Você está na página 1de 12

A temporada havia terminado, com alguns shows de fogos de artifício no céu,

consagrando o alemão Nico Rosberg como campeão, era o terceiro campeonato seguido
que a Mercedes ganhava pelos construtores, era algo de se orgulhar sabendo de todo o
trabalho duro envolvido, tinham tido sorte também mas sabia que ninguém conseguiria fazer
do mesmo, se manter no topo e ainda se manter dominante, era algo para poucos. E a Audi
tentava alcançar o mesmo.

Cecília havia fechado um contrato de três anos com a Audi antes do último grande prêmio
do ano, fechou o mesmo com duas vitórias para a sua equipe e alguns pódios, os quais
haviam sido prestigiados pela mídia e pelos seus próprios companheiros, agora pensava de
forma diferente e sabia que não estava mais lutando por espaço sozinha, lutava com eles e
sabia que iriam a ajudar independente da situação, haviam se tornado uma equipe de fato,
trabalhavam juntos, pensavam juntos e se apoiavam juntos, era um sentimento mútuo que
gostava de compartilhar. Mesmo que não tivesse uma relação tão boa assim com o seu
companheiro de equipe, sabia que a próxima temporada era o seu último ano na categoria,
era o último ano de contrato com a equipe alemã e como não estava tendo um bom
resultado iria ser trocado, sabia que era o melhor para a equipe, tentavam subir no ranking
de construtores todos os anos, agora com uma pilota como a Carmona, precisavam de
alguém tão bom quanto ela, Hutton iria permanecer até o fim daquele ano e iria embora,
esse era o trato.

Tentou se sentir culpada por aquilo, era uma situação delicada porque estavam mexendo
com alguém importante na equipe, mesmo que não estivesse tendo retorno, ainda assim
era um piloto da Audi, a Audi não andava só com um piloto, não era unicamente um carro
na pista, tentava encorajar o australiano pelas entrelinhas para que desse o melhor de si
nas corridas, era um carro bom, tinha os limites razoáveis, sabia que era capaz de chegar
nos pontos e até pódios, não achava que era falta de vontade do outro mas sabia que ele
conseguia fazer mais do que ter folga nas últimas posições que pegavam pontos, era a sua
equipe em jogo.

Apenas tinha medo do que poderia vir da cabeça de Tobin Schwoch, que era capaz de
fazer muitas coisas e tinha noção de que os seus limites eram quase ilimitados, o homem
não tinha medo de pôr a sua mão no fogo e ver se realmente iria doer, tinha uma mente
ácida e conseguia ser visto como uma personalidade forte sendo até comparado à Toto
Wolff e Christian Horner, só que odiava ser comparado a eles porque gostava da
exclusividade - o que era uma brincadeira mas realmente preferia ser colocado como
alguém diferente dos dois, tinha uma mentalidade diferente da deles, era um homem com
intuitos pré-definidos, sem medo do que o futuro reservava, até porque ele mesmo criava o
seu futuro. Por isso sabia que o que viesse da mente do austríaco, provavelmente seria
uma bomba.
...

Era cinco e pouco da manhã, o Sol ainda estava dando as caras e a garota já estava nas
ruas da pequena cidade na Itália, no interior, estava se movendo mais rápido cada vez que
virava uma esquina ou entrava em uma rua nova, era uma corrida matinal que havia
adaptado para a sua rotina, naquela manhã em específico havia acordado antes do previsto
por alguns problemas com insônia - o sono desregulado -, devido a outros problemas que
lhe tiravam as forças, acordava sem humor algum, sem trocar palavras e sem encontrar
ninguém em seu caminho, apenas mexia os ombros de um lado para o outro e deixava o ar
pesado sair de seus lábios, reprimia as suas dores em exercícios e aquilo funcionava muito
bem, ainda mais para a sua cabeça. Era como tomar uma taça de vinho de uma das suas
marcas favoritas, aquelas que deixam o sabor gostoso na língua e que é difícil de esquecer,
se sentia feliz quando parava para observar ao seu arredor e apenas tinha ela, continuava
correndo alguns minutos depois percebendo que precisava continuar.

Daquela vez não tinha Natalia ao seu lado, a moça foi liberada para encontrar a família e
passar um tempo com eles, não aceitou ir com ela pois precisava por a sua mente no lugar
e sabia bem que indo para o interior iria a ajudar, não tinha tanta comunicação por ali, não
era um lugar barulhento, não havia a mídia, não tinha problemas, era um lugar que poderia
caminhar a vontade e se sentiria encantada a cada quarteirão, pensando o quanto uma
cidade pequena como aquela poderia ser recheada de cultura, as pessoas daquele lugar
também pareciam gentis mas preferia se manter no seu lugar, sem levar conversas. Mesmo
que a amiga não tivesse a acompanhado, tinha sim alguém ao seu lado, que estava
dividindo uma pequena casa alugada e que era uma boa companhia - a qual não imaginava
ser.

— Anda, ainda temos que dar meia volta na estátua. — O homem passou ao seu lado a
cutucando com o ombro, deu um leve sorriso e aumentou os passos, o alcançando.

O tal homem era Lewis Hamilton, companheiro de pista e o seu novo companheiro de
viagens, Cecília que o convidou para irem para o interior da Itália, após ver como havia
passado o ano, pensou que aquilo poderia ser um banho de água fria para os dois, seria um
descanso a mais além das férias de inverno, mereciam aquilo mais do que ninguém.

— Você vai fazer o nosso café da manhã hoje? — Perguntou enquanto ambos voltaram a
caminhar, dando um tempo da corrida, a estátua já era visível, estando no meio de uma
praça aconchegante e cheia de natureza.

— Pode ser, aceita torrada queimada? — Soltou uma risada enquanto dava um tapa em
seu braço, nem se importando em como ele estaria suado, estava na mesma situação e até
pior que ele, talvez devessem parar em alguma lojinha e esperar que abrissem para
comprar algo para servir no café da manhã. — Eu sei fazer algo, ok?

— Pois eu não acredito, é melhor comprarmos.

Quando se há amor envolvido, era fácil aquilo se tornar gostoso mas o britânico poderia
colocar de tudo no que fazia que ainda iria duvidar se era mesmo comestível, poderia estar
a coisa mais gostosa do mundo que ainda iria o provocar sobre o seu “talento” na cozinha,
era algo que tirava o seu estresse, pode provocar ele e ele ainda brincar consigo, era o que
às vezes faltava com o seu próprio companheiro de equipe, que era algo limitado nas
reuniões da equipe e um “bom dia” toda vez que se viam, quando teve uma conversa mais
profunda com ele, foi logo acabada porque ele não ficava tanto tempo ao seu lado, queria
poder pelo menos transformar o ambiente de trabalho bom para ambos mas Hutton já tinha
desistido de qualquer nova interação que poderia ter, os seus próprios engenheiros diziam
que era melhor não tentar nada que ele parecia sempre de saco cheio, até chegava a se
importar se ele era mesmo um australiano, normalmente australianos eram tão animados e
engraçados, pelo menos com Daniel tinha essa impressão sempre, chegava a se irritar só
por vê-lo com um sorriso enorme no rosto, era como se aquele homem não passasse por
momentos inoportunos, estava sempre no mesmo modo.

Diferente do australiano que era da sua equipe, ele era tudo menos alguém animado, se
tentava puxar assunto levava nas costas, não tinha tantos esforços para estar pista, sabia
que ele era um piloto excelente mas da forma como estava indo parecia não fazer esforço
algum, estava só sentindo o carro e indo, o que também lhe deixava irritada, se considerava
muito boa em reprimir seus sentimentos já que até aquele momento não tinha iniciado uma
discussão com ele, talvez fosse mesmo melhor manter o silêncio, era melhor do que bater
com alguém tão cabeça dura quanto ela mesma.

Às vezes gostava de ir pelo mesmo caminho que o tricampeão ia, saber que o seu único
amigo dentro dos arredores do paddock era o seu carro, saber que unicamente teria ajuda
dele e era ele que estaria sempre ao seu lado, gostava de pensar assim quando era
totalmente ignorada, quando tinha que ficar em silêncio sobre as coisas que sofria por ali ou
ignorando a mídia para ter o mínimo de paz, não sabia quando algum dos seus colegas iria
lhe direcionar um comentário maldoso, nunca sabia quando deixar o seu alerta desligado.

— Você tem um bom dedo para escolher lugares. — Estavam no início de uma colina, que
era próximo da casa onde estavam ficando e tinha visão para metade da pequena cidade,
era um lugar lindo, deveria se sentir orgulhosa mesmo de ter encontrado.

Tinham parado numa pequena padaria para comprar algumas coisas para o café da
manhã, optaram por pequenos enroladinhos - de sabores variados, ambos tinham gostos
diferentes - e um suco de caixinha, ao qual iriam dividir.

— Eu tenho um bom dedo para muitas coisas, viu. — Piscou para ele enquanto mordia a
massa. — Menos você para melhor amigo, levou um tombo esse ano.

— Só um tombo? Ele me passou tudo. — Soltou uma risada o ouvindo fazer o mesmo,
sabia que aquele era um assunto um tanto delicado para o britânico, já que o mesmo havia
tido certas discussões com o seu - agora - ex-companheiro de equipe.

— Inclusive a perna no campeonato. — Estendeu a sua mão para segurar o suco e viu que
ele tinha pegado antes, puxava o líquido da caixinha a olhando como se estivesse julgando,
Cecília só soube rir. — Ele mereceu.

— Ele foi bom, como eu.


Balançou a cabeça concordando, deveria ser difícil ter que enfrentar o seu melhor amigo
em um campeonato como aquele, eram muitas informações entrando na sua mente o
tempo inteiro, tinha que prestar atenção não só no seu jogo mas no dos outros também, iria
competir com quantas pessoas? Quais delas iriam lhe bater no campeonato? Como iriam?
O porquê? O carro delas era qualificado para aquilo? Era como um interrogatório e tinha
que ter todas as respostas em suas mãos rapidamente, era o seu futuro dependendo de
você.

— Você tá saindo com o Seb? — Sentiu o líquido indo em uma direção diferente, tossindo
em seguida e quase caindo do muro em que estava sentada, se virou para o homem e viu
um sorriso travesso em seus lábios, “ele sabia”.

— O que te faz pensar nisso?

— Além da sua reação, Sebastian não sabe esconder o que sente, emocionalmente
dizendo, fica estampado na cara dele, além de que fui eu que descobri sobre o término
dele, alguma hora iria para frente com outra mas não sabia que com você. — Tinha se
esquecido que havia sido ele que contou ao seu engenheiro sobre o estado atual do
alemão, às vezes esquecia que ele era do tipo que passava as informações em silêncio, era
um fofoqueiro mas que ninguém descobria. — Mas responde o que eu perguntei.

— Não, não é exatamente sair, a gente só passa um tempo juntos, além de que eu não
tenho interesse em ninguém nesse momento. — Por esse lado, Hamilton concordava
bastante, não fazia tanto tempo que o seu relacionamento mais duradouro havia terminado
e tinha se focado unicamente na sua carreira, para que pudesse se entregar ainda mais de
cabeça, sabia que ela faria o mesmo, até porque já recebia tanto da mídia em suas costas
que a única coisa que poderia fazer para esquecer daquilo era focar, virar como uma
máquina, assim como ele fez. — Alemães loiros são fogo, né.

— Eu que o diga.

Era bom o ter ao seu lado, apenas para sair daquela realidade que lhe sufocava em meio
ao amor pelo esporte.

...

O carro daquele ano quase não mudava perante ao do ano passado, se sentia pilotando o
mesmo carro ao qual correu quando estava em Mônaco, a diferença era que estava estável
e que era potente na pista inteira, rápido nas retas, nas curvas e que ainda tinha um peso
ideal, era definitivamente um carro que poderia ser colocado entre os primeiros colocados,
se conseguiria fazer isso sozinha não sabia mas tinha se adaptado bem a ele só nos testes,
imagina quando estivesse em alguma corrida, correndo e dando o seu melhor, era aquilo
que gostaria de ver enquanto a temporada estivesse começando - e se possível no restante
dela também.
Ainda não tinha tido contato com nenhum dos outros pilotos além de Lewis, que foi o
primeiro ao qual avistou assim que entrou no paddock, o mesmo veio em sua direção
rapidamente e lhe cumprimentou, foram conversando até o motorhome da Mercedes, onde
ele iria descansar até poder ir ver o carro, aquele era um novo ano para o britânico já que
estava com um companheiro novo, Rosberg anuncia aposentadoria após vencer o
campeonato, o que pareceu ser o melhor naquele momento, pensando em sua relação com
a sua família e com o próprio esporte, iria continuar o amando mas gostava de imaginar que
estava bem melhor fora dele, provavelmente a garota pensaria o mesmo se estivesse em
situações parecidas, alta demanda do piloto por um campeonato, se focando totalmente ao
volante, não dando atenção às coisas ao seu redor, unicamente a aquilo, se tornando mais
como uma máquina do que alguém. Iria pegar caminhos parecidos com aquele ao longo do
ano, se ajustando aos seus próprios deveres e desejos, tentando se focar em ser uma
vencedora, era o que mais desejava naquele momento.

Por isso se enfiou nos boxes logo cedo, ficando perto do carro enquanto ainda era
ajeitado, foi a primeira a ir para as pistas, estando totalmente pronta meia hora antes de
todos, que ainda nem estavam nas suas garagens, estava levando aquilo mais a sério do
que havia no ano anterior e sabia que iria conseguir mais estando daquele jeito, mesmo que
visse uns olhares estranhos vindo de Natalia, a morena a observava o tempo inteiro, com o
headset em seus ouvidos, observando o carro no telão ou quando voltava e saía do cockpit,
conseguia sentir o seu olhar queimando em suas costas, sabia que ela tinha opiniões
formadas sobre como estava levando a sua carreira mas gostaria de as receber apenas
depois de tudo aquilo, quando tivesse tempo o suficiente para se desestabilizar ou se
estabilizar ainda mais com as suas palavras.

Nem mesmo Vettel havia aparecido em seu caminho, o que a chateou, queria ter visto o
homem de vermelho de longe ou simplesmente ter dado um bom dia para ele, o máximo
que chegou perto foi saindo dos boxes o vendo passando rapidamente ao seu lado, o carro
da equipe italiana estava bem rápido e conseguia ver isso com os tempos que a dupla
ferrarista fazia, até aquele instante estavam sendo os mais rápidos do circuito. Com um
toque de Alain, que monitorava tudo pelo seu monitor, lhe avisou que não era tão bom
acreditar naquelas sessões porque normalmente vinha surpresas ao longo da temporada, o
que lhe fez reprimir aquele pensamento de que estariam indo bem, talvez fosse só naquele
instante, o que era esperado ser mentira.

— Alain, quais foram os tempos mais rápidos da equipe? — Se aproximou do monegasco


com uma garrafinha em mãos, a levando até a boca assim que fez a pergunta.

— Você fez 1.19, nos tempos mais rápidos até agora você está em terceiro, e o Hutton fez
1.20, provavelmente em nono. — O engenheiro comentou, suspirou um pouco
decepcionada pelo tempo do seu colega mas sabia que aquela temporada poderia ser
diferente, poderiam conseguir até pódios juntos se houvesse um esforço, iria fazer de tudo
para aquilo realmente dar certo, queria ver a equipe comemorando um terceiro lugar no
campeonato ou por alguma conquista que ainda não tinham tido. — Não faz essa cara,
você tá excelente.

— Essa cara não é por mim. — Deu uma leve olhada no outro lado do box, balançando a
cabeça enquanto voltava a observar o seu engenheiro.
— Sei como deve ser a sensação de que só você está se esforçando pela equipe mas
pensa pelo lado de que você tem até 2019 para conseguir um pódio nos construtores e até
no de pilotos.

Alain estava certo, tempo era o que tinha de sobra, mesmo que naquele instante tudo
parecesse tão minúsculo, iria fazer aquele pequeno esforço pela equipe e sabia que iria
valer a pena porque os teria sorrindo para si no fim do dia.

...

O que não cheguei a contar anteriormente é que eu cresci em volta de muitos pilotos,
alguns que não saíram do anonimato, outros que são conhecidos e outros que são
famosos, e que de algum jeito tem os seus nomes marcados na história da Fórmula 1.

Conheci Max Verstappen enquanto éramos jovens, eu entrei primeiro no mundial de kart
enquanto ele ainda fazia o regional, tínhamos uma idade próxima, mudando que eu era
alguns - bons - meses mais velha, nunca consegui iniciar uma amizade por conta própria,
ele simplesmente chegou, naquele fim de semana de corrida eu estava apenas como uma
participante extra, eu estava ali para me divertir enquanto as outras crianças estavam
competindo, incluindo ele, que estava num canto com a mãe e a irmã pequena, não prestei
atenção em nada além de mim mesma, ninguém veio conversar comigo além dos
organizadores da competição.

A competição era pausada para um momento de descanso dos pequenos pilotos, me


sentei numa área que parecia uma lanchonete, para comer um lanche preparado pelo meu
pai, enquanto o meu irmão estava quase tirando um cochilo de tão cansado - tinha passado
parte da madrugada estudando para vestibulares, estava iniciando a sua vida adulta -, uma
moça se aproximou e fez com que os seus filhos se sentassem na mesa mais próxima, ela
deu um suco de caixinha de morango, o que me fez crescer os olhos, na minha cabeça
aquilo deveria estar geladinho e com aquele clima seria uma boa oportunidade de se
hidratar, acho que fiquei secando o suquinho por tanto tempo que a mulher percebeu e
perguntou se eu queria.

“Ah? Não precisa!”

Minha voz era baixa e ainda tinha um sotaque forte misturado com o inglês que eu ainda
estava aprendendo melhor, além de que não queria acordar o meu irmão no seu cochilo, um
dos seus filhos segurou o suco e veio até mim, deixando entre as minhas pernas, suspirei
me sentindo derrotada e segurei a caixinha, tomando um gole, não consegui evitar o sorriso
crescendo e acabei deixando óbvio que tinha gostado que haviam me dado, passei o
restante do dia grudado neles e me tornei próxima da família Verstappen, ou melhor, da
parte que a Kumpen estava junto, nunca cheguei a gostar ou me aproximar do progenitor, o
que escutei sobre ele foi o suficiente para me manter distante.

Anos depois me juntei a academia de pilotos da Red Bull, por causa dos meus
campeonatos vencidos e uma boa resolução no teste que me incentivaram a fazer, acabei
me unindo a eles mas sabia que seria mais usada como uma propaganda de eles terem
uma garota na equipe do que realmente uma pilota, permaneci com eles por uns três anos,
cheguei até a andar no carro da Fórmula 1 deles mas nada além disso, fui colocada para
escanteio e sabia que iria continuar assim por um longo tempo. Mas minha relação com
Max apenas se solidificou, estávamos na mesma academia agora, tínhamos tempo o
suficiente juntos e podíamos sair juntos também, era como cair na mesma sala que o seu
melhor amigo na escola, tive a mesma sorte.

Achava que continuaria sendo próxima assim dele enquanto estivéssemos juntos, mesmo
que em equipes separadas, assim como aconteceu em 2016, quando eu joguei a Red Bull
pra cima e me juntei com a Audi, ele ficou chateado porque achava que seríamos
companheiros mas sabia que nada durava para sempre, de qualquer forma continuamos
tendo uma boa relação fora e dentro das pistas.

Até o campeonato de 2017 se iniciar e eu ter um encontro com uma Redbull atravessando
o meu carro em pista, rodamos até chegar numa parte mais segura da pista, área de
escape onde não tinha ninguém além de nós dois, meu carro havia sido danificado na asa e
um dos seus pneus estava em cima do bico, por outro lado o carro dele estava com a asa
quebrada e provavelmente com o câmbio também, não deu alguns segundos até me soltar
do cinto e ir em direção ao seu carro, questionando o por quê havia feito aquilo, perdeu a
direção do carro? Havia deslizado e infelizmente o meu carro estava no caminho? Tinha
perdido a noção da pista? Não sabia a resposta e por estar tão nervosa acabei nem o
deixando dizer, apenas o levantei aos tapas, enquanto o ouvia falar em holandês,
provavelmente reclamando do que havia acontecido, Max segurou o meu braço tentando
me segurar e eu apenas me afastei, não consegui ver seus olhos em momento algum e
talvez não quisesse também, era melhor me manter distante naquele momento.

Em menos de uma hora, a confusão se tornou um show para a mídia e fui taxada de tudo
que era coisa, até xingada pelo chefe da equipe Red Bull eu fui, o que me cortou o coração,
eu havia sido parte deles, inclusive fui chamada de descontrolada e um perigo completo, ele
que bateu em mim e eu paguei o pato? Com isso simplesmente o cortei da minha vida, para
que pudesse pensar melhor e que não tivesse relação mais coisas para dar a mídia, poderia
ser um erro mas eu ainda tinha uma temporada inteira para continuar, ter dor de cabeça
logo no início era o de menos para mim, eu iria me salvar daquele terror.

...

— O que você estava fazendo naquela curva, seu imbecil? — Tentava não elevar o seu tom
de voz, mesmo que estivesse a um fio de quebrar qualquer coisa à sua frente.

Não obteve nenhuma resposta vinda dele, literalmente nenhum pigarro, nenhuma
reclamação, nem mesmo um suspiro, nada vinha dele, o que a irritava ainda mais, queria
unicamente uma resposta vinda dele, só para ter certeza de que não havia sido a culpa
dele, que talvez até ela tinha feito algo errado mas não percebeu.

— Max, não vai te machucar falar algo.. — Se aproximou dele agora tentando se manter
mansa, o mesmo olhou em sua direção e realmente pareceu falar algo mas apenas saiu do
carro de emergência e foi em direção a garagem da sua equipe, fez o mesmo que ele,
agora indo para a sua.

A primeira coisa que fez assim que colocou os seus pés no box foi olhar em direção a
Alain, que se levantou imediatamente e deu espaço para que se pudesse se sentar na sua
cadeira, sabia que a primeira coisa que a Carmona iria querer fazer assim que chegasse até
ali era ver a cena de tudo que havia acontecido, se sentou na cadeira e então o viu
deixando o seu fone em volta dos seus ouvidos, iniciou o vídeo e se manteve ao seu lado.
No vídeo mostrava como o carro dele estava estável, não havia indícios de que ele iria
derrapar ou que iria rodar na pista, tentou observar os pneus, a asa, tudo que havia naquele
carro mas nada evidenciava uma falha, o que deixava ainda mais aquele gosto amargo de
que havia sido feito na maldade, ao chegar exatamente na parte em que os dois carros se
encontravam, tentou procurar algum erro vindo de sua parte e também não havia, o carro
vinha tão bem que poderia até dizer que poderia fazer uma volta mais rápida, estava na
terceira posição, iria conseguir um pódio pelo menos mas o carro dele bateu no seu e
ambos foram para fora, era evidente a forma como havia sido feita, o que ferveu o seu
sangue mas respirou fundo pensando que aquilo era uma grande bobeira e que poderia sair
logo dali.

O austríaco chefe da equipe se aproximou do seu corpo e se inclinou para ficar


exatamente da sua altura, lhe encarando de forma ameaçadora, sabia que as coisas
estavam caindo sobre as suas costas e sobre a sua cabeça naquele momento, o mesmo
passou o seu celular para as suas mãos, lhe mostrando um vídeo que estava circulando
naquele instante na internet, que mostrava uma proximidade um tanto peculiar vinda do
piloto principal da Ferrari, Sebastian Vettel em cima da pilota da Audi, Cecília Carmona, no
caso ela mesma.

— É melhor explicar isso, Cecília.

— Não tenho o que explicar, é óbvio o vídeo. — Deu um sorriso meio caído, passando por
ele e deixando as coisas que o seu engenheiro havia lhe dado, não iria se envolver em
outra coisa naquele momento, a culpa não era sua se estavam revivendo coisas naquele
momento já que ela era o principal assunto nas redes sociais.

Natalia juntou as suas coisas e a acompanhou para fora dos boxes, ainda não tinha
retirado o capacete e só iria fazer isso assim que estivesse em seu motorhome, onde
pudesse tirar aquilo tudo e deixar que apenas a holandesa visse a tragédia em que se
encontrava debaixo daquela balaclava.

Mais tarde, tive a notícia de como havia ficado a corrida daquele dia, a vitória tinha sido de
Lewis, enquanto o segundo lugar ficou com Sebastian. O terceiro lugar havia ficado com o
outro piloto da Redbull, o que a fez repensar seriamente sobre o que havia acontecido mais
cedo, não teriam conseguido aquele pódio se não tivesse batido, né? Aquele não foi o
primeiro pódio deles, o primeiro havia sido com Max, um terceiro lugar na China, se fosse
parar para pensar, estava correndo contra eles pelo possível terceiro lugar no campeonato
de construtores, mas gostava de pensar que aquilo tudo foi um acidente.
Cecília não parou para conversar com a sua fisioterapeuta, a mesma respeitou que
aquele momento era bastante incômodo e que ainda estava sensível sobre, iria a deixar
pensar em seu canto, enquanto fazia companhia em silêncio, estando ali ao seu lado por
todo aquele tempo, gostava de pensar que depois de tudo aquilo iria poder voltar pra casa
já que o próximo grande prêmio seria exatamente em Mônaco, iria poder ir parar naquele
iate da Holst e ficar boiando na água próxima ao mesmo, enquanto pensava sobre o que iria
comer no almoço ou para onde iria sair com a mesma, era o seu momento de descanso.

...

Dois toques na porta, pensou se não era muito tarde para alguém estar batendo na sua
porta, sabendo que faltava pelo menos algumas horas até estar no aeroporto para voltar às
ruas de Monte Carlo. Mas assim que abriu a mesma sentiu como se deveria ter demorado
menos para abrir, o seu corpo amoleceu em meio a porta e deu espaço para que ele
entrasse, por alguns segundos ele pareceu se recusar a entrar mas o fez logo em seguida.

— O que faz aqui, Sebastian? — O rapaz estava com roupas casuais, daquelas que ele
costumava usar quando estava de viagem, sabia bem que logo estaria voando para Mônaco
também.

— Eu vi como a mídia caiu em cima de você, eu me sentiria mal se não viesse conversar
diretamente com você, se não lhe desse apoio. — Balançou a cabeça pensando o quanto
ele estava sempre ao seu lado, o alemão não tinha nada de ruim para lhe dar, nem mesmo
aquelas notícias sobre algo rolando entre eles a fazia ficar pra baixo, porque olhava para ele
e via que estava tudo bem, conseguia confiar muito nele.

— Viu que estão achando que a gente tá junto? — Procurou o seu celular em meio as
cobertas amarrotadas da cama e o encontrou conectado ao carregador, retirou o aparelho
do suporte e procurou pelo vídeo que estava circulando pela internet, não demorou nem
horas depois disso para a Audi negar qualquer tipo de envolvimento e a Ferrari nem sequer
sabia o que acontecia, pareciam alheios a internet, deixou o celular nas mãos dele e ele
mesmo deu play no vídeo, ficando em completo silêncio enquanto observava.

— Isso aqui ainda é leve para o que a gente já fez. — Soltou uma risada enquanto deixava
aquela feição séria ir embora, tinha que concordar com ele mesmo que nunca tenham se
beijado, era literalmente só os dois se olhando por longos segundos e depois se
aproximando um do outro de forma “bastante” duvidosa. — Inclusive irei avisar a Ferrari
para negar.

— Isso é o de menos, realmente fico feliz que tenha vindo. — O loiro se levantou e ficou a
sua frente, se aproximando cada vez mais, conseguia o ver observando a sua alma com
aqueles olhos azuis tão fascinantes, poderia relatar quantas constatações haviam ali em
apenas um piscar de olhos, a sua mão subiu em direção ao seu rosto e agarrou a lateral do
mesmo, acariciando a sua bochecha com o polegar. — Obrigada..mesmo.

Conseguiu sentir a respiração dele se chocando com o seu rosto por alguns segundos,
mais uma vez ele apenas se aproximou e deu um selar demorado em sua bochecha
sorrindo em seguida, endireitou a postura e se despediu, saindo sem a sua ajuda do quarto
de hotel, queria ter alguma reação sobre aquilo mas tinha apenas opiniões, as quais
preferia não dizer.

— Que cara estranho.

— Realmente. — Ouviu uma voz ao fundo do quarto, se virou rapidamente lembrando que a
holandesa estava dormindo no mesmo quarto que ela. — Que foi, viu um fantasma?

— Que susto, porra. — Soltou um suspiro e se aproximou da cama, se sentando nela, a


mulher se aproximou de si e ficou a observando, em silêncio completo. — Ele tem umas
atitudes estranhas, né.

— Ele tá te protegendo, se você visse como estão te atacando por hoje, iria fazer o mesmo.

— Era melhor ter me envolvido com um esporte menor. — As duas riram, era verdade mas
estava destinada a estar naqueles carros, iria passar por aquilo porque amava o esporte e
porque iria fazer de tudo por ele mas sabia que parte da sua saúde mental estava em jogo,
a mídia não iria sair do seu pé, iria mostrar a eles como era.

...

Estava se fechando, excluindo contatos e pessoas ao seu redor, limitando quem iria se
relacionar enquanto estava dentro e fora do paddock, conseguia sentir que até mesmo
aqueles que mais gostava agora estavam distantes, porque ela mesmo quis, afinal “era o
melhor” para si.

Por conta dos problemas do grande prêmio da Espanha, onde teve o acidente com o
piloto da Red Bull - e seu ex-amigo -, decidiu que estava na hora de se focar inteiramente
ao que estava fazendo, unicamente ao esporte, o que poderia levar a sua sanidade a um
nível terrível mas que pelo menos estaria fazendo algo em relação ao que passava, não iria
mais dar ouvidos a mídia ou ver qualquer coisa que fosse prejudicial para a sua cabeça,
estaria sempre se mantendo ligada no volante e faria o seu melhor, assim não daria entrada
alguma para falarem sobre ela, apenas iriam relembrar os erros do seu passado pois os do
presente já não existiam mais, era uma forma clara de mostrar que era forte em pista e não
estava ali para algum tipo de brincadeira, estava se fortalecendo com aquilo que havia sido
criticada, aquela raiva toda que era colocado sobre a sua pessoa - a identificando daquela
forma - estava virando resultados, se era aquele fracasso que haviam pintado, por que
ainda marcava pontos? Por quê ainda tinha esforço? Não era simplesmente mais um piloto
preenchendo o grid, era parte do pelotão principal e sabia que parte das melhores coisas
que aconteciam na pista, era porque ela é a protagonista, o seu esforço era convertido nos
seus resultados e assim continuava conquistando as coisas, as pessoas querendo ou não.

Por ter se fechado, as pessoas passaram a não ter mais tantas notícias de Cecília fora
das pistas, já que as suas redes sociais não era utilizadas e a única pessoa próxima que
usava era Natalia mas nem ela estava tão ativa também, aos poucos uma fama de
fantasma foi aparecendo sobre a sua pessoa e isso se tornou como uma marca, era como
se fora daquelas pistas a garota não existisse e causava admiração por muitos dos fãs de
automobilismo, eles queriam saber quem era aquela pilota e o por quê dela ser alguém tão
reservada fora delas, era como se aquela confusão toda causada no grande prêmio
espanhol havia sido colocada de baixo do tapete e agora as pessoas a tratavam como uma
lenda urbana, o que não a incomodava já que mesmo que mais pessoas ficassem sabendo
dela, elas continuavam respeitando o seu espaço e as suas vontades de se manter em
anônimo, chegou até a receber mais carinho após tudo isso, talvez as pessoas tinham se
ligado que toda aquela onda de xingamentos contra ela tinham tido um efeito e ela só
estava reagindo da forma mais passiva possível.

— Recapitulando nossos pontos desde o início da temporada.

Estavam na sala de reuniões - improvisada - da Audi, era mais uma daquelas semanas
que não havia corridas, então seria um ponto para poderem reunir todos os membros da
equipe e conversar seriamente.

— Hutton, grande prêmio da Austrália até o do Azerbaijão, décimo lugar, sétimo, quinto,
décimo terceiro, quarto, décimo primeiro, sexto e oitavo, ao todo cerca de quarenta e um
pontos. — Um suspiro saiu de alguns engenheiros ali, não era uma surpresa os seus
resultados.

— Carmona, grande prêmio da Austrália até o do Azerbaijão, quarto, sexto, segundo,


quarto, retirada, terceiro, primeiro, primeiro, cerca de cento e dezoito junto com as três
voltas mais rápidas. — Diria que era um ótimo início de temporada, ainda mais sabendo que
estava tão próxima dos líderes do campeonato.

— Parabéns Cecília, você está em quarto no campeonato de pilotos. — Schwoch olhou em


direção a brasileira, um sorriso genuíno estampado no rosto cansado do austríaco, em
seguida olhou em direção ao outro piloto da equipe, sabia que tinha um peso nas costas. —
Espero que consiga mais pontos Anthony, acreditamos em você.

Aos poucos todos foram se levantando e deixando a sala vazia, no fim restava apenas a
pilota e o seu chefe, sentados em cima da mesa lado a lado, enquanto dividiam uma garrafa
de água - como se fosse champanhe, eles estavam à beira do colapso.

— Não parei pra conversar com você sobre o Vettel, desde Barcelona.

— A gente nem conversa mais, não tanto quanto antes. — O homem parecia meio culpado
pela forma como havia a abordado mesmo que o acontecimento já tivesse alguns meses. —
Fechei relações com a maioria das pessoas por causa do acidente e se eu continuasse
provavelmente essa situação com ele iria explodir de alguma forma, as pessoas só
esqueceram isso pelo meu silêncio.

— Eu sinto muito, Cecília. — Soltou como um desabafo, não era simplesmente por falar, a
garota era jovem, ainda estava completando os seus vinte anos e já tinha que se
responsabilizar por metade dos assuntos do paddock mesmo que eles nem tivessem
ligação consigo, estava sempre atenta às coisas que aconteciam e ainda conseguia manter
uma postura séria, era como se tivesse amadurecido antes do tempo, sabendo dos
problemas do futuro. — Fico feliz que assinou com a Audi, os seus resultados no ano
passado nos salvaram.

— Como assim?

— Se a Audi não marcasse pontos significantes, como um pódio ou uma vitória, a equipe
estaria fadada a se encerrar no fim de 2017 mas com as suas conquistas, não aconteceu,
na verdade você trouxe novos patrocinadores e alguns duradouros, posso dizer que sou
muito grato por você e que te admiro muito. — A mão de Tobin passou pela sua cabeça,
num ato de afeto, como se estivesse fazendo carinho, deu um sorriso para ele e então saiu
de cima da mesa, olhando em sua direção.

— Eu vou te trazer mais, Tobin, eu prometo.

E aquela promessa realmente era verdadeira.

Você também pode gostar