cobertura.
Eu disse ‘nada de sentimentalismo’, mas aqui estou eu, procurando
justificativas para tudo que vem acontecendo. E eu ainda terei que enfrentar
uma batalha com meu pai agora. Com certeza, ‘nada de sentimentalismo,’
está fora da minha lista.
Porra, eu tenho muita coisa para falar, mas o que eu queria mesmo
era me enfiar no covil de Deann e só acordar daqui a seis meses para
entregar o lustre que estou projetando à meses.
Dei dois toques na porta, e elas abriram. Olhei para o interior da
sala. Uma penumbra cobria o lugar, apenas uma luminária acesa no canto
da mesa. A voz de Eric ecoa na minha mente. ‘Você tem mais dele do que
imagina.’ Então era disso que ele estava falando.
Vejo meu pai em pé próximo a sua mesa, de costas para mim,
olhando através do grande janelão. O cabelo liso com um corte perfeito na
nuca, elegante como de costume. A luminária, como aquelas dos castelos
ingleses, jogava uma luz dourada na faixa bronzeada do seu pescoço. Seus
ombros largos e imponente desenhavam os músculos trabalhados das
costas. Mãos nos bolsos.
“Você sabe qual o significado do cravo branco?” ele quebra o
silêncio, mas continua de costas para mim.
Eu me lembro das flores que deixei para Sarah. É claro que eu sei.
Eu pesquisei sobre essa flor depois que ele me chamou assim pela primeira
vez. É uma flor que não precisa de muito cuidado para crescer, são
pequenas, morrem rápido e tem cheiro de morte.
Suspiro.
“Morte.”
Os ombros dele sedem, e ele vira de perfil para mim. Começa a
listar:
“Amor puro, talento, boa sorte e inocência.”
Vira, mas não olha para mim. Meu rosto inteiro franze. Mas ele não
para, e começa a explicar.
“Quando eu decidi me casar com a sua mãe, não foi por amor. Todo
não passou de uma aliança matrimonial que nossos pais, seus avôs,
armaram. Grace era herdeira de uma família muito rica que migrou da
Grécia para cá, e eu herdeiro de uma
grande fortuna. Nada melhor para gananciosos do que mais dinheiro, não
acha?” Põe as mãos nas costas da cadeira, se curva. A corrente de prata do
relógio bolso balança.
“Eu tentei amar sua mãe. Quando ela me disse que estava grávida
do seu irmão, eu tive fé. Eu sempre quis ser pai, e ela estava realizando meu
desejo. Mas quando Aiden nasceu, nada mudou”, suspira com pesar. Eu
franzo as sobrancelhas.
“Por quê? Aiden sempre foi o seu favorito.”
Meu pai dá um sorriso amargo.
“Não, ele é meu filho, e eu vou continuar sendo. Mas ele não é o
meu favorito.” Pisca lento.
Uma expressão de duvida ocupa meu rosto. Aiden sempre fez o que
quis, Daniel deu tudo para ele. Os melhores carros, viagens, atenção e até a
futura presidência das suas empresas. Então, por quê?
“Amber, quando descobri que iria ser seu pai, eu decidi proteger
você de qualquer coisa, mesmo que isso significasse colocá-la numa
situação difícil com o seu irmão. O que foi um grande erro, mas que eu
cometeria novamente se fosse preciso.” Ele abaixa a cabeça.
“Eu queria ser um pai. Você nasceu, e eu teria outra chance. Você
era minha esperança. Tão pequena, inocente e pura. A criança que eu criaria
para se tornar uma mulher forte e confiante”, Daniel para, e engole seco.
“Quando eu te peguei no colo pela primeira vez, senti que o mundo
era pequeno para tudo que eu queria te dar. Você era um pedaço meu.
Quando abriu os olhos pela primeira vez e me olhou com aquele brilho
dourado igual ao meu, você conquistou o que nenhuma outra pessoa
conseguiu. Meu coração.”
Meu coração bate forte, lágrimas pinicam atrás dos olhos. Um nó se
forma na minha garganta e eu não consigo falar.
Ele se ergue, contorna a mesa, e começa a caminhar pela sala.
“Eu sabia que você era minha. Eu queria construir um jardim
imenso para você e o seu irmão. Teria flores de todas as cores, balanço e
uma casa na árvore. Queria construir uma fonte, e colocar um escorregador
gigante na piscina para você e Aiden brincarem nas férias de verão. Mas a
sua mãe estava louca e rejeitava os dois”, ele para, e eu assumo, quebrando
o nó.
“Minha mãe enlouqueceu porque VOCÊ não estava com ela
quando ela precisou.”
Daniel para de andar mas sua expressão não muda.
“Eu sempre estive do lado da sua mãe. Sempre fiz meu papel como
seu marido. Nunca a trai ou deixei de respeitar. Ela é a mãe dos meus filhos.
Grace é quem nunca se conformou
por ter tudo menos meu amor. Nunca estava em casa, sempre
enfiada no hospital.” Meu pai respira. “Eu não consegui retribuir seus
sentimentos, mesmo me esforçando muito.”
“Liz...” sussurro, e viro para ele que apenas fecha os olhos, sem
responder. Meu peito cede.
A mulher que amava era a mãe de Eric. E tudo começa fazer
sentido. O motivo dele me querer longe dos McBride. O motivo para ele
arrasta e confiar essa missão a ele. Sua obsessão pela morte de Liz. Tudo se
encaixa.
“Você tinha um mês quando eu recebi a primeira carta.”
Meu pai quebra o silêncio e interrompe meu raciocínio. Me viro,
vou até o centro da sala onde ele estava.
“Que carta?”
“A que dizia que você seria a próxima. Alguém traçou seu destino
desde o dia do seu nascimento”, sua voz fica ríspida.
“Próxima? Destino? O que isso significa?” Me aproximo.
Daniel corre os dedos pelo cabelo, e agarra um punhado no topo.
Então minha ficha cai.
“Você é minha”, repito em voz alta as palavras escritas na carta que
recebi. Eu não dei muita importância para as palavras deixadas para mim
com a caixa. A caixa com a mão de uma mulher decepada dentro.
“Não... Eu era apenas um bebê...”
“Você recebeu uma?” pergunta ele, ansioso.
“Sim, há algumas semanas”, respondo. “Por que estão enviando
essas cartas para mim?” Cruzo os braços no peito para aliviar a angústia.
“Não sabemos, mas você não é a única a receber. Liz e Gabrielle
Greene, também.”
Ele geme, a voz embargada.
“Eles queriam você. Todas aquelas garotas mortas foi consequência
de não termos te entregado.” Ele me olha, e eu vejo a cor verdadeira dos
seus olhos pela primeira vez.
São iguais aos meus.
O nó cresce. Deus...
Ele vem, e segura meus ombros.
“Cada ano que você completava, chegava uma caixa azul com a
parte de um corpo e uma carta com ameaças. Quanto mais eu demorasse,
mais pessoas inocentes morreriam”, lágrimas escorrem suavemente pelo seu
rosto.
“Eles deixaram bem claro que você poderia escolher o que fazer,
mas eu não pedia intervir. Eu não podia te mandar para longe, então fiz o
possível para que você quisesse ir por conta própria.”
Meu peito sobe e desce rápido.
“Aiden...” meus lábios tremem.
“Sim, ele recebeu uma das caixas e descobriu. Seu irmão sempre foi
muito esperto.”
Minhas mãos tremem.
“Aiden sabia o que deveria fazer. Quem ficaria num lugar onde é
agredido? Você tinha condição para ir quando desejasse. Seu irmão
trabalhou duro, mesmo sendo uma criança e te amando mais do que
qualquer coisa neste mundo.” Lágrimas rolam mais forte.
“Quando te pegou no colo, ele riu e disse: ‘eu estou fodido.’ Eu não
sei onde ele aprendeu a falar aquilo,” um
sorriso triste aparece. “Ele estava certo. Você quebrou todas as barreiras que
apareceram. Nunca foi fácil para lidar. Meus desejos chegaram até você de
alguma forma.”
Eu balanço a cabeça, espantando essa ideia. Eu não queria acreditar.
Não, Aiden era o vilão, quem eu culpei todos esses anos. Quem abusou de
mim e me fez ir para o inferno.
“Tudo aquilo foi para que eu não amasse vocês? Para que eu não
tivesse motivos para ficar na cidade e ir embora? Isso é ridículo.” Lágrimas
começam cair quando começo me dar conta de tudo.
“Sim”, responde meu pai.
“Eric...” Coloco as mãos na boca, minha testa franze em choro.
“Um motivo para que você quiser ficar. Nós não podíamos deixá-
los juntos, você tinha que ir.” Ele se afasta.
Meu Deus, tudo estava acontecendo debaixo do meu nariz. Fui
metida no centro dessa confusão e nunca percebi. Me sento no sofá
enquanto Daniel vai para o janelão e seca as lágrimas. De repente, tudo
parece claro como uma folha em branco. Eu me vejo no núcleo de uma
emboscada bem preparada, aonde eu sou a única sem nenhuma informação,
ou era.
Todo esse tempo, eu quis punir quem me atingiu, mas era cega para
os meus verdadeiros inimigos. Eu limitei meu circo apenas no meu pai e
irmão. Procurei os vilões, mas não quis saber os motivos que os tornaram os
vilões da minha vida. Nós não queremos saber os motivos que levam os
vilões a serem maus, não é? Afinal, ninguém é tão empático assim. Porra.
Ninguém!
“Para te proteger mais uma vez, eu faria tudo de novo”, meu pai
fala, mais calmo agora.
“Por quê?” Olho por cima do ombro. Eu escuto sua inspiração
profunda.
“Porquê você é minha criança”, ele diz, com firmeza e orgulho.
Meus olhos se arregalam, e meus ombros caem. Deixo todo o peso
sair do meu corpo. Deus...
Eu queria viver uma vida sem me importar. Eu queria não ser
afetada por nada. Viver dentro da minha bolha, sem contato, sem laços, sem
nada que me aprisionasse, ou pudesse ser usado contra mim. Ser uma
mulher forte e livre era minha única vantagem nesse mundo cheio de
ameaças. Passar a imagem de louca era divertido, especialmente quando
meu irmão era a vítima. Ninguém brinca com pessoas loucas, eles têm
medo e nunca ousam te tocar. Mas eu não precisava fingir
ser tudo isso, eu sou assim e cresci assim. Fui moldada para ser isso.
Pisco, afastando as lágrimas, já sem vontade de chorar ou qualquer
outra coisa. Isso é real. Agora, tudo ficou claro. Levanto, pego minha bolsa,
e vou até a porta, pronta para sair.
“Feliz Aniversário, papai”, digo, por cima do ombro.
Ele vira para mim e encontra meus olhos, surpreso. Então seu peito cede e
ele sorrir.
“Espero que um dia você possa me perdoar pelo o que fiz você e
seu irmão passar.”
Seguro a maçaneta. “Pessoas fortes não pedem perdão, elas não
precisam.” Abro e saio.
Sim, pessoas fortes não têm porquê pedirem perdão. Você faz o que
tem que fazer, e arca com as consequências. Pedir perdão para mim não me
fará sentir melhor. O que aconteceu já passou, remoer apenas piora.
Vamos viver, minha querida Amber. Você passou por tudo isso para
continuar viva, então viva! Viva como sempre e como nunca.
É uma nova chance de ser feliz. Diariamente é dia para recomeçar,
aproveitar e comemorar. Sair com os amigos, ou com aqueles caras
problemáticos que te fazem estar viva, que todos olham e sentem medo, e
você acha aquilo divertido e incrível, e é como se você pudesse ser tão forte
quanto eles. Ir ao cinema de madrugada e entrar numa sessão que ninguém
gosta, mas você sim. Andar de montanha-russa e gritar o nome do seu
homem. Andar de moto na chuva, ou apenas ficar no sossego do seu lar, ler
um bom livro enquanto espera uma pizza. Não importa. Viver é viver.
Eu escolhi continuar vivendo com determinação e confiança.
Aceitei fazer dos meus demônios meus bichinhos de estimação.
Eu estava pronta, estava para o jogo, eu fui. E eu não me arrependo
de nada. Não preciso.
Agora eu sei a verdade, nada mais me prende. Podem enviar as
cartas, eu irei receber e mandarei a resposta escrita com letras de sangue.
23

Amber

Presente

Sai da biblioteca após uma pesquisa para um novo projeto, e desci


as escadarias, indo para o meu armário deixar alguns livros e ir embora. As
aulas foram exaustivas nos últimos dias, e uma semana passou voando.
Tirei os livros da bolsa e substitui pelas revistas de decoração e arquitetura
que havia comprado mais cedo, quando sai para correr. Deixo o resto do
matérial no armário e saio.
Indo até o estacionamento, vejo Mika vir encher meu saco como
sempre faz.
“Para onde a princesa vai?” engancha o braço no meu pescoço. Eu
rosno, mas não o afasto. Eu gosto de estar com ele, apesar da sua língua
afiada.
“Não te interessa”, respondo enquanto destravo o carro.
“Preciso de uma carona”, ele me solta, e se joga no capô,
escorregando para o outro lado.
“Não mesmo”, bato um pé.
“Ah, vamos...” faz cara de pidão, as curvas abertas dos seus cachos
caem sobre a testa.
“Ugh”, eu gemo. Ele entende como um sim, e entra.
Disparo para fora do campus. Ligo o limpadores e checo o volume
de gasolina no relógio. Tento lembrar quando foi a última vez que enchi o
tanque.
“Eu não estou indo para casa”, digo enquanto olho para tela do
celular no suporte. Procuro o recibo no meu banco digital. Eu lembro de
receber uma notificação do posto de gasolina quando fiz a transferência via
QR Code.
“Eu fico aonde você ficar”, diz do meu lado. Eu semicerro os olhos,
e esqueço a procura.
“Está me seguindo?” murmuro.
Mika dá uma risadinha safada.
“Não, baby.”
“Eric falou com você?” ele pergunta de repente.
Eu estreio o olhar para o trânsito congestionado do fim da tarde.
“Não”, respondo, com preguiça. Mika suspira.
“Ele gosta de você”, murmura para si mesmo. Eu fico em silêncio.
Duas semanas, e nenhuma notícia. Eu fiz muita coisa nesses dias.
Continuei vivendo, agora, sem aquela bolha, mas sempre atenta e pronta.
Eu sei que, quando ele estiver pronto, vai aparecer.
Viro à direta, e sigo reto.
“Sabe”, Mika coloca o cotovelo na porta. “Eu conheço aquele cara
desde criança. Eric sempre foi quieto, mas tinha algo nele que o fazia se
destacar entre todos nós. Ele não tinha
medo de ser intenso, de quebrar e ferir”, ele descansa a cabeça na mão,
pensativo. “Amber, ele não foge, não enquanto você estiver aqui”, pisca.
Respiro fundo, e olho para ele. Meu peito dói, mas não é de tristeza.
“Por onde você esteve?” pergunto.
“Muito longe”, a voz calma como nunca esteve.
“Por que não lembro de você?” pergunto para mim mesma.
“Porque você estava no seu próprio mundo. Você sempre foi assim,
pequena Amber”, Mika sorri.
E mais uma vez ele tem razão. Mika tem esse jeito que me faz
querer está ao seu lado mesmo nos piores dias. Sinto como se tivesse
alguma responsabilidade sobre ele agora.
Paro em frente ao dojo. Vejo uma Kawasaki Ninja H2R, e dou um
sorrisinho. Ela está aqui.
Mika olha a placa feita de bambu na entrada, e depois para o belo
par de pernas na porta. O peito sobe e desce rápido. Eu noto um sorriso
diabólico curvar seus lábios. Sigo seus olhos até a mulher usando um short
jeans claro e uma blusa branca que deixava uma faixa das suas costas à
mostra, expondo a curva sexy da sua coluna. Uma alça do sutiã preto
aparece. Deixo meus olhos subirem, e vejo a pequena tatuagem na nuca e o
cabelo loiro preso num coque bagunçado. Sua pele bronzeada brilhava com
os resquícios da luz solar. Músculos trabalhados e tonificados, sem nenhum
hematoma.
Ela gesticula, brava, e entra. Solto uma risadinha. Deann. Ela é
muito mandona.
Dou um peteleco na nuca de Mika.
“Pare de babar pela minha mestra, e saia do meu carro”, aponto
com o polegar para trás. Mika bufa, e sai.
Rolo para dentro. Eu não tive tempo para treinar nos últimos dias.
Estava tudo acumulado na faculdade. Burtler não
pegou leve comigo, e me atolou de projetos, trabalhos e relatórios
sobre aqueles livros chatos que te fazem dormir melhor que qualquer
calmante.
E eu estava ocupada procurando um lugar para usar como oficina e
escritório. Como sou muito exigente com o espaço que pretendo passar
maior parte dos meus dias, nenhum deles parecia se encaixar nos meus
padrões de garota... mimada?
Não sou mimada. Apenas nasci numa família rica, e sempre tive
coisas caras. Meu avô trabalhou muito para conquistar sua fortuna, e meu
pai soube administrar muito bem sua herança para que eu e Aiden
pudéssemos viver uma vida confortável. Nunca me faltou nada no quesito
financeiro.
Eu estou ligada a moda, grifes e decorações desde que escolhi
minha profissão. Bem, eu me porto como tal, e aproveito os privilégios
desta vida.
Não foi uma tarefa fácil encontrar um espaço silencioso, longe do
caos da cidade, mas também não tão distante. Eu achei que Aiden estava
ironizando quando disse me para construir com minhas próprias mãos, mas
talvez ele estivesse certo. Mas algo mudou há três dias. Eu estava vindo
para o treino quando encontrei uma construção de três andares. Nunca tinha
reparado no prédio, o que parece meio idiota, já que ele foi construído com
tijolos terrosos. Qualquer pessoa notaria a cor chamativa, mas eu não.
Tinha uma placa de venda na entrada. Eu sorri para mim mesma, e
entrei. Após checar tudo, descobri que haviam seis salas espaçosas, uma
garagem e um porão subterrâneo que parecia com uma caverna. Era perfeito
para trabalhar e relaxar.
Ficaria aconchegante quando eu reformasse o banheiro, e
implementasse algumas peças de mármore preto, claro, mantendo o estilo
mais bruto. Suporte de ferros para tochas nas
paredes ficariam perfeitos. Talvez alguns castiçais e uma mesa de madeira
ficariam harmônicos.
Era como se eu estivesse entrando no meu apartamento pela
primeira vez. Muitas ideias para uma cabeça só. Meu peito batia rápido e eu
não pude deixar de sorrir.
No mesmo dia, fechei o contrato de compra. Paguei à vista com o
dinheiro da conta que descobri ter enquanto vasculhava minha sala secreta
no clube. Meu pai havia me dado aquele lugar mais os dados de uma conta
bancária, criada para mim seis meses antes do meu nascimento. Tinha um
envelope com a escritura do Raftel, prédio onde eu moro. Eu era a dona
daquele lugar desde a compra, há vinte e dois anos quando Daniel transferiu
seus bens para os filhos. E uma cópia do seu testamento junto com uma
procuração que me fazia a futura presidente das empresas Reese.
Ao que parece, Aiden ficou com a casa de Burk e vários
empreendimentos fora do país, além de outros imóveis do meu pai
espalhados pela cidade e a parte da coleção de carros herdados do vovô. A
outra parte é minha. Mas não entenda errado. O velho Gabriel Reese está
mais vivo do que nunca esteve, e me odeia por ter destruído sua Porsche
911 geração G.
Meu pai é um homem muito saudável, não sei por que ele faria algo
assim, mas acho que sua intenção era nos dizer que não estamos sozinhos,
que tudo o que construiu e conquistou foi por nós. Bem, ele deve ter lá suas
razões, e não cabe à mim questionar. E dinheiro é dinheiro. Eu não recusei,
assim como não recusei meu carro e a casa.
Deslizo pela recepção, e vou pelo corredor. Pego uma das espadas
penduradas na parede em ordem decrescente, e jogo em cima do ombro.
Marchando com minhas botas de saltos finos, passo por uma armadura de
samurai de um metro e setenta no fim do corredor. Viro à direita. ‘Dress’,
de Taylor Swift esquenta nos meus fones.
Passei pelas salas de Boxe e Muay thai. Tatames no chão, socos e
chutes quebravam a resistência do ar enquanto os alunos se aqueciam para o
treino da noite. Outros arrumavam suas bolsas para irem. Dou uma espiada
no fundo da sala enorme, mas não vejo Deann.
Ela deve estar...
Continuo seguindo. Gritos fortes passam pela música alta. Eu bufo,
e vou na direção. São eles. Chegando na entrada, me escoro na moldura da
porta e cruzo os braços. Um sorrisinho alegre brota.
Quimonos brancos com faixas amarelas, azuis e laranja, e uma
única garota faixa preta. Pernas para cima e acertam os sacos de pancas.
Deann puxa a faixa, abre as pernas rápido, pula com uma perna
flexionada e gira, chuta rápido e quebra a tábua no ar. Ela aterrissa, e todos
os alunos olham como se estivessem assistindo à uma apresentação de balé.
Um belo chute giratório.
Deann é excelente em tudo que faz, mas ela é impecável quando o
assunto são artes marciais.
Ela me vê, e seus olhos vão direto para a espada. Vem até mim
enquanto seca a nuca com uma toalha.
“Ei, garota. Como você tá?” seca o rosto.
“Você nasceu para o Taekwondo”, dou uma risadinha.
Ela me olha com aquele olhar de: ‘eu sei!’
Joga a toalha no ombro.
“Eu espero que você coloque de volta aonde achou.” Mandona.
“Por quê? Tem meu nome, então é minha”, brinco enquanto
acaricio o cabo preto.
“Era para o seu aniversário. Estava lá há meses, mas eu esqueci”,
cruza os braços.
Arqueio uma sobrancelha.
“Esqueceu, é?” esfrego o dedo no cristal vermelho.
Vinte e sete de outubro, foi o meu aniversário, o dia que voltei para
Burk depois de cinco anos, e Deann estava fora da cidade. Ela não
esqueceu.
“Veio treinar?” seca o rosto e desconversa.
“Não, nós vamos sair. Eu, você, whisky e piscina”, pisco para ela
que me olha com cara de safada. O desfio aceito.
“Piscina?” sorri.
E eu completo:
“No meu prédio”, nós duas rimos juntas.
Os pneus batem na lombada quando toco para dentro da garagem.
Bato a porta, vejo quando Deann faz o mesmo no seu Jeep.
Eu nem me preocupo em subir para me trocar, ou pegar bebidas.
Vamos para o elevador da garagem que dá acesso a área da piscina.
Entramos, e subimos. As portas se abrem, e nós escorregamos para fora.
Deann carrega uma mochila e uma
lata de energético para entrar no clima.
“Onde você esteve?” pergunta, e toma um gole.
“Burk.”
Ela fica em silêncio, e depois diz:
“Você tem família lá?” Seu tom de voz muda.
“Eu nasci lá”, respondo, e ela volta a ficar em silêncio.
“Você já foi lá?” pergunto, agora curiosa.
Deann não fala sobre sua vida. E eu não tenho interesse em cavar
seu passado, mas suas reações são curiosas. Ela me lembra um pouco o
Will, neste ponto.
“Uma vez, eu acho”, Deann responde, tranquilamente.
Não acredito, porém evito questionamentos. Todos temos algo que
desejamos manter guardado.
Chegamos na área restrita para os moradores. O lugar foi construído
à pedido do antigo dono para que sua família pudesse desfrutar de todo luxo
sem o incômodo dos outros moradores. O acesso só é possível pela
garagem.
Eu acredito que da cobertura dê para ver tudo aqui embaixo. Eu
nunca entrei lá, mesmo estando vazia, mas pelo que diz na planta, é
possível.
Deslizo o cartão no sensor, e a porta de vidro abre. Meus olhos,
incrédulos, deslizam pelo espaço.
“Uau”, Deann solta.
O prédio era como um armário gigante. Imagine que três gavetas
estavam abertas. A garagem, anda secreto e a cobertura mais retraída. Por
isso, dava para ver a piscina.
A piscina era gigante com bordas finas. A água azul escorria da
parte rasa, aonde tinha duas espreguiçadeiras, e fazia espuma quando caia
como uma cascata na parte mais funda. Tinha uma trilha de pedras no
gramado que levava até
uma estufa. À direta, tinham mais quatro espreguiçadeiras e um guarda-sol.
À esquerda, um bar com uma bancada de granito preto e banquetas. No
canto, um canteiro de rosas vermelhas e refletores apontando para piscina.
Sorrio quando o cheiro de menta roça minhas narinas.
Este lugar é perfeito.
“Que tal, mudou de ideia, quer vir morar aqui? Meu convite ainda
está de pé”, me gabo para Deann.
Ela me olha como se eu fosse a porra do seu whisky favorito.
“Filha da mãe. Eu quero ser amante do seu pai. Quanto você acha
que eu consigo arrancar de pensão?”
Eu bufo.
Ela e Mika são as únicas pessoas com quem eu posso relaxar sem
estar pronta para uma luta. Eles me fazem sorrir.
Depois do caso de Sarah, eu mataria por essa garota.
Ligo o som, Deann explode em risos.
“É sério? Voltamos aos anos 80?” grita quando ‘Girls Just Want to
Have Fun’ toca alto na caixa de som. Eu balanço os quadris e estendo as
mãos para ela.
“Oh, girls, they wanna have fun”, canto, seguindo a animação do
momento. Ela joga o líquido âmbar para cima e segura minhas mãos. Eu
encolho os ombros quando as gotas de energético caem sobre nossas
cabeças.
“Vamos, garota!” Deann grita.
Nós dançamos e pulamos enquanto sentimos a alegria de sermos
duas garotas más e, às vezes, mulheres fortes. Mas no fim, sabemos que
fizemos o melhor.
Todas nós estamos lutando nossas batalhas. Nunca nos escondemos
e nem deixamos que nos mantenham em segredo.
É assim que todas as mulheres são. Livres. Procurando um pouco de
diversão.
Eu tiro todas as minhas roupas, fico apenas de calcinha e sutiã.
Deann faz o mesmo. Joga a bolsa numa espreguiçadeira e tira os tênis,
meias, blusa e short. Ela olha para minha lingerie vinho de renda e eu olho
para a dela, preta sem nenhum enchimento. Suas curvas perfeitas e algumas
tatuagens minimalistas. Nós nos entreolhamos, e começamos a rir como
duas idiotas. Damos as mãos.
“Um. Dois. Três!” contamos juntas e partimos numa corrida,
pulamos na piscina. Eu afundo, tento tocar o fundo, mas não consigo, então
volto para superfície e mergulho outra vez. Abro os olhos, e toco o fundo
dessa vez.
Subo, vendo o corpo de Deann. Ela estava com os cotovelos sobre a
borda, mãos no abdômen e os fios loiros quase brancos todos penteados
para trás. As curvas dos seios dela brilhava com a luz da lua e gotas de
água. Parecia que iriam saltar da renda, nada exagerando, tudo era
proporcional no seu corpo, mas abundante. E ela estava me observando.
Eu vou até ela. Chegando próximo, agarro um punhado de cabelo e
puxo sua cabeça para mim. Sua boca bate na minha. Respirações ofegantes.
“Ele está te observando”, ela sussurra, e mordisca meu lábio
inferior. Eu curvo o canto da boca.
“Ele é um ótimo espectador”, desço, a beijando lento e sensual.
Deann desliza a mão pela minha cintura e me puxa para perto.

24

Eric

Presente
Me encosto na grade de proteção de vidro. Levo o copo de whisky
entre os lábios. Aiden geme do meu lado.
“Eu não vou ver isso”, e sai.
Mika se aproxima, fumando o mesmo cigarro com cheiro de menta
que Amber fuma. Will está no sofá, transando com a filha mais velha de um
banqueiro. Um tapa estrala no ar, e a vadia geme alto. II soltar um
sorrisinho safado, mas não tira os olhos da maldita piscina. Porra, nem eu.
Eu fiquei fora por três malditas semanas, e quando volto encontro
isso? Deus, me ajude.
O cabelo de Amber roça na bunda quando ela desce na garota de
cabelos loiros e a beija.
Meu sangue ferve, bombeando rápido pelo corpo e colidindo com a
ânsia de ter sua boca no meu pau e aquele corpo quente na minha cama. Ela
sendo minha todos os dias da semana. No café da manhã. No meu carro.
Minha depois que as crianças dormirem. Minha quando eu quiser, e ela
estiver quente.
A mão da garota desliza pela cintura de Amber enquanto elas
movem os quadris, esfregando uma na outra. Amber puxa a cabeça dela
para trás, e deixa uma trilha de beijos pela curva do seu pescoço. A garota
ri, e agarra um punhado de mechas pretas de Am, arrasta a perna dela pela
lateral da coxa e engancha pouco abaixo da bunda. Movendo lentamente, se
encaixa entre suas pernas. Seus olhos azuis descem pelo corpo de Amber e
a mão entre as pernas. Amber arqueia as costas. Cabeça caindo para trás.
A garota loira segura o rosto dela que levanta a cabeça e a encara.
Ela se aproxima, e beija, gentilmente, a testa de Amber. As duas riem, e se
abraçam, afundando juntas na água.
E pela primeira vez, eu a vejo tão relaxada e gentil. É como se, por
um momento, ela tivesse aberto mão do controle.
Sorrio para mim mesmo, e tomo um gole da bebida. Viro para II, a
garrafa de cerveja nos lábios. Os olhos triste e cabisbaixos. Ele dá um tapa
no meu ombro.
“Tô caindo fora”, avisa, vira e sai. Passando pela sala, deixa um
beijo na têmpora de Will e acaricia o rosto da garota.
“Vai aonde?” Will pergunta, ainda ofegante depois da terceira ou
quarta rodada. Um sorriso amarelo curva os lábios de Mika.
“Corrida”, II mexe as mãos imitando um volante.
“Seu pai vai te foder”, Will avisa enquanto a garota sobe e desce em
vaqueira invertida.
“Não se eu foder ele primeiro”, sai, batendo a porta da nossa
cobertura.
Poucas coisas tiram Mika do eixo. Mas este fenômeno acontece, e
não é legal. Apesar dele ser o mais atrevido e ter esse jeito que poucas
pessoas levam a sério e costumam subestima, ele consegue ser o mais cruel
quando é ferido. Seus sorrisos e brincadeiras escodem uma mente agressiva
e insana capaz de qualquer loucura.
Um aviso, não cometa o erro de brincar com um cara que esteve
preso durante três por um homicídio. Você não vai gostar de vê-lo perder o
controle. Não será bonito.
Saio do parapeito e sento na poltrona. Faz cinco dias que eu voltei
para cidade. Depois de tudo, eu precisava acertar contas com o passado.
Diferente da Amber ou dos meus garotos, eu precisava amarrar as pontas
soltas e procurar o que havia perdido. Eu não conseguiria seguir enfrente
sem consertar o que quebrou ou, pelo menos, tentar. Ficar não era uma
opção, não para mim. Não era pelo meu pai, ou porque eu não queria estar
aqui. Não era isso. Eu não me importo se ele vivi ou morre. Sean McBride
nunca foi um exemplo à se seguir, e eu nunca me iludi com essa história de
‘meu pai é meu herói.’ Sério? Isso é tão enjoativo e tedioso. Eu só precisava
ir. Ir para aquela cidade.
No meio do caminho, muitas coisas passaram diante dos meus
olhos como um filme. A primeira vez que Aiden me mostrou o vídeo e eu
não fazia ideia que a pessoa que procurávamos era meu pai. Quando
conheci a irmãzinha do
meu amigo e quis ela para mim. Minha mãe em seu ateliê, pintando uma
obra que eu nunca consegui entender.
Um túmulo de mármore escuro com velas vermelhas em pequenos
potes com furos nas tampas de metal. O fundo da pintura era borrado, não
dava para entender. Eu não entendia.
Mas quando fui questiona-la, ela me disse que aquilo era a vida. Eu
realmente não entendi naquela época. Mas pensando bem, agora faz
sentido.
Confusão. Morte. Luz. Sofia, o último quadro. A representação dos
sentimentos do homem que amava. Daniel e sua criança.
Vejo Amber pular e dançar o com as mãos no ar enquanto segura
um cigarro entre os dedos. Ela vai até o bar e se serve com mais bebida.
Seus mamilos duros e rosados apontam na renda fina do sutiã, agora, sem
cobrir quase nada. A outra garota está deitada na espreguiçadeira com o
braço nos olhos e sopra fumaça.
Eu fiz o que tinha que fazer, mas não achei o procurava. Então
resolvi voltar para Midran e resolver coisas pendentes com Daniel. Ele me
contou tudo sobre ele, Aiden, Amber e as cartas. Tudo faz sentindo, mas
ainda falta informações sobre a tal União, qual o propósito por trás das
outras mortes, e por que cartas. É um quebra-cabeça que está longe de ser
terminado.
Eu também tinha assuntos pendentes com Amber. Coisas que
precisava esclarecer e explicar, mas não fiz. Ela me fará perguntas,
perguntas que levam um tempo para serem respondidas. Foi sete anos de
espera para, no final, nada ser como eu imaginava. Se por um lado a culpei
por algo, por outro, nem sequer duvidei de Aiden.
Nós merecíamos espaço. Am mais ainda. Ela precisava decidir por
conta própria sobre nós, e como vai ser de agora em diante. Por isso,
ninguém, além de Daniel, sabia que eu estava de volta. Os rapazes podiam
sobreviver sem mim, porque, no fim, ela se tornou minha maior prioridade.
Eu a observei a maior parte do tempo quando não estava correndo
para administrar os bens do meu pai, que eu, legalmente, me tornei
responsável. Amber também esteve
ocupada com a faculdade, projetos e com seu novo empreendimento. Ela
esteve feliz.
Ela fica bem sozinha. Porra, ela se sai muito bem.
Eu odeio como a porra do meu sorriso pula quando ela é o assunto.
Amber é uma diaba que consegue tudo o que quer sem muito esforço. Ela te
fode e você acha graça. Ela me fodeu.
Ah, merda. Eu a amo. Não consigo fugir, nunca fui capaz. Ela é
minha desde do dia que a vi dentro daquela maldita sala.
Eu preciso dela nos meus braços, agora.
Coloco o copo na mesinha de vidro e me levanto. Passando pela
sala, vejo Will, agora sozinho, assistindo à um filme. Vou para meu quarto.
Tons de cinza para todos os lados, desde o edredom, aos acolchoados das
paredes. Puxo as cortinas, e as luzes dos arranha-céus apontam ao leste
através da neblina densa que se formava. Outra tempestade estava se
aproximando, mas o clima ainda estava agradável.
Arrasto as janelas corrediças. Desabotoo os punhos da camisa,
fecho os olhos ao inalar profundo. O ar dança no meu rosto, e parece mais
frio do que minutos atrás. Mantenho o
olhar fixo no horizonte enquanto deixo a camisa cair no chão. Deslizo a
mão pelo cabelo, descendo pela nuca.
As coisas teriam sido diferentes se eu soubesse a verdade? Não, eu
precisava ferir alguém para me sentir melhor. Todas as garotas que
passaram pela minha cama, as madrugadas em bares, os incêndios, até os
pontos marcados no
vôlei, tudo era para disfarçar o covarde que eu era. Amber era diferente. Ela
achou a paz em algo bom. Quanto à mim, tinha a destruição como abrigo.
Evito pensar muito, e volto para dentro. Abro o registro do
chuveiro, um jato de água quente cai nas costas como agulhas, mas melhora
quando me acostumo com a temperatura relaxante. O vapor cobre as
paredes de vidro. Penteio o cabelo para tirar o excesso de shampoo. Água
escorre pela testa, nariz e boca. E eu sinto meu corpo mais relaxado agora.
Melanie Martínez toca alto sob nós, e eu não consigo conter o
sorrisinho no canto da boca. Ela ama essa cantora.
Lembro do dia que entrei em seu apartamento. A primeira música da sua
playlist era dessa garota. Eu não sei por que ela gosta tanto. Tudo bem. As
duas parecem ser mulheres decididas que sabem bem o que querem. Mas
Amber pintaria o cabelo? Quero dizer, eu só sei que a cantora tem o cabelo
de duas cores, só pesquisei até aí, e depois me aborreci com as letras. Elas
têm línguas afiadas. Isto é parecido.
Corto o fluxo de água. Pego uma toalha e enrolo na cintura. Minhas
tatuagens brilham com pequenos cristais de água. A letra quente ecoa no ar,
e meu lábios se curvam num sorriso diabólico, entendendo. Cruzo os braços
no peito para ouvir com atenção.
A voz aveludada repete:

“Baby, você pode me encontrar hoje à noite na detenção?


Eu posso sentir sua pressão arterial subir, foda-se essa tensão.
Deixe-me rastejar na sua mente, eu mencionei?”
Em seguida, meu celular acende com uma notificação.
Caminho descalço pelo quarto, pego o celular em cima da mesa de
cabeceira, e deslizo o polegar. A mensagem brilha.

“Você não pode se esconder. Você quem pediu por isso. E...”

Sorrio de novo. Ela tem razão. Eu pedi por isso.


A tela brilha de novo.

“Os demônios sussurram, querido”, completa.

Sim, baby, eles sussurram.


Jogo o aparelho na cama e toco para o closet. Visto uma camisa de
botões branca, calça preta e sapatos. Deslizo a pulseira de prata pelo punho.
Coloco a carteia e celular no bolso, e pego as chaves.
Eu gostaria de ter aquilo comigo, mas não tenho. Então meus
planos terão que esperar mais um tempo até que eu recupere a joia.
Volto pela sala, pego meu cigarro e junto ao celular.
“Onde está a princesinha?” pergunto a Will, só de jeans, assistindo
8 Mile pela centésima vez.
“Ela tinha trabalho”, ele diz enquanto toma um gole da cereja.
“Você a deixou ir tão cedo? Isso é raro.”
Coloca os pés na mesa de centro.
“Não tenho paciência para teatrinhos”, seu tom indiferente de
sempre. “Ela é boa, mas eu não tenho paciência”, corrige.
Nenhuma das muitas mulheres com quem ele esteve chegou à
dormir aqui. É com se nenhuma delas fosse capaz de dar o que ele quer, de
satisfazer sua fome. Ninguém o incendeia tanto quanto aquela garota.
William Bryant queima apenas por uma.
“Você que sabe”, puxo a maçaneta, mas antes de bater a porta,
escuto a voz dele.
“Você sabia disso?” me questiona, mas seus olhos continuam na
tela.
“O quê?” franzo a testa.
“Elas”, se limita a isso. Pisco lento e inspiro.
“Não.”
Will vira para mim.
“Você sabe que ele vai fazer merda, não é? Ele é assim, e ninguém
vai ser capaz de segurar a porra da raiva dele”, seus olhar frio. “De todos
nós, aquele cara foi o mais fodido nessa história do caralho.” Sinto o
instinto protetor dele alfinetar meu plexo solar.
“Ele é seu, não é?” respiro fundo, toda merda voltando.
“Sim, e eu não vou deixar ninguém machucá-lo”, muda o tom de
voz, uma frieza ameaçadora.

Entro no elevador. Faz um tempo que não escuto mais músicas. Ela
deve estar em casa. Toco para o vigésimo andar.
Graças aos jogos de Aiden, eu soube que o apartamento de
Amber estava localizado neste prédio quase vazio. Foi fácil
negociar a cobertura com parte do meu acordo com Daniel. A verdade sobre
a morte da minha mãe e a coberta no Raftel em troca da minha ajuda para
descobrir quem estava por trás das mortes.
Me mudar para cá fazia parte do plano de vingança, mas acabei
ficando no meu apartamento do outro lado da cidade. Era arriscado sair e
entrar sem ser visto. De quê serviria aparecer antes do planejado? Porém,
aconteceram vários contratempos no meio do caminho, como gabi e Sarah.
Todos estávamos ocupados nos revezando entre Burk e Midran. A cobertura
passou a ser usada como um ponto de encontro. Um lugar que todos nós
poderíamos ficar.
Acabou como nossa. Todos ficamos muito à vontade. Mika trouxe
alguns pares de roupas, enquanto Will só vem de visita e dorme às vezes,
Aiden faz o mesmo e eu também.
Paro em frente a porta preta, tiro as chaves do bolso e deslizo na
fechadura, giro, mas paro antes do click. Respiro e limpo a mente. Organizo
os pensamentos. Pacífico e silencioso. Toco a campainha.
Da última que vim aqui, eu não me controlei, e sai batendo a porta,
mas hoje, eu pretendo ficar um pouco mais, e
quem sabe, brincar com aquela coleção de lâminas na biblioteca. Não, meus
planos são outros.
Escuto o barulho da chave na fechadura, e a porta abre.
Meu coração bate. Amber está com a minha camisa, ofegante e sem nada
por baixo. Porra. Meu pau incha, e o tecido começa a pinicam na pele.
Trinta centímetros mais baixa que eu. Seu cabelo está bagunçado e
olhos acesos. Ela coloca a mão na cintura.
“Seu dono te dispensou hoje?” Pura arrogância nos lábios.
Me aproximo dela.
“Minha lady precisa mais de mim”, respondo, tão arrogante quanto.
Amber ri, se afasta da porta e estende o braço para dentro. O
convite claro.
Eu entro, e fito a cabeça loira no sofá. O cabelo claro como a neve
se destaca no meio de todos os móveis pretos. A luz do edifício vizinho
incide através dos janelões e bate no meio da sala. A cozinha é iluminada
por luzes fracas sob os armários de parede, e derramam sobre a bancada,
deixando resquícios caírem pelo chão.
“Deann”, Amber aponta com o queixo para garota, e eu fico
confuso.
Deann?
A garota passa o braço pelas costas do sofá e vira por cima do
ombro. Nossos olhares se encontram. O azul penetrante dos seus olhos
parece mais escuro longe da luz, e não brilham como antes. Ela me encara
fixamente, e eu sei. Eu sei.
“Eric McBride”, Amber me apresenta. Deann... fica em silêncio, me
encarando como um corvo raivoso, pronto para me atacar. Então vira para a
amiga.
“Ei, garota, tô caindo fora”, ela levanta e pega a bolsa.
“Pode ficar. Eu sei que gosta daqui”, Amber começa a sair da sala.
“Temos um lugar para ir”, aviso, ela concorda com a cabeça sem
olhar para trás enquanto atravessa o corredor e entra no banheiro.
Deann joga a bolsa de volta no sofá e vai para cozinha. Pega uma
cerveja no cooler, abre na bancada e toma um gole. Seus olhos em mim.
Volta para sala, senta e começa ver algo no iPad.
Alguns muitos minutos depois, eu estava sentado com as pernas
cruzadas numa poltrona, Deann na sua quarta cerveja enquanto via algo na
tela. Música vinha do banheiro. É claro que ela não perderia a oportunidade
de me fazer esperar, e tem aquele ritual na banheira, as velas, o escuro, o
cheiro de cigarro e bebida.
Estudo toda a sala. O piso mais baixo no centro onde fica os sofás e
a mesinha. O aparador de mármore preto, o abajur dourado, e as cortinas
que varrem o chão. Tudo reflete sua personalidade e bom gosto. Bem, quem
a vê sempre vestida de preto não imagina que sua obsessão pela cor é tão
grande que até as maçanetas das portas são pretas. Mas é só isso, não tem
muitas coisas que lembre a Amber de sete anos atrás. Nenhum quadro ou
desenhos. Ela deve ter enterrado tudo. Afinal, não é uma mulher que deseja
reviver o passado.
Ouço barulho de passos. Olho para o corredor. Amber vem,
desfilando num vestidinho de couro colado no corpo com todas as belas
curvas marcadas. Capa longa, também de couro. Botas pretas até os joelhos
e uma bolsa que imitava uma bola prata e com pequenas pedrinhas e um V
cravado na frente.
“Vamos dividir o macarrão?” ela se curva sobre mim, passa a mão
pelo colarinho da camisa e espalma meu peito. Seu hálito fresco faz cócegas
no meu rosto.
“Como quiser, dama”, me ergo lentamente, seu olha preso no meu
quando faz o mesmo, sem quebrar o contato visual.
Amber desliza a palma na minha, nossos dedos se entrelaçam. Roço
o polegar pela cicatriz feita naquele jantar. Ela ri e aperta o agarre.
“Estou indo”, avisa, por cima do ombro, eu sigo seu olhar enquanto
deslizo a outra mão no bolso.
“Seja uma garota má”, Deann fala para a amiga, mas seu olhar está
em mim.
Retribuo com uma leve inclinada na cabeça.
Ligo o carro, o motor da BMW M5 soa alto. Amber ri quando eu
acelero, e os pneus cantam no asfalto, tocando para longe.
Olho para o painel, são duas da manhã. Amber está do meu lado
com a cabeça virada para direita, olhando para fora. Seu peito sobe e desce
tranquilamente na longa reta.
A chuva que ameaçava cair mais cedo, começa a bater forte como
balas no para-brisa e na lataria. Amber geme, e eu olho de volta para ela.
Seu semblante complemente relaxado e fascinado com a chuva.
“Eu lembro da primeira vez que encontrei você no cemitério”,
quebro o silêncio. Olho para estrada, agora. “Você estava deitada ao lado de
um túmulo. Sua expressão era a mesma”, lembro. “Na sala de aula
também”, coloco o cotovelo na porta e levo a cabeça a mão. Amber respira
fundo.
“Sua energia caótica sempre esteve me espreitando”, diz, num tom
brincalhão.
“Eu gosto da paz”, fica séria.
“Eu sei, foi isso que sempre me atraiu em você. Claro, isso foi antes
de ver como você era quente.” Viro para ela, seguro o câmbio, “Como ainda
é!”, engato marcha.
Am coloca a mão na minha nuca e acaricia meu cabelo. Meus pelos
arrepiam. Meu pau recebe a mensagem e cutuca minha virilha. Com um
simples toque, porra.
“Você sabe que nós temos que ter àquela conversa, não é?” ela
descansa a cabeça no banco, sua mão macia e quente na minha nuca
enquanto enrola uma mecha de cabelo com o indicador.
“Sim”, concordo, pronto para isso.
Nós, meu pai, seu pai, seu irmão e o que vai acontecer depois, tudo
tem que ficar claro para funcionar. Eu quero isso.
Respiro fundo, e começo a falar sem hesitar, sem evitar a verdade,
sem ser desonesto com a mulher ao meu lado.
“Depois que você foi embora, seu pai me procurou e me ofereceu
um acordo. A verdade por trás da morte da minha mãe em troca da minha
ajuda. Eu queria vingança e estar perto dele me dava mais chances de ter
acesso a você, então aceitei. Foi um acordo”, piso no freio, a pista
escorregadia faz a traseira derrapar. “O resto você sabe.”
Eu fiz isso, eu queria fazer. Não. Não posso fingir que nada
aconteceu. Maquiar não vai resolver. Agora, depende dela.
Continuo olhando para estrada. Mil possibilidades de reações passa
pela minha mente. Ela pode achar tudo isso estúpido e se recusar a aceitar
como justificativa. Pode achar que sou o pior lixo, escroto. Pode ter nojo e
repulsa pelo o que fizemos com gabi, com ela e Sarah. E pode... Não. Andar
em círculos não faz meu estilo. É bobagem fazer suposições.
O que deu em mim? Porra. Pareço um cara inseguro.
Afasto qualquer pensamento irrelevante, e foco na estrada. A cabine
fica mais apertada quando o segundos
passam e o silêncio assustador toma conta. Angústia começa querer bater
forte quando ela não fala nada e permanece olhando para o lado. Sua mão
não está mais em mim.
“O que aconteceu com aquela garota?” finalmente pergunta algo.
Meu peito cede. Obrigada. Solto o ar preso nos pulmões aliviado,
finalmente.
Semicerro os olhos, confusão ao me dar conta da pergunta.
“Que garota?” viro para ela.
“Da noite do jantar”, Amber olha para mim, atentamente.
Eu forço os olhos até lembrar.
Ah... Gabi Greene. É verdade, ela viu a cena de como a tratei como
um saco de merda. Meu pomo do adão sobe e desce. Merda. Ela viu aquilo.
Solto o ar.
“Ela conseguiu fugir.”
Sinto os olhos de Amber continuarem em mim enquanto me
concentro na estrada.
“Deve estar bem”, tranquilizo.
Ela não fala nada, e meu estômago arde. Fale algo, qualquer coisa,
por favor.
“O que vocês fizeram com o corpo de Thomas?” pergunta, e eu
volto a respirar. Arregalo os olhos, surpreso.
“O quê?” ela franze as sobrancelhas.
“Você não tem medo que eu faça o mesmo com você? O que fiz
com a garota?” questiono, ainda surpreso.
Amber cruza as pernas. Meus olhos descem, automaticamente para
fenda profunda que se abre em sua coxa.
“Você já fez. E eu sei que não fará de novo”, diz, com um ar
arrogante.
“Como tem tanta certeza?” pergunto, encarando seus olhos que
parecem castanhos com a pouca luz. Coloca o cotovelo na porta e deixa a
cabeça relaxar na mão. O rabo de cavalo escorre junto.
“Porque você não quer se vingar e,” faz uma pausa. “Eu cortaria
cada membro seu.”
Ok, ela tem coragem.
“Eric”, sua voz séria, novamente. “O que fez com o corpo?”
pressiona.
Ponho a mão sobre a dela.
“Querida, você não precisa saber. Não foi sua culpa.”
Ela desvia o olhar.
“Ei”, puxo seu queixo. “Ele fez muitas coisas ruins. Matou minha
mãe e sua própria irmã”, falo duro. Amber engole seco.
“Eu sei. Não sinto autopiedade, mas não quero ser a única a não
saber.”
“No fundo do mar”, aponto para esquerda enquanto faço a curva.
“Você esperou por mim, e se eu não tivesse voltado?” mudo de
assunto.
“Eu o torturaria com meu corpo sensual e faria você implorar pela
minha cama quente. E no momento que conseguisse, pisaria em você”,
Amber expõe seu plano maligno.
Eu bufo.
“Fala sério. Eu? Implorando?” rio dela.
“Não seria a primeira vez.”
Merda.
“Eu sabia que iria voltar”, diz ela, de repente. “Eu não precisava
ligar ou me desesperar, você voltaria para mim.”
Meu coração dói. Meu Deus, eu sinto que posso morrer agora. Ela é
tão linda e confiante.

Giro o volante, o carro chacoalha e os pneus batem nos cascalhos


de pedras. Amber sorri e agarra a alça do painel da porta. Eu pedi para ela
colocar uma venda. E dessa vez, ela se comportou direitinho e colocou sem
reclamar.
As luzes do letreiro piscam em vermelho e amarelo. Estaciono, e
desço. Chuva caia forte, molhando meus ombros e cabelo. Amber bate nos
controles até achar a maçaneta e abre a porta. Cruzo os braços, vendo ela
tentear para sair. Ela joga as pernas para fora, e seus pés batem na grama
molhada, seus pelos arrepiam de imediato.
Segurando sua mão, trabalho rápido, correndo na tempestade.
Passamos pela entrada indo direto pelo meio do parque vazio. Eu pulo uma
poça e ela imita meu movimento, saltando por cima da lama. O sorriso não
sai do rosto. Contornamos a barraca de tiros, tocamos pela direta, sem parar.
Passando pelo carrossel, lembro da primeira vez dela aqui, como estava
eufórica com um brinquedo velho que ninguém queria brincar.
Amber grita e grunhi quando os pingos cheios de terra salpicam nas
suas coxas nuas, mas ela não reclama da sujeira
ou se preocupa com suas botas caras que irão direto para o lixo quando ela
puder ver o estrago.
Raios e trovões estralam. Ela estremece com o estrondo monstruoso
e começa a rir. O céu descarrega seus pingos furiosos sobre nós.
Entro na casa dos espelhos e puxo ela junto.
Amber coloca as mãos nos joelhos, ofegante mas radiante. Eu queria ver se
seus olhos estão brilhando.
O cabelo dela grudado no rosto e pescoço. Água escorre pelo
sobretudo impermeável e pinga próximo aos seus pés.
“Posso tirar a venda?” ela sacode as mãos brancas e molhadas.
Penteio o cabelo encharcado para trás.
“Ainda não”, sacudo a mão, “Vamos”, e pego a dela de volta. “O
jogo ainda não acabou.”
Chegamos na passagem de pedra que lembra o arco da entrada de
uma caverna. Descemos as novas escadas de madeira colocadas para
substituir as de concreto. Avançamos. As paredes do subsolo ficam mais
apertadas. Tochas artificiais iluminam o caminho. O lugar parece o mesmo,
exceto pelas pequenas mudanças necessárias. A troca da escada, concertos
no teto. Poucos reparos. Eu continuei preservando tudo durante um tempo.
Agradeço por isso.
Chegamos no fim do túnel. Am para ao meu lado, vendada. Ela
aperta minha mão e roça o polegar na minha cicatriz. Quer ter certeza.
“Chegamos, pode tirar”, aviso.
Amber desliza a mão por trás da cabeça e puxa a fita. A seda
vermelha cai lenta pelos seus olhos, nariz e boca. O olhar dela vibra, e meu
interior aquece. Ela olha com cuidado. Dá um
passo à frente. Gira a cabeça de um lado para o outro, para cima e para
baixo. Não diz nada, só observa.
“Deus...”
Amber da mais alguns passos, sobe um degrau e entra na casinha.
No centro, ela vira para mim, e eu finalmente posso ver seu rosto. Lágrimas
escorrem suavemente pelas bochechas enquanto sua imagem é refletida de
todos os ângulos da ciranda de espelhos.
“Você guardou”, Am sussurra.
Uma pequena casinha com o telhado de chapéu de bruxa. Era um
dos desenhos do seu antigo caderno de
rascunhos que permaneceu guardado no fundo da gaveta da minha mesa de
cabeceira todos esses anos.
Eu não podia colar o quebrado, nem comprar novos.
Não posso fingir que não aconteceu, porque aconteceu e faz parte de nós, da
nossa história. Mas eu aprendi há muito tempo que existe beleza até no que
foi quebrado. Amber me mostrou isso quando conseguiu sorrir mesmo nos
dias tristes.
Ela vem até mim, e fica em pé na minha frente. A ponta do nariz
vermelho e as bochechas coradas. Nem de longe lembra a fortaleza que
costuma ser. Está pacífica.
“Eric McBride, o amiguinho do seu irmão”, me apresento e estendo
a mão. Am põe as pontas dos dedos nos meus, e eu seguro sua mão.
“Eu sei. Todo mundo sabe quem destruiu a joalheria Morris. É uma
pena que seu rosto bonito não tenha aparecido nas câmeras. Aposto que é
super fotogênico”, ela me acompanha.
“Mas eu sei porque fez isso”, tira a caixinha preta de veludo do
bolso do casaco e abre. “Por isto.”
O anel de prata brilha com um diamante negro no formato de gota.
“Este anel combina com minhas adagas”, joga, um sorriso diabólico
curva seus lábios.
Sete anos não foi capaz de nos separar.
Nós somos o caos.
A tempestade.
Somos a confusão.
Epílogo

Amber

Um ano depois

Subo pela escada de incêndio. ‘Mirrors’, de Justin Timberlake,


derrete nos fones via Bluetooth. Abro a porta e empurro a estante. A
passagem desativada abre, e eu entro na biblioteca. É o caminho mais curto
para chegar aqui. Eu quis não encontrar o Sr. Burtler hoje.
Passo por mesas com estudantes vadiando, outras com alunos
focados em seus projetos. É final de semestre, e muitos estão na corrida
contra o tempo para fechar com notas altas enquanto outros correm atrás
dos professores para fazer aquele trabalho extra. E têm os filhos
privilegiados que não precisam se esforçarem, porque seus papais, donos de
bancos, podem comprar todos eles.
Vejo as costas de Eric em uma das mesas próximas à janela. O
cabelo mais curto deixa a nova tatuagem da nuca à mostra. Um par de asas.
Vestindo uma camisa branca e jeans preto, joga os braços sobre o encosto
da cadeira, e revela todas as outras tatuagens. As folhas secas no cotovelo, a
rosa na
palma da mão, um anjo sobre um crânio segura uma lança dourada no
interior do braço. E várias outras, como uma aranha realista no ombro. Tive
muito tempo para decorar todas elas no último ano.
De todo modo, não existe uma regra na faculdade que proíba
tatuagens. Foi escolha dele nunca expor. Bem, ele não é mais um estudante
desta escola, já que se formou na turma de administração do ano passado.
Agora, o senhor McBride administra todos os bens da família. Tornou-se
sócio de Aiden para construção de um clube em Burk. E também voltou a
jogar vôlei.
Roço os dedos em sua nuca quando me aproximo por trás. Traço
uma linha vertical pela tatuagem pigmentada e desço pela coluna. Meu
diamante brilha, e eu não consigo esconder a excitação. Ele é tão lindo. Eric
me olha por cima do ombro com aqueles olhos da cor de um café bem forte,
e ri.
“Alguém vai acabar descobrindo seus segredinhos, Srta. Reese”,
sua voz convidativa. Excitante.
“Eles só sabem o que eu quero que saibam.”
“Então, por que me chamou aqui?” se arruma na cadeira. Eu
contorno a mesa e me sento na sua frente.
“Nós precisamos conversar”, digo, séria.
“Podemos fazer isso em casa”, dá os ombros.
“Não. Você não me deixa em paz um minuto sequer. Eu nunca
tenho chance de falar sobre isso. Você mal chega e já me
prende no quarto ou na cozinha, ou em qualquer lugar que eu esteja”,
repreendo.
Ele coloca os cotovelos na mesa e se inclina, fica mais perto.
Sussurra:
“Você é gostosa e quente. Eu não posso resistir.”
Balanço a cabeça.
“Estou falando sério. Você sabe que nós temos que falar sobre isso”,
suspiro, e me encosto na cadeira. “As cartas pararam, mas eles vão voltar.”
“Eu sei”, ele volta e se recosta na cadeira.
Um ano passou, Sean não teve progresso na recuperação. Os
médicos dizem que a expectativa não é boa e que talvez a melhor opção
seja desligar os aparelhos. Nós pensamos sobre isso, mais nunca chegamos
numa conclusão.
Ele é o pai do meu noivo, mas também é um assassino que matou
sua mãe e outras pessoas, incluindo Sarah. Porém, nós teríamos uma carta
na manga se ele acordasse.
Tudo está calmo demais após o acidente dele. Todas as evidências
nos leva à crer que ele era mesmo o cérebro por trás dos desaparecimentos e
mortes, mas eu não acredito, apensar de não ter recebido mais nenhuma
daquelas malditas cartas. Eu sei que tudo não passa de uma grande
manipulação.
E para ficar tudo mais divertido, Mika anda fazendo uma merda
atrás da outra. Passa dias desaparecido como o primo do Will, participa de
corridas ilegais onde capotou dois carros e foi preso por embriaguez ao
volante. Ele está totalmente fora do controle. E porra, eu me sinto
responsável por isso. A senhora Emma não ficaria feliz de ver seu único
filho se afundar nas drogas e solidão.
Ele mal vem nos ver. E quando vem, nunca temos uma conversa
decente porque está tão drogado e bêbado que mal tem forças para falar.
Em casa, passo pela sala. Vejo a pilha de correspondências na ilha.
Jogo a bolsa no sofá. Eric vem, me dá um beijo na cabeça, e vai para o meu
quarto, nosso quarto
Nós nos mudamos para o andar secreto há seis meses. Resolvemos
morar juntos depois dele me mostrar como seria prazeroso estarmos juntos
todas às noites. Eu não vi problema. Mas foi uma discussão de indecisões
interminável para escolher qual dos apartamentos iriamos morar. Afinal, eu
sou dona de um prédio e ele de um apartamento incrível. Mas decidimos
por esse, nosso segredinho. E escolhemos não abrir mão de nenhum dos
outros.
Pego o bolo de cartas, mas o cheiro de shampoo roça meu nariz, e
eu paro. Giro por cima do ombro. Fito Eric só de jeans vir na minha direção
enquanto seca o cabelo com uma toalha. Sua pele bronzeada da última
partida de vôlei de praia em Burk com meu irmão reluz com cristais de
água. Mais desenhos sobre o emoldurado dos seus músculos. Ele é quente.
Molho os lábios. Meus olhos descem, admirando os gomos do seu
abdômen. Eu o adoro só de jeans. Um sorriso sinuoso curva os lábios dele.
“Nós temos que conversar, baby”, sua respiração quente paira em
meu rosto.
“Não me olhe assim.” Esfrega o polegar em meu lábio.
“Eric...” ofego.
Ele me puxa pela cintura, sua boca bate na minha. Passa as mãos
pela minha bunda e me dá um tapa.
“Oh, merda!” gemo.
Morde o lábio inferior, e me levanta pela parte de trás das coxas. Eu
me engancho nele, tornozelos travados nas costas. Varrendo a bancada, ele
me deita no mármore gelado. Minha pele arrepia e eu solto um grito
abafado quando o tintilar dos vidros soa alto ao cair.
“Não pare”, exijo.
“O que você quiser, baby.”
Prende meus pulsos sobre a cabeça e desce. Arrastando minha saia
para cima, solta um grunhido impaciente quando vê a meia calça. Eu
prendo os lábios para não ri, mas logo solto um grito e começo a rir quando
ele rasga o tecido fino.
Ele é tão faminto.
Eric desce, o hálito quente faz meu ventre queimar, como se a porra
de cem borboletas estivessem dando uma festa. Arqueio os joelhos, e ele
vai mais fundo. Agarro seu cabelo, e guio sua cabeça. Ele faz movimentos
circulares com a língua, agarra o broto e suga com força. Eu gemo e coloco
os pés nos ombros deles. Repete o movimento. Grito, ofegante. Jogo a
cabeça para trás.
“Mais rápido”, imploro.
“Assim. Isso. Não pare”, choramingo.
A descarga de adrenalina desce pela minha coluna, e eu encontro o
orgasmo.
Nós rolamos para o chão, e eu monto nele. Eric segura minhas mãos
enquanto subo e desço até fazê-lo gozar dentro. E a sensação é a melhor do
mundo quando seu calor me preenche. Ele se senta e serpenteia minha
cintura. Guia meus
movimentos lentamente. Jogo a cabeça para trás quando ele entra e sai, me
provocando.
“Ah, Eric”, chamo seu nome enquanto gozo mais uma vez.
Ficamos abraços por um tempo até recuperar o fôlego novamente.
Eu vejo o monte de papel que estávamos em cima. Lembro das
correspondências. Elas devem ter caído quando ele me puxou para bancada.
Dou um sorrisinho. Ainda podemos aproveitá-las?
Ao me aninhar em seu peito, vejo um envelope azul perto do sofá.
Não parece com contas. Um convite? Levanto e vou até ela. Noto que não
tem remetente.
“O que é?” Eric pergunta.
“Não sei, não tem remetente.”
Coloco o cabelo atrás das orelhas, e abro o envelope. Tiro um
cartão. Eric vem até mim, e nós lemos juntos.

“Você é minha, e sempre será.


Mal posso esperar para colocar minhas
mãos em você.
Mal posso esperar.”
Eric olha para mim, um sorriso psicopata curva seus lábios. Arrasta
a mão pelos cabelos, tirando tudo do rosto.
Eu nunca vi meu homem assim.
“Chame meus garotos”, pede ele, com um tom assustadoramente
calmo, e sai, indo para o nosso quarto. O carrossel eternizando no antebraço
faz meu coração bater rápido.
“Eu te amo!” grito para ele.
Eric encontra meus olhos por cima do ombro.
“Tudo se resume a você e a sua confusão, Amber Reese.”
Chamas queimam meu estômago, e eu sorrio para mim mesma.
Meu homem.
Bato a porta da cobertura, e disco para Aiden, mas paro no segundo
toque. Um sorriso brota com a ideia.
Pego o celular e começo a digitar.
Senhores, afiem suas lâminas, ponham suas máscaras. Estejam prontos.
A plateia não pode esperar.
O baile vai começar.

Amber Reese

Fim

Nota da autora

Se você chegou até aqui, significa que terminou o livro. Eu quero te


agradecer por isso.
Confusão foi uma história difícil de escrever por ser a primeira. Em
alguns momentos, eu me senti muito emocionada. Todo escritor é um bom
leitor. Por isso é difícil ver os personagens que gostamos ir por caminhos
que talvez julgamos errados. Somos duros e críticos. Temos que ser.
Amber e Eric viverem uma história confusa que atravessou os anos
e se arrastou pelo presente.
Amber como uma mulher que passou por vários tipos de abuso
durante a infância e adolescência tinha seus momentos de derrota para o
medo, mas ela não desistiu de procurar pela paz nas coisas mais simples.
Ela foi abraçada pelo medo, mas nunca se deixou dominar. As
mulheres têm esse super poder de mostrar o quão são fortes e corajosas são
mesmo no pior momento.
Eu tenho orgulho da Amber e de todas as mulheres que lutam todos
os dias.
Eu sabia que teria que enfrentar grandes desafios quando decidi
começar a escrever, mas eu só queria fazer isso. Eu precisava fazer.
Muitas coisas não fazem sentido na vida, e tudo parece tão confuso.
E ter a coragem de enfrentar o mundo e fazer o que você deseja, não o que
esperam, deve ser motivo de orgulho.

Obrigado por ler e obrigado por ter chegado até aqui.


Não tenha medo.
Seu espelho reflete o que você quer ver.
Não seja engolido pela confusão, seja ela e se encontre nela.
Gabriele Araújo

Agradecimentos

Para meus irmãos. Minha irmã que cuida da maior parte da limpeza
da casa para que eu possa escrever e estudar, me deixa sozinha no nosso
quarto, porque eu sou chata com isso. E meu irmão mais novo que também
me deixa sozinha mesmo querendo brincar na varanda.
Para minha bisavó, de quem eu herdei essa sensibilidade brutal.
Obrigada por tudo.
Para Gabriel Araújo. Eu nunca vou esquecer daquela montanha
russa e de como eu gritei. Obrigado por existir.
Para Riih, minha leitora beta, que leu todo mesmo com os erros, e
me encorajou a continuar com seus elogios e empolgação.
Para Arthur. Vamos tirar aquela foto. O autógrafo será seu!
Para minha psicóloga, que me ajudou a enxergar muitos pontos e
me deu suporte e encorajamento para conquistar minha liberdade.
Para Marina Blanc, escritora e treinadora. “Seu livro é o melhor.
Você tem que dizer assim”, ela disse em um dos seus vídeos. Obrigada por
todas as dicas. Continue firme, garota super poderosa!
Para as pessoas que me acompanham e interagem comigo nas redes
sociais, eu amo cada curtida e comentário. Todo carinho é válido. Vocês
fazem um autor feliz.
Para os criadores de conteúdos, vocês são incríveis. O Pinterest é o
meu lugar favorito no mundo.
Para Penélope Douglas, a escritora que me fez quer escrever. Eu
amo todos os seus livros, mas Nightfall é o meu favorito. Impossível não
amar Will Grayson III e Emory Scott. Eu simplesmente não consigo deixar
de não me apaixonar por eles.
Para quem está começando. Aproveite o processo, essa é a melhor
parte. Nossas histórias serão encantadoras.
[1]
As máscaras representam mulheres que viraram demônios devido a obsessão ou inveja. Os
Hannyas são a representação do demônio faminto do Budismo japonês, similar ao Preta, uma
alegoria de sentimentos humanos como a paixão, ciúme e ódio, todos capazes de transformar homens
e mulheres em um terrível monstro.

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