Você está na página 1de 350

Atenção!

Nosso grupo traduz voluntariamente livros sem previsão de lançamento no Brasil com o
intuito de levar reconhecimento às obras para que futuramente sejam publicadas. O Tea &
Honey Books não aceita doações de nenhum tipo e proíbe que suas traduções sejam
vendidas. Também deixamos claro que, caso os livros sejam comprados por editoras no
Brasil, retiraremos de todos os nossos canais e proibiremos a circulação através de gds e
grupos, descumprindo, bloquearemos o responsável. Nosso intuito é que os livros sejam
reconhecidos no Brasil e fazer com que leitores que nunca comprariam as obras em inglês
passem a conhecer. Nunca diga que leu o livro em português, alguns autores (e eles estão
certos) não entendem o motivo de fazermos isso e o grupo pode ser prejudicado. Não
distribua os livros em grupos abertos ou blogs. Além disso, nós do grupo sempre
procuramos adquirir as obras dos autores que traduzimos e também reforçamos a
importância de apoiá-los, se você tem condições, por favor adquira as obras também.
Todos os créditos aos autores e editoras.
Aviso de conteúdo
por thb

Este livro apresenta as tropes enemies to lovers, found family, slow


burn e grumpy x sassy. A representatividade está presente por meio
de um personagem secundário de origem árabe e um personagem
principal de ascendência chinesa e bissexualidade. Os possíveis
gatilhos incluem menção à perda de entes queridos, exploração de
traumas passados, temas de luto e superação, além de cenas que
envolvem um personagem terciário lidando com doença. Esta obra
de ficção mergulha em emoções complexas, relações intricadas e
autodescoberta, oferecendo momentos de amor e crescimento
entrelaçados a temas sensíveis como luto, trauma e doença.
Leitores que se sintam à vontade com esses elementos e busquem
uma narrativa emocionalmente profunda apreciarão essa história.
A você, meu leitor.
Obrigada pelo amor e conforto que você me deu ao longo
de todos esses anos. Espero que este livro lhe faça
companhia da mesma forma que você me fez companhia, e
que possamos compartilhar muitas outras histórias juntos.
REGISTRO DE MISSÃO

AGENTE A: — Winter Young?


AGENTE B: — Eu disse o que disse.
AGENTE A: — Diga-me que você está brincando.
AGENTE B: — Você não acha que ele pode fazer isso?
AGENTE A: — Ele é uma estrela pop, .
AGENTE B: — Correção: Ele é o maior astro do mundo.
AGENTE A: — Só aceito semântica às sextas-feiras, por favor.
AGENTE B: — Oh, anime-se, . Cite uma capa melhor do que uma
superestrela. O menino é exatamente o que esta missão
precisa.
AGENTE A: — Por quê? Porque ele pode fazer um backflip?
AGENTE B: — Porque ele é o único que pode nos fazer entrar.
AGENTE A: — Ele não sabe nada sobre o que fazemos!
AGENTE B: — Não é esse o ponto? Nossos agentes não são
convencionais.
AGENTE A: — Eu quis dizer que duvido que ele seja capaz de fazer o
nosso tipo de trabalho.
AGENTE B: — Bem, não é como se tivéssemos uma opção melhor.
AGENTE A: — A CIA não vai gostar dessa proposta.
AGENTE B: — Nós somos o Grupo . Eles nunca gostam de
nossos lances e, no entanto, sempre parecem nos entregar
um contrato. Não é engraçado?
AGENTE A: — Hilário.
AGENTE B: — É a sua bênção que ouvi?
AGENTE A: — Tudo bem. Mas você me deve.
AGENTE B: — Quanto desta vez?
AGENTE A: — O melhor jantar da cidade.
AGENTE B: — Orleana?
AGENTE A: — Naka.
AGENTE B: — Ouça, se eu conseguir uma reserva no Naka, vou pedir
demissão.
AGENTE A: — Se Winter Young realmente conseguir fazer isso, sou eu
que peço demissão.
1

Aqueles que dão à luz à obsessão

Não havia nada particularmente distinto sobre o carro que


serpenteava pelo estacionamento, as luzes da rua riscando sua
superfície lisa em um ritmo hipnótico.
A única coisa que o destacava eram os dois SUVs pretos que o
seguiam, ambos cheios de seguranças. A mini caravana fez pouco
barulho ao se aproximar da parte de trás do estádio, evitando as
barricadas perto da frente, onde noventa mil fãs já haviam se
reunido em uma massa inconstante.
Atrás das janelas escuras do primeiro vagão estava sentada
uma figura esguia com uma perna cruzada sobre a outra, o queixo
descansando pensativamente na mão enquanto observava a
multidão de pessoas se aglomerando à distância.
À primeira vista, era difícil dizer que o menino estava vestido
com luxo. Suas roupas – moletons pretos sem logotipos à vista –
pareciam bastante simples. Mas uma inspeção mais cuidadosa
revelaria suas escolhas cuidadosas, os detalhes costurados à mão
ao longo das costuras, a qualidade fina do tecido sob medida, então
os anéis finos em seus dedos, um cravejado de pequenos
diamantes negros, o outro de platina e gravado com seu logotipo,
uma cabeça de coelho estilizada com orelhas em forma de duas
metades de um coração partido. Ele usava seus tênis Gucci
personalizados favoritos, presente de aniversário da grife, junto com
um par de aviadores rosa que, uma hora depois de serem
fotografados em público, estariam esgotados no mundo todo.
Mesmo que suas roupas não chamem sua atenção
imediatamente, o resto dele chama.
Winter Young – o astro mais famoso do mundo, o garoto de
quem todos falavam – era tão lindo que era difícil acreditar que ele
era real. Sua presença era luminosa e capaz de virar qualquer
cabeça na rua: cabelo bagunçado tão preto que brilhava azul na luz,
tinta permanente geométrica correndo ao longo de seus antebraços
que terminavam em uma cobra enrolada em seu pulso esquerdo,
olhos escuros esguios contornados com longos cílios negros, uma
graça misteriosa em seus movimentos, uma expressão que poderia
de alguma forma alternar entre tímido e travesso no espaço de um
segundo. Mas era mais do que isso. Muitas pessoas eram
objetivamente lindas, mas havia aquelas poucas, as estrelas com
alguma qualidade indefinível, tão incrivelmente brilhantes que
geravam obsessão. Assim que o mundo os visse, moveria o céu e a
terra apenas para vê-los novamente.
Agora Winter estava olhando para a janela, estudando as gotas
de chuva no vidro e os milhões de cores diferentes refratadas dentro
delas, cantarolando uma ponte experimental de música baixinho
enquanto sua mente trabalhava em uma nova melodia. Ao lado
dele, sua gerente digitou em seu telefone.
— Se Alice remarcar você para uma rápida sessão de fotos
amanhã às seis e meia da manhã — ela disse —, você pode se
contentar com um café da manhã de quinze minutos por volta das
cinco? Silêncio significa sim. Não se esqueça de retornar a ligação
para a CEO da Elevate, a Srta. Acombe quer falar com você para
endossar o próximo redesenho de tênis. Ah, e se você quiser
encurtar suas datas em Nova York, é melhor me avisar agora. — As
luzes do estádio através dos vidros fumê do carro tingiam de verde
a pele morena e os óculos da mulher, e sua voz, abafada pela chuva
de fundo, tinha o tom de quem estava acostumado a ganhar
discussões com ele. — A programação da turnê de Ricky Boulet vai
coincidir com a sua, e eu realmente prefiro não passar uma hora da
minha vida brigando com o empresário dele sobre por que estamos
— a voz dela assumiu uma inflexão exagerada quando ela revirou
os olhos — roubando fim de semana dele.
— Vamos fazer todas as datas — disse Winter para a janela.
Claire olhou com ceticismo sobre seu telefone para ele.
— Ninguém faz quatro dias consecutivos em Nova York.
Sem olhar, ele estendeu a mão para ela.
— Você sabe que vamos vender todos eles.
Ela afastou seu high five com pequenos tapas.
— Estou falando da sua saúde, obviamente, não do seu
sucesso estelar. Por favor, não me faça lidar com você desmaiando
no palco novamente.
Winter finalmente virou a cabeça para lhe dar um sorriso de
soslaio.
— Cinco anos e ainda nenhuma fé em mim.
— Nenhuma. Você almoçou hoje?
— Três churros contam?
A expressão dela ficou severa e ela cutucou a perna dele com a
bota.
— Winter Young. Comprei sanduíches especificamente para
você não comer apenas calorias vazias.
Ele descansou a cabeça contra o assento e fechou os olhos.
— Como você ousa. Churros são uma comida perfeita e não
vou ouvir blasfêmias contra eles.
Ela suspirou com longa paciência.
— Gostaria que você parasse de trabalhar tanto e se cuidasse,
pelo menos uma vez. Faça caminhadas. Vá a um encontro. Tenha
uma noite casual, pelo menos. Você quer que eu entre em contato
com o agente de alguém para você?
O pensamento o deixou cansado. Eles já tiveram essa conversa
antes, e ele não estava interessado em se explicar novamente.
Depois de muitas noites vazias, ele passou a odiar noites casuais. E
o pensamento de arrastar alguém por toda a lama que vinha com
namoros fez Winter se encolher. Durante seu último rompimento,
sua então namorada disse a ele que o circo da mídia o tornava
impossível de namorar.
Mas para Claire, ele apenas deu de ombros e disse em voz alta:
— Não há ninguém interessante.
— Você está dizendo que é a pessoa mais interessante do
mundo?
— Verdadeiro até que se prove o contrário.
— Acho que já foi provado o contrário neste carro.
Winter pôs a mão em seu coração com dor zombeteira.
— Além disso — ela continuou —, não se trata de interesse. É
sobre publicidade gratuita e um pouco de diversão para vocês dois.
— Mesmo? Achei que fosse sobre amor.
— Ah, Winter. — Claire balançou a cabeça. — Dezenove anos e
já desistiu do romance.
— Aprendi com a melhor. Você viu alguém desde que terminou
com a editora da revista?
Claire fungou.
— Susan e eu tecnicamente não terminamos.
Winter lançou-lhe um olhar penetrante.
— Certo. Vocês simplesmente não se falam há dois anos.
— Pare de mudar de assunto. Estamos tentando consertar sua
vida amorosa.
Ele deu a ela um sorriso malicioso.
— Mas eu amo você.
Ela acenou com a mão irreverente para ele.
— Está vendo esse charme saindo daí? Por que você não o
torna útil?
Winter não pôde deixar de rir um pouco. Há um tempo, ele era
apenas um calouro do ensino médio de aparência desajeitada e
impopular, com membros esguios e um corte de cabelo ruim que
passava as horas do almoço sozinho, ensaiando coreografias no
ginásio vazio depois da aula, rabiscando melodias e alimentando um
grande sonho. E então, ele conseguiu um trabalho como dançarino
novato para Ricky Boulet – na época, a estrela mais quente do
mundo. A apresentação de Winter no show de abertura de Ricky foi
tão extraordinária que um vídeo dele se tornou viral da noite para o
dia.
Claire, então uma jovem e ambiciosa associada de uma
empresa de talentos, viu o potencial por trás daquele vídeo e ligou
para ele na manhã seguinte para tê-lo antes que qualquer outra
pessoa pudesse. Ele foi o destaque da década; ela era a bússola de
seu sucesso. Os dois cresceram juntos quando a vida o catapultou
de dançarino reserva para um contrato de gravação e uma das
maiores carreiras pop da história.
Você vai ser famoso algum dia, seu irmão mais velho, Artie,
uma vez brincou com ele, quando Winter tinha apenas doze anos e
começou a escrever canções.
Winter apenas riu. Você é tão otimista.
Otimismo é meu poder oculto, Artie disse com um sorriso. Então
seu irmão olhou para ele diretamente. Há uma inquietação em você.
A convicção de que algo maior e melhor deve estar esperando mais
adiante na estrada.
Os dedos de Winter brincavam sem pensar com seu telefone.
Ele levou um minuto para perceber que estava bloqueando e
desbloqueando, e então indo até o nome de seu irmão antes de
bloquear novamente.
Artemis Young.
Enquanto Winter olhava para o telefone, a memória de seu
último dia juntos voltou. Apenas um par de irmãos, com doze anos
de diferença, sentados na beira de um píer observando o pôr do sol
no oceano. O sal e o vento frisavam seus cabelos. A roda-gigante à
distância estava iluminada com faixas de azul e amarelo, as cores
refletidas em seus rostos. Ele ainda podia sentir o cheiro do mar,
lembrava-se de olhar para o perfil de seu irmão e desejar de todo o
coração que Artie não fosse embora na manhã seguinte.
Não passe a vida inteira procurando, ok?, Artie disse a ele. Seu
irmão tinha olhos redondos e escuros onde os de Winter eram
estreitos, e cabelo preto ondulado que caía sobre as sobrancelhas,
e parecia tão diferente de Winter que ninguém jamais imaginou que
fossem parentes.
O que você quer dizer? Winter perguntou.
Quer dizer, às vezes você já tem o que quer. Você só não sabe
ainda.
Winter assentiu sem realmente concordar. Era uma coisa fácil
para seu irmão dizer. Artie era o filho meticulosamente planejado, o
favorito, o filho do primeiro casamento de mamãe. Winter foi o
acidente, a reflexão tardia, o erro de seu segundo. Talvez tenha sido
isso que fez Artie pensar que Winter seria famoso algum dia. Ele
sabia que Winter ansiava por atenção, que ansiava por amor a cada
minuto de cada dia, iria procurá-lo até os confins da terra. Artie
entendeu, mesmo então, e teve pena dele por isso.
Winter encolheu os ombros na época. Tudo o que quero é ser
como você, ele disse a Artie.
Artie riu, um som rico e gutural que Winter sempre tentava
copiar. Seja como você, Winter. Seja bom.
Artie havia trabalhado para a Corporação Paz e morreu. Winter
tornou-se uma superestrela superficial e sobreviveu. O bem nunca
venceu no final.
A memória desapareceu, junto com os pedaços de música que
ele estava trabalhando em sua cabeça. Winter bloqueou o telefone e
estendeu a mão. Ainda assim, seus dedos se contraíram. Ele não
sabia por que mantinha o número do irmão. Artie se foi. Apenas um
estranho estaria do outro lado.
Finalmente, o carro deles parou na entrada dos fundos do
estádio. Uma equipe de guardas de segurança já estava
posicionada na frente das barricadas, mas isso não impediu a
enorme onda de fãs que se espremiam em ambos os lados do
caminho do carro até a porta do estádio. Devia haver centenas de
pessoas aqui. Ele reconheceu alguns dos cartazes que eles
seguravam, alguns dos mesmos fãs que compareceram à sua
passagem de som no início do dia.
— Levante o queixo — disse Claire a Winter enquanto os dois
se endireitavam. — Você está prestes a impressionar esse público.
Winter guardou seus pensamentos como uma bainha solta,
lembrou-se de onde estava e quem as pessoas esperavam que ele
fosse. Ele respirou fundo e piscou para Claire.
— Sempre — respondeu ele.
Os dois bateram os punhos. Um guarda-costas do lado de fora
abriu a porta, e Claire se afastou dele para sair do carro.
A multidão aplaudiu a visão familiar dela, sabendo o que sua
chegada significava. Então os aplausos se transformaram em uma
explosão de gritos quando Winter surgiu.
A chuva fria batia em seu rosto. Quando o flash ofuscante de
luzes o atingiu, ele lançou um olhar casual à multidão e viu um mar
de telefones virados em sua direção. Gritos frenéticos salpicavam o
caos.
— Winter! Ai meu deus, ai meu deus… WINTER!
— WINTER!!!
— AQUI, WINTER!!
— EU TE AMO, WINTER!!
Todos aqui estavam claramente esperando por horas, com os
cabelos encharcados da chuva. Eles acenaram freneticamente para
ele enquanto seus guarda-costas o conduziam pelo caminho, então
gritaram quando ele levou os dedos aos lábios em um beijo rápido.
Cartazes e canetas, juntamente com mãos estendidas
desesperadamente, foram empurrados para ele quando ele passou.
A dúzia de guardas de segurança tentou empurrá-los para trás, mas
Winter ainda fez questão de passar perto da borda das barricadas,
forçando sua comitiva a parar para que ele pudesse rabiscar
algumas assinaturas apressadas em alguns dos cartazes. Ele
estava prestes a autografar uma placa para uma garotinha quando
um de seus seguranças o puxou.
— Vamos continuar andando, Sr. Young — ele disse,
balançando a cabeça.
Winter lançou à garota um olhar de desculpas enquanto era
conduzido para a entrada dos fundos. A chuva e os gritos cessaram
abruptamente quando a porta se fechou atrás deles.
Mais à frente, Claire diminuiu a velocidade e deu a ele um olhar
de desaprovação.
— Nós conversamos sobre não fazer isso — disse ela. — Eu sei
que você pensa que são apenas alguns pôsteres, mas não é
seguro.
Winter franziu o cenho.
— Vamos lá. Eles estão parados na chuva há horas. Não
podemos pelo menos armar uma barraca para eles ou algo assim?
— Eu vou cuidar disso — Claire disse por cima do ombro
enquanto os conduzia pelo corredor do estádio.
Winter tirou um caderno fino do bolso do moletom. Ia para todo
lugar com ele, essa coleção de letras rabiscadas e pontes de
música inacabadas, palavras que ele achava lindas e refrões que
queria que seus produtores executassem. Agora rabiscou
apressadamente sua assinatura em uma folha em branco e
arrancou-a da encadernação, entregando-a ao guarda-costas mais
próximo.
— Para aquela garotinha de capa de chuva azul que estava
esperando lá fora — disse ele. — Por favor.
O guarda-costas deu a ele um pequeno sorriso, então assentiu
e pegou o papel.
Winter o observou partir, com a garganta seca. Houve um
tempo, não muito tempo atrás, em que ele podia passar horas
conversando com os fãs, um por um, e os deixava rejuvenescidos
por todo o seu amor. Ele não conseguia se lembrar exatamente
quando mudou para essa rotina apressada e sem alma. Ele olhou
até que seu guarda-costas desapareceu na esquina, então seguiu
Claire pelo corredor.
Eles chegaram ao camarim, um espaço abarrotado de cadeiras
de maquiagem e uma mesa repleta de salgadinhos, onde Claire
finalmente o deixou. Winter fez alguns alongamentos rápidos até
sentir os músculos quentes e soltos. Então ele cutucou sem
entusiasmo ao redor da mesa de lanche. Seu estômago roncou.
Claire estava certa – ele deveria ter comido algo mais do que
apenas churros, mas era tarde demais agora, e ele não queria ter
cãibras.
Ele mal conseguiu desviar os olhos do prato de sanduíches de
croissant quando alguém o empurrou com força nas costelas. Ele
grunhiu e olhou para o lado. Lá estava um belo garoto de pele
morena com uma faixa na cabeça segurando sua coroa de
exuberantes cachos escuros, seus olhos fixos no prato de biscoitos.
Leo.
— Se você não vai comer nada — disse ele —, você pode pelo
menos se afastar para que eu possa?
Winter revirou os olhos ao dar um passo para trás.
— Você não acha que deveria comer um pouco mais cedo?
Estamos a uma hora do show.
Leo foi até o prato, pegou um biscoito e enfiou metade na boca
antes de responder.
— Você é o último que pode me julgar quando o assunto é
comida — ele respondeu. Ele parecia pronto para enxugar as mãos
na camisa, então pareceu se lembrar de que já estava com suas
roupas de palco e maquiagem. Ele ficou parado por um momento,
depois limpou as mãos em um menino negro alto que passava por
eles. Dameon.
Dameon franziu a testa para Leo.
— Sério?
Leo deu de ombros.
— Você ainda não está vestido.
— Não significa que eu não goste desta camisa. — Dameon
balançou a cabeça, os dreadlocks balançando, para a mancha de
graxa que Leo havia deixado em sua manga. Depois olhou para
Winter. Mesmo antes de um show, havia uma serenidade nele que
Winter achava reconfortante. — Estou indo para a sala de prática.
Você quer fazer mais uma antes de irmos?
Winter desviou os olhos da mesa de lanche com um suspiro e
balançou a cabeça.
— Não, eles precisam de mim vestido logo — ele respondeu. —
Vocês vão em frente.
Leo pôs a mão no ombro de Dameon enquanto caminhavam.
— Quantas tentativas até você ficar feliz?
Dameon deu de ombros.
— Assim que você parar de se atrasar em tudo. — Ele olhou
para Winter e deu-lhe um sorriso. — Vejo você lá fora.
Winter acenou, os olhos demorando-se neles por um momento.
Então o verdadeiro caos começou. Artistas de maquiagem e
designers vibraram ao seu redor, transformando seu traje casual no
primeiro de seus conjuntos de palco cintilantes. Enquanto isso, a
arena começou a se encher de fãs. Mesmo no corredor e longe do
centro do estádio, Winter podia sentir o estremecimento de suas
palmas e cânticos, podia ouvir as ondas esporádicas de seus vivas.
A hora finalmente chegou. Os guarda-costas de Winter se
espalharam pela frente e por trás ao seu redor enquanto ele
caminhava pelo corredor, ajustando seu fone de ouvido e o pequeno
microfone curvado em torno de sua boca. Ele já podia sentir o pulso
elétrico de seus fãs na arena alimentando o fogo dentro dele,
trazendo à tona a força que ele não achava que tinha nem uma hora
atrás. Seus passos ficaram mais confiantes, e a versão jovem e
insegura de si mesmo – aquela que se sentou no píer tantos anos
atrás, rindo com Artie – recuou para trás da versão cuidadosamente
elaborada que o resto do mundo viu: a curva de um sorriso sedutor,
um estreitamento treinado de seus olhos escuros, a arrogância de
seu andar, as linhas de seu corpo movendo-se com graça hipnótica.
A música crescia na arena, o baixo da batida era tão forte que
fazia o chão tremer. Os gritos dos fãs aumentaram e diminuíram.
Winter se abaixou sob a treliça abaixo do palco, movendo-se
silenciosamente até chegar ao local designado. Lá, ele se agachou
enquanto os trabalhadores o amarravam apressadamente em uma
série de arreios. Ele seguiu suas instruções obedientemente,
movendo seus membros quando eles pediam e verificando seus
dispositivos para garantir que eles estivessem funcionando. Cada
passo era o mesmo que sempre foi por anos. Ele trabalhava
mecanicamente, sem pensar.
Por fim, sua equipe se afastou, deixando-o sozinho. Ele abaixou
a cabeça, preparando-se.
A batida anunciando sua deixa veio.
A plataforma em que ele se agachou subiu, saltando-o para o
palco principal.
O público explodiu em aplausos. Os arreios em volta dos braços
e pernas de Winter se ergueram de repente, e Winter se lançou alto
no ar em um giro. Conforme a batida caiu, os arreios caíram com
ela. Ele caiu levemente em pé na frente de seus dançarinos de
apoio, que se materializaram no palco principal atrás de uma
enorme escultura iluminada por neon de seu logotipo de coelho.
A multidão gritava de entusiasmo. Winter fechou os olhos e
respirou fundo, absorvendo a onda de amor que o envolvia. Isso era
o que ele realmente desejava, a única vez que sentiu uma conexão
verdadeira e ardente com o mundo, e nunca foi saciado.
Ele ergueu a mão para o céu.
— Vocês estão prontos? — ele gritou a plenos pulmões.
O mundo rugiu de volta para ele. Ele inclinou a cabeça para
cima, sua figura fantasmagórica no meio da fumaça e do nevoeiro
do palco, e disparou para sua primeira coreografia.

Como sempre, tudo depois parecia um borrão.


Uma dúzia de pessoas se aglomeraram ao seu redor no
instante em que ele voltou para baixo do palco. Ele sorriu
entorpecido enquanto as mãos acariciavam seu ombro em parabéns
e agradeceu a equipe que desenganchou os arreios de seu corpo. A
névoa pós-concerto caiu sobre ele, cobrindo-o com seu peso. Ele
podia sentir os tremores no chão enquanto a arena continuava a
aplaudir muito depois de seu desaparecimento, grupos de fãs ainda
cantando espontaneamente.
Ele tinha se saído bem. Ele estava corado com o conhecimento
disso, mesmo que ele já pudesse sentir aquela pressa vazando de
seus membros e dando lugar à exaustão profunda. Enquanto ele
seguia a equipe pelo mesmo corredor de horas antes, o rugido do
estádio começou a diminuir, até soar apenas como ruído de fundo
contra o eco de seus sapatos.
Claire estava ao seu lado agora. Ele não conseguia se lembrar
quando ela apareceu. Ela estava sorrindo para ele, mas em seus
olhos, ele podia ver sua preocupação. Ela sabia como ele ficava
logo após os shows.
— Isso foi lendário — disse ela a ele. Seus dedos frios se
curvaram ao redor de um de seus braços enquanto ela o guiava
pelo corredor.
— Ela veio? — ele perguntou.
Claire olhou para ele, então balançou a cabeça. Ela não
precisava perguntar para saber que ele se referia à mãe.
Winter assentiu, sua expressão em branco.
— Você pode enviar alguém para garantir que o carro dela
esteja na garagem, que ela esteja em casa segura e não esteja
presa no aeroporto?
— Eu vou cuidar disso — Claire o assegurou.
A equipe de dança passou ao redor deles, gritando para Winter
quando o viram. Ele olhou quando Dameon e Leo passaram,
batendo palmas no ar.
— Jantar no seu quarto! — Leo gritou. — Vamos comprar o
champanhe do hotel!
O sorriso de Dameon era mais contido. Seus olhos seguiram
Winter, estudando-o em sua maneira silenciosa. Ele pareceu notar a
expressão de Winter, da mesma forma que sempre notava tudo
sobre Winter, mas não comentava sobre isso.
— Sem pressa! — ele falou à Winter.
Os olhos de Winter se encontraram agradecidos por um
instante. Então Dameon e Leo se foram, movendo-se com a maré
de pessoas pelo corredor em direção à saída dos fundos. Winter
seguiu Claire até o camarim.
— Tire um tempo para si mesmo — ela disse a ele. — Mas eu
quero tirar você daqui bem antes de abrirmos os estacionamentos.
Dez minutos, no máximo. Ok?
Ele deu um sorriso para ela enquanto enxugava a testa. Ele
nem sabia quem havia colocado uma toalha em sua mão.
— Entendido.
Ela agarrou seu queixo com firmeza e deu-lhe uma sacudida
suave.
— E pelo amor de Deus, coma alguma coisa.
— Eu prometo — ele respondeu.
Então ela o soltou e o deixou sozinho.
O camarim estava vazio agora. Winter se viu vagando pelo
espaço, passando pelas mesas e cadeiras de maquiagem vazias. O
silêncio parecia esmagador após os gritos de dezenas de milhares
de pessoas.
Em cerca de uma hora, as manchetes começariam tudo de
novo. Como tinha sido seu novo show. Como ele parecia e quem ele
estava vestindo. Juntamente com notícias sobre guerra e protestos,
estariam quantos milhares de dólares os ingressos de sua próxima
turnê poderiam render para revenda. Novos rumores e fofocas. Ele
se demoraria em um jantar tardio com Dameon e Leo, contando as
melhores partes da noite. Então ele ficaria acordado, sozinho e
apático, e sentiria sua alma batendo fracamente no ritmo de seu
pulso.
Ele encostou-se a uma das mesas e baixou a cabeça. Fios
suados de seu cabelo pendiam em sua visão. Por alguma razão,
seus pensamentos voltaram para a visão dos torcedores
encharcados que estavam do lado de fora da entrada lateral,
esperando que ele saísse do carro. Ele pensou na garotinha
tremendo na chuva apenas pela chance de pegar um pedaço de
papel com seus rabiscos.
A última letra que havia escrito em seu caderno ecoava em sua
mente.
Porque o que estou fazendo aqui? O que estamos todos
fazendo aqui?
Todos vieram vê-lo, deram-lhe o dinheiro suado, entregaram-lhe
ele esta vida mágica dele. O que ele deu a eles em troca? Uma vez,
parecia que ele oferecia a eles algo substancial – sua música, suas
apresentações, seu coração. Algo para ajudá-los a esquecer
quaisquer preocupações que possam atormentar suas vidas. Mas
agora parecia menos assim e mais como... bem, ele não sabia.
Entrevistas repetitivas e barricadas espessas. Reuniões e
advogados. Fãs que pensavam que o amavam, mas não o
conheciam. Um ciclo interminável de ações rotineiras: acordar,
maquiar, aparecer. Posar. Recitar as respostas para as mesmas
perguntas. Ensaiar sorrisos para as mesmas fotos. Comer e dormir
em um quarto de hotel.
E o amor de que ele precisava para prosperar, para sobreviver,
parecia cada vez mais distante a cada dia. Suas criações ainda
eram criações, uma expressão de amor? Ou tudo se tornou apenas
um negócio? Ele merecia a adoração do mundo? Ele merecia o
amor que tanto desejava?
Ele nunca teve certeza. Assim como ele nunca tinha certeza se
sua mãe se lembraria de sua existência, ou quando ela poderia
deixar de tomar seus remédios, ou se ela estava orgulhosa de seus
sucessos, ou se ela o amava.
Assim como ele nunca teve certeza de por que seu irmão tinha
que ser aquele que morreu.
“Ah, Winter”, Artie uma vez disse a ele gentilmente depois de
um teste fracassado. “Você não precisa ser famoso para ser
importante”.
Mas Winter não sabia importar sem ser famoso.
Artie deu sua vida por algo que tornou o mundo melhor. O que
Winter estava dando?
De repente, ele não aguentou mais. A euforia do show se
dissipou, deixando apenas a exaustão. A inquietação que sempre
vagou dentro dele doía agora, puxando para sempre em direção a
uma versão inatingível de si mesmo que era uma pessoa melhor do
que ele era atualmente.
Se ele pudesse apenas alcançar, valeria a pena. Ele ficaria feliz.
Mas ele não podia. Então, tudo o que ele queria fazer era fugir
para um quarto de hotel. Talvez ele desistisse de jantar com os
meninos também. Claire havia dito dez minutos, mas ele olhou para
o relógio na parede.
— Cinco minutos — ele murmurou.
Longo o suficiente. Conhecendo-a, os carros provavelmente
estavam adiantados e prontos para ele de qualquer maneira. Ele se
endireitou e passou a mão pelo cabelo bagunçado. Então ele saiu
para o corredor e se afastou do palco da arena.
Seus guarda-costas ainda não o haviam procurado; talvez fosse
muito cedo e todos estivessem esperando em algum lugar perto da
entrada dos fundos. Caminhou sozinho pelo corredor até chegar à
pequena e indefinida porta lateral que dava para os fundos.
Winter saiu para a noite fria e úmida. Sua visão pousou
imediatamente em um lustroso SUV preto esperando na entrada.
Enquanto caminhava em direção a ele, a porta do carro se abriu
automaticamente para ele, revelando um interior luxuoso.
Winter soltou um pequeno suspiro de gratidão ao entrar. Claire
deve ter atualizado os carros durante o show. Este tinha vidros
escurecidos que atualmente exibiam um vídeo suave de uma cena
do oceano, uma característica que seu outro carro definitivamente
não tinha, e novos bancos de couro que já estavam aquecidos a
uma temperatura agradável.
A porta se fechou automaticamente atrás dele, fechando-o lá
dentro. Então o carro se afastou.
Foi quando ele percebeu que algo não estava certo. A mulher
sentada nas sombras ao lado dele não era Claire. E o motorista
também não era alguém que ele reconhecesse.
Winter piscou.
— Este é o carro errado? — ele perguntou.
— É exatamente o carro certo — respondeu a mulher.
E naquele momento, Winter percebeu que estava sendo
sequestrado.
2

Aqueles que andam nas sombras do mundo

Demorou mais um segundo para Winter se convencer de que não


estava tirando conclusões precipitadas. Ele havia entrado em muitos
SUVs pretos antes, onde não reconheceu o motorista ou teve que
acelerar por algum motivo ou outro. Claire nem sempre tinha tempo
para contar tudo a ele e, ao longo dos anos, ele simplesmente
aprendera a entrar primeiro e fazer perguntas depois.
Talvez houvesse uma explicação aqui também.
Mas algo naquele motorista e mulher vestidos com ternos
impecáveis parecia diferente. Winter sentiu o sexto sentido arrepiar-
lhe os cabelos da nuca.
— Vamos voltar para o hotel? — ele perguntou a eles.
Eles não responderam. Os vídeos serenos do oceano
continuavam a passar nas janelas, dando-lhe a ilusão de estar
dirigindo ao longo da costa do Mediterrâneo. Apenas a janela da
frente ficou desobstruída. Eles estavam dirigindo em direção à saída
errada.
— Pare o carro, por favor — disse Winter em vez disso.
Nenhuma resposta.
Agora ele sabia que estava em apuros. Nenhum motorista dele
jamais, em toda a sua vida, não fez o que ele pediu. Mas o motorista
continuou, seu olhar fixo nos portões do outro lado do
estacionamento do estádio. As sobrancelhas do homem eram tão
escuras e intensas que pareciam sufocar seus olhos
completamente.
— Pare o carro — Winter disse novamente, mais severo desta
vez. — E deixe-me sair imediatamente.
— Receio que não possamos fazer isso, Sr. Young — ele disse
por cima do ombro. A luz da rua delineou a nuca de sua barba curta.
Estou sendo sequestrado. Finalmente está acontecendo. O
pensamento correu por Winter como um rio de gelo. Sempre foi uma
possibilidade – e a verdadeira razão de Claire parecer
perpetuamente paranóica sobre a segurança dele. Ele podia ouvir o
sangue latejando em seus ouvidos. Era por isso que nenhum de
seus guarda-costas estava por perto? Essas pessoas fizeram algo
com eles?
— E porque não? — Winter perguntou o mais calmamente que
pôde. Ao fazê-lo, uma de suas mãos correu ao longo da borda da
porta, procurando a fechadura.
— Elas são todas travadas automaticamente do lado do
motorista — disse a mulher sentada ao lado dele. Ela passou a mão
de leve pelo lado de seu hijab azul, depois olhou para ele com um
par de olhos profundos e calmos.
A mão de Winter parou e ele pegou o telefone, pronto para
acionar o recurso de chamada de emergência.
— Se é um resgate que você quer — ele disse calmamente —,
entre em contato com minha empresária. Mas estou avisando.
Claire não vai gostar de ouvir isso, e você realmente, realmente não
quer irritá-la.
— Não é necessário resgate. Não é dinheiro que queremos, Sr.
Young. — A mulher acenou com a cabeça para a mão dele. —
Mantenha seu telefone onde está. Não vai funcionar aqui, de
qualquer maneira. Isso é apenas uma CNC.
A mão de Winter parou perto do telefone.
— Uma o quê? — ele perguntou.
Ela acenou com a mão irreverente.
— Uma conversa no carro. Um encontro. Levaremos apenas
alguns minutos do seu tempo.
Agora eles soavam menos como sequestradores e mais como...
advogados? Winter franziu o cenho para ela, seu temperamento
aumentando.
— Alguns minutos? O que diabos está acontecendo? Quem é
você?
Eles já haviam saído pelos portões do estádio e estavam
subindo a rua. A mulher enfiou a mão no bolso para tirar algo.
Winter ficou tenso, imaginando por uma fração de segundo se ele
teria que arrancar uma arma de sua mão, mas então a mulher
ergueu um distintivo e abriu-o para uma identificação.
— Sauda Nazari, Grupo Panaceia — disse ela.
Winter balançou a cabeça. Seu coração ainda batia forte em
seus ouvidos, e ele piscou, tentando entender a situação.
— O que?
— O Grupo Panaceia. Panaceia significa uma solução...
— Eu sei o que significa panaceia — disse Winter. — O que é
isso? Quem é você, algum tipo de agente da CIA?
O homem na frente bufou.
— Próximo. Mas bom palpite.
Winter balançou a cabeça. Isso estava ficando cada vez mais
confuso.
— A CIA nos contrata para fazer os trabalhos que ela não quer
fazer — explicou Sauda.
— Eu realmente não preciso de suas piadas agora.
Ela olhou para ele.
— Estes não são os olhos de um curinga, Sr. Young.
Ele olhou para ela antes que ela finalmente quebrasse o olhar e
olhasse para frente no para-brisa. Na frente, o homem suspirou.
— O que eu lhe disse? — ele resmungou. — Ainda dá tempo de
devolvê-lo ao estádio. Devemos apenas deixá-lo e escolher outra
pessoa?
— Dê a ele algum tempo, Niall. — Ela olhou para o homem pelo
espelho retrovisor e deu-lhe um pequeno e cativante sorriso. — Por
favor, por mim.
Ele murmurou algo ininteligível novamente, mas voltou ao
silêncio.
Ela se virou para ver Winter.
— Somos para quem a CIA liga quando está procurando...
tercerizar algum trabalho — disse ela. — O Grupo Panacea é uma
empresa privada e buscamos agentes não convencionais. Temos
uma certa margem de manobra que nosso primo administrado pelo
governo não tem. Menos burocracia, mais financiamento, se preferir.
A capacidade de se mover mais rápido. Por isso, aceitamos
qualquer coisa que passe pelas brechas políticas da CIA.
— Você realmente está falando sério — Winter murmurou.
— Foi o que eu disse — respondeu Sauda.
— A CIA.
— O Grupo Panaceia.
— Panaceia. Ok. — Winter esfregou a testa. — Isso é
procedimento padrão, sequestrar pessoas sem dizer a elas o que
você quer? Isso é legal? Porque espero que você saiba que em
cerca de meia hora, meu status de desaparecido será a primeira
manchete de todos os noticiários do mundo.
Sauda inclinou-se para a frente de joelhos.
— Tenha certeza, Sr. Young, que assim que terminarmos esta
conversa, nós o deixaremos onde você quiser.
— E a conversa é?
— Nós precisamos da sua ajuda.
Com isso, uma bolha de riso surgiu no inverno e emergiu como
um latido.
— Ok. Isso é ótimo. — Ele balançou sua cabeça. — Se esta é
uma das pegadinhas de Claire, vou demiti-la no instante em que sair
deste carro.
A mulher não riu. De alguma forma, algo em sua expressão fez
o sorriso de Winter desaparecer. Havia uma autenticidade nela que
ele não conseguia abalar.
— Você é Winter Young — ela disse.
— Sim. Impressionante trabalho de espionagem.
— Como você bem sabe, você é uma das superestrelas mais
famosas do mundo, com uma ampla gama de fãs. — Ela cruzou os
braços. — E estamos interessados em um desses fãs.
Winter cruzou os braços.
— É mesmo?
— Nos últimos anos, acompanhamos as atividades de Eli
Morrison. Você sabe quem ele é?
O nome soava vagamente familiar.
— Não exatamente — disse Winter.
— Eli Morrison é um dos homens mais ricos do mundo —
explicou Sauda. — Graças ao seu império de navegação, ele vale
trinta e sete bilhões. A CIA tentou prendê-lo no passado, com pouco
sucesso.
— Eu não sabia que enviar coisas era ilegal.
— Enviar algumas coisas é. Como drogas. E pessoas. E armas.
— Seu sorriso parecia mais sombrio. — Preferimos chamar isso de
tráfico.
— O que diabos isso tem a ver comigo?
Sauda parecia imperturbável.
— A filha de Morrison, sua filha única e a menina dos seus
olhos, fará dezenove anos em breve. Seu pai está planejando uma
celebração de vários dias que vai, perdoe a precisão da minha
citação, “superar qualquer festa de aniversário que alguém já teve”.
— Ela acenou para ele. — E ela é sua maior fã.
Winter sentiu um peso cair em seu peito.
— Eu ouço muito isso — ele murmurou.
— Eu acho que isso pode realmente significar isso — disse ela.
— Em cerca de oito horas, o pessoal de Morrison vai entrar em
contato com você e sua empresária. Eles vão se oferecer para
contratá-lo para fazer um concerto privado para a celebração.
Performar para a filha de um magnata do crime. Bem, isso era
novo.
— Onde? — ele perguntou. Sua garganta estava seca. —
Quando?
— Em um mês — ela explicou —, em Londres. Ele receberá dez
mil convidados, todos em uma frota de aviões particulares.
— Puta merda.
— Eu disse que era uma festa grande. — Ela deu de ombros. —
A segurança durante a semana, como você pode imaginar, será
extremamente rigorosa.
Ele olhou para frente e para trás entre ela e Niall.
— Você me quer como seu alguém lá de dentro?
— Nós queremos você como nosso alguém — ela confirmou. —
Você participaria desta semana de eventos exclusivos.
— Para fazer o quê?
— Para nos ajudar a obter uma prova crucial que precisamos
prender Eli Morrison.
Winter levantou uma sobrancelha para ela.
— Isso é tudo?
Ela sorriu um pouco.
— Você não será apenas um convidado, Winter, você será o
convidado pessoal da filha de Eli Morrison, a pessoa mais preciosa
do mundo para ele. Você provavelmente se sentará ao lado dela e
do pai dela no jantar todas as noites e será convidado para todas as
festas particulares após os eventos principais. Esse tipo de
oportunidade não aparece todos os dias.
Winter recostou-se no assento.
— Não, obrigado — disse ele.
A mulher estreitou os olhos para ele.
— Sr. Young, estou pedindo que você pense bem sobre isso.
— Estou pensando nisso e agora terminei de pensar. A resposta
ainda é não.
— Sr. Young.
Winter olhou para a janela.
— Pare o carro e me deixe sair.
Sauda olhou calmamente para ele, como se soubesse que essa
seria sua resposta.
— Uma borboleta bate as asas e muda o mundo. — Sua voz
suavizou. — Seu irmão. Artemis Young. Corporação Paz, certo?
Winter congelou, todo o sarcasmo vazando dele.
— Cuidado — ele disse calmamente. — Agora você está
pisando em um terreno perigoso.
— Ele falou muito sobre você para os colegas dele — ela disse
a ele. — Que ele estava orgulhoso de você, mas que você estava
sempre procurando por algo maior do que você tinha, algum
propósito, algum motivo para ser digno. Suspeito que mesmo agora,
por mais renomado que seja, você sente que não o encontrou.
Winter podia ouvir as palavras como se tivessem sido ditas pelo
próprio Artie. E de repente, ele pôde ver um fantasma de seu irmão
sentado no carro também, recostado no assento e olhando para ele
com um sorriso fácil. Para sua frustração, ele podia sentir a umidade
brotando nos cantos de seus olhos, sua garganta apertando contra
sua vontade.
— Por que você está desenterrando informações sobre meu
irmão? — Winter disse, sua voz rouca.
— Porque suponho que há muita coisa que você não sabe
sobre ele — Sauda respondeu —, ou sobre como ele morreu. E isso
você provavelmente gostaria de saber.
O mundo parecia se inclinar. A noite fora do carro parecia
nebulosa.
— Artie morreu durante uma missão da Corporação Paz na
Bolívia — disse ele lentamente.
— Será? — Sauda respondeu.
Seu coração começou a bater forte.
— Estou errado? — ele perguntou.
A expressão de Sauda parecia mais gentil agora.
— Este não é o momento nem o lugar para lhe contar tudo. E
talvez você não queira saber. Se esse for realmente o caso, basta
dizer uma palavra e eu o deixarei em seu hotel, sem mais
perguntas. — Ela assentiu. — Mas se você quiser saber, vai
precisar assinar uma papelada conosco. E para fazer isso, você
pode querer considerar minha oferta para você.
Nada mais fazia sentido. As mãos de Winter formigavam; seus
membros estavam dormentes. Artie, que sempre lutou por algo
maior que ele, que nunca falou sobre o que fazia. Winter sentiu
como se estivesse em algum tipo de pesadelo acordado, ouvindo
sobre uma versão de seu irmão distorcida através de um espelho de
circo.
E se Sauda estivesse dizendo a verdade? O que realmente
aconteceu com Artie? Quanto ele não sabia? Por que Sauda sabia?
Winter queria gritar as perguntas para ela, exigir que ela contasse o
que estava escondendo de propósito. Suas mãos tremiam com
contenção – sua respiração saiu superficial e irregular, e suas
lágrimas ameaçaram transbordar.
Envergonhado, Winter enxugou os olhos com impaciência e fez
uma careta para Sauda.
— Usar meu irmão contra mim é um golpe muito baixo.
Sauda parecia imperturbável.
— Só estou fazendo o meu trabalho. Nada pessoal.
— É sempre pessoal.
— É para um bem maior. — Sauda inclinou a cabeça. — Algo
que eu sei que você pensa constantemente.
Winter zombou e desviou o olhar, o coração apertado.
— Eu sou apenas um artista — ele murmurou.
— Você é nosso espião perfeito.
A frustração de Winter aumentou.
— Eu sou literalmente o oposto de um espião — ele rebateu. —
Você entende isso, certo? — Ele acenou com a mão para ela. — O
objetivo do seu trabalho não é ficar nas sombras, nunca ser
reconhecido pelo que faz?
— É o trabalho mais ingrato — Sauda concordou.
— Bem, toda a minha carreira gira em torno de ser reconhecido.
Sauda inclinou-se para ele. Uma luz intensa iluminou seu olhar.
— O que é uma missão senão uma performance? Você sabe
como fazer uma cena, como fazer as pessoas olharem para onde
você quer que elas olhem. Você sabe como trabalhar uma multidão,
girar no momento em que algo dá errado e transformar toda a sua
personalidade dependendo do seu público. Você sabe como mentir
por capricho. O melhor de tudo, ninguém vai suspeitar de você.
Essa é a beleza de ser um espião não convencional. — Ela bateu
na têmpora com um dedo, a unha esverdeada. — Deixe-se pensar
com coragem, Winter Young. Você pode presumir que pertence aos
holofotes e que eu opero em um mundo secreto, mas talvez
existamos no mesmo lugar.
Winter engoliu em seco.
— Eu não posso fazer isso — ele sussurrou.
— Você está olhando para todo o sucesso em sua vida e se
perguntando por que isso importa. Você passa as noites acordado,
sentindo-se grato e culpado por seus fãs, se perguntando se você é
digno. — Sauda inclinou-se para ele. — Eu sei que você quer fazer
o bem. Ser bom.
— Eu não sou meu irmão — ele murmurou.
— Você tem o coração dele. — Ela bateu no peito com um
dedo. — Você está procurando por algo. Validação, talvez.
— E você acha que vou descobrir isso trabalhando para você —
ele disse friamente.
— Acho que você pode encontrar satisfação em saber que pode
usar seu considerável estrelato para fazer justiça, sim. — Sauda
sorriu um pouco, e por trás desse sorriso havia algo trágico. —
Talvez fazer uma boa ação ingrata para variar seja exatamente o
que você está procurando.
Winter não respondeu por um momento. Ele olhou para o ritmo
de luz e sombra movendo-se pelo carro.
— Espero que você não esteja esperando que eu mate ninguém
— ele finalmente murmurou.
Uma pitada de diversão tocou seus lábios. Ela recostou-se.
— Não são necessários assassinatos, eu prometo. Agora, sem
dúvida, Morrison exigirá que você use seus próprios técnicos para
preparar o palco para você. Você será impedido de trazer a maioria
de seus próprios dançarinos e equipe de apoio. Mas podemos
instalar um de nossos próprios agentes com você para se fazer
passar por seu guarda-costas. Já tenho a pessoa perfeita em
mente.
— É mesmo?
— Nós a chamamos de Chacal.
Winter levantou uma sobrancelha.
— Ela parece legal.
— Ela não é — Sauda respondeu, tão secamente. — Mas ela é
muito boa em seu trabalho.
Uma agente da Panacea como guarda-costas. Um número
limitado de seu próprio povo com ele. Isso tinha que ser um sonho.
Ele acordava sobressaltado em sua cama de hotel, encharcado de
suor, as imagens desta mulher e deste carro já desaparecendo de
sua mente. Era tudo uma loucura – por que ele precisava fazer
isso? Ele teve uma vida extremamente bem-sucedida no papel. Ele
poderia simplesmente voltar sem concordar com as demandas
desses agentes. Poderia apenas se forçar a esquecer o que esse
estranho acabou de lhe contar sobre Artie. Nada o traria de volta, de
qualquer maneira.
— Você não tem que concordar com a missão agora — Sauda
disse calmamente, estudando sua expressão. — Você só precisa
estar interessado em ouvir mais.
Apenas interessado em ouvir mais.
Winter sentiu-se pendurado em um precipício com uma venda
nos olhos, lutando para ver além dele. Ele sentiu aquela eterna
inquietação nele despertando, insaciável e voraz.
Uma boa ação ingrata.
— Eu quero minha mãe protegida — disse Winter finalmente.
— Feito.
— E se algum membro da minha equipe vier comigo, é melhor
que estejam protegidos.
— Eles estarão.
— E eu quero um bom carro.
— Podemos começar com um Mazda.
Bem, valeu a pena tentar. Winter olhou para seu rosto calmo e
controlado. Como essas pessoas faziam esse trabalho? Como você
pode ficar nas sombras do mundo, dia após dia, fazendo coisas que
os outros nunca veriam?
— Eu vou me arrepender disso, não vou? — Disse Winter.
— É possível.
Winter suspirou.
— Como posso ouvir mais?
— Assinando um contrato, é claro — respondeu Sauda. —
Obviamente, toda essa conversa é estritamente confidencial. Você
estará vinculado a isso até o momento em que sentirmos o
contrário.
Winter franziu os lábios.
— Contratos. Finalmente, algo que eu entendo.
— Então você vai se sair muito bem conosco. — Ela sorriu. —
Bem-vindo ao Grupo Panacea, Sr. Young.
3

A Chacal

Sydney Cossette recebeu a ligação pouco depois de se afastar do


ponto de ônibus em frente ao seu complexo de apartamentos,
mochila balançando, seu cabelo loiro bagunçado balançando ao
acaso na brisa. A rua estava molhada de garoa e cheia de carros
estacionados, e ela abriu caminho entre eles, espremendo-se entre
uma van e um sedã preto para chegar ao meio-fio do outro lado.
Seus pulmões ainda doíam por causa da sessão de kickboxing. Ela
os esforçou um pouco mais do que deveria.
O relógio de notícias no topo do ponto de ônibus estava
funcionando freneticamente. Durante toda a semana, transmitiu as
mesmas manchetes que os outdoors perto de sua casa.

WINTER YOUNG SENSACIONA NOVAMENTE NO PALCO

O NOVO ÁLBUM DA SENSAÇÃO INTERNACIONAL,


WINTER YOUNG,
ESTREIA EM 1º EM SURPREENDENTES 70 PAÍSES

WINTER YOUNG SURPREENDE COM UM SHOW NÃO


CONVENCIONAL,
DEFININDO UM NOVO PATAMAR PARA A PRÓXIMA
TURNÊ MUNDIAL
Sydney semicerrou os olhos na chuva e murmurou um palavrão
em português baixinho. Ela não era portuguesa, mas absorveu
línguas como Winter Young colecionava Grammys e se viu
escolhendo alguns para usar em determinados dias com base em
seu humor.
Hoje foi um dia português.
Puta que pariu, ela pensou agora. Milhões de pessoas estavam
sofrendo em todo o mundo com uma catástrofe ou outra, mas esta
tinha sido a manchete principal de todos os serviços de notícias na
semana passada? Enquanto ela olhava, os outdoors perto de seu
complexo exibiam vídeos de Winter Young – alguns dele no meio de
sua última apresentação, outros dele rabiscando seu autógrafo em
pôsteres para os fãs. Ainda outro reproduziu um clipe de uma
entrevista recente.
Você está ciente de quão famoso você se tornou nos últimos
anos? disse a legenda para o entrevistador.
Winter sorriu timidamente. Não sei, respondeu ele. Estou?
Sydney revirou os olhos.
Ele era fofo, com certeza. Incrivelmente lindo, se ela se
importasse em admitir. Sydney apreciava cílios grossos e uma boca
bonita como qualquer outra pessoa. E claro, sua música não era
convencional – o uso de tambores chineses com hip-hop, por
exemplo. Um som único que lhe permitiu varrer o Grammy do ano
passado e inspirou uma centena de imitadores e até mesmo um
subgênero de música que as pessoas chamavam carinhosamente
de Winterpunk. Ela e o resto do mundo o tinham visto em algumas
das roupas mais impressionantes que já apareceram em um palco –
às vezes ele dançava em couro preto envolto em prata, às vezes em
sedas como um maldito príncipe das fadas, e uma vez em um terno
dourado que estava literalmente pegando fogo.
O menino adorava dar um show. Ele nasceu para o palco, isso
era certo.
Mas quando Sydney entrou no calor do saguão de seu
complexo, ela se permitiu adivinhar como Winter deveria ser: lindo e
totalmente consciente disso, talvez uma paquerador sem vergonha,
provavelmente um babaca. Ela podia ver no sorriso em seus lábios
e na maneira como ele inclinou a cabeça, como se soubesse um
segredo sobre você. Ele era o tipo de garoto que provavelmente
latiu exigências e esperava que fossem feitas, e provavelmente não
se importava com quem. O tipo de garoto que poderia apontar para
qualquer um em uma multidão de seus fãs gritando e ter uma nova
aventura.
Não era que ela invejasse seu estilo de vida. Mas os músicos
eram o pior tipo de celebridade. Ela teve que seguir um uma vez em
uma missão, e foram as quarenta e oito horas mais longas de sua
vida. As birras espontâneas. A incapacidade de funcionar sem um
assistente. Tratando-a como uma assistente. O zumbido incessante.
Ela deu uma bronca em Panaceia sobre isso depois. Toda aquela
energia que os músicos consumiam no palco subiu direto à cabeça
e entupiu as artérias. Eles adoravam desculpar seu comportamento
em nome da arte.
Seus pulmões tremeram em outro pequeno espasmo de dor, e
ela estremeceu, irritada.
— Já chega — ela murmurou para os outdoors à distância.
Quanto mais cedo a mídia parasse de relatar todos os detalhes
sobre ele, mais cedo o mundo poderia começar com algo mais
importante.
Hoje, a recepção tinha uma nova vitrine – uma variedade de
enfeites de vidro e uma xícara de canetas, um buquê para escolher.
Seus olhos se fixaram nas estatuetas que pontilhavam o balcão
enquanto Sydney flexionava as mãos, ambas ainda envoltas em
pano branco de sua sessão de treinamento de kickboxing.
O jovem à mesa sorriu quando a notou.
— Boa tarde, senhorita Madden. — Não era o nome verdadeiro
dela.
Ela deu a ele um sorriso sedutor, os olhos brilhando.
— Olá, George.
Ele corou, seu olhar a seguindo. Ela lutou contra a vontade de
caminhar até a mesa e brincar com ele, então, quando ele não
estava olhando, deslizou uma daquelas estatuetas de vidro em seu
bolso. Seria tão fácil. Ela não ficaria com a estatueta, é claro – ela
tendia a jogar fora ou vender o que roubava –, mas a emoção
estava em pegar, não em acumular.
Mesmo depois de anos de treinamento e terapia, o desejo de
furtar sempre esteve presente em sua mente. Pelo menos ela ficou
muito melhor em resistir, porém, e hoje, ela desviou os olhos das
estatuetas e olhou para os elevadores.
— Vejo você por aí — ela gritou para George em uma voz
cantante.
— Até mais — foi sua resposta, sempre com uma pequena nota
de esperança de que ela o convidaria para sair ou o convidaria para
subir.
Nos elevadores, ela digitou seu código nas portas e subiu.
Minutos depois, ela chegou ao seu andar, dirigiu-se ao seu
apartamento e entrou.
Para uma garota de dezenove anos, ela era bem paga: mais de
cinco dígitos, com mais promessas assim que fosse promovida a
agente plena. Como resultado, o apartamento também era bom –
um lugar arrumado de um quarto com uma pequena varanda que
dava para uma vista deslumbrante do horizonte de Seattle. Mil
vezes melhor do que o lixão em que ela cresceu.
Mas o interior era pouco decorado, dando a impressão de um
lugar que poderia pertencer a qualquer um. Nenhum retrato nas
paredes, nenhum item pessoal em exibição, nenhum retrato de foto
nas prateleiras. Se alguém invadisse e saqueasse o lugar, não
encontraria nada revelador sobre Sydney nos livros genéricos em
sua mesa de centro ou nos cardápios de redes de restaurantes em
sua geladeira. Eles não encontrariam personalidade discernível em
seu armário cheio de roupas que poderiam estar no guarda-roupa
de qualquer garota. Eles não encontrariam joias valiosas, nenhuma
evidência de hobbies além de uma assinatura do New York Times
(tudo colocado em uma pilha organizada no balcão da cozinha, sem
ler), nenhuma bugiganga de férias, nenhuma herança de família ou
lembranças. Nenhuma parte de seu coração ficou exposta em
qualquer lugar.
Isso a fazia se sentir segura. Ela era o tipo de pessoa que toda
agência de inteligência queria: devastadoramente inteligente, boa
em guardar segredos e sem família ou ligações pessoais para falar
– pelo menos, ninguém que não fosse estranho. Sydney Cossette
caminhava sozinha pelo mundo, e ela gostava assim.
Ela foi até a geladeira e começou a pegar os ingredientes para
um sanduíche. Presunto cozido, queijo americano, pão branco. Isso
também era genérico, mas havia um pedaço de seu coração
escondido ali. Ela costumava odiar sanduíches porque comia muitos
deles no refeitório do hospital sempre que ela costumava visitar sua
mãe. Depois disso, porém, Sydney adquiriu o hábito de fazer
sanduíches para si mesma sempre que precisava de algum
conforto. No mínimo, isso a fazia sentir que tinha algum controle
sobre sua vida.
Quando ela foi até a cozinha e tirou os ingredientes do
sanduíche da geladeira, uma notificação apareceu em seu telefone.
Chamada recebida
Desconhecido
Sydney sabia, é claro, que a ligação devia ser de Niall
O'Sullivan. Ela olhou para ele por um momento. Panaceia havia lhe
dado uma semana de folga depois de uma tarefa particularmente
exasperante de cuidar de um criminoso chorão que se tornou
informante – e ainda assim lá estavam eles, fazendo ping para ela
três dias depois.
Ela saiu do apartamento e foi para a varanda com vista para o
porto. Lá, ela se encostou no parapeito e olhou para o ponto de
ônibus vazio de onde ela veio mais cedo. Pelo menos seus pulmões
estavam um pouco melhores agora, e ela podia respirar novamente
sem estremecer.
— Nani? — ela disse em japonês.
— Pare com isso, Syd.
Ela mudou para o inglês.
— E eu aqui pensando que você ia me dar férias de verdade,
chefe.
— Como se você estivesse fazendo algo divertido com seu
tempo de inatividade.
— Você não sabe disso. Eu poderia estar deitada em uma praia
em Cabo.
— E você está deitada em uma praia em Cabo?
Por um segundo, Sydney pensou em abrir um vídeo aleatório
com o som das ondas do mar.
— Tenho certeza que você sabe exatamente onde estou e o que
estou fazendo — ela murmurou, olhando brevemente para o céu,
meio que esperando ver um minúsculo drone observando-a. — Essa
não é a nossa especialidade?
— Para alguém com apenas dois anos na área, você é
particularmente tagarela.
— Me perdoe. Eu sou uma criança. E aí?
— Uma missão, é claro.
— Não me diga que vou passar mais uma semana cuidando de
um suspeito pequeno.
— Oh, acredite em mim, é muito pior do que isso.
— É mesmo? — ela disse. — Parece digno do meu tempo.
— Mas se você for bem-sucedida nesta missão, não apenas
será promovida, mas também receberá um bônus saudável.
Promoção. Isso chamou a atenção dela.
— Operação totalmente disfarçada? Você está me mandando
para o exterior de novo? Ainda preciso de um novo passaporte
depois de Moscou no ano passado.
— Não fique muito animada. Ainda me questiono se deveria ter
contratado você.
Sydney não pôde deixar de sorrir. Ela nunca tinha ouvido Niall
parecer feliz com nenhuma das missões da Panaceia – o analista
parecia acreditar que tudo era sempre uma péssima ideia. Ela
começou a pensar em seu ronco mal-humorado ao telefone como
boa sorte.
— Você sabe que agradece todos os dias por me contratar —
ela respondeu docemente.
Ele apenas grunhiu. Foi por puro acaso que Niall visitou o
campus da escola enquanto acompanhava relutantemente um
recrutador da CIA e a viu abrir caminho através de um conjunto de
portas trancadas do ginásio para roubar alguns dos equipamentos
de boxe da escola. Quando ele a confrontou, ela tentou convencê-lo
de que não falava inglês bem, deixando escapar um parágrafo em
russo tão suavemente que ele quase acreditou que era sua língua
nativa.
Suas consoantes, ela ainda se lembrava dele dando sermões
para ela.
Ela apenas balançou a cabeça inocentemente para ele.
Não aspire tanto, disse ele. Isso te entrega. Muito bem feito, no
entanto.
Para sua surpresa, ela sentiu uma onda de orgulho por seu
elogio. Depois de concordar em não tagarelar sobre ela, ele fez
algumas perguntas, descobrindo a dúzia de outros idiomas que ela
aprendera sozinha e, em seguida, se ela estaria ou não interessada
em ingressar em um programa de treinamento para trabalhar para o
Grupo Panaceia.
É no turismo ou algo assim?, ela se lembra de ter perguntado.
Algo assim, Niall respondeu.
Eu não me importo com o que é. Eu vou fazer isso.
Excelente.
Mas eu tenho uma condição.
Niall levantou uma sobrancelha, provavelmente se divertindo
com as exigências de um adolescente taciturno. Dinheiro?, ele
perguntou. Pagamos bem nossos estagiários.
Não, ela respondeu. Uma passagem para fora desta cidade.
Ele olhou interrogativamente para ela. Só de ida?
Ela assentiu. Amanhã. Hoje, se puder.
Ela ainda estava grata por Niall nunca ter perguntado sobre sua
situação em casa. Talvez fosse porque ele trabalhava para um
grupo de espionagem e já sabia tudo o que havia para saber sobre
ela. Ou talvez fosse porque ele havia recrutado antes do mesmo tipo
de cidade decadente de onde ela veio, porque ele sabia que essas
cidades estavam cheias de pessoas ansiosas para escapar.
Seja qual for o motivo, ele disse: Nó podemos arranjar qualquer
coisa.
Ela não tinha acreditado nele. Nem ela entendia quem nós era.
Mas de fato havia um carro preto esperando por ela do lado de fora
da garagem quando ela chegou em casa uma hora depois. Ela nem
se incomodou em voltar para dentro de casa.
— Você parece especialmente infeliz hoje — Sydney disse a
ele. — Deve ser uma missão muito boa.
— Não me faça começar — respondeu Niall. — Você está indo
para Londres. Precisamos que você brinque de guarda-costas em
algumas festas.
— Parece babá para mim. Quem está comemorando?
— Um tal de Eli Morrison.
Um tremor de excitação e medo sacudiu Sydney ao ouvir o
nome.
— Você está me colocando em uma operação Morrison? — ela
sibilou por entre os dentes.
— Se fizermos direito, será a última operação Morrison.
Sydney lembra que a CIA alvejou Eli Morrison pelo menos
quatro vezes no passado, cada uma uma nova tentativa de colocar
o homem atrás das grades, cada uma falhando. porque não
conseguiram chegar perto o suficiente ou reunir provas suficientes
ou foram derrotados por algum oficial de alto escalão secretamente
no bolso do magnata. Sydney tinha visto o noticiário do homem em
uma cerimônia de inauguração de um novo hospital infantil em
Hamburgo, ao mesmo tempo em que suas operações entregavam
trinta toneladas de cocaína pelo porto da cidade; dele apertando a
mão do presidente da França para uma foto e, horas depois,
ouvindo relatórios da inteligência de que ele havia espancado um
refém até a morte com um martelo; dele descansando em uma
cadeira, bebendo vinho, enquanto seus homens massacravam uma
família inteira em um local não revelado. Ele era o tipo de homem
que assombrava os sonhos de Sydney, o tipo que sabia como
esconder suas monstruosidades por trás de um bom terno, sotaque
elegante e amigos poderosos. O tipo que sabia como escapar pelas
rachaduras.
— Detalhes da missão? — ela perguntou.
— Temos a rara oportunidade de colocar dois operativos em seu
círculo íntimo, e você vai ser um deles. Morrison precisa ver alguém
que ele irá subestimar, alguém com quem ele irá relaxar. Você é
uma dos nossos mais inteligentes, garota, e com todo o respeito,
não há muito sobre você interessante o suficiente para desenterrar.
— E quem eu estou protegendo? Quem é o segundo agente?
Niall hesitou.
— Ele é um pouco famoso — disse ele finalmente.
Sua excitação mudou para ceticismo.
— É mesmo? Alguém de quem eu tenha ouvido falar?
— O nome Winter Young lembra alguma coisa?
Sydney olhou inexpressivamente, então fechou os olhos com
força. Ela não deve ter ouvido direito. Os outdoors do lado de fora
da casa dela ainda exibiam vídeos do rosto dele.
— Olá? Ainda aí?
— Você está enviando uma estrela pop como nossa entrada? —
ela disse incrédula.
— Apresente suas queixas a Sauda, não a mim — disse ele
com um suspiro. — Mas nunca tivemos sucesso em conseguir um
agente tão próximo de Morrison. Winter Young foi pessoalmente
convidado para fazer um concerto privado para o aniversário da filha
de Morrison, e é a melhor oportunidade que teremos.
— Não.
— Eu sei que você odeia músicos, mas me escute.
— Você está me colocando em uma missão de babá, não é?
— Se isso ajuda, conversamos com ele no carro e ele parecia
bastante agradável, embora um pouco sarcástico.
— Mal posso esperar — disse ela.
— É como se vocês dois fossem a mesma pessoa, sério.
— E o que estamos procurando?
— Uma única evidência. Se você conseguir, podemos prender
Morrison na manhã seguinte à festa de aniversário de sua filha.
O olhar de Sydney pousou nos outdoors à distância. Alguns
tinham escurecido enquanto se preparavam para passar para outras
notícias, mas ela ainda podia ver uma leve queimadura na tela do
perfil do menino.
Ela não conseguia se livrar da sensação de que enviar uma
estrela pop para uma missão como essa era um grande erro. Eli
Morrison não era apenas um magnata do crime. Certa vez, ele
ordenou o assassinato de um empresário e não deixou nada além
de uma fileira de membros para os investigadores encontrarem. Em
outra ocasião, ele descobriu que alguém de sua equipe era um
infiltrado apenas por causa das flores que o homem havia escolhido
para o centro de mesa de um banquete; o homem – e toda a sua
família – havia desaparecido naquela noite. Eli tinha olhos e ouvidos
em todos os lugares. Ele era o tipo de trabalho que exigia precisão
infalível. Ele não perdeu nada. Ele não tinha escrúpulos em matar
alguém com as próprias mãos. E ele sempre se safava disso.
Portanto, a ideia de recrutar Winter Young parecia ridícula. O
que ele já havia feito para se qualificar para enfrentar um alvo como
aquele? Eles ainda tiveram tempo para treiná-lo? Ele quebraria o
disfarce cinco minutos depois de pousar em Londres? Seria ele a
razão pela qual Morrison ordenou que fossem decapitados? Sydney
fez uma careta com o pensamento, irritada que sua morte pudesse
se resumir à idiotice de uma estrela pop.
— Bem? — Niall perguntou. — Você quer a missão ou não?
Ela quase riu. Niall sabia que a resposta seria sim. Sydney dizia
sim para todas as missões. Ela fazia o trabalho como um peixe que
nasceu para nadar. Tudo sobre isso – o segredo, o planejamento
meticuloso, o perigo, a satisfação de dar a pessoas más o que elas
mereciam – a levou a um passo de seu passado e um passo à
frente em seu futuro, onde ela pôde escolher seu caminho e o que
ela queria. se arriscou, onde ela conseguiu ser muito boa no que
fazia.
Seus lábios se apertaram. O que essa missão significaria para
Winter? Apenas um pouco de diversão e a vantagem futura de
poder se gabar de trabalhar como espião? Se ele recusasse a oferta
da Panaceia, não iria simplesmente para casa, para seus milhões e
sua vida descuidada de riqueza? E se ele decidisse no meio do
caminho que não queria mais fazer isso, que queria sair?
Ela se sentiu arrepiada novamente. Sydney dizia sim para todas
as missões, mas isso não significava que ela tinha que gostar delas.
— Qualquer dia agora, Syd — veio o resmungo de Niall.
Sydney desviou os olhos dos outdoors.
— Estou dentro — disse ela.
— Achei que estaria — Niall respondeu sem uma mudança em
seu tom. — Já tem um carro esperando por você lá embaixo. Vá
para o quartel-general. Temos muito trabalho a fazer.
4

O Grupo Panaceia

Winter não sabia o que esperava ver no quartel-general da


Panaceia.
Ele foi apanhado em sua casa dentro de um bairro fechado de
Los Angeles, em um carro preto indefinido equipado com direção
automatizada, suas janelas pintadas com uma paisagem falsa para
que ninguém de fora pudesse vê-lo dentro dele. Ele foi levado
discretamente para um avião particular no terminal VIP do aeroporto
e pousou em Saint Paul, Minnesota, três horas depois.
Nenhum de seu séquito habitual estava com ele, sem guarda-
costas, sem Claire, sem Leo ou Dameon, sem assistentes. Dois
paparazzi que decidiram acampar perto da periferia de seu bairro só
viram um carro irreconhecível sair sem motorista dentro.
Ele não havia mencionado uma palavra para Claire sobre seu
incidente duas noites atrás. Como prometido, os agentes Sauda e
Niall o deixaram em seu hotel após a conversa, e Winter ouviu uma
pequena bronca de Claire sobre deixar o estádio sozinho sem
contar a ela. Ele havia jantado com os meninos e ido para a cama
por volta das três da manhã. Acordara duas horas depois para uma
sessão de fotos e depois voara para casa. Nenhuma menção em
qualquer lugar.
Então, no aeroporto, Claire mandou uma mensagem para ele
contando a novidade.
O bilionário Eli Morrison quer você para um show privado, ela
exclamou. Muito dinheiro! Vamos conversar.
O texto confirmava que o estranho encontro de Winter no banco
de trás daquele carro não tinha sido um sonho febril. O Grupo
Panaceia era real. Sauda realmente se ofereceu para torná-lo um
agente secreto.
Winter se sentiu um pouco mal por esconder um segredo de
Claire. Em todos os anos em que estiveram juntos, ele contou tudo
a ela, do mal ao pior. Desta vez, porém, ele apenas respondeu
“Claro”.
Os detalhes que Claire lhe deu depois combinavam com tudo o
que Sauda lhe contara. Uma filha que era sua maior fã. Um concerto
privado em Londres. Dez mil convidados chegariam em uma frota
de aviões.
Depois disso, Winter desligou e vomitou todos os seus nervos
no banheiro.
O pouco sono que ele teve desde então foi atormentado por
pesadelos com Artie. Ele se sentou sozinho com vista para um
oceano negro, as luzes do píer todas apagadas, e sentiu uma
silhueta escura sentada ao lado dele. Parecia Artie, mas por mais
que tentasse distinguir as feições da pessoa, não conseguia ver
nada. E embora não se lembrasse de ter tentado falar com a
silhueta em seus sonhos, acordou com a garganta rouca, como se
tivesse gritado a noite toda.
Agora ele suspirou, esfregando a têmpora, e olhou para a
paisagem urbana. Normalmente, ele se encontrava compondo à toa
durante os momentos de viagem de sua vida, mas hoje, fragmentos
de música entravam e saíam de sua mente, incapazes de congelar.
Nada disso parecia real. Talvez ele não tivesse realmente acordado.
Finalmente, uma hora depois, o carro entrou em uma entrada
com portão e parou nos fundos de um prédio.
Era o Claremont, no centro da cidade, um dos mais novos
hotéis de luxo em Saint Paul. Ele olhou para as colunas gregas que
emolduravam a entrada do prédio quando ele saiu, então de volta
para a rua principal além do portão de entrada pelo qual ele passou,
onde outros carros estavam parando e pegando passageiros na
frente do hotel.
Um jovem associado estava segurando a porta aberta para ele.
Um alfinete de ouro com o elaborado brasão do hotel brilhava na
lapela de sua jaqueta.
— Pegou algum trânsito, Sr. Young? — ela disse a ele
educadamente quando ele entrou.
— Acho que sim — ele respondeu, olhando interrogativamente
para ela. — Como você…
Ela bateu no relógio em seu pulso.
— O carro estava me enviando atualizações sobre sua
localização e as condições da estrada. Siga-me, Sr. Young. Não
queremos deixar sua equipe esperando.
Sua equipe. Apenas não a que ele estava acostumado.
Eles caminharam por um corredor sereno que se abria para o
átrio abobadado de uma sala de jantar sofisticada. Winter notou o
nome do restaurante esculpido no pilar mais próximo.

COMIDA PARA OS DEUSES

Além dele havia outro corredor que levava ao saguão principal do


hotel, onde ele podia ouvir o barulho abafado dos inocentes
hóspedes do hotel.
Esse átrio, porém, era um local do hotel ligeiramente separado
dos demais por uma corda de ouro, como se fosse para eventos
privados. Um candelabro maciço pendia de sua cabeça, iluminado
por feixes de luz que vinham das lascas curvas de vidro da cúpula.
Pilares de mármore revestiam as paredes e, entre eles, os painéis
eram cobertos com panoramas de cenas bucólicas europeias.
Mesas de jantar e cadeiras pontilhavam o espaço, cheio de um
punhado de convidados bem vestidos falando em voz baixa. O leve
aroma de açúcar e jasmim pairava no ar.
Winter piscou com a cena. Um convidado ocasional olhou para
ele, como se estivesse avaliando quem ele era – alguns até sorriram
– e então voltaram para suas conversas. Winter não conseguia se
lembrar da última vez que ele não causou alvoroço, nem mesmo
quando foi ao supermercado. Teve a incômoda sensação de estar
desamarrado, de ter entrado em outra dimensão sem ninguém para
se apoiar a não ser ele mesmo. Sua mão mexeu inconscientemente
em uma pulseira de couro em seu pulso.
— Por aqui, Sr. Young — disse o associado, conduzindo-o por
outro corredor que se ramificava do átrio. — Você tem um quarto
privado.
No final do corredor havia um detector de metais e um oficial de
segurança. O policial passou os dois pelo posto de controle –
escaneando suas pulseiras e jóias, verificações de identidade, uma
série de perguntas básicas – e então o associado o guiou por uma
ramificação do corredor até chegarem a um pequeno elevador. O
painel ao lado parecia escanear seus rostos. A porta do elevador se
abriu com um ruído agradável.
O associado estendeu a mão novamente para Winter.
— Depois de você — ela disse.
— Panaceia está localizada dentro de um restaurante de hotel?
— ele perguntou a ela quando as portas se fecharam.
— Um restaurante com estrela Michelin — ela corrigiu, como se
estivesse um pouco ofendida. Ela cruzou as mãos atrás das costas.
— Às vezes, os melhores segredos são mantidos à vista, Sr. Young.
A propósito, seu telefone não funcionará aqui. Somente
equipamentos da agência. Não são permitidos rastreadores de
localização. Desculpe.
Quando o elevador se abriu novamente, eles saíram em um
corredor idêntico – exceto que desta vez, o associado fez uma curva
abrupta e empurrou por um conjunto de portas duplas.
— Por aqui — ela disse.
Eles se dirigiram para uma cozinha operando em plena
capacidade. O aroma de manteiga e alho assado invadiu os
sentidos de Winter. Trabalhadores de avental branco e chapéus
altos passavam apressados por ele – ocasionalmente eles faziam
contato visual e ele ouvia seu nome ondular no ar.
Eles viraram em um corredor na cozinha e se depararam com
uma parede repleta de geladeiras enormes. O associado abriu a
porta da segunda geladeira.
Então ela entrou.
Winter congelou. Através da porta da geladeira havia um longo
corredor, onde o sócio havia parado para esperá-lo.
— Siga-me, por favor — ela disse educadamente, como se isso
fosse perfeitamente normal.
Talvez não tivesse importado se Winter tivesse dito a Claire para
onde ele estava indo, ela não teria acreditado nele de qualquer
maneira. Ele entrou hesitantemente. A geladeira se fechou atrás
dele.
No final do corredor havia outra porta, onde o associado digitou
um código para revelar um longo e luxuoso corredor semelhante ao
primeiro em que entraram, preenchido com o que pareciam ser
portas de carvalho polido, cada uma delas com uma placa de latão.
aldrava em forma de brasão do hotel.
Por fim, o associado parou diante de uma das portas. Ela bateu
uma vez com a aldrava, o som estranhamente metálico. Só então
Winter percebeu que a porta não era de madeira, mas sim de aço
maciço. A porta destrancou com um clique e ela conduziu os dois
para dentro.
— Ele está aqui — ela disse, então saiu do quarto, fechando a
porta atrás dela.
Parecia a sala de jantar privada de um restaurante chique, com
seu próprio candelabro pendurado no teto alto e colunas de
mármore semelhantes revestindo as paredes.
Sem janelas.
Winter viu três pessoas sentadas no interior diante de refeições
elegantemente preparadas. Dois deles eram Niall e Sauda, os
agentes que o apanharam no carro à porta do estádio. Hoje Niall
usava um elegante terno azul profundo que lutava para conter seu
corpo grande e corpulento, suas sobrancelhas intensas e barba
aparada com perfeição, enquanto Sauda estava vestida de hijab a
sapatos em um lindo verde pálido. Suas cores se destacavam
contra os tons de cinza da sala. Ambos usavam o mesmo broche de
ouro em suas roupas que o atendente.
— Olá — Niall resmungou, tão mal-humorado como sempre.
— O logotipo do hotel é o da Panaceia? — Winter perguntou,
seus olhos ainda nos alfinetes.
— O que você quer dizer? — Sauda disse com um sorriso. —
Somos apenas funcionários do hotel.
Winter bufou. Ao observar a sala novamente, percebeu que por
trás da fachada do restaurante havia alguma tecnologia incomum.
As paredes foram equipadas, do chão ao teto, com telas. Enquanto
ele estava lá, pedaços de texto surgiram na tela mais próxima a ele,
soletrando seu nome e perfil.

Winter Young
19 anos de idade
Local de nascimento: Los Angeles, CA, EUA
Etnia: Sino-Americano

A mensagem continuou, exibindo tudo, desde seu endereço


residencial até seu número de CPF, desde o restaurante que ele
mais frequentava até o último número de telefone que discou. Seus
pelos cresceram.
Sauda acenou com a cabeça para as telas.
— Avalon, a IA amigável do nosso QG, gosta de analisar os
dados de todos os recém-chegados ao prédio. Mas não se
preocupe. Nenhuma dessas informações é nova para nós.
Enquanto Winter se debatia se isso o fazia se sentir melhor ou
pior, o texto nas telas desapareceu, substituído por uma única linha.

Bom dia, Winter Young! Bem-vindo à Panacéia.

— E se Avalon se rebelar? — Winter disse antes de olhar para


os agentes.
— Você assistiu muitos filmes. Sente-se — disse Sauda,
apontando para a cadeira vazia da mesa.
O estômago de Winter roncou em resposta. Ele sentou-se
hesitante em frente a uma panela de bambu com bao, um pratinho
com ovos reluzentes e uma tigela de mingau quente, a superfície
ainda borbulhando suavemente como se tivesse acabado de sair da
cozinha.
— Meu brunch favorito? — ele disse, olhando de volta para
Sauda. O quanto eles sabiam sobre ele?
— Que coincidência. — Sauda sorriu, então olhou para a
terceira pessoa silenciosa sentada ao lado dela. — Eu gostaria de
apresentá-lo a Sydney Cossette. Ela será sua guarda-costas.
Ele voltou sua atenção para ela.
Então este era o Chacal, o agente da Panaceia que eles
estavam enviando com ele. Ela era uma garota pálida com cabelos
loiros e ondulados que parecia ter a idade dele, vestida com jeans
pretos e uma jaqueta preta com um broche de alfinete, os braços
cruzados sobre o peito.
À primeira vista, ela parecia alguém que provavelmente era
mais velha do que sua aparência. Na verdade, se não estivessem
todos sentados no quartel-general da Panaceia, ele pensaria que
ela era uma de suas ex-colegas. Ele teria pensado duas vezes
porque ela tinha aquele tipo de rosto: pequeno e em forma de
coração, quase inocentemente bonito se não fosse por seus olhos.
Aqueles olhos eram o que o fazia hesitar: azul escuro e frio como
pedra, taciturnos sob um par de sobrancelhas cheias e franzidas
que dariam a Niall uma corrida pelo seu dinheiro. Havia um mundo
inteiro ali – segredos, conhecimentos e opiniões que ele não
conhecia e tinha um pouco de medo de perguntar. Por cinco anos
ele passou na frente de multidões em todo o mundo, e ainda assim,
de alguma forma, o olhar dela o enervou. Ela o notou de uma forma
que ele não estava acostumado, como se estivesse memorizando
metodicamente tudo sobre ele, como se ele fosse menos uma
pessoa e mais uma pilha de dados.
— Você parece diferente pessoalmente — ela disse a ele em
saudação, sua voz ligeiramente rouca e mais profunda do que ele
esperava.
— Prazer em conhecê-la também — ele respondeu secamente.
— Há quanto tempo você está no Grupo Panaceia?
— Tempo suficiente para chegar na hora — ela respondeu.
— Desculpe — Winter murmurou sarcasticamente, irritada por
suas palavras doerem. — Eu me perdi no túnel da geladeira.
Sydney se virou para olhar para Niall.
— Você está certo — ela disse com um rosto completamente
inexpressivo. — Ele é divertido.
— Seja educada, Sydney, e coma seu risoto — Niall advertiu,
franzindo as sobrancelhas. Ele olhou para seu parceiro. — Vá em
frente, Sauda.
— Você está atualmente dentro de uma sala de informações
segura — Sauda disse a ele. — Chamamos isso de SIS. Isso
significa que nenhuma informação revelada aqui entra ou sai desta
sala sem autorização especial. As paredes são projetadas para
impedir a transmissão de quaisquer sinais fora dos aprovados nos
equipamentos de nossa agência. Até o seu brunch de hoje é
informação confidencial. Portanto, não fale sobre nosso mingau para
a sua empresária.
Winter estudou seu rosto.
— E se eu tivesse dito não? — ele perguntou.
— Para contar a sua empresária sobre nosso mingau?
— Ao seu pedido no carro. — Ele franziu a testa. — Você me
disse muita coisa lá sem qualquer garantia de que eu trabalharia
com você.
Ela sorriu um pouco.
— Estivemos estudando você um pouco mais do que naquela
noite. Meses, na verdade. Temos reunido informações sobre você,
sua equipe, sua música e suas crenças. O que importa para você.
Assumimos riscos, Sr. Young, mas calculados, e quando o
expulsamos naquele carro, sabíamos que estávamos entrando em
sua vida durante um período em que você a questionava. Faz de
você um ativo potencial ideal. Avalon calculou a chance de seu
recrutamento bem-sucedido em noventa e três por cento.
Winter abriu um pouco a boca, depois a fechou. Sua cabeça
zumbia com o número. Eles o haviam psicanalisado por meses.
— E quão precisos são os cálculos de Avalon? — ele finalmente
disse. Por capricho, ele olhou por cima do ombro para as paredes.
— Avalon, eu sou bonito?
Um segundo depois, o texto apareceu na parede.

Com base nos dados disponíveis de menções online, o atributo


fofura é de 89%.
Winter lançou a Sauda um olhar ofendido.
— Está quebrado.
Sauda largou o garfo e disse:
— Avalon, diminua as luzes e carregue a missão.
A sala escureceu. Ao fazê-lo, Niall bateu na mesa e fez um
movimento para cima. Duas fotografias se materializaram sobre
seus pratos, deslizando para cima com seu movimento para pairar
no ar acima da mesa.
Uma foto mostrava uma garota da idade de Winter, com o
cabelo preso no alto da cabeça, os olhos arregalados e de corça, a
expressão séria e um pouco perdida. A segunda retratava um
homem de sessenta e tantos anos, alguém que era claramente o pai
dela, usando um par de óculos redondos e uma expressão que nada
tinha da inocência de sua filha – ele parecia polido e astuto, um
homem de negócios com o tipo de carisma que avisava que ele não
devia ser provocado.
— Eli Morrison está na nossa lista há anos — explicou Niall. —
Na superfície, ele é o magnata de um legítimo império marítimo que
o tornou um bilionário muitas vezes. Na realidade, seus negócios
jurídicos estão endividados e ele fez a maior parte de sua fortuna
sendo um importante remetente para traficantes de drogas,
traficantes de armas ilegais, caçadores furtivos, traficantes de
pessoas... Você escolhe, ele despacha. Ele tem uma complexa rede
de laços na política e na polícia que lhe garante uma passagem
segura pelos principais portos. Isso tornou difícil para nós identificá-
lo.
Niall tirou as duas fotos e mostrou alguns novos hologramas de
condenações judiciais anteriores.
— Alguns anos atrás, a CIA conseguiu prendê-lo por acusações
de fraude, mas ele conseguiu um acordo judicial que lhe deu apenas
um ano de liberdade condicional e nenhuma pena de prisão. Então
a CIA nos contatou. Precisamos de provas mais fortes contra ele
para fazer uma condenação melhor, o tipo de prova que envolve
muita burocracia para a CIA.
Sauda fez uma careta.
— Em outras palavras, o tipo de evidência para a qual a CIA
tem escrúpulos. São necessárias muitas camadas de aprovação.
Enquanto Sauda falava, Sydney se mexeu. Os olhos de Winter
dispararam para ela enquanto ela inspirava silenciosa e sutilmente
pelo nariz e depois expirava lenta e uniformemente pelos lábios.
— Então — disse Sydney. — O que precisamos encontrar?
— Só uma coisa. — Niall cruzou os braços contra a mesa. —
Evidências do último livro de remessas de Eli Morrison.
Winter podia sentir o nó em seu estômago apertar.
— E para que serve esse livro-caixa? — ele perguntou.
— Do envio de um suprimento maciço de material químico ilegal
de um fornecedor corporativo em Corcasia para a Cidade do Cabo,
África do Sul. — Sauda bateu no ar e as condenações do tribunal
desapareceram para dar lugar a um mapa da Europa Oriental,
destacando o país entre a Estônia e a Rússia.
Niall suspirou.
— Não apenas qualquer material para armas ilegais — disse
ele. — Você já viu imagens de como a bomba atômica caiu sobre
Hiroshima e Nagasaki realmente parecia?
Winter não havia visto. Ele se lembrou de um documentário a
que assistiu na escola que mostrava as explosões de uma bomba
nuclear em um local de teste nos Estados Unidos, a maneira como
as árvores se curvavam para o lado enquanto a explosão engolfava
o mundo ao seu redor. Alguns de seus colegas até riram da visão,
parecia tão avassaladora.
— Existe uma nova substância química desenvolvida em
laboratório chamada Paramecium — explicou Niall —, que
chamamos de resposta da guerra química à bomba atômica. A
célula terrorista de Corcasia tem trabalhado com uma célula irmã na
Suíça para fabricá-la, e eles estão contando com o império de
transporte de Morrison para enviar quilos dela para experimentação
humana. Detonar uma bomba Paramecium no centro de uma cidade
pode matar centenas de milhares de pessoas, qualquer um que
respirar um traço dela.
Suas palavras encontraram o silêncio de uma sala tensa.
— Em outras palavras — ele disse suavemente —, estamos
prestes a prevenir uma nova guerra mundial.
Winter teve a estranha sensação de que não estava mais dentro
de seu corpo, mas observando a si mesmo fora dele, que não era
um briefing para alguma apresentação futura, mas um aviso do que,
exatamente, ele estava prestes a fazer. Como se tivesse
mergulhado o pé em água fria o suficiente para matar.
Em frente a ele, Sydney respirou calmamente novamente e
exalou lentamente pelos lábios, um gesto sutil o suficiente para que
ninguém mais parecesse notar.
— Sabemos que Morrison já começou a embarcar esses
materiais escondidos a bordo de um de seus maiores cargueiros. —
Continuou Sauda. — Ele tem aliados no Canal de Kiel que
aparentemente permitiram que o carregamento passasse para
Londres. — Ela fez uma pausa para tocar no mapa, primeiro em um
canal na Alemanha que liga os mares do Norte e Báltico, e depois
no estreito entre a Espanha e o Marrocos. — Precisamos interceptá-
lo antes que chegue ao porto de Gibraltar, onde será transferido
para outro navio para ajudar a apagar seus rastros. Mas precisamos
de mandados, e não podemos conseguir esses mandados sem
provas deste contrato.
— Então tudo o que precisamos fazer é obter algum tipo de
livro-caixa? — Sidney perguntou. — Será que ele acompanha seus
embarques e contratos?
Niall assentiu.
— Como você pode imaginar, muitos são acordos de aperto de
mão. Acordos verbais. Mas, como qualquer pessoa que administra
uma corporação de bilhões de dólares, Morrison precisa de uma
contabilidade adequada. Acreditamos que qualquer informação
relacionada a suas transações comerciais ilegais é mantida
estritamente offline e em uma série de unidades que ele armazena
em um local em Londres.
— Então, precisamos dessas unidades — disse Sydney.
— Precisamos dessas unidades — Sauda repetiu com um
aceno de cabeça.
Sydney ergueu uma sobrancelha.
— Que coincidência a festa de aniversário da filha dele
acontecer na mesma hora.
Sauda apontou brevemente para ela.
— Uma estrelinha dourada para você — disse ela. — Morrison
estará recebendo seus clientes em Londres em breve, quando a
remessa sair, e para disfarçar essas reuniões, ele está dando a
maior festança do mundo para sua filha ao mesmo tempo. Haverá
chefes de estado presentes, juntamente com outras celebridades e
a elite rica. Não há razão para suspeitar que qualquer uma daquelas
pessoas que apareceram em Londres naquela semana não estavam
lá paraparabenizar sua filha. É um grande disfarce para um negócio
importante.
— Ainda bem que minha agenda estava aberta — murmurou
Winter.
— Sorte dele — respondeu Sydney.
Winter franziu o cenho para ela.
— Para você, eu cobraria mais.
— Você presumiu que eu a contrataria.
— Se você pudesse pagar.
— Chega — Niall resmungou, e ambos pararam. — Guarde
suas brigas para o trabalho.
— Como vamos chegar até esses livros? — Winter perguntou.
— Eu estou supondo que eles não vão vir até nós.
— A filha de Eli — Niall respondeu. Ele arrancou o mapa e o
substituiu por uma nova foto da mesma garota de antes, uma foto
com a lente de um telescópio dela parada do lado de fora de uma
loja em Paris, rindo com algumas amigas. — Penelope Morrison —
disse ele.
— Apesar de sua reputação desagradável — explicou Sauda —,
Penelope confirma nossas análises. Ela não está envolvida nos
negócios dele e tem uma vida tão normal quanto uma herdeira
bilionária pode ter. Eli parece genuinamente adorá-la, talvez em
parte devido à tristeza pela morte de sua esposa por uma doença
terminal há algum tempo.
Com isso, Sydney desviou o olhar.
— Monstro tem coração? — ela disse friamente.
— Tão pequeno que você vai perder se piscar — Sauda
respondeu com um aceno de cabeça. — Mas ele é genuinamente
protetor com a filha, relutante em misturá-la com sua política suja e
a mantém limpa.
— Penelope Morrison é a única pessoa no mundo em quem Eli
confia — acrescentou Niall. — Isso significa que se alguém puder
nos aproximar o suficiente do mundo de seu pai para incriminá-lo,
será ela.
— De que serve ela se não está envolvida nos negócios dele?
— Sidney perguntou.
Sauda sorriu.
— Não totalmente sem envolvimento.
Ela trouxe uma terceira foto, desta vez de um jovem com rosto
estreito e barba rala, olhos penetrantes e cautelosos por trás de um
par de óculos escuros.
— Este é Connor Doherty, que se reporta diretamente a Eli
Morrison. Aparentemente, ele é um jovem consultor financeiro que
ajuda a administrar o fundo fiduciário de Penelope. Na verdade, ele
está encarregado de rastrear o dinheiro sujo de Eli e limpá-lo. Ele
garante que os pagamentos cheguem no prazo e nos valores
corretos e, em seguida, sejam transferidos para os bancos como
dinheiro legítimo, sem deixar rastros.
— Penelope teve um tipo de tensão com o pai ultimamente —
acrescentou Niall. — Achamos que tem a ver com o quão
sufocantemente Eli a protege. Então, parte de sua rebelião
silenciosa contra o pai é um caso secreto que ela mantém com
Connor, alguém por quem ela parece ter uma queda há algum
tempo.
Sydney soltou um assobio baixo.
— Romance escandaloso na Casa Morrison. Eu gosto desta
menina.
— Connor é uma figura misteriosa para nós e é quase
impossível nos aproximarmos. Raramente o vemos fotografado em
qualquer uma das reuniões ou eventos de negócios de Eli. Mesmo
os outros associados de Eli não o conhecem bem, e ele é bastante
intencional em mantê-los à distância. Mas por causa de sua
administração dos fundos de Penelope, e seu caso, ele pode
ocasionalmente ser encontrado com ela. Ele definitivamente estará
presente na festa dela.
— Como ela é? — Sidney perguntou.
— Não sabemos muito. — Sauda acenou com a cabeça para
Winter. — Mas sabemos de um interesse que ela tem.
— Pintura? — Winter sugeriu ironicamente.
— Mau gosto musical? — Sidney respondeu.
Winter sentiu o calor subindo pelo rosto e abriu a boca para
argumentar.
Sauda franziu a testa para Sydney, que apenas levantou as
mãos em falsa inocência. Então a mulher voltou sua atenção para
Winter.
— Winter, Penelope assistiu a mais da metade dos shows que
você deu nos últimos dois anos. Ela esteve na platéia durante
algumas de suas entrevistas, comprou duas de suas velhas roupas
de palco em leilões de caridade, cada uma delas com preços acima
de duzentos mil dólares, e ela até o conheceu uma vez em um
evento VIP nos bastidores para um punhado de seus fãs. Você
provavelmente não se lembra dela, ela é muito tímida e discreta.
Ele engoliu em seco, sua mente voltando automaticamente
através das centenas de encontros e cumprimentos que ele tinha
feito antes, tentando se lembrar do rosto dela.
— Fã de verdade — ele murmurou.
Sauda assentiu.
— Suspeito que você seja uma fuga para ela e para o mundo
opressivo que seu pai construiu ao seu redor. Agora, como Eli,
Connor Doherty é um homem possessivo. Ele valoriza as coisas
bonitas que possui, e uma dessas coisas bonitas no momento é
Penelope. Ele está bem ciente de seu enorme carinho por você,
entretanto, e imagino que não será difícil para ele ser atraído se
Penelope estiver pendurada em seu braço durante a festa.
O perigo dessa armação provocou um arrepio na espinha de
Winter.
— Você quer que eu a seduza?
Sauda deu de ombros.
— Não importa para nós. Seja um paquerador, seja um
confidente, seja o que você precisar ser. Se certifique de deixar
Connor com ciúmes o suficiente para querer conhecê-lo, e não tanto
que ele o exclua.
A atenção de Winter se voltou para a foto de Connor Doherty
pairando ao lado da de Penelope. Se havia algo em que ele era bom
fora da música e da performance, era saber quanto charme ele
precisava usar para obter os resultados específicos que desejava.
Ele nunca esperava usá-lo para espionagem.
— Sim, claro — ele murmurou. — Mel na chupeta.
Sauda assentiu.
— Excelente. Se conseguirmos chegar perto o suficiente para
plantar algo em Connor, acredito que Sydney pode roubar as
evidências de que precisamos.
— Não quero criticar nenhuma parte disso — interveio Sydney
—, mas tenho sérias dúvidas sobre se Winter pode ou não manter
nosso disfarce.
— Isso soa muito como uma crítica para mim — disse Winter.
Ela olhou para ele. — Você nem sabia o que era uma CNC.
Winter estendeu a mão para Sauda.
— Você disse a ela que eu não sabia?
— Bem, ele sabe agora — disse Sauda, lançando um olhar
severo para Sydney antes de se voltar para Winter. — Nós vamos
preparar você. Mas a melhor parte do seu disfarce, Sr. Young, é que
não é realmente um disfarce. Seu disfarce é você. Então seja você
mesmo.
Seu olhar voltou para Sydney. Os olhos dela se afastaram dos
dele, e tudo em sua linguagem corporal lhe dizia que ela faria tudo
ao seu alcance para evitá-lo, a menos que fosse necessário que
eles cooperassem.
Não haveria conversa fiada com ela.
Tudo bem. Winter apertou os lábios e também manteve o foco
em Sauda. Ele não estava se juntando ao Grupo Panaceia para esta
missão para fazer novos amigos, de qualquer maneira. No final,
quando eles terminassem, eles nunca precisariam se ver
novamente.
— Estamos todos na mesma página? — Niall perguntou, seus
olhos se fixando em cada um deles. Quando ninguém acrescentou
nada, ele acenou com a cabeça e desligou o holograma. A foto de
Penelope desapareceu, deixando o meio da mesa vazio. —
Excelente. — Ele enfiou as mãos nos bolsos e deu a Winter e
Sydney um sorriso tenso. — E se conheçam. Gostaríamos que você
desse a impressão de que vocês dois se dão bem, ou pelo menos
que são educados.
— Isso é o mais otimista que já ouvi de você, Niall — disse
Sauda.
— Eu só estou fazendo isso por você — respondeu Niall.
Sauda pôs a mão no coração.
— Lisonjeada, como sempre.
Niall apenas grunhiu.
— Otimismo é meu poder oculto.
Otimismo é meu poder oculto.
A frase familiar sacudiu Winter como um raio. De repente, ele
viu um flashback diante dele de Artie recostado no sofá em sua
antiga casa, provocando Winter enquanto rabiscava trechos de
letras em um caderno.
O flashback desapareceu e Winter se viu olhando novamente
para Niall. Sua cabeça girava.
— Espere — disse ele, levantando a mão. — Porque você disse
isso?
— Disse o que? — Niall perguntou.
— Otimismo é meu poder oculto. — Ele olhou para Sauda,
depois de volta para Niall. — Meu irmão costumava dizer isso o
tempo todo. Por que você está dizendo isso?
Niall e Sauda trocaram um olhar conhecedor.
Os olhos de Winter tornaram-se solenes e frios.
— Eu assinei sua papelada e ouvi você — ele sussurrou. —
Então eu acho que é hora de você me contar a verdade.
Sauda entrelaçou os dedos sobre a mesa e lançou-lhe um olhar
firme.
— Recrutamos seu irmão um mês depois que ele se juntou à
Corporação Paz — disse ela. — Ele trabalhou para nós. Ele era um
agente da Panaceia.
5

Todo o mundo é um palco secreto

Winter deveria saber.


Deveria ter adivinhado durante sua primeira conversa com
Sauda e Niall.
Mas quem diabos assumiria automaticamente que seu falecido
irmão era um agente secreto?
Todas aquelas missões. Todas aquelas vezes que seu irmão
havia saído por semanas, depois voltava e lhe contava histórias
elaboradamente detalhadas sobre o que ele fazia. Mentiras.
Não, não mentiras. Ele havia trabalhado para o Corporação
Paz. Só não era toda a verdade.
Artie alguma vez se sentou no banco de trás de um carro e
ouviu, incrédulo, Sauda fazendo-lhe uma oferta? Ele havia recusado
e depois concordado? Como ele realmente morreu?
— Você está bem?
Winter olhou através de seus pensamentos nadadores para
encontrar a carranca de Sydney.
— Se você precisar de algum tempo para processar isso —
disse Sauda —, podemos reagendar o restante da reunião de hoje.
— Não. — Winter fechou os olhos com força. — Sim. Quer
dizer... não sei.
— Uma família notável — disse Niall.
— Sua mãe não sabe — Sauda continuou, sua voz mais suave
agora. — Ela ainda não sabe. Vou ordenar que continue assim.
— Eu não tenho muita escolha, tenho? — Winter estalou. Não
adiantava ficar com raiva de Sauda, mas ele não conseguia evitar a
fúria que corria em suas veias. Como ele poderia imaginar dizer algo
assim para sua mãe?
Sauda apenas desviou o olhar friamente e se levantou.
— Você está pronto para o resto da reunião, Sr. Young, ou
devemos adiar?
— Sauda — Niall disse calmamente.
— O que? — Ela ergueu o queixo para o homem. — Adiar o
inevitável?
— O menino vai demorar um pouco para digerir isso. — Niall
olhou para Winter. — Talvez devêssemos dar-lhe um pouco de
espaço.
— Não — Winter deixou escapar, e todos eles se viraram para
olhar para ele.
— Não — ele repetiu com mais firmeza. — Não preciso de
tempo e não preciso que você me dê espaço para processar
qualquer coisa. Eu preciso de informações. Eu preciso que você me
conte tudo. O que ele fez por você? Para onde você o mandou? —
Sua voz ficou calma, o peso em seu coração esbofeteado por uma
corrente de raiva. — Como ele morreu?
O sorriso que Sauda lhe deu agora era triste, como se ela
sempre tivesse sabido que a ligação dele com Artie seria a sua
porta de entrada, que de alguma forma ele estava destinado a estar
aqui. Ela suspirou e se levantou. — Você quer saber a verdade? —
Ela acenou com a cabeça em direção à porta.
— Sim — respondeu Winter.
Ela abriu a porta e deu a ele um olhar de soslaio.
— Então siga-nos.

Winter sentiu como se estivesse caminhando em um sonho. Seu


corpo balançou ligeiramente enquanto seguia os outros pelo
corredor até chegarem a um segundo elevador. Ao contrário do
primeiro, este tinha portas de vidro transparente. Quando eles
entraram, as portas se fecharam e o texto se materializou sobre eles
como as telas na sala do escritório.
Para onde?

— Design Experimental — disse Niall.


A mensagem desapareceu e o elevador começou a descer.
— Subterrâneo? — Winter perguntou.
— Só um pouquinho — respondeu Sauda.
Eles viajaram em silêncio por um minuto antes de ele finalmente
dizer:
— Um pouquinho quanto?
— Cerca de meio quilômetro — Sauda acenou com a cabeça
para ele. — Pronto para uma introdução oficial ao seu novo
trabalho?
Winter ainda estava tentando descobrir como responder a ela
quando o poço escuro do lado de fora do elevador deu lugar a um
andar que se estendia até onde a vista alcançava.
Winter olhou através das portas de vidro para um lugar que
parecia impossível.
— Puta merda — ele sussurrou.
A sala era circular e tinha pelo menos vários andares de altura,
projetada em estilo semelhante ao luxuoso hotel neoclássico acima
do solo. Pilares decoravam o espaço, e entre eles havia enormes
arcos de pedra, cada um deles conduzindo a corredores.
Um dos corredores em arco estava cheio de aviões comerciais
estacionados, outro de caças. Outro tinha filas de carros. Outros
corredores tinham vidro transparente, as portas ocasionalmente
abrindo e fechando para permitir a passagem de trabalhadores
vestidos com macacões e capacetes azul-cobalto. Cada um dos
corredores tinha seu teto arqueado pintado de uma cor distinta.
Winter engoliu em seco e, quando voltou a falar, sua voz soou
rouca.
— Artie trabalhou aqui?
Niall assentiu.
— Parado quase exatamente onde você está agora, a primeira
vez que ele desceu este elevador.
Era como se Winter pudesse sentir o fantasma de seu irmão ali,
mais alto, mais velho e mais sábio, com as mãos nos bolsos e os
olhos fixos na cena à sua frente. Ele ficou boquiaberto como Winter
fez agora? Ele levou tudo na esportiva? Ele fez uma piada?
Como isso pode ser real?
Winter olhou para Sydney. Ela estava encostada no fundo do
elevador, inconscientemente estalando os nós dos dedos, sua
expressão quase entediada. Enquanto ele olhava, ela respirou sutil
e calmamente antes de exalar lentamente pela boca.
Esta foi a terceira vez que ele a viu fazer isso. Winter notou isso
em silêncio, depois desviou o olhar.
— O Grupo Panaceia está ativo desde a Guerra Revolucionária
dos Estados Unidos — explicou Sauda. — Após a assinatura da
Declaração de Independência, nossa fundadora, Charlotte May
Hughes, viúva e herdeira da fortuna da família Hughes, achou
necessário criar uma agência secreta não dependente do governo,
rica e independente o suficiente para operar em seus próprios
termos. Ao longo dos séculos, nossos agentes estiveram envolvidos
em tudo, desde proteger a Ferrovia Subterrânea até espionar a
Confederação durante a Guerra Civil, lutar contra a máfia americana
durante a Lei Seca e realizar missões contra os nazistas durante a
Segunda Guerra Mundial. Às vezes, fazemos parceria com a CIA e
outras agências ao redor do mundo, mas nem sempre. — Ela
cruzou os braços. — Sra. Hughes queria que sempre tivéssemos o
poder de escolher o que é certo sobre o que é diplomático. Esse é o
credo que nos esforçamos para honrar aqui.
Ela se virou para acenar para a enorme câmara.
— Nossa localização atual foi originalmente planejada para uma
série de minas de ferro que foram abandonadas no século XIX. Em
seguida, houve planos para convertê-lo em um laboratório colisor de
partículas. O laboratório finalmente decidiu mover sua localização
mais para o fundo do deserto, e o Claremont Hotel foi construído
neste espaço. Então compramos o hotel e equipamos este espaço
subterrâneo para as nossas necessidades. Subterrâneo, protegido
de olhos curiosos, bom para experimentar versões em pequena
escala de novas armas, bom para manter segredos guardados. Bom
para manter as pessoas fora de nossa propriedade também, e
também bom para não ser notícia por escavar um novo lugar
misterioso.
— E o que, exatamente, é isso? — Winter perguntou.
— Onde mantemos e testamos todo o equipamento que você e
o resto de nossos agentes usam — Niall respondeu quando o
elevador finalmente parou. — Armas, disfarces, telefones
personalizados e dispositivos de escuta. Diga o nome, nós temos.
Muitos dos andares acima deste espaço são dedicados à pesquisa.
Você passará seu tempo aqui e no andar de baixo.
— Tem mais?
Sydney assentiu e falou pela primeira vez desde que entrou no
elevador.
— O andar de treinamento está abaixo de nós — ela disse a
ele. — Todos nós temos que praticar em algum lugar.
Artie esteve aqui. Ele trabalhou aqui, vagou por este mundo
secreto.
Seu olhar finalmente voltou para Niall.
— Qual era o trabalho de Artie?
— Ele começou como analista júnior — respondeu o homem
quando as portas se abriram e Sauda os guiou para fora. —
Estagiou para mim por seis meses, quebrando códigos e
interceptando mensagens. Mas seu trabalho no Corporação Paz,
que se tornou seu disfarce, o tornou mais ideal para a colocação
como um agente de campo.
— Então, um espião de verdade.
Ele assentiu gravemente.
— Um bom.
Havia uma dor silenciosa em sua voz. Winter sentiu um nó se
alojar de repente em sua garganta. Todas aquelas vezes que ele
saiu correndo de casa para se despedir de Artie enquanto dirigia
para o aeroporto em alguma missão do Corporação Paz ou outra,
ele realmente estava se despedindo de um agente secreto que se
dirigia para algumas das situações mais perigosas do mundo. E, no
entanto, toda vez que Artie voltava, trazia presentes para mamãe e
lembrancinhas para Winter, contava histórias animadas durante o
jantar sobre suas supostas aventuras, como se tudo estivesse
normal. Às vezes, Winter o pegava agindo de maneira
estranhamente quieta, mas ele sempre achava que era porque o
trabalho do Corporação Paz podia pesar no coração.
O que Artie realmente suportou sozinho?
Ele seguiu os outros entorpecidamente quando eles viraram em
um dos salões em arco, este cheio de filas de carros. Ele conseguiu
identificar algumas de suas marcas – Mercedes, Porsches,
McLarens, Bugattis. Ensanduichado entre eram carros de todas as
marcas e modelos, de supercarros a minúsculos carros inteligentes
e carros que poderiam estar na garagem de uma família comum.
— Eles podem parecer veículos que você conhece — Sauda
disse a ele —, mas não são. Nenhum desses modelos existe no
mundo acima. — Ela parou na frente de um Mazda cor de titânio e
bateu palmas duas vezes.
Em vez de abrir como Winter esperava, as portas do Mazda
deslizaram para o lado e o interior do sedã se transformou em um
espaço plano com as cadeiras dobradas para trás, com um
compartimento secreto sob o piso.
— Para transportar pessoas feridas — ela disse — e cuidar de
seus ferimentos em trânsito sem a atenção e publicidade de uma
ambulância. Ou para contrabandear informantes e refugiados de
alto risco. — Ela bateu palmas três vezes e quatro triângulos de
metal afiados se estenderam da parte inferior do veículo. — Para
cortar as rodas de qualquer carro que possa estar incomodando
você.
Então ela bateu palmas de novo – e toda a carroceria do carro
se mexeu, as rodas sugando sob a estrutura e novas placas de aço
descendo para selar todo o fundo com metal.
— Para caso você precisar mudar de marcha para, literalmente,
viagens aquáticas.
Winter já tinha visto sua cota de carros incomuns antes, mas se
viu olhando sem palavras para o sedã transformado.
Ao lado dele, Sydney soltou um assobio baixo.
— Temos um desses para nossa missão? — ela perguntou.
Sauda bateu palmas uma última vez, e o carro se recompôs até
parecer mais um carro de família.
— Não dessa vez. Talvez algum dia.
Eles saíram do corredor dos carros e seguiram em frente,
pisando em um transportador que os elevou a um nível mais alto de
arcos. Aqui, ela os conduziu para outro corredor, este com uma
entrada selada por uma parede de vidro. Ela encostou a palma da
mão no vidro e ele se abriu sem fazer barulho, abrindo-se para uma
série de cubículos contíguos. A porta se fechou atrás deles com um
silêncio e, de repente, a agitação do andar principal cessou. Winter
estremeceu quando ele olhou para o teto da arcada abobadada.
Ambos sentiram reconfortante estar neste espaço selado – e um
pouco como se ele tivesse acabado de entrar em uma catacumba.
Eles pararam diante de uma fileira de pódios, cada um deles
sustentando vitrines de vidro. Seu olhar fixou-se na primeira caixa.
Levou um momento para perceber o que ele estava olhando.
— Esses são meus brincos — disse ele.
— Não são — Niall respondeu rispidamente. — Eles apenas se
parecem com eles.
Winter voltou a olhar para a caixa, incrédulo. Os brincos eram
uma réplica exata de um par que Claire havia presenteado a ele
anos atrás – tinha até o leve arranhão na armação de prata da
esquerda.
Ele olhou severamente para Sauda.
— Por que?
Sauda bateu na lateral da caixa de vidro, com cuidado para
pressionar sua impressão digital contra a superfície. Os painéis de
vidro dobrados para trás como uma flor desabrochando para revelar
as jóias dentro.
— Vá em frente — disse ela, acenando para ele. — Eles são
para você.
Winter cuidadosamente pegou um dos brincos. Parecia
semelhante ao seu par, embora ele pudesse dizer que era
ligeiramente mais pesado que o seu.
— Suas jóias são, é claro, algumas das mais extraordinárias do
mundo — Sauda continuou —, mas acho que nossa versão é um
pouco... mais sofisticada.
Winter franziu o cenho para os brincos.
— Se eu quisesse jóias mais sofisticadas, teria apenas
chamado meu estilista.
Sauda pegou o telefone e digitou na tela. Imediatamente,
repetiu as palavras de Winter, sua voz clara e inconfundível.
— Se eu quisesse jóias mais sofisticadas, teria apenas
chamado meu estilista.
Sydney sorriu com a expressão de Winter e, por um momento,
seu comportamento hostil e sarcástico deu lugar a algo que parecia
prazer. Ele notou que suas mãos ainda estavam inquietas, seus
polegares pressionando contra as juntas de seus dedos como se ela
não soubesse o que fazer com eles de outra forma.
— Boa qualidade de som, não é? — ela disse.
Winter encontrou-se olhando para seus profundos olhos azuis
com uma mistura de cautela e admiração. Ele não tinha acreditado
que ela era uma agente secreta até agora. Ela o encarou com
conhecimento de causa, a cabeça ligeiramente inclinada, de modo
que seu cabelo loiro caía suavemente na frente de uma bochecha.
De alguma forma, ele não conseguia imaginá-la tão chocada quanto
quando ela começou a trabalhar para a Panaceia.
Sauda assentiu.
— Embutidos na prata desses brincos estão os menores
gravadores de voz do mundo. Eles podem captar a maioria das
conversas ao seu redor em uma definição cristalina.
Winter desviou o olhar dos olhos azuis escuros de Sydney e
voltou-se para Sauda.
— Você está me dizendo que tem ferramentas de espionagem
como esta — disse ele —, mas ainda assim nunca conseguiu reunir
as evidências incriminatórias de que precisa para prender Eli
Morrison?
— Já está se convencendo a desistir do trabalho? — Sauda
respondeu.
— Uma coisa é ter um dispositivo de escuta elaborado — disse
Niall. — Outra coisa é chegar perto o suficiente para torná-lo útil. Eli
é cuidadoso com quem anda e com o que diz. Estamos sempre
tentando dar um passo à frente.
— E com isso — disse Sauda, caminhando para a segunda
caixa no cubículo —, aqui está o seu novo anel.
Winter se viu olhando para um dos anéis mais bonitos que já
tinha visto em sua vida. Era uma espiral do que parecia ser
diamantes negros terminando em uma bela pedra negra, toda
cravejada de cristais para parecer uma cobra.
Ele soltou um suspiro. Era exatamente o tipo de coisa que ele
gostava de usar, algo que combinasse com sua coleção de jóias.
— Eu não tenho um anel como este — disse ele.
— Claro que não — respondeu Sauda. — Nós mesmos
projetamos este.
Winter olhou para ela com ceticismo, então puxou a manga para
cima para revelar a tatuagem de cobra que enrolou em torno de seu
pulso esquerdo.
— Você tem feito coisas personalizadas para mim meses antes
do tempo? — ele perguntou.
— Você acha que somos amadores? — Sauda respondeu. —
Claro que temos. — Ela olhou para Niall, e um tom de admiração
entrou em sua voz. — Você e a equipe de design deram tudo de si.
Até combina com o ângulo de sua tatuagem.
Com o elogio de Sauda, as bochechas de Niall ficaram
levemente rosadas. O grandalhão tossiu, franzindo as sobrancelhas
grossas.
— Não demorou muito para fazer — ele resmungou.
— Um símbolo com algum significado para você, presumo? —
Sauda perguntou a Winter.
— Apenas meu zodíaco — respondeu Winter, virando o braço
para um lado e para o outro. — No calendário chinês, as cobras são
leais, astutas e dão boa sorte.
Sauda parecia sentir que havia mais razões para ele do que
isso, mas ela apenas assentiu.
— Bem — disse ela com um encolher de ombros. — Espero que
essa boa sorte se estenda a todos nós. — Ao lado dela, o olhar de
Sydney passou curiosamente por seu rosto.
Winter esfregou a tatuagem por instinto. Ele não mencionou que
quando tinha seis anos, meses depois de Artie ter ido para a
faculdade, ele desenhou uma cobra em volta do braço com uma
caneta Sharpie depois de ouvir seus pais gritando um com o outro
durante uma das raras visitas de seu pai, sua mãe dizendo que tudo
o que fizeram juntos foi um erro: o noivado, o casamento, o bebê.
Seu pai bufou e respondeu friamente: eu nunca pedi um filho. Winter
desenhou a cobra em si mesmo depois que seu pai saiu de casa,
acrescentando detalhes intrincados às escamas, como se cobrir-se
com um símbolo de boa sorte pudesse consertar tudo. Ele havia
mostrado seu trabalho para sua mãe, e ela sorriu tristemente para
ele com aqueles olhos vazios e opacos que sempre ficava depois
das visitas de seu pai. Então ela saiu de casa sem avisar por dois
dias e Winter os passou sozinho, como sempre fazia, assistindo a
shows antigos online e procurando nuggets no freezer.
A memória desapareceu. Ele abaixou a manga antes de
retornar o olhar de Sydney.
— Acho que tive muita sorte — ele decidiu dizer. Ela apenas
deu a ele um sorriso sem graça e desviou o olhar, e ele se
perguntou o quanto Panaceia poderia saber sobre seu passado.
— Este anel de cobra é um dispositivo de gravação e uma
câmera infravermelha — disse Niall enquanto acenava com a
cabeça. — E aquela pedra que você vê cravada no topo do anel é
um pedaço genuíno do meteorito palasito de Hierápolis que caiu há
4,5 bilhões de anos, um dos meteoritos mais caros do mundo.
— Portanto, não o perca — disse Sauda.
Winter olhou mais de perto a pedra. Espalhados por toda a
rocha escura estavam pedaços brilhantes de um mineral verde-ouro
que captava a luz.
— Olivina — disse Niall, notando o interesse de Winter. —
Lindo, não é?
— Absolutamente impressionante — ele disse honestamente.
— Nós rastreamos os hábitos de compra de Connor e notamos
como ele dá lances em leilões — Niall continuou. — Um homem
com gosto requintado para moda. Grande fã de jóias raras. Um
grande fã de meteoritos raros. É colecionador e patrono de muitos
museus. Ele reconhecerá esta pedra imediatamente… isto é, se
você tiver acesso a ele. É aí que seu trabalho com Penelope abrirá
portas para você.
— Se ela apresentar você a Connor em uma festa — disse
Sauda —, queremos que você dê isso a ele. Ele ficará encantado
em usá-lo e teremos implantado um dispositivo nele.
Winter pegou o anel e colocou-o no dedo médio. Parecia frio e
pesado.
— O que faz você pensar que Connor aceitará um presente de
Winter? — Sidney perguntou.
— Com qualquer outra pessoa, eu concordaria — respondeu
Sauda. — Todo mundo suspeita de quem não conhece. Mas dele?
— Ela acenou com a cabeça para Winter. — Você pensaria que um
presente espontâneo da maior celebridade do mundo estaria
grampeado para reportar a uma agência de espionagem?
Especialmente se foi você quem o convidou em primeiro lugar?
Sydney grunhiu, mas não discutiu.
— É aqui que a identidade de Winter será útil para nós — disse
Niall. — Você não é exatamente o que as pessoas esperam que
saia daqui.
— Não tenho certeza se isso é um elogio ou um insulto — disse
Winter.
Niall deu de ombros.
— Nenhum dos dois. É apenas um fato.
Eles continuaram. Cada um dos pedestais continha algo que
fazia A cabeça do Winter nada. Havia um cartão de crédito idêntico
ao dele, só que equipado com um dispositivo de escuta. Havia
venenos disfarçados de balas coloridas em recipientes de plástico.
Havia canetas que podiam disparar balas, spray de cabelo que
podia paralisar e telefones que podiam invadir os sinais de trânsito
de uma cidade, equipados com rastreadores. Havia também o
broche do hotel que Sauda, Niall e Sydney usavam, exceto que,
quando pressionado duas vezes rapidamente com a mão de seu
dono, disparava uma lâmina em forma de agulha e enviava um
alerta e localização de volta ao quartel-general.
Sauda apontou para o pequeno chip rastreador dentro de um
dos monitores.
— Vamos trocar seu cartão SIM para isso — disse ela. —
Desliza para dentro e para fora com bastante facilidade.
Enquanto prosseguiam, Winter só conseguia pensar no que
Artie devia ter tido para suas próprias missões, o que poderia ter
usado. O que pode ter falhado com ele durante seus momentos
finais.
No final, Sauda pegou algo pequeno no bolso do casaco.
— Finalmente — disse ela —, temos estes.
Sydney fez um som desinteressado em sua garganta, como se
soubesse o que estava por vir, mas Winter franziu a testa para os
dois pequenos frascos na palma da mão de Sauda, cada um cheio
de um líquido âmbar que o lembrou de uísque.
— Toxinas — disse Niall.
— Sempre damos isso aos nossos agentes em todas as
missões — disse Sauda — e você não é diferente — A voz dela
mudou, ficou mais grave. — No caso de algo dar catastroficamente
errado, no caso de você se encontrar em uma situação da qual não
pode escapar, beba isso.
O sangue de Winter gelou com suas palavras. Ele olhou para o
frasco. Era uma bebida suicida.
— Eles agem com rapidez e sem dor — disse Sydney a ele.
— Não vou me suicidar — disse Winter automaticamente.
— Todo mundo pensa isso — ela continuou em voz baixa. —
Até que você é colocado na posição e percebe que não era tão
diferente o tempo todo.
Nós sempre damos isso aos nossos agentes, dissera Sauda.
Isso significava Artie também. Winter olhou para os frascos e sentiu
a garganta fechar.
— As chances de você precisar disso são mínimas — Sauda
continuou em seu silêncio. — Mas mesmo assim. Protocolo da
agência.
Sydney estava olhando atentamente para Winter agora.
— O que está errado? — ela perguntou.
— Foi assim que meu irmão morreu? — ele sussurrou, virando-
se para encará-los. — Ele foi forçado a cometer suicídio?
Houve uma pausa pesada. Niall suspirou, olhando para Sauda
como se pedisse sua aprovação para falar. Quando Sauda assentiu,
seu olhar franzido voltou para Winter.
— Não — ele respondeu. — Seu irmão morreu porque voltou
como refém durante uma troca que deu errado, contra as ordens da
Panaceia. Ele morreu salvando uma vida.
Winter fechou os olhos. Uma vez, quando comeu muito pouco
após uma semana agitada de turnê e uma visita apressada a casa
para ver como estava sua mãe, ele desmaiou durante os ensaios e
teve que cancelar vários shows para deixar seu corpo se recuperar.
Ele se sentia assim agora, o mesmo borrão do mundo ao seu redor,
a mesma agitação em sua cabeça, o mesmo relaxamento de seu
corpo.
Claro que Artie morreu salvando uma vida.
Quando abriu os olhos, viu Sydney dar um passo instintivo em
sua direção, como se estivesse se preparando para pegá-lo caso
caísse. Ele balançou a cabeça para ela e se afastou. Ele não sabia
o que dizer. Ele não sabia o que fazer. As palavras sentaram-se em
sua língua e derreteram.
— Você testemunhou muitas coisas, Winter — Sauda disse
suavemente para ele agora. — Você já testemunhou uma guerra?
Fui enviada em missão para uma. Você sabe o que é estar preso
em algo que você não pode escapar? — Sauda olhou para ele com
uma expressão de pena, e ele sentiu suas entranhas recuarem. — A
única razão pela qual estamos colocando você no caminho do
perigo é porque uma população inteira depende de nós. E quando
digo isso, quero que você imagine o que isso realmente significa.
Mães levando seus filhos para o ônibus. Trabalhadores da
construção civil almoçando juntos. Pais esperando na estação de
trem por suas famílias. Crianças em seu primeiro dia de jardim de
infância. Pessoas apaixonadas, pessoas com amigos, pessoas com
vidas plenas. Pessoas boas. — Ela acenou com a cabeça para
Winter. — Seu irmão entendia perfeitamente os perigos deste
trabalho quando ele o aceitou. Eu quero que você também entenda.
Não vou mentir para você sobre o quão perigoso isso será, mas
prometo que você não entrará despreparado. Ok?
Ele engoliu em seco. A voz de Sauda parecia distante.
— Ok — ele se ouviu responder.
Ao saírem do cubículo e voltarem para o resto do espaço do
Design Experimental, ele podia sentir o coração martelando contra
as costelas. A enorme sala parecia que poderia engoli-lo inteiro.
Havia um grito engarrafado em sua garganta, os cantos de seus
olhos ameaçando lacrimejar, a dor buscando o alívio de se
derramar. Ele imaginou Artie vagando por este lugar, recebendo
tarefas de seus superiores, embolsando os minúsculos frascos de
toxinas sem questionar. Aceitando que ele pode precisar usá-los
algum dia.
— Não temos muito tempo — disse Niall quando parou no
corredor e se virou para enfrentar Winter. — Então, vamos treinar
você duro nas próximas semanas. — Ele lançou um olhar de aço
entre Winter e Sydney, que lhe deu um olhar taciturno. — Eu sugiro
que vocês dois se conheçam rapidamente. Você vai precisar.
Entendido?
— Sim, senhor — respondeu Sydney, e Winter assentiu em
silêncio.
Enquanto Niall e Sauda caminhavam à frente, Sydney se
inclinou para mais perto dele.
— Só não me pressione — disse ela em voz baixa. — E não
fique no meu caminho. Faça o que eu digo e nos daremos bem.
Até parece que ele iria chorar na frente dessa garota. Ele
enxugou as lágrimas.
— Sempre aprecio uma parceria em que não tenho voz alguma
— respondeu ele, irritado.
Ela revirou os olhos para ele.
— Com todo o respeito, tenho uma promoção em jogo por sua
causa. Então venha falar comigo de novo quando tiver alguma
experiência.
Winter parou de repente e Sydney parou com ele.
— Sabe — disse ele —, desde que coloquei os pés naquela
sala de reuniões no andar de cima, senti que você queria cortar
minha cabeça. Eu adoraria uma pista de por que você está sendo
dura comigo.
Ela olhou para ele com um olhar tão nivelado que ele sentiu
como se ela estivesse abrindo um buraco em sua cabeça. Quando
ela falou, sua voz soou lascada com gelo.
— Aqui está sua pista. Já vi muitas pessoas como você.
— Como o que? — ele perdeu a cabeça.
— Você cultivou essa sua arrogância para esconder todas as
suas inseguranças. Mas você realmente queria se tornar famoso
porque tinha medo de não ser. Ah, estou certa, não estou? Quanto
mais arrogância, mais inseguranças. E aprendi com o tempo que os
homens inseguros são os piores, propensos a desmoronar nos
momentos mais inconvenientes.
Ele estreitou os olhos para ela.
— E você? — ele disse. — Parece-me que você está
escondendo algumas coisas suas. Vida familiar ruim? Pais ruins?
Você deve ter tirado sua atitude de merda de algum lugar. Mas acho
que todos nós temos nossos problemas, não é?
Ele sabia que não respondê-la procurando feri-la. As palavras
que saíram de sua boca agora não soavam como ele. Mas seu
coração parecia ter sido despedaçado hoje, e ele não conseguia se
importar.
O olhar de Sydney ficou plano, o azul escurecendo como uma
tempestade.
— Gostaria que seu irmão ainda estivesse vivo — ela disse, sua
voz fria e firme. — Talvez não precisássemos de você.
— Não traga meu irmão para isso — disse ele calmamente.
— Então não me obrigue — ela gritou por cima do ombro, então
acenou uma pulseira de couro no ar. — Além disso, você precisa
ficar de olho nas suas coisas. Vou deixar na recepção para você.
Ela de alguma forma conseguiu deslizar uma de suas pulseiras
de seu pulso, e ele não sentiu nada. Ele olhou para seu braço, então
olhou para a figura dela se afastando, sua boca aberta em choque,
incapaz de encontrar as palavras certas. Tudo o que ele podia fazer
era vê-la se afastar alegremente sem olhar para trás.
6

O novo emprego

A primeira suposição sobre Winter Young que Sydney admitiu ter


errado foi que ele era tolo.
Teimoso, sim. Denso… sim. Mas ele, com certeza, não era tolo.
O Winter Young que ela conheceu na sede da Panaceia era um
menino com um olhar cuidadoso. Ela havia notado isso nele no
instante em que ele entrou, a maneira como ele havia observado a
sala ao seu redor e avaliado ela e os outros agentes com um olhar
único e arrebatador, os gestos em suas mãos e a inclinação de sua
cabeça, o maneira como seu olhar saltava de pessoa para pessoa.
A raiva em seus olhos que brilhou quando ela mencionou o nome de
seu irmão.
Naqueles momentos, ela viu imediatamente porque Sauda o
havia escolhido.
Agora ela estava deitada em sua cama na escuridão da noite,
ouvindo o som fraco das sirenes nas ruas bem abaixo de seu
apartamento, memorizando metodicamente o conteúdo de uma
pasta preta que Niall havia entregue em seu apartamento.
A pasta continha toda a documentação para seu novo disfarce
como guarda-costas de Winter Young. Nome falso (Ashley Coving
Miller), carteira de motorista e passaporte falsos, diploma do ensino
médio falso, senhas e números de conta falsos para supostos
depósitos diretos de Ashley em uma conta bancária pessoal falsa.
Uma carta de aceitação para uma empresa de guarda-costas real, a
Seguranças Elite, que ocasionalmente trabalhava com a Panaceia,
que Sauda havia conseguido para Sydney. Havia cartões de visita
falsos para ela, caso ela precisava distribuí-los, fotos falsas de
familiares falsos, contas de e-mail falsas cheias de e-mails falsos
datados de mais de um ano atrás, contatos telefônicos falsos de
melhores amigos falsos. Um telefone feito sob medida com um
monte de instruções sobre como desbloquear sua criptografia e
linhas de chamada seguras de volta para a Panaceia. Havia até
cartões de crédito falsos que sua persona fictícia não havia pago,
inscrições falsas em academias expiradas, certificados falsos de
conquistas em artes marciais, licenças de armas falsas e
reclamações falsas em contas falsas de mídia social, completas
com respostas falsas postadas por conhecidos falsos.
Detalhes espalhados por uma vida falsa que a faziam parecer
real.
Sydney leu e releu as instruções até que ela pudesse sentir sua
verdadeira identidade confundindo-se com esta identidade
imaginária. Então ela fechou os olhos, pensamentos sobre Winter
girando em sua mente.
Winter era esperto, mais esperto do que ela gostaria, mesmo
que ele tivesse tornado muito fácil para ela tirar o bracelete de seu
pulso. As disciplinas mais simples davam menos trabalho; eles
fizeram o que lhes foi dito e não se desviaram do plano. Sydney
teria que garantir que Winter não tivesse nenhuma ideia maluca
durante esta missão e conduzi-los por alguma tangente.
Sua segunda suposição equivocada foi que a fama dele era um
truque. Não, esse garoto estava destinado a isso. Ele era um tipo
único de beleza que a deixava nervosa, o tipo que não pertencia ao
resto da sociedade. Tudo nele – olhos escuros e cílios grossos, o
rico cabelo preto que parecia perfeito sem esforço, os lábios macios
como travesseiros, as tatuagens que decoravam seus antebraços
até a mão esquerda, a graça em seus passos, as linhas de sua
figura – atraía olhares. Ele entrou na sala de reuniões e parecia que
sua presença havia incendiado o próprio ar. Aqueles na Panaceia
que o viram naquele dia foram treinados para manter a calma em
todas as circunstâncias – mas, mesmo assim, todos no quartel-
general estavam alvoroçados com a notícia da visita de Winter.
Isso a fez querer rir. Isso a fez querer dizer a Sauda para demiti-
lo. Espiões não se pareciam com ele. Até onde ela sabia, seu irmão
certamente não – embora ela nunca tivesse cruzado o caminho de
Artie Young. Os espiões deveriam ter uma aparência que se
misturasse, para serem capazes de se fundir nas sombras.
Winter Young não poderia desaparecer nem se tivesse o
superpoder de invisibilidade. Francamente, ela ficou surpresa por
ele não estar coberto de mariposas atraídas por sua luz.
Como diabos ela deveria completar uma missão – quanto mais
ser promovida – enquanto estava sobrecarregada com um garoto
como este?
Sydney abriu os olhos no escuro e passou a mão
preguiçosamente pelos lençóis de seda da cama. Ela não sabia por
que não gostava tanto dele, por que queria incomodá-lo tanto. Ele
entrou na sala de reunião ontem, e ela sentiu uma pontada de
irritação no fundo de seu estômago, uma emoção que a fez querer
memorizar cada pedacinho dele para que ela pudesse descobrir
como reduzi-lo ao tamanho, para forçá-lo a dar um passo para trás e
se sentir solto em um novo lugar.
A sensação a deixara com o coração acelerado e uma dor no
estômago. Não é de admirar que ela não tenha resistido a roubar
sua pulseira.
Ela teve pena dele em relação à morte de seu irmão, ela
realmente teve. A dor em seu rosto era real e profunda. Mas Winter
Young escolheu estar aqui. Ele não veio para a Panaceia porque foi
forçado a isso, porque a vida não lhe deixou outras opções e o
conduziu por um caminho sem volta. Winter escolheu isso, assim
como escolheu se tornar um artista, escolheu que tipo de estrela ele
queria ser, com quem ele poderia se cercar, o que ele queria fazer.
Sydney estava aqui porque esta era sua única saída de sua
infância. Ela teve que fugir do fantasma de sua mãe, da memória do
bipe incessante no quarto do hospital e do chiado de sua respiração.
Ela teve que escapar do meio-fio coberto de folhas em frente à casa
de sua infância, o estrondo raivoso da voz bêbada de seu pai. Ela
teve que aprender a parar de roubar, teve que quebrar a tentação de
furtar em prateleiras e escrivaninhas, a necessidade obsessiva de
controlar algo em sua vida.
Seus dedos se contraíram, sempre doendo para pegar. Ela
olhou para o lado e pela janela do chão ao teto de seu apartamento
para a vasta cidade abaixo. Disse a si mesma que não morava mais
na Carolina do Norte, mas em Seattle, longe da outra costa. Que ela
não era mais uma criança.
Seu telefone vibrou com uma chamada recebida de uma fonte
desconhecida. Sydney rolou para pegar seus fones de ouvido.
— Ich schlafe — ela disse em alemão.
— Não, você não estava — Niall murmurou ao telefone. — E
pare com isso, Syd.
— O que é?
— Parece que os guarda-costas a serviço no aniversário
também precisarão estar fantasiados. Algo sobre boa estética para
as fotos oficiais.
— Boa estética?
— Eles não querem um monte de roupas de pinguim em cada
cena. Então você vai vestir algo chique e estaremos ocupados
implantando um chip de escuta nele.
Ela suspirou, mesmo quando uma parte de sua mente se
animou com o pensamento. Eli Morrison estava indo com tudo.
— Por favor, me dê sapatos funcionais.
— E estamos oficialmente começando com Winter na próxima
semana. Terça-feira. Esteja aqui cedo, para que possamos obter
suas medidas atuais para uma prova. E dê uma folga para ele,
certo?
— Sauda mandou você dizer isso, não foi?
— Bem, Sauda não está errada.
— Você acha que ela está certa sobre contratar Winter?
— Acho que é um pouco tarde demais para essa pergunta,
garota, e também acho que não cabe a você questionar as decisões
de Sauda.
— Sauda me dizia para dizer o que penso — ela respondeu. —
E acho que estamos cometendo um erro.
— E isso é porque você acha que ele não pode fazer a missão,
ou porque você simplesmente não gosta dele?
— Não pode ser os dois?
— Sinceramente, também não achei que você seria uma boa
agente da Panaceia. E, no entanto, aqui está você.
Sidney riu. O som engasgou por um segundo em sua garganta,
e seus pulmões fracos deram um pequeno espasmo.
— Você está bem?
— Estou bem, pai — ela respondeu. — Apenas uma cócega na
minha garganta.
Ela quase podia vê-lo revirando os olhos exasperado com o
apelido dela para ele. Ela não disse a ele, porém, que em momentos
como este, ela não usava isso como um apelido. Ela disse isso
porque gostava de imaginar que ele era o pai que ela poderia ter
tido.
Mas esse era um pensamento bobo. Niall não era um pai para
ela. Ela era apenas uma funcionária, sob contrato. Se Niall
soubesse sobre sua condição pulmonar, ele a eliminaria
imediatamente do programa da Panaceia. Então ela nunca contou a
ninguém sobre isso, e ela se saiu muito bem por tanto tempo. Algum
dia, quando piorasse, ela teria que revelar, mas até então, bem, isso
funcionou bem.
— Ok — veio o estrondo baixo de Niall. — Terça-feira, então.
Não espero que transformemos Winter Young em um espião em
uma única semana, mas espero que ele seja pelo menos confiável o
suficiente para uma missão. Parece factível?
— Veremos, não é? — Sydney olhou para a cidade fora de sua
janela, temendo o início do treinamento de Winter. — E você?
— E a mim?
— Quando você vai convidar Sauda para um encontro de
verdade?
Niall fez um som irritado em sua garganta, e Sydney teve que
reprimir um sorriso.
— Contra os regulamentos, Syd. Você sabe disso.
— Oh, vamos lá. Não vou contar ao quartel-general.
— Boa noite, Sydney — ele murmurou, então desligou.
Ela colocou uma trilha sonora de chuva em seu telefone, então
o jogou de lado e fechou os olhos. O som da água encheu seus
pensamentos e ela sentiu a tensão crescente em seus músculos
relaxar um pouco, seu pescoço relaxando, a tensão em sua
mandíbula desaparecendo. Ela fechou os olhos novamente, então
tentou se concentrar em nada além dos lençóis de sua cama.
Em vez disso, a imagem de Winter chegando ao encontro deles
permaneceu vívida em sua mente, os detalhes ainda intactos de
quando ela absorveu tudo sobre ele. Ele pairou lá na escuridão,
recusando-se a desaparecer.
Sydney franziu a testa. Ela se imaginou pegando uma pá e
literalmente tirando-o de seus pensamentos.
Talvez Winter acabasse sendo uma agradável surpresa. Talvez
ele pudesse aprender as cordas mais rápido do que ela esperava.
Talvez ela pudesse prepará-lo o suficiente para pelo menos
sobreviver a esta missão e conseguir sua promoção a agente pleno.
Então ele poderia voltar para sua vida e ela poderia voltar para a
dela, e ela não teria que lidar com ele novamente.
Ela se deixou levar por essa resolução até que finalmente
adormeceu, o rosto de Winter ainda queimando em sua mente.
7

A reflexão tardia

Quando Winter bateu na porta do apartamento de sua mãe, ele


soube imediatamente que sua visita seria ruim. Ele sempre sabia.
Se ele pudesse ouvir passos apressados lá dentro, seguidos
pela abertura da porta e pela mamãe parada do outro lado, tudo
bem. Isso significava que ela estava bem, que estava feliz em vê-lo
e que eles poderiam até ter uma conversa normal. Mas hoje ela não
atendeu de imediato, e a porta ficou fechada. Um segundo depois,
Winter ouviu o clique suave da fechadura do outro lado, seguido
pela voz cantante de sua mãe vindo de algum lugar distante do
apartamento.
— Entre — ela o chamou. — A porta está destrancada.
Seu coração afundou um pouco. Ele tinha feito isso mil vezes ao
longo dos anos, e nada sobre isso era uma surpresa. Mas hoje ele
estava começando seu treinamento na Panaceia, então seus nervos
já estavam em frangalhos. A ideia de ficar sob a tutela de Sydney
Cossette por uma semana o deixou nervoso. E ter que suportar
essa visita dolorosamente estranha agora o fez sentir vontade de
voltar e descer o elevador para a rua abaixo.
Mas ele não o fez. Mesmo que sua vida tenha se tornado uma
corrente interminável de viagens de avião e estadias em hotéis, ele
nunca deixou de verificar sua mãe antes de sair em uma viagem.
Então, em vez disso, arregaçou uma das mangas de sua camisa de
colarinho, pousou o buquê de flores em sua mão sobre o ombro e
abriu a porta.
Cinco anos e centenas de shows na frente de milhões de fãs –
ainda assim ele sentiu seu coração palpitar de ansiedade ao entrar.
O apartamento parecia como sempre – um estado de desordem
agradável que era de alguma forma caótico e organizado, do tipo
que pareceria artístico se desenhado por uma mão habilidosa, como
se tudo tivesse parado no meio de ser feito. A mesa lateral perto da
entrada estava cheia por baixo e em cima com pilhas de livros
organizados pela cor do interior, todos com as sobrecapas
removidas. Um cobertor amarelo amanteigado estava meio dobrado
e espalhado sobre o sofá, e cada centímetro da mesa de centro
estava escondido sob uma variedade de livros, revistas e vasos de
plantas que arrastavam vinhas aleatórias até o tapete. Um aquário
com dois peixinhos dourados estava ao lado de uma estatueta de
cerâmica rosa leitosa de Buda e uma escultura de gato sortudo na
mesa de jantar. Pilhas de pratos de porcelana chinesa azul e branca
estavam espalhadas no balcão de mármore da cozinha, tiradas da
máquina de lavar louça, mas ainda não guardadas.
No corredor que levava aos quartos, Winter podia ouvi-la
cantarolando o refrão de uma velha canção sem parar. Ela tinha
uma bela voz – ele herdou dela, se nada mais – e agora ele parou
para admirá-la, ouvindo as doces notas se repetirem.
— Oi, mãe — ele gritou para ela. O canto parou. Ele estendeu o
buquê de flores à sua frente, como se ela pudesse vê-lo. — Tem um
vaso sobrando?
— Zaì shuǐ cáo xià — ela respondeu em mandarim. Sob a pia
da cozinha.
Ele podia ouvir a tensão em sua voz agora, a leve decepção
manchando sua voz musical que sempre parecia surgir quando ele
a visitava.
Quando ele foi até a cozinha para tirar um velho vaso de vidro
de debaixo da pia, sua mãe saiu de seu quarto em um alvoroço
silencioso. Hoje, ela estava vestida com um suéter branco volumoso
e um vestido verde plissado que balançava enquanto ela andava, e
seu cabelo preto ondulado estava preso para trás com um bandana,
as mechas caindo sobre um de seus ombros. Uma bolsa grande
pendia de seu braço. Assim como o apartamento, tudo nela parecia
montado às pressas, mas de uma forma que parecia perfeita. Sua
mãe, sempre estilosa mesmo sem se esforçar.
Mas ele sabia que ela tentou, é claro. Ela provavelmente já
estava acordada há várias horas, vestindo e tirando roupa após
roupa, incapaz de parar até que finalmente conseguiu se decidir por
algo que encerrasse o ciclo.
— Obrigada pelas flores, ursinho — ela disse sem fôlego, desta
vez em inglês, enquanto colocava os brincos sem espelho. — Elas
são lindas.
Winter assentiu, embora não estivesse olhando diretamente
para ele e nem tivesse visto as flores.
— Eu trouxe tulipas para você.
— Eu amo tulipas.
Ele sabia disso, claro. Sabia que as tulipas eram sua flor favorita
e que amarelo e azul eram suas cores favoritas, tinha ido
pessoalmente à melhor floricultura da cidade que fechara só para
ele, tinha escolhido a dedo cada tulipa para que parecessem as
mais frescas.
Ele colocou seu coração no buquê, mesmo sabendo que sua
mãe não notaria.
— Vou para um retiro amanhã — acrescentou enquanto
procurava uma tesoura. — E então um show no exterior. Estarei de
volta em algumas semanas.
Ela remexeu nas gavetas da mesinha lateral em busca de sua
carteira, então lançou a ele seu primeiro olhar direto e um breve
sorriso.
— Isso é ótimo, Winter! — ela exclamou. — Você vai ser
incrível.
Nenhuma pergunta sobre o motivo do retiro ou onde ele estaria.
Nenhuma pergunta sobre seu show. Nada de Fique seguro! ou Leve
um casaco!. Pelo menos manter Panacea em segredo dela seria
fácil. Ele manteve uma cara séria enquanto cortava os caules das
flores e os arrumava da maneira que sabia que ela preferia.
— Você conhece aquele cara bilionário do Reino Unido? Eli
Morrison?
— Mm-hmm?
— Vou me apresentar para a filha dele no aniversário dela —
disse ele.
— Oh? — Mamãe se virou ligeiramente para olhar para ele com
uma sobrancelha levantada, sua carteira agora na mão. Ela mudou
de volta para o mandarim. — Nǐ gēn tā hǎo le? — Você está
namorando com ela?
Ele riu.
— Não. Eu sou apenas o entretenimento.
— Ah, xióng bǎobǎo. — Ah, ursinho. Ela largou a carteira na
bolsa. — Zǒng huì yǒu yì tiān, nǐ zhǎo dào shì hé de nü péng yǒu. —
Algum dia você encontrará a garota certa.
Lá estava ela, meio que ouvindo como sempre, presumindo que
ele só saía com garotas, respondendo a ele, mas sem realmente
entender o que ele estava dizendo a ela. Winter mordeu a língua
enquanto abria a torneira da cozinha e enchia o vaso.
— Não, eu não estou tentando sair com ela — ele explicou
novamente. — É uma ótima oportunidade, e acho que vou conhecer
algumas pessoas importantes nas festas durante a semana. É uma
grande celebração.
De volta ao inglês.
— Parece que sim!
Ele suspirou enquanto caminhava até a sala de estar e
cuidadosamente abria espaço na mesa de centro para o vaso de
flores.
— Nín haí hǎo ba, mãe? — Você está bem, mãe? Era sua
maneira de perguntar se ela estava tomando seus remédios
regularmente.
— Haí hǎo — ela disse. — Vou viajar hoje mais tarde para Nova
York durante a semana, com algumas amigoa.
Claro que ela estaria. Ele nem tinha visto sua mãe trazer a
mala. Conhecendo-a, ela provavelmente tomou a decisão de ir esta
manhã.
— Parece divertido — ele respondeu, empurrando para o lado
uma pequena pilha de revistas no sofá para se sentar.
Ela sorriu para ele novamente enquanto pegava o telefone.
— O que você tem feito?
Seu último álbum tinha acabado de sair um mês atrás, e ele
tinha feito uma turnê nacional para ele. Ele quebrou recordes com
isso. Ele esteve em todos os programas de entrevistas, dia e noite,
apareceu nas capas da Rolling Stone, Vogue, GQ e uma dúzia de
outras revistas.
Mamãe não perguntou nada sobre isso, nem mesmo enviou
uma mensagem de parabéns.
Artie costumava suportar longos interrogatórios dela sobre onde
ele estava indo e por quanto tempo. Sabendo agora o que Artie
realmente fazia para viver, Winter ficou ainda mais impressionado
com o fato de seu irmão ter conseguido esconder seu segredo de
sua mãe.
Winter não teria tais problemas.
Quando criança, ele às vezes gritava na cara dela sobre isso.
Eu estou bem aqui! Por que você não pode me ver?, mas ele tinha
dezenove anos agora e simplesmente não tinha mais coragem para
isso. Ele sabia que esse era o jeito dela lidar com ele, que ela
ignorava deliberadamente o que estava acontecendo em sua vida
em uma tentativa de se proteger.
Ele sabia que era porque se parecia exatamente com seu pai,
seu segundo marido, o homem por quem ela se apaixonou
perdidamente e se divorciou no espaço de um ano. A quem ela
odiava agora com cada fibra de seu coração. Ele sabia que toda vez
que ela olhava para Winter, ela via ele, que ela se lembrava não de
seu filho, mas de um homem que costumava separar tudo, desde
seu rosto até suas roupas e suas palavras, até que ela se tornasse
uma casca de si mesma. Winter sabia que ela o deixava sozinho em
casa tantas vezes porque não suportava ficar no mesmo quarto que
ele por muito tempo. Assistir ao sucesso de Winter parecia um
pouco com ver aquele homem ter sucesso.
Winter apoiou os cotovelos nos joelhos e disse:
— Apenas o de sempre. Eu tenho estado bem.
— Tudo bem — mamãe disse enquanto se aproximava para se
sentar em frente a ele. — Como está Claire?
— Haí hǎo. — Está bem.
— Ainda tão ocupada como sempre?
— Ela está cuidando bem de mim, se é isso que você quer
dizer.
— Bom, bom.
Winter lançou um olhar furtivo para ela, ansioso para perguntar
sobre Artie. Para sondar pistas sobre como seu irmão conseguiu
manter tudo tão em segredo. Para ver se sua mãe realmente não
sabia, quando ela sempre foi tão obcecada pela vida de Artie.
Mas as perguntas morreram em sua língua. Mencionar o nome
de Artie abriria uma Caixa de Pandora, e ele não tinha intenção de
estragar toda essa visita.
Em vez disso, Winter enfiou a mão no bolso de trás e tirou um
envelope vermelho, perfeitamente limpo. Ele entregou para sua
mãe.
— Oh, ursinho — disse ela, inclinando a cabeça para ele e
balançando a cabeça. Ela sorriu. — Eu deveria estar dando a você
hóng bāo.
— Não. Eu sou um adulto, mãe — ele disse, inclinando a
cabeça para ela uma vez. Era seu hábito, as flores e o envelope
vermelho, toda vez que ia sair da cidade por um tempo. Após o
divórcio e a morte de Artie, depois que o longo trauma desencadeou
suas intermináveis noites sem dormir e uma incapacidade de se
acomodar por mais de uma hora, um terapeuta sugeriu flores para
ela como um ritual calmante. Então Winter os trazia sempre que
podia. O envelope vermelho estava cuidadosamente recheado com
alguns milhares de dólares em notas novinhas em folha porque ele
conhecia a aversão de sua mãe por dinheiro com qualquer
amassado. Certa vez, ela ficou presa na França depois de não
conseguir encontrar um banco que pudesse lhe dar novas notas.
Winter tinha voado até lá para entregar o dinheiro e ajudá-la.
Além disso, era uma desculpa para Winter vê-la. Essa era a
única maneira que ele conhecia de visitar. Se não o fizesse, ela
nunca perguntaria por ele, nunca iria até ele, nunca ligaria. Nunca
sente falta dele. Pelo menos suas frequentes despedidas lhe davam
uma desculpa para trazer presentes.
Mamãe olhou para ele por um momento com aquela expressão
melancólica e inquisitiva, então pegou o envelope.
— Duì nǐ mā zhēn hǎo — disse ela, dando um tapinha na
bochecha dele. Você é bom para sua mãe. Ele se sentiu inclinado
para a frieza de seu toque.
— O que você está fazendo em Nova York? — ele perguntou.
— Me divertindo, desabafando. Vou assistir a esse incrível novo
show da Broadway, Highland Street Hustle, do qual todo mundo está
falando, e depois vou para uma casa alugada no norte do estado. —
Ela fez um som de tsk — Todas as minhas amigas perguntam sobre
você. Katie quer saber se sua filha Emma pode conseguir um álbum
autografado de você, e eu disse a ela que sim.
— Claro.
— Obrigado, ursinho. Acho que você gostaria de Emma. Ela é
uma garota legal, e veja só, ela também estagiou por um verão em
Baltimore, assim como você fez no último ano. Eu deveria dizer a
ela, ela adoraria...
— Não, não.
— Por que não?
— Porque eu não fiz isso.
— Sim, você fez.
Winter limpou a garganta suavemente.
— Eu não fui para Baltimore. Artie foi.
Os movimentos frenéticos de sua mãe na mesa lateral pararam
de repente, e quando ele olhou para ela, ela tinha os olhos fixos
nele pela primeira vez desde que ele havia chegado, seu corpo
inteiro rígido como se fosse um inseto preso em âmbar. Seus olhos
se arregalaram quando ela percebeu seu erro.
— Ah — ela murmurou. — Duì, Artie foi.
Winter se mexeu desconfortavelmente, odiando ter que falar
sobre seu irmão. Não havia nada de novo no fato de mamãe
misturar o passado dele com o do falecido irmão – ela
frequentemente confundia o aniversário de Winter com o de Artie,
substituía as comidas, roupas e lugares favoritos de Artie no lugar
dos de Winter. Piorou consideravelmente após a morte de Artie. Mas
Winter ainda odiava que mesmo a simples menção do nome de
Artie pudesse fazer sua mãe parar e esquecer todo o resto, quando
nada que ele dissesse ou fizesse pudesse fazê-la parar e prestar
atenção nele.
Então ele se sentiu um idiota por ter ciúmes de seu irmão morto.
Seu irmão da Corporação Paz que virou agente secreto. Suas
emoções se agitaram em uma tempestade familiar.
— Sinto muito — mamãe disse agora, e desta vez ela realmente
quis dizer isso. Ele podia ver a tristeza inundar os olhos dela,
encobrindo a energia inquieta que havia dançado neles momentos
antes. — Eu sabia, eu só...
— Meí shì, mamãe — ele interrompeu, dando a ela o sorriso
mais despreocupado que conseguiu. Tudo bem. — Emma parece
legal. Envie-me o endereço da sua casa alugada. Vou pedir a Claire
que envie o álbum para você.
— Obrigada — Sua mãe hesitou, sua expressão
repentinamente perdida, e ele sentiu seu coração dar um salto de
tristeza. Ele ainda se lembrava daquele fatídico telefonema que
mamãe recebera exatamente às seis da manhã, lembrava-se da
hora em seu relógio quando ele saiu correndo de seu quarto para a
varanda ao ouvir o grito dela. Ele havia pressionado o rosto contra o
corrimão enquanto ouvia as perguntas entrecortadas e trêmulas que
vinham de baixo. Como? Quando? O que aconteceu? Tem certeza
que era ele?
Desde aquele dia, Winter nunca conseguiu dormir após as seis.
Por mais que sentisse falta de Artie, ele sabia que sua dor não
se comparava à de sua mãe, à forma como ela caiu no chão com a
notícia da morte de Artie, à pequenez de sua figura enrolada
sozinha em sua cama nos meses que se seguiram, os frascos de
antidepressivos e metilfenidato abertos em sua cômoda. Como ela
estava tão perdida em sua tristeza que nem percebeu quando
Winter pegou algumas de suas pílulas para suprimir sua própria dor.
Às vezes, ele a imaginava como uma jovem embalando um Artie
recém-nascido em seus braços, maravilhando-se com cada
pequena característica de seu filho primogênito. Beijar suas
pálpebras, seu nariz, sua boquinha, seus dedos perfeitos. Sua voz
delicada cantando-lhe canções de ninar, prometendo-lhe o mundo
inteiro. Ele a imaginou no que devem ter sido aqueles inebriantes
primeiros dias de amor e tentou se lembrar de ser gentil com ela,
esta mulher que teve que suportar perder aquele bebê décadas
depois. Que nunca saberia quem ele realmente foi ou porque ele
realmente morreu.
Winter tentou não se perguntar se ela se lembrava de ter um
segundo filho.
Agora o olhar de sua mãe se afastou dele. Um pequeno arrepio
pareceu percorrer seu corpo, e então suas mãos começaram a se
mover novamente. Ela pegou as chaves da mesa lateral e ajustou a
bolsa em seu braço. Ao fazê-lo, Winter levantou-se para sair.
Nenhum dos dois disse uma palavra.
Winter a lembrava muito de tudo. De seu segundo casamento
horrível e de curta duração. Do segundo marido que ela detestava.
Mas o pior de tudo, do fato de que seu amado filho primogênito se
foi para sempre, e que apenas Winter, sua reflexão tardia,
permaneceu.
Quando eles saíram do apartamento juntos e sua mãe trancou a
porta atrás deles, ela se esticou para dar um beijo rápido em sua
testa. Mesmo agora, ela não olhou diretamente para ele.
— Lù shàng xiǎo xīn, xióng bǎobǎo — disse ela. Cuide-se,
ursinho. Seus olhos já estavam se desviando, seu corpo inclinado
em direção ao elevador como se ela finalmente tivesse atingido o
limite de tempo que poderia passar perto dele.
Ele poderia atrair a atenção de noventa mil pessoas em uma
arena, poderia atrair multidões gritando sempre que saísse de
qualquer porta, poderia estar nas capas de todas as revistas do
mundo. E, no entanto, ele nunca conseguiu convencer sua mãe a
ficar.
— Você também, mãe — disse ele, com as mãos nos bolsos. —
Amo você.
Ela deu-lhe um sorriso por cima do ombro e acenou para ele.
Ele não a ouviu dizer isso de volta. Então ela se foi, correndo em
direção ao elevador, deixando nada além de um leve perfume de
jasmim no ar.
Winter ficou ali por um longo momento, seu coração ainda
lutando na garganta, sentindo o aperto da solidão enrolar seus
dedos frios ao redor dele. Ele imaginou o vaso de tulipas dentro do
apartamento de sua mãe, lindas flores frescas que ninguém
apreciaria, prontas para passar a semana sozinhas, morrendo.
Quando sua mãe voltasse de Nova York, elas estariam mortas.
Ele estremeceu, de repente, sentindo falta da companhia de sua
comitiva. Do rugido da multidão. De qualquer um.
Como se fosse uma deixa, seu telefone tocou em seu bolso.
Quando ele puxou para fora, ele viu uma chamada recebida de
Claire.
— E aí? — ele disse, sua voz rouca.
— Essa nova garota que você contratou — Claire disse,
parecendo um pouco irritada. — Você disse a ela para nos encontrar
para almoçar hoje? Porque ela está na minha porta e perguntando
onde você está. Ela é fofa e parece que poderia matar alguém.
Sydney. Winter sentiu os fragmentos de sua dor recuarem um
pouco, e a bolha de uma risada subindo em sua garganta. Sydney
realmente não perdeu tempo irritando os outros em seu círculo.
— Eu fiz isso — ele suspirou ao telefone. — E estou a caminho.
— Vou pedir o de sempre — disse Claire. — Não demore muito
para escolher sua roupa. Amo você.
Ela desligou antes que ele pudesse responder. Winter olhou
para o telefone, o peso de estar sozinho momentaneamente aliviado
pela alegria implacável na voz de Claire. A facilidade com que ela
lhe mostrava afeto.
Ele nunca poderia entender como ela sempre sabia quando ele
precisava dela.
Ele deslizou o telefone de volta no bolso e se dirigiu para as
escadas, deixando o apartamento vazio de sua mãe para trás.
8

Regras do jogo

Um andar abaixo do nível de Design Experimental do Grupo


Panaceia era uma enorme área de treinamento subterrânea.
Percorrendo o espaço circular havia um túnel de quinze metros de
largura com uma trilha no chão e nas paredes, projetada para os
agentes praticarem técnicas de direção e pilotagem. O piso principal
foi dividido em quadrantes, e esses quadrantes foram igualmente
divididos em vários habitats, espaços que simulavam calor extremo,
frio, umidade ou secura, escuridão total ou luz do sol escaldante,
todos os ambientes em que pudessem pensar para empurrar seus
agentes para suas limites. Havia áreas de treinamento de
fisioterapia e academias, espaços de esteira para o aprendizado de
artes marciais e defesa pessoal.
Havia de tudo.
A primeira vez que Sydney visitou este espaço foi quando ela
tinha quinze anos, dois meses depois de ingressar oficialmente na
Panaceia, determinada a se tornar a melhor agente que já tiveram.
Sauda havia mostrado a área a ela mesma, observando a
expressão atordoada de Sydney quando adolescente, a maneira
faminta com que seus olhos observavam tudo ao seu redor. Ela
treinou incansavelmente aqui, ganhando sua entrada em quadrantes
e ambientes específicos, graduando-se em níveis de armamento,
veículos e combate. Ela havia sobrevivido a um curso imersivo onde
eles transformaram todo o espaço em uma cidade realista de
espiões e assassinos, passou seis meses vivendo naquela
simulação e saiu dela tão entrincheirada que às vezes ela ainda
sentia como se estivesse vivendo naquela mundo fictício.
Sydney estudou por dois anos aqui.
Winter passaria uma semana. E ela estava encarregada de
treiná-lo.
Talvez fosse também por isso que ela sentia um pouco de
ressentimento em relação a ele, ela percebeu ao vê-lo sair do
elevador para encontrá-la no piso principal de treinamento, seu
cabelo casualmente penteado para cima e as mãos nos bolsos de
seu moletom preto, sua olhar saltando bruscamente em torno do
vasto espaço. A vida parecia ter lhe dado atalhos para tudo.
Seus olhos se fixaram nela. Um sorriso se contorceu na borda
de seus lábios antes que ele o forçasse e segurasse o telefone.
— O que significa huyl? — ele perguntou, olhando para a
mensagem de texto que Sydney havia enviado para ele minutos
antes.
— Apresse-se, você está atrasado — ela respondeu.
Ele assentiu.
— Muito intuitivo — disse ele.
Ela ignorou o sarcasmo dele e olhou para as palavras em
amarelo neon estampadas em uma fonte elegantemente ousada em
seu moletom preto.

EU SOU UM ESPIÃO

Ela ergueu uma sobrancelha fulminante para ele.


— Mesmo? — ela murmurou.
Ele olhou para seu moletom, então de volta para ela.
— O que? — ele disse inocentemente. — É da nova coleção de
outono da Balmain.
Sydney reprimiu o desejo de derrubá-lo.
Como em seu primeiro encontro, sua presença parecia chamar
a atenção de todos no espaço. Ela podia ver alguns trabalhadores
andando pelo chão se movendo ligeiramente em sua direção, suas
conversas enganchando por um momento para notá-lo. Dois
agentes que se preparavam para um test drive pararam para se
virar para ele. Então todos eles continuaram com seus negócios,
mas não sem plena consciência de que Winter Young estava aqui.
Não que ele parecesse notar ou se importar.
— Venha comigo — Sydney respondeu enquanto ela se
afastava dele e caminhava em direção ao quadrante leste. — E não
toque em nada.
Ele deu a ela um aceno provocador e seguiu obedientemente.
Secretamente, ela estava grata por desviar o olhar. Ela sentiu
sua atração magnética em seu intestino como todo mundo tinha, e
isso a irritou.
— Então, você está me treinando — acrescentou. — Quem
treinou você?
— Ele está morto agora.
Ao lado dela, Winter parou de andar.
— Estou brincando — disse ela. — Sauda me ensinou.
Havia algo tão satisfatório na maneira como seus lindos lábios
se apertaram em exasperação.
— Oh, bom — ele murmurou. — Estou animado por passar uma
semana inteira recebendo isso de você.
Em vez de segui-la, ele se aproximou para caminhar ao lado
dela e, por um momento, seus ombros se tocaram. Mesmo com o
simples movimento de seu passo, ela poderia dizer que ele era um
artista. Cada parte dele gritava graça. Detalhes sobre ele de sua
pesquisa passaram por sua cabeça. Recebeu treinamento formal de
balé e dança de rua depois que foi descoberto. Estudou dança na
Rússia por seis meses. Escolheu a dedo cada um de seus
dançarinos de apoio trabalhando individualmente com eles por um
dia.
— Você vai achar esta semana um pouco opressiva — disse
ela. — Eles não facilitam ninguém nisso, e você não terá nenhuma
facilidade. Mas acho que você provavelmente está acostumado com
esse tipo de intensidade.
Com isso, ele bufou, ainda aparentemente irritado com ela.
— E o que, exatamente, estamos fazendo hoje?
— Fundamentos. — Sydney o conduziu através de uma porta
automática de vidro e para dentro de uma grande sala, então se
virou para pressionar a palma da mão contra uma das paredes da
sala. Como o escritório onde eles se conheceram, a parede
respondeu ao seu toque, uma série de botões surgindo na parede
ao redor de sua mão.

RUA KELLY
KING’S CROSS ST. PANCRAS
WATERLOO

Ela tocou no primeiro. Os botões rolaram para longe. A


temperatura mudou ligeiramente, o ar frio, frio e úmido, e o som do
resto da pista de treinamento foi cortado abruptamente. As paredes
ao redor deles mudaram, substituídas por uma rua de Londres –
cabines telefônicas vermelhas nas calçadas, vasos de flores
pendurados em postes de iluminação, carros e ônibus de dois
andares passando. Até os sons mudaram, alto-falantes instalados
no teto, no chão e nas paredes tocando toda a cacofonia de uma
rua da cidade, de modo que, por um momento, parecia realmente
que eles haviam pisado em Londres.
Winter congelou por um momento. Sydney observou enquanto
ele girava em um círculo, então deixou seu olhar voltar para o dela,
sua arrogância fácil de apenas alguns segundos atrás dando lugar a
um temor instável.
Sydney não pôde deixar de suavizar sua expressão. Ela se
lembrava de ter se sentido assim uma vez, a percepção de que ali
estava um mundo com o qual ela nunca poderia ter sonhado.
— O básico para você vai ser um pouco acelerado — disse ela.
— Então, vou começar com algumas regras universais que você
deve sempre ter em mente como agente. — Ela cruzou os braços.
— Você sabe qual é o seu objetivo final?
— Para ter sucesso em nossa missão? — ele adivinhou.
— Não. — Ela balançou a cabeça. — Para sair dela vivo.
Sempre haverá outra missão. Mas perder um agente é mais difícil
do que qualquer trabalho fracassado. Você não é apenas uma vida.
Você é um investimento. Portanto, tudo o que você aprenderá aqui
será direcionado para mantê-lo ileso.
A atitude de Winter tornou-se sóbria com isso. Sydney observou
a mudança de luz em seu rosto, a centelha de dor que apareceu e
desapareceu em seus olhos, e sentiu uma pontada de pena dele.
Sem dúvida, seus pensamentos foram para seu irmão.
Ela acenou com a cabeça para o espaço ao redor deles e
mudou de assunto.
— Esta é uma das nossas muitas salas de simulação. Criei
algumas predefinições para nós em vários locais de Londres
enquanto passamos por algumas situações para você.
Ele assentiu uma vez, virando-se de costas para ela novamente
para estudar o ambiente.
— E quais são essas regras universais com as quais devo
começar?
— Primeiro — ela respondeu —, nunca olhe para trás. Você não
precisa. Simplesmente assuma que alguém está sempre
observando você. Olhe para trás e você os informa de que está
consciente de sua presença, e tramando algo.
Com suas palavras, Winter se virou para encará-la e inclinou a
cabeça.
— Nada de novo para mim.
Havia algo naquela inclinação de cabeça dele que a fazia querer
se demorar nele. Ela desviou o olhar.
— Segundo — ela continuou —, esteja preparado. Sempre. Se
algo der errado, esteja pronto para girar. Se algo incomum
acontecer, você precisará se adaptar em uma fração de segundo.
Mais difícil do que parece. Pense nisso como uma de suas
apresentações. Você deve ter tido todo tipo de coisa errada no palco
e foi forçado a mudar de posição no meio da música.
Ele assentiu rigidamente.
— Que tipo de coisas?
— Aqui está um exemplo. — Ela deu alguns passos para longe
dele, como se caminhasse até o final da rua simulada, e então se
virou.
— Preparado? — Ela perguntou a ele.
Ele não parecia, mas para seu crédito, ele levantou a cabeça e
deu a ela um aceno firme.
— Claro — ele respondeu. — Vá em frente.
Ela quis sorrir um pouco com isso, mas se conteve. Então ela se
dirigiu em sua direção como se fosse um transeunte.
Ao se aproximarem, Winter começou a dizer:
— Espero que você saiba que faz muito tempo que não consigo
andar sozinho por uma rua assim...
Antes que ele pudesse terminar a frase, ela fingiu tropeçar e
lutar para se equilibrar, tropeçando nele com força suficiente para
fazê-lo recuar. Um de seus punhos fechados saiu de seu bolso para
golpeá-lo no lado.
Ele se afastou dela com um suspiro assustado. Ao fazê-lo, ela
arregalou os olhos e ergueu as mãos para ele.
— Deus, me desculpe! — ela exclamou, então continuou
correndo pelo caminho. Então ela parou e se virou.
Ela abriu o outro punho para revelar uma arma semelhante a
uma caneta em sua mão. Quando ela bateu na ponta, uma lâmina
longa e fina disparou.
— O que acabei de fazer foi exatamente como um anarquista
assassinou a imperatriz da Áustria em 1898. — Ela comprimiu a
lâmina de volta em seu suporte novamente. — Basta um piscar de
olhos.
Ela meio que esperava que ele empalidecesse com suas
palavras, mas em vez disso, seus olhos apenas caíram para a
lâmina em sua mão antes de voltar para seu rosto. Havia um
vislumbre de grave admiração em relação a ela em sua expressão,
e ela se perguntou quando foi a última vez que ele foi pego
completamente desprevenido assim.
— E como devo estar constantemente preparado para um
ataque de faca? — ele perguntou.
— Seus instintos são mais valiosos do que você imagina. A
única diferença entre os instintos de uma pessoa normal e os de um
agente é que um agente é treinado para reagir de várias maneiras.
Agora, neste cenário, o que seus instintos atuais diriam para você
fazer?
— Correr?
— Honestamente, não é um plano ruim — respondeu Sydney.
— Se puder, desvie e corra. Você é rápido, eu vou te dar esse
crédito, eu já vi suas filmagens no palco várias vezes.
Ele deu a ela um sorriso divertido.
— Você viu, é?
Sydney franziu o cenho, forçando-se a diminuir o rubor com
suas palavras.
— Sim. Chama-se pesquisa para o trabalho. De qualquer forma,
use sua velocidade a seu favor. Fugir pode ser sua melhor escolha.
Ele franziu a testa.
— E se não for?
— Eu vou te mostrar. — Sem aviso, ela jogou a faca nele.
Para sua surpresa, Winter recuou rapidamente e pegou a faca
com uma das mãos.
— Bons reflexos — disse ela. — Canhoto?
— Ambidestro. — Ele olhou para ela. — E agora o quê?
— Tente me pegar.
Winter respirou fundo e recuou alguns passos. Ele andou em
direção a ela da mesma maneira indiferente. Mais uma vez, Sydney
se sentiu impressionada. Ele havia memorizado seus movimentos
anteriores, até mesmo a maneira como ela piscava e olhava em
volta, e os reproduzia tão bem que era como se já tivesse sido
treinado neste exercício.
Ao passar por ela, tropeçou e caiu contra ela. Sua mão direita
brilhou como se fosse atacá-la com o canivete. Afinal, ele era
ambidestro.
Sydney se moveu mais rápido do que ela podia pensar. Seu
corpo se curvou instantaneamente para longe – no mesmo
movimento, seu braço disparou e agarrou seu pulso em um aperto
de torno. Ela o torceu com força, ouvindo-o grunhir, então puxou-o
para ela enquanto se inclinava para trás e puxou seu braço em um
ângulo reto desconfortável. Sua perna saiu para derrubá-lo. Em um
piscar de olhos, ela estava com o joelho no peito dele e a faca em
sua garganta, seus rostos a apenas alguns centímetros um do outro.
Ele piscou, atordoado momentaneamente em silêncio, e ela se
viu estudando seus alunos por hábito. Eles estavam contraídos de
dor, revelando todos os cortes marrom-dourados em suas íris. Sua
respiração superficial era quente contra sua pele, e ela notou os
duros painéis de seu corpo enquanto seu peito subia e descia sob
seu joelho. Ele estava olhando para ela agora, realmente
absorvendo-a e embora ela não soubesse o que ele viu, ela sentiu
seu coração dar uma guinada inesperada em sua atenção.
Então ele estremeceu, seu braço ainda preso dolorosamente
pela outra mão dela.
— Tudo bem — disse ele com a voz rouca. — Solte.
Ela o soltou e ofereceu a mão para puxá-lo para cima.
— Você pratica isso por dois anos consecutivos — disse ela —
e isso se torna uma nova parte de seus instintos. Como outro
sistema imunológico.
— Bom saber.
— Agora, tente você.
Quando Sydney teve dificuldades no início para aprender os
movimentos de combate, Sauda a tranquilizou, dizendo que a
maioria das pessoas dedicava tempo para treinar suas reações até
se tornar algo instintivo.
Mas quando ela investiu contra Winter desta vez, ele reagiu
instantaneamente. Cada um de seus movimentos imitava os
anteriores perfeitamente, até o ângulo específico de seu corpo e a
volta de seu braço. Ele executou com tanta precisão que ela não
teve tempo de sair de seu bloqueio. A perna dele a tirou do chão.
Ela caiu e um piscar de olhos depois, ela se viu de costas, o
joelho de Winter pressionado levemente contra seu peito, a faca em
sua garganta.
Por um momento, ela apenas olhou para ele, com o coração
batendo forte, todo o sarcasmo esquecido. Seus pulmões se
contraíram em um espasmo doloroso e ela respirou fundo. Ela levou
semanas para dominar esses movimentos. Dois anos para torná-los
parte de seu instinto. E este menino tinha acabado de absorvê-los
como se não fosse nada.
Dançarino treinado, de fato.
— Isso foi quase bom demais — ela murmurou.
Ele piscou, então se levantou, estendendo a mão para ela.
— É como aprender uma coreografia — ele respondeu.
Ela estreitou os olhos, estudando as breves emoções que
passavam pelo rosto dele. Ele não estava dizendo a ela algo.
— Você já foi atacado por uma faca antes — ela disse
cuidadosamente.
Ele hesitou, depois assentiu.
— Uma vez — ele respondeu. — Fora de uma festa pós-festa,
quando uma multidão me cercou e me separei dos meus guarda-
costas. Claire me fez fazer um curso de autodefesa depois disso.
Ela franziu a testa.
— Não havia nenhum artigo sobre isso.
— Porque eu não sabia que tinha sido esfaqueado até que
Claire me colocou em nosso carro — ele explicou. — E eu insisti
que meu médico particular me tratasse ao invés de ir a um hospital.
Não houve nem uma palavra sobre isso.
— Você não contou a ninguém?
— Ninguém, exceto Claire.
De alguma forma, ela pensou que um cara como Winter gostaria
de falar com a imprensa sobre um incidente como aquele para
angariar publicidade. Ela nem o teria culpado por isso.
Talvez Winter realmente fosse privativo. Ela analisou o rosto
dele, imaginando de que outra forma desvendá-lo. Tentando não
pensar em seus próprios encontros com uma faca.
— Legal da sua parte não preocupar sua mãe — ela finalmente
disse, mais gentil dessa vez.
— Ela não teria ficado preocupada — ele respondeu.
Ela olhou de volta para ele para ver que seu sorriso havia
assumido uma qualidade desbotada.
— Sinto muito — ela decidiu responder.
— Tudo bem.
Ela estudou a expressão dele e a afastou rotineiramente, irritada
com o lampejo de simpatia que surgiu em seu peito. Esse era o tipo
de coisa que alguém diria a uma pessoa que consideraria um amigo
e, mesmo agora, ela podia senti-lo abrindo um pouco de sua
barreira para ela, confidenciando-lhe algo que ele parecia manter
perto de seu peito.
Mas ela não era sua amiga. Ela era uma agente que o treinava.
Então ela suspirou e confessou:
— Você vê como eu fiz essas perguntas? — ela perguntou.
Ele olhou para ela, confuso com sua fala.
— O que você quer dizer?
— Enquanto você estava ocupado praticando meu segundo
conselho — disse ela, acenando com a faca uma vez —, nós
também repassamos meu terceiro.
Winter hesitou por um momento antes que a compreensão
surgisse em seus olhos.
— Você estava me interrogando?
Sydney assentiu.
— Ser um agente secreto é realmente construir a confiança de
outra pessoa em você. Cada momento é uma oportunidade para
você obter detalhes de alguém sobre sua vida e para eles fazerem a
mesma coisa com você. Fiz você se concentrar em aprender a se
defender com uma faca. Seu foco estava em outro lugar, e eu
aproveitei isso, fiz perguntas sobre o seu passado enquanto você
estava distraído e derrubou suas barreiras. Então aqui está minha
terceira regra universal. Sempre faça as pessoas ao seu redor
confiarem em você e nunca confie em mais ninguém.
Pela primeira vez, havia mágoa em seus olhos. Ela o havia
ferido genuinamente. Ela podia ver a maneira como algo em seu
olhar se fechou, o leve recuo de seu corpo para longe dela, a
pontada de traição afiada em seu rosto antes que ele o suavizasse,
deixando suas paredes se levantarem novamente.
Ela sempre odiou essa parte do treinamento, mesmo com
alguém de quem ela não gostava. Mas enganar era um daqueles
instintos que haviam sido treinados nela, e isso a mantinha fria.
— É um trabalho solitário — ela disse —, mas você não vai
perceber o quão solitário é até começar. Você aprenderá a lidar com
isso, eventualmente.
Seu olhar queimou através dela agora.
— É por isso que você faz seus exercícios respiratórios
secretos? — ele perguntou. — Para lidar? Ou você tem pulmões
ruins?
Agora foi a vez dele de surpreendê-la. Ela piscou para ele.
— O que você quer dizer?
Ela podia dizer pelo rosto dele que ele sabia que tinha acertado
em alguma coisa. Quando voltou a falar, sua voz estava mais baixa,
como se quisesse ter certeza de que ninguém os ouviria.
— Seus exercícios respiratórios. Percebi isso desde o nosso
primeiro encontro, como você inspira lentamente pelo nariz e depois
expira duas vezes mais devagar pela boca. — Ele assentiu, olhando
de soslaio para ela. — Aprendi o mesmo exercício para fortalecer
meus pulmões para minhas apresentações. Mas por que você
precisa de terapia respiratória?
Bem. Sydney lembrou a si mesma mais uma vez que Winter não
era estúpido. Ele havia voltado o interrogatório para ela, retrucado
no momento em que ela estava com pena dele. Por um segundo,
ela apenas olhou para ele.
As memórias correram por ela…
… o som da respiração difícil de sua mãe no hospital…
… as dores persistentes no peito de Sydney que começaram na
adolescência, piorando sempre que ela estava sob estresse
extremo…
… seu diagnóstico voltando como a mesma condição crônica de
sua mãe…
… a maneira como ela lutou para respirar quando seu pai uma
vez a ameaçou com uma faca de cozinha…
A memória desapareceu, deixando apenas um velho medo
sentado em seu peito.
Winter apertou os lábios.
— Panaceia não sabe, não é?
Três anos, ela tinha escondido isso com sucesso de todos em
uma agência de inteligência. Como ele descobriu isso? Como ele
pode ter notado tão rapidamente?
— Você está sugerindo que eu sou uma mentirosa? — ela
disse, sua voz baixa, um fio de raiva nela.
Ele olhou diretamente para ela.
— Estou sugerindo que dois podem jogar no seu jogo.
— Criativo da sua parte — ela respondeu laconicamente. —
Mas meus pulmões estão indo muito bem.
Ele a estudou.
— Eu não vou dizer a eles, você sabe — disse ele calmamente.
O garoto diante dela tinha o poder de acabar com sua carreira
agora mesmo. Para dissolver tudo o que importava para ela.
Seu treinamento começou. Seus olhos se estreitaram. Em vez
de responder, Sydney jogou a faca de volta para ele.
— Não há nada para contar — disse ela.
Winter pegou a faca suavemente com uma das mãos e a girou,
como se fosse apenas mais um movimento de dança que ele vinha
praticando toda a sua vida. Então ele jogou a faca de volta. Ela
pegou.
— Você aprende rápido — disse ela.
— Sim, senhora — ele respondeu, seu olhar ainda fixo nela. —
Tão rápido quanto você pode contar uma história.
Ele estava abrindo buracos em seu escudo, procurando pistas
sobre seu passado tão impiedosamente quanto ela fizera com ele.
Ela podia sentir seu coração disparar, de repente aquela garota
presa novamente, desesperada para escapar.
Ela não sabia se ele notou desconforto em sua expressão – ela
duvidava, já que havia treinado bem para manter suas emoções
longe de seu rosto. Mas as palavras dele ecoaram em sua cabeça
enquanto ela continuava a lição. Ela não tinha ideia se ele iria
manter seu segredo, ou se iria direto para Sauda e Niall depois
disso – e ela não podia suportar a ideia de pedir a ele para guardar
para si mesmo. Admitir que era verdade.
Mas seja qual for o motivo, ele recuou, pegou a faca e a girou
na mão.
— Que bom que estamos em sincronia — disse ele.
Ela entendeu o que ele quis dizer. Se eu posso confiar em você,
você pode confiar em mim.
— Vamos continuar assim — ela respondeu.
Ele sorriu um pouco para ela. E quando eles passaram para o
próximo exercício, ele soou como sempre esteve perto dela, sem
nenhuma indicação de que ele sabia algo sobre o segredo dela.
Ela tinha que ser melhor em manter distância. Ela tinha que ser
mais cuidadosa com esse garoto.
9

A calmaria antes da tempestade

— Você está saindo com alguém.


Winter lançou um olhar exasperado para Dameon enquanto eles
se sentavam juntos ao redor do fogão em sua mesa.
— Não, não estou — respondeu ele. A churrascaria coreana
estava fervilhando de atividade, mas o canto deles estava quieto, as
mesas ao redor deles ocupadas pela equipe de segurança enquanto
curiosos ansiosos permaneciam nas ruas. Alguns fãs usavam
moletons estampados com as palavras EU SOU UM ESPIÃO, uma
menção à sua roupa recente que rapidamente se tornou a última
tendência da moda.
— Então você pelo menos está pensando em alguém — Leo
continuou. — Eu posso dizer que está.
Era verdade que ele estava pensando em alguém –
especificamente, Sydney Cossette – embora certamente não fosse
porque ele queria sair com ela. Depois de uma semana de
treinamento extenuante, sua mente nadava com nada além de
técnicas e estratégias e a imagem do rosto frio e duro de Sydney.
Ele não conseguia parar de intrigar-se com o mistério dela, a
maneira como ela conseguia extrair detalhes de sua vida apenas
observando as hesitações em suas respostas, a carranca que ela
lhe deu quando ele a confrontou sobre suas técnicas de respiração.
À noite, quando tinha tempo para trabalhar em sua música,
encontrava indícios dela se insinuando nos compassos e nas
palavras, fragmentos de melodias que o lembravam dela.
Não que ele pudesse contar nada disso para Leo ou Dameon.
Uma das lições de Sydney surgiu espontaneamente em sua mente.
Às vezes as pessoas só querem validação. Dê um pouco a elas
e você ficará surpreso com o quanto de uma conversa você pode
conduzir.
Então ele disse:
— Tudo bem. É uma menina. Mas não porque eu gosto dela.
Leo se aproximou e sorriu.
— Sim, você gosta.
— Eu não gosto. Ela é irritante como o inferno.
— Como minha mãe sempre diz: não minta para mim sobre a
verdade.
— Espere. — Dameon fez uma pausa enquanto virava as tiras
de bife na grelha. Ele apontou as pinças para Winter. — Você não
acabou de contratar alguns novos seguranças? Uma delas é uma
garota da nossa idade.
— Eu a vi outro dia, almoçando com Claire. — Os olhos de Leo
se arregalaram, depois voltaram para Winter. — É ela, não é? Ela é
bonita.
Dameon assobiou, seus olhos se demorando pensativamente
em Winter.
— Romances com guarda-costas são complicados.
Winter jogou as mãos para cima.
— Não é, porque não há romance. Eu simplesmente odeio tê-la
por perto.
— Por que?
— Ela é… — Winter lutou para encontrar uma descrição. —
Muito observadora.
Dameon levantou uma sobrancelha.
— Ela olha muito para você?
— Ela me faz sentir como se sempre tivesse algo preso em
meus dentes.
— Então... ela é apenas boa em seu trabalho?
Leo sorriu de soslaio para Dameon.
— Eu acho que é porque ela não deu uma olhada nele e se
derreteu. Deixou ele baqueado.
— Ninguém se derrete quando olho para eles — Winter
zombou, irritado com o rubor crescente em suas bochechas
enquanto ele agarrava as pinças e jogava tiras de bife prontas nos
pratos de seus amigos.
— É como a Cidade do México de novo — continuou Leo. —
Você se lembra do ano passado, quando estávamos lá? Winter
acordou tarde depois do nosso show.
— Nunca acordo tarde — respondeu Winter. Ele enrolou um
pequeno pedaço de bife em uma fatia fina de rabanete em conserva
e colocou na boca, saboreando a explosão de sabores.
— Mas você estava atrasado — Leo insistiu. — É por isso que
me lembro daquela manhã. Porque você se atrasou para o treino e
porque eu achei isso estranho.
— Eu não estava tão atrasado. Nosso set tinha terminado de
madrugada — respondeu Winter. — Você não se lembra?
— Quatro ensaios — Leo disse. — Eu lembro.
— Ficamos acordados até às cinco no hotel. Max levou
tlacoyos1 para nós, daquele estande na esquina da rua. — Ele
estalou os dedos duas vezes, como se tentasse lembrar os nomes
das ruas.
— Tonalá e Campeche — Dameon lembrou serenamente do
outro lado de Winter enquanto distribuía mais carne cozida em cada
um de seus pratos.
— E então você não voltou para o seu quarto — Leo
acrescentou com um sorriso malicioso.
— Eu voltei — disse Winter.
— Não, você não voltou — Leo pressionou. Ele olhou para ele
através de sua confusão de cachos grossos. — Porque eles
deixaram uma máscara de dormir para você no meu quarto por
acidente e eu a levei até o seu quarto, e você não estava lá.
— Eu provavelmente estava desmaiado — disse ele.
— Não do jeito que eu estava batendo na sua porta, você não
estava. — Leo apontou um dedo para Winter. — Você foi para a
casa daquela garota — ele disse. — Mercedes. Nosso ato de
abertura. Cinco da manhã, você saiu do hotel sozinho e voltou de
táxi. Eu sabia que você ainda estava saindo com ela naquela época.
Toda vez que você está na Cidade do México, não é mesmo?
— Eu não fui para a casa dela — disse Winter com um olhar.
Uma pausa. Então ele murmurou: — Eu não queria que as pessoas
descobrissem onde ela morava.
Leo bateu palmas de alegria, como um irmãozinho que acaba
de resolver um mistério.
— Alugou uma propriedade particular em algum lugar com ela,
então.
— Como tudo isso se parece com o que aconteceu na Cidade
do México? — Winter protestou.
— Porque você também não suportava a Mercedes durante os
ensaios. Vocês dois estavam praticamente gritando um com o outro.
E então isso se transformou em vocês dois enfiando a língua na
garganta um do outro.
Dameon riu um pouco, mas seus olhos ainda estavam seguindo
Winter, estudando-o daquele jeito quieto dele. Winter tentou ignorá-
lo, mas podia sentir o calor na nuca. Dameon sempre foi assim; foi
parte da razão pela qual eles se aproximaram tão perto tão
rapidamente. Ele podia sentir todas as pequenas perturbações no
humor de Winter – quando ele teve uma conversa ruim com sua
mãe, quando ele não descansou o suficiente na turnê, quando ele
não estava pronto para um dia de coletiva de imprensa. Isso ao
mesmo tempo o perturbava e o confortava, fazendo-o querer
confessar seus segredos.
Winter sabia que Dameon podia sentir algo sobre ele agora
também. Mas quando ele falou, ele apenas seguiu a linha de
pensamento de Leo.
— Droga, garoto — disse Dameon. — Você teve uma queda por
ela. Não posso culpá-lo. — Ele cutucou Winter, fazendo-o derramar
um pouco do soju que estava bebendo. — Assim como em Nova
Orleans. Quem era aquela garota que você trouxe para o churrasco
da minha mãe?
— Aleksa — disse Winter, pousando o copo e limpando a
camisa.
Dameon estalou os dedos.
— Aleksa — disse ele. — O ser humano mais gostoso que já vi
na minha vida.
— Sério? — Winter cutucou Dameon para trás, com força, nas
costelas. — E aquele cara que veio conosco para a Itália?
— Jinhai? Eu acho. — Dameon levantou uma sobrancelha para
ele. — Quase tão bonito quanto você.
Winter revirou os olhos com a maneira como seu amigo
contornou o passado deles na frente de Leo. Ele ainda se lembrava
da primeira noite em que visitou Dameon em seu quarto de hotel.
Foi na segunda turnê juntos, quando a pressão sobre Winter o
mantinha acordado o tempo todo. Antes de Dameon abrir a porta
naquela noite sem dormir, Winter só pretendia ter uma conversa
franca com ele, estava procurando por um espírito semelhante – ou,
pelo menos, uma pílula para dormir. Em vez disso, ele deu uma
olhada em Dameon ainda vestido com uma camisa de colarinho
meio abotoada amassada e jeans rasgados, seus dreadlocks
amarrados casualmente, sua expressão nada surpresa, como se
esperasse que Winter aparecesse todo esse tempo... bem, no final,
eles acabaram na cama juntos. Eles continuaram todas as noites
por várias semanas antes de terminar, ambos muito estressados
pelo peso de um relacionamento secreto interferindo em seu
trabalho. Desde então, eles estabeleceram uma amizade, do tipo
que você só pode ter com alguém que o conhece como ninguém.
Agora ele podia sentir Dameon ainda o estudando, tentando
descobrir seu humor.
— Você mantém contato com ele? — ele perguntou, como se
tentando mudar de assunto. — Faz anos.
— Não. — Dameon balançou a cabeça. — É muito ruim. Minha
mãe gostava dele.
— Você sabe por que vocês dois não estão em relacionamentos
de longo prazo? — Leo disse, sem saber dos segredos sendo
passados de um lado para o outro entre eles.
— Porque nunca estamos na mesma cidade por mais de um
mês? — Dameon sugeriu.
— Não, porque vocês não sabem cozinhar.
— Você também não está em um relacionamento de longo
prazo — disse Winter.
Leo o ignorou alegremente.
— Você não sabe nem fazer torradas.
Winter apontou um dedo defensivo para Leo.
— Isso foi só porque eu não tinha uma torradeira e estava
fazendo em uma panela.
— Você disparou os alarmes de incêndio de todo o hotel —
Dameon admitiu.
Leo balançou a cabeça.
— Todas as minhas tias ficariam desapontadas com vocês dois.
Winter sorriu encantadoramente para ele.
— Suas tias adoram o fato de não sabermos cozinhar para nós
mesmos.
— Mais do que elas me amam, com certeza — retrucou Leo,
embora também houvesse um pequeno sorriso em seus lábios,
sabendo que isso não era verdade. Winter tinha visto por si mesmo
como a família de Leo se preocupava com ele, e as malas de
presentes que ele trazia para casa para eles, por sua vez.
— Vou ensinar vocês dois a fazer um bom ensopado na nossa
próxima viagem — Leo continuou, arrancando gemidos dos outros
dois como se essa conversa já tivesse acontecido antes. — Não,
escute, confie em mim. Minha mãe sempre dizia, se você aprender
a fazer um bom pozole2, você vai conseguir qualquer pessoa para
se comprometer.
Enquanto Leo e Dameon começavam a discutir sobre pozole,
Winter se permitiu respirar fundo. Pelo menos seu breve interesse
no relacionamento de Sydney com ele foi desviado; pelo menos
Dameon finalmente o poupou e desviou seus olhos curiosos. E pelo
menos Sydney não estava aqui esta noite, ela não começaria a
proteger Winter até amanhã, quando eles partissem para Londres.
Mas o incomodava a facilidade com que Leo conseguia lê-lo, como
Dameon sabia imediatamente que algo estava diferente, mesmo
que não conseguisse adivinhar exatamente por quê.
Não parecia importar que Sydney não estivesse fisicamente
aqui. Ele não conseguia tirá-la da cabeça, seu olhar penetrante ou a
carranca que permanecia em seus lábios, a aspereza de sua língua
ou o leve arrepio de medo que sentia toda vez que estava perto
dela.
Afinal, como uma garota como ela tropeçou em uma agência
como a Panaceia?
Os olhos de Winter instintivamente encontraram Claire, que já
estava olhando em sua direção da mesa adjacente. Ela inclinou a
cabeça interrogativamente para ele, então murmurou: Você pode ir
embora.
Ele deu a ela um aceno cansado, grato que ela pudesse ler sua
mente. Resumidamente, ele relembrou o incidente quando foi
esfaqueado. Ele estava tão ansioso para sair da multidão e entrar
no carro que o esperava que nem sentiu a dor no lado. Claire foi
quem viu o sangue encharcando sua camisa dentro do carro. Ele
ainda podia ouvir seu suspiro horrorizado, podia se lembrar de cair
fracamente em seus braços enquanto ele sangrava por todas as
mãos.
Não, ele se lembrava de ter implorado a ela. O hospital não.
Não porque ele não quisesse que eles o tratassem – mas porque
ele estava com medo da possibilidade de que isso estaria em todos
os noticiários e ainda assim sua mãe não se incomodaria em ler
sobre isso, que ela não apareceria para visitá-lo lá.
Seus olhos se voltaram para as janelas, para as ruas envoltas
na noite. Por um momento, os sons ao seu redor pareciam mudos, e
as imagens daqueles que ele conhecia – Leo e Dameon discutindo,
Claire discutindo estratégia com sua equipe – pareciam distantes,
um espaço seguro que ele de alguma forma não conseguia
alcançar.
A essa hora do dia seguinte, ele estaria em Londres. A partir de
então, ele estaria na escuridão do campo, incapaz de confiar em
ninguém, exceto em uma garota que parecia não querer nada com
ele. Ele nem tinha certeza se voltaria.
As palavras de Sydney em sua semana de treinamento
ecoaram em sua mente.
É um trabalho solitário, mas você não vai perceber o quão
solitário é até começar.
Ele já podia sentir isso. E de alguma forma, era familiar.
1. Tlacoyo é um prato mexicano de origem pré-hispânica feito de masa. Os tlacoyos são
mais grossos que as tortilhas de milho fresco e são recheados com queijo, favas, feijão
moído cozido, chicharron e outros ingredientes antes de serem fritos ou torrados.
2. O pozole é um tradicional prato da culinária do México, seus principais criadores
foram os Astecas, originado na era pré-colombiana. Consiste numa sopa ou guisado feito
de milho da variedade cacahuacintle nixtamalizado, com carne de porco ou galinha.
REGISTRO DE MISSÃO

AGENTE B: — Apenas fique feliz por eles estarem cooperando um com o


outro.
AGENTE A: — Estou feliz.
AGENTE B: — Ah. Uma carranca é uma maneira confusa de sinalizar
isso.
AGENTE A: — Só estou preocupado.
AGENTE B: — Sobre eles se dando bem?
AGENTE A: — Sobre o Alerta Laranja.
AGENTE B: — Recebemos um Alerta Laranja todos os anos sobre uma
coisa ou outra. O funcionário do refeitório já foi preso e
interrogado. Nada foi retirado de nossos servidores.
AGENTE A: — Olha, não estou dizendo para cancelar todas as missões
por causa de um Alerta Laranja.
AGENTE B: — Você está preocupado com .
AGENTE A: — Sei que já a colocamos em situações ruins antes. Mas
uma coisa é seguir , e outra é fazê-lo depois de
uma violação de segurança na sede.
AGENTE B: — Devo tirá-los disso?
AGENTE A: — Não. Este sou apenas eu me preocupando com você.
AGENTE B: — Eu ia ligar para em Londres, dizer a eles
para ficarem de olho em nossa dupla assim que chegarem.
Não se preocupe. Teremos um relatório completo sobre a
violação hoje à noite.
AGENTE A: — Ótimo. Obrigado.
AGENTE B: — Você está bem?
AGENTE A: — Ótimo.
AGENTE B: — Eu conheço esse olhar e digo isso com amor. Ela não é
sua filha.
AGENTE A: — Acredite em mim, nunca me senti tão aliviado com nada
na minha vida.
10

Monstros parecem cavalheiros

Nunca deixou de surpreender Sydney o quão diferentes suas


picapes eram para várias missões. Um ano atrás, ela subiu em um
jipe às quatro da manhã, disfarçada de equipe de limpeza, em uma
base militar com vista para os mares tropicais escuros que cercam o
Atol de Kwajalein, nas Ilhas Marshall. Sete meses atrás, ela pulou
na parte de trás de um riquixá enquanto discutia em francês com o
motorista quando saíam da margem do rio Congo em Kinshasa,
enquanto um protesto se espalhava em torno deles entre os
seguranças de um empreendimento de luxo e a vila de pescadores
rio abaixo.
Hoje ela estava vestida com um terno preto mais caro do que
seu aluguel mensal, desembarcando de um jato particular em
Heathrow Londres com uma superestrela chamada Winter Young;
sua empresária, Claire; dois de seus dançarinos de apoio; e quatro
outros seguranças.
Era o início da noite e o prelúdio de uma tempestade começava
a garoar na pista. As bordas do céu estavam repletas de tons de
roxo profundo e azul. Os atendentes se alinharam ao pé da escada
e, quando Winter saiu do jato com sua comitiva, eles pegaram seus
itens e os levaram para um sedã preto. Panos limpos e úmidos
foram entregues a eles, junto com sprays refrescantes e um
conjunto de artigos de toalete de luxo. Havia até um engraxate na
porta do sedã, dando a cada um deles uma rápida polida nas botas
antes de entrarem no carro.
Enquanto esperavam para entrar, Sydney viu Winter inclinar a
cabeça para o céu e saborear a sensação da chuva caindo em seu
rosto. Havia algo cativante no gesto que a fez sorrir. Um par de
aviadores tingia a pele ao redor de seus olhos fechados de um
verde fraco. Sob um casaco de pavão drapeado, sua camisa de
colarinho estava amarrotada como se ele tivesse dormido nela – as
mangas empurradas ao acaso até os cotovelos e expondo as linhas
geométricas de suas tatuagens, os botões superiores de seu
colarinho ainda abertos – e seu cabelo estava no nível perfeito de
desarrumado. Suas calças eram claramente de grife, perfeitamente
ajustadas para terminar logo acima dos tornozelos. Ele parecia ter
literalmente acabado de sair da cama e, de alguma forma, ele
também parecia melhor do que em qualquer outro momento da
semana anterior, o que ela achou realmente insuportável depois de
um voo de dez horas.
Ele pegou sua expressão.
— O que?
Seu sorriso vacilou. Ela estalou de volta para si mesma.
— Nada — ela disse.
Todos eles se amontoaram. Leo assobiou apreciativamente
quando eles deslizaram para os assentos de couro macio.
— Minhas tias querem que eu leve um pouco de chocolate para
elas — disse ele a Claire. — Acha que podemos fazer um desvio?
Claire levantou uma sobrancelha para ele.
— Observado. Algum pedido especial?
— Cadbury Twirls — Leo disse.
— Alguém mais? — Claire disse enquanto batia no telefone.
— Yorkies — respondeu Dameon.
— Barras Galaxy — acrescentou Winter. — Kinder Buenos.
— Apenas Necco Wafers — disse Sydney. — Se você puder
encontrá-los aqui.
Todos olharam para ela.
Dameon piscou para ela.
— Necco Wafers?
— Sim.
— Você é a única pessoa que conheço que come isso — Leo
disse. — Eles não têm gosto de giz?
— Eu gosto deles — respondeu ela.
Winter deu de ombros.
— Deixe-a em paz — disse ele, voltando aos seus rabiscos.
Ela sorriu um pouco com suas reações. Como se para provar
isso, ela tirou um rolo de balas Necco Wafer que normalmente
guardava no bolso e o estendeu.
Todos balançaram a cabeça educadamente.
Sydney enfiou uma bolacha na boca, mastigando à toa.
— Mais para mim, eu acho.
Leo e Dameon começaram uma conversa baixa sobre algo,
enquanto os outros seguranças ficaram em silêncio e a ignoraram.
Sydney os ignorou de volta enquanto brincava com o papel
encerado do doce. Seus olhos pousaram novamente em Winter, que
estava inclinado para trás, a perna esquerda apoiada no joelho
direito, e perdido em concentração enquanto rabiscava em um bloco
de notas muito usado. Escrevendo música, ela assumiu. Ela tinha
que admitir isso para ele, pelo menos – o garoto trabalhava com
uma intensidade que a surpreendeu, ele treinou com ela com o foco
laser de alguém acostumado a dar tudo de si em seu trabalho.
Talvez ele até se lembrasse de tudo que ela lhe ensinou.
Ela sentiu a coceira familiar para roubar alguma coisa, e seu
olhar se demorou em seu caderno.
Seus olhos piscaram para ela, como se ele tivesse ouvido seus
pensamentos. Ela desviou o olhar rapidamente, reprimiu o desejo e
mordeu outro Necco Wafer.
— Nós aterrissamos — Claire estava dizendo agora, olhando
para nenhum deles enquanto examinava seu telefone —, nós somos
buscados para ir para o lugar onde Eli Morrison colocou vocês, e
então saímos para jantar às seis.
Sydney analisou Claire enquanto a mulher prosseguia. Tão boa
quanto ela falava, ela podia dizer que Claire não era uma falante
natural. Também não era extrovertida. Ela notou isso na maneira
como a mulher parecia não saber exatamente o que fazer com as
mãos ao falar com outras pessoas, então, em vez disso, ela
segurava o telefone o tempo todo como um conforto inconsciente.
Seu olhar disparou para os dois dançarinos sentados com
Winter. Era chocante ver garotos tão atraentes enfileirados. Ela
sabia que o que estava à esquerda de Winter se chamava Leonardo
Medina Santiago, bonito e alegre, o caçula de uma família de quatro
pessoas que – ela descobriu enquanto fazia pesquisas sobre a
equipe de Winter – havia desistido de uma oferta para frequentar a
Universidade de Stanford a fim de prosseguir seu sonho de estar em
um palco, para grande angústia de seus pais. Ela estudou como seu
corpo se contorcia com energia inquieta, como ele se inclinava para
Winter. Sua confiança era genuína, do tipo que vinha de uma família
sólida.
O outro era Dameon Carter, de olhos castanhos, alto e magro
com dreadlocks, mais bonito do que bonito, um menino negro de
Nova Orleans que tinha cinco irmãos mais novos – o que poderia
explicar a infinita paciência que ele parecia ter. Dameon descansava
silenciosamente do outro lado de Winter, com os olhos fechados,
contente em ouvir enquanto Leo divagava. Sempre que Winter ria
ou respondia, seus olhos se abriam, como se atraído por sua
presença. Havia uma espécie de passado entre ele e Winter, e uma
serenidade no menino que intrigava Sydney, principalmente porque
ele também parecia ainda perceber tudo.
Finalmente, Dameon olhou para ela e disse:
— Peço desculpas em nome desses idiotas, Ashley. — Ele
inclinou o olhar na direção dos outros. — E que você tenha que
aturar Winter de agora em diante.
Ashley, seu nome falso. Sydney sorriu para Dameon.
— Acredite em mim, já vi de tudo nessa linha de trabalho.
Leo se inclinou para frente conspiratoriamente em direção a ela.
— Você tem que ter algumas histórias para compartilhar
conosco, certo? — ele murmurou para ela com uma piscadela. —
Aventuras protegendo as pessoas?
— Ah — respondeu Sidney. — E como tenho.
Leo riu.
— Nunca estive tão animado para viajar com todos vocês.
Dameon olhou curiosamente para ela.
— Quantos anos você tem, afinal? Quantos trabalhos você
poderia ter tido?
Sydney sorriu um pouco para ele.
— Você ficaria surpreso.
Claire levantou uma sobrancelha para eles pelo telefone.
— Ashley nos foi recomendada pela Segurança Elite — disse
ela. — Vocês, meninos, se comportem perto dela. E eu estou
falando sério. — Ela olhou para Ashley, seu próprio olhar cauteloso.
— Disseram-me que ela é uma das melhores seguranças deles.
Winter me convenceu a contratá-la. Agora deixe-a em paz. Ela está
aqui para garantir que todos fiquem seguros.
Leo assobiou um pouco.
— Segurança Elite. A melhor do ramo.
— Isso não é brincadeira — acrescentou Dameon, parecendo
impressionado. — Ouvi dizer que todos vocês foram treinados na
base de fuzileiros navais.
Winter apoiou-se nos joelhos.
— Então é melhor ter cuidado com o que você revela ao redor
dela — ele disse. — Ela capta tudo.
Sydney estreitou os olhos para ele. Ele ainda não a havia
perdoado totalmente por suas sessões de treinamento.
— Eu diria que é meu trabalho captar tudo, Sr. Young — ela
respondeu.
Winter sorriu inocentemente para ela.
— E?
E você parece a pessoa mais gostosa que já existiu. A resposta
honesta disparou espontaneamente em sua mente.
Ela odiou poder sentir um leve rubor subindo em suas
bochechas, especialmente porque ela sabia que ele estava tentando
irritá-la.
Então, em vez disso, ela disse friamente:
— E você deveria atualizar sua colônia. É horrível.
Não era – o fazia cheirar como um sonho. Mas Dameon soltou
um assobio baixo e trocou um olhar compreensivo com Leo, depois
olhou para Winter.
Winter apenas se recostou em seu assento e desviou o olhar
com uma carranca.
O resto da viagem transcorreu sem intercorrências. As ruas
molhadas de Londres borradas do lado de fora das janelas, a
cacofonia de altos ônibus vermelhos e motocicletas, ambulâncias e
multidões se misturando em um ambiente estável. Os dedos de
Sydney brincaram com o rolo de bolachas em seu bolso enquanto
ela revisava o plano em sua cabeça.
Uma hora depois, eles entraram em uma trilha lavada pela
chuva em Kensington. O carro deixou Leo e Dameon em um
complexo reservado para eles e vários outros tripulantes. Em
seguida, parou diante de uma elegante propriedade em estilo
georgiano, com os galhos nus de uma glicínia subindo pela fachada
de pedra branca.
Dois homens de terno preto já os esperavam lá. Quando eles
saíram, um dos homens se aproximou para estender a mão para
eles.
— Por aqui, por favor — disse o segurança.
Eles o seguiram pelos portões de ferro forjado até a entrada da
frente, um retângulo preto com o dobro da altura dela. O homem
abriu a porta e revelou o que parecia ser um sonho.
Não importava quantas vezes Sydney realizasse missões para a
Panaceia em bairros ricos, ela nunca se acostumaria a colocar os
pés em casas tão glamorosas como esta. Sydney cresceu em um
barraco de dois quartos, as cortinas todas apodrecidas, o carpete
pontilhado de mofo preto desde a época em que o andar térreo de
sua casa inundou durante uma tempestade de inverno.
Este lugar era maior do que qualquer residência em Londres
deveria ser. O foyer principal abria-se para uma ampla sala com
uma parede de fundo inteiramente de vidro que se estendia até o
terceiro andar. Do lado de dentro, Sydney podia ver um jardim
enorme e bem cuidado. Uma cortina de cascata descia por uma
seção da parede de vidro, escorrendo para uma piscina de borda
infinita coberta que percorria toda a largura dos fundos da casa. A
piscina foi projetada de forma que alguém pudesse nadar no calor
aconchegante do interior enquanto observava a chuva lá fora. Antes
da parede de vidro e da piscina, uma dramática escadaria de pedra
branca lisa se enrolava em espiral em torno de um lustre moderno
de cristais gotejantes.
Ao lado dela, Claire fez um som de aprovação ao espaço.
Winter estudou a casa com atenção. Sydney percebeu, para seu
aborrecimento, que um espaço como este devia ser uma segunda
natureza para ele, que sua própria casa provavelmente continha
luxos semelhantes.
A voz de um homem chegou até eles de algum lugar na sala
que eles não podiam ver, chamando-os para entrar. Sydney sentiu
os cabelos da nuca se arrepiarem. Enquanto percorriam o restante
do vestíbulo e entravam na sala de estar, ela se viu olhando
diretamente para duas figuras sentadas em um sofá curvo no lado
direito da lareira.
Eli Morrison e Penelope já estavam aqui. Diante deles, na mesa
baixa, havia um elegante banquete – pratos de caviar fresco, fatias
de frutas geladas, carnes cuidadosamente cortadas, refeições
artisticamente preparadas de filé mignon e lagosta. Taças de
champanhe que pareciam ter acabado de ser servidas.
Claire se inclinou para eles.
— Esqueça o jantar às seis — ela sussurrou. — Acho que
iremos jantar agora.
Sydney sentiu um aperto no peito. Eli Morrison não esperava
por ninguém. Ele era um bilionário e muitas pessoas
cumprimentavam os convidados para que ele não precisasse.
Mas aqui estava ele, em carne e osso, pronto e esperando com
sua filha. O homem parecia alto e em forma, com um bronzeado
intenso, cabelos grisalhos e rugas no sorriso. Ele usava uma
luxuosa camisa de linho por baixo de um terno de corte perfeito, e
suas mãos se acomodavam facilmente nos bolsos, dando-lhe uma
espécie de confiança fácil. Atrás de seus óculos havia um brilho em
seus olhos e um calor que, se Sydney não soubesse nada sobre
ele, ela teria achado genuíno.
Agora tudo o que ela podia fazer era imaginar aquele brilho em
seu olhar enquanto supervisionava a tortura de um refém. Enquanto
estalava os dedos e mandava executar uma família inteira.
Ela notou um empregado parado no canto, esperando para
atender a qualquer pedido. Mais dois estavam perto de uma grande
porta de vidro deslizante que levava aos jardins. Ela não tinha
dúvidas de que havia seguranças estacionados em toda a casa.
Eli Morrison sorriu para eles e se levantou. Penelope fez o
mesmo, torcendo as mãos nervosamente.
— Bem! — ele disse. Sua voz era calma e gentil, não o que
Sydney esperava. Arrepios correram por sua espinha. — Imagino
que o trânsito da cidade deve deixar vocês dois de mau humor.
Espero que seu lar temporário acalme isso.
Winter sorriu para ele.
— Eu acredito que sim.
Sydney deixou-se ficar um pouco mais perto de Winter. Deixe Eli
pensar que Sydney estava fazendo o papel de um bom segurança.
Ao lado de seu pai, Penelope Morrison descruzou os braços quando
eles se aproximaram. Agora Sydney podia ver que a garota estava
tremendo ligeiramente, seu sorriso oscilando entre animado e
apavorado. Sua mão repetidamente enfiou o cabelo atrás da orelha,
embora não houvesse fios soltos. Seus olhos brilhavam com
lágrimas de emoção, seu olhar fixo em Winter como se ela fosse
fisicamente incapaz de se virar.
Sua maior fã, de fato.
Quando ela olhou para Winter, ele parecia à vontade,
completamente despreocupado. Sem dúvida estava acostumado a
esse tipo de reação.
Eli sorriu para a superestrela.
— Winter Young — disse ele, estendendo a mão para ele. —
Gostaria de estender a você e sua equipe meus mais profundos
agradecimentos por nos encaixar em sua agenda lotada. Eu gosto
de ter certeza de conhecer alguém neste mundo que valha a pena
conhecer, e eu diria que você está no topo dessa lista para muitas
pessoas.
Para alívio de Sydney, Winter não perdeu o ritmo. Ele deu um
passo à frente, retribuiu o sorriso do homem e apertou sua mão
estendida.
— A honra é minha, senhor — ele respondeu. — Se eu
soubesse que você iria nos receber aqui, eu estaria vestido com
muito mais ansiedade.
Eli riu, dispensando a deferência de Winter.
— E como é isso, Sr. Young?
Winter olhou para o lado de Eli e encontrou o olhar de Penelope
pela primeira vez. Ela se assustou.
— Um cara tentando causar uma boa primeira impressão —
disse ele, dando a ela seu sorriso educado e secreto.
Ela desviou o olhar imediatamente, como se não pudesse
suportar. Em vez disso, seus olhos vagaram para Sydney. Sydney
ofereceu-lhe um aceno cortês.
— Esta é minha filha, Penelope Morrison — Eli disse, apertando
o ombro da garota afetuosamente. Sydney notou que Penelope não
respondeu ao gesto. — Ela tem falado muito sobre você há anos.
Winter fez uma reverência com a cabeça.
— Que honra, senhorita Morrison — ele disse a ela.
— Oh! — ela respirou, e por um momento, ela parecia sem
palavras. — A honra é minha — ela se recuperou. Sua voz tremia
um pouco, mas fora isso soava alta e clara. — Sou fã sua desde o
seu primeiro single. — Seu sorriso nervoso voltou. — Eu amo tudo o
que você já lançou.
Winter riu um pouco surpreso, como se fosse a primeira vez que
ouvia tal elogio.
— Isso significa muito, vindo de você — ele respondeu, e ela
corou tão vermelha que Sydney pensou que ela iria ceder.
Winter olhou para Sydney.
— Esta é Ashley Miller, uma dos meus melhores seguranças. —
Então ele acenou para Claire, que ofereceu a ambos um sorriso
educado. — E Claire Richardson, minha empresária.
— Claro — disse Eli Morrison, dando a Claire um respeitoso
aceno de cabeça. — Por favor, sentem-se. Comam. Fiquem à
vontade.
— É a melhor festa celebração que atenderemos durante todo o
ano — Claire respondeu, varrendo as mãos em um gesto elaborado.
Ela pegou uma colher de caviar e colocou em uma pequena torrada.
— A empolgação de Winter com seu convite foi algo de se ver.
— Nós assistimos a vários de seus shows, você sabe — Eli
disse a Winter quando eles se sentaram. Ao lado dele, Penelope
assentiu com a cabeça, os lábios apertados. — Você dá shows
impressionantes.
— Obrigado. — Winter disse com um sorriso tímido. — Eu faço
meu melhor.
— Acho que gostei de suas apresentações quase tanto quanto
ela — disse Eli com uma risada. Penelope mexeu na barra do
vestido. — Você é uma das únicas coisas em que podemos
concordar, Sr. Young.
— Estou lisonjeado — disse Winter.
— E quando devemos esperar vê-lo em seguida? — Claire
disse a Eli. — Quero ter certeza de que estamos prontos para nosso
próximo encontro.
Sydney sentiu uma onda de afeição pela mulher. Claire parecia
não se importar menos por estar falando com um bilionário – ela era
legal e despreocupada do mesmo jeito.
— Aguardo sua presença no show — disse Eli.
Penelope tirou do bolso um pequeno cartão amarelo e uma
caneta. Quando ela virou o cartão, Sydney viu que era um retrato de
Winter.
— Eu queria saber se eu poderia pegar seu autógrafo? — ela
perguntou hesitante. — Talvez uma foto?
Quando Winter se levantou para aceitar seu cartão e tirar uma
foto com ela, os olhos de Sydney se voltaram para Eli. O homem
estava olhando para ela. Ele ofereceu a ela um sorriso gentil.
— Você deve ser muito boa em seu trabalho — disse ele —
para ser a única segurança que Winter Young escolheu para ter com
ele.
Sydney estudou a expressão do homem por trás dos óculos. Ele
esperaria que ela, uma contratada de segurança humilde, se
submetesse a ele sem se acovardar. Então ela baixou os olhos e
disse:
— Garanto-lhe que vou mantê-lo seguro, senhor.
— E quantos anos você tem? — ele perguntou.
— Dezenove, senhor.
— Dezenove — ele meditou. — Quase o mesmo que Penny,
então. — Seus olhos piscaram brevemente para sua filha, que
estava arrumando o cabelo enquanto se pressionava contra Winter
para uma foto. — Americana?
— De Houston, Texas, nascida e criada.
— Ah, uma texana. Subúrbio?
Ele a estava testando em busca de mentiras, percebeu Sydney,
procurando falhas em suas respostas. Atrás de sua fachada
bondosa estava o homem que ela procurava, aquele que poderia
enviar toneladas de armas químicas ilegais através das fronteiras.
Mas Sydney apenas respondeu obedientemente, seguindo seu
disfarce, cuidando para parecer que estava satisfeita com a atenção
dele.
— Pearland, senhor. Freqüentei a Shadow Creek High School.
— Pearland. — Ele assentiu. — Um dos meus diretores cresceu
lá. O que a trouxe para o mundo da segurança?
Perto dali, Winter disse algo a Penelope em seu ouvido e ela
soltou um pequeno suspiro por trás da mão. Ambos riram baixinho.
Pelo menos ele estava fazendo bem o seu papel até agora.
— Na verdade, eu esperava ingressar na marinha — disse
Sydney a Eli —, mas fui expulsa do campo de treinamento por, uh,
mau comportamento. Trabalhei como segurança em um
estacionamento por um tempo antes de ser aceita em um programa
de treinamento de segurança.
— Em Houston?
Ele estava mapeando o passado dela e guardando-o para
referência futura caso ela dissesse algo que não combinasse.
— Em San Diego, senhor — disse ela.
O homem levantou uma sobrancelha divertida para ela.
— A marinha a expulsou por provocar brigas?
— Sim, senhor. — Sydney fingiu corar de vergonha.
— Claire me disse que você veio da Segurança Elite — Eli
continuou, seus olhos ainda procurando por ela. — Impressionante
e tão jovem.
— Ela veio — Claire confirmou, soando quase defensiva.
— E o que a levou até eles?
Mesmo para uma agente treinada, Sydney sentiu a pressão de
seu interrogatório silencioso. Winter olhou para ela pela primeira vez
desde que se juntou a Penelope. Atrás de seu exterior alegre, ela
podia vê-lo lançar um olhar cauteloso para Eli. Então, ele também
sentiu uma ameaça subjacente no tom do homem.
— Eles estavam recrutando agressivamente pessoas como eu
— respondeu Sydney.
— Pessoas como você?
— Mulheres jovens, senhor — ela disse. — Somos uma
contratação de segurança muito na moda este ano, pois nossa
presença tende a se misturar mais perfeitamente em eventos
formais.
— Sim, eu sei. — Eli assentiu. — Também contratei algumas
como você, e todas provaram ser muito eficazes em seu trabalho.
Houve uma ligeira cadência no final de sua frase.
A compreensão sacudiu Sydney. Eli estava insinuando que ela
estava aqui porque Winter estava dormindo com ela. Apenas um
interesse sexual conveniente.
Os olhos de Winter dispararam para ela ao mesmo tempo em
que ela olhou para ele.
Isso é uma coisa boa para Eli presumir, ela disse a si mesma
com força, tentando transmitir isso a Winter através de seu olhar.
Era do interesse deles que o homem pensasse que ela havia sido
escolhida para esta viagem porque Winter queria trazer sua
aventura atual com ele. Isso serviria como a pista falsa perfeita, o
impediria de levá-la a sério.
Isso ainda não impediu o calor de correr para suas bochechas.
Isso também foi bom, sua reação genuína à insinuação dele. Então
ela deixou sua expressão ficar confusa e abriu a boca para
protestar.
Ao lado dela, Winter assentiu como se não tivesse captado a
sutil referência. Isso também era o que uma estrela faria nesse
cenário, ela pensou, se realmente eram verdade. Finja que não
sabia de nada.
— Ashley é tão profissional quanto parece — disse ele.
— Não tenho dúvidas — respondeu Eli. Sua insinuação se foi
agora, como se ele nunca tivesse insinuado nada. Sydney fechou a
boca e deixou o momento passar.
Seus olhos dispararam brevemente para Penelope. Ela também
não pareceu entender a sugestão de seu pai – seu sorriso ainda
estava fixo em Winter quando ele se sentou em seu lugar em frente
a ela.
Para sua gratidão, Claire interveio e ofereceu a Penelope um
sorriso cativante.
— Estamos muito felizes por estar aqui para comemorar seu
aniversário, Srta. Morrison. E vamos torná-lo um para os livros de
história.
— Ou seu dinheiro de volta — brincou Winter, piscando para
Penelope, e a garota riu novamente, passando a mão nervosamente
pelo cabelo.
O resto do jantar transcorreu sem problemas e, pelo menos, não
houve mais interrogatórios. Eli parecia desinteressado em fazer o
mesmo com Winter. Outro ponto para Sauda, admitiu Sydney com
relutância, escolhendo alguém como Winter para este trabalho. Eli
provavelmente não suspeitava da história pública de Winter. Que
segredos perigosos uma estrela pop poderia esconder?
Por fim, eles se levantaram. Sydney observou enquanto Winter
apertava a mão do homem uma última vez.
— Se vocês tiverem qualquer necessidade — Eli disse agora —,
eu me certificarei de atendê-la. Há uma equipe inteira à sua
disposição nesta propriedade. E se você encontrar algo perturbador,
basta dizer a palavra. — O homem sorriu. — Eu posso fazer a
maioria das coisas acontecerem.
Ele disse isso em sua voz calma e atenciosa, mas não soou
como uma garantia para Sydney. Parecia uma ameaça. Parecia tão
claro como se Eli tivesse amarrado os dois e colocado uma faca em
suas gargantas. Ele podia fazer a maioria das coisas acontecer –
ele tinha dinheiro e meios para garantir que eles tivessem uma
estadia confortável ou que desaparecessem.
Seu sorriso se alargou e, satisfeito, ele se afastou dela para
acompanhar sua filha descendo as escadas. Penelope olhou por
cima do ombro para Winter, com um sorriso vertiginoso, e ele lhe
deu um aceno conspiratório em troca.
Na entrada, dois homens os cumprimentaram e os conduziram
para seus sedãs que os esperavam. Então os carros partiram e eles
finalmente ficaram sozinhos.
Só então Winter lançou um olhar significativo para Sydney.
— Então estamos dormindo juntos, não é? — ele murmurou.
Sydney estremeceu, então baixou o rosto em uma das mãos.
Claire soltou a respiração.
— Bem! — ela disse alegremente. — Que idiota absolutamente
monumental.
11

Alguém está sempre observando

A primeira coisa que Sydney fez quando Claire saiu e Winter


começou a desfazer sua dúzia de malas, foi dar uma olhada na
casa.
Era um espaço ainda mais impressionante do que ela
suspeitava. Em um andar subterrâneo logo abaixo da sala de estar
e jantar principal, havia um cinema particular e uma pista de boliche.
O segundo andar tinha um salão privado e um salão de beleza,
junto com armários tão grandes quanto seu apartamento onde
morava. No extremo oposto dos jardins havia uma casa separada
de dois andares destinada aos funcionários. Acima dos quartos do
terceiro andar havia um deck enorme e um jardim na cobertura, de
onde Sydney podia ver a paisagem urbana noturna de Londres se
espalhando diante deles, um país das maravilhas cintilante sob uma
cortina de chuva e neblina.
Sydney perambulou por cada andar, tirando um Necco Wafer do
bolso de vez em quando e colocando-o na boca. Em cada andar, ela
apertava um pequeno botão em seu chaveiro. A varredura funcionou
silenciosamente. Ela podia ver um layout de grade vermelha
aparecer em seu telefone, mapeando os cômodos da casa e
procurando por escutas embutidas sob o drywall.
Como ela suspeitava, vários pontos se iluminaram nos espaços
comuns.
Bom saber, ela pensou severamente. Não que ela fosse fazer
algo a respeito delas. Desabilitar essas escutas apenas alertaria a
equipe de Morrison para o fato de que a guarda-costas de Winter
poderia ser mais capaz do que o normal. Mas pelo menos ela sabia
onde eles poderiam sussurrar mais livremente na casa e onde eles
precisavam disfarçar suas conversas por trás do barulho ou ficar
totalmente em silêncio.
Ela verificou os espelhos nos banheiros, fingindo que estava
limpando o vidro enquanto passava um dedo ao longo da superfície,
certificando-se de que não eram unidirecionais ou continham painéis
extras que poderiam estar registrando alguma coisa. Uma lacuna
entre seu dedo e seu reflexo significava um espelho seguro –
nenhuma lacuna significava que algo estava errado.
Os banheiros passaram em seu teste.
Ao sair do último quarto para descer as escadas, ela viu Winter
subindo em sua direção, seus olhos escuros a seguindo com
curiosidade. Sua graça de dançarino era perfeita para a missão,
mas a incomodava que ele pudesse se mover tão silenciosamente
que nem ela o ouviu se aproximando.
— Impressionada com este lugar também, hein? — ele disse
com um pequeno sorriso.
Ela sabia pelo olhar em seus olhos o que ele realmente estava
perguntando a ela. Encontrou algo incomum?
Ela deu a ele um aceno de cabeça.
— Nada muito surpreendente — ela respondeu.
Com isso, ela quis dizer: Tenha cuidado com como você age
aqui. Estamos sendo observados.
Ele notou o gesto dela, mas apenas acenou com a mão em
concordância.
— Bem, eu certamente não tenho uma piscina coberta aquecida
na minha sala de estar — disse ele, olhando para o andar de baixo.
Sydney sabia que esta era uma oportunidade para ela
colocarem seus charmes juntos ao alcance da voz das escutas da
casa, para apoiar a suposição de Eli sobre eles. Ela desceu as
escadas até ficar apenas um degrau acima dele.
— Então é melhor fazermos bom uso disso — ela disse
timidamente.
Winter franziu o cenho. Então ele se aproximou para poder
murmurar em seu ouvido.
— Que diabos está fazendo? — ele sussurrou.
Ela sentiu o cheiro dele – roupa limpa, xampu e o delicado
almíscar de menino. Ele estava muito quente quando estava tão
perto dela. Ela sorriu um pouco para si mesma. Flert foi uma
disciplina que ela tirou nota máxima durante o treinamento.
— O que você quer dizer? — ela respondeu, descansando a
mão levemente no braço dele, como se para se firmar. — Você não
quer usar a piscina? Oh, vamos lá.
Ele ergueu uma sobrancelha cética para ela.
— Tudo bem. — Ela fungou. — Vou usá-la sozinha. Mas só para
você saber — ela acrescentou, olhando de soslaio para ele —, eu
não trouxe um maiô.
Deu-lhe um choque emocionante de satisfação ao ver sua
respiração engatar por um segundo, suas pupilas dilatadas. Pelo
menos ele não era imune a seus flertes.
Então a compreensão pareceu surgir nele. Um pequeno sorriso
apareceu em seus lábios. Ele se encostou na lateral da escada, com
as mãos nos bolsos, e a encarou como um desafio.
— Isso soou um pouco como um desafio, Srta. Miller — ele
disse.
— Oh? — ela respondeu. — E o que você acha que estou
desafiando você a fazer?
Ele se inclinou para frente de forma que seu braço roçou o dela.
— Você me diz. Entretê-la na piscina?
Sua pele formigou com seu toque.
— Algo em que você é experiente?
— Bem, é meu trabalho fazer as pessoas felizes.
— E seus clientes estão satisfeitos?
Ele olhou diretamente para ela.
— Eu sou muito, muito bom no meu trabalho.
Sua voz era suave o suficiente para parecer que era algo
somente para ela ouvir. E apesar de seu joguinho, ela se viu
hesitando por um instante.
A pausa em sua resposta não deve ter durado mais que uma
fração de segundo, mas Winter percebeu. Ele riu, um som pequeno
e brilhante na base de sua garganta. Havia um brilho de satisfação
em seus olhos, como se ele tivesse vencido, e o aborrecimento
explodiu no peito de Sydney.
Ah não, você não fez isso.
Sem aviso, ela se inclinou até seu ouvido para que seus lábios
roçassem sua pele. Ela o sentiu estremecer um pouco.
— Fale alto — ela sussurrou. — Estamos dando um show,
lembra?
Seu olhar presunçoso vacilou, abrindo caminho para um
beicinho. Ele virou a cabeça para sussurrar de volta:
— Você não é nada divertida.
Insuportável. O coração de Sydney ainda batia rapidamente. Ela
esperava que ele não pudesse sentir isso.
— Acredite em mim — ela murmurou friamente, com sua
bochecha próxima a dele — Eu preferiria estar flertando com uma
árvore.
Ele ergueu uma sobrancelha provocadora para ela.
— Agora, eu sei que isso é mentira.
E era. Mas a última coisa que Sydney queria fazer era deixá-lo
ganhar este jogo de flerte, então ela se afastou e deu a ele um
sorriso tenso.
— Uma árvore não seria tão irritante — ela retorquiu em voz
baixa.
Seu sorriso se transformou em um sorriso.
— Que pena — ele murmurou, sua respiração fazendo cócegas
em sua orelha. — Eu estava me divertindo.
Ele sussurrou tão casualmente que poderia estar apenas
comentando sobre a chuva lá fora. Eu estava me divertindo.
Ele estava indo bem permanecendo no personagem. Nenhuma
surpresa aí, é claro. Ele era uma estrela, afinal, alguém que
provavelmente flertou todos os dias de sua vida. Ou ele estava
zombando de sua capacidade de ser uma espiã eficaz? A menos
que ele realmente estivesse falando sério…
Então ele se afastou, seus olhos se desviando dela com
aparente desinteresse.
Claro que ele estava apenas zombando dela, ainda disfarçado,
e com mais sucesso nisso do que Sydney poderia ter esperado. Ela
queria se bater por ter sido puxada para a rotina deles.
Ela se recompôs em um instante e deixou sua voz tornar-se
profissional novamente.
— Alguma tarefa que você queira que eu faça, Sr. Young?
Ele deu um passo para o outro lado da escada e passou por ela.
— Só o cartão postal para minha mãe — disse ele.
— Não adormeça até que eu volte — ela gritou por cima do
ombro. — Você vai piorar seu jetlag.
— E um café latte também, então — ele respondeu. —
Obrigado.
Foi uma pergunta e resposta ensaiada entre eles na chegada:
uma maneira de Winter enviar Sydney para fora de casa para
encontrar um agente local trabalhando com a Panaceia, que então
entregaria a ela um pacote contendo os itens de que precisavam.
Winter subiu as escadas e foi para seu quarto. Sydney virou ao
redor, recusando-se a olhar para trás para ver se ele faria o mesmo.
Então ela desceu as escadas e saiu pela porta da frente. Uma boa
troca de escadas ao ar livre. Se alguém da equipe de Morrison
realmente os estivesse observando, deveria ter parecido apenas um
momento genuíno e supostamente secreto entre uma estrela e seu
guarda-costas flertando casualmente um com o outro, tentando
manter um caso quente e oculto. Comportamento frívolo de
celebridade.
A noite estava fria, a garoa ainda caía. O frio no ar ajudou a
clarear sua cabeça. Não que ela nunca tivesse flertado disfarçada
com um agente – Sydney já havia se metido no trabalho antes. Ela
simplesmente não esperava que esse agente em particular tivesse
algum efeito sobre ela.
Que pena. Eu estava me divertindo.
Ela ainda podia sentir o brilho de seus olhos escuros sobre ela
quando ele disse isso, ver a intensidade daquele olhar. Apenas
zombando dela, lembrou a si mesma. E por que ela se importava de
qualquer maneira? Não que ela o fizesse.
Carrancuda, ela afastou seus pensamentos de Winter e enfiou
um Necco Wafer na boca, chupando o doce para se distrair.
Ela caminhou na direção do café vários quarteirões adiante,
vagarosamente o suficiente para arquivar o mundo ao seu redor. Um
açougue, uma loja de vinhos, uma clínica odontológica, uma
mercearia do tamanho de um selo postal. Cestas de laranjas
brilhantes e maçãs dispostas sob um toldo. O cheiro de chocolate e
manteiga vindo de uma confeitaria francesa, depois o cheiro de
coentro e cominho de um café indiano. Pétalas espalhadas no
caminho sob as cestas de flores de um pub. Cortes de mortadela e
linguiça suspensos em uma janela. Pessoas indo e vindo de uma
estação de metrô, suas botas chapinhando em poças rasas, suas
vozes uma mistura de meia dúzia de idiomas diferentes.
Ela prestou atenção especial a eles – mulheres mais velhas
com roupas de ginástica por baixo de seus casacos de inverno, um
bando de fãs de futebol vestindo camisas do Chelsea FC, homens
de negócios correndo com pastas sobre suas cabeças, turistas
carregando malas e olhando de soslaio para mapas. em seus
telefones, adolescentes rindo juntos sob guarda-chuvas
transparentes, alguns deles ainda em seus uniformes escolares.
Então ela virou a esquina e observou as mesmas pessoas
reaparecerem potencialmente. Se ela visse o mesmo empresário
apressado em uma rua diferente na direção oposta quinze minutos
depois, eles poderiam estar seguindo-a.
Finalmente, ela entrou em uma loja Caffè Nero. Lá, ela pegou
um café latte para Winter e outro para ela, tomando cuidado para
usar um cartão de crédito específico para pagar. Quando o agente
da Panaceia designado para fazer sua entrega recebesse a
notificação em seu telefone de que o saldo do cartão havia mudado,
eles reconheceriam isso como o sinal de Sydney de que ela estava
a caminho do ponto de encontro com sucesso.
Ao se virar para a saída, ela mandou uma mensagem para
Winter.
Tec3 20m
Ele mandou uma mensagem de volta quase imediatamente.
Depessa. Sentindo sua falta.
Ela quase riu alto de sua inexpressividade, sem saber se ficava
exasperada ou divertida.
nea, ela respondeu.
O que?
Significava Não espere acordado, mas ela não se preocupou
em explicar enquanto se dirigia para a porta e em direção ao
correio. Enquanto ela ia, ele mandou uma mensagem de novo.
Você já mandou mensagens de texto com palavras completas?
St, ela respondeu.
Este representava Sem tempo, mas agora ela estava apenas
brincando com ele. Ela imaginou o revirar de olhos dele, sorriu um
pouco, então enfiou o telefone de volta no bolso e se concentrou na
rua.
Seu telefone dizia que seria uma caminhada de dez minutos –
tempo suficiente para o agente verificar sua disponibilidade e deixar
o que ela precisava no local.
As entregas de correspondências específicas nessa agência
postal também foram seu argumento principal para Sauda para um
local seguro. Era um local chato, que ela tinha verificado para
garantir que nenhuma câmera de rua ou vigilância estivesse
cobrindo, um local com relativamente baixo tráfego na cidade e, o
mais importante, era possível chegar a qualquer hora. Se tudo
corresse bem, ela colocaria o cartão-postal de Winter na caixa de
correio e veria um pequeno pacote guardado para ela debaixo dela,
esperando para ser recolhido.
Em seguida, ela usaria um Necco Wafer – seu substituto secreto
para o giz – de seu bolso para marcar o fundo da caixa de correio
para anunciar uma coleta bem-sucedida de seu objeto sempre que o
verificassem mais tarde.
Ela sorriu com a memória de Niall colocando um rolo de doce
em sua mesa durante seu primeiro dia de treinamento oficial na
Panaceia.
— Para você, garota — ele disse a Sydney em seu resmungo
de marca registrada. — Sempre guarde um no bolso. Você nunca
sabe quando pode precisar.
Sydney o embolsou imediatamente. Só então ela percebeu que
ninguém nunca havia comprado doces para ela antes.
— Sim, senhor — ela respondeu.
A memória se desvaneceu. Logo a chuva aumentou, passando
de garoa para um aguaceiro constante. Quando ela chegou à
agência de correio fechado, uma sinfonia alta batia em seu guarda-
chuva. Sob o dilúvio havia uma fileira de caixas de vermelhas
cilíndricas, orvalhadas sob a luz da rua, suas laterais redondas
adornadas com brasões reais.
Imediatamente, ela percebeu que algo estava errado.
A caixa de correio que eles deveriam usar, a última da fila, não
tinha uma marca sutil de giz na abertura. Isso significava que o
agente nunca chegou. Que não havia nenhum pacote fino preso
dentro da abertura da caixa para ela pegar.
Isso significava que a missão havia sido abortada,
provavelmente por causa de alguém os observando.
Sempre assuma que está sendo seguida, Sauda dizia a ela
sempre que podia.
Então ela assumiu isso e não se virou. Ela não parecia
preocupada. Em vez disso, ela apenas se dirigiu à caixa de correio e
deixou cair sem cerimônia o cartão-postal de Winter. Ao fazer isso,
ela examinou as ruas com o canto dos olhos.
Lá. Ela viu o que deveria ter revelado seu trunfo.
Um carro preto do outro lado da rua, com uma silhueta sentada
dentro dele, de frente para ela.
Sydney não olhou novamente. Mas o único vislumbre lhe disse
o suficiente. Afinal, alguém a estava observando.
Interiormente, ela amaldiçoou. Entrega abortada. Eles teriam
que tentar novamente nas próximas 24 horas, antes do show de
Winter começar. Mas pelo menos essa pequena viagem fracassada
disse a ela, sem dúvida, que Eli Morrison estava observando seus
movimentos. Ele provavelmente estaria de olho em dezenas de
pessoas na cidade nos próximos dias.
Seu objetivo era parecer o mais entediante possível. Apenas
uma segurança particular, nada mais.
Ela se afastou da caixa de correio sem olhar duas vezes e
ajustou os dois cafés em suas mãos. Então ela se virou para voltar
para a casa.
Só agora a enormidade de sua missão se estabeleceu. Eli
Morrison não era tolo. Ele era um homem que se entregava à
brutalidade. Se eles fossem pegos, ela sabia que não havia nada
que Sauda e Niall fariam ou pudessem fazer para salvá-los. Isso
fazia parte desse show, afinal.
Londres seria um lugar interessante para morrer. Isso
aconteceria aqui?
Sydney nunca teve medo da morte, simplesmente porque
achava que os mortos não sentiam nada. Mas morrer? Um assunto
totalmente diferente. Ela experimentou aquele momento muitas
vezes antes, seja durante uma missão onde ela escapou por um fio
de cabelo ou quando ela ainda era uma criança presa em uma casa
que ela odiava. Portanto, essa era uma pergunta familiar para ela,
algo que aparecia em sua mente no início de cada missão.
Onde ela morreria? Seria aqui?
Ela não sabia a resposta, é claro – apenas que quando isso
acontecesse, ela estaria sozinha em algum lugar, sem ninguém para
resgatá-la a não ser ela mesma. Essa percepção tinha estado com
ela toda a sua vida. Talvez fosse por isso que ela se encaixou tão
facilmente nessa linha de trabalho. Todos morriam sozinhos. Afinal,
sua mãe tinha.
O pensamento a lembrou de seus pulmões e, como se fosse
uma deixa, um espasmo de dor ondulou desconfortavelmente em
seu peito.
Ela respirou fundo instintivamente, depois soltou o ar em um
exercício lento e acelerou o passo. Até parece que ela iria morrer
aqui, sua última missão sendo presa com uma superestrela irritante.
E com esse pensamento alojado firmemente em sua mente, ela
se apressou pela rua, sem se preocupar em saber se mais alguém a
estava observando.

3. Sigla para “Tempo Estimado de Chegada”.


12

Suspeitas

A piscina interior da casa de Winter era fresca e reconfortante, o


som do seu ondular misturando-se com o tamborilar da chuva contra
as janelas e o ritmo constante das vozes próximas. Winter deitou-se
na água e olhou para a escada que subia até o último andar. A
vários metros de distância, Leo e Dameon descansavam nos sofás,
pegando uma pilha de barras de chocolate que Claire havia deixado
para eles.
— Não veremos você porque não haverá intervalo — disse Leo
a Winter enquanto abria a embalagem de um Cadbury Twirl. —
Claire disse que você vai direto do show para a festa como
convidado de honra de Penelope.
— Onde vocês estão indo? — Winter disse a eles.
— Para os clubes — Dameon respondeu com um encolher de
ombros. — Portanto, não se meta em encrenca.
— Eu nunca me meto em encrencas — protestou Winter.
— Ele quer dizer: não se meta em encrencas sem nós — Leo
esclareceu com um sorriso.
Agora que a noite havia se instalado nos cantos da casa, o
espaço parecia mais sinistro do que elegante. Winter pensou ter
visto sombras piscando em sua visão periférica, formas nas
silhuetas das árvores no jardim que balançavam com a brisa. De
vez em quando vinha o estrondo baixo de um trovão distante. A
inquietante eletricidade no ar combinava com seu humor, e ele se
viu compondo melodias em sua cabeça para combinar com a
energia, como se estivesse tentando se distrair de sua verdadeira
razão de estar aqui.
— Claire disse se ela está autorizada a entrar na festa? —
Winter perguntou.
— Ela também não está — Dameon respondeu. — Só você e
Ashley.
Winter já sabia disso, embora também soubesse que eles
esperavam que ele perguntasse. Ele se sentou na água e apoiou os
braços na borda da piscina.
— Ótimo — ele murmurou.
— Não se preocupe. — Dameon sorriu, ajustando o grande
coque de dreadlocks preso no alto da cabeça. — Você vai sentir que
Claire está lá, mesmo que ela não esteja.
Como se fosse uma deixa, o telefone de Winter tocou contra a
borda da piscina, e a tela se iluminou para mostrar uma longa
mensagem de Claire.
Confirmado seu carro para amanhã à noite! Ele estará
esperando do lado de fora da entrada principal, não do lado. Então
prepare-se para uma multidão. Se você sair em qualquer coisa que
não seja aquele carro, com alguém que eu não conheça, não se
esqueça de ME CONTAR, entendeu? Se não responder, significa
sim!
Ele se perguntou o que Claire pensaria das mensagens de três
a cinco letras de Sydney.
— Além disso — Leo disse. — Acho que concordamos que você
gosta da companhia de Ashley mais do que gostaria de admitir.
Dameon olhou ao redor.
— Onde ela está, afinal?
Lembre-se de que a casa está sendo vigiada, disse Winter a si
mesmo.
— Eu a mandei entregar uma correspondência para mim —
disse ele.
Dameon levantou uma sobrancelha.
— Você mandou sua guarda-costas sair?
Winter sentiu as pontadas das suspeitas de seu amigo.
— Eu vou ficar bem — disse Winter com um bocejo,
gesticulando ao redor dele. — Eli Morrison tem seus próprios
guardas vigiando a rua, e esta casa está armada até os dentes com
alarmes. Além disso, ela estará de volta em breve.
Dameon o olhou.
— Você está preocupado — disse ele.
— Não estou — resmungou Winter para o ar.
Dameon cruzou os braços.
— Eu sei quando você está mentindo.
Winter desviou o olhar, com medo de que pudessem ver a
verdade em seus olhos. Trazer as pessoas que o conheciam melhor
pode não ter sido uma boa ideia.
— Ansiedade pré-show — ele respondeu.
— Nada que você não tenha lidado antes — disse Dameon. Seu
olhar era penetrante.
— Bem, parece uma lista de convidados bastante importante.
Leo estava olhando para Winter com uma expressão pensativa,
também, seu habitual sorriso alegre e sóbrio.
— Deixe-o em paz — disse ele de repente. Ele cutucou Dameon
e puxou as pernas para cima em uma cruz no sofá. — Ele vai ficar
bem. Você se lembra do nosso primeiro show em estádio, certo?
O olhar questionador de Dameon desviou-se.
— Los Angeles? — ele disse.
Leo assentiu.
— Ficamos todos apavorados. Mas Winter conseguiu sem
pestanejar.
Winter se lembrava – e Leo não estava realmente dizendo a
verdade.
Aconteceu dois anos depois que aquele fatídico vídeo dele
coreografando uma música se tornou viral e ele foi catapultado para
o estrelato. Na época, ele podia sentir o ímpeto se acumulando por
trás daquele primeiro grande show, podia se sentir empurrando as
costuras das manchetes e números de vendas, discos e entrevistas
cada vez maiores. A sensação desorientadora de que ele estava
prestes a se lançar tão rapidamente que não haveria chão para se
firmar. Então, dez minutos antes do show, Winter finalmente perdeu
a coragem e foi se esconder em um armário. Leo foi quem o
encontrou. Ele ainda se lembrava de seu amigo espiando hesitante
por uma fresta na porta, depois entrando e sentando-se ao lado dele
sem dizer uma palavra.
Depois de vários longos segundos, Winter sussurrou trêmulo:
não posso fazer isso.
Leo olhou calmamente para ele, depois desviou o olhar. Quando
Winter começou a balbuciar uma razão, ele balançou a cabeça.
Você não precisa se explicar para mim, disse Leo.
Seu tom era tão suave e tão fácil. Winter sentira-se
envergonhado demais para confessar que só conseguia pensar nas
pessoas que não estariam na plateia. Sua mãe. Seu irmão. Ele
sabia que estava prestes a entrar em águas desconhecidas e teria
que fazer isso sozinho.
Todos eles vão me ver, ele murmurou. E se eles não gostarem
do que veem?
Leo estudou seu rosto por um momento. Ele não era o amigo
tagarela, excessivamente ansioso e provocador; ele parecia
pensativo e sério, seu olhar penetrante. Ei, ele disse finalmente.
Olhe para mim.
Com relutância, Winter ergueu o olhar para o amigo. Ele
esperava que a luz baixa no armário não revelasse o brilho das
lágrimas em seus olhos.
Winter, disse Leo, as pessoas que vieram hoje estão todas aqui
por você.
Winter olhou para ele com ceticismo.
Leo sorriu. O mundo inteiro está prestes a se apaixonar por
você. Eu prometo.
Alguns minutos depois, Leo se levantou e estendeu a mão para
ele. Winter o pegou, deixando-o puxá-lo para cima. No momento em
que eles se dirigiram para o palco, Leo voltou ao seu estado normal,
explicando a uma Claire frenética que ele ajudou Winter a consertar
um defeito no guarda-roupa e, em seguida, deu a todos uma série
de conselhos sobre truques úteis para consertar roupas de última
hora.
A memória se desvaneceu e o som da água da piscina em volta
de Winter voltou. Junto aos sofás, Leo sorria encorajador e Winter
sentiu uma onda de gratidão.
— Apenas seja você mesmo — Leo disse agora. — Nada mais.
Para alívio de Winter, Dameon também pareceu abandonar
suas suspeitas, enquanto pegava outro cubo de queijo.
Panaceia disse a ele para ser ele mesmo também. Então Winter
tentou se acomodar no conforto disso. Se ele se permitisse, poderia
esquecer que estava aqui para a Panaceia. Que este era apenas
mais um show e apenas mais uma noite sem dormir na turnê.
O sorriso no rosto de Eli Morrison apareceu em seus
pensamentos, e a sensação desagradável em seu estômago voltou.
Um leve clique veio do outro lado da casa.
As melodias que Winter estava compondo silenciosamente na
parte de trás de sua cabeça foram cortadas. Ele se endireitou, as
ondas batendo nas laterais da piscina, ao mesmo tempo em que as
cabeças de Leo e Dameon giraram em sincronia em direção à porta.
A figura de Sydney se materializou na escuridão do foyer
principal, seu cabelo loiro umedecido pela chuva.
— Ei, Ashley — Leo disse com um aceno de mão.
Winter sentiu um pouco da tensão diminuir em seu corpo ao vê-
la. Então ele observou a expressão dela.
Algo deu errado.
Ele teve o cuidado de não mostrar isso em seu rosto. Em vez
disso, ele fingiu esfregar a água dos olhos enquanto os dois garotos
a cumprimentavam. Sydney se dirigiu, então parou perto da escada
e colocou as mãos nos bolsos, esperando hesitante.
— Não queria incomodar vocês — ela disse.
Dameon lançou um olhar para Leo, e os dois trocaram um
aceno sutil. Então Dameon se levantou, se espreguiçando.
— Nós deveríamos encerrar a noite, de qualquer maneira — ele
respondeu. — Temos um ensaio bem cedo.
— Oito da manhã — Leo acrescentou. — Sem descanso para
os cansados — Ele se levantou e seguiu o rastro de Dameon,
acenando uma vez na direção de Winter. — Você também. Se você
aparecer mais tarde do que nós amanhã, terá que usar um collant
branco na festa pós-festa.
Winter não pôde deixar de esboçar um sorriso.
— Fechado.
Ele observou os meninos partirem. Quando a porta da frente
finalmente se fechou atrás deles, Sydney se aproximou para se
sentar ao lado dele na beira da piscina. De repente, ele percebeu
que estava quase nu na frente dela.
E daí? Era apenas Sidney. Ainda assim, ele notou seu olhar
engatando por um instante em seu peito, então rapidamente se
desviando.
— Ei — ele sussurrou quando ela inclinou a cabeça para baixo
em direção a ele. — O que aconteceu?
A voz de Sydney era quase imperceptível.
— Temos um problema — ela respondeu.
13

O que assombra o coração

Sydney tinha a incrível habilidade de saber quando ela estava


sonhando, mas não o poder de se sacudir para acordar.
Hoje à noite, ela estava de volta ao hospital local em Havenville,
sentada no quarto de sua mãe. Ela podia ouvir o bipe constante do
monitor cardíaco zumbindo em seus ouvidos, sentir o cheiro de fenol
agarrado ao ar, sentir os lençóis rígidos da cama enquanto ela
descansava os cotovelos contra eles. Quando ela olhou para os
próprios pés, viu que estava usando suas velhas botas surradas de
quando tinha quatorze anos.
Tudo nela queria encolher. Ela odiava, odiava, odiava lembrar.
Odiava que ela não pudesse impedir seu cérebro de vir aqui. Odiava
que pequenas coisas em uma missão pudessem desencadear
esses sonhos. Odiava que ela não pudesse fugir o suficiente deles.
Odiava que ela não pudesse escapar deles.
O que o havia desencadeado desta vez? O súbito lembrete de
sua mortalidade quando ela correu para o correio? A conversa tensa
que ela teve com Winter depois que ela voltou, enquanto eles
descobriam o que fazer a seguir? O planejamento de uma nova
queda logo antes de ela ir para a cama?
O mundo dos sonhos ao seu redor era tão visceral que ela não
conseguia se livrar da possibilidade de que fosse real. Sydney podia
sentir sua mãe se mexendo na cama, podia ouvir o gemido suave
escapar dos lábios da mulher, podia ver o rosto de sua mãe, as
rugas, a pele pálida e trêmula, a linha do sulco entre suas
sobrancelhas. Ela ainda era muito jovem, mas a doença a
envelhecera vinte anos.
— Ah, Syd — sua mãe sussurrou. O nome de Sydney saiu
baixo e cortado, como sal de um moedor.
Sydney ajustou sua própria posição, estremecendo com a
rigidez de seu corpo.
— Sim, mamãe? — ela perguntou. — Você precisa que eu
pegue alguma coisa?
Sua mãe não respondeu de imediato. Quando o fez, ela disse:
— Quanto tempo você pretende ficar?
Sydney já estava em vigília aqui sozinha por três dias e noites
seguidos. Sua alma estava cansada e ela tinha dever de casa para
fazer.
— Eu não sei — Sydney respondeu. — Mas ainda estou aqui
por enquanto.
Os olhos de sua mãe se abriram um pouco, e Sydney viu um
vislumbre de íris azuis escuras inclinadas para ela.
— Não. — Ela balançou a cabeça uma vez. — Quero dizer,
quanto tempo você pretende ficar aqui? Nesta cidade?
Sydney não soube responder, porque não entendeu a pergunta.
— Você quer dizer, por quantos anos?
Sua mãe suspirou e fechou os olhos.
— Vá embora quando puder — ela sussurrou. — Não há nada
para você neste lugar.
Sydney queria gritar com ela. Como ela poderia ir embora? A
mãe dela estava aqui. Para onde ela iria? Se Sydney fosse embora,
isso significaria que sua mãe não estava mais por perto, e isso
significaria que ela havia morrido. E Sydney não queria pensar
nisso.
— E quanto ao papai e Matt? — ela perguntou.
Sua mãe fez um pequeno som em sua garganta.
— Não fique por eles — ela murmurou.
Sydney podia sentir a frustração crescendo em seu peito
cansado. Ela não entendia para onde essa conversa estava indo.
Seu pai existia principalmente na periferia de sua vida, é verdade –
um homem que ela vislumbrava sempre que ele cambaleava para
casa depois de um turno de doze horas, o cheiro de sangue de
porco agarrado a cada parte de seu corpo. As vezes que ele a
notava geralmente envolviam uma raiva bêbada – uma vez gritando
com ela por assistir coisas sem sentido e deixando a TV em um
canal de língua estrangeira, uma vez investindo contra ela com uma
faca por derrubar a cerveja dele, certa vez esbofeteando-a no jantar
quando ela disse que queria saber o que havia lá fora, além da
cidade deles.
Por que? Ele encostou-se à mesa e apontou o garfo para ela.
Você é boa demais para nós?
Ela tocou sua bochecha ardendo. Seu irmão, Matt, riu.
Que boca inútil para alimentar você é, seu pai havia dito. Assim
como sua mãe.
Existir naquela cidade às vezes parecia para ela como estar
presa na lama. Mas às vezes, no verão, quando papai e Matt
estavam fora de casa e sua mãe chegava mais cedo do trabalho,
ela levava Sydney para tomar sorvete e escolhia um lugar à beira do
rio onde pudessem ver os trens de carga cruzando a ponte. Era a
memória favorita de Sydney no mundo, aqueles dias quentes com o
som de insetos zumbindo ao redor deles, repelente de mosquito
pegajoso em sua pele, e o pensamento de deixar isso para trás, de
nunca mais sentar à beira do rio com sua mãe, uma colher coberta
com chocolate pressionada contra sua língua, era insuportável para
ela.
Então, ouvir sua mãe dizendo isso agora – deixe este lugar,
deixe papai e Matt – parecia um pouco como uma rejeição de sua
vida. Que nada nesta cidade importava para Sydney. Que não valia
a pena ficar por seu pai e irmão. Que sua mãe estava reconhecendo
algo que ela nunca havia reconhecido antes.
Sydney engoliu em seco e se moveu contra os lençóis do
hospital.
— Tudo bem, mamãe — disse ela, porque era a única coisa boa
a dizer.
Sua mãe assentiu distraidamente. Sydney não tinha certeza se
ela se lembraria dessa conversa, ou se as drogas a estavam
arrastando para o sono.
— Isso é bom — ela sussurrou. — Fique comigo um pouco mais
agora. Estou com frio esta noite.
Sydney assentiu com a cabeça, suas pálpebras fechando.
Deus, ela estava tão cansada. Ela sabia que papai e Matt não viriam
tão cedo – Matt saiu com amigos no fim de semana e papai tinha
turnos extras. Mas ela não podia ficar mais tempo sem ir para casa.
— Vou demorar um pouco, mãe — ela se ouviu dizer. — Então
eu voltarei. Eu prometo.
Sua mãe não respondeu. Depois de um tempo, quando parecia
que ela havia adormecido, Sydney saiu silenciosamente.
Estava nevando naquela noite e suas botas estalavam
suavemente na rua branca. O ar cortava suas bochechas e ardia em
seu peito. Ela começou a sentir espasmos ocasionais nos pulmões
ao longo do último ano, embora nunca tenha contado à sua mãe
sobre eles. Ela nunca contou a ninguém. Talvez se o segredo
permanecesse com ela, o diagnóstico potencial não poderia ser real.
Se ela fingisse que estava tudo em sua cabeça, então talvez
estivesse, talvez ela não tivesse herdado.
Sydney estava em casa há apenas uma hora quando recebeu a
ligação do hospital. Ela podia sentir as tábuas do assoalho sob seu
ranger, como se a casa estivesse se movendo com ela em luto.
Lamento profundamente informar que sua mãe faleceu...
O sonho mudou várias semanas no futuro, depois que o funeral
passou. Era um dia frio o suficiente para que as aulas tivessem sido
canceladas, então Sydney foi caminhar pela rua principal a vários
quarteirões de sua casa. Sua cabeça estava enfiada como uma
tartaruga no cachecol grosso enrolado em volta do pescoço. Uma
estranha tempestade deixou o mundo ao seu redor amargamente
frio, encerrando tudo em uma crisálida de gelo.
Ela realmente não sabia para onde estava indo. O vento girava
em torno dela, cortando seu jeans e enviando pontadas de dor para
seus pulmões.
Eventualmente, ela entrou na farmácia para se aquecer. Vários
sem-teto estavam agrupados do lado de fora das portas de vidro
deslizantes, saboreando o calor que flutuaria momentaneamente
sempre que as portas se abrissem. Eles se moveram quando
Sydney entrou.
Ela vagou pelos corredores por um tempo, sem dinheiro no
bolso, sem saber ao certo quanto tempo ela poderia demorar antes
que eles a mandassem seguir em frente. Seu coração pendia em
um estado baixo e constante de tristeza, e sua mente estava em
outro lugar, longe desta cidade. Ela podia sentir a dor apertada em
seu peito, seus pulmões ainda doendo por causa do frio lá fora.
Ao lado do caixa, ela podia ouvir uma família conversando.
Sydney espiou entre os corredores e viu um adolescente parado
com seus pais. Seu pai colocou a mão protetoramente no ombro do
menino. Sua mãe se inclinou para segurar o rosto do menino em
suas mãos, seu sorriso genuíno, seu rosto brilhando.
Enquanto Sydney os observava, ela podia sentir sua raiva
crescendo, superando sua tristeza. Ela não tinha certeza do porquê.
Eles não fizeram nada de errado. Mas a fúria fez com que as
paredes se fechassem ao seu redor. Ela podia ver os corredores da
farmácia se estreitando, as caixas registradoras se fundindo, tudo
ao seu redor se movendo para dentro até que ela sentiu como se
estivesse sendo enterrada viva.
Lágrimas arderam em seus olhos. Talvez o menino tivesse suas
próprias dores ocultas. Mas talvez ele também nunca tenha
conhecido um dia em que seu pai acenou com uma faca em seu
rosto, nunca ficou de vigília ao lado da cama de hospital de sua
mãe. Talvez ele já tivesse planos para um futuro inteiro diante dele,
enquanto Sydney lentamente murchava neste lugar, encolhendo-se
cada vez que ouvia seu pai entrar pela porta, escondendo-se de seu
irmão para que ela não tivesse que suportar seus insultos.
Deixe este lugar, sua mãe sussurrou para ela.
Mas para onde Sydney poderia ir? Como ela conseguiria o
dinheiro para partir?
E o que outras pessoas fizeram para merecer amor? Uma vida
boa?
Uma vida ainda valia alguma coisa? Ainda importava sonhar
grande?
Sydney sentiu a injustiça de tudo isso inundar seus membros
até que seus dedos formigassem. Ela olhou novamente para a
família no caixa. Então, através de seu filme de lágrimas, ela olhou
para as mercadorias no corredor à sua frente. Vitaminas. Remédio
para resfriado. Sprays de alergia.
Ela não sabia exatamente por que o desejo a atingiu, ou por que
ela não se preocupou em pará-lo. Talvez ela estivesse apenas
cansada de todo mundo conseguir o que queria. Talvez ela
estivesse cansada de sofrer, de ser deixada para trás, de ficar
presa.
Talvez isso fosse para equilibrar a injustiça.
Seja qual for o motivo, ela estendeu a mão e pegou um dos
frascos de remédio para alergia e o enfiou no bolso interno do
casaco.
Sua mão estava lá e desapareceu em menos de um segundo.
Ela podia sentir a garrafa redonda pressionando contra seu
lado. Foi incrível. Seu coração martelava quando ela olhou para os
funcionários, que nem pareciam notar que ela estava aqui.
Ela pegou uma caixa de aspirina.
Peguei duas caixas de spray nasal.
Então ela enfiou as mãos nos bolsos e voltou para a entrada.
Ela esperava que os alarmes disparassem. Mas então as portas
de vidro se abriram para ela. Ela atravessou, os sem-teto se
movendo em ambos os lados da entrada. Sem alarme.
Ela caminhou rigidamente, o medo alojado em sua garganta,
esperando o som de um balconista gritando para ela parar. Suas
mãos estavam úmidas de suor frio nos bolsos e seus dentes batiam.
Mas ninguém veio correndo atrás dela. Ela virou a esquina e
ninguém apareceu. Ela atravessou a rua e andou mais um
quarteirão, e ninguém apareceu.
A angústia esmagadora que pressionava seu coração de
repente deu lugar a uma onda de euforia nauseante. As medicações
roubadas enfiadas dentro de seu casaco pesado ricocheteou em
seu corpo, as pílulas tilintando em seus frascos.
Porra, isso foi tão bom.
Seus dentes batiam com a pressa. Ela se odiava.
Mas, mais do que isso, ela sabia que preferia se odiar a
suportar a dor por mais um segundo.
E ela sabia que faria tudo ao seu alcance para roubar
novamente.

Sydney se levantou na cama, ofegante, o corpo formigando de suor,


as mãos ainda formigando pela pressa de seu roubo. Lágrimas
mancharam sua visão. Ela olhou em volta desesperadamente,
imaginando se ela tinha ouvido algum barulho, se os policiais
estavam esperando por ela do lado de fora. Se ela visse o flash
ritmado de luzes azuis e vermelhas na janela. Mas seu quarto
permaneceu vazio.
Ela não estava de volta a Havenville. Ela não estava revivendo
a morte de sua mãe e o início de seus furtos. Ela estava em
Kensington, na noite antes de sua missão começar a funcionar.
Mas seu estômago ainda revirava com o enjôo, uma mistura de
dor e raiva.
Depois de outro longo momento, Sydney se sentou e enterrou o
rosto nas palmas das mãos, depois enxugou as lágrimas. A luz da
lua se derramava sobre sua cama em uma faixa diagonal,
delineando sua figura e sua bagunça de cabelo em luz azul fraca.
Ela gostaria de poder ligar para Sauda ou Niall, como se a
orientação deles pudesse mais uma vez tirá-la da escuridão de sua
própria mente.
O som de um rangido nas tábuas do assoalho a tirou de seu
devaneio. Ela virou a cabeça automaticamente na direção da
parede. Ela tinha ouvido aquele som em seu sonho logo antes de
acordar – o gemido do chão. Deve ter sido isso que a acordou.
Depois de um momento, ouviu-se um baque surdo de passos no
andar de baixo. Winter estava acordado.
Sydney jogou as pernas para o lado da cama e se levantou
silenciosamente, então se moveu como uma gata pelo quarto até a
porta, onde ela a abriu por um fio de cabelo. Sobre a escada curva,
ela viu Winter andando lá embaixo, descalço. Ele ainda estava
vestido com suas roupas de dormir, uma camisa branca lisa e calças
de dormir cinza que caíam em seus quadris, de modo que quando
ele estendeu a mão para passar a mão pelo cabelo bagunçado,
revelou uma lasca de seus ossos do quadril, realçados.
Aborrecimento e desejo passaram por ela. Ela se viu
observando-o silenciosamente de cima. O que ele estava fazendo
acordado a essa hora, afinal? Ele parou para olhar pela janela por
um longo tempo, o luar esticando sua sombra atrás dele. Então ele
se virou, mãos enfiou nos bolsos da calça e fez pequenas
varreduras com os pés em meio arco como se estivesse dançando
lentamente pelo chão consigo mesmo.
Ela olhou, hipnotizada pela graça tranquila de seu corpo.
Enquanto se movia, ele inclinava ligeiramente a cabeça e, com os
olhos fechados, fazia as curvas em uma pirueta sem esforço,
girando em silêncio sobre um pé perfeitamente arqueado, as mãos
ainda nos bolsos. Seus lábios se separaram e, neste momento, ela
se esqueceu. Aulas de balé, ela lembrou sobre ele. Então sua perna
caiu novamente e ele voltou a andar suavemente.
Havia tristeza gravada nas linhas de seu corpo esta noite, algo
que ela ocasionalmente reconhecia de suas performances. Isso deu
a ele aquela atração secreta, uma vulnerabilidade dolorosa
escondida atrás da piscadela e do sorriso de soslaio. Como se ele
precisasse desesperadamente dos holofotes e ainda não pudesse
suportar a atenção. Não havia mais ninguém aqui e, mesmo agora,
ele parecia uma estrela, como se não pudesse deixar de brilhar
tanto que até o ar era atraído por ele, que a lua ansiava por iluminá-
lo.
Sydney não sabia por quanto tempo ela o observou. E quando
ele finalmente recuou escada acima e ela se acomodou em sua
cama novamente, ela ainda podia ver sua dança solitária e
hipnotizante em sua mente, sua figura brilhando na escuridão.
Talvez seus sonhos tivessem vindo para assombrá-lo esta noite
também.
14

Prelúdio para o palco

Sydney Cossette assumiu muitos papéis e usou muitas roupas. Mas


interpretar alguém que geralmente acabava em segundo plano
significava que ela tendia a usar conjuntos que a tornavam invisível
– um uniforme de atendente em um estacionamento, ou uma garota
esquecível no metrô, ou a roupa preta lisa de uma guarda-costas.
Não a guarda-costas de uma estrela pop que precisava se vestir
para o equivalente a um baile à fantasia.
Agora ela se olhava no espelho do quarto, sem saber como
reagir. Sua fantasia para a noite do show de Winter era um veado, e
ela parecia adequada com um vestido Oscar de la Renta prateado
de duas peças, a metade superior expondo suas costas até a base
da coluna, a parte inferior um par brilhante de calças tão
esvoaçantes que pareciam uma saia longa. Seus sapatos eram os
mesmos – botas pontiagudas em luxuosa camurça cinza escuro,
com saltos baixos o suficiente para serem práticos. Seus chifres
eram elegantes, revestidos de cristais Swarovski pendurados e
implantados com chips de vigilância. Ela não sabia se deveria se
sentir irritada ou lisonjeada com eles. Eles eram de um tamanho
prático e tinha uma faixa que o estilista de Winter prendeu em seu
cabelo de forma que ela pudesse retirá-lo com um único golpe se
precisasse –, mas o apetrecho ainda a fazia se sentir estranha,
menos como uma agente secreta e mais como um manequim
Bambi.
Ela parecia deslumbrante, no entanto. Definitivamente a melhor
roupa de agente secreto ela já tinha usado. E, apesar de tudo, ela
fez uma pose sutil, projetando um quadril para fora e inclinando a
cabeça para ver a leve mudança contra a saia falsa.
Uma batida leve soou em sua porta e, antes que ela pudesse
reagir, Winter enfiou a cabeça para dentro.
— Nosso carro acabou de chegar — disse ele. — Claire diz que
ela–
Então seus olhos pularam para ela, pegando a última parte de
sua pose, e suas palavras morreram no meio da frase. A luz mudou
em seus olhos, passando por uma dúzia de emoções diferentes,
mesmo enquanto ele lutava para mantê-las fora de seu rosto. Seus
lábios se separaram ligeiramente. Ele a observou com um único
olhar longo, a blusa e as calças esvoaçantes, os braços pálidos e o
pescoço arqueado, as costas expostas.
Certamente não era a primeira vez que ela usava algo que
chamava a atenção, mas ela também não se importava. Não do jeito
que ela se importava agora, pelo menos, sua pele nua formigando
agradavelmente sob a intensidade do olhar de Winter.
Tampouco esperava sua própria reação interna às roupas dele.
Ele estava vestindo apenas uma das meia dúzia de trocas de
roupas que faria naquela noite, mas isso não significava que ele
parecia nada menos que deslumbrante. Sua camisa de gola interna
e gravata fina eram pretas sedosas, enquanto o terno em si tinha
uma capa sob medida fundida com as mangas, a cor era um tom de
verde floresta profundo com bordados prateados nas bainhas.
O tema de sua primeira fantasia: meia-noite.
Por um segundo, eles apenas se encararam.
Então ela desviou os olhos dele e encontrou seu olhar no
espelho.
— Eu disse que você poderia entrar? — ela disse.
O olhar hipnotizado desapareceu de seus olhos, e ele parecia
voltar a si enquanto levantava as mãos.
— Sua porta estava aberta — disse ele. — Achei que isso
significava que você deixaria entrar sem bater. — Então um sorriso
confuso apareceu em seu rosto. — Ou você está apenas com
vergonha de ser pega posando em frente ao espelho?
Sua carranca se aprofundou enquanto ela se afastava do
espelho e se aproximava dele.
— Esqueça — ela murmurou. — Estamos atrasados.
No corredor, ela ainda podia ouvir sua equipe de preparação
empacotando seus suprimentos no outro cômodo que virou salão de
beleza. Agora que ela estava bem na frente de Winter, ela podia ver
o leve pó de maquiagem em suas feições: uma base sutil, um leve
escurecimento de suas sobrancelhas já escuras e um brilho mais
fino contra suas pálpebras, como se tivessem sido pintadas com o
luar.
Ele estava obviamente tentando não olhar muito para ela.
— Se isso ajuda — disse ele enquanto caminhavam juntos pelo
corredor, inclinando-se para ela para que sua respiração aquecesse
seu ouvido —, você está linda.
Sydney não sabia se ele estava sendo sincero ou zombando
dela, mas ela estava feliz que ele desviou o olhar antes que o rubor
subisse em suas bochechas.
— Como você está se sentindo? — ela perguntou a ele quando
eles saíram de seu quarto e se dirigiram para as escadas.
Ele deu de ombros, mas ela notou a maneira como seus olhos
correram pelo corredor, com medo de se fixar.
— Não estou mais nervoso do que antes de qualquer show.
Sydney assentiu. Ela podia ouvir as palavras não ditas no ar,
que este não era um show qualquer. Mas de alguma forma ela sabia
que Winter faria sua parte do trabalho sem problemas. Ela, por outro
lado, tinha um contato da Panaceia com quem precisava se
comunicar esta noite, em um local de contato recém-aprovado fora
do próprio local do show. Era um lugar menos ideal, mais
movimentado e mais próximo do perigo, mas talvez o caos do
evento funcionasse a seu favor.
Chegaram ao topo da escada. Ao lado dela, Winter ofereceu-lhe
o braço. Ela olhou para ele estupidamente por um segundo, sem
saber o que fazer pela primeira vez.
— Eu sou sua guarda-costas — ela disse enquanto eles
estavam lá.
— Sim. E?
— Você ajuda todos os seus guarda-costas a descer as
escadas? — Ela olhou para ele com ceticismo.
— Esta, eu ajudo — Winter sorriu um pouco para ela. — Olha,
você não pode se vestir assim e não esperar que eu a acompanhe
até o carro. Não estou aqui para começar um boato público de que
sou um idiota.
— Se essa é a sua ideia de bajulação, estou surpresa que tenha
funcionado tanto para você.
Ele lançou-lhe um olhar fulminante.
— Apenas aceite o braço logo, antes que Claire estoure uma
veia esperando lá fora.

Eli Morrison alugou o Alexandra Palace para o show particular de


aniversário de sua filha, um amplo complexo de entretenimento de
196 acres no norte de Londres. Sob a glória de um pôr do sol
espetacular que lançava faixas de roxo e rosa nas poucas nuvens
de chuva do céu, até Sydney teve que deixar seu cinismo de lado e
admirar o espaço.
Ela fez sua pesquisa necessária sobre o palácio, é claro; foi
construído em 1873, depois foi incendiado e reconstruído duas
vezes ao longo dos séculos, servindo como tudo, desde uma
exposição de museu a um centro de refugiados da Primeira Guerra
Mundial, até uma estação de notícias e uma sala de concertos.
Ela saiu primeiro do carro em preparação para escoltar Winter
para dentro. Ao lado dela, Claire saiu e olhou brevemente para a
propriedade antes de voltar sua atenção para a multidão de fãs que
se reuniram abaixo dos gramados do palácio. Ela estava vestida de
ouro e branco como uma rainha grega, maquiagem dourada
brilhando contra suas pálpebras escuras.
— Como eles sempre descobrem, eu nunca vou saber — ela
murmurou na direção dos fãs. Ainda assim, ela sorriu e cutucou
Sydney, com um brilho de satisfação em seus olhos. — Não existe
publicidade ruim, certo?
— Eu que diga — Sydney murmurou de volta enquanto olhava
para a cena. Devia haver mais de mil pessoas esperando no
gramado em frente à entrada da rua do palácio, todas ansiosamente
agrupadas com seus cartazes como policiais e seguranças
contratados de braços dados diante deles, lutando para impedir que
a multidão inquieta clamasse por cima das barricadas de cimento.
Seus aplausos subiam e desciam no ritmo.
Uma dúzia dos homens de Morrison já estavam ali, alinhados
em duas fileiras de cada lado das portas de seus carros, prontos
para escoltá-los ao longo de um tapete vermelho que subia os
degraus até a entrada do palácio.
Sydney notou o fluxo de sedãs pretos alinhados atrás deles,
carregando uma vasta variedade de outras celebridades, elites ricas
e convidados pessoais. Esta noite seria notícia apenas com base na
importância de sua lista de convidados.
Um segundo depois, Winter finalmente saiu do carro, sua capa
flutuando atrás dele, e acenou para seus fãs. A multidão explodiu,
avançando como uma maré. A linha da polícia ondulava enquanto
eles recuavam.
— Você vai causar um tumulto completo aqui fora — Sydney
disse a ele enquanto ele lhe oferecia o braço.
Se a visão da massa mal contida o assustou, ele não
demonstrou em seu rosto. Em vez disso, ele piscou para Sydney
antes de conduzi-la pelos degraus em direção ao imponente pórtico
da entrada.
— E você vai desencadear boatos pela manhã — ele
respondeu. — Espero que você esteja pronta para isso.
Enquanto os gritos atrás deles ecoavam pela noite, Leo e
Dameon juntaram-se à fila para sair do carro enquanto caminhavam
pelo tapete vermelho. Câmeras piscavam a cada passo. Sydney
manteve uma expressão séria através dele, seus olhos percorrendo
o espaço em aparente proteção de Winter. Uma desculpa perfeita
para observar o fluxo de convidados entrando, junto com o interior
do palácio.
A checagem de segurança do próprio evento começou no átrio
interno. Ao entrarem no salão principal, Sydney viu uma corda de
veludo vermelho atravessando o espaço, onde uma linha de
seguranças verificava os convidados em uma lista principal. Havia
também um detector de metais, junto com uma equipe de guardas
examinando bolsas e corpos.
Os olhos de Sydney foram para os corredores menores que se
ramificavam antes da linha de segurança. Um banheiro no corredor
esquerdo era onde ela precisava ir para tentar, mais uma vez,
recuperar o pacote de seu contato da Panaceia. A agência de
correio teria sido muito mais sutil, mas pelo menos essas multidões
estavam tão cheias de pessoas importantes que os olhos de
ninguém estariam fixos nela. Ela poderia escapar até aqui, então
encontrar o caminho de volta para dentro sem levantar muitas
suspeitas.
Além disso, a Panaceia não enviou ativos medíocres para
entregar as coisas.
O progresso deles pelo tapete vermelho foi irritantemente lento.
Eli Morrison havia convidado meia dúzia de repórteres para o átrio
externo, com a intenção de registrar o quão épico seria a festa de
aniversário desse evento. Agora Winter se viu desviando de
microfones empurrados em sua direção e sendo parado para
responder a um conjunto de perguntas.
Finalmente, eles entraram em um corredor silencioso, então
desceram por um elevador para uma série de salas subterrâneas
que deveriam ser destinadas a consultórios particulares e áreas de
descanso para artistas.
— Ashley, leve Winter para os camarins até que ele seja
escoltado para fora dos bastidores — Claire estava dizendo a ela
enquanto caminhava rapidamente junto com eles. Ela acenou com a
cabeça para Leo e Dameon. — Vocês, rapazes, também.
Comportem-se. Estou voltando para o andar de cima para me
sentar.
— Espero que você se sente ao lado de uma linda herdeira —
Winter gritou atrás dela. — E ela leva você para um encontro
chique.
Ela se virou o suficiente para mostrar o dedo para Winter de
brincadeira, então desapareceu no fluxo de pessoas.
Nas salas de preparação, Dameon e Leo já estavam
percorrendo parte do cenário quando chegaram. Sydney observou
enquanto Winter cumprimentava seus amigos, rindo de alguma
piada interna enquanto sua equipe de preparação o atacava.
Ela levou um segundo para perceber que a equipe estava
realmente começando a despi-lo, tirando sua jaqueta e
desabotoando sua camisa de colarinho enquanto começavam a
transformá-lo no primeiro de seus conjuntos de palco.
Despindo-o.
Sydney rapidamente desviou os olhos, mas não antes de ter um
vislumbre de seu corpo. Ele tinha o corpo de um dançarino, esguio e
forte, os músculos se movendo sob a luz enquanto ele esticava os
braços para os lados.
Então um dos estilistas começou a desabotoar o cinto,
preparando-o para trocar de calça. Sydney decidiu que era hora
dela ir ao banheiro.
Dois dos homens de Morrison estavam na entrada da sala de
prática, observando-a enquanto ela saía, mas ela murmurou
“banheiro” para eles e eles pareceram perder o interesse
imediatamente, sua atenção voltando-se para as milhares de outras
pequenas coisas que aconteciam no caos ao seu redor. Sydney
notou isso com certa satisfação; Afinal, as suspeitas iniciais de Eli
sobre ela eram apenas arrogância. Talvez ele a tenha descartado
oficialmente como nada mais do que uma guarda-costas com
benefícios.
Ela caminhou pelo corredor e passou pela linha de segurança
em direção aos banheiros. Uma vez lá dentro, ela notou com alívio o
marcador revelador deixado por seu contato da Panaceia – uma
mancha de batom vermelho contra a porta da última cabine. Ela
limpou o batom com um lenço de papel, trancou-se lá dentro e
levantou a tampa da caixa d'água do banheiro.
O pacote era tão fino que qualquer um que não soubesse onde
procurar poderia nunca ter notado o plástico cinza colado no interior
da caixa. Sydney tateou o sulco ao longo de seu lado, então
cuidadosamente desfez o pacote da caixa e abriu-o lentamente ao
longo do topo com a unha. A embalagem cedeu sem um som.
Dentro estavam os itens de Niall. Brincos de Winter idênticos
aos que ele usaria no palco. O anel de cobra. Junto com algumas
outras coisas também – uma caneta fina com um flash ofuscante
instalado na ponta, seu broche de brasão do hotel equipado com a
lâmina de agulha oculta e novos telefones instalados com o software
da Panaceia para rastreamento e localização.
Por fim, ela viu um pequeno símbolo rabiscado no forro interno
do pacote. Ela fez uma pausa, então olhou mais de perto.
Era o rabisco de um coração, com uma cruz atravessada como
uma adaga.
Ela revirou os olhos, um leve sorriso nos lábios. O contato da
Panaceia que deixou este pacote para ela era um agente com quem
ela havia trabalhado, alguém com quem ela teve um breve caso.
Ela balançou a cabeça. Talvez tenha sido boa sorte, receber um
sinal familiar de seu passado. Talvez essa missão começasse a
acontecer a partir de agora. Ela desligou o telefone, abriu um
pequeno bolso escondido costurado na parte interna da cintura da
calça e colocou os itens dentro, parecia desaparecer no tecido
ondulante, impossível de rastrear contra a malha anti-vigilância do
interior.
Alguém entrou no banheiro. Os saltos estalando ecoaram contra
os ladrilhos. Sydney deu a descarga uma vez e deixou que o
barulho abafasse o som dela rasgando o pacote em pedacinhos.
Então ela saiu.
E deu de cara com Penelope Morrison.
15

Mais parecidas do que não

Penelope se assustou perto das pias ao vê-la. A garota já estava


fantasiada – um vestido preto e branco que brilhava sob a luz, junto
com um elegante enfeite de cabeça prateado e dourado que
combinava o círculo de um sol e o crescente de uma lua. Um
grampo de cabelo com joias brilhava ao lado de sua orelha.
Este banheiro estava localizado fora da área de segurança;
Sydney tinha vindo aqui intencionalmente, preparada para dar a
desculpa a qualquer um que perguntasse que ela estava procurando
um espaço mais privado do que os cômodos lotados além da linha.
O que Penelope estava fazendo aqui?
Penelope piscou para ela e desviou o olhar rapidamente.
Imediatamente, Sydney percebeu que a garota estava chorando;
seus olhos ainda estavam vermelhos e sua maquiagem tinha
borrado levemente nos cantos.
Sydney deu a ela um sorriso tranquilizador e fingiu que não
havia notado nada.
— Você é a guarda-costas de Winter Young, certo? — Penelope
disse depois de um momento de hesitação, olhando para Sydney
através do espelho com os olhos arregalados. — Ashley?
— Sim, Srta. Morrison — Sydney disse enquanto lavava as
mãos ao lado da garota.
— Você não vai contar à equipe do meu pai que estou aqui, vai?
Ela balançou a cabeça.
— Eu cuido do Sr. Young, senhorita, não de você.
Com isso, Penelope pareceu ceder com alívio. Um pouco de
fôlego escapou dela.
— Obrigada — ela disse com uma risada triste, e voltou a
consertar os cantos de sua maquiagem. — Só estou tentando
escapar deles. — Ela fez uma pausa e sorriu para o vestido de
Ashley. — Você está incrível, a propósito. Eu amei os chifres.
— Obrigada — Sydney teve o cuidado de manter os olhos
baixos, sua postura quase subserviente, enquanto lavava as mãos.
— Apenas seguindo as instruções do Sr. Morrison para que os
seguranças correspondam ao tema.
— Na verdade, foram minhas instruções. — Penelope deu a ela
um sorriso tímido. — Eu não queria uma centena de homens de
meu pai em ternos pretos estragando o visual da minha festa. Eles
me deixam nervosa. Lamento que você tenha se envolvido nisso,
sei que parece desagradável.
Sydney riu um pouco.
— Você não precisa se desculpar por me dar uma desculpa
para me vestir.
Com isso, uma luz ansiosa apareceu em seus olhos, cortando
sua tristeza de um momento atrás.
— Winter já está pronto também?
— Eles estão preparando ele agora — Sydney disse, dando-lhe
uma piscadela. — Você deve estar animada.
Penelope prendeu a respiração e baixou os olhos timidamente,
incapaz de conter um sorriso.
— Ele é a melhor parte deste aniversário — ela admitiu.
Sydney sentiu uma pontada de pena da garota. Para a estrela
da ocasião, ela não parecia extasiada com a comemoração. Algo na
maneira como Penelope olhava nervosamente ao redor como um
pássaro preso lembrou Sydney de seu próprio passado, de sentir
como se estivesse vivendo uma vida da qual não poderia escapar.
Pelo menos Sydney sabia a verdade sobre quem era seu pai.
Pobre gente rica, disse a si mesma com ironia. Ela observou a
garota enrolar uma mecha errante em sua cabeça, então olhou para
a porta.
— Sabe — disse Sydney —, se eu encontrar alguns dos
guardas de seu pai, posso dizer a eles que você está em outro
lugar. Dê a você um pouco mais de tempo para si mesma.
Penelope pegou uma toalha para secar as mãos.
— É gentil de sua parte oferecer isso. — disse ela, lançando-lhe
um olhar agradecido.
Sidney deu de ombros.
— Eu também estou acostumada a me esconder de pais —
respondeu ela.
Ela havia compartilhado esse pequeno pedaço de si mesma
com Penelope como uma tática, parte de atrair a confiança da
garota. Mas a maneira como os olhos arregalados de Penelope se
voltaram para ela com empatia era tão genuína que Sydney sentiu
uma pontada de vergonha.
Penelope deu a ela um pequeno e triste sorriso.
— Somos iguais, então — ela disse.
Elas não eram, é claro, não realmente. O pai de Penelope era
bilionário. Seu próprio pai ganhava sete dólares por hora em um
matadouro. Mas Sydney assentiu de qualquer maneira,
aproveitando a chance de se relacionar.
— Mais parecidas do que não — ela decidiu responder.
Penelope balançou a cabeça.
— Obrigada — ela disse educadamente, sua voz ainda mais
baixa e tímida do que antes. — Mas não é necessário. Eu tenho que
dar um presente para o meu pai antes do show começar, de
qualquer maneira, ele não estará por perto depois. Eu só...
precisava de um momento.
Sydney assentiu. Então ainda havia algum amor por baixo da
tensão entre eles, por mais leve que fosse. Ela podia ouvir isso nas
pausas do discurso de Penelope, como se ela mesma não quisesse
admitir.
— Espero que você aproveite o resto da sua festa, Srta.
Morrison — disse ela.
— Por favor, me chame de Penelope. — Ela sorriu para Sydney.
— Só os guardas do meu pai dizem Srta. Morrison.
Sydney sorriu de volta.
— Penelope, então.
Quando Penelope se virou para sair do banheiro, Sydney notou
uma pequena tatuagem no pulso da garota. À primeira vista, parecia
uma linha errante. Levou um segundo para Sydney reconhecê-lo
como italiano e traduzi-lo em sua cabeça.
O coração é grande e profundo.
Sua mente repassou tudo o que sabia sobre Penelope. Eli era
inglês, por muitas gerações. Mas sua mãe era uma italiana que se
casou brevemente com Eli e depois se divorciou quando Penelope
tinha três anos. Havia tão pouca informação sobre sua mãe,
especialmente após o divórcio – dizia-se que ela voltou para a Itália
e faleceu anos depois devido a uma doença.
Sydney não poderia fazer um julgamento de uma forma ou de
outra sobre a frase. Talvez fosse uma frase que sua mãe usava com
frequência. Talvez fosse um ditado italiano que Sydney não
conhecia.
Então Penelope saiu pela porta do banheiro, deixando Sydney
sozinha.
A mão de Sydney roçou a borda de sua cintura, verificando o
peso do conteúdo do pacote em seu bolso secreto. Então ela saiu
também, mantendo a cabeça baixa enquanto caminhava de volta
pela linha de segurança. A tristeza gravada no rosto de Penelope
permaneceu em sua mente.
Quanto Eli Morrison controlava a vida de sua filha?
Fosse o que fosse, era o suficiente para Winter poder usar. E
com alguma sorte, Penelope poderia ser a cunha que quebraria o
império ilegal de seu pai.
16

A superestrela e o magnata

Quando veio a deixa para eles saírem, Sydney ocupou seu lugar ao
lado de Winter enquanto conduziam ele e seus dançarinos por um
corredor privado em direção à porta dos bastidores do teatro.
Ele havia se transformado completamente em sua persona de
palco, sua primeira roupa de apresentação sendo uma prata
esvoaçante que parecia mudar de cor sob a luz. Um leve brilho de
maquiagem em seu rosto o lançou em um brilho hipnotizante. Havia
uma nova suavidade em seu andar, uma nova confiança em seu
andar, uma cadência travessa em sua voz quando ele gritou uma
piada para Leo e o menino riu de volta. Sydney não pôde deixar de
se sentir impressionada. Era como se uma pessoa real que ela
conhecesse tivesse desaparecido, deixando para trás apenas a
ideia de uma.
Chegaram ao final do corredor estreito, onde um elevador os
esperava. De pé na frente do elevador estava uma linha de guardas
de Eli, que se interpôs no caminho de Sydney. Ela se sentiu tensa
por instinto.
— Nossos próprios guardas — Leo disse com entusiasmo. —
Olhe para este tratamento real.
O mais próximo balançou a cabeça para Sydney.
— Vamos acompanhá-los individualmente daqui — ele disse a
ela. — Você pode ir para o seu lugar na platéia agora, Srta. Miller.
Sydney lançou um breve olhar a Winter. Ele, Leo e Dameon já
haviam sido emparelhados com um dos treinadores de Eli.
Leo olhou com ceticismo para seu guarda.
— Você está subindo no palco para dançar com a gente
também? — ele brincou.
O homem apenas olhou para ele com cara de pedra até que ele
desviou o olhar inquieto.
— Quero dizer, você parece uma pessoa sociável — ele
murmurou.
Sydney hesitou. Isso era o mais longe que ela podia ir.
Ela acenou com a cabeça para os homens e deu um passo para
longe de Winter. Ele acenou com a cabeça para ela. Quando ela
olhou para ele, aquela persona de palco deu lugar a um vislumbre
de si mesmo.
Eu vou ficar bem, seus olhos pareciam dizer.
Ela apertou os lábios e se voltou para o guarda.
— Tudo bem — disse ela.
Leo entrou primeiro no minúsculo elevador, com seu assistente
ao seu lado. Ele lhes deu um sorriso tenso.
— Vejo todos vocês onde está a diversão — disse ele. Então as
portas se fecharam sobre ele.
Dameon foi o próximo. Por fim, Winter entrou com sua nova
guarda. Quando as portas se fecharam sobre ele, Sydney encontrou
seu olhar uma última vez.
Ele deu a ela um sorriso rápido.
— Aproveite o show — disse ele.
Então ele se foi.
Ela desceu até a entrada da frente do teatro, por onde agora
fluía o restante dos convidados.
Ela reconheceu muitos deles, seja pelas notícias ou pelo
conhecimento geral dos ricos e poderosos. Havia outros jovens,
provavelmente amigos e conhecidos de Penelope, filhos de fundos
fiduciários. Outros ainda eram pessoas que ela conhecia com base
em seu tempo na Panaceia – pessoas que trabalhavam de perto
com Eli, diretores do MI6, diplomatas de outras nações européias.
Sua pele formigou com a proximidade de todos eles.
Havia um cheiro de perigo no ar aqui.
Na entrada do salão do teatro, um guarda pediu seu nome e
documento de identidade e digitalizou seu cartão em um leitor. A
tela piscou em verde. Ela estava na lista de convidados.
O espaço interno era enorme, mal iluminado por amplos
gradientes de holofotes. Para sua surpresa, o palco de Winter não
havia sido montado no original na extremidade oposta do corredor,
mas bem no centro da sala gigante, em um estrado circular elevado.
Para que todos pudessem vê-lo de todos os ângulos.
Ela olhou para cima. Havia um novo sistema de ganchos e
balanços instalados sobre o estrado, junto com uma série de
pequenas máquinas pretas colocadas em intervalos regulares ao
redor do palco redondo.
Sydney fez seu caminho até o círculo da frente de pessoas
reunidas ao redor do estrado, então encontrou seu lugar. Ela olhou
em volta para o público.
Lá estava Claire, parada na primeira fila e conversando
animadamente com Penelope, que acenou com a cabeça
educadamente. Sydney notou dois outros guarda-costas de
Penelope que ela reconheceu quando os receberam na casa.
Então ela viu Eli Morrison sentado ao lado deles, quase
diretamente na frente dela, sua figura envolta em sombras. Não
importava que ele se misturasse, no entanto. Ele tinha o tipo de
presença que disparava os alarmes na cabeça de Sydney. Era a
maneira como os outros agiam perto dele, ela percebeu – como dois
de seus associados sentados ao seu lado balançavam a cabeça
rapidamente quando ele se virava para fazer uma pergunta, e como
seus corpos se inclinavam para ele mesmo quando ele não falava.
como se tivesse medo de perder um sinal. Quando Eli riu, foi um
som caloroso e generoso, mas os outros não reagiram assim. Eles
riam nervosamente de volta, seus corpos rígidos, como se o som
não pudesse alcançar o resto deles.
Como se o homem pudesse compartilhar uma piada com eles
em um momento e depois providenciar seu desaparecimento no
próximo. Talvez eles até tivessem testemunhado isso antes.
Ocasionalmente, ela podia ouvir pedaços de seus murmúrios
através do barulho ao seu redor. Negócios em um dos fundos de
investimento de Eli. Nada fora do comum.
Então ela reconheceu a terceira pessoa sentada quase
diretamente à sua frente. Era Connor Doherty.
Connor Doherty, o jovem que Niall disse que cuidava de todas
as finanças comerciais de Eli, que era notoriamente ausente de
quase todo o público de Eli. Que estava potencialmente tendo um
caso com Penelope. Que era o bilhete para derrubar Eli.
Cada instinto em Sydney concentrou-se no homem, como se ela
tivesse acabado de avistar um animal raro. Ele era despretensioso à
primeira vista, magro e esguio, sua postura um pouco mais cansada
do que um homem de vinte e poucos anos deveria ser, vestindo a
roupa mais simples que uma pessoa poderia usar – um terno preto
padrão e gravata, com uma máscara de olho preta sem decoração
em seu rosto pequeno e estreito. O tipo de pessoa que se mistura
com a multidão.
Os olhos de Sydney foram para suas mãos. Lá ela viu os únicos
indícios do gosto caro com o qual Panaceia contava – um relógio
Rolex, uma grossa pulseira de platina, anéis cravejados de
diamantes. Ele se inclinou para Eli e falou com ele em tom baixo,
que ela não conseguiu entender.
Ela estava no meio da leitura de seus lábios quando o espaço
escureceu completamente. A névoa das máquinas ao redor do
estrado começou a se infiltrar pelos assentos, envolvendo suas
botas, e os primeiros fios de música começaram a sair pelos alto-
falantes embutidos ao longo de cada fileira de assentos da arena.
Quando Sydney virou a cabeça para o teto, ela agora podia ver uma
folha de estrelas piscando para a existência.
No estrado, luzes azuis geladas banhavam todo o palco,
destacando uma silhueta que agora se erguia de baixo do palco,
agachada sobre os joelhos. O público soltou uma explosão de
aplausos quando Winter apareceu.
Ele estava amarrado e amordaçado, usando um capacete
brilhante de galhos entrelaçados e longas penas de garça, dando-
lhe a ilusão de ser um pássaro. Seu cabelo preto estava polvilhado
com purpurina prateada, e anéis finos brilhavam em seus dedos.
Um lenço de seda branca vendava seus olhos, e seus braços e
pernas estavam amarrados diante dele com metal e couro. Ao redor
do estrado, uma gaiola de barras erguia-se para cercá-lo.
A música começou a tocar e a empolgação tomou conta da
multidão. Perto dali, Penelope prendeu a respiração bruscamente e
se inclinou para a frente, os olhos fixos nele.

Eles trancaram o pássaro, trancaram-no lá no fundo

Quando o som da trilha assombrosa encheu a sala, Winter


começou sua dança. Com cada batida pesada, ele se movia para
escapar de suas amarras. Seus pulsos torcidos e tensos contra as
tiras. Uma de suas mãos fez um movimento floreado – e
inexplicavelmente saiu da alça, como se tivesse passado direto pelo
material.
Sydney piscou. Na Panaceia, ela aprendera uma dúzia de
maneiras diferentes de escapar das amarras. Ela deu uma olhada
nas amarras de Winter e soube, realmente soube, que não havia
como ele escapar disso sozinho. E, no entanto, aqui estava ela,
testemunhando-o fazer exatamente isso. Parecia que sua mão era
feita de ar, do jeito que ela simplesmente deslizou silenciosamente
para fora de um dos punhos.
As algemas e amarras devem ter sido feitas especificamente
para esta performance, ela lembrou a si mesma. Apenas um truque
do olho.
Winter se arqueou até que a parte de trás de sua cabeça tocou
o chão do estrado. Ele esticou o segundo braço amarrado para
cima, de modo que todas as algemas de metal ficassem claramente
visíveis na luz. Quando a batida caiu novamente, ele torceu o pulso
e – novamente, Sydney assistiu incrédula enquanto ele deslizava
para fora das amarras. Elas caíram no chão. Em outro gesto suave,
ele tirou a mordaça e a venda. O público engasgou em aprovação.

Eles me trancaram, mas eu me libertei, me libertei

Winter ficou de pé. No ritmo da música, ele girou e arqueou para


trás. Uma perna e um tornozelo escaparam das amarras. Depois o
outro. Ao fazer isso, ele tirou a camisa, expondo por um segundo
chocante a parte superior do corpo nu antes de virar a camisa do
avesso e deslizá-la de volta em um único movimento para revelar a
seda azul cobalto. Ao mesmo tempo, suas calças se abriram em
uma camada por baixo no mesmo tom azul ousado. Agora ele
parecia menos com um pássaro e mais com um oceano. O público
ondulava com um suspiro.
Ele olhou para o público, um leve sorriso nos lábios, seu
capacete brilhando na luz.
Sydney assistiu a algumas apresentações de Winter antes de
começar sua missão, estudou a maneira como ele se movia e fez
sua devida diligência em pesquisá-lo. Mas ela nunca o tinha visto
tocar ao vivo antes. E naquele momento, todo pensamento
desdenhoso que ela já teve sobre ele desapareceu de sua mente.
Este não era o garoto com o sorriso sarcástico e a boca rápida,
aquele com quem ela não conseguia parar de brigar.
Este era a superestrela.

Eles tentaram pegá-lo, mas ele se virou no ar


Transformou-se na água, no mar entre você e eu

Agora os dançarinos de apoio chegaram, furtivamente pelos


corredores em figuras escuras até chegarem ao palco. Sydney
visualizou Dameon e Leo instantaneamente. Quando o refrão da
faixa começou com uma batida estrondosa, os dançarinos
deslizaram em uma formação ao redor dele e então todos
sincronizados em movimento.
Apesar de si mesma, Sydney podia sentir seu coração disparar.

Eles tentaram me impedir, mas eu cheguei até aqui, até aqui

Leo jogou para ele um buquê de flores amarelas e brancas.


Winter agarrou-o e saltou do palco com um movimento fluido. A
platéia se agitou de alegria, separando-se e avançando enquanto
ele se dirigia para Penelope. Os holofotes o seguiram.
Vim até aqui, só para te desejar

Ele se aproximou dela. Sob a luz, Sydney viu Penelope inalar e


dar uma risadinha.

Só para te desejar um feliz aniversário

A platéia explodiu em gargalhadas e aplausos com o ajuste na


letra que Winter havia feito para Penelope. Ele ofereceu-lhe as
flores. Ela cobriu a boca com as duas mãos, tremendo, enquanto os
amigos ao seu redor gritavam e a empurravam com alegria. Então
ela pegou o buquê sem desviar o olhar dele. Ele sorriu de soslaio
para ela e voltou para o palco enquanto a música mudava
novamente.
Quando ele se virou, seu olhar se fixou em Sydney.
Apesar de si mesma, Sydney sentiu sua respiração engatar com
a atenção dele. Ele nunca tinha olhado para ela assim antes –
totalmente entrincheirado em sua persona de palco, a luz brilhando
quente em seus olhos. Por um instante, ela se sentiu acorrentada no
lugar.
Então, em um piscar de olhos, ele estava de volta ao estrado e
se juntou a seus dançarinos em uma trilha furiosa e acelerada. A
batida sacudiu o chão sob os pés de Sydney. As luzes mudaram
para vermelho, banhando todo o espaço em escarlate – e então
algum gancho invisível impulsionou Winter do chão do palco para o
alto. A plateia gritou.
Sydney soltou o ar lentamente. Um bastardo flertador completo.
Se Penelope não ficou animada depois disso, então ela não poderia
ser conquistada por nada no mundo.
Um leve movimento na escuridão da platéia a colocou de volta
no lugar. Ela olhou de relance para onde Eli Morrison estava
sentado. Ele se levantou junto com Connor Doherty e um terceiro
homem. Eles trocaram mais algumas palavras.
Sydney ansiava por se aproximar. Mas seria muito óbvio aqui se
ela, a principal guarda-costas de Winter, saísse agora. Ela não tinha
dúvidas de que os homens de Eli a estavam observando de uma
dúzia de pontos diferentes na sala. Então, tudo o que ela podia fazer
era permitir-se roubar olhares para Eli e os outros.
Então ela viu Connor inclinar-se para Eli e, enquanto Winter
prosseguia em sua rotina final, murmurar algo para o homem. Ela
estreitou os olhos, lendo seus lábios o suficiente para decifrar as
palavras.
— Tem que ser esta noite, senhor.
Eli franziu a testa para ele enquanto o teatro tremia com as
batidas iniciais do baixo.
— Não. A reunião é amanhã. — Então vieram algumas palavras
que ela não conseguiu entender.
— Receio que não possamos, senhor.
Eli era um dos homens mais intimidadores com quem Sydney já
havia cruzado, mas algo no olhar calmo e suplicante de Connor
parecia fazê-lo pensar. Ele não respondeu de imediato. Seus olhos
seguiram os movimentos de Winter no palco, depois se voltaram
para a silhueta de sua filha.
Sydney contou os segundos em sua cabeça. Oito, nove, dez,
onze.
Por fim, Eli disse:
— Esta noite, então.
Havia uma urgência nas palavras, uma tensão em seu corpo
que fez o coração de Sydney bater um pouco mais rápido. Algo
estava acontecendo que parecia uma onda em seus planos. Sua
expressão nunca mudou, nem seu olhar, mas as palavras de Eli
Morrison ecoaram em sua mente, sólidas e sinistras.
Esta noite, então.
Ela tinha um pouco de perseguição a fazer.
17

Personagens em um palco

Winter Young tinha ido a festas pós-show suficientes para durar uma
vida inteira – mas até ele tinha quase certeza de que nunca tinha ido
a uma como esta.
Algumas horas após o término de sua apresentação, ele se viu
caminhando com Penelope por um lance de escadas que se
curvava ao longo do interior de um enorme cilindro que descia para
o subsolo de uma entrada privada e vigiada ao longo do rio Tâmisa.
— Na verdade, chamava-se Túnel Tâmisa de Brunel —
Penelope explicou a ele enquanto caminhavam, uma das mãos
colocando o cabelo atrás das orelhas, inquieta. Seu grampo de
cabelo enfeitado brilhou quando seus dedos passaram por ele. —
Um cara chamado Brunel e seu filho construíram o primeiro túnel
para conectar o subsolo sob um grande rio. Costumava ser para
carruagens e depois para trens. Meu pai financiou sua restauração
há alguns anos em um espaço de exibição.
Seu aperto em torno de seu braço era forte e nervoso, e de vez
em quando, ele podia senti-la tremer. Seu pai não estava respirando
em seu pescoço aqui, mas sua presença ainda pairava em cada
detalhe desta festa. Mesmo assim, foi o mais falante que ela tinha
estado desde que se conheceram.
Ele lançou um rápido olhar por cima do ombro para se certificar
de que Sydney estava atrás dele. Era estranho saber que nenhum
de seus amigos estaria aqui. Dameon parecia despreocupado,
contente em ir para a cidade para festejar sozinho, mas Leo ficou
excepcionalmente quieto após a apresentação, observou Winter se
preparar para sair para a festa atrás do palácio sem dizer uma
palavra.
— Ele está se sentindo bem? — Winter tinha murmurado para
Claire enquanto estava diante de um dos carros de Eli.
— Não se preocupe com seus meninos — Claire disse a ele. —
Eles terão sua própria diversão. — Então ela lhe deu um
encorajador olhar de parabéns! antes de mandá-lo embora.
Agora apenas Sydney estava descendo dois degraus atrás dele,
suas calças prateadas balançando contra suas pernas em um brilho
de tecido a cada movimento que ela fazia.
Isso fez seu batimento cardíaco acelerar. O brilho daquela roupa
o distraiu várias vezes durante sua apresentação. Talvez Panaceia
tivesse exagerado com seu visual. Quando ela o viu depois e enfiou
o broche do hotel em seu bolso, ele se pegou perdendo o ritmo em
sua resposta, sua língua tropeçando em si mesma.
— Para sua proteção — ela disse.
O broche devia fazer parte da entrega da Panaceia para eles, o
que significava que Sydney havia recolhido o pacote com sucesso.
Então ela lançou a ele um sorriso de lado antes de caminhar ao
lado dele.
— Belo show — ela acrescentou antes de desviar o olhar.
O olhar de Winter disparou para ela, e então para o brilho
brilhante de suas calças balançando. Ele abriu a boca, percebeu
que não tinha nada coerente a dizer e fechou-a prontamente. Ela
nem se incomodou em olhar para ele – o que foi bom. Melhor que
ela não tivesse visto o constrangimento em seu rosto.
Agora ele forçou sua atenção de volta para Penelope.
— E Brunel sabia como transformar sua criação de túnel em
uma festa tão boa quanto esta? — ele disse.
— Quase — respondeu Penelope, tapando a boca com a mão
para esconder um sorriso tímido. — Aparentemente, era um local de
festa melhor do que um sistema de transporte. Ouvi dizer que a
inauguração tinha barracas com macacos dançantes e acrobatas.
Winter olhou para baixo enquanto desciam as escadas. Bem, os
acrobatas definitivamente ainda estavam aqui. Faixas de sedas
amarelas ousadas pendiam do teto do poço, e torcidas dentro delas
estavam as figuras jovens girando em várias alturas ao longo de
cada lado da escada de metal. Pendurados com eles estavam
candelabros longos e baixos que lançavam um caleidoscópio de luz
e sombra contra as paredes do poço. O baque da música
reverberou por todo o espaço e, quando ele olhou para o céu, viu
que um céu estrelado de lâmpadas de cristal pendia do teto,
brilhando.
Ao pé da escada, eles passaram por um comedor de fogo
soprando uma linha de fogo através de um aro, provocando suspiros
de seu pequeno grupo de espectadores. Lojas e barracas foram
montadas ao longo das bordas do poço que conduzia aos antigos
túneis de trem; havia carrinhos de bar e estações de comida e
mesas forradas com sacolas de presentes douradas. Garçons
circulavam com bandejas de prata, trazendo samosas pequenas e
tortas salgadas, pequenas xícaras de batatas fritas e pratos de
bolinhos regados com óleo de pimenta.
Quando ele olhou novamente para Sydney, ele notou que ela
estava fazendo uma varredura do espaço, seus olhos passando de
uma arquibancada para outra, uma carranca cautelosa em seu
rosto. Como se ela fosse apenas uma típica guarda-costas.
Winter torceu o anel de cobra preguiçosamente em seu dedo.
Seus olhos a procuraram constantemente durante toda a noite.
Quando sua mão caiu para trás, ela bateu contra o minúsculo frasco
de toxina costurado em uma parte escondida de seu bolso. A bebida
suicida, um lembrete de sua missão. Sua respiração engatou, e ele
tentou empurrá-lo de sua mente.
Eles provocaram uma comoção assim que pisaram no chão do
poço. Segundos depois, um grupo se reuniu ao redor deles em um
círculo, cheio de rostos ansiosos e mãos estendidas esperando para
serem apertadas. Votos de Feliz Aniversário! para Penélope. Winter
ficou para trás com ela enquanto ela sorria graciosamente para cada
um de seus admiradores e o círculo ao redor deles crescia.
— Winter Young? — um deles exclamou para ele.
Outro sorriu amplamente.
— Eu nunca vi uma performance como essa — ela respirou,
seus olhos fixos nele. — Você vai ter que nos ensinar alguns desses
movimentos na pista de dança.
O aperto de Penelope aumentou ao redor do braço de Winter
enquanto ela olhava para a garota com uma carranca fingida.
— Consiga sua própria superestrela — disse ela.
— Winter! Winter Young!
Seu nome ecoou em um raio ao seu redor. Entre eles
caminhavam alguns seguranças de Eli Morrison, sua presença
maciça redirecionando calmamente a crescente multidão.
Winter sentiu a presença de Sydney mais perto dele. Quando
ele olhou para ela, ela estava quase pressionada contra ele,
observando atentamente as pessoas que se aproximavam. Ela
olhou para um jovem que se aproximou demais para se sentir
confortável – então se colocou entre eles e empurrou o convidado
para trás apenas caminhando em sua direção. O homem recuou
com um olhar de ofensa confusa em seus olhos.
Winter quis rir um pouco da visão. Se Sydney não tivesse se
tornado uma agente secreta, ela realmente poderia ter encontrado
uma carreira como guarda-costas eficaz.
Eles saíram do aglomerado de pessoas, a segurança movendo-
se ao redor deles em um círculo ondulante.
— Sua guarda-costas acabou de afastar o príncipe de Orange-
Nassau — disse Penelope a Winter com um sorriso escandalizado.
— Apresentarei minhas desculpas a Sua Alteza mais tarde —
disse Winter com uma sobrancelha arqueada.
Acima de sua cabeça, ele chamou a atenção de Sydney
brevemente. Os dois trocaram um olhar conhecedor. Ainda não
havia sinal de quem eles precisavam ver – Connor Doherty. Talvez
ele não frequentasse festas como esta. Ele teria que encontrar uma
maneira de mencionar o nome do homem.
Eles conheceram mais alguns amigos de Penelope em rápida
sucessão. A música mudou, o ritmo suavizando em algo lento e
abafado, e como uma área aberta da pista cheia de outros casais,
Winter puxou Penelope para uma dança. Aqui, finalmente, a
multidão ao redor deles se dispersou um pouco, embora ele ainda
pudesse ver as pessoas lançando olhares demorados de todas as
partes da sala. Nada que ele não estivesse acostumado.
Sydney deslizou da pista de dança para um canto perto da
parede para dar-lhes espaço. Seus olhos ainda seguiam cada
movimento deles. Winter encontrou-se captando seu olhar cada vez
que se viravam.
— Então, Srta. Morrison — ele disse quando eles entraram no
ritmo da música —, me dê uma nota. Em uma escala de um a dez,
como eu me saí na sua performance de aniversário?
Penelope ficou vermelha o suficiente para que ele percebesse,
mesmo com pouca luz.
— Dez é o mais alto ou o mais baixo?
— Dez seria como ir para as melhores férias da sua vida.
Seu sorriso se transformou em uma risadinha.
— Você tem um nove, então.
— Um nove! — Winter se afastou com uma expressão de
choque ferido no rosto. — Você não acha que eu fui tão bom quanto
as melhores férias da sua vida?
Penelope cobriu a boca com uma das mãos enquanto ria. Seus
olhos se voltaram para baixo timidamente.
— Um ponto deduzido apenas por ser muito breve.
Ele colocou a mão na parte inferior das costas dela.
— Justo.
Eles dançaram um pouco mais em silêncio agradável. Winter
deixou-se impressionar pelo ambiente. Mas, em vez de parecer
satisfeita com o espanto dele, Penelope pareceu recuar novamente,
aquela rigidez retornando a seus passos. Ele olhou de volta para
ela.
— Não leve a mal — disse ele, inclinando-se mais perto e
baixando a voz. — Mas você se importaria se eu oferecesse uma
pequena avaliação?
— O que?
— Eu notei algo.
— E o que é isso?
— Você tem tensão em seu passo de dança. — Ele a puxou um
pouco para trás e se virou com ela. — Quando você se move para o
lado, vê? Como se você estivesse resistindo ao movimento.
Ela corou novamente, envergonhada desta vez.
— Desculpe. Estou um pouco, ah... nervosa perto de você.
Ele podia senti-la tremendo levemente em seus braços.
— Eu costumava fazer a mesma coisa no início da minha
carreira — ele a tranquilizou. — Essa é a única razão pela qual eu
notei. Meu coreógrafo costumava me criticar o tempo todo por causa
disso.
Com isso, ela encontrou seu olhar completamente.
— Não me diga que Winter Young tinha medo do palco.
— Ah, pavor. Eu costumava tremer antes de pisar no palco
diante de um estádio lotado. Isso deixava meu coreógrafo louco.
Então, a primeira coisa que aprendi foi fingir uma sensação de
conforto. Para a maioria das pessoas, eu parecia relaxado. Mas eu
sabia que a rigidez estava lá. — Ele se acalmou, então a estudou.
— Às vezes, é preciso uma pessoa nervosa para reconhecer outra.
O sorriso dela assumiu um tom triste, e ele a sentiu relaxar um
pouco em sua direção, como se agradecida por seu
reconhecimento.
— Sinto muito — ela começou a gaguejar —, eu não quero ser...
— Uma pessoa nunca deveria pedir desculpas no seu
aniversário — respondeu Winter, e ela riu novamente. As lições de
Sydney e sua semana de treinamento passaram pela mente de
Winter. Sempre faça as pessoas ao seu redor confiarem em você.
— Eu não pensei em você como alguém que também se sente
tão consciente na presença de outros — ela disse finalmente. Do
jeito que ela expressou, ela não quis dizer a multidão ao redor deles,
mas a mão invisível e onipresente de uma pessoa.
— Você está falando sobre seu pai, não está? — ele perguntou.
Ela lhe deu um pequeno sorriso e se virou com ele para que ele
pudesse ver claramente a segurança de Eli observando-os contra as
paredes.
— Você não se sente exausto sendo observado o tempo todo?
— ela murmurou.
Winter lançou um olhar significativo na direção de Sydney e se
viu momentaneamente distraído pela maneira como seu vestido
refletia a luz fraca.
— Por aquela? Extremamente desgastante. Mas pelo menos
estou em boa companhia.
Penelope o olhou com uma nova expressão nos olhos. Algo
sobre a conversa deles fez seus ombros relaxarem, ajudou um
pouco de facilidade em seu trabalho de pés. Como se ela tivesse
encontrado uma alma gêmea.
— Então vamos para algum lugar com menos olhares
indiscretos. — Ela parou por um momento e pegou a mão dele. —
Vamos.
— Onde estamos indo?
Ela o puxou gentilmente, mordendo o lábio para conter o
sorriso.
— Eu prometo que sua guarda-costas vai te perdoar.
Ele olhou instintivamente para Sydney, que o observou ir, e virou
a cabeça apenas uma vez, ligeiramente, para dizer a ela para ficar
parada. Ela acenou com a cabeça em troca, compreendendo
imediatamente. Mas enquanto ele desviava os olhos, ele notou um
cara tentando falar com ela, um homem bem vestido em um terno
branco e cartola um tanto espalhafatosa. Ele vislumbrou Sydney
dando-lhe um sorriso cuidadoso e uma resposta breve antes que ele
e Penelope chegassem ao outro lado da sala.
Ela não o conduziu para as mesas principais alinhadas nas
bordas da festa, nem para os grupos de convidados que acenavam
para eles enquanto passavam. Em vez disso, ela o levou pelas
escadas e em um segmento sombreado do espaço, através de um
túnel que havia sido bloqueado anteriormente. Os guardas se
afastaram deles sem um segundo de hesitação.
Winter podia sentir o zumbido de advertência em sua mente ao
perceber que estava deixando Sydney para trás completamente. Ele
quase podia ouvir Claire em seu ouvido, como se fosse a primeira
vez que ele ia a uma premiação sem ela, podia sentir seu tapinha
animado em suas costas.
Fique tão apavorado quanto precisar. Só não se atreva a
mostrar para a câmera.
Então ele manteve seus músculos relaxados e seu sorriso fácil,
focando sua atenção com curiosidade no túnel ao redor deles.
— Existem dezenas de túneis abandonados sob as ruas de
Londres — Penelope disse a ele enquanto caminhavam. — Não que
isso signifique que eles estão desocupados.
Então ela chegou ao outro lado da passagem, onde um guarda
se afastou e abriu a porta para eles.
Uma explosão de ruído e luz atingiu Winter.
Lá dentro, outras mesas e cadeiras estavam dispostas, o ar
nublado com fumaça e música. A clientela aqui parecia um pouco
menos com a de Penelope amigos – os jovens ricos se exibindo no
espaço principal da festa, se esforçando demais – e mais como uma
multidão que não se importa em acompanhar a cena social. Alguns
olharam para cima, reconhecendo-o, e ele ouviu os habituais
murmúrios ansiosos de seu nome. Mas eles não o cercaram e,
depois de um momento, todos voltaram às suas atividades.
Winter não viu nada da segurança habitual de Eli aqui,
provavelmente para alívio de Penelope, mas mesmo que ele não
visse o Morrison mais velho pessoalmente, ele podia sentir o perigo
do homem.
Penelope olhou interrogativamente para Winter, com os olhos
brilhando, como se estivesse ansiosa para mostrar a ele todos os
cantos legais de sua festa.
Winter viu o homem imediatamente. Ele ficou perto da borda de
uma mesa de dados, aplaudindo o atual vencedor de uma rodada.
Ao contrário de todos os outros na sala, ele não usava fantasia esta
noite – em vez disso, seu colete era adequado e simples, sua
jaqueta e terno pretos, seus olhos cobertos por uma máscara preta
sem enfeites. Seu cabelo era cortado curto dos dois lados e
penteado para trás com capricho.
O esquivo Connor Doherty finalmente apareceu.
18

Jogos perigosos

Era um jovem magro e esguio, sem feições incomuns. Mas, assim


como Sauda havia afirmado, as pequenas joias que Connor usava
eram visivelmente caras. Um colar fino, anéis resplandecentes nas
mãos, um Rolex de platina e ouro de edição limitada. Ele não era
vistoso em seu traje, mas definitivamente tinha uma queda por
acessórios caros. E agora era finalmente a chance de Winter se
aproximar dele.
O broche do hotel que Sydney lhe dera parecia pesado em seu
bolso. Winter percebeu isso, feliz por ter uma arma escondida com
ele.
Seja você mesmo, dissera Sauda. E assim, porque sabia que
era o que diria se não estivesse disfarçado, Winter aumentou seu
carisma, inclinou-se perto do ouvido de Penelope e sussurrou:
— Quem é?
Penelope estremeceu com a respiração dele contra sua orelha.
Ela lançou um sorriso para a mesa.
— Sr. Doherty é um dos meus contadores. Por que você
pergunta?
Identidade confirmada, pensou Winter.
— Ele tem bom gosto para joias — ele disse honestamente.
Ela sorriu, como se estivesse satisfeita por ele ter notado.
— Sim — ela respondeu —, às vezes eu o mando escolher joias
para mim.
Winter deu a ela um sorriso brincalhão.
— Ele pode escolher as minhas também?
Penelope riu, com as bochechas rosadas.
— Não custa nada perguntar.
Ele deve ter notado a aproximação deles, mas não ergueu os
olhos de onde estava observando a ação. Em vez disso, ao se
aproximarem da mesa de jogo, ele empurrou os óculos mais para
cima no nariz e disse:
— Já está entediada com o seu aniversário, Srta. Morrison?
— Uma garota não pode visitar os quartos privados quando ela
quer? — disse ela, lançando a Winter um sorriso conspiratório. —
Nós dois só queríamos uma pausa dos olhos que nos observavam.
Estar ali, longe dos homens de seu pai, parecia aumentar a
confiança de Penelope, como se ela estivesse entregando-se a algo
secreto e inteiramente dela. Winter podia sentir o endireitamento de
sua figura e o desaparecimento daquele andar rígido em seu andar,
a nova presunção em sua postura ao mostrar esse lado de si
mesma para ele.
Connor ofereceu a ela um sorriso divertido e um aceno
respeitoso. Seus olhos foram para o grampo enfeitado em seu
cabelo.
— Que bom que você está usando — disse ele.
Ela baixou os olhos, satisfeita, e deu um tapinha nele.
— É perfeito — ela jorrou.
Winter os observava de perto. Ele podia sentir uma pitada de
tensão entre eles, uma eletricidade no ar que não existia com
parceiros de negócios habituais. Mas também havia algo estranho
nisso que ele não conseguia identificar. Panaceia tinha certeza de
que eles tinham toda a história sobre eles?
Ao redor deles, Winter notou os outros espectadores enquanto
cada um sorria e desejava felicidades a Penelope.
Connor agora disse suavemente para Penelope. Então ele
olhou pela primeira vez, avistou Winter e voltou a olhar para a mesa
com desinteresse. Seus olhos eram de um azul pálido e aguado.
— Você trouxe um amigo.
Então ele não era muito fã. Talvez ele não fosse fã de conhecer
pessoas em geral.
Penelope deslizou para o lugar ao lado dele e lançou-lhe um
olhar, algo que Winter interpretou como um apelo silencioso para ser
gentil.
— Este é Winter Young — disse ela.
— Sim, o entretenimento — ele respondeu. Um dos jogadores
jogou o dado e houve uma comemoração.
— Sr. Young queria fazer um elogio a você — disse Penelope.
Winter deu ao homem um aceno respeitoso.
— Senhor — disse ele sobre o barulho.
— Connor Doherty — respondeu o homem, embora não
estendesse a mão.
Ótimo, pensou Winter. Uma subestimação. Ele já havia recebido
esse tipo de olhar antes, de pessoas que não achavam que pudesse
haver muita coisa no cérebro de uma estrela pop.
— Notei sua valiosa coleção — disse Winter, imperturbável,
apontando com a cabeça para as joias de Connor.
Agora os olhos do homem se ergueram para os de Winter. Com
certeza, ele olhou imediatamente para o anel de cobra na mão
esquerda de Winter.
Pela primeira vez, seus olhos se arregalaram ligeiramente em
interesse, então se estreitaram antes de olhar mais de perto.
— Isso é um meteorito? — ele disse.
Então Sauda e Niall estavam certos em dar a eles este anel.
Winter sorriu de volta para Connor e assentiu.
— Esse? Uma pedra genuína do meteorito de Hierápolis — ele
respondeu. — Fez sua estreia em um leilão da Christie's
recentemente.
— Sim, eu sei. Perdi a licitação. — Connor fez um som de falsa
aversão, então olhou para Winter com novo interesse. —
Aparentemente, eu perdi para você — disse ele com uma risada.
Winter fingiu se divertir com suas palavras, então disse:
— Você quer isso?
Connor piscou para ele através dos óculos. Deve ter sido raro
ele ser pego de surpresa, porque até Penelope pareceu notar sua
expressão.
— O que você quer dizer? — ele disse.
— Foi feito sob medida para mim a partir do meteorito completo
— disse ele com uma piscadela. — Eu encomendei um monte de
peças dele.
Agora o homem parecia genuinamente atordoado. Então ele
bateu palmas e riu.
— Aqui — ele disse para a pessoa ao lado dele, entregando-lhe
seus dados. — Termine o jogo para mim. Eu vou ter uma conversa.
Winter tirou o anel de seu dedo e o entregou a ele. Connor
pegou a joia na mão e ergueu-a contra a luz para admirar as
manchas de olivina brilhando na rocha.
— É preciso um homem de bom gosto para definir um meteorito
tão bonito quanto este — disse ele.
Winter deu de ombros.
— A pedra não me deu escolha — disse ele.
Connor sorriu para ele, então olhou para Penelope.
— Gosto desta — respondeu.
— Ele está falando a verdade — Penelope disse a Winter,
dando uma cutucada provocativa em Connor. — Nunca o vi tão
satisfeito com nada o ano todo.
Winter enfiou as mãos nos bolsos para escondê-las, caso
começassem a tremer. Hábito pós-show. Talvez eles não
suspeitassem dele, mas isso não ajudou a acalmar seus nervos. Ele
se perguntou o que Sydney poderia estar pensando lá fora no andar
principal enquanto observava e esperava que ele aparecesse
novamente. Talvez ela estivesse contando silenciosamente quantos
minutos ele se foi e avaliando quando ela teria que vir caçá-lo.
Talvez ela aprovasse como ele foi levado. Talvez ela estivesse de
olho nas entradas e saídas do lugar, elaborando o melhor plano
para o caso de as coisas darem errado.
Talvez ela ainda estivesse conversando com aquele cara de
cartola. Não que ele se importasse, de uma forma ou de outra.
A mão de Penelope em seu braço o tirou de seus pensamentos
novamente. Connor os puxou de lado para uma das mesas
alinhadas na borda desta sala menor, então serviu uma bebida para
ambos. Winter esperou deliberadamente um segundo, olhando com
admiração ao redor da sala até que Penelope tomou um gole. Deve
ser seguro. Ele fez o mesmo.
Uísque, um bom.
— Você é um conhecedor de moda — disse Connor a Winter,
apontando sua bebida para ele. Ele acenou com a cabeça para a
roupa de Winter. — Então você também é um conhecedor de
astronomia?
Winter balançou a cabeça.
— Só sei apreciar uma coisa rara — respondeu ele. — E eu sei
que este meteorito pallasita é um dos objetos mais preciosos que já
agraciou nossa Terra.
A resposta pareceu agradar a Connor.
— E o que há de tão precioso nisso para você?
— Porque este pedaço de rocha existe desde antes de qualquer
coisa em nosso sistema solar — respondeu Winter. — Ele já existia
antes de tudo ao nosso redor, antes de qualquer civilização, animal,
partícula de terra viva. E agora posso exibi-lo no meu dedo. — Seu
sorriso se tornou malicioso. — Isso é um sinal de que estamos
ganhando, não é?
Era o tipo de resposta que Winter sabia que refletiria a
personalidade de quem quer que estivesse falando. No entanto, isso
o enojava. Ainda assim, Connor sorriu novamente, então olhou para
ele com aprovação.
— Terei que mostrar minha coleção pessoal algum dia. Acho
que você iria gostar.
O nó no estômago de Winter se revirou. Superficialmente, ele se
deixou inclinar para a frente com interesse.
— Gostaria disso.
Connor parecia satisfeito. Definitivamente o tipo de homem rico
que gostava de mostrar a outro homem rico seu próprio valor.
— Nós somos parecidos, você sabe. Quando encontra algo
valioso, um homem sábio o guarda para si ou o vende para a
pessoa que o deseja mais.
— Sabedoria — disse Winter com um sorriso respeitoso,
embora sentisse sua raiva aumentar. Este era um homem que
trabalhava para comprar e vender coisas que destruíam vidas, que
alegremente anotava números em um livro enquanto ajudava a
carregar navios com armas ilegais.
Através da névoa e fumaça ao seu redor, ele quase podia ver
Sauda inclinando-se para ele, seus olhos solenes. Você já
presenciou uma guerra?
E naquele momento, ele sentiu a mudança dentro dele. Ele não
era mais apenas um menino suportando a companhia de pessoas
ricas, tolerando-as em suas próprias ambições de subir na escada
do mundo. Ele estava aqui por uma razão, usando a experiência de
seus anos em tais círculos para derrubar um dos piores.
Uma boa ação ingrata. As palavras de Sauda ecoaram em sua
mente. E de repente, ele pensou que poderia entender o que uma
vez alimentou Artie.
— Agora — Connor disse com um aceno de cabeça para os
dois, seus olhos voltando para o jogo acontecendo atrás dele —, se
você quiser, eu estou feliz em convidá-lo para esta próxima rodada.
Esteja avisado, Sr. Young, que nem sempre jogamos bem com os
outros.
— É uma oferta generosa — disse Penelope. Winter podia
sentir que ela se apoiava ligeiramente em seu braço. — Mas acho
que estou realmente entediada com esta festa. — Ela lhe deu um
sorriso e um aceno de cabeça. — Podemos nos encontrar amanhã?
Connor deu a ela um olhar afetuoso de decepção.
— Difícil mantê-la feliz, hein, Srta. Morrison? — ele disse. Então
ele sorriu e sustentou o olhar dela por um momento. — Não se
preocupe. Não vou contar ao seu pai. Vejo você amanhã.
Ela assentiu com a cabeça, tocou-lhe no braço e afastou-se
com Winter.
Ao fazê-lo, Winter notou que o brilho em seus olhos se
desvaneceu e o sorriso charmoso e sedutor que ela lhe dera se
apagou como um interruptor de luz.
Estranho. Mais uma vez, ele sentiu que algo estava errado na
maneira sutil como esses dois flertavam um com o outro. Sua mente
girava, tentando definir o que era...
E então ele percebeu. Foi na maneira como aquela faísca
desapareceu tão abruptamente de seus olhos.
Era assim que as celebridades agiam quando estavam dando
um show sobre estar em um relacionamento, para atrair a atenção
da imprensa e ganhar manchetes. Era um ato.
Winter conseguia detectar esse tipo de romance falso todas as
vezes – ele e Claire faziam uma aposta contínua para cada vez que
isso acontecia, e ele sempre ganhava. Ele mesmo já havia feito isso
antes, tinha feito par com outro cantor popular no início de sua
carreira, sabia que tipo de emoções ele deveria mostrar e como isso
seria visto pelo público. Sabia quando desligá-las quando sentia que
ninguém mais prestava atenção.
Connor e Penelope não estavam tendo um caso. Eles estavam
brincando.
Mas por que eles fariam isso? Para irritar Eli? Havia outro
motivo?
Winter não deixou transparecer nenhum de seus pensamentos
em espiral. Em vez disso, tudo o que ele disse a Penelope foi:
— Para onde agora?
Ela sorriu esperançosa para ele, então olhou para o túnel que
levava de volta ao andar principal.
— Quer sair daqui?
Winter levantou uma sobrancelha para ela. Não era a primeira
vez que ele foi proposto, mas de alguma forma estar em uma
missão o deixou mais ansioso.
Ela mordeu o lábio, então pareceu perceber exatamente o que
ela disse. Ela rapidamente olhou para baixo.
— Não quero dizer… — ela se apressou em dizer — quer dizer,
não estou tentando insinuar que… — Ela fez uma pausa, vermelha
como uma beterraba. — Eu só quis dizer se você queria ir para
algum lugar mais privado. É isso.
Ele sorriu para ela.
— Claro.
Ela deu a ele um sorriso tímido.
— Mesmo?
Ele olhou ao redor do espaço da festa.
— Pode não ser óbvio — disse ele —, mas sou introvertido.
Ela se iluminou com isso.
— Eu também! — Então ela percebeu sua explosão e riu um
pouco. — Minha casa não é longe daqui. Eu poderia fazer um café
para nós.
Sydney. O nome dela foi a primeira coisa que veio à mente de
Winter. Ela gostaria que ele lidasse com isso sozinho, seus nervos
que se danem. Ela iria acompanhar? Ela se esconderia nos
arbustos do lado de fora da casa de Penelope? Ele tentou imaginar
como seria a noite, como as missões geralmente aconteciam para
Sydney neste estágio.
Todos os caminhos levam a Penelope, ela havia dito.
Então ele se obrigou a sorrir para ela. A missão o cercou como
um torno.
— Vamos, então — respondeu ele.
19

Beco sem saída

Winter e Penelope ficaram fora por uns bons trinta minutos.


Sydney se encontrou vagando inquieta pelo espaço da festa,
verificando constantemente as mensagens de Winter, monitorando
sua localização para se certificar de que ele ainda estava aqui. Ela
tinha que ser uma guarda-costas atenta, afinal. Talvez ela estivesse
começando a acreditar tanto em seu disfarce que sua ansiedade
pela ausência dele era real. Ela se viu vagando perto das mesas,
pegando algumas das colheres de ouro e velas de chá por hábito
nervoso antes de se forçar a colocá-las de volta. Agora não era hora
de ser pega por roubar. Ainda assim, ela se viu circulando de volta
para as mesas e, quando teve certeza de que ninguém estava
olhando, finalmente escondeu várias colheres no bolso escondido
de sua calça. O hábito acalmou seus nervos. De alguma forma.
Por fim, ela os viu emergir novamente do fundo da escada.
Sydney pegou Winter dando-lhe um olhar único e significativo.
Ele estava deixando o local sozinho com Penelope, ela
percebeu enquanto ele caminhava em direção a ela para acenar
uma despedida rápida.
— Não espere acordada — ele disse a ela enquanto Penelope
estava atrás dele.
— Divirta-se — respondeu ela, aproximando-se o suficiente
para dar-lhe um tapinha no braço. Em um movimento fluido, ela
deixou cair a caneta que tinha no bolso da calça dele. — Para sua
proteção — ela sussurrou enquanto roçava sua orelha —, já que
você estará sozinho.
Ele deve ter sentido a caneta cair no bolso, mas não disse nada.
Em vez disso, ele deu uma piscadela de soslaio antes de se virar.
— Vejo você de manhã — disse ele.
Então ele voltou para Penelope e caminhou até a saída.
Sydney avistou sua mão e percebeu que o anel de cobra havia
sumido.
Talvez ele já tivesse feito contato com Connor Doherty.
Bem. Ele era meio competente, afinal. Sub-repticiamente, ela
bateu em um dos diamantes em sua pulseira e sentiu o telefone
vibrar em seu bolso escondido. O anel da cobra estava gravando
agora.
Winter parecia à vontade, com a cabeça perto da de Penelope
enquanto eles compartilhavam uma risada sobre algo enquanto
subiam as escadas sinuosas. Sydney assistiu com aprovação, então
enviou uma breve mensagem a Claire. VL, Winter saindo com P.
Não pense q fui convidada. Ele está sozinho.
Uma resposta veio antes mesmo de Sydney ter certeza de que
ela havia enviado sua mensagem. Onde? Por quanto tempo?
não sei. Eles vão ficar bem.
Claire não respondeu por vários segundos. Finalmente, ela
respondeu com vou dizer ao motorista dele. Apenas certifique-se de
que ele esteja de volta pela manhã.
Sydney respondeu com um rápido K, então subiu as escadas
atrás deles.
Acima do poço do túnel, as ruas de paralelepípedos estavam
escorregadias com a chuva, suas superfícies brilhantes refletindo
um carrossel de cores. Um carro já estava esperando aqui fora pela
emergência de Winter e Penelope. Sydney avistou um grupo de fãs
vagando a alguma distância, atrás de uma barricada montada em
torno da entrada do poço pelos homens de Morrison. De alguma
forma, a par, como sempre, da localização de Winter. Eles gritavam
e acenavam quando ele passava. Ele deu a eles um aceno conciso,
então subiu no sedã atrás de Penelope.
Para o espectador comum, ele deve ter parecido
despreocupado, com um leve sorriso no rosto e o vento soprando
mechas de seu cabelo em seu rosto. Mas Sydney reconheceu os
leves indícios de seu desconforto. Havia um aperto de sua
mandíbula, um vinco extra entre as sobrancelhas.
Ele estava indo para a missão sozinho agora, e ela não estaria
lá para protegê-lo.
Ela queria franzir a testa para si mesma por se preocupar. Isso
era o que eles queriam. O que poderia acontecer com Winter de
qualquer maneira, quando Penelope estava com ele? Certamente
nada de ruim, não com a filha de Eli lá para testemunhar tudo. Ela o
havia convidado aqui; ele era uma estrela internacional.
Além do mais, Sydney tinha outro motivo para ficar esta noite.
Um vento fresco seguia dois ônibus de dois andares que rugiam
pela rua, e ela estremeceu com a rajada. O cheiro de chuva e o leve
cheiro do Tâmisa nas proximidades pairavam pesadamente no ar,
mofado, frio e úmido, pingando de cada sacada e galho de árvore. O
ar frio enviou uma pontada desagradável em seus pulmões, mas ela
ainda saboreou a frieza. Ela se afundou nas sombras perto da
entrada até ficar totalmente imperceptível, então puxou uma jaqueta
preta dobrada de sua bolsa, jogando-a sobre seu top de seda. Ela
tirou rapidamente as calças esvoaçantes e imediatamente vestiu um
par de jeans, soltando a faixa de chifre de sua cabeça e quebrando-
a em vários segmentos menores, dobrando-a cuidadosamente em
sua bolsa. Segundos depois, ela voltou sua atenção para a multidão
de convidados entrando e saindo do local.
Ela tinha visto Eli e sua equipe entrarem na festa, mas ainda
não os vira sair. O murmúrio que ela ouviu de Connor Doherty
repetiu em sua mente.
Essa noite.
O carregamento de carga de Eli estaria saindo em breve. Se ela
pudesse encontrar uma maneira de chegar perto o suficiente deles,
se ela pudesse apenas registrar evidências em sua conversa, ela
estaria pronta. Mas Winter também não se cruzou com Eli durante
toda a noite.
Mais meia hora se passou depois que Winter e Penelope saíram
antes que Sydney finalmente visse seus alvos emergirem da
entrada.
Um dos homens era Eli Morrison, e a expressão em seu rosto
parecia tempestuosa. Ela não reconheceu as outras duas figuras de
terno com ele.
Sydney deixou-se ficar relaxada e encostada na parede, mas
cada um de seus sentidos se aguçou enquanto ela observava os
homens desaparecerem em um carro que esperava, que então se
afastou silenciosamente da rua.
Ela ligou o telefone e apontou a câmera para o carro que partia.
Então ela tocou na tela.
Um ponto vermelho piscando apareceu sobre ele.
— Rastreie — disse ela em voz baixa e clara.
O ponto vermelho parou de piscar e a câmera se afastou para
revelar um ponto em seus mapas.
Ela colocou o telefone no bolso e se afastou da parede. Suas
botas viraram na direção do carro.
O sedã parou no sinal, depois virou à esquerda, da mesma
forma que o carro de Penelope havia feito. Quando Sydney chegou
ao cruzamento e virou com ele, o carro mudou várias faixas. Em
seguida, virou à esquerda em uma faixa de carros estacionados e
acelerou, freando bruscamente no final e voltando para a faixa da
direita. Ele fez uma curva abrupta à esquerda e desapareceu na
esquina.
Uma manobra clássica para despistar qualquer um que possa
estar tentando segui-los.
Sydney começou a correr. Ela atravessou o trânsito, ignorando
as buzinas dos motoristas, e irrompeu na calçada oposta. Ao virar a
esquina, ela checou o telefone e notou o carro virando à esquerda,
depois à direita. Ela correu pela rua paralela a ele, então disparou
sob um arco que levava a um beco de cavalariças. No final da fileira,
ela chutou contra a parede e agarrou a borda de uma cesta de flores
pendurada para se equilibrar, fazendo chover pétalas enquanto se
levantava para se agarrar ao corrimão da sacada do segundo andar.
Ela balançou as pernas para o lado e saltou para agarrar a borda
superior da porta da varanda. Mais dois chutes, e ela agarrou a
beirada do telhado.
Seus pulmões se apertaram em protesto por sua súbita
explosão de atividade. Ela ficou lá por um segundo, forçando-se a
tomar respirações profundas e medidas, tentando ignorar as ondas
baixas de dor pulsando através dela.
Aliviou um pouco, o suficiente para ela se balançar no telhado.
Ela se agachou por um momento, estremecendo. Ao fazê-lo, ela viu
o carro voltar à vista, disparando pela rua a toda velocidade.
Droga. Ela não podia continuar perseguindo-o a pé pela cidade
assim. A repreensão gentil de Sauda voltou para ela desde seus
dias de recruta, quando ela fazia voltas cronometradas no chão de
treinamento.
Acelere aí, Cossette! Sauda a chamou.
Sydney apenas assentiu, engoliu a dor em seus pulmões e
seguiu em frente.
Depois, Sauda fez uma aparição surpresa durante o jantar,
sentando-se ao lado dela enquanto ela fazia uma refeição tranquila
sozinha em um dos refeitórios do quartel-general.
Sydney ainda se lembrava de ter se endireitado em sinal de
respeito quando a mulher se aproximou, e então se curvado quando
Sauda lhe deu um aceno despreocupado.
Posso correr no circuito novamente amanhã, Sydney começou a
dizer, desculpando-se por seu desempenho na pista. Mas Sauda a
interrompeu com um aceno de cabeça.
Amanhã venha comigo, respondera a mulher. Você não precisa
correr mais rápido para vencer seus oponentes. Ela deu a Sydney
um sorriso irônico. Você só precisa ser a mais inteligente.
Agora Sydney corrigiu instintivamente sua postura e respirou
fundo. Ela se abaixou, até que sua figura estivesse completamente
escondida atrás das chaminés, e então estudou a rua de seu
esconderijo.
Seu olhar pousou em uma moto estacionada ao lado de uma
lata de lixo cercada por sacos de lixo pretos.
— Peço desculpas antecipadamente — ela murmurou, como se
o dono da moto pudesse ouvi-la.
Quando o carro passou por ela, ela saiu de trás das chaminés e
saltou para o lado do telhado da casa, caiu na sacada e depois
ainda mais na rua. Assim que aterrissou, ela correu para a moto,
puxou um pequeno interruptor pendurado em seu chaveiro e olhou
rapidamente ao redor. Fila fechada de supermercados e creches,
sem pedestres.
Ela abriu o capô da moto, expondo o emaranhado de fios
embaixo. Lá, ela abriu a fechadura da ignição e inseriu as duas
pontas da fiação nas fendas.
Vroom.
Sydney sorriu quando o motor a recompensou com um rugido
satisfatório. Então ela montou na moto e pisou no pedal, saltando
com uma guinada para a estrada.
O vento soprava frio contra seu rosto, ardendo em suas
bochechas. Ela virou bruscamente para a esquerda para seguir o
carro, então diminuiu a velocidade e ficou para trás quando o
veículo parou em um sinal vermelho. Ela desligou as luzes da moto.
Sua roupa se misturava com a noite.
Ao chegarem a uma segunda parada, o carro acelerou
repentinamente e fez uma curva fechada à direita quando não era
sua vez de partir. O carro do outro lado do cruzamento freou
bruscamente. Enquanto Sydney passava por ele, ela podia ouvir seu
motorista gritando algo com raiva para o veículo que desaparecia.
Ela acelerou a moto. Quando o motorista do cruzamento começou a
avançar, ela passou por ele. Os gritos atrás dela desapareceram.
À frente, o carro entrou em uma ponte, misturando-se com um
fluxo rápido de outros carros. Sydney o seguiu. A alguma distância
da água, ela podia ver a silhueta da ponte de Westminster contra o
horizonte negro. Para onde eles estavam indo?
Assim que o pensamento passou por sua cabeça, o carro fez
uma curva rápida no meio da ponte, seus pneus batendo forte no
divisor do meio. Os carros atrás dele desviaram, guinchando com
seu movimento abrupto.
O carro pulou o divisor do meio e entrou nas pistas indo na
direção oposta.
Sydney mudou de marcha e forçou a moto a fazer uma curva
rápida várias centenas de metros abaixo. As rodas da moto bateram
contra o divisor, ameaçando capotá-la, mas ela se segurou
corajosamente nas alças e guiou-a. Ela entrou na pista oposta e
acelerou o motor novamente.
O carro conseguiu aumentar a distância entre eles. Mas não
importava, porque quando Sydney sincronizou seu relógio com seu
telefone, o rastreador vermelho ainda aparecia em seu mapa. Agora
estava saindo da ponte e indo para o sul, saindo do centro da
cidade e indo para o oeste ao longo do Tâmisa.
Ela manteve o ritmo. Quando o fim da ponte apareceu, ela viu
que a rua paralela à ponte estava lotada de carros, todos buzinando
alto. Um segundo depois, ela percebeu que o carro de Eli havia
contornado uma rua antes de ficar preso atrás de um caminhão de
lixo que havia parado para recolher as pilhas de sacolas em uma
esquina. Sydney xingou baixinho, lembrando-se do horário noturno
de coleta de lixo do bairro.
Quando os carros à sua frente pararam, ela saiu bruscamente
da estrada e saltou para a calçada. A moto disparou direto para um
conjunto de escadas de pedra que levavam ao topo da mureta que
corria ao longo da margem do rio.
Ela cerrou os dentes, acelerou e levantou a roda dianteira da
moto do chão.
Ela rugiu escada acima e lançou-se brevemente no ar.
As rodas pousaram com um baque e um guincho no topo da
parede. Ela acelerou pela margem do rio.
O luar refletia na superfície negra e ondulante do Tâmisa. O
mundo borrado por ela na escuridão. À frente, ela viu os primeiros
indícios das luzes traseiras do carro girando na névoa da noite.
Então a névoa caiu sobre ela e o rio desapareceu na mortalha
cinzenta. Tudo o que ela podia ver à sua frente eram as sombras
fracas das silhuetas dos edifícios e o leve borrão escarlate das luzes
traseiras à frente.
— Mostre meus mapas — ela gritou para o telefone.
A tela ficou brilhante e, de repente, apareceu uma grade virtual
da cidade diante dela – as ruas, o Tâmisa e os apartamentos
alinhados do outro lado da estrada – todos passando por ela
rapidamente enquanto ela disparava pela névoa.
Mais à frente, o carro desapareceu por outra rua.
Sydney pulou a moto de volta para a estrada, então virou com
ela. Eles haviam saído do centro de Londres e, de acordo com os
mapas dela, chegaram a uma represa no rio no distrito de
Richmond. Ela franziu a testa. Se Eli Morrison tinha negócios aqui,
não poderia ser algo bom.
Um pequeno par de passarelas surgiu e desapareceu
repetidamente na névoa espessa. Foi entre essas passarelas que
Sydney viu o ponto vermelho em seu GPS parar repentinamente.
Ela pisou no freio da moto. A moto estalou até parar no meio da
névoa. Sydney abriu o capô novamente e torceu a fiação da ignição.
O ronco do motor da moto desligou abruptamente. Suas luzes
se apagaram e Sydney se viu envolta na noite.
A névoa abafava os sons da água e o grito distante das sirenes.
À frente, ela podia distinguir os sons fracos de três vozes –
nenhuma das quais soava como Eli Morrison – junto com suas botas
batendo na calçada. O rugido de um avião sobre sua cabeça cobria
qualquer chance de ela ouvir o que eles estavam dizendo.
À medida que avançavam, ela podia ouvir os passos passarem
do paralelepípedo para o baque surdo da passarela de um píer.
Então um deles mudou de andar para ser arrastado. As botas
raspavam longas linhas de ruído contra o piso de madeira.
Sua pele formigou. Eles tinham um prisioneiro com eles ou
alguém incapaz ou sem vontade de andar. Quem Eli trouxe com
eles no carro? Quem havia sido mantido em cativeiro antes de
entrar?
Ela avançou silenciosamente pela névoa em direção ao som e,
quando se aproximou, um iate se materializou na escuridão,
balançando facilmente contra a corrente suave do rio, com as luzes
apagadas de forma suspeita. Contra as poucas luzes acesas dentro
do barco, ela conseguiu distinguir quatro silhuetas.
Seus olhos dispararam para o nome do barco. Invictus. Um dos
iates que Eli possuía.
Sydney se aproximou até chegar ao começo do píer, então
passou as pernas pela lateral do muro até a grama e a terra ao
longo da margem do rio. As sombras sob o píer se estendiam por
muito tempo aqui, e ela se fundiu nelas, sua figura perdida na
névoa. À medida que o terreno se inclinava para a água, ela pulou
no andaime de madeira sob o píer, equilibrando-se ao longo das
vigas até chegar ao final do píer onde o iate estava atracado. Ali, na
segurança das sombras, ela parou em um ponto privilegiado de
onde podia vislumbrar um pouco da agitação no convés.
Ela apertou o botão Gravar em seu telefone e seus brincos
foram ativados.
— Acorde ele.
A voz de um estranho chegou até ela através da névoa. Sydney
percebeu o mais leve sotaque corcasiano e viu um dos homens
acenando para o outro.
Houve um ligeiro arrastar de pés, seguido pelo som de uma
mão esbofeteando um rosto. Sydney mudou para o outro lado
debaixo do píer para ter uma visão melhor. Lá, ela finalmente
avistou o prisioneiro.
Era Eli Morison.
Todos os cabelos da nuca de Sydney se eriçaram. Ele era o
prisioneiro.
A cabeça de Eli pendeu apática para um lado.
— Ele consegue falar? — disse o primeiro estranho.
— Ainda não — disse outro, cruzando os braços. — Recebeu
um sedativo forte no carro, eu acho.
Houve mais alguns murmúrios, seguidos pela voz do primeiro
estranho novamente.
— Que tal agora?
Outro gemido. Em seguida, um murmúrio confuso que
rapidamente se tornou zangado.
— Tire suas malditas mãos de cima de mim antes que eu
mande cortá-las.
— Receio que você não dê mais as ordens, senhor.
A fachada carismática e falsamente generosa que ela
conhecera quando chegaram a Londres havia desaparecido. Eli
parecia um assassino com raiva, como aquele que podia assistir a
uma família ser torturada, que podia ordenar a decapitação de um
inimigo.
Por que ele foi sequestrado e trazido aqui?
— Eu trouxe uma amostra de sua remessa para nós — disse o
primeiro estranho agora. Ele aceitou um pequeno cilindro de metal
de um de seus companheiros, depois foi até Eli e abriu a tampa.
Sydney esticou o pescoço enquanto ele tirava o conteúdo.
Então ela prendeu a respiração. Era um objeto pequeno e
translúcido que parecia um cubo de gelo. Mesmo na escuridão, ela
podia dizer que emitia um leve brilho azul. O homem o segurou com
cuidado – agora ela viu que ele estava usando um par de luvas
pesadas.
Um aviso começou a zumbir em sua mente. Devia ser uma
amostra de Paramecium, a arma química que Eli Morrison estava
enviando para a África do Sul.
O estranho virou-o na palma da mão.
— Parece bom — ele meditou em aprovação. — Seus homens
me disseram que o navio está totalmente carregado e pronto para
partir.
— Depois desta noite, duvido que você receba sua remessa. —
A voz de Eli tornou-se baixa, ameaçadora em sua calma.
Um suspiro.
— Receio que você não saiba o que está acontecendo aqui.
A resposta de Eli causou um arrepio na espinha de Sydney.
— Ninguém quebra um contrato comigo.
— Não, Sr. Morrison. Acho que você não entendeu. — Não
havia sinal de medo na voz do outro homem. — Não há nada para
negociar, porque você ainda nos deve.
— Que diabos você está falando?
— De acordo com nossas contas, você é curto em suas
entregas. Pagamos a você integralmente pela remessa anterior e,
no entanto, o que recebemos não correspondeu ao que pedimos.
— Você está mentindo ou é um tolo. Conte novamente e me
liberte.
O homem o ignorou. Sydney estremeceu ao perceber que
alguém poderia se sentir tão desamparado por um homem como Eli.
— Não gostamos de ser enganados, certamente não por
alguém que pensa que não notaria anos disso acontecendo.
Não houve resposta imediata desta vez.
— Eu tenho o poder de matar você e todos que você ama — Eli
continuou. Sua voz ainda era calma e cheia de ameaça, mas desta
vez ela podia ouvir uma nota de urgência nela. De medo. —
Portanto, pense cuidadosamente sobre o que você fará a seguir.
— E o que você acha que posso fazer com seus entes
queridos? — A voz do outro homem caiu.
O primeiro estranho assentiu sutilmente. Seus dois associados
foram até Eli e o detiveram, um deles segurando firmemente a
mandíbula do homem. Enquanto Sydney observava, o primeiro
estranho pegou o cubo azul claro e o forçou na boca de Eli. Antes
que Eli pudesse se desvencilhar, o estranho selou a boca de Eli
completamente com uma tira larga de fita adesiva.
Sydney lambeu os lábios e tremeu, forçando sua respiração a
ficar calma e comedida. Eles iam matá-lo.
Não posso deixar que o matem, pensou imediatamente. A
Panaceia precisava de Eli Morrison vivo – sua morte descarrilharia
toda a missão, engoliria sua rede de pessoas, impediria Panaceia
de acessar o que eles precisavam para obter um mandado de
apreensão de sua carga.
Sydney endireitou-se de onde estava agachada e subiu no píer,
então se esgueirou para as sombras do navio perto da escada
contra o casco.
No convés, ela ouviu dois dos homens discutindo em
corcasiano. Sydney conhecia o idioma o suficiente para se virar, e o
reforçou um pouco antes da missão. Agora as palavras filtravam por
seus ouvidos, e ela sentiu a vasta biblioteca de idiomas em sua
mente mudar.
— A ligação é para você — disse um.
— Agora não — o outro rosnou.
— É urgente. Eles querem que saiamos às duas e precisam
saber quanto tempo mais vamos demorar.
Eles. Quem eram eles? Ou ela estava entendendo mal os
pronomes da língua? Sydney ouviu pistas enquanto eles
continuavam murmurando um para o outro em corcasiano, mas
ninguém esclareceu mais nada.
Houve uma pausa na discussão, interrompida apenas pelo som
dos grunhidos abafados de Eli enquanto ele tentava não morder o
cubo letal em sua boca. Sydney subiu silenciosamente a escada até
que ela estava quase nivelada com a amurada do navio.
Daqui, ela podia ver a parte de trás da cabeça de Eli. Ela se
pressionou contra a lateral do navio o máximo que pôde.
— Venha comigo — o homem no comando finalmente disse,
acenando para que seu associado o seguisse. O outro homem
acertou o passo sem hesitar, deixando o terceiro sozinho para
proteger Eli.
Sydney esperou até que os passos dos homens
desaparecessem na esquina do convés. Então ela passou
silenciosamente por cima do corrimão e pousou com um baque
suave atrás do terceiro guarda. No mesmo movimento, ela puxou
uma faca de sua bota e a girou em sua mão para empunhar o cabo.
Ele mal teve tempo de se virar antes que Sydney o atacasse,
acertando o cabo na parte de trás de seu joelho. A perna dele
dobrou – quando ele tropeçou, ela o atingiu violentamente na nuca.
O homem caiu de quatro. Sydney se moveu para acertá-lo
novamente, para deixá-lo inconsciente, mas para sua surpresa, ele
não disparou em sua direção. Ele foi atrás de Eli.
Ela se lançou atrás dele. Mas ele a ignorou, então alcançou Eli
e deu um soco na mandíbula do homem. Ele se conectou com um
estalo alto.
Não!
Sydney teve que sufocar o grito em sua garganta. Ela se jogou
para frente no guarda, acertando-o na lateral e fazendo-o cair no
chão. Ambos lutaram por um instante antes de Sydney esmagar o
cabo de sua faca contra a têmpora do homem. Ele finalmente ficou
mole.
Sydney ficou de pé e correu para Eli...
Mas era tarde demais.
Eli estava espumando pela boca, bolhas de sangue pingando
das bordas da fita adesiva. A mão de Sydney parou no ar enquanto
ela pensava melhor em arrancar a fita – Eli de repente se levantou,
como se tentasse escapar da cadeira à qual estava preso, seus
membros puxando em uma tentativa desesperada de tirar o
Paramecium quebrado. Um soluço estrangulado saiu de sua
garganta.
O soluço transformou-se a meio caminho de uma tosse
incontrolável.
Enquanto Sydney olhava horrorizada, seu corpo se contorcia
para trás e suas botas raspavam freneticamente contra o convés.
Ela deu dois passos para trás.
O som de seus grunhidos abafados mudou, tornando-se
gorgolejante. Ela soube imediatamente que o produto químico devia
estar dissolvendo a garganta dele.
Eli encontrou seus olhos uma vez. Estavam injetados de sangue
e tingidos de lágrimas, tão abertos que ela pensou que os globos
oculares dele poderiam pular para fora. Ela olhou para ele. Ele a
reconheceu – ela podia ver isso em seu esmalte moribundo. Parecia
que ele queria dizer alguma coisa.
Então seu olhar se anuviou e ele caiu mole contra a cadeira, a
espuma ainda pingando de seu queixo.
Sydney testemunhou muitas mortes nos dois anos desde que
começou a trabalhar para a Panacea, teve pesadelos suficientes do
que viu para durar toda a sua vida. Ela sabia como soava quase
todo tipo de morte – um suspiro de um tiro, um suspiro de um corte
na garganta, a luta de membros moribundos, a dobra de um corpo
caindo.
Mas isso. Esta foi a morte por uma nova arma química.
O magnata bilionário por trás de uma das maiores operações de
tráfico do mundo. O magnata dono de museus, iates e grandes
propriedades. O homem em quem Panaceia concentrou sua
atenção por anos. Toda a razão pela qual Sydney e Winter estavam
aqui em Londres.
Ele agora estava morto.
— Merda — Sydney sussurrou para si mesma. — Merda,
merda!
Paramecium. Ela não queria imaginar o que o produto químico
tinha feito quando se quebrou dentro da boca de Eli, não queria
pensar no que aquele pequeno cubo azul poderia fazer uma vez que
fosse carregado de volta dentro de seu cilindro de metal e lançado
no centro de uma cidade aos milhares. Uma parte dela acreditava –
até ver a arma funcionando – que a remessa era um mito, que
talvez não fosse real, que eles estavam ali apenas para encontrar
um livro de números.
Bem, ela tinha visto agora.
O ar frio rodou contra ela, e ela estremeceu. Sua mão foi para o
bolso de trás. Quando ela atacou o homem, ela conseguiu tirar a
carteira dele da calça e enfiá-la dentro da sua. Ela queria abrir a
carteira agora e dar uma olhada em quem eram esses assaltantes,
mas não havia tempo. Ela tinha que sair daqui.
Em vez disso, com um último olhar para Eli, ela correu para a
amurada do convés e voltou para a borda. Suas mãos tremiam.
Eli Morrison está morto.
Assim como a missão deles.
E naquele momento, ela congelou contra a escada do casco. A
última coisa que o líder corcasiano disse foi cortar sua memória dos
gritos moribundos de Eli.
E o que você acha que posso fazer com seus entes queridos?
Os entes queridos de Eli.
Seus pensamentos se encaixaram.
Penelope. Ela pode ser a próxima em sua lista de alvos. A
constatação enviou uma onda de horror pelas veias de Sydney.
— Winter — ela engasgou.
20

Pássaros da mesma gaiola

Todo o comportamento de Penelope Morrison mudou novamente no


instante em que ela saiu do Alexandra Palace e entrou no carro que
os levou embora. Ela afundou no assento; seus músculos
relaxaram. Winter a observava com o canto do olho enquanto fingia
apreciar as vistas de Londres à noite. Até agora, ele tinha visto a
versão dela que era uma fã ansiosa e corada, a socialite rica, a
aniversariante.
Mas a Penelope que agora inclinava a cabeça para trás contra o
encosto de cabeça com um suspiro era uma garota que parecia...
cansada.
— Volte para o meu apartamento, por favor — ela disse ao
motorista. Até a voz dela parecia cair algumas notas para um novo
normal. O homem assentiu sem dizer uma palavra e se afastou.
— Você acha que eles vão sentir minha falta lá? — ela disse a
Winter enquanto eles iam.
Ela estava claramente esperando por um elogio, então Winter
deu a ela.
— É seu aniversário — ele respondeu, dando-lhe uma piscadela
conspiratória. — Qualquer um que não sentir deve ser expulso
imediatamente.
Ela riu e olhou pela janela.
— O que devo dizer a eles?
— Que você fugiu comigo? — Winter sugeriu.
Sua risada se transformou em uma risadinha. Quando ela olhou
pela janela uma segunda vez, ela olhou para ele com os olhos
arregalados.
— Eu vi alguns fotógrafos naquela esquina! — ela engasgou. —
Eles nos fotografaram, não é?
Seu sorriso tornou-se malicioso.
— Peço desculpas antecipadamente, porque você está prestes
a receber algumas manchetes de tablóides muito obscenas.
Ela riu de novo, empurrando-o provocativamente, e então
mordeu o lábio.
Winter arrastou ligeiramente as botas no chão do carro. Ele não
sabia até onde queria levar isso. E por alguma razão, ele continuou
imaginando Sydney sentada no lugar de Penelope, jogando seu
próprio joguinho de provocar um ao outro, como faziam na casa. Ele
imaginou os olhos azuis de Sydney brilhando na escuridão deste
carro, seu cabelo loiro girando enquanto ela sorria para ele.
O que Sydney estava fazendo agora? Ela estava de alguma
forma os seguindo? Ela estava esperando em casa, escrevendo um
relatório para Sauda com uma carranca no rosto?
A caneta que Sydney lhe dera estava pesada em seu bolso. Ele
não se atreveu a mexer nela, mas o peso dele o lembrou de que
não estava totalmente sozinho. Sydney ainda estava aqui, de certa
forma, observando o perigo.
Depois de um tempo, eles chegaram a uma rua tranquila em
Holland Park, onde pararam em frente a um prédio coberto de hera.
Ele fez um barulho de apreciação.
— Lugar legal.
Ela saiu do carro e acenou para ele.
— Entre.
Eles entraram em direção a um elevador no fundo do saguão.
Quando chegaram ao último andar, saíram para um corredor feito de
vidro de cada lado. Através dele, ele podia ver uma bela paisagem
noturna de árvores em silhueta contra fileiras de telhados com
chaminés, tudo delineado sob a luz da meia-lua.
— Agora, isso que é uma visão — ele disse a ela.
Ela sorriu para ele por cima do ombro antes de destrancar a
porta e conduzi-los para dentro.
O espaço não parecia pertencer a uma jovem herdeira. Caixas
de vidro cobriam as paredes, cada uma delas contendo o que
parecia ser uma edição clássica de um livro, e no centro da sala
havia uma enorme tela cercada por vários consoles de jogos e sofás
macios. Parecia menos com a casa de uma herdeira e mais com um
estúdio.
Enquanto Penelope tirava a tiara de sol e lua com um suspiro de
alívio e soltava o grampo enfeitado de seu cabelo, Winter caminhou
até um dos livros cuidadosamente iluminados de dentro de uma
vitrine.
— Isso é um Primeiro Fólio de Shakespeare? — ele disse,
olhando para ela antes de voltar a admirar o livro. Ele soltou um
assobio. — Você tem um gosto ainda mais caro do que o seu
contador.
Penelope largou o grampo de cabelo na mesinha de centro e
sorriu surpresa para ele.
— Você realmente reconhece o primeiro fólio?
Ele encolheu os ombros.
— Qualquer bom músico deve respeitar a palavra escrita —
disse ele com um sorriso. — E Shakespeare não era ruim.
— Qual é o seu favorito, então? — ela disse.
— O Mercador de Veneza — ele respondeu automaticamente.
Ela deve ter feito a pergunta como uma espécie de teste,
porque olhou para ele com um novo assombro.
— E qual é a sua frase favorita?
Ele cantarolou baixinho antes de responder.
— O homem que não tem música em si mesmo, nem é movido
pela concórdia de doces sons, está apto para traições,
estratagemas e despojos.
Ela encostou a cabeça na parede da entrada da cozinha, seu
sorriso mais suave agora enquanto ela o olhava.
— Eu não teria imaginado isso — disse ela.
— É mesmo? — Ele se endireitou e ergueu o queixo para ela,
provocando-a. — O que você teria adivinhado, então?
— Não tenha medo da grandeza — ela respondeu, então baixou
os olhos timidamente.
Ele riu.
— Quão narcisista eu teria que ser para escolher isso para mim
mesmo?
— Não é tão ruim! — ela disse antes de se virar e ir para a
cozinha. — Chá?
— Claro, obrigado. Mas só se for à base de ervas. E você não
precisa fazer a infusão ainda. Apenas me dê o saquinho de chá, eu
mesmo farei isso.
Ele a ouviu rir da cozinha.
— Exigente, não é? Sem problemas.
Enquanto esquentava uma chaleira, Winter afundou em um de
seus sofás. Seu lugar era peculiar, mas aconchegante, o tipo de
espaço que Claire aprovaria. Ele podia vê-la jogando a cabeça para
trás contra o sofá e deixando-se relaxar.
Claire ia tentar ligar para ele em breve, ele tinha certeza. Ele
estava começando a se acostumar a mantê-la fora do circuito, e isso
o deixava inquieto.
Seus olhos caíram sobre o grampo de cabelo que Penelope
havia jogado na mesa de centro. Você está usando, Connor disse a
ela quando o viu em seu cabelo na festa. Talvez tenha sido um
presente dele para ela.
Winter olhou para ele por mais um momento. Se Sydney
estivesse aqui, ele sabia que ela o roubaria, colocaria suavemente
no bolso e agiria como se nada tivesse acontecido.
Não que ele fosse Sydney ou um ladrão. Mas seu olhar
permaneceu nele, junto com sua recente percepção do misterioso
relacionamento que Penelope teve com seu contador. Talvez o
alfinete não fosse nada, ou talvez fosse uma pista útil sobre o que
quer que existisse entre Connor e Penelope.
E talvez estar perto de Sydney estivesse afetando ele da pior
maneira. Antes que Winter pudesse pensar mais sobre isso, ele
pegou o grampo de cabelo e o enfiou cuidadosamente no bolso,
depois recostou-se no sofá.
Um minuto depois, Penelope voltou para ele e entregou-lhe uma
caneca fumegante.
— Espero que você não se importe com camomila — disse ela,
apontando para o saquinho de chá fechado que entregou a ele.
— Quase tão bom quanto jasmim — Winter rasgou o papel e
tirou o saco, depois o afundou na água quente. Do outro lado do
sofá, Penelope segurou sua própria caneca com cuidado e dobrou
as pernas sobre o assento. Seu cabelo estava puxado sobre o
ombro em uma grossa trança rabo de peixe e, enquanto ela se
sentava, sua mão livre surgiu para brincar preguiçosamente com a
ponta.
Talvez Penelope esperasse que ele fizesse algum tipo de
movimento com ela. Talvez ela só quisesse conversar. Seu corpo
estava inclinado para ele, mas enrolado firmemente de uma forma
que a protegeu. Se Sydney estivesse aqui, Winter sabia que ela
provavelmente teria algum tipo de análise sobre o que significava
sua postura.
Se Sydney estivesse aqui, se Sydney estivesse aqui, por que
ela continuava entrando em seus pensamentos?
— Eu prefiro ficar por aqui — ela disse depois de uma pausa
estranha. — Eu não suporto estar em tantas festas do meu pai.
Winter tirou o saquinho de chá de sua caneca enquanto a água
ganhava a cor ideal e o colocou no pequeno prato que Penelope
havia colocado na mesa de centro. Ele teria que ter cuidado ao falar
sobre o pai dela.
— Esta é uma noite típica para você? — ele perguntou.
Ela deu de ombros.
— A cada poucas noites, pelo menos.
— Exaustivo. Porque você vai?
Ela sorriu, os olhos baixos.
— Porque isso o deixa feliz.
Por um momento, Winter teve pena dessa garota. Se as
circunstâncias fossem diferentes, ele poderia se ver sendo amigo
dela, conversando sobre poesia e livros e as letras de suas músicas
favoritas, conversando durante o chá no sofá dela. Em vez disso,
ele estava prestes a implodir sua vida, prestes a derrubar o pai que
ela trabalhou tanto para agradar.
— E você simplesmente passa a vida certificando-se de que seu
pai seja feliz? — Ele perguntou a ela.
Ela olhou para ele com ceticismo.
— Não me julgue — ela protestou. — Eu vi aquele vídeo de
você festejando às quatro da manhã em Ibiza.
Ele lhe deu um sorriso.
— Eu não sabia que você me seguia tão de perto.
— Acho que invejo um pouco a sua vida.
Ele riu.
— Você é filha de um bilionário. O que na minha vida deixa você
remotamente com ciúmes?
Ela deu a ele um olhar significativo.
— Você honestamente acha que eu poderia estar em uma festa
em Ibiza às quatro da manhã sem vários dos homens do meu pai
me observando de algum canto? Reportando a ele sobre com qual
cara eu poderia estar dançando ou com quais amigos eu poderia
estar?
Com a menção de seu pai novamente, Winter a observou,
procurando maneiras de obter mais informações.
— O que há de errado com um pouco de proteção? Você não é
exatamente uma garota comum.
Ela hesitou por um momento, seus olhos indo para as janelas
que davam para o Tâmisa. De sua posição no sofá, Winter podia ver
as luzes dos navios navegando para cima e para baixo na água
negra.
Finalmente, ela se virou para ele.
— Como foi para você — ela perguntou — quando você se
tornou famoso?
A pergunta dela o pegou de surpresa e, por um momento, ele
não respondeu. Uma lembrança passou por ele das semanas
caóticas depois que o vídeo dele se tornou viral pela primeira vez,
quando uma avalanche de repórteres entupiu seu telefone.
Aterrorizado, ele desligou na cara de todos – incluindo Claire, até
que viu o mesmo número dela aparecendo várias vezes junto com
mensagens de texto cada vez mais persuasivas.
Por favor. Apenas deixe-me ter uma única conversa com você.
Acabei de saber que seu nome completo é Winter Young. Isso é
verdade?
Apenas uma conversa, Sr. Young. E prometo que nunca mais
vou incomodá-lo.
Ele finalmente cedeu. E ela se lançou tão forte que ele
concordou relutantemente em um encontro para um café.
— Foi... um pouco opressor — disse ele a Penelope com um
sorriso triste. — Não sei como teria conseguido sem uma boa guia.
Ela sorriu.
— Você quer dizer sua empresária, não é? Claire?
Ele assentiu. Claire tinha sido um turbilhão, mesmo naquela
época, e ela tinha mais ou menos a mesma idade que Artie teria se
ainda estivesse vivo, o que ele achava reconfortante. Havia um
otimismo nervoso nela que o lembrava de si mesmo, como se algo
dentro dela estivesse inquieto para sair para o mundo, como se ela
tivesse algo a provar. Ele se viu querendo estar perto dela por causa
disso, como se um pouco disso pudesse passar para ele se ficasse
por perto o tempo suficiente.
O que eu faço, Claire disse a ele durante sua primeira reunião
pessoal, é descobrir novos talentos. E posso dizer que ninguém que
eu já vi exalou o tipo de potencial bruto que vi em você naquele
vídeo.
E?, ele disse cautelosamente para ela. O que isso deveria
significar?
Significa que vamos descobrir você. Ela sorriu gentilmente para
ele. Imagine quem você é quando ninguém mais está por perto.
Imagine a versão de si mesmo que o deixa mais feliz. É quem
vamos encontrar.
A memória se desvaneceu e Winter voltou a olhar para
Penelope.
— Por que você pergunta?
Penelope olhou para a janela enquanto cuidava de sua caneca.
— Deve ser bom — ela disse depois de um tempo —, lembrar
um tempo antes e um tempo depois. Saber que você construiu algo,
do chão. — Ela olhou rapidamente para ele. — Não quero reclamar
da minha vida. Eu sei que cresci com uma colher de prata. — Então
ela se debateu um pouco, como se estivesse tentando encontrar as
palavras certas. — Mas às vezes me pergunto... como é viver com
propósito, sabe? Se há algum significado para mim estar aqui. Se
eu… qualquer um, mereço tudo isso, nasci para passar a vida indo
de uma festa para outra.
Significado. E ele a entendia, sabia que ela deveria ter passado
toda a sua vida até agora procurando um propósito, qual era o
sentido de tudo se ela já tinha tudo, por que ela merecia viver assim
quando tantos outros não. Se ela tinha algo para dar em troca. Eram
os mesmos pensamentos que o perseguiam.
— Talvez você só precise fazer uma boa ação ingrata — disse
ele.
Ela olhou para sua caneca de chá esfriando.
— Talvez — ela ecoou.
De repente, ocorreu a Winter que ela não queria trazê-lo aqui
para uma aventura ou uma conversa casual. Ela pensou que ele era
uma alma gêmea. Ela precisava falar com ele porque se sentia
sozinha, porque precisava se solidarizar com alguém que ela
achava que poderia entendê-la.
Uma parte dele se sentiu aborrecida com isso. Pobre garotinha
rica e seus problemas de rico. Ele se lembrava de odiar pessoas
assim antes de atingir o sucesso, de que as únicas coisas que os
entristeciam eram coisas que o resto do mundo só poderia desejar
que tivessem.
Mas isso não era tudo o que a afligia. Ele podia sentir que havia
mais, coisas que ela não estava contando a ele. Ele ponderou por
um momento o risco de tocar no assunto, então se inclinou
ligeiramente para ela. Ganhe a confiança dela. Deixe-a acreditar
que seu ato o enganou.
— É por isso que você está saindo com seu contador pelas
costas do seu pai? — ele perguntou.
Penelope piscou para ele, como se tivesse sido pega como um
cervo pelos faróis.
— Eu não estou saindo com ele — ela sussurrou. — Quem te
disse isso?
Winter riu e ergueu a mão.
— Está tudo bem. Já guardei tantos segredos de
relacionamento para amigos que nem os registro mais. Então você
está segura comigo.
Ela pareceu soltar um suspiro, embora seus olhos ainda
parecessem assustados. Então ela riu um pouco também e corou
em sua caneca.
— Será que somos tão óbvios? — ela perguntou a ele com
tristeza.
— Como um letreiro de néon — Winter respondeu com um
sorriso. — Estou brincando, você foi sutil. Se eu não estivesse tão
acostumado a analisar outros casais de celebridades, não teria
adivinhado.
Ela ficou em silêncio por um longo momento depois disso.
Winter estava se perguntando se ele havia falado demais quando
ela finalmente suspirou e olhou para ele.
— Não é nada sério. Apenas um pouco de diversão para mim.
Connor é legal.
Aparentemente, não era legal o suficiente, pensou Winter,
intrigado com suas palavras. Por que ela estava fingindo ter um
caso com alguém que ela não estava realmente saindo? O que
havia de divertido nisso?
— Ele parece que é — disse ele em voz alta em vez disso.
Ela sorriu um pouco.
— Minha mãe teria gostado dele.
A mãe dela? Por dentro, Winter se animou. Sauda e Niall tinham
dito a ele que não sabiam quase nada sobre a mãe de Penelope, e
lá estava ela, mencionando a mulher.
— Teria? — Winter perguntou.
— Ela morreu há pouco tempo — respondeu Penelope.
O silêncio se estabeleceu ao redor deles. Havia uma dor real
em sua resposta, resquícios do que soava como amor genuíno.
— Sinto muito — murmurou Winter.
Ela deu um pequeno sorriso para ele, e Winter sentiu a
confiança crescer entre eles, os ombros relaxados de Penelope que
pareciam significar que ela estava aliviada por confiar nele. A
compreensão fez com que a culpa o percorresse.
— Ela teria gostado de me ver ficar com algo que era só meu —
Penelope continuou.
— Tenho certeza de que ela gostaria que você tivesse tudo o
que deseja — disse Winter gentilmente.
— Você tem tudo o que deseja? — Ela perguntou a ele.
Sydney passou por sua mente novamente, seus olhos azuis
escuros, vestido prateado e costas nuas. O pensamento dela neste
momento o surpreendeu, e o salto inesperado em seu coração deve
ter sido registrado em seu rosto, porque Penelope inclinou a cabeça
pensativamente para ele.
— Não — ele respondeu honestamente.
Ela olhou de volta para sua caneca. Sua expressão era suave e
vulnerável agora, e ela parecia ainda mais frágil do que ele se
lembrava de seu primeiro encontro.
— Então espero que nós dois consigamos o que realmente
queremos — disse ela.
Ele largou a caneca e a encarou.
— Olha, eu… — ele começou a dizer, procurando as palavras
certas.
E então, naquele momento de hesitação, notou que ela se
encolheu ligeiramente em direção à janela, como se tivesse visto
algum tipo de movimento na rua. Ele olhou com ela.
Lá, ele viu uma figura escura parada do outro lado da rua,
agachada atrás de um portão de pedra.
O que chamou sua atenção foi o brilho mais fraco de algo
metálico apontado em sua direção. E de repente, sua mente voltou
às aulas que ele teve com Sydney no centro de treinamento da
Panaceia.
— Abaixe-se!
Ele se lançou sobre Penelope logo antes que ela pudesse fazer
um som. Assim que ele investiu contra ela, ele ouviu o estalo do tiro
através da janela de vidro.
Era o som mais sutil – um ping tão pequeno e silencioso que ele
pensou a princípio que o havia imaginado.
Penelope não fez um som. Ele imediatamente se levantou – por
um segundo terrível, ele pensou que talvez a bala a tivesse atingido,
afinal. Mas então ele a viu se mexer onde estava caída no sofá, os
olhos arregalados e a pele branca como um fantasma.
Imediatamente, algo pareceu ganhar vida dentro dela. Ela rolou para
o chão, batendo no carpete ao mesmo tempo que ele.
Seus olhos dispararam para um buraco nas almofadas do sofá,
a centímetros de onde ambos estavam sentados. Seu olhar se
voltou para a janela, onde havia um círculo minúsculo e perfeito no
vidro, onde havia sido perfurado.
Por um momento, tudo o que pôde fazer foi aceitar a realidade.
Que alguém queria Penelope morta. Que tudo pode parecer estar
indo bem em um minuto e depois ficar completamente fora de
controle no seguinte.
E ele tinha a sensação de que a missão deles acabara de sair
de suas mãos.
21

Pivô

Só quando Sydney conseguiu encontrar o caminho de volta para as


ruas de Londres é que a força de tudo a atingiu – a percepção de
que Eli Morrison, o homem que eles foram enviados aqui para
prender, acabara de ser assassinado a bordo de seu próprio iate.
E mesmo não tendo sido ela quem o matou, ela sentiu como se
o sangue dele estivesse manchando suas mãos, que foi ela quem
comprometeu a missão deles. Ela ainda podia ouvir o gorgolejo
doentio de sua garganta destruída em sua mente, ver o
reconhecimento em seus olhos enquanto ele olhava com os olhos
arregalados para ela.
Pior de tudo, a possibilidade de Winter estar na linha de fogo
agora.
Ela lhe enviara várias mensagens sutis, perguntando a hora e
onde ele estava, quando voltaria. Mensagens naturais de um
guarda-costas.
Nada. Sem Respostas.
Seu rastreador havia feito um ping pela última vez na casa de
Penelope. Então Sydney correu para lá, demarcando um lugar
sombreado nos arbustos na esperança de que ela pudesse ver algo.
Mas o apartamento estava escuro agora, como se Penelope tivesse
ido para a cama. Ou ela não estava lá.
Ela mandou uma mensagem para ele várias vezes enquanto
corria de volta para a casa que dividia com ele em Kensington. Ao
passar pela porta da frente, ela manteve uma mão levemente no
cabo da arma enfiada no bolso.
A casa estava escura, os quartos vazios. Winter também não
havia retornado para cá.
Depois de várias tentativas, ela finalmente conseguiu um sinal
para seu rastreador novamente. Parecia mostrar que ele estava se
movendo pelas ruas de Londres em um carro na direção da casa.
Sydney passou a próxima meia hora andando cuidadosamente
por cada quarto no escuro, sua arma em punho, verificando cada
porta, armário e despensa. Então ela subiu as escadas e vasculhou
seu quarto antes de ir para o de Winter.
O espaço era impecavelmente arrumado, mais arrumado do que
ela esperaria que fosse o quarto de uma estrela pop. A cama estava
arrumada com perfeição, as roupas arrumadas com cuidado e
dobradas como se estivessem em uma loja de departamentos. No
banheiro, sua toalha estava dobrada sobre a porta do chuveiro
como se fosse feita por um atendente.
Em sua cômoda havia um copo d'água, uma caneta e o caderno
que ela o vira rabiscando na viagem de carro do aeroporto. Ele não
o levara para o show e para a festa.
Sydney desviou o olhar e verificou cada canto da sala. Quando
ela se certificou de que nenhum estranho havia mexido nas coisas
dele, voltou a se concentrar no caderno. Mais uma vez, ela sentiu o
desejo de roubar crescer em seu peito ao ver algo valioso. Além
disso, ela sabia que deveria verificar – o caderno era exatamente o
tipo de coisa onde alguém deixaria um rastreador ou dispositivo de
escuta. Certa vez, ela descobriu um chip com metade do tamanho
de sua menor unha colado no verso de um menu de serviço de
quarto em um de seus quartos de hotel.
Sydney pegou o caderno e o abriu. A superfície de couro estava
macia com o uso, aberta e fechada um milhão de vezes por suas
mãos. Ela folheou as primeiras páginas.
Continham centenas de linhas de texto – fragmentos de frases,
palavras flutuantes, compassos de música que ela não sabia ler e
esboços. Um galho cheio de folhas, um estudo da mão de alguém,
um lindo beco desenhado com apenas algumas linhas. Ele não era
ruim.
Ao virar a última página, ela parou nas linhas finais de algumas
letras que ele havia escrito.

Eu olho para você e tudo enche minha cabeça


este redemoinho de (cada) pensamento
(todo) pesadelo (todo) pavor
Você já sentiu medo como eu
Já se odiou como eu
Já se destruiu por outra pessoa?
Você já se sentiu culpado pelos erros de todos?
Você já desejou poder ocupar o lugar de outra pessoa?
Você já sentiu vontade de morrer?
Você já quis viver para sempre?

E este furacão continua e continua


Toda vez que eu olho para você
Você é minha meditação
Eu também sou seu?

Winter havia escrito isso recentemente, provavelmente na noite


anterior, depois de vê-lo dançando sozinho no andar de baixo. Ela
se viu relendo as palavras e armazenando-as em sua mente,
apreciando a forma como soavam, imaginando quem as havia
inspirado.
Então ela piscou e fechou o livro. Ela estava se distraindo. Seus
dedos correram pela capa interna do caderno, depois pela parte
interna e externa da capa. Nenhum vestígio de adulteração, pelo
menos.
Ela tinha acabado de colocar o caderno de volta quando ouviu a
porta da frente no andar de baixo abrir e fechar.
Cada músculo dela congelou ao som do clique suave. Winter?
Ou eram os homens de Eli? Ou os homens que mataram Eli? Ela
moveu-se silenciosamente para seu quarto, acomodando-se em um
canto e de frente para a porta.
Lá, ela apontou a arma para a porta e esperou. A quietude
escura do apartamento ameaçou dominá-la.
Por fim, ela ouviu passos lentos e cautelosos subindo as
escadas. Quem quer que fosse, moveu-se silenciosamente. O único
som que os denunciava era o leve rangido de um passo fraco.
A porta do quarto se abriu lentamente em sua direção. Ela
ergueu a arma de seu canto. A figura surgiu.
Winter.
Ele estava empunhando um guarda-chuva como uma arma – e
com o movimento dela, ele se virou em sua direção. Ela mudou seu
peso instintivamente para um lado. Então seus olhos se arregalaram
quando ele a reconheceu. Sua mão caiu e ele se apoiou
pesadamente contra o batente da porta.
— Puta merda — ele retrucou para ela, jogando o guarda-chuva
para baixo. Ele parecia terrivelmente pálido. — Eu poderia ter te
matado.
Alívio a inundou ao vê-lo, então embaraço quando as lágrimas
arderam em seus olhos. Ela não tinha percebido o quanto estava
com medo de que ele fosse morto. De potencialmente ser o único a
encontrá-lo morto.
— Não com essa coisa, você não poderia — ela respondeu em
vez disso, embainhando sua arma com um floreio. — Você está
bem?
Ele assentiu com a cabeça, cansado. Havia um brilho de medo
em seus olhos e, com um sobressalto, ela percebeu que ele temia
por ela.
— Algo aconteceu com você — disse ele.
Ela o encarou.
— E com você.
Ele hesitou, então disse em voz baixa e rouca:
— Um atirador tentou matar Penelope. O tiro atravessou direto
pelo vidro da janela do apartamento dela. Ela está com Connor
agora, na casa dele.
Sydney sentiu um aperto na garganta com as palavras dele. E o
que você acha que posso fazer com seus entes queridos? A
sensação de espiral a atingiu novamente, e ela lutou para manter a
calma. Ela alcançou Winter e imediatamente começou a examiná-lo
em busca de qualquer sinal de ferimentos. Os dedos dela roçaram a
pele do braço dele.
— Você está machucado?
Ele balançou sua cabeça. Seus olhos permaneceram fixos nos
dela, procurando os segredos por trás de sua expressão
assombrada.
— Não. Você?
Houve uma pausa pesada. Então ela respirou fundo e disse:
— Eli Morrison está morto.
Por um momento, tudo o que puderam fazer foi olhar um para o
outro.
A missão deles estava terminada. Agora eles estavam
envolvidos em algo novo, algo para o qual não tinham planos.
— Sauda e Niall queriam uma ligação assim que você voltasse
— Sydney sussurrou no silêncio. — Que bom que você conseguiu.
Eles trancaram a porta e checaram as persianas da janela.
Então eles se acomodaram no meio do chão. Sydney tirou uma
pequena lente, então a colocou na câmera de seu telefone e
colocou o telefone cuidadosamente no tapete entre eles. Ela digitou
algumas instruções nele.
Uma animação silenciosa apareceu entre eles, mostrando um
círculo de carregamento em torno de um telefone verde. Segundos
depois, a animação desapareceu para dar lugar ao busto de Sauda
pairando no ar como um holograma, com as sobrancelhas franzidas
de preocupação. Ao lado dela apareceu Niall, que se apressou ao
vê-los.
Os olhos de Sauda encontraram os de Sydney imediatamente.
Embora ela não dissesse nada, Sydney percebeu que ela estava
procurando por sinais de ferimentos. Então a mulher disse:
— O que aconteceu?
Seu tom era nítido e frio, uma voz que Sydney conhecia bem.
— Eu segui Eli Morrison e três de seus associados até
Teddington Lock esta noite — ela respondeu. — Eles arrastaram Eli
a bordo de um de seus iates. O Invictus. Não consegui ouvir toda a
conversa, mas o que consegui foi falado em corcasiano. — Ela
balançou a cabeça. — Aqui.
Ela digitou outra coisa em seu telefone. Enquanto Sauda e Niall
observavam, uma gravação começou a tocar, enchendo o ar ao
redor deles com a escuridão de uma noite de nevoeiro e água
batendo, de murmúrios raivosos acima. Winter prendeu a respiração
enquanto o vídeo passava, enquanto o cubo Paramecium apareceu
e Sydney fez seu movimento, quando o guarda então atingiu Eli e o
homem morreu engasgado com a arma química.
Quando a gravação terminou, Niall disse baixinho:
— Envie-nos o arquivo.
— Sim, senhor.
Enquanto carregava a gravação, Sydney olhou para Winter
através do holograma. Havia um olhar estranho em seu rosto –
horror, claramente, pelo tipo de cena que ele nunca havia
testemunhado antes em sua vida... mas também algo mais. Uma
assombração. Sydney não sabia mais como chamá-lo.
Ela acenou com a cabeça para ele.
— Diga a eles o que aconteceu com você esta noite — disse
ela.
Os olhares de Niall e Sauda piscaram para Winter. Ele limpou a
garganta, tocou no telefone e tocou para eles a gravação captada
pelos seus brincos, toda a conversa que teve com Penelope.
Terminou com o som deles caindo freneticamente no chão.
— Um tiro entrou pela janela — disse Winter quando o vídeo
terminou. — Deixou um buraco de bala na janela, mas nenhuma
outra rachadura. Atingiu uma das almofadas do sofá entre nós, a
centímetros dela.
Niall passou a mão no rosto e suspirou. Então ele olhou
novamente para Sydney e perguntou:
— A hora da morte de Eli Morrison?
— As três e dezesseis — Sydney disse automaticamente.
— Você identificou algum dos outros presentes?
Sydney tirou a carteira do bolso que havia roubado do
assassino de Eli e a abriu para que todos vissem. Dentro estava a
carteira de motorista desbotada de um homem sisudo de olhos
escuros e barba malfeita, a identidade enfiada na mesma fenda que
um maço amassado de dinheiro corcasiano.
O reconhecimento brilhou nos olhos de Niall.
— Você roubou isso dele? — ele perguntou.
Sydney assentiu.
— Todos eles falavam corcasiano. O terceiro também falava
inglês. Um deles tinha uma leve irregularidade no andar,
possivelmente uma lesão em algum lugar da perna direita.
— Aquele é Edward Johannsen — disse Sauda, apontando para
a identidade. — Um dos compradores que estamos rastreando.
— O que isso significa? — Sydney perguntou.
— Isso significa que os Corcasianos estão na cidade com a
permissão expressa de seu governo, e que seu primeiro ministro
sancionou o assassinato de Eli Morrison. Eu não ficaria surpreso se
eles também mandassem o atirador atrás de Penelope. Eles vão
tentar acertá-la novamente em breve.
— Por que eles iriam querer ela morta? — Winter perguntou.
— Não importa — respondeu Sauda.
— O que você quer dizer com ‘não importa’? — Sydney disse.
— Não importa — disse Niall — porque seu trabalho está feito.
Sydney piscou.
— O que você quer dizer com feito? Precisamos montar uma
nova missão.
— Como em: estamos trazendo vocês dois para casa. Não
estamos nos envolvendo em negócios oficiais do governo
corcasiano sem nos reagruparmos com a CIA. Tudo ficou muito
mais confuso.
Sydney estreitou os olhos.
— Pensei que a Panaceia operasse sem toda a burocracia com
a qual a CIA tem de lidar.
Niall fixou um olhar severo nela.
— Não seja tão criança — ele resmungou. — Podemos tomar
certas liberdades, mas não estamos aqui para começar uma guerra
maior do que queremos evitar.
— Não resolvemos nada! — Sydney sibilou.
— Você não estava lá para resolver nada — Sauda disse
friamente. — Você estava lá para fazer um trabalho. E agora esse
trabalho está morto.
— E quanto a toda aquela conversa sobre tornar o mundo
melhor? De salvar a vida de meio milhão de pessoas? De poder
fazer o que é certo sobre o que é diplomático? Ou foi apenas
conversa de recrutamento? — Sydney cerrou os dentes. — Aquele
navio ainda está indo para a Cidade do Cabo. Partimos agora e
meio milhão de pessoas morrerão.
— Então que assim seja — retrucou Sauda. Sydney se acalmou
instantaneamente. O temperamento de Sauda raramente vinha, mas
quando acontecia, parecia sugar todo o ar da sala, deixando Sydney
sem fôlego.
— Qual é a primeira regra? — a mulher disse em voz baixa.
— Voltar para casa viva — Sydney murmurou de volta.
Sauda assentiu uma vez.
— O efeito cascata do assassinato de Eli apenas começou.
Respondemos a poderes superiores. Faremos o possível,
traçaremos um novo caminho, mas também sabemos quando
devemos recuar. Você não pode salvar o mundo se estiver morta.
Fui clara?
— Sim, senhora — Sydney sussurrou. Ela podia sentir lágrimas
de fúria brotando em seus olhos.
— Fale mais alto.
— Sim, senhora.
Ela podia ver Niall olhando para ela com aquelas sobrancelhas
franzidas, a expressão em seus olhos mais simpática do que
severa, dizendo-lhe silenciosamente para se comportar. Ele abriu a
boca por um momento, mas depois a fechou.
— Bom. — Sauda olhou para Winter, que ainda estava sentado
em silêncio, observando a troca, com o rosto ainda assombrado. —
Desculpe-me pela bagunça em que você foi arrastado, Sr. Young.
— E a aparição de Winter na festa final amanhã? — Sydney
exigiu. — Penelope tem milhares de convidados aqui, e eu suspeito
que ela vai se esforçar para evitar uma cena. Ela também não sabe
sobre seu pai ainda. Se tirarmos Winter agora vai parecer muito
suspeito.
— Deixe-a cuidar de seus convidados e sua cena — disse
Sauda. Ela olhou para Niall. — Voo TEC?
Niall parecia estar digitando alguma coisa.
— Amanhã de manhã cedo, às nove.
Sauda assentiu.
— Não diga uma palavra a ninguém. Quando a última festa de
Penelope começar em dezessete horas, vocês dois devem estar de
volta aqui na América. Entendido?
Sydney queria gritar com os dois. Ela podia sentir a frustração
queimando seus ossos, ardendo na ponta de sua língua. Sua pele
formigava de raiva. Eles tinham acabado de fazer uma descoberta.
E agora tudo isso tinha sido uma perda de tempo.
Quando ela falou novamente, porém, sua voz saiu firme e fria.
— Sim, senhora.
— Você sabe que não há outro jeito — Sauda disse a ela, suas
palavras solenes.
— Você me ensinou que sempre há um jeito — Sydney
respondeu.
— Na arena de treinamento, sim. No mundo real? — Os olhos
da mulher piscaram e, por um momento, Sydney sentiu-se como
quando Sauda descobriu seus hábitos de roubo, quando ela se
sentou no escritório de Sauda enquanto Sauda a conduzia
pacientemente exercício após exercício para resistir à tentação de
roubar.
É impossível, Sydney lembrou-se de ter dito ao falhar em um
exercício.
Nada é impossível, respondera Sauda. Faça novamente.
Mas agora a mulher a encarava com ar resignado.
— No mundo real — continuou ela — somos empurrados por
forças maiores do que nós. A sobrevivência depende de saber
quando sucumbir a essas forças.
— Mas–
— Sem mais perguntas, Sydney.
O olhar de Sauda era tão penetrante que Sydney finalmente
desviou o olhar para Winter. Ele não disse nada.
— Vejo vocês dois na alfândega — disse Niall.
Então ele e Sauda encerraram a ligação e suas imagens
desapareceram.
Sydney soltou um suspiro longo e lento. Seus ombros se
curvaram com exaustão repentina, e ela olhou para as palmas das
mãos abertas curvadas em seu colo. Então ela olhou para cima
novamente, travando os olhos com Winter do outro lado de seu
telefone silencioso.
— Sinto muito — disse ela suavemente.
Ele deu de ombros e desviou o olhar para a janela sombreada.
— Pelo que?
— Eu sei que isso não é o que você esperava.
— Alguma vez foi como você esperava?
Ela balançou a cabeça.
— Na maioria das vezes, não — ela admitiu.
— Isso nunca acontece — ele murmurou.
A expressão assombrada ainda pairava em seu rosto, e nela,
ela podia ver um resquício de algo em seu passado distante,
memórias atormentando sua mente. Isso a lembrou da aparência
dele durante a visita ao quartel-general da Panaceia, quando ela
falou sobre Artie Young de forma mais insensível do que deveria.
Seus olhos saltaram de volta para os dela, e seu olhar de luto
desapareceu tão rapidamente quanto havia surgido. Ele olhou para
baixo.
— Não podemos sair assim.
Ela assentiu.
— E nós não vamos.
Ele procurou seu olhar. Ela olhou calmamente para trás. Havia
algo hipnoticamente reconfortante em sua presença, algo que lhe
dava força. Ela queria estar mais perto dele. Ela queria fazer algo
sobre a carga repentina que o ar parecia conter.
— Você está sugerindo dar uma de rebelde? — ele perguntou.
— Talvez.
Uma pausa.
— Sauda e Niall vão ficar tão chateados com você.
Ela deu de ombros.
— Deixe-me lidar com Sauda e Niall. Isso é maior do que
qualquer um de nós agora. Então, se eu tiver que ir sozinha, eu irei.
Seu fraseado o fez carrancudo.
— O que você quer dizer com “sozinha”?
— Quero dizer, eu vou fazer isso, mas você não deveria. Você
nunca se inscreveu para isso.
A maneira como seu olhar agora queimava o dela enviou um
solavanco em seu coração. Ela franziu a testa para ele.
— Eu me inscrevi para ser seu parceiro nesta missão.
— E eu estou dizendo para você pegar aquele vôo amanhã de
manhã.
— O que você vai fazer aqui sem a minha ajuda?
Ela lançou-lhe um olhar fulminante.
— Posso trabalhar mais rápido sem você.
Ele se inclinou para ela.
— Você sabia que o possível caso acontecendo entre Penelope
e Connor Doherty nada mais é do que uma encenação?
— É o que? — ela disse.
— Já testemunhei relacionamentos secretos suficientes em meu
mundo para reconhecer um falso quando vejo um. — Winter enfiou
a mão no bolso e tirou um grampo de cabelo enfeitado com jóias.
Imediatamente, Sydney o reconheceu como o mesmo grampo de
cabelo que Penelope usara no Alexandra Palace. — Peguei isso no
apartamento dela — disse ele ao entregá-lo.
Ela deu a ele um olhar cético.
— Você roubou isto?
— Acho que aprendi mais com você do que deveria — ele
respondeu secamente. — Baseado no que ouvi na festa, Connor
presenteou ela com isso. Achei que poderia ser uma pista útil para
nós sobre o relacionamento deles.
— O que você disse que era uma encenação — Sydney disse,
girando o alfinete cuidadosamente em suas mãos. Os diamantes em
crosta brilhavam.
Ele assentiu.
— Eles não estão se vendo. Eles estão apenas fingindo. Não
sei por quê.
Os dedos de Sydney correram pelo grampo. Eles pararam
quando ela tocou em algo de metal sob os diamantes. Ela deu uma
olhada mais de perto.
— Isto é mais que um grampo de cabelo — murmurou,
segurando-o para que Winter pudesse ver a portinhola instalada sob
ele. — É um mini-drive. Há dados nessa coisa.
Eles se encararam por um momento antes de voltar para o
gancho.
— Há coisas acontecendo sob a superfície aqui que não
entendemos — Winter finalmente disse em voz baixa. — E você vai
precisar de alguém para ajudá-la se você vai ficar.
Ela respirou fundo, os olhos ainda no grampo.
— Você não precisa fazer isso. Você não precisa se colocar
nesse tipo de perigo. Esta nem é a sua linha de trabalho.
— Ei. — Ele ergueu as mãos. — Onde você for, eu também vou.
Certo?
Ela sentiu um formigamento em seus membros com suas
palavras. Onde você for, eu também vou.
Ninguém jamais havia prometido a ela algo assim. Onde ela foi,
ela foi sozinha.
E, no entanto, ela podia sentir a seriedade em sua voz. A
proximidade dele.
— Eu simplesmente não estou acostumada com as pessoas
ficando — disse ela.
Levou um momento para ela perceber que ela disse algo
descuidado para ele, que ele agora estava olhando para ela com um
olhar questionador. Ela baixou a guarda perto de pessoas como
Niall e Sauda – e até eles viram uma versão filtrada dela. Mas
Winter não era um agente secreto. Ele era um superastro que de
alguma forma era uma das pessoas mais normais que ela já
conhecera, e algo nessa combinação a fazia dizer coisas assim para
ele.
Ele ainda a estava estudando com olhos escuros esguios.
— E agora? — ele disse calmamente. — Só temos seis horas.
— Tudo o que temos a fazer é ganhar mais tempo — disse ela.
Ele franziu a testa para ela.
— O que você quer dizer?
— Você quer me ajudar? Então estamos prestes a tirar
vantagem de quem você é. — Ela deu a ele um sorriso pequeno e
sombrio. — Estamos prestes a causar um alvoroço.
22

O caçador, a caça

TENTATIVA DE ASSASSINATO À WINTER YOUNG!


RUMORES ALEGAM TIROTEIO À WINTER YOUNG NA
CASA DE HERDEIRA
WINTER YOUNG É ATACADO APÓS FESTA
PARTICULAR

Vazar rumores sobre tiros na casa de Penelope Morrison acabou


sendo a coisa mais fácil do mundo. Poucos minutos depois de
Sydney postar anonimamente sobre isso em um dos canais de fãs
online de Winter, as pessoas começaram a aparecer do lado de fora
de sua casa. Uma hora depois, uma multidão barulhenta segurando
cartazes feitos em casa havia se reunido em uma massa
inconstante.
— O que diabos está acontecendo aqui? — Claire gritou ao
telefone. Winter teve que segurar o telefone um pouco longe de sua
orelha enquanto os gritos vindos do lado de Claire da chamada se
chocavam contra os gritos do lado de fora. Ele ergueu uma
sobrancelha para Sydney.
Sydney ergueu as mãos.
— Tudo bem — ela murmurou para ele. — Eu não esperava
uma resposta tão grande.
Você me insulta, ele murmurou de volta.
— Tiros? — A voz de Claire se converteu em um guincho
quando Winter caminhou para uma das janelas com cortinas do
primeiro andar. — Você levou um tiro ontem à noite e a Associação
de Imprensa sabe disso antes de mim?
— Penelope Morrison me fez prometer que não contaria —
respondeu Winter. — Não sei como a notícia vazou.
— E você trabalha para Penelope Morrison? — Claire exigiu.
— Bem, tecnicamente, enquanto estivermos aqui… sim.
Claire suspirou exasperada.
— Deixa para lá. Por que diabos ela não quer isso?
— Porque ela não quer falar com a mídia sobre como ela quase
morreu? Já passamos por esse tipo de estrada antes. Ela queria
que o assunto fosse investigado em particular pela Polícia
Metropolitana. Olhe, estou bem. Foi uma bala perdida. Nada me
atingiu.
Ele quase podia ouvir Claire estreitando os olhos do outro lado.
— Você está bem — ela disse incrédula.
— Sim. — Ele afastou cuidadosamente a cortina da janela para
ver um mar de fãs… mil, pelo menos, sendo retidos por uma frágil
linha de policiais desesperados. Uma pitada de preocupação se
contorceu nele. Ele esperava que nenhuma arma de atirador
estivesse apontada para ele agora, não com todos esses
espectadores na linha de fogo em potencial.
— Faça o que fizer — disse Claire enquanto Winter acenava
para a multidão — não olhe pela janela e acene para eles. Você vai
causar um tumulto.
Com certeza, no instante em que as palavras saíram da boca de
Claire, a multidão explodiu em gritos mais altos com o gesto de
Winter. O mar de gente ondulava e, aqui e ali, a linha policial se
rompia temporariamente.
— Eu só queria que eles soubessem que estou bem — disse
ele por telefone. — Não estamos tentando encorajar rumores aqui.
Claire gemeu.
— Esqueça. Não se atreva a sair dessa casa, Winter Young.
Iremos até você e traçaremos estratégias.
Ela desligou. Ao fazer isso, Winter viu o fluxo de mensagens de
texto de Leo e Dameon em seu telefone.
O que diabos está acontecendo?
Alguém realmente tentou atirar em você ontem à noite?
Tudo nele ansiava por confiar em seus amigos. Ele enfiou o
telefone de volta no bolso e respirou fundo. Ele estava cometendo
um erro? Ainda mal conseguia processar o que acontecera na noite
anterior – a festa, o tiroteio, a discussão com Panacea. O estranho
novo pacto que ele parecia ter com Sydney, com quem ele agora
estava oficialmente interpretando o agente desonesto. A solidão o
agarrou como um torno.
O punhado de horas que ele tinha dormido antes do amanhecer
certamente também não ajudava.
Ele caminhou até onde Sydney havia se sentado perto da
piscina coberta, lendo uma mensagem em seu telefone. Então ele
se inclinou para perto dela, para que suas palavras não fossem
ouvidas, e sussurrou:
— Eles estão vindo. Como está o seu fim?
Ela assentiu secamente.
— É impossível para nós nos esgueirarmos para o aeroporto
nesta confusão. Sauda está ciente do vazamento de notícias. Niall
adiou nosso voo. Também deve proteger Penelope de qualquer um
que tente um segundo ataque contra ela. — Ela ergueu o telefone.
— E dê tempo a Panaceia para desbloquear os dados que extraí do
grampo de cabelo de Penelope.
— Não podemos ler? — ele perguntou.
Ela balançou a cabeça.
— Criptografado. Niall apenas me avise que recebeu meu
upload. Seja o que for, deve ser importante. Enquanto eles estão
trabalhando, tenho algumas imagens do anel de cobra de Doherty.
— O som de água escorrendo abafou sua voz. — Olhe.
Winter olhou para o telefone para ver um vídeo em preto e
branco sendo reproduzido de dentro do que parecia ser um museu,
vindo do ponto de vista de um homem com uma voz familiar.
— Quando? — ele perguntou.
— Esta manhã — ela sussurrou de volta. — Este é o Victoria
and Albert Museum, em South Kensington.
Ele reconheceu o interior agora – a piscina rasa no pátio central,
a escultura luminescente de Chihuly pendurada no saguão principal,
a rotunda repleta de moda ao longo dos séculos. O vídeo balançava
de forma irregular enquanto era transmitido do anel no dedo de
Connor.
— Parece que o museu está vazio — disse ele.
Ela assentiu.
— Ainda não abriu.
Enquanto eles olhavam, Connor abriu caminho por um conjunto
de portas duplas e depois para o que parecia ser um labirinto de
corredores nos fundos.
— Eli doou a mais nova extensão para o museu dez anos atrás
— explicou Sydney —, e em troca, ganhou uma ala particular aqui
que é mantida longe do público. Parece que Connor está usando
uma entrada dos fundos.
Winter estreitou os olhos.
— Bem, acho que ele não está apenas aproveitando um dia de
lazer entregando-se às artes.
— Não depois de ontem à noite — ela murmurou. — Se
Penelope era o alvo, ele pode estar se movendo para proteger as
propriedades de Eli dos atacantes de seu pai.
Por fim, Connor chegou ao final de uma nova ala onde quatro
guardas estavam postados em cada canto. Ele levantou a mão em
uma possível saudação, e o vídeo subiu brevemente para mostrar o
teto da ala arqueado em uma cúpula elegante. Não havia janelas
neste espaço – e embora Winter soubesse que eram dois andares,
ele teve a sensação repentina de entrar em um sepulcro.
Enquanto caminhava pelo pequeno corredor, um dos homens
acenou com a cabeça em uma saudação silenciosa, então deu um
passo para o lado. Connor empurrou uma das portas duplas diante
dele e os conduziu a uma sala alinhada com pilares brancos
elegantemente esculpidos.
Winter não pôde deixar de soltar um leve assobio.
Era a coleção pessoal de Connor que ele mesmo doou ao
museu.
Havia joias de todos os tipos ali, diamantes coloridos, safiras e
rubis, jade raro tão claro que parecia translúcido, blocos de quartzo
bruto, fileiras e mais fileiras de joias, todas protegidas em estojos
individuais.
— Olha — Sydney sussurrou. Ela ampliou uma das caixas de
joias em um receptáculo grosso de vidro. Ao fazer isso, ela apertou
outro botão na tela.
A gravação de vídeo mudou para o que parecia ser um modo
infravermelho. Ele viu o contorno aparecer claramente atrás das
caixas de vidro. Ele respirou fundo.
— Há uma sala escondida lá dentro — ele disse.
Sydney assentiu, embora estivesse carrancuda. Enquanto
Winter estudava mais a caixa, ele notou a silhueta de um rosto
emergindo contra a superfície de vidro da caixa de joias. Ele recuou
com a visão misteriosa.
Connor parou diante da caixa. Por um segundo, nada
aconteceu. Então houve o som fraco de um clique, seguido por uma
porta deslizando silenciosamente aberta contra a parede.
O homem entrou. E a filmagem do anel da cobra foi cortada.
Sydney amaldiçoou.
— Aquela sala deve ter paredes fortificadas — ela sussurrou. —
O vídeo não pode ser transmitido de dentro.
Minutos se arrastaram. Justo quando Winter pensou que não
veriam mais nenhuma filmagem, a gravação voltou à vida. Connor já
estava do lado de fora no pequeno corredor, passando pelos quatro
guardas novamente.
A boca de Winter estava seca. Suas mãos se fechavam e se
abriam ao lado do corpo. Sauda não tinha dito que os livros de Eli
eram guardados em algum lugar no centro de Londres?
— Como entramos lá? — ele murmurou.
As sobrancelhas de Sydney estavam franzidas, seus olhos
tempestuosos com o pensamento.
— O código para abrir aquela sala parece ter sido feito com
reconhecimento de padrão dos vasos sanguíneos sob a pele do
rosto de Connor — disse ela.
Winter franziu o cenho.
— Então, além de arrastar sua cabeça decapitada para lá, não
vamos entrar? E antes que você sugira, eu realmente preferiria que
não o decapitássemos.
— Ninguém precisa ser decapitado. Só precisávamos de um
bom holograma 3D de seu rosto. — Ela estendeu a mão para bater
em seus brincos. — Que você conseguiu ontem à noite na festa.
O toque de sua pele fria contra o lóbulo de sua orelha causou
um arrepio em sua espinha. Ele olhou atentamente para a imagem
novamente.
— Podemos dizer o que tem dentro?
Ela balançou a cabeça.
— Não até que nós mesmos entremos. Mas tudo que nós
precisamos é uma peça de evidência. Apenas uma, e será o
suficiente para interromper esse carregamento.
Seu batimento cardíaco acelerou. Apenas uma, e será o
suficiente. Mas Eli Morrison estava morto, e eles nem sabiam quem
tinha feito isso, nem quem estava comandando seu império agora e
lidando com os Corcasianos em sua ausência. Eles estavam
trabalhando com zero leads e estavam ficando sem tempo.
— O que você precisa para entrar? — ele sussurrou para ela
em vez disso.
Ela sorriu com força.
— As plantas baixas do museu — ela respondeu. — E todos os
projetos que pudermos colocar em nossas mãos.

Meia hora depois, Claire conseguiu ser escoltada para dentro da


casa junto com Leo, Dameon e meia dúzia de outros seguranças.
Mesmo assim, seu coque trançado parecia um pouco desgrenhado
e ela suava um pouco, apesar do ar frio lá fora.
— Qual é o plano agora? — Leo perguntou enquanto eles se
amontoavam na sala, ocupando-se em colocar copos de uísque
para eles. Claire lançou a ele um olhar de desaprovação sobre o
álcool, mas não recusou a bebida. — Não consigo me lembrar da
última vez que você causou tanto tumulto.
— Foi quando ele fez o esquete do diabo — disse Dameon,
pegando um dos copos. — Tivemos manifestantes em Orlando,
aquele cara quebrou nosso para-brisa.
— Vou te contar o plano de jogo. — Claire estreitou os olhos
para Winter enquanto tomava um gole de sua bebida. — Devíamos
estar apressando você para sair de Londres, só que agora temos
um circo completo lá fora e navegar pela rodovia até o aeroporto
será mais perigoso do que apenas mantê-lo aqui. — Ela bateu em
seu telefone em aborrecimento. — Eli Morrison nunca atende?
A menção de seu nome revirou o desconforto no estômago de
Winter. Sua mente ainda girava com a filmagem que Sydney lhe
mostrara.
— Não se preocupe comigo. Eu vou ficar bem. — Ele balançou
sua cabeça. — Mas isso não significa que o resto de vocês precisa
estar aqui.
Leo o encarou incrédulo.
— O que?
Dameon fez uma careta.
— Espera, você vai ficar aqui sozinho nessa loucura?
— Em que vocês podem ajudar? — Winter respondeu.
— Eu não sei — disse ele. — Evitando que as pessoas
arranquem sua pele? Caminhando com você?
— Você vai tornar isso mais difícil do que precisa ser — Winter
argumentou, olhando para Claire. — Mande-os para casa.
— De acordo. — Claire olhou para Leo e Dameon. — Eu estou
voando com vocês dois por enquanto. Quanto menos eu tiver que
monitorar, mais fácil será meu trabalho.
Leo começou a protestar, seus olhos quase em pânico.
— Você quase foi morto! — disse a Winter. — E daí se as
rodovias estiverem selvagens? Não há nada mais seguro do que
ficar aqui?
Claire bateu na mesa com seu telefone, interrompendo a
discussão.
— Estamos adiantando seu voo — ela disse, olhando para Leo
e Dameon. — Fim da história.
— E você deveria estar indo também — disse Winter a ela.
Sentiu um aperto inquieto no estômago ao dizer isso, a premonição
de que as coisas estavam prestes a piorar. — Não há razão para
você ficar quando poderia estar a bordo de um avião em segurança.
Isso a fez se virar para ele, assustada.
— Por que eu iria embora?
Seu tom ficou irritado.
— Sua segurança não conta para nada?
— Há mais coisas que você não está me contando, Winter
Young — Claire pressionou, baixando a voz. — Você acha que eu
não posso sentir isso, depois de todos os nossos anos juntos?
Maldita seja Claire e sua intuição, pensou Winter. Mas ele
apenas balançou a cabeça.
— Eu estou dizendo a você que não há — disse ele. — Preciso
ter um segredo para poder me preocupar?
— Não. Mas você tem um, não tem?
Winter franziu o cenho e olhou para Dameon.
— Me ajude.
Dameon deu de ombros.
— Você é o chefe — ele respondeu.
Winter olhou para Claire.
— Eu não estou perguntando a você. Eu estou ordenando a
você. Vá para casa agora, ou você está demitida.
Claire se encolheu como se tivesse levado um tapa.
— Como é?
Em todos os seus anos juntos, ele nunca disse tal coisa para
ela, ameaçou-a como se ela fosse sua subordinada. A dor em seus
olhos o fez estremecer. Mas havia jogadores mais perigosos no jogo
agora. Ele imaginou o atirador sem rosto apontando sua mira na
direção de Claire. Puxando o gatilho.
Panaceia havia prometido proteger sua equipe, mas ele não
podia contar com isso agora.
— Por favor, Claire — ele sussurrou. — Apenas faça isso.
Seus lábios se apertaram e ela se recostou, sua postura agora
rígida e distante.
— Como você quiser, Sr. Young — ela disse, suas palavras
farpadas.
Winter abriu a boca, tentando formar um pedido de desculpas,
mas nenhuma palavra saiu. Tudo o que ele podia fazer era olhar
enquanto Claire se levantava do sofá e se afastava.
— Claire — ele conseguiu dizer. — Espere.
Ela não olhou para trás.
Dameon fixou os olhos firmes em Winter, em busca de uma
resposta. Mas Winter manteve as mãos nos bolsos, tenso enquanto
Claire chamava a equipe de segurança para se preparar para a
saída.
Então Dameon deu um passo em direção a ele.
— Winter — ele murmurou em seu ouvido. — Lembra quando
você costumava vir até mim?
Winter se acalmou com a lembrança de seu passado.
Sempre haverá uma parte de mim apaixonada por você,
Dameon disse a ele naquela época, logo antes do fim do caso.
Mas não todas as partes, Winter acrescentou.
Não todas as partes, Dameon admitiu.
Agora Winter encontrou os olhos de Dameon quando o menino
se aproximou.
— Eu sei que você sempre manteve seus segredos bem
guardados — ele sussurrou. — E eu não vou começar a perguntar
sobre eles agora. Mas cuide-se, ok? Volte para casa em segurança.
— Tudo bem — Winter murmurou de volta, engolindo em seco.
Dameon segurou o olhar por um longo tempo antes de desviar o
olhar.
Então Leo virou-se para Winter. Havia medo nu nos olhos de
seu amigo agora, e um leve brilho de suor brilhava na pele do
menino. Winter sentiu uma onda de culpa por colocá-los todos nesta
situação. Tanto esforço para uma boa ação ingrata. Tudo o que ele
fez foi colocar em perigo as pessoas com quem se importava.
— Olha, Winter… — Leo disse, então parou, com as
sobrancelhas franzidas.
— Vai ficar tudo bem — Winter respondeu, tentando oferecer-
lhe um sorriso. Ele olhou para Dameon. — Vamos todos ficar bem.
— Tudo bem — disse Dameon em sua voz calma. Quando
Claire fez sinal para que se preparassem para sair correndo pela
porta, ele acenou com a cabeça para Winter. — Cuidado aqui fora,
certo? Nos vemos nos Estados Unidos.
— Vejo vocês lá — respondeu Winter. Todos eles trocaram um
aceno sem palavras.
Seus olhos pousaram em Claire. Ela ainda parecia distante, seu
olhar cauteloso, seus lábios apertados. Eles também trocaram um
aceno conciso.
— Fique segura — ele disse a ela.
— Fique seguro — ela murmurou. Seus olhos piscaram para
Sydney, que estava atrás das bebidas na mesa de café. —
Mantenha-o seguro — ela disse.
Sydney assentiu uma vez.
Então Claire estava abrindo a porta, e o barulho estrondoso da
multidão do lado de fora os atingiu como uma onda. Os guardas de
segurança gritaram com Claire, e Claire gritou por sua vez com os
meninos.
Enquanto eles se apressavam para fora, Leo de repente
envolveu Winter em um abraço. Em seu ouvido, Leo sussurrou
ferozmente:
— Não toque nessas bebidas.
Winter piscou, confusa. Leo o soltou, seus olhos fixos nele por
uma fração de segundo. Então ele se virou e desapareceu na
multidão de policiais com Claire e Dameon, e a porta se fechou.
Winter ficou ali por um segundo, atordoado. O que? Ele tinha
acabado de ouvir essas palavras? Ele tinha inventado?
Não toque nessas bebidas.
Como se fosse uma deixa, ele ouviu um leve tilintar atrás dele.
Ele olhou para trás. As bebidas que Leo havia servido para eles
ainda estavam sobre a mesa baixa. Sydney estava lá agora, com os
olhos nas imagens de seu telefone, sua bebida já tocando seus
lábios. Seus olhos se encontraram.
O pânico surgiu através dele.
— Não… — ele começou a dizer.
Mas era tarde demais.
Um olhar estranho e aflito passou por seu rosto. Imediatamente,
ela deixou cair o copo em sua mão – ele se espatifou contra o chão.
Assim que a percepção tomou conta de Winter.
Veneno.
23

Quebrando a parede

Não havia gosto na borda do copo – mas bastou um olhar para


Winter, antes mesmo de ele falar, para Sydney saber que algo
estava errado.
Então ela sentiu. O calor. Ela rapidamente limpou os lábios
contra a manga, mas o veneno já estava escorrendo por sua
garganta, deixando um rastro de fogo lento em seu rastro.
Demorou mais um segundo para Sydney perceber que Winter
tinha agarrado seus ombros e estava tentando dizer algo para ela,
mas ela não estava realmente processando o quê. Ela estava se
concentrando demais em manter a mente quieta. Seus
pensamentos flutuavam freneticamente, como se ela estivesse
lutando para contê-los. Ela já podia sentir os primeiros indícios de
fogo em seu estômago, uma pulsação que corria por suas veias,
transformando-a em gelo. Porra, este agiu rápido.
Ela reconheceu esse sentimento. Ela havia tomado toxinas
antes durante o treinamento, ainda conseguia se lembrar da dor em
seu estômago quando Sauda lhe deu um antídoto e depois os
médicos esvazearam seu estômago.
Que vergonhoso, pensou vagamente enquanto sentia Winter
pegá-la em seus braços. Seu mundo girou.
Ela nunca havia sido envenenada antes, não de verdade. Não
fora de campo.
Foi uma sensação estranha e, de alguma forma, não totalmente
desagradável. Não havia dor, embora ela se encontrasse nas garras
de uma intensa calor que consumia cada parte de seu corpo, podia
sentir o calor emanando dela e o frio amargo de tudo ao seu redor
em comparação. Sem suor, no entanto.
Talvez ela estivesse com febre.
Sua respiração vinha rasa e sibilante. Seus pulmões arfaram.
Ela podia ouvir seus dentes batendo alto. A cozinha passou por ela
como um borrão, a luz do meio-dia pintando listras tão brilhantes
contra o chão que nadavam cegamente em sua visão. Os desenhos
no balcão de mármore giravam.
— Me coloque na piscina — ela conseguiu pronunciar entre
seus suspiros. Ela precisava se acalmar.
Winter não hesitou. Sydney se apoiou pesadamente contra ele e
viu a brilhante superfície da piscina se aproximando em sua visão. A
cachoeira que descia contra a parede de vidro parecia rugir em seus
ouvidos.
Então houve um respingo e ela pôde sentir Winter arrastá-la
freneticamente para a água e o abençoado frescor encharcando
suas roupas.
Winter a apoiou, até a cintura, contra a borda rasa da piscina
perto da cachoeira.
— Concentre-se em mim — ela o ouviu dizer. Quando ela lutou
para obedecer, ela podia ver o rosto dele se inclinando para ela. —
Foque em mim. Concentre-se em mim.
Sua voz soava tão distante. De alguma forma isso parecia
engraçado para ela quando ele estava obviamente tão perto, e
Sydney lutou contra a vontade de rir. Sua mente nadou de exaustão.
Ela podia sentir-se arfando, seus pulmões lutando por ar. A água
batia contra ela.
— Lá em cima — ela finalmente conseguiu deixar escapar, a
palavra emaranhada em sua língua.
— Não posso deixar você aqui.
— Lá em cima — ela tentou repetir. — Minha bolsa.
Desta vez, ele estremeceu, olhando para a escada em caracol.
— Certifique-se de ficar pressionada contra a borda da piscina
— ele disse a ela. — Eu volto já.
Então ele se foi, sua presença quente dando lugar ao lamber
frio de água ao seu redor. Sua pele estava tão quente que ela jurou
que devia estar esquentando a piscina sozinha.
Por um momento, ela pensou que ele havia saído
completamente de casa, que agora ela estava sozinha.
A ideia a encheu de terror súbito. A respiração dela acelerou.
Assobie. Assobie. Mechas de seu cabelo úmido grudavam nas
laterais do rosto. O que Sauda disse a ela para fazer se não
conseguisse alcançar sua bolsa de antídotos? Deus, ela se sentia
tão cansada. Levou toda a sua força apenas para se firmar contra a
borda da piscina. Ela ainda podia sentir o cheiro persistente da
bebida envenenada em suas roupas, e o cheiro fez sua cabeça
girar, a fez enxugar os lábios repetidamente com a água da piscina
para limpá-los ainda mais.
Ela precisava tirar a camisa.
Ela cerrou os dentes enquanto desabotoava os primeiros botões
de sua camisa molhada, então parou para se concentrar em
conseguir oxigênio. Assobie. Assobie. Seus pulmões lutaram. Onde
estava Winter? Ele tinha saído?
Ela estava sozinha.
Não havia nada de novo nisso – ela já havia sido trancada em
confinamento solitário antes em uma missão, teve que escapar de
inúmeros lugares sozinha. Afinal, ela o mandara embora. Por que
importava para ela que Winter não estivesse ao seu lado?
Sydney estremeceu tão violentamente que pensou que poderia
estar tendo uma convulsão bem aqui na piscina. Você poderia estar
consciente de si mesmo quando estava tendo uma convulsão? A
pergunta flutuou em sua mente e desapareceu.
E de repente, ela viu a memória ao seu redor – o pequeno
apartamento que ela recebeu perto da sede da Panaceia durante
seu treinamento, e Sauda e Niall parados na sala, esperando com
ela enquanto dois inspetores revistavam seu lugar.
Vou perguntar de novo, Srta. Cossette, disse-lhe Sauda, os
olhos da mulher frios e tranquilos. Você já roubou da sede?
Pense bem antes de responder, Niall a advertiu.
Sydney balançou a cabeça instintivamente. Ela podia sentir a
pressão em seus pulmões, a tensão perpétua apertando ainda mais
com sua ansiedade. Nunca, ela respondeu.
Sauda estreitou os olhos. Na época, Sydney não percebeu que
Sauda já sabia que ela estava mentindo, que a mulher havia notado
os sinais sutis que seu corpo emitia.
Os inspetores acabaram encontrando seu esconderijo – uma
tábua do assoalho embaixo da cama que revelou um compartimento
cheio de itens que ela roubou do prédio durante os três meses em
que esteve lá até agora. Saleiros e pimenteiros. Garfos e facas.
Luvas de treinamento e pesos de papel, lâmpadas e caixas de
clipes de papel do armário de utilidades, canetas embutidas com
lâminas usadas durante suas sessões de treinamento, fiação de
cobre arrancada de aparelhos. A lista continuou e continuou. Eles
colocaram tudo diante de seus pés.
Sydney não suportava olhar para o rosto de Niall. Não
importava, de qualquer maneira. Ela podia dizer pelo ângulo de sua
postura que ele estava com os braços cruzados, que suas
sobrancelhas provavelmente estavam franzidas em
desapontamento.
Quando Sauda voltou a falar, sua voz estava baixa. Acho que
nós duas sabemos o que isso significa, Sydney, ela disse.
Expulsão, claro. Eles não podiam ter uma espiã roubando do
quartel-general. Sydney assentiu sem dizer uma palavra.
E ela aceitou muito bem no dia seguinte, sentando-se
impassível diante dos dois agentes enquanto eles a questionavam
extensivamente sobre cada um dos itens que ela havia roubado.
Afinal, ela esperava isso. É claro que ela não era adequada para um
trabalho tão confidencial, onde a vida das pessoas estaria em suas
mãos. É claro que ela seria reprovada no treinamento de
recrutamento e seria mandada de volta para sua pequena e terrível
vida em sua cidade natal.
Por fim, Sauda virou-se para Niall. Veredito?, ela perguntou a
ele.
Sydney se preparou, seus olhos ainda baixos. O que quer que
Niall tenha respondido a Sauda, deve ter sido um olhar, porque
Sydney não ouviu nada.
Sauda pigarreou. Sydney olhou para cima para ver a mulher
estudando-a com os olhos apertados, e Sydney ficou tensa,
preparando-se para o pior.
Bem, Sydney?, Sauda perguntou a ela. Você tem algo a dizer?
Sydney engoliu em seco. Seus olhos foram momentaneamente
para Niall. O homem cruzou os braços sobre o peito e a olhou. De
alguma forma, a decepção em seu rosto a machucou mais do que
qualquer coisa que seu próprio pai já havia dito a ela. Ela só
conseguia pensar na maneira como o homem a confrontara no
corredor de sua antiga escola, em como ele oferecera a ela a
chance de uma nova vida. Como ela o havia jogado fora de forma
tão descuidada.
Sinto muito, ela sussurrou. Eu não mereço ficar.
Sauda inclinou a cabeça. Merecer é uma palavra interessante,
disse ela. Isso implica valor. E valor é algo ganho fazendo, não
sendo.
Sydney olhou para ela. Você quer dizer…
Sua compulsão para roubar é um sintoma de trauma, continuou
Sauda. Você irá estudá-lo extensivamente em seu treinamento em
psicologia. Ela assentiu. Você é a recruta mais inteligente que
tivemos em anos. Eu sei que você pode aprender a controlar o
impulso.
Mas você precisa ser honesta conosco, Sydney, disse Niall.
Você tem que tentar. Não podemos ajudá-lo se não soubermos.
Entendeu?
Sydney examinou o rosto do homem e encontrou bondade sob
seu olhar severo. Era uma expressão tão estranha para ela que ela
não sabia como responder. Não entendia por que ele queria dar
outra chance a ela.
Então ela perguntou a ele. Por que você se importa se eu ficar?
Apareceu nos olhos do homem uma tristeza tão profunda que
parecia nova através dele. Ele grunhiu e olhou para baixo. Só não
gosto de desperdiçar potencial, ele respondeu com um encolher de
ombros.
Ela podia sentir o aperto em seus pulmões, a verdade de sua
condição que um dia a alcançaria. Ela poderia contar a eles agora;
ela poderia ser honesta sobre tudo.
Mas a visão de seus objetos roubados alinhados sobre a mesa
matou as palavras em sua língua.
Então ela disse baixinho, eu entendo.
Niall e Sauda trocaram um olhar.
Então Niall estudou seu rosto com aqueles olhos gentis. Você
pode ficar, ele disse.
Foi o suave estrondo de sua voz que fez isso. Sydney colocou o
rosto entre as mãos, sentiu a represa de suas emoções quebrar e
soluçou como se seu coração fosse se partir.
Niall saiu da sala primeiro. Depois que ele o fez, e depois que
ela se acalmou, Sauda disse a ela em voz baixa:
— Ele tem uma filha. Eles não falam mais. Isso é tudo que você
precisa saber, e eu recomendo que você não faça perguntas sobre
isso.
A memória desapareceu e Sydney voltou a si, tremendo
desesperadamente. Seus pulmões ofegavam, uma lembrança do
segredo que ela ainda escondia deles, que ela ainda estava com
muito medo de revelar. Algum dia, de um jeito ou de outro, isso iria
alcançá-la.
Ou talvez ela nunca precisasse se preocupar com isso. Não se
ela morresse hoje.
Ela sabia que precisava ficar na água fria. Mas era tão, tão, tão
quente. Ela queria ser banhada em gelo.
Ninguém estava voltando para ela. Um medo familiar instalou-se
em seu estômago. Ela morreria aqui, sozinha.
Ninguém se importaria que ela tivesse ido embora.
E então, quando ela pensou que seria assim que ela terminaria,
que ela seria encontrada afogada na água...
Winter voltou correndo, saltando na piscina com um barulho
alto.
Ela não sabia dizer se estava sonhando ou não. Ela pensou que
poderia estar chorando de alívio. Ou talvez fosse apenas a água.
Ela não sabia dizer. Ela o viu estendendo a mão para ela e, em
seguida, passando o braço em volta de suas costas, gentilmente
incitando-a a se inclinar para frente, para beber alguma coisa. Ele
parecia encharcado.
Ela olhou fracamente quando ele abriu a tampa do frasco, virou-
o de cabeça para baixo em uma seringa e encheu tudo com uma
mão, como se estivesse fazendo toda a sua vida. Outra surpresa, no
que parecia ser uma sequência interminável de surpresas. Afinal,
ele estava prestando atenção durante o treinamento, mesmo
quando ela demonstrou isso a ele apenas uma vez, provavelmente
praticando por conta própria.
Ele apontou a seringa para os lábios dela.
— Beba — ele ordenou a ela.
Sua voz era baixa e firme. Se ele estava com medo, ela não
poderia dizer. Ela sentiu seus dedos frios gentilmente embalando
sua nuca enquanto ela inclinava a cabeça o suficiente para pegar o
conteúdo da seringa.
Ela mal conseguia engolir. A dor queimou sua garganta como
fogo. Ela estremeceu, tossindo e engasgando. O antídoto ardeu
quando cobriu seus lábios.
— Você tem que beber tudo — disse ele.
Ela conseguiu olhar para ele, mas ainda se forçou a fazer o que
ele disse.
Quase imediatamente, ela sentiu a febre dentro dela a se esvair.
E então o mundo ao seu redor não parecia mais uma tundra, mas
um deserto escaldante, como se todo o calor que sufocava seu
corpo tivesse se espalhado pelo mundo. Ela não podia suportar isso
fervendo ao seu redor. Seu corpo inteiro começou a suar. Ela não
conseguia parar. Ela podia senti-lo escorrendo pelos lados de seu
rosto e encharcando a gola de sua camisa aberta, pingando nos fios
úmidos de seu cabelo, vazando na água.
Ela podia sentir-se finalmente capaz de tomar uma respiração
profunda e ofegante.
— Está tudo bem — disse Winter repetidamente. — Você pode
me ouvir?
Ela assentiu entorpecida. Seu cabelo estava molhado e
salpicado de orvalho, brilhando com a luz forte que entrava. Gotas
de água escorriam por seu rosto. Vagamente, ela percebeu que as
mãos dele estavam em ambos os lados de seu rosto, segurando-a
em um abraço firme e gentil. Ele estava olhando para ela como se
ela pudesse desaparecer a qualquer segundo.
Talvez ela estivesse alucinando. A água parecia
extraordinariamente brilhante, sua superfície brilhando sob os raios
de sol. Ela podia sentir que estava caindo no sono, e a percepção a
encheu de pavor. Ela tentou se concentrar no olhar de Winter, como
se olhar para ele pudesse mantê-la acordada.
Se ela adormecesse, talvez não acordasse.
— Você estava certo — ela finalmente conseguiu dizer. As
palavras saíram arrastadas de sua boca.
Ele piscou, como se surpreso e aliviado por suas palavras.
— Sobre o veneno? — ele perguntou, a urgência clara em sua
voz.
— Sobre meus pulmões — ela sussurrou. Eles deram um
espasmo doloroso quando ela disse isso. — Você estava certo…
sobre meus pulmões… eu não contei a eles ainda.
Uma compreensão ondulou em seu olhar. Ele balançou sua
cabeça.
— E eu também não — respondeu ele. — Apenas fique
acordada. Ok? Apenas fique acordada.
— Não vá — ela tentou dizer. Suas mãos agarraram febrilmente
as mangas dele.
— Não vou a lugar nenhum — respondeu ele.
Ela contou os segundos. Gradualmente, gradualmente, ela
podia sentir o mundo ao seu redor ganhando algum senso de foco,
embora sua cabeça ainda parecesse leve e confusa.
— Winter — ela agora sussurrou o nome dele.
Ele acenou com a cabeça para ela, seus olhos ainda nela, suas
mãos ainda nas laterais de seu rosto. Agora ela estava começando
a ganhar alguma sensação em seus braços novamente, alguma
força em seus músculos. Ela podia sentir o leve calor de sua pele
contra a dela. Ela podia sentir os calos em suas palmas e a leve
agitação de sua respiração contra seu rosto.
Uma de suas mãos veio para limpar algo molhado de suas
bochechas. Ela percebeu que estava chorando.
— Você está bem — ele murmurou para ela em sua voz
adorável e melódica, e era o som mais reconfortante do mundo. —
Você está bem.
— Estou bem — ela sussurrou. Suas palavras soaram mais
como dela agora. — Estou bem.
Agora foi a vez de Winter desmoronar. Para sua surpresa, ele
afastou abruptamente as mãos dela e cobriu o próprio rosto com as
palmas. Então ele começou a chorar. Ele chorou como se seu
coração pudesse parar de bater. Ela observou com fascinação
calma as lágrimas que escorriam por suas mãos e derramou até o
queixo. Winter Young era famoso por ser composto em público, por
nunca dar uma entrevista ruim ou ser pego de guarda baixa. Ela não
achava que poderia imaginá-lo chorando assim.
Ele parecia tão... humano. Ele parecia apenas um menino,
sobrecarregado e exausto.
Ela procurou através da névoa em sua mente a memória da
história de Winter sobre sua mãe, sobre o dia em que ele perdeu
seu irmão, e sentiu aquela estranha pontada de pena em seu
estômago novamente. Ou talvez não fosse pena. Talvez o que ela
sentia por ele fosse a razão pela qual ela sempre parecia estar
procurando uma desculpa para olhar para ele, segui-lo ou checá-lo.
Talvez ela gostasse dele mais do que gostaria de admitir.
Talvez ela estivesse se apaixonando um pouco por ele.
Ele enxugou os olhos apressadamente, então segurou o rosto
dela novamente. Ela percebeu pela primeira vez que as mãos dele
tremiam.
— Apenas descanse — disse ele, com a voz rouca. — Vamos
entrar em contato com Sauda, verificar o que exatamente foi usado
em você.
As lágrimas de Sydney mudaram para uma risada silenciosa.
Ela não podia acreditar no ridículo daquele momento. Ela era a
agente secreta, deveria ser a única a tranqüilizá-lo – e ainda assim
ela estava apoiada em uma piscina coberta e deixando uma estrela
pop embalar sua cabeça.
Ele sorriu um pouco com a risada dela. Ela se surpreendeu
admirando as fracas rugas que se formavam nos cantos dos olhos
dele, notando a centelha de alívio em sua expressão. A luz da tarde
os banhou, delineando-o em ouro brilhante.
Isso tudo era muito ridículo. Cada uma de suas inibições parecia
ter desaparecido no ar. O veneno também pode fazer isso? Tudo o
que ela queria fazer era olhar para este lindo menino. Ela sentiu o
puxão dele forte em seu peito, sentiu a parede desmoronando entre
eles.
— A composição em seu caderno — ela se ouviu murmurar,
sem aviso.
Levou um segundo para ela perceber que ela não tinha pensado
nas palavras, mas falado em voz alta. Talvez ainda houvesse
alguma bebida envenenada na sala – ela poderia pegá-la e
simplesmente se deixar afundar na água e morrer de vergonha.
A sobrancelha de Winter se ergueu, mas ele não perguntou por
que ela olhou através dela.
— Quais? — ele disse em vez disso.
As palavras retornaram através da névoa de sua mente.
— “Você é minha meditação” — ela respondeu. — É sobre
quem?
Ele ficou quieto por um momento, e ela mordeu o lábio para
impedir que mais palavras saíssem de sua boca. Deus, o que
diabos havia de errado com ela?
— Você — ele respondeu.
Sydney o encarou. O mundo ainda parecia estar se inclinando
ao seu redor. Seus olhos se voltaram para o olhar dela, como se ele
não tivesse a intenção de admitir isso.
— Eu só estava experimentando — ele murmurou.
Você. Você.
Ela deixou que a palavra a envolvesse, sentiu as paredes de
seu coração se quebrarem.
Ela não sabia por que ela fez isso.
Mas ela se inclinou para ele e, como se sempre fosse assim
entre eles, ela pressionou seus lábios nos dele e o beijou.
24

Destinado a ser

Foi como se uma descarga elétrica percorresse seu corpo.


Winter ficou paralisado pelo choque de seu beijo.
Então ele cedeu. Ela sentiu as mãos dele puxando seu rosto
para o dele, seu corpo flutuando na água para pressionar contra o
dele. O beijo deles se aprofundou. Seus lábios eram tão macios. A
onda de calor através dela parecia diferente desta vez, viva e
quente e boa e absolutamente, totalmente avassaladora. Ela
envolveu seus braços molhados ao redor de seu pescoço enquanto
ele a puxava para ele. Havia desespero em seus movimentos,
alguma urgência nascida da adrenalina e do medo. E talvez algo
mais também. Um leve gemido emergiu de sua garganta, um som
de alívio, prazer e profundo desejo. Era a coisa mais sexy que ela já
tinha ouvido.
Ela já havia beijado garotos o suficiente antes para que a
novidade tivesse se desgastado. Mas aqui, de alguma forma, ela se
sentia como uma novata. Ela podia sentir suas mãos alcançando
sua camisa encharcada, puxando sua bainha para fora, então seus
dedos correndo sob o tecido grudado em seu estômago molhado.
Sua pele era lisa e lisa. Como se à distância, ela se sentiu
montando nele, suas coxas pressionadas contra seu torso,
desequilibrando-o ligeiramente de modo que ele teve que apoiar um
braço atrás dele para evitar cair para trás na piscina.
Bem, isso não é profissional. A voz em sua cabeça ganhou vida,
mas foi abafada por seu desejo neste momento. Ela não poderia se
importar menos se eles estavam ou não em uma missão ou se suas
vidas estavam em perigo. Ela esteve tão focada por tanto tempo em
nada além da sobrevivência, em fazer o trabalho, que se esqueceu
completamente de seu coração. Então ela o deixou livre.
Tudo o que ela queria agora era ele. Cada pedacinho dele. Ela
queria ser consumida por seu fogo e se perder nele.
Sua mente nadou na névoa do antídoto. Ela se soltou o
suficiente para ofegar quando sentiu a mão dele contra a pele de
suas costas, deslizando para cima. Seus lábios estavam em seu
pescoço agora, arrastando-se ao longo de sua clavícula. Os botões
de sua camisa ainda estavam abertos de sua tentativa febril de tirá-
la. Ela fechou os olhos, esperando que ele a tocasse em qualquer
lugar, em qualquer lugar. Esperando que ele a levasse para fora
desta piscina e subisse para o quarto e tirasse as roupas molhadas
dela, para ele consumi-la.
Ele, esse menino que, apenas algumas semanas atrás, ela
desejava que desaparecesse da face do planeta.
Ou talvez ela nunca tivesse realmente acreditado nisso.
Como Winter Young é na cama?
O pensamento surgiu em sua mente e a encheu de fogo. Ela
não podia acreditar em si mesma. Uma semana atrás, ela teria
balançado a cabeça em desgosto com o pensamento.
Por que ela o queria?
Por que isso parecia tão certo?
Antes que ela pudesse descobrir, ele se afastou. Sydney
engasgou com sua partida repentina e a decepção do ar frio entre
eles.
— Espere — ele respirou, com as bochechas coradas. A gola
de sua camisa estava desgrenhada onde ela a puxou, os botões
abertos até a metade de seu peito, e ela podia ver seu corpo
exposto por baixo. Ele encontrou seu olhar, suas pupilas dilatadas,
seus olhos nublados com desejo.
— Espere — ele repetiu, balançando a cabeça. — Pare. Você...
nós estamos, quero dizer... não estamos em nosso juízo perfeito.
Não estamos em nosso juízo perfeito?
O zumbido de calor e desejo que estava furioso através dela foi
interrompido como se cortado em dois. Desapareceu em um
instante. Ela o encarou, confusa por um momento.
— Eu sei o que estou fazendo — ela retorquiu.
— Você sabe? — Ele olhou com ceticismo para ela. — Você
acabou de ser envenenada! Você ainda se lembra do que
aconteceu?
— Claro! — ela estalou, então franziu a testa. As lembranças do
que acabara de acontecer já estavam ficando confusas. Como eles
chegaram aqui na piscina? Winter a tinha carregado? Ele tinha dado
algo a ela? Ela pensou que se lembrava, mas agora parecia que um
cobertor havia caído sobre sua mente, nublando-a em dúvida.
Ao ver sua confusão, Winter balançou a cabeça e se afastou
ainda mais. Ele deu a ela um sorriso triste.
— Desculpe — ele murmurou. — Me empolguei.
Sydney sabia que ele estava certo, mas ela ainda sentia a
irritação derramando frio contra suas emoções. A única vez que ela
se jogou em um cara e deixou seu coração livre, ele decidiu ser
cavalheiresco?
Por que ele não podia simplesmente deixá-la cometer esse
erro?
Um erro. Certo.
Seus sentimentos foram lançados em uma tempestade com o
veneno e o antídoto e a pura pressão de sua missão, e ela perdeu
os sentidos com isso. Um erro. Isso era tudo.
Algo mais clareou um pouco em sua cabeça, e Sydney sentiu o
primeiro indício de sua fria lógica retornando, seu escudo se
recompondo. Ela piscou, subitamente exausta.
Claro que isso foi um erro.
— Eu também — ela murmurou, se esticando contra a borda da
piscina. Ela olhou para baixo e abotoou a camisa. O calor do beijo
ainda a percorria e, para seu embaraço, ainda podia senti-lo
queimando em suas bochechas.
A mão dele ainda estava lá, a um fio de cabelo dela. Tudo nele
parecia querer tocá-la novamente, mas não o fez.
— Não podemos fazer isso — ele finalmente sussurrou.
Nunca Sydney se sentira tão aborrecida com ele. Mas ela
empurrou o sentimento para baixo, forçando-se a parecer que não
se importava que as mãos de Winter estivessem sobre ela apenas
alguns segundos atrás, que ela mesma estivesse se atrapalhando
com ele.
— Acredite em mim, eu não quero — ela se ouviu concordando.
— Não é profissional.
Winter balançou a cabeça.
— Não, eu quis dizer o resto desta missão.
Ela franziu a testa. O calor aumentou novamente,
espontaneamente, em suas bochechas, e por um momento, ela
queria que o veneno voltasse através de seu sistema para que ela
não tivesse a mente envergonhada.
— E porque não? — ela disse.
— Você acabou de ser envenenada!
Ela deu a ele um olhar despreocupado.
— Certa vez, roubei a chave de uma cela trancada para libertar
um informante agendado para execução em uma prisão de
segurança máxima enquanto eu estava com febre de 40 graus.
Ele a encarou sem palavras.
— Então isso vai ser fácil — ela esclareceu.
Ele piscou, mas ela não teve vontade de explicar mais. Em vez
disso, ela olhou para a sala de estar, onde cacos de vidro cobriam o
chão, depois para Winter novamente. Através da névoa crescente
em sua mente, ela se lembrou do olhar de pânico que ela tinha visto
em seu rosto logo antes dela tocar seus lábios em seu copo. A
memória dele começando a dizer algo para ela. Não…!
— Winter — disse ela com cuidado —, você ia me avisar antes
que eu tomasse um gole daquela bebida, não é?
Winter olhou para ela, aflito. Então assentiu.
— Por que? — ela perguntou. — Como você sabia?
Ele não respondeu. Seu rosto se voltou para a porta. Sydney
encontrou sua mente acelerando enquanto estudava sua linguagem
corporal, a rigidez de sua postura, a maneira como ele se inclinava
inconscientemente na direção de onde Claire e seus amigos haviam
partido. Ela esperou pacientemente que ele olhasse para ela.
Quando ele finalmente o fez, sua expressão parecia
assombrada.
— Leo sussurrou algo para mim logo antes de sair.
— E o que ele disse?
Winter encontrou seus olhos.
— Não toque nas bebidas.
Ela ficou em silêncio por um longo momento. Sua mente girou.
Nada sobre Leo jamais apareceu na pesquisa da Panaceia sobre
ele – ele nunca foi nada além de um amigo leal e colega de Winter.
Ele não tinha laços com Eli Morrison.
Mas isso era inconfundível.
— Eu vi os outros beberem sem problemas — ela respondeu
lentamente, voltando-se para ele. — Leo preparou todos aqueles
copos. Ele tinha que saber qual colocar na minha frente. Na sua
frente.
Os olhos de Winter se estreitaram agora.
— Não.
— Ele fez isso — ela respondeu suavemente. Ela o fixou com
um olhar firme. — Winter, Leo tentou nos envenenar.
25

Amigos e inimigos

Não fazia sentido.


Leo estava com ele desde quase o início da carreira de Winter.
Ele esteve em todas as turnês, provocou e zombou dele
impiedosamente, tentou ensiná-lo a cozinhar uma dúzia de vezes.
Ele ouvia em silêncio sempre que Winter estava desgastado pelo
estresse ou exaustão, o confortava em uma dúzia de desgostos, o
animava ao lado de Dameon enquanto a vida os levava mais alto.
Leo esteve lá para ele por tanto tempo. Era impossível.
E ainda assim ele se viu olhando para o vidro quebrado no
chão, o uísque ainda derramado contra a madeira.
— Isso é XC — disse Sydney, levantando-se de onde estava
fazendo um teste na borda do vidro. — Um novo agente nervoso.
Ela ainda parecia instável, seus movimentos um pouco mais
lentos do que deveriam, mas sua fala e pensamentos pareciam ter
voltado ao normal. Melhor do que ela estava apenas meia hora
antes, pelo menos, quando ela estava ofegante na piscina. Quando
ela o estava beijando em desespero, e ele estava fazendo o mesmo
por sua vez.
Agora ele se encontrava olhando para ela, sua mente nublada
pela incerteza. E se Claire estivesse envolvida nisso? E Dameon?
De repente, todos que ele conhecia pareciam figuras de sombra
em sua cabeça, caminhando por esta cidade de segredos. Ele não
sabia qual direção para virar, a quem ele poderia chamar. Não havia
ninguém em quem ele pudesse pensar neste momento com quem
pudesse conversar.
Não havia ninguém em quem ele pudesse confiar.
Ele pensou em Penelope, no olhar distante que ela tinha
quando ele perguntava como ela lidava sempre que se sentia
sozinha.
— Há uma explicação para tudo — Sydney disse no silêncio. —
Você só precisa confiar nos seus instintos.
Ainda havia uma névoa em seus olhos e, emoldurados por
aqueles longos cílios castanhos, isso a fazia parecer um pouco
perdida. Mas por outro lado ela parecia alerta novamente, aquele
leve sulco voltando para sua testa e uma leve carranca tocando as
bordas de seus lábios. Ela estava usando o suéter enorme dele, e
ele não pôde deixar de notar a maneira como expunha a pele
cremosa do ombro esquerdo dela. Havia uma marca de nascença
ali, a pequena mancha escura que ele havia beijado antes.
Ele ainda podia sentir um leve formigamento nos lábios.
Ela se mexeu e falou novamente.
— Leo pode ter sido subornado.
— Não há dinheiro suficiente no mundo para fazer Leo querer
machucar alguém — Winter rebateu.
— Chantagem, então. Não tenho dúvidas de que ele não queria
fazer isso… ninguém confessa seu crime diretamente para a vítima
desse jeito, avisa assim, se coloca em risco e realmente quer te
machucar. Sua mão foi forçada, de um jeito ou de outro. Certamente
há alguém no mundo que ele ama mais do que você, que poderia
ser usado contra ele. Você notou algo estranho sobre Leo
recentemente?
Chantagem. Winter pensou nas irmãs de Leo e em seus pais,
suas tias, sua casa sempre cheia de parentes festivos, amorosos e
risonhos.
— Ele estava bem durante o aquecimento — disse ele
lentamente.
Mas Leo não parecia estranhamente quieto quando o show
terminou? Não. Isso foi só porque ele não pôde vir à festa. Não foi?
— Depois do show — ele sussurrou para Sydney. — Ele não
disse uma palavra.
Sydney olhou cuidadosamente para ele.
— E quando ele estava sozinho, sem todos nós, antes disso?
— O elevador — ambos disseram ao mesmo tempo.
As mãos de Winter começaram a tremer. Ele, Leo e Dameon
não tinham pegado o pequeno elevador até os bastidores? E se o
treinador de Leo tivesse dito algo a ele então?
Chantagem.
Se o povo de Morrison tivesse ameaçado a família de Leo, Leo
teria feito o que eles pedissem. Winter podia sentir isso em suas
entranhas, podia sentir seu instinto apontando-o na direção certa,
como Sydney lhe disse que aconteceria. E mesmo assim, Leo deve
ter se torturado o suficiente para não poder continuar com tudo, teve
tanto medo por Winter que se arriscou a colocar sua família em
perigo apenas para alertá-lo sobre as bebidas.
A percepção foi como uma onda de náusea em seu estômago.
A sala de repente parecia que estava inclinada.
Sydney deve ter visto a mudança de expressão em seu rosto,
porque ela assentiu. Cada minuto trazia consigo mais clareza.
— Não sabemos se nada disso é verdade — ele sussurrou.
— É possível, no entanto — disse ela. — Não é?
— Isso significa que alguém sabe o que estamos fazendo aqui
— respondeu Winter calmamente. — E eles saberão em breve que
Leo falhou em cumprir sua parte no trato.
— Leo vai estar em um avião de volta para a América em uma
hora — disse ela. — Mas temos que tirar você de Londres.
Winter franziu o cenho.
— O que? Foi você quem foi envenenada.
— Este é o meu trabalho. Não o seu.
— Você disse “onde você for, eu também vou”.
— Bem, isso foi antes de alguém espalhar um monte de agente
nervoso em seu vidro e tentar matá-lo.
Ele suspirou.
— Não.
— Não estou pedindo, Winter.
— Não posso deixar você aqui.
— Você não pode?
— Você nem está operando com o suporte da Panaceia atrás
de você. Você estará em Londres sozinha.
— O que você acha que envolvia o trabalho de um agente? —
Um raio de luz começou a se espalhar pelo rosto de Sydney,
lançando seus profundos olhos azuis em ouro. — Eu trabalho
melhor assim.
— E quanto à diversão massiva que você precisava de mim? E
quanto a–
— Uma distração foi uma boa ideia quando não pensei que
alguém estivesse atrás de você. — Ela estalou os dedos. —
Ninguém precisa da sua grande distração para ser você sendo
morto. Eu posso entrar no museu sozinho muito bem. Melhor, na
verdade.
— Por que você está assim? — ele disse.
— Assim como? — ela atirou de volta.
— Por que você sempre insiste tanto em sofrer sozinha?
— Porque não adianta sofrer junto, não quando é impraticável.
Você já fez o trabalho para o qual foi enviado aqui, você nos
aproximou o suficiente de Connor Doherty e Penelope Morrison,
você nos ajudou a descobrir o que poderia ser o cofre secreto onde
encontraremos as evidências de que precisamos. Eu precisava que
você estivesse aqui antes. Não há necessidade de você agora.
Como sempre, as palavras dela o feriram de uma forma que ele
não estava acostumado. Ou talvez ele estivesse muito acostumado
com isso. Desnecessário, indesejado. Talvez ele merecesse, depois
de ter mandado embora os outros. Há quanto tempo ele não se
sentia tão afetado por uma garota? Ele tinha estado tão confiante
em se esquivar do amor. Agora ele se viu olhando para o rosto de
Sydney e sentiu a agitação de algo muito diferente.
Talvez ele não precisasse ficar. Mas ele queria. A ideia de deixá-
la aqui...
— Por favor, me diga que você não está falando sério — ele
tentou novamente. — Há provavelmente dezenas de pessoas
perigosas nesta cidade envolvidas no assassinato de Morrison, você
estará na mira deles e dos leais a Morrison. E se o avião decolar
esta noite apenas com Penelope e eu, como você vai escapar?
— Panaceia enviará outro avião eventualmente.
— Eventualmente — ele disse categoricamente.
— Esta não é mais sua missão, Winter. — De repente, Sydney
parecia zangada. Ela olhou para ele, então empurrou seu braço
para longe dela. Para seu alívio e consternação, ela podia ficar
facilmente sozinha agora, os efeitos do veneno quase
desaparecidos. — Saia daqui e volte para os Estados Unidos.
— E depois?
Ela jogou as mãos para ele.
— O que você quer que eu diga? E então está feito. Nós
terminamos. O que você acha que aconteceria neste momento?
Volte para sua vida e me deixe em paz.
Ele abriu a boca, pronto para dizer mais, mas ela já havia se
afastado dele e se dirigia para as escadas. Levou apenas mais
alguns segundos para ela desaparecer escada acima.
Seus músculos ficaram tensos, prontos para correr em sua
direção e encontrar outra maneira – qualquer maneira – de detê-la.
Mas ele não o fez.
Seu breve momento de loucura, de suas mãos uma sobre a
outra, agora parecia estar a um milhão de anos de distância.
Por que diabos ele estava discutindo com ela sobre isso? Ela
estava certa. Ele tinha feito seu trabalho, o que a Panaceia o enviou
aqui para fazer. Sua parte estava terminada. Agora ele havia se
tornado uma responsabilidade, e Sydney claramente não tinha
interesse em deixar que isso a impedisse de fazer o que precisava
fazer.
E talvez quaisquer sentimentos que ele pensasse que tinha por
ela fossem uma ilusão. Isso seria uma coisa boa. Que tipo de futuro
ele poderia ter com uma garota como Sydney, afinal? Esta missão
foi simplesmente uma colisão casual de seus dois mundos. Ele era
um artista. Sua vida existia no palco, sob os holofotes. E Sydney?
Sydney pertencia a um mundo secreto, movendo-se nos espaços
onde Winter não deveria ir. Ele já havia enredado um de seus
amigos mais próximos na armadilha de uma armadilha
originalmente montada para si mesmo. Talvez ele tenha afetado os
outros também, de maneiras que ele nem sabia ainda.
Ele não podia se dar ao luxo de ter um relacionamento com
Sydney. Nem mesmo uma amizade. Não se ele valorizasse sua
segurança e suas vidas.
Mas, por enquanto, ele ainda estava envolvido nisso – e Sydney
o ensinou a seguir seu instinto. E algo em seu instinto lhe disse que,
se ele a deixasse para trás agora, se ele simplesmente se afastasse
das pessoas com quem se importava, ele se arrependeria pelo resto
de sua vida.
Ele estava farto de carregar o peso dos arrependimentos em
seus ombros.
Winter afastou-se da escada e dirigiu-se para a porta da frente.
Ao fazer isso, ele deslizou cuidadosamente o dedo contra o
minúsculo rastreador embutido na lateral do telefone e o puxou para
fora. Ele o deslizou para baixo de um porta-copos em uma mesa
lateral.
Então ele pegou o telefone e discou um número que nunca
havia discado antes.
Só tocou uma vez.
— Olá? — disse Penelope. Sua voz soou baixa e um pouco
assustada.
— Sou eu.
Sua voz começou a tremer. Ele podia ouvir a ameaça de
lágrimas neles.
— Winter? Oh meu Deus, eu vi a imprensa… você ainda está
preso em sua casa?
— Não se preocupe comigo. Como você está?
— Aguentando bem. Winter, olha, eu tenho que te dizer–
Ele olhou por cima do ombro quando chegou à porta.
— Nós precisamos conversar. Posso encontrá-la mais cedo no
pavilhão do palácio?
— Cedo? — Ela hesitou por um momento. — Claro.
— Obrigado. Vejo você em breve.
26

Apenas mais um trabalho

Para alívio de Sydney, o trem que ela pegou para o Victoria and
Albert Museum estava lotado, dando a ela a chance de desaparecer
no meio da multidão. Sua cabeça tinha clareado agora, junto com
seus reflexos e sua memória. E a maneira como ela teve que
mandar Winter embora.
Talvez ela tenha exagerado. Ela estava com tanta raiva, e ela
nem tinha certeza de quem ela estava com raiva. Ele,
provavelmente. Ela mesma, mais provavelmente. Ou quem tentou
matá-los. Talvez ela estivesse brava com toda aquela situação, com
o modo como tudo havia dado tão terrivelmente errado, com o modo
como ela havia se descontrolado com ele. A realidade de que
alguém os queria mortos. A percepção de que o relacionamento
deles era claramente um beco sem saída.
O trem chegou a South Kensington, e ela saiu com um andar
propositadamente indiferente, invisível entre a enxurrada de turistas
e moradores locais, escolhendo o túnel para a entrada subterrânea
do museu em vez da entrada principal na rua. Melhor arrancar o
band-aid. Ela sabia que o avião que Sauda enviara provavelmente
já estava em Heathrow, pronto e esperando por eles. Com alguma
sorte, Winter logo estaria lá também, partindo sem ela.
Com alguma sorte, o jeito que ela o deixou seria a última vez
que ela o veria. E ele estaria vivo por causa disso.
A pontada que disparou em seu peito foi tão aguda que ela
prendeu a respiração. Suas mãos em concha em seu rosto,
puxando-a para ele. As lágrimas brilhando em seus olhos. O calor
de sua respiração contra seu pescoço, seus lábios em sua pele.
Ela forçou sua mente a girar e acelerou seus passos pelo túnel.
O som de suas botas se perdeu entre os ecos de vozes ao seu
redor. Ao sair, ela olhou para o telefone e verificou a localização de
Winter. Seu rastreador ainda estava mostrando que estava na casa.
Logo deveria mostrá-lo indo para o aeroporto.
Ela fechou o rastreador e continuou. Ela teve que se separar de
muitos colegas de trabalho no passado sem sequer olhar para trás.
E este foi apenas mais um trabalho.
Ela havia memorizado o layout do Victoria and Albert Museum
durante sua viagem de trem. Era um prédio antigo enorme e
magnífico, repleto de câmeras de segurança, sensores presos a
todas as portas, mesas de segurança nas entradas principais e
dezenas de funcionários que caminhavam pelo local em todas as
horas de funcionamento.
A entrada subterrânea, porém, era mais frouxa, especialmente
em um dia de semana antes do meio-dia. Quando ela se aproximou
da porta indefinida, o único guarda sentado em uma cadeira ao lado
dela lançou-lhe um olhar entediado e apenas acenou para que ela
entrasse. Ela deu a ele um doce sorriso em troca.
O museu zumbia com uma multidão moderada. Sydney se
obrigou a demorar, vagando pelo salão de esculturas e admirando a
coleção de Rodin como uma turista para que a segurança a
esquecesse e passasse a observar os outros que entravam no
espaço. Então ela vagou lentamente pela exposição de moda e
passou pelo lustre gigante de Chihuly pendurado na rotunda
principal. Uma multidão de crianças em idade escolar a rodeava.
Finalmente, ela subiu as escadas, onde a multidão de cada
andar ficava cada vez mais esparsa, até que ela estava a vários
corredores de distância da ala recém-doada de Eli Morrison, onde a
coleção de Connor Doherty estava alojada. Ao passar pelas
escadas que levavam a ela, ela notou a corda de veludo bloqueando
o caminho.
INSTALAÇÃO EM ANDAMENTO, dizia a placa. Como esperado.
Ela entrou em um corredor sem ninguém. Lá, ela ficou em um
canto ao lado de uma vitrine de cerâmica – e inclinou o telefone
para o alarme de incêndio mais próximo.
Em sua tela apareceu uma grade mostrando os milhares de
alarmes de incêndio no prédio. Ela passou por eles antes de
escolher um localizado na extremidade oposta do museu.
Ela tocou nele.
Um guincho eletrônico quebrou o silêncio, ecoando pelos
corredores de mármore do museu.
Agora Sydney tinha um limite de tempo. Sobre o grito contínuo
do alarme, um anúncio veio pelos alto-falantes.
— Convidados e funcionários, por favor, dirijam-se à saída mais
próxima. Pedimos desculpas pela inconveniência.
Ela sorriu ligeiramente. Uma evacuação forçada de todos os
funcionários.
De fato, ela viu três guardas de segurança descendo da ala
isolada que continha a coleção pessoal de Connor. Sydney esperou
até que eles tivessem desaparecido escada abaixo. Então ela se
abaixou sob a corda de veludo e subiu correndo os degraus – antes
de deslizar para trás de um dos pilares no corredor no topo.
Três dos quatro guardas que estavam em posição de sentido
aqui em cima agora se foram – mas um guarda solitário
permaneceu perto das portas da coleção particular, parecendo
irritado e um pouco incerto sobre se ele deveria ou não ficar.
Sydney fez uma careta ao vê-lo e ergueu o telefone novamente.
Então ela deu um tapinha na tela e esperou até captar o canal de
frequência do rádio do homem.
Momentos depois, ela ouviu um estalo revelador. Ele olhou para
baixo.
Você ainda está aí?, ela digitou rapidamente em seu telefone.
Uma voz, profunda e masculina e cheia de estática, veio em seu
rádio.
— Você ainda está aí? — disse, falando as palavras
datilografadas por Sydney.
O homem piscou.
— Sim?
— Traga sua maldita bunda para cá — dizia enquanto Sydney
digitava, como se alguém responsável lá embaixo o estivesse
chamando.
Ele devolveu o rádio ao cinto e murmurou algo sobre ser
empurrado para lá e para cá. Ele olhou uma vez para as portas
atrás dele. Momentos depois, ele saiu correndo pelo corredor atrás
de seus colegas guardas. Sydney se pressionou contra o pilar
quando ele passou correndo.
Ele quase passou por ela antes que a voz de um guarda de
verdade soasse em seu alto-falante, fazendo-o parar no meio do
caminho.
— Gatilho defeituoso, eles estão dizendo — disse a voz. —
Você ainda está aí?
Ele parou.
— O que, eu vou ficar agora? — ele perdeu a cabeça.
— Eu disse para ir embora? — veio a resposta.
O peito de Sydney apertou. Droga, ela pensou. Plano B, então.
Ela odiava o Plano B. Tão grosseiro.
O homem olhou em volta. Ele se virou para o pilar onde ela
estava escondida.
Sydney se moveu antes que seu olhar pudesse se fixar nela.
Com um único salto, ela mirou em seu pescoço e o atingiu com
força no pomo de Adão.
Seus olhos se arregalaram. Suas mãos voaram para sua
garganta enquanto ele fazia um som baixo e sufocante.
Sydney o atingiu com força no queixo com a ponta do telefone.
Ele tropeçou, atordoado. Ela o atingiu novamente – seus membros
ficaram moles. Ela o pegou antes que ele pudesse cair,
cambaleando sob seu peso, então o arrastou desajeitadamente para
o lado do corredor, de modo que ele ficou parcialmente escondido
atrás dos pilares. Deixe os outros guardas procurarem por ele por
alguns segundos e poupá-la mais um pouco.
Ela apoiou o homem inconsciente nas sombras, então disparou
para as portas duplas que ele estava guardando. Ela deslizou para
dentro sem fazer barulho, fechando-os atrás dela como se nunca
tivesse estado no corredor.
Ela se viu na coleção particular de Connor Doherty, cercada por
uma coleção de pedras preciosas de tirar o fôlego.
Os alarmes de incêndio ainda soavam, mas Sydney sabia que
esta sala devia ter seu próprio sistema de alarme.
Ela pegou seu rolo de Necco Wafers, derramou um monte de
doces na palma da mão e, em seguida, usou a ponta do telefone
para esmagá-los em um pó tão fino quanto ela conseguiu com seu
tempo limitado. Quando ela terminou, ela soprou no ar em uma
nuvem de poeira brilhante. Ao fazê-lo, ela viu uma tênue grade de
linhas de laser aparecer aqui e ali, momentaneamente visível pela
natureza ligeiramente reflexiva dos aditivos artificiais do doce. Ela
tirou uma foto rápida antes que a grade desaparecesse no nada.
Então ela cuidadosamente caminhou pelo espaço, seus
movimentos firmes enquanto ela seguia as linhas em seu telefone.
Winter iria arrasar nisso, ela pensou enquanto avançava. Seu
rosto surgiu espontaneamente em sua mente. Ela imaginou a
facilidade com que seu corpo gracioso passaria pelas linhas, com
que rapidez ele seria capaz de se mover pela sala.
Pare de se distrair, ela se repreendeu. Winter já deve estar a
meio caminho do aeroporto. Ela estava operando sozinha.
Ela foi até a vitrine localizada em frente ao local onde o visor
infravermelho mostrava o contorno da sala secreta. Sua pele
formigava enquanto ela se movia. Não importava quantas vezes ela
checasse uma sala, ela sempre se sentia observada, como se ainda
houvesse uma câmera aqui que ela não havia considerado.
Ela colocou o telefone no chão em frente à vitrine de vidro e deu
um passo para o lado. Um holograma perfeito de Connor Doherty
apareceu um instante depois, pairando sobre o telefone, como se
ele estivesse bem aqui na sala.
O vidro da vitrine parecia piscar. Ela sentiu a prateleira
estremecer contra a parede do fundo da sala. Então a parede se
abriu, revelando um pequeno espaço secreto que agora se
iluminava com uma suave luz azul.
O coração de Sydney pulou em sua garganta. Ela conseguiu
entrar.
Parecia um quarto do pânico. Talvez fosse só isso. Ao entrar, no
entanto, ela viu que o que ela pensava ser uma parede não era uma
– mas caixas brancas todas empilhadas umas sobre as outras, do
chão ao teto.
Ela puxou um deles para baixo e o abriu.
Cadernos. Livros escritos. Havia caixas menores também, e
quando Sydney abriu um deles, continha unidades digitais tão
pequenas e finas quanto sua unha, empilhadas umas sobre as
outras. Mesmo essas não poderiam ser nem de perto a quantidade
total de transações feitas por uma organização tão grande quanto o
império de Eli. Esta foi apenas uma fração mínima, talvez um mês
de negócios. Estes tinham que ser os mais recentes – qualquer
coisa mais antiga seria destruída, sem motivo para manter os
arquivos como prova incriminadora.
Ela não pôde deixar de sorrir. Na mosca.
Ela não teve tempo de vasculhar todos esses documentos e
descobrir o que eles precisavam. Sydney folheou os arquivos,
observando seu padrão organizacional. Não por data, nem por
carta, mas por clientes. Ela reconheceu os nomes de algumas
organizações conhecidas por trabalhar com as participações de Eli
Morrison.
Arquivos. O que eles precisavam.
Ela puxou outra caixa. Anotado os nomes.
Puxou um terceiro para baixo.
Agora havia um padrão para eles, classificados do mais antigo
para o mais novo. Ela se arrastou até o final dos arquivos, onde
estava uma última pilha de caixas. Lá, ela puxou a caixa superior e
a abriu.
Horários. Horários de partida dos navios, contagem de
contêineres.
Muito pouco tempo. Sydney digitalizou os documentos com seu
telefone, tantos quanto ela podia conseguir.
Muito pouco tempo, muito pouco tempo.
Do lado de fora, Sydney ouviu o leve crepitar e os bipes das
câmeras de segurança se conectando. Ela digitalizou mais alguns
documentos e empurrou a caixa de volta. Em algum lugar entre o
que ela gravou em seu telefone deve haver evidências do tráfico
recente de Morrison.
Ela digitou uma imagem de Sauda em seu telefone e começou a
transmitir o primeiro dos arquivos.
Nem teve chance de começar antes que ela ouvisse uma voz
atrás dela.
— Ocupada?
Sydney se virou e ficou cara a cara com Connor Doherty.
Ela reagiu instantaneamente. A perna dela subiu – ela o chutou,
mirando em sua garganta. Mas ele se moveu incrivelmente rápido.
Este não era um mero gerente de contas. Ele foi treinado para
matar.
Ele se esquivou do movimento dela e agarrou seu pulso.
Sydney se contorceu para escapar de seu alcance, mas antes que
ela pudesse atacá-lo novamente, ele deu um passo para trás.
Não. Sydney disparou para frente, mas a porta se fechou em
um piscar de olhos. Antes de fechar completamente, ela teve um
vislumbre de Connor sorrindo para ela, seu telefone na mão.
Então a porta se fechou e a luz azul se apagou, prendendo-a na
escuridão.
27

Batida silenciosa

Fiel à sua palavra, Penelope foi a primeira pessoa que Winter viu
quando seu carro passou pelos portões do Palácio de Kensington e
chegou ao pavilhão.
Tendo como pano de fundo o Sunken Garden do palácio, a
serenidade de vasos de flores de inverno e brilhantes lâmpadas
vermelhas de Natal em sebes contra uma longa piscina retangular,
ela parecia resplandecente, vestida com uma jaqueta de couro
cravejada de ouro e um vestido azul plissado, seu cabelo escuro
preso em um coque elegante. Pronto para sua recepção de
aniversário.
Não que ela parecesse com humor para uma celebração. Ele
percebeu imediatamente que ela esteve chorando; os cantos dos
olhos ainda estavam rosados, a pele sob as pálpebras escurecida
pela falta de sono. Ela parecia pequena e rígida enquanto mantinha
os braços cruzados firmemente na frente do peito.
Winter sentiu uma pontada de culpa no estômago pelo que ele
estava prestes a contar.
Um guarda-costas se aproximou de sua porta e a abriu. Quando
ele saiu, Penelope correu até ele, oferecendo-lhe um pequeno
sorriso de saudação antes de passar o braço pelo dele e conduzi-lo
ao longo da borda da piscina central do Sunken Garden. Eles
chegaram cedo, é claro, e o restante do ambiente exuberante
estava pontilhado principalmente por funcionários enquanto eles
posicionavam enormes arranjos de rosas de Natal na frente do
pavilhão aquecido. Os pássaros cantavam sob o sol frio da manhã e
uma brisa fresca refrescava o ar, fazendo os arbustos tremerem.
A serenidade do espaço parecia menos com um momento de
paz e mais com as batidas silenciosas de uma música logo antes de
um ritmo pesado começar. O tipo de silêncio que enrijecia os
músculos de Winter, alertando para algo grande. Ele manteve as
mãos nos bolsos, os dedos brincando com a caneta da Panacea
que ele agora enfiara no forro interno. Não era uma arma enorme,
mas pelo menos a lâmina oculta da caneta dava a ele alguma
sensação de proteção.
— Como você está indo? — Winter perguntou a Penelope em
voz baixa.
Ela não olhou para ele. O braço que ela enlaçou no dele tremia,
e através do tecido de suas roupas, ele podia dizer que a mão dela
estava gelada.
— Bem o suficiente — respondeu ela. — Você?
— Também.
Ela olhou para trás dele.
— Onde está sua guarda-costas?
— Observando à distância — ele respondeu. Então ele se
inclinou para mais perto dela. — Precisamos conversar.
Ela respirou fundo, estremecendo.
— Se isso é sobre o atirador, eu...
— Isto não é sobre o seu atirador. — Ele limpou a garganta. —
É sobre seu pai.
— Meu pai? — Os olhos dela dispararam para os dele,
esperançosos e questionadores. — Você viu ele? Estou tentando
falar com ele desde ontem à noite.
Winter parou por um momento, perguntando-se se deveria ser
ele a dizer-lhe. Mas qualquer um que pudesse contar a ela agora
estaria nos círculos de Morrison, e alguém tentou matá-la. Então ele
se aproximou, posando como se fosse apenas um garoto flertando
com uma garota. Alguns funcionários à distância olharam para eles,
com expressões curiosas.
— Sinto muito por dizer isso a você — disse ele em voz baixa.
— Mas quando eu fizer isso, eu preciso que você não demonstre
nenhuma emoção.
O medo cintilou em seus olhos, como se ela estivesse se
preparando para notícias que já havia assumido. Ela procurou seu
rosto freneticamente.
Uma pausa.
— Seu pai foi morto ontem à noite.
Eles continuaram andando.
Penelope conseguiu manter o rosto sério, os olhos baixos. Mas
ele sentiu o tremor que percorreu seu corpo, a rigidez repentina de
sua postura, a maneira como ela se agarrou a seu braço como se
fosse cair. Ele se firmou contra ela, puxando seu braço para seu
corpo. A cor havia sumido de seu rosto na mudança de luz. Então,
ela não tinha ouvido.
— Eu sinto muito — ele sussurrou novamente.
— Isso é impossível — ela sussurrou de volta.
— Acredite em mim, eu gostaria de poder lhe dizer algo
diferente — ele disse suavemente.
— Ele só está ocupado — ela respondeu com uma voz firme
tingida de raiva. Seus olhos subiram agora, indo para o pavilhão e
as grossas rosas de inverno caindo em cascata pelas laterais. —
Ele está programado para aparecer aqui em uma hora. Ele vai fazer
um brinde.
Ela encontrou seus olhos desafiadoramente novamente. Foi
tudo o que ele pôde fazer para retribuir com um olhar sério.
Ela começou a balançar a cabeça, e ele apertou a mão dela
levemente quando ela apertou a dobra do cotovelo. Seu olhar
disparou para as pessoas que circulavam dentro do pavilhão.
— Eu sei o peso do que estou pedindo de você — ele sussurrou
para ela —, mas tente manter a compostura. Você não está segura
aqui.
Mas Penelope apenas afastou o braço.
— Não, você não entende. Ele disse... ele me disse...
— Te disse o quê? Quando você falou com ele pela última vez?
— Quando você estava se apresentando no palco. — Seus
olhos dispararam do pavilhão para ele. — Quando estávamos no
Alexandra Palace. Ele me disse que estaria aqui.
Ele deu a ela um olhar triste.
— Eu sinto muito.
Ela engoliu em seco e, por trás de sua incredulidade, ele podia
vê-la lutando para conter as lágrimas. Seus olhos voltaram para o
chão novamente. Ela era boa nisso, essa restrição. Ele se
perguntou quantas vezes no passado ela teve que fazer isso e para
quê.
— Como você pode saber disso? — ela disse com voz rouca. —
Por que você sabe?
— Ainda não posso contar tudo — respondeu ele. — Mas quem
quer que tenha como alvo ontem à noite em seu apartamento
também tinha como alvo seu pai. Eles tiveram sucesso com ele.
Pode significar que farão outra tentativa com você.
— Ele morreu quando estávamos no meu apartamento? — ela
sussurrou.
Winter assentiu.
Ela pegou o braço dele novamente, desta vez como se fosse
um apoio. Ele podia sentir a mão dela tremendo levemente contra
seu cotovelo, seu aperto tão forte que os nós dos dedos ficaram
brancos.
— Eu preciso contar a alguém — ela disse de repente.
— Não.
A raiva brilhou em seu olhar.
— Você não tem o direito de me dizer isso.
As palavras saíram de Winter mais afiadas do que ele pretendia.
— Talvez não — respondeu ele. — Mas você tem que me ouvir.
Por favor. Você não pode contar a mais ninguém.
— Mas eu–
Winter parou de andar por um momento e se virou para ela. Ele
se inclinou até o ouvido dela para que ninguém mais pudesse ver
seus lábios se movendo.
— Não sabemos quem fez isso — ele sussurrou — e isso
significa que todos perto de você são suspeitos em potencial.
Quando ele se afastou um pouco, ela estava olhando para ele,
os olhos brilhando com suspeita.
— Incluindo você.
— Não tenho absolutamente nada a ganhar machucando você.
— Por que eu deveria acreditar nisso?
— Não posso lhe dar nenhuma evidência convincente —
respondeu ele — além da verdade de que sua vida depende disso.
Ela apertou os lábios para ele, como se tentasse reconciliar isso
com a fé que tinha em seu ídolo, e então olhou para a festa. Mais
convidados haviam chegado agora.
— O que você quer que eu faça? — ela finalmente murmurou.
— Venha comigo.
Ela piscou para ele.
— O que? Quando?
— Assim que você puder escapar.
— Você quer dizer agora? — Ela olhou em volta, impotente. —
Não posso. — Ela engoliu em seco novamente e puxou para trás
em seu braço. — Meus convidados.
Agora ela realmente parecia que poderia voar em um estado
frenético. A mente de Winter girava, tentando descobrir o que fazer
se ela tivesse um colapso aqui. Como ele explicaria isso? Como ele
os tiraria daqui?
— Eu sei. Mas não temos escolha.
— Há… há mil dignitários e elite aqui de todo o mundo. Connor
espera me ver assim que chegar. — Sua fala se acelerou, ofegante
de medo, e de repente Winter percebeu que poderia estar em perigo
por causa do contador. — Ele estará aqui a qualquer momento. Não
vamos chegar a meio caminho do aeroporto antes que ele perceba
que eu fui embora.
Ele não podia deixar Connor levar Penelope a algum lugar
depois do brinde.
— Vai ficar tudo bem — ele disse a ela. — Nós dois vamos
aparecer na frente do seu bolo, então você pode dizer algumas
palavras. Apenas por uma hora. Você pode fazer isso?
Ela assentiu entorpecida.
— Bom. Fazemos nossa aparição, deixamos a multidão à
vontade e depois saímos enquanto todos se misturam. Eles não vão
notar que você se foi depois de já ter dito sua opinião.
Penelope parou de andar. Havia uma expressão perdida no
rosto dela que parecia familiar para ele, a solidão de estar
acostumada a lidar com as coisas sozinha, e ele se pegou com
medo, imaginando se poderia realmente mantê-la segura, se ele e
Sydney poderiam puxar tudo isso fora.
Então ela se endireitou, forçando-se a levantar o queixo. Ele
ainda podia ver o brilho em seus olhos. Mas quando ela falou, sua
voz permaneceu firme o suficiente para disfarçar suas emoções.
— Venha comigo — ela disse sem olhar para ele. — Preciso
cumprimentar algumas pessoas.
Ele assentiu e a seguiu. Ao fazer isso, ele digitou uma
mensagem rápida para Sydney.
Ela vai embora conosco.
Ele olhou para o telefone por alguns segundos, esperando uma
resposta.
Nada. Ele guardou o telefone com relutância e foi com Penelope
cumprimentar seu primeiro convidado. No fundo de sua mente, ele
continuou esperando pelo zumbido tranquilizador da resposta de
Sydney. Ela sempre respondia.
Mas desta vez, ela não o fez.
28

Alvo

Não foi até que o sol se moveu e as sombras no jardim


desapareceram que Winter finalmente obteve uma resposta de
Sydney.
Seu telefone tocou bem quando Penelope cortou seu bolo,
aquele sorriso treinado ainda estampado em seu rosto. Enquanto o
público ao seu redor no pavilhão aplaudia e os flashes disparavam,
Winter deu um passo sutil para trás da multidão e olhou para a
mensagem que apareceu para ele.
Onde você está?
Alívio esmagador. Essa foi a primeira reação de Winter. A
mensagem foi claramente enviada do telefone de Sydney, e ele
sabia que ela ainda devia estar transmitindo de dentro do museu.
Seu rastreador disse isso.
Sua segunda reação foi confusão. Sydney deveria ser capaz de
ver o rastreador que ele havia deixado para trás, ainda transmitindo
da sala de estar da casa. Ela deveria pensar que ele estava lá.
Além disso, era uma mensagem estranhamente prolixo dela.
Sydney usava abreviações em suas mensagens sempre que podia
– ela não digitava nada completamente se não precisasse. Ele
esperava que ela escrevesse “onde vc está?” ou apenas “onde c
tá?” e deixá-lo descobrir por conta própria.
Talvez ela estivesse preocupada com ele e quisesse ter certeza
de que ele a entendeu em sua primeira leitura. Talvez ela estivesse
ditando as palavras em voz alta em seu telefone e traduzisse suas
palavras corretamente.
A multidão ao seu redor riu em uníssono de algo que Penelope
disse. Ele mandou uma mensagem de volta.
Recepção de aniversário.
Ele se preparou depois de enviá-lo, esperando por sua
repreensão – que em vez de estar em um avião, ele ainda estava
aqui e se preparando para ajudar Penelope a escapar com ele.
Sua resposta veio.
Okay.
Winter parou, franzindo a testa para o telefone.
Sem sarcasmo, sem aborrecimento sobre por que ele estava
correndo por Londres. Nenhum comentário sobre por que seu
rastreador ainda estava transmitindo da casa.
Mas, acima de tudo, a palavra okay soletrada perfeitamente.
Sydney nunca escrevia okay. Ela teria apenas enviado a letra K.
Winter sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A imagem de
Sydney desapareceu de sua mente como uma nuvem de fumaça.
Ninguém estava do outro lado agora, exceto a escuridão. Suas
mãos apertaram as laterais do telefone e ele tentou manter a
respiração estável.
E se a pessoa que estava mandando mensagens não fosse
Sydney?
Isso significaria apenas uma coisa.
Algo tinha acontecido com ela.
Ao redor dele, as pessoas gritavam quando Penelope abria uma
garrafa de champanhe e ria ao despejá-la sobre uma elaborada
torre de taças. Connor Doherty ainda não havia aparecido.
Winter sentiu o zumbido do perigo quando Sauda o introduziu
naquele carro depois do show – mas desta vez, o zumbido era real.
Viajou para suas mãos e desceu por sua espinha, enviando riachos
de calor através dele. Algo estava acontecendo.
Quem quer que fosse no telefone de Sydney queria que ele
ficasse.
Ele precisava sair daqui.
Havia uma tempestade no horizonte – ele podia ver a borda das
nuvens escuras cortando bem atrás da paisagem urbana de
Londres além do jardim, derramando escuridão sobre um lindo céu
da tarde, sugerindo o aguaceiro que viria mais tarde. A sensação
que agitava a cabeça de Winter agora o lembrava da noite em que
ouviu a conversa entrecortada de sua mãe no andar de baixo,
quando souberam da morte de Artie. Sua cabeça se encheu de
névoa. Ele teve a estranha sensação de que nem estava aqui.
Ele não se importava mais com a missão fracassada.
Ele só conseguia pensar em Sydney.
Ela deve ter sido pega.
Eu deveria ter ido com ela.
Então, através do borrão de seus pensamentos, ele viu
Penelope olhar em sua direção. Ela ainda parecia abalada, mas
gesticulou para que ele desse um passo à frente.
— ... para o menino que ajudou a tornar esta celebração para os
livros de história! — ela disse agora quando Winter a alcançou. — E
alguém que certamente dispensa apresentações.
A multidão ao redor deles gritou sua aprovação. Penelope
entregou o microfone a Winter e ele o pegou, lutando para manter a
compostura. Minutos depois, ele deveria levar Penelope para fora
do andar principal e, enquanto a multidão se reunia em volta do
bolo, levá-la pelo labirinto de sebes do jardim e levá-la para um táxi
a caminho do aeroporto.
Mas algo aconteceu com Sydney.
Ele forçou um sorriso em seu rosto. Seu olhar varreu a platéia,
vendo mil rostos e incapaz de se agarrar a nenhum deles. Todos
pareciam suspeitos.
Então os olhos de Penelope piscaram para a multidão, apenas
por um segundo.
Ele olhou na mesma direção. Ao fazê-lo, viu algo brilhar.
Não havia tempo para ele fazer nada.
O pop foi abafado, o som tão abafado pelos aplausos do público
e pelo eco de sua própria voz que Winter não ouviu.
Em um instante, ele estava de pé – no próximo, ele estava
caindo para trás. O choque disparou em seu ombro antes que a dor
o atingisse.
Ele atingiu o chão com um baque. Isso tirou o fôlego dele em
um único whoosh.
Ele ouviu uma onda de suspiros confusos ondulando ao seu
redor. Em seguida, alguns gritos.
Winter engasgou por ar. Ele estava deitado no chão? Como ele
veio parar aqui? Ele tentou se levantar, mas a dor queimou seu
ombro e ele gritou.
Agora havia pessoas correndo em sua direção – guarda-costas
de terno preto, convidados de smoking gritando para alguém
chamar a polícia. O cheiro de algo metálico pairava no ar.
Sangue?
Em algum lugar distante, ele pensou ter ouvido alguém
chamando seu nome. Winter. Winter!
Para onde Penelope foi?
Havia mais pessoas agora. A dor pulsava na parte superior de
seu peito, deixando-o congelado. O mundo começou a se fechar ao
seu redor, reduzindo sua visão a nada. Teve a vaga sensação de
estar sendo erguido nos braços de alguém, seu corpo flácido. O
último pensamento que passou por sua mente foi a compreensão do
que acabara de acontecer.
Ele tinha acabado de levar um tiro.
29

A boa filha

Por um tempo, tudo o que ele percebeu foi a dor.


Isso o invadiu em ondas – a agonia ondulava de seu ombro
para seus membros e para cada parte de seu corpo, uma dor
latejante que o deixou sem fôlego.
Sua mente nadou no que parecia ser lama. Houve a sensação
distante de alguém colocando-o em uma maca e levando-o para
longe, de médicos em uniformes verde-floresta, de estranhos
gritando com ele, perguntando se ele ficaria bem.
Ele pensou que poderia se lembrar do interior de um caminhão.
Os gritos de uma multidão que inundou a rua para ver o veículo
partir com ele dentro. Os gritos de uma ambulância vindo
diretamente do lado de fora. O estrondo sob o veículo da estrada.
Um murmúrio de seus lábios que veio e foi.
Sydney. Sydney.
Outra pessoa estava sentada no transporte com ele também.
Penelope Morrison.
Mesmo naquele estado, ele sabia que estava errado. Penelope
não deveria estar dentro da ambulância com ele. Ela parecia
mortalmente calma, sua voz baixa enquanto trocava algumas
palavras com o motorista. O motorista respondeu educadamente e
se virou conforme ela instruiu.
Talvez ele estivesse tendo um pesadelo.
Agora o mundo ao seu redor se iluminou. A escuridão recuou
para os cantos de sua mente. Seus arredores ficaram mais nítidos.
Ele semicerrou os olhos imediatamente. Luzes fluorescentes
brilhavam no alto, e ao redor dele havia fileiras e mais fileiras de
prateleiras, cada uma cheia de latas de metal idênticas presas
dentro de caixotes pesados.
Alguma parte de sua mente recuou com a visão, lembrando-se
das imagens mostradas a ele no quartel-general da Panaciea.
Paramecium.
Ele fechou os olhos novamente. O brilho das luzes dançava
atrás de suas pálpebras fechadas. A qualidade onírica das últimas
horas – dias? Ele não tinha certeza – deixou-o se sentindo sem
amarras. Um lugar como aquele não combinava em nada com o que
acabara de acontecer na festa – a menos que ele também tivesse
alucinações.
Houve uma festa, certo? Ele correu para os jardins reais e
caminhou ao longo da piscina com Penelope, falou com ela em voz
baixa e urgente. Ela olhou para ele com aqueles olhos arregalados e
se preparou e avançou de qualquer maneira para o pavilhão, ficou
ao lado dele. Ele sentiu o choque de uma bala disparando-o para
trás, atingiu a grama com força.
Isso não foi um sonho. Ele havia sido baleado ali mesmo e
levado em uma ambulância com os gritos da multidão ainda
ecoando em seus ouvidos.
Nada disso parecia preciso, no entanto. Se ele realmente foi
colocado em uma ambulância, por que não o levaram a um
hospital?
Ele gemeu quando a dor o percorreu novamente, fazendo-o
tremer.
E com esse movimento percebeu que estava amarrado.
De repente, ele sentiu a presença de outra pessoa ao seu lado.
Com toda a força que pôde reunir, ele se virou para o lado e olhou
para ver Penelope Morrison sentada em uma cadeira ao lado dele,
seu corpo em um halo de luz de uma porta entreaberta atrás dela.
Meia dúzia de guardas estavam espalhados pela sala. Ela o
observou enquanto ele lutava mais uma vez contra as amarras que
o prendiam.
— Eu não me mexeria muito, se fosse você — disse Penelope.
— Foi um golpe de raspão, mas você teve danos suficientes nos
músculos do ombro para sangrar mais do que pode suportar. Você
pode estar morto antes mesmo de chegarmos ao mar aberto.
Mar aberto? Eles estavam no mar?
Sua mente continuou a clarear. Agora ele estava ciente do corte
áspero da corda contra seus pulsos e tornozelos, e da sensação de
uma mesa dura sob seu corpo. Além da fresta na porta entreaberta,
ele podia ver um amplo convés alinhado com pilhas de contêineres,
a grade de metal mantendo-os no lugar subindo oito andares contra
o céu azul. Uma gaivota solitária empoleirada no alto da borda da
estrutura. O cheiro inconfundível de sal e mar flutuava lá dentro. As
ondas quebravam ao longe.
— Você está a bordo do meu navio de carga — explicou
Penelope, adivinhando o que ele queria perguntar. Ela olhou para
trás uma vez na porta aberta, seus olhos tão grandes e inocentes
quanto ele se lembrava de seu primeiro encontro. O contraste com
suas palavras era chocante. — O Mar do Norte é bastante agitado
nesta época do ano. Perdoe o passeio instável.
A bordo de um cargueiro. Winter estava indo com as remessas
de Morrison para a Cidade do Cabo.
— Ninguém estará procurando por você aqui — acrescentou
Penelope.
Ele lutou para entender o que estava acontecendo através de
sua mente clara. Não havia nada sobre Penelope Morrison. Ela
tinha uma lousa em branco, uma imagem pública tão esparsa e
limpa que nem mesmo Panaceia suspeitava que ela fosse algo mais
do que uma jovem herdeira infeliz o suficiente para ter uma mãe
falecida e um pai criminoso.
Não era quem ela era? Apenas uma jovem herdeira infeliz?
Quem era essa garota sentada ao lado dele, observando-o em seu
estado ferido com um rosto calmo e uma voz fria? Não fazia sentido.
Ele cerrou os dentes quando a dor o invadiu novamente.
— Quem… — ele conseguiu perguntar depois que a agonia
diminuiu ligeiramente. Sua voz saiu rouca e quebrada. Ele tentou
novamente. — Quem é você?
— Penelope Morrison — ela respondeu com naturalidade.
— Você não é a Penelope que conheci ontem.
— Eu sou exatamente a mesma — Ela piscou para ele, quase
timidamente, como fez quando se conheceram. — Você
simplesmente não percebeu.
Sua mente nadou com suas palavras. Esta versão dela não
combinava com seu eu anterior. Quem foi a garota que foi tão fã
dele que mal conseguia olhá-lo nos olhos, que citou Shakespeare
com ele, que se enrolou no sofá ao lado dele e confessou suas
inseguranças, que lutou contra as lágrimas pela morte de seu pai?
Isso foi tudo uma encenação?
— Espere. — Ele fechou os olhos novamente antes de abri-los.
— Ontem à noite em seu apartamento. A bala.
Ela deu a ele um aceno de cabeça.
— A bala na minha janela era para você, Winter, não para mim.
Claro que era. A única razão pela qual Penelope deveria tê-lo
levado de volta foi para eliminá-lo.
Seus músculos tremiam pelo esforço de ter sido mantido no
lugar por horas. A dor em seu ombro latejava. Há quanto tempo
Penelope sabia sobre todo o plano deles? Como ela manteve tudo
escondido por tanto tempo? Ele olhou para ela agora e se perguntou
como poderia ter pensado que ela era uma fã tímida, animada e
corada, alguém ansiosa e ingênua. A garota olhando para ele tinha
o comportamento calmo de um assassino.
De seu pai.
Seu olhar foi novamente para as latas de armas químicas ao
redor deles. Paramecium. Os pelos em seu pescoço se arrepiaram.
Ele ainda podia sentir o peso sutil do pequeno frasco de toxina
em seu bolso que Panaceia lhe dera. Agora podia ouvir o eco da
voz de Sauda, dizendo-lhe que um dia poderia precisar. Bem, seria
hoje? Se ele conseguisse torcer o braço o suficiente, poderia puxá-
lo e abri-lo com uma mordida, poderia beber o conteúdo. A
possibilidade o fez tremer.
— Por que você me quer morto? — ele resmungou. — Por que
você está fazendo isso?
Ela baixou os olhos e, por um segundo, ele viu um lampejo de
verdadeira dor nela.
— Por que você acha que foi realmente convidado para as
comemorações do meu aniversário? — ela disse calmamente.
— Tudo o que vim fazer aqui foi fazer um show privado para
uma fã — ele respondeu.
Ela deu a ele um olhar penetrante.
— É mesmo? Porque eu tinha a impressão de que uma
organização secreta chamada Panaceia enviou você e outro agente
aqui para derrubar meu pai.
Winter a encarou, paralisado de descrença. Penelope sabia de
tudo. Ela estava ciente desde o início.
Ela suspirou.
— Se Panaceia fosse responsável pela morte de meu pai, então
eu não seria, certo?
O tempo todo, Penelope Morrison era quem orquestrava tudo
nos bastidores – o convite para sua festa, a execução planejada de
seu pai, a apreensão de suas remessas. Ela sabia sobre o
recrutamento dele pela Panaceia antes mesmo dele.
— Você me deixou dar o anel para Connor — disse ele.
Ela olhou calmamente para ele – e ele percebeu que ela o levou
propositalmente para a sala de festas privada com Connor para que
eles pudessem se encontrar, provavelmente plantou documentos
falsos no cofre do museu escondido de Connor. Se ele e Sydney
fossem silenciados agora, Panaceia seria considerada responsável
pelo que aconteceu com Eli Morrison e permaneceria de mãos
vazias em termos de evidências para condená-lo. Penélope sairia
limpa novamente, a boa filha horrorizada com o que aconteceu com
o pai.
Eles pensaram que a estavam usando como peão, quando ela
os estava usando o tempo todo para cobrir seus próprios planos.
Como ela sabia?
— Por que você quer a publicidade do meu tiro perto de você?
— ele disse com voz rouca.
Um dos guardas perto dela entregou-lhe um par de luvas. Ela os
pegou e começou a vesti-los.
— Talvez uma fã enlouquecida de ciúmes queria você morto.
Talvez alguém não suportasse a ideia de você ser próximo de
alguém, de ser meu convidado particular. — Ela sorriu, de alguma
forma ainda com uma expressão ingênua no rosto. — Seja qual for
o motivo para uma pessoa aleatória atirar em você no meio da
multidão, sua história gerará tal tempestade de interesse que
qualquer notícia sobre a morte de meu pai seria reduzida a uma
nota de rodapé. — Em sua expressão, ela balançou a cabeça
tristemente. — Sou uma verdadeira fã, se é isso que você está se
perguntando — disse ela. — E eu sinto muito que tenha que ser
assim. Lamento que seja assim que nos despediremos.
Ele havia sido trazido aqui para ser assassinado. Ele pensou em
suas lembranças nebulosas na ambulância, na maneira como o
motorista havia concordado calmamente com as instruções de
Penelope. Ela providenciou para que ele fosse levado para cá,
quando o mundo provavelmente pensava que ele estava em um
hospital.
— Eu sei por que outros iriam querer seu pai morto — ele
arriscou. — Mas por que você? Por que todo esse esforço?
Penelope ficou em silêncio enquanto vestia a segunda luva.
— Você o assassinou por causa de algo que ele fez —
continuou Winter. — Foi feito algo com você?
Ainda sem resposta.
— Para alguém que você amava? — Ele empurrou.
Havia um leve tremor em seu rosto e, nesse tremor, Winter viu
algum sentimento de perda, alguma lembrança de uma família
desfeita, que lhe pareceu familiar. Seus instintos se mexeram.
— Sua mãe? — ele adivinhou.
Desta vez, Penelope desviou o olhar por uma fração de
segundo antes de se voltar para ele. Ele acertou em cheio.
— Ouvi dizer que ela faleceu de uma doença — disse Winter.
Com isso, a raiva brilhou em seus olhos.
— Minha mãe não morreu de doença — ela respondeu
friamente. — Ela morreu porque meu pai a matou.
Winter sentiu um calafrio percorrê-lo. Então foi isso.
Penelope afastou-se dele, caminhou até uma das prateleiras e
cuidadosamente pegou uma das latas em suas mãos.
— Ela conheceu meu pai durante seu trabalho paralelo — ela
continuou em um tom suave, voz calma. — Servindo para uma de
suas festas. Eu o vi bater nela por anos. É a minha lembrança mais
antiga. Ela sempre me disse que não significava nada. Ele a isolou,
separou-a de sua família, recusou-se a deixá-la falar com eles,
ignorou seus apelos. No dia em que ele finalmente a matou de raiva,
eu tinha cinco anos. Terei pesadelos pelo resto da minha vida sobre
o que ele fez com ela. — Ela olhou para ele, e desta vez toda a sua
inocência se foi, substituída pela expressão de alguém assombrado
além de sua idade. — Eu vi seu poder protegê-lo, como isso
permitiu que ele se sentasse lá com uma equipe de detetives e
policiais que entenderam silenciosamente que deveriam apagar as
evidências. Prometi a mim mesmo que o mataria algum dia.
Suas palavras nadaram na mente de Winter. Então essa foi a
razão por trás de tudo. Ele imaginou o sorriso carismático de seu
pai, então suas mãos elegantes manchadas com o sangue de sua
falecida esposa.
Frequentar festas para deixar seu pai feliz. Ser a garota legal.
Ela havia se escondido tão bem.
— Você lamentou a morte dele — disse ele —, mesmo que você
tenha ordenado ela.
Por um momento, ele viu um vislumbre da garota de coração
mole que ele achava que conhecia. Ela desviou o olhar. Seus dedos
correram levemente por uma frase em italiano tatuada em seu
pulso.
— Ele ainda era meu pai — disse ela.
— Mas você não vai parar o esforço dele — disse ele, seus
olhos correndo ao redor da sala. — Este navio ainda está
navegando para a Cidade do Cabo com sua carga ilegal.
Penelope abriu a parte superior da lata e enfiou a mão dentro.
Ela tirou um pequeno cubo que parecia ser feito de vidro, sua
superfície translúcida com um tom muito fraco de azul.
— Pense, Winter Young. O que alguém como eu tem a perder
se você e sua agência conseguirem convencer meu falecido pai de
como ele construiu seu império?
Ele estreitou os olhos.
— Dinheiro.
A parte frágil do coração de Penelope recuou para trás de uma
casca dura.
— Você sabe o que acontece com toda a riqueza do meu pai se
você finalmente conseguir provas contra ele? Elas são congeladas.
Confiscadas. — Ela segurou o cubo com cuidado enquanto ela
caminhava até ele. — E que eu seja amaldiçoada se eu deixar tudo
isso acabar nas mãos de algum governo ao invés de nas minhas,
todo o dinheiro que deveria ter ido para minha mãe.
— Então você resolveu o problema com as próprias mãos.
— Foi o acordo que fiz com os Corcasianos, em troca de sua
cooperação em me ajudar. — Ela deu de ombros. — É minha
herança. Meu direito. Quero que o fantasma do meu pai saiba que
todo o dinheiro que ele acumulou com tanto zelo agora vai para tudo
o que minha mãe sempre sonhou. Um fundo em seu nome. Uma
propriedade que pertence ao seu lado da família.
A herança de Penélope. Fazia sentido. Esta não foi a primeira
vez que as autoridades voltaram seus olhos para Eli Morrison e,
mesmo que não conseguissem desta vez, as evidências contra o
homem aumentavam cada vez mais. Era apenas uma questão de
tempo até que seus bens fossem apreendidos.
Mas Penelope estava limpa. Ela escondia seus rastros ainda
melhor do que seu pai, e se conseguisse o dinheiro antes que as
autoridades pudessem, seria dela. E de alguma forma, ele sabia que
ela sairia de tudo isso sem um único fragmento de evidência
ligando-a a qualquer um de seus atos criminosos, à sua morte ou à
de Winter.
Ou de Sydney.
— Eu entendo por que você está fazendo isso — disse ele. —
De verdade. Mas, por favor, não continue com isso. Você está
dando dinheiro ensanguentado à família de sua mãe.
— Eu não acho que esta é a sua decisão — ela respondeu
friamente.
— Isso não é quem você quer ser — ele implorou. — Eu sei que
você quis dizer isso genuinamente quando disse que desejava um
significado para sua vida.
— Isso é significativo para mim — ela respondeu.
Seu olhar caiu sobre o cubo em suas mãos. Um calafrio o
percorreu.
— Você vai enviar toneladas dessa arma química para as mãos
de terroristas.
— Estou trabalhando com Connor Doherty por um motivo — ela
respondeu.
Ele estreitou os olhos.
— Então por que ainda estou vivo? Por que estou aqui?
— Porque você pegou algo do meu apartamento que não era
seu. — Ela cruzou os braços. — E eu quero de volta.
Seu grampo de cabelo enfeitado. Os dados criptografados que
Sydney extraiu dele e deu à Panaceia. Num piscar de olhos, ele
percebeu que devia ser uma prova incriminadora do envolvimento
de Penelope em tudo.
— Eu não tenho ele — disse ele.
— Você sabe onde ele está. Ou talvez quem o tenha.
O som de passos contra o convés fez com que Winter se
voltasse. Penelope olhou.
— Finalmente — ela murmurou.
Um homem saiu de trás da fileira mais próxima de contêineres,
andando com um andar calmo e fácil, vestido tão adequadamente
como sempre, seus olhos escondidos atrás de um par de óculos
escuros. Connor.
Imediatamente atrás dele vinham dois homens que Winter
reconheceu como ex-guarda-costas de Eli, exceto que desta vez,
eles estavam arrastando entre eles uma figura esguia e esbelta, seu
cabelo loiro curto balançando fracamente com a cabeça inclinada.
Winter não pôde ver o rosto da garota, mas a reconheceu
instantaneamente. Terror passou através de seu corpo.
Sydney.
30

Encurralados

Sydney olhou para cima quando eles pararam na sala. Latas de


Paramecium por toda parte, presas nas prateleiras.
Seu olhar disparou para Penelope, então para o cubo que ela
segurava em sua mão. Imagens da morte de Eli Morrison passaram
por sua mente, a forma como a espuma escorria de sua boca
enquanto o produto químico destruía o interior de seu corpo.
Paramecium estava em toda parte agora, ao redor deles, como se a
morte tivesse sido fabricada e embalada para as prateleiras e agora
esperasse por uma chance de ser libertada. Sua pele se arrepiou e
tudo nela queria se afastar do cubo.
Seu olhar disparou para Winter.
Baleado no peito, a poucos centímetros do coração, com uma
bala fina o suficiente para deixar um pequeno ferimento. Ela podia
dizer apenas pela mancha de sangue que pontilhava as bandagens
brancas enroladas em seu peito nu. A julgar pela maneira como ele
respirava, o ferimento doía, mas não havia perfurado sua cavidade
pulmonar – com toda a probabilidade, havia rasgado o músculo do
peito e se alojado ali profundamente.
Ele precisaria de cuidados em breve. Toda aquela perda de
sangue o deixou fraco; a coloração de seu rosto era
fantasmagoricamente pálida e uma camada de suor brilhava em sua
pele. Se ele entrasse em choque aqui, no meio do oceano, morreria
antes mesmo que o interrogatório de Penelope pudesse realmente
começar.
Foi necessária toda a força de vontade de Sydney para não
gritar e atacar ali, para direcionar todas as suas forças para alcançar
a jovem. Em vez disso, ela afundou na calma de sua mente e
abaixou a cabeça novamente. Deixou-se ficar leve.
Ninguém com uma mão ruim jamais ganhou ao revelá-la cedo.
Eles pararam abruptamente diante da mesa. Sydney ouviu
Penelope se levantar em um movimento suave, então olhou para
cima para vê-la segurando o cubo.
— Onde está a presilha? — Penelope perguntou a Sydney
agora.
— Eu perdi — Sydney mentiu, olhando para Connor.
Penelope olhou para Winter.
— Talvez você tenha dado a ele. Devo perguntar?
Winter ficou quieto.
Diga algo!, ela gritou com ele em sua cabeça. Conte qualquer
mentira!. No momento em que Penelope descobriu, Winter também
poderia ter descoberto uma maneira de escapar.
Mas ele não falou.
— Acabe com ele logo — disse Connor a Penelope com um
suspiro. — Todo mundo ainda pensa que ele está no hospital, de
qualquer maneira. Diga-lhes para avisar que ele sucumbiu ao
ferimento de bala de seu fã. Em vez disso, podemos obter
informações da garota.
Sydney encontrou os olhos de Winter, podia vê-lo tremendo pela
tensão de suas amarras. Como eles poderiam ter perdido as pistas
sobre Penelope? Como ela escondeu seu verdadeiro eu tão bem?
Penelope voltou seu olhar endurecido para eles, então
gesticulou novamente para seus guardas.
Sydney sentiu os dois homens segurando-a e empurrando-a
violentamente para frente. Ela caiu com força no chão, curvando-se
instintivamente para dentro como se quisesse se proteger, e forçou
a cabeça a ficar abaixada.
Ela ouviu as algemas nos pulsos de Winter se esticarem acima
dela e sabia que ele devia tê-la visto cair.
— Deixe-me perguntar de novo — disse Penelope. Sua voz
parecia permanecer a mesma, mas Sydney podia ouvir o menor
endurecimento das palavras. — Onde está?
Os pensamentos correram pela cabeça de Sydney. Até agora,
Sauda e Niall saberiam de sua situação – seu breve sinal para eles
deveria ter feito isso. Ela sabia que a Panaceia faria tudo o que
pudesse para tirá-los de lá. Mas eles ainda não tinham como saber
onde Winter e Sydney estavam sendo mantidos, especialmente
agora que estavam a bordo de um navio em movimento. Todos os
seus dispositivos foram retirados deles. Eles estavam fora do radar
e ainda por conta própria.
A única graça salvadora deles foi o fato de o corpo de Winter ter
desaparecido de um hospital. A notícia de que ele foi baleado no
palco já deveria ter chegado aos noticiários. Isso significava que
todos os fãs do planeta estavam procurando desesperadamente por
atualizações sobre como Winter estava indo. Se Panaceia não
conseguisse encontrá-los, talvez o resto do mundo pudesse.
Ela sabia que Penelope sabia disso. Winter teria que morrer
logo. O som das ondas batendo contra o casco do navio ecoou pelo
corpo de Sydney.
— Ainda sem resposta? — Penelope disse, e desta vez Sydney
olhou para cima do chão. A garota parecia triste, como se a
estivessem forçando a ser cruel. — Por favor, Winter. Eu poderia
jurar que você se importava com ela mais do que isso.
Os olhos de Sydney dispararam para Winter. Ele ainda estava
deitado na mesa, com a cabeça voltada para ela o máximo que
podia, e seus olhos estavam arregalados, brilhantes de medo. Foi-
se o flerte, a arrogância graciosa e o sorriso travesso. Ele olhou
para ela como se implorasse para ela fazer alguma coisa, como se
algo de seu treinamento com Panaceia pudesse entrar em ação a
qualquer momento para salvá-los.
Ele olhou para ela do jeito que fazia quando ela foi envenenada.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, um dos guardas
agarrou um punhado de seu cabelo e forçou sua cabeça para cima.
Ela estremeceu quando ele puxou forte o suficiente para trazê-la
momentaneamente para fora do chão.
— Segure a boca dela aberta — disse Penelope.
Sydney viu a garota se aproximar dela e então segurar o cubo.
Tudo nela parecia se estreitar em uma lâmina. Seu medo canalizou
sua concentração em uma agulha.
— Pare! Pare!
A voz de Winter, rouca e angustiada, cortou o momento.
Sydney encontrou seus olhos e viu resignação neles. Não, ela
queria gritar com ele. Não, não deixe que eles quebrem você agora.
Winter desviou os olhos dela e voltou-se para Penelope.
— Eu estava com ele. Na casa. Está na minha bagagem, nunca
dei a ela.
Sydney não podia acreditar em seus ouvidos.
A mentira escapou de seus lábios como água, tão sem
hesitação e tão cristalina em seu desespero que por um instante ela
esqueceu que a Panaceia existia. E aqui ela pensou que Winter
estava muito apavorado para saber o que fazer ou dizer. Uma
lembrança voltou a ela de Winter desde sua primeira apresentação
– a maneira como ele se transformou em um segundo de um
menino amarrado contra o chão em um destruidor de corações de
olhos escuros. A maneira como ele se libertou de suas amarras.
Só agora ela viu suas mãos torcendo sutilmente contra as
restrições, movendo-se tão silenciosamente que poderia muito bem
ser um ato mágico. Ele estava trabalhando para se libertar e
ninguém percebeu.
Sauda ficaria orgulhosa.
Penelope estreitou os olhos para ele. A hesitação antes de
responder disse a Sydney tudo o que ela precisava saber. As
palavras de Winter pegaram a jovem de surpresa, e agora ela
estava considerando a verdade.
— Isso é um alívio — disse ela a Winter.
Então ela pegou o cubo e enfiou na boca de Winter.
Winter congelou, paralisado, com muito medo de se mover.
Penelope pegou um pedaço de fita adesiva de um dos
seguranças e selou o cubo firmemente dentro da boca de Winter.
Sydney estremeceu com a fria eficiência de seus movimentos
contrastando com seus grandes olhos de corça.
— Obrigado por sua ajuda — disse ela. — Vou mandar alguém
verificar isso.
Na mesa, Winter fechou os olhos e estremeceu contra a
mordaça. Suas mãos continuaram a trabalhar.
Sydney deitou a cabeça no chão, como se estivesse exausta
pela verdade, mas em vez disso, ela aproveitou a oportunidade para
estudar Winter. Não se mova, ela implorou silenciosamente. Não se
mova.
Ele olhou para ela. O olhar que ele deu a ela agora não era
desesperado ou suplicante, mas significativo. Ele engoliu em seco.
Sydney viu suas mãos se contorcerem novamente.
E em um piscar de olhos, ela entendeu.
Seus olhos foram para o segurança mais próximo, então para a
faca em seu cinto.
Penelope se recostou na cadeira e balançou a cabeça,
decepcionada com Winter.
— Uma vida perfeita — ela meditou. Ela olhou para Sidney. — E
aqui está você, desperdiçando tudo pela Panaceia.
Sydney ficou tensa, preparada para agir. Tudo nela se
concentrou em Winter.
Então, de repente, ele se lançou para o lado. Em um piscar de
olhos, sua mão escorregou por uma das amarras e seu braço ficou
totalmente livre. No instante seguinte, ele arrancou a fita adesiva da
boca e cuspiu o cubo na mão.
Ao mesmo tempo, Sydney ficou de pé. O segurança ao lado
dela só teve tempo de colocar a mão no coldre de sua arma antes
que ela se virasse para ele e virasse as costas – suas mãos
amarradas se fecharam ao redor do cabo da faca e a arrancaram de
seu cinto.
Ela sentiu mais do que viu o homem apontar a arma para ela.
Ela jogou todo o seu peso sobre ele – ele perdeu o equilíbrio e caiu
para trás. Enquanto ele o fazia, ela enfiou a faca no nó da corda que
amarrava suas mãos e a enfiou com toda a força que pôde. Ela
sentiu a lâmina cortar os fios. Apenas o suficiente.
Ela puxou com toda a sua força.
A corda protestou um segundo, depois se soltou.
Então ela olhou para Winter. Ao mesmo tempo que ele jogava o
cubo na direção dela, ela jogava a faca na direção dele.
Ele pegou a faca. Ela pegou o cubo pela corda.
Sydney podia sentir a queimadura do cubo em sua mão. Ela o
colocou no chão e colocou a bota sobre ele.
— Ninguém se move — disse ela.
Penelope enrijeceu. Dois seguranças se adiantaram, seus
corpos protegendo-a. Connor congelou, olhando-os com cautela.
Ela olhou para Winter.
Só havia um lugar para o qual eles poderiam ir agora, sua única
ligação potencial com o mundo exterior. A ponte.
— Vá — disse ela em voz baixa para Winter.
Ele encontrou seu olhar uma vez, então disparou para fora da
sala. De alguma forma, ela poderia dizer que ele sabia exatamente
onde ela queria que ele fosse.
A ponte ficava do outro lado do navio – e eles tinham uma dúzia
de homens armados atrás deles. Ela já podia sentir a tensão
chegando em seus pulmões. Sabia que ela não poderia fazer esse
tipo de corrida.
E Winter levou um tiro no ombro.
Sydney mudou de posição de modo que suas costas
enfrentassem a porta. Penelope olhou para ela enquanto ela ia.
Então seus olhos piscaram levemente para o canto atrás de
Sydney.
Os olhos de Sydney seguiram seu olhar instintivamente.
Levou apenas um segundo…
E então Connor se lançou sobre ela, estendendo a mão para o
cubo sob seu pé.
Sydney pensou na expressão horrorizada de Eli quando o
objeto quebrou em sua boca.
Esta era sua única chance de sobreviver.
Sydney cerrou os dentes. Ela puxou a camisa sobre o nariz e a
boca.
Então ela virou o cubo para cima de sua bota e o chutou com
força na parede, onde ele se quebrou.
31

Ainda não acabou

A dor irradiava da ferida no peito de Winter. Ele estremeceu quando


disparou entre duas fileiras estreitas de contêineres, suspendendo-
se sobre eles pressionando as mãos e os pés com força contra as
paredes, e se dissolveu nas longas sombras. O movimento enviou
espasmos de agonia por ele, ele fez uma careta, apertando os olhos
fechados. Sua respiração vinha em rajadas rasas. O vento frio do
oceano soprava em seu cabelo e ardia em suas bochechas. O sol
estava começando a se pôr.
Atrás dele veio a comoção da sala da qual ele acabara de
escapar. Gritos estrangulados, sons de engasgos. O grito
estrangulado de Connor.
Então ele viu Sydney correndo primeiro, os olhos bem fechados,
a camisa puxada sobre a boca.
O cubo de Paramecium deve ter se quebrado.
Ela o avistou e correu em sua direção. Ele gesticulou para que
ela o seguisse pelas sombras.
Havia outros guardas a bordo do navio. Ele podia ver lampejos
de movimento à distância entre as torres de contêineres, comandos
abafados sendo gritados. Talvez Penelope já tivesse alertado o resto
do navio de que eles estavam soltos.
Quando Sydney o alcançou, ele ouviu o som revelador do leve
chiado no final de sua respiração. Era como ele ficava sempre que
se esforçava demais durante a turnê. Seus pulmões devem estar
doendo.
Diante de sua expressão, Sydney fez uma careta e balançou a
cabeça, acenando.
— Estou bem — ela retrucou, olhando na direção do sol poente.
— Ponte.
Mechas do cabelo de Winter se prenderam em seu rosto
enquanto ele olhava para a ponte.
— Não podemos ir direto — disse ele, apontando para onde viu
vários guardas correndo. A dor em seu peito o deixou tonto.
Sydney assentiu, examinando o convés.
— Precisamos nos separar também — respondeu ela. — Nos
dá duas chances de chegar lá.
O sol já havia descido até a metade do oceano. Suas silhuetas,
juntamente com os contornos imponentes de pilhas e esqueletos de
grades de células, eram iluminadas por laranja e ouro brilhantes.
Vê-los se movendo contra isso era muito fácil, embora também
significasse que eles poderiam desaparecer nas longas e extensas
sombras.
Ele apertou o peito e olhou para os pilares de aço das grades.
Pelo menos quatro andares de altura.
Sydney pegou sua expressão.
— Eu vou subir — ela disse, apontando para o topo das torres
da grade. — Você desce. — Ela gesticulou para as escotilhas que
levavam ao convés inferior.
— Não — disse ele, balançando a cabeça. — Sua respiração.
— Você levou um tiro.
— Posso escalá-lo mais rápido — disse ele com os dentes
cerrados. — Eu estarei mais seguro lá em cima. É muito alto para
eles terem uma visão clara, então eles terão que me seguir. Você
vai chegar lá antes de mim.
Ele podia ver a preocupação brilhando nos olhos de Sydney.
Quando ela falou, porém, sua voz era firme.
— Tudo bem — disse ela, puxando uma arma.
Ele nem a tinha visto tirá-lo de um dos guardas. Mãos de ladra,
pensou com admiração.
— Não espere por mim se você chegar lá primeiro.
Ela encontrou seu olhar solenemente.
— O mesmo para você. Basta enviar o pedido de ajuda.
Eles permaneceram próximos um do outro por um segundo,
como se relutassem em se separar. Por um instante, Winter
percebeu que esta poderia ser a última vez que eles viam um ao
outro. Ele se viu observando o emaranhado de seu cabelo, o
arranhão sangrento em sua bochecha. O azul tempestuoso de seus
olhos.
— Vejo você lá — ela murmurou para ele, seus olhos voltados
para os dele.
Ele assentiu.
— Vejo você lá.
Ela acenou de volta. Então ela correu para a escotilha e ele
desviou o olhar para acelerar em direção ao pilar de aço mais
próximo.
Seu ferimento gritou quando ele começou a subir a escada do
guindaste. Assim como um de seus movimentos durante a última
turnê. Assim como os ensaios. Sua memória muscular entrou em
ação, e ele deixou que ela o guiasse através da dor. O mundo ao
seu redor pareceu piscar quando o pilar bloqueou parte do brilho do
sol poente – e se ele se permitisse, poderia acreditar que este era
mais um de seus atos de palco, que o assobio do vento ao seu
redor era os aplausos. da platéia, a luz que o cegava vinha dos
holofotes apontando para sua figura em movimento. Tudo nele
tremeu. Sua força já estava vacilando.
Lá embaixo, ele ouviu os primeiros sons dos guardas que
chegavam. Então, o ping inconfundível de uma bala contra a grade
de aço. Ele continuou.
Ele podia sentir o sangue vazando de seu ferimento e, quando
olhou, pôde ver o curativo sob sua camisa rasgada ficando de um
carmesim mais profundo.
Como Artie se sentiu quando foi baleado? Ele teve medo de
morrer, se arrependeu de se juntar a esses tipos de missões? Ele
sentiu tristeza por nunca mais ver sua família?
Winter olhou para cima, ansiando pelo topo da grade. Mais dois
andares. Seu corpo tremeu.
Outra bala sibilou perto dele. Ele ouviu isso atordoado – de
alguma forma, os gritos lá de baixo pareciam vir de alguma outra
linha do tempo, como se tudo acontecendo ao seu redor fosse
apenas um filme passando. Talvez nada que já tivesse acontecido
com ele tivesse sido real. Sua vida inteira foi um palco.
Continue. Ele arriscou um olhar para baixo para ver dois dos
homens agora tentando segui-lo, e um terceiro acenando na direção
do guindaste que pairava entre ele e a ponte.
Seu coração afundou quando viu um quarto abrir a escotilha
abaixo e descer com mais dois homens.
Ele tinha visto o quão rápido Sydney podia se mover. Com os
corredores tão estreitos quanto provavelmente eram lá embaixo, ela
pelo menos tinha uma chance de afastá-los.
Mais um andar.
Ele cerrou os dentes quando seu próximo puxão enviou dor
através dele. O suor encharcava sua pele e escorria pelos lados de
seu rosto. Suas mãos tremiam, seu aperto mal estava firme. Ele
podia sentir o vento abaixo dele, podia sentir a facilidade com que
poderia despencar agora mesmo para a morte.
Continue.
No horizonte, o sol estava afundando rapidamente no oceano, e
as cores do céu mudaram, os laranjas mais brilhantes, os rosas tão
exagerados que pareciam falsos.
Ele pensou no píer, em Artie ao seu lado, e na maneira como
ele riu ao chutar uma das vigas de suporte de madeira. Os braços
de Winter se moveram entorpecidos, puxando-o para cima. Sua
cabeça girava em náusea e névoa. O mundo ao seu redor parecia
se inclinar.
E então…
O pilar de aço parou abruptamente, e ele sentiu suas mãos
pousar em uma superfície plana, e ele estava lá em cima, no topo
da grade, o vento soprando em seu rosto. De alguma forma, ele
conseguiu pular por cima e então se agachou ali, tonto com a vida,
uma mão pressionada contra o ferimento.
Lá embaixo, um dos homens estava no meio da grade. Ele
estaria aqui em breve.
Mexa-se.
A ordem ecoou na cabeça de Winter e ele voltou o olhar na
direção da ponte. Ele se arrastou para ficar de pé. E ele correu para
salvar sua vida.
As grades eram mais largas do que ele poderia esperar –
mesmo com seu equilíbrio instável e perda de sangue, ele se viu
capaz de navegar por elas. À frente dele, o sol ofuscante
mergulhava ainda mais no oceano, e as cores do céu mudaram
novamente, de rosa para roxo.
Ele olhou por cima do ombro para ver que o guarda que o
perseguia havia chegado ao topo da grade e estava correndo em
sua direção mais rápido do que Winter poderia correr.
A dor no peito agora parecia atingir todas as partes de seu
corpo, e ele sentiu a cabeça girar com a perda de sangue. Ele
tentou forçar seus músculos a se moverem como sempre fora
capaz, para fazer o show continuar. Mas ele não podia desta vez.
Eu não posso fazer isso.
O pensamento passou por sua mente com uma finalidade
terrível. Ele ficou onde estava, a ponte ainda fora de alcance, o sol
finalmente se pondo no mar. Através de sua visão embaçada, ele
viu o atirador se aproximar dele e ficar de pé sobre sua figura caída.
— Artie — ele se pegou sussurrando, o nome escapando como
se de algum lugar no fundo de seu subconsciente. Ele se perguntou
quais seriam os pensamentos finais de seu irmão, e se ele sentiu
algum medo.
Sydney. Sydney nunca o deixaria desistir assim. Mas ela não
estava aqui, e ele estava sozinho.
No entanto, tudo o que Winter podia fazer era observar o
atirador parado no alto e apontar o cano de sua arma diretamente
para ele.
Tudo o que ele podia fazer era vê-lo apertar o gatilho.
Então sua mão roçou o forro do bolso da calça. O broche do
hotel de Sydney. Ele havia se esquecido completamente disso.
Não há tempo para pensar. Ele agarrou – a lâmina saiu do pino,
uma agulha brilhando ao sol poente.
Ele esfaqueou para cima ao mesmo tempo em que o homem
disparou a arma.
32

O voo final

Havia algo sobre esse voo, sua corrida por esses corredores
estreitos e iluminados por lâmpadas fluorescentes diretamente
abaixo do convés do navio de carga, que lembrava Sydney de seu
corredor de volta para casa.
À medida que avançava, tentava em vão prender o telefone à
placa de sinalização do navio. Winter ainda estava subindo lá? Ele
já havia chegado à ponte? Ela ouviu passos ecoando atrás dela e
disparou por um cruzamento em uma parte mal iluminada do
corredor. Seus próprios passos retiniam alto, mas ela não tinha
tempo para parar agora. Tudo o que ela sabia era que haveria mais
passos atrás dela se Winter não tivesse subido na grade.
Ela se perguntou se ele ainda estava a caminho. Ela se
perguntou se ele ainda estava vivo.
Várias vigias apareceram na lateral da parede, e ela
desacelerou momentaneamente para olhar para fora, notando a
lateral do navio que podia ver. Ela estava se aproximando da ponte
agora.
Sem aviso, ela dobrou outra esquina e deu de cara com dois
guardas.
Eles a encararam por uma fração de segundo. Naquele
momento, Sydney se agachou e se chocou contra o primeiro
guarda. Ele grunhiu, aparentemente surpreso com a força dela, e
bateu com força na parede. O segundo guarda sacou sua arma,
mas ela estava sobre ele antes que ele pudesse usá-la, trazendo
seu cotovelo para cima para bater violentamente na mandíbula dele.
Sua cabeça bateu na parede com força – seu corpo se contorceu.
O primeiro guarda agarrou seu pulso e o torceu...
Vá com o movimento, Niall a ensinou.
Então ela foi. No instante em que o guarda tentou torcer seu
pulso, ela torceu com ele, girando contra a parede antes de voltar
seu impulso para ele. Em um movimento, ela o chutou e acertou seu
peito.
Ele voou para trás contra a parede. Ela pegou a arma do
segundo guarda do coldre e bateu com força contra o rosto do
primeiro guarda.
Sua cabeça virou para um lado. A luz piscou em seus olhos, e
ele caiu contra a parede.
Sydney embolsou a segunda arma e continuou correndo, sem
se preocupar em olhar para os corpos inconscientes. Seus pulmões
se apertaram em protesto, e ela sentiu a dor familiar ondulando em
seu peito. Ela viu sua mãe deitada em seu leito de morte, ofegando
em um ritmo lento, resmungando para Sydney ficar.
Isso se transformou na memória dela ofegando sozinha em seu
quarto após uma de suas sessões de treinamento mais intensas,
recusando-se a ligar para Niall ou Sauda pedindo ajuda por medo
de revelar a verdade a eles.
Você pode ir amanhã cedo? Niall tinha mandado uma
mensagem para ela naquela noite em relação a uma nova missão.
Sim, ela respondeu imediatamente.
Tem certeza de que consegue?
Ela cerrou os dentes enquanto digitava, eu posso fazer isso.
Ela poderia fazer qualquer coisa. Ela se tornaria a melhor
agente que eles já tiveram, digna de ficar, digna de fazer algo
significativo, mesmo que isso a matasse.
Corra, ela disse a si mesma agora. Ela ignorou seus pulmões e
forçou-se a seguir em frente.
Por fim, ela viu uma escada no final do corredor que levava de
volta ao a superfície. A ponte deveria estar à frente e, com alguma
sorte, Winter deveria ter chegado lá muito antes dela.
Ela subiu a escada e lançou sua força para abrir a escotilha. A
luz do entardecer a cumprimentou, junto com uma lufada de ar
fresco e arejado e a visão da janela da ponte acima de um lance de
escadas.
Sydney nem se permitiu um momento para sentir alívio. Ela
apenas disparou para o convés e em direção à ponte. Ela já podia
ver homens correndo em sua direção do outro lado do convés.
Winter estava longe de ser visto.
O mundo ao seu redor parecia desacelerar. Seu campo de visão
afunilou. Winter não estava aqui. Ele não conseguiu.
Não. Ela não sabia disso com certeza. Escadas primeiro. Sua
mente voltou para sua tarefa. Ela estava empurrando seus pulmões
além de suas habilidades, e ela os sentiu protestar, sua respiração
tornando-se rápida. Ainda assim, ela subiu os degraus, então se
chocou contra a porta que dava para a ponte e irrompeu no espaço.
Penelope Morrison já estava aqui.
Ela ficou com os braços atrás das costas, observando Sydney
com uma calma mortal. Alguns de seus homens estavam ao seu
redor, suas armas apontadas para Sydney. E atrás de Penelope
estava o painel de controle da ponte, as luzes acendendo e
apagando na noite que se alongava.
Pontadas de dor atravessaram seu peito, afiadas o suficiente
para fazer estrelas explodirem em sua visão. Sydney podia ver o
telefone atrás da garota, seu sinal para o resto do mundo, sua
chance de alertar a Panacea sobre sua localização e status.
Mas a linha do telefone já foi cortada.
Sua ligação com o mundo exterior foi cortada.
— Atire nela — disse Penelope simplesmente.
Sydney se jogou no chão quando os primeiros tiros foram
disparados. Ela enfiou a mão no bolso, encontrou a caneta e fechou
os olhos. Então ela bateu contra o chão.
A luz explodiu em todos os lugares. Penelope recuou com as
mãos para cima, parcialmente protegida do brilho ofuscante pelos
corpos de seus homens. Eles gritaram, suas mãos voando
instintivamente para seus rostos.
Sydney podia ver o brilho mesmo através das pálpebras de
seus olhos fechados. O mundo brilhou em um vermelho abrasador.
Ela sabia que era brilhante o suficiente para deixar manchas em sua
visão por um tempo.
Memorize cada cômodo em que você entrar, Niall a ensinou.
Você nunca sabe quando precisará escapar de olhos vendados.
Ela não teve tempo de esperar que sua visão se estabilizasse.
Agora ela pensou em onde cada pessoa estava e de onde vinham
seus gritos. Ela correu em direção ao primeiro guarda – antes que
ele pudesse piscar o brilho de seus olhos, ela o atingiu com força na
garganta. Ele fez um som engasgado antes de amassar. Ela bateu
no segundo, então usou o impulso de seu corpo para bater no
terceiro.
Ele bateu a cabeça no chão e ficou mole.
O telefone estava desligado. Sua mente disparou, incitando-a a
parar para que seus pulmões não parassem.
Se você não pode ser rápida, seja inteligente, ela lembrou a si
mesma.
O sinal do navio disparou.
Ela sentiu o cano frio de uma arma pressionada contra sua
têmpora.
— Teimosa como eu — Penelope resmungou, seu braço de
fogo firme.
Onde estava Winter?
Eles o pegaram. Ele estava morto.
O pensamento correu por Sydney em uma onda de dor. Ela
esteve em missões antes onde os agentes foram mortos. Mas
Winter…
Uma explosão de raiva a atingiu. Sydney deu um pulo para o
lado e deu um soco ao mesmo tempo. Ela atingiu o braço de
Penelope bem no momento em que a arma disparou.
A explosão soou como uma explosão, tão perto que Sydney
sentiu o calor contra sua pele.
Penelope apontou a arma de volta para ela, mas Sydney jogou
sua cabeça para trás e a golpeou com toda a força que pôde.
Penelope cambaleou para trás. Sydney investiu contra ela, com
o objetivo de arrancar a arma da mão da garota, mas Penelope já
havia se recuperado e se virou para o lado com uma velocidade
surpreendente. Ela parecia atordoada, no entanto. A garota não foi
treinada para o combate, não com aquele corpo frágil.
Mas isso não significava que seus guardas ainda não eram
implacáveis.
Sydney já viu os homens se recuperando, dois deles se
levantando e o terceiro se levantando e encarando-a. Os espasmos
em seus pulmões apertaram sua respiração – uma, duas vezes, tão
agudamente que ela se curvou para a frente por um segundo. Ela
não podia continuar lutando contra tantos deles. Sydney voltou os
olhos para as janelas da ponte.
— É uma pena — Penelope disse a ela enquanto ela circulava
em uma tentativa de se aproximar de uma saída. — Acho que
poderíamos ter sido amigas.
— E por que isso? — Sydney disparou de volta, sua voz fina
com dor.
— Porque a perda também move você.
Não havia desdém ou provocação em sua voz. Apenas empatia
genuína. De alguma forma, Penelope podia sentir isso em Sydney,
as feridas que ela trabalhou tão incansavelmente para preencher. A
conversa deles antes do show voltou para ela. Talvez pessoas como
eles sempre se sentissem atraídas umas pelas outras.
O primeiro dos guardas de Penelope investiu contra Sydney.
Desta vez, quando ela disparou para longe de seu golpe, ele girou
com ela e acertou sua mandíbula com um golpe de raspão.
Estrelas explodiram em sua visão e a dor atravessou sua
mandíbula. Ela girou, batendo contra o painel do console da ponte.
Sydney não tentou atacá-lo novamente. Ela estava ficando sem
tempo e força. Em vez disso, ela subiu no quadro – sua mão
encontrou o telefone cortado e ela o bateu contra a janela com toda
a força que pôde.
Uma vez. Duas vezes.
O vidro quebrou. Quando o guarda estendeu a mão para a
perna dela, ela se impulsionou pela abertura, ignorando como o
vidro quebrado cortou sua mão enquanto ela avançava.
— Eu sei o que você está sentindo — ela gritou de volta para
Penelope, sua voz tensa.
A mandíbula de Penelope se apertou, ofendida.
— Você não sabe.
— Eu sei. — Ela encontrou os olhos da garota com firmeza. —
E isso não vai lhe trazer a paz que você deseja.
— E você encontrou sua paz? — ela disse.
— Deixei meus pesadelos para trás.
Penelope virou a cabeça para Sydney. Ela parecia triste.
— Acho que você acabou de trazê-los com você.
Então Sydney estava do lado de fora da ponte e deslizando
para o convés. O vento frio passou por seus cabelos.
Ela caiu no chão e se levantou rápido o suficiente para ver
Penelope voltar para dentro. A garota devia saber que Sydney
estava indo para os sinalizadores – e com certeza, Penelope saiu
pela porta da ponte e se dirigiu para a parte de trás, onde os
sinalizadores provavelmente estavam guardados em um recipiente à
prova d'água.
Ela iria destruí-los.
Os guardas de Penelope contornaram a ponte e atacaram ela.
Ela lutou para ficar de pé, mas um deles já havia segurado sua
perna. Em um único movimento, ela foi arrebatada. Seu queixo
atingiu a borda da janela da ponte e sua visão ficou embaçada por
um instante com o impacto. Ela chutou cegamente.
Agora o homem a balançou, arrastando-a pelo chão. Ela
engasgou quando sentiu seu tornozelo torcer para o lado errado.
Seu corpo caiu no convés. Seus pulmões estavam tensos – ela
estava tendo problemas reais para respirar agora. Instintivamente,
ela rolou – e sentiu uma bala atingir o metal do convés bem perto de
onde seu rosto estivera. O guarda pressionou o gatilho contra ela
novamente – as mãos de Sydney voaram em vão para seu rosto.
A arma estalou vazia neste momento. Sem balas.
Ele rosnou e se lançou para ela.
Sydney chutou com a perna boa – a bota dela conectou com a
dele virilha. Os olhos do homem se arregalaram; todo o seu corpo
ficou rígido. Sydney o chutou novamente, desta vez acertando-o
com força no rosto. A luz piscou em seus olhos e ele caiu no
convés.
Sydney se levantou, ofegante, sua dor no peito fazendo-a
dobrar a cada respiração difícil. Ela pensou em uma missão anterior
em que foi capturada e presa em uma cela de prisão, onde um
guarda a chutou com tanta violência no estômago que ela sentiu
como se estivesse se afogando. Seus olhos varreram a grade que
se elevava ao seu redor, as silhuetas nítidas contra a noite que se
alongava e as luzes artificiais que agora brilhavam. Nenhum sinal de
Winter.
Ele estava morto. A percepção das palavras anteriores de
Penelope para ela agora apunhalava seu peito. A inclinação casual
de seu rosto, o sorriso travesso e de soslaio que às vezes lhe dava.
Ele se foi. Ele deveria estar morto.
Por que diabos ela se apegou a alguém como ele? Por que eles
tiveram que tirá-lo de sua vida perfeita e colocá-lo em perigo? O que
eles diriam ao mundo? A mãe dele?
Ela se importaria? Ela ficaria aliviada?
Ela nunca deveria tê-lo deixado ir. Ele foi ferido. Ele nunca
deveria ter escalado...
Sem tempo. Sem tempo. Sydney forçou-se a ficar de pé
novamente, desviando os olhos da grade e de volta na direção que
Penelope tinha ido. Uma nova raiva incandescente a envolveu. Ela
ignorou a dor de seu tornozelo latejante e começou a mancar o mais
rápido que pôde ao redor da ponte. Seu foco se estreitou em um
túnel brilhante. Sua respiração ofegou alto. Seus pulmões gritavam
para ela parar.
Entrar em contato com a Panaceia. Entrar em contato com o
mundo exterior.
Assim que ela alcançou a parede onde os sinalizadores
estavam localizados, seus pulmões finalmente atingiram o ponto de
ruptura. Eles agarraram – e Sydney caiu, lutando para respirar. Ela
estava deitada em uma cela de prisão novamente, ofegando como
um peixe.
Ela sentiu a presença da outra garota mais do que a viu. As
sombras no chão piscou, e Sydney olhou para cima através de sua
visão de natação para ver Penelope pulando nela.
De alguma forma, através de sua luta para respirar, Sydney
conseguiu rolar para fora do caminho, mas Penelope viu o
movimento chegando e se mexeu com ela. Então Penelope estava
em cima dela, prendendo-a com as pernas, e suas mãos estavam
em volta do pescoço de Sydney.
Penelope não era tão forte quanto ela, mas Sydney estava
muito exausta para afastá-la. Ela lutou para sugar o ar o suficiente –
seu peito explodia de dor a cada vez – seus olhos se arregalaram
em agonia. Ela ia se afogar aqui. Ela tentou rolar a garota, mas
quando olhou para o lado, viu mais dois guardas de Penelope
correndo em direção a elas. Um deles apontou uma arma para ela.
Estava acabado. Sydney sabia que seus lábios deviam estar
ficando azuis agora, sua boca abrindo e fechando em suspiros. A
escuridão estava se aproximando, junto com a inevitabilidade de
sua morte. Então, era assim que ela iria. Sozinha, a bordo deste
navio, depois de ter falhado em uma missão, sem fôlego. Seu
parceiro se foi.
Sydney agarrou o rosto de Penelope, mas a falta de ar a
enfraqueceu e a jogou fora, e Penelope continuou severamente. Os
olhos da garota estavam vazios agora, mas por trás deles, Sydney
ainda podia ver o pulsar daquela estranha empatia, como se
Penelope estivesse se sufocando.
Era assim que terminaria. Lágrimas surgiram nos olhos de
Sydney enquanto ela lutava para respirar. Sua cabeça se inclinou na
direção dos sinalizadores.
E só então ela o viu.
Ele parecia curvado, e a mão segurando seu ombro ferido
estava coberta de sangue, e seu cabelo preto estava manchado de
sangue, e seus braços estavam cortados em sangue, mas Winter
estava parado ali, perto das chamas, com algo agarrado em sua
outra mão. punho. Os lábios de Sydney tremeram.
Winter.
O sangue salpicou seus braços e escorria pelo peito. Mas ele
estava aqui. Ele ainda estava vivo.
E de repente, ela se lembrou de ter sido resgatada da cela da
prisão durante sua missão anterior, do rosto rude e gentil de Niall
curvado para ela, suas mãos ajudando-a a se levantar. Hora de ir,
garota, ele disse.
Winter ergueu o braço bom e apontou o objeto para o alto.
Um sinalizador.
E assim que Penelope percebeu para onde Sydney estava
olhando, Winter disparou.
33

Digno

Ele não esperou para ver se o sinalizador subia o suficiente ou se


explodia ou não. No instante em que ele disparou, ele simplesmente
largou e correu para Sydney. Seu ferimento provocava espasmos de
agonia em seu corpo, mas tudo em que conseguia se concentrar era
a visão dela ali no chão, das mãos de Penelope em volta do
pescoço, as lágrimas brilhando em seus olhos. Tudo o que ele podia
fazer era reagir ao olhar em seus olhos, o azul de seus lábios.
Como se ela estivesse fazendo as pazes com sua própria
morte.
Ah, inferno, não. As mãos de Winter se fecharam enquanto ele
corria.
Quando o primeiro guarda se aproximou dele, ele virou de lado
e chutou a parede da ponte, então torceu para que suas botas
acertassem o rosto do guarda. O movimento pegou o outro homem
completamente de surpresa. Winter aproveitou o momento para
chutar diretamente a mão armada do homem. A arma voou de seu
alcance e girou pelo convés em direção a Penelope.
Como se estivesse em câmera lenta, ele podia ver Penelope
estendendo a mão para a arma giratória. Ele se forçou a avançar.
A bota dele atingiu a arma antes que ela pudesse alcançá-la.
Ele girou para o lado. Ele caiu e rolou com ela. Lágrimas queimaram
sua visão pela dor. Ele apertou a mandíbula e pegou a arma com o
que restava de sua força.
Então sua mão se fechou ao redor do aperto. Ele se contorceu
contra o chão para apontar para Penelope. Presa embaixo dela, os
movimentos de Sydney pararam.
Penelope olhou para ele, então deu-lhe um sorriso duro. Suas
mãos permaneceram em volta do pescoço de Sydney.
Você não consegue fazer isso, seus olhos diziam.
Estranhamente, neste momento, ele viu uma centelha de algo que
reconheceu nela, um profundo e selvagem poço de raiva que ele
notou pela primeira vez no apartamento dela.
De repente, ele sentiu alguém bater forte nele. Mãos
arranharam seu rosto e lutaram para pegar sua arma.
No borrão, ele reconheceu seu agressor – era Connor, o rosto
ensanguentado do Paramecium que explodira no depósito, os olhos
vermelhos e lacrimejantes devido à queimadura química. Seu
rosnado sacudiu asperamente em sua garganta, como se estivesse
morrendo.
Ainda assim, ele era forte. Winter caiu no chão com o ataque.
Ele lutou para segurar sua arma, mas Connor agarrou seu pulso,
forçando-o a soltá-la. Winter chutou antes que o homem pudesse
segurar a maçaneta. A arma derrapou pelo convés.
Em algum lugar distante, Winter pensou ter ouvido o som de
hélices de helicóptero.
Connor deu um soco em seu rosto. Winter conseguiu se
esquivar do golpe, mas um segundo punho o atingiu no queixo.
Estrelas explodiram em sua visão. Ele se virou e rolou, lembrando
um pouco da coreografia que aprendera uma vez, então lutou para
ficar de pé.
Mas ele não era um lutador treinado. Tudo o que ele tinha eram
truques e ilusões. E ele estava ficando sem tempo.
Connor se lançou para a arma que Winter chutou para o outro
lado do convés. Winter disparou atrás dele. Ele conseguiu pegar os
sapatos do homem. Ambos caíram no chão.
Connor olhou para trás e torceu os lábios feridos para Winter.
Quando ele falou, as palavras saíram em um chocalho borbulhante.
— Você vai morrer comigo — ele sibilou. Ele chutou os braços
de Winter. Winter estremeceu quando o sapato do homem atingiu
seus dedos. Um segundo chute.
Winter não aguentava mais. Ele soltou Connor, e o homem se
libertou. Ele pegou a arma.
Estava acabado. Winter olhou impotente enquanto o homem se
aproximava da arma, preparando-se para quando Connor agarrasse
a arma e girasse para ele. Perto dali, Penelope estava saindo de
cima de Sydney.
Mais uma vez, ele pensou ter ouvido hélices de helicóptero, mas
tudo parecia lento e distante. Eles não iriam sair daqui vivos. Sydney
se moveu um pouco contra o chão, a cabeça ainda virada para ele,
mas ele viu seus olhos fechados. Seu corpo estava se contorcendo
de dor enquanto ela lutava para respirar.
Não. Não.
Era como perder Artie de novo. Era como acordar às seis da
manhã com o som da voz angustiada de sua mãe no andar de
baixo, ela perguntando incrédula repetidamente se eles haviam
identificado o corpo certo. Era ele sentado indefeso no topo da
escada, sabendo que tinha acabado de deixar seu irmão partir para
a morte sem nunca se despedir adequadamente. Era ser incapaz de
salvar uma pessoa que ele amava.
Uma pessoa que ele amava.
Ele podia sentir-se deteriorando rapidamente, a adrenalina que
o carregou todo esse tempo finalmente caindo quando sua perda de
sangue começou a alcançá-lo. Seu peito estava dormente, seus
membros formigavam. A corrida que ele havia feito minutos antes na
grade de aço parecia impossível agora.
Sydney pareceu se virar fracamente em sua direção. Por um
momento, ele pensou que eles trocaram um olhar final.
Então algo a fez olhar para cima e para longe dele. Ele piscou
lentamente.
Como Artie se sentiu quando finalmente morreu? Ele estava
com medo?
E por um momento, Winter pensou ter visto seu irmão agachado
ao lado dele, aqueles pensativos olhos escuros voltados para ele e
uma ruga na testa. Ele deu a Winter um sorriso triste.
Winter olhou para ele, desejando alcançá-lo, sabendo mesmo
agora que não poderia.
Eu realmente pensei que tinha mais tempo com você, ele
sussurrou, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa.
Tudo que eu sempre quis foi ser como você.
A última coisa que viu foi Artie pegando sua mão.
Não, não era Artie. Era…
… um soldado de uniforme preto?
E então o bater das hélices do helicóptero tornou-se
avassalador, parecendo engolfá-lo. Ele estava imaginando coisas?
A bala da arma de Connor nunca veio. Em vez disso, o soldado
vestido de preto estava gritando na cara dele, perguntando se ele
podia ouvi-lo. Winter só podia olhar para trás em confusão. Ele
devia estar alucinando.
O mundo ao seu redor estava desaparecendo no nada. Tudo o
que ele queria focar eram as palavras que pareciam vir de algum
lugar de seu passado, como se fosse um sonho, palavras que
ecoavam em sua mente antes de ele cair completamente na
escuridão. Palavras de Artie.
Seja como você, Winter.
34

Respire

O helicóptero.
Depois, mais dois.
E então havia agentes em todos os lugares. Ela ouviu uma voz
estridente de um megafone acima. O vento soprado pelos
helicópteros fazia voar poeira e seus cabelos batiam no rosto.
Panaceia devia tê-los encontrado. Eles devem ter visto o
sinalizador.
Mas tudo que Sydney podia se concentrar era a dor
esmagadora em seus pulmões, a sensação de se afogar no ar, de
ser incapaz de respirar. Como em um sonho, ela viu uma equipe de
paramédicos correndo para eles, caindo do céu um após o outro,
podia sentir vagamente o estremecimento de suas botas batendo no
convés. Tudo o que ela podia fazer era lutar para manter Winter em
sua visão enfraquecida enquanto seus corpos se aglomeravam ao
redor deles, espiando entre a confusão de pernas para ver sua
figura imóvel, mesmo enquanto verificavam seu pulso e seus
membros em busca de ferimentos.
Seus gritos passaram por ela com o som do vento.
Ele pode não conseguir.
Como se estivesse à distância, ela sentiu uma máscara de
oxigênio pressionar seu rosto. Tudo em seu corpo avançou para ele,
sua alma se lançando no ar em uma tentativa desesperada de
respirar.
Ela sabia que deveria estar ouvindo a prisão de Penelope,
olhando enquanto os agentes algemavam os braços da garota atrás
das costas, notando a expressão em seu rosto. quando ela
encontrou o olhar de Sydney, como se esta não fosse a última vez
que eles se cruzariam.
Ela deveria estar pensando no que dizer quando tivesse que
confrontar Niall e Sauda.
Mas neste momento, tudo o que ela podia fazer era lutar para
inspirar e expirar. Ela podia ouvir um paramédico acima dela,
gritando encorajamento. Inspire, expire.
Mesmo quando ela se sentiu levantada em uma maca e
amarrada, ela manteve a cabeça virada na direção de Winter, com
medo de perdê-lo de vista. A primeira vez que ela o viu, ele entrou
no quartel-general da Panaceia com toda a arrogância e
insegurança de uma estrela, costas retas, olhos ardentes de vida,
faminto pela chance de provar a si mesmo. Desesperado por algo.
Mesmo agora, ela não conseguia desviar o olhar dele, podia
sentir a aura dele no ar.
Ela tentou imaginar a dor do mundo, caso Winter não
sobrevivesse.
Se ela morresse, alguém choraria?
Um dos paramédicos estava gritando algo na cara dela. Ela
levou um momento para reconhecer as sobrancelhas franzidas do
homem. Não era um paramédico.
Era Niall.
— Cossette! — ele gritou para ela, mas Sydney mal podia ouvi-
lo por causa do barulho dos helicópteros. — Respira, garota, vamos
lá.
A única vez que Niall chamou Sydney pelo sobrenome foi
quando ele estava com medo por ela. Sydney sentiu uma onda de
alívio com a presença dele, depois uma onda de angústia. Ela sabia
que isso seria o fim de tudo.
— Você é uma maldita pé no saco — Niall interrompeu. — Pare
de tentar discutir comigo e apenas respire!
Sydney piscou, envergonhada pelas lágrimas que de repente
brotaram em seus olhos. Ela queria dizer a ele que sentia muito. Ela
queria perguntar a ele o que havia acontecido entre ele e sua filha
verdadeira. Ela queria saber se ele poderia perdoá-la.
Ela estendeu a mão fracamente para a mão dele, como se fosse
uma criança, e ele a agarrou, como se fosse um pai. Niall não
estava olhando para ela agora; ele estava gritando instruções para
os outros. Ela tentou falar novamente, mas o mundo estava se
fechando rapidamente, e as bordas de sua visão escureceram. Ela
procurou novamente por Winter, mas a escuridão havia se tornado
opaca.
Inspire. Expire.
Então até mesmo esse instinto se dissipou e ela caiu em uma
escuridão sem fim.
35

A família que você encontra

A primeira coisa que Winter Young aprendeu ao acordar foi que as


manchetes sobre seu tiroteio cobriam o mundo. Ele podia ouvir a
comoção do lado de fora do hospital de sua suíte, um quarto
espaçoso com um conjunto de janelas duplas que davam para o
pátio frontal do prédio. Eles estavam cantando seu nome lá
embaixo, e de vez em quando uma onda de aplausos surgia, e
Winter só podia imaginar que era porque eles tinham visto alguma
atualização sobre seu status.
A outra notícia que viu na tela de seu quarto – e a notícia que o
interessou muito mais – foi uma manchete sobre a apreensão de um
cargueiro no Mar do Norte. Atordoado, ele observou as autoridades
invadirem o convés do navio, suas lanternas brilhando dentro de
contêineres abertos para encontrar milhares de toneladas de armas
químicas ilegais destinadas a serem transportadas pelo Canal de
Suez.
Nenhuma notícia sobre Sydney.
Além do canto lá fora, a sala parecia serena. A luz do sol fluía
espessa e dourada das janelas, iluminando os vasos de flores que
se alinhavam na parede oposta em fileiras. O perfume de rosas
encheu o espaço com sua doçura inebriante. Ele ainda estava em
Londres? A luz era tão brilhante e alegre que ele não podia ter
certeza. Isso o lembrou de acordar no hospital depois de desmaiar
no palco dois anos atrás – a sensação de que nada parecia muito
real, que ele não estava realmente aqui, que isso não era O corpo
dele. Até a dor no peito causada pelo ferimento parecia distante, um
latejar surdo que ele sabia que estava sendo contido por uma dose
maciça de analgésicos.
Os olhos de Winter se voltaram para o resto da sala. Dois de
sua equipe de segurança habitual também estavam aqui, sentados
silenciosamente em cada lado de sua cama.
A presença deles colocou a realidade de Winter em foco. Ele se
espreguiçou um pouco, estremeceu quando o movimento iluminou
cada parte de seu corpo com dor, e se esforçou para se sentar
completamente. Ele esfregou as têmporas enquanto a névoa em
sua cabeça começava a se dissipar e pensamentos mais nítidos
surgiam. Sydney deve estar aqui também. Ou talvez ela já tivesse
recebido alta. Ou talvez Panaceia tivesse vindo buscá-la e a levado
para outro lugar. Ela tinha sobrevivido? Ela estava bem? Ele não
tinha ideia, e o não saber puxou seu peito.
Um dos guardas de segurança sorriu ligeiramente para ele.
Winter assentiu em resposta.
Os olhos do homem dispararam para a porta, onde um par de
figuras agora chegava ao batente da porta. Um deles tinha uma
serenidade inconfundível, enquanto o outro torcia as mãos
nervosamente.
Leo e Dameon.
Os dois deviam estar na sala de espera por um tempo – suas
roupas pareciam amarrotadas e dormidas, e olheiras marcavam a
pele sob seus olhos. O cabelo encaracolado de Leo era um
emaranhado selvagem, do tipo que ficava sempre que passava as
mãos nele demais. Dameon estudou Winter com seu olhar familiar e
tranquilo.
Leo soltou um longo suspiro.
— A enfermeira disse que você acabou de acordar — disse ele.
Ele se afastou do batente da porta, mas um dos guardas de
Winter imediatamente deu um passo à frente, endireitando seu
corpo intimidador. Ele deu a Leo um olhar de advertência.
— Calma, garoto — ele disse.
Então Winter viu o rastreador no tornozelo de Leo. Com certeza
ele foi preso. A culpa inundou as veias de Winter.
— Está tudo bem — disse Winter ao guarda de segurança. O
homem assentiu, recostando-se na parede, os olhos ainda fixos em
Leo.
Leo ergueu as mãos.
— Desculpe, desculpe — ele murmurou. — Sem movimentos
bruscos, certo. Eu só... Claire disse que se Winter acordasse hoje,
eu poderia falar com ele enquanto o segurança estivesse no quarto.
— Ele voltou os olhos para Winter. — Contanto que eu fosse breve.
Dameon assentiu, e Winter ficou aliviado ao ver que ele pôs
uma mão reconfortante no ombro de Leo. Pelo menos eles estavam
bem.
— Não vamos ficar muito tempo — disse Dameon. — Eu sei
que você ainda precisa descansar.
— Obrigado — murmurou Winter para eles enquanto se
aproximavam de sua cama. — Por estarem aqui.
Por um momento, os três apenas se encararam.
Então Leo sussurrou:
— Como você está?
Winter hesitou, sem saber como responder.
— Ok, eu acho — ele respondeu. — Um pouco dolorido. — Ele
encontrou os olhos de seu amigo. — Estou mais preocupado com
você.
Leo balançou a cabeça, fechou os olhos e olhou para baixo. Um
longo momento de silêncio se passou antes que ele pudesse falar
novamente.
— Desculpe. Eu sinto muito. Deus, Winter... eu...
Ele se interrompeu, não confiando mais na firmeza de sua voz,
e começou a chorar.
Era um som baixo e triste. Winter não tentou detê-lo. Ele apenas
pegou a mão de seu amigo e puxou-o gentilmente para frente, então
se apoiou em seu ombro em um abraço silencioso. Dameon
esperou em silêncio, deixando-os ter seu momento.
Depois de um longo tempo, Leo se recompôs. Seu corpo
estremeceu quando ele se afastou o suficiente para falar
novamente.
— Meu voo de volta para os Estados Unidos é hoje à noite —
ele murmurou, quase para si mesmo. — Mas eu precisava te contar
pessoalmente o que aconteceu. Eu tenho que deixar você saber que
eu nunca quis nada disso, eu nunca quis...
Winter ergueu a mão ante o crescente pânico do menino.
— Ei — disse ele calmamente. — Estou aqui. Você está aqui. E
vamos ficar bem. — Então ele encontrou os olhos de seu amigo
com firmeza. — Sem pressa.
Leo engoliu em seco. Suas mãos brincavam ao lado do corpo
antes de enfiar de volta nos bolsos.
— Eles… — ele disse com voz rouca — eles ameaçaram minha
família...
Ele se interrompeu novamente e Winter sentiu uma onda de
culpa e vergonha. Então tinha sido chantagem, afinal. Ele imaginou
a família de Leo, todas as suas irmãs e tias, seus pais. Ele imaginou
Leo aterrorizado.
— Claire disse que a polícia está investigando um suposto
complô para extorquir você — Dameon completou quando Leo ficou
em silêncio para se recompor. — Aparentemente, o grupo de
extorsão instalou um deles entre os seguranças do show.
Leo assentiu em silêncio e Dameon parou para deixá-lo falar.
— Ele me disse que sabia quem eu era — Leo disse em voz
baixa. — Ele sabia os nomes da minha mãe e do meu pai, minhas
irmãs mais velhas. Ele sabia meu endereço residencial. — Ele
parecia chocado. — Eu não sei. Ele disse que seria apenas uma
poção para dormir, que eles iriam roubar o cofre da sua casa e
deixar você e Ashley inconscientes. Eu não sabia o que fazer. Eu…
— Está tudo bem — disse Winter suavemente.
Leo balançou a cabeça rapidamente, sem ouvir.
— Eles me disseram que não machucariam você. Eles só
queriam roubar seu apartamento. Mas isso não deveria ter
importado, Winter. Desculpe. Eu estava com tanto medo. Como eles
sabiam tanto? Eu só–
Winter estendeu a mão e levantou a mão.
— Ei — disse ele. — Você não precisa se explicar para mim.
Leo interrompeu a frase no meio, com os olhos inchados de
tanto chorar. Winter sabia que ele estava pensando no momento
antes de seu primeiro show no estádio, onde ele disse a mesma
coisa para ele naquele armário.
Winter tinha feito isso com seu amigo. O colocara em uma
posição em que ele não poderia deixar de cometer um crime. E
agora Leo enfrentaria as consequências por isso. Ele nunca deveria
tê-los trazido aqui, por algo que ele só queria fazer sozinho. Para si
mesmo. Por que ele não poderia ter se recusado a deixá-los ir? Ele
poderia ter lidado com as suspeitas de Claire e poupado Leo de
todo esse trauma.
Ele deveria ter passado por isso sozinho.
Ao lado de Leo, Dameon observava Winter com seus olhos
tranquilos. Quando Winter encontrou seu olhar, ele viu algo mais ali,
como se Dameon estivesse fazendo uma pergunta sem dizer uma
palavra em voz alta.
Winter desviou o olhar.
— Sinto muito — disse ele. Ele podia ouvir a emoção em sua
própria voz. — Vocês dois só estavam lá por minha causa. Eu
coloquei você nessa posição.
— Somos todos adultos — respondeu Dameon e, desta vez,
Winter viu simpatia nos olhos de seu amigo. — Viemos aqui com
você porque queríamos.
— Estou feliz que você esteja seguro — Leo respondeu. Ele
olhou ao redor da sala, um pouco perdido, sem saber o que fazer a
seguir.
— Ei — disse Winter, e seu amigo se virou para ele. — Você vai
ficar bem. Eu prometo. Sua família estará segura, e você também.
— E você? — Era uma pergunta, e a voz de Leo soou
estranhamente hesitante.
O olhar de Dameon perscrutava o rosto de Winter, os cantos de
seus lábios voltados para baixo em uma carranca pensativa.
Winter olhou para Leo.
— Eu também — disse ele com um aceno de cabeça. — Vamos
resolver tudo juntos.
Leo parecia desesperado para acreditar.
— Tudo bem — ele respondeu.
Perto da porta, Claire pigarreou e Leo se moveu contra a cama
de Winter para olhá-la.
— Só mais alguns minutos, rapazes — disse ela. — Leo, eu tive
notícias do seu pai. Ligue para ele quando terminar aqui, ok?
Enquanto Leo respondia, Dameon de repente se aproximou de
Winter.
— Ei — ele sussurrou, sua voz calma e quente. Winter piscou
para ele. — Eu sei que há algo acontecendo com você que você
não pode falar. Algo grande.
Winter sentiu um calor subindo pela nuca.
— Eu não sei o que você quer dizer — disse ele.
Dameon balançou a cabeça.
— Você sabe — ele respondeu. Ele deu a Winter um pequeno
sorriso. — Eu não estive ao seu lado quase todos os dias por cinco
anos para não sentir quando algo está errado com você.
Winter o encarou em silêncio, sem saber como responder.
Quando ele não respondeu de imediato, Dameon assentiu uma
vez.
— Sei que você tem seus motivos e não precisa me dizer quais
são. Talvez algum dia você me diga. — Ele examinou o rosto de
Winter novamente. — Apenas lembre-se de quem está aqui para
você. Você não precisa trabalhar sozinho.
Sozinho. Foi uma declaração coincidente para Dameon fazer –
e o lembrou de como Sydney uma vez lhe contou sobre a solidão de
ser um agente. Winter sentiu-se acenando com a cabeça em
resposta. Ele pensou em todas as vezes em que Dameon foi capaz
de ler sua mente, sentir suas emoções, saber quando ele estava
exausto, triste ou desconfortável sem nunca ouvir Winter pronunciar
uma palavra sobre isso. Seus instintos sempre foram impecáveis.
Então Leo estava se voltando para eles, e Dameon se inclinou
ligeiramente para longe novamente, a luz de conhecimento em seus
olhos desaparecendo em sua serenidade usual. Ele cutucou Leo.
— Devemos ir — disse ele, olhando para Winter. — Deixá-lo
descansar.
Leo assentiu.
— Certo. Sim. — Ele deu a Winter um sorriso hesitante. — Vejo
você nos Estados Unidos?
Talvez Winter levasse seus segredos para o túmulo. Mas pelo
menos ele ainda poderia caminhar pelo resto de sua vida com eles.
Ele sorriu, então se inclinou para Dameon e Leo como se eles
estivessem se reunindo antes de um show. Eles se inclinaram
instintivamente para ele em troca. Ele sentiu seus braços ao redor
de seus ombros, puxando-o para dentro. Sobre seus ombros e perto
da porta, Winter viu Claire apoiar a cabeça contra o batente da porta
e dar-lhe um aceno de cabeça.
— Tenho novidades — disse ela.
36

O coração é grande e profundo

Claire esperou os meninos saírem antes de entrar. Pela primeira


vez, ela não parecia totalmente organizada. Sua camisa de gola
amarela tinha uma mancha de café perceptível na manga, e uma
mancha era clara em seus óculos, como se ela tivesse adormecido
com eles pressionados contra o rosto e não tivesse se dado ao
trabalho de limpá-los ainda.
Winter ergueu uma sobrancelha ao ver sua xícara de café, uma
descartável do hospital.
— Você nunca bebe nada que não seja uma bebida gelada —
disse ele, pouco antes de ela colocar o copo em sua cômoda e
envolvê-lo em um abraço.
— Opções limitadas no hospital — disse ela. — Mas acredite
em mim, eu tenho um dos nossos caras procurando por uma xícara
de café decente.
— Ai — ele gemeu.
— Desculpe — ela respirou, soltando-o e estendendo os braços.
— Como você está se sentindo? Eu sei que só faz uma semana.
Winter piscou. Ele não sabia que estava aqui há tanto tempo.
Agora, a memória de Leo e Dameon visitando-o mais cedo parecia
um borrão. Ele deu de ombros, tomando cuidado com o que poderia
dizer na frente dela. Ele acabara de executar uma missão perigosa
para uma agência privada; ele havia sido baleado e sequestrado e
quase morto. Seu corpo parecia destruído de uma forma que nunca
tinha estado, mesmo depois de suas performances mais cansativas.
Sua mente estava instável, exausta.
— O que os médicos estão dizendo? — ele perguntou.
Claire estendeu a mão para colocar a mão em seu braço.
— Que você vai se recuperar completamente — ela disse,
olhando-o firmemente nos olhos. — E que você estará de volta ao
estúdio antes que perceba. Apenas dê a si mesmo um mês de
repouso depois que estivermos em casa, ok? Nenhuma atividade
extenuante nesse meio tempo. E depois colocamos você na
fisioterapia por algumas semanas. Você vai ter que lidar um pouco
com a mídia também, porque você é a maior notícia em qualquer
lugar agora. Você não consegue andar na rua sem ouvir alguém
falando sobre isso. — Ela respirou fundo, então deu a ele um
pequeno sorriso. — Não se preocupe com nada. Toda a mídia e
assuntos judiciais, eu cuido disso. Você vai ficar bem.
Você vai ficar bem. Ele não sabia se isso seria verdade
novamente. Havia um grande segmento de sua vida que ele não
podia compartilhar com Claire, e ela estava aqui, tentando consolá-
lo.
— Sinto muito — ele murmurou. — Que você teve que suportar
tudo isso. Eu sei que–
Ela acenou com a mão para ele.
— Não se atreva a começar a se desculpar. Apenas deixe-me
ficar aliviada.
Você não sabe nem da metade, pensou ele, ansioso para contar
tudo a ela. Em vez disso, ele apenas disse:
— E Ashley? — Ele semicerrou os olhos interrogativamente
para ela, com o coração na garganta. — Ela está…
— A última vez que ouvi, ela deixou a cidade para ir ficar com
sua família. — Claire assentiu. — Ela não estava sendo tratada
aqui. Não se preocupe, no entanto. Ela disse que voltaria.
A família dela. Sydney definitivamente mentiu para Claire sobre
o que tinha acontecido, mas pelo menos parecia que ela teve uma
recuperação mais rápida do que Winter. Ele ainda podia ver seus
lábios azuis, seu corpo se contorcendo de dor.
Panaceia pode ter trazido seus próprios médicos para Sydney.
Ela pode nem estar mais no país. Mas suas palavras aliviaram um
pouco da pressão crescente no peito de Winter. Pelo menos ela
conseguiu.
E se ela tivesse voltado para os Estados Unidos sem ele? A
realização o assustou. E se ela tivesse que sair sem se despedir
dele? E se ele nunca mais a visse?
— Não estou preocupado — disse ele.
— Oh, eu acho que você está um pouco preocupado. — Claire
sorriu brevemente para ele. — Algo aconteceu entre vocês dois, e
não pense que você pode esconder isso de mim. — Ela se
endireitou e seu sorriso vacilou. — Mas ela não é o motivo para eu
vir ver você.
— Por que? — Winter olhou para ela. — O que está
acontecendo?
— Há alguém na sala de espera que está aqui há algum tempo,
esperando que você acorde novamente.
Winter olhou para ela. Ela deu a ele um aceno silencioso.
— Sua mãe, Winter.
Oh.
Ele sentiu o calor subir pelo rosto, seguido por uma onda de
terror. De todas as pessoas que esperava vir visitar, ele nem havia
considerado sua mãe.
— Eu prometi a ela que a avisaria no instante em que você
acordasse. — Claire parecia insegura agora. — Você quer vê-la?
Eu não estou preparado. A verdade ecoou dentro dele. Ele
ainda estava inseguro com a conversa com Leo, ainda não era
capaz de absorver tudo o que havia acontecido.
Mas ele se viu assentindo.
— Claro. — A resposta soou mecânica, sua urgência falsa. Um
filho deveria ficar feliz em ver sua mãe, não é?
Claire acenou para ele, a dúvida ainda em seus olhos, antes de
se levantar e dar um tapinha em seu ombro uma vez.
— Eu voltarei — ela disse a ele. — Temos muito mais a discutir
sobre seus próximos passos. — Ela se acalmou e sua voz ficou
sombria. — Mas vá com calma, entendeu? Deixe-me cuidar do
resto.
Ele não queria que Claire saísse do quarto ainda, e seus lábios
se separaram, querendo pedir para ela ficar um pouco mais, mas
então ela se foi, os saltos estalando. Ele ouviu um murmúrio baixo
de vozes lá fora. O som de alguém que o fez sentar-se mais rígido
na cama.
E então uma nova silhueta apareceu na porta, seu cabelo tão
reto e bem preso como sempre, as pérolas brancas em volta do
pescoço, a gola enfiada atrás do suéter passado e engomado.
Ela hesitou na porta quando seus olhos se encontraram.
— Ursinho — disse ela.
— Oi, mãe — respondeu ele, com a garganta seca.
Ela entrou hesitante, seus olhos disparando momentaneamente
para as janelas enquanto os cânticos aumentavam e diminuíam
novamente, e então veio parar desajeitadamente ao pé da cama
dele. Suas mãos dobradas na frente dela, atrapalhadas por um
momento antes de agarrar uma à outra para se apoiar.
Demorou alguns longos segundos antes que ela parecesse se
curvar para ele e dar-lhe um abraço desajeitado.
— Você parece pálido — ela disse em uma voz suave, seus
olhos procurando o rosto dele.
— Estou bem — ele respondeu. Ele forçou as pernas a se
curvarem um pouco, abrindo espaço ao pé da cama, alisando o
lençol porque sabia que ela não podia sentar em amassados. —
Aqui, mãe. Tem muito espaço.
— Meí shì. Eu não quero que você se sinta desconfortável —
ela disse, mesmo enquanto ela se sentava lentamente na ponta
mais distante, como se a cama os estivesse forçando a ficarem
próximos.
O silêncio aumentou entre eles. Era assim que Winter sempre
se sentia em sua presença – como uma criança, não importa
quantos anos ele tivesse, como se nunca pudesse escapar da
sensação de ser pequeno e faminto por sua aceitação. Mesmo
agora, ele podia sentir seu cérebro acelerando, girando
nervosamente pelo que poderia compartilhar com ela na esperança
de que isso a deixasse orgulhosa por um momento.
— Claire me ligou no instante em que aconteceu — sua mãe
finalmente disse. Ela torceu as mãos repetidamente e Winter
observou a pele de seus dedos ficar amarela clara com a pressão.
— Eu não conseguia assistir ao vídeo que eles mostravam na TV.
Dizem que houve um esquema de extorsão.
Ele assentiu.
— Isso é o que eu ouvi.
Sua mãe parecia tremer.
— Espero que eles os prendam para sempre.
Winter lutou para assimilar suas palavras, sem saber o que dizer
em resposta.
— Eu também — ele finalmente conseguiu dizer.
Outra batida passou entre eles.
— Eu trouxe um pouco de comida para você — sua mãe
continuou. — Folhados. Eles ainda estão quentes, então você deve
comê-los logo. Oh. — Ela franziu a testa, franzindo as sobrancelhas.
— Esqueci-os no carro. — Ela começou a se levantar da cama. —
Wǒ qù ná. Eu–
— Não, está tudo bem — disse Winter, e ela fez uma pausa
para olhar para ele. — Eu não me importo que eles estejam frios.
Obrigado.
— Claro. A loja ficava logo ali na esquina. Eu deveria ter
comprado outra coisa para você. — Seus olhos dispararam ao redor
da sala, fixando-se em tudo, exceto nele. — Percebi que não sei o
que você gosta no café da manhã. Você costumava comer pão de
limão.
— Quero dizer, obrigado por vir até aqui — acrescentou Winter.
— Para me ver.
Sua mãe empalideceu com essas palavras. Os olhos dela se
arregalaram um pouco, e neles ele podia ver o brilho da mágoa.
— Por que você diz isso?
Ele piscou.
— Diz o que?
Ela se abaixou na cama e cruzou os braços.
— Eu sou sua mãe — ela disse depois de outro silêncio. Ela
soava como se estivesse convencendo a si mesma. — Um filho não
deveria ter que agradecer a sua mãe por visitá-lo.
Winter soltou um suspiro, a culpa nublando sua cabeça. Ele não
sabia mais o que dizer.
— Não foi isso que eu quis dizer — ele começou de novo. —
Estou feliz em ver você, mãe.
Ela balançou a cabeça.
— É o que você quis dizer — ela respondeu, levantando a mão.
— E está tudo bem. Sei que não tenho sido uma boa mãe para
você.
Winter sentiu o coração acelerar. Cinco minutos depois, ele já
estava estragando a conversa.
— Não, mãe, isso não é verdade.
Ela olhou diretamente para ele, e a expressão em seus olhos o
fez parar.
— Eu não tenho sido uma boa mãe para você, Winter Young —
ela disse novamente, mais devagar e mais quieta. — E eu não fui
honesta sobre isso.
Winter abriu a boca novamente, mas o silêncio continuou e os
cânticos de fora preencheram o espaço entre eles. Eles se
encararam.
Por fim, sua mãe quebrou o olhar e olhou para um ponto na
cama.
— Antes de Artie, eu tinha um plano para tudo. As coisas boas
exigem um plano, sabe? — Ela ergueu os olhos para ele, depois
baixou os olhos rapidamente. — Mas depois que tudo aconteceu,
eu…
Ela cruzou as mãos no colo e estudou seus dedos pálidos por
um momento. Winter ficou quieto enquanto ela parava, seu coração
sangrando, sem vontade de quebrar o silêncio para que esta versão
de sua mãe não voltasse para sua concha. Pela primeira vez desde
aquela noite na varanda, ele podia ver um pedaço de seu coração
exposto.
— Eu não sou tão forte quanto você, ursinho. Não suporto o
peso disso. Então eu corro. — Ela ficou mais quieta. — Eu corro e
fujo de você. E eu sinto muito. Mas eu juro que estou tentando o
meu melhor. Eu quero estar aqui. Eu quero que você saiba disso,
ok?
Ele notou que ela não disse que iria parar de correr. Ela sabia
que não podia, e ele também sabia.
Havia um desejo nele de dizer a ela que ele não era o que
aconteceu em seu passado. Que ele era mais do que apenas um
lembrete de sua dor. Mas as palavras permaneceram não ditas. Não
importava quantas vezes sua mãe o deixou, quantas vezes ela o
esqueceu ou o negligenciou. Tudo o que importava para ele naquele
momento era que ela viera vê-lo hoje. Todo o seu coração estava
envolvido com esse conhecimento, esse gesto aparentemente
pequeno que ele sabia ter sido tão difícil para ela.
— Eu sei, mãe — ele disse gentilmente. Ele lutou para firmar
sua voz como se sua vida dependesse disso. — Está tudo bem.
Você está aqui.
Ela procurou seu rosto, sua mandíbula apertada por conter as
lágrimas não derramadas, e acenou com a cabeça repetidamente
em um movimento pequeno e rápido. Um vislumbre de um sorriso
apareceu nos cantos de seus lábios.
— Estou muito orgulhosa de você, ursinho. Você se saiu tão
bem.
Agora ele estava realmente em perigo de chorar. Ele se afastou
e segurou firme, como se tudo isso fosse apenas um de seus atos, e
engoliu em seco.
— Obrigado, mãe.
Eles voltaram ao silêncio. Desta vez, havia paz, e Winter se
pegou contando os segundos, saboreando cada um deles e
guardando-os em algum lugar seguro em sua memória. Como nas
vezes em que andavam de ônibus juntos, lado a lado, calados.
Como nas vezes depois do jantar, quando eles se sentavam um de
frente para o outro, com a comida pela metade na mesa, cada um
deles perdido por alguns minutos em seu próprio mundo melhor.
Talvez não fosse proximidade. Talvez nunca fosse. Mas pelo
menos, nesses momentos, ele se sentia mais próximo de entendê-la
do que nunca. E ele sabia que, sempre que ela precisasse de
alguém com quem compartilhar seu coração aflito, ele viria para o
lado dela. Sempre que ela fosse dominada pelas partes de seu
cérebro que a tragédia havia quebrado, ele cuidaria dela. Ele sabia
que ela nunca retribuiria. Mas ele ainda estaria lá pelos restos de
seu amor pelo resto de sua vida.
Então ele ouviu sua mãe fungar, viu-a tirar o lenço do bolso e
limpar o nariz uma vez antes de colocá-lo no bolso. Ela olhou para
ele novamente e sorriu, e ele sabia que seu coração havia recuado
novamente, ansioso para seguir em frente.
— Não se apresse e fique bom — disse ela. — Me ligue quando
precisar de mim. E quando você voltar para a estrada, quero que
tome cuidado, ok?
Ela estava chegando ao limite do que podia suportar perto dele.
Ele podia sentir sua dor para fugir logo, a proximidade dele
ressurgindo todos os seus demônios que ela passou tantos anos
tentando enterrar.
— Tudo bem — disse ele, oferecendo-lhe um sorriso. Mas ele
se viu desejando adeus novamente, sabendo que ela iria embora
por um longo tempo, e desejando um pouco de paz para ela em sua
jornada sem fim para preencher os espaços vazios em sua mente.
Desejando que ele pudesse ajudá-la.
— Tudo bem — ela repetiu, e o constrangimento entre eles
voltou. Ela se levantou, as mãos se contorcendo novamente, os
olhos esvoaçantes. Por um momento, ela hesitou. Então ela deu um
passo em direção a ele, parou no meio do caminho e reconsiderou.
— Cuide-se, ursinho — disse ela novamente. Então ela se virou
e saiu da sala.
Winter ficou olhando para a porta muito depois de sair e
desaparecer. Então ele soltou sua respiração e percebeu que todo o
seu corpo estava tremendo.
De repente, a nova solidão em seu quarto parecia esmagadora.
Ele queria jogar as pernas para o lado da cama e correr atrás dela,
mesmo que apenas por um pouco de companhia. Ele sentiu a
solidão se aglomerar ao seu redor, o peso daquela depressão
sempre presente empurrando os cantos de sua mente.
E então, no meio daquela queda…
Ele viu a cabeça de Claire espreitar pelo lado da porta aberta.
Ela não disse nada. Ela não precisava, pelo olhar em seu rosto.
Tudo o que ela fez foi entrar, sentar-se na cama e pegar a mão dele.
Ela apertou e ele sentiu-se relaxar com o calor de suas palmas.
Como ela sempre sabia quando ele precisava dela?
— Como você está se sentindo? — ela perguntou baixinho, a
pergunta diferente desta vez de quando ela perguntou há pouco.
Winter não soube responder. Tudo o que ele podia fazer era
olhar para baixo, prendendo a respiração, ainda contando os
segundos em sua cabeça.
Ele sentiu Claire envolver seus braços ao redor dele, sentiu-se
inclinar-se em seu abraço exausto.
— Pegue leve consigo mesmo — ela murmurou. — Tudo bem
não estar bem.
Ele acenou com a cabeça contra ela. E então, finalmente, ele se
permitiu chorar.
37

Lealdade a um segredo

O sol havia começado a descer lentamente quando Sydney voltou


ao hospital.
Sauda sentou-se no carro com ela. Ela esteve no quarto do
hospital de Sydney – um hospital diferente do de Winter, por
precaução – enquanto eles cuidavam de seu caleidoscópio de
feridas, permaneceu em silêncio durante os relatórios do médico
sob o pretexto de que ela era uma representante da Seguranças
Elite.
Quando Sydney conseguiu respirar bem novamente sem a
ajuda da terapia de oxigênio, eles deram um passeio juntos, e lá na
segurança do carro, Sydney a interrogou sobre o resto da missão.
Agora Sauda estacionou o carro nos fundos do prédio e
recostou-se no assento. Sydney olhou para a frente, tensa no
silêncio constrangedor entre as duas.
— Você não precisa que eu fique mais tempo? — ela perguntou
a Sauda depois que ela não aguentou mais a pausa.
Sauda balançou a cabeça.
— Eu acho que você já fez o suficiente para uma missão — ela
respondeu com uma sobrancelha levantada.
Sydney não olhou para ela. Ela estava com muito medo.
— Você disse aquilo com uma cara tão séria — Sauda
começou. — Que você entendeu nossas ordens. E então você saiu
e desobedeceu deliberadamente a cada uma delas.
— Desculpe.
— Não estou convencida de que você esteja. — Sauda lançou-
lhe um olhar severo e de soslaio. — Você percebe que Niall e eu
não damos essas ordens levianamente, certo? Isso tudo poderia ter
sido muito pior.
— Mas não foi — Sydney murmurou, sua voz tão baixa e mal-
humorada que ela mesma mal podia ouvir.
Sauda franziu a testa para ela.
— Não, não — respondeu ela. Então ela suspirou. — Acho que
a culpa é nossa.
— Por me treinar para pensar por mim mesma?
A mulher acenou com a mão frustrada uma vez no ar.
— Por se importar demais.
Em sua resposta, Sydney pensou ter ouvido a insinuação de
outra pessoa que Sauda já foi – alguém com uma cabeça mais
quente e temperamento mais rápido, que usava o coração na
manga. Sydney a estudou, mas a mulher não disse mais nada.
— E essa é minha última missão? — Sydney perguntou
baixinho depois de um tempo.
— Última missão? — Sauda perguntou.
Sydney hesitou por um longo momento. Seu coração estava
martelando agora.
— Meus pulmões — disse ela. — Eu não te contei. Tenho
certeza que Niall já sabe também.
Quando Sauda não respondeu, Sydney ergueu os olhos para a
mulher. Lá, ela viu uma expressão suave.
— Sydney — ela disse gentilmente. — Nós sabemos.
Sydney piscou.
— Vocês sabem sobre a minha condição?
— Por que você acha que eu sempre te ensinei que é melhor
ser esperta do que rápida? — Sauda sorriu para ela. — Incorporei a
terapia respiratória durante todo o seu treinamento.
Todo esse tempo, Sydney se guardou cada vez mais, sentindo o
sufocamento de seus segredos com a mesma certeza com que
sentia a tensão em seus pulmões. Pensando que de alguma forma
ela conseguiu manter tudo escondido. Eles sabiam. Eles sempre
souberam.
— Por que você me deixou ficar? — ela murmurou.
— Este não é um tipo de trabalho temporário — respondeu
Sauda. — Você é uma de nós agora. Isso significa que Niall e eu
tomamos uma decisão conjunta sobre tudo o que vem com você,
que as partes de você que podem nos desafiar sejam ofuscadas
pelas partes de você que podem beneficiar esta agência. — Sauda
fixou seu olhar em Sydney. — Você pode operar por conta própria
no campo, mas nunca está verdadeiramente sozinha.
Sydney engoliu em seco. Ela podia sentir o peso em sua
garganta, a ameaça de lágrimas crescendo em seus olhos.
— O futuro não precisa assombrar o seu presente, Sydney —
disse Sauda. — E nem o seu passado. Espero que algum dia você
seja capaz de abraçar isso. Entendeu?
Sydney limpou a garganta, contendo as lágrimas para poder
responder.
— Sim, senhora — ela sussurrou.
Sauda olhou para ela, estudou sua expressão e deu um
pequeno sorriso antes de desviar o olhar.
— Lembre-me — ela disse — de contar a você sobre todos os
problemas em que me meti quando era uma nova agente da
Panaceia.
Sydney olhou rapidamente para ela.
— O que você quer dizer com quando era uma nova agente da
Panaceia?
— Quero dizer que minhas histórias podem ajudá-la a se firmar.
Ela estava falando sobre a promoção, sobre a mudança de
Sydney de associada para operacional completa, com uma agente
permanente e dedicada e uma parceira.
Sydney riu, depois rapidamente enxugou as lágrimas. Ela tentou
imaginar sua mentora como uma jovem agente impetuosa e rebelde,
indo contra suas ordens e causando confusão. De alguma forma,
não parecia tão surpreendente.
Sauda se endireitou, uma nota de formalidade retornando à sua
voz.
— Não fique muito animada ainda. Ainda preciso passar isso
pela sede. E neste ponto, Niall parece que prefere embrulhar você
em uma embalagem de bolhas do que concordar.
— Sim, senhora.
— E não presuma que você vai sair de tudo isso sem
consequências. Quando voltarmos aos Estados Unidos,
discutiremos os próximos passos. Eu posso ter você em um avião
comigo em algumas horas. Tudo o que você precisa fazer é ficar no
carro e iremos para o aeroporto agora mesmo.
Agora mesmo. Sem dizer mais uma palavra a Winter. Um pouco
de sua euforia vacilou, e Sydney sentiu a decepção afundando em
seu estômago. Eles iriam embora sem avisar, desapareceriam de
seu radar tão completamente que ele não teria como contatá-la
novamente.
Sauda deve ter percebido sua hesitação – ou talvez tenha
captado a maneira como os olhos de Sydney se desviaram na
direção do hospital. O gramado da frente do prédio ainda estava
lotado com milhares de fãs, todos esperando ansiosamente por
atualizações sobre Winter, embora a equipe médica tivesse saído
várias vezes para pedir que eles se dispersassem.
— Ou você pode voar de volta pela manhã — acrescentou
Sauda com um aceno de cabeça compreensivo. — Isso lhe dará
algum tempo para resolver quaisquer pontas soltas pessoais que
você tenha.
Pontas soltas pessoais. Houve uma leve ênfase nas palavras, e
foi assim que Sydney percebeu que Sauda sabia sobre seus
sentimentos crescentes por Winter.
Foi também a maneira de Sauda dizer a ela que ela precisava
se despedir dele.
Claro que ela deveria. Isso acontecia no final de cada missão –
ela cortava os laços necessários com as pessoas com quem
trabalhava e depois voltava para sua vida. Ela havia sido treinada
para dizer adeus de mil maneiras diferentes, para mil tipos
diferentes de pessoas. Ela era boa nisso.
Então, por que ela estava hesitando agora?
— Voltarei esta noite com você — Sydney finalmente disse,
forçando as palavras a saírem. Eles saíram mais firmes do que ela
pensava. Resfriador. — Segure um lugar no avião para mim.
Sauda a estudou. Um momento se passou em silêncio antes
que ela dissesse, suavemente:
— Sinto muito, Syd.
Sydney olhou para o hospital.
— Pelo que?
— Você sabe.
Sua resposta não dita encheu a mente de Sydney.
Ela esperou mais um momento antes de finalmente se virar para
Sauda.
— Como você e Niall fazem isso? — ela perguntou.
— Fazemos o que? — Sauda respondeu.
— Ficar separados um do outro? Nunca se arriscando a ficar
juntos?
Sauda não respondeu de imediato.
— Porque nos preocupamos um com o outro — disse ela. — E
quando você se importa com alguém, você quer que essa pessoa
tenha uma vida boa. Uma vida feliz. — A voz dela ficou mais calma.
— Não podemos dar isso um ao outro.
Sydney assentiu. Ela sempre soube que essa era a resposta.
Quando eles se inscreveram para a Panaceia, a agência os jurou
algo acima do amor. Acima do compromisso com outra pessoa.
Lealdade a um segredo acima de tudo. Era uma questão de
segurança, claro, mas acima de tudo, era uma questão de
fidelidade. Panaceia era o amor de suas vidas. Você não
conseguiria se dedicar totalmente se priorizasse outra pessoa. Foi
seu sacrifício em troca do privilégio de fazer um trabalho importante,
do tipo que mudava a vida das pessoas sem que elas percebessem,
do tipo que ela sentia em seus ossos.
Se Sauda e Niall quebrassem essa regra, a agência exigiria que
eles se separassem imediatamente ou os demitissem. Uma vida
juntos era impossível.
Uma vida com Winter era impossível.
— É assim que as coisas são — Sauda acrescentou depois de
um tempo.
— O jeito que as coisas são — Sydney repetiu. Ela respirou
fundo e sentiu a tensão leve e sempre presente em seus pulmões.
Ela pensou ter visto um brilho de tristeza por ela nos olhos da
mulher.
Não havia nada para ficar triste, ela disse a si mesma. Ela ia
conseguir sua promoção. Isso era tudo que ela sempre quis.
Nada mais.
Então Sauda acenou com a cabeça para Sydney antes de se
recostar no banco do carro.
— Nove horas — ela disse. — Vou mandar um carro para onde
você estiver.
38

O sol e a lua

Sydney entrou sozinha nos fundos do hospital. Uma enfermeira no


balcão de check-in a reconheceu, levantou-se de seu assento e fez
sinal a um assistente para acompanhá-la escada acima até a suíte
de Winter. Sydney caminhou atordoada e, pela primeira vez, não se
importou em notar os médicos e enfermeiras que passavam por ela,
o número de degraus na escada, a cor pálida das luzes
fluorescentes que iluminavam o rosto das pessoas.
A assistente parou perto da porta de Winter e fez um gesto
educado para que ela se aproximasse. Então ele saiu e ela ficou
sozinha.
Quando Sydney entrou na suíte, ela viu uma cama vazia e
amarrotada. Uma silhueta magra estava parada na janela, com as
mãos nos bolsos, as mangas arregaçadas até os cotovelos,
expondo a trilha de linhas geométricas e a tatuagem de serpente
serpenteando ao redor de seu antebraço esquerdo. Seu cabelo
preto-azulado estava tão bagunçado quanto ela se lembrava de seu
primeiro encontro. Apenas o menor indício de bandagens sob a
camisa dele a lembrava de seu ferimento.
Apesar de tudo, ela parou por um momento para admirá-lo.
Aquela centelha dele brilhava, mesmo agora.
Winter olhou para ela por cima do ombro.
— Quer sair daqui? — ele perguntou.
Ela deu a ele um olhar cético.
— Com aquela multidão lá fora?
— Claire já arranjou um carro secreto e um lugar — disse ele. O
sorriso em seu rosto era pequeno, melancólico. — Vamos.
Faltavam duas horas para ela se encontrar com Sauda no
aeroporto.
Quando chegaram à entrada de Kew Gardens, o sol tinha
acabado de se pôr e o céu estava inundado de rosa e roxo.
— Este lugar não deveria estar fechado agora? — Sydney
perguntou quando eles entraram para ver uma vasta extensão de
terreno sem pessoas.
— Mais ou menos — respondeu Winter. Ele se inclinou para ela
e cutucou-a gentilmente com o ombro. — Eu pedi um favor.
Sydney teve que sorrir um pouco.
— Algum dia eu vou me acostumar com suas vantagens.
Ele ergueu uma sobrancelha em expectativa para ela, então
ofereceu-lhe o cotovelo enquanto enfiava as mãos nos bolsos.
— É sua maneira de me dizer que teremos encontros futuros,
Srta. Cossette?
Ela aceitou seu braço.
— Você está chamando isso de encontro, Sr. Young?
Ele deu de ombros com indiferença.
— Não estou chamando de reunião de negócios, se é isso que
você está perguntando.
Ela riu. Uma leve brisa soprou ao redor deles, e Winter se
inclinou ligeiramente para ela como se para protegê-la do ar frio. Ela
podia dizer que seu andar ainda estava rígido, a dor de seu
ferimento o atrasava. Seus próprios passos eram desajeitados, dada
a forma como seu tornozelo havia sido torcido no navio de carga.
Mas nenhum deles disse uma palavra sobre isso. Por um tempo,
eles caminharam em um silêncio confortável, apreciando a beleza
dos jardins ao seu redor. O terreno parecia não ter fim, fileiras de
cercas vivas perfeitamente aparadas e lagos cercados por trilhas
tranquilas e bancos de madeira. A alguma distância, uma enorme
estufa se erguia em esplendor arquitetônico, seu vidro refletindo as
cores do céu que escurecia. As árvores que ladeavam a vasta
piscina em frente à estrutura dividiam o céu com seus galhos finos
de inverno, projetando sombras longas e elegantes na grama.
Sydney fechou os olhos e saboreou o ar fresco, absorvendo a
mudança das estações. Só conseguia pensar no calor do corpo de
Winter caminhando ao seu lado, guiando-a pelos caminhos
mágicos.
Ao passarem por um elegante templo de clássicas colunas
brancas, Winter pigarreou.
— Para onde você vai depois disso? — ele perguntou a ela em
voz baixa. — Ou isso é confidencial?
— Confidencial — Sydney respondeu automaticamente, então
se arrependeu de respondê-lo tão rapidamente. Lealdade em
primeiro lugar a um segredo. — Provavelmente de volta ao quartel-
general por um tempo, para ver o restante deste caso e responder a
quaisquer perguntas que possam surgir depois que a CIA fizer suas
prisões. Ainda vai durar alguns meses.
— Alguma coisa que eu deva me preocupar?
Ela balançou a cabeça.
— Acho que agora você está livre para voltar à sua vida —
disse ela. — Onde quer que ela possa levá-lo a seguir.
— Tenho algumas coisas para resolver com Claire e minha
equipe — disse ele. Então ele hesitou por um momento. — Pega
leve com o Leo, sim? Diga a Sauda que não foi culpa dele. Que ele
foi forçado à…
— Eu sei. — Sydney assentiu. — Nós cuidaremos disso. Suas
acusações serão retiradas.
Winter assentiu como se um peso tivesse sido tirado de seus
ombros.
Ao fazê-lo, Sydney enfiou a mão no bolso do paletó e tirou algo
para ele. Era um cartão de visita do Claremont Hotel, do tipo que
qualquer cliente do lugar provavelmente conseguiria: de um lado,
uma imagem em relevo do brasão do hotel em fino fio dourado e, do
outro, um simples número de telefone.
— Se você precisar de ajuda — disse Sydney —, ligue para
nós. Dê o seu nome ao operador e diga-lhes que gostaria de
reservar a Suíte Londres. Eles passarão sua voz por um analisador
e depois o encaminharão para a Panaceia.
Winter olhou para o cartão e depois guardou-o cuidadosamente
no bolso com um aceno de cabeça.
— Obrigado.
— Não é muito. Você ajudou a salvar muitas pessoas. — Ela lhe
deu um pequeno empurrão. — Eu acho que você fez tudo certo.
Com isso, algo se iluminou dentro dele. Uma boa ação ingrata.
Ele desviou o olhar, como se estivesse envergonhado, mas ela
podia ver o brilho de um sorriso nos lábios.
— Essa é a coisa mais legal que você já me disse — ele
murmurou.
Sydney sorriu também e se concentrou em seu caminho. A luz
diminuiu ainda mais e as cores do jardim se transformaram em azul.
— Em breve você estará em sua turnê mundial, então? — ela
perguntou.
— E você irá para a próxima missão? — ele respondeu.
Ela assentiu.
— Para a próxima — ela repetiu.
Ambos estavam circulando em torno da conversa que nenhum
dos dois queria ter, o reconhecimento do que ambos sabiam ser
inevitável.
Que era isso. Eles haviam completado sua missão juntos, e
seus futuros guardavam caminhos que os levavam a direções
opostas. Winter voltaria aos holofotes, onde ele pertencia, onde
precisava estar. E Sydney voltaria para sua vida nas sombras, o
mundo sob o que todos conheciam. Um espião e uma superestrela
nunca poderiam fazê-lo funcionar.
Então ela parou e tentou reunir as palavras certas. Ela estava
acostumada com despedidas, mas nunca havia se despedido antes
de Winter Young.
— Olha, eu… — ela começou.
Ele pegou a mão dela e puxou-a gentilmente para ele. Sua
cabeça se inclinou em direção a ela.
— Dance comigo — ele murmurou em seu ouvido.
Ela hesitou, depois acertou o passo com ele. Juntos no
crepúsculo, eles se viraram em um círculo pequeno e lento. Ela
encostou a cabeça no ombro dele e sentiu a respiração quente dele
em seu cabelo. Uma vibração baixa a fez perceber que ele estava
cantarolando.
Começou a perceber que ela poderia nunca mais vê-lo depois
disso. Oh, ela o pegaria na TV com o resto do mundo, poderia até
assistir a seus shows ou assistir a suas entrevistas. Mas momentos
como esse, seja lá o que fosse, nunca mais aconteceriam. E um
novo sentimento se estilhaçou em seu coração, uma saudade que
parecia tão aguda e dolorosa que ela prendeu a respiração,
surpresa com a rapidez daquilo.
Winter se agitou contra ela.
— Você está bem? — ele sussurrou.
Não, ela quis responder. Mas ela acenou com a cabeça contra o
ombro dele e disse:
— Estou bem.
Ele não respondeu. Ela se perguntou se ele estava se
separando do mesmo jeito, se algo sobre o vínculo deles parecia
diferente do que ele deve ter formado com dezenas de outros antes
dela, ou se ela era apenas o último na série de interesses amorosos
de sua vida. Se ele já tivesse dançado em um jardim tranquilo como
este com qualquer outra pessoa, inclinando-se para ela como se
fosse seus últimos momentos juntos. Afinal, ele era um artista, um
mestre da ilusão. Ele era o primeiro e único Winter Young. Isso tudo
pode ser parte de seu ato, e talvez ele nem tenha percebido.
Depois de um tempo, ele se afastou o suficiente para olhar para
ela.
— Sinto muito — disse ele.
— Pelo que?
— Por — Ele fez uma pausa, então franziu a testa, como se
tivesse perdido o que estava tentando dizer. — Por eu não poder ir
junto.
Havia algo pequeno e solitário em seu olhar, o olhar de um
menino que havia sido deixado para trás antes. E Sydney sentiu seu
próprio coração torcer em resposta, a parte dela que só queria
escapar de tudo, a parte que só poderia se manter unida se ela
estivesse sozinha.
Ela engoliu em seco e estudou seu rosto.
— Sinto muito, também. Pelo mesmo.
Ele deu a ela um sorriso irônico.
— Um pouco como o sol e a lua, não somos? Nunca no céu ao
mesmo tempo.
— Tecnicamente, às vezes a lua pode ser vista durante o dia,
então isso não é inteiramente verdade.
Seu sorriso se tornou murcho.
— Estou tentando ser romântico, e você é a pior.
Romântico. Ela podia sentir seu rosto esquentar e olhou para
baixo, colocando um fio de cabelo atrás da orelha. Um pequeno
sorriso se contraiu no canto de seus lábios.
— Desculpe. Não é meu ponto forte.
Ele riu. O som encheu seu coração.
— Acho que só quis dizer... que realmente vou sentir sua falta.
— Eu também — ela sussurrou.
Ela podia sentir o ar apertando entre eles, doendo para puxá-los
juntos. Ela podia vê-lo querendo se inclinar para ela, querendo ela, e
ela se aproximando para fechar a distância entre eles. Um beijo de
despedida.
— Eu… — ele respirou, luz dourada em seus cílios — eu não
acho que isso seja uma boa ideia.
— Não é — ela murmurou de volta.
Ele deu a ela um sorriso triste.
— Tenho a sensação de que estamos destinados a tomar más
decisões para sempre.
Ela sentiu seu coração rachar mais.
— Espero sinceramente que sim.
Ele olhou para baixo e ofereceu-lhe a mão. Ela o pegou e o
fechou em um aperto de mão.
Seu sorriso se inclinou para cima em uma extremidade.
— Foi uma honra, Sydney Cossette.
— A honra é minha, Winter Young — ela disse.
Então ele a puxou para ele em seu aperto de mão, inclinou-se e
beijou-a.
Ela fechou os olhos, saboreando seu toque quente, o
formigamento que a percorreu, o calor que inundou cada membro.
Saboreando os segundos fugazes deste abraço final. Lembrando as
letras que ela tinha visto uma vez em seu caderno.
Você é minha meditação.
Então ela pensou no dia cinzento quando ela ficou na frente de
Niall e implorou a ele em voz baixa para levá-la para longe de tudo,
que em troca, ela estava disposta a se afastar de sua antiga vida.
Ela havia desistido de tudo pela chance de uma lousa em branco,
desprovida de apegos emocionais, de amor e sua prima dor. De se
dedicar inteiramente a algo que importava para ela, que parecia
significativo e importante. Ela havia decidido que o que queria não
era relacionamentos com pessoas como Winter, mas derrubar
pessoas que causavam dor aos outros. Que cada passo que ela
dava na Panacea era um passo que ela dava para longe de sua
antiga casa.
Então, relutantemente, ela se afastou. As primeiras estrelas
tinham começado a piscar no céu. Sydney ainda podia saboreá-lo
em sua boca, podia sentir o desejo não dito que permanecia entre
eles.
Fique.
Mas nenhum deles disse isso.
Por fim, Winter acenou com a cabeça em direção à entrada.
— Acho que seu carro está aqui — disse ele.
Ela assentiu. Rasgou seu coração. Deu um passo para trás.
— Adeus — ela disse.
— Adeus — disse ele.
Quando ela se virou para caminhar de volta para a frente do
jardim, Sydney se permitiu esta pequena pausa em sua lousa em
branco. Ela se permitiu pensar em todas as palavras que queria
dizer a ele.
Sentirei sua falta, Winter Young, e sua sombra caminhando ao
lado da minha. Não se esqueça de me procurar de vez em quando.
Eu poderia estar lá no céu.
39

Poderia ter, deveria ter

Havia um milhão de coisas que Winter poderia ter feito em vez


disso.
Ele poderia ter se oferecido para ir ao aeroporto com ela.
Ele poderia ter pedido a ela para ficar mais uma hora,
encontrado uma maneira de levá-la a um café ou a um jantar
privado.
Ele poderia ter se oferecido para levá-la para casa em seu
próprio avião, pedido a ela para fazer uma viagem espontânea a
algum lugar com ele, apenas por um dia, relaxar por um momento e
apenas ver um ao outro como eles eram, em vez de quais eram
seus papéis.
Ele poderia ter contado a verdade a ela.
Como, por exemplo, ele sentiu seu olhar atraído por ela no
instante em que a viu pela primeira vez, que quando ela ficou com
raiva dele, a cor de seus olhos parecia escurecer como uma
tempestade. Ele nunca disse a ela que, em todos os milhares de
eventos que já havia participado, entre todas as pessoas bonitas e
extraordinárias que conheceu ao longo dos anos, ele nunca
conheceu ninguém como ela. Ele nunca confessou a ela que ela se
demorava em sua mente a cada hora, tão presente quanto os
trechos de música que sempre surgiam em seus pensamentos.
Que ele desejava poder beijá-la sem que fosse em um momento
de desespero ou uma despedida.
Ele deveria apenas se deixar ser egoísta, abrir seu coração e
dane-se as consequências para ela, dane-se as consequências para
si mesmo, para aqueles ao seu redor, para aqueles com quem ele
se importava.
Ele deveria ter dito a ela que estava se apaixonando por ela.
Mas ele não disse.
Talvez fosse o melhor.
Em vez disso, ele observou enquanto ela entrava no carro que a
esperava, acenou para ela uma última vez e não disse nada.
Depois, ficou algum tempo sozinho no jardim, os olhos ainda
voltados na direção em que o carro desaparecera. Ele esperou até
que a noite realmente caísse.
Então ele foi embora.
REGISTRO DE MISSÃO

AGENTE A: — Então, e agora?


AGENTE B: — Agora ela conseguiu sua promoção.
AGENTE A: — Claro. Embora enviá-la para o campo como uma
operacional completa signifique que a visitaremos quase
imediatamente depois que ela se recuperar disso.
AGENTE B: — Você está sempre tão preocupado.
AGENTE A: — Ela é um bom investimento.
AGENTE B: — E ele? Ele recebe um certificado de conclusão?
AGENTE A: — Não fazemos certificados.
AGENTE B: — Eu estava brincando, meu Deus. O que quero dizer é que
é aqui que termina o envolvimento dele conosco?
AGENTE A: — Sim.
AGENTE B: — Sem mais contato. Nenhuma carta de recomendação.
Sem telefonemas. Nada de cestas de presentes.
AGENTE A: — Ele é um garoto esperto. Ele vai entender.
AGENTE B: — Mas você tem certeza que isso é permanente?
AGENTE A: — Quando vamos precisar de uma superestrela de novo?
AGENTE B: — Ele foi muito bom, você tem que admitir.
AGENTE A: — Tudo bem, ele foi. Mas ele quase morreu trabalhando para
nós, e nunca vamos agradecê-lo por isso. Deixe o garoto
voltar aos holofotes.
AGENTE B: — Eu suponho.
AGENTE A: — Você não parece convencida.
AGENTE B: — não vai ficar feliz com isso.
AGENTE A: — Ela acabou de me dizer que não poderia estar mais feliz.
AGENTE B: — , querido. Você não pode acreditar que saiu
de tudo isso sem afeição pelo menino. Ele tem charme
suficiente em seu dedo mindinho para gerar eletricidade para
uma pequena cidade.
AGENTE A: — Então é definitivamente melhor que eles não se vejam
novamente.
AGENTE B: — Verdade. Mas ainda precisa de um parceiro
regular como agente pleno, e ela poderia atuar como guarda-
costas dele sempre que precisássemos, como se estivesse
em seu contrato. Por todas as medidas objetivas, eles
formavam uma dupla eficaz.
AGENTE A: — Eles desobedeceram às ordens e explodiram uma arma
química a bordo de um cargueiro. Ainda estamos terminando a
papelada explicando tudo isso ao Diretor.
AGENTE B: — Ok, então eles foram um pouco demais. Mas parece que
me lembro de outra dupla no campo que era igual.
AGENTE A: — Éramos diferentes. Por que você está olhando assim para
mim?
AGENTE B: — Por nada. Eu simplesmente gosto quando suas
sobrancelhas fazem isso.
AGENTE A: — Se é assim que e vão ser, espero que
nunca os coloquemos em outra missão.
AGENTE B: — Não sei.
AGENTE A: — Por quê?
AGENTE B: — Às vezes... as pessoas simplesmente se encaixam.
Um ano depois

As principais manchetes desta noite foram que Winter quebrou o


último recorde mundial de vendas de álbuns mais altas com apenas
uma semana de lançamento. Ele ouviu a notícia quando terminou
uma rodada final de ensaio no estúdio de dança, bem quando pegou
o telefone e foi saudado pela voz estridente e animada de Claire.
— Winter — disse ela. Ele praticamente podia vê-la batendo
palmas em antecipação. — Winter. Esta é a melhor notícia para
começar o ano. Você sabia que já estou recebendo ofertas de
cidades para sua próxima turnê, e ainda nem decidimos quando
será? Eu amo isso. Eu amo você.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Digo o mesmo para você — disse ele. Do canto do estúdio,
ele viu Dameon e Leo acenando para ele, fazendo gestos
exagerados para um jantar tardio em uma hora. Ele acenou de volta,
jogando-lhes um sinal de positivo.
— De volta em pouco tempo — Claire ainda falava, um tanto
alheia à resposta de Winter. — Agora, eu marquei você para uma
série de entrevistas na próxima semana, mas você quer alguns dias
para descansar antes de iniciá-las? Eu posso colocar algumas delas
para a semana seguinte. Eu posso–
— Claire — ele interrompeu, agachando-se ao lado de sua
bolsa. — Respire. Vamos comemorar por um segundo antes de
deixar o resto do mundo entrar.
— Ok. Ok. — Claire soltou um suspiro alto pelo telefone, o som
cheia de sua própria marca de alegria e tremendo de emoção
repentina. — Estou tão orgulhosa de você, garoto. Tão orgulhosa.
Winter parou o que estava fazendo e sorriu para si mesmo
novamente.
— Por favor, não chore — disse ele.
Claire fez um som de shh, e Winter imaginou sua mão agora
acenando impacientemente para ele.
— Eu não estou — ela protestou com um guincho. — Agora,
pare de bajular-me e vá jantar. Divirta-se. Não beba muito. Não
quero que sua assessora de imprensa lide com você como
manchete online por causa de um acidente às três da manhã.
Então ela desligou. Sem sua energia borbulhante e o caos fácil
de seus companheiros de equipe, o estúdio de repente parecia
vazio. Winter apoiou-se nas mãos e deixou-se absorver pelo
silêncio. Sua respiração ainda estava rápida devido ao treino, e ele
podia sentir as batidas de seu coração ainda batendo
freneticamente.
Quebrador de recordes. Ele ficou aliviado com a boa notícia. A
vida tinha sido, bem, opressiva recentemente. Demais para ele
pensar agora.
Em vez disso, neste momento, ele se permitiu sentir aquele
desejo familiar, a ausência do outro mundo que lhe permitiram
provar tão pouco.
E as pessoas nele.
Desta vez, a saudade trouxe consigo uma pontada de dor.
Seus pensamentos sobre Sydney foram diários nas primeiras
semanas depois que ele deixou Londres para se recuperar
totalmente em casa, às vezes tão opressores que ele mal conseguia
se levantar da cama. Mas agora eles haviam se tornado algo
administrável, a imagem de seu rosto pequeno e feroz emoldurado
por cabelos loiros inevitavelmente deixada de lado para a multidão
de shows e festas e banquetes e galas e entrevistas que voltaram
com força regular assim que ele voltou ao trabalho.
Às vezes ele se esquecia completamente, e aquele mundo
estranho parecia tão distante que ele se perguntava se talvez
tivesse imaginado a coisa toda, que tudo não passara de um sonho
febril.
Mas, às vezes, ele passava por uma rua de paralelepípedos ou
por uma rua tranquila, jardim cercado. Às vezes ele via uma ponte
elegante ou uma estrutura específica de avião. E esses
pensamentos voltariam à sua mente.
Ela voltaria.
Ele riu e balançou a cabeça. A única vez que uma garota
conseguiu entrar em seu espaço mental foi a única vez que ele
provavelmente nunca mais a veria. Era o seu destino na vida.
Sydney provavelmente estava do outro lado do mundo agora,
batendo em algum criminoso sem sentido com a coronha de uma
arma. Ela provavelmente tinha esquecido tudo sobre ele.
A dor o apunhalou novamente, e ele estremeceu com o
pensamento.
Ele se perguntou com quem ela poderia ser parceira agora. Ela
estava escondida com ele em algum hotel, disfarçada de marido e
mulher? Como parceiros de negócios?
Você tem um talento especial para se torturar, pensou ele, e
empurrou as imagens para o fundo de sua mente. Durante
semanas, ele se imaginou saindo de seu estúdio após o treino e
entrando em um carro cheio de agentes da Panaceia novamente,
que talvez Sydney estivesse lá, oferecendo-lhe alguma outra
missão.
Mas não. Os carros que o buscavam só tinham motoristas.
Ele esfregou o pescoço com a toalha, depois jogou o resto de
suas coisas na bolsa e pendurou-a nas costas. Ele se levantou.
No instante em que se levantou, ele a viu através dos espelhos
de corpo inteiro.
Ela estava parada na porta de entrada, encostada casualmente
na parede com as mãos nos bolsos e uma perna cruzada na frente
da outra, vestida com um jeans preto rasgado e um suéter
desleixado que descia um pouco pelo ombro.
Seu cabelo loiro era um pouco mais curto, mas tirando isso,
Sydney Cossette parecia exatamente a mesma.
Winter girou, meio que esperando não ver ninguém parado ali.
Que ele acabara de alucinar a imagem dela no espelho, a última
manifestação de sua mente pregando peças nele.
Mas lá estava ela, a versão da vida real, sua postura e a
imagem espelhada de seu reflexo.
Ao ver a expressão em seu rosto, ela sorriu.
— Espero que se lembre de mim, Sr. Young — disse ela.
Essa mesma voz rouca. Winter de repente sentiu como se
estivesse caindo, como se o calor que viajava em suas veias
pudesse derretê-lo. Aparentemente, nenhum de seus sentimentos
havia mudado.
Ele abriu um sorriso lento.
— O que você está fazendo aqui?
Sydney deu a ele um sorriso divertido.
— Seu autógrafo?
Ele soube imediatamente o que ela diria a seguir. Ele sabia
disso pela forma como seu coração saltava, pela forma como seu
corpo se iluminava com a chance de voltar para aquele estranho
outro mundo, o mundo envolto em sombras e segredos, o mundo
tão diferente do seu próprio barulhento, selvagem e caótico. Ele
sabia disso pela maneira como o ar entre eles parecia ganhar vida,
seus antigos laços despertados da hibernação. Ele sabia disso pelo
olhar em seus olhos.
Ele sabia o que ela diria e sabia qual seria sua própria resposta.
— Nova missão — disse Sydney. — E nós pensamos que você
se encaixaria no projeto.
— Só se eu não tiver que trabalhar com você novamente.
Ela riu um pouco. Seu coração disparou em resposta. Era o
melhor som do mundo.
— Receio que você esteja sem sorte nisso.
— Eu amo a má sorte.
Ela olhou de soslaio para ele.
— Quer ouvir mais?
Ele sorriu. Às vezes, a lua e o sol estavam no céu ao mesmo
tempo. Então ele deu um passo em direção a ela, de volta ao seu
mundo.
— Mostre o caminho.
Agradecimentos

Agradeço profundamente à minha intrépida agente, Kristin Nelson, e


a toda a equipe da NLA. Obrigada por defender esta minha mais
nova história, como você sempre me defende. Eu sou eternamente
grata.
Toda a minha gratidão aos meus maravilhosos editores e
amigos, Jen Besser e Kate Meltzer, por sua sabedoria e bondade,
sua companhia quando está ensolarado e seu guarda-chuva quando
chove. É uma honra da minha vida profissional construir mais uma
história com vocês dois.
Agradeço à minha equipe incansável e trabalhadora da
Macmillan Children's and Fierce Reads: Emilia Sowersby, Kathy
Wielgosz, Jennifer Healey, Melissa Zar, Teresa Ferraiolo, Leigh Ann
Higgins, John Nora, Kelsey Marrujo e Tatiana Merced-Zarou. Um
grande e especial agradecimento a Aurora Parlagreco e Jessica
Cruickshank por esta capa deslumbrante – acho que nunca vou
superar o quanto ela é linda. Há tanta coisa que todos vocês fazem
que pode nunca ser publicamente reconhecida; esta sou eu
reconhecendo isso publicamente. Que alegria é trabalhar com todos
vocês.
Eu não sou uma espiã (ou sou? Quem pode dizer…), então só
posso escrever sobre espionagem da perspectiva de um estranho.
Mas vários livros me ajudaram a construir o personagem de Sydney
– o principal deles, uma fascinante autobiografia de Amaryllis Fox
chamada Life Undercover: Coming of Age in the CIA. Obrigada por
compartilhar suas experiências extraordinárias, Sra. Fox. A pesquisa
de livros nunca foi tão interessante.
Quem me conhece sabe que pertenço ao BTS Army. Winter
Young é, claro, uma superestrela fictícia – mas a criatividade inspira
a criatividade e, desde 2017, assistir a esse grupo talentoso de
rostos asiáticos e almas gentis conquistar o mundo tem sido uma
fonte profunda de inspiração e encorajamento para mim. Eu só
posso imaginar o quão difícil foi para todos vocês durante a
pandemia, profissionalmente e pessoalmente, mas saibam que suas
criações durante esse tempo ajudaram este escritor, junto com
inúmeros outros. Então, obrigada, Bangtan, por toda a alegria que
você espalhou. Borahae!
A todos os professores, bibliotecários e livreiros nos Estados
Unidos – e globalmente – que continuam lutando para que diversos
livros permaneçam nas prateleiras, obrigada, obrigada, obrigada. Os
livros são vistos como perigosos desde o início dos tempos.
Obrigada por lutar contra esse medo e por seu trabalho árduo em
colocar livros de todas as perspectivas nas mãos dos leitores.
Meus profundos agradecimentos a meus amigos e familiares
que viram este livro através de muitas, muitas iterações comigo.
Toda a minha gratidão ao meu marido, Primo Gallanosa, por fazer
turnos extras cuidando do nosso bebê para que eu pudesse
trabalhar, e ao meu filhinho, por ser a luz absoluta em nossas vidas.
Por último e mais importante, obrigada a você, meu leitor. Todos
os meus livros são escritos para você, é claro, mas este em
particular é dedicado a você porque meu único objetivo ao escrevê-
lo era fazê-lo feliz. Sei que vivemos tempos turbulentos; Eu sei que
você já passou por muita coisa. Espero que você tenha se divertido
lendo esta história e tenha conseguido escapar por um tempo com
Winter e Sydney. Obrigada por me dar a chance de contar histórias.
Espero encontrá-lo algum dia na estrada. Todo meu amor.
Sobre a autora

Marie Lu é a autora best-seller nº 1 do New York Times da série


Legend, da trilogia Young Elites, da série Warcross, Batman:
Nightwalker, The Kingdom of Back e da duologia Skyhunter. Ela se
formou na University of Southern California e entrou na indústria de
videogames, onde trabalhou como artista. Agora uma escritora em
tempo integral, ela passa suas horas livres lendo, desenhando e
jogando. Ela mora em Los Angeles com seu marido ilustrador/autor,
Primo Gallanosa, e seu filho.
Conteúdo

Página de título
Dedicatória

1. Aqueles que dão à luz à obsessão


2. Aqueles que andam nas sombras do mundo
3. A Chacal
4. O Grupo Panaceia
5. Todo o mundo é um palco secreto
6. O novo emprego
7. A reflexão tardia
8. Regras do jogo
9. A calmaria antes da tempestade
10. Monstros parecem cavalheiros
11. Alguém está sempre observando
12. Suspeitas
13. O que assombra o coração
14. Prelúdio para o palco
15. Mais parecidas do que não
16. A superestrela e o magnata
17. Personagens em um palco
18. Jogos perigosos
19. Jogos perigosos
20. Pássaros da mesma gaiola
21. Pivô
22. O caçador, a caça
23. Quebrando a parede
24. Destinado a ser
25. Amigos e inimigos
26. Apenas mais um trabalho
27. Batida silenciosa
28. Alvo
29. A boa filha
30. Encurralados
31. Ainda não acabou
32. O voo final
33. Digno
34. Respire
35. A família que você encontra
36. O coração é grande e profundo
37. Lealdade a um segredo
38. O sol e a lua
39. Poderia ter, deveria ter

Um ano depois
Agradecimentos
Sobre a autora

Você também pode gostar