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Educação Sexual
práticas, pesquisas e inovações
Ricardo Desidério
Vinícius Colussi Bastos
Virgínia Iara de Andrade Maístro
(Organizadores)
Sexualidades e
Educação Sexual
práticas, pesquisas e inovações
LONDRINA-PARANÁ
2020
Capa e identidade visual: Vinícius Colussi Bastos
Editoração eletrônica: Ricardo Desidério e Vinícius Colussi Bastos
Revisão: os conteúdos dos capítulos aqui apresentados são de exclusiva
responsabilidade das autoras e dos autores.
V CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO SEXUAL UNESP – UEL – UDESC
VII SIMPÓSIO DE SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL
PARANÁ – SÃO PAULO – SANTA CATARINA
COMISSÃO CIENTÍFICA
Presidente:
Paulo Rennes Marçal Ribeiro (Unesp - Araraquara/SP)
Membros:
Álvaro Lorencini Junior (UEL – Londrina/PR)
Ana Cláudia Bortolozzi Maia (Unesp – Bauru/SP)
Ana Cláudia Figueiredo Rebolho (UNICEP – São Carlos)
Andrea Martelli (Unioeste – Cascavel/PR)
Andreza Marques de Castro Leão (Unesp – Araraquara/SP)
Célia Regina Rossi (Unesp – Rio Claro/SP)
Eliane Rose Maio (UEM – Maringá/PR)
Fabiana Carvalho (UEM – Maringá/PR)
Fátima Elisabeth Denari (UFSCar – São Carlos/SP)
Filomena Teixeira (CIDTFF – U. Aveiro e ESEC – Coimbra – Portugal)
Franciele Monique Scopetc dos Santos (UFMA – Codó/MA)
Graziela Raupp Pereira (UDESC – Florianópolis/SC)
Isaias Batista de Oliveira Junior (UNESPAR – Apucarana/PR)
Lara Roberta Rodrigues Facioli (UEL – Londrina/PR)
Luana Pagano Peres Molina (UEL – Londrina/PR)
Márcio de Oliveira (UFAM - Manaus/AM)
Maria Alves de Toledo Bruns (USP – Ribeirão Preto/SP)
Maria Lúcia Correa (SEED-NRELondrina – Londrina/PR)
Mary Neide Damico Figueiró (UEL – Londrina/PR)
Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes (UDESC – Florianópolis/SC)
Ricardo Desidério da Silva (UNESPAR/Apucarana e PPG Educação Sexual –
Unesp/Araraquara)
Samilo Takara (UNIR – Rolim de Moura/RO)
Sónia Maria Martins de Melo (UDESC – Florianópolis/SC)
Vera Márcia Marques dos Santos (UDESC – Florianópolis/SC)
Vinícius Colussi Bastos (UEL – Londrina/PR)
Virgínia Iara de Andrade Maistro (UEL – Londrina/PR)
Yalin Brizola Yared (UNISUL – Tubarão/SC)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................... 8
PREFÁCIO ........................................................................................... 9
SEXUALIDADES NA EDUCAÇÃO: TRANSGREDIR COMO
PRÁTICA DE ENSINO ..................................................................... 9
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THE LOGOPATHIC METHODOLOGY IN TEACHING HIV/AIDS-
RELATED CONCEPTS
Enquadramento teórico
De acordo com o O livro dos símbolos (2012), a noção de
enfermidade é interpretada de diferentes maneiras pelas culturas
existentes. De modo geral, no entanto, é vista como um mal, um
padecimento ou um descontentamento, independentemente da origem –
divina ou não. “Associamos a enfermidade ao esgotamento orgânico ou
ao sucumbir, mas também à invasão, ao excesso, à míngua, à desordem,
ao desequilíbrio e à corrupção” (ARCHIVE FOR RESEARCH IN
ARCHETYPICAL SYMBOLISM, 2012, p. 732). Por essas referências
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genéricas, é comum que a doença seja encarada pelas sociedades, em
maior ou menor medida, como um sinal indubitável da mortalidade
humana e de outros seres vivos. Quando abordada em salas de aula
brasileiras, espaço social enfocado neste artigo, tal concepção carrega a
potencialidade de gerar desconfortos e constrangimentos. É possível que,
além da tradição positivista do processo de ensino-aprendizagem, essa
noção genérica faz com que o conceito de enfermidade seja debatido
frequentemente através de um prisma científico estrito, na tentativa de
afastar qualquer envolvimento emocional, em prol da racionalidade.
Dentre as doenças que assolaram/assolam a civilização, a Aids
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), causada pelo HIV (Vírus da
Imunodeficiência Humana), matou milhões de pessoas, desde a década
de 1980. Segundo a Unaids (2018), 77,3 milhões se infectaram e, destes,
35,4 milhões morreram até 2017, na soma global. Segundo Soares (2001,
p. 11), o índice de mortalidade fez com que a doença tomasse do câncer
o título de “mal do século”, em referência ao século XX. Sontag (1989,
p. 20) segue pelo mesmo raciocínio: “[...] o câncer perdeu parte de seu
estigma devido ao surgimento de uma doença cuja capacidade de
estigmatizar, de gerar identidades deterioradas, é muito maior”. Os dados
e as análises dos estudiosos delineiam a importância de se abordar a
temática de HIV/Aids junto aos alunos de diferentes níveis de
escolarização, a fim de estimular a conscientização e a prevenção. Além
disso, ações e campanhas devem ser realizadas pelos governos
continuamente, com o objetivo de orientar aqueles que já não frequentam
instituições de ensino.
A história da síndrome ajuda a compreender por que ela se
tornou tão temida na sociedade. No início da epidemia, não se sabia qual
era o agente causador da misteriosa doença que estava levando pessoas
à morte. Nos hospitais, os pacientes apresentavam quadros clínicos
semelhantes: os óbitos eram causados por outras patologias,
oportunistas, após um colapso do sistema imunológico causado pela
enfermidade desconhecida. Em 1983, o vírus HIV foi identificado por
uma equipe de pesquisadores franceses e essa descoberta levou à
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conclusão de que qualquer pessoa poderia se infectar, além de uma
delimitação precisa quanto às formas de transmissão - através do sexo
desprotegido, da transfusão de sangue, do compartilhamento de seringas,
de acidentes com objetos perfurocortantes, do parto e da amamentação.
Surgiu então a Aids, que se tornou a IST (Infecção Sexualmente
Transmissível) mais temida desde a sífilis. Conforme Jeolás (2007, p.
57), as duas doenças “[...] articularam o temor da morte e do contágio ao
tabu do sexo, formando uma tríade com forte enraizamento no
imaginário ocidental, alimentada pelos valores cristãos referentes à
sexualidade”.
Atualmente, a transfusão de sangue não é mais um risco,
devido ao rigor de análise dos materiais coletados. Assim, a transmissão
do HIV se dá por quatro vias: através do sexo desprotegido, do
compartilhamento de seringas, de acidentes com objetos
perfurocortantes e de mãe para filho no decorrer do parto ou da
amamentação. Os tratamentos, por sua vez, evoluíram: se, nos anos
1980, os medicamentos não eram eficazes e provocavam inúmeros
efeitos colaterais, a terapia atual é capaz de eliminar o vírus do sangue e
dos fluidos sexuais do paciente, tornando-o incapaz de infectar outras
pessoas através do sexo. Assim, considera-se que, com aulas de educação
sexual nas instituições de ensino, é possível conscientizar acerca de
práticas seguras e combater o preconceito contra pessoas que vivem com
o HIV. Este segundo item, no entanto, exige uma abordagem pedagógica
que vá além do científico, afinal, o preconceito implica uma profunda
carga emocional – conforme define Mezan (apud SILVA, 2003, p. 2),
preconceito “é o conjunto de crenças, atitudes e comportamentos que
consiste em atribuir a qualquer membro de determinado grupo humano
uma característica negativa, pelo simples fato de pertencer àquele grupo
[...]”.
Diante desse cenário e dos desafios atuais da educação,
delineia-se o problema norteador da pesquisa apresentada neste artigo:
como ensinar de modo eficaz e empático os conceitos e a história do
HIV/Aids a universitários? Como objetivo geral, reflete-se o conceito de
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razão logopática em Cabrera (2006) como base de uma metodologia
capaz de aprofundar, por meio do estímulo à razão e à emoção, o
processo de ensino-aprendizagem de discentes acadêmicos. O objetivo
específico, por sua vez, baseia-se no relato da aplicação e dos resultados
do conceito tomado como método junto a um grupo de pesquisa formado
por estudantes de Jornalismo e Relações Públicas, na Universidade
Estadual de Londrina (UEL), durante o segundo semestre de 2018. Como
será visto a seguir, quando o professor faz uso do logos e do pathos, isto
é, dos aspectos racional e emocional, no conteúdo programático, os
alunos se veem implicados na conjuntura apresentada e, a partir disso,
demonstram interesse pelo tema, sentem-se estimulados para as leituras
e os debates em sala de aula e se tornam multiplicadores da
conscientização em outros espaços sociais.
Método
A metodologia logopática, baseada no conceito de razão
logopática em Cabrera (2006), direcionou a abordagem das definições e
da história relativas ao HIV/Aids nos encontros do grupo de pesquisa “A
práxis do webjornalismo na era da conectividade: modelos de mercado,
rotinas de redação e produtos de destaque”, durante o segundo semestre
de 2018, na Universidade Estadual de Londrina. Com coordenação do
professor Thiago Henrique Ramari, o grupo de pesquisa, composto por
alunos de Jornalismo e Relações Públicas da instituição, trabalhou a
temática do HIV/Aids a partir de referências bibliográficas e
cinematográficas para, ao longo de 2019, construir e lançar um site sobre
a síndrome para o público brasileiro. O objetivo da página na internet é,
além de apresentar informações atualizadas, oferecer acolhimento a
pessoas que vivem com o HIV e combater a sorofobia, isto é, o
preconceito contra soropositivos.
Cabrera pensou o conceito de razão logopática no âmbito da
Filosofia, expondo-o no livro O cinema pensa: uma introdução à
filosofia através dos filmes, cuja primeira edição brasileira saiu pela
editora Rocco em 2006. Trata-se, com efeito, de uma razão que, em vez
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de se apoiar apenas em aspectos racionais (logos), considera e valoriza
também os aspectos emocionais (pathos) para o aprendizado. Nesse
contexto, o autor afirma que o cinema tem uma razão naturalmente
logopática, pois, além de permitir reflexões racionais, envolve os
espectadores em uma rede emocional que é, por si só, pedagógica. Em
uma análise aprofundada, defende que o cinema não é um produto de
entretenimento capaz apenas de emocionar a audiência: pelo contrário,
os filmes trazem uma articulação racional que considera o aspecto
emocional, este promovendo sempre uma redefinição daquele.
Importante sublinhar, essa característica não está atrelada à qualidade
dos filmes: obras alternativas, de baixo orçamento ou do gênero trash,
por exemplo, são capazes de provocar reflexões tão ou mais
contundentes do que aquelas multipremiadas em eventos de repercussão
mundial, como o Oscar, a Berlinale e o Festival de Cannes.
Para utilizar o conceito de razão logopática em prol dos
propósitos do grupo de pesquisa, foram necessários, no entanto, dois
deslocamentos: o primeiro, definindo-o como base de uma metodologia,
a fim de possibilitar a aplicabilidade pedagógica; e o segundo,
transferindo-o do campo de conhecimento da Filosofia para o da
Comunicação, mais especificamente o da Comunicação em Saúde. Com
base nesses ajustes, o coordenador do grupo de pesquisa selecionou
longas-metragens sobre HIV/Aids, que foram apreciados pelos
estudantes em suas respectivas casas e debatidos posteriormente em sala
de aula, com vistas à construção futura do site. Desse modo, na
concepção desta pesquisa, a metodologia logopática é aquela que utiliza
o cinema como ferramenta para o processo de ensino-aprendizagem,
considerando a apreciação de filmes adequados ao conteúdo
programático e a posterior discussão guiada em sala de aula, a fim de
entrelaçar reflexões racionais e emocionais e desenvolver, com isso,
habilidades cognitivas e empáticas nos participantes. Afinal, conforme
defende Cabrera (2006, p. 21, destaques do autor),
a racionalidade logopática do cinema muda a
estrutura habilmente aceita do saber, enquanto
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definido apenas lógica ou intelectualmente. Saber
algo, do ponto de vista logopático, não consiste
somente em ter “informações”, mas também em
estar aberto a certo tipo de experiência e em aceitar
deixar-se afetar por uma coisa de dentro dela
mesma, em uma experiência vivida. De forma que
é preciso aceitar que parte deste saber não é dizível,
não pode ser transmitido àquele que, por um ou
outro motivo, não está em condições de ter as
experiências correspondentes.
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ainda três técnicas cinematográficas que permitem essa relação
complexa entre impressão de realidade e razão logopática: a
pluriperspectiva, isto é, a capacidade de variar da primeira para a terceira
pessoa, explorando as subjetividades dos personagens; a manipulação
ilimitada de tempos e espaços em uma narrativa verossímil, assim como
se observa, a partir de diferentes mecanismos, nos sonhos e nos
pesadelos; e o corte cinematográfico, que conecta uma imagem à outra
coerentemente, estabelecendo também ritmos diversos.
Diante dos conceitos explicitados nesta seção e da
possibilidade de aplicação de uma metodologia logopática, avalia-se que
uma abordagem estritamente racional do HIV/Aids no grupo de pesquisa
seria insuficiente para contemplar os objetivos do site. Apesar de dar
conta das definições e do histórico da síndrome, uma postura apenas
científica reduziria (e talvez até anularia) o estímulo à implicação dos
estudantes no cenário epidemiológico brasileiro, ao trabalho de
acolhimento e aconselhamento pretendido e, mais largamente, ao
combate à sorofobia. O fato de o cinema apontar para uma universalidade
da Possibilidade delineia um caminho para que os alunos compreendam
sensivelmente o fato de que o vírus HIV pode infectar qualquer pessoa
que se submeta ou seja submetida a situações de risco,
independentemente de raça, religião, escolaridade, gênero, orientação
sexual e frequência de prática sexual – eles inclusos, evidentemente. Essa
percepção desmonta preconceitos há muito arraigados, que são, segundo
Jeolás (2007), alimentados por valores religiosos referentes à
sexualidade perpetuados de geração em geração.
Assim, propor e discutir com os alunos filmes que abordam
dignamente o dia a dia de personagens soropositivos, sejam eles fictícios
ou inspirados em pessoas vivas ou falecidas, é um meio de promover o
desenvolvimento da empatia e o aprofundamento do conhecimento sobre
a vida com HIV. Essa experiência fílmica, logopática em essência porque
não abdica de reflexões racionais, científicas e até filosóficas, capacita-
os para a realização de uma comunicação responsável, humanitária e
acolhedora, perfil pretendido para o site a ser lançado brevemente. Como
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afirma Cabrera (2006, p. 16), “para se apropriar de um problema [...],
não é suficiente entendê-lo: também é preciso vivê-lo, senti-lo na pele,
dramatizá-lo, sofrê-lo, padecê-lo, sentir-se ameaçado por ele, sentir que
nossas bases habituais de sustentação são afetadas radicalmente”. Por
esse motivo, no projeto de pesquisa, optou-se por trabalhar com
referências bibliográficas e cinematográficas, a fim de estimular o
comportamento empático dos participantes, delineando uma
metodologia logopática.
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masculinos adultos). O objetivo, com essa seleção, foi destacar pontos
históricos e o fato de que qualquer pessoa pode contrair o vírus, caso se
submeta ou seja submetida a situações de risco, desconstruindo a noção
antiga de grupos de risco. Os filmes foram assistidos e debatidos em uma
ordem em que os três primeiros abordavam com mais ênfase os aspectos
históricos e os cinco últimos focavam em dramas particulares, alguns
baseados em fatos reais. Nas duas tabelas abaixo, apresentam-se os oito
filmes selecionados, de acordo com a ordem das discussões: na primeira,
com os dados de produção fílmica; e na segunda, com uma breve sinopse.
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120 batimentos por minuto Grupo Act Up Paris exige, no início dos
anos 1990, ações do governo e das
empresas farmacêuticas para combater a
epidemia de Aids.
The normal heart Ativista homossexual luta para
conscientizar norte-americanos sobre
HIV e Aids no início da década de 1990.
Filadélfia Advogado demitido por ser soropositivo
leva empresa a julgamento com o
auxílio de um advogado homofóbico.
Clube de Compras Dallas Em 1985, eletricista diagnosticado com
Aids age à margem do sistema para
fornecer remédios a outros
soropositivos.
A cura Amizade leva os meninos Erik e Dexter,
este soropositivo, a viajar sozinhos em
busca de uma cura para a doença.
Yesterday Depois que descobre ser soropositiva,
Yesterday luta para viver o máximo
possível, a fim de ver a filha começar a
trajetória escolar.
Angels in America Dividido em oito episódios, o telefilme
mostra a crise da Aids nos anos 1980 a
partir de personagens separados, mas
conectados entre si.
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tinham assistido como preparação para o encontro. Além de trazer
informações sobre a obra fílmica, os estudantes responsáveis podiam
destacar os pontos mais importantes em relação à doença e expressar as
impressões e sensações que tiveram em função do enredo. Os outros
acadêmicos, por sua vez, tinham a tarefa de participar ativamente do
debate, também ressaltando pontos do roteiro e sentimentos que
observaram durante a projeção. Ao professor cabia garantir a
organização durante a execução da atividade, referendar ou corrigir
informações, acrescentar dados relevantes e lançar questionamentos
provocativos.
O debate sobre cada longa-metragem durou, em média, uma
hora. Como resultados, observou-se que, com a aplicação da
metodologia logopática, alcançaram-se um aprofundamento do
conhecimento dos alunos em relação ao conteúdo relativo a HIV/Aids,
visto em aulas expositivas antes das discussões cinematográficas; e o
desenvolvimento de uma forte relação empática para com pessoas que
vivem com a síndrome. Em relação ao primeiro tópico, eles
compreenderam melhor uma realidade que, até então, não lhes era
familiar, devido à idade e também ao método de ensino tradicional nos
níveis anteriores: o início da crise provocada pelo HIV/Aids, com o
crescente número de mortes, com a eclosão do preconceito contra
determinados grupos e com os jogos de interesses entre cientistas,
governos e empresas farmacêuticas. Os filmes 120 batimentos por
minuto, E a vida continua e The normal heart apresentam retratos
contundentes desse período, juntamente de dados técnicos, aos quais os
acadêmicos não se sentiram indiferentes. No segundo tópico, eles
acompanharam histórias particulares, baseadas ou não em fatos reais, o
que lhes deu uma dimensão mais nítida do que é viver com uma síndrome
tão estigmatizada na sociedade. Assim, emocionaram-se e indignaram-
se com os dramas vividos por Andrew Beckett (Filadélfia), Dexter (A
Cura), Prior Walter e Roy Cohn (Angels in America), Ron Woodroof
(Clube de Compras Dallas) e Yesterday Khumalo (Yesterday). Vários
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deles admitiram, durante os encontros, que choraram enquanto assistiam
aos filmes em casa.
Com a metodologia logopática baseada no cinema, foi
possível, por um lado, nivelar o conhecimento dos estudantes a respeito
do HIV/Aids, aprimorando e aprofundando o conteúdo visto nas aulas
expositivas; e, por outro lado, fez com que eles se tornassem defensores
das pessoas que vivem com a síndrome, questionando sistemas,
atendimentos e tratamentos. Se, no primeiro encontro, as mulheres
declararam que nunca haviam feito o exame para detecção do vírus e
outros manifestaram receio de beijar alguém sabidamente soropositivo,
com os debates houve mudanças: as alunas, por iniciativa própria,
realizaram o exame e passaram a cuidar melhor da própria vida sexual;
no segundo caso, os participantes compreenderam que tinham medos
infundados e se sentiram seguros para revelar que, caso se apaixonassem
por alguém que vive com o HIV, manteriam relacionamentos
sorodiferentes. Eles também passaram a olhar criticamente o tratamento
dado pela imprensa às notícias relacionadas à área, que nem sempre é
isenta de preconceito, reforçando muitas vezes estereótipos já superados,
como o da existência de grupos de risco.
Após o fim do ciclo cinematográfico, os participantes
conversaram, por duas horas, com o médico Erick Leonardo Naiverth
Antonechen, em 3 de outubro de 2018. O objetivo desse encontro foi
permitir que, com base em tudo o que haviam aprendido com as aulas
expositivas e com os filmes e respectivos debates, eles pudessem
esclarecer dúvidas que, porventura, ainda persistissem. Ficou evidente,
durante esse bate-papo, que os alunos passaram a se preocupar com o
bem-estar das pessoas que vivem com HIV e com a qualidade do
tratamento oferecido gratuitamente pelo governo, defendendo um
atendimento que seja digno e respeitoso. Eles também questionaram,
entre outros pontos, sobre a premissa científica divulgada nos últimos
anos pelo movimento conhecido como Undetectable = Untransmittable
(Indetectável = Intransmissível), abordada durante as aulas expositivas e
os debates: a de que soropositivos em tratamento e com carga viral
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indetectável há pelos menos seis meses são incapazes de transmitir o
vírus durante práticas sexuais, mesmo que não haja uso de preservativo.
Com as aulas, os filmes, os debates e o bate-papo com o profissional de
saúde, sedimentou-se um conhecimento que, acredita-se, será de grande
utilidade para o site a ser lançado em 2019.
Como se pode observar diante dos resultados, a metodologia
logopática valorizou tanto os elementos racionais, como os elementos
emocionais, garantindo conhecimento científico e desenvolvendo
relações empáticas frente às questões postas pelo HIV/Aids. Defende-se,
com isso, que o processo de ensino-aprendizagem, em qualquer nível de
educação, não se restrinja aos dados científicos, pois, apesar de
proporcionar conhecimento, não estimula necessariamente posturas
cidadãs diante da realidade social, ainda permeada de exclusões e
preconceitos. Para os objetivos do site a ser lançado, a formação cidadã
é condição sine qua non: os participantes precisam compreender os
dramas vividos por pessoas soropositivas a fim de lhes oferecer
acolhimento e informações adequados – o que só é possível com a
estimulação dos aspectos páticos. Como diz Cabrera (2006, p. 39-40), o
cinema talvez mostre como é superficial “[...] argumentar
indefinidamente, com conceitos-idéia somente lógicos, em favor ou
contra certos assuntos (como guerra ou racismo) em vez de, por uma
conceitualização sensível adequada, fazer sentir o absurdo da guerra ou
do racismo [...]”. Entendemos que, dentre os assuntos que precisam ser
tratados logopaticamente, está o HIV/Aids, uma vez que, devido aos
preconceitos que sustentam a sorofobia, a exclusão social ainda é uma
realidade lamentável.
Considerações finais
A experiência com a metodologia logopática, baseada no
conceito de razão logopática em Cabrera (2006), junto ao grupo de
pesquisa “A práxis do webjornalismo na era da conectividade: modelos
de mercado, rotinas de redação e produtos de destaque”, demonstra que
os processos de ensino-aprendizagem podem ser otimizados com a
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exploração de aspectos páticos, isto é, emocionais, além daqueles de
ordem científica. Com essa metodologia, conteúdos de indubitável
relevância para a conscientização e para a construção de uma sociedade
mais inclusiva e igualitária, como aqueles que abordam as crueldades do
racismo, da homofobia, do machismo, da xenofobia e, destaca-se, da
sorofobia, são tratados através de um prisma que vai além do científico
e alcança a esfera cidadã. Assim, acredita-se que apenas com
movimentos dessa ordem, estendidos em direção à vida em sociedade, as
injustiças poderão ser combatidas com mais vigor por aqueles que,
atualmente, sentam-se em carteiras escolares. Afinal, conforme pontua
Cabrera (2006, p. 16-17), se não for assim, “[...] mesmo quando
‘entendemos’ plenamente o enunciado objetivo do problema, não
teremos nos apropriado dele e não teremos realmente entendido”. O
desenvolvimento da capacidade empática para com o outro e para
consigo próprio, defende-se, é condição fundamental para a formação de
cidadãos conscientes e é algo que pode ser trabalhado e estimulado
dentro de sala de aula.
No início dos trabalhos do grupo de pesquisa, notou-se que
muitos alunos sabiam pouco sobre HIV/Aids. A despeito de todo o
esforço educacional e governamental para se conscientizar a população
a respeito da síndrome, supõe-se que esse cenário deriva, entre outros
fatores, de práticas educacionais focadas apenas em dados e conduzidas
em meio a vários problemas e carências, dificultando a assimilação do
conteúdo pelos estudantes e ignorando as questões sociais relacionadas.
Desse modo, compreende-se por que alunos chegam ao ensino superior
sem nunca ter feito exames para detecção de HIV e, ainda mais
preocupante, sem saber se Aids tem cura. Com a metodologia logopática
baseada no cinema, encontrou-se um caminho para resultados efetivos
entre os alunos, aprofundando o conteúdo científico e desenvolvendo a
postura cidadã ao mesmo tempo. No grupo de pesquisa, o conhecimento
sobre HIV/Aids foi nivelado e atualizado e os participantes passaram a
se preocupar com o bem-estar daqueles que vivem com síndrome. Este é
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o resultado que se considera ideal e que, acredita-se, contribuirá para a
construção de um site útil para a população brasileira em 2019.
Evidentemente, para a adoção da metodologia logopática em
sistemas diferentes do de um grupo de pesquisa universitário, são
necessárias adaptações nas dinâmicas e nos planos de ensino. Nos
calendários do ensino médio, por exemplo, os professores costumam ter
pouco tempo para trabalhar cada conteúdo, o que resulta em lacunas no
processo de ensino-aprendizagem. Assim, as direções pedagógicas e as
secretarias de Educação têm o desafio de repensar o trabalho realizado,
com o objetivo de garantir não apenas a assimilação do conteúdo, mas
também a formação de cidadãos preocupados com questões sociais. No
âmbito do HIV/Aids, um trabalho com esse enfoque é preventivo e social
ao mesmo tempo, pois os alunos visualizam a importância de adotar
práticas seguras e de defender os direitos daqueles que precisam. Afinal,
não é necessário viver com o vírus HIV para se combater a sorofobia:
defende-se que a educação eficiente é aquela que estimula todos a
lutarem pelos direitos de todos.
Referências
120 BATIMENTOS por minuto. Direção: Robin Campillo. França:
Imovision, 2017. 1 DVD (144 min).
28
CLUBE de Compras Dallas. Direção: Jean-Marc Vallée. Estados
Unidos: Focus Features, Truth Entertainment, 2013. 1 DVD (117 min).
29
. The normal heart. Disponível em:
<https://www.imdb.com/title/tt1684226/?ref_=fn_al_tt_1>. Acesso em:
05 fev. 2019.
30