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A REALIZAÇÃO DAS FRICATIVAS ALVEOLARES NAS CAPITAIS DA

REGIÃO SUDESTE: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DO ATLAS


LINGUÍSTICO DO BRASIL (ALiB)

Dayse de Souza Lourenço


Prof. Drª Vanderci de Andrade Aguilera (Orientadora)

RESUMO

Este trabalho trata de um recorte do projeto de iniciação científica


intitulado: A variação fonética no português do Brasil: a realização da
sequência vogal + fricativa em coda silábica que visa descrever a
realização das fricativas alveolares /s/ e /z/ a partir de dados coletados
em vinte e cinco capitais brasileiras documentadas pela equipe do Projeto
Atlas Linguístico do Brasil. Nesta oportunidade, apresentamos os dados
referentes às quatro capitais da região sudeste, a saber: São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e Vitória. O corpus constitui-se das respostas de
32 informantes, estratificados segundo as variáveis sociais: faixa etária
(faixa I - 18-30 anos e faixa II - 50-65 anos), sexo (masculino e feminino)
e escolaridade (nível superior e nível fundamental). Com base nos
pressupostos teórico-metodológicos da Dialetologia Pluridimensional
propomos (i) discutir a influência de variáveis sociais e/ou linguísticas na
realização das fricativas alveolares em coda silábica como em paz, fósforo,
costas, nos dados coletados nas capitais selecionadas; (ii) e, por meio do
método geolinguístico, propomos a elaboração de uma carta linguística
experimental a fim de demonstrar a distribuição diatópica das variantes
coletadas.

Palavras-chave: fricativas alveolares. capitais. região sudeste.

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INTRODUÇÃO

Este estudo integra o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB),


cuja finalidade é descrever a realidade linguística brasileira a partir da
elaboração de um atlas linguístico nacional. Para tanto, observa e
identifica, sob a perspectiva da geolinguística pluridimensional, as
diferenças diatópicas, diagenéricas e diageracionais, consideradas sob
diferentes níveis de análise da língua – fônico, léxico-semântico,
morfossintático e prosódico. O presente artigo analisa a realização das
fricativas surda e sonora a partir de dados coletados nas quatro capitais
do sudeste brasileiro: São Paulo; Rio de Janeiro; Vitória e Belo Horizonte,
observando as variantes alveolares [ ], palato-alveolares [ ], glotal
[_] e o zero fonético [ ] na posição de coda silábica como em luz, costas,
e fósforo.

Pretende-se descrever e analisar este fato fonético sob a


perspectiva da Geolinguística Pluridimensional, aquela que associa os
princípios da Geolinguística com os da Sociolinguística no que se refere às
variáveis: sexo, faixa etária e local de origem, além de propor uma
cartografação experimental da distribuição diatópica da fricativa em coda
silábica (interna ou externa) nos dados coletados nas localidades
supracitadas.

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A partir do questionário fonético-fonológico do projeto Atlas


Linguístico do Brasil (ALiB) (COMITÊ NACIONAL DO ALiB, 2001) foram
selecionadas as questões: 009-luz, 015-fósforo, 031-casca, 063-três, 064-
dez, 067-estrada, 069-desvio, 084-escola, 088-rasgar, 113-pescoço, 120-
costas, 124-caspa, 126-desmaio, 137-voz, 155-paz, 156-mesma, 157-
hóspede e 158-esquerdo. Os informantes estão estratificados em: faixa
etária (faixa I - 18-30 anos e faixa II - 50-65 anos), sexo (masculino e

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feminino) e localidade (São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Belo
Horizonte).

Com o intuito de aferir as relações entre o fenômeno observado e


as variáveis extralinguísticas, os dados foram submetidos à análise
através do programa Goldvarb 2001 que cruza todas as variáveis e
fornece resultados em percentual e em peso relativo. Os resultados serão
apresentados através de gráficos e cartas experimentais.

2. O POVOAMENTO DA REGIÃO SUDESTE BRASILEIRA

Faz-se necessário ressaltar alguns aspectos da história do


povoamento das capitais do sudeste brasileiro no intuito de verificar se a
origem/etnia dos informantes é relevante na realização da forma glotal,
alveolar e/ou palatalizada. Portanto, segue uma tabela com as
informações mais relevantes de cada localidade.

Século Capital Povoação


Os portugueses iniciaram o processo de colonização, mas, para
Rio de
tanto, tiveram que disputar espaço com os franceses que já
Janeiro
estavam na região.
XVI Os padres jesuítas se instalaram na região a fim de catequizar
São Paulo os índios, portanto, os primeiros habitantes foram os europeus e
indígenas.
Os portugueses sofreram ataques dos índios e dos estrangeiros
Vitória (holandeses e franceses), posteriormente venceram a batalha
com os índios Goitacazes e assim a cidade recebeu esse nome.
Belo Nasceu como uma invenção política com traços moldados em
XVIII
Horizonte Paris e Washington.

3. DISTINÇÃO ENTRE AS REALIZAÇÕES ANALISADAS

A fim de compreender e diferenciar a produção dos sons é


fundamental analisar as partes envolvidas no processo. Neste estudo

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apresentam-se as variantes alveolares [ ], palato-alveolares [ ],
glotal [ ] e zero fonético [ ].
As alveolares realizam-se com a ponta ou lâmina da língua contra
a arcada alveolar, enquanto, na palato-alveolar, essa mesma parte da
língua se produz em direção ao ponto anterior do palato duro. A realização
glotal é produzida pelas cordas vocais e o zero fonético é o apagamento
de qualquer forma fonética. Na emissão de uma consoante, quanto ao
papel das cordas vocais, temos a surda e a sonora. As consoantes surdas
são p, t, k, f, s e x e as sonoras b, d, g, v, z e j.

4. ANÁLISE DOS DADOS

Foram analisadas variáveis linguísticas e extralinguísticas, dentre


as quais se apresentaram mais significantes: (i) extensão do vocábulo; (ii)
papel das cordas vocais; (iii) sexo; (iv) faixa etária; (v) localidade. Foram
encontradas apenas variantes palato-alveolares e alveolares. Os
resultados são atestados com os seguintes gráficos:

Gráfico 1 – Realização das alveolares e palatais segundo a variável


extensão do vocábulo

O gráfico I referente à extensão do vocábulo demonstra a


preferência pela forma alveolar em todas as variáveis. As palavras

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monossílabas analisadas - luz, três, dez, voz e paz - apresentaram 75%
na forma alveolar, enquanto apenas 25% em palatal. Essa primazia é
observada, também, nas variantes dissílabas com 69% e trissílabas com
74%. Nota-se que a extensão do vocábulo não é um fator determinante
para a palatalização ou não da realização no vocábulo, pois, tanto os
monossílabos, dissílabos e trissílabos analisados apresentaram resultados
bastante próximos.

Gráfico 2 – Realização das alveolares e palatais segundo o papel das cordas


vocais

O /s/ surdo ou sonoro apresenta-se, na fala dos informantes das


capitais da região Sudeste, predominantemente como fricativo alveolar.
Nota-se que na realização sonora a palatalização ocorre 6% a mais que na
surda.

Gráfico 3 – Realização das alveolares e palatais segundo a variável sexo

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O gráfico IV denota que tanto os homens como as mulheres
realizam a alveolar, embora os homens palatalizem mais (8%) que as
mulheres. Esses dados corroboram com a afirmação de Jesus (2009)
sobre a preferência pelas palatais apresentada pelos homens nas capitais
nordestinas, excetuando Recife, onde ocorreu o contrário.

Gráfico 4 – Realização das alveolares e palatais segundo a variável faixa


etária

A variável faixa etária não apresenta significância na escolha pela


forma alveolar ou palatal, visto que ambas (18 a 30 anos e 50 a 65 anos)
preferem a realização alveolar – 74% e 72% respectivamente. Jesus
(2009) confirma a preferência pelas alveolares em ambas as faixas etárias
especialmente nas capitais: Fortaleza, João Pessoa, Maceió, Natal, São
Luís e Teresina. Aracaju e Salvador apresentam indícios de mudança em
direção à variante palatal e Recife, com significativo índice de realização
da forma palatal.

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Gráfico 5– Realização das alveolares e palatais segundo a variável
localidade

Quando se correlacionam os dados com os pontos linguísticos é


que a diferença aparece, pois, no Rio de Janeiro a forma palatazida é
categórica, visto que apresenta-se em 97% das ocorrências. Essa
característica traça o perfil da pronúncia carioca conhecido pelo /s/ chiado
já observado por Callou (2009). Nas outras três capitais – São Paulo,
Vitória e Belo Horizonte – observa-se a preferência pela realização
alveolar. A primeira realiza 99% dessa forma e as outras 89% e 97%
respectivamente.

A realização palatalizada do /s/ em coda silábica iniciou-se no


português europeu e, segundo Lipski (1975), o chiamento carioca se deve
à permanência provisória da Corte portuguesa em seu território. Vitória
apresentou o segundo maior índice de palatalização nas capitais
analisadas, 11%, e nota-se, assim como no Rio de Janeiro, a presença
lusitana no processo de povoamento.

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Carta experimental 1 – Distribuição das variantes palatais e alveolares segundo a
variável localidade

A carta experimental demonstra a distribuição diatópica das


realizações alveolares e palatais. A partir dela é possível visualizar
claramente a grande preferência pela forma alveolar nas três capitais: São
Paulo; Belo Horizonte e Vitória, sendo em São Paulo e Belo Horizonte
categórica. Rio de Janeiro é a única capital do sudeste a apresentar o
predomínio da forma palatal, fenômeno também conhecido como
chiamento, característica que distingue o perfil do falante carioca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise da realização do /s/ em coda silábica nas capitais do


sudeste brasileiro, considerados os fatores linguísticos e extralinguísticos,
revelou um processo de variação na qual apenas foram realizadas as
variantes alveolares e palatais, enquanto a forma glotal e o zero fonético
não tiveram nenhuma ocorrência.

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A variável extensão do vocábulo apresentou-se como um fator
não determinante para a escolha pela palatal ou pela alveolar, pois, como
observado, as alveolares realizaram-se em maior proporção nos
monossílabos, dissílabos e trissílabos. O gráfico, segundo a variável surda
ou sonora, demonstrou que o índice de palatalização na realização sonora
é 6% maior em relação à surda.

Dentre os fatores extralinguísticos, pode-se observar a


preferência pela realização alveolar em ambos os sexos, embora valha
ressaltar a ocorrência de 8% a mais da forma palatal na fala dos homens.
A faixa etária não apresentou significância na escolha por alveolar ou
palato-alveolar, pois a forma alveolar é predominante em ambas as
faixas, quando comparada com a realização da palatal.

Segundo a variável extralinguística ponto de inquérito ou


localidade de origem dos informantes, foi possível perceber um fenômeno
bastante interessante na distribuição das realizações alveolares/palatais.
As capitais São Paulo, Vitória e Belo Horizonte apresentam os mais altos
índices da forma alveolar, sendo possível afirmar que essa realização é
categórica em São Paulo e Belo Horizonte. Em contrapartida, Rio de
Janeiro denota 97% de palatalização em sua fala, caracterizando um perfil
único reconhecido por seu chiado.

A tendência do uso da realização alveolar possivelmente tenha se


difundido em maior escala devido a sua consolidação como pronúncia de
prestígio, especialmente por ter sido adotada pelos meios de comunicação
de massa. Esta afirmação, porém, precisa ser ratificada mediante estudos
mais abrangentes, com um número maior de informantes em cada uma
das capitais aqui analisadas.
REFERÊNCIAS

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CALLOU, Dinah. Um perfil da fala carioca. In: RIBEIRO, Silvana S. C.;
COSTA, Sônia B. B.; CARDOSO, Suzana A. M. (Org.) Dos sons às
palavras: nas trilhas da língua. Salvador: Ed. EDUFBA, 2009.

COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB (Brasil). Atlas linguístico do Brasil:


questionário 2001. Londrina: Ed.UEL, 2001.

HISTÓRIA de São Paulo. Disponível em: <


http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/historia> Acesso em: 09 JUL
2010.

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<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/TaxonomiaMenuPortal. Acesso em:
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<http://www.vitoria.es.gov.br/turismo.php?pagina=historiadevitoria>
Acesso em: 09 JUL 2010.

HISTÓRIA do Rio. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/


Acesso em: 09 JUL 2010.

JESUS, Cláudia Santos de. Conservadorismo e mudança: o /s/ em coda


silábica no nordeste, a partir dos inquéritos do projeto Atlas Lingüístico do
Brasil (projeto ALiB). In: ISQUERDO, Aparecida N.; ALTINO, Fabiane C.;
AGUILERA, Vanderci de A. (Org.) Atlas Linguístico do Brasil: descrevendo
a língua, formando jovens pesquisadores.[S.l] [s.n.] 2009. CD ROM.

__________. O /s/ em coda silábica no nordeste, a partir dos inquéritos


do projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). In: ISQUERDO, Aparecida N.;
ALTINO, Fabiane C.; AGUILERA, Vanderci de A. (Org.) Atlas Linguístico do
Brasil: descrevendo a língua, formando jovens pesquisadores. [S.l] [s.n.]
2009. CD ROM.

LIPSKI, John M. External history and linguistic change: Brazilian


Portuguese -s. Luso-Brazilian Review, 1975.

SOUZA, Paulo Chagas de; SANTOS, Raquel Santana. Fonologia. In.:


FIORIN, José Luiz (Org.) Introdução à Linguística: princípios de
análise.São Paulo: Ed. Contexto, 2003.

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