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Copyright © 2017 desta edição por Angular Direitos cedidos à Associação da

Igreja Metodista e Publicado pelo: Departamento Editorial da Igreja Metodista -


Angular Editora. É proibida a reprodução total ou parcial do livro, Art. 184 do
Código Penal e Lei 9610 de 19 de fevereiro de 1998.
Secretaria
Editorial:
Joana D’ Arc Meireles
Capa | Editoração:
Siano | Fabio N. Marchiori
www.siano.com.br
Revisão:
Madhalena Libos
Imagem da capa:
depositphotos.com - GoodOlga
Dedico este livro a Dr. Allan Coppedge, mentor e professor
que me inspirou a conhecer e amar os escritos de John Wesley.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 09
INTRODUÇÃO 11
JANEIRO 15
FEVEREIRO 42
MARÇO 70
ABRIL 100
MAIO 130
JUNHO 159
JULHO 186
AGOSTO 214
SETEMBRO 244
OUTUBRO 273
NOVEMBRO 301 DEZEMBRO 352
Apresentação
A Angular Editora tem a grande satisfação de apresentar o livro:
Caminhada Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John
Wesley, organizado pela missionária Hope Owsley.

A organizadora dessa minuciosa pesquisa proporciona uma seleção


de 366 pérolas dos escritos do insigne fundador do movimento
metodista, Reverendo John Wesley, no século XVIII.

Temos a absoluta certeza que essa obra enriquecerá 366 dias, a vida
e o ministério de todas as pessoas que terão a oportunidade de
usufruir dessas preciosas lições abrangendo testemunhos de Wesley
em sua rica trajetória de vida.

Estamos no ano de 2017, celebrando os 500 anos da Reforma


Protestante encabeçada pelo seu principal líder, Dr. Martinho Lutero,
na Alemanha, no século XVI.

Dois séculos depois, John Wesley, na Inglaterra, deu vitalidade aos


eixos norteadores da Reforma Protestante despertando, sob a
dinâmica do Espírito Santo, a Igreja a sair de si mesma dentro de
seus muros institucionais para experimentar o desafio missionário
resumido por Wesley em sua frase famosa: “O mundo é a minha
paróquia”.

Por isso, enfatizou a importância das pregações ao ar livre, a prática


do ministério itinerante pelo qual os/as pregadores/ as buscavam as
pessoas onde elas se encontravam, o resgate da Doutrina do
Sacerdócio Universal de todos os Crentes, através da pregação leiga
para o avanço do “indo” de nosso Senhor Jesus Cristo, bem como o
compromisso com a educação cristã como instrumento importante
para o crescimento na graça de Jesus Cristo e “reformar a nação” e
“espalhar a santidade bíblica” por toda a parte.

Agradecemos carinhosamente à missionária Hope pelo seu


primoroso trabalho realizado.
Agora, à nossa disposição essa importante coletânea contendo 366
textos para nossa edificação espiritual.

Joana D’Arc Meireles Secretaria Editorial – Angular Editora


Introdução
Durante muitos anos tenho observado a necessidade de mais
materiais com base nas obras de João Wesley. Quando dou aulas de
Teologia de João Wesley e apresento os meus alunos aos seus
sermões, ficam maravilhados com a relevância deles à fé cristã.
Como é do nosso conhecimento, as livrarias têm poucos escritos de
Wesley. Os seus sermões estão disponíveis para download na
internet, mas a linguagem é antiquada e poucos se esforçam para os
encontrar e ler.

Tem sido o meu sonho compilar um livro devocional de leituras


diárias para todo o ano (366 leituras) com base nos sermões de
Wesley. Durante os últimos dois anos tenho me empenhado no
projeto, lendo e relendo os 52 sermões, selecionando
cuidadosamente as passagens que seriam mais inspirativas e
teologicamente significantes.

Utilizando os sermões disponíveis na internet, os comparei com o


inglês e fiz algumas correções. Quando possível simplifiquei uma
expressão portuguesa antiquada por uma palavra mais moderna.
Omiti frases e sentenças que me pareciam redundantes. Meu alvo
era fazer Wesley acessível o máximo possível ao leitor comum.
Mesmo que todas as leituras de cada sermão estejam agrupadas,
acrescentei palavras quando necessário para que cada leitura
pudesse ter um sentido completo.

Uma das razões pelas quais os escritos de Wesley nunca estão fora
de época se dá porque são saturados das Escrituras. Tenho incluído
referência quando possível para apontar este fato, mas reconheço
que isto pode ser uma distração para alguns. Finalmente, anotei
após cada leitura o lugar nos 52 sermões onde se pode-se encontrar
a passagem. XXX, I, 2 significa “sermão 30, sessão 1, parágrafo 2,”
etc.
Minha esperança é que esta ferramenta valiosa não seja apenas
colocada nas mãos de metodistas de fala portuguesa, mas de
cristãos em todo lugar que possam se beneficiar do ensino e
pensamento sólido e bíblico.

Em Cristo,
Hope Owsley
Celebrando a nossa história:
150 anos de metodismo em terras brasileiras.
Oração dos Metodistas para o Ano Novo – Dia 1

Assim, pois, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto
possui, não pode ser meu discípulo.
Lucas 14.33

Não pertenço mais a mim mesmo, mas sou Teu. Coloque-me a fazer
o que Tu queres, mobiliza-me com quem quer que seja, conforme a
Tua vontade; que eu faça o que o Senhor mandar, que eu sofra o
que o Senhor permitir; que eu seja empregado por Ti ou deixado por
Ti; exaltado por Ti, ou humilhado por Tua causa; que eu seja cheio,
que eu seja vazio; que eu tenha todas as coisas, que eu não tenha
nada; livremente, e de coração, cedo todas as coisas para o Teu
querer e à Tua disposição. Amém.

O Homem de um Livro Só – Dia 2

Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos


ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta
na roda dos escarnecedores. Antes, tem o seu prazer na lei do
SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a
árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na
estação própria, e cujas folhas não caem, e tudo quanto fizer
prosperará. Salmo 1.1-3

Quero saber uma coisa – o caminho para o céu; como desembarcar


com segurança naquela praia feliz. O próprio Deus condescendeu
em ensinar o caminho; para este fim, ele veio do céu. Ele o escreveu
em um livro. Oh! Dá-me esse livro! Por qualquer preço, dá-me o livro
de Deus! Eu o tenho. Aqui há conhecimento suficiente para mim.
Seja eu o homem de um livro. De modo que estou distante dos
costumes atarefados dos homens. Eu me assento a sós: somente
Deus está aqui. Em sua presença abro e leio o seu livro; para este
fim: achar o caminho do céu. Há alguma

JANEIRO

dúvida a respeito do significado daquilo que leio? Parece alguma


coisa difícil ou intrincada? Ergo o meu coração ao Pai das luzes;
“Senhor, não é tua palavra, se alguém necessita de sabedoria peça a
Deus? Tu dás liberalmente e não lanças em rosto. Tu disseste: se
alguém quiser fazer a tua vontade, ele a conhecerá.” Eu quero fazê-
la, dá que eu conheça a tua vontade. Eu então pesquiso e considero
as passagens paralelas das Escrituras, comparando um texto com o
outro. E então medito com toda a atenção e sinceridade de que é
capaz a minha mente. Se ainda persiste alguma dúvida, consulto
aqueles que são experimentados nas coisas de Deus e, então, os
escritos que estavam quase mortos, ainda falam. E o que assim
aprendo, isso ensino. (Do Prefácio aos 52 Sermões, tradução de
Messias Freire, 1960)

Graça Imerecida – Dia 3

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós,
é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie.
Efésios 2.8-9

Todas as bênçãos que Deus comunica ao homem vêm de sua mera


graça, munificência ou favor; de sua livre e imerecida benevolência,
representando graça inteiramente espontânea, visto nenhum direito
ter o homem à menor clemência por parte da Divindade. Foi a livre
graça que formou o homem do pó da terra e nele soprou a alma
vivente,1 estampando nessa alma a imagem de Deus e sujeitando
todas as coisas debaixo de seus pés.2 A mesma graça chega até
nós, neste dia, traduzindo-se em vida, respiração e todas as coisas.
Nada do que somos, ou possuímos, ou realizamos, merece o mínimo
favor das mãos de Deus. Todas as nossas obras, ó Deus, tu as
operaste em nós.3 Assim, elas são outras tantas manifestações de
livre misericórdia; e, qualquer que seja a justiça que se encontre no
homem, ainda será também uma dádiva de Deus. I,4 Introdução,
parágrafo 1

1Gn 2.7 21 Co 15.27 3Is 26.12 4Sermão I: A Salvação pela Fé

17
Corações Corruptos – Dia 4

Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso;


quem o poderá conhecer?
Jeremias 17.9

Com que fará o pecador propiciação pelo menor de seus pecados?


Com suas obras? Não. Na verdade todas essas obras são ímpias e
pecaminosas, requerendo nova propiciação. Somente frutos
corrompidos crescem de uma árvore corrupta. E o coração do
homem é ao mesmo tempo corrupto e abominável, estando
desprovido da glória de Deus1 – isto é, a justiça gloriosa de início
impressa em sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador.
Assim, pois, nada tendo, nem justiça nem obras, que alegar, seus
lábios inteiramente se calam diante de Deus.

Se o homem pecaminoso acha, pois, favor à vista de Deus, isto vem


a ser graça sobre graça!2 Se Deus ainda concede que desçam sobre
nós outras bênçãos e, ademais, a maior de todas, que é a salvação,
que, podemos dizer a essas coisas, senão repetir: Graças sejam
dadas a Deus por seu dom inefável!3 E assim é. Nisto Deus dá prova
do seu amor para conosco, em que, quando ainda éramos
pecadores, Cristo morreu para salvar-nos.4 Pela graça, pois, sois
salvos mediante a fé.5 A graça é a fonte; a condição é a fé. I,
Introdução, 2-3

1Rm 3.23 2Jo 1.16 32 Co 9.15 4Rm 5.8 5Ef 2.8

Fé Salvadora – Dia 5

Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os demônios também o


creem, e estremecem.
Tiago 2.19

Qual é a fé mediante a qual somos salvos? Podese responder, de


modo geral, que é, primeiro, a fé em Cristo: Cristo e Deus, através de
Cristo, são os próprios fundamentos dessa fé. Nisto se distingue ela
suficientemente,

JANEIRO

absolutamente, da fé, seja dos antigos ou dos modernos pagãos. Por


isso ela se distingue da fé que o demônio possui: não é uma coisa
meramente especulativa, racional, um assentimento frio e morto,
uma série de ideias que se amontoam na cabeça, mas uma
disposição do coração. Por isso diz a Escritura: Com o coração o
homem crê para a justiça;1 e: se tu confessares com tua boca o
Senhor Jesus, e creres em teu coração que Deus o levantou dentre
os mortos, serás salvo.2 I, I, 4

1 Rm 10.10 2Rm 10.9

Plena Confiança – Dia 6

Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro,
que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, que por tradição
recebestes dos vossos pais, mas com precioso sangue, como de um
cordeiro sem defeito e sem mancha, o sangue de Cristo. 1 Pedro 1.18-
19

Esta fé difere daquela fé que os próprios apóstolos tinham enquanto


nosso Senhor estava na terra. Ela reconhece a necessidade e os
méritos de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua
morte como o único meio suficiente de redimir o homem da morte
eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós à vida e
imortalidade, tanto mais que ele foi entregue por nossos pecados e
ressurgiu para nossa justificação.1 A fé cristã é, portanto, não só um
assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas também plena
confiança no sangue de Cristo; confiança nos méritos de sua vida,
morte e ressurreição; descanso nele como nossa propiciação e
nossa vida,
– vida divina que foi dada por nós e vive em nós; e, em
consequência disto, união com ele, adesão à sua pessoa, como
nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção,2 ou, numa
palavra, – nossa Salvação. I, I, 5

1Rm 4.25 21 Co 1.30 19


Ele Salvará Seu Povo – Dia 7

Pois sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com ele,
para que o corpo do pecado seja destruído, e não mais sejamos
escravos do pecado; pois quem morreu, foi justificado
do pecado.
Romanos 6.6-7

Vós sois salvos – para abranger tudo numa só palavra


– do pecado. Esta é a salvação que vem pela fé. Esta é a grande
salvação predita pelo anjo, antes que Deus introduzisse no mundo
seu primogênito a quem chamarás Jesus, porque ele salvará seu
povo de seus pecados.1 Nem aqui, nem nas outras partes do Escrito
Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo seu povo, ou,
como se diz em outros lugares, todo o que crê,2 Cristo o salvará dos
pecados; do pecado original e atual, passado e presente, da carne e
do espírito. Mediante a fé que há em Cristo, os pecadores são
salvos, tanto da culpa como do poder da culpa. Agora, Cristo levou a
maldição da lei, fazendo-se maldição por nós.3 Cancelou o escrito de
dívida que era contra nós, levando-o e cravando-o em sua cruz.4
Agora não há, pois, condenação para os que creem em Cristo
Jesus.5 I, II, 2-3

1Mt 1.21 2Jo 3.16 3Gl 3.13 4Cl 2.14 5Rm 8.1

Salvos do Medo – Dia 8

No amor não há medo; antes o perfeito amor lança fora o medo;


porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está
aperfeiçoado no amor. 1 João 4.18

Sendo salvos da culpa, os homens são também salvos do temor.


Não, em verdade, do temor filial de cometer qualquer ofensa, mas do
medo servil que escraviza; do medo de punição; do medo da ira de
Deus, – desse Deus que eles agora não mais contemplam como um
Senhor

JANEIRO

severo, mas como um Pai indulgente. Não receberam outra vez o


espírito de escravidão, mas o espírito de adoção, pelo qual
exclamam: Abba, Pai; testificando também o mesmo Espírito com
seu espírito, que eles são filhos de Deus.1 São também salvos não
da possibilidade, mas do receio de decaírem da graça de Deus e de
serem privados das grandes e preciosas promessas. Eles são
selados com o Espírito Santo da promessa.2 Deste modo têm paz
com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo.3 Regozijam-se na
esperança da glória de Deus – e o amor de Deus se derrama
abundantemente em seus corações, através do Espírito Santo, que
lhes é dado. Pelo Espírito são persuadidos, de que nem a morte,
nem a vida, nem as coisas presentes, nem as coisas futuras, nem a
altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz
de os separar do amor de Deus, que, está em Cristo Jesus, nosso
Senhor.4 I, II, 4

1Rm 8.15 2Ef 1.13 3Rm 5.1 4Rm 8.38-39

Nascer Outra Vez – Dia 9

Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que se


alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
João 3.3

Esta é, pois; a salvação pela fé, mesmo no mundo presente:


salvação do pecado e das consequências do pecado expressas com
frequência pela palavra justificação, a qual, tomada em sentido mais
amplo, implica na libertação da culpa e do castigo, pela propiciação
de Cristo atualmente aplicada à alma do pecador, agora crente em
Jesus, e libertação do domínio do pecado, mediante o mesmo
Senhor, formado em seu coração. Assim, aquele que é justificado, ou
salvo pela fé, é, na verdade, nascido de novo. Nasce outra vez do
Espírito para uma nova vida, que está escondida com Cristo em
Deus.1 Como um recém-nascido, gradualmente recebe o puro leite
espiritual, sem dolo, da Palavra – e cresce por ele,2 subindo de fé
em fé,3 de graça em graça, até chegar, afinal, a homem perfeito,
segundo a medida da estatura da plenitude de Cristo.4 I, II, 7

1 Cl 3.3 21 Pe 2.2 3Rm 1.17 4Ef 4.13


Poderoso para Salvar – Dia 10

O Senhor teu Deus está no meio de ti, poderoso para te salvar; ele
se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-
se-á em ti com júbilo. Sofonias 3.17

Falar da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente,


só pela fé, não incita, porventura, os homens ao pecado? Na
verdade isto pode acontecer e acontecerá: muitos continuarão no
pecado para que a graça possa superabundar;1 mas seu sangue
será sobre sua cabeça. A bondade de Deus deve levá-los ao
arrependimento: isto acontecerá com os que sejam sinceros de
coração, os quais, sabendo que ainda há perdão para eles, clamarão
com ânsia que ele cancele seus pecados mediante a fé que há em
Jesus. E se eles realmente clamarem de coração e não desistirem;
se o buscam por todos os meios que o próprio Deus apontou; se
recusam a ser confortados até que venha o Senhor, – Ele virá e não
tardará.2 E ele pode fazer grandes coisas em curtíssimo espaço de
tempo. Muitos são os exemplos, nos Atos dos Apóstolos, da divina
operação da graça no coração dos homens, manifestando-se como
relâmpago caindo desde os céus. Assim, no mesmo instante em que
Paulo e Silas começaram a pregar, o carcereiro se arrependeu e
creu, sendo batizado;3 o mesmo se dera com os três mil, no dia de
Pentecoste, que se arrependeram e creram à primeira pregação de
Pedro. E, graças a Deus, ainda há muitas provas vivas de que ele
ainda é poderoso para salvar. I, III, 4

1Rm 6.1 2Hb 10.37 3At 16


JANEIRO

Abundante Perdão – Dia 11

Pois todos nós recebemos da sua plenitude, e graça sobre


graça. João 1.16
Dizem que a salvação pela fé é uma doutrina desconfortável porque
ensina o verdadeiro estado do homem: indigno de salvação e
impotente para se salvar. Mas a verdade é que a doutrina é o que dá
conforto aos pecadores que estão indo para a destruição. Aquele
que nele crê não será confundido, porque o mesmo Senhor é rico
para com todos os que o invocam.1 Eis aí o conforto, alto como os
céus, forte como a morte! Como? Misericórdia para com todos? Para
Zaqueu, um ladrão público? Para Maria Madalena, meretriz vulgar?
Parece-me ouvir alguém dizendo: “Então eu, também eu, posso
esperar misericórdia!” Podes, sim, aflito, a quem não houve quem
confortasse! Deus não trata com desprezo tua oração. Talvez te
venha ele dizer imediatamente: Tem bom ânimo; teus pecados te são
perdoados;2 tão perdoados que eles jamais exercerão domínio sobre
ti, e, ainda mais, O Espírito Santo testificará com teu espírito que és
filho de Deus.3 Oh! Alegres boas-novas! Boas-novas de grande
gozo, enviadas a todo o povo! Oh! Que todo o que tem sede venha
às águas: venha e compre, sem dinheiro e sem preço.4 Ainda que
teus pecados sejam vermelhos como o carmesim5 e tantos como
teus cabelos, volta para o Senhor e ele terá misericórdia de ti; e para
nosso Deus, porque ele te perdoará largamente.6 I, III, 6

1 Rm 10.11-12 2Mt 9.2 3Rm 8.16 4Is 55.1 5Is 1.18 6Is 55.7

Um Quase Cristão – Dia 12

Se bem que eu poderia até confiar na carne. Se algum outro julga


poder confiar na carne, ainda mais eu:circuncidado ao oitavo dia, da
linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto
à lei fui fariseu;quanto ao zelo, persegui a igreja; quanto à justiça que
há na lei, fui irrepreensível. Mas o que para mim era lucro passei a
considerá-lo como perda por amor de Cristo. Filipenses 3.4-7

Por muitos anos avancei, até chegar àquele ponto, como podem
atestá-lo muitos que estão presentes nesta casa, usando de
diligência para fugir a todo mal e para ter a consciência livre de
ofensa; remindo o tempo; aproveitando todas as oportunidades para
fazer todo o bem a todos os homens; constantemente e
cuidadosamente usando de todos os meios de graça, em público e
em particular; esforçando-me por manter constante seriedade de
conduta, em todos os tempos e em todos os lugares; e Deus, diante
de quem me ponho, é minha testemunha, sabendo que eu fazia tudo
isso com sinceridade; tendo um real intento de servir ao Senhor, um
desejo sincero de fazer sua vontade em todas as coisas, de agradar
àquele que me havia chamado para combater o bom combate e
apoderar-me da vida eterna.1 Ainda assim, minha própria
consciência testificava no Espírito Santo, durante todo esse tempo,
que eu era apenas um quase cristão. II,2 I, 13

11 Tm 6.12 2Sermão II: Os Quase Cristãos

Amarás o Senhor – Dia 13

Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus requer de ti,
senão que temas o Senhor teu Deus, que andes em todos os seus
caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração e de toda a tua alma. Deuteronômio 10.12

JANEIRO

Se perguntar: “Que mais se inclui no ser totalmente cristão?” –


responderei: Primeiro, o amor de Deus. Porque assim diz a Palavra:
Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, e de toda tua alma,
e de toda a tua mente, e de todas as tuas forças.1 Um tal amor
enche todo o coração, absorve todas as afeições, e sacia
completamente a alma. Aquele que assim ama ao Senhor seu Deus,
regozija-se em espírito, constantemente, em Deus, seu Salvador.2
Seu prazer está no Senhor, – seu Senhor e seu Tudo, – a quem em
tudo dá graças.3 Todo seu desejo é para Deus e para a lembrança
de seu nome.4 Seu coração exclama sempre: Quem tenho eu nos
céus, senão a ti? E ninguém há sobre a terra a quem eu deseje além
de ti,5 na verdade, que pode tal homem desejar, além de Deus? Não
será o mundo, ou as coisas do mundo, porque ele está crucificado
para o mundo e o mundo crucificado para ele.6 Está crucificado para
o desejo da carne, a cobiça dos olhos e a vaidade da vida.7 Sim,
está morto para o orgulho de toda espécie: porque o amor não se
ensoberbece,8 mas aquele que permanece no amor permanece em
Deus, e Deus nele.9 Ele se considera menos do que nada a seus
próprios olhos. II, II, 1

1Lc 10.27 2Lc 1.47 31 Ts 5.18 4Is 26.8 5Sl 73.25 6Gl 6.14 71 Jo 2.16 81 Co
13.4 91 Jo 4.16

Quem é o Meu Próximo? – Dia 14

Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso.


Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus,
a quem não viu. 1 João 4.20

A segunda coisa em que implica o ser totalmente cristão é o amor ao


próximo. Porque assim diz o Senhor nas seguintes palavras: Amarás
a teu próximo como a ti mesmo.1 Se alguém perguntar: “Quem é
meu próximo?”, responderemos: todo ser humano que há no mundo;
nem podemos de modo algum excluir os nossos inimigos, ou os
inimigos de Deus e suas próprias almas. Também a estes todo
cristão ama como a si mesmo, assim como Cristo nos amou.2 Quem
quiser saber mais profundamente que espécie de amor é este,
considere a descrição que dele faz o apóstolo Paulo. É paciente e
benigno. Não inveja.3 Não é imprudente ou apressado no juízo. Não
se ensoberbece, mas transforma aquele que ama em o menor, o
servo de todos. O amor não maltrata,4 mas se faz tudo para todos os
homens.5 Não procura seus interesses,6 mas somente o bem dos
outros, para que possam ser salvos. O amor não se irrita:7 desarma
a ira, pois quem está irado não tem um coração aperfeiçoado em
amor. Não pensa mal. Não se regozija com a iniquidade, mas alegra-
se com a verdade. Tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.8
II, II, 2
1Mc 12.31 2Ef 5.2 31 Co 13.4 41 Co 13.5 51 Co 9.22 61 Co 13.5 71 Co 13.5
81 Co 13.6-7

O Fundamento de Tudo – Dia 15

Que Cristo habite pela fé nos vossos corações, a fim de que, estando
arraigados e fundados em amor, possais compreender, com todos os
santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a
profundidade,e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o
entendimento, para que sejais cheios até a inteira plenitude de Deus.
Efésios 3.17-18

Uma coisa ainda há que pode ser considerada separadamente,


embora no momento se integre nas considerações precedentes, e
que define o ser integralmente cristão. Refiro-me ao fundamento de
tudo, quero dizer a fé. Coisas mui excelentes se dizem da fé, através
dos Oráculos de Deus. Aquele que crê, é nascido de Deus.1 A
quantos o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus, isto
é, os que creem em

JANEIRO

seu nome .2 E esta é a vitória que vence o mundo: a vossa fé.3 O


próprio Senhor, em pessoa, declara: Aquele que crê no Filho tem a
vida eterna e não vê a condenação, mas passou da morte para a
vida.4 Que ninguém engane, todavia, sua própria alma. Deve-se
notar cuidadosamente que a fé que não traz arrependimento, amor e
todas as boas obras, não é aquela fé certa e viva, mas uma fé morta
e diabólica. Porque mesmo os demônios creem que Cristo nasceu de
uma virgem, que operou várias espécies de milagre, declarando-se
verdadeiro Deus; que, para o nosso bem, sofreu a morte mais
penosa, redimindo-nos da morte eterna; que ressuscitou ao terceiro
dia, subiu aos céus e está assentado à mão direita do Pai, vindo no
fim do mundo para julgar os vivos e os mortos. Estes artigos de
nossa fé os demônios os recebem e creem em tudo quanto está
escrito no Velho e no Novo Testamento. E, com toda essa fé, eles
não deixam de ser demônios. Permanecem ainda em sua condição
de perdidos, faltando-lhes justamente a verdadeira fé cristã. II, II, 3-4

11 Jo 5.1 2Jo 1.12 31 Jo 5.4 4Jo 5.24

A Verdadeira Fé – Dia 16

Abraão, em esperança, creu contra a esperança, para que se


tornasse pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim
será a tua descendência; e sem se enfraquecer na fé, considerou o
seu próprio corpo já amortecido (pois tinha quase cem anos), e o
amortecimento do ventre de Sara; contudo, à vista da promessa de
Deus, não vacilou por incredulidade, antes foi fortalecido na fé,
dando glória a Deus,e estando certíssimo de que o que Deus tinha
prometido, também era poderoso para o fazer. Romanos 4.18-21

A reta e verdadeira fé consiste não somente em crer que as


Sagradas Escrituras e os Artigos de nossa Fé são a verdade, mas
em ter certeza também da esperança e confiança de ser salvo da
eterna condenação, mediante Cristo. É uma confiança que o homem
deposita em Deus, no Deus que, pelos méritos de Cristo, perdoa
seus pecados e o restaura no favor do Altíssimo, daí decorrendo um
coração cheio de amor por Deus, disposto a obedecer a seus
mandamentos. Pois bem, quem quer que possua semelhante fé,
purifique o coração (pelo poder de Deus, que nele habita), do
orgulho, da ira, da cobiça, de toda injustiça,1 de toda impureza da
carne e do espírito,2 enchendo-o de amor mais forte do que a
morte,3 tanto a Deus como a toda a humanidade; este amor faz as
obras de Deus, e gasta tudo que tem pelas almas,4 e suporta com
alegria, não apenas o opróbrio de Cristo (ser escarnecido,
desprezado e odiado por todos os homens), mas seja o que for que a
sabedoria de Deus permita sofrer, seja a malícia dos homens ou dos
demônios; quem quer que tenha essa fé, assim operando por amor,
é um cristão de verdade. II, II, 5-6

11 Jo 1.9 22 Co 7.1 3Ct 8.6 42 Co 12.15


Deus é Tudo para Você? – Dia 17

Ora, sem fé é impossível agradar a Deus; porque é necessário que


aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que
recompensa aqueles que o buscam. Hebreus 11.6

Formar bons propósitos e nutrir bons desejos fazem um cristão? De


forma alguma, a não ser que produza bons frutos. “O inferno” – diz
alguém – “está cheio de boas intenções.” A questão culminante,
entretanto, permanece, exigindo resposta de cada um: O amor de
Deus foi derramado em teu coração? Podes exclamar: “Meu Deus, e
meu tudo!” Não desejas coisa alguma, senão a Deus? És feliz em
Deus? Ele é tua glória, teu prazer, tua coroa de regozijo? Está escrito
em teu coração este mandamento: O que ama a Deus, ame também
a seu irmão?1 Amas, pois, a

JANEIRO

teu próximo como a ti mesmo ?2 Amas a todos os homens, mesmo


aos teus inimigos, aos inimigos de Deus, como à tua própria alma; e
como Cristo te amou? Sim, crês que Cristo te amou e se entregou
por ti?3 Tens fé em seu sangue? Crês no Cordeiro de Deus que tira
teus pecados e lança
-os como uma pedra no fundo do mar?4 Que Ele cancelou o escrito
de dívida que era contra ti, tirando-o e pregando-o em sua cruz?5
Tens, na verdade, redenção em seu sangue, e ainda a remissão de
teus pecados? E o Espírito testifica com teu espírito, que tu és filho
de Deus?6 Então tens uma fé verdadeira. II, II, 9

11 Jo 4.21 2Mc 12.31 3Ef 5.2 4Mq 7.19 5Cl 2.14 6Rm 8.16

Tua Alta Vocação – Dia 18

Prossigo para o alvo pelo prêmio da vocação celestial de Deus em


Cristo Jesus.
Filipenses 3.14
O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que está agora em
nosso meio, sabe que, se um homem morrer sem esta fé e sem este
amor, melhor seria para ele que não tivesse nascido. Desperta, pois,
tu que dormes1 e invoca o teu Deus: clama por ele no dia em que
pode ser encontrado.2 Perturbe-o até que faça sua bondade passar
diante de ti;3 até que proclame a ti o nome do Senhor, o Senhor, o
Senhor Deus, misericordioso e gracioso, longânimo e abundante, em
bondade e verdade, usando de misericórdia para com milhares,
perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado.4 Não permitas
que ninguém te persuada, com palavras vãs, a ficares aquém do
prêmio da tua alta vocação. Clama dia e noite por aquele que,
quando ainda éramos fracos, morreu pelos ímpios,5 até que saibas
em quem tens crido e possas dizer: Senhor meu e Deus meu!6
Lembra-te de orar sem cessar,7 até que também levantes tua mão
para o céu e declares àquele que vive para sempre: Senhor, tu
conheces todas as coisas; tu sabes que eu te amo! 8 Que tenhamos
a experiência de ser, não apenas quase, mas integralmente cristãos,
sendo justificados livremente por sua graça, pela redenção que há
em Jesus; sabendo que temos paz com Deus por Jesus Cristo;
regozijando-nos na esperança da glória de Deus; e tendo o amor de
Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos é
dado! II, II, 10-11

1Ef 5.14 2Is 55.6 3Ex 33.19 4Ex 34.6-7 5Rm 5.8 6Jo 20.28 71 Ts 5.17 8Jo
21.17

Uma Satisfação Perigosa – Dia 19

Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te


iluminará.
Efésios 5.14

Aqueles que dormem, dormem de noite .1 O estado natural do


homem é de escuridão absoluta, lembrando a condição segundo a
qual as trevas cobrem a terra e noite densa envolve o povo.2 O
pobre pecador ainda não despertado, qualquer que seja o
conhecimento que possua acerca de outras coisas, não se conhece
a si mesmo: nesse sentido ele nada sabe do que devia saber.3 Não
sabe que é um espírito decaído, cuja necessidade principal, no
mundo presente, é reerguer-se de sua queda e recuperar a imagem
de Deus, segundo a qual fora criado. Não percebe a falta da única
coisa necessária,4 isto é, a mudança interior de nascer de cima5
simbolizada pelo batismo, que é o início da renovação total; aquela
santificação de espírito, alma e corpo, sem a qual ninguém verá a
Deus.6 Carregado de todas as suas enfermidades, ele julga-se,
todavia, em perfeita saúde. Encarcerado em prisões de aço e de
miséria, protesta estar em liberdade. Ele diz: Paz, Paz!,7 enquanto o
diabo, como um forte homem armado,8 está de plena posse de sua
alma. Dorme placidamente, descansa, enquanto o inferno se move
sob

JANEIRO

seus pés para lhe vir ao encontro; enquanto o abismo, de onde


ninguém jamais regressa,9 abre sua boca para engoli-lo. Arde o fogo
em torno de si, e ele não o pressente; queima-o, e apesar de tudo
ele nada percebe. III,10 I, 2-3

1 1 Ts 5.7 2Is 60.2 31 Co 8.2 4Lc 10.42 5Jo 3.3 6Hb 12.14 7Jr 6.14 8Lc 11.21
9Ez 26.20 10Sermão III: Desperta, tu que Dormes

O Dorminhoco Espiritual – Dia 20

O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de


Deus.
Romanos 8.16

Por ‘adormecido’ entendemos, pois, o pecador satisfeito com seus


pecados; contente de permanecer em seu estado de queda, de viver
e morrer sem nunca refletir a imagem de Deus; o que ignora sua
enfermidade e o único remédio que o pode curar; o que nunca foi
advertido ou que nunca atentou para a voz de Deus que o aconselha
a fugir da ira vindoura;1 o que jamais notou que estava exposto ao
perigo do fogo do inferno ou que jamais clamou do mais profundo de
sua alma: Que devo eu fazer para me salvar?2

Tendo olhos ele não vê; tendo ouvidos não ouve .3 Não prova e vê
que o Senhor é benigno.4 Ele jamais viu a Deus, nem ouviu sua voz,
nem tocou o Verbo da vida.5 A alma que dorme o sono da morte não
tem percepção de nenhuma coisa dessa espécie. “Como” – pergunta
ele – “podem ser essas coisas? Como pode algum homem saber que
está vivo para Deus?” Do mesmo modo que sabes que teu corpo
está agora vivo. A fé é a vida da alma; se tu tens esta vida palpitante
em ti, não tens necessidade de sinais para evidenciá-la a ti mesmo,
pois aquela divina consciência, o que vale mais do que dez milhares
de testemunhos humanos, testifica da presença de Deus na sua
vida. III, I, 4, 10-11

1Lc 3.7 2At 16.30 3Mc 8.18 4Sl 34.8 51 Jo 1.1

Somos Peregrinos – Dia 21

Mas a nossa pátria está nos céus, donde também aguardamos um


Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
Filipenses 3.20

Desperta tu, ó espírito eterno, de teu sonho de felicidade terrena!


Não te criou Deus para si mesmo? Não podes encontrar repouso até
que nEle descanses. Volta, viajante! Este mundo não é o teu lar. Não
penses em construir tabernáculos aqui. Não és senão um peregrino
sobre a terra, a criatura de um dia, em trânsito para um destino
imutável. Apressa-te! A eternidade está próxima. A eternidade
depende deste momento – uma eternidade feliz ou uma eternidade
de miséria. Em que estado se acha tua alma? Se Deus te chamasse,
estarias pronto a te encontrares com a morte e com o juízo? Podes
permanecer à sua vista, que é a de olhos demasiadamente puros
para verem a iniquidade?1 Estás pronto a seres participante da
herança dos santos em luz?2 Combateste o bom combate e
guardaste a fé?3 Tomaste posse da única coisa que é necessária?
Recobraste a imagem de Deus, em justiça e verdadeira santidade?
Despojaste-te do velho homem, para te revestires do novo homem?4
Estás unido a Cristo? III, II, 5-6

1Hc 1.13 2Cl 1.12 32 Tm 4.7 4Ef 4.22

Recebeste o Espírito Santo? – Dia 22

Visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito
a vida e a piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos
chamou por sua própria glória e virtude; pelas quais ele nos tem
dado as suas preciosas e grandíssimas promessas, para que por
elas vos torneis participantes da natureza divina, havendo escapado
da corrupção, que pela concupiscência há no mundo. 2 Pedro 1.3-4

JANEIRO

Tens óleo em tua lâmpada ?1 Graça no coração? Amas ao Senhor o


teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua mente, e de toda a
tua alma, e de todas as tuas forças?2 Há em ti aquela mente que
havia também em Cristo Jesus?3 És na verdade cristão, isto é, uma
nova criatura? O que era velho passou e, agora, se fizeram novas
todas as coisas?4 És participante da natureza divina? Não sabes que
Cristo está em ti? A não ser que sejas reprovado.5 Não sabes que
Deus habita em ti e tu em Deus, pelo Espírito que ele te concedeu?
Não sabes que teu corpo é templo do Espírito Santo, que tu tens
mediante comunicação da parte de Deus?6 Tens o testemunho em ti
mesmo – penhor de tua herança?7 Recebeste o Espírito Santo ou te
surpreendes com a pergunta, nem sabendo sequer que haja um
Espírito Santo?8 III, II, 7-8

1Mt 25.4 2Lc 10.27 3Fp 2.5 42 Co 5.17 52 Co 13.5 61 Co 6.19 7Ef 1.14 8At
19.2
Senhor, Eu Quero te Amar! – Dia 23

Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o


Senhor.
Hebreus 12.14

Repito a pergunta: “Recebeste o Espírito Santo?” Se não o


recebeste, ainda não é cristão, porque – cristão é o homem ungido
com o Espírito Santo e com poder.1 Não te fizeste ainda participante
da religião pura e imaculada.2 Sabes que religião é esta? É a
participação da natureza divina; a vida de Deus na alma humana;
Cristo formado no coração; Cristo em ti, a esperança da glória;3
felicidade e santidade; o céu começando na terra; o reino de Deus
em ti, consistindo, não em comida, nem em bebida, – nem em coisas
materiais – mas, em justiça, e paz, e gozo no Espírito Santo;4 um
reino eterno estabelecido em tua alma; a paz de Deus, que excede
toda a compreensão;5 um gozo indizível e cheio de glória.6

Sentes necessidade de mudança interior, de nascimento espiritual,


de vida que tome o lugar da morte, – da santidade? Estás
profundamente convencido de que sem esta ninguém verá a Deus?7
Estás trabalhando por alcançá-la, usando de toda diligência para
fazer certo o teu chamado e eleição,8 operando tua salvação com
temor e tremor,9 e agonizando por entrar pela porta estreita?10 Estás
ansioso acerca de tua alma? E podes dizer ao que sonda os
corações: Tu, ó Deus, és o que eu esperava desde muito tempo!
Senhor tu sabes todas as coisas! Tu sabes que eu quero amar-te!11
III, II, 10-11

1At 10.38 2Tg 1.27 3Cl 1.27 4Rm 14.17 5Fp 4.7 61 Pe 1.8 7Hb 12.14 82 Pe
1.10 9Fp 2.12 10Lc 13.24 11Jo 21.17

A Razão da Sua Esperança – Dia 24


Antes santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai
sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo
aquele que vos pedir a razão da esperança que

há em vós;
1 Pedro 3.15

Esperas ser salvo; mas que razões tens a dar da esperança que há
em ti? Será por que não causaste prejuízo, ou por que fizeste grande
cópia do bem, ou por que não és como os demais homens, mas
sábio, ou erudito, ou honesto e moralmente bom, estimado do povo e
de reputação impecável? Ai! Todas estas coisas jamais te levarão a
Deus. À vista dEle isso é tão vão como a própria vaidade. Não
conheces a Jesus Cristo, a quem Deus enviou? Não te ensinou ele
que pela graça sois salvos pela fé; e isto não vem de vós: é dom de
Deus; não vem das obras, para que nenhum homem se glorie?1

Que, através de todo este questionamento, ouças a voz que


desperta o morto e sinta o martelar da Palavra que despedaça as
rochas!2 Se ouvirdes sua voz neste dia, que se

JANEIRO

chama hoje, não endureçais os vossos corações .3 Agora, desperta,


tu que dormes4 na inconsciência da morte espiritual, para que não
durmas no tormento da morte eterna! Reconhece teu estado de
perdição e levanta-te da morte.5 Deixa teus velhos companheiros no
pecado e na morte. Segue a Jesus, e deixa que os mortos enterrem
os seus mortos.6 Salva-te desta geração perversa.7 Sai do meio
deles e separa-te, e não toques as coisas impuras, e o Senhor te
receberá.8 Cristo te alumiará.9 III, II, 12-13

1Ef 2.8 2Jr 23.29 3Hb 3.15 4Ef 5.14 5Ef 5.14 6Mt 8.22 7At 2.40 82 Co 6.17 9Ef
5.14

Cristo te Alumiará – Dia 25


Então Jesus tornou a falar-lhes, dizendo: Eu sou a luz do mundo;
quem me segue de modo algum andará em trevas, mas terá a luz da
vida. João 8.12

Finalmente chego ao ponto de explicar esta promessa. E quão


encorajadora é a palavra de que, quem quer que sejas, se
obedeceres ao chamado de Deus, não terás buscado em vão a sua
face! Se tu agora despertas e te levantas da morte, ele prometeu te
alumiar.1 O Senhor te dará graça e glória: a luz da sua graça e a luz
da sua glória quando receberes a coroa imarcescível. Tua luz
romperá como a aurora e tuas trevas serão como o meio-dia.2 Deus,
que faz a luz brilhar em meio às trevas, luzirá em teu coração, para
dar a conhecer a glória de Deus na face de Jesus Cristo.3 Neles o
temor do Senhor fará levantar-se o Sol da Justiça, trazendo a
salvação em suas asas.4 Naquele dia a ti se te dirá: Levanta-te,
brilha; porque tua luz vem e a glória do Senhor se levanta sobre ti.5
Porque Cristo revelar-se-á em ti: e ele é a verdadeira Luz.6

Deus, que é luz, dar-se-á a si mesmo a todo pecador que desperte e


por ele espere: serás então o templo do Deus vivo;

Cristo habitará em teu coração pela fé . Arraigado e fundado no


amor, estarás apto a compreender, com todos os santos, qual seja o
comprimento, e largura, e profundidade: e altura do amor de Cristo,
amor que excede toda a compreensão.7 Vede vossa vocação,
irmãos. Somos chamados a ser habitação de Deus mediante seu
Espírito;8 e, pelo seu Espírito que habita em nós, tornamo-nos
capazes de ser santos desde agora e participantes da herança dos
santos em luz.9 Como são majestosamente vastas as promessas
feitas a nós, os que cremos! III, III, 1-3

1Ef 5.142Is 58.8 32 Co 4.6 4Ml 4.2 5Is 60.1 6Jo 1.9 7Ef 3.17-19 8Ef 2.22 9Cl
1.12

A Sabedoria do Homem e a Sabedoria de Deus – Dia 26


Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e mudaram a glória do
Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível,
e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Por isso Deus os
entregou, nas concupiscências de seus corações, à imundícia, para
serem os seus corpos desonrados entre si; pois trocaram a verdade
de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura antes que ao
Criador, que é bendito eternamente. Amém. Romanos 1.22-25

A sabedoria de Deus sempre foi tida pelos homens como loucura.1


Nada de admirável há, portanto, no fato de o grande mistério do
Evangelho estar agora oculto aos sábios e instruídos,2 exatamente
como o estivera nos tempos antigos; nada de novo que o Evangelho
seja hoje quase universalmente negado, ridicularizado,
desacreditado, tido como simples delírio, sendo estigmatizados como
loucos e fanáticos todos os que ainda ousam confessá-lo. Esta é a
decadência3 que deveria vir; a apostasia geral dos homens de todas
as condições e categorias, que vemos agora avassalando

JANEIRO

a terra. Percorre abaixo e acima as ruas de Jerusalém e vê se achas


um homem,4 um homem que ame ao Senhor seu Deus de todo o
seu coração e O sirva com todas as suas forças. Como nossa terra
geme, debaixo do transbordamento da iniquidade! Quanta vilania de
toda espécie se comete a cada dia e, o que é pior, com a
impunidade, daqueles que pecam ostensivamente, gloriando-se de
sua infâmia! Quem pode contar os juramentos, as maldições, as
profanações, as blasfêmias; a mentira, a calúnia, a maledicência; as
quebras do sabático, a glutonaria, a bebedice, a vingança; a
prostituição, os adultérios e várias impurezas; as fraudes, a injustiça,
a opressão, a extorsão, que cobrem nossa terra como um dilúvio? III,
III, 10

11 Co 1.18-25 2Lc 10.21 32 Ts 2.3 4Jr 5.1

Cristianismo Preguiçoso – Dia 27


Por isso convém atentarmos mais diligentemente para as coisas que
ouvimos, para que em tempo algum nos desviemos
delas.
Hebreus 2.1

Mesmo entre os que têm se guardado isentos das abominações mais


grosseiras, quanta ira e orgulho, quanta preguiça e egoísmo, quanta
moleza e efeminação, quanta luxúria e indulgência, quanta cobiça e
ambição, quanta sede de louvor, quanto amor ao mundo, quanto
receio do homem não lhes jazem no íntimo! Ao mesmo tempo, quão
pouco há de verdadeira religião! Onde está o que ama a Deus ou ao
próximo, na medida do mandamento que nos deu o Senhor? De um
lado estão os que nem chegam a ter a forma da piedade; de outro
lado estão os que possuem apenas a forma: ali são os sepulcros
caiados e pintados.1 De modo que, em qualquer ato, onde quer que
se forme algum ajuntamento de povo – temo que o público de
nossas igrejas não faça exceção! – Facilmente se pode perceber que
de uma parte estão os saduceus e de outra os fariseus: uns dando
tão escassa importância à religião, como se não houvesse
ressurreição, nem anjos, nem espírito;2 e os outros dela fazendo
simples forma de vida, um jogo estúpido de cerimônias externas,
sem verdadeira fé, nem amor de Deus, nem gozo no Espírito Santo!3
III, III, 11

1Mt 23.27 2At 23.8 3Rm 14.17

A Misericórdia de Deus – Dia 28

Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos


perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.
1 João 1.9

Ó Deus, em meio da ira, lembra-te de tuas misericórdias!1 Sê


glorificado em nossa conversão, e não em nossa perdição! Que
atendamos à correção e àquele que a inflige!2 Agora que teus juízos
permeiam toda a terra,3 que os habitantes do mundo aprendam a
justiça!.4 Meus irmãos, é tempo de despertarmos do sono, antes que
soe a grande trombeta do Senhor5 – e nossa terra se transforme em
campo de sangue.6 Oh! Que vejamos rapidamente as coisas que
nos possam assegurar a paz, antes que elas se ocultem a nossos
olhos! Volta-te para nós, ó bom Deus, e cesse tua ira. Ó Senhor, olha
dos céus, considera e visita tua vinha;7 e faze-nos conhecer o tempo
de nossa visitação.8 Ajuda-nos, ó Deus de nossa salvação, para
glória de teu nome! 9 Ó! Liberta-nos, e sê misericordioso em face de
nossos pecados, por amor de teu nome, e assim não nos
afastaremos de ti. Faze-nos viver, e invocaremos o teu nome. Volta-
te, Senhor Deus dos Exércitos! Mostra-nos a luz de tua face – e
seremos sarados.10

Agora, àquele que é capaz de fazer muito mais do que tudo quanto
podemos pedir ou pensar, segundo o poder que opera

JANEIRO
em nós, a Ele seja a glória na igreja por Jesus Cristo, em todos os
tempos até a consumação dos séculos. Amém!11 III, III, 14-15
1Hc 3.2 2Mq 6.9 3Sl 105.7 4Is 26.9 5Is 27.13 6Mt 27.8 7Sl 80.14 8Lc 19.44 9Sl
79.9 10Sl 80.18-19 11Ef 3.20-21

Dons Extraordinários – Dia 29

Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, distribuindo


particularmente a cada um como quer.
1 Coríntios 12.11

Que esses dons do Espírito Santo sejam destinados a permanecer


na Igreja através de todas as idades ou que eles sejam ou não
restabelecidos à medida que se aproximar a restauração de todas as
coisas,1 são questões que não é necessário decidir. É oportuno,
entretanto, observar que, ainda na infância da Igreja, Deus repartiu
esses dons com cuidado. Eram todos profetas? Eram todos
operadores de milagres? Todos tinham o dom de curar? Falavam
todos em línguas? De modo nenhum. Talvez nem um em um mil.
Provavelmente nenhum, a não ser o líder de cada igreja e, dentre
esses mestres, talvez mesmo só alguns deles. Foi, portanto, para um
fim mais elevado do que a simples posse desses dons, que eles
ficaram cheios do Espírito Santo.2 IV,3 Introdução, 3

1At 3.21 2At 2.4 3Sermão IV: O Cristianismo Bíblico

Fruto Ordinário – Dia 30

E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o


teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de
todo o teu entendimento e ao teu próximo como a

ti mesmo.
Lucas 10.27

A manifestação do Espírito Santo teve como propósito conceder-lhes


– o que ninguém pode negar que seja essencial a todos os cristãos,
em todos os tempos – a mente que havia em Cristo,1 os santos
frutos do Espírito, os quais, não os tendo, esse tal não lhe pertence;
teve em vista enchê-los de amor, gozo, paz, longanimidade,
benignidade, bondade;2 dotá-los de fé – talvez esta ideia melhor se
expresse pelo termo fidelidade; com humildade e temperança;
habilitá-los a crucificar a carne, com suas afeições e cobiças, suas
paixões e desejos;3 e, em consequência da mudança interior, assim
assegurada, preencher toda justiça exterior, andar como Cristo
também andou,4 na obra da fé, na paciência da esperança, no
trabalho de amor.5

Sem nos envolver em curiosos e desnecessários inquéritos, no


tocante aos dons extraordinários do Espírito, analisemos mais de
perto seus frutos ordinários, que cremos que permanecerá após
todas as gerações; consideremos a grande obra divina realizada
entre os filhos dos homens, obra que costumamos designar por uma
única palavra: cristianismo, não no sentido de ser uma série de
opiniões, um sistema de doutrinas – mas no coração e na vida dos
homens.

IV, Introdução, 4-5

1Fp 2.5 2Gl 5.22-24 3Gl 5.24 41 Jo 2.6 51 Ts 1.3

Paz Inabalável – Dia 31

Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em


ti; porque ele confia em ti.
Isaías 26.3

Esta é, pois, a verdadeira essência de fé cristã, a convicção divina do


amor de Deus o Pai, através do Filho de seu amor, comunicada ao
ímpio, agora aceito no Bem-Amado. E, sendo justificado pela fé, tem
paz com Deus;1 sim, tem a paz de Deus reinando em seu coração;2
tem uma paz que, excedendo toda a compreensão, guarda seu
coração e mente3

JANEIRO

de toda dúvida e de todo medo, graças ao conhecimento daquele em


quem confiou. O cristão não pode temer, nem ser afligido por
qualquer notícia má, porque seu coração permanece firme, crendo
no Senhor.4 Não teme o que lhe possa fazer o homem, sabendo que
mesmo seus próprios cabelos estão todos contados.5 Muito menos
teme a morte; antes, deseja partir e estar com Cristo,6 o qual,
através da morte, destruiu o que possuía o poder da morte, isto é, o
diabo; e libertou os que, pelo temor da morte, estavam até então, e
por toda a vida, sujeitos à escravidão.7

Deste modo, sua alma engrandece ao Senhor e seu espírito se


alegra em Deus, seu Salvador.8 Regozija-se com alegria indizível9
naquele que o reconciliou com Deus, o Pai, em quem ele tem a
redenção por seu sangue e o perdão dos pecados.10 Regozija-se no
testemunho do Espírito de Deus com seu próprio espírito, de que é
filho de Deus; e mais abundantemente se alegra na esperança da
glória de Deus; na esperança da gloriosa imagem de Deus e na
renovação plena de sua alma em justiça e verdadeira santidade; na
esperança daquela coroa de glória, daquela herança incorruptível,
sem mancha, imarcescível.11 IV, I, 2-3

1Rm 5.1 2Cl 3.15 3Fp 4.7 4Sl 112.7 5Mt 10.30 6Fp 1.23 7Hb 2.14-15 8Lc 1.46-
47 91 Pe 1.8 10Ef 1.7 111 Pe 1.4
FEVEREIRO

Grande Amor – Dia 1

Ó Senhor, que a tudo excedes,


Dom celeste, Amor sem-par,
Vem, coroa os teus favores,
Entre nós vem habitar.
Grande Amor, Amor bendito,
Ó divina compaixão.
Vem socorre o que padece,
Faze nele habitação.
Vem, Senhor, e dia a dia,
Dá-nos tua inspiração;
Vem, remove o mau desejo,
Que nos tenta o coração.
Tu somente nos conheces,
E nos podes proteger.
Dá-nos, pois, a tua graça,
E com ela o teu poder.
Ó Senhor, não te separes
Do rebanho terrenal.
Une as Igrejas estreitamente,
Dá-lhes vida fraternal;
Abençoa todo o crente,
Ilumina-lhe o andar,
E que todos se comprazam
Em teu nome proclamar.

(Love Divine, All Love Excelling – Hino de Charles Wesley – Tradução: Rev.
Antonio de C. Gonçalves, 1960)

O Amor de Deus – Dia 2


Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós
devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens no mundo
e, vendo o seu irmão necessitado, lhe fechar o seu

43

coração, como estará nele o amor de Deus? Meus filhinhos, não


amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em
verdade.
1 João 3.16-18

A todo o que crê, o amor de Deus foi também derramado em seu


coração, pelo Espírito Santo que lhe foi dado.1 Porque era filho,
Deus derramou em seu coração o Espírito de seu Filho, que clama:
Abba, Pai! 2 E o amor filial de Deus foi aumentando continuamente,
pelo testemunho que ele possuía em si mesmo,3 do amor de Deus
que lhe perdoa; pela consideração da maneira pela qual o amor de
Deus lhe havia sido demonstrado, de modo que pudesse ser
chamado filho de Deus.4 Deus era, pois, o desejo de seus olhos e a
alegria de seu coração, sua porção mais preciosa no tempo e na
eternidade. Os que assim amam a Deus, não podem deixar de
também amar a seus irmãos, não em palavras somente, mas em
obras e em verdade.5 Se Deus, diz ele, assim nos amou, devemos
também amar-nos uns aos outros.6 IV, I, 4-5

1Rm 5.5 2Gl 4.6 31 Jo 5.10 41 Jo 3.1 51 Jo 3.18 61 Jo 4.11

Fazer o Bem – Dia 3

Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver
as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã
estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano,e algum de
vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e lhes não
derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?
Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.
Tiago 2.14-17
O cristão é profundamente sensível à verdade desta palavra: Sem
mim nada podeis fazer;1 e, consequentemente, sensível à
necessidade de ser corrigido por Deus a cada momento, persevera
diariamente em todas as ordenanças do Senhor, que são os meios
de sua graça revelados ao homem:

FEVEREIRO

persevera na doutrina dos apóstolos, ou seja, no ensino inspirado,


recebendo o alimento da alma com toda avidez de coração;
persevera no partir do pão, que ele considera ser a comunhão do
corpo de Cristo; e dedica-se às orações e súplicas feitas na igreja.2
Deste modo cresce diariamente em graça,3 fortalecendo-se em
poder, conhecimento e amor de Deus.

Não lhe satisfaz o abster-se meramente da prática do mal. Sua alma


tem sede de fazer o bem. A linguagem de seu coração
constantemente repete: Meu Pai não cessa de agir até agora, e eu
do mesmo modo.4 Meu Senhor passou por toda parte fazendo o
bem; e não andarei nas suas pegadas? Tendo, pois, oportunidade,
alimenta os famintos, veste os nus, auxilia os órfãos e os peregrinos,
visita e ajuda os que estão enfermos ou presos.5 Dá todos os seus
bens para sustento dos pobres. Regozija-se em trabalhar ou em
sofrer por eles; e, sendo de proveito para quem quer que seja, nega-
se a si mesmo.6 Nada reputa demasiadamente valioso para repartir
com os necessitados, tendo presentes às palavras de seu Senhor: O
que houveres feito a um destes meus irmãos mais pequeninos, a
mim o fizeste.7 IV, I, 8-9

1Jo 15.5 2At 2.42 32 Pe 3.18 4Jo 5.17 5Mt 25.35-40 6Mt 16.24 7Mt 25.40

A Igreja Primitiva – Dia 4

E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no


partir do pão, e nas orações. Em cada alma havia temor, e muitas
maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. Todos os que criam
estavam juntos e tinham tudo em comum.

Atos 2.42-44

Assim era o cristianismo em seu alvorecer. Assim era o cristão dos


dias antigos. Assim era cada um daqueles que, ouvindo as ameaças
dos principais sacerdotes e anciãos, a uma voz clamaram a Deus e
ficaram cheios do Espírito Santo.1 A multidão dos que creram
possuía um só coração e uma só alma,2 tamanho o amor daquele
em quem tinham crido os constrangia ao amor recíproco! Nem dizia
algum deles que as coisas que possuía fossem suas, mas tinham
tudo em comum, tão perfeitamente estavam crucificados para o
mundo e estava o mundo crucificado para eles. E perseveravam na
doutrina dos apóstolos, no partir do pão e nas orações.3 E
abundante graça havia em todos eles; nenhum necessitado se
encontrava entre os irmãos, porque, havendo muitos que eram
proprietários de casas e de terras, vendiam-nas e, trazendo o
produto da venda, depositavam
-no aos pés dos apóstolos, fazendo-se a distribuição por todos,
segundo a necessidade de cada um. IV, I, 10

1At 4.24,31 2At 4.32 3At 2.42

Conselho aos Pastores e Líderes – Dia 5

Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que


receberemos mais duro juízo.
Tiago 3.1

Não se diga que falo aqui como se todos os que se acham debaixo
de vosso cuidado fossem clérigos. Não. Falo como se todos fossem
cristãos. Mas, que exemplo lhes damos, nós que desfrutamos dos
benefícios de nossos antepassados? Que exemplo é dado pelos
colegas, estudantes, letrados, e mais especialmente por aqueles que
são da mesma condição e dignidade? Produzis em abundância,
irmãos, os frutos do Espírito, em humildade de mente, em
abnegação e mortificação, em seriedade e compostura de espírito,
em paciência, brandura, sobriedade, temperança, e em infatigável,
incansável empenho de fazer toda sorte de bem a todos os homens,
mitigando suas necessidades temporais e levando suas almas ao
verdadeiro conhecimento e amor de Deus? Este é o caráter geral
dos pastores?

FEVEREIRO

Temo que não seja. Antes, o orgulho e a altivez de espírito,


impaciência e murmuração, preguiça e indolência, glutonaria e
sensualidade, essas qualidades negativas que têm sido denunciadas
em nós? Oh! Que Deus retire essa acusação de sobre nós, de modo
que até sua lembrança pereça para sempre! IV, IV, 7

Zelo por Almas – Dia 6

Saiba que, aquele que fizer converter do erro do seu caminho um


pecador, salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de
pecados. Tiago 5.20

Muitos de nós somos consagrados a Deus, chamados que fomos a


ministrar nas coisas santas. Somos nós modelos no resto – na
palavra, na conversação, na caridade, no espírito, na fé, na pureza?1
Somos aptos para ensinar? Somos ensinados por Deus, de modo a
podermos também ensinar aos outros? Conhecemos a Deus?
Conhecemos a Jesus Cristo? Deus, revelou seu Filho em nós?2 Fez-
nos Ele ministros capazes da nova aliança?3 Onde estão, logo, os
selos de nosso apostolado?4 Quem, estando morto em delitos e
pecados,5 foi vivificado mediante nossa pregação? Temos um zelo
ardente por salvar as almas da morte, de modo que, por amor delas,
com frequência nos esquecemos até de comer nosso pão? Estamos
mortos para o mundo e para as coisas do mundo, ajuntando nos
céus todo o nosso tesouro?6 Exercemos domínio sobre o povo de
Deus ou somos os últimos, os servos de todos? Quando recebemos
o opróbrio de Cristo, sentimos-lhe o peso, ou nele nos regozijamos?
Quando somos feridos em uma das faces,7 iramo-nos?
Impacientamo-nos com as afrontas, ou voltamos também a outra
face, não resistindo ao mal, mas vencendo o mal com o bem?8
Temos um zelo amargo a incitar-nos ao combate intolerante e
orgulhoso àqueles que estão fora do caminho da fé, ou nosso zelo é
a chama do amor, dirigindo todas as nossas palavras no sentido da
doçura, da humildade, da brandura e da sabedoria? IV, IV, 8

11 Tm 4.12 2Gl 1.16 32 Co 3.6 4 1 Co 9.2 5Ef 2.1 6Mt 6.20 7Lc 6.29 8Rm
12.21

Perguntas para Estudantes e Jovens – Dia 7

Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na


palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na
pureza.
1 Timóteo 4.12

Ainda mais: que diremos acerca dos jovens deste lugar? Tens a
forma ou o poder da santidade cristã?1 És humilde, dócil, prudente,
ou obstinado, voluntarioso, impulsivo e presumido? És obediente aos
superiores como aos pais, ou desprezas aqueles a quem deves a
mais sincera reverência? És diligente no desempenho de teus
deveres, realizando teus estudos com todas as tuas energias? Tens
cuidado de nada dever, por princípio, a pessoa alguma? Lembras-te
do dia do Senhor para o santificar2 empregando-o no mais íntimo
culto a Deus? Quando estás em sua casa, consideras que Deus ali
está presente? Portas-te como quem vê o invisível?3 Sabes guardar
teu corpo em santificação e honra?4 A bebedice e a impureza não se
acham entre vós? Entre vós não há quem se glorie em sua própria
ignomínia?5 Não tomais, muitos dentre vós, o nome de Deus em
vão,6 talvez habitualmente, sem remorso, nem temor?

A consequência disto pode, porventura, deixar de ser o que se vê,


isto é, que muitos dentre vós constituís uma geração leviana, –
brincando com Deus, brincando um jovem com outro jovem,
brincando todos com a própria alma? Porque, quão poucos são os
que, entre vós, gastais, de uma semana a outra, uma hora sequer
em oração privada! Quão poucos são os que revelam qualquer
cogitação de Deus no teor geral de sua conversação! Qual de vós
está

FEVEREIRO

familiarizado, de algum modo, com a obra de seu Espírito e com sua


operação sobrenatural na alma do homem? Em nome do Senhor
Deus Todo-Poderoso, pergunto: que religião professais? IV, IV, 9-10

12 Tm 3.5 2Ex 20.8 3Hb 11.27 41 Ts 4.4 5Fp 3.19 6Ex 20.7

O Estado do Homem no Paraíso – Dia 8

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é


a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor.
Romanos 6.23

Pelo amor espontâneo e gratuito de Deus, o homem era santo e feliz;


conhecia, amava e gozava de Deus, que é, em substância, a vida
eterna. Nessa vida de amor, o homem permaneceria para sempre, se
continuasse a obedecer a Deus em todas as coisas; mas, se num
ponto desobedecesse, perderia tudo. Nesse dia, disse o Senhor, tu
certamente morrerás.1 O homem desobedeceu a Deus. Comeu da
árvore a respeito da qual Deus recomendara, dizendo: Tu não
comerás dela.2 Naquele dia ele foi condenado pelo justo juízo de
Deus. Começou a vigorar então a sentença que fora previamente
intimado ao primeiro homem. No momento em que tocou aquele
fruto, nesse momento morreu. Sua alma morreu; foi separada de
Deus, isto é, cortada da comunhão divina, fora da qual o espírito não
tem mais vida do que a tem o corpo: quando separado da alma que o
vivifica. Seu corpo, do mesmo modo, tornou-se corruptível e mortal;
deste modo a morte igualmente se instalou no mundo. E, morto em
espírito, morto para Deus, morto em pecado, ele se abismou na
morte eterna, na destruição do corpo e da alma, em meio do fogo
que jamais se extingue.3 V,4 I, 4-5

1Gn 2.17 2Gn 3.17 3Mc 9.48 4Sermão V: A Justificação pela Fé

O Primeiro e o Segundo Adão – Dia 9

Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os
homens para condenação, assim também por um só ato de
justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de
vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos
foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão
feitos justos. Romanos 5.18-19

Nesse estado nos encontrávamos, nós e toda a humanidade, quando


Deus de tal maneira amou ao mundo, que lhe deu seu único Filho,
para que não pereçamos, mas tenhamos a vida eterna.1 Na
plenitude do tempo2 ele se fez homem. Como tal levou nossas
dores, tendo o Senhor feito cair sobre ele as iniquidades de todos
nós.3 Então foi ferido pelas nossas transgressões e quebrantado
pelas nossas iniquidades. Fez de sua alma uma oferenda pelo
pecado.4 Derramou seu sangue pelos transgressores; levou nossos
pecados em seu próprio corpo para o madeiro de modo que pelas
suas feridas fôssemos curados.5 Por aquela única oferta de si
mesmo, oferecida uma vez, ele nos resgatou e a toda a humanidade,
tendo por esse meio feito pleno, perfeito e suficiente sacrifício e
satisfação pelos pecados de todo o mundo.6

Este é, pois, o fundamento geral de toda a doutrina da justificação.


Pelo pecado do primeiro Adão, que não somente era o pai, mas
também o representante de todos nós, decaímos da graça; tornamo-
nos todos filhos da ira,7 ou, na expressão do apóstolo, o juízo veio
sobre todos os homens para a condenação.8 Da mesma forma,
mediante o sacrifício pelo pecado, feito pelo segundo Adão, como
nosso representante, Deus tão perfeitamente se reconciliou com todo
o mundo, que com ele fez uma nova aliança, de modo que, uma vez
preenchida a simples condição imposta, não há mais condenação9
para nós, mas somos justificados livremente pela sua graça,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus.10 V, I, 7, 9

1Jo 3.16 2Gl 4.4 3Is 53.4,6 4Is 53.5,10 5Is 53.5 6do livro de disciplina da Igreja
Anglicana 7Ef 2.3 8Rm 5.18 9Rm 8.1 10Rm 3.24
FEVEREIRO

O Que Significa Ser Justificado? – Dia 10

Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso
Senhor Jesus Cristo.
Romanos 5.1

Que é ser justificado? Que é justificação? Este é o segundo ponto


que me proponho explicar. Das observações que precederam, é
evidente que a justificação não consiste em ser o homem desde
agora transformado em justo. Isto é santificação, que por sua vez
vem a ser na verdade, em alguma medida, o fruto imediato da
justificação, sem deixar de ser, não obstante, outro dom de Deus, de
natureza totalmente diversa. Um implica no que Deus faz por nós
através de seu Filho; o outro se prende ao que o mesmo Deus opera
em nós pelo seu Espírito. Embora haja algumas passagens raras em
que o termo justificado ou justificação seja usado em sentido
demasiadamente amplo para também incluir a santificação, todavia,
no uso corrente, essas doutrinas se apresentam suficientemente
discriminadas, tanto nos escritos de Paulo como nos de outros
autores inspirados. Nunca devemos pensar que Deus foi enganado
pelo homem, que Ele o justifica sem saber a gravidade do seu
pecado; que o homem não seja tão ruim assim.

A justificação não implica em que Deus esteja sendo enganado pelos


que foram justificados por Ele, pensando porventura o Senhor serem
os justificados aquilo que realmente não são, ou reputando-os o
contrário do que em realidade são. Isto equivale, pelo menos, a dizer
que Deus julga, em relação a nós, de modo contrário à natureza real
das coisas: que Ele nos tem como melhores do que somos, ou
acredita que somos justos, quando somos, na verdade, ímpios.
Certamente não é assim. O juízo do Deus de toda sabedoria é
sempre conforme a verdade. Que cada homem, a quem Deus tenha
concedido entendimento, analise essas coisas sem preconceitos:
neste caso, não se poderá deixar de concluir que tal ideia de
justificação não se concilia com a razão, nem com as Escrituras. V, II,
1, 4

O Que é a Justificação? – Dia 11

Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela
fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para
sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei,
porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada.

Gálatas 2.16

A clara noção bíblica de justificação é o perdão de pecados. Esta é a


concepção natural, lógica, apresentada por Paulo através de toda a
epístola aos Romanos. Diz ele: Bem-aventurados aqueles cujas
iniquidades são perdoadas e cujos pecados são cobertos: bem
-aventurado é o homem a quem o Senhor não imputará pecado.1 Ao
que é justificado ou perdoado, Deus não imputará pecado que
acarrete sua condenação. Deus não o condenará por aquela razão,
nem neste mundo, nem no mundo vindouro. Seus pecados, todos os
seus pecados anteriores, – por pensamentos, palavras e obras, –
são cobertos, são cancelados, não serão lembrados nem
questionados contra ele: são como se não existissem. Deus não
submeterá aquele pecador ao sofrimento merecido, porque o Filho
de seu amor sofreu por ele. A essa altura somos aceitos através do
Bem-Amado,2 reconciliados com Deus mediante seu sangue;3 Deus
nos ama, abençoa-nos e guarda-nos para o bem, tratando-nos como
se nunca tivéssemos pecado. V, II, 5

1Rm 4.7-8 2Ef 1.6 3Cl 1.20


Quem Pode Ser Justificado? – Dia 12

Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao


arrependimento. Lucas 5.32
Quais são os justificados? E o apóstolo Paulo expressamente
responde: o ímpio; Ele (Deus) justifica o ímpio,1 o ímpio de
FEVEREIRO

toda espécie e categoria; e ninguém, senão o ímpio. Como os justos


não precisam de arrependimento,assim não têm necessidade de
perdão. Somente aos pecadores cabe o perdão; só o pecado admite
o ser perdoado. O perdão tem, pois, imediata relação com o pecado.
É para com nossa injustiça que o Deus perdoador é misericordioso; é
de nossa iniquidade que Ele não se lembra mais.2

Parece que isto não é tomado na devida consideração por aqueles


que tão veementemente afirmam que o homem deve ser santificado,
isto é, feito santo, antes que seja justificado; aquelas verdades são
de todo postas à margem, especialmente por aqueles que afirmam
que a santidade universal, ou obediência, deve preceder a
justificação, (a menos que eles queiram referir-se à justificação do
último dia, o que está inteiramente fora do presente debate). Ao
contrário disto, aquela suposição não é só francamente impossível
(porque, onde não há o amor de Deus não há santidade, e não há
este amor a não ser no sentido de seu amor para conosco), mas
também grosseiramente, visceralmente absurda e contraditória
consigo mesma. Porque não é o santo, mas o pecador, que é
perdoado. Deus não justifica os justos, mas os maus; não os que já
são santos, mas os ímpios. Sob que condições Deus realiza isto,
veremos prontamente; mas, quaisquer que sejam essas condições,
entre elas não figura, decididamente, a santidade. Afirmar a
precedência da santidade é dizer que o Cordeiro de Deus tira
somente os pecados que previamente tenham sido tirados. V, III, 1-2

1Rm 4.5 2Hb 8.12


O Homem sem Deus – Dia 13

Que, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade


de Israel e estranhos aos concertos da promessa, não tendo
esperança e sem Deus no mundo. Mas, agora, em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes
perto. Efésios 2.12-13

O Bom Pastor procura e salva somente aqueles que dantes já tinham


sido encontrados? Não. Ele busca e salva o que se havia perdido;
perdoa aqueles que necessitam de sua misericórdia perdoadora;
salva da culpa do pecado – e ao mesmo tempo do domínio deste –
os pecadores de toda espécie, de todo gênero; os homens que até
então eram ímpios; as pessoas em quem não havia o amor do Pai; e,
consequentemente, em quem não habitava nenhuma bondade,
nenhum bem e nenhum traço de caráter verdadeiramente cristão,
mas tudo quanto é mau e abominável, – orgulho, ira, amor ao
mundo, os frutos genuínos da mente carnal, que é inimizade contra
Deus.1

Os que estão enfermos, sentindo o peso insuportável dos pecados,


são os que necessitam de médico; os que são culpados, os que
gemem sob a ira de Deus, são os que precisam de perdão. Os que já
estavam anteriormente condenados,2 não só por Deus, mas também
pela própria consciência, como por milhares de testemunhas de toda
sua iniquidade, – seja em pensamento, palavra ou obra, – clamam
com força por aquele que, mediante a redenção que há em Jesus,
justifica o ímpio, o ímpio que não faz boas obras,3 que nenhuma
obra de justiça faz antes de ser justificado, que não faz nenhuma
coisa que seja boa, verdadeiramente virtuosa ou santa, mas somente
pratica o mal, e isto continuamente. Seu coração é necessariamente,
essencialmente mau, até que o amor de Deus nele seja derramado.
Enquanto a árvore for má, assim serão os seus frutos, porque a
árvore má não pode dar bons frutos.4 V, III, 3-4

1Rm 8.7 2Jo 3.18 3Rm 4.5 4Mt 7.18


Uma Confiança Viva – Dia 14

Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu


coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás
salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca
se faz confissão para a salvação. Romanos 10.9-10

FEVEREIRO

Mas, em que termos é então justificado aquele que é totalmente


corrupto? Sob uma só condição, que é a fé, que ele creia naquele
que justifica o ímpio.1 E aquele que crê não é condenado,2 pois que
passou da morte para a vida.3 Porque a justiça de Deus é pela fé em
Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem.4 Disto
concluímos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei,5
sem prévia obediência à lei moral, que ele, na verdade, até agora
não pôde cumprir. Que seja a lei moral, e somente esta, a que é ali
mencionada, resulta evidente das palavras que se seguem:
Porventura invalidamos a lei por causa da fé? De modo nenhum.
Antes, estabelecemos a lei.6 Que espécie de lei podemos
estabelecer pela fé? Não será a lei ritual, nem a lei cerimonial de
Moisés, mas a grande e imutável lei do amor, o santo amor de Deus
e de nosso próximo.

A justificação pela fé implica, não só numa divina evidência ou


convicção de que Deus em Cristo estava reconciliando o mundo
consigo mesmo,7 mas também numa confiança viva em torno do fato
de haver Cristo morrido por meus pecados, já que Ele me amou e se
entregou por mim. Qualquer que seja o tempo em que o pecador
assim creia, esteja ele na primeira infância, no vigor dos anos ou na
velhice, Deus justifica o ímpio: Deus, por amor de seu Filho, perdoa e
absolve o homem que até então nada pudera apresentar de bom. V,
IV, 1-2

1Rm 4.5 2Jo 3.18 3Jo 5.24 4Rm 3.22 5Rm 3.28 6Rm 3.31 72 Co 5.19
A Condição de Justificação – Dia 15

E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu


nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos
ser salvos. Atos 4.12

Afirmando que fé é o termo ou condição de justificação, quero dizer,


primeiro, que sem ela não há justificação. Mas quem não crê já está
condenado1 e, não crendo, essa condenação não pode ser
removida, mas a ira de Deus permanece sobre ele.2 Como não há
outro nome dado debaixo dos céus,3 além do de Jesus de Nazaré;
como não há nenhum outro mérito pelo qual o pecador condenado
possa ser salvo da culpa do pecado, – assim, não há outro caminho
de obtenção de uma parte de seu mérito, a não ser pela fé em seu
nome.4 Deste modo, enquanto não temos essa fé, somos
estrangeiros à aliança da promessa, estamos separados da
comunidade de Israel e sem Deus neste mundo.5 Quaisquer que
sejam as virtudes (assim chamadas) que o homem possa ter,
quaisquer que sejam as boas obras (assim reputadas) que ele possa
apresentar, isto não lhe aproveita: continua sendo filho da
ira,6 permanece debaixo da maldição, até que creia em Jesus.

A fé é, pois, a condição necessária da justificação; ainda mais: é a


única condição necessária. Este é o segundo ponto que merece ser
cuidadosamente observado: no próprio momento em que Deus
concede a fé (porque esta é dom de Deus)7 ao ímpio, essa fé lhe é
imputada como justiça.8 V, IV, 4-5

1Jo 3.18 2Jo 3.36 3At 4.12 4At 3.16 5Ef 2.12 6Ef 2.3 7Ef 2.8 8Rm 4.5

A Cura do Orgulho – Dia 16

Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.


Tiago 4.10
Podemos compreender uma razão, em virtude da qual Deus fixou
essa condição: Se creres no Senhor Jesus Cristo, tu serás salvo.1
Esta razão serve para tirar ao homem todo motivo de orgulho. O
orgulho havia destruído os próprios anjos de Deus; havia precipitado
no abismo a terça parte

FEVEREIRO

das estrelas do céu .2 Foi, igualmente possuído, em grande medida,


desse mesmo sentimento, que, tendo dito o tentador: Sereis como
Deus;3 Adão caiu de sua firmeza, trazendo ao mundo o pecado e a
morte. É um exemplo da sabedoria de Deus fazer uma condição de
reconciliação. Tal condição é a fé, admiravelmente apta a preencher
tal finalidade; porque, o que se chega a Deus movido pela fé, deve
fixar os olhos somente em sua própria maldade, em sua culpa e
desamparo, sem dar a menor atenção a qualquer suposto bem que
haja em si mesmo, a qualquer virtude ou a qualquer justiça própria.
Deve apresentar-se como simples pecador, interna e externamente,
destruído por si mesmo e condenado, nada levando a Deus, senão
somente impiedade; nada reivindicando como sua possessão, a não
ser pecado e miséria. Somente assim pode ser achado em Cristo,4
recebendo então a justiça que é de Deus mediante a fé.5 V, IV, 8

1Rm 10.9 2Ap 12.4 3Gn 3.5 4Fp 3.9 5Rm 3.22

A Primeira e a Segunda Aliança – Dia 17

Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em


Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o
Espírito. Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou
da lei do pecado e da morte.

Romanos 8.1-2

Qual é, pois, a diferença entre a primeira aliança, ou salvação pelas


obras, e a segunda, que é salvação pela graça? A primeira aliança
requeria do homem perfeito uma obediência perfeita e ininterrupta a
cada artigo da lei de Deus; enquanto que a segunda aliança, para
possibilitar ao pecador a reaquisição da graça e da vida divina,
requer somente fé, a viva fé naquele que, através de Deus, justifica o
que não obedeceu. Assim, a primeira aliança requeria aquilo que
está muito fora do alcance dos filhos dos homens, isto é, a
obediência perfeita, que longe está dos que são concebidos e
nascidos em pecado;1 enquanto que a segunda requer o que está
muito à mão, de modo a poder afirmar: Tu és pecado, Deus é amor!
Tu, pelo pecado, decaíste da graça de Deus; todavia em Deus ainda
há misericórdia. Traze todos os teus pecados perante o Deus
perdoador, e eles se dissiparão como fumo. Se não foras ímpio, não
haveria lugar para que Ele te perdoasse como ímpio. Aproximaste
agora, em plena segurança da fé. Ele fala, e o que diz sem falta se
cumpre. Não temas: crê somente; porque o justo Deus justifica a
todo aquele que crê em Jesus. VI,2 I, 12, 14

1Sl 51.5 2Sermão VI: A Justiça da Fé

A Impossibilidade de Salvação pela Lei – Dia 18

Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças,


como trapo da imundícia; e todos nós caímos como a folha, e as
nossas culpas, como um vento, nos arrebatam.

Isaías 64.6

Aqueles que estão tentando estabelecer sua própria justiça, que é da


lei1 não consideram que espécie de obediência ou justiça a lei
indispensavelmente exige. A obediência deve ser perfeita e íntegra
em todos os pontos; do contrário não responderá às exigências da
lei. Mas, qual de vós é capaz de realizar tal obediência, e,
consequentemente, viver por ela? Quem dentre vós cumpre todo jota
ou til, mesmo dos mandamentos exteriores de Deus, coisa alguma
fazendo, grande ou pequena, que Deus proíba; nada deixando de
fazer de tudo quanto Ele recomenda; não pronunciando
nenhuma palavra ociosa, mas tendo a conversação sempre apta a
ministrar graça aos ouvintes,2 e observando o que diz o apóstolo:
quer comais ou bebais,

FEVEREIRO

ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus?3 E


vós, pecadores, muito menos capazes sois de cumprir todos os
mandamentos internos de Deus – aqueles que exigem que todo
impulso e todo movimento de vossa alma sejam santidade à vista do
Senhor! Sois capazes de amar a Deus com todo o vosso coração,4
de amar a toda a humanidade como a vossa própria alma, de orar
sem cessar, de em tudo dar graças,5 de ter a Deus sempre diante de
vós e de guardar toda afeição, desejo e pensamento na obediência a
essa lei? Se transgredirmos um ponto qualquer da lei, acabou-se
nossa justiça, visto que a lei condena tudo quanto não preencha a
medida contínua e perfeita da obediência. VI, II, 2, 4

1Rm 10.3 2Ef 4.29 31 Co 10.31 4Lc 10.27 51 Ts 5.17

A Loucura da Justiça Própria – Dia 19

Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à


verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo
foi já representado como crucificado? Só quisera saber isto de vós:
recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois
vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora
pela carne? Gálatas 3.1-3

Não é, pois, loucura das loucuras, o homem decaído procurar


alcançar a vida através de justiça própria; o homem, que foi
concebido em iniquidade,1 em quem, até que encontre a graça, não
habita nenhum bem,2 nem pode de si mesmo nutrir nenhum
pensamento bom; o homem, que é, na verdade, todo pecado, um
simples amontoado de iniquidade e que comete impiedade a cada
respirar; o homem, cujas transgressões atuais, em palavras e obras,
são em número maior que o de seus cabelos?! Que estupidez, que
insensatez se pode atribuir a um tal verme impuro, culpado,
desamparado, que ouse buscar aceitação por sua própria justiça, ou
que ouse viver pela justiça que é da lei.3 Ora, todas as
considerações que provam a loucura de confiar na justiça que é da
lei igualmente provam a sabedoria que há em submeter-se o homem
à justiça que é de Deus pela fé.4 VI, II, 5-6

1Sl 51.5 2Rm 7.18 3Rm 10.5 4Rm 3.22

A Verdadeira Sabedoria – Dia 20

Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é


inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do
mundo constitui-se inimigo de Deus.

Tiago 4.4

O que pode estar mais de acordo com a verdade do que


reconhecermos em nosso coração e declararmos pelos nossos
lábios o estado verdadeiro em que nos encontramos?
Reconhecermos que conosco trazemos para o mundo uma natureza
corrupta, pecaminosa; mais corrupta, na verdade, do que
poderíamos à primeira vista conceber ou encontrar palavras que a
traduzissem; que, em razão disto, estamos prontos para tudo que é
mau e somos avessos a todo bem; que estamos cheios de orgulho,
obstinação, paixões desordenadas, desejos insensatos, afeições vis
e atordoantes; que somos amigos do mundo, mais amigos dos
prazeres do que de Deus?

Reconhecermos que nossa vida não tem sido melhor do que nossos
corações, sendo antes ímpia e perversa sob muitos aspectos, de
modo que nossos pecados atuais, tanto em palavras como em obras,
são, pelo número, como as estrelas do céu? Reconhecermos que,
por todos esses motivos, estamos desagradando àquele cujos olhos
são demasiadamente puros para contemplarem a iniquidade,

FEVEREIRO
e que de Deus nada merecemos senão indignação, ira e morte?
Reconhecermos que não podemos, mediante qualquer justiça nossa
(na verdade nenhuma possuímos), nem por qualquer de nossas
obras, apaziguar a ira de Deus ou evitar a punição que justamente
merecemos; sim, que abandonados a nós mesmos, somente
poderíamos ir de mal a pior, afundando-nos cada vez mais
profundamente no pecado, ofendendo a Deus cada vez mais
atrozmente, tanto pela maldade de nossas obras, como pela
tendência má de nossa mente carnal, até que tenhamos preenchido
a medida de nossas iniquidades e façamos cair sobre nós repentina
destruição? Reconhecer a nossa verdadeira condição, tanto de
coração como por palavras, isto é, renunciar à nossa própria justiça,
à justiça que é da lei,1 – é proceder de acordo com a verdadeira
sabedoria. VI, II, 6

1Rm 10.5

O Melhor Fim pelo Melhor Meio – Dia 21

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles


serão fartos;
Mateus 5.6

É de graça, espontâneo, de imerecida misericórdia, que Deus


concedeu ao pecador o caminho da reconciliação consigo mesmo,
para que não sejamos desligados de sua mão e inteiramente
riscados de sua memória. Por isso, qualquer que tenha sido o
método que Deus, por sua terna misericórdia e imerecida bondade,
tenha se dignado apontar, no intuito de que achem graça à sua vista
os seus inimigos, os que tão insensatamente se rebelaram contra
Ele, mantendo-se em longa e obstinada oposição ao Criador;
qualquer que tenha sido esse método é, indubitavelmente, sábio
aceitá-lo com toda reverência! É sábio mirar os melhores fins através
dos meios melhores. Ora, o melhor fim a que pode almejar a criatura
é a felicidade em Deus. O melhor fim a que pode aspirar a criatura
decaída é recuperar a graça e a semelhança de Deus. Mas o meio
melhor, e, na verdade, único, que abaixo dos céus foi dado ao
homem, pelo qual ele pode reconquistar o favor de Deus, que é mais
excelente do que a própria vida, ou a semelhança de Deus, que é a
verdadeira vida da alma, – é o de submeter-se à justiça que é da fé,1
a fé no Unigênito Filho de Deus. VI, II, 8-9

1Rm 3.22

Simplesmente Crer – Dia 22

Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar,


mas não diante de Deus.Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em
Deus, e isso lhe foi imputado como

justiça.
Romanos 4.2-3

Tu, quem quer que sejas, que tens o desejo de ser perdoado e
restaurado no favor de Deus, não digas em teu coração: “Devo fazer
primeiro isto, devo primeiro dominar todo o pecado, devo eliminar
toda palavra e obra má e fazer todo bem a todos os homens; ou,
devo ir primeiro à igreja, receber a Ceia do Senhor, ouvir mais
sermões e fazer mais orações”. Aí, meu irmão, tu estás
perfeitamente transviado da justa vereda! Tu és ainda ignorante da
justiça de Deus e estás procurando estabelecer tua própria justiça1
como base de tua reconciliação. Não sabes que coisa alguma podes
fazer, senão pecar, até que te reconcilies com Deus? Como, então,
dizes: “Devo fazer isto ou aquilo primeiro e depois crerei?” Nada
faças, senão crer primeiro! Crer no Senhor Jesus Cristo, a
propiciação pelos teus pecados. Lança primeiro este bom
fundamento e depois farás maravilhosamente todas as outras coisas.
VI, III, 1

1Rm 10.3
FEVEREIRO

Mais Puro do Que a Neve – Dia 23


Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração
quebrantado e contrito não desprezarás, ó
Deus.
Salmo 51.17

Nem digas em teu coração: “Não posso ainda ser aceito, porque não
sou ainda bastante bom”. Quem jamais houve que fosse bastante
bom para merecer aceitação por parte de Deus? Houve jamais
dentre os filhos de Adão alguém suficientemente bom para merecer
isto? Haverá, porventura, ainda alguém, até a consumação de todas
as coisas? Quanto a ti, não és bom de forma alguma: em ti não há
nada de bom. E nunca o serás, até que creias em Jesus. Ao
contrário, serás cada vez pior. Mas há necessidade de seres pior
para que sejas aceito? Já não és suficientemente mau? Na verdade
tu o és; Deus o sabe. Tu não podes negá-lo. Então, não te demores.
Todas as coisas já estão dispostas. Levanta-te e lava-te de teus
pecados.1 A fonte está jorrando. Agora é o tempo de te branqueares
no sangue do Cordeiro;2 agora serás purificado como com hissopo e
serás limpo: Ele te lavará e serás mais puro do que a neve.3 VI, III, 2

1At 22.16 2Ap 7.14 3Sl 51.7

Graça Pura – Dia 24

Irmãos, o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel é


para sua salvação. Porque lhes dou testemunho de que têm zelo de
Deus, mas não com entendimento. Porquanto, não conhecendo a
justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não
se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para
justiça de todo

aquele que crê.


Romanos 10.1-4

E para que fim quererias tu esperar por mais sinceridade, antes que
teus pecados sejam cancelados? Para te fazer mais digno da graça
de Deus? Ai! Estás ainda estabelecendo tua própria justiça!1 Ele terá
misericórdia, não porque seja digno dela, mas porque sua compaixão
não tem fim.2 Não porque sejas justo, mas porque Jesus Cristo fez
propiciação pelos teus pecados. Acima de tudo, por quanto tempo
esquecerás que, tudo que fizeres e tudo quanto és, antes que teus
pecados sejam perdoados, reputa-se como nada diante de Deus,
como meio de assegurar o perdão?! Sim, tudo será arrojado para
longe de ti, pisado sob os pés, esquecido, ou nunca acharás graça à
vista de Deus; porque, enquanto não fizeres assim, não poderás
pedir graça como mero pecador, culpado, perdido, arruinado, nada
tendo a alegar, nada a oferecer, a não ser somente os méritos de seu
Bem-Amado Filho, que te amou e se entregou por ti!3 VI, III, 5

1Rm 10.3 2Lm 3.22 3Ef 5.2

A Verdadeira Religião – Dia 25

Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas


coisas vos serão acrescentadas.
Mateus 6.33

Temos que considerar, primeiro, a natureza da verdadeira religião,


chamada por nosso Senhor “o reino de Deus”. O apóstolo Paulo em
sua epístola aos Romanos explica as palavras de seu Senhor
dizendo: O reino de Deus não é comida, nem bebida; mas justiça,
paz, e gozo no Espírito Santo.1

É bem-sabido que não só os judeus não convertidos, mas grande


número dos que primeiro receberam a fé em Cristo, eram, apesar de
tudo, zelosos da lei,2 ou, particularmente, da lei cerimonial de
Moisés. Tudo quanto se acha escrito na lei seja no tocante ao comer
e beber coisas oferecidas

FEVEREIRO

em sacrifício seja acerca da distinção entre alimentos puros e


impuros, eles não só observavam, mas insistiam na sua observância,
mesmo por parte dos gentios (ou pagãos), que estavam voltando-se
para Deus; e isto chegou a tal ponto, que alguns ensinavam, onde
quer que se pusessem em contato com os novos crentes, esta
doutrina: A não ser que sejais circuncidados e guardeis a lei (toda a
lei ritual) não podeis ser salvos.3 Em oposição a esses legalistas, o
apóstolo, tanto na passagem citada como em numerosos outros
lugares, declara que a verdadeira religião não consiste em comida e
bebida, nem em quaisquer observâncias rituais, nem, na verdade,
em qualquer outra prática de alcance meramente exterior, estranha
ao coração; toda a substância da verdadeira religião consiste em
justiça, e paz, e gozo no Espírito Santo.4 VII,5 I, 1-3

1Rm 14.17 2At 21.20 3At 15.1 4Rm 14.17 5Sermão VII: O Caminho do Reino

Até o Diabo é Ortodoxo – Dia 26

Segundo a justiça que há na lei, [eu era] irrepreensível. Mas o que


para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho
também por perda todas as coisas, pela excelência do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda
de todas estas coisas e as considero como esterco, para que possa
ganhar a Cristo e seja achado nele, não tendo a minha justiça que
vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que
vem de Deus, pela

fé;
Filipenses 3.6-9

A religião de Cristo se ergue infinitamente mais alto e penetra


imensamente mais fundo do que tudo isso. Esses ritos são bons em
seu próprio lugar; são bons no caráter estrito de subsídios, sempre
subordinados à verdadeira religião, a religião do coração. Falo do
coração, porque a religião não consiste em ortodoxia, ou em opiniões
corretas, que, conquanto não sejam propriamente coisas externas,
não pertencem ao coração, mas ao entendimento. O homem pode
ser ortodoxo em todos os pontos; pode não somente ter opiniões
corretas, mas defendê-las ardorosamente contra seus oponentes;
pode pensar com clareza no tocante à Encarnação de nosso Senhor,
à Santíssima Trindade e a qualquer outra doutrina contida nos
Oráculos Divinos; pode aceitar os três Credos
– o Credo dos Apóstolos, de Niceno e o de Atanásio; e, depois de
tudo, é possível que absolutamente não tenha mais religião do que
um judeu, muçulmano, ou pagão. O homem pode ser quase tão
ortodoxo como o diabo, e, pode, ao mesmo tempo, ser tão distante
quanto ele à religião do coração. VII, I, 4, 6

O Grande Rumo da Justiça Cristã – Dia 27

O que segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e


a honra.
Provérbios 21.21

Qual é a verdadeira religião? O apóstolo Paulo a resume sob três


características: justiça, paz e gozo no Espírito Santo.1 Primeiro,
justiça. Não podemos ter dúvidas a respeito disto, se nos lembramos
das palavras de nosso Senhor, ao apresentar os dois grandes ramos
da justiça, dos quais dependem toda a lei e os profetas:2 Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua mente, e de
toda a tua alma, e de todas as tuas forças: este é o primeiro e grande
mandamento;3 o primeiro e grande ramo da justiça cristã. Tu
deleitarás no Senhor teu Deus; procurarás e acharás nele tua
felicidade. Ele será teu escudo e tua excessivamente grande
recompensa,4 no tempo e na eternidade. Todos os teus ossos diriam:
“A quem tenho nos céus, senão a ti? E nada há sobre

FEVEREIRO

a terra que eu deseje em competição contigo ”.5 Ouvirás e cumprirás


o que diz a sua palavra: Filho meu, dá-me teu coração.6 E, tendo-lhe
dado teu coração, tua alma, para aí reinar sem oposição, podes
perfeitamente clamar, na plenitude do teu espírito: E te amarei, ó
Senhor minha fortaleza. O Senhor é meu rochedo forte e minha
proteção; meu Salvador, meu Deus e meu Pai em quem confio: meu
escudo, a haste da minha salvação e meu refúgio.7 VII, I, 7
1Rm 14.17 2Mt 22.40 3Mc 12.29-30 4Gn 15.1 5Sl 73.25 6Pv 23.26 7Sl 18.1-2

Amor ao Seu Próximo – Dia 28

E, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também


os pecadores amam aos que os amam. E, se fizerdes bem aos que
vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores
fazem o mesmo. E, se emprestardes àqueles de quem esperais
tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores
emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto.
Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada
esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do
Altíssimo;

Lucas 6.32-36

O segundo mandamento é semelhante a este (sendo o segundo


grande ramo da justiça cristã, estreita e inseparavelmente
relacionado com o primeiro): Amarás a teu próximo como a ti
mesmo.1 Amarás, abraçarás, com a mais terna boa vontade, a mais
profunda e cordial afeição, os mais calorosos desejos de prevenir ou
remover todo o mal e de lhe assegurar todo bem possível. Teu
próximo
– isto é, não somente teu amigo, parente ou teu conhecido; não
somente quem é virtuoso, o amável que te ama, o que antecipa ou
retribui tuas cortesias; mas todo homem, toda criatura humana, toda
alma que Deus criou, não excetuando aquele a quem jamais viste
em carne, a quem não conheces de nome nem em pessoa; não
excetuando aquele que sabes ser mau e ingrato, o que procede
malignamente para contigo e te persegue: a este deves amar como a
ti mesmo, com a mesma sede invariável de sua felicidade em todo o
gênero, mesmo cuidado invariável de furtá-lo a tudo quanto possa
ofender-lhe ou ferir-lhe, seja a alma ou o corpo. VII, I, 8

1Mc 12.31

Alegria Sólida – Dia 29


E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de
Deus, respondeu-lhes e disse: O reino de Deus não vem de modo
visível.Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Porque eis que o reino de
Deus está entre vós. Lucas 17.20-21

Com a paz de Deus estabelecida na alma, vem também o gozo no


Espírito Santo, a alegria derramada no coração pelo Espírito Santo,
pelo bendito Espírito, de Deus. É o Espírito que opera em nós aquele
regozijo calmo, e humilde em Deus, através de Jesus Cristo, por
quem recebemos agora a propiciação,1 a reconciliação com Deus; e
isto nos capacita a confirmar pessoalmente a veracidade da
declaração do rei salmista: Bem-aventurado, (ou, melhor, “feliz”) é o
homem cuja injustiça é perdoada e cujo pecado é coberto.2 É Ele
que inspira à alma cristã a alegria sólida que resulta do testemunho
do Espírito, de que é filho de Deus, e que lhe concede o alegrar-se
em gozo indizível, na esperança da glória de Deus,3 esperança tanto
da gloriosa semelhança de Deus, agora percebida em parte e no
futuro plenamente revelada nele, como da coroa de glória
imarcescível,4 que lhe está reservada, nos céus. Reunidas, a
santidade e a felicidade são algumas vezes designadas, nas
Escrituras, pela expressão
– “o reino de Deus”. É chamado o “reino de Deus” por

FEVEREIRO

que ele é o fruto imediato do domínio de Deus na alma renovada.


Logo que Deus assume a completa soberania, firmando seu trono
em nossos corações, estes se enchem imediatamente de justiça, e
paz, e gozo no Espírito Santo.5 É chamado “reino dos céus” porque,
de alguma forma, é o céu aberto na alma. VII, I, 11-12
1Rm 5.11 2Sl 32.1 31 Pe 1.8 41 Pe 5.4 5Rm 14.17
MARÇO

Mil Línguas Eu Quisera Ter – Dia 1

Mil línguas eu quisera ter


Para entoar louvor
À tua graça e ao teu poder,
Meu Rei e meu Senhor.
Teu santo nome, ó Redentor,
O meu temor desfaz
E traz a mim, um pecador,
Consolo, vida e paz.
Com teus remidos louvarei
O teu eterno amor
E o nome teu exaltarei,
Bondoso Salvador.
Ó Mestre amado, meu Jesus,
Ajuda-me a levar
Por todo o mundo,
A tua luz, o teu amor sem-par.

(O For a Thousand Tongues to Sing – Hino de Charles Wesley,


escrito no primeiro aniversário da sua conversão
– Tradução: Robert Hawkey Moreton)

Uma Segura Confiança – Dia 2

A vós também, que noutro tempo éreis estranhos e inimigos no


entendimento pelas vossas obras más, agora, contudo, vos
reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para, perante ele, vos
apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis, se, na verdade,
permanecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da
esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a
toda criatura que há debaixo do céu.
Colossenses 1.21-23

71

A essência do Evangelho é: Jesus Cristo veio ao mundo para salvar


os pecadores;1 ou: Deus assim amou ao mundo, que lhe deu seu
único Filho para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna;2 ou: Ele foi ferido por nossas transgressões, foi
traspassado pelas nossas iniquidades; o castigo que nos devia trazer
a paz caiu sobre Ele; e pelas suas feridas fomos curados.3 Crê no
que foi anunciado – e o reino de Deus te pertence. Pela fé alcanças
a promessa. Logo que Deus tenha falado em teu coração: Tem bom
ânimo; teus pecados te são perdoados,4 seu reino se estabelece em
ti.

Não te enganes, entretanto, a tua própria alma, em relação à


natureza da nossa fé. Não é, como ilusoriamente alguns têm
imaginado, simples assentimento à verdade da Bíblia, dos artigos de
nosso Credo ou de tudo quanto se contém no Antigo e no Novo
Testamento. Os demônios creem nisto, tanto como eu ou tu, e,
apesar de tudo, ainda são demônios. Mas, sobre isto e acima disto, a
fé é uma segura confiança na misericórdia de Deus, mediante Jesus
Cristo. É confiança no Deus perdoador; é uma divina evidência ou
convicção de que Deus em Cristo estava reconciliando o mundo
consigo mesmo, não lhe imputando suas transgressões;5 é, em
particular, certeza de que o Filho de Deus me amou e entregou-se a
si mesmo por mim,6 e que eu, eu próprio, agora sou reconciliado
com Deus pelo sangue derramado na cruz.7 VII, II, 8-10

11 Tm 1.15 2Jo 3.16 3Is 53.5 4Mt 9.2 52 Co 5.19 6Gl 2.20 7Cl 1.20

Crês Agora? – Dia 3

E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está


derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Romanos 5.5
Crês que Jesus Cristo morreu no teu lugar? Então a paz de Deus
está em teu coração - a tristeza e o gemido fugirão.1 Tu já não
duvidas do amor de Deus; isto é claro como a luz

MARÇO

do meio-dia. Exclamas: Meu cântico será sempre em torno da


bondade do Senhor: com minha boca, sempre cantarei tua verdade,
de geração em geração.2 Não mais temes o inferno, ou a morte, ou
quem tinha o poder da morte, o diabo; não, nem temes o próprio
Deus! Somente terás um medo terno e filial, de ofendê-lo. Crês?
Então tua alma engrandece ao Senhor e teu espírito se regozija em
Deus, teu Salvador.3 Tu te alegras naquele em quem tens redenção
pelo seu sangue, sim, o perdão de pecados.4 Tu te alegras naquele
Espírito de Adoção, pelo qual exclamas em teu peito: Abba, Pai!5 Tu
te alegras na esperança plena da imortalidade, alcançando o alvo do
prêmio de tua alta vocação,6 na ansiosa expectativa de todas as
coisas boas que Deus preparou para os que o amam.7 Crês agora?
Então o amor de Deus neste instante se derrama em teu coração.8
Tu o amas, porque ele primeiro nos amou.9 Amando a Deus, amas
também a teu irmão. VII, II, 11, 12

1Is 51.11 2Sl 89.1-2 3Lc 1.46-47 4Ef 1.7 5Rm 8.15 6Fp 3.14 71 Co 2.9 8Rm
5.5 91 Jo 4.19

A Conduta Cristã – Dia 4

Que a palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a


sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com
salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça
em vosso coração. E, quanto fizerdes por palavras ou por
obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a
Deus Pai. Colossenses 3.16-17
Os que são de Cristo, os que nele permanecem, crucificaram a carne
com suas afeições e cobiças.1 Eles se abstêm de todas as obras da
carne: do adultério e impureza, da malícia e lascívia, da idolatria,
feitiçaria, inimizades e contendas; das emulações, ira, facções,
dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices e orgias;2 de
todo desígnio, palavra e obra que levam à corrupção da natureza.
Embora sintam em si mesmos a raiz de amargura, são, todavia,
dotados do poder do alto para esmagá-la continuamente debaixo dos
pés, de modo que não possa florescer para os perturbar;3 sendo
certo, além disto, que cada novo assalto que experimentam lhes dá
uma nova oportunidade de louvor, exclamando então: Graças sejam
rendidas a Deus, que nos concede a vitória por Jesus Cristo nosso
Senhor.4 Os que andam segundo o Espírito5 são também guiados
por Ele a toda santidade de conversa. Seu falar é sempre com graça,
temperado com sal,6 isto é, com amor e temor de Deus. Nenhuma
comunicação corrupta sai de sua boca, mas somente o que é bom,
que é para uso de edificação, que é próprio para ministrar graça aos
ouvintes.7 E nisto se exercitam dia e noite, para fazer somente as
coisas que agradam a Deus. VIII,8 I, 3, 5

1 Gl 5.24 2Gl 5.19-21 3Hb 12.15 41 Co 15.57 5Gl 5.2 6Cl 4.6 7Ef 4.29
8Sermão VIII: Os Primeiros Frutos do Espírito

Não te Aflijas – Dia 5

Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou


o teu Deus; eu te esforço, e te ajudo, e te sustento com a destra da
minha justiça. Isaías 41.10

Não há condenação para os que andam segundo o Espírito,1 em


razão do pecado interior que ainda resta, contanto que não cedem a
esse pecado oculto. Então, não te aflijas por causa da impiedade,
embora esta ainda permaneça em teu coração. Não te lamentes pelo
fato de estares distante da gloriosa imagem de Deus, nem porque o
orgulho, a obstinação ou a incredulidade transpareçam em todas as
tuas palavras e obras. E não te aflijas pelo conhecimento de todo
esse mal de teu coração, conhecendo-te a ti mesmo, segundo
também és conhecido. Sim, roga a Deus que não penses de ti
mesmo mais altamente do que te convém pensar.2

MARÇO

Seja tua constante oração: “Mostra-me o abismo do meu pecado


congênito e todo o meu orgulho.” E ele vai te ouvir e vai te responder.
VIII, II, parágrafo 1

1Rm 8.1 2Rm 12.3

Filho ou Servo? – Dia 6

Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também


herdeiro de Deus por Cristo.
Gálatas 4.7

Quando, entretanto, Ele ouvir tua oração e tirar o véu de teu coração,
expondo o seu pecado, então não perca a fé. Humilha-te até o pó.
Vê que és nada, ainda menos que nada. Mas, ainda, não se turbe
teu coração, nem se aflija.1 Resiste ainda, persevera: Eu, eu mesmo,
tenho um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo o justo.2 E como os
céus estão mais elevados do que a terra, assim está seu amor, muito
acima de meus pecados.3 Deus é, pois, misericordioso para contigo,
pecador – e pecador como és! Deus é amor – e Cristo morreu! Por
isso o próprio Pai te ama – tu és seu filho! Assim, Ele de modo algum
te negará qualquer bem!4 É proveitoso que todo o corpo do pecado,
agora crucificado em ti, seja destruído? Será feito! Serás purificado
de toda mancha da carne e do espírito.5 Convém que não
permaneça coisa alguma em teu coração, exceto somente o puro
amor de Deus? Tenha bom ânimo! Amarás o Senhor teu Deus de
todo teu coração, e mente, e alma, e forças.6 Fiel é o que te
prometeu; Ele o cumprirá.7 VIII, III, 4
1Jo 14.1 21 Jo 2.1 3Is 55.9 4Sl 84.11 52 Co 7.1 6Dt 6.5 71 Ts 5.24

Os Três Estados do Homem – Dia 7

Não recebestes o espírito de escravidão para estardes outra vez com


temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos:
Abba, Pai. Romanos 8.15

Neste versículo, três estados morais estão aí implicados: o homem


natural, o homem debaixo da lei e o homem debaixo da graça. O
homem natural está adormecido, seguro de si mesmo, e ignorante,
anda em alegria e liberdade imaginárias, sendo servo voluntário do
pecado. O homem sujeito à lei é sensível, vê a amplitude da lei de
Deus e seu próprio pecado, sente a angústia de um espírito ferido,
luta contra suas cadeias, mas em vão, estando retratado fielmente
no capítulo sete de Romanos. O homem que se encontra debaixo da
graça recebe o espírito de adoção, sente o amor de Deus; livre da
culpa e do domínio do pecado torna-se servo da justiça.

O primeiro não teme nem ama a Deus, tem falsa paz e ilusória
liberdade, peca voluntariamente e nem luta, nem conquista vitórias; o
segundo teme a Deus, mas não o ama, anda à luz crepuscular do
inferno, não tem paz, vive em cativeiro, peca sem querer e luta, mas
sem vitória; o terceiro ama a Deus, anda à luz dos céus, tem a
verdadeira paz e liberdade dos filhos de Deus, não peca e é mais do
que vencedor. Visto que nos importa altamente conhecer de que
espírito somos, proponho-me mostrar distintamente: primeiro, o
estado do “homem natural”; segundo, o estado do que se acha
“debaixo da lei”; e, em terceiro lugar, o estado do que se encontra
“debaixo da graça”. IX,1 Introdução

1Sermão IX: O Espírito de Escravidão e de Adoção


MARÇO

Repouso dos Mortos – Dia 8


E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que,
noutro tempo, andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o
príncipe das potestades do ar, do espírito que, agora, opera nos
filhos da desobediência;entre os quais todos nós também, antes,
andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza merecedores da ira,
como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou com Cristo
– pela graça sois salvos. Efésios 2.1-5

Vejamos, primeiro, o estado do homem natural. A Escritura o


representa num estado de sono: a voz de Deus a ele dirigida é esta:
Desperta, tu que dormes!1 Porque essa alma está em profundo
sono: seus sentidos espirituais não se acham despertos; nem ao
menos discernem espiritualmente o bem e o mal. Os olhos de seu
entendimento estão cerrados.2 Não havendo vias de entrada para o
conhecimento das coisas espirituais, ele permanece em ignorância
de tudo que mais lhe importa conhecer. É profundamente ignorante
de Deus, nada sabendo dele como devia saber. É totalmente
estranho à lei de Deus, à sua significação verdadeira, íntima e
espiritual. Não tem conceito algum da santidade evangélica, sem a
qual ninguém jamais verá a Deus, nem da felicidade que somente
encontram aqueles cuja vida está escondida com Cristo em Deus.3
Por essa mesma razão, estando dormindo, tal homem se encontra,
de algum modo, em repouso. Sendo cego, é também confiante: a
cada passo diz consigo mesmo: “Espera; nenhum mal poderá
acontecer-me”. As trevas que o rodeiam por todos os lados prendem-
no dentro de uma espécie de paz. Ele não vê que está à beira do
abismo; por isso não teme. Não pode temer o perigo de que não tem
ciência. Não tem suficiente compreensão para temer. IX, I, 1-2

1Ef 5.14 2Ef 1.8 3Cl 3.3

Felicidade Terrena – Dia 9


E direi à minha alma: alma, tens em depósito muitos bens, para
muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse:
Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para
quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros e não é rico
para com Deus. Lucas 12.19-21

O homem natural está seguro, porque é profundamente ignorante de


si mesmo. Às vezes fala em “arrepender-se mais tarde”; não sabe,
em verdade, exatamente quando, mas em qualquer tempo antes da
morte, tendo como certo que isto está perfeitamente em suas mãos.
Quem poderia impedir que ele o fizesse desde que o queira? Se
firmou de uma vez certa resolução: nenhuma dúvida há de que bem
a fará. Da própria ignorância de si mesmo e de Deus, às vezes
resulta do homem natural uma espécie de alegria, vangloriando-se,
então, à custa de sua própria sabedoria e bondade e, aquilo que o
mundo chama gozo, sempre está em suas mãos experimentar. Pode
ter prazeres de várias modalidades, seja alimentando os desejos da
carne, ou o desejo dos olhos, ou a vaidade da vida, principalmente
se possuir grandes recursos materiais; se desfruta de fortuna
abastada, então pode vestir-se de púrpura e linho finíssimo e
banquetear-se esplendidamente todos os dias.1 E, à medida que faz
o bem em atenção a si mesmo, dele os homens falarão certamente
bem, dizendo: “É um homem feliz!” Porque esta é, na verdade, a total
felicidade terrena: vestir-se, fazer visitas, conversar, comer, beber e
levantar-se a folgar. IX, I, 3, 5

1Lc 16.19
MARÇO

Despertado por Deus – Dia 10

Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e


injustiça dos homens que detêm a verdade em
injustiça;
Romanos 1.18
Por uma providência especial ou pela aplicação da Palavra pelo
Espírito, Deus toca o coração do que dorme nas trevas e na sombra
da morte, terrivelmente sacudindo-o de seu sono e despertando-o
para a consciência do perigo em que se acha. Talvez num momento,
talvez por etapas, os olhos de seu entendimento se abrem, e agora
pela primeira vez discerne (removido, em parte, o véu), o real estado
em que se encontra. Horrível claridade se projeta sobre sua alma; luz
que parecia brilhar do abismo infinito, das profundezas inferiores, do
lago de fogo que referve com enxofre. Finalmente vê que o amável,
misericordioso Deus, é também um fogo devorador;1 que Ele é um
Deus justo e terrível, retribuindo a cada um segundo suas obras,2
entrando em juízo com os ímpios acerca de toda palavra ociosa3 e
de todas as imaginações frívolas de seu coração.4 Claramente o
pecador agora percebe que o grande e santo Deus é de olhos
demasiadamente puros para que possam contemplar a iniquidade;5
que é vingador de todo aquele que se rebela contra o Eterno, e
retribui ao mau segundo sua maldade; reconhece, afinal, que terrível
coisa é cair nas mãos do Deus vivo.6 IX, II, 1

1Hb 12.29 2Rm 2.6 3Mt 12.36 4Gn 6.5 5Hc 1.13 6Hb 10.31

O Castigo que Merecemos – Dia 11

Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas


nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e,
pelas suas pisaduras, fomos sarados. Isaías 53.5

Quando Deus desperta um homem, este vê a si mesmo nu, despido


de todas as folhas da figueira que havia costurado para si, despojado
de todas as pobres pretensões de religião ou virtude, e de suas
infelizes desculpas de ter pecado contra Deus. Seu coração se acha
aberto – e ele o vê todo em pecado, enganador mais do que todas as
coisas, desesperadamente mau;1 vê que é ao mesmo tempo
corrupto e abominável, mais do que a língua é possível expressar;
que nele não habita nenhum bem, mas somente injustiça e
impiedade, já que todo movimento seu, toda inclinação e
pensamentos, são integralmente maus e continuamente maus.2

Ele sabe que o salário da justa recompensa do pecado, dos seus


pecados acima de tudo, é a morte,3 ou seja, a segunda morte, a
morte que não morre, a destruição no inferno do corpo e da alma.
Aqui termina seu alegre sonho, seu repouso ilusório, sua falsa paz;
sua segurança vã. Seu gozo agora se esvai como névoa; os
prazeres, outrora amados, agora não deleitam: e as doçuras antigas
se tornam repugnantes. O pecador sente-se cansado de as suportar.
As miragens da felicidade se dissipam e caem no esquecimento; e o
ímpio, despojado de tudo, vagueia de um lado para outro,
procurando repouso sem encontrar nenhum descanso. IX, II, 3-5

1Jr 17.9 2Gn 6.5 3Rm 6.23

As Terríveis Cadeias do Pecado – Dia 12

E por isso o pecado está na porta, à sua espera. Ele quer dominá-lo,
mas você precisa vencê-lo.
Gênesis 4.7

Agora, o pecador, o homem debaixo da lei, verdadeiramente deseja


fugir do pecado, começando por lutar contra ele. Mas, embora lute
com todas as forças, não o pode

MARÇO

vencer: o pecado é mais poderoso do que ele. Ele gostaria de


escapar, mas está tão solidamente preso, que não pode livrar-se.
Decide-se contra o pecado, mas, continua pecando. Tal é a liberdade
de sua vontade: livre apenas para o mal. Quanto mais luta, esforça-
se e trabalha para se livrar, mais sente as cadeias, as terríveis
cadeias do pecado como que Satanás o algema e o leva cativo à sua
vontade;1 é um escravo; e, embora murmure a cada passo, embora
se rebele, não pode prevalecer. Ainda se encontra em cativeiro e
temor, em razão do pecado; muitas vezes de algum pecado exterior,
a que seja particularmente apegado, seja por natureza, hábito ou
circunstâncias envolventes; mas, sempre, de algum pecado íntimo,
alguma inclinação má ou afeição corrupta. Por mais que se irrite
contra tal pecado, mais esse pecado se exalta. Assim labuta ele sem
fim, arrependendo-se e pecando, e outra vez arrependendo-se e
tornando a pecar, até que o pobre, pecaminoso, desesperado,
miserável ser esgota seu espírito – e pode apenas gemer: Ó
miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta
morte? A única resposta: A graça de Deus, mediante Jesus Cristo,
teu Senhor! 2 IX, II, 7-8

1Ap 13.10 2Rm 7.24-25

Debaixo da Graça – Dia 13

Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo


Jesus.
2 Timóteo 2.1

Agora o pecador reconhece que sua única salvação é a graça de


Deus. É nesse momento que termina o miserável cativeiro: o
pecador já não se encontra debaixo da lei, mas debaixo da graça.1
Passamos a considerar este estado
– o estado do homem que achou graça ou favor à vista de Deus, o
Pai, e que tem a graça ou poder do Espírito Santo reinando em seu
coração; que recebeu, no dizer do apóstolo, o espírito de adoção,
pelo qual ele agora clama: Abba, Pai! 2 Clamou ao Senhor em sua
aflição, e Deus o livrou do abatimento.3 Seus olhos agora se abrem
para ver o amoroso e gracioso Deus. Enquanto o homem ainda está
falando: Eu te imploro, mostra-me a tua glória,4 ouve uma voz
sussurrando no íntimo da alma: Farei toda minha bondade passar
diante de ti e proclamarei o nome do Senhor: serei gracioso para
com quem eu quiser ser gracioso, e mostrarei misericórdia a quem
eu quiser mostrar misericórdia.5 Então o pecador vê, mas não com
olhos de carne e osso, o Senhor, o Senhor Deus, misericordioso e
gracioso, longânimo e abundante em bondade e verdade, usando de
misericórdia com milhares e perdoando iniquidades, transgressões e
pecados.6 IX, III, 1-2

1Rm 6.14 2Rm 8.15 3Sl 107.13 4Ex 33.18 5Ex 33.19 6Ex 34.6

Choro Transformado em Alegria – Dia 14

O Espírito do Senhor JEOVÁ está sobre mim, porque o Senhor me


ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os
contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos e a abertura
de prisão aos presos; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia
da vingança do nosso Deus; a consolar todos os tristes;a ordenar
acerca dos tristes de Sião que se lhes dê ornamento por cinza, óleo
de gozo por tristeza, veste de louvor por espírito angustiado, a fim de
que se chamem árvores de justiça, plantação do Senhor, para que
ele seja glorificado. Isaías 61.1-3

Uma luz celestial invade a alma do recém-convertido. O homem olha


para Aquele a quem havia traspassado;1 e Deus, que das trevas faz
brilhar a luz, fulgura em seu coração.2 Ele vê a luz do glorioso amor
de Deus estampada na face de Jesus Cristo. Tem o sentimento de
uma divina evidência das

MARÇO

coisas que se não veem ,3 mesmo das coisas profundas de Deus;4 a


seus olhos se evidencia, mais particularmente, o amor de Deus, seu
amor perdoador em relação ao que crê em Jesus. Dominado pela
visão, toda sua alma exclama: Meu Senhor e meu Deus! 5 Porque vê
todas as suas iniquidades lançadas sobre Aquele que as levou em
seu próprio corpo para o madeiro,6 também contempla o Cordeiro de
Deus tirando seus pecados.7 Quão claramente o pecador agora
discerne que Deus em Cristo estava reconciliando o mundo consigo
mesmo, fazendo-se pecado por nós o que não conhecia pecado,
para que pudéssemos ser feitos justiça de Deus, através dele,8
sendo o pecador agora reconciliado com Deus, mediante o sangue
da aliança! Aí termina a culpa e o domínio do pecado. Agora pode o
homem dizer: Estou crucificado com Cristo; agora vivo, não eu, mas
Cristo vive em mim; e a vida que eu agora vivo na carne (neste corpo
mortal), vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se deu a si
mesmo por mim.9 Aí termina o remorso, tristeza de coração,
angústia de um espírito ferido: Deus transforma sua tristeza em
gozo.10 IX, III, 3-4

1Zc 12.10 22 Co 4.6 3Hb 11.1 41 Co 2.10 5Jo 20.28 61 Pe 2.24 7Jo 1.29 82
Co 5.19 9Gl 2.20 10Jr 31.13

Servos da Justiça – Dia 15

Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais
debaixo da lei, mas debaixo da graça.
Romanos 6.14

Com a salvação também termina a escravidão ao medo, porque seu


coração permanece firme, crendo no Senhor.1 Não mais pode temer
a ira de Deus, pois sabe que essa ira dele se apartou, e encara o
Senhor, não como um Juiz irado, mas como um Pai amoroso. Não
teme o diabo, sabendo que este não tem nenhum poder, salvo o que
lhe for dado do alto.2 Não teme o inferno, sendo herdeiro do reino
dos céus; consequentemente, não teme a morte. Ao contrário,
sabendo que, se a casa terrena deste tabernáculo for desfeita, ele
tem uma edificação de Deus, uma casa não feita pelas mãos
humanas, eterna, nos céus,3 suspira profundamente, desejando ser
revestido daquela habitação que é do alto. Deseja despojar-se desta
casa terrena, para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida.4

Onde há o Espírito do Senhor, aí há liberdade ;5 libertação, não


somente da culpa e temor, mas do pecado. As algemas se
quebraram e o homem se tornou livre, e, assim renovado, não
apenas luta, mas também sai vitorioso; não combate somente, mas
conquista e vence. Está morto ao pecado e vivo para Deus;6 nem o
pecado reina sobre seu corpo mortal, nem ele obedece a este nos
seus desejos.7 Não entrega seus membros como instrumentos de
injustiça para o pecado, mas como instrumentos de justiça para
Deus.8 Porque, libertado do pecado, ele se tornou servo da justiça.9
IX, III, 4-5

1Sl 112.7 2Jo 19.11 32 Co 5.1 42 Co 5.4 52 Co 3.17 6Rm 6.11 7Rm 6.12 8Rm
6.13 9Rm 6.18

Tirando as Máscaras – Dia 16

Eu sou o Senhor que sonda o coração e examina a mente, para


recompensar a cada um de acordo com a sua conduta, de acordo
com as suas obras. Jeremias 17.10

Desta clara exposição do tríplice estado do homem (natural, debaixo


da lei, e debaixo da graça) resulta que não é bastante dividir a
humanidade em sinceros e não sinceros. O homem pode ser sincero
em qualquer desses três estados: não somente quando tenha o
espírito de adoção, mas ainda mesmo quando tenha o espírito de
escravidão para o temor,1 e até mesmo não tendo nem este temor,
nem amor. Porque, indubitavelmente, pode haver pagãos sinceros,
como

MARÇO

sinceros judeus ou cristãos. Tal circunstância não prova, de modo


nenhum, que o homem esteja, só por ser sincero, em estado de ser
aceito por Deus.

Examina-te, pois, a ti mesmo , não para saberes se és sincero, mas


para verificares se estás na fé.2 Examina-se a si mesmo (porque isto
te importa muito), qual, é o espírito dominante da tua alma. É o amor
de Deus? Ou é o medo de Deus? Não será antes o amor do mundo,
o amor do prazer ou do lucro, da vida fácil ou de uma boa
reputação? Se assim é, não chegaste sequer à condição de judeu.
Não passas de um pagão. Tens o céu em teu coração? Tens o
espírito de adoção, sempre clamando: Abba, Pai! 3 – ou clamas por
Deus como falando desde o ventre do abismo,4 dominado pela
tristeza e pelo pavor? Quem sabe se és estranho a todo este
assunto, e não podes sequer imaginar o que quero dizer. Pagão, tira
a máscara! Tu jamais te revestiste de Cristo! Descobre-te! Olha para
os céus e confessa diante daquele que vive eternamente, que tu não
tens parte entre os filhos ou servos de Deus! IX, IV, 1

1Rm 8.15 22 Co 13.5 3Rm 8.15 4Jn 2.2

Qual é o Estado da Sua Alma? – Dia 17

Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está


perto.
Isaías 55.6

Diariamente combates contra o pecado – e és, diariamente, mais que


vencedor?1 Reconheço-te como filho de Deus. Oh! Persevera em tua
gloriosa liberdade! Estás combatendo, mas não vencendo; lutando
pelo domínio, sem seres capaz de o atingir? Então, ainda não és
crente em Cristo; prossegue, todavia, e conhecerás o Senhor. Tu não
estás pelejando, mas levando vida folgada, indolente e luxuosa. Oh!
Como ousas tu usurpar o nome de Cristo, somente para o tornar
odioso entre os pagãos? Desperta, tu que dormes!2 Invoca ao teu
Deus, antes que sejas tragado pelo abismo!3 Talvez, a razão pela
qual tantos pensam de si mesmos mais altamente do que convém,4
e não discernem em que condição verdadeiramente se acham, é que
esses vários estados de alma com frequência se misturam,
encontrando-se, em certa medida, em uma só e mesma pessoa.
Assim, a experiência mostra que o estado legal, ou o estado de
temor frequentemente se confunde com o estado natural, pois são
poucos os homens que se encontram profundamente adormecidos
no pecado; ao contrário, o que muitas vezes acontece é que eles
estejam mais ou menos despertos. IX, IV, 1, 2

1Rm 8.37 2Ef 5.14 3Sl 69.15 4Rm 12.3


A Bondade do Homem Natural – Dia 18

Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça.
Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas
obras da lei.
Romanos 9.31-32

O homem pode ser de caráter compassivo e benevolente; pode ser


cordial, cortês, generoso, amável; pode ter, em certa medida,
humildade, paciência, moderação e muitas outras virtudes morais.
Pode sentir grande desejo de abandonar todos os vícios e alcançar
os degraus mais eminentes da virtude. Pode abster-se de muitos
males; talvez se abstenha mesmo de tudo que seja contrário à
justiça, à misericórdia e à verdade. Pode fazer grande bem –
alimentar o faminto, vestir o nu, amparar a viúva e os órfãos.1 Pode
assistir ao culto público, usar da oração em particular, ler muitos
livros devocionais e ainda, com tudo isso, pode ser um simples
homem natural, não se conhecendo a si mesmo nem conhecendo a
Deus, alheio por igual ao espírito de

MARÇO

temor e ao espírito de amor, não tendo arrependimento e não crendo


no Evangelho. Suponhamos que a tudo isso fosse adicionada uma
profunda convicção de pecado, com grande temor da ira de Deus,
veemente desejo de livrar-se de todo pecado e de cumprir toda
justiça, frequente regozijo na esperança e toques de amor lhe
rebatendo suavemente sobre a alma: nem assim se prova estar esse
homem debaixo da graça, ter verdadeira fé, viva e cristã, a não ser
que o espírito de adoção esteja em sua alma; a não ser que ele
possa continuamente clamar: Abba, Pai! 2 IX, IV, 3

1Mt 25.36; Is 1.17 2Rm 8.15

Deus Prepara as Melhores Coisas – Dia 19


Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não
ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus
preparou para os que o amam. 1 Coríntios 2.9

Acautela-te, pois, tu que és chamado pelo nome de Cristo, para que


não fiques aquém de tua alta vocação.1 Guarda-te de descansares,
seja no estado natural, como acontece com muitos que são
reputados bons cristãos; seja no estado legal, em que muitos
homens, altamente estimados nos meios sociais, sentem-se felizes
em viver e morrer. Deus te preparou melhores coisas, se
prosseguires firme até alcançá-las. Não foste chamado para temer e
tremer, como os demônios, mas para te regozijares em amor, como
os anjos de Deus. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração,
de toda a tua alma, de toda a tua mente e de todas as tuas forças.2
Regozijar-te-ás sobremodo; orarás sem cessar; em todas as coisas
darás graças.3 Farás a vontade de Deus na terra, assim como é feita
nos céus.4 Oh! Experimenta qual seja a boa, aceitável e perfeita
vontade de Deus! 5 Apresenta-te a ti mesmo como um vivo sacrifício,
santo e aceitável a Deus.6 Avança para as coisas que estão na
frente, 7 até que o Deus de paz te faça perfeito em toda boa obra, –
operando em ti aquilo que é agradável à sua vista, mediante Jesus
Cristo, ao qual seja a glória pelos séculos dos séculos! Amém.8 IX,
IV, 4

1 Fp 3.14 2Mt 22.37 31 Ts 5.16-18 4Mt 6.10 5Rm 12.2 6Rm 12.1 7Fp 3.13 8
Hb 13.21

A Raiz de Que Brota Toda a Santidade – Dia 20

Nós o amamos porque ele nos amou primeiro. I João 4.19 Este é
propriamente o testemunho de nosso espírito, ou seja, o testemunho
de nossa consciência, que Deus nos chamou para sermos santos de
coração e santos na conversação. É a consciência de termos
recebido, no espírito de adoção e por este espírito, os
temperamentos citados na Palavra de Deus, como pertencentes a
seus filhos adotivos: um coração amoroso, no trato com Deus e com
toda a humanidade; um coração posto, como a confiança de uma
criança, em Deus, nosso Pai, nada desejando senão a Ele, nele
lançando toda nossa ansiedade,1 e abraçando todo ser humano na
mesma afeição terna e profunda; a consciência de que somos
inteiramente conformados, pelo Espírito de Deus, à imagem de seu
Filho, e que andamos diante dele em justiça, misericórdia e verdade,
fazendo as coisas que sejam agradáveis à sua vista.2 O testemunho
do Espírito é uma impressão íntima feita sobre a alma, pela qual o
Espírito de Deus diretamente testifica a meu espírito que sou filho de
Deus; que Jesus Cristo me amou e deu-se a si mesmo por mim;3 e
que todos os meus pecados são cancelados, e eu, sim, eu, sou
reconciliado com Deus.4 Devemos amar a Deus antes de sermos
santos, visto ser esse amor a raiz de que brota toda a santidade. No
entanto, não podemos amar a Deus enquanto não soubermos que
Ele nos ama. Amamo-lo porque Ele primeiro nos amou.5 E não
podemos

MARÇO
conhecer seu amor perdoador para conosco, até que seu Espírito o
testifique a nosso espírito. X,6 I, 6-8
11 Pe 5.7 21 Jo 3.22 3Rm 8.16 42 Co 5.19 51 Jo 4.19 6Sermão X: O
Testemunho do Espírito, discurso I

Uma Presunção Condenável – Dia 21

Há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os


caminhos da morte.
Provérbios 14.12

Como ninguém conhece as coisas do homem, a não ser o espírito do


homem que nele está, assim ninguém conhece o modo de ser das
coisas de Deus, a não ser o Espírito de Deus.1 Conhecemos, porém,
o fato em si, isto é, que o Espírito de Deus dá ao cristão tal
testemunho de sua adoção, testemunho que, enquanto se fizer sentir
a alma, não permitirá que o homem ponha em dúvida a realidade de
sua filiação, como não pode ele duvidar do brilho do sol, estando ele
sendo iluminado pela luz vigorosa de seus raios.

Como se distingue esse testemunho da presunção da mente natural?


É certo que aquele que nunca foi convencido do pecado está sempre
pronto a lisonjear-se a si mesmo e a pensar de si mais altamente do
que deve pensar,2 especialmente no tocante às coisas espirituais.
Daí não ser de modo algum estranho que alguém, vagamente inflado
pela mente carnal,3 ouvindo falar deste privilégio dos verdadeiros
cristãos, entre os quais indubitavelmente se arrola, ele logo se
convence de que ele possui a salvação. Estes exemplos são, no
presente, abundantes no mundo, – e sempre o foram em todas as
eras. Como pode então o testemunho real do Espírito ser distinguido
de uma presunção condenável? X, I, 12; II, 2

11 Co 2.11 2Rm 12.3 31 Co 8.1

Marcas do Cristão: Humildade – Dia 22

Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade;


cada um considere os outros superiores a si
mesmo.
Filipenses 2.3

Pelas presentes características podemos facilmente discernir a


diferença entre um filho de Deus e o presunçoso enganador de si
mesmo. As Escrituras caracterizam a alegria no Senhor que
acompanha o testemunho do Espírito, como uma alegria humilde;
uma alegria que se abaixa até o pó, fazendo o pecador perdoado
dizer: Sou vil! Quem sou eu, ou a casa do meu pai?1 Agora meus
olhos te veem e eu humilho-me a mim mesmo em pó e cinzas! 2 E
onde há humildade há mansidão, paciência, ternura, longanimidade.3
Há um espírito suave e dócil; uma tolerância e brandura, uma
delicadeza de alma que as palavras não podem descrever. Mas
estes frutos seguem o suposto testemunho do Espírito num homem
presunçoso? Exatamente o contrário. Quanto mais forte é o
testemunho que imagina ter, mais arrogante se mostrará no trato
com os que o rodeiam, mais incapaz de receber qualquer
repreensão, mais impaciente em face de qualquer contradita. Em
lugar de ser mais humilde, mais dócil, mais ensinável, e mais pronto
para ouvir e tardio para falar,4 ele é mais tardio para ouvir e pronto
para falar. Mais indisposto para aprender, mais arrogante e veemente
em seu caráter, e mais áspero em sua conversação. Na verdade,
algumas vezes apresenta um tal grau de agressividade em sua
conduta, em sua maneira de falar, em todo o seu porte como se
estivesse na iminência de tirar a questão das mãos de Deus e
“devorar”, ele próprio, os seus adversários. Quanto mais confiante se
mostra o homem no favor de Deus, mais exaltado será; e quanto
mais se exaltar a si mesmo, mais altivo e arrogante será em todo o
seu comportamento.

X, II, 6

11 Sm 18.18 2Jó 42.6 3Gl 5.22 4Tg 1.19


MARÇO

Marcas do Cristão: Obediência – Dia 23

Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso o


caminho, que conduz à perdição, e muitos são os que entram por
ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho, que leva à
vida, poucos há que a encontrem. Mateus 7.13-14

Ainda mais: as Escrituras ensinam: Este é o amor de Deus, cujo sinal


seguro é guardarmos seus mandamentos.1 E nosso Senhor mesmo
diz: O que guarda meus mandamentos, este é o que me ama.2 O
amor se regozija em obedecer; em fazer, em todos os pontos, o que
é aceitável ao Bem-Amado. Que realmente ama a Deus, apressa-se
em lhe fazer a vontade na terra, como é ela feita nos céus.3 Será
que este é, todavia, o caráter do presunçoso pretendente ao amor de
Deus? Não. Pois que seu “amor” lhe dá liberdade para desobedecer,
para quebrar, em lugar de guardar os mandamentos de Deus. Talvez
que, temendo, algumas vezes, a ira de Deus, trabalhe por fazer-lhe a
vontade. Mas depois, olhando para si mesmo como quem “não está
debaixo da lei”, julga não mais ser obrigado a observá-la. Assim é
menos zeloso de boas obras, menos cuidadoso de abster-se do mal,
menos vigilante sobre seu próprio coração, menos cuidadoso com
sua língua. Ele é menos capaz de negar-se a si mesmo e tomar
diariamente a sua cruz.4 Numa palavra: toda a forma de sua vida se
altera, desde que imaginou como livre a própria alma. Não se
exercita na piedade.5 Não, ele encontrou um caminho mais fácil para
o céu; uma estrada larga, suave, florida, trilhando a qual pode dizer à
alma: Alma, descansa, come, bebe, folga-te.6 Não pode estar
cônscio de possuir aquelas características que na verdade não lhe
pertencem: a humildade, a mansidão e a obediência. O Espírito do
Deus da Verdade não pode dar testemunho da mentira, como seria o
caso, se testificasse ser ele filho de Deus, quando é,
manifestamente, filho do diabo. X, II, 7

11 Jo 5.3 2Jo 14.21 3Mt 6.10 4Mt 16.24 51 Tm 4.8 6Lc 12.19

Marcas do Cristão: Os Frutos do Espírito – Dia 24

Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não
cessamos de orar por vós e de pedir que sejais cheios do
conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência
espiritual; para que possais andar dignamente diante do Senhor,
agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo
no conhecimento de Deus;

Colossenses 1.9-10

Mas, como pode o que tem o real testemunho em si mesmo


distingui-lo da presunção? Peço-te que me digas, por favor: como
distingues o dia da noite? Como distingues a luz das trevas, ou a luz
de uma estrela, ou uma vela acesa da luz do sol do meio-dia? Não
há uma diferença inerente, óbvia, essencial, entre uma e outra luz? E
não percebes imediatamente e intuitivamente a diferença, desde que
teus sentidos estejam corretamente dispostos? Mas, como saberei
que meus sentidos espirituais estão corretamente dispostos? Os
frutos imediatos do Espírito, desde que este reine em teu coração,
são: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, domínio próprio.1 E os frutos exteriores são:
fazer o bem a todos os homens, não fazer mal a ninguém e andar na
luz,2 tendo uma obediência zelosa e consistente a todos os
mandamentos de Deus. Pelos mesmos frutos distinguirás a voz de
Deus de qualquer ilusão do diabo. Aquele espírito arrogante não
pode humilhar-te diante de Deus; não pode, nem quer amolecer teu
coração, fazendo-o primeiro gemer aos pés de Deus e em seguida
por Ele clamar com amor filial. Tão certo como a santidade é de
Deus e o pecado é obra do diabo, assim certamente o testemunho
que tens em ti mesmo não é de Satanás, mas de Deus. X, II, 9, 12-
13

1Gl 5.22-23 21 Jo 1.7


MARÇO

O Testemunho do Espírito Santo – Dia 25

E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E


nisto conhecemos que ele está em nós: pelo Espírito que nos tem
dado. 1 João 3.24

Os metodistas, mais do que quaisquer outros cristãos, devem


compreender a importância desta doutrina para explicá-la e defendê-
la porque ela constitui uma grande parte do testemunho que Deus
lhes encarregou de dar a toda a humanidade. Foi por esta bênção
peculiar, derramada sobre eles, no pesquisar das Escrituras, –
confirmadas pelo testemunho da experiência de seus filhos, – que a
grande verdade do Evangelho se restaurou, após ter estado por
muitos anos perdida e esquecida.

Mas que é o testemunho do Espírito? A palavra original pode ser


traduzida como a testemunha (como ocorre em vários lugares), ou,
de modo menos ambíguo, o testemunho ou o relato: assim é
traduzida em nossa versão: Este é o relato, o testemunho, a soma do
que Deus testifica em todos os escritos inspirados, que Deus nos
deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho.1 O Espírito Santo
nos testifica que somos filhos de Deus.2 O imediato resultado deste
testemunho são os frutos do Espírito, isto é, amor, alegria, paz,
longanimidade, ternura, bondade.3 Sem estes frutos o testemunho
não pode permanecer, sendo inevitavelmente destruído, não só pela
prática de qualquer pecado exterior, ou pela omissão de qualquer
dever conhecido, mas por dar lugar a algum pecado interior; numa
palavra: por qualquer ofensa que entristeça o Espírito de Deus.4 XI,5
1, 4; II, 1

11 Jo 5.11 2Rm 8.16 3Gl 5.22 4Ef 4.30 5Sermão XI: O Testemunho do Espírito
2

Como Discernir o Bem do Mal – Dia 26

É disto que temos orgulho: a nossa consciência nos afirma que a


nossa maneira de viver no mundo, e especialmente em relação a
vocês, tem sido dirigida pela franqueza e sinceridade que Deus nos
dá e também pelo poder da sua graça e não pela sabedoria
humana. 2 Coríntios 1.12

Pretendo mostrar neste discurso qual é a natureza e o fundamento


da alegria do cristão. Sabemos, de modo geral, que ela consiste
naquela paz feliz, numa calma satisfação de espírito, que procede do
testemunho de sua consciência, conforme a descrição que nos faz o
apóstolo Paulo no versículo acima. Primeiro, o que significa
consciência? Segundo, o significado com que é geralmente usada na
Bíblia, particularmente nas cartas de Paulo, que podemos entender
por consciência – a faculdade ou poder, implantada por Deus em
toda alma que vem ao mundo, de perceber o que é justo ou injusto,
em seu próprio coração e vida, em suas tendências, pensamentos,
palavras e ações. Mas, qual é a regra por que os homens devem
julgar o bem do mal? Por quem deve ser dirigida sua consciência? A
regra dos pagãos, como o apóstolo ensina em algum lugar, é a lei
escrita em seus corações. Estes – diz ele – não têm lei externa, são
lei para si mesmos: a qual mostra a obra da lei, aquilo que a lei
externa prescreve, escrita em seu coração pelo dedo de Deus; sua
consciência também testificando se eles andam ou não segundo
essa regra, e seus pensamentos, ao mesmo tempo acusando ou se
desculpando, absolvendo, ou defendendo-os.1 Mas a regra cristã do
certo e do errado é a Palavra de Deus, os escritos do Velho e do
Novo Testamento, tudo quanto os profetas e os homens santos do
passado escreveram segundo eram movidos pelo Espírito Santo.2
XII,3 I, 2, 5-6

1Rm 2.14-15 22 Pe 1.21 3Sermão XII: O Testemunho de Nosso Próprio


Espírito
MARÇO

Uma Reta Compreensão da Palavra – Dia 27

E, pondo Paulo os olhos no conselho, disse: Varões irmãos, até o dia


de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência.
Atos 23.1

A Bíblia é uma lâmpada para os pés do cristão, luz para todos os


seus caminhos.1 Ele recebe somente a Bíblia como sua regra do
justo e do injusto, do que é realmente bom ou realmente mau. Ele
não reputa coisa alguma como boa, a não ser que a Palavra
recomende, seja diretamente, seja por interferência lógica; o cristão
nada reputa como mau, a não ser que seja ali proibido, quer
expressamente, quer por inegável dedução. Para isto requerem-se
de modo absoluto: 1) Uma reta compreensão da Palavra de Deus, de
sua santa, aceitável e perfeita vontade2 no tocante a nós, como se
revela na Escritura: é impossível que andemos segundo uma regra,
se não soubermos o que ela significa. 2) Um verdadeiro
conhecimento de nós mesmos, o conhecimento de nosso coração e
de nossa vida, de nossas inclinações íntimas e conversação, visto
que, não os conhecendo, não é possível compará-los com a nossa
regra. 3) Uma perfeita concordância de nosso coração e vida, de
nossas inclinações e conversação, de nosso coração e vida, de
nossos pensamentos, palavras e obras, com aquela regra, com a
Palavra escrita de Deus. Se de fato a consciência for dirigida
verdadeiramente por este padrão, Terá a aprovação de uma boa
consciência para com Deus.3 XII, I, 6-7

1Sl 119.105 2Rm 12.2 3At 24.16

A Simplicidade Cristã – Dia 28

A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos


forem bons, todo o teu corpo terá luz.
Mateus 6.22

Temos vivido no mundo em simplicidade e sinceridade piedosa.1


Primeiro, em simplicidade: isto é o que nosso Senhor recomenda sob
o nome de “olhos simples”. A luz do corpo – diz Ele, são os olhos.
Se, pois, teus olhos forem simples, todo teu corpo será luminoso.2 O
significado da passagem é este: teus olhos são para o corpo o que a
intenção é para todas as palavras e ações; se, pois, os olhos de tua
alma forem simples, todas as tuas ações e conversação serão
“luminosas”, cheias da luz do céu, de amor, paz e alegria no Espírito
Santo. Somos, portanto, simples de coração, quando os olhos de
nossa mente se acham exclusivamente fixos em Deus, como nosso
Deus, nossa porção, nossa fortaleza, nossa felicidade, nossa
altíssima recompensa, nosso tudo, no tempo e na eternidade. Isto é
simplicidade: quando uma visão firme, uma única intenção de
promover sua glória, fazendo sua bendita vontade e com esta
acertando, corre através de toda nossa alma, enche todo nosso
coração e é a fonte perene de todos os nossos pensamentos,
desejos e propósitos.

Em segundo lugar, temos vivido no mundo em piedade sincera. Ela


implica em estarmos de fato dizendo e fazendo tudo para a glória de
Deus; que todas as nossas palavras, não somente tendem para esse
alvo, mas na realidade se conduzem em direção a ele; que todas as
nossas ações fluam numa corrente contínua, uniformemente
submissa a esse grande fim; e que, em toda nossa vida, estamos
movendo diretamente para Deus, e isto continuamente; andando
firmemente nos altos caminhos da santidade, nas veredas da justiça,
da misericórdia e da verdade. XII, I, 11, 12

12 Co 1.12 2Mt 6.22


MARÇO

A Inutilidade dos Méritos Humanos – Dia 29

Não se enganem. Se algum de vocês pensa que é sábio segundo os


padrões desta era, deve tornar-se “louco” para que
se torne sábio.
1 Coríntios 3.18

Não podemos alcançar essa simplicidade, ou praticar essa


sinceridade, por bom senso, bom temperamento ou boa educação. O
poder do hábito não é capaz de capacitar para isto, nem as regras
mais requintadas da cultura humana. Nem pode o apóstolo Paulo
chegar a tal altura, não obstante todas as vantagens de que
desfrutava, em seu estado natural, e procurava alcançá-la somente
através da sabedoria carnal, humana. E, se isso estivesse nas mãos
do homem, certamente Paulo podia tê-la alcançado por aquela
sabedoria, porque dificilmente podemos conceber alguém mais
altamente favorecido com todos os dons, tanto da natureza como da
educação. Ele possuía todos os benefícios da erudição, tendo
estudado na Universidade de Tarso e tendo depois se colocado aos
pés de Gamaliel, pessoa do maior conceito que então havia em toda
a nação judaica, tanto pela cultura como pela integridade de caráter.
Possuía todas as vantagens da educação religiosa, sendo fariseu, e
filho de fariseu. Nisto tinha ele aproveitado mais do que muitos
outros, que eram seus iguais em anos, sendo mais abundantemente
zeloso1 no tocante ao que entendia melhor agradar a Deus e, no
tocante à justiça da lei, impecável.2 Mas não lhe fora possível
alcançar por esses dons a simplicidade e a sinceridade piedosa.
Tudo seria tempo perdido. Em um profundo, cortante, sentimento
dessa inutilidade, ele foi afinal constrangido a clamar: As coisas que
para mim eram ganho, reputei-as como perda por amor de Cristo;
reputo todas as coisas como perda pela excelência do conhecimento
de Cristo Jesus, meu Senhor.3 XII, I, 14

1Gl 1.14 2Fp 3.6 3Fp 3.7-8

O Poder do Seu Espírito – Dia 30

Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo


Jesus.
2 Timóteo 2.1

Paulo não poderia jamais alcançar este estado de simplicidade cristã


a não ser pela excelência do conhecimento de Jesus Cristo1 nosso
Senhor, ou “pela graça de Deus”,
– outra expressão de valor aproximadamente igual. Pela “graça de
Deus” algumas vezes se entende aquele livre amor, aquela
misericórdia imerecida, pela qual eu, pecador, mediante os méritos
de Cristo, agora sou reconciliado com Deus. Mas neste lugar ela
significa antes o poder de Deus, o Espírito Santo, que opera em nós
tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.2 Assim
que a graça de Deus, isto é, o seu perdão, é manifestado às nossas
almas, a graça de Deus, o poder do seu Espírito, se realiza em nós.
E agora podemos fazer, por meio de Deus, aquilo que ao homem era
antes impossível. Agora podemos dirigir retamente nossas vidas.
Podemos fazer todas as coisas à luz do amor e no poder deste, por
Jesus Cristo, que nos fortalece. Podemos ter o testemunho de nossa
consciência (o que jamais poderíamos conseguir pela sabedoria
carnal), de que, em simplicidade e sinceridade piedosa, temos vivido
no mundo.3 XII, I, 15

1Fp 3.8 2Fp 2.13 32 Co 1.12

A Base da Alegria Cristã – Dia 31

Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na
verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência
do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a
perda de todas estas coisas e as considero como esterco, para que
possa ganhar a Cristo e seja achado

MARÇO

nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela
fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé; para
conhecê-lo, e a virtude da sua ressurreição, e a comunicação de
suas aflições, sendo feito conforme a sua

morte;
Filipenses 3.7-10

Esta é propriamente a base da alegria do cristão. Agora podemos


claramente conceber como se regozijar sempre1 aquele que tem em
si mesmo esse testemunho. Minha alma – ele pode dizer –
engrandece ao Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu
Salvador.2 Regozijo-me naquele que, de seu livre e imerecido amor,
de sua livre e terna misericórdia, “chamou-me para o estado de
salvação”, no qual, pelo seu poder, permaneço. Regozijo-me, porque
seu Espírito testifica a meu espírito que fui lavado no sangue do
Cordeiro e que, nele crendo, “sou membro de Cristo, filho de Deus e
herdeiro do reino dos céus”. Regozijo-me, porque o sentimento do
amor de Deus para comigo operou em mim, pelo mesmo Espírito, o
amor a Ele, e, por sua causa, o amor a todo homem, a toda alma por
Ele formada. Nisto igualmente me regozijo, sim, regozijar-me-ei,
porque minha consciência me testifica no Espírito Santo, pela luz
constantemente projeta sobre ela, que eu ando firmemente segundo
a vocação com a qual fui chamado;3 que me abstenho de toda
aparência do mal,4 fugindo ao pecado como se deve fugir a uma
serpente; que, segundo as oportunidades que tenho, faço todo bem
possível, de toda espécie, a todos os homens; que sigo a meu
Senhor em todos os meus caminhos e faço o que é aceitável à sua
vista. Regozijo-me, porque vejo e sinto, pela inspiração do Espírito,
que todas as minhas obras são feitas em Deus e que é Ele que
opera em mim todas as minhas obras. Regozijo-me, porque vejo
através da luz de Deus, brilhando em meu coração, que tenho forças
para andar em seus caminhos e porque, pela sua graça, não me
desvio nem para a direita, nem para a esquerda.5 XII, I, 16
1Fp 4.4 2Lc 1.46 3Ef 4.2 41 Ts 5.22 5Is 30.21
ABRIL

A Ressurreição de Jesus – Dia 1

Cristo já ressuscitou, Aleluia!


Sobre a morte triunfou, Aleluia!
Tudo consumado está, Aleluia!
Salvação de graça dá, Aleluia!
Sobre a cruz Jesus sofreu, Aleluia!
E por nós ali morreu, Aleluia!
Mas agora vivo está, Aleluia!
Para sempre reinará, Aleluia!
Gratos hinos hoje erguei, Aleluia!
A Jesus, o grande Rei, Aleluia!
Ele à morte quis baixar, Aleluia!
Pecadores resgatar, Aleluia!

(Christ the Lord is Risen Today – Hino de Charles Wesley


– Tradução: Henry Maxwell Wright)

Regozijai-vos, Sempre! – Dia 2

Regozijai-vos, sempre, no Senhor; outra vez digo: regozijai-vos.


Seja a vossa equidade notória a todos os homens. Perto está o
Senhor. Não estejais inquietos por coisa alguma; antes, as vossas
petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus, pela oração e
súplicas, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o
entendimento, guardará os vossos corações e os vossos
sentimentos em Cristo Jesus.

Filipenses 4.4-7

Tal é o fundamento e a natureza daquela alegria, na qual o cristão


adulto se regozija sobremodo. E de tudo isto podemos claramente
inferir, primeiro, que tal alegria não é a alegria natural. Não resulta de
qualquer causa natural, nem de qualquer súbito transbordamento de
espírito: este pode produzir um transporte passageiro de alegria, mas
o

101

cristão regozija-se sem cessar. Ela não pode ser causada pela posse
de saúde ou bem-estar físico, de resistência ou vigor de constituição,
porque a alegria cristã é igualmente forte na fraqueza e na dor – e
em tais circunstâncias talvez se mostre mais vigorosa. Muitos
cristãos jamais experimentaram alegria que se compare à que lhes
encheu a alma, quando o corpo se achava mais ou menos
consumido de dores ou amesquinhado por penosa doença. Muito
menos pode essa alegria ser atribuída à prosperidade temporal, ao
favor dos homens ou à plenitude de bens terrenos; porque,
justamente quando sua fé foi como que provada pelo fogo, por toda
espécie de aflições exteriores, é que os filhos de Deus se alegraram
melhor naquele que é invisível e a quem amavam, com alegria
indizível. E nunca, certamente, houve homens que se regozijassem
como os que foram tratados como lixo e escória do mundo;1 que
andavam errantes, sofrendo falta de todas as coisas; em fome, frio,
nudez; que padeceram não somente cruéis escárnios, mas ainda
cadeias e prisões;2 que, afinal, não tendo a vida como preciosa a
seus próprios olhos, podiam terminar com alegria a sua carreira.3 XII,
I, 17

1 1 Co 4.13 2Hb 11.36 3At 20.24

Santo Amor e Obediência Alegre – Dia 3

É por isso que também nos esforçamos, quer presentes, quer


ausentes, para lhe sermos agradáveis. 2 Coríntios 5.9

Em conclusão: a alegria do cristão é o alegrar-se na obediência;


alegrar-se no amor de Deus e no guardar seus mandamentos, mas
não em os guardar para “cumprir a lei” e então ganhar a salvação,
como se por quaisquer obras ou justiça de nossa parte quiséssemos
assegurar o perdão de Deus e nossa aceitação por parte dele. Não.
Fomos perdoados e aceitos pela misericórdia de Deus, em Jesus

ABRIL

Cristo. Não foi pela nossa obediência que alcançamos a vida, a vida
que se contrasta com a morte do pecado: também essa vida nós a
recebemos pela graça de Deus, que nos despertou quando
estávamos mortos em pecados:1 agora vivemos para Deus,
mediante Jesus Cristo Nosso Senhor.2 Mas nós nos regozijamos em
andar segundo a aliança da graça, em santo amor e alegre
obediência. Regozijamo-nos no conhecimento de que, justificados
pela sua graça,3 não recebemos a graça de Deus em vão;4
conhecendo que, tendo Deus livremente nos reconciliado consigo
mesmo,5 corremos, com as forças que Ele nos dá, o caminho de
seus mandamentos. Regozijamo-nos naquele que vive em nossos
corações pela fé, para tomar posse da vida eterna.6 Este é o nosso
regozijo: como Nosso Pai trabalha até agora, assim (não pelo nosso
próprio poder ou sabedoria, mas pelo poder de seu Espírito,
livremente dado em Cristo Jesus), também faremos as obras de
Deus.7 E que Deus possa operar em nós aquilo que é agradável à
sua vista! 8 XII, I, 20

1Ef 2.1 2Rm 6.11 3Rm 3.24 42 Co 6.1 52 Co 5.18 61 Tm 6.12 7Jo 5.17 8Hb
13.21

O Arrependimento dos Crentes – Dia 4

Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne;


e estes opõem-se um ao outro; para que não façais o
que quereis. Gálatas 5.17

Supõe-se geralmente que o arrependimento e a fé são somente as


portas da religião; que apenas são necessários no começo da
carreira cristã, ao penetrarmos no caminho que leva ao reino. Isto
parece ser confirmado pelo grande apóstolo quando, exortando os
cristãos hebreus a andarem rumo à perfeição, ensina-lhes a deixar
os primeiros rudimentos da doutrina de Cristo, não pondo outra vez o
fundamento do arrependimento, das obras mortas e de fé para com
Deus,1 o que afinal significa que eles deveriam deixar, de certo
modo, as coisas que primeiro lhes empolgaram todos os
pensamentos, para avançarem em direção ao prêmio da alta
vocação de Deus em Cristo Jesus.2 É indubitavelmente certo que há
um arrependimento e uma fé que são mais especialmente
necessários no começo: o arrependimento que consiste na profunda
convicção de nossa pecaminosidade, culpa e impotência. Mas, não
obstante isto, há também um arrependimento e uma fé que se
exigem após termos crido no Evangelho e em todo o estágio
subsequente de nossa vida cristã, sem o que não poderemos correr
a carreira que nos está proposta.3 E este segundo arrependimento e
fé são absolutamente necessários à nossa perseverança e
crescimento na graça, como o primeiro arrependimento e a fé o
foram para entrar no reino de Deus. Em que sentido, entretanto,
devemos nos arrepender e crer, depois de justificados? Esta é uma
questão importante e digna de ser considerada com maior atenção.
XIV,4 I, Introdução

1Hb 6.12Fp 3.14 3Hb 12.1 4Sermão XIV: O Arrependimento dos Crentes

O Pecado não Terá Domínio sobre Vós – Dia 5

Vigiai justamente e não pequeis; porque alguns ainda não têm o


conhecimento de Deus; digo-o para vergonha vossa.
1 Coríntios 15.34

Primeiro, em que sentido o cristão tem que se arrepender? O


arrependimento frequentemente significa uma mudança interior,
mudança do pecado para a santidade; mas falamos agora do
arrependimento no sentido inteiramente diferente, isto é, como uma
espécie de conhecimento próprio, de nos conhecer como pecadores,
como culpados
ABRIL

e perdidos pecadores, embora saibamos que somos filhos de Deus.


Na verdade, quando primeiro conhecemos isto; quando primeiro
encontramos redenção no sangue de Jesus; quando o amor de Deus
primeiro se derrama em nossos corações e seu reino aí se
estabelece, – é natural supor que já não somos pecadores, sendo
que todos os nossos pecados são, além de cobertos, destruídos.
Como não sentimos nenhum mal em nosso coração, prontamente
imaginamos que nele já nenhum mal exista. Assim, alguns homens
bem-intencionados entenderam que essa ausência de mal se verifica
não só no início da fé, mas depois, persuadindo-se a si mesmos de
que, ao ser justificados, foram também inteiramente santificados: isto
declararam como regra, apesar de as Escrituras, apesar da razão e
apesar da experiência. Esses tais sinceramente creem e sustentam
ardorosamente que todo pecado é destruído quando somos
justificados, e que não há pecado no coração do crente, sendo este
purificado inteiramente desde aquele momento. Apesar, porém, de
firmemente crer que o que crê é nascido de Deus e o que é nascido
de Deus não comete pecado,1 não podemos concordar que o crente
não sinta em si o pecado: este permanece, mas não domina. E a
convicção do pecado que permanece em nosso coração é um
grande motivo porque pregamos um segundo arrependimento. XIV, I,
1, 2

11 Jo 3.9

Os Pecados que Permanecem – Dia 6

Toda amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmias, e toda malícia


seja tirada de entre vós. Efésios 4.31

Não é raro que, mais cedo do que imaginava, aquele que supunha
que todo o pecado se tivesse ido sinta que ainda há orgulho em seu
coração. Ele percebe, ao mesmo tempo, que, em muitos sentidos,
tem pensado de si mesmo mais altamente do que deveria pensar,1 e
de que aceitou louvores a propósito de algum dom alcançado, nele
se gloriando como se não o houvera recebido do alto; todavia
reconhece que se acha na graça de Deus – e não pode nem deve
lançar fora sua confiança.2 Ainda o Espírito testifica com seu espírito,
que ele é filho de Deus.3 Ao mesmo tempo ele sente obstinação em
sua alma; a vontade própria é uma parte essencial da natureza
humana, da natureza de todo ser inteligente. Nosso bendito Senhor
tinha, como homem, uma vontade própria; se assim não fora, não
seria homem. Mas sua vontade humana estava invariavelmente
subordinada à vontade de seu Pai. Em todos os tempos e em todas
as ocasiões, mesmo nas aflições mais profundas, Ele podia dizer:
Não como eu quero, mas como tu queres.4 Mesmo com o cristão
verdadeiro isto não acontece, entretanto, a todo o momento.
Frequentemente acontece que o cristão exalta sua vontade, pondo-a
em conflito com a vontade de Deus. Deseja alguma coisa por ser
agradável à natureza, sendo, todavia, do desagrado de Deus; às
vezes não quer algo porque é desagradável à sua natureza, embora
seja a vontade de Deus. XIV, I, 3, 4

1Rm 12.3 2Hb 10.35 3Rm 8.16 4Lc 22.42

Endeusamento do Eu – Dia 7

Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem


se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas
riquezas. Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e
saber que eu sou o SENHOR, que faço beneficência, juízo e justiça
na terra; porque destas coisas me agrado, diz

o SENHOR. Jeremias 9.23-24


ABRIL

Ora, a vontade própria, como o orgulho, é uma espécie de idolatria;


ambos são contrários ao amor de Deus. A mesma observação pode-
se fazer no tocante ao amor do mundo. Mas isso mesmo, os
verdadeiros crentes estão sujeitos a sentir em si próprios. É certo
que, quando ele passa da morte para a vida,1 nada deseja senão a
Deus, podendo verdadeiramente dizer: Todo meu desejo é para ti e
para a lembrança do teu nome.2 A quem tenho nos céus senão a ti?
E ninguém há sobre a terra a quem eu deseje em competição
contigo.3 Mas isto não é sempre assim. Com o correr do tempo o
cristão sentirá de novo, embora talvez por poucos momentos, o
desejo da carne, o desejo dos olhos ou a vaidade da vida.4 Além
disso, se não vigiar e orar continuamente, poderá sentir o
ressurgimento da concupiscência; pode sentir uma forte propensão
para amar a criatura mais do que ao Criador,5 seja um filho, o pai,
esposo ou esposa, ou o amigo que é como sua própria alma.6 Pode
sentir, por mil modos diversos, o desejo das coisas ou dos prazeres
terrenos. Na mesma proporção se esquecerá de Deus, não
procurando nele sua felicidade e tornando-se em consequência, mais
amante dos prazeres do que de Deus.7 XIV, I, 5

1Jo 5.24 2Is 26.8 3Sl 73.25 41 Jo 2.16 5Rm 1.25 61 Sm 18.1 72 Tm 3.4

A Cobiça dos Olhos – Dia 8

Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com


isso contentes. 1 Timóteo 6.8

Se o crente não vigiar a todo momento, cairá de novo na cobiça dos


olhos,1 no desejo de deleitar a própria imaginação com alguma coisa
grandiosa, bela ou incomum. E quão variados são os meios de que
se serve essa cobiça para assaltar a alma! Há exemplo de bens mais
inconsequentes como roupa e alimentos, coisas que jamais serviram
para satisfazer o apetite do espírito imortal. Todavia, quão natural é
para nós – mesmo depois de termos provado os poderes do mundo
vindouro2 – correr atrás de coisas que perecem pelo uso! Quão difícil
é, mesmo aos que sabem em quem têm crido,3 dominar a cobiça
dos olhos! – sempre desejando algo novo só porque é novidade! E
quão difícil é, mesmo aos filhos de Deus, dominar inteiramente a
soberba da vida!4 Através desta expressão, o apóstolo João quer
dizer aproximadamente o mesmo que o mundo designa como “senso
de honra”. Isto não é mais do que o desejo da glória que vem dos
homens5 e o deleite posto nela, a ambição e o amor ao elogio, e, o
que sempre se une às coisas em medida igual: o medo da rejeição,
das opiniões negativas, ou o medo de parecer mau ou errado. Este
medo da opinião negativa sobre si dificilmente se divorcia do temor
do homem, que traz à alma inúmeras tentações. Agora, onde está o
homem, mesmo dentre os mais fortes na fé, que não encontre em si
mesmo, algum desses maus desejos? Mesmo os mais vigilantes na
guarda da verdade se encontram apenas em parte crucificados para
o mundo,6 porque a raiz má permanece em seu coração. XIV, I, 6-7

11 Jo 2.16 2Hb 6.5 32 Tm 1.12 41 Jo 2.16 5Jo 5.44 6Gl 6.14

Um Erro Perigoso – Dia 9

Finalmente, irmãos, vos rogamos e exortamos no Senhor Jesus que,


assim como recebestes de nós, da mesma maneira que convém
andar e agradar a Deus, assim andai, para que continueis a progredir
cada vez mais; 1Tessalonicenses 4.1

Podemos reconhecer o engano daquele conceito, segundo o qual


somos totalmente santificados quando somos justificados, sendo
então nossos corações purificados de todo o pecado. Na verdade
somos, nessa ocasião, libertados do domínio do pecado exterior; e,
ao mesmo tempo, o

ABRIL

poder do pecado interior se reduz a tal ponto, que não mais temos
necessidade de segui-lo ou de sermos conduzidos por ele. Mas não
é certo, de modo nenhum, que o pecado interior seja então
destruído; e que a raiz do orgulho, da obstinação, da ira, do amor ao
mundo, seja extirpada do coração; ou que a mente carnal e a
inclinação do coração para a apostasia sejam inteiramente
removidas. Supor o contrário não é, como alguns podem pensar, um
inocente, inofensivo engano. Não; tal pensamento causa imenso
dano: obstrui inteiramente o caminho para a mudança mais profunda,
porque é manifesto que os sãos não precisam de médico, mas sim
os enfermos.1 Se, pois, pensamos que já nos encontramos
inteiramente sãos, não há lugar para que procuremos mais cura.
Suposto isto, é absurdo esperar libertação adicional do pecado, seja
gradual, seja instantânea. XIV, III, 1

1Mt 9.12

O Grande Tribunal – Dia 10

E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua


não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos
céus serão abaladas. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do
Homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do
Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E
ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais
ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra
extremidade dos céus.

Mateus 24.29-31

E o próprio Senhor virá nas nuvens em sua própria glória e na glória


de seu Pai, com milhares de seus santos, miríades de anjos, e
assentar-se-á sobre o trono de sua glória. E diante dele serão
reunidas todas as nações, e separará uns dos outros, e porá as
ovelhas, isto é, os bons, à sua direita, e os cabritos, isto é, os maus,
à esquerda.1

Que ocasião de solenidade! Mas, por mais imponente que seja esta
solenidade, outra muito mais tenebrosa se acha às portas. Porque,
ainda um pouco, e nós compareceremos ante o tribunal de Cristo.
Como eu vivo, diz o Senhor, todo joelho se dobrará diante de mim e
toda língua confessará a Deus. E naquele dia cada um de nós dará
contas de si a Deus.2 Se todos os homens tivessem profunda
convicção disto – quão eficientemente conseguiríamos os interesses
da sociedade! Por que, que motivo mais poderoso pode ser
concebido para a prática da moralidade, para a prossecução firme da
virtude verdadeira, para andar sem desvios nas veredas da justiça,
da misericórdia e da verdade? Que poderia melhor fortalecer-nos as
mãos para a prática de todo o bem, para refrear-nos do mal, do que
a firme convicção de que o juiz está à porta3 e que, em breve,
compareceremos diante dele? XV,4 Introdução, 2-3

1Mt 25.31-33 2Rm 14.10-12 3Tg 5.9 4Sermão XV: O Grande Tribunal

O Grande Juiz – Dia 11

Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor,


justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também
a todos os que amarem a sua vinda.

2 Timóteo 4.8

Consideremos, em segundo lugar, o juízo em si mesmo. A pessoa


pela qual Deus julgará o mundo é seu Unigênito Filho, cujas origens
são desde a eternidade,1 que é Deus sobre todas as coisas, bendito
para sempre.2 A Ele, que é o resplendor da glória de seu Pai3
entregou todo o juízo, porque Ele é filho do homem;4 porque,
subsistindo em forma de Deus, e não tendo como usurpação o
igualar-se a Deus, todavia esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma
de servo, feito segundo a semelhança do homem; porque achando-
se em figura de homem, humilhando-se a si mesmo, a ponto de
tornar-se obediente até a

ABRIL

morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou soberanamente ,5


em sua natureza humana, e determinou que Ele, como homem,
julgasse os filhos dos homens, tornando-se juiz de vivos e mortos.6
XV, II, 1
1Mq 5.2 2Rm 9.5 3Hb 1.3 4Jo 5.22 5Fp 2.6-9 61 Pe 4.5

Todo Homem Dará Conta – Dia 12

Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para


que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou
bem ou mal. 2 Coríntios 5.10

E todo homem dará conta de suas próprias obras,1 uma conta clara
e verdadeira de tudo quanto houver feito, seja de bem, seja de mal.
Oh! Que cena se desenrolará então, à vista dos anjos e dos homens!
Não serão apenas as ações de todo filho do homem que se
desvendarão, mas também todas as suas palavras, visto que de toda
palavra ociosa que os homens disseram darão contas no dia do
juízo;2 pois que pelas tuas palavras, tanto como pelas tuas obras,
serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado.3 E Deus
não trará também à luz toda circunstância que acompanhou cada
ação ou palavra? E como será isso fácil para Aquele que
esquadrinha o meu andar e o meu deitar e conhece todos os meus
caminhos!4 Sabemos que as trevas não são escuras para Ele, mas a
noite refulge como o dia.5 Além disso, Ele trará à luz não apenas as
obras ocultas das trevas, mas todos os pensamentos e intenções do
coração. E que maravilhoso é! Todas as coisas estão nuas e
descobertas aos olhos daquele a quem temos de dar contas.6 O
inferno e a perdição diante dele estão desvendados; quanto mais o
coração dos filhos dos homens! 7 XV, II, 5-6

1 Rm 14.12 2Mt 12.36 3Mt 12.37 4Sl 139.3 5Sl 139.12 6Hb 4.13 7Pv 15.11

O Novo Céu e a Nova Terra – Dia 13

Vi um novo céu e uma nova terra; porque o primeiro céu e a primeira


terra tinham passado. Apocalipse 22.1
Mas uma circunstância há que, seguindo-se ao juízo, merece nossa
mais séria consideração. Esperamos – diz o apóstolo – consoante
sua promessa, novos céus e nova terra, onde habita a justiça.1 A
promessa se acha na profecia de Isaías: Eis que eu crio novos céus
e nova terra: e os anteriores não serão lembrados,2 tão grande será
a glória dos últimos! E somente os justos ali habitam. Acrescenta ele:
E vi uma grande voz do “terceiro” céu, dizendo: eis que o tabernáculo
de Deus está com os homens, e Ele habitará em meio deles, e eles
serão o seu povo; e o próprio Deus estará com eles e será seu
Deus.3 Necessariamente todos serão felizes: Deus enxugará todas
as lágrimas de seus olhos; e não mais haverá morte, nem tristeza,
nem gemidos, e nem haverá jamais ali nenhuma dor.4 Não haverá
maldição, mas eles verão sua face:5 terão o mais fácil acesso a
Deus e então a mais alta semelhança com Ele. Esta é a mais forte
expressão, na linguagem das Escrituras, de definição da felicidade
completa. E seu nome será sobre suas frontes:6 serão abertamente
reconhecidos como propriedade de Deus e sua natureza gloriosa
mais visivelmente brilhará neles. E ali não haverá noite; não terão
necessidade de lâmpada, nem da luz do sol; porque o Senhor Deus
os iluminará: e eles reinarão para sempre.7 XV, III, 5

12 Pe 3.13 2Is 65.17 3Ap 21.3 4Ap 21.4 5Ap 21.3-4 6Ap 22.4 7Ap 22.5

Ele não Tardará – Dia 14

E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do
Homem.Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio
comiam, bebiam, casavam e davam-se

ABRIL

em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e não o


perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será
também a vinda do Filho do Homem. Mateus 24.37-39
Que espécie de pessoas devemos, pois, ser, em todo santo
procedimento e na piedade?1 Sabemos que podemos estar à curta
distância da descida do Senhor com voz de arcanjo e trombeta de
Deus, quando cada um de nós comparecerá diante dele para dar
contas das próprias obras.2 Por isso, amados, vigiai e velai sobre as
coisas; uma vez que sabeis que Ele virá e não tardará, sede
diligentes, para que possais ser chamados por Ele em paz, sem
mancha inculpáveis.3 Por que alguém dentre vós seria colocado à
mão esquerda de Cristo, na sua vinda? Ele não quer que ninguém
pereça, mas que todos venham ao arrependimento;4 pelo
arrependimento à fé no sangue do Senhor; pela fé ao amor sem
defeito, puro, à plena imagem de Deus renovada no coração e
produzindo toda a santidade de vida e comportamento. Podeis
duvidar disto, quando vos lembrais de que o Juiz de todos é, ao
mesmo tempo, o Salvador de todos? Ele não vos comprou com seu
próprio sangue, para que não perecêsseis, mas tivésseis a vida
eterna?5 Oh! Provai sua misericórdia, em vez da sua justiça; seu
amor, em vez do estrondar de seu poder! Ele não está longe de
nenhum de nós, e agora vem, não para condenar, mas para salvar o
mundo.6 Jesus está no meio de nós. Pecador, Ele não bate agora,
nesse exato momento, à porta de teu coração? Oh! Que conheças,
ao menos neste teu dia, as coisas que pertencem à tua paz!7 Que
vos entregueis agora àquele que se deu a si mesmo por vós, em fé
humilde, em santo, ativo e paciente amor! Assim vos regozijareis,
com grande alegria, naquele dia, quando Ele vier com poder nas
nuvens do céu! 8 XV, IV, 5

12 Pe 3.11 2Rm 14.12 32 Pe 3.14 42 Pe 3.9 5Jo 3.16 6Jo 3.17 7Lc 19.42 8Lc
21.27

Os Meios de Graça – Dia 15

De manhã, Senhor, ouves a minha voz; de manhã te apresento a


minha oração e aguardo com esperança.
Salmo 5.3
Sabendo que a salvação é pela graça, há ordenanças a serem
praticadas por um cristão, meios requeridos por Deus como canais
de sua graça? Por “meios de graça” entendo os sinais exteriores,
palavras ou ações, ordenados por Deus, e designados para esse fim,
para serem canais ordinários pelos quais Ele comunica aos homens
a graça preveniente, justificadora e santificadora. Esta questão
jamais teria sido levantada na Igreja Primitiva. Sua prática constante
colocou este ponto fora de qualquer contestação; uma vez que todos
os que criam estavam juntos e tinham todas as coisas em comum,1
eles perseveravam na doutrina dos apóstolos, e no partir do pão, e
nas orações.2 Mas, com o correr do tempo, quando o amor de
muitos se esfriou,3 alguns começaram a tomar os meios como fim e
a colocar a religião, menos na posse de um coração renovado
segundo a imagem de Deus, do que na prática daqueles atos
exteriores. Esqueceram-se de que o fim de todo mandamento é o
amor, partindo de um coração puro,4 amando ao Senhor seu Deus
de todo o seu coração e ao próximo como a si mesmo.5 Eles
começaram a tratar os meios de graça (ações exteriores) com mais
ênfase do que a realidade interior de um coração transformado.
XVI,6 Introdução, 1-2, II, 1

1At 2.442At 2.42 3Mt 24.12 41 Tm 1.5 5Lc 10.27 6Sermão XVI: Os Meios de
Graça
ABRIL

Um Sinal Exterior de Uma Graça Interior – Dia 16

Mas, quando apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso


Salvador, para com os homens, não pelas obras de justiça que
houvéssemos feito, mas, segundo a sua misericórdia, nos salvou
pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que
abundantemente ele derramou sobre nós por Jesus Cristo, nosso
Salvador, para que, sendo justificados pela sua graça, sejamos feitos
herdeiros, segundo a esperança da vida eterna. Tito 3.4-7
Uso a expressão – “meios de graça” – porque não conheço outra
melhor e porque ela tem sido geralmente usada na Igreja Cristã
através de muitas gerações, em particular por nossa própria Igreja,
que nos dirige no louvor de Deus pelos meios de graça e pela
esperança da glória, ensinando-nos também que o sacramento é “o
sinal exterior de uma graça interior, e um meio pelo qual recebemos
a mesma graça. Os principais desses meios são a oração, seja
individual ou com a congregação; o estudo das Escrituras (que inclui
a leitura, audição, e meditação delas); e a participação da Ceia do
Senhor, comendo o pão e bebendo o vinho em memória de Cristo:
cremos que tais meios foram ordenados por Deus, como canais
ordinários pelos quais Ele comunica sua graça à alma dos homens.
Confessamos, porém, que todo o valor dos meios depende de sua
sujeição ao fim religioso; que, consequentemente, todos esses
meios, separados de seus fins, são menos que nada e vaidade; que,
se eles não levam ao conhecimento e ao amor de Deus, deixam de
ser aceitáveis à sua vista, tornando-se, antes, uma abominação
diante do Senhor; acima de tudo, se forem usados como uma
espécie de substituição pela religião a que são destinados a servir,
não é fácil encontrar palavras que definam a enorme loucura e
iniquidade dos que assim voltam contra Deus as suas próprias
armas, afastando o cristianismo do coração pelos próprios meios que
foram instituídos para fazer o contrário. XVI, II, 1-2

O Autor de Toda a Graça – Dia 17

Vocês, que procuram ser justificados pela Lei, separaram-se de


Cristo; caíram da graça. Gálatas 5.4

Igualmente confessamos que todos os meios exteriores, quaisquer


que sejam, se forem separados do Espírito Santo, de modo algum
podem ser de proveito, não conduzindo, de forma alguma, nem ao
conhecimento, nem ao amor de Deus. Somente Ele opera em nós,
por seu ilimitado poder, aquilo que é agradável à sua vista;1 e todas
as coisas exteriores, a não ser que o Senhor opere nelas e por elas,
são simples elementos fracos e pobres. Quem quer, pois, que
imagine haver algum poder intrínseco nos meios, erra
completamente, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de
Deus. Sabemos que nenhum poder inerente existe nas palavras
pronunciadas na oração, na letra lida nas Escrituras, no som dos
textos da Escritura percebidos pelos que ouvem, ou no pão e no
vinho recebidos na Ceia do Senhor; só Deus é o Doador de toda a
boa dádiva, o Autor de toda a graça: visto que todo poder lhe
pertence. Entendemos que é só por esse poder que uma bênção é
comunicada às nossas almas através dos meios. Sabemos, do
mesmo modo, que Deus seria capaz de conceder a mesma graça,
embora não houvesse meio nenhum sobre a face da terra. Nesse
sentido podemos afirmar que, do ponto de vista de Deus, não existe
aquilo ao que chamamos meios, uma vez que Ele é igualmente
capaz de operar o que lhe aprouver, por algum meio ou sem meio
algum. XVI, II, 3

1Hb 13.21

ABRIL

Piedade sem Poder – Dia 18

O exercício físico é de pouco proveito; a piedade, porém, para tudo é


proveitosa, porque tem promessa da vida presente e
da futura. 1 Timóteo 4.8

Confessamos uma vez mais, embora se trate de verdade triste, que


um vasto número dos que se chamam cristãos até este dia abusa
dos meios de graça, para a perdição de sua alma. Este é
indubitavelmente o caso daqueles que se contentam com a forma de
piedade, sem seu poder.1 Ou presumem já ser cristãos, porque
fazem isso ou aquilo, (embora Cristo jamais se tenha revelado a
seus corações, nem jamais o amor de Deus tenha sido derramado
neles), ou imaginam que serão infalivelmente cristãos, meramente
porque usam desses meios, ociosamente sonhando, que haja um
tipo de poder nesses meios, graças aos quais, mais cedo ou mais
tarde (não sabem quando), serão certamente santificados, ou que
haja uma espécie de mérito no uso desses meios, mérito que levará
o Senhor a lhes dar santidade, ou aceitá-los sem ela. Tampouco
compreendem o grande fundamento de todo o edifício cristão: Pela
graça sois salvos.2 Sois salvos de vossos pecados, da culpa e do
poder do pecado; sois restaurados no favor de Deus e renovados
segundo sua imagem, não por quaisquer obras, méritos ou
merecimentos que tenhais, mas pela livre graça, pela simples
misericórdia de Deus, pelos méritos de seu Filho Bem-Amado. Sois
salvos, não por qualquer poder, sabedoria ou força que haja em vós,
ou em qualquer outra criatura, mas simplesmente através da graça
ou poder do Espírito Santo, que opera tudo em todas as coisas. XVI,
II, 5-6

12 Tm 3.5 2Ef 2.8

Peçam, e lhes Será Dado – Dia 19

A oração de um justo é poderosa e eficaz. Tiago 5.16

Todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela


através dos meios ordenados por Deus, usando-os e não os
deixando de lado. E, primeiro, todos os que desejam a graça de
Deus devem esperar por ela na prática da oração. Esta é a expressa
orientação dada pelo nosso Senhor: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e
achareis, batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que
busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á.1 Por estas palavras
somos encorajados, de modo mais direto, a pedir, para que
recebamos; a buscar, para que encontremos; e a bater (a continuar
pedindo e buscando), se quisermos entrar em seu reino.

A necessidade absoluta de usar deste meio, se quisermos receber


alguma dádiva de Deus, ressalta ainda mais da notável passagem
que imediatamente precede àquelas palavras: Se um de vós tiver um
amigo e for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me
três pães, porque um amigo meu acaba de chegar de uma viagem à
minha casa, e nada tenho para lhe oferecer; e se do interior o outro
lhe responder: não me incomodes; não posso levantar-me para tos
dar. Digo-vos: embora não se levante para lhos dar por ser seu
amigo, ao menos por causa de sua importunação se levantará e lhe
dará quantos pães precisar. E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á.
Embora não se levante para lhos dar por seu amigo, ao menos por
causa de sua importunação se levantará e lhe dará tudo que
necessitar.2 Nosso bendito Senhor não poderia ter demonstrado de
modo mais claro que é apenas pela oração que podemos receber de
Deus aquilo que de outro modo não receberíamos. XVI, III, 1, 3

1Mt 7.7-8 2Lc 11.5,7-9

118

ABRIL

Examinai as Escrituras – Dia 20

Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois


receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras
todos os dias para ver se as coisas eram, de fato,

assim. Atos 17.11

Todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela,


investigando as Escrituras. As direções de nosso Senhor, em relação
ao uso desse meio, são do mesmo modo claras e precisas.
“Examinai as Escrituras” – disse ele aos judeus incrédulos – “porque
elas dão testemunho de mim” (João 5.39). Cristo os encorajou a
examinar as Escrituras exatamente com este propósito, isto é, para
que pudessem crer nele. E que este seja um meio de graça pelo qual
Deus não apenas concede, mas ainda confirma e aumenta a
verdadeira sabedoria, aprendemos das palavras de Paulo a Timóteo:
Desde a meninice tu sabes as Sagradas Letras, que são capazes de
fazer-te sábio para a salvação, mediante a fé que há em Cristo
Jesus.1 A mesma verdade, isto é, a verdade de ser este um grande
meio que Deus ordenou para comunicar ao homem sua graça
multiforme, é revelada, da maneira mais clara que se possa
conceber, nas palavras que imediatamente se seguem: Toda
Escritura divinamente inspirada, isto é, toda Escritura infalivelmente
verdadeira, é também útil para ensinar, para repreender, para corrigir
e para instruir na justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente preparado para toda a boa obra.2 XVI, III, 7-8

12 Tm 3.15 22 Tm 3.16-17

A Santa Ceia – Dia 21

Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer desse pão,
viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu
darei pela vida do mundo. João 6.51

Todos que desejam crescer na graça de Deus, devem esperar por


isto, participando da Ceia do Senhor, pois que também esta é a
orientação dada por Ele: Na mesma noite em que foi traído, Ele
tomou o pão e partiu-o, dizendo: Tomai e comei; este é o meu corpo,
isto é, o símbolo sagrado de meu corpo; fazei isto em memória de
mim. Do mesmo modo Ele tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o
novo testamento, ou aliança, no meu sangue, o sinal sagrado dessa
nova aliança ou pacto: fazei isto em memória de mim. Pois todas as
vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice, anunciais a
morte do Senhor, até que Ele venha. Somente examine-se, primeiro,
o homem a si mesmo e veja se compreende a natureza e o desígnio
dessa santa instituição, e se realmente deseja conformar-se à morte
de Cristo; assim, nada duvidando, coma aquele pão e beba aquele
cálice.1 XVI, III, 11

11 Co 11.23ss
Os Limites dos Meios – Dia 22

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as


obras da lei. Romanos 3.28

Antes de usar de qualquer meio, esteja profundamente gravado em


vossa alma que não há nenhum poder nesses meios. São, em si
mesmos, uma coisa inócua, pobre, morta: separados de Deus, são
uma folha seca, uma sombra. Nem há qualquer mérito no fato de eu
usar desses meios: nada há que intrinsecamente agrade a Deus,
nada neles há que mereça qualquer favor de suas mãos. Mas,
porque

ABRIL

Deus manda, obedeço; porque aconselha a esperar nesse caminho,


aí espero pela sua livre misericórdia, de onde vem minha salvação.
Firmai em vossos corações que o “opus operatum”, a mera operação
realizada, de nada aproveita; que não há poder para salvar senão no
Espírito de Deus, nenhum mérito, a não ser no sangue de Cristo; de
modo que, ainda que Deus tenha estabelecido ordenanças, Ele não
comunica à alma nenhuma graça, se não confiar somente no Senhor.
Por outro lado, aquele que verdadeiramente confia em Deus não
pode decair de sua graça, ainda que se veja privado de todas as
ordenanças exteriores, ainda que se veja encerrado no centro da
terra. XVI, V, 4

Buscai Somente a Deus – Dia 23

Então, dali, buscarás ao SENHOR, teu Deus, e o acharás, quando


o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma.
Deuteronômio 4.29

Usando de todos os meios, buscai somente a Deus. Em tudo que é


exterior e através de tudo, esperai somente no poder de seu Espírito
e nos méritos de seu Filho. Guardai-vos de vos firmardes nas obras
em si mesmas; se o fizerdes, todo vosso trabalho será em vão. Nada
há que, separado de Deus, possa satisfazer vossa alma. Assim,
buscai-o em tudo, através de tudo e acima de tudo. Lembrai-vos de
usar de todos os meios, como meios ordenados, não por sua própria
finalidade, mas para renovar vossa alma na justiça e na verdadeira
santidade. Se, pois, atualmente esses meios tendem para isso, muito
bem; se não tendem, eles são escória e esterco.1 Finalmente, depois
de terdes usado de algum desses meios, tomai cuidado com a
maneira pela qual vos congratulais convosco mesmos, como se
tivésseis feito grande coisa. Tudo isso pode converter-se em veneno.
Considerai: De que valeria o que fizestes, se Deus não estivesse aí?
Até quando? Ó Senhor, salva-nos, ou perecemos! Ó! Não nos
imputes este pecado! Se Deus estivesse convosco, se seu amor
fosse derramado em vosso coração, vos esqueceríeis, por assim
dizer, das obras exteriores. Humilhai-vos. Ajoelhai-vos diante de
Deus. Dai-lhe toda a glória. Que Deus seja glorificado em todas as
coisas, por Cristo Jesus.2 Que todos os vossos ossos clamem: Meu
cântico será sempre a bondade do Senhor: com nossos lábios
sempre divulgaremos tua verdade de uma a outra geração!3 XVI, V,
4

1Fp 3.8 21 Pe 4.11 3Sl 89.1

A Circuncisão do Coração – Dia 24

E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo;


e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração
de carne. E porei dentro de vós o meu espírito e farei que andeis nos
meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis. Ezequiel
36.26-27

O que é a circuncisão do coração? Ela é a disposição habitual de


alma que, nas Escrituras Sagradas, se chama santidade, e que
diretamente implica em purificação de pecados, de toda impureza da
carne e do espírito,1 e, em consequência, ser homem dotado das
virtudes que também havia em Cristo Jesus; ser renovado na
maneira de pensar,2 de modo a ser perfeito como nosso Pai celestial
é perfeito.3

Particularizando: a circuncisão do coração implica em humildade, fé,


esperança e amor. A humildade, uma justa apreciação de nós
mesmos, purifica nossas mentes do alto conceito em que tivéssemos
nossas próprias perfeições, daquela indevida opinião acerca de
nossa capacidade e talentos, que é genuíno fruto da natureza
corrompida. A humildade corta pela raiz este pensamento vão: Sou
rico,

ABRIL

sábio e de nada preciso ; e convence-nos de que somos por


natureza infelizes, pobres, miseráveis, cegos e nus.4 Convence-nos
de que somos, por natureza, mesmo em nossa melhor condição,
pecado e vaidade; que a confusão, a ignorância e o erro reinam em
nosso entendimento; numa palavra: que não há nenhuma parte sã
em nossa alma, estando subvertidos todos os fundamentos de nossa
natureza. Estamos convencidos, ao mesmo tempo de que, sem o
Espírito de Deus, nada podemos fazer, senão acrescentar pecado a
pecado; de que é somente Ele que opera em nós pelo seu ilimitado
poder, seja o querer ou o praticar o bem; sendo-nos tão impossível
nutrir um bom pensamento sem a assistência de seu Espírito, como
o criar-nos a nós mesmos ou renovar toda a nossa alma em justiça e
verdadeira santidade. XVII,5 I, 1, 2, 3

12 Co 7.1 2Ef 4.23 3Mt 5.48 4Ap 3.17 5Sermão XVII: A Circuncisão do
Coração

A Vitória que Vence o Mundo – Dia 25

Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos


que se não veem. Hebreus 11.1
O melhor guia de cego, a luz mais segura para os que estão em
trevas, o mestre mais perfeito do insensato
– é a fé. Mas deve ser uma fé que seja poderosa em Deus para
derribar fortalezas,1 todos os costumes e hábitos ruins, toda a
sabedoria do mundo, que é loucura para Deus.2 Todas as coisas são
possíveis ao que assim crê.3 Os olhos de seu entendimento são
iluminados, sente que a excelente grandeza de seu poder,4 que
levantou a Cristo dentre os mortos, é também capaz de vivificar-nos,
a nós que estamos mortos em pecados,5 pelo seu Espírito que
habita em nós.6 Esta é a vitória que vence o mundo: a vossa fé;7
aquela fé não é somente o fundamento inabalável de tudo quanto
Deus revelou na Escritura, mas também a revelação de Cristo em
nosso coração. É uma divina evidência ou convicção de seu amor,
que se deu livre, espontâneo amor a mim, pecador; uma segura
confiança em sua misericórdia perdoadora, operando em nós pelo
Espírito Santo; uma confiança pela qual todo verdadeiro crente é
habilitado a dar este testemunho: Sei que meu Redentor vive,8 que
tenho um Advogado para com o Pai e que Jesus Cristo, o Justo, é
meu Senhor e a propiciação pelos meus pecados;9 sei que Ele me
amou e entregou-se a si mesmo por mim;10 que Ele me reconciliou
com Deus e tenho redenção pelo seu sangue e o perdão de
pecados.11 XVII, I, 6-7

12 Co 10.4 21 Co 3.19 3Mc 9.23 4Ef 1.18-19 5Ef 2.5 6Rm 8.11 71 Jo 5.4 8Jó
19.25 91 Jo 2.1-2 10Gl 2.20 11Ef 1.7

Uma Âncora na Tempestade – Dia 26

Alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai


na oração; Romanos 12.12

Os que são nascidos de Deus, pela fé, também têm forte consolação
na esperança. Esta é a outra qualidade em que implica a circuncisão
do coração, – ou seja o testemunho de seu próprio espírito com o
Espírito, que testifica em seus corações que são filhos de Deus.1 Na
verdade é o mesmo Espírito que neles opera a clara e alegre certeza
de que seu coração é reto para com Deus; aquela boa segurança de
que desde agora praticam, por sua graça, as coisas que são
aceitáveis à sua vista; que se encontram no caminho que leva à vida
e, pela misericórdia de Deus, nele vão perseverar até o fim. É Ele
quem lhes dá um viva expectação de receber das mãos de Deus
todas as boas dádivas, uma jubilosa expectativa daquela coroa de
glória que lhes está reservada nos céus. Por essa âncora o cristão
se guarda

ABRIL

firme em meio às ondas tempestuosas do mundo, sendo libertado do


risco de lançar-se contra um destes perigos fatais: a presunção ou o
desespero. Ele nem se desanima em face da suposta severidade de
seu Senhor, nem despreza as riquezas de sua bondade.2 A sua
esperança o sustenta em qualquer circunstância. XVII, I, 9-10

1Rm 8.16 2Rm 2.4

Um Bom Soldado – Dia 27

Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós, para
vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos
no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que
também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. 1 Pedro
4.12-13

Todo bom soldado de Cristo se adestra para suportar as provações.


Não considera que as dificuldades da carreira que lhe está proposta1
sejam maiores do que suas forças lhe permitam vencer, nem espera
que elas sejam tão curtas que as possa vencer antes de esgotar
todas as suas energias. A experiência dantes adquirida da luta cristã
assegura-lhe que seu trabalho não é em vão.2 Eu – disse ele –
assim corro, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes
no ar; mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que,
tendo pregado aos outros, não venha eu mesmo a ser
desqualificado.3 Ele se torna apto à renúncia, não só das obras das
trevas, mas de todo apetite e de toda afeição que não se sujeita à lei
de Deus. Porque, todo aquele que tem esta esperança
– diz João – purifica-se a si mesmo, como Ele é puro.4 Seu cuidado
diário é, pela graça de Deus em Cristo e mediante o sangue da
aliança, purificar os mais íntimos recessos de sua alma das
concupiscências que antes a dominavam e contaminavam-na; da
impureza, inveja, malícia e ira; de toda paixão e tendência que sejam
segundo a carne, bem sabendo que aquele cujo próprio corpo é
templo de Deus, nele não deve admitir coisa alguma que seja
comum ou impura; a essa casa convém a santidade, para todo o
sempre,5 o lugar em que o Espírito de santidade condescende em
habitar. XVII, I, 10

1Hb 12.1 21 Co 15.58 31 Co 9.26-27 41 Jo 3.3 5Sl 93.5

Acrescentai o Amor – Dia 28

E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à


vossa fé a virtude, e à virtude, a ciência, e à ciência, a temperança,
e à temperança, a paciência, e à paciência, a piedade, e à piedade,
a fraternidade, e à fraternidade, o amor. 2 Pedro 1.5-7

Falta-te ainda uma coisa: juntar à profunda humildade e à fé


inabalável uma viva esperança, e por esta, em boa medida,
purifiques o coração de sua contaminação original. Se desejas ser
perfeito, acrescente àquelas virtudes a caridade; acrescente o amor
– e aí tens a circuncisão do coração. “O amor é o cumprimento da lei
e a finalidade do mandamento”. Coisas mui excelentes se dizem do
amor: é a essência, o espírito, a vida de toda virtude. É não somente
o primeiro e grande mandamento, mas resume em si todos os
mandamentos. Tudo que é justo, tudo que é puro, tudo que é amável
ou digno de honra, se há alguma virtude, se há algum louvor,1 tudo
se acha compreendido numa só palavra: – o Amor. Nele está a
perfeição, a glória e a felicidade. A lei real dos céus e da terra é esta:
Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de toda a tua mente, e de toda a tua força.2 Não que esse
mandamento nos proíba de ter amor a mais nada além de Deus:
implica em que amemos também a nosso irmão. Nem proíbe, como
alguns estranhamente imaginam, que tenhamos prazer em qualquer
outra coisa, exceto em Deus.

ABRIL

Este não pode, portanto, ser o significado de seu mandamento. O


sentido real nos foi dado pelo bendito Senhor e seus apóstolos de
modo frequente e demasiadamente claro para ser mal
compreendido. Todos eles testificam a uma voz que o verdadeiro
significado das diversas afirmativas, como: O Senhor teu Deus é o
único Senhor;3 não terás outros deuses diante de mim,4 amarás o
Senhor teu Deus de toda a tua força;5 – nenhum outro é senão este:
o único perfeito Deus será teu último fim. Sua felicidade principal
estará nele. XVII, I, 11-12

1Fp 4.8 2Lc 10.27 3Dt 6.4 4Ex 20.3 5Lc 10.27

Alegrar-se em Deus – Dia 29

Regozijai-vos, sempre, no Senhor; outra vez digo: regozijai-vos.


Filipenses 4.4

Muito têm errado os que ensinam que, servindo a Deus, não


devemos ter em vista a nossa própria felicidade! Não; somos, ao
contrário, frequente e expressamente ensinados por Deus a
contemplar o galardão;1 a contrastar o sofrimento com a alegria
colocada diante de nós,2 as aflições momentâneas com o eterno
peso de glória.3 Sim, somos estranhos à aliança da promessa,
estamos sem Deus neste mundo,4 até que o mesmo Deus, por sua
abundante misericórdia, outra vez nos gere para a viva esperança de
uma herança incorruptível, incontaminada e que não murcha nunca.5
O único objetivo do cristão será perseverar até o fim no gozo de
Deus, no tempo e na eternidade. Desejar outras coisas, na medida
que elas tendem para esse fim. Amar a criatura conforme ela te
conduza ao Criador. Qualquer que seja o caminho que tomares, seja
Deus o alvo glorioso em que se fixem teus olhos. Que todas as tuas
afeições, pensamentos, palavras e obras sejam subordinados a este
objetivo. Seja o que for que desejes ou temas, que procures ou
evites, penses, fales ou faças – nisso palpite como alvo tua felicidade
em Deus, o fim único e a fonte de teu ser. Pões teu coração
firmemente nele e cogita das outras coisas apenas segundo elas
estejam em Deus e dele decorram. Que tua alma se encha tão
completamente de seu amor, que não ames a qualquer outra coisa
senão por amor dele. Porque então, e não antes, é que, teremos em
nós aquela mente que era também em Cristo Jesus,6 quer
comamos, ou bebamos, ou façamos qualquer coisa, tudo fazemos
para a glória de Deus.7 XVII, II, 5; I, 12; II 10

1Hb 11.26 2Hb 12.2 32 Co 4.17 4Ef 2.12 51 Pe 1.3-4 6Fp 2.5 71 Co 10.31

Mais que uma Crença – Dia 30

Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo.


João 3.7

Que é o novo nascimento? Desejo salientar, do modo mais claro, os


sinais do novo nascimento, exatamente como os encontro nas
Escrituras. O primeiro desses sinais, que também serve de
fundamento a todos os outros, é a fé. Diz o apóstolo Paulo: Somos
filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.1 A eles deu-lhes o direito de
se tornarem filhos de Deus, a saber, aos que creem; aos que não
nasceram do sangue, nem da vontade da carne, não por geração
natural, nem da vontade do homem, mas de Deus.2 E ainda em sua
carta geral: O que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus.3 Mas
o apóstolo não fala de simples assentimento à proposição: “Jesus é
o Cristo”, nem, na verdade, a quaisquer proposições contidas em
nosso Credo, no Velho ou no Novo Testamento, porque até os
demônios creem nessas verdades; porque eles também ouvem as
palavras que saem da boca de Deus e sabem que Ele é testemunha
fiel e verdadeira. Eles não podiam deixar de receber o testemunho
dado por Jesus,

tanto acerca de si mesmo como acerca do Pai que o enviou. Viram,


igualmente, as obras maravilhosas por Ele feitas, e por isso creram
que Cristo veio de Deus.4 E, não obstante essa fé, estão reservados
em cadeias de trevas para o juízo do grande dia.5 XVIII,6 I, 1-2

1 Gl 3.26 2Jo 1.12-13 31 Jo 5.1 4Jo 13.3 52 Pe 2.4 6Sermão XVIII: Os Sinais
do Novo Nascimento
MAIO

Invocação – Dia 1

Onipotente Rei,
Presente estás à grei
Com teu poder
Governa, vencedor,
Inspira-lhe louvor
Sincero e grato amor,
Em seu viver.
Bondoso Deus e Pai,
Ao céu confiante vai
Nosso coração;
Vem sempre abençoar
E faze prosperar
A quanto semear
A nossa mão.
Vem tu, Consolador!
Sê testificador da salvação.
No templo vem entrar
E a obra completar,
Das manchas, vem lavar
Meu coração.
Ó grande e trino Deus,
Ouve os louvores meus,
Que oferto aqui.
Pureza tu nos dás,
Ao céu nos levarás
E nos colocarás bem junto a ti.

(Come Thou Almighty King – Hino de Charles Wesley – Tradução:


Rev. Justus Henry Nelson)
Uma Fé Viva – Dia 2

Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a


vitória que vence o mundo: a nossa fé. 1 João 5.4

131

Quem é nascido de Deus tem uma verdadeira e viva fé cristã; esta fé


não é somente assentimento, que é um ato da mente, mas uma
disposição operada por Deus em seu coração, uma segura confiança
em que Deus, pelos méritos de Cristo, perdoa seus pecados e
restaura-o no seu favor. Isto implica em o homem primeiro negar-se
a si mesmo; implica em rejeitar completamente toda confiança na
carne1 para ser achado em Cristo,2 ou para ser aceito por meio dele;
implica em reconhecer que, não tendo com que pagar,3 não
confiando nas próprias obras nem possuindo justiça de qualquer
espécie, – vem a Deus na condição de pecador perdido, miserável,
destruído, condenado, arruinado e impotente; vem a Deus como
quem definitivamente se cala, sentindo-se culpado diante do
Senhor.4 Tal sentimento de pecado, unido à plena convicção de que
somente de Cristo nos vem a salvação, levando tal convicção a
acompanhar o profundo desejo de salvação, tudo isso deve preceder
à fé viva, à confiança em Cristo, o qual pagou por nós, pela sua
morte, nosso resgate,5 e cumpriu a lei6 em sua vida. Essa fé, pela
qual somos nascidos de Deus,7 é, pois, não apenas crença em todos
os nossos artigos de fé, mas também uma verdadeira confiança na
misericórdia de Deus, através de nosso Senhor Jesus Cristo. XVIII, I,
3

1Fp 3.4 2Fp 3.9 3Lc 7.42 4Rm 3.19 5Mt 20.28 6Mt 5.17 7Jo 1.13

O Fruto da Fé – Dia 3

Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que
não vos deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação
dará também o escape, para que a possais suportar.
1 Coríntios 10.13

O fruto imediato e constante dessa fé, pela qual somos nascidos de


Deus, o fruto que de modo algum pode separar-se dela, nem sequer
por uma hora, é o domínio

MAIO

sobre o pecado: – domínio sobre o pecado exterior de toda espécie,


sobre toda palavra ou obra má; porque, onde quer que o sangue de
Cristo é aplicado, purifica a consciência de obras mortas;1 e sobre o
pecado interior, porque Ele purifica o coração de todo desejo e
inclinação profana. Paulo descreve largamente este fruto da fé, no
capítulo seis de sua epístola aos Romanos. Como podemos nós –
diz ele
– que, pela fé, morremos para o pecado, continuar nele?2 Nosso
velho homem foi crucificado com Cristo, para que o corpo do pecado
pudesse ser destruído, de modo que não servíssemos ao pecado
(6.6). Do mesmo modo considerai-vos morto para o pecado, mas
vivos para Deus, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. Não reine,
pois, o pecado em vossos corpos mortais; mas entregai-vos a Deus,
como tendo ressuscitado dentre os mortos.3 Porque o pecado não
terá domínio sobre vós, – graças a Deus, que éreis escravos do
pecado – mas vos tornastes livres.4 O claro significado é: Deus seja
louvado, porque, embora fôsseis, no passado, servos do pecado,
agora, todavia, sendo libertados do pecado, vós vos tornastes servos
da justiça.5 XVIII, 1, 4

1Hb 9.14 2Rm 6.2 3Rm 6.11-12 4Rm 6.14 5Rm 6.18

A Paz que Excede todo o Entendimento – Dia 4

Tenho vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis
aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.
João 16.33
Outro fruto dessa fé viva é a paz. Porque, justificados pela fé, tendo
todos os nossos pecados cancelados, temos paz com Deus
mediante nosso Senhor Jesus Cristo.1 Essa mesma paz o próprio
Senhor, na véspera de sua morte, solenemente legou a todos os
seus seguidores: A paz – disse Ele – voz deixo (a vós que credes em
Deus e credes também em mim), minha paz vos dou. Eu vo-la dou,
não como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração nem se
atemorize.2 E outra vez: Estas coisas vos digo para que tenhais
paz.3 Esta é aquela paz de Deus que excede toda a compreensão,4
aquela serenidade de alma que o homem natural não pode conceber
e que mesmo ao homem espiritual não é possível produzir. É uma
paz que todos os poderes reunidos da terra e do inferno são
impotentes para tirar do cristão verdadeiro. Ondas e tempestades
rugem em torno dela, sem que a possam abalar, porque está
fundada sobre a rocha. Essa paz guarda os corações e as mentes
dos filhos de Deus, em todas as ocasiões e em todos os lugares.
Quer estejam em abundância ou em necessidade, na saúde ou na
doença, em fartura ou em falta, de qualquer modo sentem-se felizes
em Deus.5 Aprenderam a estar contentes em qualquer condição, a
dar graças a Deus por Cristo Jesus, estando bem certos de que,
“seja o que for que venha, sempre será o melhor”6, desde que essa
seja a sua vontade; de modo que, em todas as circunstâncias da
vida, seu coração permanece firme, confiando no Senhor.7 XVIII, I, 7

1 Rm 5.1 2Jo14.27 3 Jo 16.33 4 Fp 4.7 5 Fp 4.11-13 6 Citação de Anselmo 7


Salmo 112.7

O Privilégio dos Filhos de Deus – Dia 5

Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna
e para que creiais no nome do Filho de Deus.
1 João 5.13

Observemos cuidadosamente o que Paulo ensina, no tocante aos


gloriosos privilégios de seus filhos. De quem se afirma ali ser o que
dá o testemunho? Não é somente nosso espírito, mas outro, ou seja,
o Espírito de Deus: este é quem testifica com nosso espírito que
somos os filhos de Deus;

MAIO

e, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de


Cristo, se é que sofremos com Ele, se negamos a nós mesmos,
tomamos cada dia nossa cruz, alegremente suportamos perseguição
ou vexame por sua causa, para que possamos ser igualmente
glorificados.1 E a quem o Espírito Santo dá testemunho? A todos os
filhos de Deus. O apóstolo Paulo prova nos versículos precedentes,
que os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
Porque não recebemos o espírito de escravidão para estarmos outra
vez em temor; mas recebemos o espírito de adoção, pelo qual
clamamos: Abba, Pai! E prossegue: O mesmo Espírito testifica com
nosso espírito que somos filhos de Deus.2 XVIII, II, 3

1 Rm 8.16-17 2 Rm 8.14-16

A Consolação do Espírito – Dia 6

Ora, o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em


crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito
Santo. Romanos 15.13

Quando, porém, vier o Consolador, então se alegrará vosso coração,


vossa alegria será transbordante e ninguém vos tirará essa alegria.1
Regozijai-vos em Deus por quem temos agora acesso a essa graça,
a esse estado de graça, de favor, ou de reconciliação com Deus, em
quem permanecemos, e regozijamo-nos na esperança da glória de
Deus.2 Vós, diz o apóstolo Pedro, a quem Deus gerou outra vez para
uma viva esperança, sois guardados pelo poder de Deus para a
salvação: no que grandemente nos alegramos, embora por algum
tempo, se necessário, tenhamos de sofrer diversas tentações; para
que a prova de vossa fé possa resultar em louvor, honra e glória, à
manifestação de Jesus Cristo, no qual, embora no presente não
vejamos, regozijamo-nos com alegria inexprimível e cheia de glória.3
Mas isto sabemos, que esta alegria não só enche o coração, mas o
transborda até na profundeza da aflição. As consolações de Deus4
são pequenas para os seus filhos quando falta todo conforto
humano? De modo nenhum. Mas, quando os sofrimentos se
mostram abundantes, sobre-excedem as consolações de seu
Espírito, de modo que os filhos de Deus se riem à destruição que
sobrevenha,5 às necessidades, às dores, ao inferno e ao sepulcro;
sabendo quem é aquele que tem as chaves da morte e do inferno;6 o
qual os lançará num momento ao abismo insondável,7 ouvem agora
a grande voz dos céus que diz: Eis o tabernáculo de Deus que está
com os homens, e Deus habitará com eles, e serão seu povo e Ele
será seu Deus. E Deus enxugará todas as lágrimas de seus olhos, e
não mais haverá morte, nem tristeza, nem lamento, nem sofrerão
qualquer dor, porque as primeiras coisas são passadas.8 XVIII, II, 5

1 Jo 16.22 2 Rm 5.2 31 Pe 1.3-8 4 Jó 15.11 5Jó 5.22 6 Ap 1.18 7Ap 20.3 8 Ap


21.3-4

O Fruto Necessário – Dia 7

Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo;


mas amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Eu sou o SENHOR. Levítico19.18

Um outro sinal característico dos que são nascidos de Deus, e o


maior deles, é o amor, o amor de Deus derramado em seus corações
pelo Santo Espírito que lhes foi dado. Porque são filhos,1 Deus
enviou o Espírito de seu Filho a seus corações clamando: Abba,
Pai!.2 Por este Espírito, continuamente olhando para Deus como seu
Pai de reconciliação e de amor, dele esperam o pão de cada dia,
assim como todas as suas necessidades, seja do corpo, seja da
alma. Continuamente derramam seu coração diante de Deus,
sabendo que têm as coisas que lhe pedem.3 Seu prazer está no
Senhor.
O fruto necessário desse amor de Deus é o amor a

MAIO

nosso próximo, – a toda alma que Deus criou, até mesmo os nossos
inimigos, e também os que precedem maliciosamente para conosco
e nos perseguem;4 um amor que nos leve a amar a todo homem
como a nós mesmos, como a nossa própria alma. Ademais, nosso
Senhor expressou esse amor de modo ainda mais profundo,
ensinando-nos a amarmos uns aos outros assim como Ele nos
amou.5 Nisto percebemos o amor de Deus, em que Ele deu sua vida
por nós. Devemos, pois, dar nossa vida pelos irmãos.6 Se nos
sentirmos dispostos a isso, então verdadeiramente amamos ao
próximo. XVIII, III, 1, 3

1 Rm 5.5 2 Gl 4.6 31 Jo 5.15 4 Mt 5.44 5 Jo 15.12 6 1 Jo 3.16

Uma Obediência Contínua – Dia 8

Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua


lei está dentro do meu coração. Salmo 40.8

Quem ama Deus de todo seu coração não pode deixar de o servir
com todas as suas forças. Um dos frutos do amor de Deus é a
obediência total àquele a quem amamos e a concordância com sua
vontade; obediência a todos os mandamentos de Deus, interior e
exterior; obediência de coração e de vida, em todo caráter, em toda
maneira de conversação. Uma das atitudes de caráter que mais
obviamente se inclui nessa disposição é ser o homem zeloso de
boas obras,1 ter fome e sede de fazer o bem, de toda a espécie
possível, a todos os homens; regozija-se em consumir-se e ser
consumido por amor deles,2 por todos os filhos dos homens, não
visando qualquer recompensa neste mundo, mas somente na
ressurreição dos justos.3
Nascido de Deus é todo aquele que é nascido do Espírito.4 É crer de
tal modo em Deus, através de Cristo, que alcança a condição de
quem não comete pecado.5 Nascer de novo significa experimentar,
em todas as situações, a paz de Deus que excede toda a
compreensão.6 É de tal modo esperar em Deus mediante o Filho,
que não só tem o testemunho de uma boa consciência, mas também
– O Espírito de Deus testifica com vosso espírito que sois filhos de
Deus.7 É amar a Deus de tal modo, que vos amou, como jamais
amastes a qualquer criatura, sendo, pois, constrangidos a amar8 a
todos os homens como a vós mesmos, com um amor que não
apenas abrasa vossos corações, mas flameja em todas as vossas
ações e conversações, e fazendo de toda a vossa vida um trabalho
de amor,9 uma contínua obediência aos seus mandamentos. XVIII,
III, 4, 5; IV, 1

1Tt 2.14 2 2 Co 12.15 3 At 24.15 4 Jo 3.8 51 Jo 3.9 6Fp 4.7 7 Rm 8.16 8 2 Co


5.14 91 Ts 1.3

A Justificação e o Novo Nascimento – Dia 9

Se sabeis que ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a
justiça é nascido dele. 1 João 2.29

Com frequência pensa-se que ser nascido de Deus é o mesmo que


ser justificado; que o novo nascimento e a justificação são apenas
algumas expressões da mesma coisa. É certo que, de um lado, o
que é justificado é também nascido de Deus, e, de outro lado, é
verdade que todo o que é nascido de Deus é também justificado,
sendo que ambos os dons de Deus são conferidos a todo crente, no
mesmo instante. Num abrir e fechar de olhos seus pecados se
cancelam e o crente é de novo nascido de Deus. Embora se
reconheça que a justificação e o novo nascimento sejam, quanto ao
tempo em que se produzem, inseparáveis, somos forçados a admitir
que, sob outro aspecto, facilmente se distinguem um do outro, não
sendo a mesma coisa, mas, coisas de natureza inteiramente
diferente. A justificação
MAIO

implica somente em mudança relativa; o novo nascimento representa


mudança real. Justificando-nos, Deus nos concede algo; gerando-
nos de novo, Ele opera alguma coisa em nós. A primeira, muda
nossa relação exterior para com Deus, de modo que, de inimigos que
éramos, nos tornamos filhos de Deus; o último, tem como
consequência a mudança profunda das nossas almas, de modo que,
de pecadores que éramos, nos fazemos santos. Um restaura-nos o
favor de Deus; o outro restaura em nós a sua imagem. Um
representa o cancelamento da culpa do pecado; o outro representa a
remoção do domínio do pecado. Assim, embora essas dádivas
celestiais de início se unam, elas se separam no tocante à natureza
totalmente diversa que possuem. XIX,1 Introdução, 1, 2

1Sermão XIX: O Grande Privilégio dos que São Nascidos de Deus

O Grande Privilégio dos Filhos de Deus – Dia 10

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça


seja mais abundante? De modo nenhum! Nós que estamos mortos
para o pecado, como viveremos ainda

nele? Romanos 6.1-2

Não discernir essa distinção entre ser justificado e ser nascido de


novo, tem provocado enorme confusão na maneira de pensar por
parte dos que trataram deste assunto, principalmente ao tentarem
explicar este notável privilégio dos filhos de Deus, mostrando que o
que é nascido de Deus não peca.1 Para compreender claramente
este assunto, é necessário considerar: primeiro, qual é a significação
exata da expressão: o que é nascido de Deus; e, em segundo lugar,
em que sentido esse tal não comete pecado. Primeiro,
consideraremos qual é o exato significado da expressão: o que é
nascido de Deus. Em geral; de todas as passagens das Sagradas
Escrituras onde ocorre a expressão: ser nascido de Deus,
aprendemos que ela não implica meramente em ser batizado, nem
implica em qualquer mudança exterior não importa de que espécie,
mas numa grande mudança interior, mudança operada na alma pela
influência do Espírito Santo; mudança em todo o modo de existência,
porque, desde o momento em que somos nascidos de Deus,
passamos a viver de maneira totalmente diferente do que éramos;
entramos, por assim dizer, num mundo diferente. XIX, Introdução, 3,
4; I, 1

1 1 Jo 3.9

O Estado “Pré-Natal” do Ímpio – Dia 11

Ouvi, agora, isto, ó povo louco e sem coração, que tendes olhos e
não vedes, que tendes ouvidos e não ouvis. Jeremias 5.21

A criança ainda não nascida ouve pouco, se acaso ouve, estando os


órgãos da audição como que tampados; nada vê, estando seus olhos
fixamente cerrados e, além disso, cercados de trevas profundas. Não
há percepção, todas as vias do conhecimento se acham inteiramente
vedadas. O resultado é que ele tem pouco contato com este mundo
visível, não sendo possível qualquer conhecimento, concepção ou
ideia das coisas que nele ocorrem. Assim acontece com o que é
nascido de Deus. Antes que se opere a grande mudança, embora
subsista pelo poder daquele em que tudo existe vive, move-se e tem
o ser,1 todavia não tem percepção de Deus; não sente, não possui
consciência íntima de sua presença. Não percebe aquele sopro
divino da vida, sem o qual ninguém pode subsistir por um momento;
nem é sensível a qualquer das coisas de Deus, as quais não lhe
causam nenhuma impressão na alma. Deus continuamente chama
por ele do alto, mas o pecador não

MAIO

ouve; seus ouvidos estão surdos, de modo que ele não ouve a voz
do encantador.2 Não percebe as coisas do Espírito de Deus, visto
estarem cerrados os olhos de seu entendimento, trevas espessas
cobrindo-lhe a alma e cercando-a por todos os lados. É verdade que
tal homem pode ter algum fraco lampejo de vida, algum minúsculo
começo de movimento espiritual; como, porém, não possui sentidos
espirituais capazes de discernir as coisas espirituais, – não discerne
as coisas do Espírito de Deus; não as pode conhecer, porque elas se
discernem espiritualmente.3 XIX, I, 3, 6

1 At 17.28 2 Sl 58.5 31 Co 2.14

Respiração Espiritual – Dia 12

Tudo quanto tem fôlego louve ao SENHOR. Louvai ao


SENHOR! Salmo 150.6

Quando, porém, alguém é nascido de Deus, nascido do Espírito,


como muda todo seu modo de ser! Toda sua alma é agora sensível
às manifestações de Deus, e o homem pode dizer com firme
experiência: Estás ao redor do meu leito e em torno de meus
passos;1 sinto-te em todos os meus caminhos: tu me cercas por
diante e por detrás e colocas tua mão sobre mim.2 O Espírito ou o
sopro de Deus imediatamente se infunde na alma que nasceu de
novo, e esse mesmo sopro que veio de Deus volta para Ele: sendo
continuamente inspirado pela fé, vive continuamente expirando pelo
amor, pela oração, pelo louvor, pelas ações de graças (sendo amor,
os louvores e as orações a respiração de toda alma que é
verdadeiramente nascida de Deus). Por essa nova espécie de
respiração espiritual, a vida espiritual se sustenta, crescendo
diariamente em vigor, ação, e sensibilidade: os sentidos da alma
despertados agora, se tornam capazes de discernir espiritualmente o
bem e o mal. XIX, I, 8

1 Sl 139.3 2 Sl 139.5

Nascido do Espírito – Dia 13

... E as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz.


João 10.4
Quando alguém crê, os olhos de seu entendimento1 estão agora
abertos e ele vê o invisível.2 Percebe qual é a elevada grandeza de
seu poder3 e de seu amor para com os que creem. Vê que Deus é
misericordioso para com ele, pecador; vê que se encontra
reconciliado com Deus mediante o seu Filho. Claramente percebe
tanto o amor perdoador de Deus, como suas grandes e preciosas
promessas.4 Deus, que das trevas faz brilhar sua luz, resplandeceu,
e resplandece ainda, em seu coração, para esclarecê-lo no
conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo.5 Todas as
trevas agora se dissiparam e ele permanece na luz da presença de
Deus. Seus ouvidos estão agora abertos à voz de Deus que não
mais clama em vão. Ele ouve e obedece à voz celestial. Conhece a
voz de seu Pastor.6 Conhece agora o que é a paz de Deus, o que é
a alegria no Espírito Santo, qual a extensão do amor de Deus que foi
derramado no coração7 daqueles que nele creem através de Cristo
Jesus. Removido o véu que antes vedava a luz e a voz, o
conhecimento e o amor de Deus, o que é nascido de Deus pelo
Espírito, estando em amor, está em Deus, e Deus nele.8 XIX, I, 9, 10

1 Ef 1.18 2 Hb 11.27 3 Ef 1.19 4 2 Pe 1.4 5 2 Co 4.6 6 Jo 10.4 7 Rm 5.5 8 1 Jo


4.16

Pecado Voluntário – Dia 14

Também guarda o teu servo dos pecados intencionais; que eles não
me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande transgressão.
Salmo 19.13

MAIO

Tendo considerado o que quer dizer a expressão: o que é nascido de


Deus, resta-nos inquirir em que sentido ele não comete pecado.1
Ora, o que é nascido de Deus, como se descreveu acima,
continuamente recebendo na alma o fôlego de vida2 comunicado por
Deus e a graciosa influência de seu Espírito, – e constantemente
devolvendo esse sopro; o que é nascido de Deus, crendo, amando e
constantemente percebendo, pela fé, a ação de Deus sobre seu
espírito, retribui, por uma espécie de reação espiritual, a graça que
recebe, com incessante amor, louvor e oração,
– e assim não só não comete pecado, enquanto se guarda a si
mesmo, mas, durante o tempo em que essa semente permanece
nele, não pode pecar, porque é nascido de Deus.3 Por pecado
entendo algo exterior, uma transgressão voluntária, da lei, da lei de
Deus revelada e escrita, de qualquer mandamento reconhecido de
Deus. Mas, o que é nascido de Deus, enquanto permanece na fé e
no amor, no espírito de oração e de ações de graças, não só não
comete, mas não pode cometer semelhante pecado. Enquanto assim
crê em Deus através de Cristo, ama-o, derrama o coração diante
dele, não pode voluntariamente transgredir nenhum mandamento de
Deus, nem falando, nem agindo de forma que saiba ser proibido por
Deus. XIX, II, 1, 2

1 1 Jo 3.9 2 Jó 33.4 31 Jo 3.9

O Cristão Pode Pecar? – Dia 15

Confessei-te o meu pecado e a minha maldade não encobri; dizia eu:


Confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e tu perdoaste a
maldade do meu pecado. Salmo 32.5

Aqui se levanta uma dificuldade. É fato conhecido que muitos, acerca


dos quais não podemos negar, tenham verdadeiramente nascido de
Deus, a despeito de tudo, não somente podem cometer, mas na
realidade cometem pecado, mesmo grave pecado exterior.
Transgridem as claras e conhecidas leis de Deus, usando de
palavras e praticando obras que sabem ser proibidas por Deus.
Assim, o rei Davi foi inquestionavelmente nascido de Deus. Ele Sabia
em quem tinha crido;1 era forte na fé, dando glória a Deus.2 Estava
cheio de tal amor que o constrangia com frequência a exclamar:
Amar-te-ei, ó Senhor, minha fortaleza; o Senhor é minha rocha e
minha defesa; a haste de minha salvação e meu refúgio.3 Era
homem de oração; em todas as circunstâncias da vida derramava a
própria alma diante de Deus; era abundante em súplicas e ações de
graças. Teu louvor – dizia
– jamais se apartará de minha boca.4 E, contudo, esse filho de Deus
podia cometer, e de fato cometeu, pecado, sim, os horríveis pecados
de adultério e de homicídio! Enfatizo isto: enquanto o que é nascido
de Deus pela graça de Deus guarda-se a si mesmo, e o maligno não
lhe toca,5 se não se guardar, se não permanecer na fé, pode cometer
pecados como qualquer outro homem. XIX, II, 3, 4, 7

1 2 Tm 1.12 2 Rm 4.20 3 Sl 18.1-2 4 Sl 34.1 5 1 Jo 5.18

Guarda o Teu Coração – Dia 16

Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque


dele procedem as saídas da vida. Provérbios 4.23

É fácil, pois, compreender como qualquer filho de Deus podia ter sido
abalado em sua firmeza. Ele não se guardou a si mesmo,1 mediante
aquela graça de Deus que seria suficiente: deste modo caiu, pouco a
pouco, primeiro em pecado de omissão, interior, não despertando o
dom de Deus que nele estava,2 não vigiando em oração;3 depois em
pecado de comissão, interior, inclinando o coração para a maldade,
dando lugar a algum mau desejo ou tendência

MAIO

perversa; depois perdeu a fé, a visão de um Deus perdoador, e,


consequentemente, perdeu o amor de Deus, tornando-se então fraco
e semelhante a qualquer homem natural, capaz de cometer até
mesmo o pecado exterior. Esclareçamos este ponto por um exemplo
particular: Davi era nascido de Deus e via a Deus pela fé. Amava a
Deus em sinceridade. Podia verdadeiramente dizer: A quem tenho
eu nos céus, senão a ti? E nada há sobre a terra, nem pessoa, nem
coisa, que eu deseje em competição contigo.4 Mas ainda
permanecia em seu coração a corrupção da natureza, que é a
semente de todo o mal. XIX, II, 7, 8
1Tiago 1.27 2 2 Tm 1.6 31 Pe 4.7 4 Sl 73.25

A Queda de Davi – Dia 17

Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga


as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas
misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade e
purifica-me do meu pecado. Porque eu conheço as minhas
transgressões, e o meu pecado está sempre diante

de mim. Salmo 51.1-3

Estava Davi passeando no terraço de sua casa ,1 provavelmente


louvando ao Deus a quem amava sua alma, quando, olhando para
baixo, viu Bate-Seba. Davi sentiu a tentação; veio-lhe um
pensamento que tendia para o mal. O Espírito de Deus não deixou
de convencê-lo do perigo. Sem dúvida, ele ouviu e reconheceu a voz
acauteladora; mas o rei de algum modo rendeu-se ao pensamento e
a tentação começou a prevalecer contra si. Daí seu espírito se tornou
contaminado; viu ainda a Deus, mas não com igual nitidez, nem com
a mesma força e ardor de afeição. Deus ainda o repreendeu, embora
seu Espírito se sentisse ofendido; e sua voz, apesar de se fazer cada
vez mais fraca, ainda avisou: O pecado está à porta;2 olha para mim
e serás salvo.3

Davi não queria, entretanto, ouvir: olhou outra vez, não para Deus,
mas para o objetivo proibido, e a natureza, tornando-se superior à
graça, acendeu em sua alma a cobiça. Os olhos de sua mente
fecharam-se de novo e Deus se dissipou de sua vista. A fé, a divina
e sobrenatural comunhão com Deus, assim como o amor de Deus,
cessaram ao mesmo tempo: então ele correu como um cavalo para a
batalha e conscientemente praticou o pecado exterior. XIX, II, 8

1 2 Sm 11.2 2 Gn 4.7 3 Is 45.22

O Caminho do Pecado – Dia 18


Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da
carne; mas os que são segundo o Espírito, para as coisas do
Espírito. Romanos 8.5

Saiba da queda inevitável da graça para o pecado: assim caminha o


pecador de passo a passo. (1) A divina semente do amor, a fé que
vence, permanece naquele que é nascido de Deus. Ele se guarda a
si mesmo, pela graça de Deus, e não pode pecar.1 (2) A tentação
surge: não importa se do mundo, da carne e do diabo. (3) O Espírito
de Deus lhe dá aviso de que o pecado está próximo e adverte-o a
velar mais atentamente em oração. (4) Ele de algum modo dá lugar à
tentação, que agora começa a agradar-lhe. (5) O Espírito Santo se
ofende; sua fé se abala; resfria-se o amor de Deus. (6) O Espírito o
adverte mais agudamente, dizendo: Este é o caminho: ande por ele.2
(7) O pecador não dá ouvidos à voz clamorosa de Deus e corre para
a voz macia do tentador. (8) O mau desejo começa a espalhar-se-lhe
na alma, até que se dissipem a fé e o amor: o homem é então capaz
de cometer o pecado exterior, tendo dele se apartado o poder de
Deus. XIX, II, 9

1 1 Jo 5.18 2 Is 30.21
MAIO

Vigiai Sempre – Dia 19

Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o


espírito está pronto, mas a carne é fraca. Mateus 26.41

Aprendamos, finalmente, a seguir as direções do apóstolo Paulo:


Não te glories, mas teme.1 Que tenhamos maior temor ao pecado do
que à morte ou ao inferno. Tenhamos um temor zeloso, embora não
aflitivo, sob pena de adormecermos no engano de nossos próprios
corações. O que está de pé, veja que não caia.2 Mesmo o que no
presente se acha firme na graça de Deus, na fé que vence o
mundo,3 pode, não obstante, cair no pecado interior e, através deste,
naufragar em sua fé.4 E quão facilmente o pecado aparente
reassumirá então seu domínio sobre ele! Tu, pois, ó homem de
Deus! Vigia sempre, para que sempre ouças a voz de Deus. Vigia,
para que ores sem cessar,5 em todos os tempos e em todos os
lugares, abrindo teu coração diante de Deus. Deste modo sempre
terás fé, sempre terás amor – e não pecarás jamais! XIX, III, 4

1Rm 11.20 2 1 Co 10.12 3 1 Jo 5.4 4 1 Tm 1.19 5 1 Ts 5.17

Fé nos Méritos de Cristo – Dia 20

E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados,


por ele é justificado todo aquele que crê. Atos 13.39

Em que sentido a justiça é imputada aos crentes? Neste: todos os


crentes são perdoados e aceitos, não por qualquer coisa que neles
haja, ou por qualquer mérito que neles tenha havido, ou por aquilo
que ainda possa ser feito, mas totalmente e unicamente em razão do
que Cristo fez e sofreu por eles. Digo outra vez, não por qualquer
coisa que neles haja, ou de qualquer coisa feita por eles:

Não por obras de justiça que tivéssemos feito, mas por sua própria
misericórdia nos salvou.1 Pela graça sois salvos mediante a fé
– não por obras, para que ninguém se glorie,2 mas totalmente e
exclusivamente através de tudo que Cristo fez e sofreu por nós.
Somos justificados livremente por sua graça, através da redenção
que há em Jesus Cristo.3 E este é o meio não somente de obter o
favor de Deus, mas de nossa perseverança nesse favor. Por esse
meio é que primeiro nos achegamos a Deus; pelo mesmo processo é
que continuamos depois achegados a Ele. Andamos pelo novo e vivo
caminho;4 até que nosso espírito volte para Deus. Estas coisas
devem concorrer necessariamente em nossa justificação: da parte de
Deus, sua grande misericórdia e graça; da parte de Cristo, a
satisfação da justiça de Deus; e, de nossa parte, fé nos méritos de
Cristo. XX,5 II, 5, 6

1 Tito 3.5 2 Ef 2.8 3 Rm 3.24 4Hb 10.20 5Sermão XX: O Senhor Nossa Justiça
Justiça Própria – Dia 21

Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei,


segue-se que Cristo morreu em vão. Gálatas 2.21

Você pode perguntar: Não devemos, entretanto, abrir mão dos trapos
imundos de nossa própria justiça,1 antes que possamos revestir-nos
da imaculada justiça de Cristo? Certamente que devemos
arrepender-nos, antes que possamos crer no Evangelho. Devemos
romper com toda dependência de nós mesmos antes que
verdadeiramente possamos depender de Cristo. Devemos lançar
fora toda confiança em nossa própria justiça, ou não poderemos ter
verdadeira confiança na justiça de Cristo. Enquanto não nos
libertarmos da confiança em qualquer coisa que façamos, não
poderemos perfeitamente confiar no que Cristo fez e sofreu. Você
pergunta: Não crês na justiça

MAIO

pessoal? Sim, desde que ela se coloque em seu próprio lugar, não
como fundamento de nossa aceitação por parte de Deus, mas como
fruto dessa aceitação; não em lugar da justiça imputada, mas como
consequência desta. Creio que Jesus Cristo foi feito por Deus nossa
santificação,2 assim como também nossa justiça; Deus santifica,
assim como justifica, a todos os que nele creem. Àqueles a quem é
imputada a justiça de Cristo tornam-se justos pelo Espírito de Cristo;
são renovados à imagem de Deus, segundo a semelhança com que
foram criados, em justiça e verdadeira santidade.3 XX, II, 11-12

1 Is 64.6 2 1 Co 1.30 3 Ef 4.24

Pobreza Espiritual – Dia 22

E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se


aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas
minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de
Cristo. 2 Coríntios 12.9

Quem são os pobres de espírito?1 Sem dúvida são os humildes; os


que estão convencidos de sua pecaminosidade. Não mais pode dizer
algum deles: sou rico, avantajado em bens e de nada preciso, já que
reconhece agora que é infeliz, e pobre, e miserável, e cego, e nu.2
Está convencido, na verdade, de que é espiritualmente pobre, nele
não havendo nenhum bem de ordem espiritual. Em mim, – diz ele –
não há nenhum bem,3 mas, sim, tudo que é mau e abominável.
Possui sentimento profundo da lepra repugnante do pecado, que
trouxe consigo desde o ventre de sua mãe,4 espalhando-se por toda
sua alma e corrompendo totalmente todos os seus poderes e
faculdades. Vê cada vez mais nitidamente as inclinações más que
resultam daquela raiz perversa: o orgulho e a altivez de espírito, a
constante tendência de

pensar de si mesmo mais altamente do que convém ;5 a vaidade, o


ódio ou a inveja, o ciúme ou a vingança, a ira, a malícia ou a
amargura; a inata inimizade tanto contra Deus como contra o
homem, que se exterioriza de mil modos; o amor do mundo, o
egoísmo, os desejos insensatos e perniciosos que se lhe apegam ao
íntimo da alma. XXI,6 I, 4

1 Mt 5.3 2 Ap 3.17 3 Rm 7.18 4 Sl 51.5 5 Rm 12.3 6Sermão: Sobre o Sermão


do Monte, Discurso I

A Impossibilidade de Autopurificação – Dia 23

E os que ouviram isso disseram: Logo, quem pode salvar-se? Mas


ele respondeu: As coisas que são impossíveis aos homens são
possíveis a Deus. Lucas 18.26-27

Mas, que dará um pobre pecador em troca de sua alma,1 que está
entregue à justa vingança de Deus? Com que se apresentará
perante o Senhor?2 Como pagará àquele o que deve? Pudesse ele,
a partir deste momento, guardar perfeita obediência a todos os
mandamentos de Deus, isto ainda não faria expiação por um único
pecado. Vê-se, pois, a si mesmo, profundamente impotente no que
toca à propiciação de seus pecados passados; ele é perfeitamente
incapaz de se reconciliar com Deus e de resgatar sua própria alma.
Mas se Deus lhe perdoasse todo o seu passado, sob a única
condição de que ele não mais pecasse, bem sabe tal homem que
isso de modo nenhum lhe aproveitaria, visto nunca lhe ser possível
cumprir semelhante condição. Ele sabe e sente que não é capaz de
obedecer sequer aos mandamentos da lei de Deus, certo como é
que essa obediência não pode ser guardada enquanto o coração
permanece em seu estado natural de pecado e corrupção, tanto mais
se considerarmos que a árvore má não pode dar bons frutos.3 Não
pode, porém, o tal purificar o próprio

MAIO

coração pecaminoso. Preso dentro do círculo de pecado, tristeza e


temor, e não vendo meios de escapar-se, somente pode o infeliz
bradar: Senhor! Salva-me, ou eu pereço!4

XXI, I, 6

1 Mt 16.26 2 Mq 6.6 3 Mt 7.18 4 Mt 14.30

Ouse Crer! – Dia 24

A minha alma consome-se de tristeza; fortalece-me segundo a tua


palavra. Desvia de mim o caminho da falsidade e concede-me
piedosamente a tua lei. Escolhi o caminho da

verdade; Salmo 119.28-30

A pobreza de espírito, o primeiro passo que tomamos no correr da


carreira que nos está proposta,1 é o sentimento justo de nossos
pecados interiores e exteriores e de nossa culpa e impotência diante
de Deus. Como então podemos dizer, Felizes são os pobres de
espírito, porque deles é o reino dos céus?2 Eles têm o direito ao
reino, de acordo com a promessa daquele que não pode mentir.3 Foi
adquirido pelo sangue do Cordeiro.4 Estás à entrada dos céus. Um
passo mais – e entrarás no reino da justiça, paz e alegria! 5 És todo
pecado? Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo! 6
És todo impiedade? Veja que temos um advogado junto ao Pai,
Jesus Cristo, o Justo.7 És incapaz de se redimir do menor de teus
pecados? Ele é a propiciação por todos os teus pecados.8 Crê no
Senhor Jesus Cristo, e todos os teus pecados serão cancelados! És
totalmente impuro de alma e de corpo? Aí está a fonte que lava o
pecado e a impureza! 9 Levanta-te e lava teus pecados! 10 Não
vaciles mais, por causa da incredulidade, em face da promessa! Dá
glória a Deus! Ouse crer! XXI, I, 7, 12

1 Hb 12.1 2 Mt 5.3 3 Tito 1.2 41 Pe 1.19 5 Rm 14.17 6 Jo 1.29 71 Jo 2.1 8 1 Jo


2.2 9 Zc 13.1 10At 22.16

As Misérias da Humanidade – Dia 25

Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão


naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem
pregue? Romanos 10.14

Embora esta tristeza sobre nossos pecados chegue ao fim,


transformada em santa alegria, ainda há outro pranto; é um pranto
abençoado que permanece nos filhos de Deus. Eles ainda choram
pelos pecados e as misérias da humanidade: choram com os que
choram.1 Choram pelas fraquezas e infidelidade daqueles que se
chamam “cristãos”. Quem está fraco, que eu não me sinta fraco?
Quem não é ofendido, que eu não me sinta da mesma forma?2
Sentem-se ofendidos pela injúria contínua feita à Majestade dos céus
e da terra. Em todos os tempos têm um tremendo senso dessa
calamidade, à contemplação do vasto oceano da eternidade, sem
fundo e sem praia, que já tragou milhões e milhões de almas e ainda
está pronto a devorar as que restam. Levantai vossa voz para aquele
que dirige tanto o tempo como a eternidade, a favor de vós mesmos
e de vossos irmãos, para que possais ser contados entre os que hão
de escapar à destruição que vem como um vendaval;3 para que vós
possais ser conduzidos ao céu, que é vosso destino, através de
todas as ondas e tempestades. Chorai por vós mesmos, até que
Deus enxugue as lágrimas de vossos olhos.4 Depois, chorai pelas
calamidades que descem sobre a terra, até que o Senhor de todos
ponha fim à miséria e ao pecado, enxugue as lágrimas de todas as
faces5 e o conhecimento do Senhor cubra a terra, assim como as
águas enchem o mar.6 XXI, II, 6, 8

1Rm 12.15 2 2 Co 11.29 3 Pv 1.27 4 Ap 21.4 5 Is 25.8 6Is 11.9


MAIO

O Que é a Mansidão? – Dia 26

Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da


vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e
mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em
amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.
Efésios 4.1-3

O que é a mansidão? Quando a mansidão se refere à atitude da


alma para com Deus, dá-se-lhe usualmente o nome de “resignação” -
uma calma aceitação da sua vontade, qualquer que ela seja, no
tocante a nós, embora não seja essa vontade do agrado de nossa
natureza, dizendo o cristão sem cessar: Ele é o Senhor; faça o que
bem lhe aprouver.1 Quando a consideramos mais estritamente em
relação a nós mesmos, chamamo-la “paciência” ou “contentamento”.
Quando é exercida no trato com outros homens, é chamada
brandura para com os bons e gentileza para com os maus. Os que
são verdadeiramente mansos discernem com clareza o que é mau e
podem suportá-lo. São sensíveis a todo mal, mas, ainda assim, se
dominam a si mesmos. São extremamente zelosos pelo Senhor dos
Exércitos,2 mas seu zelo é sempre guiado pelo conhecimento e
temperado, em todos os pensamentos, palavras e ações, com o
amor do homem e com o amor de Deus. Não desejam destruir
nenhuma das inclinações que o Senhor implantou, com sábios
propósitos, em sua natureza; mas têm o domínio de tudo: mantêm-
nas em sujeição e somente as empregam de acordo com aqueles
propósitos. Deste modo, mesmo as paixões mais rudes e
desagradáveis se aplicam aos fins mais nobres; mesmo o ódio, a ira,
o temor, quando empregados contra o pecado e controlados pela fé
e pelo amor, beneficiam a alma. XXII,3 I, 4-5

1 1 Sm 3.18 21 Rs 19.10 3Sermão: Sobre o Sermão do Monte, Discurso II

A Necessidade de Humildade – Dia 27

Eu, porém, vos digo que não resistais ao perverso; mas, se qualquer
te bater na face direita, oferece-lhe também a
outra; Mateus 5.39

É evidente que esta disposição à humildade não só deve


permanecer em nós, mas deve aumentar dia a dia. Enquanto
estivermos sobre a terra não nos hão de faltar ocasiões de exercitá-
la e de expandi-la através da prática. Temos necessidade de
paciência para que, depois de termos feito e suportado a vontade de
Deus, possamos receber a promessa.1 Temos necessidade de
resignação para que, em todas as circunstâncias, possamos dizer:
Não seja como eu quero, mas como tu queres.2 E temos
necessidade de bondade para com todos os homens,3 mas
especialmente para com os ingratos e maus: de outro modo seremos
vencidos pelo mal, em lugar de o vencermos pelo bem.4

A mansidão não se abstém somente do ato exterior: Tendes ouvido o


que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar, estará sujeito
a julgamento: mas eu vos digo que todo aquele que se ira contra seu
irmão, sem causa, estará sujeito a julgamento; Todo o que se ira
contra o seu irmão,5 contra qualquer homem, visto que todos somos
irmãos; todo o que sente em seu coração qualquer maldade,
qualquer impulso contrário ao amor; todo o que se irrita sem causa
estará, naquele momento, sujeito ao justo juízo de Deus. Mas, um
cristão não pode sentir ira? A ira contra o pecado, sim. Em tal caso
podemos irar-nos sem pecar. Neste sentido se registra uma vez que
mesmo nosso Senhor se mostrou irado. Ele se admirou dos
pecadores e irou-se contra o seu pecado. XXII, I, 6-8

1Hb 10.36 2 Mt 26.39 3Tito 3.2 4 Rm 12.21 5 Mt 5.21-22


MAIO

Os Mansos Herdarão a Terra – Dia 28

Oh! Quão grande é a tua bondade, que guardaste para os que te


temem, e que tu mostraste àqueles que em ti confiam na presença
dos filhos dos homens! Salmo 31.19

De acordo com a sabedoria dos homens, os mansos não herdarão a


terra.1 Quanta tolice na sabedoria terrena! Os sábios do mundo
advertem repetidamente que, se os mansos não reagirem aos maus-
tratos, não haverá para eles lugar na terra; jamais serão capazes de
obter as coisas comuns da vida, nem conseguirão manter a posse do
que têm; não poderão esperar paz, nem uso de propriedade, nem
gozo de qualquer bem. Muito bem: suponhamos que não haja Deus;
ou suponhamos que Deus não se envolva nos negócios dos filhos
dos homens: mas, quando Deus se levantar para exercer juízo e
para ajudar a todos os mansos sobre a terra,2 como exporá Ele ao
ridículo toda essa sabedoria pagã, convertendo a ferocidade do
homem em seu louvor!3 Ele toma um cuidado especial em prover
para os mansos todas as coisas necessárias à vida e ao bem-estar;4
Ele lhes garante a provisão que fez, a despeito da violência, da
fraude ou da malícia dos homens; aquilo que Ele ministra, disso faz
que os mansos desfrutem abundantemente. É-lhes doce ao paladar,
seja muito ou pouco. Como na paciência possuem suas almas,5
assim verdadeiramente possuem o que Deus lhes dá. Estão sempre
contentes, sempre satisfeitos com o que têm: agradam-se com as
coisas que possuem porque isto é do agrado de Deus. Enquanto
todo seu coração, seu desejo e seu prazer estão nos céus, podem
verdadeiramente dizer que herdam a terra. XXII, I, 12
1Mt 5.5 2 Sl 76.9 3 Sl 76.10 4 2 Pe 1.3 5 Lc 21.19

Fome e Sede de Justiça – Dia 29

E o Espírito e a noiva dizem: Vem! E quem ouve diga: Vem! E quem


tem sede venha; e quem quiser tome de graça da
água da vida. Apocalipse 22.17

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça.1 Para


compreendermos claramente esta expressão, devemos observar,
primeiro, que a fome e a sede são os mais fortes de nossos apetites
corporais. Do mesmo modo, essa fome, essa sede da semelhança
de Deus, uma vez despertadas na alma, vêm a ser os mais fortes de
todos os nossos apetites espirituais; sim, o seu único e grande
desejo é ser renovado segundo a semelhança daquele que nos
criou. Devemos observar, em segundo lugar, que desde o tempo em
que começamos a sentir fome e sede estes apetites não cessam,
mas se tornam cada vez mais insistentes e importunos, até que
comamos, bebamos – ou morramos. Enquanto isso, desde que
começamos a ter fome e sede de toda a mente que havia em
Cristo,2 esses apetites espirituais não cessam, mas clamam por seu
alimento com crescente insistência; nem eles têm possibilidade de
sossegar antes de serem satisfeitos. Podemos, em terceiro lugar,
observar que a fome e a sede não podem ser saciadas por nenhuma
outra coisa, a não ser pela comida e pela bebida. Se ao faminto
derdes em troca o mundo inteiro, toda a elegância de vestuário,
todos os tesouros da terra, sim, e milhões em ouro e prata; se lhe
tributardes todas as honras – ele não atentará para coisa alguma: à
sua vista nenhum valor possui o que lhe ofereceis. E dirá ainda:
“Estas não são as coisas de que careço: dai-me de comer ou então
morrerei”. A mesma coisa se dá com toda alma verdadeiramente
faminta e sedenta de justiça: não encontrará conforto em coisa
alguma, exceto na justiça; não se satisfará com nenhum outro bem.
Tudo quanto lhe oferecerdes em troca será acolhido com frieza em
face das riquezas, das honras ou dos prazeres, o homem

MAIO
ainda dirá: “Isto não é o de que preciso: dai-me justiça, ou então
morrerei!” XXII, II, 3
1Mt 5.6 2Fp 2.5

A Sede do Cristão – Dia 30

Estendo para ti as minhas mãos; a minha alma tem sede de ti como


terra sedenta. Salmo 143.6

A religião do mundo implica em três coisas: 1) Não dar prejuízo,


abster-se de pecado exterior, pelo menos do pecado escandaloso
como o furto, o roubo, o xingamento, a embriaguez; 2) Fazer o bem,
auxiliar ao pobre, fazer boas obras; 3) Usar dos meios de graça, pelo
menos frequentando a igreja e participando da Santa Ceia. O homem
em quem concorrem esses três requisitos é chamado pelo mundo
“homem religioso”. Pode isso, entretanto, satisfazer ao que tem fome
de Deus? Não. Aquelas coisas não são alimento para sua alma. Ele
deseja uma religião de mais nobre espécie, uma religião mais
elevada e mais profunda do que essa. Tão impossível lhe é nutrir-se
com essas pobres coisas, como encher o estômago de vento
oriental.1 Na verdade, ele é zeloso no abster-se da aparência do mal;
é zeloso de boas obras; observa todas as ordenanças de Deus; mas
estas não são as coisas que sua alma deseja com ardor. Elas
representam apenas o lado exterior daquela religião de que ele tem
fome insaciável. O conhecimento de Deus em Cristo Jesus; a vida
que está escondida com Cristo em Deus;2 o ser unido ao Senhor em
um espírito;3 ter comunhão com o Pai e o Filho;4 andar na luz como
Deus está na luz;5 purificar-se como Ele é puro6 – esta é a religião, a
justiça de que tem sede; nem pode ele descansar, até que repouse
em Deus. XII, II, 4

1 Jó 15.2 2 Cl 3.3 3 1 Co 6.17 4 1 Jo 1.3 5 1 Jo 1.7 6 1 Jo 3.3 Caminhada


Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John Wesley

Divino Apetite – Dia 31


Trabalhai não pela comida que perece, mas pela comida que
permanece para a vida eterna, a qual o Filho do Homem
vos dará, porque a este o Pai, Deus, o selou. João 6.27

Tu, pois, quem quer que sejas, a quem Deus concedeu


ter “fome e sede de justiça”, clama ao Senhor para que
jamais percas esse dom inestimável, para que jamais cesse
esse divino apetite. Se alguns te censurarem e mandarem
que mantenhas em silêncio, não atentes para eles; clama
com redobrada energia: Jesus, Mestre, tem misericórdia
de mim! 1 Não permitas que eu viva, a não ser para que
seja santo como tu és Santo!2 Não gastes mais teu dinheiro
naquilo que não é pão, nem teu labor com aquilo que não
pode satisfazer.3 Podes ter esperança de retirar felicidade da
terra – de encontrá-la nas coisas do mundo? Oh! Calca aos
pés todos os seus prazeres, despreza suas honras, reputa seus
tesouros como cisco e escória, – sim, o mundo com todas as
coisas que estão debaixo do sol – e isto pela excelência do
conhecimento de Cristo,4 pela inteira renovação de tua alma
à imagem de Deus, segundo a qual foi ela inicialmente
criada. Guarda-te de saciar essa bendita fome e essa bendita
sede com aquilo que o mundo chama de “religião”, – uma
religião de forma, de exterioridade, que deixa o coração tão
terreno e sensual quanto era antes. Que coisa alguma haja
que te satisfaça, exceto o poder da piedade,5 estando tu em
Deus e Deus em ti. XXII, II, 6

1 Lc 17.13 2 1 Pe 1.16 3 Is 55.2 4 Fp 3.8 5 2 Tm 3.5

158
Vem Jesus, Tão Desejado – Dia 1

Vem, Jesus, tão desejado,


Vem teu povo libertar;
Pois, vendendo seu pecado,
Hás de tua paz lhe dar.
És pra todos a esperança,
És consolo em aflição,
Pois, em ti teu povo alcança
Alegria em teu perdão.
Tu nasceste bem pequeno,
Mas és Rei libertador.
Reina em nós, ó Nazareno,
Todo dia, com amor.
Para termos acolhida
Na celeste habitação,
Vem, domina a nossa vida,
Vive em nosso coração.

(Come, Thou Long-Expected Jesus – Hino de Charles Wesley –


Tradução: Werner Kaschel)

Bem-Aventurados os Misericordiosos – Dia 2

E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o


fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
Mateus 25.40

Quanto mais cheios da vida de Deus se encontrem os crentes, mais


ternamente se interessam pelos que ainda estejam sem Deus no
mundo, mortos ainda em delitos e pecados.1 Nem esse interesse
pelos outros perderá sua recompensa: Bem-aventurados os
misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.2 A palavra
usada por nosso Senhor mais imediatamente se refere à posse de
um coração terno e
JUNHO

compassivo; refere-se àqueles que, longe de desprezarem os que


não sentem fome de Deus, profundamente se afligem por eles. “Os
misericordiosos”, no sentido pleno da palavra, são os que amam ao
próximo como a si mesmos.

A caridade, ou o amor, o amor de nosso próximo como Cristo nos


amou, é longânimo,3 é paciente para com todos os homens: suporta
todas as fraquezas, ignorância, erros, imperfeições, toda a rebeldia e
mesquinhez de fé por parte dos filhos de Deus; toda a malícia e
iniquidade da parte dos filhos deste mundo. E ele suporta tudo isso,
não apenas por uma vez, por um curto prazo, mas até o fim, sempre
alimentando nosso inimigo, quando faminto; sempre lhe dando de
beber, se tiver sede; assim continuamente amontoando brasas vivas
de ardente amor sobre sua cabeça.4 XXII, III, 1, 3

1 Ef 2.1 2 Mt 5.7 3 1 Co 13.4 4 Rm 12.20

Bem-Aventurados os Pacificadores – Dia 3

Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados


filhos de Deus; Mateus 5.9

O termo “pacificadores”, em seu sentido literal, designa os amigos de


Deus e dos homens, aqueles que profundamente aborrecem e
detestam toda discórdia e debate, todo desacordo e contenda e, em
consequência, trabalham com todas as forças para impedir que se
acenda esse fogo do inferno, ou, quando aceso, que se propague,
alastrando-se ainda mais. Eles se esforçam por acalmar o
atormentado espírito dos homens, por lhes aquietar as paixões
tumultuosas, por abrandar a mente dos partidos rivais e, se possível,
reconciliar uns com os outros. Empregam todo seu vigor, todos os
talentos que Deus lhes deu, não só para preservar a paz onde ela
está, mas para também restaurá-la onde ela não exista. A alegria de
seu coração é promover, confirmar e aumentar a mútua boa vontade
entre os homens, mais especialmente entre os filhos de Deus,
quando são divididos acerca de coisas de pequena importância, os
quais, tendo um mesmo Senhor e uma só fé,1 sendo todos
chamados em uma só esperança de sua vocação,2 devem todos
andar de acordo com a vocação segundo a qual foram chamados,
com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-se
uns aos outros em amor, esforçando-se por guardarem a unidade do
Espírito no vínculo da paz.3 XXIII,4 II, 3

1Ef 4.5 2Ef 4.4 3Ef 4.1-3 4Sermão XXIII: Sobre o Sermão do Monte, Discurso
III

Manifeste Seu Amor – Dia 4

Mas a vós, que ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos
que vos aborrecem. Lucas 6.27

Quero que entendamos o pleno sentido da palavra. Um pacificador é,


entretanto, aquele que, tendo oportunidade, faz o bem a todos os
homens;1 cheio do amor de Deus e de toda a humanidade, não se
limita a expressá-lo aos membros de sua própria família, ou aos
amigos, conhecidos, membros do seu partido, ou aos que tenham a
mesma opinião, – nem aos que são participantes da mesma igreja;
mas ultrapassa todos os limites para fazer o bem a todos os homens,
de modo que, por qualquer forma, manifeste seu amor ao próximo e
ao estrangeiro, aos amigos e aos inimigos. Faz o bem a todos,
segundo as oportunidades, isto é, em todas as ocasiões que se lhe
apresentem, para isso remindo o tempo,2 preenchendo todas as
horas, não perdendo sequer um momento que possa ser útil a
outrem. Ele faz o bem, não de forma particular, mas o bem em geral,
de todo o modo possível, empregando nisto todos os talentos de
toda

JUNHO
ordem, todos os seus poderes e faculdades de corpo e de alma, toda
sua fortuna, seus interesses, sua reputação; apenas desejando que,
quando seu Senhor vier, possa Ele dizer: Bem está, servo bom e fiel!
3 XXIII, II, 4

1Gl 6.10 2Ef 5.16 3Mt 25.21

A Perseguição dos Justos – Dia 5

Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus


serão perseguidos. 2 Timóteo 3.12

Segundo a medida da graça que tenha recebido, o homem de Deus


usa de toda diligência no repreender os grandes pecadores, ou
iluminando o que está de assento nas trevas,1 ou suportando o
fraco, confortando as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos,2 e
guiando o coxo que se desviava do caminho.3 Não menos zeloso é
em encorajar os que já se esforçam por entrar pela porta estreita,4
os que correm com paciência a carreira que lhes está proposta5 e
em edificar em sua fé os que sabem em quem têm crido;6 em exortá-
los a que reacendam o dom de Deus que neles há.7 Alguém poderia
imaginar que uma tal pessoa, como acima se descreveu, tão cheia
de genuína filantropia, tão doce e delicada, tão livre de todo desígnio
egoístico, tão devotada a Deus e amiga tão ardorosa dos homens,
fosse tão admirada pela humanidade. Mas nosso Senhor conhecia
melhor a natureza humana. Por isso, mostra-lhe o tratamento que
deveria esperar da parte do mundo. Bem-aventurados, diz Ele, os
que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos
céus.8 XXIII, II, 6; III, 1

1Lc 1.792Hb 12.12 3Hb 12.13 4Mt 7.13 5Hb 12.1 62 Tm 1.12 7 2 Tm 1.6 8Mt
5.10

Bem-Aventurados os Perseguidos – Dia 6


Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos
maltratam e vos perseguem. Mateus 5.44

Perguntemos, em primeiro lugar: “Quais são os perseguidos?”


Podemos sabê-lo facilmente, através dos escritos de Paulo: Como
no passado, o que fora nascido segundo a carne perseguia ao que
nascera segundo o Espírito, assim acontece agora.1 Sim, diz o
apóstolo, e todo o que deseja viver piamente em Cristo Jesus,
sofrerá perseguição.2 O mesmo nos ensina o apóstolo João: Não
vos maravilheis, meus irmãos, se o mundo vos odeia.3 Mais
expressamente ensina o Senhor: Se o mundo vos odeia, sabei que
ele primeiro me odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo vos
amaria; mas, como não sois do mundo, o mundo vos aborrece.
Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: o servo não é maior do
que seu Senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão a
vós.4 Todas essas Escrituras manifestamente ressaltam quais são os
perseguidos: são os justos; XXIII, III, 2

1Gl 4.29 22 Tm 3.12 31 Jo 3.13 4Jo 15.18-20

Por Que os Justos São Perseguidos? – Dia 7

Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos odeia.


1 João 3.13

Porque os justos são perseguidos? O mundo os persegue, acima de


tudo, porque são pacificadores, porque se servem de todas as
oportunidades para fazer o bem a todos os homens. Esta é a grande
razão pela qual têm sido perseguidos em todos os tempos e sê-lo-ão
até a

JUNHO

consumação dos séculos: “Se eles guardassem sua religião para si


mesmos, ainda assim seriam toleráveis, mas essa divulgação de
seus erros, essa contaminação dos outros, é que não se pode
tolerar. Eles produzem tal perturbação no mundo, que não podem ser
suportados por mais tempo. É verdade que fazem algumas coisas
proveitosas: auxiliam alguns pobres; mas isto é feito para atrair
novos aderentes ao seu partido e, assim, para causar maior
perturbação.” Sinceramente assim pensam e falam os homens do
mundo.

A razão disto é clara: o espírito que há no mundo diretamente se


opõe ao Espírito que é de Deus. Deve, pois, necessariamente
acontecer que os que são do mundo se oponham aos que são de
Deus. Entre eles existe o mais profundo antagonismo, em todas as
opiniões, desejos, intenções e tendências. E, por isso, não poderão o
leopardo e o cabrito deitar em paz.1 XXIII, III, 3-4

1Is 11.6

Como Responder à Perseguição? – Dia 8

Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus;


porque assim perseguiram os profetas que foram antes
de vós. Mateus 5.12

Alegrai-vos e regozijai-vos abundantemente , quando os homens vos


perseguirem por causa de Cristo; quando vos perseguirem,
injuriando-vos e dizendo toda sorte de mal contra vós, falsamente,1 o
que eles não deixarão nunca de misturar a todo tipo de perseguição:
eles vos devem denegrir para se desculpar: Porque assim
perseguiram aos profetas que foram antes de vós,2 assim como
todos os justos que existiram desde que começou o mundo.
Regozijai-vos, porque também por esse sinal sabereis a quem
pertenceis e porque grande é o vosso galardão nos céus,3 a
recompensa comprada pelo sangue da aliança e livremente dada em
proporção aos vossos sofrimentos, assim como a vossa santidade de
coração e de vida. Regozijai-vos abundantemente, sabendo que
essa leve tribulação, que não dura senão um momento, vos produz
um mais excelente e eterno peso de glória.4 XXIII, III, 11

1Mt 5.11 2Mt 5.12 3Mt 5.12 42 Co 4.17

Amai os Vossos Inimigos – Dia 9

Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem
os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os
vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos
também assim? Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso
Pai, que está nos céus. Mateus 5.46-48

Nosso amado Senhor enuncia a mansidão e o amor que devemos


vivenciar, a bondade que devemos demonstrar para com os que nos
perseguem por causa da justiça nos seguintes versículos: Ouvistes
que foi dito: amarás a teu próximo e odiarás o teu inimigo.1 Deus
havia dito a primeira parte: Amarás a teu próximo;2 os filhos do
maligno acrescentaram a última: “e odiarás o teu inimigo”; mas eu
vos digo: (1) Amai a vossos inimigos:3 vede que demonstreis uma
terna boa vontade para com aqueles que têm o espírito mais amargo
contra vós, que vos desejam toda sorte de mal. (2) Bendizei aqueles
que vos amaldiçoam.4 Há alguém cuja amargura de espírito
transborde em palavras amargas? Que esteja constantemente vos
amaldiçoando e censurando quando estais presentes, e dizendo todo
o mal contra vós,5 quando estais ausentes? Em vez de tornar mal
por mal, fale palavras de bênção. Conversando com os tais, usai de
toda doçura e delicadeza de linguagem. Falando a respeito desses
homens, dizei todo o bem que puderdes, sem violar as regras da
veracidade e da justiça. (3) Fazei o bem aos

JUNHO

que vos odeiam :6 que vossas ações demonstrem que sois tão
genuínos no amor quanto eles o são no ódio. Retribua o mal com o
bem. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.7 (4)
Se nada mais puderdes fazer, pelo menos orai por aqueles que vos
odeiam e vos perseguem.8 XXIII, III, 13

1Mt 5.43 2Lv 19.18 3 Mt 5.44 4Lc 6.28 5Mt 5.11 6Mt 5.44 7Rm 12.21 8Mt 5.44

Uma Religião Social – Dia 10

Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é


amor. 1 João 4.8

Primeiro, quero mostrar que o cristianismo é essencialmente uma


religião social e que torná-lo em religião solitária é, na verdade,
destruí-lo. Quando digo que esta religião é essencialmente social,
quero afirmar que não pode subsistir de modo nenhum à margem da
sociedade, sem viver e tratar com outros homens. Não que de algum
modo condenemos períodos de retiro ou de solidão na vida social.
Isto não só é compreensível, mas justificável; digo mais: é mesmo
necessário, como a experiência diária mostra, a todo que já seja ou
deseje ser real cristão. Dificilmente pode acontecer que gastemos
um dia inteiro em contínuos afazeres com os homens, sem que
soframos danos em nossa alma e sem que entristeçamos, de algum
modo, o Espírito Santo de Deus.1 Temos necessidade diária de
retirarmo-nos do mundo, pelo menos um período de manhã e outro à
noite, para conversar com Deus, para ter comunhão mais livremente
com nosso Pai. Todavia, tal retiro não deve absorver todo o nosso
tempo: isto destruiria a verdadeira religião, em lugar de a
desenvolver. A religião não pode subsistir sem sociedade, sem que
vivamos em meio de outros homens e com eles nos comuniquemos.
XXIV,2 I, 1-2

1Ef 4.30 2Sermão XXIV: Sobre o Sermão do Monte, Discurso IV

Uma Cidade Edificada sobre um Monte – Dia 11


Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto e
recolhas em casa os pobres desabrigados? E, vendo o nu, o cubras
e não te escondas daquele que é da tua carne? Então, romperá a tua
luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça
irá adiante da tua face, e a glória do SENHOR será a tua
retaguarda.

Isaías 58.7-8

Enquanto a verdadeira religião permanece em nossos corações, não


é possível ocultá-la. Primeiro, é impossível a quem quer que possua
a verdadeira religião de Jesus Cristo ocultá-la aos outros. Isto nosso
Senhor esclarece por meio de dupla comparação: Vós sois a luz do
mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um
monte.1 Vós cristãos são a luz do mundo quanto ao vosso caráter e
às vossas ações. Vossa santidade vos torna tão notável quanto é
notável o sol em meio ao céu. Como não podeis sair do mundo,
também não podeis estar em meio dele sem vos tornardes
manifestos a toda a humanidade. Não podeis fugir dos homens: e,
estando em meio deles, é impossível esconder vossa humildade e
mansidão, e as demais disposições pelas quais tendes a aspiração
de ser perfeito como vosso Pai celestial é perfeito.2O amor não pode
ser ocultado assim como não se pode ocultar a luz; e muito menos
ainda quando ele refulge através da ação, quando vos exercitais em
trabalhos de caridade, em obras de beneficência de toda espécie.
Tanto podem os homens pensar em esconder uma cidade como em
esconder um cristão; realmente, se eles puderem ocultar uma cidade
situada sobre um monte, poderão esconder o santo, zeloso e ativo
amante de Deus e dos homens. XXIV, II, 2

1Mt 5.14 2Mt 5.48

JUNHO

A Luz do Mundo – Dia 12


Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam
as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus.
Mateus 5.16

Assim como uma luz é difícil de esconder, o amor não pode ser
escondido, especialmente se ele refulge através da ação, quando
vos exercitais em trabalhos de caridade, em obras de beneficência
de toda espécie. Tanto podem os homens pensar em esconder uma
cidade como em esconder um cristão; realmente, se eles puderem
ocultar uma cidade situada sobre um monte,1 poderão ocultar o
santo, zeloso e ativo amante de Deus e dos homens. É verdade que
os homens, que amam mais as trevas do que a luz porque as suas
obras são más,2 fazem todo o possível para provar que a luz que há
em vós são trevas. Eles dirão mal, toda a forma do mal, falsamente,3
do bem que há em vós. E vossa paciente perseverança no fazer o
bem, vossa mansidão no suportar todas as coisas por amor de Deus,
vossa calma humilde alegria em meio da perseguição, vosso
constante empenho de vencer o mal com o bem,4 – tudo vos tornará
mais visíveis do que o éreis antes.

Se uma religião puder ocultar-se, esta não será, certamente, o


cristianismo. Se o cristão puder esconder-se, não poderá ser
comparado à cidade situada sobre um monte ou à luz do mundo.5
Nunca, pois, deve entrar no coração daquele a quem Deus
regenerou no espírito de sua mente, o pensamento de ofuscar a luz,
de guardar para si a própria fé, principalmente se levar em conta que
não só é impossível esconder o verdadeiro cristianismo, mas isto
seria absolutamente contrário ao desígnio de seu grande Fundador.
XXIV, II, 3, 4

1Mt 5.14 2Jo 3.19 3Mt 5.11 4Rm 12.21 5Mt 5.14

O Sal da Terra – Dia 13

Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido, como lhe restaurar o
sabor? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser
pisado pelos homens. Mateus 5.13

“Mas não é melhor...” alguém pode naturalmente perguntar,


“...conversar apenas com os homens bons, somente tratar com os
que sabemos serem mansos e misericordiosos – santos de coração
e santos na vida? Não é vantajoso evitar qualquer conversação ou
negócios com homens de caráter oposto – homens que não
obedecem, talvez, e mesmo não creem no Evangelho de nosso
Senhor Jesus Cristo?” É verdade que manter intimidade com eles
não é conveniente ao cristão. Deve tal conduta expô-los a uma
variedade de perigos e armadilhas, que, para fugir dos tais, não pode
ter o crente razoável esperança de livramento.

Porém, se tivéssemos de separar-nos inteiramente dos pecadores,


como poderíamos ser o sal da terra? Vossa própria natureza é dar
sabor a tudo quanto vos rodeia. É da natureza do divino sabor que
existe em vós expandir-se em tudo quanto tocardes, difundir-se por
todos os lados, atingindo a todos aqueles em cujo meio estiverdes.
Esta é a grande razão pela qual a providência de Deus vos misturou
com os outros homens, de modo que as graças, quaisquer que
sejam, que de Deus houverdes recebido, possam ser comunicadas,
através de vós, aos demais homens. XXIV, I, 5, 7

A Lei e os Profetas – Dia 14

A lei do SENHOR é perfeita e refrigera a alma; o testemunho do


SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos
do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento
do SENHOR é puro e ilumina os olhos. Salmo 19.7-8

JUNHO

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar,
mas cumprir.1 A lei ritual ou cerimonial, entregue por Moisés aos
filhos de Israel, lei que continha todas as recomendações e
ordenanças relacionadas com os antigos sacrifícios e com o serviço
do templo, Cristo veio, de fato, para destruí-la, invalidar e abolir
completamente. Dão testemunho disto todos os apóstolos: não
somente Barnabé e Paulo, que veementemente resistiram os que
ensinavam que os cristãos deviam guardar a lei de Moisés;2 não
somente Pedro, que qualificou a insistência nesse ponto, isto é, a
observância da lei ritual, como tentar a Deus e colocar sobre os
discípulos um jugo que nem nossos pais – disse ele
– nem nós, somos capazes de suportar;3 mas todos os apóstolos,
anciãos e irmãos, reunidos de comum acordo,4 declararam que,
mandar que os discípulos guardassem essa lei, seria transtornar
suas almas,5 e que pareceu bem ao Espírito Santo e a eles6 não
lançar semelhante fardo sobre os ombros daqueles discípulos. Este
escrito de dívida que era contra nós e que constava de ordenanças,
nosso Senhor removeu-o inteiramente, encravando-o em sua cruz.7
Mas a lei moral, contida nos Dez Mandamentos e reforçada pelos
Profetas, Ele não a aboliu. XXV,8 I, 1

1Mt 5.17 2At 15.5 3At 15.10 4At 15.22 5At 15.24 6At 15.28 7Cl 2.14 8Sermão
XXV: Sobre o Sermão do Monte, Discurso V

A Lei Moral – Dia 15

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para
revogar, vim para cumprir. Mateus 5.17

Cristo não aboliu a lei moral. Não era objetivo de sua vinda a
revogação de qualquer parte dessa lei. Esta é a Lei que jamais
poderá ser quebrada, permanecendo como fiel testemunho nos
céus.1 O fundamento da lei moral é totalmente diferente da lei
cerimonial, que fora estabelecida como um corretivo temporário de
um povo desobediente e de dura cerviz; enquanto que aquela existia
desde o começo do mundo, tendo sido escrita não em tábuas de
pedra, mas nos corações de todos os filhos dos homens,2 ao saírem
das mãos do Criador. E, conquanto as letras escritas outrora pelo
próprio dedo de Deus3 agora estivessem em grande parte
desfiguradas pelo pecado, não foram, todavia, totalmente destruídas,
uma vez que temos certa consciência do bem e do mal. Cada parte
dessa lei deve permanecer em inteiro vigor em relação a toda a
humanidade e em todos os tempos, não dependendo ela de épocas
ou de lugar, ou de quaisquer outras circunstâncias sujeitas a
mudança, mas da natureza de Deus e da natureza do homem, e sua
recíproca relação imutável. XXV, I, 2

1Sl 89.37 22 Co 3.3 3Ex 31.18

A Lei e o Evangelho – Dia 16

Tendo por certo isto mesmo: que aquele que em vós começou a boa
obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus Cristo.
Filipenses 1.6

Há, portanto, entre a Lei e o Evangelho, a relação mais estreita que


se possa conceber. De um lado, a Lei constantemente abre caminho
ao Evangelho e aponta para ele; de outro lado, o Evangelho
continuamente nos conduz a um mais exato cumprimento da Lei. A
Lei, por exemplo, exige de nós amor a Deus e ao próximo, mansidão,
humildade ou santidade; sentimo-nos incapazes dessas virtudes;
convencemo-nos de que ao homem é isto impossível.1 Mas vemos a
promessa de Deus, de dar-nos aquele amor, de fazer-nos mansos,
humildes e santos: cremos nesse Evangelho, nessas novas alegres:
faz-se conosco segundo nossa fé e a justiça da lei se cumpre em
nós,2 pela fé que há em Cristo Jesus. Podemos ainda observar

JUNHO

que todo mandamento da Escritura vem a ser apenas uma promessa


velada. Porque, por aquela solene declaração: Esta é a aliança que
farei depois daqueles dias, diz o Senhor: porei minhas leis em
vossas mentes e as escreverei em vossos corações,3 Deus se
comprometeu em dar tudo quanto Ele requer. Manda-nos, regozijai-
vos sempre; orem sem cessar4 que sejamos santos como Ele é
santo.5 É bastante suficiente: Ele operará em nós todas as coisas:
far-se-á em nós segundo sua palavra.6 XXV, II, 3

1Mt 19.26 2Rm 8.4 3Jr 31.33 41 Ts 5.16-17 51 Pe 1.16 6Lc 1.38

A Justiça dos Fariseus – Dia 17

E disse o SENHOR a Satanás: Observaste tu o meu servo Jó?


Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem sincero, e
reto, e temente a Deus, e desviando-se do mal.

Jó 1.8

Contudo, se vossa justiça, diz nosso Senhor, não exceder à justiça


dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos
céus.1 Aqui está uma solene e severa declaração, que cabe a todos
os que são chamados pelo nome de Cristo considerar séria e
profundamente. Antes, porém, que investiguemos como pode nossa
justiça exceder à deles, examinemos se ela chega mesmo até o nível
da justiça farisaica neste momento presente. Primeiro: o fariseu não
era como os outros homens.2 Nas coisas exteriores eram
singularmente bons. Somos assim? Cuidamos de viver contra o
maré? Não somos antes levados pela torrente do que é popular?
Muitas vezes não rompemos com a religião e com a razão, porque
não quereríamos ser tidos como diferentes? Não nos afligimos muito
mais por estarmos fora de moda do que por afastarmo-nos do
caminho da salvação? Temos coragem de ir contra a corrente, – de ir
contra o mundo, de antes obedecer a Deus do que ao homem?3

Se assim não for, o fariseu nos deixará a perder de vista, desde o


primeiro passo. E será bom se ainda o pudermos alcançar. XXV, IV, 7

1Mt 5.20 2Lc 18.11 3At 5.29

A Justiça de Deus – Dia 18


E disse-lhes: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante
dos homens, mas Deus conhece o vosso coração, porque, o que
entre os homens é elevado, perante Deus é abominação. Lucas 16.15

Pode ser, na verdade, que alguns dos escribas e fariseus se


esforçaram para guardar todos os mandamentos, sendo, segundo a
letra da lei, inculpáveis. Mas ainda a justiça do cristão ultrapassa
toda a justiça do escriba ou fariseu, no cumprir tanto o espírito como
a letra da lei;1 na obediência tanto interior como exterior. Este era o
ponto que nosso Senhor tão longamente mostrava, através de todo o
seu discurso. A justiça dos escribas e fariseus era somente exterior;
a justiça do cristão é a do homem interior. O fariseu limpava o
exterior do copo e do prato;2 o cristão é limpo no íntimo. O fariseu
trabalhava por apresentar a Deus uma vida correta; o cristão quer
apresentar um coração santo. Um arranca as folhas, talvez mesmo
os frutos do pecado: o outro arranca-o pela raiz,3 não se
contentando com a forma exterior da piedade, mas desejando que a
vida, o Espírito, e o poder de Deus para a salvação se faça sentir no
íntimo de sua alma. Assim, não causar dano, fazer o bem, participar
das ordenanças de Deus (a justiça do fariseu), são práticas externas,
enquanto que a pobreza de espírito,4 a mansidão,5 a fome e sede de
justiça,6 o amor ao próximo e a pureza de coração7 são, ao
contrário, interiores, constituindo a justiça do cristão. XXV, IV, 11

12 Co 3.6 2Mt 23.25 3Mt 3.10 4Mt 5.3 5Mt 5.5 6Mt 5.6 7Mt 5.8

JUNHO

Não Sejais como os Hipócritas – Dia 19

Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este


povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de
mim. Mateus 15.7-8

Quando orardes , diz o Senhor, não sejais como os hipócritas;


porque eles gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das
ruas para serem vistos pelos homens.1 “Não sejais como os
hipócritas.” A hipocrisia, ou a insinceridade, é, pois, a primeira coisa
de que devemos guardar-nos, quando orarmos. Guarda-te de dizeres
aquilo que não crês. A oração é o levantar do coração até Deus:
todas as palavras da oração sem essa atitude são pura hipocrisia.
Todas as vezes, pois, que te puseres em oração, vê que seja teu
desígnio ter comunhão com Deus, erguer para Ele teu coração,
derramar teu coração diante dele; não como os hipócritas, que
gostam de orar nas sinagogas, ou no mercado, e nos cantos das
ruas, onde maior multidão aflui, para serem vistos dos homens: este
era o único objetivo, o motivo, o fim das orações que andavam a
repetir. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.2
Nenhuma recompensa devem esperar de vosso Pai que está nos
céus. XXVI,3 II, 1

1Mt 6.5ª 2Mt 6.5b 3Sermão XXVI: Sobre o Sermão do Monte, Discurso VI

Por que Orar? – Dia 20

Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a


fim de recebermos misericórdia e acharmos graça, para socorro em
ocasião oportuna. Hebreus 4.16

O que Cristo aí se reprova não é simplesmente a duração, como não


se reprovaria a brevidade de nossas orações; mas, primeiro, uma
oração longa sem sentido; falar muito
– e dizer pouco, usar de repetições vãs1 como fazem alguns cristãos
que recitam sem cessar a mesma ladainha, sem qualquer convicção
do que dizem; segundo, pensar que serão ouvidos pelo seu muito
falar;2 imaginar que Deus mede as orações por sua extensão e mais
se agrada das que contenham maior número de palavras, que mais
longamente lhe soem aos ouvidos. Não sejais como eles.3 Vós que
provastes a graça de Deus em Cristo Jesus, estais perfeitamente
convencidos de que vosso Pai sabe as coisas de que tendes
necessidade, antes que lhas peçais.4 Assim, o fim de vossa oração
não é informar a Deus, como se Ele antecipadamente não soubesse
de vossas necessidades, mas informar a vós mesmos; fixar mais
profundamente em vossos corações o sentido de vossas
necessidades e o sentido de vossa contínua dependência daquele
que é o único capaz de suprir tudo que está faltando. Não é tanto
mover a Deus, que está sempre mais pronto a vos conceder o que
estais a pedir, mas o mover-vos a vós mesmos, para que possais
querer e estar prontos a receber as boas dádivas que Ele vos
preparou. XXVI, II, 4, 5

1Mt 6.7ª 2Mt 6.7b 3Mt 6.5 4Mt 6.8

A Oração Dominical – Dia 21

E aconteceu que, estando ele a orar num certo lugar, quando


acabou, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar,
como também João ensinou aos seus discípulos.

Lucas 11.1

Podemos observar, de modo geral, no tocante a esta oração divina,


primeiro, que ela contém tudo quanto podemos razoável e
inocentemente pedir. Nada há que tenhamos necessidade de pedir a
Deus, nada que possamos pedir sem ofensa, que não se inclua,
direta ou indiretamente, nesta fórmula completa. Segundo, ela

JUNHO

contém tudo quanto podemos razoável e inocentemente desejar, seja


para a glória de Deus, seja para utilidade ou proveito de nós mesmos
e de toda criatura, nos céus e na terra. E, na verdade, nossas
orações são propriamente uma prova de nossos desejos, nada
sendo digno de ter lugar em nossos desejos, se não tiver lugar em
nossas orações; se não está certo orar por algo, não está certo
desejá-lo. Terceiro, ela contém todos os nossos deveres para com
Deus e para com o homem: tudo que é puro e santo, tudo que Deus
requer dos filhos dos homens, tudo que é aceitável à sua vista, tudo
que possa ser de proveito ao próximo, aí se expressa ou aí se
encontra implícito. O prefácio – “Pai nosso que estás nos céus” –
vem a ser o fundamento geral da oração: abrange o que devemos
primeiro conhecer acerca de Deus, antes que possamos pedir com
esperança de sermos atendidos. XXVI, III, 2-3

Pai Nosso – Dia 22

Como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os braços, recolherá


os cordeirinhos e os levará no seu regaço; as que amamentam, ele
as guiará mansamente. Isaías 40.11

“Pai nosso”: se Ele é Pai, então é bom; então trata seus filhos com
amor e carinho. E aí está o primeiro e grande fundamento da oração,
Deus deseja abençoar: peçamos a bênção, “Pai nosso” – nosso
Criador; o Autor de nosso ser; o que nos levantou do pó da terra; que
infundiu em nós o sopro da vida, fazendo-nos almas viventes.1 Mas,
se Ele nos fez, peçamos, e Ele não recusará nenhum bem à obra de
suas mãos.2 “Pai nosso” – nosso Preservador, que, dia após dia,
sustenta a vida que nos deu; de cujo amor constante recebemos
agora, e a cada momento, a vida, o alento e todas as coisas. Assim,
com liberdade e confiança, acheguemo-nos a Ele e alcançaremos
misericórdia, e acharemos graça para socorrer-nos em tempos de
necessidade.3 Acima de tudo – nosso Pai nos justifica livremente por
sua graça, pela redenção que há em Jesus;4 o que apagou todos os
nossos pecados e curou todas as nossas enfermidades;5 Assim,
sabemos que Ele nos ouve sempre; assim, a Ele oramos sem
cessar.6 Oramos, porque amamos; e amamo-lo, porque Ele primeiro
nos amou.7 XXVI, III, 4

1Gn 2.7 2Sl 84.11 3Hb 4.16 4Rm 3.24 5Sl 103.3 61 Ts 5.17 71 Jo 4.19

Rei dos Reis – Dia 23

Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado; a sua grandeza é


insondável. Salmo 145.3
Pai nosso “que estás nos céus” – Ele está alto e elevado,1 Deus
sobre todas as coisas, bendito para todo o sempre; que, assentado
na curva dos céus,2 contempla tudo que há no céu e na terra; cujos
olhos perscrutam toda a esfera dos seres criados; para quem são
conhecidas todas as suas obras e todas as obras de todas as
criaturas, não somente desde o começo do mundo,3 desde toda
eternidade, de eternidade a eternidade;4 que constrange as hostes
celestiais, bem como os filhos dos homens, a clamarem com
maravilha e espanto: Ó profundidade! – Ó profundidade das riquezas
da sabedoria e do conhecimento de Deus! 5

“Que estás nos céus” – Senhor e Governador de todas as coisas,


superintendendo a tudo e de tudo dispondo; que és o Rei dos reis e
o Senhor dos senhores,6 o bendito e único Potente; que és forte e
tudo cercas com teu poder,7 fazendo o que te apraz;8 Todo-
Poderoso: aquilo que desejas, logo se torna em realidade à tua vista.
“Nos céus”. “Os céus são o teu trono, o lugar onde tua glória habita.9
Mas não somente ali, porque tu enches os céus e a terra10 e toda a
expansão do espaço. Os céus e a terra estão cheios da tua glória.
Glória a ti, ó Senhor Altíssimo!11 XXVI, III, 6

1Is 6.1 2Is 40.22 3At 15.18 4Sl 90.1 5 Rm 11.33 6Ap 19.16 7Sl 65.6 8Sl 115.3
9Sl 26.8 10Jr 23.24 11Citação do Livro de Oração Comum

JUNHO

Pelo Dedo de Deus – Dia 24

Ele fez a terra pelo seu poder; ele estabeleceu o mundo por sua
sabedoria e com a sua inteligência estendeu os céus.
Jeremias 10.12

“Santificado seja o teu nome.” Esta é a primeira das seis petições de


que a oração dominical se compõe. O nome de Deus é o próprio
Deus; a natureza de Deus, significa, pois, ao lado de sua existência,
todos os seus atributos ou perfeições, sua eternidade,
particularmente designada pelo seu grande e incomunicável nome,
JEOVÁ, como o apóstolo João o traduz, o alfa e o ômega, o começo
e o fim. Aquele que é, e que era, e que virá1 sendo a plenitude de
seu Ser designada por outro grande nome: EU SOU O QUE SOU.2
Sua Onipresença; sua Onipotência, que é, na verdade, a única força
motora no mundo material, sendo toda matéria essencialmente inerte
e inativa, e só se movendo quando acionada pelo dedo de Deus:
Deus é a fonte de ação em todas as criaturas visíveis e invisíveis, as
quais não poderiam nem agir, nem existir, sem o constante influxo e
atuação de seu poder soberano. Sua sabedoria, claramente
deduzida das coisas visíveis, da majestosa ordem do universo; sua
essencial pureza e santidade; e, acima de tudo, seu amor, que é o
próprio resplendor de sua glória. Orando para que Deus, ou seu
nome, seja santificado ou glorificado, oramos para que seja Ele
conhecido tal como é por todos os seres inteligentes; para que Ele
possa ser devidamente honrado, temido e amado por todos os que
se encontram em cima nos céus e embaixo na terra; por todos os
anjos e homens, aos quais Ele fez, para este fim, capazes de
conhecê-lo e amá-lo eternamente. XXVI, III, 7

1Ap 1.8 2Ex 3.14

O Reino da Graça – Dia 25

E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em


testemunho a todas as gentes, e então virá o fim.
Mateus 24.14

“Venha o teu reino.” Esta petição mantém estreita relação com a


precedente. Para que o nome do Senhor seja santificado, pedimos
que o seu reino, o reino de Cristo, venha. Esse reino vem a cada
pessoa, individualmente, quando ela se arrepende e crê no
Evangelho;1quando é ensinada por Deus não só a conhecer-se a si
mesma, mas a Jesus Cristo e este crucificado.2 Como vida eterna é
esta: conhecer a Deus como único verdadeiro Deus e a Jesus Cristo,
a quem Ele enviou,3 então é verdade que o reino de Deus começa
na terra, firmando-se no coração do crente; o Senhor Deus
Onipotente então reina, quando é conhecido através de Jesus Cristo.
Cumpre a todo que ama sua vinda4 orar para que se apresse o
tempo; para que esse seu reino, o reino da graça, venha
rapidamente e absorva todos os reinos da terra; para que toda a
humanidade, recebendo-o como seu Rei, verdadeiramente creia em
seu nome, encha-se de justiça, paz e alegria5 com santidade e
felicidade, – até que os crentes sejam arrebatados para o reino
celestial, para ali reinarem com Ele6 pelos séculos dos séculos.
XXVI, III, 8

1Mc 1.15 21 Co 2.2 3Jo 17.3 42 Tm 4.8 5Rm 14.17 62 Tm 2.12

Uma Conformidade Ativa – Dia 26

E, indo um pouco adiante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e


dizendo: Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia,
não seja como eu quero, mas como tu queres.

Mateus 26.39

JUNHO

“Seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu.” Esta é a


necessária e imediata consequência que se há de verificar, onde
quer que se dê a vinda do reino de Deus, desde que Deus habite na
alma pela fé e Cristo reine no coração por amor. É provável que
muitos, à primeira vista daquelas palavras, estejam dispostos a
imaginar que elas representam um ato de resignação; um pedido de
forças para fazer a vontade de Deus, qualquer que ela seja, no
tocante a nós. E esta é indubitavelmente uma disposição divina e
excelente, um precioso dom de Deus. Mas não é por isto que oramos
nesta petição; pelo menos, este não é o sentido principal da petição.
Oramos, não tanto por uma conformidade passiva, mas por uma
conformidade ativa para com a vontade de Deus, dizendo: “Seja feita
a tua vontade, assim na terra, como no céu”. Em outras palavras:
oramos para que nós e toda a humanidade possamos fazer toda a
vontade de Deus em todas as coisas e nada menos; faremos nada
menos do que a boa e agradável vontade dele, como Ele quer, da
maneira que lhe agrade. XXVI, III, 9, 10

Pão Diário – Dia 27

E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em


Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades.
Filipenses 4.19

“O pão nosso de cada dia nos dá hoje.” Nas três primeiras petições
oramos por toda a humanidade. Chegamos agora ao momento de
orarmos mais particularmente pelas nossas próprias necessidades.
Por “pão” devemos entender todas as coisas necessárias tanto ao
corpo como à alma
– as coisas pertinentes à vida e à piedade:1 devemos entender não
meramente o pão exterior, que nosso Senhor chama a comida que
perece, mas mui especialmente o pão espiritual, a graça de Deus, o
alimento que subsiste para a vida eterna.2 “O pão nosso de cada dia”
– a expressão aí traduzida como “cada dia” tem sido explicada de
modos diversos pelos diferentes comentadores: o que basta para
este dia, e assim, para cada dia que se for sucedendo. “Hoje”:
porque não devemos nos preocupar com o dia de amanhã.3 Para
este mesmo fim, nosso sábio Criador dividiu a vida em pequenas
frações de tempo, tão nitidamente separadas umas das outras, que
podemos encarar cada dia como uma nova dádiva de Deus, uma
outra “vida” que devemos devotar à sua glória. XXVI, III, 11-12

12 Pe 1.3 2Jo 6.27 3Mt 6.34

Nossas Dívidas – Dia 28

E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a


terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu coração era só
má continuamente. Gênesis 6.5
“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado
aos nossos devedores”. Como nada existe, a não ser o pecado, que
seja capaz de impedir que a bondade de Deus jorre sobre toda
criatura, assim esta petição naturalmente acompanha a precedente,
para que, removidos os tropeços, possamos mais firmemente confiar
no Deus de amor para a recepção de todo bem. “Nossas dívidas” –
“Dívida” é o próprio significado das palavras no original. Assim
frequentemente se representam nas Escrituras os nossos pecados;
cada pecado nos faz contrair uma nova dívida para com Deus, a
quem já devíamos, por assim dizer, mil talentos.1 Que poderemos
então dizer, quando Ele nos intimar: Paga o que me deves! 2 Somos
integralmente insolváveis; nada temos com que pagar; dissipamos
todos os nossos bens.3 Sendo assim, se Ele nos tratar segundo o
rigor de sua lei, se Ele cumprir em nós aquilo que em justiça
merecemos, ordenará que sejamos ligados

JUNHO

de pés e mãos e entregues aos atormentadores .4 Na verdade, já


estamos ligados de pés e mãos pelas cadeias de nossos próprios
pecados. Consideradas como aí são, em relação a Deus, são dívidas
imensas e inumeráveis. Bem, desde que nada temos com que pagar,
clamemos a Deus, para que nos perdoe tudo! 5 XXVI, III, 13

1Mt 18.24 2Mt 18.28 3Lc 15.13 4Mt 18.34 5Lc 7.42

A Ousadia de não Perdoar – Dia 29

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão


misericórdia; Mateus 5.7

“Assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” Nestas


palavras nosso Senhor claramente estabelece a condição e a
medida sob a qual devemos esperar pelo perdão de Deus. Todos os
nossos pecados e ofensas são-nos perdoados, se perdoarmos aos
outros e como lhes perdoarmos. Primeiro, Deus nos perdoa se
perdoarmos. Esta questão é da mais alta relevância. Por isso o
Senhor não somente o inclui no corpo de sua oração, mas ainda o
repete por mais duas vezes. Se, diz Ele, perdoardes aos homens as
suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará; mas se não
perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará as vossas
ofensas.1 Em segundo lugar, Deus nos perdoa como perdoamos aos
outros. Assim, se permanecer qualquer malícia ou amargura,
qualquer resíduo de desamor ou ira, se não perdoarmos realmente,
por completo e de coração, a todos os homens, as suas dívidas, do
mesmo modo restringiremos o perdão que esperamos. Entretanto, se
não perdoarmos ao próximo, de todo o coração, suas ofensas, que
espécie de oração apresentaremos a Deus, através da recitação
daquelas palavras? Estaremos, na verdade, desafiando a Deus e
como que obrigando-o a castigar-nos. “Perdoa-nos as nossas
dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores”!
Em termos claros, isto quer dizer: “Não nos perdoes de modo
nenhum; não queremos favores de tuas mãos. Oramos para que
tenhas em mente nossos pecados e para que tua ira caia sobre nós!”
Podes, todavia, seriamente oferecer a Deus semelhante oração?
Agora, sim, agora, pela sua graça, perdoa como queres ser
perdoado! XXVI, III, 14

1Mt 6.14-15

Não nos Deixes Cair em Tentação – Dia 30

Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas fiel é Deus
e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo
contrário, com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a
possais suportar. 1 Coríntios 10.13

“E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.” A palavra


traduzida por tentação significa prova de qualquer espécie. Também
no inglês a palavra tentação era, antigamente, tomada em sentido
diferente, sendo, todavia, reservada hoje para expressar a solicitação
ao pecado. Tiago emprega a palavra em ambos os sentidos: primeiro
em seu sentido geral e depois no sentido restrito. Emprega-a no
sentido geral quando diz: Bem-aventurado o homem que suporta a
tentação, porque, depois de ter sido provado, ou aprovado por Deus,
receberá a coroa da vida.1 Imediatamente acrescenta o escritor,
empregando a palavra em sentido restrito: Ninguém, ao ser tentado,
diga: Sou tentado por Deus, pois Deus não é tentado pelo mal, e ele
a ninguém tenta. Mas cada um é tentado pela sua própria cobiça,2
ou desejo, afastando-se de Deus, em quem exclusivamente pode ser
seguro; é atraído, apanhado com um peixe que foi pego pela isca.
Acontece que, quando

JUNHO

ele é assim levado e atraído, é que propriamente entra em tentação.


A tentação envolve-o então como numa nuvem e invade toda sua
alma. Quão dificilmente poderá o tentado escapar ao laço! Por isso
pedimos a Deus: “não nos deixes cair em tentação”, uma vez que,
não tentando Deus a ninguém, também não permite que sejamos
conquistados pela tentação. XXVI, III, 15
1Tg 1.12 2Tg 1.13-14
JULHO

Alegres, Adorai – Dia 1

Alegres adorai
Ao Redentor Jesus,
Louvor e graças dai a
Quem venceu na cruz.
Em alta voz,
Ao vosso Deus cantai,
Ao Pai de amor louvai.
O vosso Redentor
Sofreu humilhação;
Na cruz mostrou o amor
Que aos homens dá perdão.
Em alta voz,
Ao vosso Deus cantai,
Ao Pai de amor louvai.
Na terra ou céu além
Jesus dominará.
E a glória que ele tem
Aos crentes mostrará.
Em alta voz
Ao vosso Deus cantai,
Ao Pai de amor louvai.

(Rejoice the Lord is King – Hino de Charles Wesley


– Tradução: João Soares da Fonseca)

Livra-nos do Mal – Dia 2


Tenho posto o SENHOR continuamente diante de mim; por isso que
ele está à minha mão direita, nunca vacilarei.
Salmo 16.8

“Livra-nos do mal”, ou, antes, “do maligno”, o príncipe e deus deste


mundo,1 que opera com poder nos filhos da desobediência.2 Mas
todos os que são filhos de Deus, pela fé, estão livres de suas mãos.
Pode o maligno lhes dar combate, e isto ele o fará; mas não pode
vencer, a não ser que eles se tornem traidores da própria alma. Pode
atormentá-los por algum tempo, mas não os pode destruir, porque
Deus está ao lado deles e, sem dúvida alguma, no momento
oportuno, vingará seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite.3 A
conclusão dessa oração divina, geralmente designada como
“doxologia”, é uma solene ação de graças, um breve reconhecimento
dos atributos e obras de Deus. “Porque teu é o reino” – O Senhor
tem soberano direito sobre todas as coisas criadas; sim, teu reino é
um reino eterno e teu domínio dura por todos os séculos! 4 “O
poder”: o poder executivo pelo qual tu governas todas as coisas em
teu reino eterno; pelo qual tu fazes tudo quanto te apraz,5 por toda a
vastidão de teu domínio.6 “E a glória”: o louvor devido por toda
criatura, pelo teu poder e pelo poder de teu reino, e por todas as
obras maravilhosas que operaste desde a eternidade, e operarás até
o fim, “para todo o sempre. Amém”.7 Assim seja! XXVI, III, 15-16

1Jo 14.30 2Ef 2.2 3Lc 18.7 4Sl 145.13 5Sl 135.6 6Sl 103.22 7Mt 6.13

Jejum e Seus Motivos – Dia 3

Todos os caminhos do homem são limpos aos seus olhos, mas


o SENHOR pesa o espírito. Provérbios 16.2

Mostrarei de que maneira devemos jejuar, para que o jejum se torne


em serviço aceitável ao Senhor.1 Em primeiro lugar, seja ele
praticado na presença de Deus, com nossos olhos bons fixados
nele.2 Seja nossa intenção, nossa intenção única, glorificar a nosso
Pai que está nos céus; expressar nossa tristeza e vergonha pelas
multiformes transgressões de sua santa lei; esperar por um aumento
de graça purificadora, erguendo nossas afeições até as coisas do
alto;3 adicionar seriedade e fervor às nossas orações; abrandar a ira
de Deus e obter todas as grandes e gloriosas

JULHO

promessas que Ele nos fez em Cristo Jesus .4 Guardemo-nos de


zombar de Deus,5 convertendo nosso jejum, assim como nossas
orações, em abominação ao Senhor, pela mistura de qualquer
pensamento temporal, particularmente pela ânsia de agradar aos
homens. Contra isso, nosso bendito Senhor especialmente nos
adverte nas palavras do texto: Quando jejuardes, não sejais como os
hipócritas – tais eram muitos dentre os que eram chamados povo de
Deus – “de ar triste”, rosto áspero, afetadamente sombrio. Porque
eles desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam: este é
o seu principal, senão mesmo o seu único desígnio. Em verdade vos
digo que eles já receberam sua recompensa, isto é, a admiração e o
aplauso dos homens. Mas tu, quando jejuas, unge tua cabeça e lava
o teu rosto, fazendo como estás acostumado a fazer em outras
ocasiões, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai
que está em secreto: e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará.6 XXVII,7 IV, 1

1Rm 12.1 2 Mt 6.22 3 Cl 3.2 4 2 Pe 1.4 5 Gl 6.7 6 Mt 6.16-18 7 Sermão XXVII:


Sobre o Sermão do Monte, Discurso VII

Jejum, Apenas um Caminho – Dia 4

Ainda assim, agora mesmo diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de


todo o vosso coração; e isso com jejuns, e com choro, e com pranto.
Joel 2.12

Guardemo-nos de sup or que merecemos alguma coisa de Deus por


nosso jejum. Não podemos estar demasiadamente vigilantes a esse
respeito, uma vez que o desejo de estabelecer nossa própria
justiça,1 procurando a salvação como pagamento e não de graça,
tão profundamente enraizado está em nossos corações. O jejum é
apenas um caminho que Deus ordenou, no qual esperamos em sua
imerecida misericórdia, e no qual, sem nenhum merecimento de
nossa parte, Ele prometeu livremente: dar-nos sua bênção. Não
imaginemos que a realização do simples ato externo atrairá qualquer
bênção de Deus. Não, por certo: Se ele for um mero serviço exterior,
será tudo, inclusive um trabalho perdido; tal prática possivelmente
pode afligir o corpo, mas, quanto à alma, nada lhe aproveita. Sim, o
corpo pode ser afligido algumas vezes, a ponto de se tornar inapto
para as obras de nossa vocação. Contra isto devemos também
guardar-nos diligentemente; porque devemos preservar a saúde, que
é uma boa dádiva de Deus. Deve-se ter todo cuidado, toda vez que
se jejue, em manter equilíbrio entre a abstinência e a saúde física.
Não devemos destruir o corpo para o auxílio da alma. Se não
pudermos abster-nos totalmente de alimento, podemos, pelo menos,
abster-nos de manjares não essenciais; e então não buscaremos em
vão a sua face.2 XXVII, IV, 2-4

1 Rm 10.3 2 Sl 27.8

A Tristeza que Conduz ao Arrependimento – Dia 5

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos


céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão
consolados; Mateus 5.3-4

Tenhamos cuidado em disciplinar nossa alma, do mesmo modo que


nosso corpo. Toda ocasião de jejum público ou privado seja um
tempo destinado ao exercício daquelas santas afeições que implicam
num coração contrito e quebrantado.1 Seja uma época de piedosa
tristeza acerca do pecado, tristeza como a dos coríntios, a respeito
da qual o apóstolo disse: Agora me regozijo, não de que fostes
entristecidos, mas em que vos entristecestes para o arrependimento;
porque fostes entristecidos segundo Deus, para que de nossa parte
em nada fôsseis prejudicados. Porque a tristeza piedosa produz
JULHO

arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a


tristeza do mundo produz morte.2 Sim, que nossa tristeza, de
espécie piedosa, opere em nós o mesmo arrependimento interno e
externo; a mesma inteira mudança de coração, renovado segundo a
imagem de Deus,3 em justiça e verdadeira santidade,4 até que
sejamos santos como Deus é santo, em toda maneira de
conversação.5 Opera ela em nós o mesmo cuidado de sermos
achados no Senhor, sem mácula e sem culpa;6 a mesma indignação,
ou veemente aborrecimento de todo pecado; o mesmo desejo de em
todas as coisas nos conformarmos à santa e aceitável vontade de
Deus;7 o mesmo zelo por tudo quanto possa ser instrumento de sua
glória e de nosso crescimento no conhecimento de nosso Senhor
Jesus Cristo.8 XXVII, IV, 5

1Sl 51.17 2 2 Co 7.8-10 3 Cl 3.10 4 Ef 4.24 5 1 Pe 1.15 6 Ef 5.27 7 Rm 12.1-2


8 1 Pe 3.18

Jejum que Agrada Deus – Dia 6

Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras


da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo, e que deixes livres
os quebrantados, e que despedaces todo o

jugo? Isaías 58.6

Juntemos ao jejum, em todos os tempos, nossas orações fervorosas,


derramando nossa alma inteira diante de Deus, confessando nossos
pecados, humilhando-nos debaixo de sua mão poderosa,1 pondo
diante dele todas as nossas necessidades, todas as nossas culpas e
toda a nossa desesperança. Essa é a época de alongarmos nossas
orações, em nosso proveito e a bem de nossos irmãos. Resta
somente, para que nossa observância de um tal jejum seja aceitável
ao Senhor, que a ele adicionemos esmolas, obras de misericórdia,
de acordo com a nossa capacidade, tanto em benefício do corpo,
como em proveito da alma de nosso próximo. Com tais sacrifícios
também Deus se agrada.2 Assim o declarou o anjo a Cornélio,
jejuando ele e orando em sua casa: Tuas orações e tuas esmolas
subiram para lembrança diante de Deus.3 Se, quando jejuares,
esvaziares a tua alma para o faminto e satisfizeres a alma aflita,
então se levantará tua luz na obscuridade e tuas trevas tornar-se-ão
como o meio-dia. E o Senhor te guiará continuamente, e encherá tua
alma de resplendores, e livrará os teus ossos, e serás como um
jardim de regadio, e como uma fonte de águas, cujas águas jamais
faltarão.4 XXVII, IV, 6, 7

1 1 Pe 5.6 2 Hb 13.16 3 At 10.4 4 Is 58.6-11

Os Olhos do Teu Entendimento – Dia 7

Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o


mandamento do SENHOR é puro e alumia os olhos.
Salmo 19.8

Se os teus olhos forem bons, fixos em Deus, todo o teu corpo será
luminoso.1 Todo o teu corpo significa tudo que é orientado pela
intenção, como o corpo o é pelos olhos; tudo quanto és; tudo que
fazes; teus desejos, tendências, afeições; teus pensamentos,
palavras e obras. Tudo isso será luminoso, cheio do verdadeiro,
divino conhecimento. Esta é a primeira coisa que podemos entender
pela palavra luz. Em sua luz tu verás a luz.2 Aquele que outrora
mandou a luz brilhar em meio às trevas,3 brilhará em teu coração:
Ele alumiará os olhos de teu entendimento4 com o conhecimento da
glória de Deus.5 Seu Espírito te revelará as coisas profundas de
Deus.6 A inspiração do Santo dar-te-á compreensão e em secreto te
fará conhecer a sabedoria.7 Sim, a unção que dele recebeste
habitará em ti, ensinando-te todas as coisas.8 Como a experiência
confirma isto! Mesmo depois que Deus abriu
JULHO

os olhos de nosso entendimento, se buscamos ou desejamos algo


fora de Deus, como se obscurece desde logo nosso estulto coração!
Quando, porém, nada desejamos e nada buscamos fora de Deus, as
nuvens e as dúvidas se esvaem. Nós, que em outro tempo éramos
trevas, somos agora luz no Senhor.9 A noite agora brilha como o dia,
e constatamos que a vereda dos justos é luz.10 Mostra-nos Deus o
caminho que devemos trilhar – e faz clara a vereda diante de nossa
face. XXVIII,11 I, 3

1 Mt 6.22 2 Sl 36.9 3 Jo 1.5 4 Ef 1.18 5 Hc 2.14 6 1 Co 2.10 7 Sl 51.6


8 1 Jo 2.27 9 Ef 5.8 10Pv 4.18 11Sermão XXVIII: Sobre o Sermão do Monte,
Discurso VIII

A Renovação da Alma – Dia 8

E o Senhor vos aumente e faça crescer em amor uns para com os


outros e para com todos, como também nós para convosco;para
confortar o vosso coração, para que sejais irrepreensíveis em
santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo, com todos os seus santos.

1Tessalonicenses 3.12-13

A segunda coisa, que pela palavra luz aqui podemos entender, é a


santidade. Desde que buscas a Deus em todas as coisas, acha-lo-ás
em tudo, – a fonte de toda santidade1 continuamente enchendo-te de
sua própria semelhança, justiça, misericórdia e verdade. Enquanto
olhas para Jesus, e somente para Ele, estás repleto da mente que
nele havia.2 Tua alma se renovará dia a dia, segundo a imagem
daquele que a criou. Se os olhos de tua mente não se apartarem
dele, se perseverares vendo o invisível3 e nada mais buscando, seja
nos céus ou na terra, então, serás transformado à mesma imagem,
de glória em glória, pelo Espírito do Senhor.4 É pela fé que os olhos
da mente se abrem à visão da luz do glorioso amor de Deus; e,
desde que eles se fixem atentamente em Deus, – no Deus revelado
em Cristo, reconciliando o mundo consigo mesmo5 – mais e mais
nos enchemos do amor de Deus e dos homens, de doçura, de
mansidão, de paciência; enchemo-nos de todos os frutos6 de
santidade que são por Cristo Jesus, para a glória de Deus Pai.
XXVIII, 1, 4

1 1 Pe 1.16 2 Fp 2.5 3 Hb 11.27 4 2 Co 3.18 5 2 Co 5.19 6 Gl 5.22

Felicidade e Santidade – Dia 9

Ó SENHOR, Deus de Israel, não há Deus como tu, em cima nos céus
nem embaixo na terra, que guardas a aliança e a misericórdia a teus
servos que de todo coração andam diante

de ti. 1 Reis 8.23

A luz que pervade aquele que tem os olhos bons1 implica tanto na
felicidade como na santidade. Verdadeiramente, a luz é doce, e
agradável coisa é ver o sol.2 Quão melhor é, entretanto, ver o Sol da
Justiça3 continuamente brilhando sobre a alma! E se há alguma
consolação em Cristo, algum conforto de amor,4 alguma paz que
exceda toda a compreensão,5 algum regozijo na esperança da glória
de Deus,6 tudo isso pertence àquele cujos olhos são bons. Assim é
todo o seu corpo cheio de luz.7 Ele anda na luz como Deus está na
luz,8 regozijando-se sobremodo, orando sem cessar e em tudo
dando graças, comprazendo-se na vontade de Deus,9 não importa
qual seja, a ele concernente em Cristo Jesus. Mas, se teus olhos
forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras.10 Se teus olhos
forem maus: vemos que não há meio-termo entre olhos bons e olhos
maus. Se teus olhos não forem bons, então eles serão maus. Se a
intenção, em tudo que fizermos, não for unicamente para Deus, se
outra coisa buscarmos, então nossa mente e nossa consciência se
acham poluídas.
JULHO

Nossos olhos são maus se, em qualquer obra que fizermos, nosso
alvo tenha tendência para outro fim que não seja Deus. XXVIII, I, 5

1Mt 6.22 2 Ec 11.7 3 Ml 4.2 4 Fp 2.1 5 Fp 4.7 6 Rm 5.2 7 Mt 6.22 8 1 Jo 1.7 9 1


Ts 5.16-18 10 Mt 6.23

Nosso Refúgio Único – Dia 10

Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos


aliviarei. Mateus 11.28

Mas, se teus olhos forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras.1
Se tivermos outro objetivo à parte do conhecer e amar a Deus, servir
e agradar-lhe em todas as coisas, se tivermos qualquer outro
desígnio que não seja o de termos prazer somente em Deus, sermos
felizes nele, agora e para sempre, então nossos olhos são maus.2
Não há paz, nem sossego, nem sólido descanso para os que não
conhecem a Deus. Não há verdadeiro contentamento, nem
contentamento duradouro, para os que não buscam a Deus de todo
o seu coração. Enquanto aspiras qualquer coisa que perece, tudo
quanto vem é vaidade,3 e não apenas vaidade, mas é correr atrás do
vento,4 tanto no ardor do desejo como na decepção do prazer.
Andas, na verdade, atrás de uma sombra vã e te inquietas em vão.
Andas em trevas tão espessas que se podem apalpar. Dormes, mas
não repousas. Os sonhos da vida podem gerar sofrimento, o que
bem sabes; tranquilidade, porém, eles não podem dar. Neste mundo
não há descanso – nem no mundo vindouro, a não ser em Deus.
XXVIII, I, 8

1Mt 6.23 2 Mt 6.22 3Ec 11.8 4 Ec 1.14

Tesouros na Terra – Dia 11


Mas é grande ganho a piedade com contentamento.
1 Timóteo 6.6

Perguntas, o que quer dizer ajuntar tesouros na terra?1 Seja-nos


permitido observar, primeiro o que não é proibido neste
mandamento, para que vejamos depois, com clareza, seu real
ensino. Não nos é proibido neste mandamento, em primeiro lugar,
esforçai-vos para fazer o bem perante todos os homens,2 prover-nos
das coisas que possamos dar a quem forem devidas3 – seja qual for
a coisa de nós requerida com justiça, tanto mais quanto Deus nos
ensina a não devermos nada a pessoa alguma.4 Devemos, pois,
usar de toda diligência em nossa vocação, de modo a não devermos
nada a ninguém. Em segundo lugar, o mandamento não proíbe a
provisão de coisas que nos sejam necessárias ao corpo; quantidade
suficiente de simples e sadio alimento para nutrir-nos e vestuário
limpo para cobrir-nos. É nosso dever, dentro da capacidade que
Deus nos tem concedido, providenciar essas coisas, uma vez que
devemos comer nosso próprio pão5 para não sermos pesados a
ninguém.6 XXVIII, I, 11

1Mt 6.19 2 Rm 12.17 3 Rm 13.7 4 Rm 13.8 5 2 Ts 3.12 6 Gl 6.5

As Necessidades Singelas da Vida – Dia 12

Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a


pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for
necessário. Provérbios 30.8

Não somos proibidos de prover o necessário a nossos filhos e aos de


nossa própria família. Somos compelidos a cumprir tal dever. Todo
homem deve ganhar o necessário à vida de sua esposa e filhos e
torná-los capazes de

JULHO
manutenção própria, quando o chefe se vai deste mundo e não mais
é visto. Quando digo – a manutenção – quero falar das necessidades
singelas da vida e não de comidas e bens extravagantes ou
desnecessários, porque o homem não é obrigado a providenciar para
os seus, nem para si mesmo, de meios de luxúria e ociosidade. Se,
porém, o homem não cuida de seus próprios filhos (assim como das
viúvas de sua parentela, de quem primariamente tratava Paulo nas
bem conhecidas palavras a Timóteo), praticamente tem negado a fé
e é pior do que o descrente,1 ou pagão. Finalmente, por aquelas
palavras não nos é proibido juntar, de tempos em tempos, os fundos
necessários ao custeio de negócios seculares, na medida e grau
necessários pelos fins previstos, de maneira tal que, primeiro, não se
deva nada a pessoa alguma;2 em segundo lugar, procure o homem
aquilo que é necessário à vida; e, em terceiro lugar, forneça aos de
sua própria casa o necessário enquanto viver, e os meios com que
se possam prover, quando tiver ido para Deus. XXVIII, 1, 11

1 1 Tm 5.8 2 Rm 13.8

Amontoando Bens Materiais – Dia 13

O cobiçoso levanta contendas, mas o que confia no Senhor


prospera. Provérbios 28.25

Podemos agora discernir com clareza (a menos que não estejamos


dispostos a tal discernimento) o que é de fato proibido. É proibido
buscar os bens deste mundo em maior quantidade do que o exijam
as necessidades previstas. Trabalhar em busca de um amontoado
maior de fortuna terrena, de um maior acúmulo de ouro e prata –
estendendo a possessão para além das exigências normais –, isto é
o que o mandamento expressa e absolutamente condena.

Se as citadas palavras Não ajuntar tesouros na terra1 têm qualquer


sentido, este deve ser o que se acaba de definir; elas não podem
significar nenhum outro. Consequentemente, uma vez que o sentido
do mandamento é este, desde que o homem não tenha dívidas,
tenha alimento e vestuário para si e para os seus, possuindo as
reservas adequadas à movimentação de seus negócios temporais –
e isto na medida estrita dos propósitos razoáveis; quem quer que
seja, afirmo, que, estando em tais circunstâncias, busca na terra
quinhões ainda maiores – vive em aberta e habitual negação do
Senhor que o resgatou. Esse tal praticamente negou a fé e é pior do
que o descrente.2XXVIII, I, 12

1Mt 6.19 2 1 Tm 5.8

Tesouros no Céu – Dia 14

Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso


coração. Mateus 6.21

Ouvi isto, todos vós que habitais o mundo e amais o mundo em que
tendes morada! Podeis ser altamente apreciados pelos homens, mas
sois abominação à vista de Deus.1 Até quando vossas almas se
apegarão ao pó?2 Quando despertareis e vereis que os pagãos
estão mais perto do reino dos céus do que vós? Quando vos
persuadireis a escolher a parte melhor, a parte que vos não será
tirada?3 Quando procurareis apenas ajuntar tesouros nos céus,4
renunciando, temendo, aborrecendo aos demais? Se ambicionais
ajuntar tesouro na terra,5 não somente estais perdendo vosso tempo
e gastando vosso rigor em troca daquilo que não é pão6 – porque,
qual será o fruto, se fordes bem-sucedidos? Tens assassinado a
vossa própria alma! Extinguistes a última faísca de vida espiritual que
nela havia! Agora, na verdade, em meio da vida, estais mortos! Sois
um homem vivo, mas

JULHO
um cristão morto! Porque, onde estiver vosso tesouro, aí estará
também o vosso coração.7 XXVIII, I, 13
1Lc 16.15 2 Sl 119.25 3 Lc 10.42 4 Mt 6.20 5 Mt 6.19 6 Is 55.2 7 Mt 6.21

O Perigo das Riquezas – Dia 15


Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laços,
e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os
homens na perdição e ruína.1Timóteo 6.9

Vosso coração está abatido no pó; vosso corpo está apegado no


chão.1 Vossas afeições estão postas, não nas coisas de cima, mas
nas coisas da terra,2 em pobres alfarrobas,3 que podem envenenar,
mas não podem satisfazer o espírito imortal, criado por Deus. Vosso
amor, vossa alegria, vosso desejo, têm por objetivo coisas que se
gastam e que perecem. Jogaste fora o tesouro do céu. Perdestes a
Deus e a Cristo. Ganhastes riquezas e fogo infernal! Oh, quão
dificilmente entrarão no reino dos céus os que possuem riquezas! 4
Perante os discípulos atônitos, nosso Senhor, longe de retirar essas
palavras, repete a mesma importante verdade em termos ainda mais
fortes: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de agulha, do que
um rico entrar no reino de Deus! 5 Quão duro é para aqueles cujas
palavras são todas aplaudidas, não serem sábios a seus próprios
olhos! Quão duro é para eles não se julgarem melhores do que o
pobre, desprezível, ignorante rebanho de homens! Quão duro é para
eles não buscarem a felicidade nas riquezas, na gratificação do
desejo da carne, da cobiça dos olhos e da vaidade da vida!6 Ó, vós,
ricos, como podereis escapar à perdição do inferno? Somente
porque para Deus tudo é possível! 7 XXVIII, I, 14

1Sl 44.25 2Cl 3.2 3 Lc 15.16 4 Mt 19.23 5 Mt 19.24 6 1 Jo 2.16 7 Mt 19.26

O Amor ao Dinheiro – Dia 16

Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e


nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si
mesmos com muitas dores. 1 Timóteo 6.10

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra .1 Esta


advertência não é somente feita para os ricos, mas também para
quem procura ser rico. As riquezas, perigosas como são, nem
sempre mergulham o homem na destruição e perdição;2 mas o
desejo de riquezas o faz. Aqueles que calmamente desejam e
buscam deliberadamente atingi-las, venham eles de fato a ganhar o
mundo ou não, infalivelmente perdem a própria alma.3 Estes são os
que vendem Aquele que os comprou pelo próprio sangue,4 em troca
de umas tantas moedas de ouro ou prata. Estes são os que entram
em pacto com a morte e o inferno – e esse pacto continua, porque
eles diariamente se fazem dignos de partilhar sua herança com o
diabo e seus anjos. Deus não vê como vê o homem.5 Ele te avalia,
não por tuas riquezas, não por tua grandeza, nem por qualquer
qualificação ou talento, que direta ou indiretamente se relacione com
tua riqueza e que esta possa comprar ou atrair. Tudo isso é para Ele
esterco e escória.6 Seja-o também para ti. Guarda-te de pensar
sejas um nada mais sábio ou melhor em razão de todas aquelas
coisas. Pesa-te em outra balança: avalia-te somente pela medida de
fé e amor que Deus te concedeu. XXVIII, I, 15, 17

1Mt 6.19 21 Tm 6.9 3 Lc 9.25 4 Gl 3.13 5 1 Sm 16.7 6 Fp 3.8

Felicidade em Deus – Dia 17

Quem confia nas suas riquezas cairá, mas os justos reverdecerão


como a folhagem. Provérbios 11.28

JULHO

Confiar nas riquezas, como condição de felicidade, é, pois, a maior


de todas as loucuras que se praticam debaixo do sol! 1 Não estás
convencido disso? Achas possível que ainda esperes encontrar no
dinheiro a felicidade, ou que tudo possa o dinheiro comprar? Como?
Podem então a prata e o ouro, comida e bebida, vestidos
deslumbrantes, diversão e prazeres (como são chamados) fazer-te
feliz? Estas coisas podem lhe fazer feliz tanto quanto podem lhe
fazer imortal!
Oh! Confiai nele tanto para a felicidade como para auxílio. Todas as
fontes de felicidade estão nele. Confiai naquele que nos deu todas as
coisas para a nosso aprazimento,2 aquele que, de sua própria
misericórdia, livre e rica, no-las estende com suas próprias mãos,
para que, recebendo-as como suas dádivas e como promessa de
seu amor, possamos gozar de tudo quanto possuímos. É próprio de
seu amor dar encanto a tudo que degustamos – infundir vida e
doçura em tudo, de modo que toda criatura nos leve ao grande
Criador, e toda a terra seja uma escada que conduza ao céu. Ele
comunica as alegrias que estão à sua destra a tudo que concede a
seus filhos agradecidos, os quais, tendo comunhão com o Pai e com
seu Filho Jesus Cristo, nele se regozijam em tudo e acima de tudo.
XXVIII, I, 20-21

1Ec 1.17 213 Tm 6.17

Um Mandamento Claro – Dia 18

Desvia os meus olhos de contemplarem a vaidade e vivifica-me no


teu caminho. Salmo 119.37

Não procures aumentar os bens. Não ajunteis para vós mesmos


tesouros na terra.1 Trata-se de um mandamento claro, positivo; tão
claro como Não adulterarás.2 Como pode ser possível ao rico
aumentar sua riqueza, sem negar o Senhor que o resgatou? Como
pode um homem, que tem com sobra o necessário para a vida,
ganhar e ambicionar ainda mais, e ser inculpável? “Não ajunteis”, diz
o Senhor, “tesouros na terra”. Se, a despeito disso, tens e ainda
desejas amontoar dinheiro e bens, que a ferrugem e a traça
consomem e os ladrões penetram e roubam;3 se desejas unir casa a
casa ou campo a campo, porque ainda te chamas cristão? Não
obedeces a Jesus Cristo. Nem pretendes obedecer-lhe. Por que,
então, ainda te nomeias pelo seu nome? Por que me chamas
Senhor, Senhor – diz Ele próprio – e não fazes as coisas que
ordeno?4 Talvez perguntes: Que faremos, logo, de nossos bens,
visto que temos mais do que precisamos gastar, se os não pudermos
guardar? Devemos atirá-los fora? Respondo: se os atirasses ao mar
ou se os lançasses ao fogo para os consumir, eles teriam depois
disso melhor emprego do que o têm agora. Não podes encontrar
maneira mais ruinosa do que os guardar, do que deixá-los para tua
posteridade, ou conservá-los para teu proveito imediato, em loucuras
e superfluidade. De todos os possíveis métodos de lançar fora as
riquezas supérfluas, esses dois são os piores: os mais contrários ao
Evangelho de Cristo e os mais perniciosos à tua própria alma.
XXVIII, I, 22-23

1Mt 6.19a 2 Ex 20.14 3 Mt 6.19b 4 Lc 6.46

Corações Desorientados – Dia 19

E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida


de qualquer homem não consiste na abundância do que possui.
Lucas 12.15

O dinheiro, se não for gasto de acordo com a razão e a fé, faz a


gente viver uma vida mais tola e extravagante do que teria vivido
sem ele; assim, se não gastares teu dinheiro fazendo o bem aos
outros, tu o gastarás em teu próprio dano. Este é o caso do dinheiro
supérfluo: se o dás a quem

JULHO

dele precisa, é um tônico; se o gastas contigo mesmo, é alguma


coisa que não precisavas, e somente inflama e desorienta teu
espírito. Usando riquezas onde elas não tenham real utilidade, e nem
real emprego, nós apenas as usamos para nosso grande mal,
criando desejos insensatos, nutrindo atitudes venenosas, e dando
vazão às paixões frívolas. Porque alta cozinha e bebida requintada,
roupas finas e casas opulentas, luxo e ostentação, prazeres e
diversão inconsequentes, tudo isto prejudica o nosso coração e o
desorienta. São um suporte que não deve ser suportado! São
contrários àquela sobriedade e piedade de coração que desfruta as
coisas divinas. São pesos amontoados sobre nossa mente, que nos
tornam menos capazes, menos inclinados a erguer os pensamentos
e afeições às coisas do alto.1 Ajuntar tesouros na terra é a mesma
coisa que reter o dinheiro dos pobres e com ele adquirirmos veneno.
XXVIII, I, 23

1Cl 3.2

O Mordomo Fiel – Dia 20

Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a
esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que
abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos;
que façam o bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa
mente e sejam comunicáveis; que entesourem para si mesmos um
bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida
eterna.

1 Timóteo 6.17-19

O meio verdadeiro de empregar aquilo de que não necessitas, podes


aprendê-la nas palavras de nosso Senhor, que complementam o que
vem antes: Ajuntai para vós tesouros no céu, onde a traça e a
ferrugem não os consomem, e onde os ladrões não penetram nem
roubam.1 Deposita teus tesouros no banco celestial; e Deus os
restituirá naquele dia.

Aquele que tem piedade do pobre empresta a Deus; e atenta que,


aquilo que Ele toma, será restituído novamente.2 “Põe aquilo”
– diz Ele – “em minha conta. Todavia, tu me deves até tua própria
pessoa”. Dá ao pobre com olhos bons,3 com um coração reto;
escreve: “Dado tanto a Deus” porque, tudo quanto fizeres a um dos
mais pequeninos de meus irmãos, a mim o fizeste.4 Esta é a parte
de um mordomo fiel e prudente:5 não vender nem sua casa ou
terras, ou principais provisões, a não ser que alguma circunstância
especial o requeira; e não desejar aumentá-las, nem por esse
objetivo se bater, principalmente para as dissipar em vaidade; mas
empregá
-las totalmente nos sábios e razoáveis propósitos para os quais o
Senhor as depositou em suas mãos. XXVIII, I, 26

1Mt 6.20 2 Pv 19.17 3 Mt 6.22 4 Mt 25.40 5 Lc 12.42

Ninguém pode Servir a Dois Senhores – Dia 21

Não terás outros deuses diante de mim. Êxodo 20.3

Está escrito que as nações colocadas nas cidades de Samaria pelo


rei da Assíria, após o cativeiro de Israel, temiam ao Senhor e serviam
a seus próprios deuses.1 Essas nações, diz o escritor inspirado,
temiam ao Senhor, prestando a Ele serviço exterior (o que
plenamente prova que elas tinham temor de Deus, embora não
segundo o conhecimento), e serviam a suas imagens esculpidas,
eles, seus filhos e os filhos de seus filhos: como fizeram seus pais,
assim o fazem eles até o dia de hoje.2 Como a prática dos cristãos
mais modernos se aproxima da conduta dos antigos pagãos! “Eles
temem ao Senhor”; também prestam externo serviço a Ele, por este
meio provando que têm algum temor de Deus; mas esses cristãos do
mesmo modo “servem a seus próprios deuses”. Há os que lhes
ensinam, como havia quem ensinava aos assírios, a maneira do
deus da terra;3 todavia, não servem

JULHO

somente a ele; não o temem, em consequência, em medida


absoluta; cada nação, porém, faz deuses para seu próprio uso.
Essas nações “temem” ao Senhor; não negligenciam o culto exterior
devido a Ele; mas servem a suas imagens de escultura.4 Prata e
ouro, obra das mãos humanas: dinheiro, prazeres, elogios (os
deuses deste mundo) dividem seus serviços, até a última
extremidade, com o Deus de Israel. Esta é a conduta tanto de seus
filhos como dos filhos de seus filhos; como fizeram seus pais, assim
o fazem eles até o dia de hoje.5 XXIX,6 1, 1

12 Rs 17.33 2 2 Rs 17.41 3 2 Rs 17.27 4 2 Rs 17.41 5 2 Rs 17.41 6 Sermão


XXIX: Sobre o Sermão do Monte, Discurso IX

Deus e Mamon – Dia 22

O seu coração está dividido; por isso, serão culpados;


Oseias 10.2

Como é vão alguém tentar servir a dois senhores! É fácil prever qual
seja a consequência inevitável de semelhante tentativa. Aborrecerá a
um e amará o outro, ou apegar-se-á a um e desprezará o outro.1 As
duas partes dessa frase, embora separadamente enunciadas, devem
ser entendidas em conjunto, pois a última decorre da primeira.
Naturalmente se apegará o servo àquele a quem ama. Tão
estreitamente se ligará a ele, que lhe prestará serviço fiel, diligente e
de boa vontade, enquanto que, em relação ao senhor a quem
aborrece, despreza-o, a ponto de negar atenção às suas ordens e,
se de algum modo lhe obedece em qualquer coisa, fá-lo de maneira
negligente e descuidada. Assim, todos os homens de senso
concluirão: Não podemos servir a Deus e a Mamon.2 Mamon era o
nome de um dos deuses pagãos, que se acreditava ser o padroeiro
das riquezas, como tais compreendidos os valores em espécie, como
ouro e prata, ou, em geral, dinheiro e, por extensão, as coisas
adquiridas pelo dinheiro, como bem-estar, honras e prazeres
sensuais. Que deveremos entender por servir a Deus e por servir às
riquezas? Não podemos servir a Deus sem crermos nele. Crer é o
único fundamento verdadeiro do serviço a Deus. XXIX, I, 3-4

1Mt 6.24b 2Mt 6.24a

O Descanso Único das Nossas Almas – Dia 23


A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu
deseje além de ti. Salmo 73.25

Crer em Deus implica em confiar nele como a nossa fortaleza, sem a


qual nada podemos fazer;1 como quem nos reveste, a cada
momento, do poder do alto,2 sem o qual é impossível agradar-lhe;
como nosso auxílio, nosso refúgio único no tempo da provação,3
pondo em nossos lábios cânticos de livramento;4 como nosso
escudo, nossa proteção, e o que nos levanta a cabeça acima de
todos os inimigos que nos rodeiam.5 Implica em confiar em Deus
como nossa felicidade, o descanso único de nossas almas, o único
bem adequado a todas as nossas capacidades e suficiente para
satisfazer a todos os desejos que Ele nos dê. Implica, em outras
palavras, em confiar no Senhor como nosso fim, ter os olhos postos
nele em todas as circunstâncias, usar todas as coisas apenas como
meios de lhe apreciar. Onde quer que estejamos, ou o que quer que
façamos, ver Aquele que é invisível6 a olhar-nos com prazer e amor
– e fazer que todas as coisas se refiram a Deus, em Jesus Cristo.
XXIX, I, 4

1Jo 15.5 2 Lc 24.49 3 Sl 46.1 4 Sl 32.7 5 Sl 27.6 6 Hb 11.27

JULHO

Como Servir a Deus – Dia 24

Aquele que diz que está nele também deve andar como ele
andou.1 João 2.6

Crer é, pois, a primeira coisa que devemos compreender por servir a


Deus. A segunda é amá-lo. Amar a Deus, no sentido das Escrituras,
da forma requerida de nós pelo próprio Deus, o qual, para tornar
viáveis seus desígnios, opera em nós para que assim o amemos, é
amá-lo como o único Deus, isto é, de todo nosso coração, de toda
nossa alma, de todo nosso entendimento e de toda a nossa força;1 e
desejar somente a Deus por si mesmo, e a nenhuma outra criatura, a
não ser com referência a Ele; alegrar-se em Deus; deleitar-se no
Senhor; não apenas buscar, mas nele encontrar a felicidade;
considerar a Deus como o principal entre dez milhares;2 nele
descansar, como nosso Deus e nossa plenitude; numa palavra: ter
uma tal posse de Deus que nos faça sempre felizes. Uma terceira
coisa temos a entender por servir a Deus: imitá-lo ou sermos
semelhantes a Ele. Assim pensava Agostinho quando escreveu: “O
melhor culto ou serviço prestado a Deus é imitar Aquele a quem
adorais”. Aqui falamos de imitação e semelhança em sentido
espiritual: no espírito é que a imitação de Deus, por parte do cristão,
começa. Deus é Espírito; e aqueles que o imitam ou a Ele se
assemelham, devem fazê-lo em espírito e em verdade.3 XXIX, I, 5-6

1Lc 10.27 2 Ct 5.10 3 Jo 4.24

Obediência em Tudo – Dia 25

Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha


palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele
morada. João 14.23

Deus é amor :1 assim, os que a Ele se assemelham em espírito, são


transformados segundo a mesma imagem. São misericordiosos
como Deus é misericordioso.2 Sua alma é todo amor. São bondosos,
benévolos, compassivos, de coração terno, e isto não só no trato
com os bons e mansos, mas ainda no trato com os perversos. São,
como Deus, amorosos para com todos os homens e sua misericórdia
se estende a todas as suas obras. Mais uma coisa devemos
entender por servir a Deus, e esta é – obedecer-lhe, glorificando-o
com nossos corpos e com nosso espírito; guardando seus
mandamentos externos; fazendo zelosamente o que Ele manda; –
evitando cuidadosamente o que Ele proíbe; cumprindo as ações
ordinárias da vida com olhos bons3 e coração puro4 – e oferecendo-
as em santo, fervente amor,5 como sacrifícios agradáveis a Deus,
mediante Jesus Cristo.6 XXIX, I, 6-7
11 Jo 4.8 2 Lc 6.36 3 Mt 6.22 4 Mt 5.8 5 1 Pe 4.8 6 1 Pe 2.5

Como Servir às Riquezas – Dia 26

Eis aqui o homem que não pôs a Deus por sua fortaleza; antes,
confiou na abundância das suas riquezas e se fortaleceu na sua
maldade. Salmo 52.7

Consideremos agora o que devemos compreender, por outro lado,


como servir às riquezas.1 Primeiramente, isto implica em confiar nas
riquezas, no dinheiro, ou coisas que por este se possam comprar,
como se fossem nossa força, o meio pelo qual podemos fazer tudo
quanto temos em vista; confiar nelas como nosso auxílio, pelo qual
esperamos ser confortados em nossas tribulações ou delas
libertados. Isto implica em confiar no mundo para nos dar felicidade;
em acreditar que a vida de um homem, o conforto de sua vida,
consiste na abundância dos bens que ele possui;2 no procurar

JULHO

descanso em coisas visíveis, contentamento nas coisas exteriores;


esperar nas coisas do mundo aquela satisfação que jamais será
encontrada fora de Deus. Se assim fazemos, nada menos é do que
elevar o mundo às alturas de nosso fim, nosso fim último, senão de
tudo, ao menos de grande parte de nossos empreendimentos, de
nossas ações e desígnios, através dos quais somente ambicionamos
aumento de riqueza, obtenção de prazeres e honras, ganho de bens
temporais em maior escala, sem nenhuma referência às coisas
eternas. XXIX, I, 8

1Mt 6.24 2 Lc 12.15

Escolhei Hoje a quem Sirvais – Dia 27

Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR,


escolhei hoje a quem sirvais: se os deuses a quem serviram vossos
pais, que estavam além do rio, ou os deuses dos amorreus, em cuja
terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR.
Josué 24.15

Servir a Mamon1 é, finalmente, obedecer ao mundo, conformar-se


exteriormente com suas máximas, seus preceitos e costumes; andar
como andam os outros homens, pela estrada comum, pelo caminho
largo, liso, batido; estar na moda; seguir a multidão; como faz o resto
de nossos vizinhos, isto é, fazer a vontade da carne e da mente,
satisfazer nossos apetites e instintos; sacrificar-nos a nós mesmos;
visar nossa comodidade própria e nosso prazer, no curso geral de
nossas palavras e ações. Que há de mais inegavelmente claro do
que o não podermos, assim, servir a Deus e às riquezas? Qualquer
homem não vê que não se pode servir os dois ao mesmo tempo?
Que o andar entre Deus e o mundo é o meio mais certo de
decepcionar a ambos, acabando por não ter descanso em nenhum
dos dois? Que posição incômoda a daquele que tendo temor de
Deus, mas não amor; que, servindo-o, mas não de todo coração –
possui apenas as fadigas, mas não as alegrias da religião! Ele tem
religião suficiente para fazê-lo miserável, mas não a tem em grau
necessário para fazê-lo feliz; sua aspiração religiosa não permite que
ele goze o mundo, e o mundo não o deixa deleitar-se em Deus.
Assim, titubeando entre ambos, perde a ambos – e não tem paz nem
em Deus, nem no mundo. XXIX, I, 11-12

1Mt 6.24

Não Terás Nenhuma Outra Ambição – Dia 28

Porque, noutro tempo, éreis trevas, mas, agora, sois luz no Senhor;
andai como filhos da luz (porque o fruto do Espírito está em toda
bondade, e justiça, e verdade), aprovando o que é agradável ao
Senhor. Efésios 5.8-10

Portanto, darás culto ao Senhor teu Deus e a Ele somente servirás.1


Abrirás mão de qualquer ideia de obedecer a dois senhores, de
servir a Deus e às riquezas.2 Proporás a ti nenhum fim, nenhuma
ajuda, nenhuma felicidade a não ser em Deus. Não buscarás na terra
ou no céu nada que não seja Deus; não terás outra ambição que não
seja conhecer e amar a Deus e dele gozar. E, uma vez que esta é
toda a tua preocupação na terra, o único objetivo que podes
razoavelmente ter, o único desígnio que te empolga em todas as
coisas – Por isso te digo (como nosso Senhor continua seu
discurso): não andes cuidadoso de tua vida, sobre o que hás de
comer ou beber; nem, quanto ao corpo, quanto ao com que hás de
cobrir.3 É uma profunda e valiosa exortação que importa
consideremos e compreendamos bem. XXIX, I, 15

1Lc 4.8 2 Mt 6.24 3 Mt 6.25

JULHO

Uma Odiosa Ofensa a Deus – Dia 29

Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu


próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e
ele endireitará as tuas veredas. Provérbios 3.5-6

No livro de Mateus (6.25), o que Jesus condena é o cuidado do


coração; o ansioso, inquieto cuidado; o cuidado que traz tormento;
todo cuidado que arruina a alma ou o corpo. O que Ele proíbe é
aquele cuidado que vem atormentar-nos antes do tempo. Ele
somente proíbe o cuidado que intoxica as bênçãos de hoje por medo
do que possa acontecer amanhã; que não permite o gozo da
presente abundância, graças às apreensões acerca de futuras
necessidades. Tal cuidado não é apenas uma enfermidade dolorosa,
uma doença cruel da alma, mas uma odiosa ofensa a Deus. É um
pecado do mais escuro breu. É uma alta afronta ao gracioso
Governador e sábio Ordenador de todas as coisas, porque implica
necessariamente em insinuar que o grande Juiz não julga retamente
e não dirige bem todas as coisas; implica em que Ele falhe, quer em
sabedoria, se não sabe o de que necessitamos, quer em bondade,
se não provê as coisas para todos os que nele põem a sua
confiança. Guardai-vos, pois, de encaminhar o pensamento nessa
direção: não andeis ansiosamente cuidadosos de coisa nenhuma.
Não tenhais pensamentos apreensivos. Esta é uma regra segura.
Cuidado ansioso é cuidado errôneo. Com os olhos bons1 voltados
para Deus, fazei tudo aquilo que se relaciona com a provisão de
coisas honestas à vista de todos os homens;2 depois, deixai tudo
nas mãos de Deus; entregai a Deus tudo quanto possa sobrevir.
XXIX, I, 17

1Mt 6.22 2Rm 12.17

Reinado Exclusivo de Deus – Dia 30

O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um


cetro de equidade. Salmo 45.6

Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus :1 antes de dardes


lugar a qualquer outra preocupação ou ansiedade, seja vosso
cuidado o cuidado de que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, reine em vosso coração, manifeste-se em vossa alma e nela
habite e mande; que esse especial cuidado exclua toda eminência
que se exalte contra o conhecimento de Deus e escravize todo o
pensamento à obediência de Cristo.2 Que só Deus tenha domínio
sobre vós: que Ele governe sem rival, que Ele possua todo o vosso
coração e o administre sem oposição. Seja Ele o vosso único desejo,
vossa alegria, vosso amor. Buscai primeiramente o reino de Deus e
sua justiça: a retidão é o fruto do reinado de Deus no coração. E o
que é a justiça, senão amor, amor de Deus e de toda a humanidade,
decorrendo da fé em Jesus Cristo, e produzindo humildade de
espírito, mansidão, amabilidade, longanimidade, paciência, morte
para o mundo, e toda disposição correta de coração, para com Deus
e para como os homens? Essas disposições produzem todas as
ações piedosas, as quais, sejam amáveis ou de boa fama,3 sejam
obras de fé ou trabalho de amor,4 são, todas elas, aceitáveis a Deus
e proveitosas ao homem. XXIX, 1, 20

1Mt 6.33 2 2 Co 10.5 3 Fp 4.8 4 1 Ts 1.3


JULHO

Graça Suficiente para as Tentações – Dia 31

E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal; pois teu é o
reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém!
Mateus 6.13

Não se preocupe com as tentações de amanhã. Este é também um


laço perigoso. Não penses: “Quando tal tentação vier, que hei de
fazer? Como a enfrentarei? Temo não possuir forças para resistir;
não sou capaz de derrotar tal inimigo”. É verdade. Em termos claros:
não tens agora a força de que necessitará. Não és capaz de derrotar
neste instante aquele inimigo; e neste instante ele não te assaltará.
Com a graça que agora tens, não poderias resistir às tentações que
de presente não te atacam. Quando, porém, vier a tentação, virá
também a graça. Nas provações maiores, maior será tua força.
Quando abundam as dores, as consolações de Deus de algum modo
superabundam.1 De modo que, em qualquer circunstância, a graça
de Deus te é suficiente.2 Ele não permite sejas tentado hoje além de
tuas forças; e em toda tentação Ele abrirá caminho à fuga.3 Como
teus dias, assim tuas forças serão.4 XXIX, I, 27
1Rm 5.20 2 2 Co 12.9 3 1 Co 10.13 4 Dt 33.25
AGOSTO

Meu Divino Protetor – Dia 1

Meu divino protetor, quero em ti me refugiar;


Pois as ondas de terror ameaçam me tragar.
Quase estou a perecer; dá-me tua proteção,
Pois guardado em teu poder, não receio o furacão.
Cristo, és tudo em meu viver;
Tudo em ti eu posso achar.
Os enfermos, com poder, só tu podes levantar.
És bondoso e santo, ó Deus, sou ingrato pecador.
Vem, dirige os passos meus; santifica-me Senhor.
Graça imensa em ti se achou para tudo perdoar;
Sangue teu se derramou que me vai purificar.
Fonte tu de todo bem, dá-me sempre de beber.
Confortar minha alma vem;
Queiras sempre me valer.

(Jesus, Lover of my Soul – Hino de Charles Wesley – Tradução:


Justus Henry Nelson e João Soares da Fonseca)

Julgamento Correto – Dia 2

Eis as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu
próximo, executai juízo nas vossas portas, segundo a verdade, em
favor da paz; Zacarias 8.16

Mas, qual é, na realidade, a significação destas palavras: Não


julgueis?1 Qual é o juízo que é aí proibido? Não é o mesmo que a
maledicência, embora esta figure no seu conteúdo. Maledicência é
qualquer imputação de mal, feita a uma pessoa ausente, enquanto
que o juízo pode referir-se a ausentes ou presentes. Nem isto
necessariamente implica em falar, mas também em pensar mal de
outrem. Nem todo pensamento mau no tocante a terceiros coincide
com o juízo que o Senhor condena. Se assisto à perpetração de um
furto ou homicídio, se ouço alguém blasfemar o nome de Deus, não
posso abster-me de julgar o ladrão

215

ou o assassino. Isto não é mau juízo; aí não há pecado, nem


qualquer atitude contrária à afeição compassiva. XXX,2 I, 8-12

1Mt 7.1 2 Sermão XXX: Sobre o Sermão do Monte, Discurso X

Julgamento Pecaminoso – Dia 3

Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta


justiça. João 7.24

O juízo que é condenado aqui é pensar de alguém de modo contrário


ao amor; e este pode ser de vários tipos. Podemos, primeiro, pensar
que alguém seja culpado, quando não o é. Podemos atribuir a
alguém ações de que não seja culpado – palavras que na realidade
jamais proferiu, ou atos que nunca praticou. Podemos pensar que
sua maneira de agir fora errada, embora, de fato, não o fosse. Ainda
mais: lá onde nada existe de reprovável, nem na coisa em si, nem no
modo de fazê-la, podemos supor uma intenção má, e assim
condená-lo por suas intenções ao mesmo tempo que Aquele que
sonda o coração1 vê a sua simplicidade e piedosa sinceridade. Não
caímos no pecado de mau juízo somente quando condenamos o
inocente: caímos neste erro, em segundo lugar, condenando o
culpado mais severamente do que ele merece. Esta espécie de juízo
é, ao mesmo tempo, uma ofensa contra a justiça e também contra a
misericórdia. E não é fácil sermos induzidos a crer que ainda
permaneça algum traço apreciável naquele em quem encontramos
alguma coisa de mau. Tudo isto evidencia uma falta profunda
daquele amor que não suspeita mal;2 que jamais tira conclusão
injusta ou má de premissas de qualquer espécie. XXX, I, 9-11
1Rm 8.27 2 1 Co 13.5
AGOSTO

Inteiramente Renovado – Dia 4

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que
muitos procurarão entrar e não poderão. Lucas 13.24

Esta é uma característica indiscutível do caminho do céu. Tão


estreito é o caminho que leva à vida, à vida eterna, tão estreita a
porta, que nenhum impuro, nenhum ímpio, pode entrar por ela.
Nenhum pecador pode passar através daquela porta, até que ele
seja salvo de todos os seus pecados; não somente de seus pecados
exteriores, de seu fútil procedimento que vossos pais vos legaram;1
não bastará que ele tenha cessado de praticar o mal e aprendido a
fazer o bem:2 deve não apenas ser salvo de todas as ações
pecaminosas, e de todos os discursos infrutíferos e maus, mas ser
interiormente mudado, inteiramente renovado em sua mente; de
outro modo não poderá passar através da porta da vida, não poderá
entrar na glória. Porque apertado é o caminho que conduz à vida,3 o
caminho da santidade universal. Estreito é, na verdade, o caminho
da pobreza de espírito; o caminho das lágrimas piedosas; o caminho
da humildade; o caminho dos que têm fome e sede de justiça.4
Estreito é o caminho da misericórdia; do amor verdadeiro; da pureza
de coração; do fazer o bem a todos os homens e do sofrer o mal,
toda forma de mal, com prazer, por causa da justiça.5 XXXI,6 II, 2-3

11 Pe 1.18 2 Is 1.16-17 3 Mt 7.14 4 Mt 5.3-6 5 Mt 5.10-11 6 Sermão XXXI:


Sobre o Sermão do Monte, Discurso XI

Um Caminho Solitário – Dia 5

Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após
mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz
e siga-me; Mateus 16.24
Esforçai-vos , portanto por entrar pela porta estreita.1 Para isto, põe
em teu coração, e deixa-o para sempre impresso em teus
pensamentos, que, se estás trilhando estrada larga, estás no
caminho que leva à perdição. Se os que vão contigo são muitos, tão
certo como Deus é verdadeiro, que, tanto eles como tu, estais
seguindo rumo ao inferno! Se estás andando segundo anda a
generalidade dos homens, estás seguindo para o abismo insondável!
Vão muitos sábios, muitos ricos, muitos poderosos, ou muitos
nobres, transitando contigo pela mesma estrada? Só por esse sinal
tu conheces que ela não conduz à vida. Aí está uma regra certa,
clara e infalível. Em qualquer profissão a que estejas devotado,
deves ser único ou estar perdido. O caminho que leva ao inferno
nada tem de solitário em si; mas a estrada que conduz aos céus é
toda solidão. Se tu moves um passo em direção a Deus, já não és
como os outros homens são. Não se preocupe com isso. É muito
melhor estar sozinho do que cair no abismo. Corre então, com
paciência, a carreira que te está proposta,2 embora sejam poucos os
teus companheiros. Estes nem sempre serão assim. Ainda um pouco
e chegarás a uma inumerável companhia de anjos, à assembleia
geral e igreja dos primogênitos e aos espíritos dos justos
aperfeiçoados.3 XXXI, III, 4

1Lc 13.24 2 Hb 12.1 3 Hb 12.22-23


AGOSTO

O Fundamento Único – Dia 6

Não há santo como o é SENHOR; porque não há outro fora de ti; e


rocha nenhuma há como o nosso Deus. 1 Samuel 2.2

Um homem sábio edifica a sua casa sobre a rocha,1 sobre a Rocha


dos Séculos, a Rocha Eterna,2 que é o Senhor Jesus Cristo. Mui
apropriadamente Ele é assim chamado, porque não muda: é o
mesmo ontem, hoje, e para sempre.3 Tu, Senhor, no princípio
fundaste a terra, e os céus são obra das tuas mãos; eles perecerão,
mas tu permaneces; todos eles envelhecerão como um vestido, tu os
enrolarás como um manto, como um vestido, e eles serão mudados;
mas tu és o mesmo e os teus anos não acabarão.4 Sábio, é, pois, o
homem que constrói a sua casa sobre Ele; que o elege por seu
fundamento único; que edifica exclusivamente sobre seu sangue e
sua justiça, sobre o que Ele fez e sofreu por nós. Nesta pedra
angular5 ele fixa sua fé e sobre ela coloca todo o peso de tua alma.
Deus ensina-lhe a dizer: “Senhor, pequei! Mereço o mais profundo
inferno; mas sou justificado livremente pela tua graça, mediante a
redenção que há em Jesus Cristo; e a vida que agora vivo, vivo-a
pela fé naquele que me amou e se entregou a si mesmo por mim;6 a
vida que agora vivo é a vida divina, celestial, a vida que está
escondida com Cristo em Deus.7 Estando ainda na carne, vivo a vida
de amor, de puro amor a Deus e ao homem, uma vida de santidade e
felicidade, louvando a Deus e tudo fazendo para sua glória. XXXIII, II,
3

1 Mt 7.24 2 Is 26.4 3 Hb 13.8 4 Hb 1.10-11 5 1 Pe 2.7 6 Gl 2.20 7 Cl 3.3


Sermão XXXIII: Sobre o Sermão do Monte, Discurso XIII

Construindo Sobre a Areia – Dia 7

Este povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está
longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que
são preceitos dos homens. Mateus 15.8-9

Todo homem deve examinar diligentemente sobre que fundamento


ele edifica sua casa, se sobre a rocha ou sobre a areia!1 Quão
profundamente deve interessar-te a pergunta: Qual é o fundamento
de minha esperança? Sobre o que edifico minha expectativa de
entrar no reino dos céus? Não estaria ela sendo edificada sobre a
areia, sobre minha ortodoxia, ou opiniões corretas, que, por um
abuso grosseiro de expressão, chamo fé? Sobre meu conjunto de
noções, supostas mais razoáveis ou bíblicas do que as que outros
tenham?! Que loucura, esta! Certamente isto é construir sobre a
areia, ou, melhor, sobre a espuma do mar! Pergunte a si mesmo:
Não estou outra vez edificando minha esperança sobre aquilo que é
igualmente incapaz de a sustentar? Talvez esteja eu edificando sobre
minha filiação a tal Igreja excelente, reformada segundo o verdadeiro
modelo da Escritura, abençoada pela mais pura doutrina, a mais
primitiva liturgia, a mais apostólica forma de governo! Essas são,
sem dúvida, outras tantas razões para agradeceres a Deus, desde
que são auxílios à santidade: não são, todavia, a própria santidade;
e, separadas desta, elas de nada me aproveitam e além disto me
colocam em posição de ter menor quantidade de desculpas,
expondo-me, por conseguinte, a maior condenação. Então, se eu
construo sobre um tal fundamento o edifício de minha esperança,
ainda estou construindo sobre a areia. XXXIII, III, 1

1Mt 7.24-27
AGOSTO

Uma Religião do Coração – Dia 8

Bem-aventurados os que guardam os seus testemunhos e o


buscam de todo o coração. E não praticam iniquidade, mas andam
em seus caminhos. Salmo 119.2-3

Numa palavra: seja tua religião a religião do coração. Que ela resida
no mais íntimo de tua alma. Sê pequeno, humilde, apagado e vil a
teus próprios olhos; seja surpreendido e humilhado até o pó pelo
amor de Deus que é em Cristo Jesus. Sê sério. Que toda a torrente
de teus pensamentos, palavras e atos defluam da mais profunda
convicção de que permaneces à borda do grande abismo, tu e todos
os filhos dos homens, na iminência de deslizar, quer para a glória
eterna, quer para o fogo eterno! Encha-se tua alma de mansidão,
cordialidade, paciência, longanimidade para com todos os homens;
ao mesmo tempo em que tudo que há em ti tenha sede de Deus, do
Deus vivo, aspirando adquirir sua semelhança e ficar então satisfeito.
Ame a Deus e toda a humanidade. Neste espírito faze e sofre todas
as coisas. Mostra, assim, tua fé pelas tuas obras; faze a vontade de
teu Pai que está nos céus!1 E, tão certo como andas agora, na terra,
com Deus, também reinarás com Ele em glória!2 XXXIII, III, 12
1Mt 6.9-10 2 2 Tm 2.12

O Valor da Lei – Dia 9

Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da
lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado.
Romanos 3.20

Dentro de todos os assuntos religiosos, talvez poucos haja tão mal


compreendidos quanto este. O leitor da epístola aos Romanos é
comumente levado a entender que, pela expressão lei, Paulo quer
dizer a lei judaica; assim, sabendo que nenhuma relação tem com
esta lei, passa adiante, sem mais pensar sobre ela.

Mas agora libertados estamos da Lei , de todo aquele sistema moral,


bem como cerimonial, por termos morrido para aquilo a que
estávamos presos, toda aquela instituição estando agora por assim
dizer morta, e não tendo mais autoridade sobre nós: de sorte que
sirvamos àquele que morreu por nós e outra vez se levantou, em
novidade de espírito, em uma nova dispensação espiritual, e não na
velhice da letra,1 com um mero serviço aparente, segundo a letra da
lei mosaica. O apóstolo agora se detém para levantar uma objeção e
dar-lhe resposta: Que diremos, pois? É a Lei pecado? De modo
nenhum! Não. A lei é inimiga irreconciliável do pecado, denunciando-
o onde quer que ele se encontre. Eu não teria conhecido o pecado,
senão pela Lei; pois eu não teria conhecido a cobiça, desejo
pecaminoso, em seu caráter de pecado, se a Lei não dissera: não
cobiçarás.2 Depois de explicar esta ideia nos quatro versículos
seguintes, o apóstolo tira esta conclusão geral, com vistas mais
especialmente à lei moral, da qual o exemplo precedente fora
extraído: De modo que a Lei é santa, e o mandamento é santo, e
justo, e bom.3 XXIV,4 Introdução

1Rm 7.6 2 Rm 7.7 3 Rm 7.12 4 Sermão XXIV: A Origem, Natureza,


Caraterísticas e Funções da Lei

O Pecado Revelado pela Lei – Dia 10


De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo,
para que, pela fé, fôssemos justificados. Gálatas 3.24

A lei tem três características. Ela é santa, justa e boa.1 Primeiro, a lei
é santa. Por esta expressão o apóstolo não fala ao que parece, de
seus efeitos, mas antes de sua natureza: como

AGOSTO

Tiago, tratando do mesmo assunto em outras palavras, diz: a


sabedoria do alto (que outra não é senão esta lei escrita em nosso
coração), é primeiro pura2 e essencialmente santa. E,
consequentemente quando traduzida na alma e na vida vem a ser
(como o mesmo apóstolo a denomina em Tiago1.27), religião pura e
sem mácula, ou a adoração de Deus pura e sem contaminação.

Assim, pois, o apóstolo repele com indignação aquele blasfemo


pressuposto de que a lei de Deus seja em si mesma pecado, ou
causa de pecado. Deus não permita que suponhamos que a lei seja
a causa do pecado, porque ela é a reveladora do pecado, porque ela
descobre as coisas ocultas nas trevas, trazendo-as à plena luz. Por
meio dela, o pecado aparece como pecado. Todos os seus disfarces
se arrancam, e ele se mostra em sua deformidade congênita. É
também verdade que o pecado, pelo mandamento, tornou-se
excessivamente pecaminoso:3 sendo agora exibido contra a luz e o
conhecimento, sendo despojado da pobre desculpa da ignorância ele
perde todas as desculpas, todos os disfarces, e torna-se muito mais
odioso, tanto à vista de Deus como no conceito do homem. XXXIV,
III, 1-2, 4

1Rm 7.12 2 Tg 3.17 3 Rm 7.13

A Lei como um Ato de Amor – Dia 11

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar,
mas cumprir. Mateus 5.17
A lei é boa, além de ser justa. Isto podemos facilmente inferir da
fonte de que ela procede. O que é ela, senão a bondade de Deus? A
que outro Ser podemos atribuir a concessão ao homem do mesmo
resumo de sua própria natureza? E que outra força, senão a do
amor, poderia constrangê-la1 a manifestar sua vontade ao homem
decaído – seja Adão, ou qualquer outro de sua semente, que, à
semelhança dele, carecem da glória de Deus?2 Não foi puro amor
que o moveu a publicar sua lei, depois que o entendimento dos
homens se tornara obscuro? E enviar seus profetas para
proclamarem aquela lei aos cegos, imprudentes, filhos dos homens?
Foi sua bondade que, quando as trevas tinham coberto a terra, e
densas trevas coberto o povo,3 deu uma lei escrita a Moisés e,
através dele, à nação escolhida. Foi o amor que explicou esses
oráculos vivos, por intermédio de Davi e de todos os profetas que se
seguiram; até que, vindo a plenitude do tempo,4 Ele mandou seu
Unigênito Filho, não para destruir a lei, mas para cumpri-la, dela
confirmando todo jota e todo til;5 de modo que, tendo-a escrito no
coração de todos os seus filhos e posto todos os seus inimigos
debaixo de seus pés,6 Ele entregará o seu reino mediador ao Pai,
para que Deus seja tudo em todas as coisas.7 XXXIV, III, 10

12 Co 5.14 2 Rm 3.23 3 Is 60.2 4 Gl 4.4 5 Mt 5.17-18 6 1 Co 15.25 7 1 Co


15.28

A Beleza da Lei – Dia 12

Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da


tua lei. Salmo 119.18

E essa lei, que a bondade de Deus comunicou no princípio e foi


preservada através de todas as eras, é, como a fonte de que
precede, cheia de bondade e benignidade: é doce e terna; é, na
expressão do salmista, mais doce do que o mel, ainda o mel
refinado.1 É atraente e amável. Inclui tudo que é amável e de boa
fama. Se há alguma virtude, se há algum louvor2 diante de Deus e
de seus santos anjos; tudo isso está compreendido na lei, onde
também se acham escondidos todos os tesouros da divina
sabedoria, conhecimento e amor.3 É boa em seus efeitos, como é
excelente em sua natureza.

AGOSTO

Como é a árvore, assim são os frutos .4 Os frutos da lei de Deus,


escrita no coração, são justiça, paz e segurança para sempre.5 Ou,
melhor: a própria lei é justiça, enchendo a alma da paz que excede
toda a compreensão6 e levando-nos a regozijar-nos sobremodo7 no
testemunho de uma boa consciência para com Deus.8 É Deus
manifestado em nossa carne,9 (1 Tm 3.16) trazendo consigo a vida
eterna, assegurando-nos, por aquele puro e perfeito amor, que
somos selados para o dia da redenção.10 XXXIV, III, 11-12

1 Sl 19.10 2 Fp 4.8 3 Cl 2.3 4 Mt 7.20 5 Is 32.17 6 Fp 4.7 7 1 Ts 5.16 8 1 Pe


3.21 9 1 Tm 3.16 10Ef 4.30

A Primeira Função da Lei – Dia 13

Então disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de


lábios impuros... Isaías 6.5

Resta-nos apenas mostrar, em último lugar, as funções da lei. Sua


primeira função é, sem dúvida, convencer o mundo do pecado.1 É
ela que, abrindo brecha na consciência, em geral reduz a pedaços a
própria rocha. Esta parte da obra de Deus é que é especialmente
viva e poderosa, e mais penetrante do que qualquer espada de dois
gumes. Esta, manejada por Deus e por aqueles a quem Ele enviou,
penetra através de todas as profundidades do coração pérfido, e
divide alma e espírito, e ainda, juntas e medulas.2 Por ela o pecador
se descobre a si mesmo. Todas as folhas da figueira tombam e ele
verifica que é desventurado, pobre, miserável, cego e nu.3 A lei
projeta a convicção para todos os lados. O homem se sente mero
pecador. Nada tem com que pagar. Sua boca se emudece4 e
apresenta-se como culpado diante de Deus. Aniquilar o pecador é,
pois, a primeira função da lei: destruir a vida e o vigor em que ele
confia, e convencê-lo de que mesmo vivo, está morto;5 está não
somente debaixo da sentença de morte, mas atualmente morto para
Deus, vazio de toda a vida espiritual, morto em delitos e pecados.6
XXXIV, IV, 1-2

1Jo 16.8 2 Hb 4.12 3 Ap 3.17b 4 Sl 107.42 5 1 Tm 5.6 6 Ef 2.1

A Segunda Função da Lei – Dia 14

Se me amardes, guardareis os meus mandamentos.


João 14.15

A segunda função da lei é trazer o pecador para a vida em Cristo, de


modo que ele possa viver. Realizando esses objetivos, a lei
desempenha o papel de pedagogo severo, levando-nos mais pela
força do que pelo amor. Mas o amor é, afinal, a fonte de tudo isso. É
o Espírito de amor que, por meios penosos, retira nossa confiança na
carne que elimina a cana quebrada em que nos apoiamos, e assim
constrange o pecador, despojado de tudo, a clamar do mais profundo
de sua alma: Abro mão de toda desculpa. Senhor, estou perdido. A
terceira função da lei é manter-nos vigilantes. É o grande meio pelo
qual o divino Espírito prepara o crente para as mais amplas
comunicações da vida de Deus. Receio que esta grande e
importante verdade seja pouco entendida, não somente pelo mundo,
mas por muitos que são reais filhos de Deus pela fé. Muitos desses
têm como verdade indubitável que, chegando-nos a Cristo, nada
mais temos com a lei, e que, em tal sentido, Cristo é o fim da lei para
todo aquele que crê.1 Ela não justifica a ninguém, mas apenas traz
os homens a Cristo. Quando, porém, ela nos tem trazido a Cristo,
conserva ainda uma função mais extensa: a de manter-nos unidos a
Ele. Para isso está constantemente motivando todos os crentes – por
mais que eles vejam sua altura, profundidade, extensão e largura2 –
a exortai-vos mutuamente cada dia.3 XXXIV, IV, 2-3
1Rm 10.4 2 Ef 3.18 3 Hb 3.13
AGOSTO

A Lei Conduz a Cristo – Dia 15

Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta


morte? Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim
que eu mesmo, com o entendimento, sirvo à lei de Deus, mas, com a
carne, à lei do pecado. Romanos 7.24-25

Admitindo, pois, que o crente nada mais tem com a lei, a lei
cerimonial dos judeus, ou de toda a dispensação mosaica, (porque
Cristo pôs fora de cogitação essas coisas); admitindo mais que nada
temos com a lei moral, encarada como meio de assegurar-nos a
justificação, porque somos justificados livremente por sua graça,
mediante a redenção que há em Jesus;1 mas, em outro sentido,
temos de atentar para essa lei, porque ela é de imensurável proveito,
primeiro, para convencer-nos do pecado que permanece em nossos
corações e vidas, mantendo-nos, assim, em união com Cristo, a fim
de que seu sangue nos purifique a cada momento; em segundo
lugar, recebendo a força de Cristo, pelo meio ao qual Ele nos
capacita a fazer o que sua lei exige; e, em terceiro lugar, confirmando
nossa esperança de recebermos graça sobre graça,2 até que
estejamos de posse da plenitude de suas promessas, realizando
então tudo quanto Ele ordena e que não tenhamos ainda conseguido
cumprir.

Expliquemos estas coisas através desta passagem. A lei diz: Não


matarás,3 e por este mandamento proíbe (como ensina nosso
Senhor), não somente atos exteriores, mas toda palavra ofensiva ou
pensamento mau. Agora, por mais que atente para essa lei perfeita,
mais eu sinto quanto fico aquém de suas exigências; e quanto mais
sinto minhas falhas, melhor sinto a necessidade do sangue de Cristo,
para purificar-me de todo pecado, e de seu Espírito, para limpar-me
o coração e fazer-me perfeito e íntegro, não faltando em coisa
alguma.4 XXXIV, IV, 4, 6
1Rm 3.24 2 Jo 1.16 3 Ex 20.13 4 Tg 1.4

A Libertação Perfeita – Dia 16

Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes
e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Gálatas 5.1

Assim, não posso privar-me da lei nem por um momento, como


também não posso privar-me de Cristo; eu agora a desejo para
guardar-me junto a Cristo, tanto quanto dela necessitei antes, para
levar-me a Cristo. E se o Senhor escreveu sua lei em teu coração,1
então permanece na liberdade com que Cristo te libertou.2 Tu não
somente foste libertado das cerimônias judaicas, da culpa do pecado
e do temor do inferno – (estas coisas são, talvez, a parte mais
elementar dessa liberdade), mas, o que é infinitamente mais, do
poder do pecado, da escravização ao diabo, da ofensa a Deus. Oh!
Permanece firme nessa liberdade, em comparação com a qual tudo
mais nem vale a pena ser mencionado! Permanece firme no Deus de
amor, de todo teu coração e servindo-lhe com todas as tuas forças!3
Esta é a libertação perfeita; guarda, pois, sua lei e anda sem desvios
em todos os seus mandamentos. Não te ponhas outra vez sob o jugo
da escravidão.4 Não falo da escravidão judaica, nem da
escravização ao temor do inferno; estas coisas estão, creio, muito
longe de ti. Mas guarda-te de outra vez te submeteres ao jugo do
pecado, de qualquer transgressão interior ou exterior da lei. Aborrece
o pecado muito mais do que a morte ou o inferno: aborrece o próprio
pecado muito mais do que a punição que ele acarreta. Guarda-te da
escravidão do orgulho, do desejo, da ira, de toda disposição, ou
palavra, ou ação má. Olha para Jesus,5 e, para isto conseguires,
olha para a lei perfeita, a lei da liberdade, e persevera nela,6 assim
crescendo cada dia na graça e no conhecimento de nosso Senhor
Jesus Cristo.7 XXXIV, IV, 10

1Rm 2.15 2 Gl 5.1 3 Mc 12.33 4 Gl 5.1 5 Hb 12.2 6 Tg 1.25 7 2 Pe 3.18


AGOSTO
Como Conhecer a Vontade de Deus – Dia 17

E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela


renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual
seja a boa, agradável e perfeita vontade de

Deus. Romanos 12.2

Os que esperam ser dirigidos por Deus, seja nas coisas espirituais,
ou na vida comum, de maneira justamente chamada extraordinária
estão especialmente sujeitos a fanatismo: quero dizer por visões ou
sonhos, por fortes impressões ou súbitos impulsos experimentados
pela mente. Não nego que Deus tenha, nos tempos antigos,
manifestado sua vontade dessa maneira, ou que Ele possa fazê-lo
ainda hoje: creio que Deus o fará em casos raros. Quão
frequentemente os homens se enganam, todavia, neste ponto! Como
se enganam por orgulho, por uma imaginação ativa, atribuindo tais
impulsos ou impressões, sonhos ou visões, a Deus, quando essas
coisas são totalmente indignas dele! Tudo isso é puro fanatismo; tão
longe de religião, como de verdade e de moderação.

Talvez alguns perguntem: Não devemos, logo, inquirir qual seja a


vontade de Deus em todas as coisas? E sua vontade não deve ser a
regra de nossa prática? Sem dúvida alguma, devemos. Como deve,
porém, o cristão moderado fazer esse questionamento, conhecer
qual seja a vontade de Deus? Não pela espera de sonhos
sobrenaturais; não pela expectativa de que Deus a revele em visões;
não por aguardar quaisquer impressões particulares ou súbitos
impulsos da mente; não, mas consultando a Palavra de Deus. A lei e
o testemunho!1 Este é o método geral de conhecer qual seja a santa
e aceitável vontade de Deus.2 XXXVII,3 I, 21, 22

1Is 8.20 2Rm 12.2 3 Sermão XXXVII: A Natureza de Entusiasmo

Uma Regra Geral – Dia 18


Ora, o Deus de paz, que pelo sangue do concerto eterno tornou a
trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande Pastor das
ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua
vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo
Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém! Hebreus 13.20-
21

Como poderei, entretanto, saber qual seja a vontade de Deus em tais


e tais casos particulares? Respondo: as próprias Escrituras te
fornecem uma regra geral aplicável a todos os casos particulares: A
vontade de Deus é nossa santificação.1 É de sua vontade que
sejamos internamente e externamente santos, que sejamos bons e
façamos o bem. Para que possamos, portanto, saber qual seja a
vontade de Deus em um caso particular, temos somente de aplicar
esta regra geral. Suponha-se, por exemplo, que se apresentasse a
um homem razoável a questão de casar-se, ou de entrar em um
negócio novo; para conhecer qual seja a vontade de Deus, estando
certo de que a vontade de Deus no tocante a mim é que eu seja tão
santo e faça tanto bem quanto estiver a meu alcance, tal homem só
tem a perguntar: Em qual desses estados posso ser mais santo, ou
posso fazer maior soma de bem? Isso há de ser determinado, parte
pela razão e parte pela experiência. A experiência lhe dirá que
vantagens apresenta seu presente estado, quer para ser bom, quer
para fazer o bem; e à razão cabe mostrar-lhe as vantagens certas ou
prováveis que terá no estado proposto. Avaliando essas opções, o
homem julgará qual dos dois estados melhor conduz à sua maior
bondade e à prática de mais copioso bem, e, na medida em que
conheça isto, certo estará de ser tal a vontade de Deus. XXXVII, I,
23-24

11 Ts 4.3
AGOSTO

Amor Devido a Todos – Dia 19

Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos,


mas principalmente aos da família da fé. Gálatas 6.10
É fato reconhecido que o amor é devido a toda a humanidade.
Amarás a teu próximo como a ti mesmo;1 os fariseus dos velhos
tempos ensinaram: – Amarás a teu próximo, teus parentes,
conhecidos, amigos, e aborrecerás a teu inimigo. Não é assim. Eu
vos digo – afirma nosso Senhor: Amai a vossos inimigos, bendizei
aos que vos amaldiçoam, fazei o bem aos que vos odeiam e orai
pelos que vos perseguem, para que possais ser filhos de vosso Pai
celestial, que faz levantar-se seu sol sobre os maus e os bons e cair
a chuva sobre os justos e os injustos.2 Mas é certo que há um amor
especial que devemos aos que amam a Deus. Assim Davi escreveu:
Todo meu prazer está nos santos que estão sobre a terra e sobre os
que excelem em virtude.3 E assim, um que é maior do que ele falou:
Um novo mandamento vos dou, que vos ameis uns aos outros: como
eu vos amei, que vós vos ameis também uns aos outros. Nisto os
homens conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns
aos outros.4 Este é o amor em que o apóstolo João tão frequente e
tão energicamente insiste: Esta – diz ele – é a mensagem que
tendes ouvido desde o princípio, que nos amemos uns aos outros.5
XXXIX,6 Introdução, 1-2

1Lc 10.27 2Mt 5.43-45 3 Sl 16.3 4 Jo 13.34-35 5 1 Jo 3.11 6 Sermão XXXIX: O


Espírito Católico

Um Só Coração – Dia 20

Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes


uns aos outros. João 13.35

Por isto conhecemos o amor, porque Cristo deu a sua vida por nós; e
nós devemos dar a vida pelos irmãos.1 E outra vez: Amados,
amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus. Quem não
ama, não conhece a Deus, porque Deus é amor.2 O amor consiste,
não em termos nós amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós
e enviou a seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
Amados, se Deus assim nos amou, devemos também amar-nos uns
aos outros.3 Todos os homens aprovam isto; mas não todos os
homens o praticam. A experiência diária mostra isso. Onde estão os
cristãos que se amam uns aos outros como Ele nos ordenou?4 Os
dois grandes empecilhos gerais são: primeiro não poderem todos os
homens pensar do mesmo modo; e, em consequência disto, não
poderem eles, em segundo lugar, agir de modo igual; mas embora a
diferença de opiniões ou de formas de culto possa nos separar
exteriormente, local e igreja, podemos ser unidos de coração, deve
tal diferença impedir nossa unidade de sentimentos? Embora não
pensemos do mesmo modo, não podemos amar de maneira igual?
Não podemos ter um só coração, ainda que não tenhamos uma
opinião só? Sem dúvida alguma que podemos. Nisto todos os filhos
de Deus podem unir-se, não obstante aquelas diferenças
secundárias. XXXIX, Introdução, 2-4

11 Jo 3.16 2 1 Jo 4.7-8 3 1 Jo 4.10-11 4 Jo 13.34

Diferenças entre Cristãos – Dia 21

Sigamos, pois, as coisas que servem para a paz e para a


edificação de uns para com os outros. Romanos 14.19

Certamente que o exemplo de Jeú é bem digno de atenção e de


imitação por parte de todo cristão honesto. E partindo dali, achou a
Jonadabe filho de Recabe que se lhe encontrou e Jeú o saudou. E
lhe disse: Porventura tens tu o

AGOSTO

coração reto, como o meu o é com o teu coração ? E Jonadabe


respondeu: Tenho. Se assim é, disse Jeú, dá-me a tua mão.1
Primeiro, consideremos a questão proposta por Jeú a Jonadabe:
Porventura tens tu o coração reto, como o meu o é com o teu
coração? A primeira coisa que observamos nestas palavras, é que
não se faz aí nenhuma investigação em torno das opiniões de
Jonadabe. É certo, todavia, que algumas ele as sustentava e que
eram muito diferentes e estranhas. É muito possível que muitos
homens bons agora também sustentem opiniões peculiares; e alguns
podem tê-las de espécie tão singular como eram as de Jonadabe.2 É
certo, conquanto conheçamos apenas em parte,3 que todos os
homens não veem todas as coisas do mesmo modo. É uma
consequência inevitável da presente fraqueza e limitação do
entendimento humano que os diversos homens sejam de espírito
diverso no tocante à religião, assim como nas coisas da vida comum.
Assim tem sido desde o começo do mundo e assim será até a
consumação de todas as coisas.4 Todo homem prudente concederá,
pois, aos outros a mesma liberdade de pensamento que deseja lhe
concedam os outros homens, e não insistirá mais em que eles lhe
aceitem as suas opiniões e vice-versa. Tolera os que dele diferem e
somente propõe àquele com quem deseja unir-se em amor uma
questão única: Porventura tens tu o coração reto, como o meu o é
com o teu coração? XXXIX, Introdução, 5; I, 1, 3, 6

12 Rs 10.15 2Jr 35.3-10 3 1 Co 13.9 4 At 3.21

Julgar por si Mesmo – Dia 22

Dai ao SENHOR a glória devida ao seu nome; adorai o


SENHOR na beleza da sua santidade. Salmo 29.2

Mesmo entre os homens de coração firme, homens que desejam ter


uma consciência livre de ofensa,1 necessariamente deve acontecer
que, dada a existência de várias opiniões, também haja vários
modos de prestar culto a Deus, já que a diversidade de opiniões
necessariamente implica em diversidade de prática. E como, em
todas as eras, nada houve sobre que os homens divergissem tanto
em suas opiniões como no tocante ao Ser Supremo, assim em coisa
alguma não diferem mais uns dos outros do que na maneira de lhe
prestar culto. E como poderíamos escolher entre tal variedade?
Nenhum homem pode escolher para outro ou prescrever-lhe uma ou
outra forma, mas cada um deve seguir as inclinações de sua própria
consciência, em simplicidade e sinceridade piedosa.2 Deve estar
persuadido em sua própria mente e depois agir de acordo com a
melhor iluminação que possuir. Nem possui criatura alguma o poder
de determinar que outro homem ande segundo sua própria regra.
Deus não deu direito a nenhum dos filhos dos homens de
assenhorear-se desse modo da consciência de seus irmãos; cada
um deve, porém, julgar por si mesmo, assim como cada um deve dar
contas de si mesmo a Deus.3 XXXIX, I, 8, 9

1At 24.16 2 2 Co 1.12 3 Rm 14.12

Teu Coração é Reto para com Deus? – Dia 23

Porque, quanto ao SENHOR, seus olhos passam por toda a terra,


para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é perfeito para
com ele; 2 Crônicas 16.9

Mas, o que se acha implícito nesta questão: Teu coração é reto para
com Deus? Crês em sua existência, em suas perfeições? Sua
eternidade, imensidade, sabedoria, poder? Sua justiça, misericórdia
e verdade? Crês que Ele sustenta todas as coisas pela palavra de
seu poder,1 e que Ele governa mesmo as coisas mínimas, as mais
nocivas, para sua glória e para o bem dos que o amam?2 Tens a
divina evidência, a

AGOSTO

convicção sobrenatural, das coisas de Deus? Andamos por fé e não


pelo que vemos?3 Buscas as coisas eternas, e não as temporais?4
Crês no Senhor Jesus Cristo, Deus sobre todas as coisas, bendito
para sempre?5 Revelou-se Ele à tua alma? Conheces a Jesus
Cristo, e este crucificado?6 Habita Ele em ti e tu nele?7 Formou-se
Ele em teu coração pela fé? Tendo de todo renunciado a todas as
tuas obras, à tua própria justiça, tu te submeteste à justiça de Deus,8
que é pela fé em Cristo Jesus? Estás achado nele, não tendo tua
própria justiça, mas a justiça que é pela fé?9 E estás, por meio dele,
combatendo o bom combate da fé e apoderando-te da vida eterna?
10 XXXIX, I, 12-13

1Hb 1.3 2 Rm 8.28 3 2 Co 5.7 4 2 Co 4.18 5 Rm 9.5 6 1 Co 2.2 7 Jo 15.4 8 Rm


10.3 9 Fp 3.9 101Tm 6.12

Tua Comida e Bebida – Dia 24

Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no
céu. Mateus 6.10

Tua fé está cheia da energia do amor? Amas a Deus de todo o teu


coração, e de toda a tua mente, e de toda a tua alma, e de toda a tua
força?1 Toda tua felicidade, tu a buscas somente nele? E encontras
aquilo que procuras? Tua alma constantemente engrandece ao
Senhor e teu espírito se alegra em Deus, teu Salvador?2 Tendo
aprendido a dar graças em todas as coisas3 achas que é coisa feliz e
agradável ser grato? Deus é o centro de tua alma, a suma de todos
os teus desejos? Estás, em consequência, ajuntando teu tesouro no
céu,4 e reputando todas as outras coisas como esterco e escória?5
O amor de Deus expulsou de tua alma o amor do mundo? Estás
então crucificado para o mundo,6 estás morto para o que é daqui de
baixo e tua vida está escondida com Cristo em Deus.7 Tua comida e
tua bebida é fazer a vontade de teu Pai que está nos céus?8 Teus
olhos são bons em todas as coisas?9 Estão sempre fixos em Deus?
10 Estão sempre voltados para Jesus? Apontas para Ele em
qualquer coisa que fazes
– em todo teu trabalho, teus negócios, tua conversação –
ambicionando somente a glória de Deus em tudo: O que quer que
faças, seja em palavra ou obra, fazes tudo em nome do Senhor
Jesus, dando graças a Deus, o Pai, através dele?11 Então teu
coração é reto para com Deus. XXXIX, I, 14-15
1Lc 10.27 2 Lc 1.46-47 3 1 Ts 5.18 4 Mt 6.20 5 Fp 3.8 6 Gl 6.14 7 Cl 3.3 8 Jo
4.34 9 Mt 6.22 10Hb 12.2 11Cl 3.17

O Amor de Deus te Constrange? – Dia 25

Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira,
porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o
Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se
tiver sede, dá-lhe de beber; Romanos 12.19-20

O amor de Deus te constrange1 a servi-lo com temor, a regozijar-te


nele com reverência?2 Tens maior medo de desagradar a Deus do
que da morte ou do inferno? Para ti nada há de tão terrível como o
pensamento de ofender a sua gloriosa presença?3 Fundado nesse
sentimento, odeias todos os maus caminhos,4 toda transgressão de
sua lei santa e perfeita, e nisto te exercitas para teres uma
consciência livre de ofensa, para com Deus e para com o homem?5
Teu coração é reto para com o teu próximo? Amas, como a ti
mesmo, a toda a humanidade; sem exceção? Se somente amas
àqueles que te amam, que recompensa tens?6

Amas a teus inimigos ?7Tua alma está cheia de boa vontade, de


terna afeição para com eles? Amas ainda aos inimigos de Deus, aos
ingratos e ímpios? Tens o coração comovido por sua causa? Podes
desejar ser temporariamente maldito por causa deles?8 E mostras
este sentimento bendizendo

AGOSTO

aos que te amaldiçoam e orando pelos que te maltratam e te


perseguem?9 Mostras teu amor pelas tuas obras? Se tens ocasião,
segundo as oportunidades que se te ofereçam, fazes de fato o bem a
todos os homens,10 vizinhos ou forasteiros, amigos ou inimigos,
bons ou maus? Fazes a eles todo o bem que possas fazer,
procurando suprir-lhes as necessidades, auxiliando-os no corpo e na
alma, no máximo de tuas forças? Se estás assim disposto, Teu
coração é reto, como o é o meu com o teu coração.11 XXXIX, I, 16-
18

12 Co 5.14 2 Sl 2.11 3 Is 3.8 4 Sl 119.104 5 At 24.16 6 Lc 6.32 7 Mt 5.44 8 Rm


9.3 9 Lc 6.28 10Gl 6.10 112 Rs 10.15

Dá-me a Tua Mão – Dia 26

Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em


união! Salmo 133.1

Se assim é, dá-me a tua mão .1 Não quero dizer: Sê de minha


opinião. Guarda tua opinião; eu guardarei a minha
– e isto tão firmemente como nunca. Não desejo que discutas
aqueles pontos, nem ouvir ou falar uma palavra relativa a eles.
Fiquem todas as opiniões isoladas de um e de outro lado: somente –
dá-me a tua mão. Não quero dizer: Abraça meu modo de cultuar, ou
abraçarei os teus modos. Ambos devemos agir segundo cada um
esteja persuadido em sua própria mente.2 Guarda firmemente aquilo
que crês seja mais aceitável a Deus e eu farei o mesmo. Creio que a
forma Episcopal de governo da Igreja é bíblica e apostólica. Se
pensas que a forma Presbiteriana ou Independente seja melhor,
continue a pensar assim e procede de modo condizente com tal
crença. Creio que as crianças devem ser batizadas, e que isso se
pode fazer tanto por imersão como por aspersão. Se estás
persuadido do contrário, assim seja; segue tua própria convicção;
parece-me que as orações escritas sejam de excelente resultado,
principalmente no culto público. Se julgas que a oração
extemporânea seja de maior valor, procede segundo teu próprio
conceito. Minha convicção é que devo comer pão e beber vinho em
memória do nosso Senhor; entretanto, se não estás convencido
disso, procede de acordo com a luz que haja em ti. Não tenho
intenção de contender contigo, sequer por um momento, acerca dos
assuntos precedentes. Que todos esses pontos menores
permaneçam de lado. Que eles jamais venham a debate. Se teu
coração é como o meu coração; se amas a Deus e a toda a
humanidade, não peço mais: Dá-me a tua mão.3 XXXIX, II, 1-2

12 Rs 10.15 2 Rm 14.5 3 2 Rs 10.15

Um Espírito Católico – Dia 27

E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e


mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes
as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de
Cristo. Filipenses 1.9-10

O que é um espírito católico? Dificilmente se encontra uma


expressão que tenha sido tão grosseiramente mal interpretada e
mais perigosamente empregada do que essa. Primeira, o espírito
católico não é a tolerância de uma crença qualquer. Não é
indiferença em face de todas as opiniões: isto é a sementeira do
inferno e não a colheita do céu. Essa inconstância de pensamento,
esse ser levado de um para outro lado e ser tangido por todo vento
de doutrina,1 é uma grande maldição e não uma bênção; um inimigo
irreconciliável e não um amigo do verdadeiro catolicismo. O homem
de espírito verdadeiramente católico não tem de estar à procura de
sua religião. Está fixa como o sol em seu conceito acerca dos
aspectos principais da doutrina cristã. Na verdade, está sempre
pronta a ouvir e pesar tudo quanto se possa apresentar contra seus
princípios; mas,

AGOSTO

como isto não revela nenhuma variação em sua própria mente,


assim lhe não fornece nenhuma ocasião para variar. Não hesita entre
duas opiniões nem tenta, de maneira vã, mesclá-las numa só.
Observai isto, vós que não sabeis de que espírito sois; que vos
chamais homens de espírito católico, simplesmente porque sois de
compreensão incerta; porque vossa mente está toda nebulosa;
porque não tendes princípios estabelecidos, consistentes, mas estais
a misturar confusamente todas as opiniões. Saiba que se desviou
inteiramente do caminho, não sabeis onde vos encontrais. Pensais
rumar para o próprio espírito de Cristo, quando, na verdade, mais
perto estais do espírito do anticristo. Ide e aprendei os primeiros
rudimentos do Evangelho de Cristo
– e então aprendereis a ser de espírito verdadeiramente católico.
XXXIX, III, 1

1Ef 4.14

Amor aos da Família da Fé – Dia 28

Mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço


da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me
congratulo. Filipenses 2.17

Se tomarmos, portanto a palavra ‘católico’ no sentido mais restrito, o


homem de espírito católico é o que, do modo acima exposto, dá sua
mão a todos aqueles cujo coração seja reto com seu coração: é o
que sabe como louvar a Deus por todas as vantagens de que
desfruta, apreciando-as devidamente em relação ao conhecimento
das coisas de Deus, à verdadeira forma bíblica de lhe dar culto e,
acima de tudo, em relação à sua união com uma comunidade que
teme a Deus e pratica a justiça; ao mesmo tempo, ele ama – como
amigos, como irmãos no Senhor, como membros de Cristo e filhos
de Deus, como atuais coparticipantes do presente reino de Deus e
co-herdeiros de seu reino eterno – a todos, de qualquer opinião, ou
culto ou congregação que creiam no Senhor Jesus Cristo; que amem
a Deus e aos homens; e que, regozijando-se em louvar a Deus e
temendo causar-lhe ofensa, sejam cuidadosos no abster-se do mal e
zelosos nas boas obras. É homem de espírito verdadeiramente
católico aquele que continuamente carrega essas pessoas em seu
coração; que, tendo uma indizível ternura para com elas, e
almejando seu bem-estar, não cessa de levá-las a Deus em oração
bem como de lhes defender a causa diante dos homens; que lhes
fala com agrado e trabalha, através de todas as suas palavras, por
lhes fortalecer as mãos em Deus.1 Auxilia-os em todas as coisas, até
o extremo de seus recursos, seja no terreno espiritual, seja no
terreno temporal. Está pronto a consumir e ser consumido por eles;2
sim, e até a dar a sua própria vida por sua causa. Em resumo, o
espírito católico é o amor para com todos que estão na fé. XXXIX, III,
4-5

11 Sm 23.16 2 1 Co 3.12-15

A Perfeição Cristã – Dia 29

Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos
céus. Mateus 5.48

Dificilmente haverá uma expressão bíblica que tenha causado maior


escândalo do que esta. A palavra ‘perfeito’ é que muitos não podem
suportar. O uso da palavra é para eles abominação; e quem quer que
pregue a perfeição, isto é, quem quer que afirme que a perfeição
possa ser alcançada nesta vida, corre o grande perigo de ser
reputado como pior do que pagão ou publicano. Alguns deliberaram
colocar inteiramente de parte o uso daquelas expressões porque
elas têm produzido “tão grande escândalo”. Mas, essas expressões
não se encontram na Palavra de Deus? Se

AGOSTO

assim é, com que autoridade pode qualquer mensageiro de Deus


colocá-las de lado, ainda que todos os homens se ofendam? O que
quer que Deus haja falado, isso falaremos, quer os homens ouçam,
quer deixem de ouvir; sabendo que somente pode o ministro de
Cristo estar limpo do sangue de todos os homens quando não se
houver recusado a lhes declarar todo o conselho de Deus.1 Não
podemos, pois, deixar de parte aquelas expressões, visto que são
palavras de Deus e não dos homens. Mas podemos e devemos
explicar seu significado, para que os sinceros de coração não se
desviem para a direita ou para a esquerda,2 desviando-se do alvo do
prêmio de sua alta vocação.3 E isto é mais necessário fazer, porque,
no versículo que se acaba de repetir, o apóstolo fala de si mesmo
como não sendo perfeito: Não – diz ele
– que eu julgue ser já perfeito.4 Mas logo em seguida ele se
descreve como perfeito: Todos, pois, que somos perfeitos – diz ele –
tenhamos este sentimento.5 Para remover, portanto, as dificuldades
que se levantam desta aparente contradição, pretendo mostrar:
primeiro, em que sentido os cristãos não são perfeitos; e segundo,
em que sentido eles o são. XL,6 Introdução, 1-4

1At 20.26-27 2 Is 30.21 3 Fp 3.14 4 Fp 3.12 5 3.15 6 Sermão XL: A Perfeição


Cristã

Conhecimento da Verdade – Dia 30

Não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas
minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o
Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e
de revelação. Efésios 1.16-17

Tanto pela experiência como pela Escritura, demonstra-se, primeiro,


que os cristãos não são perfeitos em conhecimento: nesta vida não
são tão perfeitos que estejam isentos da ignorância. Sabem, ou
podem saber, em comum com os outros homens, muitas coisas que
se relacionam com o mundo presente; e, em relação ao mundo
vindouro, conhecem as verdades gerais que Deus revelou. Sabem,
igualmente – o que o homem natural não percebe, porque essas
coisas se discernem espiritualmente1 – qual é a espécie de amor
com que o Pai os amou, para que fossem chamados filhos de Deus.2
Conhecem o poder de seu Espírito operando em seus corações e a
sabedoria de sua providência, dirigindo todos os seus caminhos e
determinando que todas as coisas cooperem para o seu bem.3 Sim,
eles sabem, em todas as circunstâncias da vida, o que o Senhor
requer deles, e sabem como guardar a consciência livre de ofensa
para com Deus e para com os homens.4 Mas são inumeráveis as
coisas que não sabem. XL, I, 1

11 Co 2.14 21 Jo 3.1 3 Rm 8.28 4 At 24.16


Os Limites do Conhecimento – Dia 31

Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas
que preparaste; que é o homem mortal para que te lembres dele? E
o filho do homem, para que o visites?

Salmo 8.3-4

Inumeráveis são as coisas que não compreendemos. No tocante ao


próprio Todo-Poderoso, não podem apreendê-lo com perfeição. Eis
que estes são apenas as orlas dos seus caminhos; mas o trovão de
seu poder, quem entenderá?1 Não podem compreender como Três
são os que testificam no céu, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e
estes Três são Um;2 ou como o eterno Filho de Deus tomou sobre si
mesmo a forma de servo.3 Nem lhes cabe conhecer os tempos e
épocas4 em que Deus realizará sobre a terra suas grandes obras;
não, nem mesmo as que Ele em parte revelou por seus servos os
profetas,5

AGOSTO

desde o começo do mundo. Muito menos sabem quando Deus,


tendo preenchido o número de seus eleitos, apressará seu reino, e
então virá o fim;6 quando os céus passarão com grande estrondo e
os elementos com o calor se dissolverão.7 E quão pouco sabem
daquilo que está diante deles, mesmo das obras visíveis de suas
mãos! – Como Deus estende o norte sobre o lugar deserto, e firma a
terra sobre o nada.8 Como Deus une todas as partes desta grande
máquina por uma cadeia secreta, que não pode ser rompida. Assim,
grande é a ignorância e pequenino o conhecimento, mesmo dos
melhores homens! XL I, 2-3

1Jó 26.14 2 1 Jo 5.7 3 Fp 2.7 4 At 1.7 5 Am 3.7 6 Mt 24.14 7 2 Pe 3.10 8 Jó


26.7
SETEMBRO

Ei-lo Que Vem! – Dia 1

Entre nuvens multicores,


Com os santos, vem do céu,
Que, amando os pecadores,
Morte atroz na cruz sofreu,
Aleluia! Cristo volta
Ele reina pois venceu!
Todos hão de vê-lo agora,
Porque em glória vai descer.
Mesmo aqueles que, em má honra,
O fizeram padecer.
Abatidos, consternados
O Messias têm de ver!
Vem festiva, num momento,
A espera da redenção.
Cessa todo o sofrimento!
Queixas, mágoas, longe vão!
Aleluia! Principia
A total renovação!
Que todo o orbe, respeitoso,
Te honre e louve, Salvador
Ante o trono glorioso,
Se prosterne com amor!
Toma posse de teu reino.
Aleluia! Vem, Senhor!

(Lo, He comes! – Hino de Charles Wesley – Tradução: Rev. J. M.


Mota Sobrinho)

245
Juízo Imperfeito – Dia 2
Antes, crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora como no dia da
eternidade. Amém! 2 Pedro 3.18

Ninguém, portanto, é, nesta vida, tão perfeito que esteja livre da


ignorância. Nem, em segundo lugar, do erro, que, em verdade, é
uma consequência quase inevitável daquela, visto que, os que
conhecem em parte,1 estão sempre sujeitos a errar no tocante às
coisas que não conhecem. É verdade que os filhos de Deus não
erram acerca dos pontos essenciais à salvação: não tomam as
trevas por luz ou a luz por trevas.2 São ensinados por Deus,3 e o
caminho que Deus lhes ensina, o caminho da santidade, é tão claro,
que o viajante, embora insensato, não tem necessidade de errar
nele.4 Mas nas coisas não essenciais à salvação, eles erram, e
erram frequentemente. Os melhores e mais sábios dos homens com
frequência se enganam mesmo em relação a fatos, acreditando que
as coisas que realmente se deram não se verificaram, ou que se
deram, quando na realidade, não ocorreram. Ou, supondo-se que
não errem em relação ao próprio fato, podem errar, todavia, no
tocante às circunstâncias que o envolvam, crendo-as, ou a muitas
dentre elas, de modo muito diferente do que, na verdade, eram. E
daí não podem resultar senão equívocos de maiores consequências.
Daí poderem eles crer que certas das suas ações, que eram más,
sejam boas; assim como, que sejam más as consideradas boas. Daí
também resulta que eles podem proferir juízo em desacordo com a
verdade, relativamente ao caráter dos homens, não somente
supondo que homens bons sejam melhores do que são, ou que os
maus sejam piores, mas crendo terem sido ou serem bons os que
foram ou são perversos; XL, I, 4

11 Co 13.12 2 Is 5.20 3 Is 54.13 4 Is 35.8


SETEMBRO

Debilidades Humanas – Dia 3

Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó.


Salmo 103.14
Além de os cristãos não serem, portanto, tão perfeitos que estejam
livres da ignorância e do erro, podemos observar, em terceiro lugar,
que eles não estão isentos de fraquezas. Que tenhamos cuidado em
compreender corretamente esta palavra: não devemos dar esse
doce título a pecados conhecidos, segundo o costume de alguns.
Assim, alguém diz: Todo homem tem sua fraqueza, e a minha é a
bebida; outro tem a fraqueza da impureza, outro, o defeito de tomar o
santo nome de Deus em vão, e ainda outro tem o hábito de chamar a
seu irmão ‘tolo’,1 ou retribuir injúria por injúria.2É claro que todos vós
que assim falais, se não vos arrependerdes, ireis, com todas as
vossas fraquezas, prontamente para o inferno! Mas quero dizer por
aquela palavra, não somente o que com propriedade se chama
fraqueza corporal, mas todas as imperfeições internas ou externas,
que não sejam de natureza moral. Tais são as fraquezas ou a
estupidez de entendimento, obtusidade ou confusão de
compreensão, a incoerência de pensamento, a irregular acuidade ou
a morosidade da imaginação. Tais são os que têm falta de memória
pronta ou retentiva. Tais são, de outra espécie, os que, em certa
medida, comumente se mostram coerentes com essas lacunas, isto
é, sentem lentidão no falar, denotam uso incorreto de palavras,
desgraciosidade de pronúncia, a que se pode adicionar mais mil
defeitos, seja na conversação, seja na atitude. Estas são as
fraquezas que, em proporção maior ou menor, se encontram nos
melhores homens. E disso ninguém pode esperar ser perfeitamente
libertado, até que o espírito volte para Deus que o deu.3XL, I, 7

1Mt 5.22 2 1 Pe 3.9 3 Ec 17.7

Outro Nome para a Santidade – Dia 4

Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de


toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação
no temor de Deus. 2 Coríntios 7.1

Por último, a perfeição cristã não implica a ausência de tentação.


Semelhante perfeição não pertence a esta vida. O próprio Filho de
Deus, nos dias de sua carne, foi tentado em todas as coisas.1 Assim,
espere o servo sê-lo também; porque o discípulo não está acima do
seu mestre.2 A perfeição cristã não implica, portanto, como alguns
têm imaginado, em isenção, seja da ignorância, do erro, das
fraquezas ou das tentações. A perfeição é, na realidade, somente
outro nome designativo da santidade. São dois nomes a definirem a
mesma coisa. Deste modo, todo aquele que é santo, é, no sentido da
Escritura, perfeito. Podemos ainda observar finalmente, que, mesmo
neste sentido, nenhuma perfeição existe na terra. Não há perfeição
em grau como se diz; nenhuma há que não admita crescimento.
Quanto mais alto tenha subido o homem, por mais elevado que seja
o grau de sua perfeição, ele ainda tem necessidade de crescer em
graça.3 e avançar diariamente no conhecimento e no amor de Deus,
seu Salvador. XL, I, 8-9

1Hb 4.15 2 Lc 6.40 3 2 Pe 3.18


SETEMBRO

Sou Obrigado a Pecar? – Dia 5

Fi lhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis.
Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus
Cristo, o Justo. 1 João 2.1

Se, pois, queres provar que as palavras do apóstolo o que é nascido


de Deus não peca1 – não se devem entender em seu sentido claro,
natural e óbvio, é do Novo Testamento que deves tirar tuas provas,
sem o que estarás a combater como quem açoita o ar.2 A primeira
dessas provas, que é usualmente apresentada, é tirada de exemplos
registrados no Novo Testamento. Os próprios apóstolos – diz-se –
cometeram pecado; mesmo os mais santos dentre eles, como Pedro
e Paulo. Paulo, por sua ardorosa contenda com Barnabé;3 Pedro,
por sua dissimulação em Antioquia”.4 Bem: suponhamos que tanto
Pedro como Paulo tenham cometido pecado; que pretenderias inferir
daí? Ou pretendes argumentar deste modo: “Se dois dos apóstolos
uma vez cometeram pecado, então, os demais cristãos, em todas as
épocas, cometerão pecado durante a vida? Aí, meu irmão, uma
criança de entendimento normal se envergonharia de semelhante
argumentação! Por último poderás inferir, com alguma aparência de
lógica; que todo homem deve cometer pecado. Não; livre-nos Deus
de dizer isto! Nenhuma necessidade de pecar foi imposta àqueles
homens. A graça de Deus lhes era, sem dúvida, suficiente.5 E é-nos
suficiente até hoje. Sempre havia caminho de escapar à tentação
que sobre eles recaísse6 como ao alcance de toda alma há meios de
escapar a cada tentação. De modo que, seja quem for que seja
tentado a cometer qualquer pecado, não terá necessidade de render-
se; porque ninguém é tentado acima do que seja capaz de suportar.7
XL, II, 14

11 Jo 3.9 2 1 Co 9.26 3 At 15.39 4 Gl 2.11 5 2 Co 12.9 6 1 Co 10.13 71 Co. 13

Cristo Vive em Mim – Dia 6

E, se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa


do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça.
Romanos 8.10

Cada cristão verdadeiro pode dizer como Paulo: Estou crucificado


com Cristo: no entanto vivo não eu, mas Cristo vive em mim1 –
palavras que manifestamente descrevem a libertação do pecado,
tanto interior como exterior. Esta declaração se faz tanto
negativamente – não vivo (minha natureza má, o corpo do pecado,
está destruído), como positivamente: Cristo vive em mim, e, pois,
tudo que é santo, justo e bom. Na verdade, ambas as declarações
– Cristo vive em mim e eu não vivo, inseparavelmente se relacionam.

Aquele, pois, que vive nos verdadeiros crentes, purifica seus


corações pela fé,2 de modo que, todo aquele que tem Cristo em si,
purifica-se a si mesmo, como Ele é puro.3 Purifica-se do orgulho,
porque Cristo era humilde de coração. Purifica-se da obstinação ou
cobiça, porque Cristo somente desejava fazer a vontade de seu Pai e
cumprir sua obra. E purifica-se da ira, no sentido comum da palavra,
porque Cristo era manso e suave, paciente, e longânimo. Digo
– no sentido comum da palavra, porque nem toda ira é pecaminosa.
Lemos de nosso Senhor, que Ele mesmo uma vez olhou com
indignação para eles.4 Assim, Ele se mostrava irado contra o pecado
e no mesmo instante sentia compaixão pelos pecadores; Vai, tu que
és perfeito, e faze a mesma coisa. Ira-te deste modo – e não
pecarás;5 experimentas desgosto em face de toda ofensa contra
Deus; mas, em face do ofensor, nutre somente amor e terna
compaixão. XL, II, 25-26

1Gl 2.20 2 At 15.9 3 1 Jo 3.3 4 Mc 3.5 5 Ef 4.26


SETEMBRO

A Promessa de Purificação – Dia 7

E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.


Romanos 6.18

Assim, cumpre o Senhor as coisas que Ele falou pelos seus santos
profetas, que surgiram desde que o mundo começou: por Moisés, em
particular, dizendo: Circuncidarei teu coração, e o coração de teus
filhos, para que ames o Senhor teu Deus de todo teu coração e de
toda tua alma;1 por Davi, clamando: Cria em mim um coração puro e
renova em mim um espírito reto;2 e mais notavelmente por Ezequiel,
naquelas palavras: E derramarei sobre vós uma água pura, e sereis
purificados: de todas as vossas impurezas, e de todos os vossos
ídolos, Eu vos purificarei. E dar-vos-ei um coração novo, e porei um
novo espírito em meio de vós; e farei que vós andeis nos meus
preceitos, e que guardeis as minhas ordenanças e que as pratiqueis.
E vós sereis para mim o meu povo, e Eu serei para vós o vosso
Deus. E também vos salvarei de todas as vossas impurezas.3 Tendo,
pois, estas promessas, bem-amados, purifiquemo-nos a nós mesmos
de toda imperfeição da carne e do espírito, aperfeiçoando a
santidade no temor de Deus,4 clamando a Ele dia e noite, até que
também sejamos redimidos do jugo da corrupção para a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus.5 XL, II, 29-30
1Dt 30.6 2 Sl 51.10 3 Ez 36.25-29 4 2 Co 7.1 5 Rm 8.21

Pensamentos Inconstantes – Dia 8

Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o


mundo, o amor do Pai não está nele. 1 João 2.15

Quais são as diversas espécies de pensamentos inconstantes: as


espécies particulares são inumeráveis; mas, em geral, eles são de
duas espécies: pensamentos que se desviam de Deus e
pensamentos que se desviam do assunto em questão. Em relação
aos primeiros; todos os pensamentos do homem natural são
normalmente dessa espécie, porque eles estão continuamente
desviando-nos de Deus: nada pensamos acerca de Deus; Ele não
está em todos os nossos pensamentos; estamos todos, como
observa o apóstolo Paulo, sem Deus no mundo.1 Pensamos naquilo
que amamos, mas não amamos a Deus. Por isso não pensamos
nele. Ou, se uma ou outra vez, somos constrangidos a pensar nele
por algum tempo, como não temos prazer nisso e, inclusive, como
aqueles pensamentos não nos são só insípidos, mas desagradáveis
e incômodos, expulsamos eles tão depressa quanto podemos, e
voltamos ao que amamos pensar. Ou seja, o mundo e as coisas do
mundo; pensar sobre o que comer, o que beber, o que vestir,2 o que
podemos ver, o que podemos ouvir, o que podemos ganhar; com o
que podemos deleitar – nossos sentidos ou nossa imaginação –
monopolizam todo nosso tempo e absorvem todos os pensamentos.
Enquanto, pois, amamos o mundo, isto é, enquanto permanecemos
em nosso estado natural, todos os nossos pensamentos, da manhã à
noite e da noite ao amanhecer, não são outra coisa se não
pensamentos inconstantes. XLI,3 I, 1-2

1Ef 2.12 2Mt 6.25 3 Sermão XLI: Os Pensamentos Inconstantes


SETEMBRO

Por que os Pensamentos Voam? – Dia 9


As armas da nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em
Deus, para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos e toda
altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando
cativo todo entendimento à obediência de Cristo. 2 Coríntios 10.4-5

Muitos desvios do pensamento resultam das várias associações de


ideias que acontecem independentemente de nossa escolha. Como
se fazem essas associações não podemos dizer, entretanto, elas se
formam de mil modos diversos. Nem está nas mãos do mais santo
dos homens impedir essas associações. Toque o fogo somente a
ponta do estopim e ele imediatamente alcançará a outra
extremidade. As ocasiões de pensamentos inconstantes partem do
íntimo, sendo operadas por nossa própria natureza. Elas também se
levantarão, todavia, natural e necessariamente, dos vários estímulos
dos objetos exteriores. Aquilo que fere algum órgão dos sentidos –
os olhos ou os ouvidos – provoca uma percepção mental.
Consequentemente, aquilo que vemos ou ouvimos quebrará nossa
cadeia anterior de pensamentos. Todo homem, pois, que faz alguma
coisa à nossa vista ou diz alguma coisa a nossos ouvidos, ocasiona
um desvio maior ou menor em nossa mente, tirando-a do ponto com
que antes estava preocupada. E não há dúvida que os espíritos
maus, que estão constantemente buscando a quem possam
devorar,1 servem-se de todas as ocasiões mencionadas para nos
confundir e distrair a mente. Algumas vezes por um lado, outras
vezes por outro, esses meios nos perturbam e nos atormentam, e, na
medida que Deus permite, interrompem nossos pensamentos,
especialmente quando estes se acham empenhados nos melhores
assuntos. XLI, II, 6, 8-9

11 Pe 5.8

Um Ateísmo Prático – Dia 10

E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o e disse-lhe: Homem de


pequena fé, por que duvidaste?Mateus 14.31
Que espécie de pensamentos inconstantes são pecaminosos e quais
não o são é o terceiro ponto a ser investigado. Primeiro, todos os
pensamentos que se desviam de Deus, que não lhe reservam lugar
na mente, são indubitavelmente pecaminosos. Porque tudo isso
implica em ateísmo prático
– e por esta causa estamos sem Deus no mundo.1 E muito mais o
são todos os que se mostram contrários a Deus, os que implicam em
inimizade ou oposição a Ele. Tais são todos os pensamentos de
murmuração, de descontentamento, que na realidade dizem: Não
queremos que nos governes;2 todos os pensamentos de
incredulidade em relação a seu ser, seus atributos ou sua
providência. Quero dizer sua providência particular sobre todas as
coisas, assim como sobre todas as pessoas do universo; providência
sem a qual nem um pardal cai em terra, pela qual até os nossos
cabelos estão todos contados;3 XLI, III, 1

1Ef 2.12 2Lc 19.14 3 Mt 10.29-30

Distrações Inocentes – Dia 11

Sujeitai-vos, pois, a Deus; resisti ao diabo, e ele fugirá de


vós. Tiago 4.7

Se nossos pensamentos fogem do assunto em questão, por meio de


distrações de outras pessoas, tais pensamentos são inocentes,
porque não há pecado em pensar sobre o que vejo ou ouço, e que
em muitos casos não posso deixar de ver, ouvir e entender, do que
no fato de eu possuir olhos, e ouvidos. Podes perguntar: “Mas se o
diabo inculca pensamentos inconstantes, estes pensamentos

SETEMBRO

não são maus?” Eles são perturbadores e, nesse sentido, são maus;
mas não são pecaminosos. Não sei se ele tenha falado a nosso
Senhor em voz audível; talvez tivesse falado somente a seu coração,
ao dizer: Todas estas coisas te darei se, prostrado, me adorares.1
Mas, quer tivesse falado no seu interior ou exteriormente, nosso
Senhor indubitavelmente ouviu o que lhe disse o maligno. Teve, pois,
pensamentos correspondentes àquelas palavras. Mas, esses
pensamentos foram pecaminosos? Sabemos que não foram. Nele
não havia pecado,2 nem em ação, nem em palavra ou pensamento.
Nem há pecado em milhares de pensamentos da mesma espécie,
que Satanás pode inculcar em qualquer dos seguidores de nosso
Senhor. Somente então, quando dormirmos no pó, seremos
libertados dos pensamentos inconstantes ocasionados por aquilo
que vemos e ouvimos, em meio daqueles que nos rodeiam. Para
evitar isto seria necessário sairmos do mundo, porque, enquanto
permanecermos nele, e homens e mulheres estiverem à volta de
nós, tivermos olhos para ver e ouvidos para ouvir, as coisas que
vemos e ouvimos diariamente, por certo, nos afetarão a mente,
quebrarão e interromperão a sequência de nossos pensamentos.
XLI, III, 6; IV, 5

1Mt 4.9 2 1 Jo 3.5

Pensamentos Pecaminosos – Dia 12

Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do


mal. João 17.15

De que espécie de pensamentos inconstantes podemos esperar ser


libertados através de oração? Daqueles pelos quais o coração se
desvia de Deus; de todos que são contrários à sua vontade ou que
nos deixam sem Deus no mundo,1 o que é aperfeiçoado em amor2
indubitavelmente se liberta. Tal libertação podemos, portanto,
esperar; por essa libertação devemos orar. Os pensamentos
inconstantes dessa espécie implicam em incredulidade, em inimizade
para com Deus; mas Ele os destruirá completamente. E, certamente,
seremos libertados de todos os pensamentos que são pecaminosos.
Todos os que são aperfeiçoados em amor serão libertados deles; de
outro modo não seriam salvos do pecado. Os homens e os demônios
os tentarão por todos os meios; mas não poderão prevalecer.
Enquanto os espíritos maus andam em derredor3 em um mundo
miserável e desordenado, eles assaltarão, (quer possam prevalecer,
quer não possam), a todo habitante da carne e do sangue.
Perturbarão mesmo àqueles a quem não possam destruir: atacarão,
ainda que não consigam vencer. E dos ataques de nossos
infatigáveis, incansáveis inimigos, não devemos esperar inteira
libertação, até que sejam alojados lá onde os maus cessam de
perturbar e onde os fatigados estão em repouso.4 XLI, IV, 1, 6

1Ef 2.12 2 1 Jo 4.18 3 1 Pe 5.8 4 Jó 3.17

As Maquinações de Satanás – Dia 13

Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar


firmes contra as astutas ciladas do diabo; Efésios 6.11

As maquinações pelas quais o príncipe deste mundo1 se esforça por


destruir os filhos de Deus – ou, pelo menos, atormentar aqueles a
quem ele não pode destruir, perturbando-os e embaraçando-os no
correr a carreira que lhes está proposta,2 são incontáveis como as
estrelas do céu ou como as areias de beira-mar. Mas é somente de
uma dessas maquinações que me proponho falar: como Satanás
tenta dividir o Evangelho contra si mesmo e com uma de suas partes
subverter a outra. O reino interior do

SETEMBRO

céu, que se estabelece no coração de todos os que se arrependem e


creem no Evangelho, não é outra coisa senão justiça, paz e gozo no
Espírito Santo.3 Toda criancinha em Cristo sabe que somos feitos
participantes desses dons na própria hora em que cremos em Jesus.
Mas esses dons são apenas as primícias de seu Espírito; a colheita
vem mais tarde. Embora essas bênçãos sejam inconcebivelmente
grandes, ainda esperamos ver maiores do que estas. Esperamos
amar ao Senhor nosso Deus não somente como o fazemos agora,
com um afeto fraco mas sincero, mas de todo nosso coração, de
toda nossa mente, de toda nossa alma e de toda nossa força.4
Esperamos pelo poder de regozijar-nos sobremodo, orar sem cessar
e em tudo dar graças sabendo que esta é a vontade de Deus em
Cristo no tocante a nós.5 Mas Satanás quer nos desanimar de
crescer em santidade. XLII,6 Introdução, 1, 2

1Jo 14.30 2 Hb 12.1 3 1 Rm 14.17 4 Lc 10.27 51 Ts 5.16-18 6 Sermão XLII: As


Maquinações de Satanás

Descontentamento Espiritual – Dia 14

Pelo que, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo,


prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o fundamento do
arrependimento de obras mortas e de fé em

Deus. Hebreus 6.1

Desejo apontar os vários modos pelos quais Satanás intenta destruir


a primeira operação de Deus na alma, ou, pelo menos, lhe
embaraçar o crescimento, a nossa expectativa de obra maior.
Primeiro, ele tenta diminuir a nossa alegria no Senhor, pela
consideração de nossa própria vileza, pecaminosidade, e
indignidade; a isto acrescenta o reconhecimento que deve haver
mudança ainda muito maior, ou não poderemos ver o Senhor.1
Como, entretanto, sentimos que não devemos permanecer nesse
estado, estando certos de que há maior mudança a operar-se, e que,
a não ser que todo o pecado seja abolido nesta vida, não poderemos
ver a Deus na glória – o sutil adversário com frequência sufoca a
alegria que de outro modo deveríamos experimentar em face do que
já temos alcançado, mediante a representação perversa do que
ainda não alcançamos e da necessidade absoluta de o alcançarmos.
Assim é que não podemos regozijar-nos no que temos, porque há
alguma coisa mais que não temos. Não podemos corretamente
provar a bondade de Deus, que tão grandes coisas nos tem dado,
porque há coisas muito maiores que até agora Ele não nos deu. Do
mesmo modo, quanto mais profunda é a convicção que Deus opera
em nós no tocante à nossa impiedade atual, e quanto mais veemente
é o desejo que sentimos em nosso coração da santidade completa
que Ele nos prometeu, mais somos tentados a pensar levianamente
nas bênçãos atuais de Deus e a menosprezar o que já recebemos,
em confronto com o que ainda não recebemos. XLII, I, 1

1Hb 12.14

O Ladrão da Nossa Paz – Dia 15

E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora chegada está a
salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu
Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual
diante do nosso Deus os acusava de dia e

de noite. Apocalipse 12.10

A segunda coisa, se Satanás pode nos sufocar a alegria, também


atacará nossa paz. O maligno insinuará: “És capaz de colocar-te
diante de Deus? Ele é de olhos demasiadamente puros para que
contemple a iniquidade.1 Como, então, podes

SETEMBRO

lisonjear-te a ti mesmo, a ponto de imaginares que Deus te olhe com


complacência? Deus é Santo: tu és ímpio. Que comunicação tem a
luz com as trevas?2 Como será possível que, impuro como és, tu te
encontres em estado de ser aceitável a Deus? Na verdade vês o
alvo, o prêmio de tua alta vocação,3 mas, não percebes que ele está
muito longe? Como então te podes presumir de pensar que todos os
teus pecados já foram cancelados?4 Como pode ser isto, até que
sejas levado para mais junto de Deus, até que tenhas maior
semelhança com Ele?” Desse modo Satanás tenta não só abalar tua
paz, mas ainda subverter o fundamento dela; fazer-te recuar ao
ponto inicial de que partiste, a buscar a salvação pelas obras ou por
tua própria justiça, fazer de alguma coisa que haja em ti o
fundamento de tua aceitação, ou, pelo menos, necessariamente
preparatório dessa aceitação. XLII, I, 2

1Hc 1.13 2 2 Co 6.14 3 Fp 3.14 4 Rm 4.7


Santidade Atacada – Dia 16

Jesus Cristo, ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o


vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e
glorioso, alcançando o fim da vossa fé, a salvação

da alma.1 Pedro 1.8-9

A obra-prima de Satanás ainda está a ser considerada. Não contente


em conturbar tua paz e tua alegria, ele leva seus esforços ainda mais
longe: dirige também seus assaltos contra tua justiça. Tentará abater
e, se possível, destruir, a santidade que houveres recebido, pela tua
expectativa de receber mais, de alcançar a plenitude da imagem de
Deus. A maneira pela qual Satanás ataca pode ressaltar o que já foi
observado. Porque, primeiro, atacando nossa alegria no Espírito,1
Satanás do mesmo golpe atenta contra nossa santidade, visto ser a
alegria no Senhor um meio precioso de promover todos os impulsos
santos; um instrumento escolhido por Deus, pelo qual Ele realiza
grande parte de sua obra na alma do cristão. Esta alegria é um
considerável auxílio, não somente à santidade interior, mas também
à santidade exterior. Ela fortalece nossas mãos2 para prosseguirmos
na obra da fé e no trabalho do amor, para corajosamente
combatermos o bom combate da fé e para tomar posse da vida
eterna.3 Ela é particularmente designada por Deus para ser uma
compensação tanto dos sofrimentos internos como dos sofrimentos
externos, para fortalecer as mãos cansadas e firmar os joelhos
enfraquecidos.4 Consequentemente, o que diminui a nossa alegria
no Senhor, proporcionalmente obstrui a nossa santidade. E assim, ao
mesmo tempo em que Satanás destrói nossa alegria, ele também
nos prejudica a santidade. XLII, I, 5, 6

1Rm 14.17 2 Ne 6.9 3 1 Tm 6.12 4 Is 35.3

Satanás Ataca a Nossa Fé – Dia 17


Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo
a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.
João 14.27

Seguir-se-á o mesmo efeito se ele puder, por qualquer meio, abalar


ou destruir nossa paz. Porque a paz de Deus é outro meio precioso
de avivar em nós a imagem de Deus. Dificilmente se encontra um
auxílio à santidade maior do que este – uma contínua tranquilidade
de espírito, a serenidade de um espírito firmado em Deus, um calmo
repouso no sangue de Jesus. Sem isso, dificilmente será possível
crescer em graça e no vital conhecimento de nosso Senhor Jesus
Cristo.1 Porque todo temor (exceto o terno temor filial), congela e
paralisa a alma. Estanca todas as fontes de vida espiritual e detém
todo movimento do coração que tenha a Deus

SETEMBRO

como alvo. A dúvida, por assim dizer, enlameia a alma, de modo que
esta fique presa no mais espesso barro. Por isso, na mesma
proporção em que medo e dúvida prevalecem, nosso crescimento
em santidade estará prejudicado. XLII, I, 7

1 2 Pe 3.18

Uma Fé Inabalável – Dia 18

E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os


vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus.
Filipenses 4.7

Sou justificado livremente por sua graça, pela redenção que há em


Cristo Jesus.1 Valorize e preze cada vez mais esta preciosa verdade:
Pela graça sois salvos, mediante a fé.2 Admira cada vez mais a livre
graça de Deus, em ter de tal modo amado ao mundo, que lhe deu
seu unigênito Filho, para que todo o que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna.3 Assim, o sentimento de pecaminosidade que
experimentas de um lado, e a santidade que esperas de outro,
contribuirão para estabelecer tua paz e para fazê-la correr como um
rio. Assim também tua paz jorrará como uma torrente, apesar de
todas aquelas montanhas de impiedade, que se aplainarão no dia
em que o Senhor vier a tomar posse do teu coração. Nem a doença,
ou a dor, ou a aproximação da morte, causará qualquer dúvida ou
temor. Sabes que um dia, uma hora, um momento, é, para Deus,
como mil anos.4 Ele não se embaraçará com o tempo em que será
feita em tua alma a obra restante. A hora de Deus é sempre a
melhor. Por isso não estejas ansioso por coisa alguma: somente faze
dele conhecidas tuas súplicas, e isto não com dúvidas ou temores,
mas agradecimento; estando previamente certo de que Ele não te
pode recusar nenhum bem.5 XLII, II, 2b

1Rm 3.24 2 Ef 2.8 3 Jo 3.16 4 1 Pe 3.8 5 Sl 84.11

O Fundamento da Santidade – Dia 19

Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a


piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.
1 Timóteo 6.11

Enquanto subsiste a fé, permanecemos em paz; nosso coração


permanece firme enquanto crê no Senhor. Mas se largarmos a nossa
fé, nossa confiança filial em Deus, que ama e perdoa – nossa paz se
extinguirá, tendo sido derrubado do seu verdadeiro alicerce. Essa fé
é o único fundamento, tanto da santidade, como da paz; portanto, o
que abate uma, também abala, até as próprias raízes, toda a
santidade: porque, sem fé, sem um vivo sentimento de que Cristo me
amou e deu-se a si mesmo por mim;1 sem a convicção ininterrupta
de que Deus, por amor de Cristo, é misericordioso para comigo,
pecador2 – é impossível que eu possa amar a Deus: Amamo-lo,
porque Ele primeiro nos amou;3 amamo-lo em proporção à força e à
clareza de nossa convicção de que Ele nos amou e aceita-nos em
seu Filho. A não ser que amemos a Deus, não é possível que
amemos ao próximo como a nós mesmos;4 nem:
consequentemente, que tenhamos qualquer afeição reta, seja no
tocante a Deus, seja no tocante ao homem. Segue-se,
evidentemente, que o que enfraquece nossa fé deve, no mesmo
grau, obstruir nossa santidade; e aquele é não só o mais eficiente
caminho para a destruição de toda a santidade, mas é o caminho
mais curto, visto que ele não afeta só um traço do caráter cristão, só
uma graça específica ou só um fruto do Espírito, mas, na medida em
que alcance sucesso, arranca as próprias raízes de toda a obra de
Deus. XLII, I, 8

1Gl 2.20 2 Lc 18.13 3 1 Jo 4.19 4 Lc 10.27


SETEMBRO

Sede de Santidade – Dia 20

Como suspira a cor ça pelas correntes das águas, assim por ti, ó
Deus, suspira a minha alma! A minha alma tem sede de Deus, do
Deus vivo; Salmo 42.1-2

Quanto mais fores tentado a lançar fora o teu escudo de fé,1 tua
confiança no amor de Deus, maior cuidado ponhas em conservar
aquilo a que tenhas atingido2 e mais ainda reavives o dom de Deus
que há em ti.3 Não permitas que se aparte de ti esta palavra: Tenho
um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo;4 A vida que
agora vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e
entregou-se a si mesmo por mim.5 Seja esta tua glória e tua coroa de
regozijo;6 e vê que ninguém tome a tua coroa.7 Conserva esta
crença: Sei que meu Redentor vive e no último dia estará sobre a
terra;8 e: Agora tenho redenção em seu sangue e o perdão de
pecados.9 Assim, cheio de toda a paz e alegria dos crentes,
prossegue, na paz e na alegria da fé, rumo à renovação de toda tua
alma segundo a imagem daquele que te criou! Entretanto, clama a
Deus sem cessar, para que possas ver o prêmio de tua alta
vocação,10 não como Satanás o representa, de maneira horrível,
mas em sua genuína e original beleza; não como alguma coisa que
deva acontecer (isto é, a santificação), sem o que irás para o inferno,
mas como alguma coisa que possa acontecer, para conduzir-te ao
céu. Encara-o como o mais desejável dom que se acha em todos os
tesouros das ricas misericórdias de Deus. Considerando-o sob este
verdadeiro ponto de vista, dele terás fome cada vez maior; toda tua
alma estará sedenta de Deus e dessa gloriosa conformidade com
sua imagem; e, tendo recebido uma boa esperança de alcançá-la e
uma forte consolação através da graça, jamais estarás cansado ou
abatido em tua mente, mas prosseguirás até que o alcances. XLII, II,
3

1Ef 6.16 2 Fp 3.16 3 2 Tm 1.6 4 1 Jo 2.1 5 Gl 2.20 6 1 Ts 2.19 7 Ap 3.11 8 Jó


19.25 9 Cl 1.14 10 Fp 3.14

Impaciência com Deus – Dia 21

Espera no SENHOR, anima-te, e ele fortalecerá o teu coração;


espera, pois, no SENHOR. Salmo 27.14

Enquanto nosso coração se acha faminto e sedento de todas as


grandes e preciosas promessas; quando suspiramos pela plenitude
de Deus como a corça suspira pelas fontes de águas;1 quando
nossa alma vibra com ferventes desejos, Satanás não perderá a
oportunidade de levar-nos a murmurar contra Deus. Empregará toda
sua astúcia e todo seu poder, se por acaso, numa hora descuidada,
pudermos ser influenciados a censurar a nosso Senhor, por assim
retardar sua vinda como santificador. Pelo menos, trabalhará por
excitar alguma dose de irritação e impaciência, e, talvez, de inveja
daqueles que acreditamos já terem alcançado o prêmio de sua alta
vocação.2 Bem sabe ele que, dando lugar a qualquer desses
sentimentos, estaremos simultaneamente demolindo aquilo que
queremos edificar. Seguindo desse modo em busca da santidade
perfeita, tornamo-nos mais ímpios do que antes. Sim, há maior
perigo de que nosso último estado venha a ser pior do que o
primeiro, à semelhança daqueles de quem o apóstolo fala nestas
tremendas palavras: Melhor teria sido para eles não terem conhecido
o caminho da justiça do que, depois de conhecê-lo, apartarem-se do
santo mandamento entregue a eles.3 XLII, I, 13

1Sl 42.1 2 Fp 3.14 3 2 Pe 2.21

Os Três Benefícios da Salvação – Dia 22

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos


abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais
em Cristo. Efésios 1.3

SETEMBRO

No poder da fé, apressa-te rumo à glória. Desde o começo Deus


reuniu o perdão, a santidade e o céu. Por que os separaria o
homem? Oh! Guarda-te disso! Não permitas que se rompa um elo
dessa corrente de ouro. Deus por amor de Cristo me perdoou.1 Ele
está agora me renovando à sua própria imagem. Em breve me fará
apto para si mesmo e me tomará para que esteja diante de sua face.
Eu, a quem Ele justificou pelo sangue de seu Filho; sendo
inteiramente santificado pelo seu Espírito, subirei suavemente à nova
Jerusalém, à cidade do Deus vivo. Ainda um pouco, e irei à
assembleia geral e Igreja dos primogênitos, e a Deus, Juiz de todos,
e a Jesus, o Mediador da nova aliança.2 Bem depressa essas
sombras se dissiparão e o dia da Eternidade vai nascer! Bem
depressa beberei da fonte de água da vida, que jorra do trono de
Deus e do Cordeiro!3 Ali todos os seus servos o louvarão e verão
sua face, e seu nome estará sobre suas frontes. E ali não haverá
noite; e eles não têm necessidade de lâmpada, ou da luz do sol.
Porque o Senhor Deus os alumiará, e eles reinarão por toda a
eternidade.4 XLII, II, 4

1Ef 4.32 2 Hb 12.22-24 3 Ap 22.1 4 Ap 22.4-5

Quando a Santificação Demora – Dia 23


Porque, ainda dentro de pouco tempo, aquele que vem virá e não
tardará. Hebreus 10.37

E se provaste a boa palavra e os poderes do mundo vindouro,1 não


murmurarás contra Deus pelo fato de não estares ainda preparado
para a herança dos santos em luz.2 Em lugar de reclamares por não
teres alcançado ainda completa libertação, louvarás a Deus por te
haver libertado até aqui. Glorificarás a Deus por aquilo que Ele já te
fez, tomando-o como penhor daquilo que ainda fará. Não te
queixarás de Deus porque não foste ainda renovado, mas tu o
bendirás, porque serás transformado; e porque tua salvação de todo
pecado está agora mais próxima do que quando primeiramente
creste.3 Em lugar de te atormentares desnecessariamente porque o
tempo ainda não se cumpriu por completo, calma e pacificamente
esperarás por Ele, sabendo que virá e não tardará.4 E se vires
alguém que pareça ser já aperfeiçoado em amor,5 longe de invejar a
graça de Deus manifestada nele – que isto alegre e conforte teu
coração! Glorifica a Deus por sua causa. Em lugar de ciúmes ou
ressentimento em relação ao tal, louva a Deus pela consolação!
Regozija-te em teres uma prova evidente da fidelidade de Deus no
cumprir todas as suas promessas; e esforça-te mais ainda para
conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo
Jesus! 6 XLII, II, 5-6

1Hb 6.5 2 Cl 1.12 3 Rm 13.11 4 Hb 10.37 5 1 Jo 4.18 6 Fp 3.12

Aproveite toda Oportunidade – Dia 24

Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas


como sábios, remindo o tempo, porquanto os dias são maus. Efésios
5.15-16

Para redimir o tempo, aproveite o momento presente. Aproveite toda


oportunidade de crescer em graça ou de fazer o bem. Não permitas
que a ideia de receber amanhã maiores graças te faça negligenciar o
dia de hoje. Agora tens um talento: se esperas mais cinco, melhor
razão tens para aproveitar o que tens. Sua graça é suficiente a cada
dia.1 Agora está o Senhor derramando sobre ti seus benefícios:
apresenta-te como despenseiro fiel2 da presente graça de Deus.
Seja o que for o dia de amanhã, emprega toda tua diligência em
adicionar à tua fé a coragem, a temperança, a paciência, o amor
fraternal 3 e o temor de Deus, até que alcances aquele amor puro e
perfeito! Que essas

SETEMBRO

coisas estejam agora em ti e sejam abundantes! Não sejas agora


preguiçoso ou infrutífero:4 assim uma entrada te será ministrada no
reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo!5 Finalmente, se no
passado abusaste da bendita esperança de seres santo como Ele é
santo,6 não lances fora semelhante esperança. Cesse o abuso e
permaneça o uso. Usa-o agora para mais abundante glória de Deus
e proveito de tua própria alma. Em fé inabalável, em tranquilidade de
espírito, em plena certeza da esperança, regozijando-te sobremodo
naquilo que Deus já fez – avança rumo à perfeição! Crescendo
diariamente no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo,
aperfeiçoando-te de força em força,7 em resignação, em paciência,
em humilde reconhecimento em face do que já tens alcançado e por
aquilo que ainda alcançarás, corre a carreira que te está proposta,
olhando para Jesus,8 até que, através do perfeito amor, entres em
sua glória! XLII, II, 7, 8

11 Co 12.9 2 Mt 25.21 3 2 Pe 1.5-7 4 2 Pe 1.8 5 2 Pe 1.11 6 1 Pe 1.16 7 Sl


84.7 8 Hb 12.1-2

Salvação Presente – Dia 25

Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele


viveremos; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já
não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a
ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver,
vive para Deus.Assim também vós considerai-vos como mortos para
o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Romanos 6.8-11

Primeiro, perguntemos: O que é salvação? A salvação de que se fala


aí não é aquilo que o mundo frequentemente entende por essa
palavra – a ida para o céu, a eterna felicidade. Não é a ida da alma
para o paraíso, chamado por nosso Senhor o seio de Abraão.1 Não é
uma bênção que se encontre do outro lado da morte, ou, como
usualmente dizemos, no outro mundo. As próprias palavras do
seguinte texto tiram toda dúvida a este respeito: Vós sois salvos.2
Não é alguma coisa remota: é uma coisa presente; uma bênção de
que, pela livre misericórdia de Deus, estais de posse agora mesmo.
Aquelas palavras podem até ser traduzidas, com igual propriedade,
desta maneira: “Vós tendes sido salvos”, de modo que a salvação de
que se trata aí pode estender-se a toda a obra de Deus, desde o
primeiro toque da graça na alma até sua consumação na glória.
XLIII,3 I, 1

1Lc 16.22 2 Ef 2.8 3 Sermão XLIII: O Meio Bíblico de Salvação

As Riquezas da Nossa Salvação – Dia 26

… tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que


saibais qual seja a esperança da sua vocação e quais as riquezas da
glória da sua herança nos santos e qual a sobre-excelente grandeza
do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da
força do seu poder. Efésios 1.18-19

Estamos preocupados somente com aquela salvação de que o


apóstolo Paulo diretamente fala: Pela graça sois salvos.1 Esta
abrange duas partes gerais - justificação e santificação. A justificação
é outra palavra que designa o perdão. É o perdão de todos os
nossos pecados; e, o que se acha necessariamente implícito neste
fato, nossa aceitação da parte de Deus. O preço pelo qual essa
salvação nos foi adquirida é o sangue e a justiça de Cristo; ou, para
nos expressarmos um pouco mais claramente, tudo que Cristo fez e
sofreu por nós, até que derramou sua alma pelos transgressores.2
Os efeitos imediatos da justificação são a paz de Deus, paz que
excede toda a compreensão,3 e o regozijo na experiência da glória e
Deus,4 com gozo indizível e cheio de glória.5 E, ao mesmo

SETEMBRO

tempo que somos justificados, sim, no próprio momento, a


santificação começa. Naquele instante somos nascidos de novo,
nascidos de cima, nascidos do Espírito: há uma mudança
instantânea quando Jesus nos torna novas criaturas, mas, é uma
mudança que continua no processo para santificação. Somos
renovados interiormente pelo poder de Deus. Sentimos o amor de
Deus derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos é
dado,6 produzindo amor a toda a humanidade e mais especialmente
aos filhos de Deus; expulsando o amor do mundo, o amor do prazer,
de confortos, de honras, de dinheiro, acompanhado de orgulho, ira,
vontade própria e qualquer outra disposição perversa; em uma
palavra, substituindo a mente terrena, sensual e diabólica pela mente
que havia em Cristo Jesus.7 XLIII, I, 3-4

1Ef 2.8 2 Is 53.12 3 Fp 4.7 4 Rm 5.2 5 1 Pe 1.8 6 Rm 5.5 7 Fp 2.5

O Pecado que Permanece – Dia 27

Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos,


e não há verdade em nós. 1 João 1.8

Quão natural é que os que experimentam salvação imaginem que


todo pecado se tenha ido; que ele se tenha desarraigado de seu
coração e nele já não tenha nenhum lugar! Quão facilmente tiram
eles esta inferência: “Eu não sinto o pecado; portanto, não tenho
pecado; ele não me comove, portanto, ele não existe!” Mas,
raramente demora para reconhecer que eram enganados,
verificando que o pecado estava somente suspenso e não destruído.
As tentações voltam e o pecado revive, mostrando que antes estava
apenas escondido e não morto. Agora eles sentem em si mesmos
dois princípios inteiramente contrários um ao outro: a carne militando
contra o Espírito,1 a natureza opondo-se à graça de Deus. Não
podem negar que, embora sintam ainda forças para crer em Cristo e
para amar a Deus; embora seu Espírito ainda testifique com seu
espírito, que eles são filhos de Deus,2 contudo ainda sentem em si
mesmos orgulho ou vontade própria, às vezes ira ou incredulidade.
Acham essas tentações agitando-se em seu coração, embora não
vencendo, mas o Senhor é seu auxílio.3 XLIII, I, 5-6

1Gl 5.17 2 Rm 8.16 3 Sl 46.1

Vivificados para Deus – Dia 28

Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo


em Deus. Colossenses 3.3

A partir do dia do nosso novo nascimento, a obra de santificação


gradual começa. Somos habilitados pelo Espírito Santo a mortificar
as obras da carne,1 de nossa natureza má; e, sendo cada vez mais
inteiramente mortos ao pecado, cada vez mais vivificados somos
para Deus.2 Avançamos de graça em graça,3 se tivermos cuidado
em abster-nos de toda aparência do mal4 e sermos zelosos de boas
obras,5 segundo tivermos oportunidade, fazendo o bem a todos os
homens;6 se andarmos irrepreensivelmente em todas as suas
ordenanças7 prestando culto a Deus em espírito e em verdade;8 se
tomarmos nossa cruz e negarmos a nós mesmos9 e a todo prazer
que não nos conduza a ele. É assim que esperamos pela inteira
santificação; por uma completa salvação de todos os nossos
pecados: do orgulho, da obstinação, da ira, da incredulidade; ou,
como a Bíblia diz, chegar à perfeição,10 Mas, o que é perfeição? A
palavra tem vários sentidos: aí ela significa perfeito amor. É o amor
que exclui o pecado; amor que enche o coração, vivificando toda a
alma. É o amor que se regozija sobremodo, ora sem cessar, em
todas as coisas dando graças.11 XLIII, I, 8-9

1Rm 8.13 2 Rm 6.11 3 Jo 1.16 4 1 Ts 5.22 5 Tt 2.14 6 Gl 6.10 7 Lc 1.6 8 Jo


4.24 9 Mt 16.24 10Hb 6.1 111 Ts 5.16-18
SETEMBRO

Visão Espiritual – Dia 29

E orou Eliseu e disse: SENHOR, peço-te que lhe abras os olhos,


para que veja. E o SENHOR abriu os olhos do moço, e viu; e eis que
o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo em redor de
Eliseu. 2 Reis 6.17

Qual é a fé pela qual somos salvos? A fé, em sentido geral, é


definida como uma evidência, uma divina evidência e convicção das
coisas não vistas;1 não visíveis, não perceptíveis pelos olhos, ou por
qualquer outro sentido exterior. Implica tanto em sobrenatural
evidência de Deus como das coisas de Deus; uma espécie de
iluminação espiritual manifestada à alma e uma visão sobrenatural
ou percepção dela. Consequentemente, a Escritura fala de Deus a
conceder ora a luz, ora poder de discernimento. Assim Paulo disse:
Deus, que manda a luz brilhar nas trevas, brilhou em nossos
corações, para dar-nos iluminação do entendimento da glória de
Deus na face de Jesus Cristo.2 E em outro lugar o mesmo apóstolo
fala dos olhos de nosso entendimento sendo abertos.3 Por esta
dupla operação do Espírito Santo, tendo os olhos de nossa alma
abertos e iluminados, vemos as coisas que os olhos naturais não
viram, nem os ouvidos ouviram.4 Temos uma perspectiva das coisas
invisíveis de Deus; Tomando a palavra em sentido mais restrito, a fé
é uma divina evidência e convicção não só de que Deus em Cristo
estava reconciliando o mundo consigo mesmo,5 mas também de que
Cristo me amou e deu-se a si mesmo por mim.6 XLIII, II, 1-2
1Hb 11.1 22 Co 4.6 3 Ef 1.18 4 1 Co 2.9 5 2 Co 5.19 6 Gl 2.20 Caminhada
Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John Wesley

O Que é o Segundo Arrependimento? – Dia 30

Se dissermos que temos comunhão com ele e andarmos em trevas,


mentimos e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz,
como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o
sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado.1 João
1.6-7

O segundo arrependimento tem que ser corretamente entendido,


porque este não se deve confundir com o primeiro arrependimento.
O arrependimento consequente à justificação é muitíssimo diferente
do que o que a precede. Aquele não implica em culpa, em nenhum
sentimento de condenação, em nenhuma consciência da ira de
Deus. Não pressupõe qualquer dúvida do favor de Deus ou qualquer
temor que produza tormento.1 É propriamente uma convicção,
operada pelo Espírito Santo, do pecado que permanece em nosso
coração; da mente carnal que permanece mesmo nos que são
regenerados;2 embora ela não mais reine, nem agora tenha domínio
sobre eles. É a convicção de nossa inclinação para o mal, de um
coração propenso à apostasia, da tendência constante da carne a
cobiçar contra o espírito. Às vezes, a não ser que constantemente
vigiemos e oremos, ele deseja orgulhar-se; outras vezes quer irar-se;
outras, ambiciona amar o mundo, amar a comodidade, amar as
honras, ou amar os prazeres mais do que a Deus. É uma convicção
da tendência de nosso coração para a obstinação, para o ateísmo ou
idolatria; e, acima de tudo, para a incredulidade, pela qual, por
milhares de meios e sob mil pretextos, estamos sempre nos
desgarrando, mais e mais, do Deus vivo. XLIII, III, 6
11 Jo 4.18 2Artigos de Religião da Igreja Anglicana OUTUBRO
273
Constância – Dia 1

Vem soberano amor, Jesus


Vencer-me o coração!
Assim meus pés de tua luz
Jamais se afastarão.
Que o lume purificador
Comece agora arder!
Em mim, ó fogo abrasador.
Vem todo o mal vencer.
Onipotente e Santo Deus
Que tudo aqui nos dás,
Consome os vis pecados meus,
Vem dar-me a tua paz.
Senhor, vem, faze transbordar
Meu coração de luz,
E minha vida vem guiar
Nos passos de Jesus.
Minha alma vem fazer sentir,
Constante o teu amor,
Que em tudo possa ver fruir
Teu divinal favor.

(Jesus, Thine All Victorious Love – Hino de Charles Wesley


– Tradução: Rev. Justus Henry Nelson)

Uma Clara Convicção – Dia 2

E, vendo isso Simão Pedro, prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo:


Senhor, ausenta-te de mim, porque sou um homem
pecador.
Lucas 5.8

Junto com a convicção do pecado que permanece em nossos


corações vem uma clara convicção do pecado que permanece em
nossas vidas, misturando-se ainda a todas as nossas palavras e
ações. Nas melhores palavras e

OUTUBRO

obras agora discernimos certa mistura do mal; algo que não poderia
suportar o reto juízo de Deus, se Ele fosse ao extremo de apontar o
que se faz erroneamente. Onde menos esperamos, aí achamos um
traço de orgulho, de obstinação, de incredulidade, ou idolatria, de
modo que nos envergonhamos mais agora de nossas melhores
ações do que anteriormente o faríamos em face de nossos piores
pecados; e daí não podemos deixar de sentir que elas estão tão
longe de ter em si mesmas qualquer coisa de meritório, sim, tão
longe estão de ser capazes de suportar o olhar da divina Justiça, que
em razão delas também nós seríamos culpados diante de Deus, se
não tivessem por si o sangue da nova aliança. XLIII, III, 7

Por que o Segundo Arrependimento? – Dia 3

Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo


Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis.
Romanos 8.13

A experiência mostra que, acompanhada da convicção do pecado


que permanece em nossos corações e mistura-se a todas as nossas
palavras e atos, assim também a culpa em que, por essa causa,
deveríamos incorrer se não fôssemos constantemente aspergidos
pelo sangue propiciador; mas, uma coisa se acha implícita nesse
arrependimento: a convicção de impotência pessoal, de nossa inteira
incapacidade de nutrir um bom pensamento, ou de conceber um bom
desejo, e muito menos de dizer uma palavra justa ou realizar uma
boa ação, a não ser através da graça livre e poderosa de Deus,
primeiro advertindo-nos e depois acompanhando-nos a todo
momento. Daí aparece a maldade extrema daquele conceito,
inocente em aparência, segundo o qual não há pecado no crente;
que todo pecado é destruído, raiz e ramos, no momento em que o
homem é justificado. Por impedir aquele arrependimento, tal conceito
obstrui inteiramente o caminho da santificação. Não há lugar para o
arrependimento naquele que acredita não haver pecado em sua vida,
nem em seu coração: consequentemente, não há lugar para o
aperfeiçoamento em amor, ao qual aquele arrependimento é
absolutamente necessário. XLIII, III, 8, 11

A Fé que Santifica – Dia 4

E dar-lhes-ei coração para que me conheçam, porque


eu sou o SENHOR; e ser-me-ão por povo, e eu lhes serei por Deus,
porque se converterão a mim de todo o seu coração.

Jeremias 24.7

Mas, qual é a fé pela qual somos santificados – salvos do pecado e


aperfeiçoados em amor? É uma divina evidência ou convicção,
primeiro, de que Deus o prometeu nas Santas Escrituras. Até que
tenhamos perfeitamente compreendido isto, não há um passo dado
para frente. Não haja necessidade de nenhuma palavra mais para
convencer o homem razoável, da promessa antiga: Então eu
circuncidarei teu coração, e o coração de teus descendentes, para
amares ao Senhor teu Deus de todo teu coração, e de toda tua alma,
e de toda tua mente.1 Como isto expressa, claramente o
aperfeiçoamento em amor! Como implica fortemente em salvação de
todo o pecado! Porque, enquanto o amor enche todo o coração, que
lugar haverá ali para o pecado? É, em segundo lugar, uma divina
evidência ou convicção de que Deus é capaz de cumprir o que
prometeu. Mesmo admitindo, portanto, que aos homens é
impossível2 tirar uma coisa pura de uma coisa impura,3 purificar o
coração de todo o pecado e enchê-lo de toda a santidade; isto não é
difícil demais, visto que com Deus tudo é possível.4 XLIII, III, 14-15

1 Dt 30.6 2 Mt 19.26 3 Jó 14.4 4 Mt 19.26


OUTUBRO

Por que Não Nesta Hora? – Dia 5


Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para
sermos santos e irrepreensíveis em sua presença.
Efésios 1.4

Mas, Deus opera na alma essa grande obra, gradual ou


instantaneamente? Talvez possa ser gradualmente operada em
alguns: quero dizer que neste sentido, – eles, os crentes, não
atentam para o momento particular em que o pecado está
erradicado. Mas seria infinitamente desejável que, sendo esta a
vontade de Deus, a santificação se desse instantaneamente; que o
Senhor destruísse o pecado pelo sopro de sua boca;1 em um
momento, num piscar de olhos.2 E isto Ele geralmente faz, sendo
este um fato de que há suficiente evidência para satisfazer a
qualquer pessoa livre de preconceitos. Tu, pois, espera por isto a
todo momento. Não serás decepcionado em tua esperança; ela virá
e não tardará.3 Espera por ela a cada dia, a cada hora, a todo
momento! Por que não nesta hora, neste momento? Certamente que
podes esperá-la agora, se creres que ela vem pela fé. E por este
sinal podes saber se a procuras pela fé ou pelas obras. Se for pelas
obras, tens necessidade de fazer alguma coisa primeiro, antes que
possas ser santificado. Se a buscares pela fé, podes esperar por ela
como és; e, se esperas como estás, então esperas por ela agora
mesmo. É importante observar que há uma conexão inseparável
entre estes três pontos: esperá-la pela fé, esperá-la como estás e
esperá-la agora. Negar um desses pontos é negar os demais;
concordar com um deles é concordar com todos. Crês que és
santificado pela fé? E se esperas por ela como estás, então espera-a
agora. Não te detenhas por coisa alguma: por que o farias? Cristo
está pronto – e Ele é toda tua necessidade. Ele está esperando por
ti: Ele está à porta!4 XLIII, III, 18

12 Ts 2.8 21 Co 15.22 3 Hb 10.27 4 Ap 3.20

O Conceito do Homem àcerca do Homem – Dia 6

E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens


amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram
más. João 3.19

E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a


terra e que toda imaginação dos pensamentos de seu coração era só
má continuamente.1 Quão largamente diversa é esta representação
da natureza humana, que os homens têm pintado em todas as
épocas! Os escritos de muitos dentre os antigos são prodígios de
alegres descrições da dignidade e virtude do homem. Ele é tão bom
que não precisa submeter-se a qualquer outro ser; sim, como
autossuficiente, e pouco inferior ao próprio Deus. Não é espantoso
que essas opiniões sejam tão prontamente recebidas pela maioria
dos homens? Quem não será facilmente persuadido a pensar
favoravelmente de si mesmo? Consequentemente, os escritos dessa
espécie são os mais universalmente lidos, admirados, e aplaudidos.
E inumeráveis são os prosélitos que eles têm feito, não somente em
meio ao mundo leviano, mas também no mundo culto. Assim, está
agora bastante fora de moda falar de modo contrário, isto é, dizer
alguma coisa que menospreza a natureza humana, que é geralmente
entendida como algo culpado de ofensas insignificantes, mas, em
geral, algo muito inocente, sábio e virtuoso! XLIV,2 Introdução, 1, 3

1 Gn 6.5 2 Sermão XLIV: O Pecado Original


OUTUBRO

O Conceito de Deus acerca do Homem – Dia 7

Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras,


sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda boa
obra. Tito 1.16

Se acreditamos que os homens são basicamente bons, o que


devemos fazer de nossas Bíblias? Porque elas jamais concordarão
com isto! Aquelas opiniões humanas, enquanto agradam carne e
osso, são profundamente irreconciliáveis com a narrativa bíblica. As
Escrituras afirmam que pela desobediência de um homem todos os
homens foram constituídos pecadores;1 que em Adão todos
morreram,2 morreram espiritualmente, perderam a vida e a imagem
de Deus; que, pecador decaído, Adão então gerou um filho à sua
própria semelhança3 – e nem era possível que o gerasse segundo
outra qualquer imagem, porque, quem pode tirar uma coisa pura de
uma coisa impura?4 – que, consequentemente, nós, como quaisquer
outros homens, estamos, por natureza, mortos em delitos e
pecados,5 sem esperança e sem Deus no mundo,6 e, portanto,
somos filhos da ira;7 que todo homem pode dizer: Fui gerado em
iniquidade e em pecado minha mãe me concebeu;8 todos pecaram e
foram destituídos da glória de Deus,9 daquela gloriosa imagem de
Deus, segundo a qual o homem fora originalmente criado. E daí,
quando o Senhor olhou do alto para os filhos dos homens, viu que
todos se desviaram; que eles se tornaram todos abomináveis, não
havendo nenhum justo, nem sequer um.10 Deus viu que a maldade
do homem era grande na terra; tão grande que toda imaginação dos
pensamentos de seu coração era somente má, e isto
continuamente.11 XLIV, Introdução, 4

1 Rm 5.19 21 Co 15.22 3 Gn 5.3 4 Jó 14.4 5 Ef 2.1 6 Ef 2.12 7 Ef 2.3 8 Sl 51.5


9 Rm 3.23 10 Sl 14.2-3 11 Gn 6.5

Somente Má – Dia 8

Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece


os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau e
guia-me pelo caminho eterno.

Salmo 139.23-24

As Escrituras descrevem a pecaminosidade do homem sem Deus.


Tais eram todos os homens, antes que Deus trouxesse o dilúvio
sobre a terra. Vamos agora inquirir se os homens são os mesmos
hoje. É certo que a Escritura não nos dá razão de pensar deles de
modo diferente. Pelo contrário, todas as passagens acima citadas
têm referência aos que viveram depois do dilúvio. Mais de mil anos
depois foi que Deus declarou por Davi, no tocante aos filhos dos
homens: Todos se desviaram do caminho da verdade e da santidade;
não há nenhum justo; nem um sequer.1 E disto todos os profetas dão
testemunho, em suas diversas gerações: Assim Isaías, referindo-se
ao povo escolhido de Deus (e certamente os pagãos não estavam
em melhores condições): Toda a cabeça está enferma e todo
coração abatido. Desde a planta do pé até ao alto da cabeça não há
nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres.2 O
mesmo depoimento é prestado por todos os apóstolos, sim, por todo
o testemunho dos Oráculos de Deus. De tudo isso aprendemos, no
tocante aos homens em seu estado natural, desacompanhados da
graça de Deus, que toda a imaginação dos pensamentos de seu
coração é má, somente má, e isto continuamente.3 XLIV, II, 1

1 Sl 14.3 2 Is 1.5-6 3 Gn 6.5


OUTUBRO

Os Ídolos do Coração – Dia 9

Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a


prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência
e a avareza, que é idolatria; Colossenses 3.5

Vemos, quando Deus nos abre os olhos, que estávamos antes sem
Deus, ateus no mundo.1 Não temos, por natureza, conhecimento de
Deus; nenhuma relação temos com Ele. Não tendo conhecimento de
Deus, não podemos ter amor a Ele: não podemos amar àquele a
quem não conhecemos. Deste modo, todos os homens são “ateus no
mundo”. Mas o próprio ateísmo nos não isenta da idolatria. Em seu
estado natural, todo homem que nasce no mundo se qualifica como
idólatra. Talvez que, na verdade, não o sejamos no sentido vulgar da
palavra. Não prestamos culto, à maneira dos pagãos idólatras, a
imagens fundidas ou esculpidas. Não nos encurvamos diante de um
tronco de árvore, diante da obra de nossas próprias mãos. Não
rogamos aos anjos ou aos santos do céu nem o fazemos aos santos
da terra. Mas, que tem isso? Estabelecemos nossos ídolos em
nossos corações e perante eles nos encurvamos e lhes damos culto:
cultuamo-nos a nós mesmos, quando tributamos à nossa pessoa o
culto que somente é devido a Deus. Portanto, todo orgulho é
idolatria; é atribuir a nós mesmos aquilo que só é devido a Deus. Por
meio de orgulho defraudamos a Deus, roubando-lhe o direito
inalienável, idolatradamente lhe usurpamos a glória. XLIV, II, 7

1 Ef 2.12

Vontade Própria – Dia 10

Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia, não se faça a


minha vontade, mas a tua. Lucas 22.42

Mas o orgulho não é a única espécie de idolatria de que todos


somos, por natureza, culpados. Satanás também imprimiu em nosso
coração sua imagem, obstinação. Assentar-me-ei, disse ele, antes
de ser expulso dos céus, sobre os flancos do norte1 eu farei minha
própria vontade e prazer, independentemente da de meu Criador. O
mesmo diz todo homem que nasce no mundo, e disso há um milhar
de exemplos; e ainda o confessa, sem nenhum sentido de vergonha,
sem temor e sem vexame. Pergunta ao homem: Por que fazes isto?
Ele responde: Porque decidi fazê-lo. Que vem a ser isto, senão:
Porque esta era a minha vontade?
– isto é, com efeito – porque o diabo e eu concordamos; porque
Satanás e eu governamos nossas ações por um mesmo princípio. A
vontade de Deus, entretanto, não entra em seus pensamentos, não é
considerada no mínimo grau, não obstante seja ela a regra suprema
de toda criatura inteligente, seja no céu ou na terra, em razão da
essencial, inalterável relação que todas as criaturas têm para com
seu Criador. XLIV, II, 8

1 Is 14.13

Amor para com o Mundo – Dia 11


Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a
todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às
concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria,
justa e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o
aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus
Cristo. Tito 2.11-13

OUTUBRO

Como pecadores, carregamos a imagem do diabo e andamos em


suas pegadas. Mas somos culpados de algo que Satanás não faria:
quero referir-me ao amor do mundo, que é agora tão natural a todo
homem, como o amor à sua própria vontade. O que é mais natural
ao homem do que buscar a felicidade na criatura, em lugar de a
procurar no Criador,1 buscar a satisfação nas obras de suas mãos,
satisfação que só pode ser encontrada em Deus? O que há de mais
natural do que o desejo da carne,2 isto é, de todas as espécies de
prazeres dos sentidos? Os homens, principalmente os homens
eruditos e educados, falam pomposamente no desprezo aos
prazeres inferiores. Fingem pairar acima da gratificação dos apetites
em que o homem se nivela com as bestas que perecem.3 Mas isso é
mera afetação! Porque todo homem é consciente perante si mesmo
de que, a esse respeito, ele é, por natureza, um verdadeiro animal.
Os apetites sensuais, mesmo os de mais baixa espécie, têm domínio
sobre ele. Esses apetites o escravizam; manobram-no para um e
outro lado, a despeito de sua apregoada razão. O homem, com toda
sua boa educação e outros refinamentos, não tem preeminência
sobre o bode: e até é muito para duvidar que a besta não tenha
preeminência sobre ele. XLIV, II, 9

1 Rm 1.25 2 Gl 5.17 3 Sl 49.20

Amor por Aplausos – Dia 12

Eles fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens, pois
trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes,e
amam os primeiros lugares nas ceias, e as primeiras cadeiras nas
sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos
homens: – Rabi, Rabi.

Mateus 23.5-7

Outro sintoma desta doença fatal – o amor do mundo,1 que está tão
profundamente arraigado em nossa natureza,
– é a vaidade da vida,2 o desejo de louvor, da honra que vem dos
homens. Isto os maiores admiradores da natureza humana
confessam ser estritamente natural; tão natural como a visão ou a
audição, ou qualquer outro dos sentidos externos.

E, mesmo os homens de letras, os homens de entendimento polido e


culto, envergonham-se disto? Longe disso: eles se gloriam dessa
conduta! Eles se aplaudem em razão de seu amor ao aplauso! Mas
poderia alguém imaginar que esses homens tivessem jamais ouvido
falar de Jesus Cristo, ou de seus apóstolos; ou que eles soubessem
que foi dito: Como podeis crer, vós que recebeis honra uns dos
outros, e não buscais a honra que somente vem de Deus?3 Mas se
realmente for assim, e se for impossível crer e, em consequência,
agradar a Deus, enquanto recebermos ou buscarmos o louvor que os
homens trocam entre si e não a honra que somente vem de Deus,
então, em que triste estado se encontra toda a humanidade, tanto
cristãos como pagãos! XLIV, II, 11

11 Jo 2.15 21 Jo 2.16 3 Jo 5.44

O Grande Sinal Distintivo – Dia 13

Porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua


meninice; Gênesis 8.21

Este é, portanto, o primeiro e grande sinal distintivo entre o


paganismo e o cristianismo. Um reconhece que muitos homens se
acham contaminados de muitos vícios e nascem com inclinação para
eles; mas supõe, com tudo isso, que em alguns a bondade natural
contrabalança o mal; o outro declara que todos os homens são
concebidos em pecado e gerados em iniquidade;1 que daí resulta
que há

OUTUBRO

em todo homem a mente carnal, que é inimizade contra Deus; que


não está, nem pode estar, sujeita à sua lei;2 e que de tal maneira
infecciona toda a alma, que não existe no homem, em sua carne, em
seu estado natural, nenhum bem,3 mas toda a imaginação dos
pensamentos de seu coração é má, somente má, e isto
continuamente.4 Daí podemos deduzir que todos os que negam o
pecado original, não são mais do que pagãos, no ponto fundamental
que distingue o paganismo do cristianismo. XLIV, III, 1-2

1 Sl 51.5 2 Rm 8.7 3 Rm 7.18 4 Gn 6.5

O Soberano Remédio – Dia 14

E aproximou-se dele um leproso, que, rogando-lhe e pondo-se de


joelhos diante dele, lhe dizia: Se queres, bem podes limpar-me. E
Jesus, movido de grande compaixão, estendeu a mão, e tocou-o, e
disse-lhe: Quero, sê limpo!

Marcos 1.40-41

É necessário entender a doutrina do pecado original. Daí podemos


aprender qual é a própria natureza da religião, da religião de Jesus
Cristo. É o método divino de curar a alma, que se encontra enferma.
Por este meio o grande Médico das almas aplica o remédio para
curar a enfermidade; para restaurar a natureza humana, totalmente
corrompida em todas as suas faculdades. Deus cura todo nosso
ateísmo pelo conhecimento de si mesmo e de Jesus Cristo, a quem
Ele enviou,1 dando-nos fé: uma divina evidência ou convicção de
Deus e das coisas de Deus, em particular desta importante verdade:
Cristo me amou e deu-se a si mesmo por mim.2 Pelo arrependimento
e pela humildade de coração, a doença mortal do orgulho é curada; o
mal da obstinação se cura pela resignação, mansidão e grata
submissão à vontade de Deus; e para o amor ao mundo em todos os
seus aspectos, o amor de Deus é o soberano remédio. Esta é
propriamente a religião, a fé assim operando por amor,3 operando a
genuína humildade pacífica, a completa morte para o mundo, com
uma submissão amorosa e agradecida a toda a vontade de Deus e a
toda sua palavra. XLIV, III, 3

1 Jo 17.3 2 Gl 2.20 3 Gl 5.6

Uma Religião Externa – Dia 15

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior


do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de
iniquidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do
prato, para que também o exterior fique

limpo. Mateus 23.24-25

Se os homens não tivessem decaído, nenhuma necessidade haveria


de cura. Não haveria ocasião de operar-se essa obra no coração,
essa renovação de nossa mente.1 Uma religião exterior, sem
qualquer piedade, bastaria a todos os intuitos e propósitos racionais.
Ela basta, no conceito dos que negam a corrupção de nossa
natureza. E falam coerentemente consigo mesmos, porque, se o
interior não estiver cheio de maldade, se este já for puro, que resta,
senão purificar o exterior do copo?2 A reforma exterior, se sua
suposição for justa, é, na verdade, a única necessária. Mas não
aprendestes isto das Escrituras. Sabeis que Aquele que vê o que
existe no homem dá uma versão muito diferente de ambas: a
natureza e a graça, de nossa queda e de nossa restauração. XLIV,
III, 4-5

1 Rm 12.2 2 Mt 23.25
OUTUBRO

Conhecei Vossa Cura! – Dia 16


Então, clamaram ao SENHOR na sua angústia, e ele os livrou das
suas necessidades. Enviou a sua palavra, e os sarou, e os livrou da
sua destruição. Salmo 107.19-20

Sabeis que o grande fim da religião é renovar nossos corações à


imagem de Deus. É reparar aquela perda total da justiça e
verdadeira piedade que sofremos pelo pecado de nossos primeiros
pais. Sabeis que toda religião que não corresponde a este fim, toda
religião que fique aquém disto não é mais do que uma pobre farsa e
um simples zombar de Deus, para a destruição de nossa própria
alma. Oh! Guardai-vos de todos esses ensinadores de mentiras, que
desejariam impingir-vos isso como um cristianismo sem a
necessidade de transformação! Não atenteis para eles, embora
venham a vós com toda a doçura de linguagem, todos os protestos
de profunda boa vontade para convosco e reverência para com as
Sagradas Escrituras! Reconhecei vossa doença; conhecei vossa
cura! Nascestes em pecado; portanto, importa-vos nascer de novo,1
nascer de Deus. Por natureza sois totalmente corruptos; pela graça
sereis totalmente renovados. Em Adão todos vós morrestes: no
segundo Adão todos vós fostes vivificados.2 Ele vos deu vida,
estando vós mortos nos vossos delitos e pecados.3 Agora, ide de fé
em fé4 até que toda vossa enfermidade seja sarada e haja em vós
toda a mente que também havia em Cristo Jesus.5 XLIV, III, 5

1 Jo 3.7 21 Co 15.22 3 Ef 2.1 4 Rm 1.17 5 Fp 2.5

O Novo Nascimento – Dia 17

O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é


espírito. João 3.6

Se quaisquer doutrinas, dentro do escopo do cristianismo, podem ser


propriamente chamadas “fundamentais”, são, sem dúvida, estas
duas: a doutrina da justificação e a do novo nascimento: a primeira
relacionando-se com a grande obra que Deus faz por nós,
perdoando nossos pecados; a segunda, referindo-se à grande obra
que Deus opera em nós, renovando-nos a natureza decaída. Quanto
ao tempo, nenhuma delas tem a primazia: no momento em que
somos justificados pela graça de Deus, pela redenção que há em
Jesus, somos também nascidos do Espírito;1 mas, em ordem de
pensamento, a justificação precede ao novo nascimento. Primeiro, a
sua ira aparta-se de nós e depois seu Espírito opera em nossos
corações. Parece, portanto, haver necessidade de uma completa e
clara definição do novo nascimento. Primeiro: – Por que precisamos
nascer de novo? Segundo: – Como podemos nascer de novo? E,
terceiro: – Para que devemos nascer de novo? Para que fim isto é
necessário? Estas questões, com a assistência de Deus, pretendo
responder breve e claramente. XLV,2 Introdução

1 Jo 3.6 2 Sermão XLV: O Novo Nascimento

Feito à Imagem de Deus – Dia 18

E vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em


verdadeira justiça e santidade. Efésios 4.24

Por que precisamos nascer de novo? Qual é o fundamento da


doutrina do novo nascimento? Seu fundamento está na descrição
bíblica da criação do mundo onde lemos:

OUTUBRO

E Deus , o Deus Trino, disse: façamos o homem à nossa imagem e


segundo nossa semelhança. Assim Deus criou o homem à sua
própria imagem, à imagem de Deus o criou;1 não meramente à sua
imagem natural, um retrato de sua imortalidade; um ser espiritual,
dotado de entendimento, livre-arbítrio e vários afetos; não
meramente à sua imagem política, o governador deste mundo
inferior, tendo domínio sobre os peixes do mar e sobre toda a terra;
mas, principalmente, à sua imagem moral que, no dizer do apóstolo,
é justiça e verdadeira santidade. Segundo essa imagem o homem foi
feito. Deus é amor:2 consequentemente, o homem, ao ser criado,
estava cheio de amor, que era a base de todas as suas disposições,
pensamentos, palavras e atos. Deus é cheio de justiça, misericórdia
e verdade: assim era o homem ao sair das mãos de seu Criador.
Deus é pureza perfeita: e assim era o homem no começo, puro de
toda mancha pecaminosa; de outro modo Deus não o teria achado,
assim como a todas as demais obras de suas mãos, muito bom.3
XLV, I, 1

1 Gn 1.26-27 21 Jo 4.8 3 Gn 1.31

A Pior Morte – Dia 19

Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que tenho
proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a
vida, para que vivas, tu e a tua semente.

Deuteronômio 30.19

Embora tivesse o homem sido feito à imagem de Deus, ele não foi
feito, todavia, imutável. Isto teria sido inconsistente com o estado de
prova em que foi do agrado de Deus colocá-lo. Foi criado com
capacidade de permanecer de pé, e, no entanto, também sujeito a
cair. E isto, o próprio Deus lhe deu a conhecer e fez-lhe a tal
propósito uma solene advertência. Não obstante, o homem caiu de
sua alta condição. Ele comeu da árvore a respeito da qual o Senhor
lhe havia recomendado, dizendo: tu não comerás dela.1 Por esse ato
voluntário de desobediência a seu Criador, por essa franca rebelião
contra seu Soberano, o homem abertamente declarou que não mais
queria que Deus o governasse; que desejava ser governado pela sua
própria vontade, e não pela vontade daquele que o criara; e que não
pretendia buscar sua felicidade em Deus, mas no mundo, nas obras
de suas mãos. Ora, Deus lhe havia dito antes: No dia em que
comeres daquele fruto, certamente morrerás.2 E a palavra do Senhor
não pode falhar.3 Consequentemente, naquele dia ele morreu:
morreu para Deus – a mais tremenda de todas as mortes. XLV, I, 2

1 Gn 3.3 2 Gn 2.17 3Js 21.45


Ímpio e Infeliz – Dia 20

Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso


pai; João 8.44

Quando o homem se rebelou contra Deus, perdeu a vida de Deus: foi


separado de Deus; a alma morre quando se separa de Deus. Adão
experimentou essa separação de Deus no dia, na hora em que
comeu do fruto proibido. E disso deu prova imediata, mostrando pela
sua conduta que o amor de Deus estava extinto em sua alma, a qual
se encontrava agora afastada da vida de Deus.1 Em troca, estava
agora sob o temor servil, de modo que fugiu da presença do Senhor.
Sim, tão pouco conservou do conhecimento daquele que enche o
céu e a terra, que tentou esconder-se do Senhor Deus em meio das
árvores do jardim:2 Desta maneira, havia ele perdido tanto o
conhecimento como o amor de Deus, sem os quais a imagem de
Deus não podia subsistir. Desta, portanto, foi ele privado ao mesmo
tempo e tornou-se ímpio e infeliz. Em lugar da imagem de Deus,
revestiu-se de orgulho e obstinação, verdadeira imagem do

OUTUBRO
diabo; e de apetites e desejos sensuais, à semelhança dos animais
que perecem. XLV, I, 2
1 Ef 4.18 2 Gn 3.8

Morto para Deus – Dia 21

Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há


ninguém que entenda; não há ninguém que busque
a Deus. Romanos 3.10-11

Alguns dizem: Mas aquela advertência – No dia em que comeres


dela, certamente morrerás,1 refere-se à morte temporal, e somente a
esta, isto é, à morte do corpo. Afirmar isto é tratar Deus como
mentiroso; asseverar que o Deus da verdade positivamente afirmava
uma coisa contrária à verdade. Porque é evidente que Adão não
morreu naquele sentido, no dia em que comeu dela.2 Adão viveu, no
sentido oposto a essa morte, por mais de novecentos anos. Assim, a
expressão não pode ser entendida como morte corporal, sem ofensa
à veracidade de Deus. Deve, portanto, ser entendida como morte
espiritual, como a perda da vida e da imagem de Deus. E em Adão
todos morreram,3 toda a espécie humana, todos os filhos dos
homens. A consequência natural disso é que todo descendente seu
vem ao mundo espiritualmente morto, morto para Deus, totalmente
morto – em pecados; inteiramente vazio da vida de Deus; destituído
da imagem de Deus, de toda aquela justiça e santidade com que
Adão fora criado. Daí é que resulta que, sendo nascidos em pecado,
precisamos nascer de novo.4 XLV, I, 3-4

1 Gn 2.17 2 Gn 3.5 31 Co 15.22 4 Jo 3.7

O Estado Natural do Homem – Dia 22

Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é


sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser.
Romanos 8.7

Antes de a criancinha nascer neste mundo, ela tem olhos, mas não
vê; tem ouvidos, mas não ouve. Não tem conhecimento de qualquer
coisa do mundo nem tem qualquer entendimento natural. Mas, tão
logo nasce, começa a ver a luz e os objetos com que esteja em
contato. Então se lhe abrem os ouvidos e ouve os sons que
sucessivamente batem sobre eles. Ao mesmo tempo todos os outros
órgãos dos sentidos começam a exercitar-se no campo apropriado a
cada um. Ele próprio respira e vive de maneira totalmente diversa da
vida que tivera até então. Como o paralelo exatamente se verifica em
todos esses exemplos! Enquanto o homem se encontra no estado
meramente natural, antes que seja nascido de Deus, possui, em
sentido espiritual, olhos, e não vê; possui ouvidos, mas, não ouve; é
profundamente surdo a tudo que mais lhe interessa ouvir. Seus
demais sentidos espirituais estão paralisados. Daí não ter
conhecimento de Deus, nenhum contato com Ele: o homem natural
não se relaciona com Deus de modo nenhum. Não tem verdadeiro
conhecimento das coisas de Deus, nem das coisas espirituais ou
eternas; por isso, embora seja um homem vivo, é um cristão morto.
XLV, II, 4

Uma Percepção Interior – Dia 23

Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo


fomos batizados na sua morte?De sorte que fomos sepultados com
ele pelo batismo na morte; para que, como

OUTUBRO
Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós
também em novidade de vida. Romanos 6.3-4

Logo, porém, que é nascido de Deus há uma total mudança em


todos os seus sentidos. Os olhos de seu entendimento são abertos;1
seus ouvidos sendo abertos, é agora capaz de ouvir a voz interior de
Deus, dizendo: Tem bom ânimo; teus pecados são-te perdoados2 vai
e não peques mais.3 Ele está pronto agora para ouvir o que o
Senhor quer revelar-lhe. Sente em seu coração, para usar a
linguagem de nossa igreja, a poderosa operação do Espírito de
Deus; o homem percebe interiormente as graças que o Espírito de
Deus opera em seu coração. Ele é cônscio da paz que excede a toda
compreensão.4 Muitas vezes experimenta uma alegria em Deus que
é indizível e cheia de glória.5 Sente o amor de Deus derramado em
seu coração pelo Espírito Santo que lhe é dado;6 e todos os seus
sentidos espirituais são então exercitados em discernir o bem do mal
de ordem espiritual. Pelo uso deles, o homem diariamente cresce no
conhecimento de Deus, de Jesus Cristo, a quem Ele enviou, e de
todas as coisas pertinentes ao seu reino interior. E agora pode,
propriamente, dizer que vive: despertado por Deus mediante o
Espírito, ele vive para Deus mediante Jesus Cristo.7 XLV, II, 4

1 Ef 1.18 2 Mt 9.2 3 Jo 8.11 4 Fp 4.7 5 1 Pe 1.8 6 Rm 5.5 7 Rm 6.11

Aquela Grande Mudança – Dia 24


Então, me disse: Profetiza sobre estes ossos e dize-lhes: Ossos
secos, ouvi a palavra do SENHOR. Assim diz o Senhor JEOVÁ a estes
ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito, e vivereis. E porei
nervos sobre vós, e farei crescer carne sobre vós, e sobre vós
estenderei pele, e porei em vós o espírito, e vivereis, e sabereis que
eu sou o SENHOR. Ezequiel 37.4-6

Quem é nascido de Deus vive a vida que o mundo não conhece,


uma vida que está escondida com Cristo em Deus.1 Deus está
constantemente assoprando sobre, por assim dizer, a alma; e esta se
acha respirando para Deus. A graça desce ao seu coração e a
oração e o louvor sobem ao céu: por este intercâmbio entre Deus e o
homem, por esta comunhão com o Pai e o Filho, como por uma
espécie de respiração espiritual, a vida de Deus se mantém na alma;
e o filho de Deus cresce até chegar à perfeita medida da estatura de
Cristo.2 O novo nascimento é aquela grande mudança que Deus
opera na alma, quando Ele a chama para a vida, quando Ele a
levanta da morte do pecado para a vida da justiça. É a mudança
sendo realizada em toda a alma pelo poderoso Espírito de Deus,
quando ela é criada de novo em Cristo Jesus,3 quando é renovada
segundo a imagem de Deus, em justiça e verdadeira santidade4
quando o amor do mundo se muda em amor de Deus, o orgulho em
humildade, a impetuosidade em mansidão; o ódio, a inveja, a malícia
num sincero, terno e desinteressado amor a toda a humanidade. O
novo nascimento é, numa palavra, a mente que havia em Cristo
Jesus.5 XLV, II, 4-5

1 Cl 3.3 2 Ef 4.13 3 Ef 2.10 4 Ef 4.24 5 Fp 2.5

A Mente que Havia em Cristo – Dia 25

E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo


obediente até a morte e morte de cruz. Filipenses 2.8

Para que fim é necessário nascer de novo? É necessário, primeiro, à


santidade. O que é santidade, segundo os Oráculos de Deus? Não é
uma religião meramente exterior, um amontoado de obrigações
externas, qualquer que seja o número delas e qualquer que seja a
exatidão com que sejam cumpridas. Não: a santidade evangélica não
é menos do que

OUTUBRO

a imagem de Deus impressa sobre o coração; não é outra coisa


senão toda a mente que havia em Cristo Jesus;1 consta de todos os
afetos e disposições celestiais fundidos num só. Implica num tal
amor, contínuo e agradecido, Aquele que não poupou seu Filho, seu
Único Filho, de modo a tornar natural o amor a todos os filhos dos
homens. É um tal amor de Deus que nos ensina a sermos
inculpáveis em toda maneira de conversação; que nos habilita a
apresentarmos nossas almas e corpos, tudo que somos e tudo
quanto temos, todos os nossos pensamentos, palavras e ações,
como um contínuo sacrifício a Deus,2 aceitável através de Cristo
Jesus.3 Ora, esta santidade não pode existir enquanto não formos
renovados na imagem de nossa mente. Não pode começar na alma
enquanto não formos tirados das trevas para a luz, do poder de
Satanás para o poder de Deus,4 isto é, até que tenhamos nascido de
novo; o que é, portanto, absolutamente necessário à santidade. XLV,
III, 1

1 Fp 2.5 2 Hb 13.15 31 Pe 2.5 4 At 26.18

Felicidade Verdadeira – Dia 26

Mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que,


assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse
pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo,

nosso Senhor. Romanos 5.20-21

Ninguém pode ser feliz, mesmo neste mundo, se não nascer de


novo. Porque não é possível, pela própria natureza das coisas, que
seja feliz o homem que não é santo. A razão é clara: todas as
inclinações ímpias são inclinações desagradáveis: não só, a malícia,
o ódio, a inveja, o ciúme, a vingança, criam um inferno presente na
consciência, mas ainda as paixões mais brandas, se não forem
mantidas dentro dos devidos limites, darão mil vezes mais dores do
que prazeres. Mesmo a esperança demorada – e quão
frequentemente deve isto acontecer! – enfraquece o coração;1 e todo
desejo que não seja conforme a vontade de Deus, pode traspassar-
nos de muitas dores.2 Todas aquelas fontes gerais de pecado – o
orgulho, a vontade própria e a idolatria
– são, à medida que predominam, fontes gerais de miséria. Portanto,
enquanto elas reinam na alma, nesta não terá lugar a felicidade. Mas
esses males dominam, até que as tendências de nossa natureza
sejam mudadas, isto é, até que tenham nascido de novo;
consequentemente, o novo nascimento é absolutamente necessário
não só à felicidade neste mundo, como à felicidade no mundo
vindouro. XLV, III, 3

1 Pv 13.12 21 Tm 6.10

Uma Porta para a Santificação – Dia 27

E, se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita


em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo também
vivificará o vosso corpo mortal, pelo seu Espírito que em vós habita.
Romanos 8.11

Quero esclarecer que o novo nascimento não é a mesma coisa que a


santificação. Alguns falam da regeneração como de uma obra
progressiva, realizada na alma a passos vagarosos, a partir da época
em que primeiro nos voltamos para Deus. Isto é inegavelmente
verdadeiro quanto à santificação, mas não é verdade quanto à
regeneração, ao novo nascimento. Esta é uma parte da santificação,
não toda ela; é uma porta para ela, uma entrada para ela. Quando
nascemos de novo, então nossa santificação começa; e daí por
diante, gradualmente, crescemos naquele que é nosso Cabeça.1
Esta expressão do apóstolo Paulo admiravelmente ilustra a diferença
que há entre uma e outra, e ainda aponta a exata analogia existente
entre as coisas naturais e as coisas espirituais. A criança nasce

OUTUBRO

num momento, ou, pelo menos, em muito curto espaço de tempo: ela
depois cresce gradualmente até atingir a estatura de um homem. De
modo semelhante um filho nasce de Deus num curto tempo, senão
num momento. Mas é por degraus vagarosos que ele depois cresce
à medida da perfeita estatura de Cristo.2 A mesma relação, portanto,
que há entre nosso nascimento natural e nosso crescimento, há
também entre nosso novo nascimento e nossa santificação. XLV, IV,
3

1 Ef 4.15 2 Ef 4.13

Deves Nascer de Novo! – Dia 28

Amai-vos ardentemente uns aos outros, com um coração puro;


sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da
incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece

para sempre. 1 Pedro 1.22-23

O que deve alguém que ama as almas e sente-se compungido ante


o fato de que pereça alguma delas, dizer a quem ele veja não
guardando o sábado, ou em embriaguez, ou em qualquer outro
pecado voluntário? Que pode ele dizer, se as precedentes
observações forem verdadeiras, senão isto: Deves nascer de novo?
Não – diz o homem zeloso
– isto não pode ser; como podes falar assim bruscamente ao
homem? Ele já não foi batizado? Não pode agora nascer outra vez!
Afirmas, mesmo, isto? Ele não pode nascer outra vez? Então, ele
não pode ser salvo. Embora seja tão velho quanto o era Nicodemos,
se não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.1 Portanto,
dizendo tu: Ele não pode nascer de novo, tu de fato o entregas à
perdição. E onde agora está a falta de caridade? Do meu lado ou do
teu? Eu digo: ele precisa nascer outra vez e tornar-se deste modo
herdeiro da salvação. Tu dizes: Ele não pode nascer de novo: e, se
assim for, deve inevitavelmente perecer! Assim obstruis inteiramente
seu caminho rumo à salvação, e o envias ao inferno por simples
caridade! XLV, IV, 4

1Jo 3.3

Tua Pobre Alma – Dia 29

Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas
e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos
céus. Mateus 5.20

Respondo, de novo: sejas batizado ou não, precisas nascer de


novo;1 de outro modo não é possível que sejas interiormente santo,
e sem santidade interna e externa não podes ser feliz, nem neste
mundo e menos ainda no mundo vindouro.

Dizes, mas eu não faço mal a ninguém, sou honesto e justo em


todos os meus atos, não falo palavrões e não tomo o nome do
Senhor em vão, não calunio meu próximo e nem vivo em qualquer
pecado voluntário. Se assim é, eu poderia desejar que todos os
homens chegassem até onde chegaste. Mas, mesmo assim, deves ir
ainda mais longe, ou não serás salvo: ainda te é necessário nascer
de novo.Acrescentas: Vou ainda mais longe: porque não somente
não faço mal, mas faço todo bem que posso. Duvido disso: temo que
tenhas tido milhares de oportunidades de fazer o bem e tenhas
passado por elas sem as aproveitar, sendo, por esta causa,
responsável diante de Deus. Mas, se tens aproveitado todas elas, se
realmente tens feito todo o bem que terias possibilidade de fazer a
todos os homens, ainda isto, de modo algum altera o caso: ainda te é
necessário nascer de novo. Sem isto coisa alguma fará qualquer
benefício à tua pobre alma poluída e pecaminosa. XLV, IV, 4

1 Jo 3.7
OUTUBRO
Nada O Substitui – Dia 30

Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que


não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.
João 3.5

Podes dizer: Mas, eu constantemente cumpro as ordenanças de


Deus: apego-me à minha igreja e aos sacramentos. Boa coisa fazes,
mas tudo isso não te livrará do inferno, a não ser que sejas nascido
de novo. Ir à igreja duas vezes por dia; tomar Santa Ceia todas as
semanas; fazer sempre muita oração em particular; ouvir sempre
sermões muito bons; ler muitos livros excelentes; ainda te é
necessário nascer de novo.1 Nenhuma daquelas coisas substituirá o
novo nascimento; não, coisa alguma há debaixo do céu. Seja, pois,
esta, tua contínua oração, se já não experimentaste aquela graça
interior de Deus: Senhor, adiciona esta a todas as tuas bênçãos:
permite-me nascer de novo! Nega-me tudo quanto for de teu agrado
negar-me, mas não me negues isto: permite-me ser nascido de cima!
Retira-me o que quer que te pareça bem retirar-me – reputação,
fortuna, amigos, saúde
– e dá-me somente isto: ser nascido do Espírito, ser contado entre os
filhos de Deus! Permite-me nascer, não de semente corruptível, mas
incorruptível, pela palavra de Deus,2 que vive e permanece para
sempre; e então deixa-me diariamente crescer na graça e no
conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!3 XLV, IV, 4

1 Jo 3.7 21 Pe 1.23 32 Pe 3.18

A Vida no Deserto: Falta de Fé – Dia 31

Ele respondeu: “Porque a fé que vocês têm é pequena. Eu lhes


asseguro que se vocês tiverem fé do tamanho de um grão de
mostarda, poderão dizer a este monte: ‘Vá daqui para lá’, e ele irá.
Nada lhes será impossível. Mateus 17.20

Caminhada Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John Wesley


O que significa experimentar a vida no deserto? Qual
é a natureza dessa doença em que tantos recaem, após
terem crido? Em que propriamente consiste ela e quais são
os seus legítimos sintomas? Ela propriamente consiste na
perda daquela fé que Deus uma vez operou em seu coração.
Os que estão no deserto não têm agora a divina evidência,
a satisfatória convicção das coisas não vistas,1 de que uma
vez gozaram. Não têm agora, a demonstração interior do
Espírito que antes habilitara cada um deles a dizer: A vida
que eu vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou
e entregou-se a si mesmo por mim.2 Agora a luz do céu não
brilha em seus corações3 nem eles veem Aquele que é invisível;4
mas as trevas descem outra vez sobre a face de suas almas
e cegam-lhes os olhos do entendimento. O Espírito não
mais testifica com seu espírito, que eles são filhos de Deus;5
nem Ele continua como espírito de adoção, clamando
em seus corações: Abba, Pai.6 Não têm agora uma segura
confiança em seu amor e liberdade de acesso a Deus, com
santa ousadia. Embora Ele me destrua, ainda confiarei nele,7
mas estão despojados de sua força e tornaram-se fracos e
insensatos como os demais homens. XLVI,8 I, 1

1 Hb 11.1 2 Gl 2.20 32 Co 4.6 4 Hb 11.27 5 Rm 8.16 6 Rm 8.15 7 Jó 13.15


8 Sermão XLVI: A Vida no Deserto

300
Súplicas – Dia 1

Ó tu, Senhor, dos céus baixado


Com fogo celestial à terra,
Acende em mim o amor sagrado,
Dentro em meu peito o fogo encerra. Que permaneça ardentemente
Com brilho eterno, cintilante;
Aceso para os céus somente.
Em corações, louvor constante.
Senhor, sustenta o meu desejo:
Pensar em ti, falar sincero,
Guardar na chama o teu lampejo, Viver contigo, humilde espero.
Mas seja, ó Deus, por mim cumprido O teu querer, o que desejas;
Teu grande amor, o preferido;
Divino amor, bendito sejas!

(O Thou Who Camest From Above – Hino de Charles Wesley –


Tradução: Antonio de Campos Gonçalves)

A Vida no Deserto: Falta de Amor – Dia 2

E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos se esfriará. Mas


aquele que perseverar até o fim será salvo.
Mateus 24.12-13

Os que são privados de sua fé, são também privados do amor de


Deus. Não são agora felizes em Deus, como o é todo aquele que
verdadeiramente o ama. Não se alegram nele como no passado. Em
certo tempo, todo seu desejo era para Ele, e para a lembrança de
seu nome;1 mas agora seus desejos são frios e inertes. E como seu
amor a Deus se esfriou, assim também aconteceu com seu amor ao
próximo.

NOVEMBRO

Agora não tem aquele zelo pelas almas dos homens e o forte desejo
de ver seu bem-estar; aquele fervente, incansável, e ativo desejo de
sua reconciliação com Deus. Não sentem aquela misericórdia pelas
ovelhas perdidas – aquela terna compaixão pelos ignorantes e pelos
que estão desviados do caminho.2 Outrora eles foram bondosos
para com todos os homens,3 mansamente instruindo aos que se
opõem à verdade; e, se alguém era surpreendido em falta,
restauravam o tal num espírito de mansidão:4 mas, depois de uma
pausa, a ira começou a recuperar seu poder; sim, a impertinência e a
impaciência voltaram até que algumas vezes fossem levados a
retribuir o mal com o mal, a injúria com a injúria.5 XLVI, I, 2

1Is 26.8 2Hb 5.2 3Tt 3.2 4Gl 6.1 51 Pe 3.9

A Vida no Deserto: Falta de Alegria – Dia 3

Devolve-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito


pronto a obedecer. Salmo 51.12

Em consequência da perda da fé e do amor, segue-se, em terceiro


lugar, a perda da alegria no Espírito Santo. Porque, se a consciência
amável do perdão não mais existir, a alegria dela resultante não
poderá prevalecer. Se o Espírito não testifica com nosso espírito que
somos filhos de Deus,1 a alegria que decorre do testemunho interior
toca também ao fim. E, do mesmo modo, aqueles que uma vez se
regozijaram com indizível gozo2 na esperança da glória de Deus,3
são privados não só da alegria que ela determina, como também da
que resultava da consciência do amor de Deus, então derramado em
seus corações.4 Porque, sendo removida a causa, remove-se o
efeito; estancando-se a fonte, as águas vivas não mais correm para
refrigerar a alma sedenta. XLVI, I, 3

1 Rm 8.16 21 Pe 1.8 3 Rm 5.2 4 Rm 5.5

A Vida no Deserto: Falta de Paz – Dia 4

E a paz de Deus, para a qual também fostes chamados em um


corpo, domine em vossos corações; e sede agradecidos.
Colossenses 3.15
A perda da fé, do amor, da alegria, também se acrescenta, em quarto
lugar, a perda daquela paz que uma vez excedera a toda
compreensão.1 Aquela doce tranquilidade de espírito, aquele
descanso, se foi. As dúvidas torturantes regressam; dúvidas sobre se
jamais tivemos ou jamais teremos fé. Começamos a duvidar de que
jamais encontramos em nossos corações o real testemunho do
Espírito; se antes não enganamos as nossas próprias almas,
confundindo a voz da natureza pela voz de Deus; e até sobre se
ainda ouviremos sua voz e acharemos graça à sua vista. E aquelas
dúvidas se juntam outra vez ao temor servil, àquele temor que
atormenta. Tememos a ira de Deus exatamente como a temíamos
antes de crer. Tememos ser excluídos de sua presença e daí
recaímos de novo no temor da morte, de que tínhamos sido antes
totalmente libertados. XLVI, I, 4

1 Fp 4.7

A Vida no Deserto: Falta de Poder – Dia 5

No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu


poder. Efésios 6.10

Andar no deserto resulta não só em perder a paz, mas é


acompanhado da perda do poder. Sabemos que todo aquele que tem
paz com Deus, através de Jesus Cristo, tem poder sobre todo o
pecado. Mas o que perde a paz de Deus perde também o poder
sobre o pecado. Onde permanece

NOVEMBRO

aquela paz, também permanece no homem o poder, mesmo sobre o


pecado habitual, quer se trate de pecado de sua natureza, de sua
constituição, de sua educação, ou de sua profissão; sim, e sobre as
disposições más e desejos que, até então, ele não podia dominar. O
pecado já não tinha sobre ele nenhum domínio;1 mas agora o crente
não mais tem domínio sobre o pecado. Pode combater, na verdade,
mas não pode prevalecer; a glória se despediu dele,2 assim como o
reino de Deus que estava em seu coração. Está despojado da
justiça, assim como da paz e da alegria no Espírito Santo.3 XLVI, I, 5

1 Rm 6.14 21 Sm 4.21 3 Rm 14.17

A Vida no Deserto: Falta de Oração – Dia 6

Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar. Em tudo dai graças, porque


esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para
convosco. 1Tessalonicenses 5.16-18

Talvez nenhum pecado de omissão haja que mais comumente


ocasione a vida no deserto como a negligência da oração particular;
a falta desta não pode ser suprida por nenhuma outra ordenança,
qualquer que seja ela. Nada pode ser mais compreensível do que a
vida de Deus na alma não poder continuar, muito menos crescer, a
não ser que nos utilizemos de todas as oportunidades de comunhão
com Deus, derramando nossos corações diante dele. Se, pois,
negligenciarmos esse dever, se permitirmos que negócios,
companheiros, ou quaisquer outras distrações atrapalhem esse
exercício secreto da alma (ou nos levem a cumpri-lo de modo
apressado ou de maneira irreverente e descuidada), aquela vida
certamente decairá. E se por muito tempo ou com frequência a
interrompermos, ela gradualmente se extinguirá. XLVI, II, 4

A Vida no Deserto: Falta de Humildade – Dia 7

Vindo a soberba, virá também a afronta; mas com os humildes está a


sabedoria. Provérbios 11.2

Uma outra causa de nossa perda da luz divina reside em darmos


lugar a alguma espécie de pecado interior. Por exemplo: sabemos
que todo o que é altivo de coração é abominável ao Senhor1 e isto,
embora tal orgulho de coração nem apareça exteriormente. Agora,
quão facilmente pode a alma cheia de paz e alegria cair naquele laço
do diabo! Quão natural lhe é imaginar que possui maior graça, mais
sabedoria ou fortaleza do que realmente possui; pensar mais
altamente de si mesmo do que convém!2 Quão natural é que se
glorie em alguma coisa recebida, como se a tivesse recebido por
direito e não como dádiva imerecida!3 Mas, uma vez que Deus
constantemente resiste ao soberbo e dá graça somente ao humilde,4
isto deve extinguir a luz que dantes brilhava em seu coração. XLVI,
II, 6

1 Pv 16.5 2Rm 12.3 31 Co 4.7 4 Tg 4.6

O Espírito de Ofensa – Dia 8

Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso


Pai celestial vos perdoará a vós. Mateus 6.14

A fraqueza espiritual pode acontecer quando damos lugar à ira,


qualquer que seja a provocação. Sim, embora ela seja colorida com
o nome de ‘zelo da verdade’ ou ‘para a glória de Deus’. Todo zelo, na
verdade, que seja outra coisa que não a chama do amor, é terreno,
animal e diabólico; é a chama da ira: a ira grave e pecaminosa. E
nada é maior inimigo do doce e terno amor de Deus que este: os
dois jamais habitaram juntos num só coração. Na mesma

NOVEMBRO

proporção em que a ira prevalece, diminuem o amor e a alegria no


Espírito Santo. Isto é especialmente observável no caso de ofensa;
quero dizer ira contra algum de nossos irmãos a quem estamos
ligados, quer pelos laços sociais, quer pelos laços da religião. Se
dermos lugar ao espírito de ofensa, ao menos por uma hora,
perdemos as doces influências do Espírito Santo, de modo que, em
lugar de reconstruir os laços quebrados, destruímos a nós mesmos e
tornamo-nos presa fácil do primeiro inimigo que nos assalte. XLVI, II,
7

Nenhum Rival – Dia 9


Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a
outrem não darei, nem o meu louvor, às imagens de
escultura. Isaías 42.8

Suposto estejamos de sobreaviso acerca desse laço do diabo;


podemos ser livres da ira, mas atacados de outro lado. Podemos ser
ameaçados pelos desejos, que igualmente tendem para o
escurecimento da alma. Este é o efeito garantido que decorre de
qualquer desejo insensato, de qualquer afeição vã ou desordenada.
Se pomos nossas afeições em coisas da terra,1 ou em qualquer
pessoa ou coisa que se encontre debaixo do sol; se desejamos
qualquer coisa à parte de Deus e daquilo que tende para Deus; se
buscamos a felicidade em qualquer criatura, o zeloso Deus
certamente contenderá conosco, porque Ele não pode admitir
nenhum rival. E se não ouvirmos sua voz de advertência e não nos
voltarmos para Ele de toda nossa alma; se continuarmos ofendendo-
o com nossos ídolos e correndo atrás de outros deuses, bem
depressa seremos frios, áridos e secos; e o deus deste mundo nos
cegará e obscurecerá os corações.2 XLVI, II, 8

1 Cl 3.2 22 Co 4.4

A Escuridão da Alma – Dia 10

Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas


na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência,
ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é
Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de
acordo com a boa vontade dele.

Filipenses 2.12-13

Mas Satanás frequentemente traz fraqueza espiritual mesmo quando


não damos lugar a qualquer pecado reconhecido. É suficiente para
lhe dar vantagem, o não acendermos o dom de Deus que há em
nós;1 o não agonizarmos continuamente por entrar pela porta
estreita;2 o não combatermos ardentemente pelo domínio,3 para
tomarmos o Reino dos céus pela violência.4 Não é necessário mais
do que não combater, para que estejamos certos da derrota.
Estejamos apenas descuidados ou fracos em nossa mente;5
sejamos fáceis e indolentes – e nossa obscuridade natural logo
voltará e cobrirá nossa alma: se nós cedermos à preguiça espiritual,
as nossas almas escurecerão – isso tão seguramente destruirá a luz
de Deus como o assassinato ou o adultério. XLVI, II, 9

12 Tm 1.6 2Mt 7.13 31 Co 9.26 4Mt 11.12 5Hb 12.3

A Luta Contra as Tentações – Dia 11

Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra


os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo
tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.
Efésios 6.12

Outra causa de trevas espirituais é a tentação. Quando a lâmpada do


Senhor primeiro brilha em nossa frente, a
NOVEMBRO

tentação frequentemente foge e desaparece por completo. É então


mui natural supor que jamais veremos a guerra: E há exemplos de
essa calma continuar, não só por semanas, mas por meses e anos a
fio. Comumente acontece, porém, de modo diverso: em curto tempo
os ventos sopram, caem as chuvas e avolumam-se as torrentes1 de
novo. Na antiguidade, o que era nascido segundo a carne perseguia
o que era nascido segundo o Espírito, como o faz agora;2 a mesma
causa ainda produz o mesmo efeito. O mal que, permanece no
coração também se agitará de novo; a ira e muitas outras raízes de
amargura tentarão brotar outra vez. Ao mesmo tempo, Satanás não
deixará de desferir seus dardos inflamados, e a alma terá de lutar,
não apenas com o mundo, não apenas com a carne e o sangue, mas
com principados e poderes, com os governadores das trevas deste
mundo, com os espíritos perversos nos lugares elevados.3 XLVI, III,
1
1 Mt 7.25 2 Gl 4.29 3 Ef 6.12

A Força das Tentações – Dia 12

O Senhor sabe livrar da provação os piedosos. 2 Pedro 2.9

A força das tentações que se levantam do interior aumentar-se-á


excessivamente, se antes houvermos pensado de nós mesmos
demasiadamente alto,1 como se fôramos purificados de todo o
pecado. E, quão naturalmente imaginamos isto, durante o calor de
nosso primeiro amor! Quão prontos estamos a crer que Deus
cumpriu em nós toda a obra da fé com poder!2 Que, por não
sentirmos o pecado, nenhum pecado temos em nós; mas a alma é
toda amor! E bem pode o rude ataque de um inimigo, que
supúnhamos estar não somente vencido mas eliminado, levar-nos a
grande torpor de alma; sim, algumas vezes pode levar-nos a trevas
espessas, especialmente quando discutimos com esse inimigo, em
lugar de clamarmos insistentemente por Deus e nos lançarmos, por
simples fé, nos braços daquele que é o único que sabe como libertar
da tentação3 o que lhe pertence. XLVI, III, 2

1 Rm 12.3 2 At 6.8 32 Pe 2.9

Necessitas Arrepender-se? – Dia 13

Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os


vossos pecados, e venham, assim, os tempos do refrigério pela
presença do Senhor. Atos 3.19

Vossa consciência vos acusa de cometer qualquer pecado, com o


qual ofendestes o Santo Espírito de Deus? E como podeis esperar
que a alegria e a paz voltem, até que lanceis fora este pecado
maldito? Abandone o ímpio seu caminho; o Senhor voltará e
abundantemente perdoará.1 Se, ao cabo da mais diligente pesquisa,
não podeis encontrar nenhum pecado de comissão que determine a
descida da obscuridade sobre vossa alma, investigai a seguir se não
há algum pecado de omissão que esteja fazendo separação entre
Deus e vós. Andais segundo todas as ordenanças de Deus? Se
habitualmente negligenciais qualquer desses deveres conhecidos,
como podereis esperar que a luz da face de Deus continue brilhando
sobre vós?2 Apressai-vos em fortalecer as coisas que permanecem:3
então vossa alma viverá.4 Hoje, se ouvirdes sua voz,5 por sua graça
supri aquilo que vos falta. Quando ouvirdes a voz clamando diante
de vós: Este é o caminho, andai por ele,6 não endureçais o vosso
coração;7 não continueis a ser desobediente à vocação celestial.8
Enquanto o pecado, seja de comissão ou de omissão, não for
removido, todo conforto será falso e enganoso. Será somente
recobrir de gaze a ferida, que ainda supura e ulcera-se por baixo.
Não espereis pela paz interior enquanto não estiverdes em

NOVEMBRO
paz com Deus, o que não se pode dar sem frutos dignos de
arrependimento.9 XLVI, III, 2-3
1 Is 55.7 2 Nm 6.25 3 Ap 3.2 4 Is 55.3 5 Hb 3.15 6 Is 30.21 7 Hb 3.15 8 At
26.19 9 Mt 3.8

Necessitas Humilhar-se? – Dia 14

E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar,


e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos,
então, eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a
sua terra. 2 Crônicas 7.14

Mas talvez não estejais cônscios nem mesmo de algum pecado de


omissão que turbe vossa paz e alegria no Espírito Santo.1 Não
haverá, então, algum pecado interior que, como raiz de amargura,
brote em vosso coração para vos conturbar? Vossa aridez e
esterilidade de alma não provêm do fato de vosso coração apartar-se
do Deus vivo?2 Não pensastes de vós mesmos mais altamente do
que devíeis pensar?3 Em algum sentido não sacrificastes para vosso
próprio agrado, e queimastes incenso em vosso próprio louvor?4 Não
atribuístes vosso triunfo em qualquer empreendimento a vossa
própria coragem, ou força, ou sabedoria? Não vos ensoberbecestes
de alguma coisa que recebestes, como se a tivésseis recebido por
direito e não como dádiva imerecida?5 Não vos gloriastes em alguma
coisa, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo?6 Não tendes
procurado ou desejado o louvor dos homens? Não tivestes prazer
nisso? Se assim é, vede o caminho que tomastes. Se caístes pelo
orgulho, humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus, e Ele vos
exaltará no tempo oportuno.7 XLVI, III, 4

1 Rm 14.17 2 Hb 3.12 3 Rm 12.3 4 Hc 1.16 51 Co 4.7 6 Gl 6.14 71 Pe 5.6

Um Coração Dividido – Dia 15

Então, Elias se chegou a todo o povo e disse: Até quando coxeareis


entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; e, se Baal,
segui-o. Porém o povo não lhe respondeu

nada. 1Reis 18.21

Tens forçado Deus a apartar-se de vós, ao dardes lugar à ira? Não


vos aborrecestes por causa dos homens maus ou não fostes
invejosos dos perversos?1 Não fostes ofendidos por causa de
vossos irmãos, atentando para seu pecado (real ou imaginário),
assim como pelo vosso próprio pecado contra a grande lei do amor,
deles apartando vosso coração? Olhai então para o Senhor, para
que possais renovar vossa fortaleza; para que toda essa acrimônia e
frieza se dissipem; para que o amor, a paz e a alegria voltem juntos e
possais ser invariavelmente bondosos uns para com os outros e
compassivos, perdoando-vos um ao outro como Deus por amor de
Cristo vos perdoou.2 Não destes lugar a qualquer desejo insensato?
A qualquer espécie ou grau de afeição desordenada? Como pode
então o amor de Deus ter lugar em vosso coração enquanto não
desterrardes vossos ídolos? Não vos enganeis: de Deus não se
zomba:3 Ele não habitará num coração dividido. Enquanto, pois
acolherdes uma “Dalila” em vosso colo,4 ele não terá lugar aí. É vã a
esperança de recuperar sua luz, enquanto não arrancardes vosso
olho direito e não o lançardes fora.5 Oh! Que não haja tardança!
Arrancai todo ídolo de seu santuário, e a glória do Senhor logo se
manifestará. XLVI, III, 4

1 Sl 37.1 2 Ef 4.32 3 Gl 6.7 4 Jz 16.19 5 Mt 5.29


NOVEMBRO

Indolência Espiritual – Dia 16

Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, acrescentai à


vossa fé a virtude, e à virtude, o conhecimento; com o conhecimento,
o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a
perseverança, a piedade.

2 Pedro 1.5-6

Talvez seja justamente isto – a falta de esforço, a preguiça espiritual


que mantém vossa alma em trevas. Viveis tranquilos sobre a terra;
não há guerra em vossas costas; estais quietos e despreocupados,
continuais no mesmo caminho dos seus deveres cotidianos, e estais
contentes em permanecer assim. E vos maravilhais, entretanto, de
que vossa alma esteja morta? Oh! Ponde-vos de pé diante do
Senhor! Levantai-vos e sacudi-vos do pó; lutai com Deus pela
bênção poderosa; derramai vossa alma perante Deus em oração e
nela continuai com toda perseverança! Vigiai! Despertai do sono e
mantende-vos despertos! – de outro modo nada haverá a esperar,
senão vos separardes cada vez mais da luz e da vida de Deus.
Considerai vossas disposições, palavras e ações anteriores. Foram
elas retas diante de Deus? Entrai em comunhão com Ele em vosso
quarto e assim esperai;1 desejai que Ele sonde o fundamento de
vosso coração2 e traga a vossa lembrança o que quer que haja, em
qualquer tempo, ofendido os olhos de sua glória.3 Se a culpa de
algum pecado de que não houve arrependimento permanece na
alma, esta não pode deixar de permanecer em trevas, até que,
sendo renovada pelo arrependimento, sejais de novo lavados pela fé
na fonte aberta para o pecado e a impureza.4 XLVI, III, 5-6

1 Sl 4.4 2 Sl 139.23 3 Is 3.8 4 Zc 13.1

As Tentações Virão – Dia 17

Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus


não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.
Tiago 1.13

Finalmente, se as trevas forem ocasionadas por multiformes, graves


e inesperadas tentações, o melhor meio de as remover e prevenir é
ensinar aos crentes a esperarem sempre pela tentação, visto
habitarem um mundo mau, em meio de espíritos maus, sutis, e
maliciosos; convencê-los de que toda a obra da santificação não é,
como imaginam, operada de uma só vez; que, quando primeiro
creram, não eram senão criancinhas recém-nascidas, que
gradualmente cresceram, devendo esperar muitas tormentas até que
cheguem à perfeita estatura de Cristo.1 Acima de tudo,
– sejam instruídos a que, quando a tempestade cair sobre eles, não
discutam com o diabo mas orem; derramem suas almas diante de
Deus e mostrem-lhe sua aflição. Devemos ensinar a eles como
aplicar as grandes e preciosas promessas;2 aí podemos descansar
sobre a fidelidade de Deus cuja palavra é provada;3 e sobre a virtude
daquele sangue que foi derramado por nós, para purificar-nos de
todo o pecado,4 e Deus então dará testemunho de sua Palavra e
lhes tirará as almas da angústia. Ele dirá: Levanta-te, brilha porque
tua luz veio, e a glória do Senhor se ergue sobre ti.5 XLVI, III, 14

1 Ef 4.13 22 Pe 1.4 3 Sl 119.140 41 Jo 1.9 5 Is 60.1

Trevas vs. Aflições – Dia 18

Nisso exultais, embora no presente, por breve tempo, se necessário,


sejais contristados por várias provações.
1 Pedro 1.6
NOVEMBRO

No discurso anterior falei especialmente daquelas trevas mentais que


com frequência recaem sobre os que uma vez andaram à luz da face
de Deus. Relaciona-se de perto com aquele assunto a aflição de
alma, que ainda é mais comum, mesmo entre os cristãos. Na
verdade, quase todos os filhos de Deus a experimentam, em grau
maior ou menor. E tão grande é a semelhança entre um e outro
estado, que eles frequentemente se confundem, e somos capazes
de dizer indiferentemente: “Tal pessoa está em trevas”, ou “tal
pessoa está em aflição” – como se se tratasse de termos
equivalentes, nenhum deles implicando em mais do que o outro
implica. Mas estão longe, muito longe disto: Trevas são uma coisa;
aflição é outra. Há diferença, sim, uma grande diferença entre a
primeira e a última. E tal diferença é o que todos os filhos de Deus
precisam conhecer; de outro modo, nada lhes será mais fácil do que
o deslizar-se de provações para as trevas. Para prevenir isto,
pretendo mostrar: Que espécie de pessoas eram aquelas a quem o
apóstolo Paulo dizia: Vós estais em aflição;1 em que espécie de
aflição se encontravam; quais eram as causas; e quais eram os seus
fins. XLVII,2 Introdução

11 Pe 1.1 2 Sermão XLVII: Afligidos Através de Várias Tentações

Fé em Meio às Aflições – Dia 19

Fortaleceram a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer


firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos
importa entrar no reino de Deus. Atos 14.22

Pretendo mostrar, em primeiro lugar, que espécie de pessoas eram


aquelas a quem o apóstolo dizia: Vós estais em aflição.1 E, primeiro,
é incontestável que eram crentes ao tempo em que o apóstolo assim
se dirigia a elas: porque assim ele expressamente o diz: Vós que
sois guardados pelo poder de Deus, através da fé para a salvação.2
Outra vez ele menciona: a prova de sua fé, muito mais preciosa do
que o ouro que perece.3 E ainda outra vez o escritor fala de terem
elas recebido o fim de sua fé, a salvação de suas almas.4 Ao mesmo
tempo, pois, que essas pessoas estavam “em aflição”, estavam de
posse de viva fé. Sua aflição não lhes destruiu a fé; ainda
permaneceram como vendo o invisível.5 No meio de sua aflição,
ainda igualmente desfrutaram do amor de Deus, que fora derramado
em seus corações.6 XLVII, I, 1, 5

11 Pe 1.6 21 Pe 1.5 31 Pe 1.7 41 Pe 1.9 5Hb 11.27 6Rm 5.5

Afligidos, mas Ainda Santos – Dia 20

Eu creio que verei a bondade do Senhor na terra dos


viventes. Salmo 27.13

Experimentar aflições não significa falta de fé. Lembre dos cristãos


em 1 Pedro. Embora fossem afligidos, ainda eram santos;
conservavam o mesmo poder sobre o pecado. Eram ainda
guardados do pecado pelo poder de Deus;1 eram filhos obedientes,
não conformados com seus desejos antigos,2 mas, como Aquele que
os chamou é santo, assim eles eram santos em toda maneira de
viver.3 Sabendo que foram redimidos pelo precioso sangue de Cristo,
como de um Cordeiro sem defeito e imaculado,4 têm, através da fé e
da esperança depositadas em Deus, purificado suas almas pelo
Espírito.5 Assim é que, em conjunto, sua aflição é bem consistente
com a fé, com a esperança, com o amor de Deus e do homem, com
a paz de Deus, com a alegria no Espírito Santo, com a santidade
interior e exterior. A aflição de modo nenhum enfraquece e muito
menos destrói qualquer parte da obra de Deus no coração. Ela de
modo nenhum entra em conflito com a santificação do Espírito,6 que
é a raiz de toda a verdadeira obediência, nem com a felicidade,

NOVEMBRO
que deve necessariamente resultar da graça e da paz que reinam no
coração. XLVII, I, 6
11 Pe 1.5 21 Pe 1.14 31 Pe 1.15 41 Pe 1.19 51 Pe 1.22 61 Pe 1.2

Contristados, mas Sempre Alegres – Dia 21

Por isso, não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior
se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a
nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso
eterno de glória mui excelente, não atentando nós nas coisas que se
veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são
temporais, e as que se não

veem são eternas. 2 Coríntios 4.16-18

É provável que nossos tradutores representassem a ideia do grego


como aflição pesada para denotar duas coisas: primeiro, o grau; e,
segundo, a continuação dela. Parece, na verdade, que não é um
fraco ou insignificante grau de aflição o de que aí se trata, mas de
aflição que produz forte impressão sobre a alma e penetra-a
profundamente. Nem parece ser uma aflição passageira, que acabe
numa hora, mas, antes, uma provação que, tendo tomado posse do
coração, não se abala no presente, mas continua por algum tempo,
como uma disposição firmada, antes do que como uma paixão,
manifestando-se naqueles que têm viva fé em Cristo e têm o genuíno
amor de Deus em seu coração. Estas bem podem ser chamadas de
ardentes provações.1 Elas não podem, na verdade, ser aplicadas,
corretamente, aos que estão em trevas. Estes não se regozijam, nem
podem regozijar-se; nem é verdade que o Espírito de glória de Deus
descanse sobre eles.2 Mas Deus frequentemente o faz em relação
aos que estão aflitos, de modo que, embora tristes, eles, contudo,
sempre se regozijam.3 XLVII, II, 2, 4

11 Pe 4.12 21 Pe 4.14 32 Co 6.10

A Aflição de Doença – Dia 22


Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos
sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do
que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos.
Mas já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não
confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos; 2
Coríntios 1.8-9

Vou tentar demonstrar quais são algumas causas de tristeza ou


aflição no verdadeiro crente. O apóstolo claramente nos declara: Vós
estais em aflição – diz ele através de várias tentações;1 não somente
muitas em número, mas de muitas espécies. E a própria diversidade
faz que seja mais difícil que o homem se livre delas. Entre elas
podemos arrolar todas as desordens físicas, principalmente as
doenças agudas e as dores violentas de qualquer espécie, quer
afetem todo o corpo, quer atinjam somente uma parte menor do
organismo. É verdade que alguns, que têm desfrutado de saúde
contínua, podem admirar-se de que o sofrimento físico possa trazer
aflição ao espírito. E talvez haja um em mil de constituição tal, que
não sinta dores como os demais homens. E mesmo quando tal
condição é prevenida pela graça de Deus, de modo que os homens
possuam suas almas em paciência,2 pode a dor, não obstante,
ocasionar aflição interior, simpatizando a alma com o corpo. Todas as
doenças de longa duração, embora menos aflitivas, são capazes de
produzir os mesmos resultados. Este é eminentemente o caso de
todas aquelas chamadas de distúrbios nervosos. A fé não transtorna
a ordem da natureza: as causas naturais produzem efeitos naturais.
Mesmo tendo fé, isso não impede a elevação da temperatura do
corpo num caso de febre. Da mesma forma uma pessoa de fé nem
sempre tem controle sobre o desânimo de espírito diante de uma
enfermidade severa. XLVII, III, 1-2

11 Pe 1.6 2 Lc 21.19
NOVEMBRO

Satanás se Aproveita da Alma Abatida – Dia 23


Pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua,
pois é mentiroso e pai da mentira. João 8.44

Em todas suas circunstâncias difíceis, estejamos certos, nosso


grande adversário, o diabo, não deixará de servir-se da
oportunidade. Ele, que está sempre andando em redor, buscando a
quem possa devorar,1 usará então, de todo seu poder, de toda sua
habilidade, a ver se é bem-sucedido no obter qualquer vantagem
sobre a alma que já se acha abatida. Não deixará de atirar seus
dardos inflamados, visando ao ponto mais vulnerável e daí fixando-
se mais profundamente no coração, pela adequação à tentação que
o assalta. Trabalhará por introduzir pensamentos de incredulidade,
ou de blasfêmia, ou de murmuração. Insinuará que Deus não cuida
da terra, não a governa; ou, pelo menos, que Ele não a governa
bem, não segundo os princípios da justiça e da misericórdia. Tentará
excitar o coração contra Deus, tentará renovar nossa natural
inimizade para com Deus. Se resolvermos dar-lhe combate com suas
próprias armas, se começarmos a discutir com ele, resultar-nos-á
aflição cada vez maior, senão mesmo trevas profundas. XLVII, III, 6

1 1 Pe 5.8

Deus se Esconde? – Dia 24

Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois


todo o que pede recebe; o que busca encontra; e, a quem bate, abrir-
se-lhe-á. Mateus 7.7-8

Frequentemente se supõe que haja outra causa, senão de trevas,


pelo menos de aflição: – que Deus se oculte à alma em razão de ser
essa a sua vontade soberana. Certamente que Ele faz isto, se
ofendermos a seu Santo Espírito, seja por pecado exterior; seja por
se fazer o mal ou por negligenciar a prática do bem; por dar lugar ao
orgulho ou à ira, à indolência espiritual aos desejos insensatos ou às
afeições desordenadas. Mas que Ele alguma vez se oculte porque
queira, meramente por ser essa a sua vontade, nego-o com firmeza.
Não há texto em toda a Bíblia que forneça qualquer apoio a tal
suposição. Ademais, tal suposição é contrária não somente a muitos
textos particulares, mas a todo o teor da Escritura. Repugna à
própria natureza de Deus: rebaixa inteiramente sua majestade e
sabedoria “brincar de esconde-esconde” com suas criaturas. Tal
conduta é inconsistente tanto com sua justiça como com sua
misericórdia, assim como com a sã experiência de todos os filhos
seus. XLVII, III, 7

Os Benefícios das Provações – Dia 25

Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os


teus decretos. Salmo 119.71

Daí aprendemos que o primeiro e grande fim que Deus tem em vista,
permitindo as tentações que afligem a seus filhos, é a prova de sua
fé que é experimentada por meio delas, assim como o ouro o é pelo
fogo.1 Ora, sabemos que o ouro, submetido ao fogo, é por ele
purificado, separando-se de suas escórias. Assim acontece com a fé
exposta ao fogo da tentação: quanto mais é provada, mais se
purifica; sim, e não somente se purifica, mas também se fortalece,
confirma-se, aumenta-se abundantemente, por outras tantas
evidências de sabedoria e do poder, do amor e da fidelidade de
Deus. Este, portanto, é um gracioso fim que Deus tem em vista,
permitindo aquelas múltiplas tentações aumentar-nos a fé.
Regozijam-se ainda mais, porque as provações que lhes aumentam
a fé e a esperança, também lhes aumentam o

NOVEMBRO

amor – quer sua gratidão para com Deus, em face de todas as suas
misericórdias, quer sua boa vontade para com toda a humanidade. E
isto – o aumento de seu amor – é outro fim para o qual Deus permite
venham sobre eles as tentações. XLVII, IV, 2, 4

11 Pe 1.7

Progresso na Santidade – Dia 26


Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação: que vos
abstenhais da prostituição, que cada um de vós saiba possuir o seu
vaso em santificação e honra, não na paixão de concupiscência,
como os gentios, que não conhecem a Deus.

1 Tessalonicenses 4.3-5

Outro fim de aflições é o progresso na santidade; santidade de


coração e santidade de conversação – naturalmente resultando a
última da primeira, porque a árvore boa produz bons frutos.1 E toda a
santidade interior é fruto imediato da fé que opera por amor.2 Pelo
amor o bendito Espírito purifica o coração do orgulho, da obstinação,
da paixão; do amor ao mundo, de desejos maus e insensatos; das
afeições vis e profanas. Ao lado disso, as aflições santificadas têm,
pela graça de Deus, uma tendência imediata e direta para a
santidade. Através da operação de seu Espírito, as provações fazem
o cristão humilhar-se cada vez mais e dobram a alma diante de
Deus. Elas acalmam e pacificam nosso espírito agitado, amansam o
furor de nossa natureza, abrandam nossa obstinação e vontade
própria, crucificam-nos para o mundo e levam-nos a esperar de Deus
toda nossa força e a buscar nele toda nossa felicidade. XLVII, IV, 5

1Mt 7.17 2 Gl 5.6

O Grande Fim – Dia 27

E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações,


sabendo que a tribulação produz a paciência; e a paciência, a
experiência; e a experiência, a esperança.

Romanos 5.3-4

Todas as aflições terminam naquele grande fim: para que nossa fé,
esperança, amor e santidade possam resultar em louvor1 da parte do
próprio Deus, e honra da parte dos homens e dos anjos. Assim,
todas essas provações são lucros indizíveis. Por muitos modos,
aquelas aflições, que duram só um momento, operam em nosso
favor um mui excessivo e eterno peso de glória! 2 Adicionai a tudo
isso a vantagem que outros podem tirar, contemplando-nos em
nossas aflições. Verificamos pela experiência que o exemplo
geralmente produz mais funda impressão sobre nós do que o
preceito. O exemplo de uma alma tranquila e serena em meio das
tempestades; triste, e, contudo, regozijando-se sem cessar;3
aceitando humildemente o que quer que seja da vontade de Deus,
por mais penoso que isso possa ser à natureza; dizendo, na
enfermidade e na dor: A taça que meu Pai me deu, não a beberei?4
– dizendo, nos prejuízos e nas faltas: O Senhor o deu, o Senhor o
tirou; bendito seja o nome do Senhor! 5 XLVII, IV, 6-7

11 Pe 1.7 22 Co 4.17 32 Co 6.10 4 Jo 18.1 5 Jó 1.21

Uma Confiança Inabalável – Dia 28

Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas a


minha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança da minha paz
não será removida, diz o Senhor, que se compadece de ti. Isaías 54.10

NOVEMBRO

Devo concluir com algumas inferências. Primeiro, quão larga é a


diferença entre trevas da alma e aflição; as quais, não obstante, tão
geralmente são confundidas, mesmo por cristãos experientes! As
trevas – ou “a vida no deserto”– implicam na perda total da alegria no
Espírito Santo: a aflição não produz isto; em meio dela podemos
regozijar-nos com alegria indizível.1 Os que estão em trevas
perderam a paz de Deus; com os que se acham em aflição não
acontece isto; pelo contrário, no próprio tempo da aflição a paz,
assim como a graça, podem multiplicar-se neles.2 No primeiro caso o
amor de Deus se resfria, se acaso não se extingue inteiramente; no
segundo, o amor conserva toda sua força, ou, antes, aumenta-se
diariamente. Nas trevas espirituais a fé decai. O cristão naquele
estado tem pouca fé naquele que não consegue ver, ou seja, Deus, e
a sua confiança nele proporcionalmente se abala; os cristãos aflitos,
por outro lado, quer o vejam, quer não, têm ainda uma clara,
inabalável confiança em Deus e uma constante evidência daquele
amor mediante o qual todos os seus pecados são cancelados. Assim
na medida que possamos distinguir a fé da incredulidade, a
esperança do desespero, a paz da guerra, o amor de Deus do amor
do mundo, podemos infalivelmente distinguir a aflição das trevas!
XLVII, V, 1

11 Pe 1.8 22 Pe 1.2

Aflição Temporária – Dia 29

Sofre, pois, comigo, as aflições, como bom soldado de Jesus


Cristo. 2 Timóteo 2.3

Daí podemos aprender que pode haver necessidade de aflição, mas


não pode haver necessidade de trevas. Pode ser necessário que
estejamos em aflição por algum tempo, para os fins acima citados;
pelo menos nesse sentido, como sendo o resultado daquelas
múltiplas tentações1 que são necessárias

Caminhada Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John Wesley

para provar e aumentar nossa fé, para confirmar e aumentar


nossa esperança, para purificar nosso coração de todas as
inclinações ímpias e para aperfeiçoar-nos em amor. E, em
consequência, elas são necessárias ao brilho de nossa coroa e
ao aumento de nosso eterno peso de glória.2 Mas não podemos
dizer que as trevas sejam necessárias para operar aqueles
fins. Não são meios que conduzam a eles; a perda da fé, da
esperança, do amor, certamente que não leva à santidade,
nem ao aumento daquela recompensa no céu, que será
proporcionada à nossa santidade na terra. XLVII, V, 2

11 Pe 1.6 22 Co 4.17

A Porção dos Seus Filhos – Dia 30


Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes
qual foi a paciência de Jó e vistes o fim que o Senhor lhe deu;
porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso. Tiago 5.11

Do modo de falar do apóstolo podemos inferir que


mesmo a aflição nem sempre é necessária. Agora, por algum
tempo, se for necessário:1 assim, ela não é necessária a todas
as pessoas, nem a uma pessoa em todos os tempos. Deus,
que tanto possui poder como sabedoria, é capaz de operar
em minha alma, por outros meios, a mesma obra, quando
isso seja de seu agrado. E em alguns casos Ele faz assim;
determina, segundo lhe agrade, que alguns cresçam de força
em força,2 até que aperfeiçoem a santidade em seu temor,3
com pouca ou nenhuma aflição, tendo Deus absoluto poder
sobre o coração do homem e movendo todas as fontes de
energia segundo a sua vontade. Esses casos são, porém,
raros: Deus geralmente acha bom provar os homens na
fornalha da aflição.4 Assim, aquelas múltiplas tentações5 e
aflições são, em maior ou menor escala; a porção de seus
filhos mais queridos. XLVII, V, 3

11 Pe 1.6 2Sl 84.7 22 Co 7.1 4Is 48.10 51 Pe 1.6

324
Caminhada Diária - 366 reflexões inspiradas nos textos de John Wesley

Hino de Natal – Dia 1

Eis dos anjos a harmonia!


Cantam glória ao Rei Jesus.
Paz aos homens! Que alegria!
Paz com Deus em plena luz.
Ouçam povos exultantes,
Ergam salmos triunfantes,
Aclamando o seu Senhor,
Nasce Cristo Redentor!
Toda a terra e os altos céus
Cantem sempre glória a Deus!
Cristo eternamente honrado,
Do seu trono se ausentou.
Cristo, entre os homens encarnado,
Deus convosco se mostrou.
Que sublime divindade,
E que excelsa humanidade!
Salve glória de Israel,
Luz do mundo, Emanuel.
Canto o povo resgatado
Glória ao Príncipe da paz;
Deus em Cristo revelado,
Vida e luz ao mundo traz!
Nasce a fim de renascermos,
Vive para revivermos.
Rei, Profeta e Salvador,
Louvem todos ao Senhor!

(Hark! The Herald Angels Sing – Hino de Charles Wesley


– Tradução: Rev. Robert Hawkey Moreton)

O Caminho da Cruz – Dia 2

E, chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se


alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz,
e siga-me. Marcos 8.34

DEZEMBRO

A negação de nós mesmos, o tomar nossa cruz,1 na extensão


integral da palavra, não é coisa de pequena importância: não é
apenas um acessório, como o são alguns elementos circunstanciais
da religião; mas é absoluta, indispensavelmente necessário, quer
para que nos tornemos discípulos de Cristo, quer para que
continuemos nesta condição. É absolutamente necessário, pela
própria natureza do caso, para que o acompanhemos e o sigamos;
tanto mais que, se não procedermos assim, não seremos seus
discípulos. Se continuamente não negamos a nós mesmos, não
aprendemos dele, mas de outros mestres. Se não tomamos
diariamente a nossa cruz, não o seguimos, mas acompanhamos o
mundo, ou o príncipe deste mundo, ou nossa própria mente carnal.
Se não andamos pelo caminho da cruz, não estamos seguindo-o;
não estamos andando em suas pegadas; mas estamos
retrocedendo, ou, pelo menos, nos distanciando dele na jornada
cristã. XLVIII,2 Introdução, 2

1 Mt 16.24 2 Sermão XLVIII: A Negação de Si Mesmo

A Grande Doutrina – Dia 3

Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que


provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado
gratuitamente por Deus. 1 Coríntios 2.12

Tentarei mostrar o que é para o homem o negar-se a si mesmo e


tomar diariamente a sua cruz.1 Este é o ponto que tem de ser
considerado e compreendido profundamente, por ser um dos mais
contestados por numerosos e fortes inimigos do cristianismo. O
mundo e, consequentemente, os homens que tomam a natureza, e
não a graça, por seu guia, aborrecem o próprio som desse
enunciado. E o grande inimigo de nossas almas, bem conhecendo
sua importância, não pode fazer outra coisa senão levantar todas as
pedras contra aquela verdade. Mas isto não é tudo: mesmo os que
de algum modo sacudiram de si o jugo do diabo; que
experimentaram uma obra real da graça em seus corações, ainda
não são amigos desta grande doutrina, embora nela tão
especialmente houvesse insistido seu Mestre. Alguns são tão
profunda e totalmente ignorantes a seu respeito como se sobre ela
não houvesse na Bíblia uma palavra sequer. Outros se encontram
ainda mais longe, tendo-se penetrado inopinadamente de
preconceitos contra ela. Tais preconceitos eles os receberam, parte
de cristãos profanos, homens de suave falar e boa apresentação, a
quem tem a forma de piedade mas sem o seu poder;2 aparência de
religião, mas, sem seu espírito. XLVIII, I, 1

1 Lc 9.23 22 Tm 3.5

Tomar a Sua Cruz – Dia 4

E quem não toma a sua cruz e não segue após mim não é digno de
mim. Mateus 10.38

Há comunidades inteiras que declaram guerra contra a ideia de


autonegação. Eles a apresentam constantemente sob as cores mais
odiosas, como se aquilo fosse buscar “a salvação pelas obras” ou
procurar “estabelecer nossa própria justiça”. E quão prontamente os
outros reúnem-se a gritar, com sua tola, inútil bravata de legalismo e
pregação da lei! Estás, portanto, em constante perigo de serdes
criticados, ameaçados ou ridicularizados por causa desta importante
doutrina do Evangelho, seja por parte dos falsos mestres, ou da
parte dos falsos irmãos. Mas, o que é negação de si mesmo? Em
que devemos negar-nos a nós mesmos? E de onde parte a
necessidade de o fazermos? Respondo: A vontade de Deus é a
suprema, inalterável regra para toda criatura inteligente, igualmente
obrigando a todo anjo do céu e a todo homem na terra. Este é o
resultado natural, necessário, da relação existente entre as criaturas
e seu

DEZEMBRO

Criador. Se a vontade de Deus é, porém, nossa única regra de ação


em todas as coisas, grandes e pequenas, segue-se, por
consequência irrecusável, que não temos de fazer nossa própria
vontade em coisa alguma. Vemos aí, pois, a natureza de
autonegação. E a negação ou a recusação de seguir nossa própria
vontade, pela convicção de que a vontade de Deus é sempre melhor.
XLVIII, I, 1, 2
Nossa Corrupção Natural – Dia 5

E, olhando em redor para os que estavam assentados junto dele


disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porquanto qualquer que
fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha
mãe. Marcos 3.34-35

A vontade de Deus é sempre melhor do que a nossa pois, somos


suas criaturas: Ele que nos fez, e não nós mesmos.1 O motivo da
negação de si mesmo deve prevalecer, mesmo em referência aos
anjos de Deus, nos céus, e em relação ao homem, inocente e santo,
como saiu das mãos de seu Criador. Mas uma razão ainda mais forte
resulta da condição em que se encontram todos os homens, desde a
queda. Todos nós agora somos gerados em iniquidade, e em pecado
nossa mãe nos concebeu.2 Nossa natureza é por igual corrupta em
cada um de seus poderes e em cada faculdade. E nossa vontade,
igualmente depravada como o resto, está totalmente voltada para
autoindulgência da nossa corrupção natural. Por outro lado, é da
vontade de Deus que resistamos àquela corrupção e a
neutralizemos, não em algumas ocasiões ou em algumas coisas
apenas, mas em todos os tempos e em todas as coisas. Aí está,
portanto, um novo fundamento à constante e geral negação de si
mesmo. XLVIII, I, 3

1 Sl 100.3 2 Sl 51.5

Um Veneno Mortífero – Dia 6

Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado,


após ter se consumado, gera a morte. Tiago 1.15

Ora, é incontestavelmente agradável seguir nossa própria vontade,


satisfazendo a corrupção de nossa natureza: mas, seguindo-a em
tudo, avançamos na perversão de nossa vontade; e, satisfazendo-a,
aumentamos progressivamente a corrupção de nossa natureza.
Assim, pela comida que seja agradável ao paladar, frequentemente
aumentamos a doença do corpo: ela gratifica o paladar mas
exacerba as debilidades; traz prazer, mas também traz a morte. Em
geral, o negarmo-nos a nós mesmos é negar qualquer prazer que
não decorra de Deus e não conduz a Ele; é, com efeito, recusarmo-
nos um desvio para andar numa estrada deleitável e florida;
recusarmos o que sabemos ser veneno mortífero, embora agradável
ao paladar. E cada um que pretenda seguir a Cristo, que pretenda
ser seu real discípulo, deve não só negar-se a si mesmo, mas
também tomar sua cruz.1 A cruz é uma coisa contrária à nossa
vontade, alguma coisa que repugna à nossa natureza. Assim, tomar
nossa cruz é algo mais do que a negação de nós mesmos; exige
mais porque é mais fácil sacrificar o prazer do que suportar a dor.
XLVIII, I, 5-7

1 Mc 8.34

Um Fogo Depurador – Dia 7

Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o


para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros
do que todo o teu corpo seja lançado no inferno. E, se a tua mão
direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é
melhor que um dos teus membros se perca do que todo o teu corpo
seja lançado no inferno.

Mateus 5.29-30
DEZEMBRO

Para curar aquela corrupção, aquela enfermidade cruel


– o pecado original, que todo homem traz consigo para o mundo –
vontade própria, é necessário arrancar o olho direito, e cortar a mão
direita.1Tão penosa se apresenta a obra a ser cumprida, romper com
uma afeição desordenada, ou separar-se do objeto dessa afeição,
sem o que ela jamais será extirpada. A extirpação de tal desejo ou
afeição, quando se tenha profundamente enraizado na alma, é
geralmente semelhante a um golpe de espada sim, como a divisão
da alma e espírito, juntas e medulas.2 O Senhor então age sobre a
alma como um fogo depurador,3 para queimar toda a sua escória. E
isto é, na verdade, uma cruz; é essencialmente penoso; deve ser
assim, pela sua própria natureza. A alma não pode ser dividida
desse modo; não pode passar pelo fogo, sem que sofra dor. XLVIII, I,
9

1 Mt 5.29 2 Hb 4.12 3 Ml 3.3

O Médico das Nossas Almas – Dia 8

E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua


eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, ele mesmo
vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá.

1 Pedro 5.10

O “tomar” difere um pouco do “suportar” sua cruz. Precisamente se


diz que suportamos “nossa cruz”, quando sofremos com humildade e
resignação o que é posto sobre nós, sem escolha de nossa parte.
Portanto, nós não tomamos propriamente “nossa cruz”, a não ser
quando voluntariamente suportamos aquilo que estava a nosso
alcance evitar; quando voluntariamente abraçamos a vontade de
Deus, embora contrária à nossa; quando escolhemos o que é
penoso, por ser a vontade de nosso sábio e gracioso Criador.
Importa, pois, a todo discípulo de Cristo, tomar sua cruz, assim como
suportá-la. Foi-lhe preparada por Deus; é-lhe dada por Deus, como
um toque de seu amor. E se o homem a recebe como tal e, depois
de usar dos meios que a sabedoria cristã aconselha para remover o
fardo, porta-se como o barro nas mãos do oleiro, tudo é disposto e
ordenado por Deus para seu bem. Em tudo isso podemos facilmente
reconhecer nosso bendito Senhor agindo como médico de nossas
almas, não meramente para seu prazer, mas para nosso proveito,
para que sejamos participantes de sua santidade.1 Se, sondando
nossas feridas, Ele nos faz sofrer, fá-la apenas para as curar. Corta o
que está purulento ou não saudável, para preservar a parte sã. E se
livremente preferimos a perda de um membro, antes que todo o
corpo pereça, como não escolheríamos, cortar a mão direita, antes
que toda a alma fosse lançada no inferno! 2 XLVIII, I, 11, 13

1 Hb 12.10 2 Mt 5.30

O Grande Impedimento – Dia 9

Como crianças recém-nascidas, desejem de coração o leite espiritual


puro, para que por meio dele cresçam para a
salvação. 1 Pedro 2.2

Mostrarei que o fato de o homem não seguir inteiramente a Cristo, de


não ser inteiramente seu discípulo, é sempre devido à falta de
negação de si próprio e à recusa em tomar sua cruz. É verdade que
isso pode ser devido em parte à falta de meios de graça – à falta de
ouvir a verdadeira Palavra de Deus pronunciada com poder; à falta
dos sacramentos ou da comunhão cristã. Mas onde nada disso falte,
o grande tropeço armado ao recebimento da graça de Deus ou ao
crescimento nela é sempre a falta de negação de nós mesmos e de
tomarmos a nossa cruz. Uns poucos

DEZEMBRO

exemplos tornarão isso claro. Um homem ouve a Palavra que é


capaz de salvar-lhe a alma; ele se agrada com o que ouve,
reconhece a verdade e sente-se um tanto tocado por ela; contudo
permanece morto em delitos e pecados,1 insensível e desacordado.
Por que se dá isto? Porque ele não quer romper com seu pecado
predileto, conquanto agora reconheça ser uma abominação ao
Senhor. Ouve a Palavra – cheio de cobiça e de desejos impuros – e
não quer abandonar essas coisas. Consequentemente, nenhuma
impressão profunda se faz sobre ele, visto que seu coração
insensato está endurecido, isto é, está ainda insensível e
adormecido, porque não quer negar-se a si mesmo.2 XLVIII, II, 1-2

1 Ef 2.1 2 Mt 16.24
A Fé Naufragada – Dia 10

Conserve a fé e a boa consciência, rejeitando a alguns que fizeram


naufrágio na fé. 1 Timóteo 1.19

Um homem pode ter recebido, porém, o dom celestial,1 e ter visto a


luz da glória de Deus na face de Jesus Cristo.2 A paz que excede a
todo entendimento governava seu coração e mente;3 todavia, é
agora fraco como qualquer outro homem. Outra vez aprecia as
coisas da terra e tem maior prazer nas coisas visíveis do que nas
invisíveis;4 os olhos de seu entendimento5 outra vez se fecham, de
modo que não pode ver Aquele que é invisível;6 seu amor se esfria7
e a paz de Deus não mais reina em seu coração.8 E nisto não há
motivo de espanto, porque ele outra vez deu lugar ao diabo9 e
entristeceu o Santo Espírito de Deus.10 Voltou-se novamente para a
loucura, para algum pecado agradável, senão pela prática de algum
ato exterior, ao menos no coração. Deu lugar ao orgulho, ou à ira, ou
ao desejo, à vontade própria ou à obstinação. Ou, não acendendo o
dom de Deus que nele havia,11 deu lugar à indolência espiritual e
não se conformará em orar sempre e vigiar na oração12 com toda
perseverança: isto é, ele naufragou na fé,13 por falta de negar-se a si
mesmo e de tomar a sua cruz diariamente.14 XLVIII, II, 5

1 Hb 6.4 22 Co 4.6 3Fp 4.7 42 Co 4.18 5 Ef 1.18 6 Hb 11.27 7 Mt 24.12 8 Cl


3.15 9 Ef 4.27 10 Ef 4.30 112 Tm 1.6 12Lc 21.36 131 Tm 1.19 14 Mt 16.24

O Pecado da Maledicência – Dia 11

Porque quem quer amar a vida e ver os dias bons, refreie a sua
língua do mal, e os seus lábios não falem engano;
1 Pedro 3.10

Não faleis mal de homem algum ,1 diz o apóstolo Paulo, o que vem a
ser um mandamento tão evidente como não matarás.2 Quem,
entretanto, mesmo entre os cristãos, dá importância a esse
mandamento? Sim, quão poucos são os que chegam mesmo a
compreendê-lo! O que é maledicência? Não é, como alguns supõem,
o mesmo que a mentira ou a calúnia. Tudo quanto o homem diz pode
ser verdadeiro como a Bíblia, e ainda seu falar constituir
maledicência. Porque maledicência é, nem mais, nem menos, do que
dizer mal de uma pessoa ausente, referindo alguma falta que
houvesse sido realmente praticada ou dita por alguém que não se
encontre presente quando se faz a referência. Suponhamos que,
tendo visto um homem embriagado, ou ouvi-lo blasfemar ou xingar,
eu refiro o fato quando ele se encontre ausente: isto é maledicência.
Em nossa linguagem familiar isto é também chamado, e com
extrema propriedade, “falar pelas costas”. Nem há qualquer diferença
material entre isto e o que usualmente chamamos “contar histórias”.
Se a história for contada de modo simples e sereno – talvez com
expressões de boa vontade para com a pessoa – e com esperança
de que as coisas não sejam inteiramente tão más, então chamamos
a isto de cochicho. Mas, qualquer que seja

DEZEMBRO

a maneira por que é a referência feita, o fato é o mesmo; o mesmo


em substância, senão em circunstâncias. Constitui mesmo
maledicência. XLIX,3 Introdução, 1

1 Tt 3.2 2 Ex 20.13 3 Sermão XLIX: A Cura de Maledicência

Um Pecado Disfarçado – Dia 12

A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua


está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e
inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo

inferno. Tiago 3.6

O fato de que a maledicência é tão comum torna-a difícil de evitar.


Como estamos rodeados por ela de todos os lados, se não formos
profundamente sensíveis ao perigo, e se não nos guardarmos
constantemente, estaremos sujeitos a sermos levados na torrente.
Nesse sentido, o exemplo de quase toda a humanidade faz pressão
sobre nós, sem sabermos como; de modo que inconscientemente
seguimos seu exemplo. Ao lado disto, ela é encorajada de fora,
assim como de dentro do coração. Naturalmente nós nos inclinamos
para a maledicência. Ela gratifica o nosso orgulho, no relatar as
faltas de outros, faltas de que supomos estar isentos. A ira, o
ressentimento e todas as tendências perversas são aceitos por nós
pelo falar daqueles contra quem estamos indignados; e, em muitos
casos, recitando os pecados do próximo, os homens gratificam seus
próprios desejos insensatos e perniciosos. A maledicência é mais
difícil de evitar porque ela frequentemente nos ataca sob disfarce.
Falamos assim por uma nobre, generosa, “santa” indignação contra
aquelas vis criaturas! Cometemos pecado por mero ódio ao pecado.
Acabamos servindo ao diabo por zelo de Deus! XLIX, Introdução, 3-
4

O Amor Vence Tudo – Dia 13

Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma


ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de
mansidão, olhando por ti mesmo, para que não sejas também
tentado. Gálatas 6.1

Se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele


somente.1 O meio mais literal de seguirmos esta regra, onde isto
seja praticável, é a melhor: portanto, se vires com teus próprios olhos
um irmão, um cristão, cometer pecado inegável, ou o ouvires com
teus próprios ouvidos, de modo que te seja impossível duvidar do
fato, então teu papel é evidente: aproveita a primeira oportunidade
para ires ao seu encontro; e, se tiveres ocasião, fala-lhe dessa falta
entre ti e ele só. Na verdade, grande cuidado se deve tomar em que
isto se faça num espírito reto e de maneira correta. O sucesso de
uma exortação depende grandemente do espírito com que é feita.
Não estejas, portanto, em falta quanto à fervorosa oração a Deus,
para que a exortação seja feita num espírito de seriedade, com
profunda, penetrante convicção de que se qualquer bem for feito por
aquilo que se disser agora, é Deus que o opera. Ora para que Deus
guarde teu coração, ilumine tua mente e dirija tua língua. Vê que
fales num espírito de mansidão, assim como de serenidade, porque
a ira do homem não cumpre a justiça de Deus.2 Se ele for
surpreendido em algum pecado, não poderá ser restaurado senão
num espírito de mansidão.3 Se ele se opuser à verdade, também
não poderá ser levado ao conhecimento dela a não ser pela
brandura. Fala, ainda, num espírito de terno amor, que as muitas
águas não podem extinguir.4 O amor vencerá todas as coisas. XLIX,
I, 1

1Mt 18.15 2Tg 1.20 3Gl 6.1 4Ct 8.7


DEZEMBRO

Resista Fofocar – Dia 14

Aparta-te do mal e faze o bem; procura a paz e segue-a.


Salmo 34.14

Faz fofoca? Não penses em se desculpar pelo fato de que se calou


até que não deu mais para carregar o fardo do segredo. Não deu
mais?!! Não é para admirar que assim fiques, a não ser que tua
consciência esteja cauterizada; porque estavas debaixo da culpa de
pecado, desobedecendo a um claro mandamento de Deus! Devias
imediatamente ter ido e falado a teu irmão de sua culpa, entre ti e ele
só.1 Se o não fizeste, como poderias estar menos do que
sobrecarregado de culpa – a não ser que teu coração esteja
endurecido, enquanto estavas pisoteando o mandamento divino e
odiando o teu irmão em teu coração?2 E que meio encontraste para
te descarregar a consciência? Deus te reprova por causa de um
pecado de omissão, por não falares a teu irmão acerca de sua falta e
consolas-te a ti mesmo, estando debaixo dessa culpa, à custa de um
pecado de comissão, falando da falta de teu irmão à terceira pessoa!
A comodidade comprada em troca do pecado é um mau negócio!
Confio em Deus que não terás descanso, mas estarás
sobrecarregado cada vez mais, até que vás a teu irmão e lhe fales,3
e a ninguém mais. XLIX, I, 6

1 Mt 18.15 2 Lv 19.17 3 Mt 18.15

Recusa-te a Ouvir – Dia 15

Mas eu vos digo que de toda palavra ociosa que os homens


disserem hão de dar conta no Dia do Juízo. Mateus 12.36

Quão poucos são os cristãos que vivem sem maledicência! Ai do


mundo cristão! Oh! Quem se levantará comigo contra o maligno?1
Quem tomará o lado de Deus contra os maledicentes? Tu podes?
Estás firmemente resolvido, sendo Deus teu Amparador, a partir
desta mesma hora, a colocar vigia, permanente vigia diante de tua
boca, e guardar a porta de teus lábios?2 Desde esta hora queres
andar por esta regra: Não faleis mal de homem algum?3 Se vires teu
irmão praticar o mal, queres falar-lhe de sua falta entre ti e ele
somente?4 Tomar uma ou duas testemunhas e somente depois disto
dizê-lo à igreja?5 Se este é o firme propósito de teu coração, então
aprende bem uma lição: Não ouças dizer mal de ninguém. Se não
houvesse ouvintes, não haveria faladores. Se, pois, alguém começar
a dizer mal a teus ouvidos, repele-o imediatamente. Recusa-te
resolutamente a ouvir, embora o maldizente se queixe de estar
sobrecarregado. Louco! Vai, então, e liberta-te de teu fardo pelo meio
que o Senhor ordenou! Mas, para que tua alma não corra perigo, não
o digas a ninguém mais, nem antes, nem depois, a não ser naquele
caso de exceção, em que seja absolutamente necessário falar para
salvar o inocente. Porque haverias de sobrecarregar a outrem assim
como a ti mesmo, fazendo-o participante de teu pecado? XLIX, III, 4

1 Sl 94.16 2Sl 141.3 3 Tt 3.2 4 Mt 18.15 5 Mt 18.16-17

O Dinheiro e a Saúde – Dia 16


E, tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e
não aos homens. Colossenses 3.23

A primeira regra sobre dinheiro é “ganhai o mais que puderdes”. Aí


podemos falar como os filhos do mundo: encontramos eles em seu
próprio terreno. É de nosso estrito dever praticar isto: devemos
ganhar tudo quanto pudermos ganhar. Mas está certo o que não
devemos fazer: não devemos ganhar dinheiro à custa da vida, nem à
custa de nossa saúde. Portanto, nenhum ganho

DEZEMBRO

financeiro deve nos induzir a ingressar ou continuar num emprego


que demanda tanto desgaste que prejudique a saúde. Nem devemos
iniciar ou levar avante negócio que necessariamente nos prive das
horas próprias de alimento e de sono, nas proporções reduzidas por
nossa natureza. Seja, pois, o que for que a razão ou a experiência
aponte como destrutivo da saúde e das forças, não nos submetamos
a isso, visto que a vida é mais valiosa do que o alimento e o corpo
mais do que o vestido.1 Se estivermos já entregues a tal emprego,
devemos mudar-nos, tão depressa quanto possível, para algum outro
que, se nos diminuir o ganho, ao menos não nos diminuirá a saúde.
L,2 I, 1

1 Mt 6.25 2 Sermão L: O Uso de Dinheiro

O Dinheiro e a Alma – Dia 17

Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta (e


não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre,
e cego, e nu). Apocalipse 3.17

Devemos, em segundo lugar, ganhar o mais que pudermos, sem


dano ao nosso espírito e sem maior dano ao nosso corpo. Porque
nem esse prejuízo devemos sofrer: devemos conservar, em qualquer
caso, o espírito da mente sadia. Assim, não podemos iniciar negócio
pecaminoso, nem continuar nele; não podemos exercer qualquer
comércio que seja contrário à lei de Deus ou às leis de nosso país.
Para ganhar dinheiro, não devemos perder a alma. Existem
profissões que podem ser exercidas com perfeita inocência, sem
causar dano ao corpo ou à alma de outros homens, e que talvez a
vós vos não convenham, seja porque vos ponham em contato com
companhias que vos destruiriam a alma, sendo que por repetidas
experiências vos capacitastes da impossibilidade de separar uma
coisa de outra; seja porque haja uma idiossincrasia, uma
peculiaridade de vossa constituição de alma, em razão da qual
aquele emprego vos é mortal, embora outros possam exercê-lo
impunemente. Ninguém pode, portanto, neste ponto, escolher para
outrem, mas cada um deve julgar por si mesmo e abster-se daquilo
que em particular ache ruinoso à própria alma. L, I, 2

O Dinheiro e o Seu Próximo – Dia 18

Então alguns soldados lhe perguntaram: “E nós, o que devemos


fazer?” Ele respondeu: “Não pratiquem extorsão nem acusem
ninguém falsamente; contentem-se com o seu

salário”.
Lucas 3.14

Devemos, em terceiro lugar, ganhar o mais que pudermos, sem


causar dano a nosso próximo. Mas isto nem é possível se amarmos
a nosso próximo como a nós mesmos.1 Não podemos, se amarmos
a cada um como a nós mesmos, causar dano a alguém em seus
haveres. Não podemos devorar os produtos de suas terras, e talvez
as próprias terras e casas, pelo jogo, pela propaganda falsa, ou por
exigir ou receber juros vedados pelas leis de nosso país. Nós não
somos permitidos a fazer o mal para que venha o bem.2 Não
podemos, em consonância com o amor fraternal, tentar arruinar o
negócio do próximo para fazer progredir o nosso; muito menos
podemos aliciar ou receber qualquer de nossos empregados ou
operários, de quem o próximo tenha necessidade. Ninguém pode
ganhar à custa de devorar os bens de seu próximo, sem ganhar a
perdição! Nem podemos ganhar, prejudicando o nosso próximo em
seu corpo. Portanto, não podemos vender coisa alguma que tenda a
arruinar-lhe a saúde. Tal acontece eminentemente com aquele fogo
líquido, bebida alcoólica. Todos os que vendem bebidas a quem
queira comprar, são envenenadores do público. L, I, 3-4

1 Mc 12.31 2 Rm 3.8
DEZEMBRO

Gostos Sofisticados – Dia 19

Porque aprendi viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei


estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as
circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome;
assim de abundância como

de escassez. Filipenses 4.11-12

Tendo ganho o mais que puderdes, pelo exercício de sabedoria


honesta e incansável diligência, a segunda regra de prudência cristã
que se apresenta é: Economizai o mais que puderdes. Não o atireis
fora em gastos ociosos, o que seria o mesmo que atirá-lo ao mar.
Não gasteis nenhuma parte dele em simplesmente gratificar o desejo
da carne, a cobiça dos olhos ou a vaidade da vida.1 Não
desperdiçareis qualquer parte de tão precioso talento meramente
gratificando os desejos da carne, procurando os prazeres dos
sentidos, de qualquer espécie que seja, principalmente o requintado
prazer do paladar. Não quero dizer que se evite somente a gula e a
embriaguez: um pagão honesto condenaria estas coisas. Mas há
uma espécie bem-aceita de sensualidade, um hedonismo sofisticado,
que não incomoda imediatamente o estômago, nem obscurece o
entendimento; e, todavia, não pode ser sustentada sem considerável
despesa. Elimine toda essa despesa! Desprezai a extravagância e a
variedade e contentai-vos com a comida e a bebida simples que o
seu corpo requer. L, II, 1-2

11 Jo 2.16
A Honra que Deus Dá – Dia 20

Honrarei aqueles que me honram, mas aqueles que me desprezam


serão tratados com desprezo. 1 Samuel 2.30

Não gasteis qualquer parte de seu dinheiro meramente para gratificar


a cobiça dos olhos,1 com roupas supérfluas ou caras, ou com
enfeites desnecessários. Não gasteis nenhuma parte dele para
adornar extravagantemente vossa casa; com móveis dispensáveis e
caros; com pinturas de alto custo, quadros dispendiosos, livros raros
etc.; com jardins mais elegantes do que úteis. Deixai que vossos
vizinhos, que nada conhecem de melhor, façam isso: Deixai que os
mortos enterrem os seus mortos.2 Mas, que tem aquilo convosco?
– diz o Senhor. Segui-me.3 Não despendais coisa alguma no
gratificar a vaidade da vida ou no alcançar a admiração e o louvor
dos homens. Enquanto fizerdes o bem a vós mesmos, os homens
vos louvarão.4 Enquanto vos vestirdes de púrpura e linho fino, e vos
banqueteardes esplendidamente todos os dias,5 sem dúvida que
muitos aplaudirão vosso gosto elegante, vossa generosidade e
hospitalidade. Não compreis tão caro o aplauso dos homens.
Contentai-vos, antes, com a honra que vem de Deus. L, II, 3-4

11 Jo 2.16 2Lc 9.60 3Jo 21.22 4Sl 49.18 5Lc 16.19

Comprando Vaidade – Dia 21

Melhor é o pouco com o temor do Senhor do que um grande tesouro


onde há inquietação. Provérbios 15.16

Nada pode ser mais certo do que isto. Gratificar a cobiça dos olhos e
a vaidade da vida1 é só aumentá-las. Quanto mais são permitidos,
mais eles crescem. Todas as vezes, pois, que despendei alguma
coisa para agradar a vosso paladar ou a outros sentidos, estais
contribuindo na mesma proporção para a sensualidade. Quando
gastais dinheiro para agradar a vossos olhos, contribuis para o
aumento da curiosidade por um mais forte apego aos prazeres que
perecem pelo uso. Se comprais alguma coisa que os homens
costumam aplaudir,

DEZEMBRO

estais comprando maior quantidade de vaidade. Já não tínheis,


então, bastante vaidade, sensualidade, curiosidade? Era necessário
qualquer acréscimo? E quereríeis pagar tão caro por esse aumento?
Que tipo de sabedoria é essa? O literal arremesso de vosso dinheiro
ao fundo do mar não seria loucura menos prejudicial? E por que
desperdiçaríeis dinheiro com vossos filhos e convosco mesmos, em
manjares finos, em vestuários deslumbrantes ou custosos, em
superfluidades de qualquer espécie? Por que havíeis de lhes
comprar mais orgulho ou cobiça, mais vaidade ou desejos loucos e
insensatos? Eles não necessitam de nada mais; já têm o bastante;
por que havíeis de aumentar, à custa de maiores despesas, suas
tentações e laços, para os atormentar com muitas dores?2 L, II, 5-6

11 Jo 2.16 21 Tm 6.10

Dai o Mais que Puderdes – Dia 22

Cada um contribua segundo propôs no seu coração, não com


tristeza ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com
alegria. 2 Coríntios 9.7

Tendo primeiro ganho o mais que pudestes e, em segundo lugar,


economizado o mais que pudestes, então dai o mais que puderdes.
As direções que Deus nos deu, em referência ao uso de nossos bens
temporais, podem ser compreendidas nos seguintes detalhes: Se
desejardes ser um administrador prudente e fiel,1 assegurai-vos,
primeiro, das coisas que vos forem necessárias: alimento que vos
nutra e roupa que vos agasalhe, e o mais que a natureza
moderadamente requer para conservar o corpo em saúde e vigor.
Em segundo lugar, assegurai essas coisas à vossa esposa, a vossos
filhos, ou a quaisquer outros que pertençam à vossa casa. Se, feito
isto, ainda houver sobras, então fazei o bem aos que são da família
de fé. E se ainda houver sobra, tendo oportunidade, fazei o bem a
todos os homens.2 Assim fazendo, dai tudo que puderdes; ou, em
outro sentido, tudo que tiverdes: porque tudo que for empregado
dessa maneira será realmente dado a Deus. Dai a Deus as coisas
que são de Deus,3 não só através daquilo que derdes aos pobres,
mas também por aquilo que despenderdes no prover as coisas
necessárias a vós mesmos e à vossa família. L, III, 3

1 Lc 12.42 2 Gl 6.10 3 Lc 20.25

Mordomia nas Coisas Terrenas – Dia 23

Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem


consomem, e onde os ladrões não minam, nem
roubam. Mateus 6.20

Em que sentido somos mordomos de Deus? Devemos a Ele tudo


quanto temos: mas, embora o devedor seja obrigado a restituir o que
tenha recebido, todavia, até que vença o prazo, ele é livre para usar
a coisa devida como lhe aprouver. Não é assim com o mordomo: não
tem liberdade para dispor como lhe agradar das coisas que estão em
seu poder, mas deve dispô-las segundo a vontade de seu Senhor.
Porque o mordomo não é proprietário de nenhuma daquelas coisas,
mas simplesmente depositário delas. Ora, este é exatamente o caso
de todo homem, em relação a Deus. Não temos liberdade de usar o
que Ele confia às nossas mãos como quisermos, mas como seja do
agrado dele. Não temos direito de dispor de qualquer coisa que
tenhamos, a não ser de acordo com sua vontade, visto que não
somos proprietários de qualquer dessas coisas; nem qualquer coisa
é propriamente nossa nesta terra de nossa peregrinação. Não
receberemos nossos próprios bens enquanto não chegarmos à
nossa pátria verdadeira. Somente as coisas eternas são

DEZEMBRO

nossa possessão: no tocante às coisas temporais, somos


simplesmente depositários constituídos por outrem, que é o
Dispensador e Senhor de tudo. LI,1 I, 1

1 Sermão LI: O Mordomo Fiel

Tudo Vem de Deus – Dia 24

Não digam, pois, em seu coração: ‘A minha capacidade e a força das


minhas mãos ajuntaram para mim toda esta riqueza’. Mas, lembrem-
se do SENHOR, o seu Deus, pois é ele que lhes dá a capacidade de
produzir riqueza,

Deuteronômio 8.17-18

Deus nos confia nossos bens sob esta condição: que os usemos
somente como bens de nosso Senhor, e de acordo com a direção
especial que Ele nos deu em sua Palavra. Sob tais condições Deus
nos confiou nossas almas, nossos corpos, nossos bens e quaisquer
outros talentos que houvermos recebido; mas, para imprimir esta
verdade em nossos corações, é necessário que desçamos aos
pormenores. Primeiro, Deus nos constituiu administradores de nossa
alma, um espírito imortal, feito à imagem de Deus, com todos os
seus poderes e faculdades, entendimento, imaginação, memória,
vontade e um conjunto de afeições, nestas se incluindo ou delas
dependendo outros sentimentos, amor e ódio, alegria e tristeza, no
tocante ao bem ou ao mal presente; desejo e aversão, esperança e
temor, no tocante às coisas vindouras. Tudo isso o apóstolo Paulo
resume em duas palavras, quando diz: A paz de Deus guardará
vossos corações e mentes.1 Talvez que, na verdade, a última palavra
– mentes – melhor se traduza por pensamentos, contanto que
tomemos este vocábulo em seu sentido mais amplo, como toda
percepção da mente, ativa ou passiva. LI, I, 1-2

1 Fp 4.7

Sua Vontade, Nossa Felicidade – Dia 25


Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos observem os
meus caminhos. Provérbios 23.26

Ora, de todos os nossos bens somos, é certo, somente mordomos.


Deus nos investiu desses poderes e faculdades, não para que os
empregássemos de acordo com nossa própria vontade, mas
segundo as ordens expressas que Ele nos deu, embora seja verdade
que, fazendo sua vontade, devemos igualmente assegurar nossa
própria felicidade, uma vez que somente nisto podemos ser
satisfeitos, quer no tempo, quer na eternidade. Assim, devemos usar
de nossa inteligência, de nossa imaginação, de nossa memória,
totalmente para a glória daquele que nos concedeu. Assim, nossa
vontade deve ser dada inteiramente a Ele, e todas as nossas
afeições devem ser reguladas de conformidade com sua direção.
Devemos amar e odiar, regozijar-nos ou lamentar, desejar e repelir,
esperar e temer, segundo a regra que prescreve Aquele de quem
somos, e a quem devemos servir em todas as coisas. LI, I, 3

Mordomos dos Nossos Corpos – Dia 26

Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que


habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós
mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a
Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a
Deus. 1 Coríntios 6.19-20

Em segundo lugar, Deus nos constituiu mordomos de nosso corpo.


Ele é uma máquina esquisitamente operante, tão terrível e
maravilhosamente feito1 com todos os seus poderes e seus
membros. Ele nos dotou de órgãos dos

DEZEMBRO

sentidos; de visão, audição e do resto; mas nenhum deles nos foi


dado para nossa própria possessão, para se empregar segundo
nossa própria vontade. Nenhum deles nos foi emprestado em sentido
tal que nos deixe em liberdade para que o empreguemos segundo
seja de nosso agrado por um determinado período de tempo. Não:
recebemo-los sob certas condições: que, enquanto os possuirmos,
empreguemo-los todos da maneira que Deus nos indica, e não de
outra. Perante Deus somos igualmente responsáveis pelo uso de
nossas mãos e pés e de todos os membros de nosso corpo. Estes
são outros tantos talentos que nos são dados em depósito, até o
tempo fixado pelo Pai:2 Até então temos o uso de todos eles, mas no
caráter de administradores, e não como proprietários, para o fim de
os entregarmos, não como instrumentos de iniquidade para o
pecado, mas a Deus, como instrumentos de justiça.3 LI, I, 4, 6

1 Sl 139.14 2 Gl 4.2 3 Rm 6.13

Mordomos das Bênçãos de Deus – Dia 27

SENHOR, tu nos darás a paz, porque tu és o que fizeste em nós


todas as nossas obras. Isaías 26.12

Deus nos constituiu depositários, em terceiro lugar, de uma porção


de bens temporais – alimento para nutrir-nos, vestuário para cobrir-
nos em um lugar onde reclinemos a cabeça; tem providenciado não
somente o necessário, mas o agradável à vida. Acima de tudo, Ele
confiou à nossa guarda aquele precioso talento que abrange o
restante
– o dinheiro: este será, na verdade, indizivelmente precioso, se dele
formos sábios e fiéis despenseiros; se empregarmos cada parcela
dele segundo os fins que nosso bendito Senhor mandou que
observássemos. Deus nos constituiu mordomos, em quarto lugar, de
vários talentos que não se podem propriamente incluir sob nenhum
dos títulos já apresentados. Tal é o vigor físico; tais são a saúde, a
boa apresentação, a palavra agradável; tais são a erudição e o
conhecimento, em seus vários graus, com todas as outras vantagens
da educação. Tal é a influência que temos sobre os outros, seja pelo
seu amor e estima para conosco, ou pela influência; influência para
lhes fazer o bem e o mal, para auxiliar ou embaraçá-los nas várias
circunstâncias da vida. Aduza-se a isto o inapreciável talento que é o
tempo que Deus nos concede de momento a momento. Adicione-se,
finalmente, aquilo de que o resto depende e sem o que todas as
vantagens seriam maldições e não bênçãos: a graça de Deus, o
poder de seu Espírito Santo, que opera em nós tudo que é aceitável
à sua vista.1 LI, I, 7-8

1Hb 13.21

Mordomos das Nossas Almas – Dia 28

Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas e que tenhas


saúde, assim como bem vai a tua alma. 3 João 1.2

O Juiz de todos um dia perguntará: Como empregaste tua alma? Eu


te confiei um espírito imortal, dotado de vários poderes e faculdades,
com inteligência, imaginação, memória, vontade, afeição.
Empregaste tua inteligência no conhecer-te a ti mesmo e a mim –
minha natureza, meus atributos, minhas obras, e em aprender o
máximo possível a minha Palavra? Usou todos os meios para
enriquecer teu conhecimento dela – meditando-a dia e noite?
Empregaste tua memória segundo minha vontade, entesourando
todo conhecimento que adquiriste e que pudesse conduzir a minha
glória, a tua própria salvação, ou ao proveito dos outros? Nela
armazenaste, não ideias frívolas, mas as instruções, quaisquer que
fossem, aprendidas em minha Palavra,

DEZEMBRO

e toda a experiência que obtiveste de minha sabedoria, verdade,


poder e bondade? Foi tua imaginação empregada em representar o
que fosse proveitoso à tua alma e servisse para estimular tua busca
da sabedoria e da santidade? Foi a tua vontade totalmente
subordinada a mim? Deste-me teu coração? Não amaste ao mundo
nem às coisas do mundo? Fui o alvo de teu amor? Todos os teus
desejos foram para mim e para a lembrança de meu nome?1 Fui a
alegria de teu coração, o prazer de tua alma, o escolhido entre dez
mil?2 Foram teus pensamentos empregados às coisas que são
puras, às coisas que são santas, ao que é proveitoso à minha glória3
e à paz e boa vontade entre os homens?4 LI, III, 3

1 Is 26.8 2 Ct 5.10 3 Fp 4.8 4 Lc 2.14

Instrumentos de Justiça – Dia 29

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o


vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o
vosso culto racional. Romanos 12.1

Naquele dia teu Senhor perguntará: Como empregaste o corpo que


te confiei? Dei-te uma língua para com ela me louvares; usaste-a
para o fim segundo o qual ela te foi dada? Empregaste-a, não em
maledicências ou no falar ocioso; não em conversação fútil ou sem
proveito, mas no que era bom, necessário e útil a ti mesmo ou aos
outros? Empregaste-a no que sempre tendia, direta ou
indiretamente, a ministrar graça aos ouvintes?1 Dei-te, com teus
outros sentidos, duas grandes vias de conhecimento: a vista e a
audição. Foram utilizadas naqueles excelentes propósitos para os
quais te foram concedidas, levando-te a te instruíres cada vez mais
na justiça e na verdadeira santidade?2 Dei-te mãos e pés, e vários
membros para realizares as obras que te foram preparadas:3
empregaram-se, não em fazer a vontade da carne,4 ou a vontade da
natureza, ou a vontade da mente, mas no fazer a vontade daquele
que te enviou5 ao mundo, unicamente para operar tua própria
salvação?6 Ofereceste todos os teus membros, não ao pecado,
como instrumentos de injustiça, mas somente a mim, através do
Filho de meu amor, como instrumentos de justiça?7 LI, III, 4

1 Ef 4.29 2 Ef 4.24 3 Ef 2.10 4 Ef 2.3 5 Jo 6.38 6 Fp 2.12 7 Rm 6.13

Fidelidade em Tudo Que te Foi Confiado – Dia 30


Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me
enviou e realizar a sua obra. João 4.34

No final dos tempos, teu Senhor ainda perguntará: Foste um sábio e


fiel mordomo em relação a tudo que Eu te confiei? Empregaste tua
saúde e tua força, evitando atividades insensatas e pecaminosas e
prazeres que perecem pelo uso. Empregaste o que havia de
agradável em tua pessoa ou em tua figura, quaisquer vantagens que
tiveste pela educação, quaisquer dotes de erudição, quaisquer
conhecimentos dos homens, dons que te foram confiados para a
promoção da virtude do mundo – empregaste-os no alargamento do
meu reino? Empregaste qualquer soma de poder que tiveste,
qualquer influência que alcançaste sobre os outros, pelo amor ou
pela estima que te devotaram, no lhes aumentar a sabedoria e a
santidade? Acima de tudo, foste um bom despenseiro de minha
graça, que te chama, te acompanha e te segue? Observaste
devidamente, e cuidadosamente aproveitaste todas as influências do
meu Espírito, todo bom desejo, toda soma de luz, todas as
repreensões severas ou suaves? Apresentaste tua alma e teu corpo,
todos os teus pensamentos, tuas palavras e ações, numa só chama
de amor, como um sacrifício santo, glorificando-me com teu corpo e
com teu espírito? Então, bem está, servo bom e fiel! Entra no gozo
de teu Senhor! 1 LI, III, 6

1 Mt 25.23
DEZEMBRO

O Objetivo Original da Igreja – Dia 31

Quem será por mim contra os malfeitores? Quem se porá ao meu


lado contra os que praticam a iniquidade? Salmo 94.16

Todos os que se chamam “membros da Igreja” estão


entusiasticamente empenhados na oposição às obras do diabo e
combatendo contra o mundo e a carne? Ai! Não podemos dizer isto.
Temo que, ao contrário, a maior parte deles sejam do mundo – um
povo que não conhece a Deus para qualquer propósito de salvação;
dia após dia esses homens estão se deleitando, em vez de mortificar
a carne, com suas afeições e cobiças,1 e fazendo as obras do diabo,
que eles deveriam estar especialmente empenhados em destruir.
Mas qual foi o objetivo original da Igreja de Cristo? Ela é uma
corporação de homens unidos estreitamente para o fim de, primeiro,
salvar cada um sua própria alma; depois, prestar auxílio uns aos
outros, no operar sua própria salvação;2 e, finalmente, quando
estiver ao seu alcance, salvar a todos os homens da miséria
presente e futura, derribar o reino de Satanás e firmar o reino de
Cristo. E este deve ser o contínuo empenho e esforço de todo
membro de sua Igreja; de modo contrário ele não será digno de ser
chamado membro dela. LII,3 Introdução, 2-3

1 Rm 8.13 2 Fp 2.12 3 Sermão LII: A Reforma dos Costumes

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