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REALIZAÇÃO:
APOIOS:
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Organização do evento
Comissão Geral
Anete Abramowicz (UFSCar), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e UNICAMP), Mairise Ap.
Souza (FPEI e Consultora em Ed. Inf. e Ed. Ambiental), Maria Walburga dos Santos (FPEI e UFSCar),
Peterson Rigatto da Silva (FPEI, MIEIB, Diretor de Creche Municipal /Piracicaba), Renata Cristina
Dias Oliveira (FPEI e Coord. Pedag. SP), Solange Estanislau dos Santos (FASS), Suely A. Mello
(UNESP), Tatiana Noronha Souza (FPEI e UNESP/Jaboticabal).
Alexandre Rodrigo N. Silva (FPEI e Coord. Pedag. Creche/ USP), Andrea Moruzzi (UFSCar), Anete
Abramowicz (UFSCar), Beatriz Boriollo (Fórum Regional S. Carlos e UFSCar), Cleonice Maria
Tomazzetti (Universidade Federal de Santa Maria), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e
UNICAMP), Maria Auxiliadora Farias (Fórum Regional S. Carlos e Creche Comunitária Estrela da
Manhã), Maria Walburga dos Santos (FPEI e UFSCar). Suely Mello (UNESP), Tatiane Cosentino
(Fórum Regional S. Carlos e UFSCar)
Comissão Científica
Ana Lúcia Goulart de Faria (UNICAMP), Ana Paula Soares (USP), Anete Abramowicz (UFSCar),
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto (UNESP/Marília), Elieuza Aparecida de Lima (UNESP),
Eloisa Acires Candal Rocha (UFSC), Gabriela Guarnieri de Campos Tebet (FPEI e UNICAMP),
Ivone Garcia Barbosa (UFG), Jader Janer Lopes (UFF), Ligia Maria Leão de Aquino (UERJ), Lucia
Maria Lombardi (UFSCar/Sorocaba), Marcia Gobbi (USP), Maria Carmem Barbosa (UFRGS), Maria
Letícia Nascimento (USP), Maria Walburga dos Santos (UFSCAR), Michelle de Freitas Bissoli
(UFAM), Mônica Apezzato Pinazza (USP), Silvia Cruz (UFC), Suely Amaral Mello (UNESP), Tizuko
Morchida Kishimoto (USP), Vera Vasconcellos (UFF)
Comissão de Divulgação
Débora Alves Neto (Fórum Regional Santos, FPEI e Consult. Ed. Inf. de Santos), Alexandre Rodrigo
N. Silva (FPEI e Coord. Pedag. Creche/ USP), Flávia Cristina O. Murbach de Barros (FPEI e Docente
Ens. Superior/Ourinhos), Indyra A. P. Castellanos (FPEI e Coord. Pedg. SP), Márcia Satomi Tsuda
(FPEI/Gestora – SME/Presidente Prudente), Railda Barreto (FPEI – Gestora-SME/Presidente
Prudente), Renata Cristina D. Oliveira (FPEI e Coord. Pedag. SP), Solange Estanislau dos Santos
(FASS)
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Comissão Orçamentária e Financiamento
Colaboradoras/es
Adriana Maimone Aguillar (UFTM), Alexandre Rodrigo N. Silva (Creche/ USP), Alex Barreiro
(Faculdades Integradas Maria Imaculada), Ana Lúcia Goulart de Faria (UNICAMP), Ana Maria
Orlandina Tancredi Carvalho (UFPA), Anamaria Santana da Silva (UFMS), Ana Paula Cordeiro
(UNESP/Marília), Anete Abramowicz (UFSCar), Angela Maria Scalabrin Coutinho (UFPR), Beatriz
Boriollo (Creche/USP), Cassiana Magalhães (UEL), Celia Regina Batista Serrão (Universidade
Presbiteriana Mackenzie), Cleonice Maria Tomazzetti (UFSCar), Cleriston Izidro dos Anjos (UFAL),
Conceição de Maria Moura Nascimento Ramos (UFMA), Daniela Finco( UNIFESP), Dourivan
Camara Silva de Jesus (UFMA), Elieuza Aparecida de Lima (UNESP), Fabiana de Oliveira
(UNIFAL), Flávio Santiago (Doutorando FE/UNICAMP), Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros
(FIO),
Gabriela Guarnieri Campos Tebet (UNICAMP), Gabriel de Andrade Junqueira Filho (UFRGS),
Jaqueline Pasuch (UNEMAT), José Milton de Lima (UNESP/Presidente Prudente), Juliana
Campregher Pasqualini (UNESP/Bauru), Lúcia Lombardi (UFSCar/Sorocaba), Luciane Muniz
Ribeiro Barbosa (UNICAMP), Mairise Aparecida Souza (Fórum Paulista de Educação Infantil),
Márcia Anacleto (SME/Campinas), Márcia Satomi Tsuda (Gestora – SME/Presidente Prudente),
Marcos Garcia Neira (USP), Maria Walburga dos Santos (UFSCar), Mariete Félix Rosa
(FCG/FACSUL), Maristela Angotti
(UNESP/Araraquara), Marlene Oliveira dos Santos (UFBA), Mirian Lange Noal (UFMS), Nara
Soares Couto (SEE/SP), Narda Helena Jorosky (FIO), Paulo Fochi (UNISINOS), Peterson Rigato
Silva (Prefeitura Municipal de Piracicaba), Regina Aparecida Marques de Souza (UFMS), Renata
Cristina Dias Oliveira (Prefeitura do Município de São Paulo), Rosali Rauta Siller (SME/SMJ),
Rosânia Campos, Roselene Crepaldi (Instituto Singularidades), Sandra Regina Simonis Richter
(UNISC), Solange Estanislau dos Santos(FASS), Sônia Regina dos Santos Teixeira (UFPA), Soraya
Franzoni Conde (UFSC), Sueli Palmen (SME/Campinas), Suely A. Mello (UNESP), Sylvie Bonifacio
Klein (Prefeitura do Município de São Paulo), Tatiana Noronha de Souza (UNESP/Jaboticabal), Vera
Lucia Guerra (UEMS), Viviane Drumond(UFT), Zoia Ribeiro Prestes (UFF)
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O COPEDI - VII Congresso Paulista de Educação Infantil
III Simpósio Internacional de Educação Infantil
O Congresso Paulista de Educação Infantil – COPEDI – em sua sétima versão e o III Simpósio
Internacional de Educação Infantil, é evento tradicional de reconhecida importância no cenário
nacional na área de Educação Infantil. Organizado pelo Fórum Paulista de Educação Infantil, congrega
pesquisadores/as, professores/as, especialistas, estudantes e demais interessados/as nos debates,
pesquisas e proposições em relação à infância, às crianças e seus direitos e à Educação Infantil,
ancorado em três pilares: políticas, práticas e teorias refletidos, em 2015, na temática “Eu ainda sou
criança… Educação Infantil e resistência: os lugares das infâncias na educação e nas lutas políticas”.
As duas últimas versões ocorreram na Universidade de São Paulo/USP. Pela primeira vez, a realização
do evento se dará em uma Universidade Federal, no interior do estado, a UFSCar, localizada em São
Carlos.
Com metodologia própria dos congressos contará com conferências de abertura e fechamento, mesas
de debates temáticos, apresentação de trabalhos de pesquisa ou relatos de experiências (nas Formas
Oral, Pôster e Vídeo), além de Oficinas Pedagógicas e Atividades Culturais, prevendo a participação
de convidados estrangeiros e do Brasil como um todo, a partir do trabalho efetivado realizado por uma
Comissão Científica referendada pelo campo.
Durante o evento, ocorrerá assembleia do Fórum Paulista de Educação Infantil, com processo de
escolha do grupo gestor do Fórum para o próximo triênio.
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Índice Geral
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Sumário
EIXO 1
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL E PARA A
INFÂNCIA.....................................................................................................10
EIXO 2
TEMPOS, ESPAÇOS, RELAÇÕES E INFÂNCIAS: BASES
EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................................ 112
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ÁGORA: OCUPAÇÕES INFANTIS DOS PROCESSOS DE ESCOLHAS E
TOMADAS DE DECISÃO ACERCA DA ROTINA E DO CURRÍCULO ......... 156
MEDIAR A LEITURA DO LITERÁRIO PARA PROMOVER A FORMAÇÃO
LEITORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................. 169
BRINQUEDOTECAS NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA ................... 182
EIXO 3
FORMAÇÃO DOCENTE .......................................................................................... 195
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SENTIDOS DA ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA EM CIRCULAÇÃO NAS RELAÇÕES
COTIDIANAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................... 338
EIXO 4
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: CULTURAS INFANTIS E PRODUÇÃO
CULTURAL PARA E COM OS BEBÊS E AS CRIANÇAS ........................... 351
EIXO 5
INFÂNCIAS, CRIANÇAS, DIVERSIDADE E DIFERENÇAS ....................431
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Eixo 1
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BRINCANDO PARA APRENDER OU APRENDER BRINCANDO A LUDICIDADE NO
COTIDIANO DA CRECHE
Adelaide Joia
RESUMO
O artigo ora apresentado visa discutir o lugar que a ludicidade ocupa hoje na educação infantil,
especialmente nas creches, assim como as contradições existentes entre as teorias e práticas. O
município pesquisado é Caieiras/SP, cuja proposta curricular sofreu mudança a partir de 2009,
passando da tradicional forma de atendimento, na qual a dicotomia entre o cuidar e o educar estava
evidenciada na rotina – com horários determinados para atividades de cuidado e horários
determinados para atividades educacionais – para uma proposta que privilegia o brincar e
aparentemente integra o cuidar e o educar. O objetivo foi o de compreender a viabilidade de uma
proposta pedagógica, que foi gestada e implantada por terceiros – equipe técnica da SME – sem a
participação das educadoras, que atuam diretamente com as crianças. Como essas profissionais se
posicionaram à época da implantação do novo modelo, e como atuam neste novo cenário,
lembrando que as mesmas não são profissionais da carreira do magistério e a formação mínima
exigida para a participação nos concursos de ingresso, para a respectiva função, é de ensino
fundamental. A fim de captar as intenções no dinamismo da prática utilizei técnicas de observação,
por meio de anotações em caderno de campo e entrevistas semiestruturadas realizadas com as
profissionais.
Introdução
O presente artigo visa apresentar minha tese de doutorado defendida no ano de 2015 na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, a qual buscou discutir e compreender o lugar que a ludicidade
ocupa hoje nas instituições de educação infantil, em especial nas creches, bem como, as
contradições existentes entre as teorias e as práticas.
A opção metodológica do estudo foi pela realização de uma pesquisa qualitativa, que se
revelou como um estudo de caso. Conta com uma parte teórica – seções 1 e 2 – e uma parte
empírica – seções 3 e 4. A seção 1 apresenta e discute a literatura e a legislação que versa sobre a
educação infantil, especialmente a creche e as especificidades das crianças pequenas; a seção 2
faz uma discussão acerca da importância das brincadeiras na vida das crianças e, portanto, a sua
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importância nas instituições de ensino; a seção 3 apresenta a municipalidade em questão – a rede
municipal de Caieiras e a creche onde foi realizada a pesquisa empírica – com algumas análises e
Avanços e desafios
Todavia ainda há muito por se fazer para que, de fato, tal direito seja assegurado,
especialmente no que se refere à faixa etária de zero a três anos. Não obstante a meta do novo
PNE (repetindo a anterior) ser a de garantir até 2024 o atendimento a 50% das crianças em creches,
a cobertura hoje no Brasil está em torno 27,9 % (20131), sendo que em algumas regiões o
percentual é ainda menor.
Não é por acaso que a educação da criança pequena foi e continua sendo objeto de inúmeros e
intensos debates na área. Nos dias atuais além das vozes femininas – das mães trabalhadoras –
gritarem pelo direito a creche para seus filhos; estudos da psicologia, da pedagogia, da
neurociência entre outros, corroboram com a causa apontando que os primeiros anos de vida são
fundamentais para o desenvolvimento do ser humano e que, portanto, garantir os cuidados e a
Fonte: IBGE/Pnad 12
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educação das crianças nessa peculiar fase de desenvolvimento deve ser uma obrigação do Estado,
da família e da sociedade.
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À luz dessa trajetória – de avanços legais e produção acadêmica – percebe-se que nesses
últimos 30 anos houve uma significativa mudança de paradigma, no que se refere ao atendimento
à criança pequena, entretanto a impressão que se tem é que a mudança refletida na organização
dos espaços institucionais não altera a concepção de atendimento à criança pequena, ou seja, houve
troca de mobília e de algumas práticas, mas os objetivos da educação infantil continuam os
mesmos, que é o de preparação da criança para a escolarização e não o de garantir o direito à
criança de vivenciar, experienciar o que ela pode e precisa agora no seu tempo, enquanto é ainda
uma criança pequena em peculiar fase de desenvolvimento.
Hoje já não é mais absurdo defender a importância das brincadeiras nas creches e pré-
escolas, ao contrário, é quase um consenso, pelo menos nos discursos e também na aparência, haja
vista a organização do espaço com pouca mobília e oferta de brinquedos. Assim, o que intriga
nessa nova forma de atendimento, não é a implementação da ludicidade como o carro-chefe da
instituição logicamente, mas a concepção de educação infantil que ainda paira nas respectivas
instituições de atendimento e nas instâncias formuladoras da política.
A hipótese levantada, que se revelou real, é que mudou apenas o aspecto físico da creche,
a aparência, hoje no lugar da antiga mobília – berços, quadrados, pequenas mesas e cadeiras –
encontram-se tapetes, almofadas, cantos temáticos organizados com brinquedos diversos, mas a
concepção de atendimento continua como a de anos atrás, tendo em vista que uma considerável
parcela de profissionais que atuam diretamente com as crianças continua leiga e com extensas
jornadas de trabalho, não contam com horários de trabalho pedagógicos coletivos e individuais e
as práticas continuam cindidas, revelando que as atividades de cuidado não são compreendidas
como educativas e ocorrem em paralelo àquelas consideradas “educacionais”.
Para chegar a esta constatação fez-se necessário responder à pergunta mãe desse trabalho,
que se desdobrou em outras:
As brincadeiras, juntamente com as interações, são realmente o foco do currículo das
creches?
Qual o lugar que a ludicidade ocupa hoje na educação infantil (creche) e as contradições
existentes entre as teorias e as práticas?
O que pensam os gestores e educadores da creche acerca da importância do brincar, tendo
em vista que ora está ausente, ora presente e ora é imposto enquanto obrigação para as crianças.
Se as crianças estão de fato brincando mais, como ocorrem as brincadeiras? E com quem as
crianças brincam?
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Quais os tempos das brincadeiras?
A criança está sendo ouvida e respeitada enquanto sujeito de direitos em peculiar fase de
desenvolvimento?
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Conclusão
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Essas questões merecem destaque, pois, os documentos oficiais ratificam que os cuidados,
a educação e a interação são ações imprescindíveis no trato com as crianças e só podem ocorrer
de forma indissociável.
De acordo com os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (PNQEI),
volume 1,
[...] para que sua sobrevivência (da criança) seja garantida e seu crescimento e
desenvolvimento sejam favorecidos, para que o cuidar/educar sejam efetivados,
é necessário que sejam oferecidas às crianças dessa faixa etária condições de
usufruírem plenamente suas possibilidades de apropriação e de produção de
significados no mundo da natureza e da cultura. As crianças precisam ser
apoiadas em suas iniciativas espontâneas e incentivadas a:
Brincar;
Movimentar-se em espaços amplos e ao ar livre;
Expressar sentimentos e pensamentos;
Desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de expressão;
Ampliar permanentemente conhecimentos a respeito do mundo, da
natureza e da cultura apoiadas por estratégias pedagógicas apropriadas;
Diversificar atividades, escolhas e companheiros de interação em creches,
pré-escolas e centros de Educação Infantil (PNQEI, p.18/19).
Outra questão observada relaciona-se à política educacional do município, pois, não
obstante a modificação visual, a implantação dos cantos temáticos e a leveza do ambiente, o fato
de não existir uma proposta curricular na rede, fragiliza as educadoras que não têm onde se
subsidiar e se apegar. Elas ficam o tempo todo se justificando, parece que tentando convencer a si
próprias sobre a importância do brincar. Parece que quando brincam estão perdendo tempo e por
isso justificam e estabelecem objetivos. Nessa correria não conseguem ou não priorizam escutar
as crianças, observar e registrar suas práticas.
Outro fator, não menos importante, está implicado no currículo dos cursos de pedagogia
que, não corrobora com uma formação docente que perceba e compreenda a criança para além de
aluno, que a veja como cidadã de pouca idade, que precisa ter todas as suas potencialidades
trabalhadas e que carece ser compreendida como sujeito em peculiar fase de desenvolvimento.
Mais um ponto nevrálgico que pode ser apontado ao trabalho das professoras está
relacionado às avaliações externas e mais recentemente ao Pacto Nacional pela Alfabetização na
idade Certa (PNAIC), que por não serem trabalhados de forma agregadora ao processo de ensino
e aprendizagem das crianças, chegam para as professoras e gestoras em forma de cobrança de
resultados, sem considerar as especificidades da infância e o percurso das crianças.
Tendo em vista este panorama e dialogando com a revisão bibliográfica que defende um
projeto de educação integral contemplando o tripé educação, cuidado, ludicidade, a conclusão é
que os estudos existentes sobre a educação das crianças pequenas são insuficientes e mal
distribuídos, pois na creche estudada não havia sequer um livro relacionado à primeira infância,
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nem mesmo as publicações oficiais do MEC, como as Diretrizes Curriculares (DCNEI), os
Parâmetros curriculares (PNQEI), os Indicadores de qualidade (INDIQUE), ou qualquer outro.
Só esses motivos já são indicativos suficientes para afirmar que é muito difícil, para não
dizer impossível, inovar, trabalhar numa perspectiva de educação integral, favorecer a ludicidade,
o afeto e o cuidado.
Não obstante o objetivo do estudo fosse discutir sobre a importância das brincadeiras no
interior das instituições de educação infantil, a presente estudo revela que, apesar das tentativas,
não é possível haver mudança de concepção sem que haja também muito investimento na
formação docente.
Os tradicionais métodos de ensino estão de tal forma enraizados, impregnados nos
professores que, para desconstruí-los torna-se necessário repensar o atual pragmatismo docente.
Para tanto, é necessário e urgente repensar os cursos de formação de professores, de modo a
aproximá-los das novas realidades.
Uma vez que as alunas dos cursos de pedagogia são ou serão professoras de alunos reais,
não raras vezes do mesmo município onde estudam e/ou trabalham, a política pública precisa
pensar mecanismos que aproximem as universidades das redes de ensino, de modo a estabelecer
um diálogo entre as teorias e as práticas.
Enquanto professora de curso de pedagogia é possível perceber que não raras vezes as
secretarias de educação dificultam os estágios para as estudantes, que na sua visão, acabam por
atrapalhar o fluxo normal do trabalho. Em contrapartida, enquanto poder público, sentimos falta
da universidade mais presente nos espaços públicos, trocando e alimentando teoricamente as
educadoras. Por que não agregar as políticas de formação e de atendimento?
Outra questão urgente a ser revista na política de atendimento à criança pequena é o
financiamento. É fato que o Fundeb trouxe importantes avanços no que se refere ao atendimento
aos mais pequenininhos, todavia, após a euforia da conquista, é hora de rever os repasses.
Carreira e Pinto (2007) ao apresentarem o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) trazem uma
discussão na qual apontam uma série de problemas nos insumos relacionados aos trabalhadores
em educação, entre os quais pode-se citar a fragmentação das políticas de formação, o não
reconhecimento da profissão docente para além dos profissionais do magistério (se aplica bem na
creche) e os baixos salários (p. 29). Pois o que se observa na realidade das creches brasileiras é
um grande número de profissionais leigos contratados a baixo custo, sem o crivo da qualificação
e, portanto da carreira docente.
Para a equalização desses problemas, a única medida visualizada pelo CAQi seria a
ampliação do investimento nessa etapa de ensino, o que até hoje ainda não ocorreu. De acordo
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com os cálculos previstos no CAQi, o valor por criança-ano deveria ser (em 2006) de R$ 3.783,00
(sem considerar as despesas com a alimentação), que ao contabilizar a alimentação, passaria para
R$ 4.139,00.
A Portaria Interministerial nº 19 de 27 de dezembro de 2013 define em seu anexo I, os
seguintes valores aluno/ano da educação infantil, a serem repassados em 2014 ao estado de São
Paulo:
Creche integral R$ 3.944,06
Creche parcial R$ 3.033,89
Pré-escola integral R$ 3.944,06
Pré-escola parcial R$ 3.033,89
Uma luz que se acende nesse caminho obscuro é a recente aprovação do novo Plano
Nacional de Educação (PNE) que entre outros avanços, estabelece na meta 20 a ampliação de
recurso para a educação pública;
Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete
por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo,
o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.
Finalmente vale dizer que a experiência resultante desse trabalho enquanto pesquisadora
trouxe além de muitas aprendizagens, bastante energia para se manter na luta em defesa de uma
educação infantil pública e de qualidade, em defesa de uma pedagogia não escolarizante e em
defesa dos direitos da criança.
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EDUCAÇÃO INFANTIL, POLÍTICAS PÚBLICAS E A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES/AS
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho
RESUMO
O artigo tematiza as políticas públicas em vigor no Brasil destinadas à formação de professores
que atuam na Educação Infantil. Analisa o Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) que objetiva habilitar os docentes que se encontram
exercendo a docência sem a formação exigida pela legislação. Utiliza a pesquisa bibliográfica e
documental, investigando em documentos, publicações, pesquisa online, relatórios do Proinfantil
e na vivência da autora como docente do programa. Focaliza o trabalho desenvolvido pela
Universidade Federal do Pará/Instituto de Ciências da Educação/Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação Infantil – IPÊ, em 2008 e 2009, nos Estados de Rondônia e Amazonas. Destaca a
importância do Proinfantil para a qualificação docente. Afirma a necessidade de políticas públicas
para a Educação Infantil e a contribuição do Programa para os cursistas e docentes.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo evidenciar as políticas públicas relativas à Formação do
Professor de Educação Infantil em vigência no Brasil e analisar uma dessas políticas - o Programa
de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil – o Proinfantil e seu
impacto no trabalho docente e na busca de qualificação do/a professor/a de Educação Infantil.
Este estudo envolve dois Estados da Região Norte – Amazonas e Rondônia e discute o
papel das Universidades Federais. E de modo especial da Universidade Federal do Pará - UFPA
no que concerne à qualificação docente, visto que esta Instituição de Ensino Superior por meio do
Instituto de Ciências da Educação/Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil – IPÊ
assumiu o desafio de gerenciar atividades de formação dos quadros qualificando aqueles que iriam
atuar diretamente na formação professores para o exercício do magistério na primeira etapa da
Educação Básica.
O envolvimento da autora deste artigo com o Proinfantil inicia com a elaboração dos
módulos referentes à parte pedagógica, foi uma das assessoras. Posteriormente, como
representante da Universidade Federal do Pará para discutir a participação desta Instituição no
Programa, fato que ocorreu em 2007 em reunião no Ministério da Educação/Coordenadoria Geral
de Educação Infantil e em Belém e compartilhar a decisão de a Universidade Federal do Pará, por
meio do Instituto de Ciências da Educação, Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Infantil
– IPÊ atuar na Região Norte. E finalmente como docente ministrando aulas em todas as etapas de
formação de quadros para o exercício do magistério na Educação Infantil, nos dois Estados,
territórios deste estudo.
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Como procedimentos metodológicos utiliza a pesquisa bibliográfica e documental, na qual
se vale de fontes primárias como documentos, publicações, pesquisa online, relatórios do
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil - Proinfantil e
na vivência da autora como participante de diversas fases do programa, de modo especial como
docente. Esta investigação tem como foco o trabalho desenvolvido pelo Grupo II, realizado nos
Estados do Amazonas e Rondônia nos anos de 2008 e 2009.
O artigo inicia discutindo o conceito de políticas públicas na sua relação com a sociedade
e o impacto que essas políticas têm no que concerne à busca de qualificação e melhoria da
qualidade da educação oferecida pelas creches e pré-escolas às crianças. Trata, ainda, das políticas
que estão sendo desenvolvidas pelo governo federal nas quais a Região Norte se insere, com
destaque para os Programas de Formação de Professores para a Educação Básica como a formação
em nível de ensino médio, de ensino de graduação, de pós-graduação e de extensão.
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estabelece políticas públicas.
E o que são as políticas públicas? Aqui são entendidas como: “o ‘Estado em ação’; é o
estado implantando um projeto de governo, por meio de programas, de ações voltadas para setores
específicos da sociedade. [...] As políticas públicas são de responsabilidade do Estado” conforme
Höfling (2001, p.31) ou como quer Lins (1997) citando Dye é a ação e não ação do Governo, pois
a não ação pode ter tanto impacto quanto a ação.
A educação é uma política pública de caráter universal, de corte social e de
responsabilidade do Estado e que somente no início da década de 1930 do Século XX, no Brasil
foram lançadas as bases para a construção de uma rede integrada de ensino, neste país, (DRAIBE,
1991) com a criação do hoje Ministério da Educação, embora tenha sido criado pela primeira vez
no início da República Brasileira em 1891, porém de efêmera existência.
A política de formação de professor, parte integrante das políticas educacionais, vem sendo
desenvolvida massivamente, para os professores sem a habilitação devida, com atuação no ensino
fundamental e médio desde a segunda metade do Século XX conforme programas desenvolvidos
pelo Ministério da Educação.
Fruto do Acordo Ministério da Educação e a United States Agency for International
Development - MEC-USAID, realizou-se Reforma de Ensino do 1º e 2º Graus, transformada na
Lei 5.692/1971, a qual modifica a estrutura didática do ensino brasileiro, dando-lhe um caráter
tecnicista e orientado para a formação de mão de obra para o mercado de trabalho.
Para se adequar a esse novo ordenamento jurídico, por meio do Ministério da
Educação/Departamento de Ensino Fundamental foram realizados, pela Universidade Federal do
Pará, cursos de graduação em nível de licenciatura curta, como a Licenciatura Polivalente de 1º
Ciclo, Licenciatura Monovalente do 1º Ciclo e Curso de Pedagogia para o 1º Grau,
compreendendo as seguintes habilitações: Administração Escolar, Supervisão Escolar e Inspeção
Escolar, licenciaturas essas, que permitiam a atuação do professor até o segundo ano do segundo
grau. Referidos cursos foram realizados não só em Belém, mas também nos principais polos de
desenvolvimento do Estado como Abaetetuba, Castanhal, Marabá, Santarém e Soure.
Todavia para os docentes em exercício no magistério da Educação Infantil a decisão
política de se formar o/a professor/a, inicia-se no Século XXI, quando o Ministério da Educação,
por meio da Coordenação Geral de Educação Infantil, lança programas destinados aos/às
professores/as que já estão atuando em creches e pré-escolas públicas ou redes conveniadas de
caráter filantrópico, confessional ou comunitário.
Estas políticas de formação de professores para a Educação Infantil seriam estabelecidas
tardiamente, por que os docentes são na sua grande maioria mulheres, um dos segmentos mais
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frágeis da sociedade?
Ou seria por que o seu exercício profissional tem como público alvo as crianças, que são
o segmento mais vulnerável da sociedade?
Ou ainda por que as pesquisas científicas e a sociedade vêm destacando a importância da
infância e da educação na apropriação das qualidades eminentemente humanas?
Ou por que os que frequentam as instituições públicas ou conveniadas de Educação Infantil
são as crianças oriundas das camadas populares?
Ou ainda por que tais políticas são estabelecidas pelos organismos internacionais com a
aprovação do Congresso Nacional?
São questões ainda demandando mais pesquisas, porém, por qualquer uma das razões,
tardiamente, começa-se a pensar na formação de professores para a primeira etapa da Educação
Básica, etapa essa de fundamental importância para iniciar o processo de apropriação das
qualidades humanas pela criança.
E quais são esses programas?
O Ministério da Educação, conhecendo as estatísticas relativas ao quadro de professores
que não atendem a legislação de ensino no que concerne à formação para o exercício do magistério
estabeleceu programas em nível nacional para que os Estados e Municípios da Federação
pudessem aderir ou não ao programa, dependendo da situação de qualificação do seu quadro
docente.
Os programas são: de formação em nível médio modalidade normal, em nível de
graduação, em nível de Pós-Graduação Lato Sensu, tanto em nível de especialização como de
aperfeiçoamento, que no caso do Estado do Pará, todos tiveram a participação da Universidade
Federal do Pará.
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Destes docentes 7,37% possuíam como nível de formação o primeiro grau incompleto,
8,68% tinham concluído o primeiro grau. Com o segundo grau completo totalizavam 65,68% e
com nível superior, 18,24%.
Além do nível de formação não atender as exigências legais, a qualificação também se
apresentava deficiente, com a falta de articulação entre teoria e prática, com deficiente
fundamentação teórica sobre quem é a criança e como contribuir para a sua construção para que
esta possa se e apropriar das máximas qualidades da sua condição humana e com graves problemas
de infraestrutura tanto no que concerne ao espaço fisco, como na oferta de materias para as
crianças e condições de trabalho para os docentes.
Com esse quadro era urgente a formulação de planos, programas e projetos que
garantissem o mínimo exigido não apenas para o exercício do magistério na Educação Infantil
como também programas que asseguraseem uma infraestrutura que obedecessem aos Parâmetros
Básicos de Infra-estrutura para as Instituições de Educação Infantil e também para cumprir
determinações dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial.
Para responder a esse quadro precário em relação à formação docente e cumprir as metas
contidas no Plano Nacional de Educação, assim formuladas:
6. A partir da vigência deste plano, somente admitir novos profissionais na educação
infantil que possuam a titulação mínima em nível médio, modalidade normal, dando-se
preferência à admissão de profissionais graduados em curso específico de nível superior.
7. No prazo máximo de três anos a contar do início deste plano, colocar em execução
programa de formação em serviço, em cada município ou por grupos de Município,
preferencialmente em articulação com instituições de ensino superior, com a cooperação
técnica e financeira da União e dos Estados, para a atualização permanente e o
aprofundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na educação infantil,
bem como para a formação do pessoal auxiliar. (BRASIL/PNE/2001, p. 14 ),
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PROINFANTIL
De acordo com o Guia Geral do Proinfantil (2005, p 12, citado por, Pimentel et al. UFPA, 2009,
p. 10) o Proinfantil é
[...] um curso à distância em nível médio, na modalidade Normal, para a formação de
Professores de Educação Infantil que atuam em creches e pré-escolas que não possuem
a formação exigida pela legislação, sendo realizado pelo MEC em parceria com os
Estados e Municípios [...].
O Programa se configura como uma política pública de corte social, na área da educação,
com financiamento público, oriundo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação –
FNDE, de caráter emergencial, incluída no princípio constitucional do regime de colaboração
entre os três entes federados, a União, os Estados e Municípios todos com responsabilidades bem
delineadas.
É um curso que adota a modalidade à distância, porém no início de cada módulo possui
uma fase presencial, abrangendo 76 horas de formação, desenvolvidas pela Agência Formadora,
que neste estudo refere-se à Universidade Federal do Pará destinadas aos Professores Cursistas;
encontros quinzenais com 64 horas com o tutor para acompanhamento e orientação das diferentes
atividades propostas ao professor/cursista e com 20 horas antecedendo as provas bimestrais.
Os objetivos do programa, de acordo com a mesma fonte são assim enunciados:
- habilitar em magistério para a Educação Infantil (EI) os professores em exercício, de acordo com a legislação
vigente;
- elevar o nível de conhecimento e aprimorar a prática pedagógica dos docentes;
- valorizar o magistério oferecendo condições de crescimento profissional e pessoal do professor;
- contribuir para a qualidade social da educação das crianças com idade entre 0 e seis anos. (MEC. 2005, p 12, apud
PIMENTEL et al. UFPA, 2009, p. 10) UFPA, 2009, p. 10).
O Curso tem a duração de dois anos, com uma carga horária de 3.392 (três mil trezentos e
noventa e duas) horas, distribuídas em seis áreas temáticas, sendo quatro módulos relativos à
formação geral do ensino médio, assim denominadas de: Linguagem e Códigos: sistemas
simbólicos: Língua Portuguesa I, II e III; Língua Estrangeira I, II e III; Identidade, Sociedade e
Cultura: Sociologia, Filosofia, Antropologia, História e Geografia I e II; Vida e Natureza: Biologia
e Física e Química I, II e III e Matemática e Lógica. São 32 livros de estudo para os professores
cursistas.
Os outros 2 módulos referem-se à formação pedagógica, intitulados: Fundamentos da
Educação: Sociologia, Filosofia da Educação, Antropologia e Psicologia e Organização do
Trabalho Pedagógico e Metodologia.
Estes componentes curriculares originam-se do Programa de Formação de Professores em
Exercício - Proformação que foi um programa de formação de nível médio, modalidade normal,
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destinado aos professores que já exercem o magistério nas séries iniciais do ensino fundamental,
mas não possuíam a habilitação exigida por lei, nas escolas públicas das regiões norte, nordeste e
centro-oeste do país. Assim Gatti (apud GATTI. 2000, p. 80) caracterizou o Proformação:
O Programa de Formação de Professores em Exercício (Proformação) é um curso na
modalidade de ensino à distância para a habilitação no Magistério em nível médio. Está
dirigido aos professores em exercício no sistema de ensino, que não tenham ainda
formação desse nível. Estudos de demografia mostraram que não são poucos os
professores no Brasil, especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste que não têm
formação em nível médio e muitos sequer terminaram o Ensino Fundamental.
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Dos 52 municípios que constituem o Estado de Rondônia, 12 integraram o Grupo II, a
saber: Alto Alegre dos Parecis, Ariquemes, Cacoal, Cujubim, Campo Novo, Jorge Teixeira,
Ministro Andreazza, Nova União, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, Nova União e Rolim
de Moura, assinalados no mapa do Estado de Rondônia, visível na figura 2, em anexo. As
formações foram realizadas em Porto Velho, Ji Paraná e Rolim de Moura.
Realmente são poucos os municípios que participaram deste Programa, considerando a
demanda existente, visto que em Rondônia, com exercício na pré-escola existiam, 13 professores
com o Ensino Fundamental incompleto, 28 com o Ensino Fundamental completo e 1.191 com o
Ensino Médio de acordo com dados do MEC/INEP citado por (MEC. 2005, p 12, apud
PIMENTEL et al UFPA, 2009, p. 10). Conforme Relatório do Proinfantil, o Estado de Rondônia
contou com 121 (UFPA, 2011, p. 49) professores cursista, dos quais 94 (UFPA, 2011, p. 49)
concluíram o curso representando 83% de aprovação. (UFPA, 2011, p. 59).
No Amazonas, os dados referem-se também ao exercício do magistério na pré-escola e
nesta havia 57 professores com o Ensino Fundamental incompleto, 81 com o Ensino Fundamental
completo e 6.121 com o Ensino Médio. (MEC. 2005, p 12, apud PIMENTEL et al, UFPA, 2009,
p. 10). Participaram do Proinfantil como cursistas no Estado do Amazonas 603 professores.
(UFPA, 2011, p. 49). O percentual de aprovação final foi de 80%. (UFPA, 2011, p. 59), totalizando
461 docentes. (UFPA, 2011, p. 49).
Os dados evidenciam a falta de prioridade atribuída à educação ao longo da História do
Brasil sempre relegada a um segundo plano. Acrescente-se que não estão incluídas as informações
referentes à creche, no qual em geral, o nível de escolarização é inferior aos outros níveis de ensino
e quanto ao Ensino Médio não revelam se esse nível médio é ou não modalidade normal. Todavia,
o número de professores/as que se habilitara para o Proinfantil é bem maior que a demanda
apresentada, evidenciando que há necessidade urgente de se aprimorarem as estatísticas
educacionais, de serem estabelecidas políticas públicas para formação de professores para a
Educação Infantil viáveis, que garantam a qualidade da educação para as crianças e que os gestores
municipais cumpram a legislação em vigor, fazendo concurso público, de acordo com as
exigências estabelecidas em lei.
Os períodos de formação do Programa desenvolvido pela Universidade Federal do Pará
foram bem avaliados pelos participantes das formações como se pode constatar no registro a
seguir;
A análise das avaliações dos participantes dos encontros de AGFs (Agencia Formadora)
e TRs (Tutores) indica que ao longo do ano houve avanço significativo na qualidade das
formações, pois os profissionais que ministraram os cursos eram pessoas com pesquisa
na área de educação infantil e com experiência na docência de formação de professores,
o que possibilitou um trabalho caracterizado pela articulação entre a teoria e a prática no
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cotidiano da Educação Infantil. Outro aspecto positivo apontado pelos participantes é a
continuidade e a coerência entre os conteúdos trabalhados nos diferentes módulos.
(BRASIL/UFPA, 2011, p 18/9).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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apoio dos gestores municipais no momento devido e com as dificuldades inerentes de afastamento
para as formações presenciais obter um significativo percentual de aprovação, contando com uma
equipe entusiasmada das Secretarias de Educação dos Estados e com docentes interessados nos
municípios e com a significativa contribuição das Universidades em muito favoreceu o alcance
dos objetivos.
O trabalho conjunto e articulado que passou a ser desenvolvido por todas as Universidades
que integraram o Proinfantil nesse momento é outro saldo positivo, pois as discussões versavam
sobre questões fundamentais, como a concepção de formação, análise de conteúdos, a elaboração
das avaliações, a descentralização dos recursos, entre outros. Essa ação colaborativa também
propiciou integração e avanços nas equipes que atuaram no programa.
Reconhece-se a importância do Proinfantil. É, porém, uma política emergencial, que se
espera não seja mais necessário reeditá-la. É fundamental e urgente o poder público estabelecer
uma política de formação de professores/as para a Educação Infantil, de caráter permanente, em
que o regime de colaboração entre os entes federados aconteça, que se viabilizem condições mais
favoráveis à participação dos cursistas e que atenda a diversidade existente neste país e com a
participação das universidades públicas.
REFERÊNCIAS.
AZEVEDO, Janete M. Lins. A Educação como Política Pública. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 1997.
BRASIL/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Plano Nacional de Educação.
Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, 1998.
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Antonio Cabral. NASCIMENTO, Ilma Vieira do. LIMA, Rosângela Novaes. Política Pública de
Educação No Brasil: compartilhando saberes e reflexões. Porto Alegre: Sulina, 2006.
PIMENTEL, Maria Olinda Silva de Sousa et all. Relatório Proinfantil: UFPA, período janeiro a
julho de 2008. Belém/PA. UFPA. 2009.
ANEXO I ANEXO II
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A OBRIGATORIEDADE DA PRÉ-ESCOLA: EDUCAÇÃO COMO “INVESTIMENTO”
PARA A COESÃO SOCIAL?
Flavia de Lamare1
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo central compreender a ampliação da obrigatoriedade
escolar de oito para quatorze anos, especialmente no âmbito da pré-escola. Partimos, aqui, da
hipótese de que esta expansão é parte dos programas de inclusão social que focalizam os chamados
“grupos vulneráveis” ou “minorias”, em que se compreende a pré-escola como uma das
possibilidades de redenção das questões sociais pelos indivíduos. Assim, a obrigatoriedade
aparece sob o princípio do direito, mas, é sustentada pelo discurso da inclusão social como
“salvadora” dos problemas sociais causados pela sociedade capitalista que vivemos. Usamos
como referencial de análise o materialismo histórico dialético.
Introdução
A ampliação da obrigatoriedade escolar de oito para quatorze anos é uma medida dos anos 2000,
ou seja, do governo Lula. Partimos, aqui, da hipótese de que esta expansão é parte dos programas
de inclusão social que focalizam os chamados “grupos vulneráveis” ou “minorias”, em que se
compreende a pré-escola como uma das possibilidades de redenção das questões sociais pelos
indivíduos. Assim, o que se afirma ser direito à inclusão precisa ser pensado à luz da
responsabilização do indivíduo, da meritocracia; características da sociedade de classes. A
sociedade capitalista continua sendo o horizonte, mas agregam-se novos adjetivos a fim de que se
tenha uma sociedade “harmonizada”.
Nesse sentido, a obrigatoriedade da EI pode ser compreendida como uma medida compensatória
necessária às consequências sociais do capitalismo contemporâneo. Como afirma Di Pierrô
(2001), a focalização das políticas sociais, incluindo a educação, baseia-se na lógica capitalista de
que, dado os limitados recursos disponíveis, o investimento público precisa ser eficaz o que só
seria possível através de ações direcionadas a pequenos grupos do território nacional ou a
subgrupos populacionais para os quais esse benefício resulte maior impacto positivo. A pré-escola
Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana - PPFH/UERJ; Tecnologista da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz, lotada
na DIREH/Creche; Professora do módulo de Fundamentos Pedagógicos do Curso de Desenvolvimento Profissional para
Educadores Infantis - Creche
Bretanha, Fiocruz/EPSPJV-Fiocruz
nos Estados Unidos e na América Latina, nas quais são avaliados os efeitos da
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frequência de crianças a programas de EI (CAMPOS, 1997). Segundo esses estudos, a constância
à pré-escola favorece o desempenho das crianças no Ensino Fundamental; crianças mais pobres
se beneficiam mais dessa experiência. Ou seja, a EI é uma das áreas educacionais que mais
retribuiriam à sociedade os recursos nela investido.
É importante destacar que a educação escolar nesse período passa a ser fundamental para
a “construção” de um novo homem, ou seja, um sujeito que se comprometa, que se solidarize, que
participe de grupos, de associações em prol de um “mundo melhor”, mas que tenha como cerne
as questões individuais e não as coletivas. Com isso, objetiva-se a conformação do conjunto de
trabalhadores, desde a mais tenra idade, à cultura hegemônica, tanto do ponto de vista técnico
como do ponto de vista ético-político. Além disso, o país também estaria cumprindo com a agenda
internacional estabelecendo uma aproximação com a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e atendendo a demandas da burguesia, uma vez que caberia
a escola transmitir valores relacionados à coesão social.
Do ponto de vista legal, a ampliação da escolaridade básica ocorreu de forma lenta, desde
a última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/1996). Nela, temos a
Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica2.
O processo de elaboração e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996b), pós Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), foi amplamente debatido.
Entretanto, o texto final aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da
República não contemplou totalmente o projeto original que havia contado com a participação
popular em sua elaboração.
A LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996b) apresenta três artigos sobre a EI, e tem como marco
significativo o fato de nomeá-la a primeira etapa da Educação Básica. Tal normatização, de uma
forma ou de outra, significa o reconhecimento das creches e pré-escolas como parte do sistema
educacional, o que poderia diminuir o cunho filantrópico a elas ligado. Vale ressaltar que a
inserção da EI na Educação Básica não universaliza necessariamente seu atendimento.
2Na ocasião de sua aprovação, em 1996, a LDB nº 9394/1996 dividia a Educação Básica em três etapas: a) Educação
Infantil (0-6 anos); b) Ensino Fundamental (7- 14 anos); c) Ensino Médio (15-17 anos). Confirma-se a obrigatoriedade
do Ensino Fundamental, pela Emenda Constitucional nº14/1996 (BRASIL, 1996a) e assegura uma universalização
do Ensino Médio gratuito.
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Em 2001 temos a aprovação da Lei nº 10.172 (BRASIL, 2001) que institui o Plano
Nacional de Educação (PNE). Para Saviani (2007, p. 163) “ao que parece, o mencionado plano
foi formulado mais em função do objetivo pragmático de atender a condições internacionais de
obtenção de financiamento para a educação, em especial aquele de algum modo ligado ao
Banco Mundial”. As chamadas populações vulneráveis figuram como aquelas a quem se devem
destinar as ações prioritárias.
Davies (2006) afirma que:
Segundo a lógica do PNE (BRASIL, 2001) deve-se fazer mais com as mesmas verbas e sob esta
perspectiva consegue-se compreender a prioridade atribuída, no caso da Educação Infantil, às
famílias de baixa renda.
Esta citação explicita uma ideologia que tenta justificar a existência de uma classe que não
é capaz cuidar de seus filhos. Argumenta-se, com isso, a necessidade de expansão da EI no país,
sem criar, no entanto, as condições efetivas para que os pais consigam ter garantidos os meios
para sua sobrevivência material e também no que se refere a compreender a EI como um direito,
uma conquista.
A concepção de infância presente neste plano contribui para a compreensão de sua
ideologia, bem como apresenta subsídios para as políticas educacionais do país: “é nessa idade,
precisamente, que os estímulos educativos têm maior poder de influência sobre a formação da
personalidade e o desenvolvimento da criança. Trata-se de um tempo que não pode estar descurado
ou mal orientado.” (BRASIL, 2001, p. 37-38)
A importância da EI é assim justificada pelo fato de desenvolver desde a infância a
inteligência, não desperdiçando o “potencial humano”.
Se a inteligência se forma a partir do nascimento e se há janelas de oportunidade na
infância quando um determinado estímulo ou experiência exerce maior influência sobre
a inteligência do que em qualquer outra época da vida, descuidar desse período significa
desperdiçar um imenso potencial humano (BRASIL, 2001, p.36, grifo nosso).
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Com esse mesmo argumento, Araújo (2011) afirma que:
Nesse sentido, a obrigatoriedade do ensino começa a ser revista no PNE de 2001 (BRASIL, 2001)
quando estabelece o ensino fundamental de nove anos como meta da educação nacional.
Conforme nos indica D´Almeida (2014),
Para dar sequência a esta determinação, em maio de 2005 institui-se a Lei nº 11.114
alterando mais uma vez a LDB 9394/96, tornando obrigatória a matrícula das crianças
de seis anos de idade no ensino fundamental. Ainda com este propósito, em fevereiro
de 2006 entra em vigor a Lei nº 11.274 – que volta a alterar a LDB 9394/96 –
estabelecendo o prazo de implantação do ensino fundamental obrigatório de nove anos
até 2010. [...] Esta modificação legal atinge diretamente a educação infantil, à medida
que até então esta etapa da Educação Básica abarcava as crianças até seis anos. [...]
Segundo as normas traçadas para o aumento do tempo de obrigatoriedade, o ingresso
precoce de crianças no sistema de ensino asseguraria um tempo mais extenso para as
aprendizagens e, consequentemente, para a formação de capital humano. (D´ALMEIDA,
2014, p. 77-78)
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Martins, a partir de Marx e Gramsci, nos ajuda a entender esse processo ao fazer a crítica dessa
concepção.
O ser se transforma em homem pelas influências que recebe dos outros homens nas
relações que geram a produção da existência tanto no sentido físico quanto no moral,
sendo absurdo, portanto, admitir a idéia do ser feito por si mesmo (MARX; ENGELS,
1984). Com efeito, “o homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos
puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais,
com os quais o indivíduo está em relação ativa” (GRAMSCI, 1999: 406). [...] a razão ou
a consciência é um produto social condicionado pelas determinações geradas pelo modo
como se produz a existência (MARX e ENGELS, 1984). Isso significa que essa consciência
poderá ser desagregada ou ocasional, ou ainda crítica e consciente, refletindo
concepções distintas de mundo. (MARTINS, 2009, p. 41).
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2007a) e pelo Decreto nº 6.253 (BRASIL, 2007b), em substituição ao Fundef, que vigorou de
1998 a 2006.
Entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 2007, o Fundeb é uma proposta de
financiamento da Educação Básica que se propõe assegurar o acesso à educação a um maior
número de pessoas. Foi apresentado à população (no governo do Partido dos Trabalhadores – PT)
como uma política mais incisiva da União visando atender todos os níveis, etapas e modalidades
de ensino, pretendendo, assim, corrigir as falhas do Fundef. Nesta perspectiva, este fundo foi
divulgado pelo governo Lula, sobretudo na época eleitoral, como a grande solução para os males
da educação. Entretanto, segundo Davies (2006, p. 3):
Se ele [Fundeb] fosse tão importante para o governo, este teria encaminhado a sua PEC
em 2003, quando teve força política e pressa inclusive para aprovar a reforma da
previdência pública, não em junho de 2005, quando ficou acuado com o escândalo do
mensalão. Por isso, é provável que o governo tenha proposto o Fundeb em 2005, não
porque estivesse seriamente preocupado em “revolucionar” a educação, mas porque
quisesse apenas melhorar sua imagem desgastada e recuperar a iniciativa política. [...]
em síntese, o Fundeb, assim como o Fundef, é apenas um mecanismo de redistribuição
de parte significativa dos recursos já vinculados à educação dos Estados e municípios,
trazendo pouquíssimos novos (apenas a complementação federal) para o sistema
educacional como um todo.
Assim, previsto para 14 anos de vigência este fundo tem como mecanismo de distribuição
de recursos uma lógica parecida com a utilizada pelo Fundef. Há uma captação de recursos pelos
Estados e Municípios e uma complementação da União de acordo com o número de matrículas na
Educação Básica. Novos impostos foram incorporados ao Fundeb, mas continuam de fora o
Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto Sobre
Transmissão de Bens Intervivos (ITBI) (SOUSA JUNIOR, 2007).
O cálculo para distribuição de recursos no Fundeb ocorre a partir do total de alunos da
Educação Básica presencial, pelo Censo Escolar no ano anterior. Deste modo, os recursos são
distribuídos de acordo com as matrículas das etapas ou modalidades de ensino. Aos Municípios
cabe atender a Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental e aos Estados os
anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
Como dito anteriormente, embora não se vincule diretamente à obrigatoriedade escolar, o
Fundeb dá condições contábeis a essa expansão. Deste modo, a obrigatoriedade estaria associada
ao oferecimento de oportunidades iguais “a todos”, em que as políticas educacionais devem se
sustentar na premissa da “inclusão social”. Assim, quanto mais cedo a criança for matriculada na
escola, maior a chance de se prevenir “problemas sociais”.
A noção de inclusão social relacionada à educação ganha, nessa proposta, o caráter de
lidar com aquelas pessoas consideradas “sem habilidades”. Trata-se de formar um
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“capital humano”, ou seja, as capacidades adequadas às atuais condições de exigências
do capital. (GARCIA, 2014, p. 112)
É, nesse contexto, que em 2013, é feita a alteração da LDB nº 9394/96 por meio da Lei nº
12.796 (BRASIL, 2013). Essa regulamentação oficializa a mudança realizada na Constituição por
meio da Emenda Constitucional nº 59 em 2009 (BRASIL, 2009). Essa lei institui no art. 4:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, organizada da seguinte forma:
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio;
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade. (BRASIL, 2013)
A organização da Educação Infantil deverá seguir as seguintes regras descritas no art. 31:
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precarizado, à medida que, por exemplo, não há uma previsão de formação para os trabalhadores
que atuarão com este segmento para além do que já estava posto na LDB de 1996 – nível médio
na modalidade Normal3.
A própria apreensão do conceito de pobreza expressa pelo Banco Mundial (2000) nos ajuda
a entender o processo da obrigatoriedade da pré-escola na política brasileira, pensada com base
no discurso da inclusão social:
A pobreza é mais que renda ou desenvolvimento humano inadequado; é também
vulnerabilidade e falta de voz, poder e representação. Esta visão multidimensional da
pobreza aumenta a complexidade das estratégias de sua redução, porque é preciso levar
em conta outros aspectos, como os fatores sociais e as forças culturais. (BANCO
MUNDIAL, 2000, p. 12)
Deste modo, reiteramos nosso entendimento de que cabe ao Estado a oferta de uma
educação pública, gratuita, laica e de qualidade como a principal forma, em uma sociedade de
classes, de se disputar uma formação omnilateral. A escola é um espaço de luta e de muitas
conquistas que não pode ser sustentada pelo discurso da inclusão social como “salvadora” dos
problemas sociais causados pela sociedade capitalista que vivemos.
A obrigatoriedade da pré-escola relaciona-se a uma política de programas focalizados –
sob a orientação consentida dos organismos internacionais que versam uma sociedade harmoniosa
e coesa, a fim de que se mantenha a hegemonia capitalista – direcionados a uma população
definida nacional e internacionalmente com padrões de pobreza. Assim, a obrigatoriedade aparece
sob o princípio do direito, mas na realidade, pauta-se na produtividade econômica.
A figura abaixo elucida essa questão enfocando, ainda no discurso do potencial de cada
indivíduo. Para André e Costa (2004, p. 47), “trata-se de uma educação que reconheça e
desenvolva seus potenciais, empoderando-as a agir prepositivamente sobre as questões
relacionadas à descoberta de si mesmas, ao convívio e ao mundo ao seu redor”.
3
Ressaltamos que essa formação refere-se ao professor, mas, pela especificidade da faixa etária, muitas vezes são
contratados outros profissionais (com denominações como: auxiliar, docente, berçarista, recreador, entre outros) sem
que exista nenhuma regulamentação quanto a formação ou escolarização desses sujeitos.
44
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Fonte: ANDRE; COSTA (2004, p. 46)
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continuamente comas transformações das relações sociais; e, também porque nega o
“homem em geral”: de fato, as relações sociais são expressas por diversos grupos de
homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética. (GRAMSCI, 2013,
p. 244-245)
46
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Referências
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humano. São Paulo: Saraiva: Instituto Ayrton Senna, 2004.
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UNESCO. 2009.
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6.253, de 13 de novembro de 2007. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, regulamenta a Lei
11. 494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências. 2007b.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996a.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7°, 23, 30, 206, 208,
211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. 2006a.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 12.796,
de 04 de abril de 2013. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da
educação e da outras providências. 2013.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 10.172,
de 09 de janeiro de 2001. Plano Nacional de Educação 2001/2010. 2001.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 11.494,
de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001;
revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de
2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. 2007a.
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de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996b.
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LUGAR DA INFÂNCIA FRENTE À NOVA LEI: OS DESAFIOS DA ESCOLA
PÚBLICA COM A INSERÇÃO DE CRIANÇAS DE 5-6 ANOS NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Resumo
No Brasil, em 2010, foi implantada a Lei 11.274/06 que antecipou o acesso de crianças de
sete para 5 a 6 anos ao Ensino Fundamental. Com a hipótese de que os novos primeiros anos não
atendiam às características dessas crianças, investigou-se, na cidade de São Paulo, em uma
escola pública, o processo de ensino-aprendizagem, confrontando-o com uma concepção de
criança baseada em Piaget, Vygotsky e Wallon. De natureza exploratória e de preocupação
prática, os dados empíricos foram obtidos por meio de observação de classes de 1º ano, entrevistas
com suas educadoras e análise documental do Projeto Pedagógico da escola, no modelo da
pesquisa qualitativa. Revelou-se que a singularidade da criança não foi considerada. O ensino
ocorreu desarticuladamente aos interesses e necessidades da faixa etária, o que implicou a
perda da participação e satisfação da criança com as atividades pedagógicas, gerando
consequentemente um prejuízo na qualidade educacional e afetando o objetivo da lei que é manter
a criança dentro da escola.
Palavras-chave:
Ensino Fundamental de Nove Anos; A criança de 5 a 6 anos; Inadequação pedagógica.
Introdução
Desde a última década do século passado alterações legais consagraram o direito das
crianças de zero a seis anos à educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB),9.394/96, inovou ao definir a Educação Infantil (creches e pré-escolas) como primeira
etapa da Educação Básica.
Na década seguinte, novas decisões legais reafirmaram essa nova identidade da Educação
Infantil quando a Lei 11.114/05 estabeleceu a matrícula obrigatória para crianças de seis anos e
a Lei 11.274/06 ampliou o Ensino Fundamental para nove anos letivos, com matrícula obrigatória
aos seis anos de idade, mesmo incompletos.
Com o objetivo de “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da
escolarização obrigatória e assegurar que ingressando mais cedo no sistema de ensino escolar, as
crianças prossigam nos estudos e alcancem maior índice de escolaridade” (PEREIRA e
TEIXEIRA, 2008, p. 118) o Ensino Fundamental foi ampliado em um ano e o mesmo tempo foi
reduzido da Educação Infantil.
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Este conjunto de medidas legislativas repercutiu de diferentes maneiras entre os
educadores. Se, por um lado, a valorização da Educação Infantil soou positivamente entre eles,
por outro, a incorporação do último ano deste nível ao Ensino Fundamental para atender à Lei
causou debates e posicionamentos contrários entre si. Argumentos, a favor e contra, de diferentes
naturezas foram invocados por autoridades e educadores brasileiros.
A despeito da polêmica, 2010 foi o prazo final estipulado pelo governo para a implantação
da Lei. Com este fato, muitos artigos e estudos acadêmicos surgiram sobre o tema do ensino de
nove anos. Um levantamento na biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em
2012 identificou várias pesquisas de mestrado e doutorado desenvolvidas entre 2007 a
2012. Com foco em diferentes objetos, os de caráter mais amplo estudaram-no em seus
aspectos políticos ou circunstanciais da implementação da Lei; os de ordem específica, da
perspectiva pedagógica e um deles centralizou a criança como fonte de informação.
Justificativa
Os que se preocuparam com a dimensão pedagógica não haviam se debruçado sobre a ação
direta do professor dos novos primeiros anos, quando este ensina seus alunos, agora acrescidos
de crianças menores. Assim, o objeto de estudo focado no presente trabalho foram as ações
pedagógicas realizadas pelos professores de primeiro ano, em suas aulas. Desenvolveu-se em uma
pública e outra privada do Município de São Paulo. Foi realizado em
2012, com participação de uma aluna de Pedagogia do programa de Iniciação Científica.
A proposta, quando em projeto, obteve aprovação do Comitê de Ética da Universidade à qual
esta autora pertence. Neste texto, serão apresentados os dados da escola pública, pois intenta- se
problematizar aqui a qualidade da educação oferecida pelo Estado no que concerne à consideração
da criança em sua singularidade, questão candente quando se tem com foco a infância.
Portanto, a consulta a esses estudos foi relevante para contextualizar e aprofundar o tema
e, principalmente, para justificar o objeto desta pesquisa ao procurar oferecer informações novas,
ainda não reveladas pelos estudos já realizados e que são passíveis de enriquecer o debate sobre
temas das Políticas Públicas, da qualidade da educação brasileira e do espaço que a infância
ocupa nestes âmbitos.
Dentre esses trabalhos, destacou-se a tese de doutorado de Tenreiro (2011), intitulada
Ensino Fundamental de nove anos: o impacto da política na escola, devido a sua abrangência
nacional e ao seu potencial como fonte fidedigna de valor de referência na discussão dos
dados da presente pesquisa, ao oferecer a possibilidade de confrontar os achados desta com os de
outros autores.
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Objetivos
Norteou a presente pesquisa a seguinte indagação: crianças de cinco a seis anos tem suas
características infantis consideradas nas ações pedagógicas do professor dos novos primeiros
anos? Portanto, o objetivo estabelecido foi o de averiguar criticamente se as ações pedagógicas do
professor do atual 1º ano consideram as características da criança de cinco a seis anos, conforme
preconizadas por autores interacionistas da psicologia da educação, Piaget, Vygotsky e Wallon,
em face dos novos primeiros anos.
Metodologia
De acordo com este objetivo, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois visou apontar as
características de um grupo de educadores em relação à sua ação educativa. “As pesquisas
descritivas são as (...) as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados
com a atuação prática” (GIL, 2002, p. 4).
De natureza exploratória, sem a pretensão de generalizar os resultados, consistiu em
um estudo de caso das duas escolas mencionadas, ao visar, mediante dados cuidadosa e
sistematicamente coletados e analisados, favorecer decisões seguras, por parte desta autora,
quanto à direção de pesquisas futuras no que tange à condição da educação brasileira e contribuir
para o debate sobre a qualidade do ensino. As pesquisas exploratórias revelam-se úteis como
primeiro passo.
De acordo com os procedimentos, as fontes de informação foram: a) entrevistas
semiestruturadas concedidas pelos educadores: professoras da primeira série, coordenadoras e
diretoras para identificar sua formação e opinião sobre o ensino de nove anos; b) observação das
aulas de primeiro ano para identificar como o professor coordena suas ações pedagógicas e
relacionais em face de alunos mais jovens; c) análise do Projeto Pedagógico para verificar se houve
planejamento da implantação.
A análise dos dados foi de natureza qualitativa e teve como critério uma concepção de
criança fundamentada nas teorias mencionadas cujo fundamento epistemológico é interacionista.
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Referencial teórico
Pelo modelo adotado, o ser humano é concebido como um processo em interação com seu
contexto físico e social no qual estão presentes os aspectos culturais, históricos e pessoais.
Tem como premissa que a criança vai se constituir como ser humano na medida em que interage
com o mundo resultando desse processo uma identidade singular e única. Para Vygotsky, o
funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto, histórico, carregado de
significado cultural (p.40).
Ao nascer, ela já está preparada para aprender, mas a aprendizagem só irá ocorrer na
medida em que interagir com o ambiente: sua linguagem depende da interação com os adultos, da
qualidade da comunicação que estes estabelecem com ela e do grau de liberdade que tem para
expressar-se; do mesmo modo, sua compreensão sobre os fenômenos físicos e sociais do seu
entorno é mediada pelo significado cultural atribuído pela sociedade e este chega até ela pela
interação com o outro; os aspectos emocionais para amadurecerem e se transformarem em
afetividade carecem da interação pela qual apreendem os valores que regem a convivência entre
os homens e entre eles e a natureza. É pela consideração e reflexão propiciada pelo adulto
sobre as diferentes situações, principalmente as de conflito, é que a criança irá desenvolver-se de
modo integrado em seus aspectos social, cognitivo, emocional, motor e ético.
Desta perspectiva privilegia-se a interação ativa da criança com seu meio. Sua participação
é considerada parte integrante das atividades pedagógicas e os conteúdos escolares passam a
integrar a função de estimular essa interação e de ajudar a criança exercitar sua curiosidade e
manter seu interesse para realizar atividades consideradas relevantes para sua aprendizagem.
Nesse processo, a consideração pelas peculiaridades da criança é primordial. O conceito
de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky ressalta justamente este aspecto: a ajuda que
o educador dispensa à criança perante o que ela já sabe e o que ela ainda não sabe, mas que é
considerado importante que ela venha a saber. Sem esta dimensão, a interação entre professor e
aluno perde em qualidade porque o ensino não corresponde às necessidades presentes na situação.
A concepção integral de ser humano impõe a consideração não só do aspecto cognitivo,
mas também do social, do emocional e do corporal. Wallon contribuiu ao apresentar uma teoria
que mostra as influências recíprocas entre essas dimensões: é por meio da cognição que a
compreensão das próprias emoções se desenvolve em afetividade, em direção ao
autoconhecimento e, ao mesmo tempo, as emoções constituem-se em alavanca, ou em obstáculos,
a aprendizagens cognitivas, sociais e motoras (comportamentais); é por meio do movimento motor
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que a criança menor explora o ambiente físico e o apreende cognitiva e afetivamente; é nas
relações estabelecidas entre elas e delas com os adultos que aprimora a cognição sobre a realidade
física e social.
Dessa maneira, o processo interativo pedagógico interfere de modo global na
aprendizagem da criança devido ao entrelaçamento existente entre as diferentes dimensões,
mesmo que o foco do professor seja apenas em uma delas. Ao mesmo tempo, o efeito provocado
pela interferência suscita respostas que auxiliam o professor dimensionar a adequação, ou não, de
seu trabalho e tomar novas decisões.
Piaget, Vygotsky e Wallon valorizam o brincar como uma atividade que caracteriza a
criança e as manifestações expressivas (desenho, pintura) como um modo pelo qual suas
organizações cognitivas e afetivas são demonstradas. Consideram a dimensão simbólica que as
engloba como um fenômeno psicológico construído na sua interação com o mundo e cujo
resultado, por sua vez, interfere na qualidade das futuras interações. As atividades simbólicas,
lúdicas e expressivas têm relevância para o processo ensino-aprendizagem por ser constitutiva da
dimensão emocional e afetiva e aparecer em forma de interesse na criança.
O educador pautado em uma concepção concreta, social, histórica e dialética do ser
humano tem como premissa o valor inalienável da educação como instrumento de sua promoção
e o professor como o profissional que responde pela função de realizar esta tarefa.
Os dados de observação foram captados e analisados mediante o critério da concepção de
homem aqui apresentada. As ações pedagógicas foram interpretadas segundo os conceitos
provenientes dos autores adotados, o que mostra o uso da teoria como ferramenta de leitura da
realidade.
Desenvolvimento da pesquisa
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As famílias são 70% oriundas da capital, 5% do interior do Estado e o restante do Nordeste
do país. Cerca de 80% dos pais são operários não especializados e 60% das mães têm emprego
informal. 90% dos pais possuem uma renda de dois a três salários mínimos e 8%, de quatro a seis.
Há os que participam de Bolsa Escola e Bolsa Família e 70% moram em casa própria.
42% não concluíram o Ensino Fundamental; 32,5% sim. 10% cursaram suplência, 5%
cursaram o Médio, 2,5% são analfabetos e 2% têm curso superior. Trata-se, portanto, de uma
população social, cultural e economicamente simples, em sua maioria.
O corpo docente é composto de 70 professores, 40 do Ensino Fundamental I, inclusive os
de cursos complementares (informática, sala de leitura etc.) e 30 do Fundamental II. Em sua
maioria, são concursados e efetivos da unidade, todos graduados e alguns com pós-graduação. A
equipe gestora é formada por uma diretora, graduada em artes, dois vice-diretores e duas
coordenadoras pedagógicas, uma para o Fundamental I e a outra para o II. Os agentes
escolares e os funcionários da secretaria também são efetivos, todos com Ensino Médio completo;
os agentes de limpeza e cozinha são terceirizados e em sua maioria não o concluíram.
A análise do projeto pedagógico revelou que a escola desenvolve três projetos: a) um jornal
que publica semestralmente matérias feitas pelos próprios alunos e é destinado à comunidade; b)
Projeto de Xadrez, com participação em campeonatos fora da escola; c) Ensino de línguas - francês
e espanhol. Não foi identificado projeto específico para a implantação da Lei, dado confirmado
na entrevista.
Entrevista
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que, amparado pela Lei, escolhe segundo sua decisão. Ao diretor cabe convencê-lo a assumir
turmas às quais possa corresponder pedagogicamente.
Consideram a criança dessa faixa etária “imatura” e sua “inclusão absurda”. Apontam
como problemas: a falta de espaço e de recursos materiais (salas e mobiliário desproporcionais ao
tamanho da criança menor e falta de parque e de brinquedoteca); o tempo maior de permanência
em sala que diminui a oportunidade da criança brincar; a exigência do governo quanto à
alfabetização; o despreparo do professor (“como alfabetizar?”) e sugerem uma formação
específica, uma vez que “o novo primeiro ano é diferente da antiga primeira série”. “A Secretaria
ofereceu um curso on-line, mas não houve retorno” e a falta de “integração da família à escola”.
Alegam que a unidade escolar abordou o tema de modo superficial e não realizou nenhuma
ação em favor das características dessa faixa etária, que a mudança “ocorreu de forma brusca, sem
planejamento”.
Observação
As duas salas de aula foram observadas por um mês, todos os dias da semana durante uma
hora. Eram compostas por 30 a 35 alunos acomodados em carteiras dispostas uma atrás das outras,
o que não favorecia o movimento das crianças; algumas delas, quando sentadas, não alcançavam
o chão. A mesa da professora ficava sempre de frente para a classe e, atrás dela, a lousa. Havia
na parede alguns cartazes com músicas, listas de palavras, alfabeto e os numerais que eram
apontados pelas professoras e a turma, em conjunto, reproduziam os sons equivalentes às letras
e aos numerais. Não havia materiais diversificados e as explicações eram dadas oralmente
pelo professor. O processo de alfabetização se desenvolvia por meio da memorização do nome
das letras e de cópias no caderno de palavras evocadas.
Ao chegarem, as crianças organizavam seus materiais em cima da carteira conforme a
matéria prevista. No caderno de português, todos os dias, copiavam o cabeçalho, a sequência de
atividades colocadas na lousa e escreviam o alfabeto e os numerais de zero a 50. Não
interagiram com objetos concretamente. Muitas se dispersavam, outras demonstravam enfado e
algumas choravam, outras se comparavam com quem conseguia realizar a tarefa, e outras não
a concluíam antes do recreio. Neste, elas corriam, gritavam, pulavam no pátio coberto, sem
nenhum brinquedo ou proposta de atividade lúdica. Presentes, os inspetores que as
repreendiam pela movimentação e algazarra. Algumas vezes acabavam em acidentes e brigas, que
não eram refletidas com a criança. Quando voltavam, estavam sempre agitadas e as professoras
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reclamavam em tom de voz mais elevado, repreensivo e até ameaçador para que se aquietassem
e completassem os exercícios que exigiam, muitas vezes, mais de um dia.
Brincavam nas aulas extracurriculares (duas vazes por semana com duração de 45 minutos
cada) com outros professores: de Artes, de Leitura, de Informática e de Educação Física.
Nesta última, a criança podia tomar iniciativa, exercitar o corpo por meio de jogos e brincadeiras
que desenvolviam a coordenação motora, lateralidade, equilíbrio, interação com os colegas e
imaginação, com desenhos.
A necessidade de movimentar-se, de explorar o ambiente, de interagir com ele, de
expressar- se e de refletir sobre o próprio comportamento não era atendida. A intervenção do
adulto, sempre repreensiva em situações de “desobediência” não contribuiu para a reflexão e
compreensão sobre seu modo de agir.
Resultados
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valorizem o brincar e as atividades expressivas nesta idade, não os utilizaram como recurso
didático.
As situações descritas revelam que o processo ensino-aprendizagem observado careceu
de uma tradução prática das concepções preconizadas pelos autores aqui adotados: desenvolve-se
o pensamento lógico matemático pela manipulação de materiais e muito menos por sua
simples repetição sonora, ou oral, ou escrita, até à exaustão. Estas são apenas parte do processo
de aprendizagem, mas que perdem seu valor quando mal dosadas e realizadas mecanicamente.
É pela interação com os objetos que a criança “inventa” a noção de quantidade, de tamanho, além
de abstrair suas propriedades. Este fato requer sua atuação ativa, caso contrário, pode
desinteressar-se.
Quando este fato ocorre, configura-se como alerta para a professora reorganizar-se, pois é
nessa interação que sua ação ganha em concretude em especificidade e corresponde à realidade
imediata, como nos sugere o conceito de zona proximal.
A compartimentalização do processo educacional em disciplinas estanques: movimento
apenas na Educação Física e atividades simbólicas e expressivas em “salas de leitura” obedeceu
ao padrão do Ensino Fundamental e não às da criança concreta que ali estava, além de ignorar sua
necessidade de representar, fantasiar, também em situações de ensino formal. Este fato revela que
o processo ensino-aprendizagem fragmentou as atividades e para isto, desconsiderou as
peculiaridades de criança.
Tais fatos podem ser entendidos no contexto dessa escola: as professoras não tinham
experiência com este segmento. Propõem, inclusive, um investimento na formação de professores
para o enfrentamento das peculiaridades de que se reveste este período infantil. Fatores estruturais
como o procedimento de escolha de aula podem criar barreiras na seleção adequada. Não houve
investimento da escola no planejamento do processo de implantação em suas condições concretas:
as características dos atuais primeiros anos, as necessidades pedagógicas decorrentes, tais como
um currículo específico, um processo de alfabetização dinâmico e uma estrutura didática que
enfrentasse a carência de recursos físicos. Não se notou uma busca de alternativas pedagógicas.
Um fato que corrobora a situação descrita é o emprego dos “Cadernos de Apoio”, enviados pela
Secretaria Municipal da Educação, que devem ser aplicados dentro de um determinado prazo. Sem
experiência com a faixa etária, seu uso passou a ser a alternativa principal.
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Considerações finais
Os dados descritos tornam claro um modo pelo qual a implantação da Lei 11.274/2001
repercutiu na escola pesquisada. Nesta, o nível socioeconômico e intelectual das famílias
atendidas é de natureza simples: a grande maioria dos pais é operária não especializada e as mães
têm emprego informal; o salário de ambos perfaz de dois a três salários mínimos em 90% dos
entrevistados e há os que recebem Bolsa Família e quase metade não conclui Ensino
Fundamental. Portanto, estes dados indicam a relevância que a escola assume quando atende uma
comunidade como essa, enquanto agência de promoção humana.
Após cinco anos da implantação, a formação do professor é um dos focos de crítica que
permanece. Esta necessidade, pontuada por outras pesquisas tais como a de Capuchinho (2007),
de Araújo (2008), de Dantas (2009), de Vargas (2010), de Antunes (2010), de Mota (2010) e de
outros, confere ao tema uma centralidade no conjunto de carências que assolam a educação
brasileira e que precisam ser enfrentadas. Aliás, em sua pesquisa, Tenreiro (2011) afirma que esta
questão foi indicada em praticamente todos os 18 trabalhos analisados por ela.
A presente pesquisa ressalta esta necessidade com base nos dados encontrados dentro
das salas pesquisadas. Em que pesem todas as mazelas de ordem estrutural que dificultam a
realização de um trabalho de qualidade, a formação do professor continua candente por ser ele o
responsável direto pelo trabalho educativo.
O segundo aspecto res saltado foi a ausência de planejamento ocorrida no plano do governo
e outra no nível da própria escola. Mudanças que contemplam objetivos da magnitude que a Lei
propôs requerem planejamento e este não foi realizado pela escola, conforme verificado
também em Araújo (2008), em Moro (2009), em Antunes (2010). Todos esses estudos mostram
carência de informações dos professores para uma atuação firme e consistente. Em decorrência,
sentimentos de incertezas e inseguranças emergem dessas circunstâncias. O planejamento com
base nessas carências apresenta-se como um recurso racional para enfrentá-las.
Pode-se concluir que a prática pedagógica que preponderou na implantação foi a do Ensino
Fundamental sobre a da Educação Infantil, apesar das reconhecidas críticas de que o primeiro
padece. Neste sentido, persiste o desafio de ampliar os espaços da infância para além dos próprios
da Educação Infantil ao estendê-los até alcançar o Ensino Fundamental, o que significa ter a
infância como foco independentemente do ciclo educacional em que a criança se encontra.
Ao concluir, reitera-se que os achados não podem ser generalizados para outras unidades
da rede, mas que podem suscitar novos estudos aprofundados e ampliados de modo a que os
desafios em prol da infância, sejam enfrentados com dados passíveis de generalização.
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São muitos os aspectos que podem ser abordados a partir dos dados encontrados pela
pesquisa, mas espera-se que os que foram pontuados possam contribuir para o debate sobre a
educação pública brasileira e especialmente sobre a infância. A busca de uma educação de
qualidade implica levar a sério a formação do professor por ser ele o profissional que responde
diretamente pelo processo de ensinar e aprender.
REFERÊNCIAS
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO
BÁSICA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO
INTEGRADOR PARA A INFÂNCIA PAULISTANA
RESUMO
O currículo integrador, desde 2013 em processo de escrita participativa, com as equipes
pedagógicas de educação infantil e ensino fundamental da rede municipal de educação em
São Paulo tem pretende explicitar princípios para a garantia de direitos de bebês e crianças,
para a população de diferentes culturas e identidades territoriais. A construção de um
currículo integrador para a infância paulistana deve se dar na perspectiva da gestão
democrática, considerando os diferentes sujeitos presentes nas unidades educacionais
públicas municipais. Entendemos que o processo de transição das crianças entre creche e
pré-escola e da Educação Infantil para o Ensino Fundamental deve contemplar desde
o currículo, compreendido como um instrumento vivo, até a criação de espaços adequados
nas salas e na área externa, além de práticas que viabilizem as interações criança/criança
para que possam desenvolver suas culturas de pares infantis.
1
http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Noticia/Vizualizar/PortalSMESP/Numerosa-da-Secretaria -acesso em 24/05/2015
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médio através das Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio (EMEFM). Há ainda
os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), que possui outras formas
de atendimentos aos jovens e adultos de nossa cidade; e as Escolas Municipais de Educação
Bilíngue para Surdos (EMEBS) que atende crianças jovens e adultos com deficiência
auditiva.
Há na rede municipal de educação paulistana seis Escolas Municipais de Educação
Bilíngue para Surdos, 8 Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio e 547 Escolas
de Ensino Fundamental, 2316 Unidades de Educação Infantil.
Um dos pressupostos da condução da política educacional em curso de 2013 a
2016 é compreender bebês e crianças em sua integralidade como sujeitos da
aprendizagem e o processo educativo em sua inteireza, superando diversas formas de
dicotomia, onde ainda há uma hierarquização entre diferentes áreas de conhecimento, seja
na fragmentação dos componentes curriculares no ensino fundamental, seja entre ciência e
arte marcadamente no ensino fundamental, além de cisões historicamente construídas, entre
formas de atendimento aos bebês e crianças presentes nos CEIs, EMEIs e EMEFs da Rede
educacional pública municipal de São Paulo.
A educação infantil envolve o atendimento de bebês e crianças, sendo o atendimento
em CEIs destinados às aos bebês e crianças de até três anos completos e em EMEIs para
as crianças de quatro e cinco anos de idade.
A atual organização do ensino fundamental está configurado com três ciclos de
aprendizagem, a saber: ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano), Ciclo Interdisciplinar (4º ao
6º ano) e Ciclo Autoral (7º ao 9º ano).
Sinteticamente apresentando os pressupostos de cada ciclo de aprendizagem do
ensino fundamental, podemos partir das seguintes concepções desta organização: o ciclo de
alfabetização tem como propósito primeiro de que todos os estudantes estejam alfabetizados
até o término do 3º ano do ensino fundamental; o ciclo Interdisciplinar objetiva a articulação
entre as áreas do saber, frente a um mundo complexo e que exige uma prática formativa
que reflita as diversidades dos problemas da vida contemporânea, abrindo a possibilidade
da articulação de projetos com horários garantidos nos 4ºs e 6ºs anos do ensino fundamental,
e um espaço de docência compartilhada entre professor especialista e professor pedagogo
em 4 aulas por semana com os grupos de 6º ano; o ciclo autoral objetiva que a dinâmica do
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ensino esteja voltada para práticas de produção de conhecimentos de forma autoral, com
pesquisas e organização do que é conhecido através de trabalhos colaborativos de autoria
(TCA).
Desde o ano de 2013, organizando ações de formação e em decorrência das
reflexões realizadas em conjunto pelas Divisões de Educação Infantil e de Ensino
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo, temos nos
inquietado com a constatação de que crianças e bebês, produtores de culturas e sujeitos de
aprendizagem da educação básica paulistana, especialmente nas interações e experiências
proporcionadas na educação infantil e no ciclo de alfabetização do ensino fundamental, são
percebidos e tratados das mais diversas maneiras pelos educadores, evidenciando a
convivência nas práticas pedagógicas, de múltiplas e muitas vezes contraditórias
concepções, permeadas ainda em grande parte por uma visão adultocêntrica quanto às
relações entre educadores e educandos, e uma visão hierarquizante entre conhecimento,
culturas e saberes quanto ao que constitui currículo em unidades de educação infantil e
de ensino fundamental, neste caso especialmente com as crianças do ciclo de alfabetização.
Esta inquitação inicial, ao ser apresentada e compartilhada por outros integrantes
das equipes pedagógicas das Diretorias Regionais de Educação, que estão presentes em
treze diferentes regiões do município, foi se constituindo em um grupo de trabalho que tem
por objetivo a construção de um documento que expresse os princípios de um currículo
integrador para a infância paulistana, destinado à educação infantil e aos anos iniciais do
ensino fundamental, de modo a subsidiar os momentos de formação docente como espaços
para pensar, conhecer melhor e atender com qualidade social aos direitos dos bebês e
crianças que compõem as múltiplas infâncias paulistanas.
Os desafios são muitos e uma questão que se apresenta é: como manter uma atitude
crítica nas análises e de otimismo nas ações? Não se trata do otimismo ingênuo, mas o que
mobiliza para as transformações e construções necessárias. Há a necessidade de criar e
intensificar o clima de pertencimento dos educadores e dos educandos ao Projeto Político
Pedagógico de cada unidade educacional, através da participação ativa, do reconhecimento
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do protagonismo de todos os envolvidos, da construção de caminhos alternativos que
repensem a educação no espaço de CEIs, EMEIs e EMEFs nos territórios da cidade.
A rede municipal de educação da cidade de São Paulo vive um momento rico em
reflexões e busca de novos percursos em relação ao currículo. A implementação do
Programa Mais Educação São Paulo2 trouxe muitas inquietações e destas, muitas buscas
por transformações nas ações pedagógicas desenvolvidas nas unidades educacionais.
Esses desafios passaram a compor os horários coletivos de formação continuada no
âmbito das unidades, assim como por meio de outras ações de formação realizadas pelas
Diretorias Regionais de Educação (DRE), os cursos, seminários e congressos oferecidos por
diversas esferas da Secretaria Municipal de Educação, boa parte em parceria com
universidades. Estas ações têm evidenciado o desejo e as práticas autorais de professores e
um olhar e uma escuta que percebam e promovam a produção das culturas infantis na
construção de uma educação pública municipal com qualidade social.
Dentre todos os desafios, está o de produzirmos documentos curriculares para a Rede
Municipal de Ensino, que se constituam como subsídios para as reflexões nos diversos
tempos e espaços de formação continuada, pois em uma proposta dialógica, ampliar os
espaços de construção coletiva é uma necessidade concreta, permitindo a articulação de
projetos, a constituição de ações que integrem as diferentes áreas de conhecimento e as
múltiplas linguagens, assim como as possibilidades de investigação presentes nos espaços
educativos. A escola não pode se configurar com ações solitárias. Será o conhecimento e a
articulação em rede que permitirá novos lugares para a educação pública p a u l i s t a n a .
Nesse s e n t i d o , a l g u m a s publicações da S e c r e t a r i a Municipal de Educação
como: “Avaliação na E d u c a ç ã o Infantil: Aprimorando Olhares”3, “Indicadores de
Qualidade na Educação Infantil” 4 e “Diálogos Interdisciplinares a caminho da autoria”5 tê m
subsidiado as discussões sobre educação de bebês e crianças, sobre os diferentes sujeitos
da infância dos CEIs, EMEIs e EMEFs do município de São Paulo. Nesse momento,
estamos em processo de construção coletiva do documento “Currículo Integrador para a
infância paulistana: por uma ideia de educação básica”. Reconhecer que bebês e crianças,
são sujeitos e cidadãos no tempo presente e não apenas de alguém a ser preparado para o
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futuro, implica em considera-los como partícipes protagonistas no processo educativo.
Nesse sentido, o propósito é de educar com os bebês e as crianças. Este reconhecimento
de “educar com” exige novas maneiras de pensar o currículo e o cotidiano escolar, de
forma menos prescritiva e mais autoral, a partir de diretrizes que enunciem os princípios
éticos, políticos e estéticos para a prática pedagógica, que se construam por meio de uma
escuta sensível, de um olhar observador, de reflexões coletivas com o envolvimento de
todos os atores, democraticamente, e com a maturidade deste coletivo expressa em um
processo permanente de avaliação institucional participativa. Todos esses elementos devem
constituir o Projeto Político Pedagógico, mas este precisa ser uma carta de intenções que
explicite os princípios e garanta a expressão de toda a potência dos que fazem parte do
processo educativo, toda a vivacidade presente nas unidades educacionais e na comunidade.
A discussão sobre currículo integrador tem como objetivo principal pensar a
educação como princípios para a garantia de direitos de bebês e crianças, para uma
população que deposita na escola pública a expectativa de atendimento de educação
integral, com a presença de diferentes culturas e identidades territoriais. A construção de
um currículo integrador para a infância paulistana deve se dar na perspectiva da gestão
democrática, que considere os diferentes sujeitos presentes nas escolas públicas municipais.
Por esses motivos, há também a necessidade de algumas desconstruções e mudanças
de paradigma, pois há o diálogo com a experiência da rede municipal de educação. Em
decorrência desse processo, um documento que defina princípios para um currículo
integrador provoca um olhar criterioso para os processos pedagógicos com base nas
concepções que cristalizaram alguns aspectos que precisam ser transformados, tais como a
cisão que permeia o atendimento entre CEIs e EMEIs, entre educação infantil e ensino
fundamental, entre cuidar e educar, entre brincar e aprender, entre fazer e pensar, entre
corpo, mente e emoção.
Nesse cenário, o professor enquanto intelectual, tem papel de autoria e
extremamente relevante no processo que vivencia com os educandos, assumindo as
possibilidades de avanço ou de recuo na prática cotidiana com os educandos. Este
pressuposto exige uma grande articulação com todos os profissionais de cada unidade
educacional construindo uma unidade no projeto articulado por tantas vozes no interior da
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escola. Nesse cenário, cada CEI, EMEI ou EMEF passa a ter autonomia para gerenciar
seus projetos, tempos e espaços.
A formação inicial e o diálogo com a formação continuada.
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o processo, de criação de culturas e expressão do sujeito em sua integralidade física,
emocional, cognitiva e cultural.
Outro aspecto a ser considerado é a importância de compreender o docente enquanto
intelectual, em processo de reflexão permanente sobre sua ação pedagógica e autor no
processo de organização dos tempos e espaços, dos materiais que disponibiliza, dos registros
e da documentação pedagógica que organiza para o acompanhamento pedagógico das
aprendizagens e para comunicação de seu trabalho no coletivo, mediador das interações
entre os educandos, e destes com todas as fontes de investigações possíveis, dentro e fora
da sala de aula, em espaços externos à unidade e na concepção de uma cidade educadora.
Assim a formação desejável e necessária ao educador não se restringe à formação
inicial, e nem a uma formação estritamente teórica e especializada em uma ou algumas
áreas. O profissional de educação precisa compreender-se como em permanente
construção, constituindo sua identidade profissional a partir dos grupos com quem convive,
dos desafios pedagógicos que encontra em seu percurso, da interação com os educandos,
do estudo de áreas de conhecimento diversas e das múltiplas linguagens, da construção de
projetos com bebês e crianças e com o coletivo de educadores, da escuta e da investigação
das culturas infantis, das culturas dos familiares e da comunidade onde a instituição
educativa está inserida.
O professor autor percebe-se como sujeito implicado no processo educativo,
com o compromisso de apresentar, debater e acolher propostas no coletivo das unidades
educacionais, com o compromisso de buscar conhecer o contexto, garantir direitos
fundamentais de bebês e crianças e representá-los como atores sociais. Percebe, nas
interações presentes no cotidiano, a necessidade de um olhar atento e de uma escuta sensível
para todas as expressões dos múltiplos sujeitos com que convive, garantindo o
protagonismo e autoria de meninas e meninos nos processos educativos. Esse profissional
aprende a perceber as nuances das características presentes através da leitura de mundo e
do envolver-se, comprometer-se com a educação de qualidade social em uma escola
inclusiva e com os direitos de todos os cidadãos.
Identificando-se como autor e como intelectual, o docente busca, para além dos
espaços de formação institucionais, sua formação em outros espaços diversos, a partir dos
desafios que encontra no percurso de sua atuação pedagógica, assim como problematiza
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ações no e do coletivo das instituições educativas e problematiza as interações das e com as
crianças.
Lembrando que o espaço das unidades educativas conta com um conjunto de
educadores para além dos docentes, faz-se necessário destacar o papel do Coordenador
Pedagógico como articulador do coletivo, o qual promove desafios, propõe momentos para
que os docentes e outros profissionais compartilhem suas práticas, envolve os
profissionais do quadro de apoio nas discussões pedagógicas e defende o investimento tanto
financeiro, como de organização de espaços, tempos e materiais a serviço do atendimento
dos direitos dos educandos e dos educadores em toda a sua potencialidade. Além da
necessária articulação com as famílias evidenciando as características de uma educação com
qualidade social para seus filhos.
A importância do papel da Direção da escola, por sua vez, está em promover
uma gestão democrática, com participação de todos, não apenas nas instâncias formais
como Conselho de Escola, Reuniões de Pais e Mestres e Associação de Pais e Mestres, mas
por meio da criação de canais para as diversas formas de expressão que evidenciem o direito
à voz de todos os educandos, de todas as idades, garantindo o acolhimento dos atores
envolvidos no Projeto Político Pedagógico das unidades da Rede Municipal de Ensino.
São estes profissionais em diálogo que constituirão os espaços dos projetos de cada
unidade educacional, de forma articulada com as outras unidades e em consonância com
as diretrizes educacionais da Rede Municipal de Ensino.
Para a gestão dos projetos de cada unidade educacional e a gestão dos recursos
financeiros, os Conselhos de Escola e a Associação de Pais e Mestres (APM) constituem-
se como importantíssimos espaços de resolução das demandas da comunidade escolar.
Propostas sobre ocupações de cada espaço da unidade escolar, são discutidas nesse fórum
composto por equipe gestora, professores, funcionários, pais e estudantes. O destino das
verbas repassadas pela Secretaria Municipal de Educação também é discutido neste espaço,
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possibilitando que cada integrante do conselho apresente os motivos para a aquisição ou
não de um bem material, para as possibilidades de reorganização de espaços e viabilização
de possíveis atividades curriculares para além dos muros da escola. Ainda há muito que
avançar na ocupação destes fóruns de decisões coletivas dentro nas Unidades de Ensino.
Cada uma destas unidades constituiu-se a partir das demandas do local em que estão
e trazem como qualidades inerentes aos seus trabalhos o questionamento permanente de
uma escola que atenda às necessidades de aprendizagens dos estudantes, modificando-se
anualmente para readequar-se ao tempo vivido.
Todas as escolas da rede municipal de ensino podem modificar os seus tempos e
espaços na constituição dos saberes a partir do Programa Mais Educação São Paulo,
mas para isso é preciso percorrer as instâncias democráticas que as legitimam e as
lançam a novas práticas.
Entendemos então, que o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental deve contemplar desde o currículo, compreendido como um instrumento vivo,
até a criação de espaços adequados tanto nas salas, quanto na área externa, além de práticas
que viabilizem as interações criança/criança para que possam desenvolver suas culturas de
pares infantis.
Busca-se que a transição efetive-se como um período de articulação entre educação
infantil e ensino fundamental em diálogo, que respeita o desejo das crianças de conhecer e
considera a continuidade do processo de aprendizagem, a partir de contextos próximos do
universo significativo dos meninos e meninas. Destacando-se a intensificar e expandir
muitas das ricas experiências que se constituem ao longo da educação infantil, em vez de
interrompê-las, de substituí-las.
Este é o momento de pensar em uma escola inclusiva e integradora das de saberes,
de conhecimento e de todas as etapas e modalidades da educação básica. É o momento de
valorização da autoria docente, da postura ética e comprometida dos profissionais da
educação com a qualidade social da educação pública municipal, e de potencializar os
espaços de formação coletiva como locus privilegiado para a organização curricular e
pedagógica do processo de ensino- aprendizagem que considere a riqueza presente em cada
uma e no conjunto das unidades educacionais da Rede Pública Municipal.
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As ações em curso para a construção do currículo integrador
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FARIA, Ana Lúcia Goulart de; FINCO, Daniela (orgs). Sociologia da infância no Brasil.
Campinas: Autores Associados, 2011.
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O PROINFÂNCIA E AS TESSITURAS DA PRÁTICA DE UMA EMEI EM PORTO
ALEGRE/RS: CONSTITUIÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PEDAGÓGICO
Sabrina Garcez 1 – PMPA/SMED
Magda Raquel D’Ávila Pereira2 – PMPA/SMED Eixo: Políticas Públicas para a Educação
Resumo
Horn, 2013.
O Proinfância e o município de Porto Alegre
1
Especialista em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento. Professora da Rede Municipal de Porto
Alegre/RS. Diretora da EMEI Miguel Granato Velasquez. Email: sasagarcez@gmail.com
2
Mestre em Educação pela PUCRS. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre/RS. Vice Diretora da EMEI
Miguel Granato Velasquez. Email: mrdpereira5@bol.com.br
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Aquisição de Equipamentos para Rede Escolar Pública de Educação Infantil - Proinfância
vêm mudando a história da Educação Infantil no Brasil. Com o Programa instituído em 2007,
como parte das ações do PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação, foram 8728 unidades
construídas e atendidas através do Proinfância no país nestes sete anos de funcionamento,
ampliando o atendimento de crianças de 0 a 6 anos em cerca de 2500 municípios do país.
As escolas construidas nos moldes do Proinfância foram planejadas pautando o espaço
como ambiente essencial para aprendizagem das crianças atendidas. Previu-se salas de aula com
área interna de higiene, com banheiro e fraldário para crianças entre 2 e 3 anos (Maternal
1), fraldários para turmas de crianças entre 4 meses e 2 anos (Berçários), descanso
para turmas de crianças entre 4 meses e 4 anos (Berçário à Maternal 2), solários compartilhados,
sala multiuso, área coberta para atividades, pracinha, sala de informática, além de amplo espaço
externo que favorece a criação de recantos alternativos.
Em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul (RS), apenas em 2015, oito anos
após a implantação do Programa, inaugura-se as duas primeiras unidades do Proinfância no
município. Destas, apenas uma delas tem administração exclusivamente municipal, com todo
atendimento e manutenção efetuado através da municipalidade local, com profissionais
concursados e habilitados ao trabalho com crianças de 0 a 6 anos. Destaca-se que, esta escola, é
também a primeira instituição exclusivamente municipal em Porto Alegre inaugurada nos últimos
dezoito anos, voltada para a Educação Infantil.
Muitos são os critérios que qualificam os municípios a participar do Proinfância. Há de
demonstrar que existe uma demanda mínima para região escolhida, apontada através dos dados
do Censo Escolar, que possui a dominialidade da área onde pretende construir a escola, a
viabilidade técnica e legal para utilização do terreno escolhido. Ainda, para construção do modelo
que temos, se faz necessário terreno com mínimo de 2800 m² e a localização ser em área urbana.
Etapas conclusas, a municipalidade assina um Termo de Compromisso com o FNDE para a
transferência de recursos para obra. No entanto, mais que o espaço físico, a construção de um
equipamento do porte das escolas vinculadas a este programa, responde aos anseios e desejos de
muitas famílias que vêem nestas a possibilidade de buscarem novas oportunidades para sua
via, bem como de terem seus filhos atendidos de forma integral pelo município.
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Porto Alegre não difere das demais capitais do país. Com alta demanda populacional,
creches e pré escolas, com atendimento em turno integral são em número deficitário para atender
todas as crianças entre 4 meses e 6 anos. Por opção política, nos últimos anos, priorizou-se escolas
infantis conveniadas com o sistema público, um modelo que embora atenda às necessidades de
vagas, não possui a mesma qualidade das instituições municipais em funcionamento. Ainda,
destaca-se que nestes convênios existe co-participação financeira dos pais ou responsáveis,
tornando-se inviável para muitos o acesso e permanência na escola.
Em janeiro de 2015, cerca de dois meses e meio antes de sua inauguração formal e três
meses após a entrega da obra, assumimos a gestão da escola, com o objetivo de constituí-la para
seu pleno funcionamento e atendimento a comunidade. Uma área ampla, com salas espaçosas e
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inúmeros locais e possibilidades. E um silêncio assustador provocado pelas paredes vazias e
pela falta dos murmúrios tão característicos de um ambiente escolar, em qualquer etapa do
ensino. Um milhão de ideias e poucas expectativas de colocá-las em prática em um tempo tão
curto e sem condições financeiras de bancar nossas crenças e sonhos.
Foram exatos 66 dias até a inauguração formal da escola e a certeza de que temos um
mundo pela frente ainda a ser conquistado. Neste curto período, coube a nós a tarefa de
realizar as inscrições, oferecer as vagas existentes aos alunos excedentes na lista de espera de outra
escola infantil da região, matricular os alunos contemplados, organizar os espaços físicos,
montar a equipe pedagógica, organizar o grupo de professores e monitores, propor o viés
pedagógico pautado nas questões da infância, gerenciar os grupos de limpeza e nutrição de
acordo com as especificidades da Educação Infantil e gerenciar os problemas estruturais
apresentados desde o início. Muitas tarefas indispensáveis para tornar um prédio vazio em um
espaço rico e acolhedor. A escola possui um projeto inovador para a rede municipal de
ensino, com uma área bem mais ampla que as demais instituições de Educação Infantil e com
muitos espaços diferenciados que promovem a aprendizagem e oferecem uma multiplicidade que
contribui para o desenvolvimento das crianças que acolhemos diariamente em oito turmas, do
Berçário ao Jardim B, com 166 crianças frequentes entre seis meses e seis anos.
O primeiro desafio constituiu-se da necessidade de reformas na estrutura física. Sim,
reformas. Com apenas três meses de obra entregue, vários eram e, ainda são, os problemas
estruturais presentes na construção da escola, além dos atos de vandalismo que assolaram a
mesma. Portas arrombadas, telhas quebradas, torneiras roubadas, espelhos e vidros
depredados foram as primeiras obras de reparo efetuadas no prédio escolar. Para além disso, nos
deparamos com questões ainda sem solução, como um átrio para apresentações escolares e
teatrais que não possui escoamento para as águas das chuvas. A área externa ao prédio, entregue
em condições inadequadas para a circulação, com terreno irregular, restos de obra e vegetação
rasteira, questões de organização do espaço prejudicadas pelo fato da escola ter sido construída
sobre um aterro sanitário e possuir solo inviável para o plantio de árvores ou vegetação rasteira
pelo risco de contaminação. Dia a dia, vencíamos uma etapa, dávamos um pouquinho da nossa
cara ao espaço que passamos a ocupar e constituir. Muitas foram as tarefas, muitas foram as mãos
a colaborar, desde o capinar do pátio e colocação da grama em companhia do Diretor
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Administrativo da Secretaria Municipal de Educação (SMED), até a colaboração de
colegas de outras escolas, do Projeto de Educação Ambiental da EMEF Presidente João Belchior
Marques Goulart (LIAU) que com seus alunos realizaram o plantio inicial. Parcerias firmadas
ainda com outras instâncias da municipalidade local, como o Departamento Municipal de Limpeza
Urbana (DMLU) na capina da área de terreno e para limpeza das ruas adjacentes e a Secretaria
Municipal de Obras e Viação (SMOV) no nivelamento necessário do terreno. Fisicamente muitas
necessidades foram apontadas. Bacias para banho nos berçários, armários para as estruturas em
pedra de granito, chuveiros, torneiras quentes, uma lista sem fim nem começo. A cada olhar, uma
enxurrada de possibilidades e o sentimento de impotência em não conseguir realizar todas as
demandas.
A escola refletia uma demanda de uma comunidade, de um bairro que se organizara e fora
em busca de suas demandas através do Orçamento Participativo3 (OP) e acompanhava a
construção da mesma com a mesma expectativa de quem gera um filho. Foram muitas visitas,
muitos pais que não acreditavam que aquela linda construção abrigaria uma escola 100% pública,
sem custos para as famílias. Para a maioria, a creche seria uma resposta aos seus anseios. Mas,
para nós iniciava um processo de desconstituir a ideia de creche e fortalecer os vínculos com a
Escola que estávamos constituindo, uma escola da infância, segundo Oliveira (2002). Um espaço
onde não se prioriza a guarda assistencial, nem a escolarização precoce, mas um “local onde a
criança tem fala, ou seja, pronuncia-se já desde o nascimento, construindo significados e cultura.
Talvez, então, as “reinações infantis” tenham novo espaço para serem compreendidas.” como nos
complementa ainda Oliveira (2002).
Em meio a tudo isso, uma equipe se formava... Entre obras, inscrições para as vagas e listas
intermináveis de produtos e materiais, a equipe de profissionais estava se compondo pouco a
pouco, com muitos servidores públicos novos, recém nomeados para trabalhar em nossa escola.
Cremos que as mesmas incertezas que tivemos ao nos depararmos com o vazio da construção,
assolou às professoras e monitoras que dia a dia passavam a fazer parte de nossa rotina. Missões
diferentes que se complementavam: à nós cabia oferecer condições para o trabalho e a ação de
cada profissional que agregava-se ao grupo, a estes cabia organizar o seu espaço de trabalho.
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Já com turmas formadas, fazia-se necessário conhecer os alunos e as famílias que seriam
atendidas, através de entrevistas marcadas com os pais e datas sendo pensadas para o início do
período de adaptação escolar, uma nova necessidade se impunha: a organização do ambiente de
salas de aula, a constituição do espaço pedagógico de ação. A anamnese se constituiu um momento
importante de acolhimento às crianças e famílias, que se surpreendiam com o tamanho do espaço
físico, bem como a falta de equipamentos e mobiliários.
Como promover a constituição destes espaços com uma equipe que ainda não se ajustara
às concepções de educação e infância que acreditamos? Como possibilitar essa construção sem
meios financeiros suficientes para adquirir o desejado? Como mensurar e tornar realidade todos
estes anseios? Inúmeros questionamentos indispensáveis para tornar este espaço um local de
possíveis aprendizagens e respeito â infância permearam nossas ações em busca deste
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espaço ideal. Horn (2013) nos coloca da importância do planejamento destes ambientes e das
concepções que embasam cada proposição.
“(...) os espaços destinados às crianças de diferentes faixas etárias não podem ser considerados
como uma sala de aula na perspectiva tradicional, mas sim como um espaço referencia para os grupos de
crianças. Isso implica pensar que neste local a proposta não seja organizá-lo e gerenciá-lo para “aulas”
aconteçam, mas sim, que experiências educativas possam ser vividas pelas crianças. (...)
Entendemos a criança como agente de seu próprio conhecimento, como protagonista e ativa,
alguém que aprende na interação com meio e com outros parceiros. Essa interação introduz a criança no
ambiente, estimulando-a a participar, a construir e a ser protagonista em uma atitude participativa, que
acontecerá na vida que partilha com o grupo.” (Horn, p. 9-10, 2013).
Sabíamos o que desejar, sabíamos o que fazer...mas nos faltavam recursos suficientes para
dar vazão às nossas crenças. O Proinfância prevê uma equipagem inicial que, no bojo de seu
planejamento e ações, considera justamente esses aspectos. No entanto, por divergências entre os
sistemas de uso e liberação de verbas públicas da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o
Ministério da Educação, não tínhamos as verbas destinadas a essa finalidade, a cumprir as
especificações técnicas de Mobiliários e Equipamentos4 previstos no programa. Nossa tarefa se
tornara mais densa, mais difícil, embora não impossível. Era preciso inovar, sermos criativas e
propositivas para fazer acontecer.
Foram muitas intervenções nas salas, nos espaços, no prédio escolar, que aconteceram
nestes dois meses de organização do espaço. Os materiais, adquiridos pela Assessoria Pedagógica
da SMED em parceria com quatro escolas municipais da rede de ensino, não eram exatamente o
que compraríamos ou definiríamos como mais importantes e significativos para nossos anseios.
Foram básicos e atenderam a uma demanda inicial que pautou a inauguração formal
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Item constante do Programa Proinfância/ FNDE/ MEC. Listagem disponível no link
<http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/130-proinfancia?download=9348:proinfancia-manual-descritivo- para-aquisicao-de-mobiliario-e-
equipamentos-versao-2013>.
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deste equipamento modelo de Educação Infantil para o município de Porto Alegre.
Emergencialmente atendem às turmas e crianças que constituem atualmente a escola infantil,
mas temos consciência de que podemos e queremos um pouco mais. Muitos espaços precisam
de uma intervenção com móveis diferenciados, com equipamentos pensados além da mera
distribuição dos mesmos, mas que qualifiquem as práticas pedagógicas. Muitos espaços a
serem organizados de forma a contemplar cada grupo etário, respeitando as características,
necessidades e especificidades de cada fase. O diferencial de atendimento à crianças a partir
de 3 meses (Turma de Berçário 1), oferecido por poucas escolas da Rede Municipal de Educação
constituiu um desafio a mais. Como organizar esse espaço de forma educativa, exploratória,
pensando na segurança destes bebês, ainda demandando cuidados tão próprios? Às mães que
amamentavam, foi incentivada continuidade, com kits de amamentação e ampla possibilidade de
acesso à escola para o aleitamento. A escola está funcionando e atendendo a demanda de vagas
que a região impunha, bem como conta com a satisfação da comunidade que atende, embora
com a certeza de que ainda possui muito a ser feito. Para além de sua organização, precisamos
gerir maneiras de adequar uma obra pensada para o Nordeste do Brasil para o clima do nosso
Sul, com chuvas e ventos menos brandos que o norte do país. Temos por exemplo, o espaço
destinado a área de Refeitório, sem nenhuma proteção ou parede para diminuir o acesso das
questões climáticas. Um espaço usado satisfatoriamente em dias quentes, mas que, frente aos
rigores de nosso clima, precisou ser remanejado, ocupando- se o espaço da Sala de Multiuso
(que foi provisoriamente agregada à Sala de Informática). Ainda em relação a esta mesma área,
faltava proteção de toldos e vidros para diminuir o acesso da chuva. Parte deste problema
foi resolvido, mas ainda se constitui um paliativo frente a inadequação do uso de um espaço
tão amplo e desprotegido. Cotidianamente nos damos conta de algo que pode ser aprimorado,
facilitado, acrescentado para que a escola seja mais acolhedora, para que cumpra com sua função
nesta comunidade de uma forma mais eficaz. Pautamo-nos, hoje, em um documento construído
a partir de um estudo propositivo do Ministério da Educação sobre a Organização dos Espaços
internos e externos das unidades do Proinfância no Brasil, exame este em consonância com as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, a base de nossas ações pedagógicas
na escola e na Educação Infantil do país, para subsidiar a qualidade no atendimento. Tal
manifestação, feita por Horn (2013), busca evidenciar formas de organizar os espaços para
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atender a infância, externando que esta construção não possui regras fixas, mas deve ser fruto
das relações entre os atores que ali atuam e das infâncias socioculturais do meio em que inserem,
sendo mutantes, se reestruturando a cada tempo, de acordo com as vivências de cada grupo e as
necessidades impostas de seu desenvolvimento.
A escola não está pronta. Aliás, esperamos que jamais esteja conclusa. Enquanto um
espaço de produção de conhecimento e de múltiplas aprendizagens, a escola deve ser um espaço
em constante transformação, em construção permanente e imbuída da ideia de que estará sempre
em desenvolvimento. Espaço esse constituído de forma dinâmica pela constante reflexão do
trabalho pedagógico. Por questões de organização da mantenedora – SMED, temos reuniões
mensais de Formação Continuada com os profissionais (Professores e Monitores), buscando
qualificar as discussões e a construção dos fazeres pedagógicos. Nestes encontros, além do aporte
teórico, é incentivada as reuniões por grupos etários e também entre as equipes de trabalho, com
o propósito de aproximar as experiências e instigar os questionamentos e as reflexões necessárias.
Como gestoras, temos organizado momentos de reunião também com as equipes de Higiene
e de Nutrição, para organização do trabalho destas, buscando fazê-los compreender a
importância da atividade destes profissionais no dia-a-dia da escola. Nesse sentido, destacamos
a importância destas formações, presente em Pantoni ett ali (2002):
“(...)é fundamental que o educador realize sistematicamente uma reflexão sobre suas ações, de preferência
antes e depois delas, através de planejamento e avaliação. (...)
É preciso que ele tome sua prática como objeto para reflexão. Assim, o educador torna-se peça
fundamental da construção de seu conhecimento, do conhecimento das crianças, da proposta pedagógica
da instituição, de sua identidade profisisonal e da qualidade do serviço prestado à comunidade como um
todo.” (Pantoni ett ali, p. 27, 2002)
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A ação de todos os profissionais envolvidos – equipe diretiva, professores, monitores,
funcionários - faz-se imprescindível para manter a escola funcionando tanto no aspecto
pedagógico (planejamento de ações, projetos, atividades pedagógicas) quanto no aspecto
físico (limpeza e cuidados de higiene dos espaços, a qualidade da alimentação fornecida). Os
desafios são diários, constantes, dinâmicos. E enquanto estiverem presentes na ação pedagógica
dos profissionais que constroem a educação deste país, ainda temos chance de fazer a
diferença neste país e de mudar o mundo.
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Sala Multiuso
Fonte: Arquivo Pessoal - Sabrina Garcez.
Sala do Berçário 1
Fonte: Arquivo Pessoal – Sabrina Garcez
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Saguão interno da escola
Fonte: Arquivo Pessoal – Sabrina Garcez
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Referências
Horn, Maria da Graça Souza. Estudo propositivo sobre a organização dos espaços internos
das unidades do Proinfância em conformidade com as orientações desse programa e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs) com vistas a subsidiar
a qualidade no atendimento. Brasília, MEC, 2013.
Oliveira, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: CORTEZ,
2002.
Pantoni, Rosa V.; Teles, Regina; Mello, Ana Maria e Rossetti-Ferreira, M. Clotilde. A formação
nossa de cada dia. in Os Fazeres na Educação Infantil, organizado Maria Claúdia Rossetti-
Ferreira ett ali. São Paulo: CORTEZ, 2002.
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A ANTECIPAÇÃO DA ESCOLARIDADE ATRAVÉS DE MANDADOS DE
SEGURANÇA: PERCEPÇÕES DE PAIS SOBRE A PRÉ-ESCOLA1
Este texto tem como objeto a percepção sobre a Pré-Escola de pais que solicitaram judicialmente
a matrícula de seus filhos através de Mandados de Segurança. Como metodologia, realizou-se
entrevistas semiestruturadas com dezessete pais. Como aporte teórico recorreu-se principalmente
a autores da Sociologia da Infância e da Judicialização da Educação. Verificou-se um constante
estado de tensão na educação da criança pequena: ao mesmo tempo, deve preservar a infância e
tornar a criança competente. Conclui-se que as percepções sobre a Pré-Escola não contribuíram
para diferenciá-la do Ensino Fundamental pois, no imaginário e na prática, é percebida com muita
ambiguidade. É tanto considerada como o período em que a criança tem mais liberdade para
brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas aprendizagens, como
é entendida na lógica da seriação, seguindo o ritmo do EF9 e tendo como aprendizagens mais
importantes a leitura e a escrita.
Palavras-chave: Percepção sobre a Pré-Escola. Antecipação da escolaridade da criança.
Judicialização da educação.
INTRODUÇÃO
Decorridos dez anos da publicação da Lei 11.274/2006, que implanta o Ensino Fundamental
de Nove Anos (EF9) a questão da data de corte para matrícula no 1º ano ainda não foi resolvida de
forma abrangente para todo o país (OLIVEIRA, 2015). Esta questão constituiu-se alvo de ações
no judiciário, notícias na mídia, manifestação de sindicatos particulares e discussões no meio
educacional, tornando-se um assunto polêmico que suscitou debates acalorados pelo país,
revelando a atualidade e a importância social dessa discussão, trazendo consequências também
para a educação infantil (OLIVEIRA 2013; 2015).
Pesquisas realizadas no Brasil e no exterior têm mostrado que existe uma relação positiva
entre a escolaridade futura da criança e a sua experiência na Pré-Escola e aqueles dos estratos
inferiores da distribuição de renda são os mais beneficiados pela Pré-Escola (CAMPOS et al.,
2011a; 2011b; TAGGART et al., 2011; SYLVA et al., 2010; MOSS, 2011).
1 Trabalho apresentado ao VII Copedi/2015. Parte da Tese de Doutorado intitulada A criança de cinco anos no ensino
fundamental de nove anos: percepção de pais, diretores e juízes, defendida em julho de 2015 na FaE/UFMG. A pesquisa teve
apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2 Doutora em Educação pela FaE/UFMG(2015), professora do IFSULDEMINAS Campus Pouso Alegre. Contato:
suelimachadop@gmail.com
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Segundo Almeida (2005), a contração no fluxo e na densidade populacionais da rede escolar
é o resultado previsível das estratégias de fecundidade dos casais. Assim, numa sociedade mais
envelhecida, pode-se constatar a presença global de menos crianças e alunos, “mas, em
compensação, a existência de alunos desde idades cada vez mais precoces e por um período de
tempo cada vez mais longo” (ALMEIDA, 2005, p. 583).
Objetiva-se neste artigo trazer as percepções de pais sobre a Pré-Escola e as lógicas
subjacentes para a solicitação de matrícula de seu/sua filho/a com data de aniversário posterior às
datas de corte através de Mandado de Segurança.
Destacam-se no quadro teórico de análise aqui contemplado, principalmente autores da
Sociologia da Infância e da Judicialização da Educação.
Como caminho metodológico escolheu-se, na coleta de dados, a entrevista semiestruturada,
de forma que se teve um guia dos tópicos abordados para se obter o conhecimento que o
entrevistado possui imediatamente à mão. Utilizou-se para o registro da entrevista a gravação
digital e a posterior transcrição e análise. Segundo (FLICK, 2009), tem-se como função na
interpretação dos textos a busca de dois objetivos opostos, aplicados tanto alternativa quanto
sucessivamente, sendo que o primeiro “consiste em revelar e expor enunciados ou contextualizá-
los no texto”, levando a um aumento do material textual – de trechos curtos no texto original, para
páginas inteiras muitas vezes. O segundo objetivo é o de “reduzir o texto original por meio de
paráfrase, de resumo ou de categorização”. Assim, analisou-se cada entrevista primeiro
isoladamente – tempo no qual buscou-se reconhecer fragmentos que tivessem regularidades,
singularidades, familiaridades e estranhezas. Posteriormente, analisou- se os recortes, buscando-
se agrupá-los por recorrências e similaridades. E, por fim, a análise permitiu construir algumas
“amarrações” que mostrassem as compreensões, sentidos e lógicas subjacentes às falas dos
sujeitos.
Para identificar os sujeitos para a entrevista, realizou-se a análise da data de nascimento dos
alunos do 1º ano, de acordo com o Livro de Matrícula, no período compreendido entre os anos de
2007 a 2013, em quatro escolas privadas administradas por instituições particulares localizadas
na cidade de Poços de Caldas, sul de Minas Gerais.3 Para a coleta de dados, procedeu-se à
análise de cada ano, verificando-se que foram matriculados 156 alunos no 1º ano do EF9 com data
3
Todos os diretores assinaram Termo de Anuência.
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de nascimento posterior à indicada pelas normativas. Analisando as pastas individuais verificou-
se que 09 matrículas foram efetivadas por meio de liminares; 68 com amparo no Parecer CEE/MG
n. 1.071/20104; 07 com o Termo de Ciência e Responsabilidade assinado pelos pais; 11
amparadas por Parecer que regulariza matrículas indevidas 5; em 20 constam relatórios
psicopedagógicos; e em 41 pastas de crianças não foram encontrados amparos legais; destas,
02 matrículas foram realizadas por transferência de estabelecimentos de outros estados. Assim,
em apenas quatro escolas deste município, verificou-se que 26,3% das matrículas ocorreram de
forma irregular, sem a observação do limite de idade, sem amparo legal e sem que isso fosse
detectado pela direção ou por órgãos superiores de inspeção escolar. Entretanto, não se
aprofundou nesta questão, por não ser este o objeto da pesquisa. Identificou- se através dos
diretores outras 09 matrículas através de liminares realizadas no 4º período da Pré-Escola.
Buscaram-se informações de filiação, endereço e telefones para contato em todas as pastas e
posteriormente foram feitas ligações para todos os 18 pais. Os pais de 05 alunos não quiseram ou
não puderam dar entrevista, obtendo-se um total de dezessete entrevistas (em quatro situações
pai e mãe foram entrevistados em locais e horários diferentes). Todos assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, e tiveram suas dúvidas quanto à pesquisa respondidas pela
pesquisadora e foram referenciados por “Pai” seguido de numeração arábica.
DESENVOLVIMENTO
4 A matrícula, no ano de 2011 e 2012, no 1º ano do Ensino Fundamental, teve como regra geral que só poderia ocorrer para as
crianças que completaram 6 anos de idade até 31 de março e em caráter excepcional, as crianças de 5 anos de idade,
independentemente do mês de seu aniversário de 6 anos, que no seu percurso educacional estiveram matriculadas e frequentaram,
por 2 anos ou mais a Pré-Escola, poderiam dar prosseguimento para o Ensino.
5Como por exemplo, o Parecer CEE/MG n. 408/2009 que amparou dez crianças com matrículas que desrespeitaram a data-limite.
6 Adaptação nos prédios escolares e transporte que garantem a acessibilidade e o atendimento especializado às
crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais.
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A autora destaca, ainda, que “a maioria das ações é levada a litígio em períodos
específicos, ocasionados por alterações nas políticas de oferta do atendimento educacional e na
legislação” (SILVEIRA, 2010, p. 191). Assim se deu em relação à data de corte, pois foi a partir
da implantação do EF9 e da regulação pelo CNE, do dia 31 de março como limite máximo, que
foram efetivadas muitas matrículas no 1º ano do EF9 e na Educação Infantil, de forma seletiva e
elitista, através de liminares7. A Educação Infantil muitas vezes não é levada a sério pela própria
direção das escolas, pois estas nem sempre fizeram o alinhamento das matrículas a partir desta etapa
de acordo com a data de corte vigente, o que acarretou muitas demandas judiciais. A questão da
data de corte foi deixada para o EF9, pois, segundo este depoimento “ainda é Educação Infantil,
a gente vai levando (Pai 14)”.
Segundo o Pai 15, as solicitações na justiça para matrícula foram percebidas como uma
onda “um movimento, uma massa, as pessoas fazem então eu também vou fazer” e segundo o
Pai 17 foi “imposta pela sociedade e pelos [outros] pais. Muitas pessoas solicitaram sem ao
menos pensar sobre o que as impulsionou ou sobre as consequências dessa ação para as crianças,
chegando-se a afirmar que: “todo mundo está indo, então a gente também vai (Pai 15)”. E,
ainda, muitos pais buscaram a matrícula no 1º ano do EF9 apesar da escola ter orientado o contrário.
Neste caso, a criança foi considerada imatura pela escola – que a acompanhou o ano todo – e,
através de um laudo psicopedagógico e de uma medida liminar, ela entrou no EF9.
- O que foi passado para a gente na reunião é que ela ainda não está preparada. Ela ainda é
imatura para o aprendizado. E a cobrança agora é maior (Pai 10).
- Na época, o processo foi muito complicado. O processo em si é rápido, o mandado de segurança é muito rápido.
Mas o fato de a gente ir na escola com a mesma turma, participar das reuniões, eles retirarem a gente da turma, ter
que fazer reunião separada, ter que mandar carta, ter que mandar e-mail, ficou assim muito discriminatório. Na
época, não ficou bom. Para a gente que passou por esse processo, não foi legal. Foi meio traumatizante na época
(Pai 8).
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Para os depoentes 10 e 12 muitos pais não deram atenção à orientação da direção da escola
de manter as crianças na educação infantil por motivação financeira, com o argumento de não
querer pagar de novo a mesma série. A motivação financeira é colocada como sendo de outros
pais, pois este motivo, nas entrelinhas, não é considerado digno de confessar.
Destaca-se no excerto abaixo que a política educacional, colocando a criança mais cedo no
EF9 e em consequência também nas etapas anteriores (Creche e Pré-Escola), foi importante para
os que residem na área rural, visto que as Creches e Pré-Escolas se encontram basicamente em áreas
urbanas, e o transporte escolar atende, majoritariamente, alunos das etapas posteriores. Crianças
nestas condições ou são ensinadas por adultos mais capazes ou são alfabetizadas no 1º ano do
EF9.
- Pra nós que moramos na zona rural, não tem creche. Ela estaria em casa sem fazer nada, só brincando. Criança de
lá não frequenta creche. Ela entraria na escola depois das outras crianças e sem saber nada. Ela aprendia alguma
coisa, só se ela tivesse interesse mesmo. Eu ia falando pra ela coisas que ela mesma ia me perguntando (Pai1).
Outra questão colocada foi a alteração constante da data de corte, cujas mudanças
consideradas “de uma hora pra outra (Pai 8)” geraram confusão e dificultaram o
acompanhamento pelas escolas.8 Isso não passou despercebido, principalmente nos casos em que,
numa mesma família, duas crianças enfrentaram esse limite: “me pareceu muito arbitrária [a lei],
não entendo o sentido dela até hoje, até porque, pelo que eu entendo, eles mudam ela mês sim,
mês não, alteram o conteúdo dessa lei, esse limite etário (Pai 12)”.
Esse pai considerou que um critério seria justo se tivesse a ver com o pedagógico, e não
“com diretrizes que o governo tem para as escolas públicas, e verbas, e necessidade de dividir
turmas (Pai 12)”, pois para ele, não faz sentido que:
- Crianças que têm uma condição plena de viver uma estimulação completamente nova em crescimento e
aprendizagem fiquem retidas um ano na vida, marcando passo em cima de um conteúdo que já está dominado, por
causa de uma determinação que não tem fundo pedagógico (Pai 12).
Em toda questão que envolve um limite temporal, considera-se injusto não alcançar um
8 Em Minas Gerais, no período de três anos a data se alterou quatro vezes: 30 de abril, de 2004-2008 (Resol. SEEMG
n. 469/2003); 30 de junho em 2009 (Resol. SEEMG n. 1.086/2008); 31 de março, de 2010-2013 (Resol. SEEMG n.
1.086/2008); e, a partir de 2014, a data de corte volta a ser 30 de junho (Lei Estadual n. 20.817, publicada em
30/07/2013).
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direito por questão de horas, dias ou alguns meses. Mas, sobretudo nesta questão da matrícula,
isso implica adquirir o direito somente no ano letivo seguinte, o que não ocorre com muitas das
outras limitações etárias nas quais o sujeito está apto no dia seguinte ao do seu aniversário. Assim,
levando para casos individuais a data de corte poderia não trazer efetiva diferença no
desenvolvimento das crianças. Segundo suas percepções “10 horas não influenciaria em nada
(Pai 16)”, “por apenas quatro dias, ela [vai] perder um ano (Pai 1)” ou “um mês de idade de
diferença nunca fez diferença nenhuma na sala dele (Pai 8)”. Entende-se que qualquer data de
corte será questionada por aqueles que se sentem prejudicados, porque a data escolhida foi anterior
daquela que atenderia aos seus interesses pessoais.
A consciência da importância do brincar nessa idade surgiu mais tarde, com a ponderação
de estar impondo à criança, de forma precoce, um desenvolvimento que poderia ter-se dado em
época posterior, sem nenhum prejuízo a ela. A dúvida que não tiveram à época em que entraram
com a solicitação judicial se manifestou quando perguntados sobre o que achavam da criança
entrar com cinco anos no EF9. De forma contraditória à solicitação judicial, consideraram que,
embora a criança dê conta das aprendizagens, “não tem pressa para começar (Pai 8)”. Em muitos
casos, não se deram conta de que a sua própria solicitação na justiça era para matricular a criança
ainda com cinco anos no EF9, idade essa agora considerada como neste excerto, um período em
que a criança ainda é “muito imatura para o primeiro ano (Pai 11)”.
- O adulto é muito reflexo do que a gente foi como criança. Então, se você pulou [etapa], acho que vai ficar o vazio,
faltando esse lado. Eu não sei explicar, mas eu sinto assim. Vai ficar faltando alguma coisa que você deixou de
fazer como criança (Pai 2).
- Pelo fato de eles entrarem muito cedo na escola, eles perdem um pouco da infância. Eu fico com dó. Eu tenho dó
dessa criançada. Porque, é o seguinte, a infância foi feita para a criança brincar. E hoje as responsabilidades são muito
grandes em cima deles (Pai 9).
Entretanto, em alguns casos, os próprios pais perceberam que dificuldades atuais e futuras
podem ser creditadas na pressa para começar, como é o caso da criança que, por ser “a mais
novinha na sala, ela [a professora] nota que, em algumas matérias, ela tem alguma dificuldade.
Tem que ficar dando mais atenção para ela. E isso provavelmente vai acompanhar ela a vida
inteira. Então não sei se é o ideal se fazer isso [antecipar] (Pai 2).”. E, ainda, meses de
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diferença na idade da criança podem não fazer diferença em seu aprendizado, mas podem deixá- la
vulnerável em relação às crianças maiores e mais velhas, como na afirmação que se segue.
- Ela é a mais nova da sala e não tem problema para acompanhar o que a professora ensina. O que acontece é que
como ela é a mais nova e a menorzinha da sala os outros mexem muito com ela e também chamam ela de nerd por ela
ser muito dedicada (Pai 5).
Assim, a diferença pôde ser notada, influindo em alguns casos no desenvolvimento corporal da
criança:
- Eu sinto de diferença, por exemplo, é no pega-pega... ela é um pouco mais lenta que as outras. Isso sim. Mas na
questão de ensino ela acompanha de boa, ela também, por exemplo, nas brincadeiras assim normais, de sala de aula,
ela não tem dificuldade nenhuma (Pai 6).
9Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de
maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas.
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faculdade com uma idade menor (Pai 12)” e, consequentemente, levando à entrada no mercado de
trabalho mais cedo também.
Outro fator de destaque se refere à certeza dos pais na própria capacidade de avaliação do
desenvolvimento da criança, que pode ser creditado ao fato de as crianças, nesta fase, mostrarem
em casa os aprendizados adquiridos no dia a dia, e ao fato de pais da classe média serem mais
informados sobre questões pedagógicas e, portanto, se sentirem mais capazes desse
acompanhamento. Esse empoderamento pode também ser percebido pela visão de que garantir a
matrícula seria uma questão de justiça e de direito nos excertos: “Seria injusto ele ficar (Pai 9)”;
“Estavam prontos e não podiam continuar porque a lei colocou uma data de corte. Então a gente
achou certo entrar na Justiça para garantir o direito dele de continuar (Pai 8)”. Verifica-se que
a garantia do direito à educação é percebida como se ele não estivesse garantido com a permanência
da criança na Educação Infantil.
- De 11 a 15 crianças ficaram nesse quinto ano, aprendendo nada de diferente. Tentando aprender coisas que elas
não tinham visto, mas sem entrar na matéria do primeiro ano (Pai 8).
Pode-se levantar aqui as seguintes questões: escolas com sistema apostilado tiveram/têm
mais dificuldade para o fato de a criança permanecer mais um ano na educação infantil? Se o
currículo não fosse amarrado em apostilas as dificuldades seriam as mesmas? As Diretrizes
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Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), se bem entendidas, minorariam
os problemas ocorridos?
Outra questão que se destaca é que as percepções sobre a Pré-Escola não contribuíram
para diferenciá-la do EF9. Apesar de se diferenciarem conceitualmente, no imaginário e na
prática a Pré-Escola é percebida com muita ambiguidade. Zabalza (2000) diz que as famílias
acabam vendo a escola de Educação Infantil mais como uma expressão das condições impostas
pela sociedade para que o sujeito integre-se dentro dela do que como uma oportunidade real para
enriquecer os recursos pessoais nos diversos domínios de desenvolvimento.
Correa (2011) e Malta (2012) evidenciaram que o brincar livre está muito mais presente
e é mais respeitado na Educação Infantil, enquanto no EF9 ele é realizado de maneira direcionada
pelo professor e com muita ênfase nos conteúdos curriculares obrigatórios, principalmente na
alfabetização e letramento.
Alguns consideram a Educação Infantil como o período em que a criança tem mais
liberdade para brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas
aprendizagens.
- Eu acho que a alfabetização não é obrigatória porque a criança não é forçada a fazer nada. Ali [na educação infantil]
ela é livre. Ela está tendo uma noção do que ela vai aprender, mas ela não é obrigada a cumprir igual a gente pega
uma prova e é obrigado a dar conta. Se ela estiver afim de não fazer, ela não vai fazer (Pai 1).
- Na minha forma de pensar, é desfrutar de todos os direitos que lhe são devidos, porque no pré ela não tem
compromisso, ela está ali para brincar, e automaticamente se instruir (Pai 5).
- É o lugar para viver, brincar, conviver com os outros, com os amigos (Pai 8).
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de estímulos presentes em nossa sociedade. Este não pode ser, portanto, um critério a ser
considerado para a entrada nesta etapa de ensino. Entretanto o entendimento não é este. Para os
depoentes, o domínio da leitura e da escrita é uma habilidade que esperam ser desenvolvida na
Educação Infantil e, se desenvolvida, a criança deve seguir para outra etapa. Verifica-se de forma
inequívoca a importância da alfabetização como elemento definidor da identidade desses
primeiros anos da educação básica – a Pré-Escola e os anos iniciais do EF9.
- Então ela não tinha para onde ir. Ou ela ia para o primeiro ano ou ela voltaria um ano. Então foi por essa razão que
a gente achou, tipo assim, ela já sabia ler, já tinha o domínio da escrita um pouquinho, então por que colocar para trás?
Então nós tentamos avançar ela com todas as crianças da mesma época que ela, que foram para frente. Então nós
colocamos também (Pai 3).
- Nosso filho já tinha completado o Pré I e o Pré II, já vinha com aquela mesma turminha, que conseguiu seguir
por conta de já ter a idade correta, já sabia ler e escrever, e já iria fazer seis anos em nove de abril (Pai 8).
- Porque tinha condições de seguir na escola. Ele estava apto para passar para o primeiro ano. Ele já sabia ler, no
caso (Pai 9).
- Se uma criança com cinco anos já sabe ler, para que ela vai ficar para trás? Vai ficar esperando o que? (Pai 12).
- Na educação infantil o sistema também é apostilado. E ela tem muitas atividades para fazer o tempo todo. Todo
dia tem dever, só final de semana que não. Depende, tem dia que tem duas, três folhas. Tem dia que já tem três
folhas e mais um livro de literatura. Tem bastante dever sim (Pai 10).
Para Dubet e Martucelli (1996), o conceito de educação da classe média é mediado pela
presença de uma forte cultura psicológica que estabelece um acordo entre a necessidade de
realização da criança e seu desempenho escolar. Não seria, por outro lado, o fato de queimar
etapas no desenvolvimento infantil o que estaria, cada vez mais, levando os consultórios de
psicologia a receber crianças forçadas precocemente a atender às expectativas dos adultos?
Nota-se também que os relacionamentos das crianças são observados e estimulados pelos
adultos, e encontra-se em suas falas um apelo para manter a ligação das crianças com outras da
sala, com as quais elas mantêm relação de amizade, o que também foi encontrado na pesquisa de
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Fevorini e Lomonaco (2009), em que os pais esperavam que a escola promovesse uma
interação saudável entre os alunos e que seus filhos desenvolvessem amizades sólidas e tivessem
prazer em ir à escola. Os Pais 2, 5, 8 e 16 preferiram proteger a criança de possível frustração, de
forma que ela continuasse com os mesmos amiguinhos, considerando que seria um problema ter
que começar com outra turma e ver a turminha dele inteira andando. Entretanto, verifica-se uma
contradição em querer que a criança acompanhe os amigos para brincar, pois, como vimos, no
EF9 o tempo para brincar vai ficando cada vez mais restrito.
Observa-se uma ênfase na competição entre as crianças, embora a Educação Infantil não
seja um meio de promoção para o EF9 e, nesta etapa, conforme o Art. 31º da LDB, a avaliação
deve ser realizada mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, ou seja, sem
notas. Entretanto observa-se que, na prática, as escolas mensuram quantitativamente e os pais
comparam os resultados de seus filhos. No fundo, não seria o sentimento de que estariam sendo
“reprovadas” mais traumatizante para os pais do que propriamente para as crianças? Se
preocupam com o fato de os filhos entrarem mais cedo na escola, pois, caso contrário, como diz
este pai, a criança ficaria com “um déficit social, um déficit de, vamos dizer assim,
intercomunicação (Pai 2)” comparada com outras crianças que entraram mais cedo.
Outra questão verificada foi a ênfase colocada na concorrência num mercado futuro, numa
posição ambígua, pois, mesmo considerando a “infância sagrada (Pai 9)”, impuseram à criança
uma sobrecarga de atividades, de forma a torná-la apta à concorrência. Se a criança não é colocada
mais cedo na escola, “aí, quando vai chegando mais para frente, os outros já estão com isso, estão
com aquilo, e seu filho começando a ter (Pai 9)”.
Isso significa um constante estado de tensão na educação da criança, que, ao mesmo tempo,
deve preservar a infância e prepará-la para o futuro. Chegam a afirmar que “elas estão precoces
nessa questão, mas isso é uma exigência do mundo (Pai 13)”, ou mesmo que é preciso “preparar
para o futuro, mas sem prejuízo da infância (Pai 12)”. Assim, de acordo com a experiência de R.
Ballion10 (1982, citado por DUBET; MARTUCELLI, 1996), os pais se comportam também como
"consumidores" de escola em um "mercado" dominado pela concorrência de crianças e das
escolas. Percebe-se que, ao mesmo tempo em que é importante manter a criança no grupo de
coleguinhas no qual ela iniciou a escolarização, argumentam que “nos dias de hoje há uma
competição muito grande no mercado de trabalho e cada um deve ter um lugar estabelecido (Pai
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2)”. Assim, “é um prejuízo para a criança perder um ano (Pai 1)” e, no que mundo atual,
“não tem tempo pra você ficar para trás (Pai 6)”.
Dessa forma, responde-se afirmativamente à pergunta de Mollo-Bouvier (2005), “seriam
as aprendizagens precoces um antídoto contra o temor dos pais diante do futuro?”. Da mesma
forma, confirma-se sua assertiva de que, “hoje em dia, o tempo social concedido à infância
segmenta-se, encurta e, às vezes, cai no esquecimento” (MOLLO-BOUVIER, 2005, p. 394-
400).
É curioso constatar que os pais, quando se referem à infância, eximem-se de
responsabilidade pela precocidade da criança e não percebem o quanto eles próprios contribuem
para que a criança esteja perdendo o tempo da infância ou a modificando, um tempo único na
constituição do sujeito, talvez com tristes consequências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que a polêmica em torno da data de corte trouxe uma maior visibilidade para
a criança, a infância e a Educação Infantil. Há um constante estado de tensão na educação da
criança, que, ao mesmo tempo, deve preservar a infância e prepará-la para o futuro. Encontram- se
nas justificações dos pais elementos que articulam traços da ideologia neoliberal – educar para o
desempenho, a concorrência no mercado futuro e a competição entre as crianças – com os do
discurso do bem-estar da criança – de fazer o que é melhor para ela. Os pais se eximem de
responsabilidade pela precocidade da criança e não percebem o quanto eles próprios contribuem
para que a criança esteja perdendo o tempo da infância ou a modificando. As percepções sobre a
Pré-Escola não contribuíram para diferenciá-la do EF9 pois, no imaginário e na prática, é
percebida com muita ambiguidade. É tanto considerada como o período em que a criança tem
mais liberdade para brincar, em que ela não é obrigada a cumprir as tarefas e dar conta de tantas
aprendizagens, como é entendida na lógica da seriação, seguindo o ritmo do EF9 e tendo como
aprendizagens mais importantes a leitura e a escrita.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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n. 176, p. 579-593, 2005.
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Lien Social et Politiques – RIAC, Montreal, n. 35, p. 109-121, Printemps, 1996.
FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Tradução Joice Elias Costa. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2009.
MOSS, P. Qual o futuro da relação entre educação infantil e ensino obrigatório? Cadernos de
Pesquisa, v. 41. n. 142, jan/abr. 2011, p. 142-159.
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SILVEIRA, A. A. D. O direito à educação de crianças e adolescentes: análise da atuação do
Tribunal de Justiça de São Paulo (1991-2008). 2010. 304 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós
Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
SYLVA, K. et al. Early childhood matters: evidence from the effective pre-school and primary
education project. London: Routledge, 2010.
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Educação Alimentar e Nutricional junto a Infância
RESUMO
A presente prática retrata uma ação educativa não formal em Educação Alimentar e
Nutricional com crianças (3 a 5 anos). Pensamos com as crianças formas de ter uma
alimentação saudável e ampliar o conhecimento em torno da cultura alimentar brasileira.
Nossa prática teve uma abordagem educacional problematizadora, para o desenvolvimento
do diálogo junto as crianças. Como método de ação, usamos recursos lúdicos, rodas de
conversa, oficinas culinárias etc. Esses tipos de práticas nos permitiram aprofundar sobre a
história e cultura de nossa culinária, sobre a quantidade de ingredientes nocivos presentes nos
alimentos, sobre a importância de cozinharmos nossa comida etc. A experiência contribuiu
para a efetivação de uma Educação Alimentar e Nutricional que aprofundou os elementos
históricos, culturais, sociais que permeiam a alimentação da criança brasileira, além de gerar
debates em torno dos hábitos alimentares contemporâneos nocivos e suas implicações, tais
como o sobrepeso e obesidade
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Desde 1990 o Governo Federal tem demostrado preocupação com a aquisição de
hábitos disfuncionais na alimentação do brasileiro. Estudos indicaram que a população
infantil cada vez mais cedo adquiri péssimos hábitos alimentares. Segundo Rodrigues
(2012), no Brasil, dados sobre o consumo alimentar de 26 mil crianças de 5 a 10 anos,
oriundos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) (2009), indicaram
consumo inadequado de frutas e, principalmente, de verduras e legumes. Cerca de 30%
das crianças não ingeriam esses alimentos. Entretanto, alimentos disfuncionais, tais
como, biscoitos salgados, salgadinhos de pacote, doces e biscoitos recheados eram
consumidos três dias ou mais na semana, por mais de 50% das crianças.
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comunicação; e o uso do discurso científico na publicidade de alimentos, são outras
estratégias que a sociedade baseada no Capital e consumo também usam para transformar o
cenário alimentar, desencorajando uma alimentação baseada, na produção e consumo de
alimentos in natura.
De um modo geral, a alocação de uma parte de um discurso cientifico neutro, a
globalização da economia e a industrialização exercem um papel importante na crescente
produção e consumo de alimentos de maior concentração energética, altamente
palatáveis, disfuncionais, com excesso de aditivos químicos, de aparência magistral (as
embalagens atuais dos alimentos são coloridas, alegres e “informativas”) e de custo
relativamente baixo.
Segundo Garcia (2003), a uniformização de certas práticas e do comportamento
alimentar facilitam as mudanças na alimentação que vão sendo incorporadas como parte
do modo de vida operante. Pressionadas pelo poder aquisitivo, pela publicidade e
praticidade, as práticas alimentares vão se tornando permeáveis a mudanças,
representadas pela incorporação de novos alimentos, formas de preparo (atualmente há
uma gama enorme de comidas que necessitam apenas ser descongeladas), compra e
consumo. Contudo, é possível que tais mudanças encontrem mais ou menos resistência,
dependendo da cultura alimentar e da consolidação de suas práticas estabelecidas e
simbolicamente valorizadas.
De acordo com Ribeiro (2000), o vazio de nossa origem, relatada como país
subalterno, dependente, colonizado, influi na definição de nossa identidade. Enquanto outras
nações se perguntam para onde irão, nós nos perguntamos quem somos. Todavia, ao perceber
que raiz, origem, identidade são construídas, este vazio passa a ser um trunfo pela liberdade
em relação à raiz, manifestada em uma ideia de nacionalidade a qual o autor se refere
como “quase antropofágica”, no sentido de integrar o outro. Participando desta mesma
discussão a respeito do país, Freire Costa (2000) destaca a rapidez e a facilidade com que
o brasileiro absorve itens das culturas americana e europeia por serem consideradas
modos de vida “superiores” pelos que se julgam “inferiores”.
Para Dória (2002) a nossa culinária, composta pelas culturas indígenas e pelas
heranças negra e ocidental ibérica, são por analogia, três línguas diferentes, três sistemas
culinários irredutíveis uns aos outros e ainda desconhecemos de fato nosso repertório
culinário dos últimos 500 anos por falta de interesse das elites dominantes, cujos olhares
sempre se voltaram para a Europa e, mais recentemente, para os Estados Unidos, em uma
perspectiva de imitação, reservando desprezo pelo nativo. Ao instigar uma gastronomia
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sustentada na criação e redescoberta dos sabores brasileiros, o autor coloca como desafio
renovar a culinária de uma estrutura formada por sistemas culinários distintos. Este suposto
caráter permeável da nossa cultura resultaria em uma capacidade de importar novas práticas
e gostos, de gerar novas demandas, de assumir prontamente mudanças no modo de vida e de
abandonar aqueles costumes e práticas que poderiam conformar uma identidade própria.
Sejam quais forem as explicações para as mudanças sofridas nas práticas alimentares, é certo
que elas engendram um novo padrão alimentar.
Para Rodrigues (2012), as crianças, que por ser uma camada da população mais
frágil diante do estilo de vida consumista da contemporaneidade e das artimanhas
sedutoras da indústria alimentícia e marqueteira são as que mais tem seus hábitos ditados
pelo mundo do novo Capital.
McNeal (2000) aponta que as crianças na contemporaneidade se tornaram
consumidoras, apresentando recursos próprios para a aquisição de produtos,
principalmente do segmento de alimentos e bebidas. Para o autor, esse tipo de comércio
entre as crianças ocorre em todas as classes sociais de maneira independente dos pais.
Entretanto, as crianças têm maior acesso a produtos menos nutritivos (guloseimas e
salgadinhos em pacotes) já que eles estão cada vez mais baratos, sempre disponíveis nas
prateleiras dos supermercados, altamente palatáveis, atrativos na apresentação e
potencializados pelo grande número de propagandas televisivas.
Rocha (2011) indica que a atual Política Nacional de Alimentação e Nutrição
(PNAN) (BRASIL, 2003) aponta a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como uma
estratégia factual para a promoção da alimentação saudável, mas não aprofunda a sua
reflexão nem estabelece normas para desenvolver, analisar e avaliá-las; ao contrário,
ressalta a dificuldade ao assumir a necessidade de buscar consenso sobre
conteúdos, métodos e técnicas do processo educativo que envolva a EAN. Embora a EAN
seja valorizada, ao mesmo tempo se dilui no conjunto de propostas, pelo fato de suas
bases teórico-conceituais e operacionais, não estarem claramente estabelecidas.
Para Boog (1997) a promoção da EAN deve valorizar e resgatar elementos da
cultura alimentar, considerando a segurança alimentar, respeitando e modificando crenças
e atitudes em relação à alimentação veiculada pela indústria alimentar. É também preciso
levar em conta o acesso econômico e social da população à alimentação adequada,
promovendo essa questão em programas comunitários, escolares e de saúde.
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De um modo geral, a alimentação representa a manifestação da formação social e
cultural de um povo, a chave simbólica dos costumes, um código subjetivo que registra,
forja identidades, que denuncia e evidencia um modo de pensar o mundo.
Quando a EAN é postulada meramente como uma consulta parcial do tratamento,
a-histórico e atemporal, independente de grupos sociais, desconsiderando as questões
mencionadas, ela se torna um saber técnico, alienado, que não valoriza o sujeito e sua
cultura alimentar e não o considera como capaz de transformar sua história.
Para Valente (2002), ao considerarmos os processos históricos e sociais que estão por
trás da nutrição e o possível fortalecimento dos movimentos educativos populares na
reivindicação de uma alimentação mais crítica e saudável, poderíamos estar criando um tipo
de ação mais eficaz sobre a realidade da alimentação brasileira e resgatar sistemas alimentares
que foram ou estão sendo descartados na contemporaneidade, tais como, a produção e
consumo de alimentos caseiros – hortas, criação de animais de corte, cozimento etc. Michael
Pollan (2014), jornalista e ativista político e ecológico, defende que talvez a única forma do
sujeito contemporâneo enfrentar a indústria alimentar e seus malefícios seja produzido e
consumindo sua própria comida.
Na constituição desses sistemas, intervêm fatores de ordem ecológica, histórica,
cultural, social, psicológica e econômica que implicam representações e imaginários
sociais envolvendo escolhas e classificações. Assim, estando a alimentação humana
impregnada pela cultura, é possível pensar os sistemas alimentares como sistemas
simbólicos em que códigos sociais estão presentes atuando no estabelecimento de
relações dos homens entre si e a natureza.
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), ao apontar a EAN como
estratégia para maior consciência sobre nossa cultura alimentar e consequentemente melhorar
a saúde nutricional dos brasileiros, também atribui aos educadores de diversos setores a
responsabilidade em orientar as crianças sobre o ato de alimentar-se a partir dos diversos
sistemas culturais, local, regional e nacional.
Portanto, a EAN pode ser um dos caminhos existentes para a promoção da saúde,
que leva a população a refletir sobre o seu comportamento alimentar a partir da
conscientização sobre a importância da alimentação para a saúde, permitindo a
transformação e o resgate dos hábitos alimentares tradicionais, além de introduzir vários
pontos discutidos do meio ambiente, como o acesso à água, o uso de agrotóxicos,
transgênicos, aditivos e a produção de resíduos - aspectos que fazem parte do contexto da
alimentação saudável devendo, portanto, ser integrados ao seu conteúdo.
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De certa forma, quem trabalha em EAN, além de associá-la a uma Educação para a
Saúde, deve focar suas questões educativas de forma crítica e transformadora. Tal como Paulo
Freire (1987) nos alertou: problematizar os elementos que cerceiam os processos educativos
é um caminho para a formação da consciência crítica dos educandos.
A educação libertadora possibilita ao sujeito encontrar condições para descobrir-
se e conquistar-se em sua própria história e ser capaz de sozinho controlar seus problemas,
após o diálogo com os educadores. A educação libertadora deve transformar a
dependência dos sujeitos sobre os educadores em independência, com reflexão e ação,
através da conscientização dos mesmos. É preciso que os sujeitos tomem consciência de
sua realidade para depois transformá-la. Vale a pena, então, pensarmos na condição atual
do sistema alimentar operante, debate-lo, redefini-lo e desenvolver novas forma de ter
uma alimentação saudável, histórica e crítica.
A educação problematizadora implica em um constante esclarecimento da realidade,
resultando na inserção crítica e reflexiva na realidade dos sujeitos e na negação do homem
abstrato, isolado, desligado do mundo. É um ato dialógico que possibilita a superação da
contradição educador-educandos, no qual ambos educam e são educados, se tornando sujeitos
do processo educativo. Desse modo, o educador refaz seu ato cognoscente, na
cognoscitividade dos educandos, que são agora investigadores críticos em diálogo com o
educador e não mais recipientes dóceis de depósitos de informações.
Portanto, convém ressaltar que nossa prática teve a abordagem educacional
problematizadora, ativa, não formal como elementos para o desenvolvimento do diálogo
e da reflexão junto as crianças na adoção de hábitos alimentares saudáveis, críticos na
intenção de melhorar a qualidade de vida e valorizar a cultura alimentar.
A construção da prática
Nossa prática pretendeu refletir junto com um grupo de crianças entre 3 a 5 anos
(o grupo conta com cerca de cinco a doze crianças a cada sábado) que frequentam o
projeto Escola da Família (projeto do Governo do Estado de São Paulo, que abre as
escolas para a comunidade nos fins de semana e, através de uma equipe de professores,
organiza atividades de lazer e esportes para a população) sobre a importância de uma
alimentação saudável e cultural.
Através de recursos lúdicos, rodas de conversa, oficinas culinárias, apresentação
e debates de animações que focam a alimentação em seus enredos desenvolvemos junto
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com as crianças questões que abordavam a alimentação saudável, a história de pratos
brasileiros e sua constituição funcional e os malefícios de uma dieta a base de alimentos
ultra processados.
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A utilização de recursos audiovisuais também foi por nós utilizado. A apresentação
de desenhos que fazem parte do universo da criança foi uma das formas que utilizamos para
desenvolver algumas práticas em educação alimentar e nutricional. Como ilustração de uma
dessas práticas, citamos a utilização do episódio do desenho Super Why (2ª. Temporada,
episódio 14,veiculado no canal Discovery Kids). Neste episódio discute-se o maleficio de
uma alimentação com excesso de açúcar que dá uma falsa sensação de energia duradoura
para uma das personagens do desenho. A personagem para brincar sente a necessidade de
consumir grandes quantidades de alimentos com excesso de açúcar (biscoitos industrializados
e refrigerantes) para ter energia, mas logo se cansa e fica sonolenta. O enredo do desenho vai
buscar respostas na história de João e Maria e mostra como as crianças da fábula eram
manipuladas por uma Bruxa má que tinha uma alimentação extremamente disfuncional. O
desenho aponta que uma alimentação com frutas, legumes e alimentos in natura dariam mais
energia para as personagens por muito mais tempo, uma vez que ficariam um tempo maior
no organismo das pessoas.
Em outra prática apresentamos um episódio do seriado mundialmente conhecido
Simpsons, no qual o personagem Bart fica dependente de açúcar. O desenho é crítico em
mostra os efeitos negativos do excesso de açúcar no organismo. Logo após, foi feito uma
discussão do vídeo e dos rótulos de biscoitos recheados, doces achocolatados, salgadinhos
em pacotes, refrigerantes e gelatina. Nossa discussão centrou em apontar como podemos
perder o controle ao consumir excessivamente alguns ingredientes e como esses estão
ocultados nos alimentos industrializados. A indústria alimentar tem como estratégia
mascarar, através do rótulo, ingredientes que quando em excesso são notadamente
prejudiciais à saúde. Assim, mascaram o excesso de açúcar no alimento sob o nome
fantasia de maltodextrina, frutose, dextrose, néctar, glicose, sacarose, lactose, maltose,
açúcar invertido, maple syrup, melado, melaço, xarope de milho, xarope de guaraná,
xarope de malte, xilose etc.
Em outra prática resgatamos o conhecimento a respeito das frutas, verduras e legumes
presentes em nossa região. Foram apresentadas réplicas em tamanho natural de legumes,
verduras e frutas às crianças, cabendo a esses descobrir o nome do vegetal e sua função na
alimentação humana. Foram também apresentadas frutas in natura às crianças e por elas
degustadas, de forma à serem conhecidas em sua totalidade. Junto a essa atividade efetuamos
uma exposição teórica da origem de diversas frutas em nosso país. Através do diálogo as
crianças aprenderam que a maior parte das frutas que consumimos tem origem em outros
países. Outro problema que apresentamos foi em relação a monocultura que inibe a produção
de uma maior diversidade frutífera em nosso país.
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Conhecer novos sabores e texturas de novas comidas deram as crianças uma sensação
prazerosa e as instigaram a buscar novas experimentações de alimentos in natura. Aqui vale
a pena apontar que em uma sociedade célere, tecnológica, o tempo para comprar, encontrar
alimentos in natura torna-se uma tarefa árdua. 90% dos alimentos de um supermercado são
ingredientes disfuncionais tais como o açúcar, o sal e a gordura e aditivos químicos, tais,
como conservantes e corantes artificiais.
Incentivamos também as crianças a participarem de jogos que ampliavam o saber em
torno da alimentação. Em um jogo de Advinha o objetivo foi descobrir os alimentos que
fazem parte nossa culinária e no que eles podem ser transformados. As crianças tiveram
contato com os alimentos brasileiros em sua forma natural e tinha que descobrir no que
eles poderiam ser transformados. Destaque aqui para o resgate da mandioca e seus
subprodutos. Uma planta originalmente brasileira que nos acompanha ao longo da história
e que a cada dia perde lugar devido a sua substituição na mesa do brasileiro pelos produtos
farináceos a base de trigo ou ao ultra processamento que indústria alimentar de junk food
faz da mandioca, nos afastando de sua manipulação caseira (vide os biscoitos de polvilho,
doces, massa de tapioca e pão de queijo que são vendidos prontos e não nos passa pela
cabeça produzi-los em casa).
Para ilustrar nossa fala, fizemos junto com as crianças uma receita de pão de
queijo e polvilho. Dessa forma, fazendo uma receita de pão de queijo e polvilho, podemos
falar sobre a importância histórica e cultural da mandioca e do queijo mineiro na
alimentação dos brasileiros e como temos cultura suficiente para elaborar uma comida
em vez de compra-la pronta em um supermercado. Além disso, esse tipo de prática
proporcionou trabalhar com as crianças a coordenação fina, ao permitir a manipulação da
massa do pão pelas crianças. Reforçar o desenvolvimento das relações interpessoais, ao
unir o grupo de crianças para o desenvolvimento de uma tarefa (a confecção do biscoito).
Além de oferecer às crianças noções básicas de peso e medida ao separar e utilizar os
ingredientes da receita na medida correta.
1
A junk food pode ser traduzida comida e bebida disfuncional, geralmente acrescidas de excesso de sal,
açúcar e gordura, que rapidamente torna-se viciante e prazerosa ao unir esses três ingredientes. Michael
Moss em seu livro Salt Sugar Fat: How the Food Giants Hooked Us (2014), chega a uma conclusão que a
intensidade, tanto da fórmula química desses ingredientes quanto das campanhas de venda, torna as pessoas
extremamente vulneráveis, sendo quase impossível resistir. Para Michael Moss, a junk food parece ser uma
espécie de droga sintetizada a partir de três ingredientes: sal, açúcar e gordura.
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Desdobramentos: caminhos para uma educação alimentar
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Dessa forma, a adoção de uma educação alimentar e nutricional, parece ser um
desdobramento necessário para enfrentar uma sociedade que é movida pelas
determinações inerentes a uma postura consumista.
A Educação Alimentar e Nutricional contribui de forma efetiva para o sujeito
melhorar sua saúde e identificar possíveis alimentos que podem ser prejudiciais ao
desenvolvimento físico e emocional das crianças.
A partir de nossas práticas percebemos a carência de informação que as crianças
têm sobre nossa história e cultura alimentar, além da escassez de informações sobre a
alimentação adequada e dos componentes prejudiciais que compõem os alimentos
industrializados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DÓRIA, C.A. A cozinha subdesenvolvida. Trópico: ideias de Norte a Sul. Disponível em:
http:// www.uol.com.br/tropico/ 23/03/2002
MOSS, M. Salt Sugar Fat: How the Food Giants Hooked Us. New York: Random
House, 2014.
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RIBEIRO, R.J. et. al. Quatro autores em busca do Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
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Eixo 2
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O Resgate do Lúdico e do Simbólico: o ensino do jogo de xadrez em Vigotski.
(Adriana Tomaz de Oliveira Souza; Alex de Souza Rodrigues; Arthur José Aguiar Reis;
Bárbara Andressa M. de Rocha; Calisryann Silva Lima; Caroline Almeida Sá; Chaysther Silva
Lima; Daniela Coelho de Souza; Déborah Sales de Faria; Diany Paula Gondim; Emanuelly
Maria Miranda Silva; Evaldo Antonio da Silva Júnior; Flairane de Lima Costa – Universidade
Estadual de Goiás – UEG – Campus Goiânia ESEFFEGO.) (email: labbrinc.ueg@gmail.com)
Resumo
Este trabalho propõe o ensino do jogo de xadrez de forma lúdica e historicizada, para além dos
métodos de ensino tradicionais e tecnicistas. Com base no conceito de jogo em Vigotski e na
importância do lúdico e do simbólico para o desenvolvimento infantil, propusemos o ensino do
jogo do xadrez para crianças a partir da fantástica narrativa da Lenda de Sissa, que reconstrói
as regras do jogo a partir de elementos lúdicos, no intuito de potencializar as capacidades de
representação simbólica da criança. Foram realizados encontros quinzenais com professores da
rede pública de ensino e com graduandos da UEG. Nos encontros foram realizados estudos das
obras clássicas de Vigotski, e em paralelo foram realizadas oficinas de jogo de xadrez.
Observou-se o resgate dos elementos lúdicos e simbólicos do jogo e também a facilidade em
aprender um jogo erroneamente considerado “difícil de jogar”. Ficou evidenciado nas práticas
a importância do lúdico no ensino do jogo de xadrez.
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Vigotski e a Teoria Histórico Cultural
O contexto em que Vigotski escreveu a maior parte de suas obras, era o de um país em
plena revolução social, onde a sociedade dominada pela elite czarista e caracterizada por
profundas divisões de classe, estava sendo totalmente transformada, e em seu lugar se
objetivava construir uma nova sociedade pautada nos valores comunistas de igualdade social e
sem distinções de classes. Mas, segundo Vigotski, para a construção desta nova sociedade, era
preciso também uma nova educação identificada com os interesses dos trabalhadores e de toda
a classe proletária. Daí surge o seu primeiro livro "Psicologia Pedagógica", escrito entre os anos
de 1921 e 1924, e cujo objetivo principal era de formação de novos professores de educação
básica para uma nova sociedade que se estabelecia.
Vigotski toma como referencial para seus estudos o Marxismo, onde consegue apontar
saídas e alternativas para a crise que se instalava na ciência positivista de sua época. Segundo
Vigotski, com bases nos pressupostos marxistas, é impossível explicar a conduta humana
exclusivamente do ponto de vista biológico. (VIGOTSKI, 2003, p.62). Utilizando-se do
conceito de trabalho em Marx, Vigotski afirma que o homem através do trabalho foi capaz de
adaptar a natureza a si, transformando-a e ao mesmo tempo sendo transformado, diferentemente
dos demais animais, que já nascem adaptados à natureza. Através do trabalho, que é uma ação
planejada e racional, o ser humano é capaz de regular e controlar os processos vitais entre si e
a natureza, e incorporou à sua experiência "algo novo", que transformou o homem em um ser
singular. Através do trabalho, o homem se faz homem, e se transforma em cada agir consciente,
planejado e sistematizado. Sendo assim, dentro desta perspectiva, Vigotski afirma que o ser
humano não nasce humano, ele se faz humano através do trabalho, sendo cada homem um ser
irrepetível.
Acima de tudo, no comportamento humano - em comparação com a dos animais -
observamos a utilização ampliada da experiência das gerações anteriores. O ser
humano não aproveita apenas a experiência destas gerações na escala estipulada e
transmitida pela herança física. Todos nós utilizamos na ciência , na cultura e na vida
a enorme quantidade de experiência acumulada pelas gerações anteriores, que não é
transmissível mediante a herança biológica. Em outras palavras, ao contrário dos
animais, no ser humano existe uma história, e essa experiência histórica, essa herança
não física, essa herança social, é o que o distingue do animal. (VIGOTSKI, 2003,
p.62).
Vigotski busca decifrar o caráter consciente da conduta humana e tenta também elucidar
qual é a natureza psíquica da consciência. Para Vigotski a consciência é uma das formas mais
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complexas de organização do comportamento humano, e cita a expressão de Marx de
"duplicação da experiência", referindo-se à consciência humana. Vigotski então constrói a
fórmula do comportamento humano através da seguinte representação matemática:
Segundo Vigotski os primeiros componentes [1] e [2] são comuns aos homens e animais,
porém, a experiência pessoal, histórica, social e a consciência são características
exclusivamente humanas, e surgem como pressuposto e também produto do trabalho humano.
Assim sendo, torna-se inegável as características biológicas do ser humano, que se tornam o
ponto de partido para a formulação das teorias vigotskianas, entretanto, as mesmas são
insuficientes para explicarem os fenômenos do próprio comportamento humano, como o da
consciência, por exemplo. “Portanto, o fator decisivo do comportamento humano não é só o
fator biológico, mas também o social, que confere componentes totalmente novos à conduta do
ser humano.” (VIGOTSKI, 2003, p. 63)
O Brincar em Vigotski
Vigotski propõe elucidar qual a gênese da brincadeira e também qual o seu conceito, e
ainda procura decifrar qual o verdadeiro papel da brincadeira no desenvolvimento da criança.
Ele aponta que a brincadeira não é a atividade predominante na infância, mas sim a atividade
principal, ou seja, é a atividade de maior importância para a promoção do desenvolvimento da
criança. Vigotski desconsidera a definição de brincadeira pautado apenas na característica de
satisfação da criança. Para ele, outras atividades podem propiciar maior satisfação à criança do
que o próprio brincar. Por outro lado, o autor exemplifica que um jogo de regras pode não trazer
satisfação à criança, pois ela pode perder o jogo e ter uma reação de insatisfação pelo resultado
não alcançado. Sendo assim, para Vigotski a definição de brincadeira a partir do princípio da
satisfação é um conceito errôneo. Vigotski alerta também para o perigo em querer
"intelectualizar" ao extremo a infância, e corrermos o risco em perder de vista ou generalizar
os sentimentos, impulsos, necessidades, afetos e motivações que atuam na criança durante o
brincar.
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Inclino-me a atribuir a essa questão um sentido mais geral, e penso que o erro de uma
série de teorias é o desconhecimento das necessidades da criança; teorias que
entendem essas necessidades num sentido amplo, começando pelos impulsos e
finalizando com o interesse como uma necessidade de caráter intelectual. Resumindo,
há desconhecimento de tudo aquilo que se pode reunir sob o nome de impulso e
motivos relacionados à atividade (...) Pelo visto, qualquer deslocamento, qualquer
passagem de um estágio etário para outro relaciona-se à mudança brusca dos motivos
e dos impulsos para a atividade. (VIGOTSKI, 2008, p.24)
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Para Vigotski qualquer situação imaginária vivenciada pela criança possui em si regras
de comportamento (códigos sociais), e também qualquer tipo de brincadeira infantil com regras
contem também situações do imaginário e do simbólico. Logo, para o autor a criança é livre,
mas esta liberdade da criança é apenas ilusória. Vigotski ressalta ainda que durante a chamada
primeira infância, a força impulsionadora para a criança está nos objetos, e estes acabam
determinando o seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de fato não acontece
mais, pois os objetos em si acabam perdendo o seu poder impulsionador de outrora, já que a
criança começa a agir de forma diferente em relação a tudo o que vê.
Devido ao fato de, por exemplo, um pedaço de madeira começar a ter papel de boneca,
um cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a ideia separar-se do objeto, a ação, em
conformidade com as regras, começa a determinar-se pelas ideias e não pelo próprio
objeto. (VIGOTSKI, 2008, p.30).
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As relações Simbólicas e o Jogo de Xadrez
(...) a chamada brincadeira pura com regras (do escolar e do pré-escolar até o fim desta
idade) consiste, essencialmente, na brincadeira com situação imaginária, pois,
exatamente da mesma forma como a situação imaginária contém em si,
obrigatoriamente, regras de comportamento, qualquer brincadeira com regra contém
em si a situação imaginária (...) Qualquer brincadeira com situação imaginária é, ao
mesmo tempo, brincadeira com regras e qualquer brincadeira com regras é brincadeira
com situação imaginária. (VIGOTSKI, 2008, p.28)
118
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significado. Tal fato decorre do desenvolvimento das funções simbólicas da criança,
onde o brincar se torna elemento fundamental e relevante neste processo.
Observamos assim, o imenso potencial do ensino do jogo de xadrez para crianças com
relação aos seus elementos imaginários e simbólicos, ou seja, sendo um jogo regrado, o xadrez
possui também grande riqueza lúdica e simbólica para o desenvolvimento infantil, onde tais
elementos do imaginário, contidos dentro do próprio jogo de xadrez, podem incentivar, auxiliar
e facilitar os processos de ensino e aprendizagem do próprio jogo.
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mesmo tempo em que são ensinadas as regras do jogo, ou seja, a Lenda de Sissa, além de possuir
elementos lúdicos, também proporciona a aprendizagem das regras básicas do jogo.
O jogo de xadrez, segundo Oliveira (2005), é um jogo milenar e cuja origem é ainda bastante
incerta. Existem várias versões sobre sua história, e neste trabalho citaremos apenas a versão
de Cardo (1944).
Conta a lenda que em um grande arquipélago, houve uma sangrenta batalha entre duas nações. Muitos
soldados já haviam sido mortos e a guerra
não se findava. Como a trégua demorava a ser
assinada, então os reis destas duas nações
resolveram recompensar qualquer pessoa que
criasse uma representação daquela batalha,
afim de que ela nunca mais se repetisse. Foram
vários os candidatos e muitas as tentativas de
representações. Até que finalmente, um homem
chamado Sissa, conseguiu satisfazer os
caprichos e exigências reais quanto à
representação daquela triste guerra.
Na presença dos dois reis, Sissa colocou aos pés dos monarcas, uma caixa e um tabuleiro
quadriculado em preto e branco, e em forma de jogo, passou a narrar os fatos daquela absurda
guerra. O tabuleiro era uma réplica daquele arquipélago onde se travou a grande batalha. Era
dividida por sete paralelos (sete fileiras) e por sete meridianos (sete colunas), formando assim
64 ilhas ou quadrados, geometricamente igual a posição geográfica no mapa.
As peças do jogo representavam os personagens das duas cortes envolvidas no conflito. Para
cada peça, um movimento capaz de reproduzir os acontecimentos reais da batalha.
Ao representar o movimento dos reis no jogo, Sissa aproveitou para satisfazer a vaidade
dos dois reis, dizendo serem eles as figuras mais importantes do jogo, e em virtude disso
poderiam realizar qualquer tipo de movimento, mas o fato de caber a eles o papel de mentor da
batalha, ao realizar cautelosos exercícios de pensamento estratégicos, então seu movimento era
de apenas uma casa para por vez.
Sissa apresentou as rainhas, as quais chamou de damas. Elas cintilavam e brilhavam
como estrelas no céu e sua luz permite movimentos em todas as direções, podendo realizar
saltos distantes com apenas uma única jogada.
120
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Sissa apresentou aos reis, seus conselheiros
particulares, os bispos. Eles iniciam o jogo
sempre ao lado do rei e da rainha, afim de
sussurar-lhes os conselhos de forma mais fácil.
Estes, os bispos, movem-se na direção de suas
vozes, nas diagonais, e podendo também
realizar movimentos em grandes O Rei
distâncias (saltos), pois é grande o poder
das palavras.
As torres, segundo o sábio Sissa, está
relacionada aos pontos cardeais e também
abriga os combatentes, tendo o seu movimento
ordenado em forma de cruz (norte-sul-leste-
oeste), podendo também saltar, desde que não
tenha nenhuma peça à frente.
Em seguida, Sissa apresentou os cavalos reais, os únicos capazes de pular as peças de
sua mesma cor. Deu a eles um movimento capaz de garantir o alcance da lança do cavaleiro
sobre o inimigo, quando o mesmo estivesse a um braço de distância, perfazendo assim a letra
“L”.
Por fim, foi apresentado os soldados reais, chamados de peões. Sissa explicou-lhes que
eles representavam a força mais numerosa do exército real e que deslocavam para o combate
sempre a pé, e por isso movimentavam-se lentamnte, apenas um quadrado por vez. Os peões
eram também o símbolo de coragem e lealdade ao rei, nunca recuavam da batalha, iam sempre
avante, daí, não possuir o peão movimentação para trás. Como eles estavam sempre
posicionados no “front” da batalha, eram os mais vulneráveis dentro do conflito, e sendo grande
o número de baixa entre os peões, os reis decidiram que para qualquer peão que alcance a última
defesa inimiga (a última fileira oposta), receberia uma promoção, automaticamente se
transformaria num cavaleiro real, podendo ser substituído por qualquer outra peça do jogo, com
exceção do próprio rei.
Sissa ensinou ainda, que cada peça deveria atacar e defender-se conforme o movimento
de cada uma. Ao enfrentar o inimigo em seu caminho e aprisioná-lo, poderá então ocupar o seu
lugar no tabuleiro. Para o peão entretanto, devido ao pequeno alcance de sua arma, só
poderá capturar o adversário diagonalmente, pois somente até ali é o alcance do golpe de sua
arma.
121
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A organização do tabuleiro fica
definido assim: o rei branco no
quadrado preto e o rei preto no
quadrado branco no centro das
primeiras fileiras, pois lutarão para
tomar os poderes do adversário. As
damas sempre ao lado dos reis,
dama preta na casa preta, e dama
branca na casa branca. Ao lado do
rei e da rainha, ficam os bispos, pois
são os conselheiros reais. Em
seguida, ao lado dos bispos so
cavalos, e nas pontas,
diametralmente opostas as duas
torres. No “front”, ou seja, na
segunda fileira, os peões, que
protegerão toda a guarnição e
comitiva real.
Sissa então mostrou que o jogo de xadrez, por ele criado, poderia ser jogado por
diferentes pessoas e com diferentes estilos, de acordo com a personalidade de cada um. Ensinou
ainda, que no jogo de xadrez é possível ainda, através de sua prática, tirar vantagens de nossas
próprias forças e a superação de nossas fraquezas.
Os reis, maravilhados e encantados com a espetacular invenção de Sissa, ofereceu-lhe
uma recompensa, que ele escolhesse qualquer coisa que quisesse como forma de compensação
pela criação jogo de xadrez. Então Sissa disse a eles que sua maior recompensa seria que todos
pudessem praticar o jogo de xadrez, tentando aprender e guardar seus valores e significados.
Embora Sissa afirmasse que realmente era esse seu único desejo, os reis achando que aquele
pedido era muito pouco, insistiram para que ele pedisse riquezas maiores, e afirmavam ainda
que juntos tinham tantas riquezas, que eram capazes de construir uma castelo todo de pedras de
ouro se assim o quisessem. Diante de tamanha insistência e persuasão, Sissa então refez seu
pedido: que para ele colocassem uma moeda de ouro na primeira casa do tabuleiro, duas para a
segunda, quatro na terceira casa, oito na quarta casa, e assim sucessivamete, até que se
completasse todas as 64 casas do tabuleiro. Os reis então aceitaram a proposta e ordenaram aos
seus súditos que realizassem o tal pedido de Sissa. Os matemáticos e sábios da corte começaram
122
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então a realizar os cáculos para a contagem das moedas de Sissa, porém ao se completar a
décima casa do tabuleiro, observaram que já alcançava a enorme quantidade de 1024 moedas,
e ao continuarem os cáculos viram que para se completar todo o tabuleiro em uma progressão
geométria como exigiu Sissa, seriam necessárias 264-1 moedas ou seja
18.446.744.073.709.551.615!
Cardo (1944) encerra a história do jogo de xadrez dizendo que em virtude disso, o xadrez
ainda continua sendo praticado e amado até os nossos dias, e segundo ele continuará sendo
praticado enquanto a humanidade existir.
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Brincadeiras de faz de conta nos espaços tempos da Educação Infantil
Maria Emilia Santiago Barreto- UFRRJ
RESUMO
Introdução
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Corsaro (1992) propõe o termo reprodução interpretativa ao se referir à participação
infantil na sociedade. Para o autor, as crianças “criam e participam de suas próprias e exclusivas
culturas de pares quando selecionam ou se apropriam criativamente de informações do mundo
adulto para lidar com suas próprias e exclusivas preocupações.” (CORSARO, 2011, pag. 31).
Portanto, para o autor, “as culturas infantis de pares são produções coletivas inovadoras e
criativas, produzidas sobre o quadro de conhecimentos culturais e institucionais aos quais as
crianças se integram e que ajudam a constituir.”(CORSARO, 2011, pag. 39).
Referencial teórico
A dimensão da não literalidade foi apontada nos estudos de Smith e Vollsted (1985)
como o critério mais poderoso para a definição de jogo. Nessa perspectiva, Ribeiro (2005)
argumenta que o jogo simbólico depende da possibilidade de a criança representar mentalmente
um objeto, ou situação ausente, e torná-lo presente por meio de ficção, valendo-se de outros
objetos ou ações. Nesse contexto, Brougère (1995, p. 99) considera que “a brincadeira é uma
mutação do sentido, da realidade: as coisas aí tornam-se outras. É um espaço à margem da vida
comum, que obedece a regras criadas pelas circunstâncias”.
Pellegrini e Boyd (2002) definem o faz de conta ou jogo fantástico como uma atividade
não literal, ou uma atividade em que uma coisa representa outra coisa. A fantasia pode ser social
(com um adulto ou um par) ou solitária. O faz de conta social implica em negociação: para
brincar com outra sobre um mesmo tema, a criança precisa de um acordo quanto aos
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significados implícitos nos papéis e ações, caso contrário, a brincadeira não ocorrerá em grupo.
Sendo assim, as transformações realizadas sobre os objetos precisam ser acompanhadas pelos
parceiros e, para fazer parte da brincadeira, deve haver a aceitação dos papéis e/ou formas de
negociação. Concordando com Brougère (1998), que considera que para que uma atividade seja
um jogo é necessário que seja interpretada como tal pelos atores sociais, em função da imagem
que têm dessa atividade.
A fantasia do real é a expressão usada por Sarmento (2003) para se referir ao mundo do
faz de conta da criança, onde esta transpõe o real imediato e o reconstrói criativamente pelo
imaginário. Para o autor, nas culturas infantis esses dois universos se encontram associados
num processo de imbricação, onde a não literalidade permite à criança enfrentar as situações
dolorosas da vida. Desse modo Sarmento afirma que:
(...) É um “mundo de faz de conta” em que o que é verdadeiro e o que é imaginário se confundem
estrategicamente para que a brincadeira valha mesmo a pena. Aliás, “faz de conta” é uma expressão que
não capta completamente o modo como as crianças introjectam real nas suas brincadeiras através da
transposição de personagens ou situações. (SARMENTO, 2002).
Embora Sarmento (2002) considere que a expressão “faz de conta” não represente bem
a relação entre realidade e fantasia, pois para as crianças a fantasia é tão real quanto à realidade
sobre a qual ela é construída, ele não sugere que o termo deixe de ser usado por pesquisadores
da Sociologia da Infância1.
Fein (1981) constatou em seus estudos que as crianças começam a fazer incursões pela
fantasia durante o segundo ano de vida, aumentando a frequência de ocorrência no terceiro ou
quarto ano e declinando a partir daí. Nessa perspectiva, Andresen (2005) e Branco (2005)
consideram que a criança é capaz de entender o faz de conta e usar processos mentais de forma
representacional a partir dos três anos de idade. E é nessa faixa etária que ela passa a dar maior
importância ao grupo de pares (Eckerman & Peterman, 2001). Pedrosa e Aguiar (2006)
consideram que estudos apontam que “as crianças imitam um comportamento do parceiro e este
serve de suporte para criar uma sequência interativa mais longa e partilhada”, e que “as crianças
assimilam e constroem cultura com os parceiros, no grupo do brinquedo” (p.178).
1
Ver teses da Universidade do Minho –Braga – Portugal em Estudos da Criança, especialização
em Socilogia da Infância
128
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Resultados
As brincadeiras de faz de conta das crianças do Pré-1 B, realizadas na sala de aula
aconteciam durante as atividades dirigidas, a professora liberava as crianças para brincarem à
medida que terminavam suas atividades. A sala de aula do Pré-1 B possuía um espaço no canto
direito, ao fundo, preparado para as brincadeiras de faz de conta das crianças, que a professora
denominou a “casa da Maria”. Era um local onde os brinquedos estavam dispostos em duas mesas
baixas, uma com miniatura de utensílios domésticos de cozinha (xícara, pires, copo, bule,
açucareiro, panelas, talheres, liquidificador, batedeira) e outra com miniaturas da mobília da sala
de estar e do quarto de dormir, além de diversas bonecas e alguns carrinhos. Havia também uma
mesa de computador com um teclado. Esse espaço da sala era usado tanto pelas meninas como
pelos meninos, porém as brincadeiras não se restringiam apenas a esse espaço. As crianças
pegavam os brinquedos e os utensílios de cozinha da “casa da Maria”, levavam para suas mesas
para brincar de fazer comida com massinha, e também se espalhavam pela sala nas brincadeiras
e passeios com suas bonecas, nas perseguições, lutas e corridas com os carrinhos.
As brincadeiras realizadas na sala consistiam num repertório (quadro 1) que se repetia
continuamente. Dentre as brincadeiras mais frequentes estava o faz de conta onde as crianças
assumiam papéis de mães, pais, filhos, filhas e professora.
Quadro 1: repertório de brincadeiras
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As brincadeiras com preparação de bolos para comemorar aniversário era seguida pela
música “parabéns pra você”. Nas comemorações de aniversário, Kamille geralmente assumia a
liderança no papel de mãe, conforme episódio já relatado (e repetido agora) em que Kamille
preparou um bolo e cantou parabéns junto com Pedro Lucas:
(...) “parabéns pra você, muitos anos de vida, é big, é big, é hora, é hora, Ra ti bum, 1, 2, 3, (...)”. Ana
Beatriz, que estava disputando um brinquedo com Leanderson, vem participar, pula batendo palmas
enquanto canta; Leanderson também se aproxima batendo palmas, Kamille fala o nome de Leanderson
no final da música. (...) (28/04/11).
Essa brincadeira de cantar parabéns, que já havia ocorrido anteriormente, foi repetida
em outras ocasiões, porém com algumas variações onde foram introduzidos novos elementos,
como a ampliação da contagem, incluindo outros números, e a organização de uma fila. Convém
também destacar Daniel, que antes apenas assistia e agora participa ativamente da brincadeira,
batendo palmas e pulando. As crianças brincam e criam suas brincadeiras, que se repetem,
observando-se um comportamento padrão. Essa brincadeira liderada por Kamille cantando
parabéns para os colegas foi reproduzida, dias depois, por Daniel, que começou a cantar e pular,
batendo palmas, na mesa onde Kamille estava cozinhando: “é big, é big, é hora, é hora...”
(Episódio filmado, 09/05/11).
Daniel, a princípio, tinha um comportamento paralelo brincando na cozinha da “casa da
Maria”. Pellegrine & Boyd (2002) consideram que o jogo paralelo é uma situação em que duas
crianças brincam em condições de proximidade espacial, mas não uma com a outra. Estudos
(Bakeman e Brownlee, 1980, apud Pellegrine, 2002, p.229) constataram que o jogo paralelo das
crianças com menos de 5 anos pode funcionar para dar a elas a oportunidade de “avaliar o
tamanho” de um grupo antes de entrar nele. Os episódios relatados mostram que o
comportamento de Daniel evoluiu de paralelo para participante do grupo, portanto considero
que o jogo paralelo, conforme Smith (1978, apud Pellegrine, 2002, p.229) afirma, pode ser
considerado uma estratégia.
O episódio também apresenta uma situação em que Yasmim procura Kamille para se
proteger da perseguição de Leanderson. Algumas meninas sempre procuravam Kamille em
busca de proteção. Por ter um tipo físico forte e ser a criança mais alta da turma, os meninos a
respeitavam por ela ter mais força que eles; além disso, ela gostava de assumir esse papel de
mãe e protetora. Evaldsson (2009) aponta que as crianças mais velhas assumem, no jogo, os
papéis de adultos mais poderosos - mãe, pai, patrão e assim por diante - com mais frequência
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que os mais jovens. As brincadeiras de perseguição e de luta estavam sempre entre as
brincadeiras dos meninos, se intercalando com as brincadeiras de empurrar seus carrinhos pela
sala. Os meninos usavam frequentemente o secador de brinquedo da “casa da Maria” como
se fosse um revólver, apontando para os colegas e “atirando”, fazendo o barulho do tiro com a
boca, enquanto os outros meninos, para se defender, usavam a prórpria mão, com os dedos
inicador e polegar esticados, também simulando um revólver.
As brincadeiras de luta não eram bem aceitas pela professora, que sempre interferia e
advertia sobre esse tipo de brincadeira: Pedro Lucas levou uma arma de brinquedo. Ao pegar
a arma, Breno faz de conta que está atirando, a professora reclama: “Breno, não é para
brincar de matar com a arma.” (Nota de campo, 27/10/11). Entretanto, os meninos sempre
encontravam uma forma de estarem lutando e atirando. Como eram situações que começavam
e terminavam rapidamente, muitas vezes a professora não percebia, pois frequentemente
estava ocupada orientando as crianças nas tarefas individuais e não prestava atenção nas
brincadeiras que aconteciam na sala. Kauã era o mais novo da turma e quem mais gostava de
provocar os colegas para começar uma brincadeira de luta, em que eles geralmente caíam no
chão. No episódio a seguir, temos o relato que retrata uma ocasião típica dessas lutas:
(...) Daniel arruma a bandeja e sai andando, Lorran passa correndo e tenta pegar uma xícara da
bandeja, Daniel não deixa, vira de costas e levanta a bandeja para o alto. Lorran está com o secador
na mão, Leanderson vem correndo atrás de Lorran, agarra no seu pescoço. Leanderson luta com Lorran
e tenta tomar o “revólver”, os dois se desequilibram e caem no chão, Lorran se levanta e “atira” em
Leanderson três vezes, “pou, pou, pou”. A professora reclama, os dois param e olham para ela por
alguns segundos, Leanderson sorri, Lorran sai andando. Kauã, que vinha acompanhando os dois, faz
gestos de luta (...) (28/04/11).
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Estudos realizados com crianças do 1º ciclo (Pellegrini, 1989a) indicam que o jogo
violento evolui geralmente para jogos e não para a agressão. O autor considera que o jogo
violento não constitui uma forma de agressão para a maior parte das crianças.
Compreender as crianças como atores sociais e como produtoras das culturas da infância
tornam evidentes as culturas lúdicas das crianças, ao mesmo tempo em que expõem a percepção
de infância dos adultos, no contexto da pré-escola. Considerando que a brincadeira é um
processo de relações entre a criança e o brinquedo e das crianças entre si e com os adultos, o
brincar não pode ser pensado nas instituições de educação infantil como uma atividade de
menor importância para preencher o tempo entre uma atividade dirigida e outra. Precisa, sim,
estar incluído na proposta pedagógica da instituição, ocupando um lugar específico, integrado
às atividades diárias da criança na pré-escola.
Portanto, precisa haver organização da rotina, dos materiais educativos, do espaço para
as brincadeiras e os brinquedos, considerando que a forma como são organizados podem
influenciar nas representações e maneiras como adultos e crianças sentem, pensam e interagem
nesse espaço.
Compreender o papel da brincadeira nas instituições de educação infantil e a
importância em se oferecer às crianças a oportunidade de conhecerem e reelaborarem as
experiências do mundo em que vivem, a partir das interações com as experiências das outras
crianças e também dos professores que interagem com elas, implica em garantir a efetiva
participação da criança como ator social. Todavia, nem sempre os profissionais que interagem
com as crianças estão seguros quanto ao papel que devem desempenhar. Os espaços da sala de
aula são organizados, muitas vezes, apenas em função do uso ou do controle dos adultos,
comprometendo, assim, a mediação dos adultos, não favorecendo o exercício da autonomia e
da negociação entre as crianças.
Considero que um dos desafios a ser alcançado para a garantia do direito da criança à
brincadeira, nas diversas modalidades de brincar, na pré-escola, é a existência de um espaço
adequado e tempo suficiente para que ocorram as brincadeiras. No Pré-I B, embora esse direito
fosse reconhecido, acontecia no intervalo de tempo que sobrava, depois da tarefa dirigida até a
hora da higiene das mãos para o almoço. Em certos dias, as crianças eram liberadas para brincar
na “casinha da Maria” à medida que iam terminando a “tarefa do dia”, que era uma atividade
individual. Nessas ocasiões, a professora distribuía o material para a atividade do dia sobre
todas as mesas, para que todas as crianças a realizassem ao mesmo tempo e de forma mais
autônoma. Entretanto, em outros dias, as atividades eram feitas em pequenos grupos, ou
individualmente, com a orientação da professora ou da estagiária. Nesses dias, a maioria das
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crianças era liberada logo após as atividades na roda, enquanto um pequeno grupo era
orientado; entretanto, havia o inconveniente de aquelas terem suas brincadeiras
interrompidas ao serem chamadas para fazer a tarefa. Em outras ocasiões enquanto
aguardavam a vez de serem chamadas para fazer atividade dirigida,
individualmente as crianças foram mantidas em suas mesas, manipulando massinha, pequenos
blocos de construção e “brinquedos educativos” (letras do alfabeto), Em uma dessas ocasiões,
as crianças usaram os brinquedos livremente, enquanto conversavam entre si:
(...) Sento a uma mesa onde também estavam Lorran, Yasmim, Matheus, Juan, Deiveis e Ana Clara. Na
nossa mesa são colocados blocos para construção.(...) Lorran empilha os blocos e fala: “olha Emilia”!
Lorran: “olha Emilia, estou fazendo uma armadilha para meu cachorro levar choque”.
Lorran: “ele está fugindo, ele é mau.” (Lorran coloca a mão na armadilha e finge levar um choque, os
colegas da mesa também colocam a mão e fingem levar um choque).
Lorran: “Emilia, quer colocar a mão na armadilha?” Coloco a mão e também finjo que levei um
choque. (Nota de campo 18/10/11).
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Kishimoto (1994) menciona que ao se permitir a ação intencional (afetividade), a
construção de representações mentais (cognição), a manipulação de objetos e o desempenho de
ações sensório-motoras (físico) e as trocas nas interações (social), o jogo e o brinquedo
educativo contemplam várias formas de representação da criança, contribuindo para sua
aprendizagem e desenvolvimento. A autora argumenta que o brinquedo educativo pode ser
analisado, quanto à sua função, sob a perspectiva lúdica ou educativa. Quanto à função lúdica,
o brinquedo propicia diversão, prazer, quando escolhido voluntariamente, ou até desprazer.
Kishimoto (1994) salienta ainda que as situações lúdicas criadas pelo educador, com o fim de
aprendizagem, necessitam ser contempladas com a possibilidade de que a criança aja
intencionalmente na brincadeira.
A expectativa de saberem que iam ser chamadas fazia com que algumas crianças
ficassem sentadas em suas mesas, esperando, sem se envolverem nas brincadeiras, como foi o
caso de Yasmim, no episódio a seguir:
(...) Ligo a filmadora para registrar as brincadeiras de algumas crianças que já estão indo para a “casa
da Maria”. Nathália vai para lá e chama Yasmim:
Esse episódio nos mostra que o brincar acontecia como uma atividade paralela, com
interrupções da professora e da estagiária, que chamavam as crianças para fazerem suas tarefas.
Ademais, havia outras intervenções, que ocorriam para disciplinar, resolver conflitos ou
impedir que determinadas brincadeiras acontecessem, conforme o episódio em que a
Professora se aproxima das crianças que estão brigando e fala: “não é para brincar de luta”
(...) “vocês não estão sabendo brincar!” (Episódio gravado, em 28/04/11).
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recorrendo à professora para reclamar do colega: “tia, ele me bateu; tia, ele me empurrou”. A
preocupação da professora em repreender as crianças, por achar que estavam brincando de luta,
revelou sua percepção da brincadeira como atividade preparatória para a vida adulta, e não
como uma forma de se expressarem e vivenciarem o mundo que as cerca.
Corsino (2008) refere que entender a criança como sujeito imerso na cultura e com sua
forma singular de agir e pensar é respeitar o tempo e o espaço da brincadeira como a própria
forma da criança conhecer e transformar o mundo em que vive.
Fica evidente nos episódios relatados que os educadores presentes na sala não sabiam
da importância, de acompanhar as brincadeiras das crianças, o que, por sua vez, as tornavam
desconhecedoras do mundo do faz de conta dos pequenos, perdendo assim uma oportunidade
valiosa de conhecer melhor suas crianças; concordando com Porto (2008) em que as crianças
trazem para suas brincadeiras o que veem, escutam, observam, experimentam e ressignificam.
Nessas ressignificações, muitas vezes inusitadas aos olhos dos adultos, as crianças revelam suas
descobertas e visões de mundo. Portanto, os adultos, que convivem com as crianças, muitas
vezes não se dão conta da importância de cada gesto, de cada palavra, de cada movimento da
brincadeira.
Considerações finais
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A prática educativa adotada pela professora da turma, de planejar e determinar todas as
atividades excluía a participação das crianças no processo decisório do planejamento e da
organização das atividades do dia. Conforme nos aponta Borba (2008), essa prática educativa
em que o professor decide pela criança e impõe os tempos e os espaços da rotina, em que as
crianças acabam por se adaptar, não reconhece a criança como ator social. Embora formas de
socialização e representação da cultura sejam concebidas nesses espaços.
Finalmente, concluo esse artigo considerando que as múltiplas subjetividades
apresentadas pelos artefatos culturais, produzem efeitos na constituição dos grupos infantis.
Concordando com Dornelles (2003) quando refere que as crianças se relacionam de várias
formas com os significados e valores inscritos nos brinquedos, e que, segundo Bakhtin (1992),
na fala que acompanha as ações do jogo a criança traz, simultaneamente, o vivido e o novo,
construindo cultura, refletindo e refratando a realidade na qual está inserida, dando uma nova
ordem às coisas.
Convém salientar que embora tenha havido algumas intervenções da professora para
manter a disciplina, ao deixar disponível e dar acesso a uma diversidade de brinquedos para as
crianças experimentarem e conhecerem diferentes papéis, sem determinar posições e
comportamentos para meninos e meninas, favoreceu a livre escolha aos papéis específicos em
função do gênero.
Considerando que a cultura lúdica da criança é simbólica e deve ser entendida dentro de
uma cultura global na qual está inserida, finalizo com Jobim e Souza (2003) quando referem
que “... a criança não se constitui no amanhã: ela é o hoje, no seu presente, um ser que participa
da construção da história e da cultura de seu tempo.” (SOUZA, 2003, p. 159).
136
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ISSN 2448-1157
FABEr, R. A.; MARTIN, C. L. ; Hanish, L. D. Young children´s play qualities in same – other-
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FRANCIS, B. (1997). Power Plays: children´s constructions of gender and power in role plays.
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PORTO, Cristina Laclete. Proposta Pedagógica. In: Salto para o futuro. Jogos e brincadeiras:
desafios e descobertas. Ano XVIII, boletim 07 – Maio, 2ª edição 2008.
138
ISSN 2448-1157
“DO DESENHO AO MAPA: representando os espaços.”
Meigue Alves dos Santos
Resumo
1 – Introdução
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(ALMEIDA,2001, pg 13,). Por isso iniciamos com a observação do CECI, estendendo
para o entorno da instituição.
Tudo partiu da exploração de possibilidades e tentativas de resolução dos
problemas surgidos ao longo do tempo, uma vez que cada criança procurou experimentar
e entender algumas das relações espaciais, mesmo complexas.
Quanto a essa questão vale ressaltar a importância observar e escutar as crianças
em todas as suas linguagens, ou em seus questionamentos e discussões. É por isso que
concordo quando Rinaldi (2012, P. 228) diz que:
(...) Escutar significa estar aberto aos outros e ao que eles tem a dizer, ouvindo
as cem (e mais) linguagens com todos os nossos sentidos. Escutar é um verbo
ativo, pois significa não só gravar uma mensagem, mas também interpretá-la,
e essa mensagem adquire sentido no momento em que o ouvinte a recebe e
avalia. (RINALDI, 2012, p.228).
É importante pensar essa escuta como pratica: uma ação observadora, cuidadosa e
atenta, em que nós educadores também somos responsável por ajudar na criação de
contextos apropriados para que as crianças possam explorar suas possibilidades e se
sintam confiantes, confortáveis, estimuladas e respeitadas no seu processo cognitivo de
descoberta. E assim participar do trabalho das crianças, mas não de forma imposta e sim
como coparticipante do processo de construção, numa direção compartilhada e solidária
com elas.
Diante desse pensamento foi possível, como educadora, ser uma coparticipante
nessa relação estabelecida entre as crianças e as experiências que tiveram em suas
descobertas. Já a apreensão de conhecimentos aconteceu por meio da interação delas com
o objeto e seu entorno, e foram criando os mais diversos símbolos, que se relacionam entre
si. Eles foram usados para representar ora no papel um espaço reduzido, ora em forma
tridimensional na construção da maquete. Tanto os mapas quanto a maquete feitos
trouxeram elementos do mundo infantil, formulado pela própria criança, com diversidade
de cores e formas, próprias de cada uma.
Para compreender essa linguagem, cada criança entende e apreende, em um
momento único, na sua infância plena e com muita brincadeira. São vivencias importantes
para entender o posicionamento do espaço que cada um produziu. Mais do que interpretar
símbolos, ela pode e cria sinais próprios. E foi assim que aconteceu com essa turma.
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O tema surgiu a partir da observação do modo como brincavam e representavam
trajetos através da construção de mapas, além de algumas crianças perguntavam: “Pra que
servem os mapas?”; “Como podemos construir um?”; “O mapa e só para ir a lugares
longe?”; “As vezes meu pai usa o mapa do celular, esse mapa fala!”; “Só existe mapas
grandes como o Mapa Mundi e o mapa do Brasil?”; “Não, tem mapa da minha casa, eu vi
no GPS do carro da minha mãe”; “E o mapa do tesouro e a mesma coisa dos outros
mapas?”.
Diante desses e outros questionamentos que foram surgindo, as crianças
procuravam meios para responde-los. Por um período de duas semanas, as brincadeiras,
na maioria delas, incluía a discussão, e/ou construção de mapas, com percursos e direções
variadas. E mediante a curiosidade crescente se deu todo o desenvolvimento das
atividades.
2 – Objetivos Gerais
3 - DESENVOLVIMENTO
O trabalho iniciou-se com as brincadeiras de faz de conta das crianças do grupo.
Todos se envolveram bastante na brincadeira de construir pistas para os carrinhos da sala.
Então junto com as crianças construímos ruas para a locomoção dos carrinhos no chão da
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sala. Na sequência elas começaram a registrar suas produções com desenhos. A partir
daísurgiram vários questionamentos sobre como fazer os desenhos dos percursos,
questionavam os desenhos dos colegas e traziam as discussões para a roda de conversa.
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4 – Tempo de Duração
5 – Avaliação
6- Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Rosangela Doin de. Do Desenho ao mapa: iniciação na escola. São Paulo:
Contexto, 2001.
RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender – São
Paulo: Paz e Terra, 2012.
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AS INTER-RELAÇÕES ENTRE A LITERATURA E O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Núbia Silvia Guimarães Paiva
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
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pedagógica com as relações entre os processos de ensino, aprendizagem e
desenvolvimento das crianças. Compreende-se o desenvolvimento infantil com base na
teoria histórico-cultural que considera o papel fundamental da interação social e das
vivências para que tal processo ocorra.
Vygotsky rejeitou, portanto, a ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção de
cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são
moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Dadas as imensas
possibilidades de realização humana, essa plasticidade é essencial: o cérebro pode servir a novas
funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações morfológicas no
órgão físico. (OLIVEIRA, 1992:24).
145
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Nessa interação, fatores internos - características biológicas - e externos- o meio em que
vive – se (inter)relacionam continuamente, sendo (res)significados pelo sujeito. De acordo com
essa perspectiva a criança é vista como exploradora, investigadora, que desempenha um papel
ativo na construção e organização do mundo e de seu próprio desenvolvimento (VYGOTSKY,
1989). Pino (2000) faz importantes discussões a esserespeito e nos ajuda a entender como ocorre
esse processo à luz da teoria histórico-cultural.
Especificar bem este termo é fundamental para precisar o outro, uma vez que
a existência social humana pressupõe a passagem da ordem natural para a
ordem cultural. Discutir a natureza do social e a maneira como ele se torna
constitutivo de um ser cultural é, sem dúvida alguma, um detalhe muito
importante da obra de Vigotski, o qual merece uma atenção especial ( p. 47).
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possível estabelecer um diálogo entre os mesmos e nossa pesquisa em andamento no programa
de pós-graduação em educação. Segundo Meshcheryakov (2010), é possível abarcar tal
conceito de forma concreta por meio da observação e análise do comportamento pois, De todo
modo, a vivência pode ser expressa no “mundo exterior”, em vários níveis de comportamento – através de
reações espontâneas e impetuosas; uma confissão, longas conversações pessoais com um amigo, algumas
ações (por exemplo: escrever uma carta, fazer caridade, ir ao teatro, ao estádio, a um encontro, a uma loja e
assim por diante), organização e planejamento de uma atividade de longo prazo, que muda completamente a
representação e o estilo de vida. (ibidem, p.715).
Foi com base nessa definição que o autor alargou sua teoria sobre o desenvolvimento e
propôs a elucidação das questões relacionadas aos estágios do desenvolvimento. De acordo com
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Meshcheryakov (2010), “desenvolvimento é o processo no qual a personalidade ou indivíduo é
formado, pelo aparecimento de novas qualidades a cada passo do caminho, novas formações,
especificamente humanas, que são preparadas por todo o prévio trajeto desenvolvimental” (p.
708).
Discorrendo um pouco mais sobre a relação entre o conceito de vivência e novas formações
considera-se importante trazer outra relação onde o conceito aparece na obra de Vigotski,
justamente ligado à arte, perspectiva na qual associamos a Literatura Infantil. Ainda segundo
Mescheryakov (idem), na monografia sobre o Hamlet, o autor enfoca as relações mútuas entre o
sujeito e objeto, afirmando que este campo tem propriedades híbridas que abarcam os aspectos
internos e externos numa unidade (p. 763).
Sendo assim, a ideia de vivência para Vigotski, tal como aparece em “A Tragédia do
Hamlet” (1916/1999), designa uma apreensão e reconstituição ativa da obra pelo leitor-crítico,
cuja fagulha inicial é o forte impacto nele produzido pela leitura. ” (p. 761). Tal afirmação abre
para nossa pesquisa, um leque de possibilidades e compreensões com/sobre as/das “vivências”
das crianças com as obras literárias.
Toassa & Souza (2010) ainda nos apontam que no desenvolvimento do conceito de
vivência, os estudos de Vigotski foram incorporando ideias que ampliaram o próprio sentido
do mesmo, passando este a ter uma abrangência mais completa, podendo ser entendido “como
unidade sistêmica da consciência/personalidade; unidades da relação interna consciência-meio.
” (p. 764). Associado ao conceito de vivência, ancoramos nosso trabalho no conceito de
“significação” discutido por Smolka (1997a, 2004) pois o mesmo possibilita compreender os
modos de significar dos sujeitos envolvidos na pesquisa, crianças e professoras2, demonstrando
as formas que percebem e vivem as inter-relações com a literatura infantil.
2
Parte-se da definição do conceito de vivência como algo que atravessa, que só pode ser adquirido, quando se vive
pois é no processo de viver que algo acontece, que se realiza alguma co Termo criado no séc. XVIII pelo filósofo
J.H. Lambert (1728-1777), designando o estudo puramente descritivo do *fenômeno tal qual este se apresenta à
nossa experiência. (JAPIASSU, 2001)
Todos os sujeitos adultos envolvidos na pesquisa são do sexo feminino, portanto faremos referência sempre com
o termo “professoras” para nos referir às colegas envolvidas/participantes da/na pesquisa.
isa, assim como discutido e problematizado por Toassa & Souza (2010) e também
por Meshcheryakov (2010).
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Vygotski, pode contribuir para compreender de que forma as interações sociais e culturais
tornam-se próprias do sujeito, bem como contribuem em seu processo de desenvolvimento.
Associando tal aspecto do desenvolvimento com as possibilidades desencadeadas nas
inter-relações entre as crianças e a literatura infantil, anunciamos nossa inquietação para/com
esse processo vivido na escola de educação infantil, considerando o meio, aqui privilegiando as
vivências a partir da/com a Literatura Infantil, como palco de observação, análise e elaboração
teórica, a fim de dar corpo à empreitada a que nos propusemos enfrentar, desenvolver uma
pesquisa que dê conta de apontar os elementos do desenvolvimento infantil anunciados nas
vivências com a literatura infantil. Entender tais conceitos torna-se fundamental na medida em
que para nós, o cotidiano escolar da
Educação Infantil, pode ser considerado o “meio” tais como as definições apontadas por
Vigotski (2010) e, ainda, que o desenvolvimento humano ocorre em situações sociais.
Assim como Facci (2013), entende-se que, com base na perspectiva histórico-cultural,
é tarefa das escolas e dos professores de educação infantil,
Nesta direção, busca-se, por meio dessa pesquisa, evidenciar como as crianças
interagem com o que nós, professores, oferecemos no cotidiano escolar, mais especificamente
com a literatura infantil, em sala de aula.
De acordo com Bessa Carrijo (2005), o atendimento à demanda das crianças das creches e
pré-escolas no município de Uberlândia, foi sendo ampliado gradativamente durante o período de
2001 a 2005, a partir, principalmente, da regulamentação legal feita pela Lei de Diretrizes e Bases
9394/96. Segundo a autora, mesmo com a legislação favorecendo esse atendimento, as políticas
públicas não garantem que a lei, seja, de fato, respeitada. Mesmo assim, a autora aponta que
houveram avanços significativos, dentre eles, a transferência das Unidades de Atendimento às
crianças de 0 a 6 anos da Secretaria de Ação Social para a Secretaria Municipal de Educação. Sabe-
se que o acolhimento oferecido a essa faixa etária, ainda não consegue atender a toda a demanda
existente, mesmo assim concomitante às discussões acerca da oferta e atendimento às crianças, é
importante também atentar que muitos olhares têm se voltado para esse público, principalmente
no que se refere à qualidade do atendimento que está sendo oferecido nas creches e pré-escolas.
149
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O CAMINHO DA PESQUISA: o encontro e o encanto com/da literatura com as crianças
Busca-se respaldo na proposta de P. Ya. Galperin, que de acordo com Núñez e Oliveira
(2013), é preciso estudar a gênese dos processos cognoscitivos na criança. Isso pode ser
desenvolvido por meio de uma metodologia que acompanhe e explique os processos interativos,
e que dê conta de evidenciar as inter-relações entre a literatura e o desenvolvimento infantil.
Sendo assim, algumas ações já foram desenvolvidas e estão em fase de desenvolvimento, tais
como contato com a Secretaria Municipal de Uberlândia a fim de conhecer e estudar o currículo
elaborado para as escolas de educação infantil e perceber a inserção ou ausência do trabalho
com a literatura nesse currículo. Seleção das escolas em que se dará a pesquisa de campo,
buscando acompanhar crianças que tem acesso à obras literárias com regularidade.
De acordo com Lüdke e André (1986, p. 12) na metodologia qualitativa “a preocupação
com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um
determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e
nas interações cotidianas. ” Para isso, a entrevista enquanto instrumento de pesquisa, com os
gestores dos currículos para a infância no município de Uberlândia e com professores que atuam
diretamente com as crianças, poderá evidenciar como os mesmos pensam o trabalho com a
literatura, e, ainda, identificar como os sujeitos envolvidos percebem o processo vivido.
150
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Em um contato iniciado com a Secretaria Municipal de Uberlândia, representada por uma
assessora, tivemos acesso ao documento denominado de “Diretrizes Curriculares para a Educação
Infantil”. Embora esse material ainda esteja sendo analisado, já foi possível perceber as proposições
de um grupo que se dispôs a pensar a proposta municipal para esse nível de ensino, bem como, se
dispôs também em apontar caminhos a serem reelaborados pelas Escolas Municipais de Educação
Infantil. O interesse em conhecer e analisar tal documento, pauta-se na possibilidade de localizar a
inserção/ou ausência da literatura nas diretrizes gerais propostas pelo município, considerando que
esse material servirá de referência aos docentes em sua atuação frente às crianças.
Percebe-se que a literatura não aparece em nenhum eixo específico, portanto, dando
continuidade à análise e fazendo uma relação entre as Diretrizes Curriculares com nossa
investigação, destaca-se que dentre as ações pertinentes ao currículo, o trabalho com a literatura
visa contribuir com a formação de crianças leitoras, mesmo que ainda não dominem o código
escrito. Segundo Zilberman, (2010, p. 25), “[...] o texto é incompreensível, pois ele nunca
exaure seu objeto, cujo significado se efetua quando o leitor ali deposita seu conhecimento e
experiência. ” Sendo assim, advém a necessidade constante de promover essa aproximação da
criança com as obras literárias, pois ainda, segunda autora:
151
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[...] a atividade de leitura como forma de linguagem, originária na dinâmica
das interações humanas – portanto, de natureza dialógica – que, em processo
de emergência e transformação no curso da História, marca os indivíduos (em
termos cerebrais mas não genéticos) e configura as relações sociais [...] como
atividade inter e intrapsicológica, no sentido de que os processos e os efeitos
dessa atividade de linguagem transformam os indivíduos enquanto medeiam
a experiência humana [...] leitura como mediação, como memória e prática
social.
A experiência de ler e ouvir histórias, é uma atividade de linguagem que provoca nos
leitores diversas sensações que, para um educador e pesquisador atento podem constituir-se
como elementos fundamentais da prática pedagógica que nos impulsionam a compreender a
natureza dessas manifestações para o desenvolvimento infantil, considerando os processos e
interações de ensino e aprendizagem das crianças. Sendo assim, corroboramos Smolka (2010,
p. 51) de que:
É importante ressaltar ainda, a relevância dos textos literários para as crianças, Silva
(2010, p. 77) alerta-nos que “[...] a fruição do texto literário, pelas práticas do ouvir e/ou ler,
configura-se como uma janela através da qual o sujeito-leitor pode compreender melhor o
mundo e organizar suas próprias experiências. ”
4. APONTAMENTOS FINAIS
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O estudo tem como aporte teórico e metodológico a perspectiva histórico-cultural, por
entender que, no cotidiano escolar as relações estabelecidas, sejam elas entre adulto/criança,
criança/criança, sujeitos/conhecimento e, entre esses e os elementos da cultura permeados na
literatura infantil, alimentam e são alimentadas pela imaginação e pela criatividade e,
consequentemente, são potencializadoras de desenvolvimento.
As análises se basearão nos processos estabelecidos nas (inter)ações das crianças com a
literatura, explicando as multiplicidades de possibilidades de significação e das “vivências”
desencadeadas. Assim, momentos de escuta de histórias em diferentes formatos, seja na
biblioteca, no cantinho de leitura em sala de aula, em momentos coletivos de contação/audição
de histórias, em dramatizações feitas pelas próprias crianças, com a mediação ou não das
professoras, estão sendo interpretadas e explicitados a partir dos conceitos de meio,
significação, vivência, novas formações e desenvolvimento cultural.
A partir desta exposição nos perguntamos, quais as percepções estão sendo propiciadas nas
crianças no contato com a literatura infantil? Como as crianças estão “significando” as (inter)ações
estabelecidas com a literatura? De que forma essas“vivências” estão se constituindo no
desenvolvimento cultural das/nas crianças? Sendo assim, entendemos que a literatura, ao estar inserida
no contexto cotidiano escolar, de forma sistemática3 pode ser problematizada e debatida por meio dos
conceitos apresentados/discutidos acima e possibilitar a construção de conhecimentos fundamentais para
a prática pedagógica neste nível de ensino.
3
O termo sistemático refere-se à frequência de tais atividades na escola, ou seja, a literatura garantida no currículo,
e não apenas um elemento que aparece esporadicamente nas práticas pedagógicas como meio de distração ou
passatempo das crianças.
153
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5. Referências Bibliográficas
DANTAS, Pedro Silva. Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética. São Paulo:
Brasiliense, 1982.
EZPELETA, Justa; ROCKWELL, Elsie. Pesquisa Participante. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1986.
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obra do criador da teoria da formação por etapas das ações mentais e dos conceitos. In:
LONGAREZI. A. M.; PUENTES, R. V. Ensino Desenvolvimental: vida e obra dos
principais representantes russos. Uberlândia: EDUFU, 2013.
OLIVEIRA, Maria Alexandre de. Leitura Prazer - Interação participativa da criança com a
Literatura Infantil na escola. São Paulo: Paulinas, 1996.
PINO, Angel. O social e o cultural na obra de Vigotski. In: Educação e Sociedade, ano XXI,
nº 71, julho/00, p. 45-78.
154
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VYGOTSKY, L. S. Tomo IV. Obras Escogidas. Psicología infantil (Incluye Paidología del
adolescente Problemas de la psicología infantil). 1928.
WALLON, Henry. As Origens do Caráter na Criança. Trad. Heloysa Dantas de Sousa Pinto.
São Paulo: Nova Alexandria, 1995.
155
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ÁGORA: ocupações infantis dos processos de escolhas e tomadas de decisão acerca da
rotina e do currículo
Cláudia Pereira de Souza1
Elaine Dantas Valério2
Resumo
Este relato objetiva apresentar uma experiência desenvolvida com crianças de 3 a 4 anos
realizada em um Centro de Educação Infantil localizado no bairro periférico da cidade de São
Paulo, chamado Cidade Tiradentes. A metodologia das Assembleias se apresentou como
possibilidade de escuta atenta e qualificada da voz das crianças pequenas. Na sociedade do
consumo, a criança sempre ficou aquém dos processos de tomadas de decisão do universo
adulto, isso se refere, às decisões inerentes ao mundo infantil. Assim, foi necessário pensar
estratégias para colocar a criança no centro da roda, promovendo sua autoria. No CEI Mário
Pereira Costa, tal processo gerou mudanças no planejamento da rotina e no olhar para os
espaços. Observamos que as crianças, a partir da mediação da professora e com a colaboração
da Diretora, contribuíram para a ressignificação do tempo, dos espaços e dos materiais da
Unidade Educacional.
Relato de Experiência
Neste ano 2015 eu, Cláudia Pereira de Souza, estou como Educadora da turma de Mini
II, no Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa. Fazem parte dessa turma 20 crianças
com idade de 3 a 4 anos. Divido uma sala com outra educadora que também possui uma turma
de mini II com, mais 20 crianças. Essa é a turma Mini II – C e D.
Sabendo que a média de frequência, considerando as duas turmas, é de 30 a 35 crianças,
notei a necessidade da divisão dos agrupamentos para melhor aproveitamento da rotina e bem
estar, assim, acredito assegurar o desenvolvimento efetivo das crianças.
Conversei com a Educadora Mirlândia, responsável pela turma D, e decidimos pela
separação das turmas. Nós recebemos as crianças na sala e, após o café eu rodízio com o
agrupamento C, a partir das indicações contidas na linha do tempo e, assim, usufruímos das
salas e espaços desocupados.
Graduada em Pedagogia pela UMC – Universidade de Mogi das Cruzes, turma de 2011. Professora de Educação Infantil do Centro de
Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, situada no bairro de Cidade
Tiradentes, Extremo Leste, periferia da cidade de São Paulo.
2
Graduada em Pedagogia pela UNESP Campus Marília– Universidade Estadual Paulista- Júlio de Mesquita Filho- Marília. Diretora de
Escola do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa, Unidade da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, situada no 156
bairro de Cidade Tiradentes, Extremo Leste, periferia da Cidade de São Paulo.
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As crianças do Mini II – C, são dinâmicas e participativas, estão descobrindo as
possibilidades da linguagem. Colocam-se intensamente como sujeitos, de seu desenvolvimento,
sendo autores a partir da necessidade de participarem da organização diária da rotina.
Em nossa cultura as crianças nunca ocuparam lugar de destaque na sociedade. É
novidade para muitas pessoas e, infelizmente para muitos educadores, afirmar que as crianças
desde os primeiros minutos de suas vidas se comunicam com o mundo. A partir desta afirmação
é que fundamentamos o nosso trabalho. Para termos mais subsídios sobre o assunto, vejamos o
que nos informa a Orientação Normativa n.º 01: Avaliação na Educação Infantil: aprimorando
os olhares.
Destaca-se que considerar as falas e expressões das crianças e bebês, carregadas de
indicações sobre como os mesmos pensam a escola da infância constituem-se em um valioso
subsídio para a construção de espaços mais ricos e significativos para eles, considerando seus
interesses e necessidades. Nesse sentido, a instituição de Educação Infantil é pensada para e
com as crianças e suas famílias. (SME/DOT, 2014 p. 2)
Deste modo temos a certeza de que precisamos por meio de nossos planejamentos
pedagógicos promover espaços que garantam uma escuta qualificada das falas das crianças e,
assim, fazer com que de fato, sejam elas protagonistas da rotina e de seu aprendizados.
Na linha do tempo do CEI, existem os momentos em que as duas turmas, C e D, dividem
a mesma sala, uma dessas ocasiões acontece no horário de vídeo. E foi num desses
espaçotempos de nossa rotina que a, Educadora Mirlândia e eu, podemos presenciar um
profundo exemplo de participação das crianças.
Num certo dia, enquanto os educandos assistiam ao vídeo do Palavra Cantada o
aparelho de DVD parou de funcionar. Imediatamente as crianças começaram a reclamar e
questionar o motivo do defeito. Depois de tentativas de conserto, foi impossível continuar com
a programação.
A Educadora Mirlândia e eu, explicamos que as crianças deveriam reivindicar o direito
a um novo aparelho de DVD junto a Sra. Elaine – Diretora do CEI. Duas semanas depois ao
fato, as crianças do mini II, enquanto a Diretora passava na sala, comentaram o ocorrido. Alguns
lembraram da necessidade de a escola adquirir um novo aparelho de DVD e que tinham o
direito de argumentar com a Diretora.
Em outros momentos passando pela mesma situação, sinalizamos novamente que eles
teriam o direito de pedir e argumentar com a Diretora. Salientamos também que, nós
educadoras, falaríamos a respeito do aparelho com a Elaine.
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Trabalhando a rotina e as mudanças de sala do mini II C as crianças questionavam o
porquê de ir de uma sala para outra, porque não ir ao parque, porque tal atividade na rotina. Por
vários momentos as crianças insistiam questionando, o porquê da separação das turmas, sendo
que dessa forma, momento ou outro da rotina, um agrupamento ficaria sem sala. Explicava que
a sala existia, porém, para melhor aproveitamento e, com menor número de crianças, seria mais
tranquilo para todos. Perguntei se apesar de mudar de espaço estavam gostando de trabalharem
em um grupo menor, disseram que sim. Então em comum acordo, combinamos que seguiríamos
dessa forma, separando as turmas.
Dentre tantas observações da turma e sua forte vontade em participar e questionar a
rotina que lhes era proposta diariamente decidi trabalhar com eles o processo de autoria infantil,
por ter a convicção dessa possibilidade, através da metodologia de Assembleias. Iniciei
explicando o significado da terminologia e qual seria o sentido de seu desenvolvimento. De
modo que percebessem que o espaço educacional e coletivo e deve ser usufruído e gerido por
todos que dele fazem parte. As crianças se animaram com a ideia e demos inicio a esse processo.
No dia 20 de maio de 2015 iniciamos com uma roda de conversa, na qual, perguntei se
alguém saberia o significado da palavra assembleia. Todos pensaram e não expressaram nada.
Retomei e disse para eles se tratar de um momento em pessoas se reúnem em espaços públicos
e/ou coletivos para questionarem e deliberarem sobre assuntos que fossem de interesse de todos.
Expliquei que o espaço do Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa é público,
de usufruto da comunidade educativa e que meninos e meninas, famílias, educadores e
comunidade tinham o direito de intervir naquilo que julgassem necessário para a melhoria do
ambiente.
A princípio foi muito interessante, pois para as crianças, o ato de pedir ou questionar
algo, poderia ser feito somente para o pai, a mãe ou algum membro adulto da família. Não
faziam essa relação quando o sujeito se torna a escola. Aqui podemos perceber o quanto nossas
escolas, ainda servem como massa de manobra do sistema, na formação de pessoas submissas
que não ofereçam risco a ordem estabelecida.
Num segundo momento perguntei o que eles gostariam de pedir, sugerir, questionar em
relação ao espaço escolar e que todas as suas queixas seriam encaminhadas para a Elaine,
Diretora do CEI. Comecei a instigá-los e iniciei a gravação como registro pedagógico.
Perguntei3 “- Vivi você sugere algo, quer pedir?” No momento preferiu se manter em
silêncio. Continuei: “- O que você gosta ou não na escola?” E o silêncio permanecia.
3
Todos os diálogos e assembleias foram registrados em vídeos.
158
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Perguntei para a Carol e, ela respondeu: “- A boneca que ganhei da minha mãe esta em
casa.” Eu disse: “ - Que bom Carol, mas o que você gostaria de dizer algo que a escola precisa?”.
Ela respondeu que não.
Percebi que gravá-los não os deixava a vontade. Perguntei se preferiam que parasse a
gravação e responderam que sim.
Afinal quem fica a vontade em falar com um celular em sua direção?
Até que ao questionar o Davi ele disse: “- Brinquedo”.
“Mas você acha que não temos brinquedos o suficiente?” argumentei. Pensaram e o Wesley
respondeu: “-Mas boneco do Hulk, não tem, prô.”.
Respondi: “- Realmente, esse boneco não tem. Que bela observação Wesley.”
Prontamente argumentei que bonecas têm na escola. Leticia, logo respondeu que boneca
bonita não, pois as bonecas não possuíam cabelos e nem roupas.
As outras crianças complementaram dizendo que as bonecas não tinham shorts e nem
calcinhas.
Fiquei feliz, pois realmente as bonecas do CEI não estão em bom estado de conservação
e não eram tão atrativas para as crianças, fato que era normal, tendo em vista que os brinquedos
são bem explorados por eles.
Continuei provocando-os e, o Caio falou “- Carrinhos!” eu disse “- que carrinhos para
brincar eles tinham e, que não poderiam dizer ao contrário para a Elaine.
A Heloisa foi pontual quando disse: ”- Bombeiro não prô!”. E os meninos continuaram:
“- Policial, ambulância, avião.
Entendi que eles gostariam de ter carrinhos referentes às profissões.
A Heloisa pediu fantasia da Frozen4 Disse para ela que o CEI já tinha as fantasias e que
o fato é que não havíamos utilizado ainda.
Ela disse que queria a da Frozen, e, o Davi disse, que não poderia faltar a do príncipe
Kristoff. Claro que as motocas apareceram.
Para mim, enquanto professora de Educação Infantil, estava sendo um momento
maravilhoso e mágico. Afinal realmente as crianças de CEI possuem extremo potencial para
argumentar, justificar, e contribuir para um espaço que de fato é deles.
4
Animação infantil – longa metragem - da Disney, 2013, dirigido por Chris Buck e Jennifer Lee. Conta a história de uma princesa do gelo que
vive um romance com o jovem Kristoff.
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Talvez de modo utópico esperamos que num futuro não muito distantes as educadoras
e educadores da Educação Infantil se conscientizem da potencialidade de participação das
crianças e consigam de fato escutá-las. Esse pressuposto já figura em muitos documentos e
publicações de autores ligados à educação. Em 2015, por exemplo todas Unidades de Educação
Infantil do Município de São Paulo avaliaram seu serviço por orientação da Secretaria
Municipal de Educação.
Essa avaliação foi orientada por um rico documento produzido por diversos educadores
das escolas diretas e indiretas da prefeitura, e o documento dos Indicadores da Qualidade na
Educação Infantil Paulistana em diversas vezes toca no assunto da participação das crianças:
Para concretizar tais objetivos no cotidiano educacional, as educadoras e os educadores
precisam favorecer e potencializar a participação, a autonomia de bebês e crianças,
compartilhando propósitos, considerando as colocações infantis, negociando pontos de vistas e
significados, conversando, tomando decisões conjuntas, garantindo e valorizando suas criações.
(SME/DOT, 2015 p. 63).
Ou seja, de fato as assembleias se mostram como metodologia eficaz no processo de
participação democrática e autonomia das crianças. Esperamos que a Avaliação da Educação
Infantil no município de São Paulo sirva como motor para estimular esse processo em todas as
Unidades.
Após tantas experiências significativas, encerramos o inicio desse momento de
Assembleia. Disse que depois colocaríamos no papel todos os pedidos e entregaríamos a
Diretora. E que toda assembleia deveria ser registrada, ou seja, faríamos um documento em que
eu seria a escriba deles e quando todos estivem de acordo entregaríamos a Elaine assinado.
No dia 27 de maio retomei com eles e perguntei o que mais gostariam de pontuar. A
Leticia voltou a pontuar a importância de mais brinquedos:¨ “- Pro com mais brinquedos não
tem menos briga, tem brinquedo pra todo mundo. O que tem é chato, tem pouco¨.
As meninas logo se lembraram da bolsa de mulher. ¨- Pro a gente quer bolsa de mulher¨.
Fui registrando na lousa e disse que quando terminássemos iria digitar, expliquei que, o
texto para documento faríamos depois de realizar o levantamento daquilo que eles pediriam.
Disse que no documento não poderíamos deixar de sinalizar o local do qual
escreveríamos o relato. E, no momento em que escrevi na lousa o nome São Paulo, indicando
o local, cidade em que morávamos, o Davi disse.
¨- São Paulo. Eu não moro em São Paulo.
¨- Você mora onde então Davi?”
Ele respondeu: “- Cidade Tiradentes.” ¨Não... Eu moro longe, mas não nesse lugar¨.
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A turma logo se manifestou e, eu expliquei para eles partindo do micro com o objetivo
de alcançarmos o macro. Disse que eles moram numa casa que fica em uma vila chamada Santa
Etelvina e, que esta vila está localizada no bairro de Cidade Tiradentes, e, este bairro fica dentro
do município de São Paulo – Estado de São Paulo, país Brasil. Disse que traria um mapa que
apresenta o mundo e suas cidades e países. E que tínhamos ainda o mapa da cidade São Paulo.
As crianças ficaram ansiosas para verem os mapas e me cobravam a todo o momento,
de modo a não me deixarem esquecer.
Esse momento para mim foi de enorme aflição, afinal como trabalhar localização com
crianças tão pequenas? Até onde poderia ir? Como deixar claro para que as crianças
entendessem que moravam em São Paulo?
Conversei com a professora Christiane dos Santos Ramos e perguntei se ela poderia me
ajudar nesse momento? Ela me disse para apresentar os mapas partindo, do macro para o micro,
e que eles dariam a sinalização de onde partir.
No dia seguinte continuaram as cobranças e a euforia era grande. Como a escola não
possuía um mapa, pedi ao professor Mário que me emprestasse o dele. Peguei também, na
internet o mapa de São Paulo, para acalmar a ansiedade das crianças.
Realizamos a roda de conversa e todos demonstraram interesse, expliquei novamente do
micro para o macro e prometi os dois mapas maiores. Durante esse intervalo expliquei a
importância de termos dois representantes de sala e disse a necessidade do porque teríamos que
escolher.
Todos ficaram em silencio e disse que seria interessante ter um porta-voz para melhor
organização assim, por exemplo: disse que a sala da diretora era pequena e que não iria caber
todas as crianças no momento da entrega do documento final. Além disso, conversamos sobre
a importância de elegermos pessoas que poderiam representar o grupo todo e que é, dessa forma
que se organizam todos os grupos num sistema democrático.
Completei dizendo que, as crianças eleitas representantes da turma, seriam responsáveis
por encaminharem todas as propostas levantadas nas Assembleias.
Passado alguns dias, realizei o processo de escolha dos representantes, expliquei que a
criança que desejasse representar a turma, poderia se candidatar e, que a escolha seria através
de voto. Como as crianças do Mini Grupo II-C por vezes apresentam características
egocêntricas, pedi para que não votassem em si, porque assim não conseguiríamos chegar ao
escolhido.
Não teria como todos serem representantes então coloquei a seguinte proposta: ¨-Pense
no colega que você gostaria que fosse o nosso representante.” Questionei um por um e esperava
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ouvir tudo, como por exemplo: ouvir o colega do lado dar o mesmo voto do anterior, esperava
que se recusassem a participar por timidez; inocência minha, pois no fim, 12 crianças se
candidataram.
Qual não foi a minha surpresa, pois ao realizar o processo de votação, percebi que as
crianças estavam combinando votos. Não de forma a fazer campanha para o amigo, mas sim
cochichando para decidirem em quem iriam votar.
Percebi em um dado momento em o quanto eles estavam aquém do processo, poxa as
crianças já sabiam como se organizava o sistema de votação ao ponto de combinarem seus
votos.
Pedi que deixassem os colegas escolherem em quem iriam votar e orientei que não seria
bom influenciar os votos das crianças.
Ao iniciarmos a votação, cada criança pensava antes de dizer em quem iria votar. A
Alice que foi a primeira não quis falar logo e pediu para pensar, acabou por ser a ultima a
pronunciar o seu voto. Por fim, os eleitos para entregarem o documento para a diretora foram o
Kaio e como suplente, a Heloisa.
Confesso que diante o caminhar dessa ação, desde o inicio até o momento atual,
comprovei de forma clara o quanto, o professor de educação infantil tem para aprender com as
crianças e o quanto precisa desenvolver o processo da ação reflexão ação em seu planejamento
pedagógico. Alem disso, o que tornasse necessário fazer para não tornar maçante ou tirar o
encanto das crianças no momento em que se descobriam autores de sua própria rotina.
Com isso resolvi propor às crianças trabalhar toda quarta-feira com a rotina móvel5.
Expliquei que teriam a possibilidade de escolherem as atividades, disse também que algumas
coisas não poderiam mudar, como por exemplo: a hora do suco, a hora do almoço e
determinadas atividades sugeridas, poderiam não entrar na rotina móvel, por conta da linha do
tempo.
Além disso, tenho desenvolvido o projeto de Artes com eles, uma vez que deixaram
claro o quanto apreciam a pintura, a massinha, música, enquanto a expressão do corpo.
5
Entende-se por rotina móvel, quando a rotina planejada e organizada previamente pela educadora, não se torna
algo rígido – inflexível, podendo assim ser alterada ao longo do dia a partir das necessidades das crianças e dos
espoçotempos da escola.
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Eles adoraram o momento das rotinas móveis, que, passaram acontecer toda semana.
Sempre que necessário proponho outras possibilidades, para que eles, percebam o leque de
atividades que podem realizar.
O quanto ainda tenho por caminhar e ver a importância da primeira infância, o quanto
as crianças tem por oferecer e que não são apenas seres que necessitam somente de cuidados
físicos . Tive a oportunidade de perceber que por vezes as subestimamos como educadoras,
dentro de suas potencialidades.
Não somente eu , mas durante esse processo ao contar para as colegas de trabalho o que
as crianças falavam e pediam, deixavam as outras professoras com um olhar de admiração e de
espanto.
“- Nossa eles estão assim? Já estão nesse processo de organização das ideias?”.
É notório o quanto os próprios profissionais do CEI, ainda veem a primeira infância com
o olhar apenas do bem estar físico e, esquecem-se do potencial que existe nas crianças, a vontade
e disponibilidade para conhecer o novo, o olhar que brilha à cada nova descoberta e que o
cuidado também vem da escuta, do olhar do professor para a criança, sendo que a partir dessa
escuta e atenção cuidadosa, as próprias crianças conduzem, mostram a direção da qual seguir,
são autores de sua trajetória. Momentos em que mostram o quanto devemos ser flexíveis,
atuantes e mediadores a todo instante.
O quanto é importante revermos a todo instante nossa função social, o que espero da criança, o
quanto da minha função social levo para ela. O que realmente estou propondo, fazendo,
mediando que traga cada vez mais à criança o prazer e vontade de conhecer cada vez mais.
Quando levei finalmente os mapas foi extremamente empolgante para eles. Olharam,
questionaram as bandeiras, lugares, mais uma vez voltou toda a reflexão: Até onde eu,
professora, estava caminhando bem, até onde a atividade não se tornaria maçante. Será que
somente levar os mapas seria o suficiente para eles. Retomei toda explicação do micro para o
macro e para complementar, trouxe para eles o vídeo do Palavra Cantada: O Menino.
O vídeo trabalha justamente localização do micro para o macro. Pedi que prestassem atenção.
Por fim preguntei se tinham entendido e preguntei para o Davi se agora ele morava em São
Paulo. Ele olhou para mim e deu um sorriso.
Passado alguns dias e sempre preferi deixar as terças para as Assembleias, perguntei se
poderíamos fechar a lista de necessidade para escrevermos o texto. Claro que agora eles pediam
o mapa. Perguntei por que e Leticia simplesmente respondeu para ver o mundo.
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As crianças estavam ansiosas e perguntei se queriam a presença da Elaine para terem uma
primeira conversa com ela e, todos disseram que sim. A diretora Elaine ficou a par de todo o
processo, uma vez que seria com ela que as crianças conversariam.
Gravei este dia e quase todas as crianças falaram. Foi muito bacana ver a desenvoltura deles e
o quanto estavam dispostos. Disseram tudo e ainda complementaram. A Vitoria disse que
precisa ter banheira e chupeta.
A Elaine perguntou:
“- Para vocês?”
As crianças responderam:
Depois de uma semana começamos o texto. Então, expliquei para as crianças que elas falariam
e eu escreveria na lousa. Lembrei que primeiro colocaríamos o local onde o documento foi
escrito São Paulo.
Disse também que para iniciar devemos colocar o nome para quem o documento é destinado.
Responderam para a Elaine e em seguida perguntei novamente e qual sua função aqui. Disseram
diretora.
Nesse momento eu, enquanto educadora me perguntei se deveria corrigir a escrita deles no
documento, pois ainda não possuem a organização gramatical e textual em suas falas.
Será que uma das opções antes de partir para o texto seria, por exemplo, eles desenharem o que
gostariam e fazer uma roda de conversa com a Elaine? O que tornaria menos maçante? Enfim
conduzir um trabalho sem tirar o prazer das crianças e instiga-las cada vez mais complexo
requer dedicação do professor e como já disse constante reflexão.
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“- É mesmo.” disse Vitoria! As crianças acompanhavam interessadas, e deixei para continuar
na próxima semana. Procurei a professora Christiane para saber até onde poderia intervir no
texto das crianças. Ela disse que poderia realizar tranquilamente e, apontar a maneira correta de
escrever. Procurei a Christiane pela bagagem de formação quanto ao processo de alfabetização
e letramento.
Quando retornamos com o texto apontei para as crianças que a fala deles ¨-Nós quer,¨ precisava
ser colocado de forma mais formal no texto e o correto seria ¨- Nós queremos.¨
Nós queremos boneca porque está feia, não tem cabelo, não tem roupa e não tem calcinha.
É pouco, se tivesse mais não tinha briga. Não está funcionando a caixa de som e está raspando
o DVD.
Os meninos querem mais carrinhos: bombeiros, avião, policial. Bonecos também tipo Hulk.
Mini II C.
Representantes de sala:
Mantive o texto sem grandes intervenções para garantir as falas das crianças. Disse para
elas que iria digitar e ler novamente para que dessem o aval. E assim foi feito.
O ultimo momento foi ler e depois chamar os representantes de sala para assinar o
documento expliquei que a assinatura valida o pedido do documento. Chamei a Elaine e disse
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para o Kaio entregar o documento. Ela leu e disse que daria a devolutiva por escrito. Depois
disso entramos em recesso escolar.
Diante de todo o ocorrido posso dizer que por varias vezes não cansei de elogiar as
crianças e de falar delas para os colegas de trabalho.
Por vezes ouvi que esse trabalho começa a ser desenvolvido somente no fundamental II
ou ensino médio. Autoria, voz ativa que se iniciam tardiamente quando o que mais queremos
das crianças é a criticidade, conhecimento de mundo. Percebo o quanto devemos trabalhar a
nossa escuta com a criança.
Os documentos da Prefeitura exigem essa escuta para garantirmos voz ativa e o
protagonismo infantil das crianças. Esse trabalho de autoria, também foi amplamente discutido
com as famílias durante um processo de Avaliação da Unidade.
Estando a par de todo trabalho a Elaine levou o documento com os pedidos das crianças
para a reunião da APM, socializou com as famílias e professores o trabalho desenvolvido e a
expectativa das crianças. Informou que incluiria os pedidos das crianças assim que a verba da
Prefeitura chegasse.
Assim que retornamos do recesso, a Diretora Elaine, conversou comigo a respeito dos
pedidos realizados pelas crianças e comentou que tinha, juntamente com as funcionárias,
organizado o espaço do CEI e, durante a organização, constatou que haviam muitas bonecas e
roupas espalhadas aleatoriamente, por isso a sensação de poucos brinquedos. Uma solução
encontrada pela Diretora foi comprar caixas organizadoras, vestiu as bonecas e as deixou
separadas na caixa, assim seria fácil de as educadoras e crianças encontrarem.
Na sala das crianças foi trocado o aparelho de DVD por um computador, amplificador
de som e um projetor. Assim o espaço foi transformando em uma sala multimídia, dado que
promoverá, ainda mais, o interesse das crianças pela tecnologia e, ajudará as professoras no
desenvolvimento de pesquisas com a turma.
Disse a ela que levaria essas conquistas para as crianças, contextualizando que todas as
melhorias é fruto de um processo iniciado por elas, principalmente a partir das Assembleias e,
dessa forma daria um retorno para elas.
Depois de apresentar a rotina do dia pedi para as crianças sentarem em roda, pois teria
novidades para partilhar com elas. Retomei todo o processo realizado e, as cranças me
questionando o tempo todo, diziam: “- Por que as bonecas estão aqui?” e, eu, os provoquei: “-
O que mais vocês pediram?
Não precisou muito para que eles retomassem todo o processo em suas memórias. Nesse
momento eu realizei a leitura para eles da resposta enviada pela Elaine. Mostrei a caixa com as
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bonecas, enquanto explicava que tínhamos sim, bonecas com roupas, mas que dependia
somente de uma questão de organização. Falei também à respeito da sala com o equipamento
multimídia. E qual não foi minha surpresa, que ao termino da minha fala, as crianças de tanta
felicidade, aplaudiram de pé.
Em seguida distribui as bonecas para as crianças, para perceberem se tudo estava de
acordo com o gosto delas. Após a aprovação, como se não era de esperar, começaram a brincar
com a novidade. Em outro momento, apresentei o computador e as diversas possibilidades de
utilização da nova sala de multimídia. Todas ficaram muito satisfeitas!
Foi um trabalho muito produtivo para nós, enquanto educadoras, pois como dizia Paulo
Freire, o grande educador brasileiro: “O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua
prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão...”
(FREIRE, 2002 p.13) e para a turma do Mini Grupo 2C, ficamos extremamente contentes com os
objetivos alcançados que, foram além da autoria infantil, conseguimos contribuir com a
conscientização das crianças em relação ao exercício da democracia e desenvolvimento do
senso de responsabilidade e cuidado com aquilo que é de todos. Outra conquista, sem dúvida,
foi a sensibilização que as crianças se apropriaram em relação à opinião do colega, dado que
fortalece a abertura para a solidariedade, valor fundamental para a superação de uma sociedade
individualista.
Com o desenvolvimento desse projeto as crianças se reconheceram como detentores de
dignidade, sentiram-se valorizadas e respeitadas em sua condição de sujeitos de direitos e de
cidadãos produtores de cultura.
O projeto não termina aqui, temos a consciência de que esse é apenas um primeiro passo
num processo que terá continuidade no Centro de Educação Infantil Mário Pereira Costa de
modo, a criar-se uma cultura que se estenda não apenas entre as educadoras e educadores, mas
faça sentido para toda a Comunidade Educativa.
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Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa. 43ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
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MEDIAR A LEITURA DO LITERÁRIO PARA PROMOVER
Resumo:
Na Educação Infantil, a leitura de obras literárias mostra-se crucial para favorecer a formação
das crianças como leitoras proficientes, que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com
essa prática. Nas ocasiões de leitura de literatura infantil para e com as crianças, abrem-se
muitas oportunidades de aprendizado, as quais, direcionadas por um educador/mediador que as
reconheça e as explore em sua riqueza, podem favorecer efetivamente a formação leitora dos
pequenos. Neste trabalho, com base nos estudos de Kaercher (2001), Brandão e Rosa (2010),
Corsino (2010), Arena (2010), entre outros, discutiremos a relevância da leitura de obras
literárias no contexto da escola infantil, enfatizando, a partir da abordagem de uma obra literária
específica, a importância das intervenções do mediador da leitura para o fomento da
constituição de competências leitoras nas crianças desde a Educação Infantil.
Introdução:
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usufruindo de fato da linguagem literária e construindo sentidos a partir dela. Desse modo, a
atuação desse mediador mostra-se crucial para que as crianças se desenvolvam como leitoras,
fazendo uso de estratégias de leitura, mesmo ainda não tendo adquirido a capacidade de
decodificar.
Reconhecendo o texto literário infantil como caminho adequado para iniciar a formação
leitora de crianças e a participação efetiva, nesse processo, do educador mediador da leitura do
literário, neste trabalho pretendemos discutir a relevância da leitura de obras literárias infantis
no contexto da escola infantil e enfatizar a importância das intervenções do mediador da leitura
para o fomento da constituição de competências leitoras nas crianças desde a Educação Infantil.
Para cumprir tal intento, iniciaremos com reflexões acerca da necessidade de, na escola
infantil, entre as múltiplas atividades a serem propiciadas às crianças, promover-se
frequentemente o compartilhar histórias através de situações de leitura coletiva de livros de
literatura infantil. Na sequência, ressaltaremos esse gênero e suas características como relevante
instrumento que pode auxiliar a construção de capacidades leitoras nas crianças desde a
Educação infantil, além de ressaltar a importância do mediador na realização da leitura, de
modo a favorecer a formação dos pequenos para atribuir competentemente sentidos ao lido. Em
prosseguimento, a partir de exemplos da leitura compartilhada de uma obra literária numa turma
de pré-escolar I, discutiremos as possibilidades de, através dessa leitura, favorecer-se
efetivamente a formação de competências leitoras nas crianças.
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de ler, encaram o livro, a leitura e a literatura como fontes de prazer, divertimento e
aprendizagem.
Entretanto, Kaercher demonstra preocupação com a prática de ouvir e contar histórias
na Educação Infantil, alertando para a sua desfiguração quando transformada em atividade com
caráter escolar, na qual se cristalizam os papéis de professor e aluno, destruindo-se a riqueza
das possibilidades de, verdadeiramente, serem partilhadas compreensões, sensações e opiniões
a respeito do lido. Tal preocupação fundamenta o seu pensamento de que a formação de
crianças que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com a literatura ocorrerá, de fato,
se o livro for parte integrante do seu dia-a-dia, condição fundamental para que se inicie o
processo de sua formação como leitores, compreendidos como sujeitos capazes de construir
sentidos, lendo com fluência e frequência, mas também com prazer, alegria e por desejo
próprio.
Para tanto, segundo a estudiosa, desde cedo deve ser propiciado um contato frequente e
agradável da criança com o objeto livro e com o ato de ouvir e contar histórias, em primeiro
lugar. Mais tarde, ampliar-se esse contato para o convívio significativo com o conteúdo dos
livros, com a história propriamente dita, seus textos e ilustrações.
Como alerta a autora, diferentemente do que se pensa em práticas fundamentadas em
perspectivas escolarizantes, a leitura de literatura ma Educação Infantil não tem sempre que
servir para algo, voltando-se a uma utilidade prática imediata, especialmente a relacionada ao
atendimento de rituais escolares. Ao contrário, deve-se ler literatura pelo prazer que isto
proporciona, por sua importância enquanto arte, afinal, a literatura tem como papel precípuo a
função de divertir, emocionar, sensibilizar, levar a compreender melhor o meio circundante e
as próprias vivências, humanizando o sujeito.
Nessa perspectiva, como destacado por Arena (2010), o convívio das crianças com o
gênero literário desde cedo é fundamental, uma vez que é por meio de obras literárias de
qualidade, as quais “redesenham e reinterpretam a realidade” (p. 15), que elas também se
apropriam ativamente da cultura e da história humanas, ademais, encontrando na literatura um
caminho profícuo a sua constituição como leitoras.
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interação com o objeto escrito e com sujeitos letrados, constrói conhecimentos e concepções
acerca do ler, dos objetos de leitura e de suas características.
Esse entendimento decorre, entre outros aspectos, dos avanços na compreensão da
leitura, hoje entendida como processo de interação que pressupõe que o leitor, para identificar
e construir unidades de significação, vale-se tanto dos estímulos visuais do texto quanto de suas
estruturas globais de conhecimento que, em interação, possibilitam a produção de sentido para
o lido (KATO; MOREIRA, 1997, p. 54). Além disso, dos estudos sobre letramento, os quais
destacam que a criança é introduzida, desde cedo, por meio da interação com o objeto escrito,
mas, sobretudo, com adultos mediando esse processo, nas funções sociais da língua escrita em
toda a sua gama de usos, propósitos e manifestações.
Desse modo, é sabido que mesmo não dominando ainda o código escrito, a criança pode,
por intermédio das relações com sujeitos leitores mais experientes, ter acesso aos textos e serem
auxiliadas a compreendê-los, desenvolvendo desde cedo, em decorrência, habilidades
necessárias à futura competência leitora, as estratégias de leitura, procedimentos fundamentais
à construção da compreensão do lido.
As estratégias de leitura voltam-se à ampliação do entendimento do lido e, como
procedimentos mentais, são utilizadas pelo leitor proficiente para compreender o que lê. O leitor
ativo, ao construir significados, realiza várias estratégias, a exemplo de buscar estabelecer
conexões entre o lido e o já sabido, construir inferências, sintetizar a informação e monitorar
adequadamente o próprio processo leitor, devendo ser ensinado a aplicá-las em sua leitura.
Segundo Girotto e Souza (2010, p. 65), “Entre o repertório de estratégias de
compreensão [...], há uma estratégia essencial, a de ativar o conhecimento prévio”, o qual,
trazido à leitura, sustenta a aprendizagem e o entendimento. Para elas, se os leitores não dispõem
de algo que seja articulado à nova informação, dificilmente construirão significados, ao mesmo
tempo que, quando dispõem de uma boa bagagem cultural relacionada ao tratado, são mais
capazes de entender o texto. Assim, fazer conexões entre o lido e as experiências pessoais
favorece a compreensão, pois as “vivências e conhecimentos prévios dos leitores abastecem as
conexões que fazem” (p. 67).
As autoras ainda relevam a estratégia inferencial, que também é fundamental à
compreensão e diz respeito ao “ler nas entrelinhas”, concluindo ou interpretando algo que não
está explícito no texto. Defendem, dada a importância dessa estratégia, ser preciso que o
educador ensine as crianças a como agir na leitura, apontando as dicas fornecidas pelos textos
e orientando como combiná-las com o conhecimento prévio para produzir inferências
adequadas.
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Portanto, na Educação Infantil, com vistas ao desenvolvimento da formação leitora das
crianças, a leitura e seu ensino precisam ter um lugar muito definido e amplo, devendo-se, nesse
contexto, privilegiar "o ensino e a aprendizagem de algo que coexiste com as crianças, que
interessa a elas, que está presente em sua vida" (SOLÉ, 2003, p. 75), o que pode se dar por
intermédio da literatura infantil, elemento que, por suas peculiaridades, também muito interessa
os pequenos e os encanta.
Assim, cada vez mais fortemente se destaca a importância da literatura infantil para a
formação pessoal e leitora das crianças, o que se deve, entre outros aspectos, à riqueza de
recursos do gênero que, como a literatura em geral, apresenta características artísticas e
estéticas, manifestadas por meio de um tratamento cuidadoso da linguagem.
Pelas peculiaridades do destinatário a quem se dirige - a criança, a literatura infantil
apresenta aspectos que se voltam a atendê-las. Por isso, considerando que esse leitor possui
uma visão particular do mundo e uma fértil capacidade para imaginar e fantasiar, no universo
literário infantil há espaço para o fantástico, o metafórico, o ambíguo, a plurissignificação e o
humor. Além do mais, nesse universo se encontra o uso de uma linguagem próxima da criança,
expressa em um léxico especial e adequado as suas características intelectuais e emocionais.
Outro elemento da literatura infantil que merece destaque são as ilustrações, as quais,
segundo Ramos (2011), ganham cada vez mais relevância e, articuladas ao texto escrito,
mostram-se fundamentais por provocarem no leitor deslocamento e emoção, levando-o a
imaginar, refletir e construir sentidos.
Ressalta-se, diante do exposto, o valor do texto literário infantil como instrumento para
a formação do leitor criança desde os primeiros anos, uma vez que, por meio do lúdico e do
prazer, pode ajudar a conduzi-lo à autonomia leitora. Assim, diante de uma obra literária, o
pequeno leitor é conduzido a ampliar progressivamente suas capacidades de construir sentidos,
através de um processo de diálogo constante com o expresso, processo este que deve ser
favorecido pela mediação da leitura.
O mediador da leitura e seu papel na formação leitora das crianças da Educação Infantil
Com base na perspectiva histórico-cultural e na ideia de que "a interação do sujeito com
o mundo se dá pela mediação feita por outros sujeitos" (OLIVEIRA, 1995, p. 56), as relações
entre os indivíduos têm sido evidenciadas como fator constituinte da aprendizagem. No caso
das instituições educativas formais, aqui se destacando as instituições de Educação Infantil, os
mediadores culturais adultos - os educadores - têm o papel explícito de interferir nos processos
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de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, promovendo avanços que não se dão
espontaneamente.
No que concerne à leitura, prática cultural de enorme significado nas sociedades letradas,
evidencia-se a importância da mediação desse adulto, a quem cabe, no caso da leitura de literatura
infantil, promover o acesso das crianças ao gênero e, principalmente, auxiliar o sujeito leitor a
perceber o texto, compreendendo-o a partir do diálogo e da discussão a respeito do que leu.
Portanto, num movimento de apropriação cultural ativa, ao se relacionar com o gênero literário e
sendo auxiliada por um mediador cultural, a criança vai aprendendo e apreendendo,
progressivamente, os modos de atribuição de sentidos ao lido (ARENA, 2010).
O modo pelo qual o adulto faz a mediação da leitura, respondendo às reações e
iniciações da criança, é, portanto, um fator crucial na sua constituição como leitora capaz de
compreender o que escuta/lê. Inegavelmente, crianças pequenas têm capacidade para interpretar
o que está nos livros, mas, para isso, precisam ser auxiliadas por alguém que favoreça as
interações com esse objeto, faça perguntas instigantes e provocadoras, enfim, estimule a
construção da compreensão.
Pressupondo a literatura como relevante porta de entrada para o mundo letrado, Corsino
(2010, p. 187) ressalta a importância da mediação do adulto nas primeiras leituras da criança,
uma vez que é ele
quem faz escolhas, quem dá voz às crianças durante a leitura, quem escuta e
considera suas produções, quem faz mediações instigadoras, quem coloca
pontos de vista em discussão, quem provoca argumentações e narrativas, quem
incita o diálogo entre os textos verbal e o não verbal, quem abre e acolhe
múltiplas leituras.
Brandão e Rosa (2010) também destacam tal relevância, afirmando que as situações de
conversa sobre os textos literários, guiadas por um leitor mais experiente, são fundamentais à
formação leitora, uma vez que possibilitam engajar o leitor ou ouvinte na busca e produção de
significados sobre o que lê ou escuta, através da construção conjunta da compreensão.
Portanto, para não alimentar uma atitude passiva das crianças diante dos textos lidos, o
mediador precisa atuar incentivando-as a compreendê-los e a construir concepções próprias a
seu respeito. Para tanto, encará-las como coparticipantes do processo de leitura, capazes de
estabelecer diálogos e trocas produtivas com um mediador mais experiente, é fundamental.
Explorar a leitura dos livros literários para formar competências leitoras nas crianças
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Partindo do pressuposto de que a leitura de obras literárias no cotidiano da pré-escola
pode se constituir como oportunidade significativa para o desenvolvimento das crianças como
leitoras, agora discutiremos possibilidades de mediação produtiva da leitura do livro infantil
“Pê de Pai”, dos autores Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, publicado pela editora
Cosac Naify, em segunda edição, no ano de 2013. Essa discussão tomará como base uma
situação de leitura compartilhada dessa obra, ocorrida numa turma de pré-escola I de uma
instituição de Educação Infantil paraibana, na qual a mediação da leitura não se mostrou
adequada para desenvolver a formação leitora das crianças, especialmente porque a leitura foi
protagonizada pela educadora, que apresentou aos pequenos sua compreensão do conteúdo do
livro, não lhes possibilitando participação efetiva no processo de atribuição de sentidos.
A obra literária “Pê de Pai”, com pouco texto escrito e ilustrações que se destacam nas
páginas, apresenta vinte e quatro diferentes “tipos” de pai (a exemplo de “pai cabide” e “pai
colchão”), fazendo uso de interessantes metáforas que relacionam características assumidas
pelo pai em seu modo de se relacionar com o filho e elementos da realidade (objetos, profissões
etc.). O entendimento do seu conteúdo demanda a leitura competente da ligação entre a
expressão que define o tipo de pai e a imagem que a acompanha, exigindo, portanto, a
compreensão das metáforas e dos implícitos que subjazem a caracterização do pai como
“despertador” ou “escada”, por exemplo.
Na situação de leitura apresentada, a obra foi escolhida pela educadora, por ocasião da
proximidade da comemoração do dia dos pais, para ser compartilhada com as crianças que,
reunidas em círculo, ouviram atentamente a leitura feita por ela. Escolhemos, para explicitar a
relevância de uma mediação adequada da leitura do literário, três trechos dessa situação,
referentes à apresentação de diferentes páginas do livro, sobre os quais refletiremos a seguir.
Inicialmente, em relação à página do livro que caracteriza o “pai ambulância”, vê-se a
imagem de um pai com expressão facial aflita, carregando nos braços o filho desfalecido e
correndo para levá-lo a algum lugar. Ao apresentá-la às crianças, a mediadora teceu o seguinte
comentário: “Pai ambulância. Ah, papai ambulância é muito legal! Quando o
filhinho cai, ele segura, abraça, protege, corre com o filhinho pra casa ou para o hospital”.
175
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Apesar da riqueza da página para a realização de uma leitura que extrapole o explicitado,
a mediadora não criou oportunidades para que as crianças percebessem a metáfora,
relacionando adequadamente a ambulância e a atitude de um pai cuidadoso que, diante da
doença do filho, acode-o e corre, levando-o ao hospital. Para favorecer a construção dessa
compreensão, precisaria ter auxiliado as crianças a recuperarem conhecimentos anteriores a
respeito, por exemplo, do que é e para que serve uma ambulância, já que a ativação de
conhecimentos prévios é uma estratégia de leitura fundamental que pode ser estimulada desde
cedo. Além disso, a possibilidade das crianças exporem seus conhecimentos prévios as auxilia
enormemente na tarefa de busca pela compreensão. Para tanto, como salientam Silva e Balsan
(2013), “O professor deve estar atento, oferecer leituras do interesse e vivências das crianças
para que, desta forma, haja maiores possibilidades de [...] utilizarem sua bagagem na tentativa
de compreensão” (p. 92).
Além do mais, a leitura efetiva da página requer a observação atenta da imagem,
considerando-se que a percepção de seus detalhes muito auxilia o leitor a entender o
apresentado. No caso do “pai ambulância”, a compreensão da metáfora requer atentar para a
fisionomia aflita e preocupada do pai, para suas pernas bem abertas, denotando movimento de
correr, e para a expressão débil do filho, que o pai segura cuidadosamente enquanto se locomove
com pressa, aspectos para os quais a mediadora poderia ter chamado a atenção das crianças,
ajudando-as a entender a relação entre esses aspectos e a caracterização do pai como “pai
ambulância”, afinal, é por intermédio da ação dos mediadores da leitura que as crianças, como
leitores ativos, vão interagindo com os textos e, progressivamente, formando o seu estatuto
leitor (MCLAUGHLIN; ALLEN, 2002 apud GIROTTO; SOUZA, 2010).
Com relação à página que destaca o “pai seta”, consideramos que a mediação da leitura
também requeria uma intervenção diferente, pois não abrindo espaço à participação das
crianças, não contribuiu efetivamente para que elas, com a ajuda da mediadora,
compreendessem o que é apresentado. Na ocasião, após mostrar a página, a educadora explicou
às crianças: “Pai seta. Senta! Papai quando está brabo: Senta! Vem cá! Ó, apontando
assim (fez o gesto), é o papai seta. Quando o papai fizer isso: já sei, papai, você é o
papai seta”.
176
ISSN 2448-1157
Embora recorrendo a exemplos das vivências das crianças, quando se deparam com um
pai que, bravo por algum motivo, determina enfaticamente o que quer que façam e aponta para
onde devem ir, como uma seta, a mediadora não explorou a riqueza de possibilidades
inferenciais da página, mais uma vez apenas apresentando aos ouvintes as inferências que ela
própria havia construído.
Como nas etapas iniciais da formação do leitor a compreensão se dá como decorrência
da interação da criança com o professor e com os demais colegas, não é entregando o sentido
pronto, nem deixando o pequeno leitor solitário a cargo da construção do mesmo que se
favorecerá a sua constituição como leitor autônomo, capaz de fazer uso competente das
estratégias de leitura. O entendimento da metáfora exposta nessa página da obra demanda,
primordialmente, o conhecimento do que é uma seta e de sua função, na ausência do qual o
sentido fica comprometido. Não tendo verificado o conhecimento das crianças a esse respeito,
a mediadora desperdiçou a oportunidade de, relacionando a seta com a ideia de indicação,
ajudá-las a entender que um “pai seta” é aquele indica, determina a direção para onde o filho
deve ir. A exploração das características da imagem, na qual se vê um menino cabisbaixo, um
pai com postura autoritária, uma vez que tem uma das mãos na cintura e um braço, com dedo
indicador apontando para a direita, certamente teria auxiliado as crianças a compreenderem o
significado de um “pai seta”.
Ainda no que concerne às características dessa página, cabe dar destaque aos implícitos
que ela encerra. A competente compreensão da metáfora do “pai seta” requer inferir, a partir
das pistas fornecidas pela imagem, que o pai, insatisfeito com algo feito pela criança, com rigor
determina que se dirija a outro local, indicando-o como uma seta. Embora tais informações não
estejam explícitas na página, é possível ao leitor depreendê-las a partir da relação entre as
informações propiciadas pelo texto e o que esse leitor já conhece, uma vez que, conforme
Girotto e Souza (2010), o exercício de ativar informações já conhecidas interfere diretamente
na compreensão durante a leitura. No caso de leitores iniciantes, a percepção desses aspectos
deve ser orientada pelo mediador através de intervenções e questionamentos significativos que
favoreçam o uso de estratégias leitoras como a ativação de conhecimentos prévios e a
construção de inferências.
O terceiro trecho selecionado compreende a leitura da página referente ao “pai cofre”,
na qual a imagem apresenta um pai abaixado junto à filha para, com atenção, ouvir um segredo
que ela lhe conta ao ouvido.
177
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Ao apresentar o “pai cofre” às crianças, a mediadora explicou: “Papai cofre é aquele
que guarda segredinhos. Ó,a filhinha aqui contando o
segredinho para papai e ele
guardando no cofre. O cofre vai ser o quê? O seu ouvido”. Novamente, houve uma
apresentação do significado atribuído pela mediadora ao “pai cofre”, sem que as crianças
fossem convidadas a construir esse sentido no âmbito coletivo. Interessante teria sido conhecer
o que sabiam sobre o objeto cofre e sua utilidade, ou apresentar informações a esse respeito,
para que pudessem entender a metáfora de que o “pai cofre” é aquele a quem se podem revelar
confidências e que as guardará muito bem guardadas. Contar e ouvir segredos faz parte das
vivências infantis e isto poderia ter sido aproveitado para auxiliá-las a compreender os
implícitos do texto. Tendo perguntado o que viria a ser o cofre, poderia ter aberto espaço às
hipóteses e ideias das crianças, no entanto, ao responder imediatamente, dizendo que o cofre é
o ouvido do pai, não favoreceu a capacidade inferencial e o entendimento de que, como um
cofre, o pai guarda os segredos que o filho lhe confia.
A respeito dessa capacidade, competência imprescindível à compreensão do lido, cabe
considerar que, nos textos, nem tudo está explicitado e, por isso, é necessário que o leitor, com
base em seu conhecimento prévio e nas pistas apresentadas pelo autor, deduza informações não
apresentadas de modo claro e direto, isto é, as infira. Por isso, nas ocasiões de leitura de textos
literários infantis, elaborar perguntas de compreensão de natureza inferencial é muito relevante,
uma vez que, com elas, o mediador ajuda as crianças a "construir novos significados que não
estão dados no texto, mas que podem ser deduzidos" (BRANDÃO; ROSA, 2011, p. 45).
Assim, destaca-se a fundamental relevância do educador no seu papel de mediador da
leitura do texto literário, ajudando as crianças a ativar conhecimentos prévios e construir
178
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inferências, apropriando-se das pistas do texto escrito e também da ilustração para efetivar a
construção da compreensão. Desse modo, diferentemente de agir como aquele que entrega
prontos os sentidos, cabe a ele a função de colaborar com seus interlocutores nessa construção,
incrementando a sua formação leitora, afinal, como apontam Girotto e Souza (2010), a criança
forma-se como leitora quando constrói seu saber sobre o texto e a leitura a partir das atividades
que lhe são propostas pelo mediador durante o processo de planejar, organizar e implementar
atividades de leitura literária.
Considerações finais
179
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Referências
BARBOSA, Maria Carmen S.; HORN, Maria da Graça S. Organização do espaço e do tempo
na escola infantil. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis E. (Org.). Educação
Infantil: pra que te quero? Porto Alegre, Artmed, 2001. p. 67-79.
BRANDÃO, Ana C. P.; ROSA, Ester C. de S. A leitura de textos literários na sala de aula: é
conversando que a gente se entende... In: PAIVA, Aparecida; MACIEL, Francisca; COSSON,
Rildo (Coord.). Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, 2010. p. 69-88. (Coleção Explorando o Ensino; v. 20)
GIROTTO, Cyntia G. G. S.; SOUZA, Renata J. de. Estratégias de leitura: para ensinar alunos
a compreender o que leem. In: SOUZA, Renata J. de (Org.). Ler e compreender: estratégias
de leitura. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2010. p. 45-114.
KAERCHER, Gládis E. E por falar em literatura. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis
E. (Org.). Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre, Artmed, 2001. p. 81-88.
KATO, Mary A.; MOREIRA, Nadja R. Alfabetização: estudos psicolinguísticos. In : KATO,
Mary; MOREIRA, Nadja; TARALLO, Fernando. Estudos em alfabetização:
retrospectivas nas áreas da Psico e da Sociolinguística. Campinas, SP: Pontes; Juiz de Fora,
MG: Editora da UFJF, 1997. p. 9-100.
180
ISSN 2448-1157
SILVA, Joice R. M. da; BALSAN, Silvana F. de S. Estratégias de leitura, de Isabel Solé: um
caminho para a formação de leitores. In: SOUZA, Renata J. de; FEBA, Berta L. T. (Org.).
Ações para a formação do leitor literário: da teoria à prática. Assis-SP: Storbem, 2013.
p. 81-99.
RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SOLÉ, Isabel. Leitura em educação infantil? Sim, obrigada! In: TEBEROSKY, Ana et al.
181
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BRINQUEDOTECAS NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO
Comunicação de Pesquisa
Resumo
O presente trabalho apresenta os resultados de um levantamento acerca das especificidades
das brinquedotecas na rede pública municipal de ensino da cidade de Vitória da Conquista,
BA. A pesquisa de campo envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com
representantes das instituições nas quais existem brinquedotecas, abordando: trajetória de
fundação, aquisição do acervo, funcionamento, acesso das crianças e da comunidade. Os
resultados revelam que predomina o improviso e não há um espaço projetado para as
brinquedotecas; os brinquedos são organizados de forma semelhante, em armários e/ou
prateleiras; é marcante a ausência de profissionais especializados para fazer a mediação
criança/brinquedo; o uso dos espaços está restrito às crianças das escolas, não sendo pensado
enquanto espaço destinado às crianças da comunidade. Diante disso, se fazem necessárias a
ampliação e o fortalecimento do debate sobre o conceito e as contribuições do brincar no
desenvolvimento das crianças.
1. Introdução
Essa pesquisa tem como objetivo fazer um levantamento acerca das especificidades
das brinquedotecas existentes na rede pública municipal de ensino da cidade de Vitória da
Conquista, BA. O interesse pelo tema surge das experiências vivenciadas nas atividades
docentes no ensino superior e das pesquisas do Grupo de Pesquisas, Estudos, Infância e
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Educação Infantil (GPEIEI-CNPq) que tem possibilitado observar um crescimento
de trabalhos monográficos sobre a temática do brincar, reforçando a reconhecida importância
deste processo para o desenvolvimento das crianças. Compreendemos que o presente estudo
também trará informações que fortalecem os argumentos para a construção de uma
brinquedoteca na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Vitória da
Conquista, Ba1.
A brinquedoteca surgiu nos Estados Unidos, em Los Angeles, no ano de 1934, tendo
como atividade principal o empréstimo de brinquedos. No Brasil, seu surgimento efetivo
ocorreu na década de 80, sendo esta definida como um espaço preparado para estimular a
criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de
um ambiente especialmente lúdico. É um lugar onde tudo convida a explorar, a sentir, a
experimentar (SANTOS, 1997).
A brinquedoteca pode ser implantada em escolas, comunidades ou bairros, hospitais,
universidades, clínicas, centros culturais e vários outros ambientes. É um espaço vivo e
dinâmico, onde as crianças se relacionam de forma ativa, as atividades auto-iniciadas são
valorizadas e as regras são discutidas. O adulto, assumindo o papel de mediador, deve
favorecer a atividade do aprendiz, respeitar o erro, valorizar a linguagem, privilegiar
qualquer atividade criativa ou em grupo e considerar a criança um ser integral - afetivo,
social e cognitivo (SANTOS, 1997).
No Brasil, a discussão sobre o brincar em Educação Infantil ganha destaque também
a partir dos anos 80 do século XX com a garantia na Constituição de 1988 da educação das
crianças em creches e pré-escolas e foi reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) referenda os
direitos da criança garantidos na Constituição e contribuiu para a elaboração de diversos
documentos, tais como o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (BRASIL,
1998), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), que abordam a
importância do brincar na Educação Infantil.
1
Cadastramos o projeto de extensão Brinquedoteca Brinquerer no ano de 2013, mas até o presente momento
não adquirimos verba que possibilite a concretização do espaço.
183
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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil estabelece que:
Mas, apesar de todos esses avanços em termos de legislação, devemos nos questionar
sobre o que tem sido feito no cotidiano das instituições de ensino, especialmente no que diz
respeito ao lugar ocupado pela brincadeira no cotidiano da Educação Infantil.
Compreendemos que a brinquedoteca constitui um espaço importante para o
desenvolvimento de atividades lúdicas tanto para crianças quanto para adultos que na
sociedade contemporânea tem cada vez menos tempo e espaços para a brincadeira. Diante
disso surgem as questões: Existem brinquedotecas nas instituições de ensino no município
de Vitória da Conquista? Qual o espaço das brinquedotecas nessas instituições? Como se
deu o processo de construção e organização das brinquedotecas? Como são utilizadas? De
2
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CÂMARA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA. RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009 - Fixa as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições
legais, com fundamento no art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação
dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB nº 20/2009,
homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de dezembro
de 2009, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil a serem observadas na organização de propostas pedagógicas na Educação Infantil.
184
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que forma as crianças e/ou a comunidade tem acesso? Quem coordena esses espaços? Essas
são algumas das questões que motivaram esse estudo.
Além disso, compreendemos que por meio dessa pesquisa podemos identificar,
analisar e compreender os espaços do brincar nas instituições de Educação Infantil no
referido município.
2. Processo de Pesquisa
3
Todas as participantes da pesquisa são do gênero feminino.
185
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instituições foi através de questionário aplicado em uma reunião do Sindicato do Magistério
Municipal Público de Vitória da Conquista (SIMMP) realizada no dia 23 de fevereiro de
2015. Os gestores que não compareceram a essa reunião foram consultados por telefone e
aqueles com os quais não foi possível fazer o contato por telefone, foram contactados na
própria instituição. Neste processo inicial foi possível identificar que das 203 instituições do
município, dez contam com uma brinquedoteca, sendo que nove são instituições de
Educação Infantil e apenas uma é escola de ensino fundamental que atende também a
Educação Infantil.
Apesar desse número reduzido de instituições que possuem brinquedoteca, foi
possível perceber, no processo de construção dos dados, que muitos gestores compreendem
a importância desse espaço para a educação das crianças e manifestaram a vontade de contar
com tal recurso no ambiente escolar por entenderem que este é de primordial importância
para o desenvolvimento das atividades nas instituições de Educação Infantil. Alguns
afirmaram ter solicitado da Secretaria Municipal de Educação (SMED) a brinquedoteca, mas
tiverem seus requerimentos indeferidos por falta de espaço físico.
Enquanto fazíamos as entrevistas, os participantes teceram comentários acerca das
dificuldades enfrentadas por eles para manterem em funcionamento as brinquedotecas: “É
difícil manter o acervo da brinquedoteca, pois as crianças quebram muito ao brincar e não
temos recurso, apenas a ajuda da comunidade” (DIRETORA DA CRECHE 1).
A maioria chamou a atenção para a falta de uma profissional com formação adequada
para atuar na brinquedoteca, uma brinquedista, pois o espaço fica fechado aguardando a
própria professora da turma para usá-lo com as crianças:
186
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3. Apresentação e Discussão dos Dados
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mãos e espelho. Segundo a profissional responsável pela brinquedoteca da Creche 3 “os
brinquedos são organizados por tipos”, e a partir do que foi observado, os brinquedos estão
dispostos em armários de MDF em duas paredes da sala. Na Creche 4 os brinquedos são
organizados por tipos em seções separadas e os móveis foram adquiridos através da
prefeitura. Segundo a profissional responsável pela brinquedoteca na Creche 5 os
brinquedos são organizados por tipos em armários e por cantinhos específicos.
Assim, foi constatado que as brinquedotecas são montadas em salas, com as
adaptações mínimas para garantir a realização das atividades. Em algumas destas
brinquedotecas os brinquedos ficam guardados em armários fechados como se fossem
objetos que devem permanecer sempre em bom estado. O processo de organização dos
brinquedos é semelhante nas instituições pesquisadas, sendo feito em armários e/ou
prateleiras, sendo que não foi investigado o critério empregado para a organização.
Segundo Altman (1992, p. 153) “a classificação ajudará a mantê-los de forma funcional e,
principalmente, conhecendo cada brinquedo, ela ajudará a quem trabalha com eles na
indicação de cada brinquedo”. Desta forma, consideramos fundamental o aprofundamento
da pesquisa para compreender o processo de organização e classificação dos brinquedos.
É importante destacar que o documento ‘Critérios para um atendimento em creches
que respeite os direitos fundamentais das crianças’ (BRASIL, 1995), elaborado por Maria
Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, ao discutir o direito das crianças à brincadeira, elenca
critérios que devem ser observados:
188
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2. As crianças maiores podem organizar os seus jogos de bola,
inclusive futebol
3. As meninas também participam de jogos que
desenvolvem os movimentos amplos: correr, jogar, pular
4. Demonstramos o valor que damos às brincadeiras infantis
participando delas sempre que as crianças pedem
5. Os adultos também acatam as brincadeiras propostas pelas
crianças (BRASIL, 1995, p. 12).
Aqui percebo que apenas uma professora sabe usar a brinquedoteca, pois
ela vivencia as brincadeiras com as crianças. As outras professoras deixam
as crianças aqui e não participam com elas. Já tivemos uma brinquedista
aqui por um ano e foi muito bom o trabalho (DIRETORA DA CRECHE
1).
189
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Diante disso, ressaltamos que a equipe responsável pelo funcionamento das
brinquedotecas deverá ser pensada a partir das características de funcionamento do
espaço e da clientela que frequenta o espaço.
Com relação ao uso das brinquedotecas, foi possível compreender que ainda é
muito restrito devido ao pouco tempo e necessidade de um profissional para atuar no
espaço. Como exemplo, citamos a Creche 3, na qual o tempo de uso da brinquedoteca é
organizado da seguinte forma: cada turma da creche (que são crianças de 2 a 5 anos),
utiliza por uma hora, com a frequência de uma vez por semana, sendo, duas turmas por
dia. Já na Creche 4, no que se refere o planejamento para o uso da brinquedoteca, a
entrevistada respondeu que cada turma frequenta o espaço duas vezes por semana,
durante 40 minutos e que o uso dos brinquedos é livre, à escolha das crianças:
190
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a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os mesmos
objetos servem como auxiliar da ação docente, buscam-se resultados
em relação à aprendizagem de conceitos e noções, ou mesmo, ao
desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse caso, o objeto
conhecido como brinquedo não realiza sua função lúdica, deixa de ser
brinquedo para tornar-se material pedagógico. Um mesmo objeto pode
adquirir dois sentidos conforme o contexto em que se utiliza:
brinquedo ou material pedagógico. (KISHIMOTO, 2002, p. 14).
4
Abrar Hasan representante da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE -
França). Palestra proferida no simpósio: Grandes Políticas para os Pequenos: perspectivas mundiais e
brasileiras, realizado durante o III Congresso Paulista de Educação Infantil, no período de 28 a 31 de maio
de 2003, em Águas de Lindóia – SP.
191
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As práticas no interior das instituições são pautadas na concepção de infância e
de desenvolvimento infantil para o futuro. Somente na Creche 3 foi feita referência de
forma mais clara ao brincar livre, pois, a entrevistada assevera: “é proposto o brincar
livre” e sobre a arrumação dos brinquedos após o uso foi dito que: “quando termina o
tempo de cada turma, eles são responsáveis para ajudar a arrumar os brinquedos, do jeito
deles é claro”. A concepção apresentada por Vigotski (1966/1984, p. 106), do brincar de
faz de conta como uma atividade em que “a criança em idade pré-escolar envolve-se num
mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados”, nos
remete ao brincar de forma livre, de forma que a criança escolha, crie e estabeleça regras
para o brincar. E neste processo do brincar livre a presença e participação do adulto é
inquestionável, como mediador e como aquele que aprende sobre a criança no processo
de observação desta atividade de indiscutível importância para o processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
Diante do exposto, pontuamos a importância do projeto político-pedagógico
(PPP) para pensar sobre a organização das práticas a serem desenvolvidas na Instituição
de Educação Infantil, especificamente, o brincar dentro deste espaço, como processo de
expressão da criação infantil e não apenas com a finalidade pedagógica.
Em todas as instituições o uso da brinquedoteca é restrito às crianças da creche
em questão e os brinquedos pertencentes às mesmas foram doações de pessoas físicas e
jurídicas a partir de campanhas de arrecadação. Assim, evidencia-se que a concepção de
brinquedoteca nos espaços pesquisados ainda está restrita às crianças de Educação
Infantil, não sendo pensado enquanto espaço destinado às crianças de outras faixas etárias
e de livre acesso à comunidade onde as instituições estão localizadas.
Considerações
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Os dados levantados na pesquisa evidenciam que há necessidade de maiores
investimentos por parte do poder público no que se refere à Educação Infantil. Ficou
evidente a dificuldade de obtenção de recurso financeiro para a manutenção dos
brinquedos e do próprio espaço, assim como a falta de profissionais especializados para
organizar e cuidar desses espaços. Compreendemos que a temática da brinquedoteca
também seja pauta das políticas públicas.
Um ponto que chama a atenção diz respeito ao tempo estipulado pelos adultos
para que as crianças tenham acesso a brinquedoteca. Há um limite de uso uma única vez
na semana e nesse dia um tempo determinado para o uso do espaço. Quando não estão na
brinquedoteca, as crianças utilizam o pátio das instituições para brincar. Destacamos que
a maioria das instituições não possui uma área externa adequada para as crianças
brincarem: falta área verde, há muitos obstáculos, os espaços são pequenos e por isso há
um revezamento no horário de recreio das turmas, etc.
Nesse tópico podemos considerar também os desencontros entre os profissionais
das instituições sobre a brinquedoteca, a função, o lugar que ocupa a relação com as
atividades pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da escola:
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Referências Bibliográficas
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Eixo 3
Formação docente
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O confronto das vozes no diálogo de professores de educação infantil sobre seu
próprio trabalho
Introdução
Este trabalho1 investigativo tem como objetivo mobilizar um grupo de professores
de Educação Infantil para falarem sobre seu trabalho visando à superação de conflitos
próprios do métier, para tanto, o campo empírico escolhido foi um CEI da região
periférica da cidade de São Paulo. O trabalho se baseia nos pressupostos desenvolvidos,
principalmente, na Clínica da Atividade do Conservatoire National des Arts et
Métiers (CNAM) que desenvolveu um procedimento de discussão a partir de imagens
gravadas do professor-trabalhador em situação de trabalho, denominado
Autoconfrontação.
A investigação teve início em 2013 com a observação e reconhecimento do campo
de atuação, desenvolveu-se durante o ano de 2014 com as filmagens e as discussões a
partir das cenas gravadas. E, atualmente encontra-se em uma nova fase em que os
professores tem realizado a auto filmagem de sua prática e a discussão coletiva.
1
A investigação integra um projeto de pós-doutorado que vem sendo realizado junto ao GPPL (Grupo de
Pesquisa Pensamento e Linguagem) da Faculdade de Educação da UNICAMP sob supervisão da Profª. Drª.
Ana Luiza Bustamante Smolka com financiamento da FAPESP (Processo 2013/16869-).
196
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Essa prática é um desdobramento do trabalho realizado em 2014, desencadeado por
iniciativa do grupo de professores, esta etapa ainda não foi concluída.
Apresentaremos, a seguir, os pressupostos e os desdobramentos deste projeto.
2
Os nomes são fictícios. Todas as questões de ética foram rigorosamente cumpridas, professores, equipe diretiva e
comunidade foram informados sobre o teor e desdobramentos da pesquisa e assinaram sua concordância, com opções
de anonimato e com nossos contatos para eventuais esclarecimentos ao longo da pesquisa.
197
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Chris atuam no CEI há cinco anos, Magali há oito anos, Daniela ingressou em 2013 e
Silvia há 2009.
O método da Autoconfrontação
Como já apresentado, o projeto tem como objetivo mobilizar um grupo de
professores para falarem sobre seu próprio trabalho visando à superação de conflitos
próprios do métier. Para tanto, utilizamos a Autoconfrontação como método de
intervenção. Neste método, intervir significa assumir que o pesquisador atua e faz parte
da situação de pesquisa, participando do diálogo que se estabelece. Assumindo o“outro”
198
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como sujeito da/na investigação, o pesquisador orienta o diálogo, apoiando-se no conceito
de atividade dirigida como unidade de compreensão e explicação das situações de
trabalho.
Nesse processo, pesquisador e pesquisado se afetam, se transformam. Os
pressupostos que ancoram esse método encontram-se nas elaborações teórico-
metodológicas de Vigotski (1934/2001) e Bakhtin (2003), e mais particularmente, em
seus modos de conceber o desenvolvimento humano e o estatuto da linguagem nesse
desenvolvimento. Como afirma Vigotski, “a ação passada pelo crivo do pensamento se
transforma noutra ação, sobre a qual se reflete” (1925/1996).
Assim, utilizamos os métodos desenvolvidos pelas Ciências do Trabalho da
linha Francesa (CLOT, 1999, 2008 ; FAÏTA, 2001 ; AMIGUES, 2003, 2004 e SAUJAT,
2002, 2004), neste caso, especialmente a Autoconfrontação, com as devidas adaptações
que se fizerem necessárias de acordo com o contexto de pesquisa brasileiro.
A Autoconfrontação(CLOT e FAÏTA, 2001) consiste em um procedimento de
discussão a partir de imagens gravadas do trabalhador em situação de trabalho, que se
desenvolveu em oposição às ideias do americano Taylor (1856/1915), conhecidas como
Organização Científica do Trabalho, que rapidamente se expandiram para a Europa,
principalmente, para a Itália, na fábrica da Fiat; e para a França, na fábrica da Renault. A
Organização Científica do Trabalho consistia, sinteticamente, na otimização do tempo e
no aumento da produção, e apresentava-se como uma forma de dominação dos
trabalhadores, pois buscava a padronização do processo de produção e a utilização de
cronômetros nas linhas de montagem.
Esse excesso de controle começou a ser combatido pelos trabalhadores; em alguns
setores e foi ganhando força até que novas propostas surgiram e começaram a propagar-
se, como os estudos desenvolvidos pelos ergonomistas. Para sua consolidação, foi da
maior importância os aportes trazidos pelo ergonomista Wisner (2008), responsável pela
distinção entre os conceitos de trabalho prescrito e de trabalho realizado: como as
próprias palavras indicam, o primeiro corresponde ao que o trabalhador deve fazer,
enquanto o segundo corresponde à sua atividade observável. Segundo o autor, o trabalho
em desenvolvimento mostra dimensões que o prescritor, por mais preciso que busque ser,
nunca poderá prever, pois o trabalhador é o criador de sua tarefa, não havendo separação
(ou não devendo haver) entre concepção e execução (WISNER, 2008); não existindo
propriamente o trabalho de concepção, pois essa continua durante a própria execução.
Atribuindo nova direção aos estudos sobre o trabalho, Wisner via a Ergonomia não como
uma disciplina voltada para o conhecimento do trabalho, mas para a sua transformação
199
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(de suas regras, de seus instrumentos etc.). Defendia, ainda, que os problemas práticos
colocados pelos trabalhadores precisavam de soluções práticas.
Nessa mesma direção, começaram a aparecer trabalhos desenvolvidos por
psicólogos do trabalho, principalmente, na Clínica da Atividade que tem por objetivo o
estudo da atividade humana em situação de trabalho. Esses psicólogos expandiram a
distinção entre trabalho prescrito e trabalho realizado, admitindo-se que, além dessas duas
dimensões, existe o real da atividade (CLOT, 2004): a atividade realizada seria o
observável, ao passo que o real da atividade seria o que se vê e, também, o que não se vê,
o que se fez e o que se deixou de fazer, o que se quer fazer e o que se é impedido de fazer,
ou seja, tudo o que faz parte do processo, desde a elaboração da atividade até a sua
concretização. Parafraseando Vigotski (2003), Clot (2008, p.89) afirma que o homem é
pleno, em cada minuto, de possibilidades não realizadas, sendo que o
comportamento é sempre um sistema de reações vencedoras.
Assim, o real da atividade estaria relacionado às lutas internas pelas quais os
trabalhadores passam para realizar uma determinada tarefa, ou como sintetiza Clot
(2006), seria a conjugação do possível (observável) e do impossível (que deve ser
apreendido de forma indireta) de cada atividade de trabalho.
Alguns pesquisadores especificaram esse debate focando o trabalho docente,
entre eles Saujat (2004), do Grupo Ergape3, que nos diz que o trabalho do professor é
visível, mas a atividade não pode ser tocada com o dedo, pois a atividade reflete um
sujeito particular, um momento específico e uma história única. Nota-se, todavia, que o
trabalho do professor não pode se confundir, ou mesmo se reduzir ao trabalho de ensino
na sala de aula (AMIGUES, 2004), que corresponde apenas a uma das dimensões desse
trabalho. Além disso, para o autor a aprendizagem do aluno deve ser vista como um objeto
em longo prazo, considerando que ela continuará por toda a vida. Assim, para Amigues
(2004), o trabalho do professor compreende, também, outras dimensões ligadas à
organização do ambiente de trabalho coletivo, à efetivação da prescrição, à prescrição de
tarefas para si (autoprescrição) e para os alunos, e à projeção de situações futuras em
função dos avanços realizados. Esse autor nos apresenta, ainda, uma das definições do
trabalho docente.
A atividade do professor na classe consiste em organizar um meio de trabalho
coletivo para instaurar nos alunos uma relação cultural a um objeto do saber, a fim de
modificar sua relação pessoal a esse saber.O objeto da atividade do professor é aqui a
3
Ergonomie de l’Activité des Professionnels de l’Éducation, composto por pesquisadores como Daniel
Faïta e Renée Amigues e o próprio Frederic Saujat entre outros.
200
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organização coletiva do meio-classe, a distribuição de tarefas aos alunos, a organização
de um diálogo didático, a construção do sentido do fazer e do dizer, sua retomada em uma
inscrição temporal e no histórico do grupo-classe etc; em outros termos, ele constrói um
meio de trabalho para fazer os alunos agirem (AMIGUES, 2003).
Segundo Clot (2001), a análise do trabalho tornou-se uma preocupação e, ao
mesmo tempo, um recurso para os profissionais que atuam na área, defendendo formas
de ação que possam transformar as situações de trabalho, por meio de métodos indiretos
como a Instrução ao Sósia4 e a Autoconfrontação Simples e Cruzada, utilizados,
principalmente, pela Clínica da Atividade e pelo Grupo Ergape.
Nas autoconfrontaçoes (AC) as discussões acontecem, primeiramente, com a
participação do trabalhador e do pesquisador para discussão dos modos de fazer, ou seja,
dos ‘como’ e não dos ‘porquês’, sendo essa fase conhecida como Autoconfrontação
Simples (ACS). Em seguida, a discussão acontece entre dois trabalhadores do mesmo
métier para posterior retomada do debate entre o pesquisador e trabalhadores, que já
passaram pela (ACS) ; esse momento é chamado de Autoconfrontação Cruzada (ACC).
O desenvolvimento desses métodos se justifica pelo fato de a atividade não ser
diretamente acessível. Por esse motivo, esses dois dispositivos são denominados métodos
indiretos de intervenção na medida em que o trabalhador revive sua experiência de
trabalho por meio de uma troca verbal. Segundo Clot (2008), essa troca verbal não
consiste em falar do vivido, mas sim reviver a experiência profissional, pois essa troca
verbal é considerada outra atividade, ou seja, é a experiência vivida da experiência
vivida, o contato social consigo mesmo. O trabalhador se vê frente ao pesquisador e com
isso tem-se uma ação em curso entre trabalhadores e pesquisador e não somente uma
representação da ação passada.
Desse modo, o sujeito encontra em si mesmo qualquer coisa de novo, ou como afirma Clot
(1995), citando Vigotski (1924), eu me reconheço na medida em que sou outro para
mim mesmo. Com isso, percebe-se que a riqueza do procedimento está nas trocas realizadas
entre trabalhador e pesquisador e entre os próprios trabalhadores que corroboram para
esse diálogo consigo mesmo.
4
Não utilizaremos esse método nesta intervenção. Para saber mais: Clot (2001b); Muniz-Oliveira(2011);
Lousada,Barricelli (2013).
201
ISSN 2448-1157
A Análise das Autonconfrontações
Depois de transcritas as autonconfrontações foram analisadas linguisticamente
para levantamento dos atores postos em cena no discurso, para tanto, foram marcados os
pronomes que indicassem o uso das pessoas (eu, nós= eu+outro professor, ou eu+
coordenadora, a gente, etc.). Em relação às vozes, o uso do discurso direto e indireto pode
servir de principal indicador de inserção de vozes (Mario disse que me ajudaria ou
segundo a mãe relatou...). O plano global do texto nos mostrou os temas discutidos ao
levantarmos os conteúdos que foram tematizados pelos enunciadores (MAINGUENEAU,
2005).
Nos exemplos a seguir, podemos acompanhar fragmentos ilustrativos das
autoconfrontações:
Claudia: Então, esse momento aqui, é para a criança ter tranquilidade e para ela saber o que
vai acontecer no dia dela. Está tudo discriminado para ela ter essa orientação e saber o que
tem no dia dela, para não ter surpresa: e agora, o que é que vem? E traz segurança também,
para saber que meu dia tem etapas, e que acontece isso, isso, isso e isso.
Pesq.: A descrição da rotina deles.
Claudia: É.
Pesq.: E você faz isso todos os dias?
Claudia: Todos.
Pesq., Quando eu filmei da Camila, ela também faz isso e eu não vi nem o Mario e nem
a Cris fazer. Então, isso é um combinado entre você e a Camila?
Claudia: Não, nós nem chegamos a conversar, na verdade. A gente está conversando
agora, a gente troca muita atividade, e qual a nossa sugestão há algum tempo já, é pedir
um (???) para os pais e deixar para eles montarem a rotina. Claro, precisa algumas regras,
por exemplo, hoje o parque não pode porque seus amigos também precisam usufruir do
parque, mas nós podemos fazer isso ou isso, deixar que daqui um tempo, eles terem essa
autonomia, participarem dessa rotina e não só trazer pronta.
Pesq.: Entendi, a ideia é que as crianças participem da escolha da rotina, é isso?
Claudia: Isso. A princípio, a gente está focando bem, mostrando o que é essa rotina todos
os dias. E ali, com o passar do tempo, eles estarem fazendo essa rotina também. Então, a
princípio , a gente quer focar bem no que é essa rotina todo dia. Depois, a gente tinha
combinado de montar essa...
202
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Pesq.: Quem é esse ‘a gente’, quando você fala?
Claudia: Eu e a Camila, a gente está agora combinando...
Pesq.: combinando mais?
Claudia: É, combinando.
As professoras estão observando a cena em que Claudia apresenta a rotina para as crianças
e Camila fala:
Camila: Posso parar?.... Você escreve antes? A rotina... você escreve antes?
Claudia: Não...
Camila: É que não filmou... você escreve junto com eles?
Claudia: Não, eu escrevo antes... aí depois eu vou mostrando, aí depois eu vou mostrando
...
Camila: Porque eu escrevo junto com eles...
Claudia: ahhh... então eu coloco na lousa e não escrevo com eles... ehhh... vou seguindo
a rotina normal.... na hora que eles têm uma dúvida ‘ai Cláudia agora é o que?’ Olha a
nossa rotina... o que vem depois da nossa rotina? Então eu sempre peço para eles
estarem olhando quando estiverem com dúvida.... eu só falo a primeira vez e depois eles
já sabem, só olhar e a rotina está ali.
Camila: É porque eu faço junto com eles, eu faço normalmente depois do leite... então a
gente volta para a sala e é a hora que eu faço .... o que que a gente já fez: a gente já
acordou, a gente fez a higienização, a gente tomou o leite, aí eu começo ... agora a gente
vai fazer tal coisa aí vou escrevendo junto com eles na lousa o que é que a gente vai fazer
e aí eu já deixo lá... eu escrevo junto com eles .... entendeu? Eu passo para eles o que a
gente vai fazer na rotina, mas eu passo para eles, escrevendo na hora, eu não deixo
pronto...
Claudia: hummmm
Pesquisadora: Em que momento que você escreve, Claudia? Antes deles chegarem?
Claudia: Geralmente bem na hora da entrada, quando eles estão para entrar eu coloco na
lousa e deixo...
Pesq: Você chega bem cedinho... tem um ou dois vão chegando e você vai
organizando....
Claudia: isso.... deixo pronta antes... não tive essa dinâmica de escrever na hora... de
colocar aqui...
Pesq: é só uma outra maneira de fazer...
Claudia e Camila: é...
Pesq: são duas maneiras de fazer: deixar pronto e fazer com eles...
203
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Claudia: acho que deve ser bacana para ele... tanto posso ver ela pronta como a professora
escreve junto, então são duas dinâmicas que ...
Camila: quando a gente tá fazendo a gente fala.. hoje a gente vai fazer a roda de história
e depois o projeto ... aí eu explico ... o projeto alimentação... e no projeto a gente vai
fazer isso e isso ... ai depois e eles ‘é parque?’ Não... hoje a gente não tem parque hoje a
gente vai no jacaré, por exemplo... aí dificilmente eles me perguntam o que é que tem
durante o dia ... não sei se tem alguma relação....
Claudia: eles me perguntam....
Os resultados já obtidos
A análise do trabalho, de acordo com Clot (2008), prevê a emergência de conflitos
próprios do métier, pois a troca verbal é o espaço para o desenvolvimento. A
autoconfrontação favorece a troca verbal entre os trabalhadores, assim as
autoconfrontações vão proporcionando o surgimento desses dilemas.
204
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De forma bastante sintética, podemos apontar a riqueza dos resultados iniciais
desta intervenção pela emergência e superação de diferentes conflitos do coletivo de
professores como, por exemplo, a organização do trabalho do professor volante a partir
de uma discussão desencadeada por Camila e Claudia, que se estendeu para todo o grupo,
em que Camila estava com uma criança com febre e solicitava apoio sem sucesso. Essa
cena desencadeou toda uma discussão sobre o papel do professor volante e a necessidade
de envolvê-los mais nas discussões pedagógicas, assim como, reestruturar o quadro de
apoio.
Em discussões mais pontuais Chris pôde rever sua postura individual no confronto
dialógico com a pesquisadora e, posteriormente, com Mario em uma discussão sobre a
diferença de postura a ser assumida pelos professores na Educação Infantil e no Ensino
Médio, com isso ela pôde reconhecer-se como uma “professora brava” na postura, mas
amorosa no modo de sentir e ao flagra-se no seu próprio dizer (BARRICELLI e
SMOLKA, 2015) ela pôde experimentar novos modos de fazer. Mário nos mostrou a
riqueza do trabalho real (Clot, 1999) ao revelar nuances desconhecidas do seu trabalho
que só se tornaram visíveis no diálogo com pesquisadora ao assistirem juntos suas
filmagens. Cláudia aponta os dilemas da inclusão colocando em debate questões
nucleares desse tema como o limite e as possibilidades de incluir uma criança,
questionando, inclusive, quando sua tentativa de incluir a criança pode, sem ser essa a
intenção, excluir mais do que incluir, questão essa compartilhada por Camila.
Além disso, a “intervenção” começa a sair dos limites do CEI, mas não pelas mãos
da pesquisadora. Em uma iniciativa que partiu da diretora, apoiada por todos, a “intervenção”
foi inscrita no 18º Congresso do SINESP (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino
Público Municipal de São Paulo) no encontro TransFormar: a Educação na
contemporaneidade pede mudanças.A própria diretora se engajou na elaboração,
preparando o material, tirando fotos, e apresentando o pôster O professor
como protagonista da sua prática: a autoavaliação por meio de filmagens que foi
realizado em setembro de 2014. Segundo o seu relato, foi o único trabalho apresentado
com caráter de pesquisa, por esse motivo, muitos participantes se interessaram pelo
pôster, fizeram perguntas e até elogiaram a descrição do que está sendo feito.
Em outra iniciativa que partiu do CEI, inscrevemos nossa pesquisa na I Jornada
Regional de Educação e Cultura: Nosso território como espaço de convivência, diálogo
e reflexão: em busca de uma cidade educadora realizada pela Diretoria Regional de
Educação de Guaianases - Diretoria de Orientação Técnico Pedagógica (DOT) com o
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título: O professor protagonista de sua prática: a vídeogravação e a auto-observação
como instrumento dessa transformação. Nesse encontro, apresentaremos a pesquisa
em duas vozes: a voz da pesquisadora para relatar um pouco das bases teóricas dessa
proposta, e a voz dos professores participantes, representada pelo Mario, para relatar o
que o motivou a participar dessa intervenção e quais as transformações que ele já percebe
em seu trabalho.
E, finalmente, contagiando os outros professores, neste momento estamos
realizando uma terceira etapa da intervenção em que um grupo de professores está
realizando, o que convencionamos como auto filmagem, ou seja, eles mesmos filmaram
sua prática sem a presença de um pesquisador e, em um segundo momento (fase atual)
realizaremos reuniões coletivas gravadas para discutir essas gravações. Assim, ao se
apropriarem do método de investigação/intervenção, os professores o transformam, em
seus usos, para redimensionar o próprio trabalho cotidiano.
Considerações
Nossa expectativa em relação a este projeto é possibilitar o desenvolvimento dos
professores e da pesquisadora por meio da superação dos conflitos postos em cena por
meio de nosso instrumento de intervenção-formativa. Ou, dito de outro modo, que a
metodologia que utilizamos propicie discussões que favoreçam a apropriação de novas
ferramentas para a realização do trabalho docente, como defende Clot (2006, p. 24), que
afirma que a criação e a apropriação dos instrumentos pelo homem só acontece se estes
responderem aos conflitos travados nas diversas atividades, ou como nos explica com
suas próprias palavras: eles (instrumentos) são apropriados por ele (homem) se eles
5
Grifos e parênteses nossos.
206
ISSN 2448-1157
Referências Bibliográficas
CLOT, Y. 1995. Le travail sans l’homme? Pour une psychologie des milieuxde travail et
de vie. Paris : La Découverte.
________ . 2001. (Editorial) In: Clinique de l’activité et pouvoir d’agir. Paris, n. 146, p.
7–15.
207
ISSN 2448-1157
MUNIZ-OLIVEIRA. O trabalho representado do professor de pós-graduação de uma
universidade pública. (Tese). Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem, PUC-SP, 2011.
VIGOTSKI, L.S. 1930. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 2003.
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A ATUAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDOS PRÁTICAS EDUCATIVAS E FORMAÇÃO
DOCENTE-GEPETE/UFMS: DISCUSSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA
PEQUENA
INTRODUÇÃO
Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV.
2
Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV.
3Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV.
4
Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS/ CPNV.
5
Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- UFMS, câmpus de Naviraí, coordenadora da linha Práticas Educativas e Formação Docente do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Práticas Educativas e Tecnologia Educacional- GEPETE/UFMS/CPNV. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD na Linha
de História, Memória e Sociedade.
209
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I - AS DISCUSSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA PEQUENA
Nesse sentido, devemos dizer que o entendimento de criança vem mudando ao longo
dos tempos, conforme o contexto e, assim se moldando historicamente ao meio em que vivem.
De maneira que podemos conjecturar que a criança é um sujeito ativo em constante processo
de aprendizagem que possui uma história quando chega à instituição de Educação Infantil,
buscando sua identidade por meio das relações e das experiências por ela vivenciadas com o
outro.
Produzir diferenças torna-se, portanto, um desafio para as práticas educacionais, uma
vez que delas se exige um posicionamento teórico diferente, talvez um
desmantelamento do que foi produzido como referenciais em educação, referendados
pela cultura, pela ideia de povo e pelas áreas que a formam [...] (ABRAMOWICZ;
LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p.187).
Interessante dizer que a infância é entendida por dois aspectos sendo aquela que
constrói e muda de acordo com as organizações da sociedade, por outro lado através da história
de cada um, desde o nascimento até adolescência. A noção de infância surgiu com a sociedade
capitalista, urbano industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel social da criança
na sua comunidade (BRASIL, 2007, p. 14).
Hoje em dia compreendemos a criança como um sujeito social, mas historicamente
esse conceito não esteve presente na sociedade e a criança era vista como um ser de pouco
apreço e considerada quase que descartável como descreve Ariès em a História Social da
Criança e da Família (1981).
Segundo Ariès (1981), a concepção de infância ou de infâncias foi mudando
historicamente, pois a criança era vista como um adulto em miniatura se vestia com roupas
210
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parecidas com a dos pais, participava em ambientes inadequado a sua idade e não tinha o afeto
da família.
Nesse contexto a criança não conhecia a brincadeira, pois vivia o mundo do adulto. A
concepção de infância só foi sendo construída a partir do século XVI, como aponta Ariès
(1981), “a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social e
construída recentemente na história da humanidade. O sentimento de infância, como uma
consciência da particularidade infantil, é decorrente de um longo processo histórico, não sendo
uma herança natural”.
Por muito tempo a criança foi representada como uma figura inocente, delicada e
sujeita a qualquer fragilidade, a uma vida suscetível a doenças e perigos. Alguns autores
apontam que as crianças da Idade Média tinham manifestações de atenção e carinho.
O trabalho de Ariès deu início a uma fértil produção historiográfica, tornando-se
referência no campo. Estudos mais recentes vêm, no entanto, refinando a perspectiva
do autor, demonstrando que, ao contrário da emergência de um sentimento da infância
na modernidade, em oposição a uma suposta indiferença, característica das sociedades
medievais, como sugere o autor, verifica-se a pluralidade de experiências históricas
da infância, em períodos distintos e em contextos diversos (ROCHA e GOUVEA,
2010, p.188).
Porém, só com o início da Idade Moderna é que a infância passa a ser considerada
como uma concepção de liberdade e autonomia. A infância muda historicamente com o tempo
e nesse contexto a criança e a infância muda também inserida numa realidade diferente e com
diversas peculiaridades. Desta forma, não podemos considerar todos os tipos de infâncias como
iguais, mas, seria a condição social da criança (ROCHA e GOUVEA, 2010).
[...] sempre houve várias infâncias, distintas entre si por condição social, por idade,
por sexo, pelo lugar onde a criança vivia, pela cultura, pela época, pelas relações com
os adultos. Mas também eram diferentes as infâncias dependendo de quem as olhava,
de quem as registrava, de quem as comentava, de quem investia nela (MÜLLER,
2007, p. 96).
211
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Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se
caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem
estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças
de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle
social.
Segundo Kramer (1998, p.7), “[...] a educação infantil não se restringe aos aspectos
sanitário ou assistencial, mas não se resume, tampouco, á mera antecipação da escolaridade
nem a transmissão sequencial de informações”. Falar de Educação Infantil é falar em uma
proposta de ensino para cidadão de direito, já que as crianças possuem papel essencial na
sociedade.
Nesse sentido, as creches vão se distanciando do caráter assistencialista e tornaram-se
instituições de Educação Infantil independente de sua classe social do seu público. E as
legislações vigentes asseguram o dever do Estado na garantira e na oferta de Educação Infantil
pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção.
De acordo com o Referencial Curricular da Educação Infantil (1998, p.23):
Educar significa, portanto propiciar situações de cuidados, brincadeiras e
aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o
desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com
outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e acesso, pelas
crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.
6
Devir não como um vir-a-ser, pois já vimos que nada tem a ver com futuro, com uma cronologia qualquer, mas,
sim, com aquilo que somos capazes de produzir e de inventar como possibilidade de vida, potência de vida, o poder
da vida opondo-se ao poder sobre a vida (ABRAMOWICZ; LEVCOVITZ; RODRIGUES, 2009, p.195).
212
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Alguns estudos recentes como de Leite (2011) e Tardif (2002) apontam que a profissão
docente parece se consolidar na prática, se distanciando dos conhecimentos
universitários e do diálogo teórico. Essa situação ocorre porque as práticas de formação
encontram-se desvinculada da realidade educacional, o que agrava ainda mais a articulação
entre teoria e prática, sendo que, o futuro professor pouco consegue relacionar à práxis
pedagógica.
Para Mizukami (1986, p. 108), uma possível solução seria estruturar os cursos, de
forma que:
[...] teorias e práticas pedagógicas não fossem consideradas de forma dicotomizada,
mas sim que, a partir da prática se pudesse refletir discutir, analisar, questionar, criticar
diferentes opções teóricas em confronto com essa mesma prática. Esta seria também
uma das formas de se evitar a utilização de receituários de abordagens estaques e
externas ao professor que, no máximo, poderão ser lembrados posteriormente, mais
que não terão reflexo algum no seu cotidiano escolar.
Nesse contexto, as primeiras descobertas das crianças com o mundo que as cercam por
muito tempo não foram consideradas importantes de forma que na sua formação não era preciso
que o professor reconhecesse o potencial e a autonomia dos pequenos para desenvolvê-las e
nem precisava ser um profissional com entendimento do fazer pedagógico. Contudo,
213
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avançamos em relação ao aprofundamento do conhecimento sobre o processo de aprendizagem
e do desenvolvimento das crianças.
As crianças têm um enorme potencial criativo, que muitas vezes é sufocado numa
cultura intelectualista. O educador de infância precisa refletir sobre essa prática, sem
partir de concepções pré-determinadas, de receitas ou manuais para direcionar a
experiência. Na própria ação, o educador de infância encontrará seu material para
refletir sobre um fenômeno vivido, para elaborar seus conteúdos a partir do
experimentado: “Os profissionais [...] que atuam com crianças precisam assumir a
reflexão sobre a prática, o estudo crítico das teorias que ajudam a compreender as
práticas, criando estratégias de ação, rechaçando receitas ou manual” (KRAMER,
2002, p.129).
214
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nossos estudos e saberes sobre a Educação Infantil a fim de viabilizarmos uma educação
fundamentada na experimentação e na vivência dos sujeitos, valorizando a vida e a história da
criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Referências
ABRAMOWICZ, A; LEVCOVITZ, D; RODRIGUES, T. C. Infâncias em Educação Infantil.
Pro-Posições, Campinas, v. 20, n. 3 (60), p. 179-197, set./dez. 2009.
ÀRIES, P. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília, 1998. V. 2.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB,
2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de
Nove anos / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2007.
KRAMER, S. Infância e educação: reflexões e lições. Educação, Rio de Janeiro: PUC, n 34,
1998.
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Eu Canto Pra Você: saberes musicais de professores da pequena infância1
Sandra Mara da Cunha2
Resumo:
Pensar a formação musical de professores da pequena infância com base nos diálogos entre três
campos de estudos foi o caminho tomado na pesquisa de doutorado concluída em 2014. A
Educação Musical se abriu às contribuições da Formação de Professores e da Sociologia da
Infância para, juntas, tratarem da música e seus processos de construção de conhecimento em
um Centro de Educação Infantil-CEI e em uma Escola de Educação Infantil-EMEI de São
Paulo-SP. Durante um ano letivo, em encontros semanais permeados por acontecimentos
musicais e tendo como ponto de partida os saberes e práticas musicais que estavam em jogo na
ação educativa das professoras com as crianças, foram empreendidos aprofundamentos e
ampliações em suas atuações musicais e pedagógicas. O estudo encontrou abrigo na abordagem
da pesquisa-ação participativa e provocou, como resultado, a conquista de uma atitude
norteadora para as ações docentes que nomeie como “dupla escuta”: para o fenômeno sonoro e
para as crianças fazendo música.
Introdução
Pensar a formação de professores da pequena infância a partir dos seus saberes e práticas
musicais em jogo na ação educativa com as crianças foi o tema de investigação sobre o qual me
debrucei no doutorado defendido no segundo semestre de 2014 na FE/USP. A consideração
pelos saberes dos professores e a escola como um lugar privilegiado para a promoção de
reflexões e avanços nas práticas pedagógico-musicais foram princípios adotados na condução
desta pesquisa, pois acredito que:
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Desse modo, estudar o tema desta investigação somente com base na Educação Musical
não traria a compreensão necessária sobre o ensino de música para professores em exercício,
nem mesmo sobre o modo das crianças fazerem música. Assim é que julguei fundamental me
abrir para outros campos de estudo e promover diálogos com a Educação Musical. Foi também
de importância fundamental para o desenvolvimento da pesquisa a adoção de uma concepção
de infância que ultrapassasse os limites do meu próprio campo de modo a superar pressupostos
vindos da Psicologia, área que de modo dominante tem alicerçado a Educação Musical.
Observar, estimular e cultivar o fazer musical infantil foi uma questão importante neste
processo, pois o que nós professores pensamos sobre as crianças e sobre a infância determina
grandemente o modo como conduzimos o nosso trabalho e a relação com elas estabelecida.
Pensar, portanto, as crianças a partir da maneira como fazem música foi especialmente
interessante do ponto de vista do ensino desta área artística, em que a imaginação e a criação
desempenham um papel fundamental. Desse modo, a relação de alteridade entre os adultos que
têm essa compreensão sobre o fazer musical infantil e sobre as próprias crianças é questão
central para a formação e atuação profissional docente nesse campo.
Justificativa
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contextos, com a mostra dos seus principais acontecimentos, a sua análise e para encerrar, as
considerações finais.
Objetivos
O segundo objetivo da pesquisa foi propor que os avanços nas práticas docentes
ocorressem cada vez mais em fina sintonia com a ação musical das crianças. Com isso, ao
trazerem para os encontros da pesquisa de campo os relatos das atividades musicais
desenvolvidas com suas turmas, as professoras poderiam, com esse compartilhamento, tomar
consciência de como as crianças se apropriavam ou não de tais propostas, para refinarem ainda
mais seu trabalho com a música.
Referencial teórico
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2001) e Nóvoa (1995, 1999) forneceram uma base conceitual de caráter mais amplo para pensar
sobre a Formação de Professores como campo de estudos.
Na seção referente à docência para a educação infantil, Halldén (2005) e Gomes (2003)
conduziram os aspectos mais específicos em relação a esta etapa de ensino.
O segundo capítulo abordou os temas pertinentes à Educação Musical. A provável
origem dos saberes musicais dos professores da educação infantil paulistana, bem como os
princípios pedagógicos que guiaram a pesquisa de campo constituíram os assuntos tratados,
sempre em conexão com as possibilidades de aprendizagem musical das crianças pequenas. As
ideias de Koellreutter (1994), trazidas também por Brito em pesquisas sobre o autor (2001,
2004), assim como Delalande (1976, 1989, 1995) e Brito (2001, 2003, 2004 e 2007),
corroboraram as escolhas de princípios constituintes de um trabalho musical voltado para a
atuação docente com crianças pequenas.
No terceiro capítulo, a Educação Musical travou conversas instigantes com a Sociologia
da Infância, com o objetivo de trazer maior compreensão sobre crianças e sobre a infância. A
Sociologia da Infância tem como princípio estruturante o paradigma da competência infantil,
ou, como afirma Sarmento (2009, p. 22): “todas as crianças são competentes no que fazem,
considerando a sua experiência e as suas oportunidades de vida, sendo que as suas áreas de
competência são distintas das áreas de competência adulta”. Ainda de acordo com o autor, “é
da ordem da diferença e não da grandeza, incompletude e imperfeição, que a Sociologia da
Infância trata quando estabelece a distinção das crianças face aos adultos” (Ibidem, p. 22).
Além de Sarmento (2002, 2003, 2007, 2008, 2009, 2013a, 2013b), os pesquisadores
Prout (2005) e Corsaro (2011) fundamentaram os pressupostos mais importantes do campo para
o tema em foco neste estudo. Qvortrup (1997, 2011), Halldén (2005), Ferreira (2004, 2008) e
Nascimento (2009) também trouxeram suas contribuições para uma melhor compreensão dos
estudos que vêm sendo realizados nessa área.
Metodologia
Por ter sido investigação e ação reflexiva sobre a prática docente-musical das
professoras, com a intenção de produzir mudanças, o paradigma de pesquisa que mostrou
possuir maior consonância com este estudo foi o da pesquisa-ação. Dentro desse modelo, a
metodologia que me forneceu inspiração - e na qual encontrei abrigo - foi a pesquisa-ação
participativa, especialmente voltada para o campo artístico-educacional.
220
ISSN 2448-1157
De início, busquei apoio em Barbier (1985, 2007) e em Thiollent (1994), mas em
seguida autores como Máximo-Esteves (2008), Franco (2005, 2008), Costa (2007) e Dick
(2003) foram especialmente esclarecedores para encontrar, nessa metodologia, os pontos de
contato com este estudo e lhe fornecer o apoio para a sua fundamentação e condução, pois:
Desenvolvimento da pesquisa
A parte central deste estudo foi a pesquisa-ação realizada durante todo o ano de 2012
com dois grupos de professoras de crianças de zero a cinco anos de idade, de duas escolas
municipais da cidade de São Paulo, um Centro de Educação Infantil – CEI e uma Escola de
Educação Infantil – EMEI. Em encontros semanais permeados por reflexões e buscas de novos
caminhos de atuação, foi construído, de modo compartilhado, um trabalho com a música.
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ISSN 2448-1157
debruçarmos juntas sobre esses acontecimentos nos nossos encontros, tentar outros caminhos,
refinando modos de ação e repensando concepções.
Trabalhar cada vez mais em sintonia com as crianças provocou transformações
importantes e profundas no trabalho das professoras, tornando-o mais próximo de seus
pequenos alunos e, por isso mesmo, mais adequado para a etapa da educação infantil. Música
que tantas vezes transformou-se em movimento, em dramatização, em dança, em brincadeira,
e voltou de novo a ser música.
O desmanche entre áreas artísticas encontra razão de ser também na educação da
pequena infância, nas experiências que provocam aprendizagens e trazem conhecimento.
Educação musical voltada para a educação infantil e pensada não na forma de “aulas de
música”, mas como momentos musicais dados em espaços e tempos outros e que seguem o
mais característico dos modos de ser e de aprender das crianças pequenas. Modos diluídos nos
“entre tempos” e “entre espaços” onde habitam o rico imaginário infantil e a arte.
A apresentação e a interpretação dos dados coletados no decorrer da pesquisa de campo
contaram fatos de três momentos do seu tempo de acontecimento: o início, o desenvolvimento
e a finalização. Nesse percurso, emergiram alguns assuntos que se mostravam relacionados uns
com os outros e, com essa proximidade, acabaram se constituindo como temas gerais, que se
sobressaíram e estiveram presentes o tempo todo, permeando nossas discussões e, portanto,
tornaram-se categorias para guiar os comentários e a análise dos dados.
As situações práticas envolvidas no decorrer da pesquisa de campo e seus fundamentos
teóricos foram apresentados separadamente na tese, mas é importante pontuar que eles foram
pensados como lados de um mesmo objeto, que se completaram para dar conta de uma
compreensão mais profunda do tema de investigação eleito. Essas faces foram constituintes de
um corpo total, com membros que se articulavam e a ele pertenciam, mostrando-se como fluxos
contínuos que se uniram para pensar os saberes e as práticas musicais de professores da pequena
infância, naquilo que possuíam de mais fundamental: uma atuação musical docente que se dá
na relação estreita entre adultos e crianças no contexto educativo, com descobertas e ações
musicais que aconteceram na sua concretude.
Mais do que dar visibilidade a esses acontecimentos, o que se desejou com a pesquisa
foi escutá-los e considerá-los, e é por isso que “eu canto pra você” colocou-se como uma canção
de acolhimento para a ação musical das professoras, e delas para com as crianças.
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ISSN 2448-1157
Resultados
São o que são, nós é que mudamos o nosso olhar, nós ampliamos essa
questão de dar os instrumentos e até de dizer para elas: “- Acreditamos que
vocês podem fazer uma coisa legal com isso aqui.” Mas elas são musicais
como sempre foram, nós é que não tínhamos percebido (Sofia, professora
da EMEI, grifos meus).
Acredito que o que nomeei como a música das crianças ou, em outras palavras, a música
que as crianças fazem, não é a música da indústria cultural voltada para elas e nem a reproduzida
e repetida à exaustão na busca de uma interpretação profissional adulta. Desse ponto de vista,
creio que a música das crianças é aquela que emana do corpo e dos materiais sonoros diversos
e que ganha vida nas suas experimentações imaginativas e brincantes. E que, quando
estimuladas por adultos sensíveis e atentos, ganham sentido e podem se transformar em formas
esteticamente interessantes.
Foram as crianças que decidiram usar as caixas de papelão para tocar junto
com a música. Eu não sei nada e descobri que as crianças sabem cantar e
escolher o que fazer melhor do que eu. Foram elas que decidiram que as caixas
seriam os instrumentos para tocar junto com a música, porque achavam que
elas produziam sons mais suaves e que combinavam mais com a música.
Muito mais do que pandeiros e tambores (Alice, professora da EMEI).
A concepção de infância aqui trazida contribuiu para alargar o ponto de vista das
professoras com respeito às crianças e ajudou a conduzir esse processo de instigá-las a verem e
a ouvirem mais seus pequenos alunos. Por meio de múltiplos canais perceptivos, puderam se
deixar guiar pelas crianças e seguir mais de perto suas pistas, em aproximações que acarretaram
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uma atuação mais apropriada, na música e, para além dela, nos contextos educativos vários,
como no depoimento a seguir:
[...] mudou o olhar porque eu imaginava que a música era você sentar e cantar,
as crianças afinadinhas, tocar instrumentos bonitinhos, pra mim, isso era
música. E quando você falou dos sons, dos barulhos, um apito, isso é música,
isso me fez ver de forma diferente e até trabalhar de uma forma diferente com
as crianças. Eu ficava muito ansiosa, as crianças começaram a experimentar,
começaram a sugerir. E você começa a ver a criança sozinha produzindo ali,
pegando e tocando. (Maria Luíza, professora do CEI)
Mais uma contribuição deste estudo para a Educação Musical foi a consideração pelo
que as professoras sabiam e queriam saber fazer melhor e que se ligou, portanto, ao que as
crianças queriam fazer e sabiam fazer. E esse desejo de saber mais, de professoras e de crianças,
ganhou vida em um espaço-tempo poético de descobertas e de fazeres embalados por sons e
músicas, canções e instrumentos musicais, nos corpos dançantes e brincantes de uma infância
que vive e acontece na ação musical. E, para tanto, é preciso que esteja presente na atitude dos
adultos, seu apoio e reconhecimento.
Considerações Finais
Tendo em vista os dois objetivos desta pesquisa - desenvolver e ao mesmo tempo estudar
os saberes e as práticas musicais de professoras da pequena infância, considerando seu
conhecimento pré-existente e tornar cada vez mais visível para as participantes a ação musical
das crianças - ela revelou conquistas importantes e apontou caminhos a serem seguidos.
Caminhos que podem conduzir a melhorias nas práticas musicais de professores não
especialistas e, consequentemente, das relações de adultos com crianças, porque construída na
“dupla escuta” e na realidade da escola pública da pequena infância na atualidade. Para tanto,
faz-se importante levar em consideração os seguintes pontos apontados pela pesquisa:
Que os pesquisadores e especialistas considerem os saberes musicais dos
professores não músicos e que os tragam para a construção das propostas de
desenvolvimento profissional docente nesse campo.
Como consequência direta desse objetivo primeiro, que a sequência do
conteúdo programático a ser desenvolvido com os professores em situação de formação
seja aberta e não estabelecida a priori pelos educadores e pesquisadores.
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Que a escola como uma realidade singular e única seja eleita como o lugar
privilegiado para a realização dos aprofundamentos docentes.
Somado a isso, o apoio especialista concebido com base nos diálogos entre a
Educação Musical com a Formação de Professores e com a Sociologia da Infância
mostrou-se como ponto fundamental para instigar, propor e desafiar os professores na
busca dos caminhos mais viáveis para cada realidade educativa. Tendo em vista o que o
grupo profissional docente já sabe e o que deseja saber, mas propondo sempre um mergulho na
especificidade do campo da Educação Musical e em um trabalho guiado por princípios
educativo-musicais claros;
Que a educação musical realizada nas escolas da pequena infância encontre
a sua essencialidade na “dupla escuta”: foco no fenômeno sonoro e na escuta musical
cultivada e também na ação das crianças quando fazem música.
Que as concepções de infância e de educação da infância possam ser
repensadas, buriladas e ampliadas. Que o trabalho dos professores aconteça, enfim, levando-
se em consideração as crianças em primeiro lugar e que a música seja o veículo para
alcançarmos um trabalho de qualidade na educação da pequena infância.
Foi com base no fazer musical infantil, possibilitado pelo processo de pensar o
aperfeiçoamento musical das professoras em consonância com o que aplicavam com seus
pequenos alunos e com o que estes recriavam a partir das propostas docentes, que construímos
juntas, pesquisadora/formadora e professoras da pequena infância, essa pesquisa. Pesquisa-ação
como encontro, validada pelas discussões que escutaram a opinião de todas as participantes e
que as levou à ampliação do conhecimento no campo da música. A construção do grupo é o que
foi diferente, elas mesmas afirmaram:
225
ISSN 2448-1157
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SABERES DOCENTES SOBRE AVALIAÇÃO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
RESUMO
INTRODUÇÃO
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JUSTIFICATIVA
OBJETIVOS
REFERENCIAL TEÓRICO
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tem contato, podendo proporcionar a elas conhecimentos de mundo diversos, desenvolver a
subjetividade e a abstração, colaborando para a visão positiva dela mesma, ou privando-a desses
conhecimentos e reprimindo-a em diversos sentidos. Assim, entende-se que é impossível avaliar
as crianças e seu desenvolvimento sem levar em consideração as especificidades da infância, as
características pessoais e os aspectos sociais e culturais nos quais as crianças estão inseridas.
Com isso, deve-se buscar uma avaliação contínua, dinâmica e formativa. Segundo Rezende
(2007), para isso é necessária uma ação pedagógica que vá na contramão da avaliação
excludente ou ainda, classificatória, que vise um modelo de aluno ideal, com comportamentos
ideais.
A avaliação na Educação Infantil deve levar em conta todos os aspectos do
desenvolvimento de uma criança. Avaliá-la é, portanto, observar e registrar seu
desenvolvimento, tendo como parâmetro para comparação a própria criança, ou seja, onde ela
estava e aonde ela já chegou, percebendo suas potencialidades, suas dificuldades e suas
características pessoais. Neste sentido, avaliar é, de acordo com Silva (2012), “[...] analisar o
processo de construção da aprendizagem vivenciada pelo educando, tendo como objetivo
redimensionar todo o momento das propostas educacionais, servindo como um instrumento
educativo fundamental no desenvolvimento humano” (p. 2).
Isso significa que a autoavaliação do professor também é fundamental no que diz
respeito ao processo de avaliação das crianças no âmbito da Educação Infantil. Dessa forma,
“[...] a avaliação exige de quem avalia uma consciência clara de seu próprio papel e dos esforços
que faz no sentido de atingir seus propósitos e objetivos” (SILVA, 2012, p. 2). Com isso, o
professor deve estar ciente de que a avaliação “[...] não possui uma finalidade em si.
Ao contrário, ela é o meio pelo qual podemos observar se estamos atingindo os objetivos
previamente estipulados” (RITCHER; MOTA; MENDES, 2009, p. 185).
Richter, Mota e Mendes (2009) discorrem sobre o fato de que apesar de as profissionais
de Educação Infantil não se utilizarem de instrumentos de avaliação já consolidados em outros
níveis de educação (como, por exemplo, provas e notas), elas acabam por legitimar esse tipo de
processo avaliativo excludente e constrangedor, só que em termos mais “sutis”, embora tão
prejudiciais para a criança como os anteriores. Com isso, “[...] apesar da sutileza, o erro
continua concebido como algo a ser evitado” (RICHTER; MOTA;
MENDES, 2009, p. 180).
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Busca-se, então, compreender a prática pedagógica dos professores de Educação
Infantil no que diz respeito à avaliação das crianças. Uma ferramenta importante para a
realização desta tarefa é o registro. O registro pedagógico norteia o trabalho, representa o
pensamento e a organização da ação, além de, implicitamente, revelar as visões de mundo e
concepções do professor. Segundo Silva (2012), o registro é essencial no processo de avaliação
das crianças pequenas; ele deve ser sistematizado e coerente, deve ser elaborado de diferentes
maneiras, de modo que permita ao professor observar o desenvolvimento e aprendizagem das
crianças, bem como avaliar e acompanhar a sua própria prática pedagógica, buscando
melhorias, modificações e transformações pertinentes.
Para a construção de práticas avaliativas que caminhem juntas com a valorização da
criança pequena em sua especificidade e com seu direito a um atendimento qualidade, é
necessário que o professor, e também a escola, tenham claras suas metas e objetivos, levando
em consideração as características de seus alunos, com base na compreensão das fases do
desenvolvimento infantil.
Tem-se, também, como base para o entendimento da prática avaliativa docente, o que as
políticas públicas para Educação Infantil e os documentos que tratam desta etapa da Educação
Básica propõem sobre a avaliação das crianças pequenas. No Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil (RCNEI) (BRASIL, 1998) coloca-se que o professor deve fazer uma avaliação
formativa em relação às crianças e seu aprendizado. Como, por exemplo, neste trecho no qual no
documento aponta-se como deve ser a avaliação na área da Música:
A avaliação na área de música deve ser contínua, levando em consideração os
processos vivenciados pelas crianças, resultado de um trabalho intencional do
professor. Deverá constituir-se em instrumento para a reorganização de objetivos,
conteúdos, procedimentos, atividades, e como forma de acompanhar e conhecer cada
criança e grupo. Deve basear-se na observação cuidadosa do professor. O registro de
suas observações sobre cada criança e sobre o grupo será um valioso instrumento de
avaliação (BRASIL, 1998, p. 77).
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METODOLOGIA
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
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agrupamento de 24 crianças entre 3 e 4 anos de idade que estavam, no período da coleta, sob a
responsabilidade de 2 docentes (1 no período da manhã e 1 no período da tarde) e contava com
a presença de 2 estagiárias (1 em cada período) (embora matriculadas com 3 anos de idade,
algumas crianças completaram 4 anos no decorrer do ano letivo).
RESULTADOS
No que se refere aos saberes das professoras sobre a finalidade da avaliação na Educação
Infantil, elas destacam aspectos do desenvolvimento das crianças que podem ser avaliados,
entre os quais, “[...] a linguagem oral, a autonomia, a identidade, movimento, socialização,
desfraldamento, higiene corporal e bucal” (P1), “A coordenação motora geral, a coordenação
motora fina, a convivência em grupo, as habilidades, enfim: o desenvolvimento no geral” (P4),
“O desenvolvimento na linguagem oral, através de músicas, roda de conversas, a autonomia, a
coordenação fina, através de trabalhos com canetas, giz de cera, pincel, conhecer o nome, as
cores primárias, etc” (P6).
Muitas destacam também a importância do registro e as formas das quais se utilizam
para registrar a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças: P2 coloca que “[...] a avaliação
na Educação Infantil se dá por meio de anotações, fotos e vídeos, tudo visando o
desenvolvimento da criança” e afirma que se utiliza de “[...] vídeos, fotos, registros,
recolhimento de informações dos pais e opiniões dos professores da mesma sala” (P2).
No que se refere aos saberes necessários para avaliar, as professoras reconhecem a
importância de saber observar e saber reconhecer o tempo e as características de cada criança,
bem como saber elaborar um planejamento que oriente a prática pedagógica, como P4 coloca:
“[...] é importante saber observar cuidadosamente, criar objetivos e planejar atividades
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adequadas e ter flexibilidade à mudança, caso seja necessário”. P7 concorda quando defende
que “[...] o professor precisa ser observador, criar objetivos e planejar atividades adequadas,
dando assim um real ponto de partida para esta observação”. Destacam também a importância
de saber registrar, como revela o trecho escrito por P10: “O registro, é fundamental registrar e
observar as atividades e o desenvolvimento de cada criança, para que possamos obter
informações sobre o conhecimento e os avanços que esses pequenos estão tendo”.
Já no que diz respeito à formação inicial e continuada e práticas de avaliação, pode-se
perceber que boa parte das docentes aponta ter tido contato com saberes referentes à avaliação
na Educação Infantil em algum momento de sua formação profissional, seja inicial ou
continuada, embora algumas apontem lacunas nos cursos de formação no que se refere a esse
tema.
Muitas das profissionais afirmam entender, ainda, a avaliação como instrumento de
reflexão de suas práticas pedagógicas, ou seja, uma ferramenta que as auxilia no planejamento
das atividades e na formulação de mudanças que se fazem necessárias no cotidiano da creche.
Em suas respostas aos questionários, as professoras fazem pouca referência (apenas 1
ocorrência) a estudos e documentos oficiais que tratam do tema avaliação na Educação Infantil,
embora deva-se deixar claro que não foi solicitado explicitamente a elas que fizessem tais
referências.
As observações foram realizadas tendo por base os focos de análise e objetivos desta
pesquisa, buscando estabelecer relações entre o que era observado no espaço da Educação
Infantil e o referencial teórico sobre a avaliação nesta etapa da Educação Básica. As
observações ocorreram em um agrupamento de 24 crianças entre 3 e 4 anos de idade (Maternal
II). Os processos avaliativos se deram no âmbito da rotina escolar e do trabalho pedagógico do
qual as crianças, as docentes e as estagiárias fazem parte, assim sendo, tendo como base o
referencial teórico sobre a avaliação nesta etapa da Educação Básica, bem como os objetivos
da pesquisa, buscou-se compreender esses processos e discuti-los.
As docentes e estagiárias observadas terão suas identidades resguardadas, portanto será
usada a seguinte nomenclatura para identificá-las: Professora da manhã – P9; Professora da
tarde – P10; Estagiária da manhã – EM; Estagiária da tarde – ET. A seguir serão descritas e
analisadas algumas situações registradas em diário durante a realização da pesquisa.
Durante a realização de uma atividade, as meninas estavam sentadas, fazendo uma
dobradura, a professora tenta incentivá-las: “Isso, parabéns! Tá certo! Vai ficar do jeito que
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vocês fizerem, do jeito de vocês, não tem problema!” (P9). Nessa fala, fica claro que a
professora entende como importante dar um retorno para as crianças em relação ao seu
desempenho; ela está, portanto, avaliando-as, e, neste caso, seu comentário foi positivo. Em
outro momento, a professora pede que elas colem a dobradura na folha, uma delas parece não
se importar com a orientação e não faz o que foi solicitado. A professora, então, comenta “Ela
é passada! Sempre tem um desses, né!?” (P9). Nesta fala da professora fica evidente seu
julgamento negativo em relação não só ao comportamento da criança naquele dado momento,
mas sobre a sua personalidade e jeito de ser.
Outras falas das docentes podem ser analisadas da mesma forma. Quando, por exemplo,
ET se dirige para uma criança “Vamos! Você vai embora, coloca seu sapato... Tem que desenhar
para ele entender”. O modo pejorativo com que ela se dirige à criança é extremamente
prejudicial à formação da identidade e da auto-estima da mesma, pois as experiências dos
primeiros anos de vida são essenciais para a construção da pessoa como sujeito, como destaca
Oliveira (2007):
Enfocando essa discussão no campo da educação escolar, percebe-se que o professor
é o profissional que atua mais diretamente com a criança em um período
consideravelmente longo, por isso ele exerce grande poder de influência sobre a sua
auto-estima e sobre a sua personalidade. Essa influência é ainda maior quando se trata
de crianças na faixa etária de zero a seis anos, que se encontram vulneráveis a qualquer
influência de um adulto mais próximo (p. 178).
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você fez! Você é princesa, menina, não pode fazer isso!” (P9); “Eles são muito diferentes das
meninas” (P9). Esse tipo de atitude por parte da docente é considerado prejudicial, pois ela não
parte da própria criança como seu parâmetro de reflexão sobre o desenvolvimento dela mesma,
mas sim, cria estereótipos de crianças e de comportamentos ideais que, na verdade, inexistem:
Embora a professora de Educação Infantil não faça uso de instrumentos de avaliação,
como a prova, a nota e a reprovação, que legitimam a prática avaliativa convencional,
faz uso de formas mais sutis e talvez tão prejudiciais ao desenvolvimento infantil,
como, por exemplo, certas comparações entre alunos (RITCHER; MOTA; MENDES,
2013, p. 179).
Outra questão que deve ser discutida é a postura docente frente ao erro das crianças.
Esse tipo de atitude revela a necessidade da transformação de conceitos escolares em relação
ao erro, fazendo com que este passe a ser visto como algo natural ao ser humano que vive em
uma dinâmica de constante aprendizado, ainda mais quando se trata de crianças tão pequenas,
que ainda estão se desenvolvendo. Como na situação a seguir:
A professora (P10) está com todas as crianças na sala. No chão, um painel que está
sendo pintado com tinta pelas crianças. Um menino está com o rolinho na mão, ele
passa o rolo com força, vira a mão para um lado e para o outro tentando pintar a
folha. A professora avisa: “Você vai rasgar a folha desse jeito!”. Antes mesmo que a
criança tenha tempo de continuar, a professora tira o rolinho da mãe dela e o entrega
para outra criança (Diário de campo, 04/05/2014).
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É importante destacar, também, que as docentes reconhecem o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças, dentro do que foi planejado por elas ao longo da rotina escolar.
Muitas vezes, elas identificam nas crianças, individual e coletivamente, esse desenvolvimento
e, em outros casos, se utilizam das situações cotidianas para reformular as suas práticas em
busca de melhores resultados: “A gente tem que fazer mais de uma vez pra ver qual o melhor
jeito, qual dá mais certo” (P9); “Ela participou (a criança), pela primeira vez! Ela nunca falava
nada porque é muito tímida!” (P9); “Eles melhoraram muito. Na primeira semana eu quase pedi
pra sair, é questão de muito amor, muita dedicação... Eles mudaram muito, ainda não está bom,
mas quando a gente deseja uma coisa, uma hora acontece” (P9).
Neste sentido, entende-se que as professoras se esforçam, também, para que as crianças
aprendam e se desenvolvam, e se cobram como profissionais quando isso não acontece.
Infelizmente, esse tipo de prática aparece pontualmente em alguns momentos da rotina da
creche, sendo que, em outros, destacam-se práticas avaliativas comparativas e punitivas,
baseadas na comparação entre as crianças (principalmente com base no gênero), comparações
entre as “crianças-problema” e as “crianças ideais”, punições (principalmente perder momentos
de brincadeira, como o parque), reclamações em relação ao comportamento e as atividades das
crianças, e elogios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização desta pesquisa foi possível considerar que, de modo geral, as práticas
avaliativas das professoras de Educação Infantil acabam por se basear em práticas
adultocêntricas, disciplinadoras e controladoras dos comportamentos das crianças. Elas se
utilizam de elogios, comparações, punições, ameaças e recompensas para alcançar certos
objetivos e comportamentos em relação ao grupo e a cada criança individualmente. Muitas
vezes, essa postura se justifica pela preocupação que as crianças aprendam e se desenvolvam,
de modo a não ficarem “atrasadas” e não sofrerem nos anos subsequentes de escolarização, o
que não vai ao encontro do referencial teórico e das orientações sobre o tema:
A avaliação da criança, nesta etapa, é entendida como um processo contínuo e
dinâmico, de fundamental importância. Avaliar é observar e intervir constantemente,
(re)planejando a ação educativa na busca de (re)signifcá-la de forma apropriada às
necessidades de cada criança e do grupo como um todo. A avaliação no contexto de
educação infantil deve ser mediadora do desenvolvimento da criança (SILVA, 2012,
p. 4).
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Em relação à concepção das docentes sobre finalidade da avaliação na Educação
Infantil, pode-se considerar que o discurso geral das professoras não destoa do referencial
teórico e das orientações sobre a avaliação. Entretanto, na prática, os processos avaliativos são
permeados de práticas e posturas que não são consideradas ideais, já que nesta etapa da
educação a avaliação deve ser processual e contínua, sem intenção de promoção das crianças,
mas sim, buscando acompanhar, refletir e registrar o desenvolvimento e as aprendizagens delas,
bem como servir de diagnóstico para o professor em relação à sua própria prática, mostrando
um caminho para mudanças, reflexão, reformulação e aprendizado.
Foi possível observar que as docentes se utilizam de diferentes formas de registro para
acompanhar o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças. Há portfólios individuais
dentro de cada projeto, além disso, as docentes fazem o diário de classe diariamente e um
resumo do mês na caderneta dos alunos. Elas também elaboram a ficha descritiva de cada
criança, que deve conter avanços e aprendizados delas e que é discutida com os pais em reunião.
Elas também se utilizam de fotos, desenhos e atividades para acompanhar e avaliar as crianças.
Em relação aos saberes necessários para se avaliar na Educação Infantil, pôde-se
perceber que estes saberes são muitos, e complexos. Os processos avaliativos na Educação
Infantil muitas vezes ocorrem de maneira subjetiva e sutil, e isso faz com que os professores
tenham uma postura avaliativa dura e punitiva, muitas vezes sem nem ao menos perceber. Com
as respostas dos questionários respondidos pelas docentes, foi possível observar que elas
reconhecem que é necessário ao profissional de Educação Infantil saber observar, saber
acompanhar o desenvolvimento infantil, bem como elaborar e reelaborar seu planejamento de
acordo com as necessidades de cada criança e do grupo. Entretanto, na prática, adquirir essa
postura exige um esforço constante de ruptura com práticas avaliativas adultocêntricas,
punitivas e comparativas, de modo que se alcance a real finalidade da avaliação nas creches e
pré-escolas, apontada por Silva (2012):
A avaliação na Educação Infantil não tem o objetivo de fazer a criança passar de ano,
mas o intuito de observar e compreender o dinamismo presente no desenvolvimento
infantil e redimensionar a prática pedagógica, ajudando o professor a intervir no
momento certo em que as dificuldades apresentam-se, acompanhando a evolução da
criança (p. 4).
Esse tipo de postura exige também formação inicial e continuada de qualidade para que
as professoras não acabem por repetir com os seus educandos as práticas vivenciadas por elas
em suas trajetórias como alunas da Educação Básica. Neste sentido, essa formação sobre
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a avaliação das crianças pequenas se mostra de essencial importância para o rompimento com
práticas avaliativas que não são considerada adequadas e para que
as crianças que frequentam as creches e pré-escolas tenham o direito de aprender
e se desenvolver plenamente sem serem julgadas, avaliadas rigidamente por seus resultados e
comportamentos, punidas, comparadas com outras crianças. Busca-se, assim, uma Educação
Infantil que permita às crianças a construção de suas identidades e de sua autoestima, afim de
que elas sejam sujeitos de suas aprendizagens e histórias. Desse modo, a avaliação
deve ser vista como um instrumento de auxílio ao desenvolvimento e aprendizado da criança
e não como ferramenta para examiná-la, excluí-la ou denegri-la.
241
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1
Abrindo a caixa de costura para uma “costuração” na Educação Infantil.7
Zilanda Silva Abreu28
O alinhavo
Há pouco mais de um ano eu me reencontrei com o bordado. Bordar faz parte da cultura
da pequena localidade do interior da Bahia onde nasci e morei até os vinte anos, idade em que
me mudei para São Paulo em busca de trabalho. Eu pertenci a essa tradição cultivada pelas
mulheres da comunidade que tinham o bordado como fonte de renda e um modo de vida, já que
se tratava de uma prática cultural. A relação com o bordado, para a maioria daquelas mulheres,
em especial a minha mãe, envolvia afetividade, admiração, respeito, cuidado. Bordar exigia
entrega, mas, para mulheres que tinham que dar conta dos filhos, do trabalho doméstico e da
lavoura, funcionava também como uma atividade terapêutica.
Bordar era uma prática coletiva que envolvia compartilhamento de crenças, valores,
saberes e rituais específicos, por exemplo, não era vista com bons olhos a moça não abastada
que não dominasse essa prática.
As bordadeiras e aprendizes se juntavam em grupos, especialmente à tarde, nas salas e
calçadas das casas ou nos assentos e gramados da pracinha. Bordar era instigante pois, os
assuntos voltados ao bordado, tais como a combinação de cores das meadas, as formas de tornar
1
Este texto é fruto de pesquisa de Especialização, realizado no Período de 2014 a 2015, para o curso: Arte na
Educação: Teoria e Prática, ECA/USP.
2
Professora de Educação Infantil Na Creche/Pré-escola Saúde-SAS/USP
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o avesso perfeito, a posição dos fios, os macetes para fazer emendas e arremates entre outros
eram tecidos e enredados com os da vida local.
Ocorreu que, diante de um novo contexto para assumir as outras facetas que me
compõem – a de estudante e de professora numa cidade grande, por exemplo - precisei fazer
adormecer a mulher bordadeira. O reencontro com o bordado trata-se, pois, de reencontrar-me
com minhas origens.
Esse reencontro se deu após os primeiros módulos do Curso de especialização Arte na
Educação: Teorias e Práticas da Escola de Comunicação e Artes/USP. Ingressei neste curso em
um momento pessoal no qual estava completamente devastada pela dor do luto de minha mãe
mas, a exigência feita pelo curso da produção de um trabalho de criação, me deu forças para
seguir adiante e comecei a bordar a minha história de menina, cujas linhas e contornos pareciam
ganhar vida própria, formando imagens e fazendo-me ver a mim mesma e a importância dos
entes queridos em minha vida.
Comecei tateando os primeiros riscos, às vezes sentia que a agulha tinha vontade própria
e ia procurando novos caminhos, seguindo suas trilhas. Durante esse processo de criação pude
reviver algumas lembranças que estavam bem guardadas dentro de mim. À medida que a minha
história se materializava no bordado eu era tomada pelo prazer e me sentia plena, pois, me sentia
cada vez mais próxima de mim mesma e de minha mãe. Foi o “achado” que me permitiu
elaborar a perda e, desde então, não quis mais me separar de algo que me fazia tão bem.
Esse reencontro com o Eu menina me fez pensar no Eu mulher, na minha vida de
professora, no que poderia ser realmente significativo nesse momento de recomeço. Senti
vontade de buscar minha origem encontrando-me assim com a minha própria essência.
Ao perceber o efeito, indireto, do bordado em minha prática com as crianças, comecei a
me perguntar: Como trazer o bordado para a minha prática pedagógica? Em que medida o
bordado está presente em meu fazer pedagógico? De que forma este fazer pedagógico poderia
considerar as práticas das crianças?
O bordado estava cada vez mais presente em minha vida, continuei bordando e, ao
mesmo tempo, pensando sobre a possibilidade de oferecer às crianças algo tão significativo
para elas como o bordado era para mim.
Imbuída do desejo de tornar o bordado presente em minhas práticas pedagógicas, passei
a observar o tratamento que lhe tem sido dado do ponto de vista artístico e teórico. Pude notar
que o bordado tem alcançado um lugar de destaque, passando a ser visto não mais como
artesanato utilizado para ornamentar as casas, mas como uma nova linguagem estética nas
ilustrações de livros infantis e uma nova linguagem na arte contemporânea.
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Hoje, como professora da Educação Infantil, após ter me reencontrado com e no
bordado, observo melhor as linhas dos desenhos das crianças, seus gestos, suas posturas diante
dos materiais.
Busco, neste memorial analítico-descritivo, possibilitar o acesso do leitor à minha “caixa
de costura”, de modo a expor o bordado já pronto – a minha história com o bordado; o bordado
inacabado – a forma como tenho utilizado o bordado em minha prática pedagógica e o esboço
do bordado por fazer – minhas práticas.
Pretendo enfatizar a relevância do meu reencontro com o bordado e a forma de
ressignificá-lo, mostrando a importância da formação continuada na construção de novo sentido
à minha prática. Retomar minhas origens pelo bordado possibilitou tornar-me uma professora
diferente e o uso da linha, de forma metafórica e de forma literal, foi essencial para isso. Passei
a trabalhar com as crianças o desenho como linguagem, procurando entender a sua
complexidade.
As linhas que dão forma: do desenho ao bordado um olhar para o processo de criação
Esta pesquisa foi realizada na Creche/Pré-escola Saúde, com crianças entre 2 e 6 anos
ao longo do ano de 2014. Trata-se de uma instituição pública destinada a crianças filhas de
funcionários, estudantes e docentes da Universidade de São Paulo, situada no Centro da mesma
cidade.
A minha experiência como professora de Educação Infantil começou há exatamente dez
anos, nesta mesma instituição. Trabalhei, primeiramente, com bebês, que tinham entre 4 meses
a 1 ano e atualmente atuo com um grupo multietário entre 4 e 6 anos.
Desde inicio, com os bebes, fui aprendendo a importância das artes desde cedo na vida
do indivíduo. Em relação aos pequenos, a porta de entrada para as artes se dava de forma
sensorial, por meio de experiências com diferentes texturas, como café, sagu, gelatina, beterraba
triturada e outros. Os gestos das crianças nessas experiências me inquietavam, assim como a
linguagem do desenho.
E a partir do curso em Arte na Educação entendi melhor o significado do desenho para
a criança: para ela é uma linguagem tão importante quanto as demais.
Enquanto a criança desenha, brinca com seu gesto, seu traço, seu corpo e com o
movimento que ela produz ao desenhar, vai descobrindo, ao mesmo tempo, novos
traços, novas formas. O resultado a princípio é quase acidental, mas, quanto maior o
domínio conquistado sobre seu corpo e sobre o movimento que produz na superfície,
mais atua sobre essa superfície. Vai paulatinamente ampliando seu repertório de
marcas, pontos e linhas, e assim surge o “desenho de ação.” (Iavelberg 2013, p.66).
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Por acreditar nesta importância do desenho, passei a oferecer sistematicamente às
crianças propostas com essa linguagem favorecendo-lhes reflexões para as transformações de
suas marcas gráficas.
Para esta pesquisa elaborei um projeto de trabalho para um agrupamento multietário, de
2 a 6 anos. A cada proposta de trabalho observava o quanto se dedicavam às suas produções e
desenvolviam-se nesta linguagem, construindo novos estilos, ampliando seu repertório.
O foco estava no processo de cada criança pois, para que o resultado fosse positivo, era
preciso que tivessem passado pelo processo de exploração, experimentação e principalmente
que houvesse interação entre as crianças e os objetos.
Ao longo do percurso, propus desenharem em diferentes planos, possibilitando outros desafios
corporais, a ampliação de novos gestos, ações, invenções e descobertas.
Derdyk considera interessante repensar o espaço físico oferecido à criança para desenhar, a fim
de propiciar-lhe diferentes situações espaciais e corporais. De acordo com essa autora, as várias
posições assumidas pela criança ao desenhar - em pé, sentado, deitado - geram consequências
e posturas distintas da relação da criança com a mão, com o olho, com o sentido, com o
instrumento, com o suporte e com o espaço.
A produção de cada criança era cuidadosamente exposta para que cada uma pudesse
reconhecer seus próprios traços, suas obras e as do outro, aprendendo também a apreciar.
Enquanto eu observava as crianças em suas ações e gestos, pude perceber cada vez mais
a importância do desenho. Foi através dessas observações que vi no desenho das crianças um
novo reencontro com o bordado. As linhas dos desenhos me remetiam às linhas do bordado e
então comecei a bordar alguns desenhos das crianças, sempre com a permissão dos seus
produtores.
Nesse fazer pedagógico, eu ia me descobrindo como artista, ressignificando o bordado
que, outrora latente em mim, agora pulsava em desejo de mostrar-se, explodindo em
criatividade, em beleza, em construção de novas possibilidades, em conhecimento, em arte.
Segundo Albano (1993, p. 37):
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Depois de prontos, os bordados eram levados para as crianças apreciassem seus
desenhos com nova textura e as reações eram surpreendentes. Alguns perguntavam se poderia
levar para casa, outro dizia: “Olha só! Dá para costurar na blusa.” Outro completava: “Vou
pedir para minha avó fazer igual”!
Quanto mais eu me dedicava a oferecer o melhor às crianças, mais as linhas dos seus
desenhos me levavam a outras recordações de minha infância.
Nasci na Bahia e lá morei por 19 anos, e foi durante esses anos que eu tive o primeiro
contato com o desenho embora, naquela época, sem me dar conta disso.
Meu pai e minha mãe tiveram nove filhos. Eu sou a oitava e a presença dos meus irmãos
mais velhos foi fundamental para o meu processo de aprendizagem. Com eles aprendi a
BRINCAR, usando diferentes objetos, como sabugos de milhos, carrinhos feitos por eles de
tábua e borracha. E também a BRIGAR, aprendendo a me defender ou a ofender. Com o meu
irmão mais novo aprendi a cuidar e a transmitir o que eu havia aprendido com os outros mais
velhos.
Não tínhamos televisão, mas o meu pai tinha uma radiola, com a qual podíamos ouvir
histórias, tanto bíblicas, como as contadas num programa de rádio que se chamava Tia Leninha.
Enquanto ouvia as histórias e novelinhas, na companhia de irmãs mais velhas, podia observá-
las bordando: o movimento das suas mãos conduzindo a agulha e transformando o fio de linha
em um espetaculoso castelo!
Em minha cabeça de menina ficava imaginando quando eu teria o meu castelo, será que
seria tão belo quanto aquele bordado por elas? O carretel que já não servia para enrolar a linha,
em minhas mãos, se transformava em um belo carrinho feito com um pedaço de vela, palito de
dente e uma pequena borracha cortada de um pneu de bicicleta. E dali eu já partia para outra
brincadeira.
Quando era possível, gostava de ficar em companhia de minha mãe enquanto ela
bordava sentada à porta da rua. Em sua caixa de linhas havia um emaranhado de meadas de
diversas cores, do qual ela arrancava fio por fio para criar uma paisagem, que eu também
gostaria de visitar. Ficava deslumbrada com o poder das linhas, parecia que nas mãos das
bordadeiras criavam vida.
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Eu observava com encanto e prazer os debuxos que ela colecionava para bordar em
toalhas, lençóis e roupas de bebê. O desenho que passava do papel para o tecido, a linha e a
agulha transformavam-se em um produto final de valor inestimável. O valor dado a todas essas
coisas que resultavam no bordado, e o bordado em si, que aprendi desde cedo, trago comigo até
hoje.
Nas minhas brincadeiras de boneca era eu mesma quem fazia as roupinhas variando os
modelos e aperfeiçoando as costuras. Fazia também as toalhinhas para a mesa da minha casinha
(que não passava de uma caixa vazia). Com restos de tecidos, agulha e as linhas MÁGICAS, as
brincadeiras ficavam cada vez mais ricas.
Com os cacos das telhas de novas construções podíamos fazer desenhos pela calçada.
Desenhava a brincadeira de amarelinha (ou como era chamada por nós de “tô tá” ou “caco”).
Lá passávamos boa parte do tempo livre. Em época de chuva, a diversão era visitarmos a cheia
dos rios que cortavam a cidade, pois a paisagem mudava, ganhando um novo desenho. Passada
a cheia, catávamos pedrinhas. Eu escolhia as mais redondinhas, pois essas eram as mais
adequadas para podemos brincar de “cata pedrinha”
ou “cinco Marias.” A cada brincadeira, podíamos fazer os nossos desenhos com objetos
achados na natureza ou nela deixados pelo homem. De acordo com Albano (1993, p. 95):
Quando me mudei para São Paulo, me assustei com o tamanho da cidade, mas mesmo
com toda essa diferença, São Paulo tinha algo que eu queria: a possibilidade de entrar em
contado com as diferentes linguagens da arte e de refletir de maneira mais critica sobre o
assunto.
E fui buscando no cinema, teatro, museus e nas ruas de São Paulo coisas que pudessem
me remeter ao belo, à percepção estética e ao fazer artístico, sempre estudando e tendo boas
referências para isso.
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Hoje, como professora, procuro oferecer às crianças brinquedos de largo alcance, para
que elas possam ter a oportunidade de criar o seu próprio objeto, podendo se divertir com uma
caixa que elas transformam em telefone, ou em um carrinho, construindo pista, ponte e tudo
que possa estar em sua imaginação.
Ao começar a trabalhar o desenho de forma mais sistematizada, passei a me questionar,
principalmente, sobre como poderia trabalhar com desenhos fazendo com que as crianças
pudessem refletir sobre ele, ter tempo para experimentá-lo, explorar os materiais, perceber-se
na ação.
Como professora de crianças pequenas, estava sempre preocupada com o tempo e com
o resultado final de cada produção. E conforme as crianças traziam novos desejos, novos
interesses, passei a observá-las e a escutá-las com mais atenção. Percebi que para elas o mais
importante eram os caminhos a percorrer e a mim, como professora, cabia fazer a mediação
entre o mundo e elas.
Atualmente, muito se fala sobre a importância do desenho enquanto recurso
fundamental no processo de simbolização da criança ou do sujeito. E se a linguagem do desenho
é tão fundamental assim qual é o meu papel como PROFESSORA? Uma resposta que encontrei
em Albano (1993, p. 89):
E assim fui entendendo que, para construir algo como uma forma, é necessário que os
conteúdos da ação se diferenciem, se multipliquem criativamente, tornando, assim, possível sua
assimilação como algo novo. É preciso entender que as crianças irão sempre buscar
correspondências em algo que já sabem, dando sentido à sua aprendizagem com aquilo que lhes
é comum. É preciso deixá-las experimentar, explorar, pois assim elas irão descobrir novas
formas. E eu me reencontrando com meu próprio desenho, através das linhas do bordado.
Segundo Ostrower (1987, p. 43):
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Todas as atividades humanas estão inseridas em uma realidade social, cujas
carências e cujos recursos materiais e espirituais constituem o contexto de vida
para o individuo. São aspectos, transformados em valores culturais, que
solicitam o indivíduo e o motivam para agir. Sua ação se circunscreve dentro
dos possíveis objetos de sua época. Assim, o conceito de materialidade não
indica apenas um determinado campo de ação humana. Indica também certas
possibilidades do contexto cultural, a partir de normas e meios disponíveis.
Com efeito, para o individuo que vai lidar com uma matéria, ela já surge em
algum nível de informação e já de certo modo configurada - isso, em todas as
culturas, já vem impregnada de valores culturais.
As vivências que tive com o desenho, mesmo sem a consciência sobre ele, me ajudam
hoje para planejar boas experiências para as crianças.
Enquanto vou me aperfeiçoando, buscando mais conhecimento sobre desenho, também
vou me deslumbrando com os desenhos das crianças. Observando as linhas que vão se
encontrando em vários pontos, deixando rastro, com seu movimento. Observo as suas variadas
posições: a reta, a vertical, a horizontal, a inclinada, a circular, a curva, a pontilhada e, por fim,
a quebrada. As linhas das crianças me remontam às minhas linhas e, com elas, se emaranham.
É só através das linhas que podemos fazer aquela paisagem ou o castelo no qual
gostaríamos de morar. E assim vou levando as linhas para a minha vida de professora, pois são
elas que me conduzem.
Depois de ter me encantado com as linhas dos desenhos produzidos pelas crianças, era
a minha vez de contribuir, oferecendo-lhes linhas para que pudessem fazer suas costuras. Para
isso, eu precisava saber como poderia abordar o tema. Observando as crianças, percebi que,
para começar a costura, seria preciso apresentar-lhes, primeiramente, a linha. Foi então que, em
roda, eu lhes disse que iríamos “costurar sem agulha.” Usaríamos os barbantes e o desafio seria
fazer a costura pelas árvores do entorno, pois, como afirma Iavelberg (2013), é muito importante
para as crianças pesquisarem, experimentarem novos materiais, diferentes suportes, planos e
etc..
Saímos em direção ao jardim, sentamo-nos em uma roda e, ali, entreguei um pedaço de
barbante para as crianças e orientei-as a passá-lo por entre as árvores, dizendo que seria uma
costura sem agulha.
A cada laçada por entre as árvores, eu podia ouvir as crianças conversando entre si: umas
diziam que fariam uma armadilha enorme para pegar o saci, outras diziam que estavam
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construindo a teia do Homem-Aranha. As meninas pouco falavam, pois estavam entregues à
sua criação, dando laçadas, nós, ou simplesmente fazendo um emaranhado de barbantes.
Percebi a entrega de cada criança e mais tarde, no final dia, quando seus pais chegaram
para pegá-las diziam: “Olha ali! fomos nós que fizemos”, “É uma armadilha para pegar saci”
ou “Olha! É a teia do Homem-Aranha.” E, sempre que aparecia alguém diferente na Creche, lá
estavam elas contando sobre nossa costura por entre as árvores.
E a costura com agulha? Será que daria certo? Como poderia oferecer uma agulha para
crianças pequenas, instrumento com o qual, talvez, nem tivessem ainda tido nenhum contato?
Essas passaram a serem minhas indagações. Então comecei a pesquisar materiais que não lhes
trouxessem nenhum risco. Em uma loja de materiais para costura, pedi tela
para tapeçaria e lã de diferentes cores, mas ainda faltava um instrumento que poderia
ser o mais perigoso: a “agulha.” Observei agulhas de vários tamanhos e escolhi uma que achei
adequada para as crianças.
No dia em que propus a oficina de costura, denominada pelas crianças de “costuração”,
organizei a sala com vários materiais e suportes para aquelas crianças que não quisessem
costurar como: cartolinas cortadas em diferentes formas, lápis de carpinteiro, giz de cera,
canetões, grafites, lápis de cor. Para dar início à costura, disponibilizei pedaços de tela cortados
em quadros de 20 centímetros.
As crianças que escolheram costurar pegaram seus tecidos, aproximaram-se da mesa e
lá se depararam com alguns desafios, como, por exemplo, enfiar a linha na agulha. Sem
demonstrar como fazê-lo, pedi que elas tentassem e, nessa tentativa, uma criança, após levar a
linha à boca para moldá-la, conseguiu passar a linha pelo buraco da agulha. Sugeri, então, que
ela ensinasse às outras crianças a sua estratégia, e ela o fez com muito prazer.
Um menino que ali estava zangou-se por não conseguir passar a linha pela agulha. A
menina mais experiente o instruiu: “Olha só! Segura bem aqui e passa a linha nesse fundinho.”
As conversas eram muitas e distintas, e algumas crianças diziam: “A minha avó não
costura com essa agulha e sim com aquelas que são duas”, “A minha avó também não costura
assim. Ela costura com uma máquina”, “Sabe Zi, outro dia minha mãe estava costurando a
minha calça e era com uma agulha assim.”
Entre uma conversa e outra, acabava aparecendo um desafio: linha que embaraçava ou
linha que saía da agulha. Mas logo esses desafios eram superados e a conversa tomava um novo
rumo. Com o olhar atento ao movimento da agulha, algumas crianças diziam que estavam
fazendo uma capucheta3. Uma delas comentou: “Quando eu chegar lá na Paraíba vou logo
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dizendo para minha avó que já sei fazer costura.” Outra completou: “Também vou falar para
minha mãe que já sei fazer costura.”
As crianças menores não se interessaram pela agulha, mas se aproximaram da mesa e,
pegando um pedaço de lã, começaram a passá-lo pelo pescoço, sentindo a sua textura deslizando
em sua pele. Elas davam voltas pelo corpo com o pedaço de lã e se olhavam no espelho, tentando
capturar ou congelar aquele momento em que saíam desenhando pelo corpo e pelo espaço,
divertindo-se, entregando-se de forma prazerosa àquele fazer.
O nosso tempo de oficina estava se esgotando mas, apesar das crianças quererem
continuar, era necessário parar para que pudéssemos retomar essa prática em outro momento.
E, no final da tarde, uma menina se aproximou perguntando se poderia levar um pedaço de lã
para casa. Eu disse que sim e, enquanto ela aguardava a sua mãe, juntou-se às outras colegas,
com as quais fez uma costura na grade da Creche.
Diante dos resultados, percebi que era preciso repetir mais vezes aquela proposta. Por
isso, no dia seguinte, montei mais uma vez a mesa da “costuração.” Além de algumas crianças
que já haviam participado da proposta no dia anterior, apareceram outras, que também ficaram
ali encantadas com o movimento da agulha com a linha. Um menino me disse: “Olha! Eu vou
fazer uma casa, uma gaivota, e uma árvore”!
As costuras não pararam por aí. Certa tarde, no pátio, uma criança se aproximou com
uma vasilha cheia de gravetos, cipós e me perguntou: “Zi podemos costurar esses gravetos”?
Eu lhe respondi que sim, e começamos a costurar, emendar aqueles gravetos com barbantes.
Logo apareceram novos adeptos à brincadeira, os quais começaram a fazer colares com os
gravetos e barbantes. Diante disso, comungo com a seguinte afirmação de Ostrower (1987, p.
39-40):
O que, portanto, se coloca aqui é que, para poder ser criativa, a imaginação
necessita identificar-se com a materialidade. Criará em afinidade empatia com
ela, na linguagem especifica de cada fazer. Mas sempre conta a visão global de
um indivíduo, a perspectiva que ele tenha no amplo fenômeno que é o humano,
o seu humanismo. São seus valores de vida que dão a medida para seu pensar e
fazer. Einstein, o gênio da física, também tocava violino e fazia filosofia.
Depois da “costura sem agulha”, da “costuração” e de tantas outras brincadeiras que
surgiram, foi a vez do fazer dos adultos da creche com as costuras: os desenhos das crianças,
em pequenos quadros de tecido cru, foram unidos e formaram uma toalha de mesa usada para
celebrar os aniversários das crianças.
3 Termo usado na Região de São Paulo, especialmente no Grande ABC, para definir uma pipa feita com
jornal, sem varetas, apenas papel e linha.
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Arrematando sem nó
“Costuro fixamente - ponto por ponto, buraco por buraco, furo por furo -
independente do material e forma adquirida. A ação é imperativa sobre o terreno
da visibilidade (linhas de costura).”
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sujeitos capazes de promover a sua própria transformação. Com isso, pude aprender o poder da
organização, da atenção e da preparação pessoal, pois ser professor é um ato de entrega, em que
a compreensão, a sensibilidade, o cuidado, o carinho, o amor, a generosidade e a reciprocidade
são aprendidos e compartilhados desde cedo, com e na Ed. Infantil.
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Referências bibliográficas
____________. Disegno. Desenho. Desígnio. – São Paulo: Senac São Paulo, 2007.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Editora Vozes. RJ. 187p. 1977.
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Formação continuada nas vivências cotidianas de professoras: a construção de uma
prática na perspectiva Histórico-Cultural
Em 2012, três professoras de uma Rede Municipal de Ensino são convidadas a atuar
como orientadoras pedagógicas no setor da Educação Infantil da Secretaria da Educação. O
cenário dessa experiência é composto de vinte e oito Centros de Educação Infantil e trinta
Escolas que atendem turmas de pré-escola. Com quase mil profissionais sob sua
responsabilidade, assumiram a função de orientadoras, não imaginando que essa tarefa seria tão
intensa e complexa. Tinham apenas uma vaga ideia sobre as atividades que as aguardavam.
Sabiam que haveria acompanhamento da prática pedagógica dos profissionais em seus locais
de trabalho, que deveriam organizar e oferecer cursos de formação continuada e que
responsabilizar-se-iam por orientações em relação à documentação pedagógica. Essa
experiência caracterizou-se rica e transformadora de
suas concepções e crenças a respeito do trabalho com a criança de até cinco anos.
A função de orientadoras permitiu às professoras perceberem que havia uma distância
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muito grande entre a Proposta Municipal vigente desde 2001 e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (2010). Diante disso, iniciaram um processo de leitura dos
documentos oficiais emitidos pelo Ministério da Educação e obras já conhecidas sobre
Educação Infantil no Brasil. Logo perceberam algumas incongruências e atrasos nas
concepções presentes na Proposta de 2001 em relação às DCNEI (2010).
Após uma visita a uma outra Secretaria de Educação de referência no Estado, as
orientadoras começaram a pensar que a Educação Infantil do Município estava alheia a tudo
que se discutia em relação a educação da criança pequena. A primeira providência depois da
visita foi ler a proposta pedagógica do Município visitado. Constatou-se que essa proposta
estava de acordo com as DCNEI (2010), emergindo a necessidade de iniciar uma discussão
sobre concepções de criança, infâncias e Educação Infantil.
As discussões e as reflexões das orientadoras levou-as a consultar os sites das
universidades que dispunham os trabalhos de mestrado e doutorado que foram de grande
importância para elucidar uma nova compreensão sobre a especificidade da Educação Infantil.
Entre as leituras mais significativas a que tiveram acesso e que foram responsáveis pela
formação como orientadoras estavam: Valiengo (2008); Bassan (1997); Beber (2014); Bizarro
(2010); Câmara (2006); Castro (2011); Correa (2013); Dias (2005); Trois (2012); Fochi (2013);
Gamba (2009); Gobbato (2011); Magalhães (2014); Pereira (2011); Peters (2009); Prado
(1998); Ramos (2011); Rocha (1994); Santos (2010); Schneider (2004); Silva (2007); Batista
(1998); Búfalo (1997); Canavieira (2010); Coutinho (2002); Godoi (2006); Martins Filho
(2013); Müller (2007); Nunes (2011); Richter (2005); Schmitt (2008); Vieira (2009); Martins
Guimarães (2011). A leitura desses trabalhos proporcionou contato com a Teoria Histórico-
Cultural e os conceitos defendidos por Vigotsky, Leontiev, Elkonin, Mello, Horn, Barbosa,
Kishimoto, Oliveira, Sarmento, Brougère.
Os meses finais de 2013 e os primeiros de 2014 foram dedicados à escrita dos textos
preliminares para uma nova proposta que se mostrou urgente. Ao iniciar o ano de 2014, as
orientadoras promoveram encontros para discutir concepções de criança, infâncias, Educação
Infantil, currículo e documentação pedagógica. Esse processo gerou muitas dificuldades: uma
delas foi constatar que a Rede não estava inteirada da urgência da necessidade de conhecer e
colocar em prática as orientações provenientes das DCNEI
(2010). Enquanto as orientadoras acessavam a Teoria Histórico-Cultural, avançando na
compreensão de como a criança aprende, seus/suas colegas, por inúmeros fatores, muitos deles
justificados na pesquisa de Magalhães (2014), interpretavam equivocadamente a proposição de
repensar as práticas vigentes à luz da Teoria Histórico-Cultural. A recusa foi fortemente
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percebida, dificultando o trabalho de refletir com o grupo a relação teoria e prática.
A cada texto escrito para a nova proposta organizava-se um encontro de formação
continuada para submetê-lo à discussão e crítica. Esses textos objetivavam também uma
transformação das práticas observadas durante as visitas de acompanhamento das professoras
nos Centros Municipais de Educação Infantil. Enquanto a proposta, como texto, ia avançando
e a compreensão da Teoria pelas orientadoras se ampliando, os/as profissionais continuavam a
questionar a necessidade de discutir as concepções que norteavam suas práticas.
Por esse motivo, para aproximar os profissionais da Teoria Histórico-Cultural,
constituiu-se um grupo de representantes das unidades de Educação Infantil para ler e discutir
os textos que embasavam essa nova concepção. Envolvidos nesse grupo estavam os gestores
das escolas, dos Centros de Educação Infantil e os docentes, que tinham como compromisso
disseminar, divulgar e envolver os/as profissionais das instituições no estudo da Teoria. Os
textos da professora Suely Amaral Mello foram imprescindíveis nessa discussão.
Apesar de se observar significativo interesse e encantamento por parte do grupo, que foi
denominado “Multiplicadores”, houve críticas de gestores/as das instituições de que o tempo
dedicado ao encontro estava por atrapalhar o bom andamento do trabalho dos Centros e das
Escolas. As orientadoras, longe de concordarem com essa ideia, estavam cada vez mais
convencidas de que os/as professores/as têm como compromisso tornar a leitura e a escrita
prática incorporada ao seu cotidiano.
Finalizada a escrita dos textos que compunham a nova Proposta Curricular para
Educação Infantil, ela foi apresentada e encaminhada para análise do Conselho Municipal da
Educação e à Câmara de Vereadores e divulgada ao público com a possibilidade de receber
contribuições.
Apesar desse movimento, a proposta recebeu pouca atenção dos/as profissionais, que
apresentaram grande resistência à reflexão, a repensar suas práticas e ao conhecimento do texto,
contribuindo para a desvalorização de todo o processo vivido. Assim, no mês de abril deste ano,
a Proposta Curricular foi retirada da plenária do
Conselho de Educação e as orientadoras retornaram para suas instituições de origem,
para exercerem a função de professoras novamente. Apesar de o documento não ter sido adotado
como uma Diretriz Municipal, ele subsidia a prática das autoras, que atualmente trabalham com
crianças de até três anos e estão convencidas de que é possível e urgente um olhar sobre a
criança como sujeito de direitos e protagonista de sua história.
Apesar da sensibilização de alguns profissionais que incorporaram mudanças em sua
prática pedagógica, as orientadoras, ao retornarem aos seus locais de trabalho, confirmaram que
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ainda há desconhecimento e desvalorização da brincadeira, como principal atividade por meio
da qual a criança aprende e se humaniza; das interações entre crianças de diferentes idades e
entre adultos e crianças como condição para que aconteça o processo de humanização; do
espaço, que ao ser pensado e planejado, cumpre o papel de “terceiro educador” e as diferentes
linguagens, que aproximam as crianças do patrimônio cultural, científico, tecnológico e
ambiental da humanidade. Esses conceitos passam a ser explicitados a seguir, uma vez que
nortearam o processo de formação continuada dos profissionais e na construção da proposta.
A brincadeira é a atividade principal e mais séria que a criança realiza e o seu
reconhecimento é um marco histórico para a constituição e a orientação das práticas
pedagógicas dos/as profissionais. Segundo Prado (1998), a cultura da criança é reconhecida no
espaço da brincadeira. A Educação Infantil deve garantir o tempo de se viver a infância, não
furtando da criança o direito à brincadeira, ao lúdico, como respeito à sua cultura.
É consenso entre os teóricos da psicologia, Vigotsky, Leontiev e Elkonin que a
brincadeira é uma atividade social e cultural comum às crianças de todo o mundo e que contribui
para o seu desenvolvimento (SILVA, 2007, p. 31). As pesquisas desses teóricos garantem: a
brincadeira é elemento humanizador para a criança.
Para Vigotsky, a brincadeira é a atividade típica que torna as crianças seres humanos
dotados das capacidades próprias da espécie, desenvolvidas socialmente, em contato com a
cultura, produzindo-a e sendo produzidas por ela.
Kishimoto (2010) enfatiza que a criança representa aspectos do seu cotidiano enquanto
brinca e estes comunicam a compreensão que ela possui das relações sociais em seu contexto.
A brincadeira é de tal forma importante que as crianças em seu brincar, com o uso da
imaginação, interpretam a realidade segundo uma lógica peculiar e própria da infância, que é
distinta da lógica adulta e que caracteriza a cultura de grupo de crianças.
A brincadeira, apesar de quase um século de pesquisas a favor, tem fortes indícios de
que é diferente para crianças e adultos. “O brincar suscita nas pessoas sentimentos, às vezes
contraditórios, de prazer e preocupação, decorrentes de indagações sobre o real significado da
brincadeira na vida das crianças” (ROCHA, 1994). Brougère (citado por PETERS, 2009, p. 31)
“[…] adverte sobre a atitude contraditória de pais e educadores de destacarem o valor educativo
da brincadeira ao mesmo tempo em que tentam transformá-la para que fique de acordo com
suas expectativas. […] isso mostra os limites de suas crenças no seu valor educativo”. Pode-se
afirmar que a maioria dos educadores não concebe a brincadeira como atividade que dá
identidade à infância.
Implícita está a ideia de que o exercício da docência, mesmo na Educação Infantil, faz-
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se pelo controle e encaminhamento da maior parte das atividades às crianças e que a brincadeira
não representa ser importante, pois grande parte dos/as profissionais acredita que brincar serve
para gastar energia, para desafogo, uma vez que se desconhece sua participação na constituição
da humanidade dos sujeitos. Por isso, cotidianamente é preciso sair em defesa da criança e ao
seu direito de brincar.
Na produção do currículo para a Educação Infantil não há prescrição antecipada de
conteúdos ou ações, a não ser as interações entre educadores e crianças previstas nas práticas
pedagógicas dos docentes. A concepção de infância, criança e Educação Infantil do/a
educador/a é o que determina sua prática, conforme as palavras de Martins Guimarães (2011,
p. 53) “[...] o trabalho pedagógico que se realiza é o produto de como se concebe que os bebês
e crianças bem pequenas sejam”.
O brincar pode ser indicado como a atividade principal da criança, pois nessa fase do
desenvolvimento humano é que ocorrem as principais mudanças nos processos psíquicos e nos
traços de personalidade do indivíduo. Viver a infância significa, entre outras coisas, brincar,
jogar, fantasiar, imitar, internalizar, socializar, exercitar-se como ser social (NUNES, 2011, p.
47).
Como práticas educativas, as interações articulam o protagonismo de crianças e adultos
através de encontros, pois quando a criança chega ao espaço de Educação Infantil seu universo
se amplia e as interações se intensificam. Por isso, o/a professor/a deve privilegiar os momentos
de interação criança/adulto, criança/criança, criança/ espaço dentro dos espaços de Educação
Infantil, prevendo-os no planejamento. O desconhecimento do valor das interações para a
aprendizagem e a formação das funções psicológicas superiores leva ao que se tem observado
atualmente: falta de compreensão sobre a importância de oferecer momentos de encontro entre
os protagonistas – crianças e adultos.
Uma criança, ao nascer, ainda não adquiriu os conceitos culturais próprios da
humanidade. Para ela saber que o telefone serve para comunicar-se com outra pessoa, alguém
mais experiente deve apresentá-lo a ela. E esse exercício dá-se pelas interações sociais, que
articulam o cotidiano e possibilitam a construção de conceitos por parte da criança. Essa linha
de pensamento é defendida por Oliveira (2011), que busca em Vigotsky o entendimento de que
tudo é social e que “[…] toda função psicológica superior manifesta-se, primeiro, em uma
situação interpessoal e depois em uma situação intrapessoal”, ou seja, os conceitos culturais do
meio em que estamos inseridos primeiro nos são apresentados socialmente e depois são
internalizados pelo sujeito.
A organização do espaço é, em grande medida, uma forma de prever como os processos
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de desenvolvimento das crianças vão acontecer sob os cuidados dos/as profissionais da
educação. Os espaços destinados à Educação Infantil recebem, por sua vez, uma atenção
diferenciada, já que a Teoria Histórico-Cultural atribui grande importância aos objetos culturais
como mediadores em potencial para o processo de humanização. Os educadores mostram suas
concepções através do arranjo espacial e o papel que ocupa a criança no processo educativo. É
elemento pedagógico na educação da primeira infância porque é nele que se materializarão as
experiências das quais as crianças vão tomar parte, onde o/a professor/a disporá às crianças
parte dos objetos que ele/ela considera importante elas conhecerem nessa etapa de suas vidas,
sinalizando quais concepções a respeito de educação e desenvolvimento organizam sua prática.
Dessa forma, dois aspectos resultam dessa interação: a construção da autonomia da criança pelo
acesso que ela tem aos materiais e a manifestação das diferentes linguagens que serão
construídas durante as interações com eles.
“O espaço é um educador formado pela ação humana, consciente ou não, que vai
circunscrevendo nele suas concepções a respeito das crianças e seu papel e das relações ali
vivenciadas” (SCHMITT, 2008, p. 125). Como quer Horn (2004), há uma mudança de
paradigma importante: passa-se da centralidade de atuação do professor, a um protagonismo da
criança, regido pelos brinquedos, móveis e objetos planejadamente colocados para o seu desafio
e para a sua interação.
O planejamento sistemático e intencional do/a professor/a concentrar-se-á nessas ações
e esse fazer pedagógico permitirá que a criança execute ações sem o auxílio do adulto, pois leva
em consideração o que a criança deseja e necessita, bem como suas potencialidades.
É preciso reconhecer que, ao contrário do que tradicionalmente se preconizou como
processo educativo, tendo o adulto como único detentor de saberes e conhecimentos a serem
transmitidos às gerações mais jovens, a interação com o espaço na Educação Infantil requer
mudança de atitude frente ao protagonismo desse terceiro educador.
A presença das crianças pequenas e dos adultos nos vários espaços de Educação Infantil
apresenta-se ainda timidamente, longe de ser exemplar e tampouco planejada com
intencionalidade. Ainda é comum entre os educadores a pouca crença de que o espaço ocupe
um lugar tão importante quanto afirmam as pesquisas em educação nos últimos vinte anos.
Ignora-se com facilidade que existe uma multiplicidade de acontecimentos que se dão nos
espaços das instituições educativas e que não são vistos como aprendizagem.
Muitas práticas denunciam a exclusividade de uso do espaço interno em detrimento do
espaço externo, pois este significa ausência de controle e possível contaminação. Por isso a
organização do ambiente constitui-se em uma parte irrenunciável do projeto educacional de
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uma instituição. Os espaços internos são exclusivos para a realização de “atividades
pedagógicas” e os externos para “recreação”, destituídos de grande valor para a aprendizagem
das crianças.
A maioria das concepções ainda vigentes percebidas nas instituições de Educação
Infantil desse município denotam a perspectiva da pedagogia tradicional. Ela coloca o/a
professor/a como centro do processo da aprendizagem e do desenvolvimento da criança e de
quem devem emanar todas as proposições e ações a serem realizadas por ela. O espaço deveria
funcionar para promover as interações entre crianças e adultos, porém, “A organização dos
espaços na educação infantil, em muitas realidades, sofre ainda influências advindas das várias
identidades que, ao longo de sua trajetória, foram sendo construídas, as quais vão desde o
assistencialismo até o espelhamento na escola de ensino fundamental” (HORN, 2004).
Em suma, na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, a organização do espaço objetiva
proporcionar amplas oportunidades de aprendizagem e interações sociais. O espaço da sala é
pensado tendo em vista o arranjo da mobília, dos brinquedos e outros materiais para que as
crianças se relacionem umas com as outras, com os adultos, com os objetos e os brinquedos,
podendo, assim, vivenciar diferentes experiências. O adulto é o mediador da relação da criança
com o mundo, no entanto essa mediação não precisa ser sempre direta e presencial: quando o
adulto pensa o espaço como um estímulo ao desenvolvimento da criança, já fará essa mediação,
e não precisará estar presente imediatamente na atividade que a criança desenvolve.
A composição do currículo da Educação Infantil preconiza que as crianças tenham
experiências de aprendizagem nas diferentes linguagens. As linguagens são a vivência de
experiências de aprendizagem através de emoções, sentimentos, pensamentos e ações e
possibilitam que a criança possa conhecer a si e ao mundo; expressar-se por imagens, canções,
música, teatro, dança, movimento, língua escrita e falada; conhecer o mundo através da
natureza, da sociedade; construir seu protagonismo por meio da linguagem matemática e da
linguagem da brincadeira. As linguagens se destacam por aromas, sons, cores, formas, texturas,
gestos, choros e tantas outras manifestações culturais (HORN, 2004). Crianças brincam juntas
e individualmente, dominam diversas linguagens por meio das quais aprendem a se relacionar
e se interessam pelas coisas, desde a natureza até o que envolve os inúmeros aspectos da vida.
O currículo da Educação Infantil se materializa através das interações, da brincadeira e
das múltiplas linguagens (plástica, gráfica, escrita, oral, corporal, matemática, musical…). Mas
para oferecer experiências por meio dessas linguagens é preciso conhecer como elas se
apresentam. As linguagens são percebidas não fragmentadas nas crianças, desenvolvendo-se de
forma integral. Portanto, uma única vivência pode expressar múltiplas linguagens.
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Considerações Finais
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Referências
BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed,
2006.
NUNES, Cristina Mônica. O ensino e o brincar na prática pedagógica dos anos iniciais:
uma leitura através das teorias de Maria Montessori e Freinet. (Dissertação de Mestrado).
Florianópolis: UFSC, 2011.
OLIVEIRA, Zilma de Morais Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. 7. ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
PETERS, L. Lira. Brincar para quê? Escola é lugar de aprender: estudo de caso de uma
264
ISSN 2448-1157
brinquedoteca no contexto escolar. (Dissertação de Mestrado). Florianópolis: UFSC, 2009.
SCHMITT, R. V. “Mas eu não falo a língua deles”: as relações sociais de bebês num contexto
de educação infantil. (Dissertação de Mestrado). Florianópolis: UFSC, 2008.
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O coordenador pedagógico como eixo da formação e desenvolvimento profissional
docente no contexto da Educação Infantil
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Outra questão que merece destaque é o contexto de atuação destes profissionais, a
Educação Infantil, o que torna o panorama de atuação singular, pois este gestor é o responsável
pela formação e encontrará na sua Unidade, diferentes sujeitos/profissionais, com
características próprias, professores com e sem experiência, diversas faixas etárias, diferentes
concepções, histórias de vida, níveis de compreensão distintos, sobre o que seja o trabalho com
a infância, profissionais muito comprometidos, outros nem tanto, os abertos as mudanças,
outros mais resistentes, os reflexivos e os que precisam de mais investimentos e apoio.
A este respeito Hargreaves (1994, p.185) esclarece:
A complexidade das variáveis que estão presentes nesta atuação definirão boa parte
das estratégias (FULLAN, 2003) e tomadas de decisão por parte deste profissional.
Sendo assim o papel do coordenador se torna um desafio diante das questões
imbricadas em sua função e nas relações estabelecidas na sua atuação como profissional e nos
desdobramentos que serão desencadeados a partir da sua intervenção na formação docente.
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O coordenador pedagógico, por sua vez, é um profissional que também foi formado
pela universidade com os mesmos conhecimentos do professor e percebe que o lugar ocupado
por ele, no momento em que deixa a função de professor para assumir a de coordenador, exige
uma disposição e um apanhado de conhecimentos que não necessariamente estão somente na
prática, no fazer do trabalho cotidiano, percebe assim que sua função é muito mais complexa.
Exige um olhar atento, um leque de conhecimentos específicos, que possam o ajudar a
maximizar a dinâmica dos envolvidos (professores e crianças), do que é proposto
(desenvolvimento das proposições com as crianças) e da formação e desenvolvimento
profissional da equipe como um todo.
Toda essa engrenagem multifacetada coloca este papel como crucial dentro da
instituição, torna-se uma peça chave para que haja confronto e reflexão crítica para além do
trivial.
Alguns profissionais ainda não conseguiram vislumbrar a função de coordenador
pedagógico como atuante nestes aspectos, a fim de potencializar os momentos de formação,
como aquele que tece, dentro de um apanhado de variáveis, questionamentos que estão
imbricados no cotidiano do professor, das crianças, do que é feito, a luz de uma base teórica
sólida.
Este profissional conseguirá ter clareza do que é necessário e de como deve ser sua
atuação se elaborar um panorama de ações reais que possam balizar toda a sua ação individual
com cada profissional e ao mesmo tempo coletivamente.
Se o coordenador não se munir de um repertório para a sua própria formação, ficará
muito difícil conseguir efetivamente mexer nas bases que estão alicerçadas a prática do
professor, e assim conseqüentemente, desestabilizar algumas estruturas que podem contribuir
para a formação dele e de todo coletivo. (FULLAN, 2003)
Na Prefeitura do Município de São Paulo os professores dos Centros de Educação
Infantil (CEIs), responsáveis pela faixa etária do zero aos três anos, têm destinados para sua
formação uma hora (60 min.) coletivamente três vezes por semana e duas horas individuais, o
que claramente mostra-se insuficiente e dificulta o trabalho do coordenador.
Sabemos que esses profissionais são os que mais precisariam de um olhar e apoio para
a sua formação, devido à superficialidade com que foi explorada esta faixa etária em contextos
coletivos na formação inicial. Além disso, hoje estão emergentes recentes discussões e estudos
do potencial nesta idade e o papel do professor da pequena infância, a fim de se desvencilhar
de uma herança assistencialista e engessada.
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Já os professores das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) responsáveis
pelos de 4 e 5 anos, possuem 11 horas/aula (45 min.), onde 8h/a são coletivas e 3h/a são
individuais. Nos horários coletivos o coordenador pedagógico tem a possibilidade de propor
discussões e tematizar práticas que possam colaborar com o trabalho desenvolvido na
instituição e a reflexão dos professores. Este horário é regido e regulamentado pelos Planos
Especiais de Ação (PEAs), projetos de formação que acabam muitas vezes por formatar e não
possibilitar a real formação dos envolvidos.
A divisão entre os CEIs e as EMEIs torna-se clara quando o assunto é formação, não
só pelas faixas etárias que compõe essas unidades. As EMEIs conquistaram alguns aspectos
positivos em relação á formação o que nos CEIs além de ser recente este horário de formação é
extremamente reduzido diante das demandas.
O desenvolvimento profissional dos professores na Prefeitura de São Paulo ainda é um
desafio e somente poderá obter resultados se o plano de formação do coordenador pedagógico
estiver alicerçado em objetivos e princípios norteadores que balizem o trabalho a ser
desenvolvido e que ele esteja integrado nele. Como afirma Oliveira-Formosinho (2002, p. 104):
Estes princípios precisam ser partilhados por todos e fazerem parte de um projeto
maior, no caso o Projeto Político Pedagógico, conforme Hargreaves “o desenvolvimento de um
sentido de missão numa comunidade escolar gera lealdade, empenhamento e confiança e
constitui um poderoso estímulo para o aperfeiçoamento” (HARGREAVES, 2004, p. 183).
Sabemos que unanimidade dentro de uma instituição escolar é um tanto difícil, mas este não
pode ser um empecilho para o início de um trabalho real de formação. A clareza do papel do
coordenador e da sua função precisam estar evidentes para os envolvidos, se não o todo, mas
um grupo precisa comungar destes mesmos ideais expressos no projeto maior. (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2009)
O coordenador pedagógico juntamente com o diretor, compondo a equipe de gestão
responsável tanto pela burocracia organizacional da instituição como pedagógica, precisam
estabelecer um elo que possam compactuar dos mesmos ideais, objetivos e princípios. Caso esta
parceria não seja acordada, o trabalho além estar comprometido em seus objetivos
fundamentais, será muito difícil conseguir a adesão dos demais profissionais.
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Este projeto precisa ser delineado com intenções que sejam compartilhadas
primeiramente por aqueles que irão direcionar a implementação das ações. O discurso coeso e
coerente com o que é almejado se torna essencial para que o grupo de professores possa além
de acreditar nas propostas, serem muitas vezes, convencidos da real necessidade e importância
destas.
A instituição não conseguirá conquistar resultados positivos sem o estabelecimento de
metas e valores comuns a trilhar. Na grande maioria das vezes, serão caminhos mais longos e
até com prazos mais abertos, mas com a certeza do que se quer, mesmo com momentos de
instabilidade e até de insegurança entre os envolvidos, mas ao contrário disso estarão à mercê
de urgências, desgastes e terão a sensação de andar em círculos.
Na atuação do coordenador a gestão pedagógica precisa ser objeto fundamental de sua
ação e dos momentos de formação, sabemos que o apanhado de questões administrativas se faz
presente diariamente nas instituições (HARGREAVES, 1994; FORMOSINHO; ARAUJO,
2007), mas não se pode abandonar um imperativo em detrimento do outro. Alguns profissionais
acabam por usar questões administrativas como válvula de escape para o não enfrentamento
das reais questões que emergem dentro da instituição, o que mostra a fragilidade do sistema,
pois este também negligencia o apoio para o formador e meios que potencialize a sua própria
formação.
O formador precisa ter condições de investir tempo, custo e disponibilidade para sua
própria formação, pois também está no processo de formação enquanto profissional. Torna-se
muito difícil ou quase impossível querer fazer o que não se sabe, ou não possuir as estratégias
adequadas para a formação no caso com adultos. Como o coordenador pode
implementar a formação contínua e o desenvolvimento profissional (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2009)2na Educação Infantil sem saber como é esse contexto, quem são os
envolvidos, o que emerge e o que efetivamente é necessário?
A formação do coordenador não pode estar restrita a cursos esporádicos, dias
formativos isolados e descontextualizados da sua vivência, não serão essas mínimas ações que
darão condições e o ajudará a pensar e refletir sobre as questões da sua formação e dos seus
professores.
2
De acordo com a autora “a formação contínua e desenvolvimento profissional são perspectivas diferentes sobre a
mesma realidade que é a educação permanente dos professores num processo de ciclo de vida”. Sendo assim,
“formação contínua analisa-a mais como um processo de ensino/formação e o desenvolvimento profissional mais
como um processo de aprendizagem/crescimento”. E a autora conclui: “o desenvolvimento profissional é um
processo mais vivencial e mais integrador do que a formação contínua. Não é um processo puramente individual,
mas um processo em contexto” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p.225).
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Elencar ações no seu contexto, com e para os seus profissionais, sabendo que estes têm
as suas particularidades, com distintos grupos e faixas etárias, requer estabelecimento de metas
a curto, médio e longo prazo. Com clareza que no percurso muitas arestas terão que ser aparadas
e outras tantas questões serão suscitadas que merecerão um olhar cuidadoso.
O coordenador é aquele que busca meios, formação adequada para problematizar a
sua ação, suas certezas e possibilitar aos seus professores que busquem checar como planejam,
o que sabem, o que precisam saber, quais as indagações necessárias nas propostas realizadas, o
que se pode fazer, modos de reflexão e de reorganização do trabalho. É aquele que se mostra
disponível, a compreender, partilhar, pensar e refletir junto, balizado em teoria que sustente
essa prática, sabedor de conhecimentos pertinentes ao trabalho com crianças pequenas.
Nos momentos de formação o coordenador atua como líder do grupo (FULLAN,
2003), colaborando na reflexão sobre e na prática do professor. A supervisão destas práticas
corrobora para o desenvolvimento profissional deste professor e o auxilia a entender questões
que muitas vezes não estão presentes no seu fazer ou no que verdadeiramente pensa ser o
trabalho com crianças.
O professor tem pra si que a sua atuação naquele momento é a melhor, e muitas vezes,
é a melhor que ele pode fazer, não faz de outro modo, porque não sabe, tem intrínseco para si
que aquele “jeito” tem o melhor resultado, então acaba por não questionar e refletir sobre sua
atuação e na ação realizada. O resgate memorial e reflexivo para o professor só terá sentido se
o coordenador como par avançado e colaborador da sua ação, confrontar com ele proposições
desencadeadoras do que foi e como foi realizado. Conforme enfatiza Oliveira-Formosinho
(2002, p. 116):
O caminho da reflexão é árduo, doloroso e requer dinamismo e anseio por querer fazer
melhor, a parceria coordenador pedagógico e professor tem que almejar a discussão de práticas
profissionais, tato nas relações interpessoais e acima de tudo confiança em abrir as
possibilidades para um jogo aberto e sincero. Conforme Oliveira–Formosinho evidencia “a
prática reflexiva permite aos profissionais lidarem melhor com a incerteza profissional e apóia
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a noção de experimentação consciente e crescimento profissional contínuo”. (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2002, p. 113)
Alguns mais resistentes estarão permeando o caminho, as dificuldades e os desafios
serão cotidianos, mas quando se estabelece um contrato de ambas as partes por pensarem juntos
de uma maneira que possam respeitosamente colaborar entre si em prol do trabalho em
instituições coletivas com crianças, boa parte dos entraves já estarão superados.
O professor tem uma imagem de detentor do saber, que possui todas as respostas, que
o seu modo de pensar ou realizar é o melhor, quando este profissional se abre a possibilidade
de tentar outros modos, pensar em outras possibilidades, sair do senso comum e se colocar como
aprendiz, historiador e estudioso da sua própria prática, a formação será almejada e não imposta.
Neste aspecto os pares têm um papel importante, não somente com o coordenador o
professor poderá refletir e compor o seu cabedal de formação (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
2002), os colegas podem e devem ser parceiros produtivos e companheiros que compartilham
os mesmos anseios, propostas de trabalho, discussões, dificuldades, e assim, uns podem
colaborar efetivamente na troca de saberes com os outros. Quando o grupo percebe que pode
trocar e o quanto é produtivo haver essa troca, estabelecem-se condições propícias para a
cumplicidade, o respeito, a solidariedade, a colaboração, constitui uma maturidade entre os
integrantes que potencializa o intercâmbio de saberes.
Na rede percebemos professores com práticas exitosas, comprometidos com seus
estudos, que desenvolvem o trabalho com dinamismo e com uma coerente fundamentação
teórica e pedagógica, mas que não revela o contexto da Unidade Educacional como um todo.
São ações que não foram trabalhadas enquanto grupo de um coletivo profissional em formação,
ou pequenos grupos ou pares que debatem suas práticas, e estas fazem parte de um projeto
maior. Tornam-se práticas isoladas (HARGREAVES, 1994), de professores bem
intencionados, que acabam buscando outros meios para refletir e subsidiar a sua prática
pedagógica, pois não encontram este espaço em seus contextos de atuação.
Segundo Oliveira-Formosinho (2002, p. 115):
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A Educação Infantil apresenta um cotidiano imbricado em ações onde as crianças são
o foco maior. Dentro de um mesmo grupo de professores teremos várias concepções de infância
e criança, se não há princípios norteadores entre as concepções e as práticas, tudo será realizado
de maneira improvisada e descontextualizada.
Este entrave impossibilita a criação de mecanismos de produção de documentação
pedagógica, uma ferramenta essencial para a formação e reflexão tanto do processo formativo
em si como da prática realizada com as crianças. Sem este material o professor terá dificuldades
de perceber como as crianças observam, realizam, interferem, trocam, falam e interagem diante
das propostas, perdem-se elementos fundamentais de captação teórica, metodológica e didática.
O ser coordenador pedagógico neste contexto requer que o seu fazer como formador
possua conhecimentos e saberes que possibilitem, a partir da documentação pedagógica
produzida, elencar estratégias formativas propulsoras que alavanquem o fazer e o refletir do
professor para que assim haja o desenvolvimento profissional com perceptibilidade do que seja
ser um professor da infância.
A partir deste ponto de vista o objetivo seria que toda a comunidade educativa se visse
e pudesse assim tornar-se aprendente a partir das suas próprias práticas dentro do seu contexto
atuação. Diante disso podemos falar em desenvolvimento profissional (OLIVEIRA-
FORMOSINHO, 2009).
A rede como um todo não propicia elementos que possibilitem esse olhar amplo para
questões cotidianas e suas práticas, e muitas vezes, impede que proposições assim aconteçam,
seja na burocracia excessiva, na infraestrutura comprometida, horários fragmentados, formação
formatada e engessada, pouco tempo efetivo para reflexão crítica e embasada no próprio
cotidiano, muitas crianças por educador, etc.
Os coordenadores se sentem sugados por tantas demandas e os professores percebem
as fragilidades e muitos se apóiam nestas condições para se tornarem resistentes a qualquer tipo
de mudança (FULLAN, 2003).
A formação proporcionada pelos órgãos centrais na maioria das vezes não atinge o
cerne das questões, pois se tornam “pacotes” de ações, programas e temáticas que devem ser
trabalhadas nas escolas pelos professores, e estes se vêem no papel passivo, meramente técnico
em sua atuação de reprodutor de algo pensado por outro. (ZEICHNER, 2008)
O desafio é compreender que apesar de todas essas variáveis e dificuldades torna-se
urgente questionar algumas práticas herdadas e cristalizadas em organizações que sufocam e
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pouco contribuem para o desenvolvimento profissional tanto do coordenador como do
professor.
Considerações Finais
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Referências
FULLAN, M. Liderar numa cultura de mudança. Porto/PT. Edições ASA. 2003. P. 39-56
HARGREAVES, A. Os professores em tempos de mudanças – o trabalho e a cultura dos
professores na Idade pós-moderna. Lisboa. Mc Graw Hill. 1994. P. 107-130.
ZEICHNER, K. M., Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na
formação docente. Educação e Sociedade. Campinas. Vol. 29, nº 103. Mai-ago/2008. P. 535-
554. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
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OS DOCUMENTOS OFICIAIS, A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A EDUCAÇÃO
INFANTIL NO BRASIL
Resumo
Este artigo almeja discutir documentos oficiais produzidos entre os anos de 1970 e 2010
analisando as ideias que apresentadas no tocante a políticas públicas sobre Educação Infantil,
assim como a abordagem matemática preconizada em cada contexto e as concepções de
Infância e Educação predominantes em cada período. Embasadas no aporte teórico
(ABRAMOWICS, 2003; ARROYO, 1995; ARIÉS, 1981; KUHLMANN, 1998) concluímos
que a complexidade, a singularidade e a permanente construção dos conceitos de Infância e
Educação devem ser continuamente ampliados e alterados nos documentos oficiais com a
contribuição de várias áreas do conhecimento para que, no contexto dos conteúdos de
matemática vivenciados pelas crianças de zero a seis anos, as ações educativas não sejam
consideradas apenas “compensação de carências” ou “etapa de preparação” da criança para o
Ensino Fundamental, uma vez que deve possibilitar definitivamente à criança viver sua infância
e se desenvolver plena e integralmente.
Introdução
1
Mestre em Educação e Coordenadora Pedagógica da Unidade de Atendimento à Criança da Universidade Federal
de São Carlos (UAC/UFSCar).
1
Doutora em Educação e Docente do Departamento de Metodologia e Ensino da Universidade Federal de São
Carlos (DME/UFSCar).
2
ROCHA, M.J.S. Saberes Docentes: vozes de professores da infância sobre a educação matemática para
crianças, 2014.112f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos
2014.
276
ISSN 2448-1157
Na ocasião, o objeto de estudo da pesquisa de mestrado estava relacionado aos saberes
dos professores manifestos no momento em que participavam da ACIEPE de modo que a
investigação centrou-se nos saberes dos professores/docentes no momento em que analisavam
e elaboravam vivências matemáticas para crianças de 3 a 6 anos.
A análise dos saberes dos docentes realizou-se a partir de categorias elaboradas por
Tardif (2008), que apresenta um modelo tipológico de classificação e identificação dos saberes
dos professores, sendo que os resultados da pesquisa indicaram, no contexto da formação
continuada, que as narrativas orais dos professores estão permeadas de saberes individuais e
coletivos que se entrelaçam a todo momento e dentre os quais estão os saberes pessoais –
provenientes da formação escolar anterior à formação profissional para o magistério –, bem
como saberes provenientes de programas oficiais e livros didáticos usados no trabalho do
professor, ambos os saberes integrando o conjunto de saberes da experiência profissional.
Esse entrelaçamento de saberes individuais e coletivos motivou-nos, então, a consultar
os currículos ou modelos pedagógicos que orientavam as ações dos professores em seu dia a
dia no que diz respeito às vivências matemáticas. Ao desenvolvermos a pesquisa, outras
questões nos chamaram a atenção como, por exemplo, tentar compreender o propósito e o
contexto em que se deram as mudanças dos saberes desses docentes em relação às metodologias
indicadas nas propostas curriculares da educação infantil.
O presente artigo visa discutir, portanto, as recomendações que constam nos
documentos oficiais, dentre eles os modelos, os subsídios e as propostas curriculares referentes
ao ensino de matemática na educação infantil.
Há de se considerar que a presença dos conhecimentos relacionados à Educação
Matemática está presente nos programas oficiais, de modo que, inicialmente, faremos uma
apresentação do que consideramos como a articulação entre a Educação Matemática e a
Educação Infantil, indicada nos documentos que analisamos, apreciando as décadas que
correspondem ao período de 1970 a 2010. Em seguida faremos considerações a respeito da
relação Infância e Educação considerando-se que os documentos consultados mostram que, ao
longo da história da Educação Infantil, muitos foram os significados em voga para os conceitos
de Infância e Educação, estando suas definições pensadas e colocadas em prática conforme a
época e os contextos histórico, social e cultural do país.
277
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3. A articulação entre a Educação Matemática e a Educação Infantil nos programas
oficiais
278
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educacional que pressupunha a descentralização e
a participação democrática.
Logo, atender às reivindicações da
comunidade a partir do conhecimento local
tornou-se compromisso do Estado no sentido de
ultrapassar os limites meramente assistenciais
para pôr em prática um trabalho fundamental
para o desenvolvimento da criança de modo que,
nesta perspectiva, a Pré-escola tem como função
pedagógica propiciar ao aluno vivências
desafiadoras respeitando seu desenvolvimento.
Para o professor era fundamental o conhecimento
teórico e a reflexão sobre a relação entre a teoria
e a prática para melhor orientar sua ação
pedagógica.
Na década de 1990 a política para a Educação
Infantil (BRASIL, 1994a) reafirmava o
reconhecimento de que a Educação infantil,
destinada às crianças de zero a seis anos, era a
primeira etapa da Educação Básica, indispensável
à construção da cidadania traduzindo, assim, a
O conhecimento lógico-matemático só se
consciência social sobre o significado da infância
constitui e adquire uma estrutura de conjunto em
e o direito à educação da criança em seus
função de certo exercício não verbal, mas
1990 primeiros anos de vida.
essencialmente ativo da criança sobre o meio.
Paralelamente, diversas ações de capacitação
Dessa forma ela, a criança, estrutura suas noções
de recursos humanos, a nível central e regional,
de espaço e causalidade demandando, então, a
procuravam levar o professor a refletir sobre sua
necessidade de uma representação lógica, física e
prática pedagógica (SÃO PAULO, 1990), de
histórica de seus conhecimentos.
modo que era imprescindível compreender como
ocorria a aquisição do conhecimento pelas
crianças e quais eram os passos dados na
construção desse conhecimento.
Segundo estudos de Kramer, Nunes e
Carvalho (2013), a política para a educação
infantil indicava, no final do século XX e início
do século XXI, mudanças na função social,
política e pedagógica das instituições de
educação e cuidado das crianças de zero a cinco
O objeto de conhecimento da Matemática
anos, bem como na concepção de criança e de
para as crianças deveria acontecer pela exploração
infância, na ideia de desenvolvimento infantil e,
de situações-problema. O que se pretendia não era
por conseguinte, nas concepções didáticas para os
aplicar o que já se sabia, mas sim possibilitar
processos educativos nas creches e pré-escolas.
novos conhecimentos a partir dos conhecimentos
O marco dessas mudanças estava
que estavam em interação a partir de novos
representado nas Diretrizes Curriculares
2000 desafios, o que ocorria durante o convívio social e Nacionais para Educação Infantil (BRASIL,
279
ISSN 2448-1157
o contato das crianças com histórias, contos,
1999), aprovadas pelo Conselho Nacional de
música, jogos, brincadeiras etc. Essas situações
Educação em 1999 e revistas em 2009. Em uma
deveriam proporcionar momentos onde a criança
fase transitória da creche e pré-escola na busca
recitaria a seu modo a sequência numérica, faria
por uma ação integrada que incorporasse às
comparações entre quantidades e entre noções
atividades educativas os cuidados essenciais das
numéricas e deveria localizar-se espacialmente.
crianças e suas brincadeiras, apontavam-se metas
de qualidade que contribuíram para que as
crianças tivessem desenvolvimento integral de
suas identidades, de forma que fossem capazes de
crescer como cidadãos cujos direitos à infância
seriam reconhecidos.
As crianças e o conhecimento matemático: A Educação Infantil vive hoje um intenso
2010
experiências de exploração e ampliação de processo de revisão de concepções sobre a
conceitos e relações matemáticas. Segundo Brasil educação de crianças em espaços coletivos, de
(2012) A entrada do bebê no mundo matemático seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas
acontece com a imersão e experimentação do mediadoras de aprendizagens e do
bebê com o próprio corpo. Ao movimentar-se no desenvolvimento das crianças. Foram tomadas
espaço subindo, descendo, entrando e saindo; como prioritárias as discussões sobre como
balbuciando sons ao ritmo de melodias; olhando orientar o trabalho docente junto às crianças de
de cima ou de baixo, deitado, sentado, de pé; até três anos em creches e assegurar práticas
apalpando objetos de diferentes formas, texturas, junto às crianças de quatro a cinco anos que
tamanhos, espessuras etc. o bebê explora a preveriam formas de garantir a continuidade no
geometria dos objetos, espaço físico, observas as processo de aprendizagem e de desenvolvimento
diferenças de ritmos e tons musicais e assim, das crianças, sem a antecipação de conteúdos que
mergulha no mundo matemático. As crianças seriam desenvolvidos no Ensino Fundamental
maiores entram neste mundo ao experimentar e (BRASIL, 2010).
representar, também, noções de quantidades,
medidas, peso e volumes. E assim, por meio da
experiência e exploração dessas vivencias
ampliam conceitos e relações matemáticas.
280
ISSN 2448-1157
Assim, a perspectiva teórica que fundamentou o ensino da matemática neste
período esteve atrelada à Teoria dos Conjuntos, principal eixo temático do Movimento
da Matemática Moderna que surgiu, segundo Fiorentini (1995), como resposta à
constatação de uma considerável defasagem entre o progresso científico da nova
sociedade industrial e o currículo escolar vigente, sobretudo nas áreas de ciências e
matemática no período pós Segunda Guerra Mundial.
Os estudos acadêmicos sobre a Infância e a Educação no decorrer das décadas
influenciaram de maneira significativa a elaboração de tais documentos oficiais, sendo
possível perceber a concretização das mudanças na maneira como os documentos as
representam. A percepção de criança, defendida pelos autores que escreveram os
documentos citados, é a de que ela deveria ser considerada enquanto um ser integral.
Desta maneira, a instituição educativa deveria admitir uma postura que compreendesse o
infante em sua totalidade, tanto do ponto de vista afetivo quanto dos pontos de vista físico
e cognitivo admitindo-o, por outro lado, como um ser em desenvolvimento e não como
um receptáculo de Pedagogias criadas por terceiros.
2. Infância e Educação
281
ISSN 2448-1157
educação e a criança foi separada do adulto, mantida à distância numa espécie de
quarentena antes de ser solta no mundo.
O número expressivo de crianças desamparadas levou o Estado e a sociedade a
criarem instituições de amparo, tais como asilos, orfanatos e a Roda dos Expostos. No
século XVIII, com as transformações econômicas, sociais e políticas ocorridas na França
e na Inglaterra, apareceram as primeiras creches com caráter assistencialista, cuja função
era afastar as crianças pobres do trabalho servil que o sistema capitalista em expansão
impunha, além de servirem como guardiãs de crianças órfãs e filhas de trabalhadores. De
acordo com Abramovay e Kramer (1991), os Jardins da Infância – criados por Froebel
nas favelas alemãs, por Montessori nas favelas Italianas, por Reabody nas americanas –
possuíam no século XIX função compensatória, de modo a suprir as carências,
deficiências culturais, linguísticas e afetivas das crianças provenientes das classes
populares.
282
ISSN 2448-1157
à exigência contida na Lei trabalhista (CLT), que dispõe sobre as instituições de creche e
demais serviços de assistência pré-escolar para os filhos dos servidores dos órgãos e
entidades da Administração Federal. Durante este período houve um crescimento
significativo dos atendimentos às crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas.
Na década de 80 do século XX um texto constitucional define claramente como
direito da criança de 0 a 6 anos de idade e dever do Estado o atendimento em creche e
pré-escola com formas concretas de não só assistir, mas educar a criança pequena. A
Infância passa a ser vista como objeto dos deveres públicos do Estado e não fica mais
circunscrita ao âmbito do direito da família, porém, mesmo assim, Arroyo (1995) mostrou
em seus estudos que, nesta década, a Infância era vista de maneira limitada como o porvir
do “futuro cidadão”, de modo que a instituição de educação infantil tinha como função
preparar a criança para um dia ser “alguém na vida”, para “ir bem” na escola etc. Para
refletir sobre esta temática apresentamos os estudos de Kuhlmann Jr. (1998), os quais – a
partir de uma interpretação histórica – indicavam que as creches e pré-escolas
assistencialistas foram concebidas e difundidas como instituições educacionais. A ideia
de pensar a Educação como o oposto da assistência fragilizou as ações educativas, pois
desconsiderou o universo cultural da criança em privilégio ao desenvolvimento cognitivo.
O jogo e o brinquedo, vistos como atividades fundamentais para as crianças, foram então
desvalorizados de modo que o modelo escolar acabou por auxiliar as práticas educativas
das crianças pequenas e o jogo e o brincar acabam sendo vistos apenas como atividade
recreativa. .
Considerando, ainda, as reflexões de Abramowicz (2003) no que diz respeito, a
saber, qual a educação infantil seria incluída no sistema de ensino, a autora mostra que as
dicotomias cuidar / educar, assistir / cuidar, assistir / educar produzidas e cultivadas
amplamente passaram a fazer parte das discussões sobre a importância desses aspectos
para o desenvolvimento da criança pequena e, ao mesmo tempo, tornaram-se meios de
significar e diferenciar os equipamentos conforme um ou outro pressuposto. Desta
maneira, não é mais possível pensar a criança, principalmente as crianças pobres, levando
em consideração a falta. Assim, nos mostra a autora que a infância tem-se constituído em
alvo de saberes e poderes que vêm sendo construídos e modificados ao longo da História
configurados enquanto categoria social.
Portanto, a criança deixa de existir em um contexto de conceitos padronizados,
estáveis e objetivos passando a ser co-construtora de conhecimento, identidade e cultura.
283
ISSN 2448-1157
Esta nova concepção vem de uma perspectiva pós-moderna que afirmar que o
conhecimento não é visto como universal, imutável e absoluto, sendo a aprendizagem:
284
ISSN 2448-1157
culturalmente, houve uma dificuldade em inseri-las numa nova cultura e a pré-escola
configurava-se como o local onde esse processo de inserção da criança poderia ocorrer,
o que talvez explique uma preocupação excessiva com o conteúdo a ser aprendido pela
criança, onde o contexto era o de expandir a educação pré-escolar atingindo, assim, as
camadas mais pobres da população para que as crianças pudessem ter acesso aos bens
culturais das classes mais abastadas como livros, brinquedos e jogos educativos etc. (SÃO
PAULO, 1979).
Outra hipótese levantada é a de que, talvez, mesmo com a intenção de não
considerar a educação infantil com a função de uma educação compensatória, a sua rápida
expansão fez com que outros fatores não fossem tão bem planejados, tais como a
formação inicial e continuada dos professores, a gestão das unidades de educação infantil,
entre outros.
Neste período, portanto, havia uma percepção de que as crianças ocupavam
posições determinadas pelas relações de poder (gênero, classe, etnia, entre outras) que
insidiam em suas especificidades culturais. Cabe-nos fazer a pergunta, será que esse
problema foi resolvido?
A nosso ver parece que não. Assim, a crítica que culminaria nas bases para as
mudanças que ocorreriam nas décadas de 80 e 90 pautava que a pré-escola necessitava
deixar de ser um local com preocupação apenas propedêutica, pois os autores defendiam
uma concepção de infância que considerasse a maneira própria da criança compreender
o mundo.
Foi no período entre as décadas de 1980 e 1990 que percebemos, então, uma
grande mudança na organização didática dos currículos para a Educação infantil,
justamente quando a sociologia e a antropologia se aliam mais fortemente à educação
infantil e os conteúdos da matemática para as crianças de 3 a 6 anos aparecem nos
programas oficias com outra roupagem, já não sendo vista como área de conhecimento
estanque e separada, mas integrada a outras áreas, o que conduziu à intensificação dos
estudos sobre a função da educação infantil a partir da especificidade da criança.
Nos anos 2000 dá-se a volta dos programas oficiais em relação à organização
didática dos currículos, ou seja, os conteúdos são elencados por faixa etária, objetivos
instrucionais e divididos por metodologia. Recomendava-se que a aprendizagem da
matemática na Educação Infantil ocorresse por meio da exploração da situação-problema,
com um sentido muito preciso. Essas situações-problema deveriam ser criteriosamente
planejadas a fim de que estivessem contextualizadas, remetendo a conhecimentos prévios
285
ISSN 2448-1157
das crianças e possibilitando a ampliação de repertórios de estratégias no que se refere à
resolução de operações, notação numérica, formas de representação e comunicação etc.,
e mostrando-se como uma necessidade que justificasse a busca por novas informações.
Consideramos que as constantes mudanças em relação ao currículo para crianças
estão atreladas às permanentes construções das concepções de Infância e Educação que,
articuladas com as políticas públicas, constroem representações do ser Criança.
Percebemos, então, que na década de 2000 várias mudanças significativas em relação a
tais considerações ocorreram como, por exemplo, as alterações quanto às construções dos
prédios para o funcionamento de creches (crianças de 0 a 3 anos) e pré-escolas (crianças
de 4 a 6 anos), que deixaram de ser edifícios separados e passaram a atender ambas as
faixas etárias em um único espaço físico, colaborando para que o cuidar e o educar
também fossem vistos de maneira integrada.
Atualmente, retomando o que apresentamos no Quadro-síntese destas mudanças
históricas, vivemos na Educação Infantil um intenso processo de revisão de concepções
sobre educação de crianças em espaços coletivos, de seleção e fortalecimento de práticas
pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças, o que nos
coloca, mais uma vez, imersos em um período de mudanças.
Considerações Finais
286
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Educação e Infância adotada. Portanto, temos a intenção de continuar nossos
estudos no sentido de investigar como atualmente os cursos de formação inicial e
continuada abordam a matemática para crianças de creche e pré-escola, no sentido de
melhor compreendermos quais as resposta destes saberes na prática dos professores com
as crianças.
287
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Referências Bibliográficas
ABRAMOVAY, M.; KRAMER, S. O rei está nu: um debate sobre as funções da pré-
escola – Educação pré-escolar: desafios e alternativas. Cadernos CEDES, Campinas/SP,
1991, v. 9, p. 27-38.
288
ISSN 2448-1157
KUHLMANN, Jr. Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto
Alegre (RS): Mediação, 1998.
289
ISSN 2448-1157
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CRECHE NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS: A ANÁLISE DO
RELATÓRIO DE GESTÃO CONSOLIDADO NO EXERCÍCIO 2014 DO
GOVERNO FEDERAL.
Formação do professor de creche é uma necessidade urgente no Brasil, mas ainda não
entrou na agenda das politicas educacionais. Esse trabalho surgiu a partir da leitura do
relatório de gestão consolidado no exercício 2014 do governo federal, disponibilizado
no site do Ministério da Educação. O objetivo foi identificar no referido relatório as
ações de formação de professores para creche realizadas por meio de programas
federais. A questões norteadora foi: diante da necessidade de formação dos profissionais
para creche existe algum programa de formação promovido pelo governo federal para
esse segmento da educação básica? A pesquisa foi basicamente bibliográfica e
documental. O governo federal não tem investido na formação dos professores de
educação infantil e, menos ainda, da creche. Os municípios tem assumido essa tarefa,
mas com muita dificuldade financeira e de pessoal para garantir a formação de
qualidade.
Palavras-chave: Formação de professores. Creche. Politica educacional.
Introdução
1
Professora da Faculdade de Tecnologia e Ciências – FCT, Departamento de Educação - Unesp, Campus
Presidente Prudente. Pedagoga. Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
da FCC/Unesp/Marília. E-mail: cinthiamagda@fct.unesp.br
2
Neste momento a qualidade das formações oferecidas pelas empresas de apostilas não está em pauta.
290
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Desde 2008, funciona, na região citada acima, o Fórum Regional Permanente de
Educação de 0 a 12 anos (Forpedi). Os 18 municípios que aderiram ao Forpedi no ano
de 2015, são unanimes em afirmar a inexistência de programas formação para os
profissionais de creche e justificam, assim, a opção do Fórum pela formação continuada
para educadores de creche desde 2011. Os representantes destes municípios apontam a
existência de muitas ações governamentais (estaduais e Federais) para a formação de
professores dos outros segmentos da educação básica, as mais citadas são: Pacto
Nacional pela Alfabetização na idade certa (Pnaic), Programa Ler e Escrever, Educação
Matemática nos Anos Iniciais (Emai), entre outros. A partir destas considerações surgiu
a intenção de verificar se esse sentimento exposto pelos participantes do Forpedi pode
ser comprovado e como o Governo Federal tem contribuído com os municípios para que
eles formem continuamente seus profissionais de creche.
O presente trabalho foi realizado por meio de pesquisa em texto de livros e
artigos que apresentam informações sobre a situação atual das creches no Brasil, no
tocante as especificidades deste segmento da educação básica e a formação de
professores. Também foram pesquisas as leis que regem a educação brasileira, em
especial a educação infantil. E foi analisado o Relatório das ações desenvolvidas pelo
Ministério da Educação – MEC, no ano de 2014, disponibilizado no site do MEC, em
maio de 2015. Portanto, foram realizadas a pesquisa bibliográfica e documental.
Para dar conta desta proposta organizamos o texto com uma analise da legislação
educacional vigente sobre a creche no Brasil. Depois foi organizada uma discussão
sobre as especificidades da creche e a necessidade de formação para os professores deste
segmento. E finalmente, apresentamos os dados do Relatório das ações desenvolvidas
pelo MEC em 2014, comprovando nossa hipótese inicial, o Governo federal não
contribuiu com a formação continuada dos profissionais de creche, colaborando com os
municípios e o sentimento dos membros do Forpedi é verdadeiro.
301
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O documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças
de zero a seis anos à Educação, apresentado pelo Ministério da Educação em 2006,
afirma que
Ao Estado, portanto, compete formular políticas, implementar programas e
viabilizar recursos que garantam à criança desenvolvimento integral e vida
plena, de forma que complemente a ação da família. Em sua breve existência,
a educação das crianças de 0 a 6 anos, como um direito, vem conquistando
cada vez mais afirmação social, prestígio político e presença permanente no
quadro educacional brasileiro (BRASIL, 2006, p. 5).
Na continuidade do texto há o reconhecimento da Educação Infantil (EI) como
etapa fundamental para a constituição do sujeito e reafirma a abrangência deste nível de
escolaridade em creche que atende crianças de 0 a 3 anos e pré-escola voltada às crianças
de 4 a 6 anos3. O texto da política nacional para a EI, ainda, menciona que
Tradicionalmente, na educação de crianças de 0 a 3 anos predominam os
cuidados em relação à saúde, à higiene e à alimentação, enquanto a educação
das crianças de 4 a 6 anos tem sido concebida e tratada como
antecipadora/preparatória para o Ensino Fundamental. Esses fatos, somados
ao modelo de “educação escolar”, explicam, em parte, algumas das
dificuldades atuais em lidar com a Educação Infantil na perspectiva da
integração de cuidados e educação em instituições de Educação Infantil e
também na continuidade com os anos iniciais do Ensino Fundamental.
(BRASIL, 2006, p. 9).
O texto oficial já apontava a existência de uma dicotomia entre o atendimento
oferecido pela creche e a pré-escola, ou seja, na creche predominava o cuidado e a
higiene e na pré-escola a ação de antecipação ou preparação para o ensino fundamental.
Essa dicotomia não está presente somente no documento, mas é uma realidade nas
escolas de EI pelo Brasil. Para além, desta dicotomia sobre o papel de cada um destes
segmentos, que foi motivo de muitos debates e pesquisas (KRAMER, 2003; ORTIZ e
CARVALHO, 2012; OLIVEIRA et al, 2009; ROSEMBERG, 2002; KRAMER, 2005;
ALVES e VERISSIMO, 2007). Há outros elementos que influenciam o processo de
construção da identidade educacional da EI no Brasil, em especial da creche.
No documento da Política Nacional de Educação Infantil de 2006, são
apresentadas as Metas de ação do Ministério da Educação (MEC) para melhoria da
qualidade da EI, são elas:
incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas
pedagógicas e curriculares;
promoção da formação e da valorização dos profissionais que atuam nas
creches e nas pré-escolas;
apoio aos sistemas de ensino municipais para assumirem sua
responsabilidade com a Educação Infantil;
criação de um sistema de informações sobre a educação da criança de 0
a 6 anos. (BRASIL, 2006, p. 10).
3
A idade de 6 (seis) anos na educação infantil foi alterada pela Lei nº 11.274/2006. BRASIL. Lei N°11.274, de 06 de
fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com
matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, 07 fevereiro 2006. 302
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Entendemos que para que essas metas se concretizem é necessária que existam
políticas públicas que garantam o aumento do investimento na EI, em especial na creche,
com foco na formação dos profissionais da creche. Muitos pesquisadores e educadores
defendam a unidade da EI, mas é impossível negar as especificidades destes dois
segmentos. As crianças da creche são diferentes das crianças da pré-escola, do ponto de
vista das capacidades cognitivas, mas não do direito a qualidade de educação.
Durante muitos anos os bebês foram descritos e definidos principalmente por
suas fragilidades, suas incapacidades e sua imaturidade. Porém, nos últimos
tempos, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras capacidades dos bebês.
Temos cada vez um maior conhecimento acerca da complexidade da sua
herança genética, dos seus reflexos, das suas competências sensoriais e, para
além das suas capacidades orgânicas, aprendemos que os bebês também são
pessoas potentes no campo das relações sociais e da cognição. Os bebês
possuem um corpo onde afeto, intelecto e motricidade estão profundamente
conectados e é a forma particular como estes elementos se articulam que vão
definindo as singularidades de cada indivíduo ao longo de sua história. Cada
bebê possui um ritmo pessoal, uma forma de ser e de se comunicar.
(BARBOSA, 2010, p. 2).
Desta forma, defendemos que o profissional de creche carece de uma formação
que comtemple essas especificidades. Para que o professor da creche trabalhe e
desenvolva esse bebê que é competente, poderoso, potente e criativo, segundo Rinaldi
(1999), ele precisa de conhecimentos sobre as formas de aprendizagens desta faixa
etária, sobre o respeito as necessidades afetivas, sociais, culturais e motoras dos bebês,
reconhecendo-os como sujeitos da história e de direito e produtores de cultura.
Diante do exposto, percebemos uma contradição, pois as pesquisas tem mostrado
que os profissionais que atuam nas creches ainda mantém práticas oriundas da
concepção assistencialista, isso deve-se ao fato de que os cursos de graduação de
formação de professores, ainda não incorporaram os conceitos e práticas voltadas aos
bebês. Frequentemente os professores formados em nível superior se negam a atuarem
nas creches, mas se não há outra alternativa, trabalham nesse segmento descontentes,
com um forte sentimento de desvalorização e desprestígio profissional. Essa situação
tem sido constatada por meio de vários trabalhos de extensão universitária que vem
sendo desenvolvidos ao longo dos últimos dois anos4
Observa-se que a preocupação é maior para a formação do professor que atua
com crianças de 0 a 3 anos, pois as teorias e práticas acerca dessa faixa etária
ainda são pouco difundidas nos cursos de formação inicial, uma vez que essa
etapa da educação passou a ser incorporada recentemente como educação
básica. Assim ainda são poucas as publicações no campo educacional da
Pedagogia direcionadas aos bebês e crianças pequenas em ambientes
coletivos. (SANTOS; HADDAD, 2010, p. 6)
4Projeto de extensão - Curso de Difusão de Conhecimento: “A educação na Creche (0 a 3 anos): fundamentação teórica e práticas”,
desenvolvido em 2014. Projeto de extensão - Curso de Difusão de Conhecimento: “A educação na Creche (0 a 3 anos): relacionando
teoria e prática” e “Qualidade na educação infantil: construindo a cultura da avaliação”, ambos em desenvolvimento no ano de 2015.
Projeto de Extensão “Qualidade na Educação Infantil: uma construção a partir da realidade”, em desenvolvimento. E pelo projeto do
Núcleo de Ensino “Currículo Emergente e Documentação Pedagógica: instrumentos pedagógicos para tornar visível o trabalho da
303
escola de educação infantil”, ainda em desenvolvimento.
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Percebemos que em virtude do exposto, a prática desenvolvida com os bebês nas
instituições não difere das práticas desenvolvidas no interior das famílias, entretanto o
atendimento oferecido na creche deve ser diferente. O trabalho da creche deve estar
pautado em uma concepção educacional, que garanta ao individuo o apoio afetivo,
psíquico, cognitivo e psicomotor e da linguagem necessário ao desenvolvimento pleno
do ser humano. Todavia, no Brasil, considerando o histórico assistencial da creche
constata-se que, na prática de seu atendimento, as trabalhadoras de creches veem o
cuidado com a criança como algo que não demanda habilidade ou conhecimentos
específicos, de menor valor e subsidiário em relação a educação, levando em conta o
“instinto maternal” e natural das mulheres (ALVES; VERISSIMO, 2007, p. 15).
Esse cenário indica que o profissional para atuar na creche precisa ter uma
formação ampla e sólida, que atenda as especificidades educacionais desta faixa etária,
mas quando investigamos nos programas e ações, implementadas pelo governo federal,
propostas que contribuíam para a formação dos profissionais de educação infantil, em
especial da creche, verifica-se a inexistência destas ações. Apesar da indicação desta
necessidade no documento que apresenta a Política Nacional de Educação Infantil
efetivamente essas ações não acontecem. Essa afirmação é legitimada pelo Relatório de
Gestão consolidado no Exercício 20145. No referido relatório as ações desenvolvidas
pelo Ministério da Educação – MEC, no ano de 2014, são:
São demandantes dos serviços de atendimento ao cidadão as Secretarias do
MEC: SAA, SASE, SEB, SECADI, SERES, SESu e SETEC; e as
Autarquias: CAPES, FNDE e INEP.
As principais informações prestadas são referentes a:
- Programa Ciências sem Fronteiras;
- ENEM, ENADE, CENSO e demais avaliações;
- FIES e demais programas do FNDE;
- SISU, PROUNI e demais assuntos da Educação Superior;
- Regulação e supervisão da Educação Superior;
- Pró-Jovem e demais programas da Secretaria de Educação
- Continuada, Alfabetização,
- Diversidade e Inclusão;
- Programas da Secretaria de Educação Básica;
- CAPES mestrado, doutorado e Plataforma Freire; e
- PRONATEC e demais programas da Secretaria de Educação
- Profissional e Tecnológica.
Sabemos que, segundo da LDB nº 9394/96, o município é o principal
responsável pela educação infantil em todos os sentidos, mas os governos municipais
não tem conseguido atender todas as demandas de atendimento as crianças pequenas e
menos ainda, conseguem prover a formação continuada dos professores de creche e pré-
escola. Os gestores dos municípios de pequeno porte têm sentido muito essa dificuldade
5
Relatório disponível no site do MEC, na sessão da Secretaria de Educação Básica. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12492&Itemid=811>. Acesso em: 25 jul.2015.
304
ISSN 2448-1157
e necessitam de apoio, ou suplementação como prevê a legislação vigente. Com a
implementação da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que altera a LDB 9394/96, e
amplia a obrigatoriedade da educação básica iniciando aos 4 anos até os 17 anos, ou
seja, da educação infantil (pré-escola) ao ensino médio, existe a preocupação que a
creche fique mais desamparada por não se tratar da escolaridade obrigatória.
No relatório as creches e pré-escolas são mencionadas no tópico sobre
planejamento orçamentário e os resultados obtidos, dentro de um projeto desenvolvido
com objetivo de
Elevar o atendimento escolar, por meio da promoção do acesso e da
permanência, e a conclusão na Educação Básica, nas suas etapas e
modalidades de ensino, em colaboração com os entes federados, também por
meio da ampliação e qualificação da rede física. (BRASIL, 2015, p. 65).
Salientamos que esse projeto está voltado a ampliação da rede física, porém
limita-se a construção de escola, de quadras poliesportivas, escolas para comunidades
quilombolas e salas de recursos, cabendo aos municípios a manutenção das escolas
depois da inauguração. Não é oferecido nenhum apoio referente à formação de
professores para atuarem nessas escolas. Segundo o relatório do MEC, com relação a
essa meta a avaliação é:
Meta: Apoiar a construção de 7 mil creches e pré-escolas
A meta objetiva ampliar o atendimento educacional por meio de assistência
técnica e financeira aos municípios e ao Distrito Federal para construção de
escolas de educação infantil, iniciativa que faz parte do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC 2). Também está prevista a aquisição de
equipamentos e mobiliário, de forma que as escolas públicas de educação
infantil tenham condições adequadas de funcionamento, além de
assessoramento técnico, com foco na formulação de propostas pedagógicas
condizentes com a identidade educacional e sociocultural dos municípios.
No âmbito do PAC 2, de 2011 até 2014, foi aprovada a construção de 6.185
unidades de educação infantil, atendendo a 2.738 municípios, com
investimentos de R$ 7,8 bilhões. Somente em 2014, foi apoiada a construção
de 958 creches e pré-escolas em 717 municípios, com valor superior a R$ 1,2
bilhão.
Desde o início do ProInfância, em 2007, foram aprovados 8.787 projetos para
construção, totalizando investimentos de R$ 10,3 bilhões. Destas unidades,
mais de 2.500 estão concluídas. (BRASIL, 2015, p. 67).
O relatório ainda apresenta questões referentes a frequência das crianças nas
escolas de educação infantil. Ele demonstra um crescimento substancial nessa
frequência, que em 2013 era pouco mais de 23% para creche e de 80% para pré-escola.
Segundo os argumentos apresentados no relatório, essa ampliação de frequência na EI
deve-se a construção de unidades escolas por meio do programa ProInfância, como se
apenas construir escolas fosse o suficiente para que a criança seja bem atendida e a
qualidade seja garantida. O relatório apresenta:
305
ISSN 2448-1157
Meta: Elevar progressivamente a taxa de frequência à escola para população de 0 a 3 anos, de
forma a alcançar a meta do PNE 2011-2020
6
Convivência que acontece nos projetos de extensão já mencionados.
306
ISSN 2448-1157
uma tarefa desafiadora. As proposições muitas vezes não incluíam essa
especificidade, nem tampouco a excluíam, sugerindo, pela ausência de uma
explicitação, que poderiam ser direcionadas também ao professor de
educação infantil. O fato de, na maior parte dos textos, ser utilizada uma
forma única para dirigir-se ao professor da educação básica também se
tornou uma indicação do tratamento dado à especificidade da docência da
educação infantil. (BONETTI, 2004, p. 138)
As pesquisas têm mostrado que a especificidade da formação de professores para
a creche não são respeitadas e atendidas nas legislações brasileiras, pois quando são
mencionadas, são sempre em segundo plano (BARBOSA, 2010). O que demonstra o
pouco interesse e investimento na formação professores para creche no nosso país.
Esse aspecto ficou evidente na análise dos documentos RFP/1998, Proposta
2000 e Parecer 009/200. Ao tratar da especificidade da docência da educação
infantil, o RFP/1998 apresenta uma maior afinidade com as discussões
realizadas e as propostas apresentadas pelos profissionais da área no âmbito
do COEDI, especialmente quanto à função de educar e cuidar, que é
apresentada como especificidade da docência de 0 a 6 e como objetivos das
instituições educativas. Mesmo que as referências à docência na educação
infantil ocorram de forma secundária no RFP/1998 em relação aos
documentos que o seguiram, é possível perceber as ideias defendidas pelo
conjunto dos pesquisadores e educadores da área, em âmbito nacional,
influindo na construção do documento. (BONETTI, 2004, p. 138-139)
Esses textos apontam como as legislações e documentos oficiais tem abordado
a formação de professores para crianças pequenas no Brasil. Segundo Bonetti (2004),
os Referenciais para a Formação de Professores apresentam maior proximidade com as
propostas do COEDI que evidenciam a indissociabilidade do cuidar e do educar e o
documento oficial que mais atende a especificidade da educação infantil.
Já a Proposta 2000 distancia-se consideravelmente do entendimento da
função de educar e cuidar e no Parecer 009/2001 praticamente desaparecem
as referências a essa função, tratando a formação do professor de educação
infantil de forma mais genérica, como professor da educação básica.
(BONETTI, 2004, p. 139)
Há um programa do Governo Federal para formação continuada de professores
de educação infantil, denominado de ProInfantil. Esse programa é
[…] um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-
se aos profissionais que atuam em sala de aula da educação infantil, nas
creches e pré-escolas das redes públicas – municipais e estaduais – e da rede
privada, sem fins lucrativos – comunitárias, filantrópicas ou confessionais –
conveniadas ou não, sem a formação específica para o magistério7.
Entretanto analisar o currículo proposto para essa ação de formação de
professores de creche é no mínimo assustador, porque é possível identificar os
conteúdos específicos necessários a docência na educação infantil, mas em pouca
quantidade. Reconhecemos que a apresentação do site do MEC é breve, mas seria
necessário que a especificidade da educação infantil já estivesse presente na
apresentação do currículo e não está como podemos verificar.
7
Fonte: site do MEC. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12321&Itemid=550>. 307
ISSN 2448-1157
Base Nacional do Ensino Médio:
Linguagens e Códigos (Língua portuguesa);
Identidade, Sociedade e Cultura (Sociologia, Filosofia, Antropologia,
História e Geografia);
Matemática e Lógica;
Vida e Natureza (Biologia, Física e Química).
Formação Pedagógica:
Fundamentos da Educação (Fundamentos Sociofilosóficos, Psicologia e
História da Educação e da Educação Infantil);
Organização do Trabalho Pedagógico (Sistema Educacional Brasileiro,
Bases Pedagógicas do Trabalho em Educação e Ação Docente na Educação
Infantil)2.
Considerações Finais
Diante das análises realizadas, percebemos que o professor para atuar em creche
necessita de um conhecimento específico que atenda as necessidades dos bebês que
estão em uma fase muito particular do desenvolvimento humano. Além disso, uma fase
que determinará todo o desenvolvimento e por esse motivo precisa de muita atenção e
preparo do profissional. Para dar conta de toda essa especificidade é fundamental uma
formação inicial e continuada de qualidade e com várias possiblidades de acesso. Não é
possível que somente os municípios sejam os agentes responsáveis pela formação
continuada destes profissionais.
Desta forma, apontamos que as poucas opções de formação de professores para
creche oferecidas no âmbito do governo federal são insuficientes e negligenciam a
especificidade da docência para a educação infantil. Nesse sentido a nossa proposta se
constitui em um instrumento valioso de qualificação dos professores de creche.
Os profissionais que participam do Forpedi tem razão, quanto a escassez de
programas de formação continuada para os profissionais de creche, mas para a pré-
escola também há carência. Desta forma, a educação infantil como um todo está
desguarnecida de atendimento formativo por parte do governo federal. O que torna o
Forpedi um espaço muito importante de formação para a EI na região de Presidente
Prudente.
308
ISSN 2448-1157
Referências
BRASIL. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a
seis anos à Educação. Brasília: MEC/SEB, 2006. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfpolit2006.pdf >. Acesso em:
20 jul 2009.
309
ISSN 2448-1157
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. O desenvolvimento profissional das educadoras de
infância: entre os saberes e os afetos, entre a sala e o mundo. In: OLIVEIRA-
FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M. (Orgs). Formação em contexto: uma
estratégia de integração. São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2002.
OLIVEIRA, Z. de M. R. et al. Creches: crianças, faz de conta & Cia. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2009.
310
ISSN 2448-1157
Dos livros para a vida real: aprendendo a gestar uma escola da infância.
Resumo
Tentar uma escola nova foi o desafio aceito ao assumir a gestão de uma instituição de educação
da infância na cidade de Suzano. A equipe e as famílias colocaram demandas de que uma escola
nova precisava nascer, mas não sabiam bem por onde começar. É dessa mistura de sonhos e da
gestão colaborativa, organizada e fundamentada teoricamente que começa a brotar uma escola
com mais de percepção da infância, mais de democracia, colaboração, mais cuidado pedagógico
para os fazeres centrados na história da criança e mais sonhos. No caminho dessa construção
vale compartilhar a experiência de como foi agir em várias frentes, de como se fez importante
a reflexão constante e o replanejamento para que a escola que já existe nos livros possa um dia
existir nas vidas de nossas crianças.
As inquietações de viver uma escola de educação da infância que não fosse devorada pelas datas
comemorativas, por práticas de repetição e por ações maternais não eram novas e nem solitárias,
desde o início do nosso século se viu crescer um movimento para o qual era urgente as
discussões de para quem era a escola de educação infantil, a que infância ela se destinava, para
que nossas crianças estavam lá, quem edificava as práticas cotidianas, entre tantas outras
indagações que muitas pesquisas publicadas já discutiram. O fato é que, embora a literatura
científica tenha ricas informações sobre as particularidades da infância e da Educação Infantil
(Campos, 1985; Barreto, 1995; Oliveira, 2000; Kramer, 2001; Dahalberg, 2003; Nascimento
2011), amplas e profícuas discussões sejam arquitetadas nos congressos da área, na escola, no
chão da escola de onde eu venho, no dia a dia do que se faz, pouca coisa tem mudado.
1
1. Diretora de Escola Municipal de Educação Infantil na cidade de Suzano/SP Doutoranda do programa de Psicologia da
Educação da Faculdade de Educação de São Paulo, Mestre em Educação: Psicologia da Educação, Especialista em Gestão 312
Escolar e em Direito Educacional, Pedagoga e Bacharel em Direito
ISSN 2448-1157
Foi dessa sensação de que se há pouca mudança nos fazeres escolares da Educação Infantil,
da vontade de que essa mudança necessária deixe de ser tímida e se torne grande e que ela
comece por algum lugar, que em janeiro de 2015 resolvi assumir a gestão de uma unidade
escolar de Educação Infantil na cidade de Suzano, municipalidade da qual faço parte do quadro do
magistério desde 2002. Claro que aceitar esse desafio não era uma aposta de que eu poderia
transformar a escola, eu já sabia que isso não era tarefa de um homem só, mas era uma
possibilidade, para além de quatro paredes, de tentar trazer para os espaços da vida um pouco das
mudanças já prescritas, trazê-las dos livros para a vida real.
O começo – como quase todo princípio de história – foi muito, muito difícil. Não tinha
como discutir práticas renovadas em meio a tanto caos. Eram muitas as pedras no caminho. A
maior de todas elas nem estava no campo das práticas pedagógicas, mas no das relações humanas.
As relações que o coletivo de adultos que trabalhava na unidade escolar tinha, uns com os outros,
com a comunidade e com a própria profissionalidade eram profundamente comprometidas. Pairava
tudo, menos ares de que ali se desenvolvia uma atividade produtiva humana, uma atividade que
fizesse das pessoas felizes. Esse foi o primeiro espaço em que se fez necessária uma atuação mais
dedicada. Mãos à obra, começamos inspirados pelo conceito de formação crítica de educadores de
Liberali (2008) com exercícios constantes da escuta, uns dos outros, com discussões analíticas da
prática laboral e com a retomada de regras de convivência e outras normas preconizadas pelo
estatuto da classe de trabalhadores. Parece simples, mas essas conversas tiveram um potencial,
notadamente, conflitante e, dialogicamente, transformador do cotidiano de trabalho na escola.
Outros grandes propulsores no que se refere às relações do coletivo foram: o grande combinado
de que as decisões não seriam mais tomadas de maneira isolada e autoritária, mas compartilhadas
e pensadas no coletivo, como preconiza a Constituição Federal quando trata da gestão democrática
da escola pública, e que as informações chegariam com mais eficiência a todos, via meios
tecnológicos2 e livro de comunicados.
Iniciada a organização da casa, passamos para o fortalecimento da relação entre a escola e
as famílias das crianças por meio da constituição do conselho de escola como colegiado com a
finalidade de cogestão escolar, isso porque a escola que as famílias desejam para seus filhos precisa
ser construída baseada nos sonhos que a comunidade compartilha e que precisam ser sabidos pela
2
Passamos a usar grupos de whatsapp (aplicativo de celular) para maior eficiência na comunicação.
313
ISSN 2448-1157
escola. O diagnóstico inicial era o mesmo que aparece em muitas outras escolas: a relação
existente era de afastamento, mas aos poucos fomos conseguindo aproximações importantes
como participações em reuniões, em tomadas de decisões e na exposição do que as famílias
queriam e pensavam da escola. Com o empoderamento das famílias, embora haja ainda muito
trabalho por ser feito nesse campo, já se pode notar o maior cuidado das famílias com o que é
proposto pela escola, com o que é produzido pelas crianças.
Uma terceira frente de trabalho foi a transformação dos horários de trabalho pedagógicos
coletivos (HTPC’s)3 em espaços de real trabalho de coletivo. Esse foi um dos campos de maior
resistência que, semana a semana, foi sendo transformado em espaço de colaboração entre os
docentes na reflexão sobre a prática. Aqui o maior exercício foi trocar a “roupa” de tempo
perdido que os HTPC’s tinham por uma outra de tempo ganho. As negociações com discussões e
ponderações foram decisivas para a evolução das mudanças, valendo ressalvar que os temas de
estudos serem abordados por diferentes docentes em cada encontro foi outro realce para a rotina
de estudo, ora por potencializar as habilidades individuais dos sujeitos, ora por dar às reuniões a
função formativa que deveriam ter.
Depois de tantas pequenas revoluções chegava a vez de começarmos a pensar os espaços,
voltando ao objetivo inicial de trazer para a escola de Educação Infantil um pouco mais de
protagonismo infantil, de liberdade, de impulso ao desenvolvimento. Mudar espaços físicos
depende em um tanto de vontade coletiva e em outro de recursos financeiros. Na forma da lei, só
conseguimos os recursos necessários em meados do ano e, então, pudemos fazer as interferências
planejadas coletivamente. Transformamos espaços antes inutilizados em espaços aconchegantes
para leituras, para cotações de história, para atividades coletivas e prazerosas, revitalizamos
espaços ao ar livre, transformamos materiais para a construção de brinquedos, incluindo assim,
novos espaços de rotina, novas formas de viver as experiências pedagógicas e cotidianas na escola.
Relações trabalhadas a cada dia, famílias em aproximação, estudos em curso, espaços
redesenhados e a sinergia desses campos começa a refletir a aproximação de uma escola que não
havíamos vivenciado antes, uma escola nova começa a se apresentar. Não sei se podemos compará-
la com aquelas que as páginas dos livros nos mostram com tanto encanto, mas ela com certeza já
encanta aos adultos e crianças que a compõem de forma única.
3
São horas trabalhadas pelos docentes, fora da sala de aula que, por determinação do estatuto vigente, devem
ser dedicadas ao estudo da prática do magistério e produção de material pedagógico.
314
ISSN 2448-1157
Deste ponto, se faz necessário o planejamento dos novos campos de ação que associados
aos mencionados anteriormente podem ampliar as possibilidades de manutenção da qualidade da
escola. Em nossos planos estão o estabelecimento em breve de assembleias infantis em que sejam
eleitas representatividades das crianças para que elas também tenham voz na gestão da instituição,
meio pelo qual se espera poder caracterizar de forma mais peculiar à infância vivida nesta
comunidade e suas possibilidades. Outra pretensão que temos é a de podermos, todos os
educadores da instituição, visitarmos escolas de educação infantil com práticas que sejam
diferentes das tradicionais ou fundamentadas em métodos com os quais não temos familiaridade.
Por fim, em nossos planos temos ainda a reescrita do projeto político- pedagógico da unidade
escolar, de modo a pautar nele as novas necessidades e sonhos existentes e compartilhadas pelos
diferentes atores, além da documentação por meio de escrita reflexiva de nossas práticas
reorientadas, na direção de comunicar a outros educadores nossas tentativas, frustrações e sucessos
no caminho de tentar elevar mais e mais a qualidade da educação infantil.
315
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Referências Bibliográficas:
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A MODALIDADE EAD E O DESAFIO NA QUALIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS
EDUCATIVAS COM CRIANÇAS: O ESTÁGIO COMO ESPAÇO DE
INVESTIGAÇÃO.
1
De acordo com o site do Núcleo de Tecnologia educacional – NTE, os cursos do sistema UAB, em nível de
graduação, oferecidos pela UFSM são: Administração Pública, Educação Especial, Formação de Professores para
a Educação Profissional, Licenciatura em Física, Licenciatura em Geografia, Letras – Espanhol/Literaturas, Letras
– Português e Literaturas, Pedagogia, Licenciatura em Sociologia, Tecnólogo em Agricultura Familiar. Já como
cursos em nível de pós-graduação, tem-se: Educação Ambiental, Eficiência Energética, Educação Física Infantil e
Anos Iniciais, Ensino de Filosofia no Ensino Médio, Ensino de Matemática no Ensino Médio, Ensino de Sociologia
no Ensino Médio, Gestão de Organização Pública em Saúde, Gestão Educacional, Gestão em Arquivos, Gestão
Pública, Gestão Pública Municipal, Mídias na Educação, Tecnologias da Informação e da Comunicação aplicadas
à Educação.
317
ISSN 2448-1157
estágio supervisionado. Eram 9 polos2 distribuídos em diferentes regiões do Rio Grande do Sul
e, para cada um destes, havia 1 professor externo, 2 tutores e 1 professor responsável pela
disciplina.
Nesta dinâmica, a equipe de estágio procurou conhecer um pouco melhor os contextos
das escolas infantis públicas do interior do Rio Grande do Sul e o modo como organizam suas
práticas, atendendo as Diretrizes Curriculares Nacionais, aplicadas à formação inicial para o
exercício da docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, dentre
outros.
Este processo formativo, em nível de graduação, visa proporcionar estudos teórico-
práticos, investigações, reflexões, planejamentos, bem como o desenvolvimento e avaliação de
práticas educativas e a aplicação de outros campos do conhecimento à educação. Conforme as
referidas Diretrizes, além de outras capacidades, o Pedagogo deve estar apto a: “II -
compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu
desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social;”
(BRASIL, 2006, p. 3).
A fim de que o graduando possa construir tais capacidades, somado as disciplinas,
seminários, práticas de docência, de observação, acompanhamento, participação no
planejamento, execução e avaliação de aprendizagens, em escolas e em outros ambientes
educativos, tem-se o estágio curricular que visa garantir experiência de exercício profissional.
Tais afirmativas aplicam-se tanto às práticas pedagógicas desenvolvidas no curso de graduação
presencial, quanto na modalidade a distância.
De modo específico, a dinâmica do curso de Pedagogia a distância permite que o
acadêmico desenvolva as atividades propostas contando com o auxílio dos professores das
disciplinas e também de tutores, por meio de mediação e, fazendo uso de tecnologias. Estes
profissionais realizam o acompanhamento do desempenho dos estudantes pautados no princípio
da interatividade e, por meio de orientações teórico-práticas. Tais características do ensino na
modalidade a distância firmam-se também na disciplina de estágio curricular supervisionado,
na qual se vivencia a interlocução entre a Universidade e as escolas municipais de Educação
Infantil.
De acordo com Pimenta e Lima;
2
Polo de Restinga Seca, Faxinal do Soturno, Cruz Alta, Tapejara, Sobradinho, Livramento, São Lourenço do
Sul, Três Passos e Três de Maio.
318
ISSN 2448-1157
Ao transitar da universidade para a escola e desta para a universidade, os estagiários
podem tecer uma rede de relações, conhecimentos, aprendizagens, não com o objetivo
de copiar, de criticar apenas os modelos, mas no sentido de compreender a realidade
para ultrapassá-la (2004, p. 111).
319
ISSN 2448-1157
Minayo (1994), consideramos que a ciência, ou seja, o conhecimento científico se constrói na
relação entre a racionalidade e a experiência que emerge na realidade vivenciada.
Neste caso, entre o que se propõem/orienta com base em referenciais teóricos e o que
se configura de fato nas práticas de Educação Infantil em escolas municipais e que, com isso,
tem-se, nos resultados da pesquisa em ciências sociais, uma aproximação com essa realidade.
Sendo assim, a análise dos relatórios de estágio e dos pareceres busca, constantemente, criar
articulações entre os dados encontrados nos mesmos e o referencial teórico trabalhado, de modo
a atender ao objetivo de discutir como o Curso de Pedagogia, na modalidade a distância
(UFSM) está contribuindo para a qualificar as práticas e a própria Educação Infantil nos
municípios onde são realizados estágios curriculares.
Pimenta e Lima (2004) trazem que:
[...] atividade de aproximação com o campo profissional, por tratar-se de uma forma
de inserção no mundo do trabalho e na área específica de atuação, de possibilidade de
conexão entre a teoria estudada e a prática observada nas instituições que acolhem as
estagiárias, configurando-se, assim, como um passo importante na construção das
identidades profissionais (p. 67).
Com base na autora, nosso entendimento justifica-se então pelo fato de compreender
que, nesta aproximação, tanto o acadêmico tem a oportunidade de se inserir na escola, seu
futuro campo de atuação profissional, quanto passa a construir conhecimentos pautados nas
especificidades das práticas educativas na Educação Infantil. Fazendo referência à Pimenta e
Lima (2004), Gomes (2009) acrescenta que o estágio é:
320
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acerca do sentido da profissão, do que significa ser professor na sociedade atual, das
contradições, valores, concepções e saberes em circulação no espaço institucional das
escolas (p.74).
Porém, Pimenta e Lima (2004) destacam que, para aprender a profissão docente durante
o estágio, é preciso estar atento às particularidades da realidade escolar. Tais pressupostos são
direcionados, neste caso, para a análise da experiência de estágio supervisionado na Educação
Infantil. Acerca desta etapa da educação, considera-se importante ressaltar que vários estudos
dão conta de que sua condição de direito das crianças à educação e, com as exigências
qualitativas atuais para este atendimento educacional, são prerrogativas contemporâneas.
A Pedagogia, ao formar professores para a Educação Infantil, em nível superior,
materializa estas questões históricas que demarcam o percurso evolutivo que vem sendo tecido
nesta, atualmente reconhecida, como uma das etapas da educação básica. O curso na
modalidade a distância, além oportunizar a formação em mesmo nível, amplia as possibilidades
de acesso para que mais estudantes se tornem professores com formação para atuar na educação
da infância, inclusive em regiões no interior do Estado.
Assim, as atividades da disciplina Estágio Supervisionado na Educação Infantil, no
Curso de Pedagogia a distância, a partir da inserção do acadêmico no campo profissional, visam
contribuir para que o mesmo, em seu processo formativo, vivencie e, com isso, perceba as
particularidades que envolvem as práticas de Educação Infantil.
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ISSN 2448-1157
tecnológicos a fim de que possam se desenvolver de modo integral; garantir processos de
apropriação e renovação das linguagens, dentre outros.
A experiência que se tem vivenciado nesse sentido é a da construção de um trabalho em
parceria entre a Universidade (UAB/UFSM) e escolas públicas de Educação Infantil em vários
municípios no interior do Rio Grande do Sul. Tal relação permite o desenvolvimento de um
trabalho colaborativo entre os alunos-estagiários do curso de Pedagogia e os docentes
responsáveis pelas turmas onde o estágio é realizado, o que se confirma em:
Com base nas autoras, entendemos que a potencialidade destas relações atinge ambos
os sujeitos e instituições, pois, tanto o acadêmico tem a oportunidade de experimentar a
vivência de seu campo profissional, já na condição de professor, quanto o docente, ao colaborar
nos planejamentos e práticas propostas pelo estagiário, estará refletindo sua própria atividade
docente e, desse modo, imerso em um processo de formação continuada pautado pela prática
da reflexão.
Colaborando com as ideias dessas autoras é possível identificar nos Relatos de
Experiências das alunas a potencialidade da relação estagiário/professor regente, como uma
parceria que favorece tanto a formação inicial do futuro docente que está desempenhando seu
estágio, como também a reflexão sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pela própria
professora da classe, contribuindo para sua formação dentro do seu contexto de trabalho.
O recorte do Relato de Experiência do Estágio em Educação Infantil a seguir deixa
evidente a potência dessa parceria com a escola: “Tive um ótimo relacionamento com a
professora regente, ela estava sempre querendo me conhecer melhor, me pedindo ajuda,
trocamos ideais, compartilhamos atividades, foi muito atenciosa e prestativa comigo, me
apoiando e sendo parceira em tudo” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Três Passos-RS)
“Durante as cinco semanas de estágio houve uma grande disponibilidade dos membros
da escola em colaborar para o trabalho realizado, a participação de todos os membros,
principalmente da professora titular foi em muitas vezes decisivas para o bom andamento das
atividades complementares” (Relato de Estágio, aluna do Polo de Cruz Alta-RS)
322
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“Vale a pena ser destacado que a professora regente foi uma ótima companheira e
apoiadora das minhas ideias, tivemos e ainda temos uma ótima relação profissional, e nesse
momento estamos elaborando, juntas, os pareceres descritivos dos alunos. Ela em nenhum
momento tentou dominar a situação, ou interferir na aula, mas muitas vezes colaborou
trazendo ideias e sugestões para incrementar a prática” (Relato de Estágio, aluna do Polo de
Três Passos-RS)
É importante destacar também o retorno da escola, nos Pareceres emitidos pelas
professoras regentes sobre o processo de estágio vivenciado pelas alunas. Em um dos pareceres
fica evidente essa colaboração e o quanto ela enriquece as práticas, favorecendo o processo
formativo das professoras envolvidas:
“A aluna esforçou-se no sentido de trazer novas ideias, ao grande grupo, colaborando com
o desenvolvimento das práticas pedagógicas da escola” (Parecer sobre o estagiário –
Polo Três Passos-RS)
Acerca desta relação, Gomes (2009) traz que:
323
ISSN 2448-1157
entende a formação das estudantes como formação universitária e, a das educadoras das escolas
de Educação Infantil, formação contínua.
A autora explica que o uso do termo formação universitária é em função de não
compreender o curso de Pedagogia como a formação inicial, uma vez que a inserção do
acadêmico no campo da educação teve início desde que se tornou aluno e, certamente, suas
experiências lhe deixaram marcas que produzem sentidos em relação ao ser educador. Uma
segunda justificativa seria em razão daqueles estudantes que cursaram Magistério em nível
médio, considerando que, embora seja exigida formação em nível superior para atuar na
Educação Infantil, o curso em nível médio, ainda é aceito.
Formação contínua, conforme Gomes (2009, p. 68) é um “[...] processo ininterrupto de
aprofundamento [...]”. Com base em alguns autores que apontam a realização de cursos de
aperfeiçoamento e a adequação da formação às exigências das atividades exercidas, Gomes
firma seu entendimento acrescentado que, além de uma adaptação interna do sujeito às
exigências requeridas no exercer da profissão, o que se destaca é sua capacidade de refletir
sobre suas práticas a fim de (re) significá-las e modificá-las.
Nesse sentido, compreende-se a reflexão como elemento essencial das práticas
educativas e do processo formativo dos educadores. A autora a entende como processo criativo
e também compartilhado na construção de conhecimentos e na mobilização de saberes advindos
da experiência. Na mesma direção, Moss (2010) afirma que:
A base dos processos de reflexão dos professores é constituída por seus saberes
adquiridos formal e informalmente. A formação contínua estaria assim a serviço da
reflexão e da produção de um conhecimento de um conhecimento capaz de oferecer a
fundamentação teórica necessária para a articulação prático-crítica em relação ao
aluno, à escola, à sua profissão e à sociedade (p. 131).
324
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analisando-a de forma crítica. Assim, é a partir da reflexão e, do redirecionamento de sua
própria prática que o educador pode mudar a escola e a sociedade.
Da mesma forma, Reed (2010, p. 195) compreende a prática reflexiva como algo que
;constitui o desenvolvimento profissional e, por isso, afirma que: “A análise reflexiva pode ser
benéfica para o indivíduo e agir como um mecanismo de refinamento e melhoria da prática. Ela
permite que se tenham perspectivas diferentes sobre como os próprios profissionais veem sua
prática”.
Com base no que propõem estes autores, percebemos a reflexão como elemento inerente
às práticas dos estagiários e também dos professores das escolas. Sobretudo, para estes como
veículo que permite realizar um olhar crítico sobre a própria prática e, desse modo, desenvolver-
se profissionalmente por meio da formação continuada.
Nos relatos de experiência fica claro esse processo de reflexão presente na realização
do estágio, tanto na vivência do cotidiano escolar e da sala de aula, como na própria organização
da prática pedagógica.
“O estágio Supervisionado propicia ao professor-aluno, colocar em prática o que se
estuda na teoria, sendo um suporte no desenvolvimento de competências da profissão,
proporcionando momentos de reflexão durante este período no qual a teoria é observada na
prática e (re)significada”. (Relato de Estágio, aluna do Polo de Cruz Alta)
“Podemos perceber que o planejamento, a observação e o registro são realmente
instrumentos imprescindíveis no fazer-docente, pois nos orienta constantemente em nossa
prática, transformando-nos em professores reflexivos e críticos sobre o nosso trabalho o que
sem dúvida contribui de forma satisfatória e significativa para o trabalho docente e para a
aprendizagem e construção de conhecimento do educando.” (Relato de Estágio, aluna do
Polo de Cruz Alta)
Na maioria dos pareceres sobre o estagiário, tanto do Polo de Três Passos como o de
Cruz Alta, fica marcante a ideia do desenvolvimento de atividades diferenciadas, criativas,
envolventes, variadas, inovadoras e atrativas, conforme os próprios termos usados nos
pareceres. É possível verificar que existe aí um processo de reflexão inerente a estas
constatações, visto que a professora ao apontar tais questões realizou uma análise do que pôde
estar vivenciando no processo de estágio das alunas, verificando as diferenças, o que se
mostrava produtivo e criativo, o que realmente envolvia as crianças no desenvolvimento dos
trabalhos e que se diferenciavam de sua prática docente.
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De acordo com Gomes, na perspectiva da formação baseada na reflexão:
[...] o estágio entendido como ação de prática de ensino e/ou acesso à realidade
educacional presente nas instituições de educação ou nos sistemas de ensino
configura-se como uma atividade de relação entre teoria e prática e uma estratégia de
trabalho coletivo em cursos de formação universitária (2009, p. 74).
Sendo visto ainda como maneira de relacionar teoria e prática, o pensamento e a ação.
Desse modo, acredita-se que é possível, no circuito prática/teoria/prática, a partir de uma
situação prática, buscar referencial teórico que a explique, produza aspectos capaz de superá-la
e, assim, criar alternativas para uma nova prática que, se refletida, poderá ser transformada
(GOMES, 2009). O estágio, nessa lógica, é considerado teoria e prática, ao mesmo tempo, pois
a prática armazena uma teoria que a sustenta.
Assim, o estagiário, ao observar a atuação do educador precisa de condições que o
permitam apreender as teorias que a sustentam e realizar a leitura pedagógica, tomando como
base fundamentos estudados e postos em questão diante da prática profissional. Este exercício
formativo refere-se à práxis – “capacidade de articular dialeticamente o saber teórico e o saber
prático” (GOMES, 2009, p. 75).
Em suas pesquisas, a autora considera o estágio uma porta de entrada da identidade
profissional na formação de educadoras de crianças pequenas. Isto em função de impulsionar a
reflexão sobre a formação e possibilitar o exercício da práxis. Desse modo, torna-se importante
elo entre a teoria e a prática e também, entre a formação universitária e a formação contínua
desenvolvida nas instituições de educação infantil que acolhem os estagiários.
Pimenta e Lima (2004), embora se referindo sobre a formação de professores-alunos,
ou seja, aqueles que já atuam como docentes e, no processo de formação em nível superior,
tornam-se estagiários, apresentam compreensões que podem ser estendidas também àqueles
professores que, já formados neste nível, compartilham experiências com estagiários nas turmas
em que atuam.
Nessa condição de professor-estagiário, destacamos o Relato de uma aluna que realizou
seu estágio na mesma instituição em que já atuava como docente há alguns anos. No recorte do
trabalho observamos o quanto o estágio proporcionou aprendizagens e reflexão a respeito desse
processo formativo docente.
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“Apesar de conhecer muito bem a escola e a turma em que realizei a prática, o dia a
dia possibilitou novos olhares, exigindo de mim uma grande dedicação e preocupação [...]
Apesar de atuar como professora a alguns anos, estive sempre muito preocupada durante a
prática de estágio com as aprendizagens da crianças. Minha preocupação era de realmente
estar fazendo uma função importante, desenvolvendo um trabalho significativo para os alunos,
oferecendo condições de aprendizagens. [...] O estágio de educação infantil foi primordial para
o meu crescimento e formação como profissional de pedagogia, proporcionando momentos de
aplicação de todo o embasamento teórico que foi elaborado durante o curso, a fim preparar os
acadêmicos para uma formação significativa, desafiadora e reflexiva.” (Relato de Estágio,
aluna do Polo de Três Passos-RS)
Segundo Pimenta e Lima (p. 129), “[...] o estágio se configura, para quem já exerce o
magistério, como espaço de reflexão de suas práticas, a partir das teorias, de formação contínua,
de ressignificação de seus saberes docentes e de produção de conhecimentos”. Desse modo,
entendem esta experiência como espaço de diálogo, em que é possível superar obstáculos e
encontrar novos caminhos.
A partir disso, a formação de professores é entendida como desenvolvimento
profissional e, nesse sentido Pimenta e Lima (2004) acrescentam que
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prática que, na vivência da formação universitária, realiza o ciclo aprender-ensinar-
aprendendo e, desse modo, contribui para a qualificação das práticas nas escolas de
Educação Infantil no interior do Rio Grande do Sul.
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Referências
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Por uma formação docente mais complexa e reflexiva baseada nas ideias de Edgar
Morin
Resumo:
É na primeira infância que a base para o ser humano se alicerça e é nela que se concebem os
principais pilares que o regerão por toda a vida. Isso exige de pais e educadores uma atenção
bastante acurada na Educação dos pequenos para vencer os desafios apresentados pela
contemporaneidade que busca um saber-fazer pedagógico menos fragmentado. Para isto,
realizou-se uma pesquisa bibliográfica acerca dos estudos sobre a complexidade proposta por
Edgar Morin e alertou-se para a necessidade de compreender os Sete Saberes necessários à
Educação do Futuro. Diante de um aprofundamento teórico, baseado em Morin, o docente da
Educação Infantil encontrará mais suporte para propiciar às crianças, um ensino menos
esfacelado, mais integrado, e mais humano.
Considerações iniciais
É na primeira infância que a base para o ser humano se alicerça e é nela que se concebem
os principais pilares que o regerão por toda a vida. Cada vez mais, governos, organismos
internacionais e outras organizações têm pensado e agido sobre a educação para este período.
Contribuições das Neurociências comprovam que, do nascimento aos 3 anos de idade, formam-
se 90% das conexões cerebrais, ou seja, que a arquitetura cerebral começa a se formar na
primeira infância e passa a ser moldada, ao longo de sua vida, pelas suas experiências
e relacionamentos com o ambiente e as pessoas com quem interage.
Isto significa que quanto melhores forem as condições oferecidas para a criança,
principalmente nesta faixa etária, ela sofrerá menos estresse e terá mais oportunidades de
aprendizado e de superação de suas dificuldades. Isso é benéfico para toda a sociedade. Uma
das pesquisas que corroboram esse pensamento foi realizado pelo Projeto Pré-
Escolar High/Scope Perry, em Michigan, no Estados Unidos. Esse estudo acompanhou famílias
de baixa renda, com 3 a 4 anos, em uma evolução longitudinal até os 27 anos. Conferiu -se que as
crianças que participaram da Pré-escola apresentaram melhore índice de
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saúde, comportamento e, até mesmo, de renda familiar, aumento de produtividade e menor
índice de prisão e delinquência. Para oferecer, assim, estas boas condições de desenvolvimento
e aprendizagem, é preciso que pais e educadores tenham esta clareza quando trabalham com os
pequenos.
No entanto, apesar do avanço da tecnologia e dos aspectos da mundialização, em pleno
século XXI, vivenciamos uma época de incertezas, instabilidades e é cada vez mais difícil
explicar essa realidade fragmentada na qual estamos inseridos. Há uma crise muito profunda
política, cultural e humanamente que requer novas formas de lidar e refletir sobre as concepções
de homem, e de sociedade que coexistem e nos amparam nas ações sobre o mundo.
São muitos os questionamentos que se instauram, tanto do ponto de vista teórico, quanto
do prático. O maior deles, sem dúvida, refere-se a compreender quais são os subsídios com os
quais o educador deve se pautar para vivenciar o século XXI.
Nesse sentido, como possibilitar uma formação plural e diversificada aos docentes da
educação infantil que contemple as principais questões do currículo e pretenda a ruptura de
paradigmas históricos e não críticos acerca do ser humano?
A justificativa para tal incômodo alude aos múltiplos desafios que a educação
(particularmente, a escola) enfrenta na contemporaneidade. Novos temas e teorias se sucedem
e demandam aprofundamentos no saber-fazer pedagógico que, nem sempre, são totalmente
estruturados ou compreendidos. Apesar de esta questão não ser privilégio apenas da educação,
a ciência atual tem exigido posturas dos educadores para que saibam lidar com situações, muitas
das quais não só nunca foram antes vividas, mas também nunca antes sequer imaginadas.
Assim, este texto objetiva demonstrar que é preciso estabelecer caminhos que ampliem
os modos de ver e de se relacionar com os fenômenos existentes e, para isto, Edgar Morin
propõe o pensamento complexo, pois afirma que somente com uma reforma no pensamento,
com a mudança de antigos e ultrapassados paradigmas é que ocorrerá uma reforma no ensino.
Morin é um dos principais filósofos contemporâneos franceses. É, também, antropólogo,
sociólogo, professor e escritor com uma profunda preocupação com as questões sócio-
antropológicas, políticas e éticas da humanidade.
Ele também assegura que é necessário educar os educadores, para que não ignorem a
curiosidade das crianças e para que saibam auxiliá-las em seu desenvolvimento do senso crítico.
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Desta forma, baseada em Marconi e Lakatos (data), esta pesquisa bibliográfica
seguiu as oito fases distintas – a) escolha do tema; b) elaboração do plano de trabalho; c)
identificação; d) localização; e) compilação; f) fichamento; g) análise e interpretação – e
culminou com a h) redação, como procedimento para elaborar uma interpretação crítica
sobre os escritos de Edgar Morin. Os dados analisados, bem como a experiência de
vivenciar, como educadora, o reducionismo da disciplinarização / segmentação do
conhecimento incita a buscar novos meios para elucidar esse momento atual de um
multiculturalismo sem precedente, que revela angústias e incertezas.
Dessa modo, pretende-se delinear uma investigação baseada em publicações –
como os livros Os sete saberes necessários à educação do futuro (2001) e Inrodução ao
pensamento Complexo (2001), dentre outros e textos como o de Lorieri (2010), Assis
(2005 e 2000) e Santos (2001) – acerca do trabalho e das ideias sobre o pensamento
complexo, elaborada e difundida por Edgar Morin, que critica os modos simplificadores
do conhecimento, que “mutilam”, esfacelam a “realidade” em recortes, saberes
fragmentados que não são inseridos novamente no contexto. Afinal, complexo é “aquilo
que é tecido em conjunto” (Morin, 2001: p.20).
Morin demonstra que estamos em uma fase de transição das ciências. Foram
muitas as transformações ocorridas na Educação nas últimas décadas. Novos conceitos e
teorias surgiram para absorver as mudanças significativas que permeiam a
contemporaneidade, porém, estas se apresentam em um aspecto mais global, universal.
Paradigmas científicos construídos desde a revolução científica do século XVI e
desenvolvidos nos séculos seguintes, hoje se demonstram rompidos em razão dos
acontecimentos mundiais.
A ciência moderna, contrária à aristotélica, receia aceitar as evidências advindas,
exclusivamente, de nossas experiências imediatas e estabelece um rigor científico para a
medição e tratamento dos dados. Com isso, parte-se do pressuposto de que há uma
determinada ordem e estabilidade na visão sobre o “funcionamento” do mundo. Decorre
disto, as transformações tecnológicas existentes.
Contudo, o cenário é mais complexo e é muito difícil para a mente humana
compreender totalmente a “realidade”, pois nem todos os pressupostos epistemológicos
e metodológicos se revelam inteligíveis. Assim, a racionalidade preconizada por
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Descartes, e outros, tornou-se passível de questionamentos com as novas pesquisas e as
novas formulações realizadas na formação de concepções de mundo e de sociedade.
A crise do paradigma dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade
de condições. Distingo entre condições sociais e condições teóricas. […] A
primeira observação, que não é tão trivial quanto parece, é que a identificação
dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma científico moderno é o
resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. O
aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em
que se funda (Boaventura, 2001: p. 24)
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pensamento complexo, que procura “religar” os saberes, articulá-los e considerá-los em
seu contexto. Para entender a globalização, é preciso compreender a complexidade da
sociedade e preconizar uma reflexão mais ampla e mais profunda para se atingir, de fato,
uma reforma do pensamento e, em decorrência, uma reforma educacional.
Quanto mais penso sobre a vida, mais me convenço de que ela não é
um piquenique. Foi quando descobri que já sei praticamente tudo o que é
necessário saber para viver com dignidade – o que, afinal, não é assim tão
complicado. Já sei quais são as coisas que realmente contam. (...)Tudo que eu
preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no
jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no
último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha
maternal. (...) Olhe! Tudo que você precisa mesmo saber está por aí, em algum
lugar. A regra de ouro, o amor e os princípios de higiene. Ecologia e política,
igualdade e vida saudável.
natureza do homem [e] não se esgotar apenas nele, mas encontrar-se nas suas
múltiplas multidimensionalidades interconectas é uma destes modos de
compreender a complexidade humana. Segundo Morin, o homem apresenta-se
como um microcosmo representante da espécie, homem genérico, universal e
ao mesmo tempo singular; o ser humano é dotado de auto-eco-organização e
suas múltiplas dimensionalidades estão interligadas de modo que ele é o
resultado da interação de agentes de toda a ordem (fatores genéticos,
ecológicos, cerebrais, culturais, sociológicos, psicológicos e eventos
aleatórios). Esta auto-eco-organização é uma das facetas da natureza humana,
é a qualidade do ser humano de se regenerar constantemente a partir de sua
organização capaz de se auto-reparar, auto-transformar, fazendo com que ele
também possua uma ética ecológica e solidária com os outros homens, com a
realidade que lhe cerca e consigo mesmo.
A formação docente, neste sentido, deve estar atenta aos Setes saberes que Morin
enfatizou. O primeiro, diz respeito ao próprio conhecimento, que não espelha a realidade.
Esse conhecimento é sempre uma tradução, reconstrução e, se assim não for visto, pode levar
à incidência de erros e de ilusões, pois nossa percepção é interpretativa cerebralmente.
Deve-se, inclusive, ensinar a criticar o próprio conhecimento em suas várias
características.
O segundo saber refere-se às condições de um conhecimento pertinente, em que
se deve contextualizar os saberes, interligá-los, articulá-los, estabelecer relações,
porquanto o todo é muito mais do que a soma de todas as partes.
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O terceiro saber preza pela identidade humana, pois o ser humano é
biopsicossocial, ou seja, ao mesmo tempo, é físico, biológico, psíquico, cultural, social e
histórico. Assim, estudar estes aspectos separadamente, conforme ocorre no currículo
escolar, com a disciplinarização, é reduzi-lo a fragmentos. É preciso ensinar a condição
humana, como um todo integrado, em que se considera que somos espécie-indivíduo-
sociedade, que temos nossas diversidades e singularidades que precisam ser respeitadas,
pois vivemos da interação com o outro e com o ambiente. Por isto, é importante denotar
a necessidade de se trabalhar a ecologia, as ciências da terra, a Cosmologia.
O quarto aspecto aponta para o ensino da compreensão humana, ter a
oportunidade de compreender o outro e a si mesmo, de se autoanalisar. Na Educação
Infantil é bem patente a necessidade de explicar e demonstrar o que é compreender uns
aos outros, pois isso facilitará para a formação de bons e duradouros relacionamentos.
O quinto saber evidencia as Incertezas. Estamos em um momento histórico que
nos mostra que, apesar de todo o rigor metodológico, as ciências nem sempre acertam as
previsões. Segundo Morin (s/d: p.10)
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível,
mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora, se admite
que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar
consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o
risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo
da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
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Considerações Finais
Na minha opinião não temos que destruir disciplinas, mas temos que integrá-
las, reuni-las uma as outras em uma ciência como as ciências estão reunidas,
como, por exemplo, as ciências da terra, a sismologia, a vulcanologia, a
meteorologia, todas elas, articuladas em uma concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deve estar integrado, para permitir uma mudança de
pensamento que concebe tudo de uma maneira fragmentada e dividida e
impede de ver a realidade. É preciso desenvolver uma ética do gênero
humano para que possamos superar esse estado de caos e iniciar, talvez, a
civilizar a terra. (Morin, s/d,p.).
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Referências bibliográficas
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SENTIDOS DA ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA EM
CIRCULAÇÃO NAS RELAÇÕES COTIDIANAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
RESUMO
INTRODUÇÃO
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os valores e princípios que norteiam minha atividade como educadora? Tais questões
estavam relacionadas ao sentido dessa atividade (afinal de contas, o que caracteriza a
orientação pedagógica?) e se assentavam na sensação de perda do sentido e da eficácia
do trabalho que eu realizava. O que acabava por afetar minha identidade como
profissional.
REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
339
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com quais apreciações valorativas e em que condições.
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Para conduzir tal análise, foi necessária a imersão nos registros a partir de alguns
passos: caracterizar os contextos das situações, seus participantes e o assunto principal da
interlocução onde se indiciavam sentidos da orientação pedagógica; explicitar o motivo
que me levou a registrar a situação; explicitar os sentidos da orientação pedagógica
apreendidos no registro e os elos existentes entre eles e aqueles presentes na literatura
científica da área pedagógica e na literatura relativa às normas e regimentos relativos a
essa atividade, entendidos como sua tradição, como seus sentidos cristalizados no âmbito
das relações culturais; explicitar os usos dados aos sentidos da orientação pedagógica no
âmbito da situação imediata registrada e o que se apreendeu em termos de estilos pessoais.
No processo de elaboração da dissertação, essa análise mais detalhada me conduziu à
seleção de seis episódios, nos quais se destacavam três temas da Educação Infantil - o
registro, o acolhimento e a incorporação de múltiplas linguagens ao processo educativo
– que foram ativamente elaborados por diferentes sujeitos da escola e por mim, em
relações de planejamento, de formação continuada e de orientação individual a
professoras.
EPISÓDIO
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poema foram formas encontradas para harmonizar o grupo para a tarefa
de fazer bonecas.
pelas mãos de uma professora”, ou seja, um elemento que passou a ser uma
referência forte no grupo de crianças e adultos ao ponto de virar tema de uma formação
foi inserido no cotidiano da escola por uma professora. Destaco o fato de que a boneca
Waldorf fazia parte da minha história. Provavelmente por entender que o fato de já
conhecer e ter sido sensibilizada por esse fazer também contribuiu para que eu desejasse
compartilhar “a experiência de fazer bonecas” com o grupo.
Considero que a orientadora pedagógica representa mais uma voz no grupo, ainda
que marcada pelas especificidades das condições de produção do seu trabalho, a OP não
precisa saber mais que as professoras, mas por dispor de uma visão de conjunto da escola,
pode contribuir para a explicitação dos saberes que dela participam. Com isso, um
conhecimento individual pode vir a ser compartilhado e se tornar conhecimento do grupo.
A professora incorporou na sua turma a boneca de pano que
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ela aprendera a confeccionar. Suas colegas, observando o envolvimento das crianças com
aquele brinquedo, demonstraram curiosidade em aprender a fazê-lo. Essa ideia aos
poucos foi tomando corpo no grupo até que conseguimos colocar esse aprendizado como
objetivo de uma oficina num momento de formação continuada.
Em meu registro destaco o comprometimento, o cuidado e o carinho da professora
responsável pela oficina: A professora, como sempre muito cuidadosa com
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a uma consciência da infinidade de ações realizadas por essa parte do nosso corpo. São
as mãos que produzem e preparam o alimento, que agridem e afagam, que brincam, que
produzem sons, cuidam, curam... Nesse texto ele revela os trabalhadores e as capacidades
das suas mãos: do pedreiro, do lenhador, do oleiro, do escultor, do pintor, do escritor e da
costureira, que segundo ele, tem olhos nas pontas dos dedos para alinhavar, prespontar,
costurar. Na oficina de bonecas, éramos educadoras-costureiras, mesmo com pouca
habilidade, nos aventuramos a explorar a potencialidade das nossas mãos ao máximo.
Com tudo o que compôs a oficina, ela se revelou como um momento valioso na formação
das educadoras que nela estavam envolvidas e sua condução estava a cargo de uma das
professoras do grupo.
Antonio Nóvoa (2009) tem se destacado nas pesquisas sobre formação de
professores. Um dos pressupostos defendidos por ele é o papel dos professores como
âncora na formação dentro da escola, refletindo coletivamente sobre o trabalho,
mobilizando conhecimentos e instituindo as práticas como lugar de reflexão e formação.
Nóvoa (2009) argumenta em favor de uma formação de professores construída dentro da
profissão. Esse autor discute a formação de professores valorizando o trabalho em equipe
e o exercício coletivo da profissão. Afirma ainda que os programas de formação de
professores estão afastados da profissão docente e, assim, para reverter esse processo seria
necessária, entre outros fatores, a aquisição de uma cultura profissional, que está ligada à
ideia de que:
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A oficina consistia na confecção de um brinquedo que se situa no contexto de uma
determinada pedagogia, a pedagogia Waldorf, que tem como ponto de partida o
conhecimento da criança e de seu desenvolvimento em diversos aspectos. Tem suas bases
na concepção de mundo e de ser humano que foi desenvolvida pelo filósofo austríaco
Rudolf Steiner (1861-1925). Essa pedagogia defende que a Educação Infantil ofereça
possibilidades para que a criança se desenvolva plenamente e de forma saudável através
do brincar. Pressupõe ainda que a criança está em processo de apropriação da cultura na
qual está inserida e esse é o principal motivo pelo qual se deve oferecer a ela brinquedos
que reproduzam, em seu formato, cores e texturas, os elementos do mundo. Dessa forma,
estaríamos contribuindo para a construção dos conceitos dos objetos que a cercam. Os
brinquedos, nessa pedagogia, são desenvolvidos a partir de materiais como lã, feltro,
madeira, tecidos, que estimulam os diversos sentidos. Além disso, devem possibilitar à
criança o desenvolvimento da imaginação e, por isso, possui pouco acabamento. A equipe
não tinha conhecimento dos princípios dessa pedagogia, por isso, a confecção da boneca
representava apenas a construção de um brinquedo, ainda que, ao longo da oficina,
tenham sido feitas algumas referências a esses princípios. A boneca é feita com tecidos
de algodão e com enchimento de lã natural de carneiro e tem traços bem delicados.
Ao narrar o processo de criação da boneca, indico que foi um trabalho árduo: de
encher de lã o corpinho, costurar pernas, braços, pescoço, enrolar a lã na medida certa
para dar forma à cabeça, costurar, prender, amarrar, formando, moldando a boneca. Como
se trata de um trabalho artesanal, majoritariamente feito à mão, contando com as
habilidades e experiências anteriores das pessoas com agulha, linha e costura, muitas
vezes parávamos para ver a produção da outra, pedir ajuda, saber se estava no caminho
certo. O formato de oficina tem esse caráter prático e, assim, as aprendizagens ocorrem
na observação da forma como o outro faz, de modo que se aprende a fazer fazendo. No
murmurinho das falas ora ouvíamos “não consegui fazer o pescoço, como é que faz?”;
ora ouvíamos “a costura do pé está ficando estranha, será que é assim mesmo?”. Foi
árduo também devido à demora, exigiu-nos dedicação de várias horas e mobilizou, em
nós, novas habilidades.
Mas o tempo da oficina foi ocupado de outras maneiras: Durante a costura,
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bonecas ou sobre o trabalho pedagógico. As palavras, por vezes traziam
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A lógica de oposição entre o universo adulto como algo sério e o universo infantil
como o lugar em que pode ser permitida a brincadeira é mediadora dos processos de
formação. Estarmos ali, costurando bonecas feitas à mão, com alinhavos movidos pelas
histórias que iam sendo narradas pelas pessoas, representava uma inversão dessa lógica.
Por que não considerar que a alegria e a seriedade podem andar juntas no trabalho? Por
que não se distanciar desse pressuposto de que brincar não é permitido ou inapropriado
para os padrões de comportamento adulto? Por que não construir uma perspectiva de
formação e de trabalho, na qual mesmo sendo sério e responsável o adulto também tenha
o direito à brincadeira e ao lúdico?
No sensível e delicado documentário Tarja Branca – A Revolução que Faltava
(2013) dirigido por Cacau Rhoden é expressa a defesa de que o brincar é a atividade
principal da criança e também sua forma primeira de contato com o mundo social. O filme
não se limita a tratar da brincadeira da criança, mas defende também a necessidade da
brincadeira entre os adultos, proclama o resgate da criança que existe em cada adulto.
Lançar-se nessa tarefa significa se contrapor à lógica de produtividade da sociedade
capitalista, onde “tempo é dinheiro” e não há espaço para a gratuidade de atividades como
o livre brincar. Acredito que a oficina de bonecas caminhou alguns passos nessa direção.
Basta ver a referência de que aquele momento foi também momento de brincar: “(as
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e Benjamim são estudiosos que trazem importantes contribuições acerca dessa temática.
Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil defendem que
a proposta pedagógica das instituições deve garantir o direito à brincadeira e à interação
entre as crianças e ter esses dois aspectos como eixos norteadores das práticas
pedagógicas. Assim, a promoção de situações formativas em que os educadores possam
vivenciar o lúdico, a brincadeira está em sintonia com a constituição de práticas na
Educação Infantil que contemplem a dimensão do brincar como eixo. Quanto mais o
adulto vivenciar a ludicidade, maior será a chance de que esse profissional esteja sensível
às brincadeiras das crianças, se envolva com elas, traga elementos que possam enriquecer
os momentos de faz de conta e organize intencionalmente tempos e espaços para que a
brincadeira possa fluir entre as crianças.
No registro aparece que, na avaliação da oficina, as pessoas envolvidas não
deixaram de apontar o cansaço trazido pela realização da tarefa, mas também disseram
da alegria e prazer envolvidos na atividade e da realização em ver as bonecas prontas.
Embora ninguém tenha realizado explicitamente essa associação, há fortes indícios de
que essa dimensão lúdica da atividade tenha sido a responsável pela sensação de prazer e
alegria dos participantes dessa produção. Outro aspecto apontado na avaliação foi a
sensação de realização, que pode ser associada à materialidade do produto do trabalho
artesanal. Ter a boneca pronta, em mãos, compensava o esforço empreendido na sua
produção. O produto do trabalho do educador é de outra natureza, mais fluido, mais em
longo prazo e por isso, torna-se mais difícil visualizar a materialidade do seu produto.
Cada boneca tinha a cara de quem a costurou. Elas não tinham só os detalhes escolhidos
por suas ‘artesãs’, mas também guardavam histórias amarradinhas nas linhas!
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lógica de “automatização do homem”. Para esse autor, “são precisamente as reações
emocionais que devem constituir a base do processo educativo”.
A pesquisa contribuiu para reforçar o pressuposto de que o trabalho da OP deve
ser pautado por ações que não apaguem a sua responsabilidade no processo de formação
dentro da escola, mas também que não se constitua como atribuição exclusiva desse
profissional. Esse princípio se fundamenta numa concepção de formação inspirada pelo
pensamento de Paulo Freire, uma formação co-participada, entendida como encontro de
sujeitos ativos que tomam a prática pedagógica como objeto de conhecimento e se
desafiam a pensarem sobre ela, numa relação dialógica, buscando romper com a tradição
da hierarquização na relação entre professores e orientadora pedagógica.
Outro aspecto a ser destacado como aprendizagem do percurso foi o
reconhecimento de que o sentimento de insatisfação com o trabalho e a sensação de que
ele “não serve pra nada” pode ser relativizada à luz da compreensão da complexa trama
de produção de sentidos, apreendida sob a perspectiva de que os processos de constituição
dos sujeitos estão sempre em aberto. A promoção e vivência de práticas miúdas de
trabalho coletivo, práticas inspiradas em linguagens artísticas que buscam a articulação
das dimensões pessoais e profissionais dos sujeitos possibilita a relativização do
sentimento de ineficácia do trabalho da orientadora pedagógica.
Se o que mobilizou o início desta pesquisa foram as perguntas sobre a minha
prática, preciso reconhecer que, em meio a tantas aprendizagens ocorridas no percurso,
as perguntas não cessaram. Elas foram refeitas, pois o debruçar-se sobre as práticas
instiga a formulação de novas perguntas. Afinal, uma das minhas aprendizagens está no
reconhecimento de que os processos de formação humana, inscritos na história e na
cultura, devem contribuir para a intervenção na realidade de forma que fortaleça os
processos de humanização e não para a acomodação. Para Freire (1998), somos seres
incabados: “Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da
experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o
inacabamento se tornou consciente” (p.55). Saber-se inacabado significa tomar distância
daquilo que estou sendo no mundo e com o mundo e inserir-se num processo de busca do
conhecimento. Ao longo do processo da pesquisa e da escrita deste texto, fui me
reconhecendo e também me estranhando ao buscar os sentidos da orientação pedagógica
que vêm me constituindo como profissional, buscando formas de falar da história da
orientadora pedagógica que tenho sido mesmo sabendo que esse processo de constituição
profissional nunca será finalizado.
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BIBLIOGRAFIA
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Eixo 4
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A contação e recontação de estórias como ferramenta para
o Ensino de Ciências na Educação Infantil:
experimentação para e com as crianças
Resumo
1
Integrante do grupo CHOICES - Instituto de Biociências/USP - marcelo.sato@ib.usp.br
2
Graduada pelo Instituto de Biociências/USP e licencianda em Pedagogia pelo Instituto Singularidades -
marietaprado@gmail.com
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Introdução e justificativa
Contextos
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realizado em 2014. A iniciativa surgiu em razão do alto índice de casos de dengue na Cidade
Universitária da USP, revelando a Creche Oeste como maior foco de larvas do mosquito
transmissor (Aedes aegypti). Como forma de combate ao vetor, foi elaborada uma sequência
baseada no estímulo ao imaginário na experimentação científica, tendo como tema central a
dengue e seu transmissor.
Referenciais teóricos
3
Roxo denomina a última turma da Creche e Pré-Escola Oeste e Pégasus indica o nome próprio de cada turma,
escolhido pelas crianças no começo do ano.
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No que diz respeito a esse eixo, o Ensino de Ciências pode se mostrar um grande
aliado, uma vez que grande parte dos conhecimentos científicos construídos historicamente
tiveram como base observações e questionamentos acerca do mundo físico/social (POPPER,
2005; MILL, 2008; KUHN, 1962).
Porém não é de se espantar que essa relação não seja óbvia. Diversas interpretações
deformadas da Ciência são encontradas tanto entre os professores da área quanto em artigos
sobre educação científica/Ensino de Ciências. Algumas dessas deformações são: a
transmissão de visões individualista, elitista, aproblemática e ahistórica da Ciência;
apresentação rígida (Ciência exata e infalível) entre outras (CACHAPUZ et al., 2011).
Nesse sentido, o Ensino de Ciências pode exercer uma importante função na interface
entre as crianças e o mundo físico que as rodeia. Para isso, entretanto, é essencial pensá-lo de
maneira que fuja destas concepções deformadas e que tenha como base a real investigação e
indagação do mundo.
No que diz respeito às culturas infantis, Corsaro cunha o termo pares de crianças para
referir a “coorte ou o grupo de crianças que passa seu tempo junto quase todos os dias” (2011:
127). Tal conjunto estabelece determinada rotina e é por meio da produção e participação
coletiva nesses espaços e tempos que as crianças tornam-se membros tanto de suas culturas de
pares quanto do mundo adulto onde estão situadas (CORSARO, 2011).
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distorcidas da Ciência, pode ser uma fonte rica de experiências investigativas, de exploração e
de encantamento para e com as crianças.
Relato das atividades
Contação de estória
No segundo dia, uma roda de conversa retomou a discussão anterior. Mais uma vez as
armadilhas foram citadas (junto com a máquina do tempo), demonstrando novamente o
interesse das crianças pelo uso desses artefatos.
4
Cf. RUBIRA, 2006. p.36.
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Confecção das armadilhas
Para a confecção das armadilhas foram utilizados materiais simples (garrafa PET
vazia, microtule, lixa, tesoura ou estilete e fita crepe) que foram previamente preparados com
o objetivo de facilitar e possibilitar o manuseio por parte das crianças.
Diferentes tipos de alimentos foram usados como iscas para atrair os mosquitos: arroz,
café, açúcar refinado e ração de gato. As perguntas propostas para as crianças foram: qual isca
atrairia mais mosquitos? e o mosquito preferia colocar as larvas em lugares claros ou
escuros?. As crianças propuseram elaborar armadílhas com cada um dos alimentos, uma com
todos as iscas juntas e outra sem nenhum. Também sugeriram colocar a mesma quantidade em
lugares claros e escuros.
Foram produzidas 20 armadilhas, dez para lugares de alta luminosidade e dez para
lugares com baixa luminosidade. Elas foram espalhadas na escola pelas crianças.
Contextualização do experimento
No terceiro dia, houve uma breve explicação ilustrada, em roda, sobre as diferentes
fases de vida do mosquito da dengue. Foi apresentada uma tabela para as crianças
sistematizarem os resultados encontrados, a fim de, no final da sequência, conseguirem
responder as duas perguntas feitas no momento anterior.
Após buscar as armadilhas pela creche, houve a contagem das larvas de cada
armadilha e o preenchimento da tabela. Assim, foi possível visualizar que a armadilha com a
ração de gato, colocada em região de baixa luminosidade, possuía mais larvas. Tal resultadoe
5
https://www.youtube.com/watch?v=Jyi_zj3PWcc
357
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permitiu inferir que esta atraiu mais mosquitos. As crianças também tiveram a
oportunidade de observar as larvas e pupas do mosquito no microscópio.
Recontação e acompanhamento
Na trama criada pelas crianças, as seis crianças (três meninos e três meninas)
encontram ovos e larvas de mosquitos da dengue em um brinquedo que acumulou
água. Com baldes, recolhem muitos mosquitos e os levam para o Dr. Maluco, que
produz um remédio que mata todos os mosquitos da dengue. Os mosquitos fogem para
a Grécia Antiga, onde encontram-se com Pégasus.
Reflexões e desdobramentos
Futuras análises dessa intervenção servirão de base para pesquisa sobre as relações
entre o imaginário e a construção do conhecimento científico em atividades com crianças
pequenas. Cabe aqui levantar alguns dos questionamentos que surgem:
Agradecimentos
infantil. 2010
MILL, J.; NAGEL, E. Philosophy Of Scientific Methods. Genesis Publishing Pvt Ltd, 2008.
POPPER, K. The logic of scientific discovery. Routledge,
2005.
Resumo: O Projeto João e Maria no Parque de Pneus, foi desenvolvido no Centro de Educação
Infantil Municipal Austrílio Ferreira de Souza (CEIM Austrílio) na cidade de Dourados - Mato
Grosso do Sul, com as turmas do Pré I “B” e “C” vespertino, totalizando 34 crianças envolvidas
no projeto. O objetivo foi a revitalização de um espaço mal aproveitado na instituição, para a
idealização (por parte das crianças) e construção (por parte dos professores) de um parque, a
fim de promover um ambiente que favorecesse o desenvolvimento global das crianças por meio
do brincar. Os “pequenos arquitetos” planejaram o ambiente a partir da imaginação e do faz-
de-conta, desencadeados pela contextualização da história infantil “João e Maria”, para além
disso, tiveram também como suporte criativo imagens da internet e visita a um outro parque de
pneus para então desenharem e enfim construírem uma maquete que representasse os de
brinquedos de ambas as turmas. O resultado foi a construção de um parque, que teve como
matéria prima principal as ideias das crianças e pneus descartados promotor de suas
brincadeiras, faz-de-conta, imaginação e socialização.
1.Profissional de Educação Física pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN), professor na rede
municipal de Dourados-MS em Centros de Educação Infantil. É cursista na especialização Docência na Educação
Infantil do programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados
(FAED/UFGD). É graduado na capoeira pela Associação Brasileira de desenvolvimento e apoio da arte capoeira
(ABADA-Capoeira/RJ) É professor de capoeira e possui um espaço com área de treino e trabalho social. Espaço
Cultural Ricardo Capoeira desde 2013.
2.Pedagoga pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), é professora efetiva da rede municipal de
Dourados-MS, trabalha na Educação Infantil. É especialista em Docência na Educação Infantil pela Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
3.Pedagoga pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), é professora efetiva da rede municipal de
Dourados-MS, trabalha na Educação Infantil a cinco anos. É mestre em Educação pela mesma universidade e
membro de grupo de Pesquisas Processos Civilizadores. Professora formadora da especialização Docência na
Educação Infantil do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação FAED – UFGD.
Este brincar não pode configurar-se apenas no seu modo utilitário e a realização deste
projeto figura-se em uma tentativa de se avançar nesse aspecto. Ou seja, não apenas ter a
iniciativa de construir mais uma espaço destinado ao brincar, mas o fazê-lo a partir das
necessidades e ideias de quem irá usufruir dele.
A construção desse parque visa representar a importância e o espaço que deve ser dado ao
brincar nas instituições de educação infantil, é uma busca por alargar as possibilidades e
Assim como as autoras bem colocam, nesse CEIM não é diferente da rotina relatada
acima, que é a de usar o brincar como momento de extravasar as energias contidas das crianças
em detrimento de atividades propedêuticas à escola.
Geralmente este brincar vincula-se ao horário das crianças irem embora, já que em
creches/CEIMs não há intervalo tal como os das escolas. O tempo certo de ocorrer, é após as
crianças terem cumprido uma série de atividades, geralmente fotocopiadas e relacionadas a
datas comemorativas. Ao final do período as professoras já estão cansadas de tanto controlar os
impulsos dos pequenos e então os deixam brincarem livremente, correrem, se jogarem no
gramado, rolarem na areia etc.
A necessidade de avançar com relação a essas características do brincar na instituição,
não se refere a como as crianças brincam, mas sim como o brincar é utilizado de modo a não
fazer parte de todo o período que a criança está na instituição.
E desta contradição entre discurso e prática, os educadores recorrem a utilização em
seus planejamentos da palavra ludicidade e sobre esse recorrente movimento de desiquilíbrio
assim chamado por Kishimoto, esta analisa que “[...] o desequilíbrio provoca duas situações
duas situações: não há mais ensino, há apenas jogo, quando a função lúdica predomina ou, ao
contrário, quando a função educativa elimina todo hedonismo, resta apenas ensino.”
(KISHIMOTO, 1994, p.19 Apud MARTINS; CRUZ, 2008.). E este movimento de hora apenas
privilegiar o ensino e hora apenas privilegiar o brincar livre, está presente tanto nas creches
como também em escolas que atendem os primeiros anos do Ensino Fundamental.
O curioso é que todas as educadoras e educadores tem prontamente frases feitas a serem
repetidas sobre o brincar, porém são poucas que têm práticas a relatar sobre como brincam ou
incentivam uma brincadeira entre ou com suas crianças. E muitas vezes vinculados a esses
discursos sobre as brincadeiras e brinquedos, ouve-se análises sobre o quanto as crianças não
sabem brincar, organizar brincadeiras, ou se divertirem tal qual estes educadores dizem ter feito
na época deles.
Sendo assim, o ato de brincar não é um impulso natural da criança, “qualquer coisa é
brinquedo, qualquer tempo é brincadeira”. A própria significação do brinquedo para gerar uma
brincadeira só existe quando alguém ensina a criança a utilizá-lo para o devido fim. Entre as
primeiras manipulações de objetos realizadas pela criança e o aparecimento do faz de conta há
um complexo processo de desenvolvimento em que o adulto ocupa papel fundamental.
(MARTINS; CRUZ, 2008, p. 69).
Deste modo, a brincadeira figura-se como construção e reconstrução de aprendizagens
frente a uma determinada ação, vinculada ao objeto brinquedo e a construção da brincadeira,
geradas de crianças para crianças e de criança para adultos e de adultos para crianças.
(MARTINS; CRUZ, 2008).
O brincar na Educação Infantil deve ser compreendido como integrante de uma
importante concepção presente e conquistada a esta etapa da educação básica: a concepção de
que o cuidar e o educar são indissociáveis, e a esta indissociação deveria ser agregado outro
verbo, que resulte como um tripé para o atendimento na educação infantil: cuidar, educar e
brincar. “Para educar crianças pequenas, que ainda são vulneráveis, é necessário integrar a
educação ao cuidado, mas também a educação e o cuidado à brincadeira”. (BRASIL, 2012,
p.6).
O referido projeto teve início nas duas primeiras semanas do mês de julho (01/07 a
10/07), adentrou o período de recesso escolar (13/07 a 27/07) e foi concluído e inaugurado na
primeira semana de agosto (05/08/2015). Seu desenvolvimento contou com a iniciativa do
Professor Ricardo Batista e com a participação das professoras, regentes das turmas de Pré I
“A” e “B” vespertino, respectivamente professora Maria Elenice da Paz e professora Cindy
Gomes.
A área de construção do parque fica na lateral do CEIM, medindo 5m por 19m. Era uma
área evitada pelas professoras e de pouco atrativo para as crianças. Sua vantagem resumia-se à
uma boa sombra proporcionada pelas árvores da espécie sibipiruna, sombra esta importante no
verão e ausente nos demais espaços externos da instituição.
Utilizar o espaço para a estruturação de brinquedos feitos preferencialmente com pneus
descartados, vincula-se as possibilidades que este material traz e agrega à prática pedagógica
na Educação Infantil. Ou seja, a estruturação deste espaço oferece às crianças momentos que
por meio do brincar venham a conhecer, desenvolver e aprimorar habilidades físicas básicas,
praticar a curiosidade e criatividade ao mexer, tocar e explorar os diferentes elementos e
texturas, sobrepor desafios, construir e reconstruir significados dos elementos, do espaço e dos
processos construtivos do brincar. (BATISTA, 2014).
Possibilidades estas trazidas como importantes nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Infantil:
As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação
Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira e
garantir experiências que promovam o conhecimento de si e do mundo por
meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais, que
possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito
pelos ritmos e desejos da criança. (BRASIL, 2010, p.25)
Do faz-de-conta à realidade
A avaliação foi de caráter processual, a cada atividade proposta seja durante ou depois, as
turmas eram questionadas sobre suas impressões do que estava sendo feito, se estavam gostando ou
não. Outra rotina de avaliação entre os professores foi o movimento de observar
BATISTA, Ricardo Alves. Projeto parque de pneus: pneumágico. Espaço Cultural Ricardo
Capoeira, com Projeto Mais Educação Escola Sócrates Câmara, 2014.
BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de Ser e estar no mundo. In: Brasil.
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2006.
MARTINS, I. C.; CRUZ, M. N. Brincar por brincar ou brincar para aprender? O lugar da
brincadeira na educação infantil. Educação e fronteiras (UFGD), v. 2, p. 187-202, 2008.
Resumo:
O presente trabalho visa apresentar as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para
organizar o trabalho educativo com bebês, usando como recurso o cesto de tesouros.
Entendemos que recursos dessa natureza podem auxiliar na organização do trabalho pedagógico
com bebês contribuindo na aprendizagem e desenvolvimento de capacidades psíquicas dos
pequeninos. A possibilidade de intervenção que deu origem a esse trabalho foi realizada uma
sala de berçário de uma instituição municipal da cidade de Londrina – PR, mediante parceria
entre a coordenadora do PIBID, supervisora (a professora da classe) e alunos bolsistas do
Programa. Como resultados, temos, por um lado, a possibilidade de alunos do curso de
Pedagogia atuarem conjuntamente com a supervisora no planejamento e na promoção de ações
que visem somar esforços no sentido de qualificar o trabalho pedagógico na educação infantil.
Por outro lado, foi possível verificar, ao longo da intervenção com as crianças, avanços no
repertório de conhecimentos dos bebês.
Introdução
A prática pedagógica com os bebês, especificamente durante o primeiro ano de vida,
encerra muitos desafios. Isso pode ser comprovado pelas inúmeras pesquisas que atestam que
ainda persistem ações restritas às necessidades básicas de sono, alimentação e higiene, sem o
olhar atento às outras possibilidades educativas que possam contribuir nas conquistas de
aprendizagem e desenvolvimento dos pequeninos (LAZARETTI, 2013; BARBOSA, 2000).
Temos nos deparado com espaços de berçários repletos de berços, paredes coloridas e
enfeitadas, porém, que pouco promovem o desenvolvimento dos bebês. Professores que se
comunicam entre eles, mas não se comunicam com as crianças pequenas. Espaços externos
pouco ou nada utilizados, chão pouco experimentado. No discurso encontramos a dificuldade
de se trabalhar com bebês e quando afirmam haver “atividades”, estas estão voltadas a folhas
de papel sulfite carimbadas (mãos, pés, dedos).
O primeiro ano de vida é marcado pela relação emocional e afetiva que a criança estabelece
com o adulto. As ações de cuidado e de atenção provocam comunicação e medeiam a relação bebê-
adulto pela atividade conjunta que origina aprendizagens cada vez mais complexas. A característica
fundamental do “[...] recém-nascido é a sua capacidade ilimitada para assimilar novas experiências
e adquirir as formas de comportamento que caracterizam o homem” (MUKHINA, 1996, p. 76).
Desde os primeiros meses, é intenso a relação do bebê com o adulto e também com a realidade
circundante, e essa relação reorganiza o desenvolvimento do bebê, em que num primeiro momento
predominam necessidades biológicas e orgânicas e progressivamente, surgem necessidades sociais.
Deste modo, o desenvolvimento psíquico da criança começa a se formar no processo de educação,
efetivado pelos adultos, que, além de satisfazerem as necessidades imediatas da criança, organizam
sua vida e criam condições para que seja formada a experiência social (ELKONIN, 1969).
2Pasqualini e Mesquita (2008) definem função psíquica como sendo uma propriedade de ação de que dispõe nosso psiquismo
no processo de captação da realidade objetiva. Constituem funções psíquicas (ou processos funcionais): sensação, percepção,
memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e sentimentos.
Cena 1
Nas duas cenas podemos constatar o importante papel da professora. Na medida em que
disponibiliza os objetos também interfere na ação com os mesmos. Para Mukhina (1996, p.51)
“o papel diretivo do ensino no desenvolvimento psíquico da criança manifesta-se no fato de que a
criança assimila novas ações, inicialmente orientada e ajudada pelo adulto, depois sozinha”.
As ações da professora podem tanto apresentar os objetos para os bebês, como ampliar suas
necessidades em relação à linguagem. O que pretendemos é evidenciar que a exploração do
cesto com a intervenção do adulto pode ser mais rica e qualificada do que a simples
manipulação dos objetos pela criança.
De acordo com Venguer (1986, p.116)
Considerações finais
O novo não só estimula a atividade da criança a respeito do objeto, mas também lhe
proporciona apoio. As ações da criança de um ano são estimuladas pela novidade dos
objetos e sustentadas pelas novas qualidades dos objetos que vão sendo descobertas
durante sua manipulação. O esgotamento das possibilidades de novidade implica a
cessação das ações com o objeto (ELKONIN, 1998, p. 214).
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor & por força: rotinas na educação
infantil. 2000. 283 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000.
Docente da Universidade Paulista – UNIP e Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Infantil - GPEI UNESP/Araraquara
Cunha (1994) também faz tais ressalvas indicando que quando a criança brinca
em grupo, exercita o convívio e a participação, aprendendo a aceitar as regras impostas
pelo grupo, percebendo que existe o momento certo de se pronunciar, mas, também de
ouvir e que as criticas feitas pelos colegas podem contribuir para sua formação.
Mesmo quando ela ainda não sabe brincar junto com outra criança, pode brincar
paralelamente. Ás vezes, dizer “eu também quero brincar”, não significa que quer
brincar junto, mas ao lado; de qualquer maneira é o começo da vontade de
participar por parte de alguém que ainda não aprendeu a partilhar. (CUNHA, 1994,
p.21).
Assim, a criança brinca para conhecer a si própria e aos outros em suas relações;
para expressar emoções; para conhecer os objetos em seu contexto e o uso cultural dos
objetos; para realizar coisas que talvez sejam impossíveis em seu convívio e sua
realidade; e, entre outras coisas, para aprender as normas do mundo em que vive, os
comportamentos e os hábitos determinados pela sua própria cultura.
O brincar é, portanto, um caminho viável para que ela possa também reconhecer
as diversidades culturais.
Ao brincar as crianças trazem para suas brincadeiras o que veem, escutam,
observam e experimentam. Revelam suas visões de mundo, suas descobertas. As
brincadeiras ficam mais interessantes quando associadas às diferentes linguagens, entre
ela a corporal. O corpo comunica e é preciso aprender a ler suas mensagens.
Ao perguntarmos qual tipo de atividade lúdica as participantes utilizam em suas
ações pedagógicas com mais frequência, oito participantes responderam ser a
brincadeira cantada, cinco participantes afirmaram ser o brincar de faz –de- conta,
quatro disseram ser a brincadeira tradicional (como pular corda, passa anel, amarelinha,
corre cotia...), três professoras afirmaram trabalhar prioritariamente com o jogo de
construção, e duas participantes disseram utilizar mais freqüentemente o jogo de
encaixe. A alternativa sobre a brincadeira com brinquedo sucata não foi escolhida por
ninguém.
Brougère (2004; 2001; 1998a, 1998b) denomina esse fazer infantil com o
brinquedo de cultura lúdica. O autor aponta também que garantir o tempo e o espaço
dos diferentes jogos, brinquedos e brincadeiras na vida da criança é responsabilidade
não só das famílias, mas também das instituições escolares desde o nível da Educação
Infantil.
Procuramos averiguar também se o movimento corporal se apresenta nas
atividades lúdicas que utilizam, dezenove professoras disseram que em suas propostas
com o brincar o movimento é muito explorado, as outras três afirmaram explorar pouco
brincadeiras com movimento.
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: prazer de estudar, técnicas e jogos
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PINTO, V. A. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 2000.
Este trabalho pretende mostrar que a EMEI Gabriel Prestes tem desenvolvido uma
educação para crianças protagonistas de um processo brincante e dialogado na
escola. Quando ouvida e observada em atenção aos seus saberes infantis, as crianças
dessa escola conseguem estabelecer na relação com adultos e seu entorno,
aprendizagens, brincadeiras, pertencimento e amor ao território em que vivem. A
outra tarefa da escola tem sido ensinar as crianças a conviverem com as diferenças na
cidade pelo trabalho de cultural popular que constrói identidades, promovendo a
cultura de paz e de igualdade na convivência das crianças, professores e educadores,
famílias e pessoas que convivem com a escola que se transborda para o território,
desenvolvendo educação integral a CEU aberto, rumo ao bairro e a cidade
educador/a.
A EMEI Gabriel Prestes, é uma escola de educação infantil que atende crianças de
4 e 5 anos e que em 2015 tem 190 crianças matriculadas em dois turnos de 6 horas. Esta situada
na Rua da Consolação, próxima a histórica Rua Maria Antônia, ao polêmico Parque Augusta,
ao Cemitério da Consolação - considerado um Museu de Arte a céu aberto da cidade - à
ocupação de artistas e arte-educadores da Casa Amarela, à igreja da Consolação, ao SESC
Consolação, à Biblioteca Monteiro Lobato, à Biblioteca Mario de Andrade, à Escola Estadual
Caetano de Campos, à Praça Roosevelt, à Praça da República e à EMEI Armando de Arruda
Pereira. Assim, entre outras tantas possibilidades como cinema, teatro, feiras livres, livrarias,
supermercados, sacolões, padarias, etc., configuramos o que temos chamado de “Território
Ceuzinho ou território central das infâncias”, ou propriamente, um entorno recheado de
1
O Centro Educacional Unificado, carinhosamente chamado de "CEU", foi o principal projeto da Secretaria Municipal de Educação na gestão
Marta Suplicy na Prefeitura paulistana. Integra, no mesmo espaço físico, equipamentos de diversos órgãos da administração municipal
— Secretarias da Educação, da Cultura e de Esporte — e conta com a presença efetiva das Secretarias Municipais de Assistência Social, da
Saúde, de Transporte e Infraestrutura Urbana, de Segurança Urbana e das Subprefeituras, vivenciando-se a intersetorialidade e demonstrando-
se como o poder público, de forma integrada, pode se aproximar das comunidades locais e compreender melhor suas necessidades, ao mesmo
tempo em que pode otimizar os recursos públicos, ao atender integradamente as demandas.
Todo esse contexto discutido há 14 anos pela EMEI Gabriel Prestes nos fez tomar
uma decisão política em relação à nossa proposta político-pedagógica: entrar numa articulação
de vários parceiros, preocupados em transformar o centro de SP num território educador, e
construir juntos uma proposta de trabalho para a região.
Foi nesses diálogos que relatamos nosso desejo de construir o território Ceuzinho,
quando compreendemos a educação que transborda a escola e vai para a praça, a feira, ao
supermercado, ao museu, a escola vizinha com as crianças ocupando o entorno e propondo seus
saberes.
“que aqui fosse feita uma discussão da Gabriel poder abrir turmas do ciclo de alfabetização,
para que minha filha possa ter uma continuidade na proposta pedagógica.”
Outras mães que possuem bebes de colo ou como parturientes, desejam que a
EMEI Gabriel Prestes, abra vagas para bebes, acolhendo a ideia de virarmos um CEMEI-Centro
Municipal de Educação Infantil, que atende de zero a 5 anos e 11 meses.
A maioria das famílias é unanime ao dizer que o espaço externo que a escola
apresenta foi a principal decisão para que seus filhos e filhas viessem estudar na Gabriel Prestes,
pois essa crianças moram em locais apertados e limitados para brincadeiras. Outra narrativa é
que aqui as crianças sao felizes e querem vir a escola, gostam do espaço e das professoras e de
vestirem fantasias para brincarem no parque. As famílias relatam gostarem muito dos momentos
de festa na escola, que podem entrar na escola, que sao convidados a participação o tempo todo
e que isso dá um conforto e confiança com a escola.
Algumas famílias afirmam que gostam de saber que a escola leva as crianças
para o entorno a feira, ao mercado, ao sacolão, a livraria, para fazerem suas pesquisas inventadas
com a professora. Quando passam pelas mesmas ruas com seus filhos e filhas, eles dizem que as
crianças falam nomes das ruas, sobre atravessar na faixa de segurança, e onde é o supermercado.
“Essa reconquista (dos espaços públicos pela criança, a partir da escola) requer
o rompimento da escola/prisão/fortaleza e sua transformação na
escola/praça/parque (como propunha Anísio Teixeira).”
MEC BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO
INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da
cidade, p 50 , 2010.
Milton Santos, Paulo Freire, Mayumi Souza Lima trazem, na essência de suas
propostas, o recado de que escolas e cidades mais humanas (generosas, justas,
inclusivas, de qualidade etc.) só poderão ser feitas a muitas mãos,
coletivamente, com a participação de todos os segmentos da comunidade
escolar e todos os setores da sociedade, ou seja, no âmbito da escola, na parte
que lhe/nos cabe, o princípio da gestão democrática é indispensável para este
processo de requalificação da escola, da cidade, da educação. MEC
BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO
INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da
cidade, p 50 , 2010.
“Meu filho está amando. Ele é todo musical e alegre e eu percebo que
atividades como essa fazem uma diferença enorme no comportamento dele. A
EMEI Gabriel Prestes estimula que as crianças brinquem mais, ao invés de
serem alfabetizados tão precocemente. É uma escola que preza o
desenvolvimento natural da criança. Aqui ele tem o tempo para brincar e essa
é a fase ideal para isso, pois não vai voltar nunca mais.
Por outro lado, a presença dos estudantes reinaugura as ruas, pois as pegadas
das trilhas educativas deixam marcas de sentidos e de sociabilidade. E a cidade
agradece. Cidade e escola, uma na outra ressignificadas, requalificadas. E
ambas ficam mais belas... É assim que a cidade irá, efetivamente, assumir seu
papel de educadora, e não, por convênio ou por decreto. Essa é a cara da escola
do século XXI, com sua arquitetura fluida, mutante, conectiva. Arquiteturas
que alinhavam os pontos desconexos de nosso território, que ponham os corpos
em movimento, dando aos estudantes e a todos da escola o direito de explorar
os espaços da escola e do bairro.
MEC BRASIL, TERRITÓRIOS EDUCATIVOS PARA A EDUCAÇÃO
INTEGRAL: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da
cidade, p 57 , 2010
GADOTTI, Moacir. Educação Integral no Brasil: inovações em processo. Ed: PAULO FREIRE: São
Paulo, 2009.
MEC, Brasil. Programa MAIS Educação, série MAIS Educação- cadernos pedagógicos-Territórios
Educativos para a Educação Integral: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da
cidade. Brasília, 2010.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=12451&I temid=
Resumo
1
Aluno do curso de Ciências Sociais da Unesp Araraquara, aluno do movimento para pesquisa e práticas
culturais Manifesto Capoeira e membro do grupo de estudos de questões étnico-raciais Erê. Contato:
eudesfernandes11@gmail.com
Desenvolvimento
Considerações
ABIB, Pedro R.J. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais aplicadas a Educação) - Unicamp, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. 47ª edição.
________. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 2006.
A Escola Italiana Eugenio Montale possui uma visão humanista e tenta preservar todas as
linguagens que as crianças possuem. Uma das maneiras que encontrou, inspirada na abordagem
italiana de Reggio Emilia, foi trabalhar com o atelierista. Esta figura, que perpassa todas as
disciplinas, dá voz às curiosidades e à criatividade das crianças.
O atelierista, que é uma pessoa formada em arte, considerando o artista quem mais consegue
manter o olhar fresco e encantado de uma criança, trabalha junto delas com um olhar poético e
narrativo da realidade. Não existe uma hora dedicada ao atelier, o atelierista está sempre
presente nas várias atividades do cotidiano.
Resumo
Este texto tem por objetivo apresentar o trabalho desenvolvido pelo Projeto Ludibus, ligado ao
Departamento de Didática da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp (Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) de Marília-SP. O projeto conta com um ônibus lúdico
que se configura como uma biblioteca, brinquedoteca e ateliê itinerantes. Visa sensibilizar
graduandos da universidade, diretores e professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental
(ciclo I) a respeito da importância do lúdico e da arte como elementos facilitadores do
desenvolvimento infantil. Também leva às escolas públicas propostas de ação às crianças a fim
de estimulá-las a criar e expressar-se ludicamente por meio das linguagens artísticas. Os
resultados demonstram que um trabalho voltado para estes campos de conhecimento leva as
crianças a criarem, a falarem de si e seu mundo, bem como auxiliam na formação inicial e
continuada de professores.
Introdução
As Diretrizes determinam também que os eixos norteadores da Educação Infantil devem ser as
interações e brincadeiras. Sendo assim, o elemento lúdico deve perpassar todas as atividades
voltadas para a criança pequena. No Projeto Ludibus, esta é uma realidade.
Método e procedimentos
O referencial metodológico que mais se aproxima de nosso trabalho é o da Pesquisa
– Ação. Segundo Thiollent configura-se como
um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual o
pesquisador e os participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo(1986, p.14).
O autor ainda diz que
uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa–ação quando houver realmente uma
ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além
disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação
problemática, merecendo investigação para ser elaborada e conduzida (1986, p.15).
Resultados
Em relação às atividades realizadas, nos últimos três anos (2012-2015) desenvolvemos
um trabalho mais voltado para os aspectos do ambiente lúdico- educativo proporcionado pelo
ônibus e suas características de brinquedoteca, biblioteca e ateliê itinerantes. Nos anos
anteriores desenvolvemos alguns projetos temáticos, incluindo a filosofia para crianças e temas
cotidianos, tais como: falar de si, de gostos, do bairro, da cidade, da escola. Até mesmo temas
relacionados a bienais de arte de São Paulo foram desenvolvidos. Em anos anteriores a 2010 a
atividade de contar histórias foi trabalhada, das mais variadas formas: contar com a presença
do livro; com baú de histórias, com materiais e acessórios; com adereços; com dramatizações e
narrativas. As artes visuais e principalmente a pintura e o desenho sempre tiveram lugar
privilegiado no Projeto.
De 2013 para cá decidimos por oferecer todo o material do ônibus às crianças, com
maior liberdade de escolha dos brinquedos, livros, papéis, tintas, etc. As crianças puderam
explorar mais, observar mais, escolher ainda mais o que queriam de fato fazer. Os bolsistas da
equipe funcionaram como mediadores das brincadeiras e atividades, sempre atentos às falas e
necessidades das crianças. No meio destas atividades destacou-se o gosto das crianças pela
leitura de livros e pela feitura de desenhos. Analisamos o desenho infantil pelo viés da
Sociologia da Infância. Nesse sentido, destacamos que Gobbi (2009) tem desenvolvido
pesquisas aliando o desenho infantil à oralidade, defendendo que o desenho, aliado às falas
infantis são “reveladores de olhares e concepções dos pequenos e pequenas sobre o seu contexto
social, histórico e cultural, pensados, vividos, desejados” (GOBBI, 2009, p. 71).
Suas produções devem, portanto, ser reconhecidas, valorizadas e respeitadas como importantes
registros, que revelam muito do entorno infantil.
Algumas propostas simples levaram as crianças a criarem e falarem de si e de seu
entorno por meio de suas obras. Alguns desenhos chamaram a atenção da equipe, por sua
dramaticidade ou pelo uso das cores. Aliados à oralidade (GOBBI, 2009), podem nos revelar
muito do que se esconde por trás do comportamento infantil: medos, anseios, desejos, formas
de ver o mundo, modos de viver, situações cotidianas, etc.
Conclusão
As linguagens artísticas e as atividades lúdicas, tantas vezes deixadas de lado nas escolas
em detrimento de atividades e aprendizagens consideradas mais “importantes”, são os
elementos – chave dentro do Projeto LUDIBUS. Com o objetivo de sensibilizar educadores
para tais áreas do conhecimento humano e levar as crianças a conhecerem melhor o mundo por
meio de tais atividades, o LUDIBUS desenvolve seu trabalho. Visitando escolas,
desenvolvendo parcerias várias, fomentando o ensino, a pesquisa e a extensão universitários.
Nesse trabalho todos são protagonistas, todos elaboram propostas, tem voz e
possibilidades de opinar sobre as atividades desenvolvidas. Com um olhar voltado para uma
criança ativa, criativa, um ser cultural, capaz de contribuir com o arcabouço cultural da
civilização, o ônibus lúdico leva seu trabalho educativo às escolas de Marília e região. Novas
parcerias estão sendo firmadas, tais como com a Secretaria da Saúde, que nos convidou para
um trabalho conjunto relacionado à importância do aleitamento materno em escolas de
Educação Infantil. As diversas realidades educacionais nos instigam e nos desafiam a seguir
em frente, nesse Projeto mágico, que nos leva sobre as “rodas da alegria”!
GOBBI, M. Desenho infantil e oralidade: Instrumentos para pesquisas com crianças pequenas.
In: FARIA, A. L. G.; DEMARTINI, Z. de B. F.; PRADO, P. D.(Orgs.). Por uma cultura da
infância: metodologias de pesquisa com crianças. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2009.
p. 69-92.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Trad. João Paulo
Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1990.
SARMENTO, Manuel Jacinto e Pinto Manuel (1997). “As crianças e a infância: definindo
conceitos, delimitando o campo”. In M. Pinto e M. J. Sarmento (Coord.), As Crianças:
Contextos e Identidades. Braga. Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho.
Resumo
Tendo em vista a diversidade de etnias, crenças, costumes e valores, que tão fortemente
caracterizam a população brasileira, é de grande importância que o tema da pluralidade
cultural seja trabalhado ainda durante a Educação Infantil.
Precisamos aproveitar a curiosidade que as crianças podem apresentar quanto ao que lhes
é diferente e mostrar a elas a existência de modos distintos de se viver no mundo. Além
disso, devemos estimulá-las a fazer perguntas e procurar respostas às suas questões,
porque é desse modo que aprendem sobre ele.
A prática pedagógica que venho aqui relatar faz parte do projeto “Lendo o Mundo por
Meio de Histórias”, em que as crianças da Educação Infantil, ao entrarem em contato com
contos tradicionais de países de quatro continentes – América (especificamente a parte
latina), Europa, Ásia e África - são expostas a diferentes culturas.
Tal projeto ocorreu durante todo o ano de 2015, sendo contadas, a cada bimestre, histórias
de tradição oral de um desses quatro continentes, com apoio de objetos, fantoches,
adereços e instrumentos musicais. Durante a contação, as crianças foram convidadas a
fazer questionamentos, criar suas hipóteses e desenvolver, portanto, as suas próprias
leituras de mundo.
1
Professora de Educação Infantil em São Paulo/SP, onde atua como contadora de histórias desde 2013, e
mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da USP.
Refutamos a ideia de que a cultura é algo criado unicamente pelos adultos e deve
ser incorporada passivamente pela criança. Freire (1989), em consonância conosco, diz
que as crianças são detentoras de cultura, assim como os adultos, porque transformam o
mundo e, ao transformá-lo, se transformam. Cohn (2005, p. 33) também defende a criança
como produtora de cultura ao formular um sentido ao mundo que a rodeia: “a diferença
entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe
menos, sabe outra coisa”.
O mesmo pensamento é reforçado por Prado (2014, p. 90):
No entanto, é muito comum, na prática de contar histórias para crianças, que os adultos
organizem esse momento de tal modo que a criança deva ficar “quietinha” e com o corpo
imóvel durante a leitura2, não lhe sendo oferecida a oportunidade de interagir com a história
por meio da fala e, consequentemente, sendo cerceada a possibilidade de organização do seu
pensamento.
Nossa contrariedade a essa prática encontra apoio em Bakhtin (apud Jobim e Souza,
1994), o qual ressalta que, ao expressarmos nossa compreensão sobre qualquer tema para
uma outra pessoa, nossa palavra retorna sempre modificada para o nosso pensamento.
Quanto mais se fala e expressa suas ideias, tanto melhor elas são formuladas internamente.
Em defesa disso, Bruner (2001, p. 119) diz que “muito provavelmente uma das primeiras
e mais naturais formas pela qual organizamos nossa experiência e nosso conhecimento é
em termos do formato narrativo”.
Para Benjamin (1983), a narrativa tem como matéria-prima as experiências, que
podem ser tanto pessoais como coletivas, de um povo ou de uma cultura, expressas na
forma de conto ou saga. Para o mesmo, o narrador faz com que essa narrativa, oriunda de
uma experiência, torne-se outra vez em experiência para aqueles que ouvem a sua história.
Do ponto de vista de Walter Benjamin, o conceito de experiência não equivale a
vivência, é “conhecimento acumulado, que se prolonga e se desdobra. Significa o modo
de vida, (...) associando a vida particular à vida coletiva e estabelecendo um fluxo de
correspondências alimentado pela memória” (Meinerz, 2008, p. 18).
Desse modo, a prática pedagógica que venho aqui relatar foi o projeto “Lendo o
Mundo por Meio de Histórias”, que teve como proposta oferecer às crianças, de 3 a 5
anos, da Educação Infantil de uma escola da zona sul da cidade de São Paulo, a
possiblidade de experienciar diferentes culturas ao redor do mundo por meio das histórias
de tradição oral dos seus respectivos países. O projeto ocorreu durante todo o ano de 2015.
Foram contadas, a cada bimestre, contos tradicionais de um dentre quatro diferentes
continentes a serem abordados ao longo do ano: América – especificamente a Latina,
Europa, Ásia e África.
Objetivos
2
Rubira (2006, p. 16) nos ilustra essa situação: “A ‘Hora do Conto’ é tida, simplesmente, por vários
educadores como um momento de sossego do professor que consegue, com certa frequência, calar e
imobilizar (...) com sua narrativa”.
1ª semana
A primeira semana do projeto se propôs a sensibilizá-los e despertar o seu interesse
com relação à cultura do leste da Ásia, procurando reconhecer elementos da mesma que
já lhes fossem familiares.
O que fiz foi me caracterizar, vestindo um kimono tradicional e pintando o rosto, e
trazer objetos daquela cultura que os permitissem, ver, cheirar, sentir com as mãos e ouvir.
Eu deixei uma canção de ninar chinesa tocando enquanto eles iam entrando na sala.
Não falava nada, apenas os observava com um sorriso, e isso tudo lhes parecia muito estranho.
A reação foi muito bacana. Eles a princípio ficavam em silêncio também, olhando de modo
curioso e rindo. A partir do momento em que todos se sentaram, passei a cumprimentá-los
com as mãos em prece, olhando nos olhos, de um por um, o que também causou
estranhamento.
Em um segundo momento, perguntei a eles por que eu estava vestida e pintada
daquele modo, por que estava tocando aquela música, para que eu pudesse partir da
conclusão deles e não de uma fala minha. Uma menina, logo que me viu, disse: “você
parece uma suspeita!”. Boa parte da turma disse sem demora que eu estava vestida de
japonesa ou de chinesa e deveria ser porque na história haveria uma personagem assim.
Disse então que eu estava vestida daquele modo porque naquele mês eu contaria para eles
histórias da Ásia, mais especificamente do Japão e da China.
Mas você vai crescer e os seus pais vão morrer, daí você vai ter um bebezinho e vai morrer antes
do seu bebezinho. (Leo)
8. Quando eu morrer eu vou continuar na minha família? (Thiago)
9. Não, Thi, quando a gente morre, não fica mais entre as pessoas
que estão vivas. (Leticia)
10. E então o que acontece quando a gente morre? (Laura)
11. Tem gente que é enterrada no caixão, uma caixa grande de
madeira, que vai pra dentro de um buraco na terra, e tem gente que é
cremada, colocam fogo no corpo dela até ela virar pó, e então colocam
o pó numa caixinha pequena. (Leticia)
12. Eu não quero ser queimada, eu quero ir pra caixinha. (Sofia)
(Diário profissional da professora)
Foi um diálogo muito precioso sobre a morte, que nas culturas orientais é encarada
de um modo muito mais natural e tranquilo em comparação com o ocidente.
Benjamin (1985, p.236-237) lembra que as crianças são bem diferentes do modo como
os adultos as concebem ou as conceberam ao longo da história: “criança exige dos adultos
explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis... A criança aceita
perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e pesadas, desde que sejam honestas e
espontâneas”.
Quando falava da relação que o Ping tinha com a plantas, um menino perguntou se ele
namorava com elas. Eu disse que, de algum modo, ele era apaixonado por elas, e as tratava
com amor. Interessante também a formulação de hipóteses pelas crianças quanto aos motivos
pelos quais aquela semente do Ping não brotava nunca. Uns disseram: ela devia estar
estragada, estava quebrada, ou "alguém amassou". Mas, em outras turmas, foram raras as
vezes em que a explicação para a não germinação da semente estava baseada na própria
semente: "ele não regou todos os dias" ou "não podia fazer carinho na terra". Para aqueles
que acreditavam que não tinha nada de errado e "pra planta crescer demora mesmo", ainda
havia esperança: "e se ninguém virar imperador esse ano e aí no próximo ano a plantinha do
Ping já cresceu e ele pode virar imperador". A compreensão do real sentido de "fazer o
melhor possível durante um ano", com a semente, apenas foi possível no final da história.
Quando, na história, as outras crianças mostram a Ping seus vasos com flores maravilhosas,
algumas crianças, em turmas diferentes, sugeriram: "então por que ele não pega uma flor e
coloca no vaso também?". Eu fiquei um pouco surpresa com a pergunta, mas foi uma boa
oportunidade de entender que nada é óbvio para eles, e de explicar que, se ele fizesse isso,
estaria mentindo, porque, afinal, sua semente não havia dado flor.
É importante aqui ressaltar a mediação do adulto que, nesse contexto, tem a
possibilidade de assumir diversos papeis: disponibilizar o acesso ao mundo da cultura já
pré-existente, por meio da contação de histórias; discutir a história contada, comentando
sobre as intenções e sentimentos dos personagens e explicando porque se comportam de
determinado modo - o que auxilia as crianças em seu desenvolvimento sociocognitivo
(Hinchcliffe, 1996); e escutar a criança, o que, para Jobim e Souza (1994) “é uma
oportunidade de retomarmos, a partir da sua ótica, um olhar crítico sobre a nossa cultura”.
3ª semana
Na terceira semana de contação de histórias orientais, contei a história tradicional
chinesa
“O Brocado Maravilhoso” (Neil, 2000), em que uma senhora, idosa e de poucos recursos
materiais, tece a imagem de uma fotografia, em que está registrado o seu lugar dos sonhos,
onde sempre desejara morar. No meio da história, após concluir o seu trabalho, o tecido
voa com o vento e se perde, passando a ser procurado pelos três filhos da mesma. No fim,
4ª semana
Nessa última semana contei “A Princesa Dragão” (Carrasco, 2014), conto
tradicional japonês que trata de um pescador que mergulhou até as profundezas do mar a
fim de encontrar o castelo da princesa dragão. Para isso, utilizei apenas um pequeno baú
e dentro dele um tule branco.
Antes de iniciar a história, quis deixar um tom de mistério, lhes dizendo que aquela
história não tinha um final feliz, era um final meio "de terror". Além disso, levantei o
desafio de adivinharem o que havia dentro do baú para que o fim se desse daquele modo.
Isso os deixou mobilizados e se mantiveram atentos e curiosos até o fim.
Houve também curiosidade das crianças quanto à atividade de pescador: eu disse
que Uroshima era o melhor pescador do Japão e, mesmo quando os demais não
conseguiam nada, ele sempre conseguia pescar os melhores peixes, todos os dias. Uma
criança, então, perguntou se assim não iriam acabar os peixes do mar. Ótimo raciocínio.
Tive então de me explicar melhor, defendendo a profissão e atitude do personagem. As
crianças deram sugestões interessantes, como quando disseram que os peixes espada
poderiam ser os guardas do castelo, o que incorporei à história nas contações seguintes.
No final da história, quando Uroshima decide subir à superfície, a princesa lhe alerta
ao fato de que, enquanto o tempo passa devagar lá embaixo, passa muito rápido em cima.
Ela também entrega a ele um baú e orienta que não abra, caso contrário algo horrível pode
acontecer. Uroshima, ao chegar na superfície frustra-se com a mudança da paisagem e
das pessoas e decide abrir o baú dado de presente. Nesse momento, uma nuvem branca o
envolve como um furacão e ele vai envelhecendo rapidamente até virar pó.
Algumas crianças souberam explicar com propriedade que aquilo se deu devido ao
tempo em cima ter passado mais rápido do que no fundo do mar e, por isso, quando ele
subiu tudo estava tão diferente. Um conceito complexo de ser compreendido.
Algumas crianças saíram da sala dizendo "ele virou um cadáver!", outras saíram
espalhando para as crianças dos demais grupos que naquela história havia uma maldição.
Considerações Finais
BENJAMIN, W. O narrador. In: BENJAMIN, W. (Ed.). Textos recolhidos. São Paulo: Abril Cultural,
1983. (Os pensadores).
______. Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRASIL. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana.
MEC/SEPPIR. Brasília: MEC/SEPPIR 2009.
______. Making Stories: law, literature, life. Cambridge MA: Harvard University Press, 2003.
EGAN, K. A Mente Educada: Os Males da Educação e a Ineficiência Educacional nas Escolas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores
Associados: Cortez, 1989.
JOBIM E SOUZA, S. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas, Sp: Papirus,
1994.
NEIL, P. Volta ao mundo em 52 histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
PRADO, P. D. Pesquisa e Primeira infância: Linguagens e Culturas Infantis. São Carlos: Compacta
Gráfica e Editora, 2014. 87-118.
RUBIRA, F. Contar e ouvir histórias: um diálogo de coração para coração acordando imagens.
2006. (Mestrado). Faculdade de Educação, USP, São Paulo.
RESUMO
Essa pesquisa está fundamentada em autores que reiteram o papel da Literatura Infantil
como instrumento eficaz para desfazer o preconceito no convívio social. Visando atender
a mistura de povos e culturas existentes no Brasil, por uma determinação que partiu da
luta do movimento negro, tornou-se obrigatório inserir a temática História e Cultura
Africana em toda a Educação Básica, através da Lei 10.639/03.Nosso objetivo foi
observar a aplicabilidade da Lei 10.639/2003, que atribui a todas as áreas do
conhecimento a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos
escolares. A ênfase do trabalho foram os livros de Literatura Infantil utilizados em sala
de aula pelas docentes no momento de contação de histórias. Com base na análise de
discurso e das observações, reconhecemos reais possibilidades de inserir uma prática
pedagógica antirracista na educação infantil. A relevância social visa contribuir para uma
educação inclusiva.
Palavras chave: Étnico-racial. Literatura. Práticas Pedagógicas.
INTRODUÇÃO
Esse artigo tem por finalidade mostrar que o ato de ler ou ouvir histórias talvez
seja a forma mais antiga e divertida de educar, compartilhar conhecimentos, como
também ser fonte condutora de transmissão de valores e desconstrução de preconceitos.
Por meio da leitura de literatura, a criança pode construir parâmetros para atuar
e interagir no mundo externo. A literatura infantil aborda temas presentes no dia a dia das
crianças como racismo, por exemplo.
A metodologia da pesquisa foi feita por meio da análise bibliográfica dos livros
infantis, produzidos e utilizados a partir da promulgação da Lei 10.639/ 2003 como
instrumento pedagógico para abordar as questões étnico- raciais.
PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
A criança na Educação Infantil entra em contato com a obra literária escrita para
ela ter uma compreensão maior de si e do outro. Por meio da literatura, terá oportunidade
de desenvolver seu potencial criativo e ampliar os horizontes da cultura e do
conhecimento, percebendo o mundo e a realidade que a cerca.
A literatura infantil se torna um elemento indispensável e muito importante no
desenvolvimento da autoestima, cognitivo e social das crianças. Por meio das histórias,
as crianças se veem, relacionam os conflitos fictícios com os vividos por elas, trabalha
oralidade, atenção e fazem uma leitura de mundo, além de desenvolver o gosto pelos
livros.
Quando a criança não se vê ali representada na história ou se a realidade retratada
na história nunca faz parte de sua realidade, sendo carregada de estereótipos, é possível
que essa criança não desenvolva uma imagem positiva dela mesma.
Para Cândido1 (1988) a literatura deve ser considerada um bem indispensável para
o ser humano, sendo assim necessária para garantir o amplo acesso das crianças à
sociedade.
Para CÂNDIDO (1988) não há homem que possa viver sem a literatura, pois ela “aparece como
manifestação universal de todos os homens” e é fator indispensável de humanização.
ISSN 2448-1157 450
Diante da díade educação e cultura, os estudos de Petit2 (2006) compreendem a
leitura de literatura como um instrumento capaz de ajudar as crianças a superar seus
momentos adversos da própria vida, contribuindo para a construção ou reconstrução das
crianças.
Parreiras3(2006) em sua dissertação de Mestrado reitera a utilização do conto
como mediador entre o real e o imaginário. Segundo a autora, a Literatura pode ser
considerada uma ponte entre a criança e a subjetividade, pois é a Literatura que possui
qualidade de criar tais pontes por trabalhar com conteúdos simbólicos e fantasiosos.
Caldin 4 (2004) afirma que o conto favorece a introspecção, pois pelo seu intermédio
a criança pensa sobre os seus sentimentos e tem a esperança que o sofrimento vivenciado
em determinado momento de sua vida é passageiro. A leitura de histórias produz reflexões
na criança, mesmo que se encontre sozinha ou no escuro.
Roland Barthes5(1978) entende que a Literatura é a utilização da linguagem não
submetida ao poder, uma vez que esta linguagem literária não necessita de regras e nem
mesmo de estruturação fixa para se fazer compreender. Diferentemente do que acontece
com a utilização da linguagem científica cotidiana, que requer restrita obediência à sua
estrutura, para que haja uma perfeita comunicação.
O autor que se utiliza dessa linguagem literária é livre para escolher e criar uma
estrutura própria, desde que possa expressar seus sentimentos e ideias. Assim, construindo
o texto de acordo com seus próprios desejos, o escritor consegue que sua criação tenha
um novo valor: a arte.
As histórias infantis expressam de forma coerente e dinâmica as mazelas sociais,
sobretudo quando elas retratam as diferenças existentes na sociedade e o respeito que
devemos ter para com o nosso semelhante. Ela aborda os problemas enfrentados pelas
crianças, como o medo, a insegurança, o egocentrismo, o preconceito, a discriminação.
Assim, para Zilberman (2003)
2 PETIT (1999) dá ênfase aos sujeitos mediadores de leitura. O mediador pode ser um professor, um bibliotecário, um jornaleiro, um trabalhador ou simplesmente
um amigo ou uma pessoa com quem se convive.
3 PARREIRAS (2006) em sua ADissertação,
discriminação é algo
desenvolvida visível
na USP, na sociedade
SP, intitulada moderna,
A Psicanálise o preconceito
do Brinquedo deCriança
na Literatura para gênero,aponta que a Literatura
como o brinquedo abre caminhos para a criança defrontar consigo mesma e com os outros, favorecendo a sua subjetivação.
4 Caldin é mestre em Literatura e seus trabalhos utilizam a literatura com função terapêutica.
étnico, religioso infelizmente ainda é muito grande. O preconceito e a discriminação são
5 Barthes Barthes foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Formado em Letras Clássicas em 1939 e Gramática e Filosofia em
Segundo Jovino
Há também os livros que retomam traços e símbolos da cultura afro-brasileira,
tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os
mecanismos de resistência diante das discriminações, objetivando um estímulo
positivo e uma auto-estima favorável ao leitor negro e uma possibilidade de
representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra face da
cultura afro-brasileira que ainda é pouco explorada na escola, nos meios de
comunicação, assim como na sociedade em geral. Trata-se de obras que não se
prendem ao passado histórico da escravização. (Jovino 2006: 216)
A PESQUISA
CONCLUSÃO
A literatura na perspectiva de Petit (2006) que pode nutrir a vida de uma criança,
auxiliando-a a enfrentar momentos de crise e dentre outros; à literatura infantil que pode
libertar como reitera Jovino (2006) onde livros que retomam traços e símbolos da cultura
afro-brasileira, tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os
mecanismos de resistência diante das discriminações, levam um estímulo positivo a
criança, possibilitando a contrução de uma autoestima favorável a criança negra, além da
possibilidade de representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra
face da cultura afro-brasileira.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CÂNDIDO, Antonio. Vários escritos. 4 ed. São Paulo: Duas Cidades, Rio de Janeiro:
Ouro sobre Azul, 1988.
______________. In, FESTER, A,C, Ribeiro (org), direitos humanos e Literatura. São
Paulo: Braziliense, 1989
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. 7ª Edição. São
Paulo, SP: Moderna, 2000.
OSMAN, Soraia (Org). Enlaces 1 Español para jóvenes brasileños. 2ª. ed. São Paulo:
Macmillan do Brasil, 2010.
____________. A arte de ler. Tradução de Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo:
Ed 34, 2009.
RESUMO
O presente estudo, cujo tema foi cerne da dissertação de mestrado, investigou como a
religião tem sido abordada dentro do âmbito escolar público por agentes educacionais,
especificamente da educação infantil, no município de São Paulo, tendo como base teórica
as contribuições de Bourdieu (2004; 2011; 2012), Fernández (1995), Wallon (1975; 1995;
2008) e Vygotski (2007). Durante quatro meses do ano de 2013, utilizou-se do método de
observação para a coleta das informações em uma Escola Municipal de Educação Infantil
As práticas observadas foram analisadas à luz da hipótese que considerou a presença da
religião dentro da escola como um bem simbólico e também como uma forma de violência
simbólica, além de conceitos da psicologia do desenvolvimento. Para este texto somente
duas professoras serão analisadas, ambas refletem suas crenças particulares em sala de
aula. Conclui-se que a religião pessoal dessas docentes faz parte do cotidiano escolar
dessa instituição.
Introdução
Justificativa e objetivos
Este estudo tem como pretensão discutir práticas docentes incluindo as que
abordem a questão da religião. A pretensão desta pesquisa é a de debater o que acontece
no interior de uma determinada escola de educação infantil, enfatizando uma faceta
cultural sem desconsiderar o contexto em que as pessoas estão inseridas.
Assim, há a pretensão de focalizar algumas práticas naturalizadas dentro da escola,
como também auxiliar em futuras pesquisas sobre a temática aqui debatida com o objetivo
de que outros estudiosos se aprofundem mais no tema, principalmente na área de
formação de professores e de como a religião pode interferir no desenvolvimento infantil,
sempre com o objetivo de que as crianças tenham a melhor formação possível.
Deste contexto abordado e do aprofundamento teórico, surgiu a problematização
acerca da educação infantil e da religião dentro dessa etapa de ensino, a questão
norteadora se explicita: as ações pedagógicas realizadas por profissionais da escola
pública de educação infantil, nos diferentes lugares que compõem tal etapa de ensino,
veiculam aspectos religiosos portados pelas disposições dos agentes que nelas atuam?
Esta questão ampla pode ser desdobrada em outras que subsidiaram a pesquisa: Em que
ambientes da escola são veiculados tais aspectos? De que modo tais aspectos são
veiculados? Quais são os agentes educacionais mais frequentes nessa veiculação? Há
diferenças entre a atuação das professoras e dos demais agentes? Em quê? Quais são as
mensagens presentes em tais intervenções?
O principal objetivo da pesquisa consistiu em detectar e analisar a eventual
reprodução social da religião e de aspectos religiosos como parte da cultura veiculada
dentro da escola. Como objetivos específicos foram especificados: verificar se a religião
faz parte da cultura presente na escola, principalmente por parte dos professores e suas
Referenciais teóricos
Metodologia
Professora A
Cena 1 – Professora A
É hora da entrada das crianças, a professora esperou na sala e elas foram chegando aos
poucos. Ajeitaram as mochilas em um canto da sala destinado a isso e sentaram nas
cadeiras dispostas. Após a chegada de um número significativo de crianças, a
professora estendeu um tapete de plástico, desenhado com letras, no centro da sala e
pediu para que os alunos sentassem nele. Ela pega um caderno e começa a ler uma
história colada nele. A professora A contou uma história chamada O ovo da Vida, que
questiona se o coelho nasce ou não do ovo.
Desenhem dentro do ovo o que vocês gostariam de ter no ovo de vocês, lembrem-se
que na história o ovo tinha carinho, amor, alegria. (Professora A)
Você acha que se tem uma influência cristã dentro da escola? (Pesquisadora)
Sim, tem muita professora que diz que não, mas já vi algumas passando vídeo do
nascimento de Cristo no Natal, ou, como no começo do ano, que passaram “Smilinguido,
a moda amarela”. Isso incomoda um pouco. (Professora A)
Professora D
D tem 38 anos e declara-se católica. Possui 17 anos de experiência e sempre atuou
na educação infantil, sendo efetiva na prefeitura de São Paulo.
As crianças chegaram à sala e sentaram-se; a professora iniciou a aula com a contagem de quantos
alunos estavam presentes, de uma maneira diferenciada: pediu que as meninas ficassem em pé
como estátuas e conforme ia contando elas voltavam a sentar e, em seguida, ela fez o mesmo com
os meninos. Após este momento, ela fez a rotina. A professora D possui fotos dos espaços e dos
objetos da escola e seus nomes escritos ao lado da foto, então se vão ao parque há a foto do parque
e ao lado o nome do espaço escrito e um cartaz em que ela coloca na ordem o que os alunos irão
fazer naquele dia; as crianças permaneceram atentas à fala dela. Logo em seguida, a cena do dia
anterior se repetiu, com a professora fazendo a seguinte oração:
“Mãozinha no coração. Senhor Jesus, abençoe a minha vida, a da minha família, dos meus
amigos. Senhor Jesus, neste dia seremos mais obedientes e mais bondosos. Amém.” (Professora
D)
Cena 3 – Professora D
A professora organizou as mesas com pecinhas, para receber as crianças e elas brincaram com o
material. A professora chamou a atenção, pois era o momento de fazer a contagem de quantas
crianças vieram. Primeiro ela pediu que as meninas se levantassem, eles contaram todos juntos e
logo em seguida foi a vez dos meninos. Após este momento, a professora passou aos alunos a
rotina do dia, da mesma maneira do dia anterior, e as crianças permaneceram atentas à fala da
professora. Também como no dia anterior foi hora de orar, momento realizado antes do café.
Neste dia a cena se repetiu, mas como é uma oração espontânea, alguns dizeres se modificaram:
Mãozinha no coração, escutando o coração. Senhor Jesus, nós queremos te louvar e te agradecer
pelo dia de hoje. Abençoe, Senhor Jesus. Hoje estamos felizes porque nós ficamos muitos dias
em casa e hoje voltamos para a escola. Senhor Jesus, providencie emprego para a mamãe e o
papai. (professora D)
Resultados
O ambiente escolar é único, digno de uma diversidade cultural rica, que é ainda
mal trabalhada e estudada. É preciso trazer essa diversidade para melhor desenvolvê-la
em sala de aula, incluindo no debate feito entre educadores e educandos o saber sobre
outras realidades, visões de mundo ou filosofias de vida variadas.
A lei é clara ao estabelecer regras para o ensino fundamental quanto à disciplina
Ensino Religioso, mas a inquietação por parte da pesquisadora foi quanto à educação
infantil, pois havia uma preocupação ao verificar no cotidiano escolar práticas
reproduzidas por docentes. Ao perceber que datas comemorativas que visam à reprodução
de valores cristãos ou o consumismo infantil são trabalhados dentro desse contexto, sem
a mínima reflexão por parte dos educadores, houve a curiosidade em estudar e aprofundar
mais sobre tema.
A educação infantil não possui um currículo comum, como é o caso do ensino
fundamental, não é uma etapa de ensino obrigatória, apesar de a lei ter sido promulgada
e os municípios precisarem adequar-se até 2016. A herança que se tem sobre o
entendimento da educação infantil está permeada pela concepção de um curso
preparatório para o fundamental I e esta é uma visão equivocada por parte dos educadores,
pois em tal etapa de ensino a criança deve ser vista como um ser em formação, com voz
ativa e merecedora de um universo lúdico, já que o brincar é fator primordial para o
desenvolvimento cognitivo infantil. Além disso, os CEIs e EMEIs são muitas vezes
confundidos com instituições assistencialistas e não como educacionais, especialmente
porque não são obrigatórios, são a salvação para a maior parte dos pais que trabalham, e
nesta visão consiste um grande desafio por parte de educadores: quebrar regras
estabelecidas há tempos e refletir sobre a própria prática.
Para essa faixa etária, o educador deve explorar a curiosidade inerente do mundo
infantil, a criança é questionadora e exploradora; trabalhar de forma a desenvolvê-la
globalmente deve ser o objetivo dessa educação. A cultura está imposta, sempre, e saber
o que e como mediá-la é função do professor, conforme já ressaltado ao longo do texto,
de forma a não gerar ações preconceituosas em relação a outras etnias, filosofias de vida
ou religiões.
Muitas vezes pensamos que as crianças são incapazes de refletir sobre alguns
aspectos que ocorrem dentro de uma perspectiva considerada científica. Podemos achar
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004.
__________, ______. CHARTIER, Roger. O sociólogo e o historiador. Belo. Horizonte:
Autêntica, 2011.
__________, ______. O Poder Simbólico. 16°ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
GUTIÉRREZ, Alicia B. A modo de introducción: Los conceptos centrales en la
sociologia de la cultura de Pierre Bourdieu. In: BOURDIEU, Pierre. El sentido social del
gusto: Elementos para una sociologia de la cultura. Buenos Aires: SigloXXI Editores,
2013.
LINO, Luciana Marcela Baccarat Teixeira. Associação de pais e mestres: atuação em uma
escola de Ensino Médio, Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política,
Sociedade,) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
Neste artigo, propomos uma reflexão sobre a questão da identidade do ser criança
na contemporaneidade. Sabemos que cada época, cada povo e cada cultura têm uma
forma de ver e de se relacionar com essa primeira etapa da vida humana. O presente
trabalho visa a estudar as transformações identitárias da criança que desafiam a educação
no mundo contemporâneo. Sendo assim, o presente texto procura explorar questões
relacionadas à concepção de infância proposto pela Sociologia da Infância e de uma
concepção sociohistórica de desenvolvimento humano, a forma como as identidades são
construídas, os processos que aí estão envolvidos e as mudanças que vem ocorrendo na
educação da criança. Espera-se, com esse estudo, contribuir com a investigação do tema
proposto e provocar reflexões para uma ação transformadora na educação.
ISSN 2448-1157
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