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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL:

Múltiplos olhares

organizadoras:

Maria Amelia Almeida


Enicéia Gonçalves Mendes
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi

junqueira&marin
editores
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Coordenação: Dinael Marin
Capa, Projeto Gráfico e Diagramação: www.zerocriativa.com.br
Impressão: Gráfica Compacta
Revisões: sob responsabilidade das organizadoras
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

T278

Temas em educação especial : múltiplos olhares /


organizadoras, Maria Amelia Almeida, Enicéia Gonçalves
Mendes, Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi. -
Araraquara, SP : Junqueira&Marin ; Brasília, DF : CAPES - PROESP,
2008.
il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86305-69-6

1. Educação especial. I. Almeida, Maria Amelia. II. Mendes,


Enicéia Gonçalves. III. Hayashi, Maria Cristina P. Innocentini
(Maria Cristina Piumbato Innocentini). IV. Brasil. Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Programa de
Apoio à Educação Especial.

08-4928. CDD: 371.9


CDU: 376.1

06.11.08 11.11.08 009670


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Esta edição recebeu apoio da CAPES - Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, através do PROESP
- Programa de Apoio à Educação Especial.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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CONSELHO CONSULTIVO

Alessandra Turini Bolsoni-Silva (UNESP – Bauru)


Alexandra Ayach Anache (UFMS)
Aline Roberta Aceituno da Costa (UFSCar –Pós Doutoranda FAPESP)
Ana Claudia Moreira Almeida Verdu (UNESP – Bauru)
Ana Lúcia Rossito Aiello (UFSCar)
Carolina Lampreia (PUC – Rio de Janeiro)
Cátia Crivelenti de Figueiredo Walter (UERJ)
Claudia Maria Simões Martinez (UFSCar)
Cristina Yoshie Toyoda (UFSCar)
Débora Deliberato (UNESP – Marilia)
Denise Meyrelles de Jesus (UFES)
Eliane Aparecida Campanha Araújo (UFSCar – Pós Doutoranda FAPESP)
Eliane Mauerberg de Castro (UNESP – Rio Claro)
Elsa Midori Shimazaki (UEM)
Gilberta Sampaio de Martino Jannuzzi (UNICAMP – Aposentada)
Giseli Barbieri do Amaral Lauand
Jose Geraldo Silveira Bueno (PUC – São Paulo)
Julio Romero Ferreira (UNIMEP – Aposentado)
Leila Regina d’Oliveira de Paula Nunes UERJ)
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams (UFSCar)
Marcos José da Silveira Mazzotta (Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Maria Amelia Almeida (UFSCar)
Maria Benedita Lima Pardo (UFS)
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi (UFSCar)
Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar)
Marinês Saraiva (UEM)
Mey de Abreu Van Munster (UFSCar)
Miriam Bratfisch Villa (UFSCar – Bolsista PRODOC/CAPES)
Neucideia Ap. Silva Colnago (Pesquisadora do Inst. de Estudos Avançados – USP-São
Carlos)
Nilton Munhoz Gomes (UEL)
Olinda Teruko Kajihara (UEM)
Rosângela Gavioli Prieto (USP – São Paulo)
Sadao Omote (UNESP – Marilia)
Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo (UNESP – Araraquara)
Simone Aparecida Lopes-Herrera (USP – Bauru)
Soraia Napoleão Freitas (UFSM)
Tânia Maria Santana de Rose (UFSCar)
Tárcia Regina da Silveira Dias (Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto)
Telma Flores Genaro Motti (USP – Bauru)
Thelma Simões Matsukura (UFSCar)
Theresinha Guimarães Miranda (UFBA)
DEDICATÓRIA

Dedicamos esta coletânea à saudosa Professora Carolina Martuscelli Bori,


Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de São Carlos e idealizadora do
Programa de Pós Graduação em Educação Especial – PPGEEs.
A ela creditamos os 30 anos da história deste programa.
Nossa profunda gratidão!
...............................SUMÁRIO..........................

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 13

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 16

PARTE I

INCLUSÃO: PRODUÇÃO CIENTÍFICA, POLÍTICAS PÚBLICAS,


FORMAÇÃO DE PROFESSORES, ENSINO COLABORATIVO

A INTEGRAÇÃO E A INCLUSÃO NA REVISTA


BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL: 1994 A 2004 ............................... 24
Michele Silva Sacardo e Sônia Bertoni de Sousa

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR EM


PERIÓDICOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA.................... 35
Altemir José Gonçalves Barbosa, Camila Serrani Setani, Wesley Heleno de Oliveira,
Danielle Lucílio da Silva, Thays Correia Santana

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O CONTEXTO DA


TERAPIA OCUPACIONAL ....................................................................................... 44
Cristina Yoshie Toyoda e Gerusa Ferreira Lourenço

AS PECULIARIDADES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA


POLÍTICA EDUCACIONAL DO MARANHÃO (1997-2002) ......................... 53
Mariza Borges Wall Barbosa de Carvalho

A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA PORTADORA


DE DEFICIÊNCIA: DISCURSO E PRÁXIS INSTITUCIONAL ...................... 62
Helio Ferreira Orrico

OS DESAFIOS DA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO


INFANTIL PARA O ENSINO FUNDAMENTAL:
COMO OS PROFESSORES LIDAM COM UM ALUNO
COM DEFICIÊNCIA INSERIDO EM SUAS TURMAS? .................................... 70
Paola Bisaccioni e Enicéia Gonçalves Mendes

PEDAGOGIA INSTITUCIONAL E INCLUSÃO ESCOLAR: A


EXPERIÊNCIA DE UM GRUPO EDUCACIONAL TERAPÊUTICO .......... 77
Ione Arsenio, Maria Cristina Bergonzoni Stefanini e Silvia Angelita Rosa

EDUCAÇÃO ESPECIAL FRENTE À INCLUSÃO


DE JOVENS E ADULTOS: UM ESTUDO DE CASO ....................................... 85
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André e Telma Cristina Fernandes Crespo
O GRUPO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: MÚLTIPLOS
OLHARES SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO ESCOLAR ...................... 95
Daniella Côrtes Pereira Borges e Mariângela Lima de Almeida

AVALIAÇÃO DAS POSSIBILIDADES DO ENSINO


COLABORATIVO NO PROCESSO DE INCLUSÃO
ESCOLAR DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA MENTAL ............................. 104
Vera Lúcia Messias Fialho Capellini e Enicéia Gonçalves Mendes

O ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUA CORPOREIDADE


NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ......................................... 113
Alenia Varela Finger e Soraia Napoleão Freitas

ELABORAÇÃO, APLICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE UM PROGRAMA


DE GINÁSTICA ACROBÁTICA SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO............... 121
Douglas Roberto Borella e Fátima Elisabeth Denari

O BASQUETEBOL EM CADEIRA DE RODAS


NO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR .................................................... 130
Douglas Roberto Borella, Fábio Ben e Samuel Rodrigo Weber

PARTE II

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E FORMAÇÃO DOCENTE

ANÁLISE DE DOIS CURSOS DE PEDAGOGIA, DO


PROBÁSICA / UFRN, NO TOCANTE À FORMAÇÃO INICIAL
DE DOCENTES PARA ATUAÇÃO EM CLASSES INCLUSIVAS ............... 140
Lúcia de Araújo Ramos Martins

AS EXPECTATIVAS QUE PERMEIAM A PRÁXIS


DOS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS EM EDUCAÇÃO
ESPECIAL E EDUCAÇÃO INFANTIL .............................................................. 150
Marcela Gama da Silva e Sonia Lopes Victor

PERFIL OCUPACIONAL DE PROFESSORES DE


LONDRINA QUE BUSCARAM A FORMAÇÃO DE
ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL................................................. 157
Maria Cristina Marquezine, Rosangela Marques Busto,
Viviane Maronei Tramontina e Sadao Omote

EDUCAÇÃO ESPECIAL E FISIOTERAPIA:


PERCEPÇÃO DE ALUNOS DE FISIOTERAPIA ........................................... 167
Lígia Maria Presumido Braccialli, Carolina Campos e Walkíria Gonçalves Reganhan

INCLUSÃO E AUTOCONCEITO: REFLEXÕES


SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES .................................................. 176
Viviane Preichardt Duek e Maria Inês Naujorks
A TERRA EM QUE VIVEMOS: UMA PROPOSTA PARA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL, NA ÁREA DE CIÊNCIAS
COM A INSERÇÃO DO TEMA INCLUSÃO SOCIAL ................................... 184
Alzira Cristina de Mello Stein-Barana, Deisy Piedade Munhoz Lopes,
Roberto Naves Domingos, Leandro Xavier Moreno e Aline Piccoli Otalara

REPRESENTACÕES DOCENTES: O ENCONTRO COM O OUTRO ... 193


Josiane Pozzatti Dal-Forno

DECIFRA-ME OU TE DEVORO:OS ALUNOS COM


NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SEUS PROFESSORES ........................ 202
Ednea Rodrigues de Albuquerque

PARTE III

ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NO ENSINO SUPERIOR:


ACESSO, PERMANÊNCIA E PREPARAÇÃO DE PROFESSORES

EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA UERJ: O INGRESSO DE


ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO
ENSINO SUPERIOR – UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃO ..................... 212
Felipe Duclos Carisio Falcão, Priscilla Christina da Rocha,
Dilton Ribeiro do Couto Junior e Rosana Glat

ACESSIBILIDADE NA UNIVERSIDADE ESTADUAL


DE LONDRINA: O PONTO DE VISTA DO
ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA ................................................................... 220
Elaine Teresa Gomes Oliveira e Eduardo José Manzini

A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR:


O GRUPO DE TRABALHO DE APOIO AOS
UNIVERSITÁRIOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS (GT-AUNE) DA PUC-PR ............................... 230
Vera Lúcia Israel, Sueli Malucelli Pinto, Eliane Mara Age José, Neusa Maria Gomide
Baptista, Paulo Roberto de Carvalho Alcântara, Denise Maria Vaz Romano França,
Eduardo Quadros da Silva, Eliane de Moura Gonçalves Schwab, Regiane Banzatto
Bergamo, Rossana A. Finau e Marcia Maria Kulczycki

FORMAÇÃO DOCENTE PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


NO ENSINO SUPERIOR: ANÁLISE DE UMA REALIDADE .................... 240
Nazineide Brito

DIAGNÓSTICO DAS NECESSIDADES DE PREPARAÇÃO DOS


PROFESSORES DE CURSOS DE LICENCIATURA PARA INCLUIR
ESTUDANTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS E FORMAR
FUTUROS PROFESSORES APTOS A PROMOVER A INCLUSÃO ......... 246
Celia Regina Vitaliano
PARTE IV

A QUESTÃO DO ABORTO POR ANOMALIA FETAL,


RECÉM-NASCIDOS DE RISCO E PRÉ-ESCOLARES AGRESSIVOS

O MOVIMENTO DE DEFICIENTES NO BRASIL FRENTE


À QUESTÃO DO ABORTO POR ANOMALIA FETAL ............................... 258
Alessandra Barros

RECÉM-NASCIDOS DE ALTO RISCO: UM ESTUDO


SOBRE O ATENDIMENTO ESPECIALIZADO
RECEBIDO APÓS A ALTA HOSPITALAR ...................................................... 267
Daniela Lobo D´avila, Andréa Tonini e Edson Nunes de Morais

A UTILIZAÇÃO DA PRESSÃO POSITIVA EXPIRATÓRIA


FINAL (PEEP) EM RECÉM-NASCIDOS PREMATUROS
PORTADORES DA SÍNDROME DO DESCONFORTO
RESPIRATÓRIO (SDR) .......................................................................................... 275
Marco Aurélio Sá Netto Costa e Nayane Araújo Cardoso

UM ESTUDO DE ACOMPANHAMENTO DE PRÉ-ESCOLARES


QUE APRESENTAM COMPORTAMENTOS AGRESSIVOS ..................... 282
Juliana da Rocha Picado e Tânia Maria Santana de Rose

PARTE V

FAMILIARES DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS:


QUESTÕES VARIADAS

ESTUDO COMPARATIVO DE RECURSOS NO AMBIENTE


FAMILIAR DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA DE
CRIANÇAS COM FRACASSO ESCOLAR ......................................................... 292
Renata Christian de Oliveira Pamplin e Claudia Maria Simões Martinez

ANÁLISE DE GUIAS DE ORIENTAÇÃO PARA


PAIS A RESPEITO DA LINGUAGEM INFANTIL ........................................... 301
Grace Cristina Ferreira-Donati e Débora Deliberato

AVALIAÇÃO DE PROGRAMA DE ATENÇÃO PARA


FAMILIARES DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS ............................................................................... 311
Morgana de Fátima Agostini Martins, Enicéia Gonçalves Mendes e
Aline Maira da Silva

FILHOS DE MÃES COM TRANSTORNOS MENTAIS:


RECONHECENDO ESSA REALIDADE .......................................................... 319
Thelma Simões Matsukura e Diana Rosa Cavaglieri
ENSINO PÚBLICO FUNDAMENTAL EM CONTEXTO DE
EXCLUSÃO SOCIAL: SITUAÇÕES DE FRACASSO ESCOLAR DE
MENINAS DE FAMÍLIAS CHEFIADAS PELA MULHER ............................ 328
Sônia Lima de Carvalho

PARTE VI

CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DAS HABILIDADES SOCIAIS PARA A


EDUCAÇÃO ESPECIAL

HABILIDADES SOCIAIS EM UM GRUPO DE FUNCIONÁRIOS


COM DEFICIÊNCIA FÍSICA: HÁ DIFERENÇA ENTRE SEXO? .............. 338
Camila de Sousa Pereira e Almir Del Prette

VALIDADE SOCIAL DAS HABILIDADES SOCIAIS SOB A


PERSPECTIVA DO PROFESSOR: REPLICAÇÃO
COM AMOSTRA AMPLIADA ............................................................................... 347
Talita Pereira Dias, Lucas Cordeiro Freitas, Thiago Magalhães Pereira de Souza,
Almir Del Prette e Zilda Aparecida Pereira Del Prette

PARTE VII

ATENDIMENTO A ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES

OS VÁRIOS SENTIDOS DO PROJETO DE ATENDIMENTO


AO ALUNO TALENTOSO - PAAT: VEZ E VOZ DOS EX-ALUNOS .... 358
Carly Cruz, Maria Aparecida Santos Correa Barreto
e Maria da Penha Costa Benevides França Silva

O ATENDIMENTO ÀS PESSOAS COM ALTAS


HABILIDADES NO ESTADO DE SÃO PAULO............................................. 364
Rosemeire de Araujo Rangni

PARTE VIII

AUTISMO: ASPECTOS COMUNICATIVOS

IDENTIFICAÇÃO DAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO


EM SITUAÇÕES DE ATIVIDADES DA VIDA
DIÁRIA NA CRIANÇA AUTISTA ........................................................................ 374
Luciana Ramos Baleotti e Débora Deliberato

PERFIL COMUNICATIVO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNOS


DO ESPECTRO AUTÍSTICO E EM DESENVOLVIMENTO NORMAL
DURANTE INTERAÇÃO COM SUAS MÃES .................................................. 381
Maria Claudia Brito, Andrea Regina Nunes Misquiatti e Kester Carrara
PARTE IX

TECNOLOGIA ASSISTIVA, TERAPIA OCUPACIONAL, ESCOLARIZAÇÃO,


INICIAÇÃO CIENTÍFICA

TECNOLOGIA ASSISTIVA: UMA PROPOSTA DE


CARACTERIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO ........................................................ 392
Giseli Barbieri do Amaral-Lauand e Enicéia Gonçalves Mendes

AVALIAÇÕES DO BRINCAR E SUAS EVIDÊNCIAS


PARA A PRÁTICA DO TERAPEUTA OCUPACIONAL
NO CAMPO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL ........................................................ 403
Luzia Iara Pfeifer e Daniel Marinho Cezar Cruz

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OU DIFICULDADES


DE ESCOLARIZAÇÃO? UM DEBATE A PARTIR DO
REFERENCIAL DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL .................... 413
Graziela Lucchesi Rosa da Silva, Marilda Gonçalves Dias Facci, Nadia Mara Eidt,
Silvana Calvo Tuleski e Sonia Mari Shima Barroco

INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO ESPECIAL:


MECANISMOS PARA FORMAR CIENTISTAS ............................................... 422
Rodrigo de Castro Cabrero, Maria da Piedade Resende da Costa, Andreza
Marques da Castro Leão, Maria Cristina P.I. Hayashi e Sérgio Missiaggia
APRESENTAÇÃO

Há exatamente 30 anos, um grupo de professores liderado pela saudosa


professora Dra. Carolina Martuscelli Bori criou, na Universidade Federal de São Carlos,
o Programa de Mestrado em Educação Especial (PMEE) com área de concentração em
Deficiência Mental, que contou com a experiência de pesquisadores em Psicologia,
Filosofia e Educação. Apesar desses pesquisadores nunca terem trabalhado diretamente
com as principais questões relativas à Educação Especial, uma vez que não havia na
instituição (nem no Brasil) um núcleo com tradição de pesquisa e de ensino nessa área,
dispuseram-se a enfrentar o problema e a iniciar, com os alunos, um programa de pesquisas.
Ao longo da história, para atender aos objetivos de formação de professores e profissionais
para a Educação Especial, a estrutura curricular do PPGEEs sofreu três grandes
reformulações (nos anos de 1986, 1990 e 1997), sempre com o objetivo de encontrar
formas melhores e mais efetivas de organização e de funcionamento. Assim, em 1986,
ocorreu a alteração na denominação do curso de Programa de Mestrado em Educação
Especial (PMEE) para Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs),
e na área de concentração, de “Deficiência Mental” para “Educação do Indivíduo
Especial”, visando a uma maior abrangência do curso. Em 1997, o programa passou por
mais uma reformulação em função da criação do doutorado, que foi recomendado pela
CAPES em 1999. Atualmente, o PPGEEs tem conceito 5.
Nesses 30 anos de existência, o PPGEEs já formou 382 mestres e 62 doutores.
A trajetória para consolidar condições institucionais permanentes para a pesquisa em
Educação Especial incluiu o preparo e o envolvimento dos próprios docentes com a
pesquisa e o ensino nessa área, resultando em uma sólida interação com centros congêneres
no país e no exterior. Os grupos constituídos pelo corpo docente, juntamente com os
estudantes de graduação e de pós-graduação, integram em seu cotidiano de trabalho o
ensino, a pesquisa e a extensão, estabelecendo um ambiente universitário propício para a
formação de novos pesquisadores e docentes do ensino superior.
Com o objetivo de criar um espaço interno de intercâmbio entre alunos e
professores, o PMEE organizou em 1982 o I Ciclo de Estudos sobre Deficiência Mental.
Em atenção à crescente demanda de espaços de divulgação da produção em Educação
Especial no país, posteriormente, o PPGEEs optou por socializar o evento e esses ciclos
se tornaram eventos regulares, passando a se configurar como espaço importante para
intercâmbio científico no país. Até 1994, foram realizados 8 eventos. A realização desses
ciclos oportunizou a criação da coletânea Temas em Educação Especial, cujos livros foram
organizados a partir dos trabalhos apresentados nos ciclos. Ao todo, foram organizados 4
livros. No entanto, devido à dificuldade de obtenção de financiamento junto às agências
de fomento em 1996 a organização dos ciclos foi suspensa.
Nessa ocasião, a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação
Especial - ABPEE já contava com 3 anos de existência, tendo iniciado com um número
reduzido de sócios. Conta hoje com mais de 300 sócios regularmente afiliados. Trata-se
de uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, que tem por objetivo
congregar pesquisadores da área de Educação Especial, promover ou apoiar conclaves
científicos, cursos de aperfeiçoamento e especialização em parceria com universidades e
manter um veículo de publicação visando à disseminação e à socialização do conhecimento

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 13


científico produzido na área de Educação Especial. A ABPEE mantém um periódico na
área desde 1992 – a Revista Brasileira de Educação Especial – que, embora tenha sofrido
problemas de atraso na periodicidade, mantém-se regular desde 2001, conquistando no
Qualis/CAPES a classificação de periódico B (Nacional). Na reunião da ANPEd de
2007, foi anunciada a sua classificação para periódico Qualis A (Nacional) pela Comissão
de Avaliação da ANPEd.
No ano de 2003, o PPGEEs completaria 25 anos de existência, enquanto a
ABPEE completaria seus 10 anos. Com intuito de comemorar momentos tão significativos
para as duas entidades, seus dirigentes resolveram estabelecer uma parceria e promover
o I Congresso Brasileiro de Educação Especial, retomando, assim, o espaço de intercâmbio
científico da área, que estava inativo desde 1994 com a suspensão dos ciclos de estudos
do PPGEEs.
O I Congresso Brasileiro de Educação Especial foi realizado no período de
11 a 14 de novembro de 2003 nas dependências da Universidade Federal de São Carlos
e congregou mais de 700 participantes, entre pesquisadores, profissionais e estudantes.
O programa do evento envolveu a realização de 12 simpósios, 8 mesas redondas, 28
mini- cursos e a apresentação de 350 trabalhos em painéis e comunicações orais. Com a
finalidade de marcar a realização desse primeiro congresso, foi organizada a coletânea
Temas em Educação Especial: Avanços Recentes, que teve por objetivo publicar os trabalhos
apresentados e discutidos nas mesas redondas e simpósios, sendo 46 trabalhos de
pesquisadores da área de Educação Especial provenientes de várias Instituições de Ensino
Superior do país.
Em 2005, novamente a ABPEE e o PPGEEs/UFSCar estabeleceram mais
uma parceria para organizarem o II Congresso Brasileiro de Educação Especial, que foi
realizado no período de 3 a 5 de novembro de 2005 no Campus da Universidade Federal
de São Carlos. O congresso envolveu uma conferência de abertura, 10 mesas-redondas,
6 simpósios e 37 mini-cursos cobrindo temas de alta relevância científica e interesse
dentro da multiplicidade de temas cobertos pela área de Educação Especial . O quadro
de convidados compôs-se de 50 pesquisadores de diferentes universidades do país,
representantes do MEC, da Secretaria Municipal de Educação e ONGs, além de dois
pesquisadores do exterior (Departamento de Educação Especial da Universidade de Iowa
e da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, USA). Além dessas atividades,
também foram apresentados 485 trabalhos. Compareceram ao evento mais de 1000
pessoas.
As sessões de comunicação oral e de pôster foram coordenadas por
pesquisadores devidamente convidados para essa atividade que tinham como incumbência
indicar os melhores trabalhos para possível publicação. Foram indicados 147 trabalhos.
O PPGEEs enviou correspondência para os respectivos autores, com as normas para
publicação, convidando-os a submeterem os trabalhos para avaliação. Foram recebidos
97 trabalhos, que passaram por revisão de pares. Para tanto, cada trabalho foi enviado
para 3 revisores “ad hoc”, pesquisadores da área de Educação Especial. Mais de 80%
desses trabalhos receberam parecer favorável à publicação, sendo que a grande maioria
recebeu dos revisores indicações de correções e sugestões para aprimoramento do texto.
Os trabalhos foram, então, novamente enviados para os autores para incorporação das
correções e sugestões feitas pelos revisores. Ao final, foram aprovados 81 trabalhos para

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publicação, que foram agrupados por temáticas e resultaram em dois livros: Temas em
Educação Especial: Múltiplos Olhares e Temas em Educação Especial: Deficiências Sensoriais e
Deficiência Mental.
O livro Temas em Educação Especial: Múltiplos Olhares reúne temáticas variadas,
como Inclusão: Produção Científica, Políticas Públicas, Formação de Professores, Ensino
Colaborativo; Representações Sociais e Formação Docente; Alunos com Necessidades
Especiais no Ensino Superior: Acesso, Permanência e Preparação de Professores; A
Questão do Aborto por Anomalia Fetal, Recém-Nascidos de Risco e Pré-Escolares
Agressivos; Familiares de Crianças com Necessidades Especiais: Questões Variadas;
Contribuições do Campo das Habilidades Sociais para a Educação Especial; Atendimento
a Alunos com Altas Habilidades; Autismo: Aspectos Comunicativos; Tecnologia Assistiva,
Terapia Ocupacional, Escolarização, Iniciação Científica.
O livro Temas em Educação Especial: Deficiências Sensoriais e Deficiência Mental
reúne temáticas relacionadas à Surdez, Deficiência Visual, Surdocegueira e Deficiência
Mental.
O PPGEEs e a ABPEE acreditam que a publicação desses livros tenha
propiciado o registro de debates importantes que os trabalhos de demanda espontânea
trouxeram para o II Congresso Brasileiro de Educação Especial, disponibilizando-os para
aqueles que não puderam estar presentes durante o referido evento, além de contribuir
para a produção do conhecimento na área da Educação Especial.
A comissão atribui o sucesso do evento ao apoio financeiro que complementou
o orçamento tornando o evento viável, e por isso agradece às agências patrocinadoras:
CNPq, FAPESP e CAPES.
Por fim, o profundo agradecimento à “amiga do PPGEEs”, funcionária Elza
Fátima P. Zotesso, pela sua dedicação e empenho constante na realização desta obra.

São Carlos, outubro de 2008

Maria Amelia Almeida


Enicéia Gonçalves Mendes
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 15


INTRODUÇÃO

Como já informado anteriormente, mais de 400 trabalhos foram apresentados


durante o II Congresso Brasileiro de Educação Especial. Desses, 147 foram indicados
com potencial para publicação. Depois de todo um processo de revisão de pares, somente
81 foram, efetivamente, aprovados para publicação. Esses trabalhos foram então agrupados
por temáticas e distribuídos em dois livros. Este livro, intitulado Temas em Educação Especial:
Múltiplos Olhares, como o próprio nome diz, reúne os mais diversos “olhares” sobre a
Educação Especial. Assim, o livro foi dividido em partes, conforme o agrupamento das
temáticas.
Na primeira parte da obra estão agrupados os vários trabalhos que tratam da
inclusão. Num primeiro momento, aparecem os trabalhos de revisão teórica, como é o
caso do estudo de Michele Silva Sacardo e Sônia Bertoni de Sousa, que realizaram uma
pesquisa documental com o objetivo de explicitar as características técnico-metodológicas
e teórico-epistemológicas dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial,
relacionados à temática integração e inclusão no período de 1994 a 2004.
Já em outro trabalho, Altemir José Gonçalves Barbosa, Camila Serrani Setani,
Wesley Heleno de Oliveira, Danielle Lucílio da Silva e Thays Correia Santana realizaram
uma análise cienciométrica de artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos
brasileiros ao longo de uma década. Os resultados revelaram poucos artigos sobre educação
inclusiva publicados nos melhores periódicos de educação e psicologia do país.
Um terceiro estudo de revisão teórica sobre inclusão foi produzido por Cristina
Yoshie Toyoda e Gerusa Ferreira Lourenço com o objetivo de levantar alguns indicadores
de como está ocorrendo a prática de terapeutas ocupacionais envolvidos com a educação
inclusiva. As autoras verificaram que há terapeutas ocupacionais gerindo serviços de
educação, atuando diretamente com a escola, nos níveis administrativos e de sala de
aula, trabalhando com os funcionários, com os docentes e com os alunos.
Em relação às políticas de inclusão, dois estudos foram realizados. Mariza
Borges Wall Barbosa de Carvalho analisou a política maranhense de Educação Especial
no período de 1997 a 2002, mediante o estudo dos princípios, diretrizes, propostas e
resultados que abordam a atuação da rede estadual, e tendo como referência as políticas
educacionais do estado em questão e do país. A autora constatou que há pouca
expressividade da Educação Especial, quer em números de matrículas, quer em diretrizes
claras para a formulação e implementação de ações no quadro educacional do estado do
Maranhão. Nessa mesma direção, Helio Ferreira Orrico analisou o discurso institucional
da Lei Orgânica do município de Duque de Caxias nos enunciados que tratam da temática
da inclusão social da pessoa portadora de deficiência, verificando seus possíveis efeitos
no cotidiano e a identificação de contextos sociais onde as dissonâncias entre o discurso
institucional e as demandas de inclusão estão presentes. O estudo sinaliza a exclusão
social da pessoa portadora de deficiência no município de Duque de Caxias.
A relação inclusão/atuação/percepção de professores também foi um assunto
fortemente estudado. Nesse sentido, Paola Bisaccioni e Enicéia Gonçalves Mendes
realizam um estudo com a finalidade de verificar como os professores lidam com um
aluno com deficiência inserido em suas turmas, e quais seriam os desafios da transição
da educação infantil para o ensino fundamental. Ione Arsênio, Maria Cristina Bergonzoni

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 16


Stefanini e Silvia Angelita Rosa, por sua vez, relatam as percepções de professores em
relação à escolarização de alunos com acentuadas dificuldades de aprendizagem abordadas
em um Grupo Educacional Terapêutico.
Já a temática relações interpessoais no processo de inclusão foi estudada por
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André e Telma Cristina Fernandes Crespo. O trabalho
envolveu a identificação de como ocorrem essas relações entre professores, alunos, equipe
administrativa e equipe multidisciplinar no cotidiano da escola e quais são os elementos
facilitadores das inter-relações no processo de inclusão e ensino-aprendizagem de alunos
jovens e adultos com deficiências.
Enquanto os estudos acima se preocuparam em relatar como os professores
lidam, percebem, interagem em suas salas de aula, outros estudos procuraram mostrar
como o professor pode ser ajudado em sala. Nesse sentido, Daniella Côrtes Pereira Borges
e Mariangela Lima de Almeida descreveram um grupo de formação continuada e os
múltiplos olhares sobre a questão da inclusão escolar, concluindo que a atuação conjunta
favorece a construção do conhecimento e os professores se vêem conhecendo realmente
aquilo que um dia pensaram que conheciam.
Nessa mesma linha de formação continuada, Vera Lúcia Messias Fialho
Capellini e Enicéia Gonçalves Mendes avaliaram as possibilidades do ensino colaborativo
no processo de inclusão escolar do aluno com deficiência e concluíram que é possível
pontuar uma avaliação positiva sobre o ensino, independentemente dos aspectos críticos
surgidos durante a intervenção.
O corpo e seu significado no processo de inclusão também foi objeto de
estudo. Nesse sentido, Alenia Varela Finger e Soraia Napoleão Freitas objetivaram
problematizar o significado do cor po na perspectiva da educação inclusiva,
contextualizando-o na realidade de alunos com deficiência física incluídos em séries iniciais
de uma rede municipal de ensino. O estudo mostrou que a relação inclusão/exclusão não
é tão facilmente determinada como se pensava, nem suas fronteiras são prontamente
delimitadas, uma vez que o indivíduo pode estar incluído até o momento em que necessita
deslocar-se e não tem condições para isso, como é o caso da deficiência física.
Da mesma forma, Douglas Roberto Borella e Fátima Elisabeth Denari, cuja
pesquisa envolveu a elaboração, aplicação e avaliação de um programa de ginástica
acrobática sob a ótica da inclusão, observaram que o aprendizado dessa modalidade
pelos alunos se deu em diferentes níveis, conforme suas potencialidades e peculiaridades.
Nessa mesma linha de investigação, um outro estudo também liderado por Douglas
Roberto Borella, que contou com a participação de Fábio Ben e Samuel Rodrigo Weber,
buscou averiguar as percepções dos praticantes de basquetebol em cadeira de rodas sobre
o impacto desse esporte em suas vidas. Foi constatado que a maior evidência da importância
desse esporte para esses atletas é a melhora da auto-estima.
As representações sociais e formação docente compõem a segunda parte
deste livro. Assim, Lúcia de Araújo Ramos Martins analisa como vem se processando a
formação inicial de docentes no Estado do Rio Grande do Norte, com vistas à inclusão
de educandos com necessidades especiais em classes regulares nos vários níveis de ensino.
A autora observou que, apesar dos graduandos reconhecerem a relevância da ação
pedagógica realizada por meio da disciplina eletiva ministrada, faz-se ainda necessária
uma análise mais detalhada da estrutura curricular do curso como um todo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 17


Enquanto que esse estudo investigou os graduandos de um curso de pedagogia
a respeito da formação, o trabalho de Marcela Gama da Silva e Sonia Lopes Victor analisou
as expectativas dos estagiários diante de sua inserção no ambiente escolar e as dos
profissionais que irão recebê-los nas salas de aula e identificaram seis categorias em
torno de tais expectativas a respeito do estágio: troca de conhecimentos, boa acolhida,
possibilidade de reflexão sobre a prática, novas experiências, trabalho em equipe, boa
orientação.
Em outro artigo, Maria Cristina Marquezine, Rosangela Marques Busto,
Viviane Maronei Tramontina e Sadao Omote visaram a identificar e analisar o perfil dos
egressos do Curso de Especialização em Educação Especial – Deficiência Mental, da
Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Embora o público alvo não fosse professores ou futuros professores, Lígia
Maria Presumido Braccialli, Carolina Campos e Walkíria Gonçalves Reganhan também
investigaram a percepção que o graduando em fisioterapia tinha sobre a Educação Especial
e a função do fisioterapeuta na inserção escolar do aluno deficiente. A análise dos dados
mostrou que a formação oferecida aos participantes do estudo não atendeu à legislação
vigente no país, que recomendou a complementação dos currículos de formação de
docentes e de outros profissionais da saúde que interagem com pessoas com necessidades
educacionais especiais.
Para encerrar esse bloco de estudos sobre formação docente, apresentamos
a seguir o trabalho de revisão bibliográfica de Viviane Preichardt Duek e Maria Inês
Naujorks, que indicaram a necessidade de uma formação que priorize as perguntas ao
invés das respostas, que estimule o gosto pelo novo, voltando-se para um trabalho de
aprimoramento pessoal e profissional, possibilitando ao professor lidar melhor com as
demandas que se instituem na escola e fora dela.
Em relação à formação continuada, Alzira Cristina de Mello Stein-Barana,
Deisy Piedade Munhoz Lopes, Roberto Naves Domingos, Leandro Xavier Moreno e
Aline Piccoli Otalara trabalharam, na área de ciências, com a proposta A terra em que
vivemos: uma proposta para formação de professores do ensino fundamental, com a inserção do
tema inclusão social. O caráter inclusivo da proposta A Terra em que vivemos mostrou-se
como um catalisador de reflexões para o desenvolvimento profissional em ciências dos
docentes no ensino fundamental.
As representações sociais também foram alvo de preocupação de alguns
pesquisadores, como Josiane Pozzatti Dal-Forno, que fez uma análise a partir das narrativas
de professoras de classe regular em relação à pessoa com necessidades educacionais
especiais. Conclui a pesquisadora que trabalhar as representações dos futuros docentes
durante o curso de formação é uma alternativa para romper com a imagem instituída em
relação às pessoas com necessidades educacionais especiais.
Os alunos com necessidades educacionais especiais nas representações sociais
de seus professores foi o tema da pesquisa realizada por Ednea Rodrigues de Albuquerque.
Para a autora, a primeira aproximação das representações sociais dos professores em
relação aos alunos com necessidades educacionais especiais sinalizou que é emergente
re-significar as políticas públicas de formação de docentes em todos os níveis e modalidades
de ensino.
O acesso e permanência dos alunos com necessidades especiais no ensino

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 18


superior, bem como a preparação dos docentes para atendê-los, compõem a terceira
parte deste livro. Nesse sentido, Felipe Duclos Carisio Falcão, Priscilla Christina da Rocha,
Dilton Ribeiro do Couto Junior e Rosana Glat investigaram o processo de inserção de
tais alunos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e constataram a
necessidade de mudanças no cotidiano da Faculdade de Educação, para que esta se
transforme num espaço inclusivo e se torne um ambiente mais plural.
O estudante com necessidades especiais também foi alvo da pesquisa de
Elaine Teresa Gomes Oliveira e Eduardo José Manzini, que buscaram identificar, descrever
e analisar as condições de acessibilidade e a trajetória acadêmica desse alunado na UEL.
Os dados revelaram que o cotidiano composto por professores, agentes administrativos
e discentes envolve uma multiplicidade de aspectos que merecem atenção por parte de
toda a comunidade universitária, a fim de garantir a acessibilidade e a equiparação de
oportunidade desses. Além disso, os autores chamam a atenção para o fato de que a
acessibilidade no ensino superior significa a eliminação de barreiras arquitetônicas,
pedagógicas e de comunicações. As ações de um grupo de trabalho de apoio aos
universitários com necessidades educacionais especiais da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC- PR) também foi objeto de estudo de um grupo de pessoas liderado por
Vera Lúcia Israel.
A concepção dos professores universitários acerca do atendimento
educacional a alunos com necessidades especiais dos cursos de licenciatura (geografia,
história, letras, matemática e pedagogia) foi objeto da investigação de Nazineide Brito,
que analisou também as concepções dos professores em relação à educação inclusiva. A
autora constatou que os professores mostram-se, em sua maioria, despreparados para a
inclusão e reconheceram a necessidade de maior aprofundamento sobre o assunto.
Nesse sentido, Celia Regina Vitaliano fez um diagnóstico da necessidade de
preparação dos professores dos cursos de licenciatura da UEL com a finalidade de prepará-
los para a inclusão de estudantes com necessidades especiais. Diante dos dados obtidos,
a autora considera a necessidade das instituições de ensino superior desenvolverem
políticas que favoreçam a formação dos professores para receberem esse alunado.
Na quarta parte deste livro vamos encontrar estudos relacionados à questão
do aborto por anomalia fetal, recém-nascidos de risco e pré-escolares agressivos.
Alessandra Barros, por exemplo, investigou como a comunidade brasileira de pessoas
com deficiência vem se manifestando pela defesa de seus interesses. A análise dos dados
permitiu à autora concluir que o principal articulador dos argumentos contrários ao aborto
por anomalia fetal presente na mídia, independente de quais fossem as classes de
argumentos, foi a Igreja Católica, figurando em 61,10% do conjunto dos argumentos
extraídos das matérias analisadas.
O desenvolvimento posterior de crianças que nascem com intercorrências
específicas foi objeto de estudo de Daniela Lobo D´avila, Andréa Tonini e Edson Nunes
de Morais, que pesquisaram o atendimento especializado recebido por essas crianças
após a alta hospitalar. Os autores concluem que o atendimento especializado é primordial
nessa etapa maturacional do desenvolvimento infantil, pois a estimulação essencial
incentiva e favorece os mecanismos de repercussão funcional do sistema nervoso,
prevenindo que problemas secundários se desenvolvam.
Um estudo com recém-nascidos prematuros, portadores da Síndrome do

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 19


Desconforto Respiratório (SDR), foi realizado por Marco Aurélio Sá Netto Costa e Nayane
Araújo Cardoso. Os pesquisadores avaliaram a utilização da Pressão Positiva Expiratória
Final (PEEP). Os resultados evidenciaram que o uso da PEEP com valor apropriado
para as condições clínicas apresentadas repercute em bons resultados, prevenindo, desta
forma, o colapso alveolar.
Juliana da Rocha Picado e Tânia Maria Santana de Rose realizaram um estudo
de acompanhamento de pré-escolares que apresentam comportamentos agressivos. Os
resultados evidenciam que, ao final do período da educação infantil, uma parcela
significativa dos alunos continua apresentando alta freqüência de atitudes agressivas,
estando acima dos padrões considerados normais.
A quinta parte deste livro aborda questões variadas sobre os familiares de
crianças com necessidades especiais. Por exemplo, Renata Christian de Oliveira Pamplin
e Cláudia Maria Simões Martinez realizaram um estudo comparativo de recursos no
ambiente familiar de crianças com deficiência e de crianças com fracasso escolar. Os
resultados obtidos por meio do Inventário de Recursos do Ambiente Familiar revelaram
que as crianças com deficiência possuem um ambiente familiar mais rico em recursos
(livros, brinquedos, eletrodomésticos, etc.), além de maiores oportunidades de interagir
com seus familiares, de praticarem atividades programadas e desfrutarem de um número
maior de passeios quando comparadas às crianças com fracasso escolar.
Por outro lado, Grace Cristina Ferreira-Donati e Débora Deliberato,
preocupadas com a aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil, analisaram em
seu trabalho guias de orientação de linguagem quanto à forma e conteúdo e identificaram
os perfis de orientação adotados, que lhes permitiram estabelecer critérios de organização
de forma e conteúdo na elaboração de materiais de orientação a familiares sobre
desenvolvimento da linguagem.
O desenvolvimento e aplicação de um Programa de Atenção destinado às
mães de crianças com necessidades educacionais especiais foi objeto de estudo de Morgana
de Fátima Agostini Martins, Enicéia Gonçalves Mendes e Aline Maira da Silva. Os
resultados obtidos permitiram afirmar que o programa teve impacto positivo em relação
ao desenvolvimento dos filhos e adesão da família ao atendimento oferecido pela escola.
A realidade de mães com transtornos mentais foi observada por Thelma
Simões Matsukura e Diana Rosa Cavaglieri. Os resultados da pesquisa indicaram que os
filhos adolescentes dessas mães parecem ter encontrado formas de adaptação positiva
frente à convivência com transtorno mental materno, mantendo suas atividades cotidianas,
escolares, de lazer e bom relacionamento com amigos. Diferentemente dos resultados
encontrados nesse estudo, Sônia Lima de Carvalho descreve as situações de fracasso
escolar de meninas matriculadas no ensino público fundamental em um contexto de
exclusão social, tendo como chefe de família a mulher. Os dados mostraram que há
diferenças na distribuição de oportunidades, refletindo a lógica social vigente, cujos
critérios obedecem à condição de classe e gênero. A primeira crença levantada foi que o
cotidiano escolar marcado pela pobreza e exclusão social impedia a escolaridade das
meninas, cujas famílias eram chefiadas pela mulher.
Na sexta parte deste livro encontram-se os artigos sobre as contribuições do
campo das habilidades sociais para a Educação Especial. Nesse sentido, Camila de Sousa
Pereira e Almir Del Prette realizaram um trabalho com o propósito de identificar as

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 20


diferenças entre mulheres e homens com deficiência física quanto ao repertório de
habilidades sociais. Os resultados mostram que os homens com deficiência física relataram
emitir habilidades sociais com maior freqüência que as mulheres com quadro semelhante.
Talita Pereira Dias, Lucas Cordeiro Freitas, Thiago Magalhães Pereira de
Souza, Almir Del Prette e Zilda Aparecida Pereira Del Prette visaram a identificar a
importância das reações habilidosas e a adequação das reações não habilidosas (passivas
e ativas) a partir da avaliação dos professores. Os resultados permitiram concluir que os
professores valorizam e consideram como mais adequadas as reações habilidosas e as
diferenciam das não habilidosas, e que, entre estas, as reações não-habilidosas ativas
foram consideradas ainda menos adequadas, o que permite concluir que tais reações são
as menos toleradas pelos professores.
A sétima parte do livro descreve dois estudos sobre o atendimento a alunos
com altas habilidades. O primeiro trabalho foi desenvolvido por Carly Cruz, Maria
Aparecida Santos Correa Barreto e Maria da Penha Costa Benevides França Silva, que
analisaram o desenvolvimento de um projeto de atendimento ao Aluno Talentoso sob a
ótica dos ex-alunos, por meio da sua escuta. Os resultados indicaram a importância do
papel do outro nas inter-relações e como estas constituíram/constituem as suas
subjetividades hoje. Na seqüência, o trabalho de Rosemeire de Araujo Rangni analisou o
atendimento às pessoas com altas habilidades no estado de São Paulo, revelando a escassez
de atendimento educacional para esse alunado na rede pública de ensino nesse estado.
Os aspectos comunicativos do autismo compõem a oitava parte deste livro.
Luciana Ramos Baleotti e Débora Deliberato identificaram as formas de comunicação
em situações de atividades de vida diária utilizadas por uma criança autista do gênero
masculino com cinco anos de idade no contexto escolar e domiciliar. Assim, o estudo
permitiu identificar dois aspectos relevantes: um relacionado ao fato de a criança autista
ser semi-independente para a realização de suas atividades de vida diária e o outro referente
à capacidade da criança manifestar os seus desejos quando o objeto concreto está em seu
campo visual.
O estudo de Maria Claudia Brito, Andrea Regina Nunes Misquiatti e Kester
Carrara, por sua vez, comparou o perfil comunicativo de crianças com Transtornos do
Espectro Autístico (TEA) e crianças com desenvolvimento normal, durante interação
lúdica com suas mães. A partir dos resultados, observou-se que as crianças com TEA
apresentaram diferenças estatisticamente significantes quando comparadas às crianças
com desenvolvimento normal, em todos os aspectos analisados, com exceção do Meio
Comunicativo Vocal. A partir da análise do perfil comunicativo das díades mãe-criança,
foi possível construir um paralelo entre a iniciativa e intenção comunicativa das mães e
das crianças com TEA e com desenvolvimento normal, permitindo a verificação dos
aspectos da discrepância na quantidade e qualidade dessa interação, possibilitando maior
entendimento sobre os aspectos funcionais da comunicação de crianças com TEA.
Na última parte do livro estão os estudos que tratam de temáticas diversas,
como: Tecnologia Assistiva, Terapia Ocupacional e Educação Especial, escolarização e
contribuições da iniciação científica na formação de cientistas para a Educação Especial.
Assim, o primeiro estudo, desenvolvido por Giseli Barbieri do Amaral-Lauand
e Enicéia Gonçalves Mendes, objetivou classificar e caracterizar recursos de tecnologia
assistiva para indivíduos com necessidades especiais. Esse trabalho resultou no

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 21


desenvolvimento de um sistema de classificação desses recursos, bem como em um acervo
físico de consulta.
Na seqüência, o artigo de Luzia Iara Pfeifer e Daniel Marinho Cezar Cruz, ao
discutir a prática do terapeuta ocupacional no campo da Educação Especial, apresenta
seis avaliações do comportamento de brincar utilizadas por terapeutas ocupacionais, e
suas evidências para a prática profissional na clínica e na pesquisa. Os instrumentos,
objetos dessa revisão, abrangem diferentes formas de coleta e podem fornecer informações
essenciais para se conhecer o comportamento lúdico de crianças com problemas no
desenvolvimento, o que possibilita ao terapeuta ocupacional desenvolver estratégias que
facilitem a participação da criança em espaços escolares que comportem o brincar.
Aspectos relacionados às dificuldades de aprendizagem ou dificuldades de
escolarização acabaram promovendo um debate do grupo de pesquisadores composto
por Graziela Lucchesi Rosa da Silva, Marilda Gonçalves Dias Facci, Nadia Mara Eidt,
Silvana Calvo Tuleski e Sonia Mari Shima Barroco, que discutiram esses aspectos a patir
do referencial da psicologia histórico-cultural. As autoras concluíram que nenhum
desenvolvimento – incluindo o da criança – pode ser reduzido ao desenvolvimento de
processos inatos e naturais e às mudanças morfológicas por eles condicionadas. É preciso
considerar a mudança promovida pela inserção em grupos sociais e em formas de conduta
civilizadas, processo em que a educação escolar tem papel fundamental.
Por fim, um estudo sobre a relação da iniciação científica (IC) e formação de
cientistas para a Educação Especial foi conduzido por Rodrigo de Castro Cabrero, Maria
da Piedade Resende da Costa, Andreza Marques da Castro Leão, Maria Cristina Piumbato
Innocentini Hayashi e Sérgio Missiaggia. Os autores verificaram a relação IC e Educação
Especial como um mecanismo para formar cientistas para tal área. O estudo revelou o
quanto a IC tem colaborado para o fortalecimento da pesquisa nas universidades e institutos
de pesquisa, bem como o envolvimento de orientadores e bolsistas nessa atividade de
investigação.

São Carlos, outubro de 2008

Maria Amelia Almeida


Docente e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Educação Especial
Universidade Federal de São Carlos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 22


PARTE I

INCLUSÃO:
Produção científica,
políticas públicas, formação de professores,
ensino colaborativo
A INTEGRAÇÃO E A INCLUSÃO NA REVISTA BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO ESPECIAL: 1994 A 2004

Michele Silva Sacardo1


Sônia Bertoni de Sousa2

Introdução

Os defensores da integração e inclusão advogam a inserção dos excluídos


sociais na escola e sociedade, o que vai ao encontro de movimentos e acordos mundiais
estabelecidos nas últimas décadas, tais como: A Conferência Mundial de Educação para
Todos, realizada em Jomtiem, na Tailândia, e uma reunião ocorrida na Espanha, mais
especificamente em Salamanca, que teve como objetivo buscar um consenso mundial
sobre os rumos dos serviços educativos especiais, combater a exclusão escolar e reduzir
a taxa de analfabetismo, que teve como fruto um documento intitulado Declaração de
Salamanca (1994).
Assim, avaliar a produção científica em qualquer área do conhecimento,
principalmente por meio dos periódicos, possibilita identificar seu desenvolvimento,
evolução e impacto perante a comunidade científica. Autores como Nunes et. al. (1998)
e Manzini (2003) têm se preocupado com os rumos e principais tendências da produção
científica em educação especial, e avaliar essa produção nos periódicos científicos
constituem um dos indicadores de maior peso.
No entanto, observamos até o momento, que nenhum estudo teve como
foco principal traçar um perfil do que foi produzido nos dez anos de Declaração de
Salamanca, nos periódicos específicos da área de Educação Especial. Além disso,
carecemos de análises sistemáticas sobre essas temáticas tão em voga na atualidade. São
exatamente essas lacunas que nos estimula a elaborar um trabalho dessa natureza,
permitindo, com isso, contribuir para uma melhor compreensão dos impactos dos
fenômenos da integração e inclusão no mundo e na sociedade brasileira.

Objetivos

Objetivo geral

Explicitar quais as características técnico-metodológicas e teórico-


espistemológicas dos artigos publicados na revista científica da área de Educação Especial,
mais especificamente na Revista Brasileira de Educação Especial, relacionada à temática
integração e inclusão no período de 1994 a 2004.

Objetivos específicos

Identificar se a temática abordada refere-se à integração e/ou inclusão; quais


foram os sub-temas dentro da temática abordada, o tipo de deficiência, os problemas
priorizados e os objetivos gerais do estudo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 24


Analisar a história da RBEE, especialmente no que se refere ao ano e contexto
de criação, justificativa, objetivos, periodicidade e principais mudanças pelas quais passou
no período estudado.
Identificar o tipo de abordagem metodológica dos artigos analisados.
Identificar as concepções de integração, inclusão, integração/inclusão, nas
quais os artigos se fundamentam.

Metodologia

Tipo de Pesquisa

Trata-se de uma pesquisa do tipo bibliográfica de caráter crítico-


epistemológico.

Universo e População

No período de 1994 a 2004, foi publicado um total de 125 artigos na Revista


Brasileira de Educação Especial (RBEE).
A Revista Brasileira de Educação Especial está estruturada da seguinte forma:
artigos, ensaios, relatos de pesquisa, resenhas e revisão de literatura. Este trabalho se
restringirá a analisar apenas os textos considerados como artigos, ensaios, relatos de
pesquisa e revisão de literatura. Descartamos os textos que tratam de opiniões, resenhas,
cartas e produção acadêmica.
Trabalhamos com todos os artigos encontrados que tratam do tema de nosso
estudo, ou seja, 16 artigos da Revista Brasileira de Educação Especial.

Coleta de dados

A coleta de dados foi feita por meio de levantamento documental e


bibliográfico. Após termos em mãos as revistas publicadas no período da pesquisa,
estabelecemos algumas etapas, em função dos objetivos específicos deste estudo:
Nível técnico: dados de identificação dos artigos e das revistas.
Nível teórico: temáticas abordadas – integração, inclusão, ou integração/
inclusão; sub-tema; tipo de deficiência; problemas priorizados; aspectos históricos
relacionados à RBEE, tais como ano de criação, justificativa, objetivos, periodicidade e
principais mudanças pelas quais a revista passou no período estudado.
Nível metodológico: tipo de abordagem metodológica predominante.
Nível epistemológico: referente à concepção de inclusão, integração e
integração/inclusão, nas quais os artigos se fundamentam, e que se referem à visão de
mundo contida em toda produção científica.

Instrumento de coleta de dados

Foi utilizada uma ficha contendo questões voltadas para os objetivos deste
estudo. Tivemos como referência para a elaboração das fichas os trabalhos de Silva (1997).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 25


Fizemos uma adaptação das fichas utilizadas por essas autoras, de acordo com as
necessidades dessa investigação.

Análise dos dados

As análises realizadas foram do tipo quantitativo-qualitativo de caráter crítico-


epistemológico. Para a análise dos dados, elegemos algumas categorias de análise, tendo
em vista as articulações existentes entre elas. Consideramos, principalmente, as categorias
de totalidade, do lógico, do histórico, da contradição, do abstrato e do concreto.
Entendidas como graus de desenvolvimento do conhecimento e das práticas
sociais, as categorias são formas do pensamento que expressam termos mais gerais,
permitindo ao homem representar adequadamente a realidade. São reflexos do mundo
objetivo, generalizações de fenômenos e processos que existem fora da nossa consciência.
Consideradas no seu conjunto, as categorias do materialismo dialético expressam as leis
mais gerais do desenvolvimento do mundo objetivo. Dessa forma, todas elas têm conteúdo
objetivo. (KOPNIN, 1978).
Entendemos que periódicos são importantes veículos de difusão do saber
produzido nos programas de pós-graduação e em outras instâncias de produção do
conhecimento. Além disso, analisar a produção científica veiculada neste periódico é de
fundamental importância para a área da Educação Especial, possibilitando à comunidade
científica ter uma visão dos conhecimentos gerados pelos estudos realizados na área,
bem como minimizar, dentre outros aspectos, as dificuldades encontradas no campo de
atuação profissional daqueles que trabalham na área de Educação Especial.

Resultados e discussão

Resultados das análises dos artigos da Revista Brasileira de Educação Especial

A Revista Brasileira de Educação Especial foi criada em 1992, e o primeiro


número da revista foi lançado no final desse mesmo ano. Segundo Manzini (2003), sua
criação veio da necessidade de mais uma revista nacional que pudesse circular informações
sobre a Educação Especial, auxiliando no intercâmbio do conhecimento nessa área
produzido no Brasil.
Essas idéias foram se fortalecendo e se consolidando em reuniões e eventos3
Ainda segundo Manzini (2003), na Educação Especial, a formação em Pós-Graduação
stricto- sensu ocorria vinculada a outras áreas do conhecimento, principalmente aquelas
que imprimiam caráter multidisciplinar de Educação Especial, ou na modalidade lato-
sensu. E essa característica da produção do conhecimento em Educação Especial não
garantia que o intercâmbio científico promovido pelas associações de programas stricto-
sensu pudesse chegar a produzir trocas expressivas dentro da área.
Nesse sentido, seria importante abrir canais de comunicação por meio de
revista e de espaço de produção do conhecimento na área de Educação Especial.
Em 1994, houve a fundação e implementação da Associação de Pesquisadores
em Educação Especial; a interação da revista com o GT da Anped manteve-se até a
criação da Associação Brasileira de Pesquisadores de Educação Especial. Após essa

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 26


data, ambas as iniciativas se desenvolveram independentemente, mas se configuram hoje
como importantes foros para intercâmbio científico e técnico.
A Revista Brasileira de Educação Especial completou, em 2006, 14 anos de
existência, e tem já produzido 14 exemplares. Até 2001, a revista publicava um exemplar
por ano, havendo interrupção em 1993, 1997 e 1998. A partir de 2001, as publicações
são anuais.
Segundo Manzini (2003), numa análise da produção científica da Revista
Brasileira de Educação Especial, pode-se constatar que a revista tem divulgado estudos
sobre temas importantes para a área e que têm produzido impacto sobre a produção em
Educação Especial brasileira e, portanto, cumprido a sua função de promover as trocas
entre produção do conhecimento e prática profissional.

Nível Técnico

REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

ARTIGOS
ANO VOLUME NÚMERO Página RELACIONADOS À
TEMÁTICA
1995 02 03 21-30 Integração
1996 02 04 111-119 Integração
1999 03 05 73-86 Integração
1999 03 05 87-96 Integração
2000 06 01 27-42 Integração
2001 07 02 1-10 Inclusão
2001 08 01 15-26 Integração
2002 08 01 45-54 Inclusão
2002 08 02 157-168 Integração/inclusão
2002 08 02 233-244 Inclusão
2003 09 01 39-56 Inclusão
2003 09 01 57-78 Inclusão
2003 09 02 163-180 Inclusão
2003 09 01 181-194 Inclusão
2003 09 02 211-226 Inclusão
2004 10 01 1-14 Inclusão

Observamos que o tema integração prevalece do ano de 1995 até 2000. De

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 27


2001 a 2004 predomina a inclusão. Pode-se perceber que, apesar de no ano de 1994 ter
sido realizada a reunião de Salamanca, direcionando os rumos da educação especial na
perspectiva da inclusão, a questão da integração ainda esteve presente por um longo
período. O que demonstra, no nosso entendimento, certa dificuldade da comunidade
acadêmica em compreender as mudanças de novos paradigmas, determinados pela
Declaração de Salamanca.

Nível Teórico

Temáticas abordadas

Gráfico 1 – Demonstrativo dos 16 artigos analisados em relação às temáticas

Temáticas Abordadas

16
14
12
Número de artigos

10 9
8
6
6
4
2 1
0
Integração/ inclusão Integração Inclusão

Sub-temas
N u m ero d e A r

S u b -te m a s

16 11
12
8
4 1 1 1 2
0 s . .
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ça iv i ca e o
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d
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ife p P e ca
D e
rs ci d
u
o
P S E

De acordo com Manzini (2003), o tema Educação e Ensino foram os mais


abordados na RBEE no período de 1992 a 2002. Portanto, podemos dizer que Educação
e Ensino, enquanto sub-tema, foi também o que mais prevaleceu na temática integração/
inclusão.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 28


Tipos de Deficiências

Verificamos que a maioria dos artigos abordados não trata de uma deficiência
específica, mas de aspectos gerais da deficiência. Em seguida, os dados apontam a
deficiência mental como a de maior incidência nos artigos publicados, devido a
preocupações com o processo educacional do aluno com Síndrome de Down. Isso pode
ser devido ao fato de a deficiência mental colocar em xeque a função primordial da
escola comum, que é a disseminação do saber (BRASIL, 2005), pelas peculiaridades do
subfuncionamento de suas funções cognitivas.

Problemas Priorizados

Quadro 1 - Demonstrativo do número e percentual dos problemas priorizados nos artigos da Revista
Brasileira de Educação Especial:
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
NÍVEL TEÓRICO

PROBLEMAS PRIORIZADOS NÚMERO PORCENTAGEM


Movimentos legais, populacionais e o processo social na
3 18.75
inclusão.
Como são percebidas e explicadas as questões pertinentes a
ação educacional empreendida aos educandos down na sala 2 12.5
regular e na comunidade escolar.
A necessidade de pessoas deficientes receberem mais
1 6.25
oportunidades, estímulos no processo ensino-aprendizagem
Atraso escolar em crianças com internamento hospitalar 1 6.25
A realidade brasileira e alemã no processo de
integração/inclusão e alguns apontamentos para sua 1 6.25
efetivação.
Ausência de pesquisas que tratam da importância da família
1 6.25
na integração da pessoa com deficiência
Inclusão: possibilidades e limitações 1 6.25
Avanços da educação Especial e a inserção da Educação
1 6.25
especial na escola regular
Responder questões levantadas pela comunidade sobre
1 6.25
deficiência e inclusão
Crianças com deficiência vivendo o processo de inclusão não
1 6.25
planejada
O que e como fazer a inclusão? 1 6.25
Como a sociedade vem se organizando para realizar
1 6.25
atendimentos alternativos ‘as diferenças
Educação do deficiente físico e suas necessidades específicas 1 6.25
Total 16 100%

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 29


Em relação aos problemas priorizados, foram identificados com maior
freqüência aqueles voltados para a questão legal da inclusão. Porém, tratam de forma
diversificada a problemática. Como exemplo: o processo educacional da pessoa com
Síndrome de Down na escola regular, a realidade da integração/inclusão no Brasil e em
outros países, e como fazer a inclusão dentre outros.

Objetivos Gerais

Quadro 2 - Demonstrativo do número e percentual dos objetivos dos artigos sobre inclusão e/ou integração
publicados na Revista Brasileira de Educação Especial:
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

OBJETIVOS DOS ARTIGOS NÚMERO PORCENTAGEM

Discutir inclusão na atualidade, refletindo sobre conceitos,


5 31.25
idéias de autores, atendimento educacional e deficiência.

Apresentar projeto de inclusão de determinada localidade,


acompanhando a trajetória escolar e delineando perfil de 3 18.75
alunos.

Levantar questões a respeito da relação entre o movimento


integracionista e as recentes mudanças e experiências no 2 12.5
cenário internacional.

Refletir sobre alguns aspectos da dinâmica familiar para o


2 12.5
processo de integração.

Discutir a necessidade do professor conhecer seus alunos para


1 6.25
mudança de atitude, de suas estratégias de ensino.

Conhecer e investigar a situação local afim de evitar um


descompasso entre planejamento e distribuição de recursos por 1 6.25
um lado e realidade concreta por outro.

Investigar o processo de inclusão sobre a perspectiva de pais 1 6.25

Verificar a incidência de PNEEs na enfermaria pediátrica e


1 6.25
realizar acompanhamento psicopedagógico.

Total 16 100%

Os objetivos também apresentaram um caráter diversificado no que refere


às questões abordadas. Porém, detectamos com maior ênfase os aspectos relacionados a
conceitos e concepções da integração/inclusão.
As pessoas são constituídas por um repertório de valores, crenças e suposições
sobre as pessoas com deficiência que, por sua vez, influencia a forma de interação com
elas.
Concepções positivas por parte de profissionais geram crenças otimistas e
atuações que desafiam as supostas limitações. Já as concepções negativas geram baixas
expectativas, atitudes benevolentes, conformistas, sem perspectivas futuras. (MENDES,
2001).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 30


Portanto, é importante discutir e refletir sobre conceitos e concepções até
para buscar formas de provocar mudanças conceituais em profissionais, pais e em toda a
sociedade para que se possam vislumbrar novas ações ligadas às pessoas com deficiência.

Nível Metodológico

Tipo de abordagem metodológica

Nesse periódico, encontramos trabalhos mais voltados para a fenomenologia,


no caso, dez trabalhos; um trabalho na abordagem empírico-analítico e cinco que se
aproximam mais do materialismo dialético.
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
CONCEPÇÃO DE INCLUSÃO
Nível Epistemológico
CONCEITOS NÚMERO PORCENTAGEM
Não só aceitar, tolerar as diferenças, mas sim produzir uma ação
pedagógica nasConcepção
diferenças, respeitando
de inclusãoas individualidades de cada 4 44.5
indivíduo.
Educação Especial
Quadro deve3 ser encarada comodoextensão
- Demonstrativo númerodae percentual
educação dos conceitos de inclusão encontrados nos artigos
2 22.2
comum, possibilitando a convivência educativa entre todos os alunos
publicados na Revista Brasileira de Educação Especial:
Combinar atendimento na sala regular e sala recurso 1 11.1
Aceitação da diversidade, do modo de ser de cada indivíduo, sendo
1 11.1
educadas as crianças comuns da forma mais semelhante.
Feita na interface com a exclusão social, a partir de análises de
múltiplas dimensões tais como: sociológica, pedagógica, social, legal,
1 11.1
econômica, política, individual, relacional, subjetiva etc, não se
entendendo nenhuma delas sozinha, como a determinação principal.
Total 9 100%

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 31


O conceito mais em evidência está relacionado com a aceitação da diferença
e no processo da ação pedagógica para atender essa diferença. As escolas, hoje, não
podem eximir-se de discutir e implantar formas concretas de vivência democrática e
prática de valores humanos. Tais práticas precisam assentar-se num imperativo do
aprender a compartilhar, que significa aprender pela convivência coletiva, pelo diálogo e
pela reflexão crítica a construir significados e entendimentos a partir do respeito às
diferenças, considerando-se marcos universais de convivência humana. (LIBÂNEO,
2003).

Concepção de Integração

Quadro 4 - Demonstrativo do número e percentual dos conceitos de integração encontrados nos artigos
publicados na Revista Brasileira de Educação Especial:
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
CONCEPÇÃO DE INTEGRAÇÃO
CONCEITOS NÚMERO PORCENTAGEM
Concepção educacional enquanto instrumento para o desenvolvimento
2 33.3
das potencialidades, do saber e da consciência crítica.
Concepção educacional voltada para a construção de uma sociedade
integradora, com estreitas relações com a realidade sócio-econômica e 2 33.3
políticas de um país.
Direito básico á educação, uma política nacional implicando em
1 16.7
mudanças de conceitos e atitudes de professores e colegas.
Fazer parte do espaço família e depois de toda a comunidade 1 16.7
Total 6 100%

As concepções de integração estão mais voltadas para aspectos educacionais


visando à formação de uma consciência crítica, relacionados com a realidade sócio-
econômica e política do país.

Concepção de Integração/Inclusão

Quadro 5 - Demonstrativo do número e percentual dos conceitos de integração/inclusão encontrados nos


artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial:
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
CONCEPÇÃO DE INTEGRAÇÃO/INCLUSÃO

CONCEITOS NÚMERO PORCENTAGEM

Convívio com as diferenças, valorizando as potencialidades,


1 100
habilidades e também adversidades e limitações.
Total 1 100%

Verificamos que essa concepção também enfatiza as questões relacionadas à


diferença, pontuando os limites e possibilidades para a efetivação do processo integração/
inclusão.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 32


Considerações finais

A partir das análises, foi possível verificar que a Revista Brasileira de Educação
Especial publicou sobre integração/inclusão priorizando a temática inclusão, o que já
era esperado, pois a partir de 1994, com a Declaração de Salamanca, norteou-se os novos
rumos da Educação Especial.
A Revista Brasileira de Educação Especial priorizou a deficiência mental,
discutindo as dificuldades educacionais no paradigma inclusivo. Priorizou, também, o
sub-tema ensino e aprendizagem, sendo esta também a principal preocupação voltada
para os estudos das dissertações e teses em educação especial.
Contudo, os objetivos e problemas mais evidenciados foram direcionados
para temas bastante diversificados, o que dificulta a análise mais profunda sobre um
assunto específico.
Concluímos que essas produções, de alguma forma, trouxeram reflexões
significativas para a área, no entanto, seria necessária para o seu melhor desenvolvimento
uma política que norteasse os rumos das publicações, nesse caso, os voltados para a
inclusão.

Notas
1
Mestre em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial/ PPGEEs - UFSCar.
Professora da FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Goiatuba/Go).

2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial /PPGEEs – UFSCar.

3
Grupo de Trabalho 12 “Educação Especial” no III Simpósio Brasileiro de Pesquisa e Intercâmbio Científico
da ANPEPP (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia) de Águas de São Pedro,
entre dias 26 a 30 de agosto de 1990; na XIII Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (ANPED); no Encontro Nacional para discussão de Política Nacional para a Integração das
Pessoas Portadoras de Deficiência no Sistema Regular de Ensino, eventos acontecidos em 1990; na XIII
Reunião ANPED, em outubro de 1990; no Encontro Nacional para discussão de Política Nacional par
Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência no Sistema Regular

Referências bibliográficas

DECLARAÇÃO de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais.


Brasília: CORDE, 1994, p. 54.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Educação


Inclusiva: Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência mental. Brasília:
MEC/SEESP, 2005.

KOPNIN, P. V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1978. p. 354.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 33


LIBÂNEO, J. C. As funções sociais da escola: repensando a didática e a organização escolar.
Anais digital, Campo Grande: MS, jun. 2003. CD-ROM.

MANZINI, J. E. Análise dos artigos da Revista Brasileira de Educação Especial (1992 –


2002). Revista Brasileira de Educação Especial, Marília. v. 9, n.1, p. 13-23, 2003.

MENDES, E. G. Reconstruindo a concepção de deficiência na formação de recursos


humanos em educação especial. In: MARQUEZINE; ALMEIDA & TANAKA (Orgs.).
Perspectivas Multidisciplinares em Educação Especial. Londrina: UEL, 2001. p. 53-64.

NUNES, L. R. O. P. et. al. Pesquisa em educação especial na pós-graduação. Rio de Janeiro:


Sette Letras, 1998.

SILVA, R. V. de S. Pesquisa em Educação Física: determinações históricas e implicações


metodológicas. (Tese de Doutoramento). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
1997.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 34


PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR EM
PERIÓDICOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA

Altemir José Gonçalves Barbosa1


Camila Serrani Setani
Wesley Heleno de Oliveira
Danielle Lucílio da Silva
Thays Correia Santana

Introdução

Estabelecer arranjos educacionais inclusivos é, na atualidade, um dos


principais desafios para os profissionais que estão direta e indiretamente envolvidos com
a educação escolar. No contexto brasileiro, a afirmação anterior é ainda mais crítica, uma
vez que foi somente nos últimos anos, apesar de a Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994) ter mais de uma década, que parcela significativa dos educadores e pesquisadores
despertou para o imperativo da inclusão escolar.
A empreitada da educação inclusiva é ainda mais desafiadora se for
considerada a necessidade de transcender a concepção tradicional – que parece predominar
no Brasil – deste conceito, isto é, aquela que reduz a ‘inclusão escolar’ à inserção de
estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE) em salas de aula e escolas
comuns do sistema regular de ensino. Na atualidade, espera-se que a inclusão seja
entendida e praticada como algo mais amplo e profundo que a presença física de alunos
com deficiências nas salas de aula regulares. Ter escolas que são de fato inclusivas é,
como destaca Gonzáles (2002), ter “a diversidade como critério educativo”. (p. 101). É,
ademais, ter sistemas educacionais que são ‘bons’ (acesso, permanência e sucesso) para
todos os alunos, com e sem NEE. (Cf. MARCHESI, 2004). Em uma sala de aula inclusiva,
a “diferença não é causa de hostilidade, mas fonte de riqueza da qual todos podem aprender
e, como conseqüência, contribuir para criar uma sociedade mais tolerante e mais
solidária”. (GONZÁLES, 2002, p. 103).
Mendes (2004) ressalta que

[...] a ciência será essencial para que a sociedade brasileira contribua de maneira
intencional e planejada para a superação de uma educação especial que atua contra
os ideais de inclusão social e plena cidadania. Traduzir a educação inclusiva das
leis, dos planos e das intenções para a realidade requer produção de conhecimento
e prática e essa é uma tarefa para a pesquisa científica [...]. (p. 230).

Desta forma, realizar e publicar pesquisas sobre educação inclusiva, que,


geralmente, são comunicadas na forma de artigos, é condição sine qua non para que a
ciência possa cumprir a missão enfatizada por Mendes (2004). Para cumprir o intento de
criar sistemas educacionais inclusivos fundamentados em conhecimento científico, há
que se ter quantidade elevada de estudos, pois se trata de um tema amplo, com muitas
nuances e com diversas possibilidades de abordagem, bem como alto nível de qualidade

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 35


científica. Dentre as múltiplas características que determinam a qualidade de uma
pesquisa, cumpre destacar o rigor metodológico, marcado pela presença de delineamentos
sofisticados, instrumentos validados e fidedignos, amostras representativas e tratamento
adequado dos dados.
Além de produzir um conjunto expressivo de ‘boas’ pesquisas sobre inclusão
escolar, o desenvolvimento de escolas inclusivas requer que se pesquise de forma
coordenada, organizada. Para tanto, é de grande relevância realizar exames sistemáticos
e periódicos do que tem sido publicado sobre o tema, ou seja, efetuar análises de produção
científica, metaciência ou cienciometria.
Para Hayashi et al. (2005), analisar a produção científica é fundamental para
medir a qualidade das pesquisas científicas. A produção científica faz parte de um ciclo
que percorre a geração de idéias, o desenvolvimento da pesquisa e a comunicação. Essa
comunicação é que impulsiona os progressos científicos, tecnológicos e culturais do Brasil.
Alguns autores (Cf. WITTER, 1997, SANTOS, 2003) ponderam que avaliar o estado da
arte também tem relevância para o alcance da independência científica e tecnológica,
bem como econômica e política do país.
A cienciometria tem o objetivo de gerar informações e discussões que
contribuam para a superação dos desafios característicos da ciência moderna (SANTOS,
2003), aplicando métodos estatísticos para os dados quantitativos (econômico, humano,
bibliográfico), característicos do estado da ciência. Essa área se desenvolveu como resultado
de estudos de uma ciência que usa a estatística e a informática no tratamento e na análise
de dados da produção científica.
A análise de produção científica permite, por exemplo, identificar os
periódicos-chaves, distinguir a população e os temas mais estudados, levantar os autores
mais produtivos, descrever os métodos e as técnicas de pesquisa mais empregados,
compreender a distribuição temporal das publicações, identificar lacunas no conhecimento;
enfim, determinar o estado atual da arte da área estudada. Assim, os estudos
metacientíficos representam uma forma confiável de compreender a ciência.
O Programa de Pós-graduação em Educação Especial da UFSCar –
Universidade Federal de São Carlos (http://www.cech.ufscar.br/ppgees.htm), que tem
uma linha de pesquisa denominada “Produção científica e formação de recursos humanos
em educação especial”, merece destaque no que se refere à investigação cienciométrica
sobre educação inclusiva. Tanto no mestrado quanto no doutorado,

[...] esta linha empreende esforços de meta-análise do conhecimento produzido


em Educação Especial no país e do próprio processo de formação de recursos
humanos nesta área. O objetivo destas investigações é gerar um conhecimento
diferenciado da própria área, para fundamentar a formação de profissionais
habilitados a avaliar, implantar, administrar e/ou orientar programas e serviços
em Educação Especial. (http://www.cech.ufscar.br/ppgees.htm).

Apesar do esforço feito por esta instituição e por outros grupos de


pesquisadores (Cf. WITTER, 1997; 2005) e do aumento da freqüência de estudos sobre
produção científica nos últimos anos no Brasil (Cf. BARBOSA, RESGALA & MOREIRA,
2006; HAYASHI et al., 2005; NUNES, FERREIRA & MENDES, 2004; SANTOS, 2003;

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 36


SILVA, VIDAL & SOUSA, 2004) é preciso destacar que ainda é significativa a carência
de pesquisas cienciométricas no país.

Objetivos

O objetivo geral do presente estudo foi realizar uma análise cienciométrica


de artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos brasileiros ao longo de uma
década, tendo a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) como ponto de partida do
intervalo temporal considerado. Especificamente, analisaram-se as variáveis autoria,
tipologia de artigos, distribuição temporal, periódicos-chaves, temas estudados e
abordagem das NEE adotada.

Metodologia

A busca e recuperação dos artigos foi feita tanto em bibliotecas quanto em


bases de dados eletrônicas e seguiu seis critérios:

1) Área: os periódicos de Psicologia e Educação foram escolhidos por serem áreas que
historicamente pesquisam e têm práticas profissionais no âmbito da educação escolar
voltadas para as pessoas com NEE. Estas duas áreas também constituíram o foco do
trabalho de Nunes, Ferreira & Mendes (2004), mas, neste caso, analisaram-se
dissertações e teses sobre NEE em geral.
2) Temporal: adotou-se o ano de 1995 como ponto de partida e o de 2004 como marco
final do recorte temporal, abrangendo uma década de publicação. Há que se reiterar
que em 1994, mais precisamente no dia 10 de junho, foi aprovada por aclamação a
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994); marco fundamental da educação
inclusiva.
3) Qualidade: somente periódicos avaliados como ‘A’ no sistema de Classificação de
Periódicos, Anais, Revistas e Jornais da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) de 2003, isto é, ‘Qualis A’, compuseram o rol de periódicos
pesquisados. Para esta avaliação, ‘A’ constitui o nível mais elevado de qualidade.
4) Abrangência: foram consultados somente periódicos com abrangência nacional, pois
têm divulgação em praticamente todo o Brasil. Assim, descartaram-se os locais, por
ficarem restritos a certas regiões, e os internacionais, por não contemplarem os
objetivos estabelecidos. No entanto, incluíram-se, também, periódicos publicados no
Brasil com abrangência Internacional.
5) Tipológico: analisaram-se somente artigos, uma vez que eles constituem o principal
canal de comunicação do saber científico.
6) Temático: evidentemente, restringiu-se a busca aos artigos cujo tema é inclusão escolar.
Porém, outras expressões também foram incorporadas, tais como educação inclusiva,
escolas inclusivas e integração escolar.

Após localizar os artigos-alvos (‘Qualis A Nacional’), procedeu-se a análise,


tabulando-se as variáveis que compunham os objetivos específicos em um formulário
próprio. No caso de variáveis que demandaram análise de conteúdo (por exemplo, tema),

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 37


foi efetuado cálculo de concordância entre juízes, sendo que dois autores cumpriram
este papel. No geral, obtiveram-se níveis de concordância significativos, ou seja, acima
de 75%. Para análise das provas de estatística inferencial, o nível de significância adotado
foi de 5% por omissão.

Resultados e Discussão

No intervalo de tempo pesquisado (uma década), foram encontrados 30


artigos que tinham os pré-requisitos descritos na metodologia, ou seja, ter como tema a
inclusão escolar e ser publicado em periódico ‘Qualis A Nacional’. A Tabela 1 apresenta
a distribuição destes escritos ao longo dos dez anos estudados, de acordo com a área de
origem dos periódicos-alvos. Verifica-se que foi obtida a mesma quantidade de publicações,
tanto em Psicologia (n = 15) quanto em Educação (n = 15). Constata-se que houve uma
concentração expressiva de artigos da área de Psicologia no ano de 2000 (n = 8; 53,33%),
enquanto os de Educação tendem a ser mais freqüentes no final do período analisado.

Tabela 1: Distribuição temporal da produção científica de artigos sobre inclusão escolar publicada em Periódicos
‘Qualis A Nacional’ na primeira década pós-Declaração de Salamanca por área.

Área
Ano de
publicação Psicologia Educação Total
n % n % n %
1996 2 13,33 2 6,67
1998 1 6,67 1 3,33
1999 2 13,33 2 6,67
2000 8 53,33 1 6,67 9 30,00
2001 2 13,33 1 6,67 3 10,00
2002 1 6,67 1 3,33
2003 1 6,67 5 33,33 6 20,00
2004 2 13,33 4 26,67 6 20,00
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

Cumpre destacar, também, que o primeiro artigo ‘Qualis A Nacional’ sobre


inclusão escolar da área de Educação só foi publicado aproximadamente quatro anos
depois da Declaração de Salamanca (1994), isto é, em 1998, e que em 1995 e 1997 não
foi publicado nenhum escrito sobre o tema-alvo nos periódicos que a comunidade científica
brasileira considera como os de mais elevada qualidade. A correlação de postos de
Spearman revelou que não há correlação entre as duas áreas no que se refere à distribuição
temporal da produção científica (rso = -0,19; N = 8; p = 0,66).
Os resultados descritos nos parágrafos anteriores denotam que a produção
científica sobre educação inclusiva publicada em periódicos de elevada qualidade é
diminuta – três artigos/ano – e com lacunas em certos anos. Era de se esperar, por
exemplo, que em 1997 houvesse um amplo e profundo debate na comunidade científica
sobre a inclusão escolar, uma vez que em 1996 foi estabelecida a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que é um documento-chave para a

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 38


educação inclusiva. Ao contrário do esperado, houve um vazio total de publicações.
Os 30 artigos foram publicados em nove periódicos, sendo cinco da área de
Psicologia e quatro de Educação (Tabela 2). Na primeira área mencionada, merece
destaque o periódico Estilos da Clínica, que concentrou 66,67% (n = 10) dos artigos.
Quanto à Educação, dois periódicos se destacaram Educação – PUC-RS (n = 7; 46,67) e
Educar (n = 6; 40%).

Tabela 2: Periódicos ‘Qualis A Nacional’ que publicaram artigos sobre inclusão escolar na primeira década pós-
Declaração de Salamanca por área.

Área
Título do periódico Psicologia Educação Total
n % n % n %
Cadernos Cedes 1 6,67 1 3,33
Cadernos de Psicologia 1 6,67 1 3,33
Educar 6 40,00 6 20,00
Educação 7 46,67 7 23,33
Estilos da Clínica 10 66,67 10 33,33
Estudos de Psicologia (Campinas) 2 13,33 2 6,67
Estudos de Psicologia (Natal) 1 6,67 1 3,33
Psicologia da Educação 1 6,67 1 3,33
Revista Brasileira de Educação 1 6,67 1 3,33
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

Para ilustrar, vale mencionar que, de acordo com o Qualis de 2003 (CAPES,
2003), havia mais de oito dezenas de periódicos da área de Educação que se enquadravam
nos critérios estabelecidos para o presente estudo, isto é, ser “A” nacional pelo menos.
Assim, fica evidente que a temática da educação inclusiva tem sido negligenciada pelo
meio científico e acadêmico. O estudo de Nunes, Ferreira & Mendes (2004), de certa
forma, já tinha constatado isto no âmbito das dissertações e teses de Psicologia e Educação.
A Tabela 3 contém o resultado referente ao tipo de artigo publicado. No
total (n = 19; 63,33%; ÷2o = 12,20; gl = 2; p = 0,00) e na área de Educação (n = 10;
66,67%; ÷2o = 7,60; gl = 2; p = 0,02) prevaleceram publicações que fazem revisão de
literatura e/ou reflexões teóricas. Apesar do expressivo número de estudos que revisam
literatura e refletem sobre as teorias (n = 9; 60%), não houve diferença entre os três
tipos de artigo (÷2o = 5,20; gl = 2; p = 0,07) em Psicologia.

Tabela 3: Tipos de artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos ‘Qualis A Nacional’ na primeira
década pós-Declaração de Salamanca por área.

Área
Tipo de artigo Psicologia Educação Total
n % n % n %
Revisão de literatura 9 60,00 10 66,67 19 63,33
Relato de pesquisa 4 26,67 2 13,33 6 20,00
Relato de experiência 2 13,33 3 20,00 5 16,67
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 39


O escore diminuto de pesquisas empíricas presente nas duas áreas causa
preocupação, pois, sem desprezar a relevância de ensaios teóricos e da revisão de literatura,
são elas que melhor traduzem o que de fato acontece nas escolas do país. Nunes, Ferreira
& Mendes (2004), mesmo em se tratando de dissertações e teses, já tinham constatado a
presença deste tipo de produção científica no âmbito da educação especial.
No que se refere à autoria (Tabela 4), houve, no total, uma proporção igual
(n = 15; 50%) de escritos com um único autor (Individual) e com dois ou mais autores
(Múltipla). Verificou-se uma diferença significante entre as duas áreas analisadas
(÷2o = 6,53; gl = 1; p = 0,01), sendo que em Psicologia prevalece autoria múltipla (n =11;
73,33%) e em Educação predomina autoria individual (n =11; 73,33%).

Tabela 4: Autoria dos artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos ‘Qualis A Nacional’ na primeira
década pós-Declaração de Salamanca por área.

Área
Tipo Psicologia Educação Total
n % n % n %
Individual 4 26,67 11 73,33 15 50,00
Múltipla 11 73,33 4 26,67 15 50,00
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

Vale destacar que, apesar de não existir diferença entre autoria individual e
autoria múltipla, o resultado obtido é preocupante, mas se justifica se se considerar o
escore de artigos de revisão de literatura, pois geralmente este tipo de escrito é produzido
isoladamente. O que preocupa, neste resultado, diz respeito à possibilidade de que existam
poucos grupos de pesquisa produzindo pesquisas sobre inclusão escolar com elevada
qualidade.
Um resultado equivalente ao de autoria foi encontrado no que se refere à
abordagem das NEE adotadas pelas duas áreas focadas no presente estudo (Tabela 5).
Assim, ocorreu, no total, uma proporção igual (n = 15; 50%) de escritos que tratam das
NEE de forma geral e de publicações que as abordam de forma específica (Deficiência
auditiva, deficiência mental, deficiência visual, etc.). Também foi verificada uma diferença
significante entre as duas áreas analisadas (÷2o = 6,53; gl = 1; p = 0,01), sendo que em
Psicologia, a maioria dos artigos possui abordagem de NEE específicas (n =11; 73,33%)
e em Educação, prevalece uma abordagem geral das NEE (n =11; 73,,33%).
Dentre os vários tipos de NEE, seguindo uma classificação terapêutica (Cf.
GONZÁLES, 2002), apareceram a deficiência auditiva (n = 5; 16,67%), os distúrbios
globais do desenvolvimento (n = 5; 16,67%), a deficiência mental (n = 4; 13,33%) e a
deficiência visual (n = 1; 3,33%). Os escores descritos na frase anterior dizem respeito
ao total da produção científica analisada, sendo que cada uma das NEE específica teve
um artigo da área de Educação.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 40


Tabela 5: Abordagem das NEE nos artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos ‘Qualis A
Nacional’ na primeira década pós-Declaração de Salamanca por área.

Área
Psicologia Educação Total
Abordagem
das NEE n % n % n %
Geral 4 26,67 11 73,33 15 50,00
Específicas 11 73,33 4 26,67 15 50,00
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

A diferença entre as áreas relatada anteriormente pode ser justificada pelas


características históricas da forma como elas abordam as NEE. Historicamente, a
Psicologia e a Educação compreendiam os indivíduos com NEE a partir de um referencial
terapêutico. (Cf. GONZÁLES, 2002 e MARCHESI, 2004). Tal perspectiva tem sido
alvo de críticas constantes, especialmente no âmbito da Educação; o que pode estar
gerando uma mudança, denotada nos resultados, nesta área.
A Tabela 6 destaca os temas dos artigos sobre inclusão escolar publicados
em periódicos ‘Qualis A’ na primeira década pós-Declaração de Salamanca por área.
Prevaleceram no total (n = 18; 60%; ÷2o = 9,80; gl = 2; p = 0,01) e na área de Educação
(n = 11; 73,33%; ÷2o = 11,20; gl = 2; p = 0,00) artigos cuja temática diz respeito aos
aspectos políticos, históricos e conceituais da educação inclusiva. No caso dos escritos
dos periódicos de Psicologia, não houve prevalência de uma categoria (÷2o = 1,20; gl = 2;
p = 0,55). Desta forma, eles tinham como assunto tanto a ‘Inclusão escolar: aspectos
políticos, históricos e conceituais’ (n = 7; 46,67%) quanto as ‘Personagens da inclusão
escolar’ (n = 4; 26,67%) e os ‘Processos de inclusão escolar’ (n = 4; 26,67%).Da mesma
forma que resultados descritos anteriormente, a situação expressa no parágrafo anterior
merece uma atenção especial. Ela pode denotar que, durante uma década, a produção
científica sobre educação inclusiva no Brasil ficou muito presa aos seus primórdios,
buscando mais entender o que é efetivamente educação inclusiva e menos implementar
sistemas educacionais inclusivos e compreender as personagens (pais, estudantes,
professores etc.) diretamente envolvidas com este processo. É evidente que há imbricações
e implicações entre os três temas. Contudo, o necessário processo de reflexão não pode
impedir que ações concretas sejam tomadas para o estabelecimento efetivo de escolas
inclusivas.

Tabela 6: Temas dos artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos ‘Qualis A Nacional’ na primeira
década pós-Declaração de Salamanca por área.

Área
Temas Psicologia Educação Total
n % n % n %
Inclusão escolar: aspectos políticos,
7 46,67 11 73,33 18 60,00
históricos e conceituais
Personagens da inclusão escolar 4 26,67 1 6,67 5 16,67
Processos de inclusão escolar 4 26,67 3 20,00 7 23,33
Total 15 100,00 15 100,00 30 100,00

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 41


Conclusão

De modo geral, o estudo cienciométrico efetuado revelou que há poucos


artigos sobre educação inclusiva publicados nos melhores periódicos de Educação e
Psicologia do país, que a produção científica neste âmbito é essencialmente teórica,
individual e monotemática, que as NEE são tratadas de forma geral e que os escritos são
publicados em poucos periódicos com lacunas temporais significativas. Desta forma, a
produção científica sobre inclusão escolar em periódicos de Educação e Psicologia revela
que a ciência brasileira, pelo menos nas duas áreas estudadas, ainda está distante de
prestar colaborações efetivas para concretizar o que Mendes (2004) denominou de
“superação de uma educação especial que atua contra os ideais de inclusão social e plena
cidadania”. (p. 230).
A meta de estabelecer um sistema educacional que é efetivamente inclusivo
no Brasil, constantemente postergada, depende muito de um conjunto de conhecimentos
científicos. Tal saber ainda está por se produzir. Pesquisadores e educadores precisam
assumir esta responsabilidade.

Notas
1
Departamento de Psicologia da UFJF.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 43


EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
O CONTEXTO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Cristina Yoshie Toyoda1


Gerusa Ferreira Lourenço2

Introdução

Impulsionada pelo movimento mundial sobre o direito de todos à educação


de qualidade e, principalmente, a construção de um processo no qual as pessoas excluídas
e a sociedade buscam efetivar a equiparação de oportunidades para todos, a inclusão
escolar tem se mostrado como o novo foco de interesse dentro da educação especial no
Brasil. (MENDES, 2002). Nesse sentido, a legislação brasileira também instituiu artigos
e promulgações que garantem matrículas, preferencialmente na rede regular, a crianças
com necessidades educacionais especiais, como o Inciso III do art. 208 da Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e o capítulo voltado à Educação Especial da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. (BRASIL, 1996).
O artigo 8º da Resolução CNE/CEB nº 2/2001 (BRASIL, 2001) aponta
para a necessidade de recursos humanos capacitados e também especializados para auxiliar
o processo de escolarização desse alunado na escola comum.
Assim, Lauand (2006), ao se referir a esse histórico legal, conclui que há
quase duas décadas a legislação brasileira está caminhando para assegurar, cada vez mais,
a matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino
e se apóia em outros autores para enfatizar que a efetivação do processo de inclusão está
diretamente vinculada à disponibilização de serviços e recursos técnicos, além de
profissionais devidamente qualificados que possam auxiliar a aprendizagem desses alunos.
Especificamente sobre a necessidade de recursos humanos capacitados, a
literatura sobre estudos efetuados entre professores da rede pública aponta a necessidade
de formação continuada dos mesmos e de receberem apoio técnico para atuar junto a
alunos com demandas específicas, particularmente os que apresentam comprometimentos
motores severos, pois não se consideram aptos ou preparados para os desafios. O suporte
oferecido pelos profissionais da área de saúde, educação ou psicologia favorece o processo
de inclusão, conforme aponta Mendes (2006), ao afirmar que os serviços de consultoria
colaborativa realizados por esses profissionais auxiliam positivamente os educadores das
escolas comuns.
Dentre os profissionais da área da saúde, destaca-se o terapeuta ocupacional.
A idéia de atuação do Terapeuta Ocupacional na Educação não é nova, pois em 1975,
um editorial da mais influente publicação norte-americana, The American Journal of
Occupational Therapy (AOTA, 1975), já apontava alguns caminhos para a profissão quanto
à integração de todas as crianças deficientes na escola, dando suporte aos professores da
rede pública e suporte social aliada à modificação ambiental.
Decorridas três décadas, Rocha (2007) propõe que a inserção da Terapia
Ocupacional na Educação no Brasil se deu por meio da Educação Especial que atendia
as pessoas com deficiências nas denominadas classes e escolas especiais, oferecendo o

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 44


procedimento técnico específico. Ainda nessa época, permeava o modelo clínico de
intervenção para que a pessoa com deficiência conseguisse se tornar o mais próxima do
padrão de normalidade que o meio social preconizava, seguindo o paradigma de integração.
Com as mudanças na área da educação especial e a inserção dos alunos alvo
na escola regular, a prática do terapeuta ocupacional junto à educação tem ganhado
outro enfoque. Sai a atuação voltada apenas no indivíduo e se inicia um leque de
possibilidades frente às demandas da rede de ensino, da escola, dos professores, do aluno
e de sua família. No sentido de verificar essas novas formas de atuação, torna-se relevante
saber o que está sendo relatado por terapeutas ocupacionais sobre a sua intervenção
junto à escola, o seu papel dentro desse sistema, suas propostas de ação e formas de
intervenção adotadas.

Objetivos

O presente trabalho teve como objetivo realizar um estudo de revisão em


algumas publicações de terapeutas ocupacionais envolvidos com a educação inclusiva,
de modo a levantar alguns indicadores de como está ocorrendo essa prática.

Metodologia

Foi realizada uma busca direcionada de artigos em periódicos nacionais, livros


de referência e trabalhos em anais de congressos apresentados por terapeutas ocupacionais,
entre os anos 2000 e 2007, dentro da perspectiva da educação inclusiva. Os periódicos
foram consultados em bases de dados online e em bibliotecas juntamente com os livros
técnicos, utilizando-se os descritores: terapia ocupacional, educação inclusiva, educação
inclusiva, educação, escola, necessidades especiais, intervenção. Os principais periódicos
consultados foram os Cadernos de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos,
a Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo e a Revista de Terapia Ocupacional
da Bahiana. Além disso, foi possível localizar artigos em outras revistas como a Revista
Brasileira de Educação Especial (publicada pela Associação de Pesquisadores em Educação
Especial) e os Estudos de Psicologia. Os Anais dos dois últimos congressos brasileiros de
terapia ocupacional também foram consultados e as publicações das Jornadas de Educação
Especial da Unesp Marília, além de dois livros técnicos sobre a terapia ocupacional no
Brasil e publicações do Conselho Federal e do Conselho Regional da profissão.
Vale ressaltar que a intenção desse estudo foi realizar um levantamento geral
do que está sendo produzido por terapeutas ocupacionais nessa área, com levantamento
de uma amostra representativa do que está disponível para consulta, sem, contudo, esgotar
as fontes existentes. Um material importante para a temática em questão, que deve ser
incluído em investimentos futuros, é referente à produção discente de terapeutas
ocupacionais em programas de pós-graduação.
Depois de localizados, os textos foram lidos integralmente e fichamentos
foram produzidos. Em seguida, esses fichamentos foram relidos e submetidos à análise
de conteúdo, conforme preconizado por Bardin (1977).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 45


Resultados e Discussão

A partir da leitura do material localizado e das análises realizadas, foi possível


identificar 22 trabalhos e organizá-los em quatro grupos de textos relativos à terapia
ocupacional e educação inclusiva: 1) conceituação teórica sobre o papel do terapeuta
ocupacional na educação inclusiva; 2) atuação junto ao espaço escolar; 3) atuação com
resolução de problemas através de adaptações ambientais, implementação de recursos
de tecnologia assistiva e comunicação alternativa; 4) vinculado ao tema educação
inclusiva, sem intervenção terapêutica ocupacional.

Conceituação teórica sobre o papel do terapeuta ocupacional na educação inclusiva

Sobre o primeiro tema elencado, verificou-se que os autores mostram os novos


paradigmas para o terapeuta ocupacional diante do movimento de educação inclusiva e
o desafio diante da crescente demanda observada.
Zulian (2004) afirma que o aporte dos conhecimentos específicos da Terapia
Ocupacional e a atividade como recurso primordial de trabalho dá ao Terapeuta
Ocupacional uma enorme possibilidade de contribuição na formação do professor e
atuação no ambiente educacional. Nessa direção, Bartalotti & De Carlo (2001) colocam
que algumas características da profissão da terapia ocupacional, como o conhecimento
sobre a ação e desenvolvimento humanos e das relações socioculturais, quando aliadas
ao conhecimento sobre o processo ensino-aprendizagem, tornam o terapeuta ocupacional
um profissional capacitado para fornecer apoio a todo processo educacional.
Pensando nesse profissional de apoio, Toyoda (2007) propõe uma mudança
curricular do futuro profissional de terapia ocupacional, preconizando também um novo
paradigma de atuação, por meio de consultoria colaborativa nas equipes que atendem as
escolas inclusivas. Para efetivar as mudanças, a autora sugeriu mudanças na forma de
transmissão de conhecimentos aos alunos de Terapia Ocupacional através de trabalhos
grupais, em pares, acentuando o caráter não competitivo, mas colaborativo do processo
de ensino-aprendizagem.
Já Zulian (2007), no âmbito das atribuições profissionais, preconiza que o
terapeuta ocupacional promove mudanças estratégicas em todos os componentes do
desempenho do aluno e enumera oito estratégias de trabalho que viabilizam a educação
inclusiva desde a sensibilização dos professores integrantes da escola até o mapeamento
das barreiras arquitetônicas a barreiras exclusivas. A autora recorreu aos conceitos de
desenho universal para facilitar o acesso dos alunos com necessidades educacionais
especiais, lembrando que o mesmo auxilia na construção de um ambiente escolar inclusivo.
Ainda dentro das concepções teóricas, Ghirardi (2000) tece considerações
sobre a educação dos deficientes mentais, a exclusão dessas pessoas do sistema
educacional e da profissionalização que está vinculada à imagem de dependência decorrente
da assistência de caráter filantrópico assumido pelas escolas especiais. Assim, a autora
propõe novas formas de abordagem e intervenção em Terapia Ocupacional para favorecer
a educação inclusiva e, conseqüentemente, a inclusão social dessa população excluída.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 46


Atuação junto ao espaço escolar

No segundo tema quanto à atuação no espaço escolar, existem muitas formas


de intervenção. Considera-se espaço escolar toda a rede envolvida com a escola, desde a
parte administrativa até intervenção direta na sala de aula.
O relato de experiência de duas terapeutas ocupacionais na administração
de uma secretaria municipal de educação demonstra que o “background” profissional
das mesmas foi norteador da política educacional implantada, pelas ações que abrangeram
a rede de ensino, seja pelos cursos de formação a todos os profissionais e funcionários
envolvidos, seja no encaminhamento das crianças com necessidades educacionais
especiais para os serviços específicos, seja no incremento das salas de recursos para
acelerar os ganhos acadêmicos. (MARINS & PALHARES, 2007).
Ainda há relatos de experiências de intervenção que dão mostras consistentes
de que os resultados podem ser promissores por meio de ações efetuadas diretamente
com as crianças ou por atuação indireta, orientando professores e funcionários em lidar
com as novas demandas que surgem quando um aluno com necessidades especiais é
incluído.
As propostas são diversificadas e a narrada por Lima & Santos (2004), na
Bahia, revelou que um projeto de prática docente assistencial, que está ocorrendo desde
1999, envolveu alunos do curso de Terapia Ocupacional e duas docentes. As professoras
da rede pública que receberam alunos com deficiência solicitaram apoio. Dado o
contingente numérico, a estratégia foi a de oferecer formação para os professores,
discutindo inclusão, conceitos da função de educação, problemas de fracasso escolar e o
papel da escola.
Pelosi (2006) vem efetuando uma pesquisa ação junto às Secretarias de
Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, com um trabalho de parceria para educação inclusiva.
Esse projeto contou com três estudos que vão desde a formação em serviço envolvendo
43 terapeutas ocupacionais, 13 fonoaudiólogos e 85 professores itinerantes.
Uma proposta de atuação junto à rede municipal de ensino, realizada de
2001 a 2004, em uma cidade do interior paulista, mostrou que diferentes demandas se
apresentaram ao longo do tempo: desde estrutura física inadequada das construções
(barreiras arquitetônicas), às dificuldades dos professores e corpo técnico. A intervenção
efetuada em 2004, com cinco alunos de curso e mais uma docente, sob forma de
consultoria colaborativa junto aos professore, resultou em independência das crianças,
desenvolvimento das habilidades sociais e desenvolvimento de habilidades perceptivas
e cognitivas. (MENDES & TOYODA, 2005).
Intervenções na mesma direção são narradas por Jurdi, Brunello & Honda
(2004). Através de parceria com uma escola de educação infantil, foi possível realizar
um trabalho de reflexão junto aos profissionais ali presentes e intervenções específicas
com uma sala de faixa etária entre cinco e seis anos. Como também o relatado por Jurdi
& Amiralian (2006) sobre uma intervenção com atividades lúdicas no horário do recreio,
promovendo um espaço maior de diálogo e convivência entre os alunos de uma classe
especial e os demais estudantes de escola de ensino fundamental.
Por fim, Rocha & Zulian (2005) relataram a experiência de uma grande
intervenção de cerca de três anos junto a uma rede escolar, identificando demandas,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 47


formando recursos humanos e acompanhando diretamente a escolarização de cerca de
150 crianças com necessidades especiais.

Atuação com resolução de problemas através de adaptações ambientais, implementação


de recursos de tecnologia assistiva e comunicação alternativa

Mesmo podendo ser inserido no tema anterior por ser uma atuação no espaço
escolar, optou-se por destacar um novo tema uma vez que o número de textos encontrados
foi bastante expressivo sobre esse tipo de ação do terapeuta ocupacional.
Para tanto, considerou-se importante ressaltar que o objetivo do profissional
no espaço escolar também é o de melhorar o desempenho ocupacional da pessoa, ou
seja, na possibilidade de execução das tarefas cotidianas próprias de sua faixa etária. No
entender de Zulian (2007), o terapeuta ocupacional deve utilizar de diversas estratégias
para facilitar ou mesmo viabilizar tal desempenho, através de pequenas adaptações do
cotidiano até a utilização de recurso de alta tecnologia para interface do sujeito com
graves comprometimentos motores na vida digitalizada.
Assim, Rocha, Luiz & Zulian (2003) revelaram que mesmo que a ação do
terapeuta ocupacional na escola não seja clínica nem voltada para os aspectos específicos
dos alunos com necessidades especiais, alguns problemas específicos apresentados podem
ser atendidos por meio de intervenção simples.
Nesse sentido, foram encontradas publicações abordando a atuação direta
no ambiente escolar, especialmente quanto ao mobiliário adaptado e o manuseio da
criança, visando à adequação postural para um ganho no rendimento acadêmico. Dutra et
al (2002) mencionaram ainda outras adaptações que podem ser realizadas para leitura e
escrita.
Especificamente sobre Tecnologia Assistiva ou Tecnologia de apoio conforme
Rocha & Castiglioni (2005), o uso de computadores e periféricos especiais capacita o
aluno com severas incapacidades motoras a participar das atividades corriqueiras da sala
de aula. Nesse cenário, o terapeuta ocupacional é o profissional habilitado para adequar
e adaptar, desde a altura do mobiliário escolar (mesa, cadeira), passando pela altura do
monitor, ao uso de mouses especiais, teclados adaptados.
O reconhecimento, por parte do conselho profissional, de que a prescrição
desses recursos é atribuição do terapeuta ocupacional, abriu novas perspectivas de atuação,
numa sociedade marcada pelo uso de tecnologia para a comunicação, para o lazer, para o
trabalho, para o estudo e para participar socialmente.
Verificou-se, ainda, que o trabalho com Tecnologia Assistiva por terapeutas
ocupacionais no ambiente escolar tem produção desde a década de 1990, com atuações
marcantes em várias regiões brasileiras, a partir das narrativas encontradas.
Oliveira (2002), juntamente com uma equipe multiprofissional, é responsável
pela escolarização de crianças paralíticas cerebrais em Belém (PA). A citada autora afirma
que o uso de computador “oferece possibilidades lúdicas e também independência,
qualidade de vida e inclusão social a esse portador de deficiência”. (OLIVEIRA, 2002,
p. 20). Isso se dá principalmente através da ampliação de sua comunicação, mobilidade,
controle de seu ambiente, habilidade de seu aprendizado, competição, trabalho e integração
com a família, amigos e sociedade. Em sua opinião, com os recursos da informática, a

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 48


criança se interessa mais e os depoimentos de familiares corroboram com esta observação.
Dentre as possibilidades de atuação nessa área, pode-se citar também a
utilização de recursos de comunicação alternativa e ampliada. Pelosi (2005) mostrou
que um terapeuta ocupacional especialista em Tecnologia Assistiva funciona como um
agente de educação inclusiva. A autora fez uma classificação importante de níveis de
desempenho da criança quanto ao acesso ao computador.
Lourenço, Toyoda & Mendes (2007), ao reaplicarem parte do estudo de
Lauand (2006), construíam um banco com cerca de 50 equipamentos de alta Tecnologia
Assistiva para a sala de aula, existentes no mercado brasileiro, que foram descritos com o
objetivo de facilitar a busca por parte de profissionais, professores e familiares das crianças
com disfunções físicas severas, interessados em utilizar tais recursos para educação
inclusiva.
Ao relatar uma história de sucesso com uso de Tecnologia Assistiva como
instrumento de comunicação, Zulian (2006) mostra a importância do terapeuta
ocupacional acompanhar o processo de escolarização de uma criança paralítica cerebral,
gravemente comprometida em termos motores. Ao longo de seu acompanhamento,
demonstra os preconceitos vencidos diante das escolas que se diziam “que a escola
pudesse não dar conta” da criança, através do preparo mais adequado de materiais
pedagógicos com uso de máquina elétrica no início da década de 1990 até o uso de
notebook, na atualidade.

Sobre educação inclusiva sem intervenção terapêutica ocupacional

E no quarto tema, foi encontrado um relato de pesquisa, em que Costábile &


Brunelo (2005) analisaram as repercussões do processo de educação inclusiva ao
entrevistar 15 famílias de crianças com deficiência mental e/ou distúrbios de
desenvolvimento que estavam em escola regular. As respostas das famílias mostraram a
importância da criança estar inserida numa escola comum convivendo com crianças
“normais”, pois ganharam obediência às regras estabelecidas, maior socialização, maior
responsabilidade e maior independência nas atividades da vida diária. O entrave maior é
quanto à aprendizagem pedagógica, considerada “lenta” pelos professores da escola. A
partir desses relatos das famílias, as autoras apontaram diversos caminhos para a terapia
ocupacional atuante nessa área.

Considerações Finais

A atuação do terapeuta ocupacional perpassa toda a dinâmica da educação


inclusiva. De acordo com o levantamento realizado, verificou-se que há possibilidades
reais de ações do terapeuta ocupacional gerindo serviços de educação, atuando
diretamente com a escola, nos níveis administrativos e de sala de aula, trabalhando com
os funcionários, com os docentes e com os alunos. A intervenção em barreiras físicas é
clara e, segundo o referencial aqui pronunciado, inerente às premissas da profissão da
terapia ocupacional. No entanto, o terapeuta ocupacional deve sempre ver a escola
enquanto um espaço contextualizado dentro de uma dinâmica social, econômica e cultural,
sobre o qual cabem amplas reflexões sobre a diversidade.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 49


Por fim, encerra-se com as palavras de De Carlo (2006), que sintetizam o
papel do profissional na educação inclusiva:

A Terapia Ocupacional, a Fono, a Psicologia entre outras terapêuticas, como a


prática pedagógica não pode curar o deficiente, nem tratar os “distúrbios” em si
mesmos. Podem, sim, atuar sobre suas condições sociais e de saúde para promover
o desenvolvimento humano, de caráter qualitativamente superior e impedir,
restringir ou diminuir a ocorrência de conseqüências secundárias de seu
comprometimento. Devem atuar, não como um reforço ou apoio distanciado
da escola, mas fundamentalmente, de modo conjunto com o professor de forma
a superar o funcionamento psíquico limitado e a constituir socialmente potenciais
de desenvolvimento (p. 149).

Notas
1
Docente do PPGEEs/UFSCar e do Curso de Terapia Ocupacional / UFSCar.

2
Terapeuta Ocupacional, mestre em Educação Especial, doutoranda em Educação Especial - PPGEEs/
UFSCar.

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AS PECULIARIDADES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA POLÍTICA
EDUCACIONAL DO MARANHÃO (1997-2002)1

Mariza Borges Wall Barbosa de Carvalho2

Introdução

A educação especial brasileira, em linhas gerais, acompanha o panorama da


educação geral. De uma forma ou de outra, em maior ou menor escala, o que é posto
para a educação também atinge a educação especial. Desse modo, a educação especial
não escapa dos entraves impostos às políticas sociais do nosso país.
A expansão quantitativa da educação regular não incluiu a educação especial
e, aliada às necessidades especiais provocadas por um sistema de ensino excludente, não
provocou mudanças expressivas quanto à escolarização dos que apresentam necessidades
educacionais especiais.
Podemos perceber um destaque relativo da área nas políticas educacionais
mais recentes. Em termos legais, pela primeira vez, temos um capítulo específico na
LDB e outras iniciativas governamentais contemplaram a área, quando não foi criada
uma específica (Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Nacionais, Plano Nacional
de Educação).
A presença da educação especial, entretanto, não significa que atenda às
necessidades ou mesmo a sugestões de entidades e especialistas. Por exemplo, o acesso à
escola ou o conflito público/privado é mais contundente na área, até mesmo pela própria
história de omissão do poder público e da força da iniciativa particular (predominantemente
filantrópica) da educação especial brasileira.
Num país com as dimensões do nosso, contextos socioeconômicos e níveis
de desenvolvimento diferenciados, os problemas, embora tenham uma base comum, em
alguns lugares as dificuldades são maiores. É o caso do Estado do Maranhão, local do
universo da pesquisa. Pertence à região nordeste, uma das mais pobres do país e é um
dos últimos do país em alguns indicadores sociais, como renda “per capita”, participação
no PIB nacional, índice de desenvolvimento humano, entre outros.
Os Estados e Municípios brasileiros conduzem suas políticas educacionais
de forma variada, ainda que sigam diretrizes nacionais. No Maranhão, consideramos
importante verificar o impacto das reformas educacionais e da tendência atual da educação
especial nas políticas educacionais do Estado.

Objetivos

A pesquisa realizada visou a analisar a política maranhense de educação


especial no período de 1997 a 2002, mediante o estudo dos princípios, diretrizes, propostas
e resultados abordando a atuação da rede estadual, e tendo como referência as políticas
educacionais estadual e nacional. Neste trabalho, discutimos dois dos aspectos importantes
para a formulação de uma política de educação especial: o acesso à escola e os tipos de
atendimento.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 53


Selecionamos esse período por considerá-lo importante para a educação
brasileira na medida em que foram implantadas medidas educacionais que alteraram o
quadro educacional, quer geral, quer na educação especial, como a Lei de Diretrizes e
Bases, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF). Já a escolha pela análise do acesso à escola e dos
tipos de atendimento deve-se ao fato de que são questões centrais para que seja cumprido
o direito constitucional à educação.

Metodologia

Consiste em uma análise documental dos planos estaduais de educação em


geral e de projetos, propostas, relatórios e outros registros do setor estadual responsável
pela educação especial: a Assessoria de Ensino Especial. Optamos pela análise
documental, pois os documentos representam uma das expressões da formulação de
políticas. As fontes de pesquisa foram: legislação educacional nacional mais recente3;
documentos estaduais4 e os censos escolares.
A análise da educação em geral visou apreender as diretrizes para a educação
maranhense e de que forma a educação especial foi contemplada. A análise dos dados da
área foi mais detalhada, procurando qual o tratamento referente ao acesso à escola e aos
tipos de atendimento da educação especial, e verificando os resultados expressos nos
censos escolares.

Resultados e discussão

As reformas educacionais da década de 1990 provocaram mudanças na


educação brasileira. A criação do FUNDEF foi, talvez, a mais divulgada e, evidentemente,
ao estipular novas regras para o financiamento da educação pública, influenciou
fortemente as medidas e, deste modo, o quadro educacional geral. Percebe-se o efeito
indutor para a municipalização, principalmente no ensino fundamental, pois é específico
para esse nível de ensino. Assim, as redes de ensino, em grande parte dos Estados brasileiros
estadualizadas, foram transferindo para o município a responsabilidade pela oferta do
ensino fundamental, o que traz novos desafios para a educação especial.

O quadro que se apresenta[...] é de um processo de desconcentração financeira/


política/administrativa de uma área cuja presença no âmbito da educação escolar
é recente e pouco prioritária [...] chegou aos municípios [...] marcad[o] pela escassez
de programas ou mesmo de vagas para essa população, pela crise instalada nos
modelos tradicionais de atendimento junto à escola pública, e pela tradição de
atuação dos governos municipais simplesmente através da concessão de pessoal
e outros apoios para as instituições filantrópicas. (Ferreira & Glat, 2003, p. 383).

A proposta de reunir num fundo parte dos recursos destinados à educação,


distribuí-los de acordo com um valor mínimo e pelo número de alunos matriculados com
um gerenciamento por um conselho social, visa a garantir padrão de qualidade e acabar
com as diferenças regionais. (AZEVEDO, 2003).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 54


Trabalhos vêm desvelando os problemas que o FUNDEF não resolveu bem,
como os que provocou. (DAVIES, 2001; OLIVEIRA, 1999; CABRAL, 2001, entre
outros). Problemas que vão desde o cálculo para estipular o valor mínimo, a constituição
e funcionamento dos conselhos e também a situação em que ficaram os outros níveis e/
ou modalidades de ensino.

[...] o valor de R$300,00, utilizado em 1997, correspondia ao valor de 1995[...] os


recursos públicos não têm acompanhado a expansão das matrículas e nem mesmo
a taxa de inflação[...]. Ao iniciar o funcionamento do FUNDEF com o custo
aluno comprimido, o valor subestimado foi projetado nos anos subseqüentes,
permanecendo subvalorizado e reduzindo o número de Estados a ser
suplementado pela União[...] (Azevedo, 2003, p. 100-101).

O FUNDEF não deixou de trazer alguns benefícios. Em alguns Estados,


como é o caso do Maranhão, o valor custo-aluno com o FUNDEF aumentou. Sem dúvida,
houve um avanço em relação ao acesso à escola, principalmente no ensino fundamental.
Os censos escolares bem o demonstram, porém, os indicadores educacionais de evasão e
repetência permanecem inaceitáveis. A educação especial também sofreu mudanças nos
anos 1990. Não só com a repercussão das diretrizes gerais como também em relação à
sua especificidade.
As disposições legais, embora com contradições, dariam condições para que
houvesse mudanças mais significativas na educação especial. Contudo, a educação especial
permanece com pequeno número de matrículas; a rede privada continua representando
quase a metade dessas matrículas e o “atendimento preferencialmente na rede regular de
ensino” (BRASIL, 1996) ainda não corresponde à expectativa gerada pela legislação e
discursos da área, principalmente os governamentais, permanecendo um grande número
de matrículas em escolas e classes especiais. (FERREIRA e GLAT, 2003).
Se no ensino regular as redes eram mais estadualizadas na educação especial,
essa realidade é ainda mais acentuada, a ponto de muitos municípios brasileiros nem a
oferecerem (em 2001 chegavam a 59%). A tendência à municipalização, no que diz respeito
à educação especial, não ocorreu na mesma proporção do ensino regular, embora tenha
crescido a participação da rede municipal no total de matrículas. Além disso, a educação
especial se enquadra nas modalidades de ensino em que a aplicação do FUNDEF pode
não promover a sua ampliação. (PRIETO, 2000).
O “novo” peculiar da educação especial da década de 1990 foi a inclusão.
Não obstante, a concepção de estar veiculada a uma educação para todos, tem sido mais
interpretada e viabilizada como a inserção de alunos com necessidades especiais na classe
comum. Assim, antes da educação especial brasileira resolver o acesso à escola, já se
partiu para a discussão da forma mais politicamente correta de onde devem estudar os
seus alunos: se junto aos demais alunos ou em ambientes “especializados”.
Um dos problemas acarretados por essa visão reducionista da inclusão é a
possibilidade de limitar os tipos de recursos para a área, com a extinção das classes
especiais ou mesmo não disponibilizando ao ensino regular o apoio necessário para que
o aluno com necessidades educacionais especiais tenha permanência com sucesso na
escola. Como exemplo podemos citar uma capacitação insuficiente para o professor do

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ensino regular ou a ausência de uma assistência do pessoal especializado. Assim, até que
ponto e em que consistiram as conquistas na educação especial?
O estudo da literatura e o confronto com os dados maranhenses permitiram
compor um panorama da educação em geral e da educação especial em particular. É
certo que, em linhas gerais, o Estado do Maranhão acompanha a conjuntura nacional,
porém, certas particularidades, próprias de sua condição de dependência de segundo
grau, conferem-lhe a posição de um dos Estados brasileiros com indicadores sociais mais
baixos.
Década após década, as medidas implementadas não surtem o efeito
necessário e os problemas se arrastam pelas administrações governamentais. Estudos da
área apontam que a criação de alternativas próprias para superar as dificuldades é
incipiente, como foi o caso da implantação do tele-ensino, quando o Estado possuía um
programa com características semelhantes; e ficar a reboque das orientações nacionais,
quiçá internacionais, é uma constante.
O Maranhão é caracterizado como um Estado de desenvolvimento econômico
mais aceitável que o social e que vem avançando economicamente, comparado com a
sua região. Na área social, todavia, permanece em condições semelhantes a anos anteriores.
A educação inserida nesse contexto continua a não ter a projeção que lhe cabe no
desenvolvimento de uma sociedade. Os documentos oficiais analisados reconhecem o
que foi descrito acima e em todos eles há a proposição de combater os problemas,
indicando o bem-estar do homem como o principal objetivo de suas ações. Progressos
existem, não há como negar, porém, as diretrizes não são suficientemente claras
explicitando o que se pretende da educação. (ROCHA, 1999).
No Maranhão, em que pese à situação descrita, igualmente ocorreram
mudanças. Melhorou-se a taxa de atendimento escolar, diminuiu-se a taxa de analfabetismo,
foi um dos Estados que aumentou o custo-aluno em conseqüência do FUNDEF. Os
indicadores educacionais de evasão e repetência, tal qual o quadro nacional, também
permanecem altos. E questionamos: não poderia ter sido melhor?
Percebemos o alinhamento da política estadual com a nacional, quer na
política de ordem mais geral, em que os planos governamentais apresentam os traços já
anunciados pela literatura, de privatização, parcerias com a sociedade e papel do Estado;
quer na política educacional em que se enfatizam a universalização da educação básica e
uma educação de qualidade ressaltando a descentralização, o entrosamento das redes de
ensino, a autonomia da escola e a participação da comunidade escolar. Por outro lado, os
planos governamentais contemplam muito pouco a educação especial e/ ou as pessoas
com deficiência. Nos projetos educacionais, a área apenas consta como modalidade de
ensino, tal como na LDB e PNE, e não se apresentam um diagnóstico como é feito para
os níveis de ensino, tampouco previsões numéricas de atendimento escolar. Essa situação
da educação especial diz respeito também à educação indígena e, de certo modo, à
educação de jovens e adultos, indicando-se a necessidade de políticas mais definidas
para essas áreas.
[...] para as quais se exige a atenção especializada que elas requerem, sob pena de
se efetuarem desperdícios de recursos humanos e financeiros com improvisações
e assistencialismos que continuem cerceando direitos constitucionais [...](Raposo,
2000, p. 32).

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A situação precária da educação maranhense é potencializada na educação
especial. Os dados analisados indicam que o acesso à escola, dos que apresentam
necessidades especiais, é aquém do necessário. As propostas apresentadas para a expansão
da educação especial eram mais direcionadas para ampliar os tipos de atendimento e
para atender aos diferentes tipos de necessidades educacionais, não se percebendo
proposições claras para aumento de matrículas. Por outro lado, a rede privada representa
um alto percentual no total de matrículas, e as matrículas em escolas ou classes especiais
representam a maioria, com cerca de 90%.
Observamos, também, que a tendência nacional de progressão de serviços
de educação especial nas classes comuns não se confirma na educação especial
maranhense. O movimento para a municipalização ocorreu bem mais lentamente e mais
em relação ao atendimento em classes comuns. A rede municipal tem matrículas em
educação especial em apenas um pouco mais de 20% dos municípios maranhenses. Além
disso, o entrosamento insatisfatório Estado / Município no ensino regular se reproduz na
área.
A tabela abaixo apresenta a distribuição de matrículas na educação especial
e nos níveis de ensino iniciais, por rede de ensino.

TABELA 1: Matrículas* na educação especial, educação infantil e ensino fundamental por rede de ensino -
Maranhão - 1997-2002
NÍVEL/MODALIDADE ANO
REDE DE ENSINO
DE ENSINO 1997 2002**
TOTAL 4.840 6.703
FEDERAL 0 02
EDUCAÇÃO ESPECIAL ESTADUAL 2.550 2.796
MUNICIPAL 808 1.368
PRIVADA 1.482 2.537
TOTAL 247.436 332.216
FEDERAL 0 64
PRÉ-ESCOLAR ESTADUAL 31.319 10.022
MUNICIPAL 152.899 259.662
PRIVADA 63.218 62.468
TOTAL 1.480.256 2.264.174
FEDERAL 1.181 1.046
ENSINO
ESTADUAL 430.731 395.579
FUNDAMENTAL
MUNICIPAL 907.721 1.776.693
PRIVADA 140.623 91.396

Fonte: SINEST/GDH, 2002


** MEC/INEP, 2002
*Matrículas em escolas ou classes especiais e em classes comuns (com ou sem salas de recursos).
Notas: (1) Os dados de 1997 não discriminam as matrículas em escolas ou classes especiais e em classes
comuns.
(2) As matrículas do Pré-Escolar não incluem as matrículas em creches.
Para uma rede escolar de 1.480.256 matrículas (1997) no ensino fundamental
havia 4.840 na educação especial. Ao final do período (2002), houve um crescimento de
52,9% no ensino regular e 38,4% na educação especial, ou seja, em números absolutos,

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no período de cinco anos houve um aumento de 1.863 matrículas na educação especial.
Na educação especial maranhense, em 1997, houve predomínio da rede
estadual (52,6%). Ao final do período (2002), embora tenha havido crescimento da rede
municipal no total de matrículas (16,6% a 20,4%), a rede privada de ensino obteve um
aumento superior (30,6% a 37,8%).
Já no ensino regular, tanto no pré-escolar, quanto no ensino fundamental, a
rede municipal concentrou a maior parte das matrículas (60% a 70%), chegando, em
2002, próximo a 80%. A rede privada, no ensino fundamental, não chegou a representar
10% do total de matrículas (9,4% -1997 e 4,0% - 2002), o que consiste em um grande
contraste com a educação especial, pois nesta, além da rede privada representar um
percentual maior (37,8%), houve crescimento, chegando a ser a rede de ensino que obteve
maior crescimento, enquanto no ensino fundamental houve decréscimo no total de
matrículas.
A seguir, comentaremos a situação do Maranhão quanto ao quadro nacional
e regional:

TABELA 2: Matrículas* na educação especial por rede de ensino Brasil – Região Nordeste - Maranhão - 1998-
2002
ANO EVOL. 1998-
REDE DE
UNIDADE FEDERATIVA 2002
ENSINO 1998 2002 (%)
TOTAL 337.326 448.601 32,9
ESTADUAL 115.311 120.287 4,3
BRASIL
MUNICIPAL 63.155 118.143 87,0
PRIVADA 157.962 209.367 32,5
TOTAL 53.722 77.323 43,9
ESTADUAL 22.578 25.752 14,0
NORDESTE
MUNICIPAL 10.361 21.988 112,2
PRIVADA 20.783 29.573 42,2
TOTAL 5.110 6.703 31,1
ESTADUAL 2.775 2.796 0,7
MARANHÃO
MUNICIPAL 874 1.368 56,5
PRIVADA 1.461 2.537 73,6
Fonte: MEC/INEP/SEEC, 2002
*Matrículas em escolas ou classes especiais e em classes comuns (com ou sem salas de recursos).
Notas: (1) Os dados de 1997 não discriminam as matrículas em escolas ou classes especiais e em classes
comuns.
(2) A rede federal não foi incluída por apresentar um número reduzido de matrículas na educação
especial no Maranhão

A evolução das matrículas da educação especial maranhense demonstra que


o crescimento da rede municipal foi abaixo do que ocorreu nacional e regionalmente e,
enquanto em nível nacional a rede municipal foi a que apresentou o maior crescimento,
no Maranhão, foi a rede privada de ensino.
Com a tabela abaixo, discutiremos a distribuição das matrículas na educação
especial maranhense por tipo de atendimento, também a relacionando à do país e da
região.

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TABELA 3: Matrículas na educação especial por tipo de atendimento Brasil – Região Nordeste - Maranhão -
1998-2002
UNIDADE ANO EV. 1998-2002
TIPO DE ATENDIMENTO
FEDERATIVA 1998 2002 (%)
TOTAL 337.326 448.601 +32,9
ESCOLA ESPECIAL 210.202 259.544 +23,4
BRASIL CLASSE ESPECIAL 83.201 78.353 - 5,8
CL.COMUM COM SALA DE RECURSOS 18.488 49.512 +167,8
CL.COMUM SEM SALA DE RECURSOS 25.435 61.192 +140,5
TOTAL 53.722 77.323 +43,9
ESCOLA ESPECIAL 30.578 39.202 +28,2
NORDESTE CLASSE ESPECIAL 14.617 17.762 +21,5
CL.COMUM COM SALA DE RECURSOS 3.120 7.194 +130,5
CL.COMUM SEM SALA DE RECURSOS 5.407 13.165 +143,4
TOTAL 5.110 6.703 +31,1
ESCOLA ESPECIAL 2.051 2.987 +45,6
MARANHÃO CLASSE ESPECIAL 2.654 3.068 +15,5
CL.COMUM COM SALA DE RECURSOS 184 244 +32,6
CL.COMUM SEM SALA DE RECURSOS 221 404 +82,8

Fonte: MEC/INEP/SEEC, 2002


Notas: (1) Os dados de 1997 não discriminam as matrículas em escolas ou classes especiais e em classes
comuns.

No Maranhão, de 1998 a 2002, houve 1.593 novas matrículas. Dessas, 936


foram em escolas especiais; 414 em classes especiais; 60 em classes comuns com salas de
recursos, e 181 em classes comuns sem salas de recursos, o que indica um movimento de
transferência das matrículas de classes especiais mais para escolas especiais que para
classes comuns.
O maior crescimento das matrículas nacionais e da região deu-se em classes
comuns, enquanto no Maranhão, a escola especial foi o segundo tipo de atendimento que
mais cresceu (com um percentual mais elevado – 45%) e o crescimento das matrículas
em classes comuns não se deu na mesma proporção (mais de 100%) do ocorrido no país
e na região. Em números reais, o aumento de matrículas no Maranhão se concentrou nas
escolas e classes especiais inversamente às matrículas nacionais, em que a maioria das
novas matrículas foi para as classes comuns. Na região, esse crescimento foi praticamente
dividido entre escolas ou classes especiais e classes comuns. Dessa forma, notamos que
a educação especial maranhense não acompanhou o movimento das matrículas para as
classes comuns apresentado na região e no país.

Conclusão

O estudo de documentos oficiais e da literatura da área aponta pouca


expressividade da educação especial, quer em números de matrículas, quer em diretrizes
claras para a formulação e implementação de ações no quadro educacional do Estado do
Maranhão.
Com a análise das principais reformas educacionais brasileiras da década de
1990, observamos maior presença da educação especial, ainda que persistam problemas
antigos, principalmente em relação ao acesso e, conseqüentemente, à qualidade do ensino
público. Também percebemos contradições entre a LDB, o PNE e a Resolução 02/01

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CNE/CEB, em que essa última tem um caráter mais escolar e inclusivo.
Retrospectivamente, percebemos uma lenta projeção da área nas políticas
educacionais, porém, à medida que foi se afirmando, foi segregando. A tendência atual
pode indicar uma possibilidade de expandir o espaço da educação especial, desde que os
problemas acarretados pela inclusão sejam enfrentados.
Pensar (e fazer) inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais
numa escola inserida numa sociedade excludente como a brasileira requer que se tenha
muita clareza do seu significado, para que não se corra o risco de, ao invés de ampliar as
oportunidades de ingresso na escola pública para esses alunos, se produza o efeito inverso,
de maior exclusão e encaminhamento para formas mais segregadas, como as escolas
especiais. Dessa forma, é evidenciado o quanto ainda há por fazer para se garantir uma
escola pública e de qualidade para todos, inclusive os que apresentam necessidades
educacionais especiais.
Diante das condições da educação brasileira e da educação especial, por
enquanto ainda se faz necessário a elaboração de políticas específicas. Políticas que estejam
mais incluídas nas políticas educacionais governamentais – nacionais, estaduais ou
municipais. A consolidação da área, até o momento, não é satisfatória para garantir que a
educação regular atenda a todos, inclusive os que apresentam necessidades educacionais.
Para a educação especial, apresenta-se o desafio de reafirmar seu lugar,
acompanhar as reivindicações da sociedade para a educação, colocando as suas questões
específicas, como maior acesso à escola, maior responsabilidade do Estado, criação de
alternativas de atendimento (MENDES, 2002), além de compartilhar o seu trabalho
com os outros profissionais da educação, pois quanto mais inclusiva, menos especial ela
será.

Notas

1
Texto baseado na tese de doutorado em educação intitulada A Política Estadual Maranhense de
EducaçãoEspecial (1997-2002), UNIMEP, Faculdade de Ciências Humanas, 2004. Com o financiamento do
PICDT/CAPES

2
Lei 9394/96 (LDB); Emenda Constitucional 14/96; Lei 9.424/96 (FUNDEF); Lei 10.172/71 (PNE). Da
educação especial: Decreto 3.298/99; Resolução 02/01 do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB).

3
Professora adjunta da Universidade Federal do Maranhão.

4
Documentos de governo: Planos Plurianuais 1996-1999 e 2000-2003; Plano de Desenvolvimento Econômico
e Social Sustentável do Maranhão de 2002; Mensagens da governadora dos anos de 1997, 2001 e 2002;
Relatório de Atividades 1995-1998. Da educação: Diretrizes Políticas para a Educação 1995-1998; Plano
Estadual de Educação 1995-1998; Plano Plurianual de Capacitação 1995-1997; Diretrizes Políticas para a
Educação 1999-2002. Da educação especial: Resolução 177/97 do Conselho Estadual de Educação do
Estado do Maranhão (CEE/MA); da Assessoria de Ensino Especial foram analisados projetos, relatórios
anuais e outros denominados neste estudo documentos gerais por apresentarem informações globais
sobre a educação especial.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 60


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A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA:
DISCURSO E PRÁXIS INSTITUCIONAL

Helio Ferreira Orrico1

Introdução

O presente texto, produto da dissertação de Mestrado no Programa de Pós-


Graduação e Linguagem da UENF, tem como tema a inclusão da pessoa portadora de
deficiência a partir do discurso legal-institucional, constituído no que denominamos
legislação de inclusão, um conjunto de leis que trata da inclusão social da pessoa portadora
de deficiência em seu aspecto descritivo, objeto em si deste estudo. Em sua singularidade,
esta legislação se estabelece socialmente a partir de leis em esferas diversas, sendo a mais
proeminente a própria esfera pública e governamental.
Atualmente, o enfoque da responsabilidade social tem proposto ações
afirmativas voltadas para a inclusão da pessoa portadora de deficiência. Considerando a
relevância dada ao tema a partir da Constituição Federal de 1988, fundou-se uma orientação
voltada para a garantia deste segmento, confirmando todo um panorama internacional
surgido nos anos 1970, através da criação de associações de luta pelos direitos de minorias
(gênero, raça e portadores de deficiências).
A Declaração de Salamanca e o Enquadramento da Ação na Área das
Necessidades Educacionais Especiais (1994) buscaram reafirmar o direito à educação
de todos os indivíduos tal como inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948), renovando a garantia dada pela comunidade mundial na Conferência Mundial
sobre Educação para Todos (1990) de assegurar este direito, independentemente das
diferenças individuais.
Atualmente, existem termos usualmente utilizados, tais como: esporte
inclusivo, trabalho inclusivo, cultura e inclusão, arte e inclusão, desenho universal
(referindo-se a uma arquitetura inclusiva) e inclusão digital, que denotam a incorporação
desses campos institucionais como termos originariamente empregados na Declaração
de Salamanca.
A inclusão social da pessoa portadora de deficiência é aqui estudada sob sua
forma coletiva, tendo como objeto investigativo a análise dos discursos institucionais
em seus aspectos sociais: educação, saúde, trabalho, ação social, cultura, esporte e lazer.
Para delimitação da pesquisa e a pertinência com o estudo em questão, foi
selecionada a Lei Orgânica do Município de Duque de Caxias, onde analisamos elementos
textuais que apresentam discursividade acerca da inclusão social da pessoa portadora de
deficiência e na qual se revelou um discurso não dito, mas vivido no cotidiano do munícipe
portador de deficiência.

Objetivos

Os objetivos do estudo foram: analisar o discurso institucional da Lei Orgânica


do Município de Duque de Caxias nos enunciados que tratam da temática da inclusão

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social da pessoa portadora de deficiência, verificando seus possíveis efeitos no cotidiano,
e identificar contextos sociais onde as dissonâncias entre o discurso institucional e as
demandas de inclusão estão presentes.
Os eixos hipotéticos da pesquisa pressupõem que o discurso institucional
sobre inclusão não representa a práxis social do contexto onde ele é produzido, além do
que os discursos inclusivistas das políticas públicas vigentes não vêm atingindo, na prática
social, a inclusão do segmento das pessoas portadoras de deficiências.

Metodologia

O estudo insere-se no campo da pesquisa qualitativa, tendo em vista que a


preocupação central é verificar, através de estudo de caso, os discursos inclusivistas e
discursividade oficial sobre pessoas portadoras de deficiência na Lei Orgânica do
Município de Duque de Caxias. Como discurso entende-se a palavra em movimento e a
produção de sentidos, e discursividade a inscrição do discurso na história.
O esquema teórico utilizado é o da análise de discurso preconizado por
Orlandi (1987; 2001; 2002; 2003) a partir das contribuições de Foucault (1998; 2004) e
Bourdieu (1998).
O dispositivo analítico utilizado parte de três pressupostos: 1) não há sentido
sem interpretação; 2) a interpretação está presente em nos dois níveis do discurso: o de
quem fala e o de quem analisa e 3) propõe como finalidade do analista do discurso não a
interpretação do texto, mas sua funcionalidade, sua produção de sentidos. Não há um
“sentido em si” a ser desvelado pelo texto, mas sim todo sentido encontra-se em “relação
a”. Desse modo, o dispositivo de análise leva em conta a materialidade da linguagem, sua
transparência, sua espessura semântica, lingüística e histórica, seus processos de
significação.
O corpus deste estudo de caso são os artigos da Lei Orgânica do Município
que tratam de questões relacionadas a pessoas portadoras de deficiência. Este texto,
porém, tem outro lado, que é o discurso definido pela formação ideológica dominante na
conjuntura de sua produção, sua memória, sua ideologia, seu esquecimento, suas falhas e
equívocos.
O legislador é um autor, um produtor de texto que utiliza da hermenêutica e
recursos da retórica para estabelecer uma dimensão de sedução, verdade, autoridade
para com o destinatário, o munícipe.
Na 1a etapa do dispositivo de análise, desnaturaliza-se a relação “palavra-
coisa”. E, nesse momento, a metáfora é utilizada como deslizamento, além de paráfrases,
polissemias, sinonímias, buscando o encontro da relação do dizer com o não dizer.
A primeira leitura do texto é horizontal e possui como finalidade um contato
rápido com o assunto; a seguir, a leitura vertical, que consiste em um processo mais
atento, levantando-se referenciais do texto-base.
A metáfora, enquanto figura de linguagem, proporciona jogos de deslizamento
do que pode ser dito ou não dito no lugar de outros dizeres. Por outro lado, a paráfrase
consiste em transcrever com novas palavras as idéias centrais de um texto e possibilita
também um diálogo intertextual.
Na 2a etapa do processo, verificam-se os efeitos de sentidos produzidos

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naquele material simbólico, após a utilização dos efeitos metafóricos do deslizamento de
sentido e do deslocamento.
A cidade de Duque de Caxias está localizada no Estado do Rio de Janeiro.
Sua extensão territorial é de 468,3 km2. Encontra-se situada numa região de recôncavo
denominada Baixada Fluminense. Sua distância da capital do Estado do Rio de Janeiro é
de 20 Km. A população estimada, segundo o IBGE, é de 850.000 habitantes. O produto
interno bruto é o sexto do país e o segundo do Estado, sendo o seu índice de
desenvolvimento humano (IDH) o qüinquagésimo segundo do Estado e o milésimo
setingentésimo octogésimo segundo do país. Essa contradição motivou a escolha deste
município como campo para o estudo.

Análise e discussão

A Lei Orgânica do Município de Duque de Caxias, como as demais leis


orgânicas municipais, sofre influência da Legislação Federal e Estadual, e as mesmas
estão em consonância com o contexto internacional, por força de assinatura de pactos,
acordos, resoluções, cartas e declarações.
A Lei Orgânica Municipal se constitui em importante documento para estudo
porque é em nível local que a prática institucional da inclusão social da pessoa portadora
de deficiência se efetiva.
A Lei Orgânica do Município de Duque de Caxias data de 5 de abril de 1990.
A edição analisada é a de 2002, pelo fato de uma edição atualizada da lei orgânica municipal
poder conter emendas fundamentadas por princípios mais inclusivos, advindos das
transformações sociais.
O artigo 8 da Lei Orgânica do Município de Duque de Caxias fundamenta o
que é competência do Município; no inciso XXX, encontramos o seguinte enunciado: “-
dispor sobre o comércio ambulante que deverá ser exercido prioritariamente por pessoas
portadoras de deficiência física, mediante prévia licença obtida na forma da lei municipal”.
(p. 22). O inciso reserva ao portador de deficiência o trabalho na economia informal.
Nesse sentido, a inserção no mercado de trabalho não é efetivamente garantida, uma vez
que nesse ramo de atividade o direito trabalhista não é respeitado, ficando o portador de
deficiência sujeito à informalidade e a não cobertura da Seguridade Social. Seriam
necessárias medidas asseguradoras para que a pessoa portadora de deficiência em situação
de mercado informal possa tornar-se contribuinte individual autônomo, com plenos
direitos, à Previdência Social, uma vez que o ambulante está sujeito a inúmeros riscos e
agravos a sua condição. Como medida asseguradora da inclusão social da pessoa portadora
de deficiência no âmbito do trabalho, cito a Lei 8.213, que trata da legislação federal
relativa à inclusão social da pessoa portadora de deficiência, que se caracteriza como
uma ação afirmativa, pois, em seu artigo 93, estabelece percentual de vagas em empresas
para portadores de deficiência, o que a lei orgânica não menciona: “II- cuidar da saúde e
da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências”. (p.
23).
O inciso aponta para a inclusão da pessoa portadora de deficiência na saúde.
Do ponto de vista da práxis, as pessoas portadoras de deficiências têm o seu acesso
dificultado nas unidades de saúde do município. Isto que se comprova, a partir do que de

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mais concreto se pode verificar, que é a falta de acessibilidade física. Destaca-se, ainda,
falta de acesso às consultas médicas, aos exames de alta complexidade (tomografias,
indicação de órteses e próteses) e aos exames específicos. Soma-se a este quadro a ausência
de suportes nos atendimentos, como intérpretes de Língua de Sinais para surdos,
orientações em Braille para usuários deficientes visuais, adequações físicas e mobiliários
adaptados para portadores de deficiência física. Nesse sentido, a prática do cuidar da
saúde e da assistência pública a portadores de deficiência não condiz com o texto da lei.
Passemos agora a analisar os seguintes artigos da Lei Orgânica:

Art. 64 – A Prefeitura Municipal, de forma direta ou indiretamente, através de


suas concessionárias, garantirá serviço funerário gratuito e digno aos indigentes,
aos deficientes físicos e mentais, aos desempregados e aos trabalhadores que
ganhem até um Salário Mínimo, em cemitério deste Município, correndo as
despesas por conta da Prefeitura ou de suas concessionárias. (p. 47).

O presente enunciado categoriza as carências dos cidadãos, destacando a


vulnerabilidade dos mesmos, implicando a ação do governo na promoção do féretro,
desde que comprovada a condição de carência. Nesse sentido, o féretro digno é conceitual.
Deixando de forma velada a existência de um caráter indigno, indigente do sepultamento
das pessoas vulneráveis. Observa-se nesse discurso a associação da deficiência ao estado
da indigência, mendicância, tal como era feito nos tempos medievais de segregação, como
se o legislador vislumbrasse e reconhecesse a falta de oportunidade e de cidadania e
dignidade aliada à pessoa com deficiência durante sua existência.

Art.70 - A prestação de Serviços Públicos pelo Município diretamente sob regime


de concessão ou permissão será regulada em Lei Complementar que assegurará:
VI - A gratuidade nos transportes coletivos para os estudantes de primeiro e
segundo graus das redes públicas e privadas de ensino, assim como para as pessoas
portadoras de deficiência e seu acompanhante (emenda à Lei Orgânica número
001, de 29 de outubro de 1990). (p. 49).

Assim sendo, o presente inciso garante o direito de ir e vir ao portador de


deficiência e a seu acompanhante a possibilidade de estar transitando pelos logradouros
do Município onde estão localizadas as instituições.
No entanto, a práxis é impactada pelas ações e discursos dos empresários de
ônibus, que descumprem a legislação em vigor, limitando o acesso das pessoas portadoras
de deficiência que devem embarcar no ônibus ou adotar a compra de micro-ônibus com
roletas que impedem o embarque de pessoas com deficiência física. É claro que o tamanho
reduzido do micro-ônibus diminui ainda mais a possibilidade de a pessoa portadora de
deficiência usufruir o direito garantido pelo inciso em questão.
“Art. 92 – O dever do Município com a educação será efetivado mediante
garantia de: III - atendimento educacional aos portadores de necessidades especiais por
professores especializados”. (p. 59).
O inciso em pauta vai de encontro ao que preconiza a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação que, em seu capítulo V, também preconiza a inclusão do alunado

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portador de deficiência conforme a Lei 10.172/01 (Plano Nacional de Educação), também
proposto pelos interdiscursos nos âmbitos internacional, nacional e estadual
(documentados em quadros): “Art. 92 - IV – atendimento especializado aos alunos
superdotados, a ser implantado por legislação específica”. (p. 59).
Na mesma direção do inciso anterior (inciso III, do artigo 92), a enunciação
coloca a pessoa com altas habilidades na condição de pessoa que deva receber, por parte
da educação municipal, um atendimento diferenciado dos demais alunos. Dentro da
premissa da educação inclusiva não se deve educar em separado e sim determinar os
suportes aos alunos com necessidades especiais. Está latente a educação em separado
até mesmo com lei específica citada pela Lei Orgânica. Porém, a legislação específica
nunca foi efetivada, ficando o discurso sem uma efetivação, no interior do próprio discurso
e na prática.
“Art. 92 - V – atendimento obrigatório gratuito em creches e pré-escolas de
zero a seis anos de idade, adequado aos seus diferentes níveis de desenvolvimento, com
prioridade para os portadores de necessidades especiais”. (p. 59).
A face negativa do discurso aparece quando o vocábulo prioridade é
destacado. E a prática revela que as creches, quando recebem crianças com alterações no
desenvolvimento, encaminham-nas aos serviços de saúde, para reabilitação, considerando
que a educação pouco terá a contribuir, haja vista que pelas Diretrizes Curriculares da
Educação Especial no Ensino Básico e no artigo V da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a educação precoce deve ser oferecida pelo sistema público de ensino.
“Art. 92 - IX – submissão, quando necessária, dos alunos matriculados na
rede regular de ensino a testes de acuidade visual e auditiva, a fim de detectar possíveis
desvios de desenvolvimento”. (p. 59).
O presente inciso pressupõe a parceria entre as Secretaria de Educação e
Saúde. Apesar das Campanhas Aprende Bem quem Ouve Bem e Olho no Olho,
desenvolvidas pelo município serem assumidas no âmbito local pela Secretaria de
Educação com caráter de profilaxia das deficiências auditivas e diagnóstico precoce,
esta não redundou na protetização das crianças que necessitassem, nem se tornou uma
prática a ser desenvolvida regularmente no município.
“Art. 92 - § 3º - Ao educando portador de deficiência física, mental ou sensorial,
assegura-se o direito de matrícula na escola pública mais próxima de sua residência”. (p.
60).
A análise do parágrafo estabelece uma questão interessante; pois, qual o
paradigma adotado pela educação: integração ou inclusão? Teremos classes especiais
com professores especializados ou alunos incluídos na rede regular de ensino, ou os dois
paradigmas estão contemplados?

Art. 111 - É dever do Poder Público Municipal fomentar práticas desportivas


formais e não formais, como direito de cada um, inclusive para os portadores
de necessidades especiais, observando: I - a autonomia das entidades desportivas
dirigentes e associações esportivas, quanto à sua organização e funcionamento. (p.
65).

Em relação à acessibilidade, esta não existe nos locais de práticas desportivas.

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Outro termo importante é “inclusive”, demonstrando que a pessoa portadora de deficiência
está excluída das práticas desportivas e de lazer, ou ainda que o legislador pressuponha
que esteja.
“Art. 120 – A lei disporá sobre a exigência e adaptação dos logradouros, dos
edifícios de uso público e dos veículos de transportes coletivos, a fim de garantir acesso
adequado às pessoas portadoras de deficiências físicas ou sensoriais”. (p. 69).
O legislador no artigo em pauta vale-se do vocábulo “garantir”, e adia sua
execução para uma lei que será colocada em vigor para possibilitar ao munícipe de Duque
de Caxias acessibilidade tanto aos logradouros quanto ao transporte coletivo, como
disposto em artigos e incisos anteriores. Porém, se o termo “garantir” for substituído pelo
“não garantir”, e se o termo “acesso” for substituído pela palavra “inacessível”, ficaria
garantida a coerência com a práxis municipal no que se refere à inclusão social –
incoerência demonstrada pelas ações das instituições no âmbito do município, cujo maior
exemplo é o documento que suspende a emissão do passe municipal que garante a
gratuidade no transporte coletivo.
No que concerne à adaptação de edifícios públicos, não há projeto de
acessibilidade a nenhum logradouro e edificação pública nas secretarias, nos postos de
saúde, escolas, hospitais e centro cultural.
“Art.171- Fica assegurada a redução de 50% (cinqüenta por cento) da carga
horária de trabalho do servidor municipal responsável legal por portador de necessidades
especiais que requeiram atenção permanente”. (p. 88).
No presente artigo, não é encontrada anomia, pois guarda consonância com
a legislação estadual e federal.
“Art. 180 - Lei específica reservará percentual dos empregos públicos para as
pessoas portadoras de necessidades especiais e definirá critérios de sua admissão”. (p.
89).
Em consonância com a Constituição Federal e com a Lei Federal 8112/90, o
presente artigo argumenta em defesa da empregabilidade da pessoa portadora de deficiência
nos cargos públicos, constituindo-se, assim, uma ação afirmativa.

Conclusão

O estudo de caso sinaliza a exclusão social da pessoa portadora de deficiência


no Município de Duque de Caxias. Com respeito à diversidade, à igualdade, ao princípio
constitucional que é destacado em vários momentos na fala dos cidadãos, nos vários
discursos institucionais, o que mais se repete é todos são iguais perante a Lei. Marca-se,
assim, a importância do ordenamento jurídico em nossos dias e, de algum modo, negando
tal princípio. Pois, primeiro se invoca a existência de uma lei que garanta tal ou qual
direito. Depois, o descumprimento desta mesma lei, denotando que o que faltava não era
a existência da lei, mas a existência de um conceito. Cria-se, então, o conceito.
Criado o conceito, o mesmo é repetido exaustivamente, e percebe-se que sua
mera repetição não é bastante para que a inclusão se faça. É necessário, então, que se
recorra ao direito, que por sua vez se encontra desgastado pelo descumprimento, pela
inobservância, pelos artifícios de jogos e legisladores para os quais o poder constituído
da carta e o cumprimento da lei dependem de um argumento de autoridade que pode

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representar o direito, mas não o justifica.
É, então, que a compreensão de outro sentido, um sentido não dito, mas
presente no cotidiano das instituições, no caso a cidade de Duque de Caxias, é percebido,
sinalizado, visto através de fotos, textos, discursos verbais e não verbais postos por todos
os lados, ou seja, não existe a preocupação de que a materialidade do discurso seja
questionada; não existe a preocupação de que o deslizamento, o deslocamento e a
semantização possam evidenciar outro sentido mais coerente com as ações das instituições,
que têm sido marcadas pela segregação das pessoas portadoras de deficiências.
Os discursos inclusivistas das políticas públicas vigentes não vêm atingindo,
na prática social, a inclusão da pessoa portadora de deficiência. Essa hipótese é verificável
a partir da aplicação do dispositivo teórico, em que o deslizamento semântico, a paráfrase,
a verificação de cadeias metonímicas apontam para um sentido não inclusivo.
Considerando o alcance dos objetivos e a verificação dos eixos hipotéticos
propostos, concluímos que a presente pesquisa tem o compromisso de socializar os
resultados alcançados.
Muitas outras proposições poderão ser feitas em estudos posteriores, o que
nos satisfaz como pesquisador: saber que as diferentes contribuições da academia se
constituirão sempre como objeto de proposições. Isso torna o trabalho acadêmico sempre
vivo, dinâmico, sujeito a contribuições de outros pesquisadores.

Notas
1
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/MARÍLIA), Mestre em Cognição
e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Conselheiro da área de deficiência
visual do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência de Duque de Caxias.

Referências bibliográficas

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FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1987.

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ORLANDI, E. P. Discurso e texto: formação e circulação dos sentidos. São Paulo: Pontes,
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ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, São Paulo:


Editora da Unicamp, 2002.

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RIO DE JANEIRO (ESTADO). TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO


DE JANEIRO. SECRETARIA GERAL DE PLANEJAMENTO. Estudo sócioeconômico,
2004/ Duque de Caxias. Coordenadoria de Comunicação Social: Imprensa e Editoração,
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Especial do Observatório da Baixada. Rio de Janeiro: FASE, 2004.

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OS DESAFIOS DA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O
ENSINO FUNDAMENTAL: COMO OS PROFESSORES LIDAM COM UM
ALUNO COM DEFICIÊNCIA INSERIDO EM SUAS TURMAS?

Paola Bisaccioni1
Enicéia Gonçalves Mendes2

Introdução

A educação inclusiva é uma proposta de aplicação prática ao campo da


educação de um movimento mundial denominado como Inclusão Social. Martínez (2005)
ressalta que, apesar das diferenças existentes entre os diversos autores sobre o conceito
de inclusão, há um consenso em considerar a inclusão escolar como dentro de uma
concepção mais ampla desse movimento, que se expressa em diversas esferas sociais. Tal
posição ainda é encontrada nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica, instituída pela Resolução 02/2001 (BRASIL, 2001), que afirma que:

A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental


importância para o desenvolvimento e a manutenção de um estado democrático.
Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum
da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de
acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, do
esforço coletivo na equiparação das oportunidades de desenvolvimento, com
qualidade em todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo
e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão
educacional. (p. 20).
No movimento pela inclusão social e, particularmente no âmbito da educação,
a “Conferência Mundial de Educação para Todos”, que ocorreu na Tailândia, em 1990, é
considerada como um marco mundial que reuniu vários países para garantir o direito de
todos à uma educação de qualidade. (MENDES, 2005).
A “Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso
e Qualidade”, realizada pelo governo da Espanha e pela UNESCO em 1994, que resultou
na elaboração da Declaração de Salamanca, foi outro importante marco mundial na difusão
da filosofia da Educação Inclusiva. (BRASIL, 1997).
Mittler (2004) também aponta que há um consenso em considerar que a
inclusão exige uma reorganização das escolas regulares para atender uma maior diversidade
de necessidades das crianças, enfatizando que os obstáculos à inclusão não estão na
criança, mas na escola e na sociedade.
Bueno (2001) ressalta que o termo necessidades educativas especiais abrange,
com certeza, a população deficiente, mas não se restringe somente a ela, e que o princípio
fundamental da filosofia da inclusão é o de que:

As escolas devem acolher a todas as crianças, independentemente de suas condições


físicas, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem acolher crianças com

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deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham;
crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas,
étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou
marginalizados. (p. 23).

No Brasil, o movimento pela Educação Inclusiva tem tido seu maior impacto
na discussão das políticas públicas educacionais para crianças e jovens com necessidades
educacionais especiais ou no contexto da Educação Especial, uma vez que essa parcela
da população vem sendo historicamente excluída da escola e da sociedade.
Apesar da força dos argumentos que apóiam a inclusão, existe uma
considerável variabilidade nos modos e extensão com que as práticas inclusivas têm sido
implementadas e ainda existem controvérsias sobre a conveniência da inclusão de todas
as crianças. Assim, o debate acerca da educação inclusiva vem sendo um assunto freqüente
em nosso país, mas a matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais em
classes comuns das escolas regulares, uma garantia legal alcançada há aproximadamente
17 anos, parece estar avançando muito lentamente.
Bueno (2001) defende realisticamente que a inclusão escolar em nosso país
deva ser um processo gradativo, sistemático, contínuo e planejado. Também defende que
o estabelecimento de diretrizes e ações políticas inclusivas exige ousadia e coragem, mas
também prudência e sensatez, de tal forma que se constitua efetivamente numa realidade
de fato. Ainda segundo esse autor, o grande desafio dos sistemas de ensino seria
implementar procedimentos pedagógicos que respeitem à diversidade social e cultural
dos alunos e que contemplem as diversas formas como cada um deles incorpora e expressa
o “saber escolar”.
Assim, considerando que se encontra legalmente estabelecido o direito dos
alunos com necessidades especiais de ingressar nas classes comuns seria preciso, portanto,
preparar o educador para recebê-los, pois a inclusão de crianças com características diversas
vem impondo aos educadores muitas questões.
Fundamentalmente, parece necessário produzir conhecimento sobre como
deve ser formado o professor especializado e como deve ser capacitado o professor do
ensino regular para fazer frente à inclusão. Entretanto, também parece necessário conhecer
um pouco mais a realidade de nossas escolas e os desafios que representam para o professor
do ensino regular ter um aluno com necessidades especiais em sua turma.

Objetivos

Diante da necessidade de produzir conhecimento sobre o trabalho do professor


regular e os desafios decorrentes do processo de inclusão, o presente estudo teve como
objetivos: 1) Descrever e analisar como os professores de Educação Infantil e do Ensino
Fundamental desenvolvem seu trabalho quando um aluno com deficiência se encontra
inserido em suas turmas; 2) Identificar e descrever práticas pedagógicas inclusivas e
situações-problemas vivenciadas pelos educadores de classes inclusivas que pudessem
ser úteis para se criar material didático em programas de formação de professores; 3)
Descrever e analisar como ocorre a transição da pré-escola para a 1ª série do Ensino
Fundamental.

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Método

A pesquisa teve como participantes duas professoras – sendo uma do último


ano da Educação Infantil e a outra do primeiro ano do Ensino Fundamental – e uma
criança com Síndrome de Down, que esteve inserida nas turmas dessas duas professoras.
A coleta de dados foi realizada na rede municipal de ensino de uma cidade do interior do
estado de São Paulo.
Um roteiro de entrevista e um inventário de observação foram utilizados
como instrumentos. Tais instrumentos foram desenvolvidos, validados e testados em
pesquisas anteriores. (MENDES, 2005).
O estudo caracteriza-se dentro de uma abordagem qualitativa de pesquisa,
apropriando-se das contribuições da abordagem etnográfica para o contexto educacional
e foi desenvolvida em quatro etapas. A primeira etapa consistiu na condução dos
procedimentos éticos necessários para pesquisas que envolvem participação voluntária
de seres humanos.
A segunda etapa tinha como objetivo investigar o discurso dos professores
por meio da realização de entrevistas semi-estruturadas no início da coleta de dados. O
roteiro de entrevista utilizado foi baseado na teoria da adaptação seletiva de O’Donoghue
& Chalmers (2000), que propõem que o professor passa por cinco fases quando se depara
com um aluno com necessidades educacionais especiais: recepção, aceitação, compromisso,
ajustamento e avaliação. Alguns dos temas abordados na entrevista foram: conhecimento
prévio do professor sobre as necessidades do aluno-alvo, experiências anteriores com
alunos com deficiência, opiniões e percepções sobre a inclusão antes e depois de ter
recebido um aluno com necessidades especiais, expectativas a respeito do desenvolvimento
do aluno, mudanças na rotina de trabalho, resultados da inclusão para o sistema
educacional, entre outros.
Na terceira etapa, ocorreu a investigação da prática dos professores através
de sessões de observação. Durante essa fase, foram observadas quais eram as atividades
que estavam sendo propostas pelas professoras, se a criança com deficiência podia
participar dessas tarefas, se de fato ela participava, que outras atividades alternativas
realizava caso não participasse da tarefa, se adaptações estavam sendo oferecidas à criança
e de que tipo eram as adaptações e acomodações feitas, entre outros aspectos. Além
disso, eram identificados e registrados episódios que ilustravam situações-problemas e
práticas pedagógicas inclusivas, ocorridos em situação natural durante a rotina da turma
na qual a criança com necessidades educacionais especiais estava inserida.
Situações-problemas foram definidas como aquelas nas quais surgia um
obstáculo ou problema, cuja superação requeria a mobilização de conhecimentos por
parte do educador, que deveria tomar decisões para que suas metas fossem alcançadas.
Práticas pedagógicas inclusivas foram definidas como aquelas ações do professor que
favoreciam a participação da criança na atividade, a interação e a aceitação da criança
com deficiência pelos colegas.
Na última etapa, foram investigadas mudanças no discurso dos professores
pela realização de entrevistas após o término das sessões de observação.
As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo submetidas a um
procedimento de análise de conteúdo. As sessões de observação foram registradas em

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um diário de campo e posteriormente catalogadas.

Resultados e Discussão

Os resultados apontam que a professora de Educação Infantil conseguiu


lidar melhor com o aluno com deficiência do que a professora da 1ª série. Tal constatação
pode ser atribuída às próprias características da Educação Infantil, onde há mais atividades
lúdicas do que acadêmicas quando comparada com as do Ensino Fundamental. Além
disso, observou-se, através das práticas e dos discursos, que a professora da pré-escola
estava bem mais comprometida com o ideal de inclusão do que a professora da 1ª série.
Quanto à utilização de mudanças e apoios nas atividades propostas para o
aluno com necessidades educacionais especiais, verifica-se que a professora da pré-escola
utilizou algumas adaptações, como, por exemplo, o pontilhado nas atividades que incluíam
letras e números, para que o aluno se familiarizasse com esse repertório acadêmico básico,
desenvolvesse sua coordenação-motora e pudesse participar do exercício proposto.
Utilizou bastante a música em suas aulas, pois era algo que a criança gostava muito.
Quando a atividade proposta envolvia muitas habilidades que a criança ainda não possuía,
a professora mudava a atividade para ela, dando, por exemplo, um desenho ou algum
jogo.
Com a professora da 1ª série não foi observada nenhuma adaptação nas
atividades que propunha para a turma. Em poucas ocasiões, deu folhas para a criança
desenhar e dificilmente elogiava o aluno por ter se engajado em alguma tarefa.
Os dados encontrados sobre as adaptações das atividades e as mudanças nas
rotinas de trabalho das professoras corroboram um dos aspectos indicados na teoria da
adaptação seletiva de O’Donoghue e Chalmers (2000), na qual os autores afirmam que
os professores não costumam realizar grandes modificações nos métodos de ensino e/ou
conteúdos curriculares ao receberem um aluno com necessidades educacionais especiais.
Verificou-se, ainda, que a professora da pré-escola utilizou algumas das
estratégias indicadas por Falvey, Givner & Kimm (1999), como por exemplo: adotar o
ensino em pequenos grupos, usar apoio e orientação dos colegas, usar os interesses do
aluno, proporcionar reforço verbal e não-verbal, usar instruções por sinais e estruturar
atividades para criar oportunidades de interação social. A professora sempre elogiava o
desempenho do aluno e o incentivava a participar das aulas.
As estratégias que a professora da primeira série utilizou para lidar com as
situações-problemas não estavam de acordo com aquelas indicadas por Stainback &
Stainback (1999), que sugeriam que o professor deveria atrair pouca atenção aos
comportamentos inadequados, ajudar seus alunos a terem comportamentos adequados e
tentar resolver o problema sozinho e de maneira discreta. A professora dava muita atenção
aos comportamentos inadequados dos alunos, principalmente aos da criança com
deficiência e não os ensinava a ter comportamentos mais adequados. Na maioria das
vezes, não resolvia os problemas que surgiam de forma discreta e sozinha, mas dava
bastante ênfase a eles e chamava outras funcionárias da escola para solucioná-los.
Em relação à comparação entre o discurso e a prática, de maneira geral, as
professoras apresentaram coerência entre o que falavam e o que faziam. Somente quanto
ao tratamento do aluno-alvo, a professora da pré-escola foi algumas vezes incoerente,

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pois afirmava que o tratamento dado a ele deveria ser igual ao das outras crianças. No
entanto, a criança-alvo tinha alguns “privilégios” em comparação com as demais crianças,
como por exemplo: todos os dias ela podia sair da sala uns 15 ou 20 minutos para ficar na
diretoria (onde tinha uma salinha com materiais e brinquedos), ela podia ficar com
brinquedos na sala, tinha mais oportunidades de brincar com jogos enquanto as outras
crianças tinham que fazer atividades acadêmicas; ela podia pegar leite mais de uma vez
na merenda, sendo que os outros alunos não podiam.
Apesar de o aluno estar mais integrado na pré-escola, participando mais das
atividades do que na primeira série, ele não foi preparado adequadamente para fazer a
transição para o Ensino Fundamental, devido aos privilégios que eram dados a ele, que
também contribuíram para dificultar sua passagem.
Na pré-escola, houve um equilíbrio entre o número de situações-problemas
e práticas pedagógicas inclusivas, enquanto que na turma de primeira série houve um
predomínio de situações-problemas.
Os comportamentos indisciplinares da criança, na primeira série, foram muito
freqüentes, provavelmente porque eles eram efetivos para que o aluno conseguisse sair
da sala de aula e assim não tivesse que se engajar em atividades acadêmicas, que muitas
vezes exigiam mais habilidades do que as presentes em seu repertório. Os comportamentos
indisciplinares em outros contextos, como no recreio, talvez pudessem ser atribuídos ao
baixo nível de desenvolvimento da linguagem do aluno e à falta de repertório social para
lidar com os colegas.
Quanto à transição para a 1ª série, constata-se que foi um processo difícil,
com muitos problemas de aceitação e adaptação à nova escola, às novas professoras e à
nova turma. A passagem pode ter sido dificultada pela falta de repertório acadêmico
básico do aluno (como o conhecimento das letras do alfabeto e dos números), pelo pouco
desenvolvimento de sua linguagem e pela falta de controle de esfíncter. No entanto, foi
dificultada principalmente pela concepção tradicional da equipe escolar que focalizava o
problema da dificuldade de aprendizagem na criança e não na estrutura escolar, e pelo
pouco comprometimento da escola com o ideal de inclusão.
A professora ainda mantinha uma concepção bem tradicional do processo de
ensino-aprendizagem, das dificuldades de aprendizagem e uma visão fatalista da
deficiência, conforme indicado em sua entrevista. Ela tinha também como objetivo a
homogeneização em sua classe, ou seja, que os todos os alunos aprendessem da mesma
maneira e no mesmo ritmo. Conforme indica Fox, Farrel & Davis (2004), as percepções
do professor do ensino regular são centrais para a efetividade da inclusão. Martínez (2005)
ainda ressalta que são necessárias mudanças na representação da escola como instituição
e nas concepções dominantes no meio escolar para favorecer a inclusão. Entretanto, a
professora da primeira série mantinha concepções que não contribuíam para esse processo.
Outro fator que pode ter dificultado a transição do aluno foi o fato da
professora não ter assumido um papel central na programação das atividades e apoios
para a criança-alvo, deixando claro na entrevista que ela esperava que algum profissional
se responsabilizasse pela criança com deficiência. Conforme indica Fox, Farrel & Davis
(2004), o papel central do professor no manejo das adaptações e na organização da rotina
escolar aumenta as chances de sucesso da inclusão. Portanto, a dificuldade de adaptação
do aluno pode também ser atribuída à postura da professora. Além disso, segundo os

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 74


autores, outros fatores que aumentam a probabilidade de sucesso da inclusão são:
adaptação do currículo à criança e a concepção de que ela é central na aprendizagem,
que também não estavam presentes na escola de Ensino Fundamental.

Conclusões

O referencial etnográfico permitiu uma variedade de técnicas que garantiram


uma maior aproximação do fenômeno a ser estudado. Além disso, a prolongada
permanência da pesquisadora na escola, como observadora participante, assegurou maior
familiaridade com o contexto investigado. A coleta de dados permanente permitiu registrar
dados que eventualmente não apareceriam em situações mais estruturadas ou planejadas.
Dessa forma, a opção metodológica adotada se mostrou adequada aos objetivos do estudo,
pois permitiu investigar como as escolas e os professores respondem à inserção de alunos
com necessidades educacionais especiais.
A transição do Ensino Infantil para o Ensino Fundamental caracterizou-se
como um momento crítico na escolarização do aluno com deficiência, demandando estudos
que aprofundem a questão e que possam aumentar as probabilidades de permanência e
sucesso das crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular.
De forma geral, é imprescindível, para o sucesso da proposta de inclusão,
que se produza conhecimento científico sobre o trabalho do professor do ensino regular
para fazer frente aos desafios que emergem durante o processo de inclusão escolar.

Notas
1
Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, Bolsista IC-CNPq

2
Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da
Universidade Federal de São Carlos.

Referências bibliográficas

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um guia para educadores. Tradução: Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 76


PEDAGOGIA INSTITUCIONAL E INCLUSÃO ESCOLAR: A
EXPERIÊNCIA DE UM GRUPO EDUCACIONAL TERAPÊUTICO

Ione Arsenio1
Maria Cristina Bergonzoni Stefanini2
Silvia Angelita Rosa3

Introdução

A Educação Inclusiva tem suscitado no Brasil debates intensos. Nas últimas


décadas do século XX, os discursos sobre inclusão escolar adquirem um caráter
privilegiado (MENDES, 2000), especialmente após a “Conferência Mundial de Educação
para Todos”, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a “Conferência Mundial
sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade”, ocorrida na Espanha
em parceria com a UNESCO, em 1994, de onde resultou a Declaração de Salamanca.
Esta última representou um marco na difusão da filosofia da educação inclusiva.
O Brasil também participou desses movimentos e, desde então, muito se
tem discutido por aqui sobre a inclusão escolar do aluno com necessidades educacionais
especiais.
Todavia, é preciso observar que a inclusão educacional, como idéia, está
longe de se concretizar nas práticas educativas e nos sistemas de ensino, mesmo estando
ela regulamentada em leis e sendo propagandeada em discursos, já que pensar a inclusão
significa pensar em uma nova escola que possa atender a todos indistintamente, ou seja,
é preciso um redimensionamento da escola a partir desse novo paradigma que se apresenta.
(ALMEIDA, 2002).
Assim, determinar por força de lei que crianças com deficiência – atualmente
inseridas na terminologia necessidades educacionais especiais – sejam absorvidas pelo
nosso sistema regular de ensino, que não é capaz de dar conta sequer das crianças
consideradas sem deficiências, é pretender uma solução fácil e ilusória para o problema
da Educação Especial. (SCHWATZMAN, 1997).
A inclusão, portanto, exige da escola novos posicionamentos diante dos
processos de ensino e de aprendizagem, sendo ela um importante motivo para que a
instituição escolar se modernize e os professores aperfeiçoem suas práticas, tornando,
assim, a inclusão escolar de pessoas com necessidades educacionais especiais uma
conseqüência natural de toda uma ação voltada para a atualização e reestruturação das
condições atuais do ensino. (MANTOAN, 1997).
Nesse sentido, apontamos como um importante suporte de apoio à inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais, um movimento que evoluiu no eixo
França – Itália a partir 1960, chamado Pedagogia Institucional.
Também denominada de Pedagogia Revolucionária, ela é reconhecida como
alternativa, ao contrário das pedagogias tradicionais, que buscam a elucidação do mundo
da consciência racional; dedica-se ao estudo dos efeitos de tudo que está imerso nos
processos educativos. (ARDOINO & LOURAU, 2003; ABRANTES, 2007). A Pedagogia
Institucional, ao defender uma crítica às instituições de ensino existentes, ultrapassa os
muros da escola, diversificando o papel dos professores e atribuindo importância ao

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 77


sistema educativo com o recurso às metodologias de análise política e de intervenção
social. O trabalho proposto pela Pedagogia Institucional torna possível integrar diferentes
formas de aprender, valorizando diversos tipos de interações, tornando estas, situações
de aprendizagem. A Pedagogia Institucional vê a prática docente como estruturadora de
situações que visam a estimular a cooperação entre os alunos, concorrendo para a criação
de um ambiente educativo. O professor, então, é um coordenador dos processos de
aprendizagem.
A Pedagogia Institucional, assumindo então uma proposta pedagógica calcada
nas técnicas de Freinet, aponta como centro da escola não mais o professor,
como nas pedagogias tradicionais, mas o aluno, a sua vida, suas necessidades,
suas possibilidades, enfim a singularidade de cada sujeito na instituição escolar [...]
isto é, no respeito às possibilidades e peculiaridades da criança para aprender.
(ABRANTES, 2007, p. 41).

Segundo Vasquez & Oury (2001), principais representantes desta vertente, a


Pedagogia Institucional constitui-se em um conjunto de técnicas e métodos de trabalho
imersos em sala de aula que estimulam situações novas e variadas, que requerem ações
pessoais dos sujeitos lá envolvidos. Propõe, também, a resolução de problemas surgidos
no grupo (cognitivos, sociais e emocionais). Compreendemos que a proposta da Pedagogia
Institucional é transformar conflitos em situações de aprendizagem. O aluno com
deficiência pode gerar conflito e a Pedagogia Institucional emerge como um importante
instrumento para a superação deste.
O foco central da Pedagogia Institucional, que tem bases na psicoterapia de
grupo e na psicanálise, é o grupo que se forma a partir do desejo de seus integrantes, e de
acordo com Abrantes (2007), o que a caracteriza é a possibilidade do coletivo de mudar
ou de criar instituições4 em resposta às necessidades sentidas ou as demandas exprimidas.
Longe de ser um trabalho formal, ela trata de desvendar aquilo que está oculto, procurando
trabalhar então com o “clima” escolar (BHERING,2003), isto é, com as práticas e
condutas, modos de vida, hábitos, enfim, modos de pensar, bem como, significados e
idéias compartilhadas na esfera escolar. Assim, aspectos como trabalho coletivo e
cooperação mútua são profundamente relevantes quando se trata da inclusão do aluno
com necessidades educacionais especiais.

Objetivo

Neste trabalho, temos como intuito fazer um relato das percepções dos
professores com relação à escolarização de alunos com acentuadas dificuldades de
aprendizagem, percepções estas abordadas em um Grupo Educacional Terapêutico (GET).
Os encontros do grupo ocorreram em uma unidade escolar pública, municipal, de Ensino
Fundamental, situada em uma região periférica de uma cidade do interior do Estado de
São Paulo. Na época do desenvolvimento deste projeto – ano de 2005 –, a escola estava
organizada em séries de 1ª a 4ª e atendia cerca de 520 alunos.
A principal queixa dos professores que deu origem ao GET foi a dificuldade
com relação à alfabetização de alunos que apresentavam dificuldades acentuadas de
aprendizagem. Neste caso específico, procurou-se dar prioridade ao envolvimento dos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 78


docentes, no sentido de favorecer a constante análise de suas práticas pedagógicas e
estimular o diálogo e a parceria ante as dificuldades vivenciadas no cotidiano escolar
junto aos alunos.

Método

O método empregado foi o do Grupo Educacional Terapêutico (GET), que


se constitui em uma das técnicas da Pedagogia Institucional em que os participantes se
envolvem num trabalho coletivo de reflexão, troca e discussão de temas que são de
interesse comum a todos.
Foi necessária uma adaptação ao método original em função da pouca e
embaraçosa experiência de falar de si e de suas dificuldades, que caracteriza o ambiente
escolar. Então, tomou-se como base textos e livros que tratassem de temas como
alfabetização e dificuldades de aquisição da leitura e da escrita. (ALMEIDA & DUARTE,
2003; ZORZI, 2003; FEITOSA, 2003; CAPOVILLA & CAPOVILLA, 1998).
Uma vez por semana, durante o período de março a maio de 2005, um grupo
formado por 14 profissionais da escola, sendo 12 professoras, uma assistente educacional
pedagógica e a diretora reuniram-se durante o HTPC (Horas de Trabalho Pedagógico
Coletivo), totalizando 10 encontros.
O quadro abaixo correlaciona a idade, função, sexo e tempo de magistério
das participantes do grupo, identificando-as com P de participante e uma numeração.

PARTICIPANTE FUNÇÃO FORMAÇÃO SEXO IDADE TEMPO DE


(A) ATUAÇÃO
P1 Professora Pedagogia Feminino 30 anos 5 anos de
magistério
P2 Professora Pedagogia Feminino 31 anos 5 anos de
magistério
P3 Professora Pedagogia Feminino 34 anos 5 anos de
magistério
P4 Professora Pedagogia Feminino 34 anos 10 anos de
magistério
P5 Professora Pedagogia Feminino 37 anos 5 anos de
magistério
P6 Professora Pedagogia Feminino 39 anos 4 anos de
magistério
P7 Professora Pedagogia Feminino 46 anos 7 anos de
magistério
P8 Professora Pedagogia Feminino 39 anos 5 anos de
magistério
P9 Professora de Pedagogia Feminino 34 anos 10 anos de
Ensino magistério
Itinerante
P10 Professora Magistério/ Feminino 28 anos 3 anos de
Licenciatura em magistério
Letras
P11 Professora Magistério/ Feminino 38 anos 8 anos de
Licenciatura em magistério
História
P12 Professora Pedagogia Feminino 24 anos 2 anos de
magistério
P13 Diretora Pedagogia Feminino 33 anos 5 anos de
magistério
P14 Assistente Pedagoga Feminino 31 anos 4 anos de
Educacional magistério
Pedagógica
Quadro 1: Formação, idade, sexo e tempo de magistério em anos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 79


Resultados e Discussão

Procurou-se, então, nesse trabalho, criar um espaço de troca e de escuta do


sujeito, de seus medos, desejos e angústias.
O que vimos emergir, tendo como pano de fundo a discussão de textos que
visavam a auxiliar as professoras a atuarem com o aluno que apresentava dificuldade na
aquisição da leitura e da escrita, foi a angústia delas frente ao trabalho com o aluno com
necessidades especiais, mas, sobretudo, essa angustia surge a partir do medo que elas
tinham em ver o seu trabalho avaliado pelo outro, expondo seus insucessos e suas
fraquezas. Para uma melhor exposição dos dados, estabelecemos duas categorias para
análise a partir do conteúdo de algumas falas das participantes do GET.

• Categoria I – Angústia relacionada à avaliação dos pares (professores)

“O que acontece aqui nessa escola é que o professor do ano seguinte sempre culpa o do ano anterior
pelas dificuldades que o aluno (com necessidades especiais) apresenta, dá a impressão de que não
trabalhamos nada, que não foi desenvolvido trabalho algum”. (P8)

Nota-se, a partir da fala de P8, o fato de que a criança com dificuldade em


aprender parece causar sofrimento ao professor, medo do fracasso, de ser avaliado pelo
colega e de ser responsabilizado caso o aluno não melhore seu desempenho escolar.
Percebeu-se, assim, durante as reuniões, que certas professoras exibiam comportamentos
que indicavam o medo da crítica das colegas. Esse forte impacto exercido pela opinião
que um professor tem pelo trabalho do outro apareceu também na fala de P1:

“Eu tinha muito medo de que o trabalho que desenvolvi com o aluno Paulo não
tivesse dado certo, mas a professora que está com ele esse ano disse que ele já lê
e escreve algumas coisinhas”.

Ao término dos encontros do GET, ainda foi possível notar o desconforto


de várias professoras em se colocarem no grupo e em expor as suas dificuldades ou
acertos no trabalho com as crianças.

“Eu participo mas não quero falar em grupo não gosto”. (P2)

Isso foi algo que nos chamou a atenção, pois falar em grupo faz parte do
ofício de um professor. Em outros momentos, observamos pequenos atritos entre algumas
professoras que sinalizavam julgar as atividades realizadas pela colega em classe com
seus alunos, ou na comparação do trabalho pedagógico de uma e de outra.

“Você não deveria iniciar dessa forma com seus alunos, trabalhando somente a letra bastão.
Acho necessário a apresentação de todas as formas de escrita das letras minúsculas, maiúsculas
tanto de forma, como cursivas”. (P6)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 80


“a professora (P4) é ótima; os alunos que a gente recebe dela sempre são os melhores da turma”. (P8)

Tais trechos das falas das professoras asseveram nosso entendimento de que
os professores são seus próprios algozes e isso se reflete em práticas educativas
individualizadas e solitárias, posto que, aparentemente pelo medo de se expor e de expor
as suas dificuldades, os professores não desenvolvem efetivamente ações de troca e de
parceria em uma escola.

• Categoria II – Angústia relacionada ao despreparo para lidar com o aluno com


necessidades educacionais especiais

“Eu fico com medo, não tenho preparo, acho que não dou conta. Antes a escola não trabalhava
com esse tipo de aluno por isso ela era melhor. Eu fico com medo porque a gente nem consegue
trabalhar com a classe toda satisfatoriamente e os outros vão falar”. (P6)
“Me faz sentir muito mal quando a gente vê que tentou de tudo com o aluno e ainda assim ele não
aprende. É difícil muito... pois eu por exemplo, não tive formação na faculdade para trabalhar
com esse aluno que não aprende as vezes acho que não sei ensiná-lo”. (P10)

Observamos, nestas falas, que as professores sentiam-se apreensivas quanto


à possibilidade de não desenvolver um trabalho satisfatório junto ao aluno com
necessidades educacionais especiais. Aparentemente, a idéia da incapacidade, de não
estar preparada e de “não dar conta” do aluno que requer recursos diferenciados para a
sua aprendizagem surgiu como um dos fatores de grande angústia nos encontros do grupo.
Infelizmente, ao adotarem apenas o discurso da falta de preparo e formação
como obstáculo à inclusão, desconsiderando aspectos outros que de acordo com outra
investigação por nós realizada (ARSENIO, 2007) são tão importantes quanto dentro do
contexto escolar – ausência de recursos pedagógicos, salas de aula numerosas, necessidade
de reformulações na escola –, as professoras revelam a crença de um saber fazer residente
fora da escola (CONTRIN, 2003), fazendo-as esperar por soluções externas e mágicas.
Daí o enorme medo daquelas professoras partícipes do GET em receber um aluno com
deficiência ou com dificuldades acentuadas de aprendizagem.
Esse medo de sentir-se inferior e de não dar conta de ensinar a criança com
dificuldades escolares permeou, inicialmente, os encontros do grupo e de certo modo
congelaram-no, posto que o que se via ali eram sistemas pessoais de defesa que
conseqüentemente bloqueavam uma real comunicação entre seus membros. Tal situação,
configurada desta maneira, provocou a necessidade de existência de uma figura que
desenvolvesse um papel de diretividade das ações do grupo diferentemente do previsto
pela Pedagogia Institucional, que propõe que todos os participantes de um grupo estejam
na posição de integrante comum, em que todos estejam envolvidos em atitude de
cooperação nas atividades a serem desenvolvidas.
No entanto, ao longo dos encontros do GET, as professoras foram ficando
mais à vontade na exposição de suas idéias. No início, como foi dito, as professores
tiveram dificuldade em atuar juntas estabelecendo ações cooperativas. Mas à medida
que os encontros foram se sucedendo, houve maiores sentimentos de cooperação pelo
grupo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 81


Conclusão

Embora ao longo dos encontros do GET seus membros fossem ficando mais
à vontade na exposição de suas idéias, podemos afirmar, a partir dos resultados e
discussões, que foi muito forte a necessidade de atitudes de verticalidade e direcionalidade
durante os encontros; as professoras tiveram dificuldade em atuar juntas ou de fato,
atuar em grupo, estabelecendo ações cooperativas, de troca, de obrigações e
responsabilidades.
Deparar-se com um tipo de organização grupal per meada pela
horizontalidade, em que todos os integrantes possam trabalhar juntos, estabelecendo
responsabilidades de um ponto de vista coletivo, não é um processo fácil entre professores,
porém, se instituído, poderá trazer importantes contribuições na forma de ajuda mútua,
organização e cooperação para uma unidade escolar. Esta é a proposta da Pedagogia
Institucional que pode ser empregada tanto junto aos professores quanto junto aos alunos.
Ela, atualmente, é estudada no Brasil por Claudio Batista (2004, 2005), Aline Abrantes
(2007) e é também pelo pedagogo francês Philippe Meirieu (2002). Este último investiga
a formação do professor e é defensor de uma pedagogia diferenciada.
O trabalho com a diversidade dos alunos, que a Educação Inclusiva coloca
como desafio à escola, requer novas práticas e outros modelos de relações dentro do
âmbito escolar. Para nós, estas práticas devem procurar privilegiar o coletivo e o
colaborativo, visando a superar atitudes isoladas e individuais que criam nichos entre os
professores, fragilizando suas ações.
Na Pedagogia Institucional, a diferença entre os alunos não se constitui em
um problema, justamente essas diferenças são vistas como enriquecedoras em um
ambiente de aprendizagem. Isso porque ela rechaça a cultura da normalidade (MRECH,
2005) existente na escola, que compara os alunos sob parâmetros ou padrões que devem
ser atingidos por todos. Por privilegiar o trabalho com as diferenças, o trabalho em grupo
e valendo-se de técnicas que estimulam a ajuda mútua entre os participantes, a perspectiva
da Pedagogia Institucional surge como um importante instrumento no tocante à inclusão
escolar, não só do aluno com necessidades especiais, mas de todos aqueles que da escola
são excluídos.

[...] aceptamos la heterogeneidad de los niños. Sustituimos la noción de escuela


igual para todos, que prevalecía en el siglo pasado, por la escuela a medida para
todos. (VASQUEZ E OURY, 2001, p. 89).
Sugerimos que outras técnicas que fazem parte do escopo da Pedagogia
Institucional, como classes cooperativas, conselho de turma, sejam alvos de investigações,
posto que uma discussão mais aprofundada não se fez possível neste texto.

Notas
1
Mestre em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara –SP, doutoranda em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos e assistente educacional pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Araraquara
– SP – email ione3@itelefonica.com.br
2
Professora Doutora da FCL-UNESP/Araraquara -SP do departamento de Psicologia da Educação.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 82


3
Professora -Especialista de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Araraquara-SP

4
O termo instituição não deve ser entendido como uma representação de um prédio, ou de uma burocracia,
mas sim como uma relação sistemática entre um grupo e regras.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 84


EDUCAÇÃO ESPECIAL FRENTE À INCLUSÃO DE JOVENS E ADULTOS:
UM ESTUDO DE CASO

Marli Eliza Dalmazo Afonso de André1


Telma Cristina Fernandes Crespo2

Introdução

O presente trabalho, fruto de pesquisa realizada para dissertação de mestrado,


apresenta um estudo de caso de uma escola de educação especial de jovens e adultos.
De acordo com revisão bibliográfica realizada, observa-se a tendência atual
da literatura sobre inclusão: propostas de uma revolução no ensino, buscando adaptá-lo
às necessidades de todos os alunos, e não adaptar o aluno às necessidades da escola,
como pensam alguns especialistas da educação.
Se a literatura é clara nas suas proposições, na prática há muitas dúvidas
sobre o que fazer, tanto em relação à inclusão nas escolas regulares, quanto no contexto
atual das escolas de educação especial. Por um lado, a escola regular aponta o despreparo
para receber os alunos com deficiência, despreparo esse que vai desde a formação dos
profissionais (formação que não contemplou esse aspecto educacional) até a estrutura
física, que não permite a adequada acessibilidade para portadores de deficiência. Por
outro lado, a escola de educação especial, com um modus operandi adquirido já há vários
anos, sente-se ameaçada diante da possibilidade de tamanha mudança, temendo até o
seu desaparecimento futuro, como se essa construção de conhecimento e de práticas de
nada tivessem valido, pois é vista hoje, por muitos profissionais, como “politicamente
incorreta”.
Não podemos desperdiçar o conhecimento e a experiência de escolas que se
constituíram, por muito tempo, como únicas alternativas de acesso à educação a uma
parcela significativa de crianças, de jovens e de adultos. Critica-se muito a segregação
subjacente a essas instituições, porém, a experiência adquirida não teria a contribuir à
discussão da inclusão? O que o professor da escola de educação especial tem a dizer ao
professor da escola regular? E o que pode fazer para contribuir com essa realidade?
Sabemos que o cotidiano escolar é muito rico em experiências e, por que não
dizer, nos traz vislumbres de mudanças que virão. Portanto, cabe a questão: “Em que
medida conhecer as práticas cotidianas de uma escola de educação especial pode contribuir
para a discussão da inclusão em escolas de ensino regular?”.
Levantamos como hipótese que as relações interpessoais constituem um dos
sustentáculos da superação do tratamento desigual no meio escolar que se pretende
“inclusivo”, e que, especificamente na escola de educação especial, possamos encontrar
pistas extraídas do contexto relacional que possam contribuir às discussões sobre o processo
de inclusão de pessoas com deficiência no sistema regular de ensino.
Os objetivos da pesquisa foram: identificar como se dão as relações
interpessoais entre professores, alunos, equipe administrativa e equipe multidisciplinar

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no cotidiano da escola; detectar se existem e quais são os elementos facilitadores das
inter-relações no processo de inclusão e ensino-aprendizagem de alunos jovens e adultos
com deficiências e identificar quais são as concepções que a equipe docente e
multidisciplinar possui sobre o aluno, sobre a deficiência e sobre o trabalho pedagógico
nessa instituição.
A escolha por educação especial de jovens e adultos veio da constatação dos
poucos estudos na área, e da prioridade que é dada ao público infantil. A abordagem
metodológica utilizada nessa pesquisa foi o estudo de caso do tipo etnográfico, que de
acordo com André (1995) é indicado:

[...] (1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa
determinada instituição, numa pessoa ou num específico programa ou currículo;
(2) quando se deseja compreender profundamente essa instância em particular
em sua complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado
naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados;
(4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos
conceitos sobre um determinado fenômeno; e (5) quando se quer retratar o
dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural.
(p. 51-52).
Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a problemática e sobre
o histórico da deficiência, da educação especial e da inclusão de alunos com deficiência
no sistema regular de ensino. Carl R. Rogers (1997) e a Abordagem Centrada na Pessoa
contribuem para, por meio das condições facilitadoras das relações interpessoais,
elencarmos algumas das categorias de análise da presente pesquisa: Autenticidade,
Aceitação Positiva Incondicional e Compreensão Empática. Durante coleta de dados,
tornou-se relevante o suporte teórico sobre Clima Organizacional Escolar, de Luc Brunet
(1992), professor pesquisador em Ciências da Educação da Universidade de Montreal,
no Canadá, que complementa a visão das categorias anteriores, incluindo outros atributos
organizacionais, como por exemplo, o papel da direção da escola na construção de um
clima organizacional positivo ou negativo.
No total, foram realizadas quatorze observações e cinco entrevistas,
totalizando 41 horas de coleta de dados, entre os meses de abril e dezembro de 2004. Na
primeira fase da pesquisa, as observações ocorreram em ambiente de sala de aula, com
uma turma de alunos e uma professora de escolaridade e, posteriormente, na segunda
fase, decidimos aprofundar o trabalho ampliando as opções de observação (reunião de
professores, intervalo, outros alunos e outras professoras, etc.), incluindo também as
entrevistas com quatro professoras e com a diretora da escola para verificarmos,
principalmente, as concepções que possuíam sobre os alunos, sobre o trabalho pedagógico
e sobre a escola.
Com a discussão sobre diversidade, sobre as desigualdades sociais que se
transformam em desigualdades escolares, surgem alguns estudos nas áreas de currículo e
formação de professores, e um dos autores que ajuda a entender as diferenças na sala de
aula é Philippe Perrenoud, sociólogo suíço. Em seu livro Pedagogia diferenciada: das intenções
à ação, Perrenoud, citado por André (2002), explica que as pedagogias diferenciadas:

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[...] não voltam as costas para o objetivo primordial da escola que é o de tentar
garantir que todos os alunos tenham acesso a uma cultura de base comum. Ao
contrário, diz ele, considerar as diferenças é encontrar situações de aprendizagem
ótimas para cada aluno (...) (apud ANDRÉ, 2002, p. 12)

Sendo assim, ao considerar as diferenças na sala de aula, o professor


transforma-se em orientador desses alunos que são o verdadeiro centro do processo
educativo. Perrenoud afirma que diferenciar o ensino não significa individualizar o ensino,
o que acontece é que o “acompanhamento e os percursos são individualizados”. (ANDRÉ,
2002, p. 20).
Quando ampliamos as diferenças visíveis entre os alunos ou quando são
diferenças significativas, no dizer de Amaral (2002), como no caso dos alunos com
deficiências na rede regular de ensino, ampliamos também os desafios na educação como
um todo.
Lígia Amaral (1995) afirma que a deficiência “jamais passa em brancas
nuvens”. Por mais que haja a intenção da inclusão de todos na escola, independente do
tipo ou grau de deficiência, ela mesma “ameaça, desorganiza, mobiliza”. (p. 12). O que
Amaral argumenta é que nesses momentos ocorre a “hegemonia do emocional”, pois o
diferente “foge ao esperado, ao belo, ao eficiente, ao perfeito.” Esta autora faz uma
ressalva quanto a sua própria experiência de vida, relatos e observações: “essa hegemonia
desorganizadora do emocional [...] cede o passo a uma convivência não atípica [...] depois
de superadas as fases iniciais de impacto e descompensação psíquica”. (AMARAL, 1995,
p. 112)
Outro ponto importante a ser enfocado é a construção social da diferença/
deficiência, que se dá por meio da perpetuação de preconceitos, estereótipos e estigmas.
Os produtos culturais veiculados pelos meios de comunicação de massa são fortes
divulgadores dessas “imagens” preconceituosas, a própria ciência, os profissionais, enfim,
sem uma consciência crítica da situação recorreremos ao moto contínuo da exclusão.
Quando falamos das diferenças em sala de aula, abordamos várias dimensões.
Aqui pretendemos enfatizar a dimensão relacional, a das relações interpessoais, para a
qual a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers (1997), traz suas contribuições com
o enfoque nas três condições que facilitam um clima de crescimento e de aprendizagem:
Autenticidade ou Congruência, Consideração Positiva Incondicional e Compreensão
Empática. Segundo Rogers, a Autenticidade ou Congruência

[...] foi o termo a que recorremos para indicar uma correspondência mais
adequada entre a experiência e a consciência. Pode ainda ser ampliado de modo
a abranger a adequação entre a experiência, a consciência e a comunicação [...].
(ROGERS, 1997, p. 392).

Em outras palavras, podemos dizer que congruência ou autenticidade tem


correlação com a coerência entre o que sentimos, pensamos e comunicamos por meio
das palavras e da expressão corporal. Autenticidade elevada pressupõe baixa defesa
psíquica frente aos fatos e às situações.
Se pensarmos na questão da diferença/deficiência e na constituição de defesas,

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como afirmou Amaral (1995), como a negação da diferença, por exemplo, torna-se difícil
afirmarmos que na relação entre a pessoa sem deficiência e a pessoa com deficiência
exista elevada congruência comunicativa.
Após análise desSes construtos na obra de Rogers, Almeida (1980) propôs
uma síntese da Consideração Positiva Incondicional:

Consideração positiva incondicional é a atitude calorosa de aceitar o outro, como


ele é, no momento, permitindo-lhe a expressão de qualquer sentimento, apreciando-
o, em sua totalidade, sem estabelecer comparações e estimando-o, em sua forma
não possessiva. É o resultado da confiança no organismo humano e, para que
seja eficaz, na relação de ajuda, é necessário que seja percebida pelo outro a
comunicação dessa atitude. (p. 102).

No caso da diferença/deficiência, a consideração positiva incondicional traz


consigo a valorização da pessoa tal qual ela se apresenta, com suas potencialidades e
limitações que lhe são peculiares. Aceitar o outro permite ao outro aceitar a si mesmo, é
uma relação dialética. E, para que a aceitação seja possível, a que se ter a compreensão
do seu mundo interior, por meio da condição de empatia.
Em seu Estudo Teórico do Conceito Compreensão Empática nas Obras de Carl Rogers,
Carvalho (1980) afirma que a compreensão empática é conseqüência da autenticidade:
quanto mais a pessoa estiver aberta à sua própria experiência e menos defensiva, estará
mais predisposta a demonstrar compreensão empática em seus relacionamentos.
Paradoxalmente, só consigo compreender o outro se eu tiver um relativo
afastamento da minha própria realidade. Como posso compreender o diferente? Essa
atitude em colocar-se no lugar do outro para observar o mundo do jeito mais próximo
possível de como ele o observa, é o que faz da compreensão empática uma atitude
fundamental no processo de uma relação de ajuda, seja ela terapêutica ou educacional.
No estudo de caso, pudemos observar que as concepções apresentadas sobre
o trabalho na escola apontaram para um local de trocas significativas, facilitadoras de
crescimento pessoal e profissional e de aprendizado. E para contextualizarmos a análise,
apresentamos a caracterização da escola pesquisada.
A fundação da escola ocorreu em 1976, num município do estado de São
Paulo. É uma instituição confessional, beneficente, sem fins lucrativos, mantida por
instituição religiosa, na forma de uma Associação. Atualmente atende alunos com
deficiência mental e múltipla, de ambos os sexos, a partir dos 15 anos, sem limite superior
de idade. São sessenta e sete alunos matriculados no início do ano de 2004, oferecendo
o Ensino Fundamental de 1a a 4a série, Educação para o Trabalho e Programa de
Atendimento a Jovens Portadores de Autismo.
A equipe multidisciplinar é formada por: diretora, assistente social, psicóloga,
coordenadora pedagógica, fisioterapeuta e neurologista; equipe docente com doze
professores; e equipe administrativa: recepcionista, secretária, inspetora de alunos, pessoal
da cozinha e limpeza, vigia, totalizando 25 funcionários no início de 2004. Destes, 21
são mantidos pela própria Associação, através de convênios com órgãos públicos

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(Ministério da Educação, Secretaria Estadual de Educação, Prefeitura municipal e
Prefeitura municipal vizinha); com a comunidade internacional da instituição religiosa
mantenedora e com empresa de médio porte. Todos os professores fizeram ou estão
fazendo curso de capacitação da APAE, com carga horária de 180 horas.
De acordo com o estudo de caso, foi observada a interação e troca de idéias
entre equipe pedagógica e de funcionários, demonstrando um clima organizacional
acolhedor, inclusive para as dificuldades individuais e coletivas. Isso não significa que
não houvesse problemas na escola, mas que, de alguma forma, havia a abertura para
superações de dificuldades e conflitos. O assumir “não saber” foi visto, principalmente
pela direção da escola, como desafio a ser superado em equipe, quando, por exemplo,
aceitaram iniciar um trabalho com uma jovem com autismo. A equipe teve o apoio para
a formação continuada e encontrou o apoio pedagógico e emocional devido.
Podemos pensar essa questão, e as próximas a serem apontadas, como
possíveis contribuições ao ensino regular no que tange a inclusão.
A construção do clima escolar acolhedor teve uma contribuição importante
por parte da direção da escola, que foi convidada a assumir o cargo num momento em
que a escola estava prestes a ser fechada, em 1998. Pais e funcionários estavam
descontentes e acostumados a atitudes estereotipadas frente à condição da deficiência,
não abrindo espaço para novas atitudes e novas propostas. Aos poucos, a direção modificou
o projeto pedagógico da escola, trabalhando principalmente com os pais, a proposta de
firmar a escolaridade de 1ª a 4ª série para os jovens e adultos que ali se encontravam
(alguns há algumas décadas). Seu propósito era constituir equipe multidisciplinar, renovar
maneiras de atuação com a educação para o trabalho, investir na formação dos professores
(a maioria não tinha formação na área) e, acima de tudo, trabalhar com as crenças
constituídas de pais, professores e dirigentes sobre as potencialidades e as limitações dos
alunos. Em entrevista, ela relata como foi esse momento de transição, afirmando que

“[...]até que metodologicamente, didaticamente, a instituição estava caminhando, mas eles [alunos]
eram tratados como crianças, e agiam como tal, e as famílias também”.

Aqui podemos observar o velho paradigma assistencialista encontrado na


realidade das relações e concepções sobre a pessoa com deficiência: o “incapaz”, tratado
como “criança”, reforçando condições de heteronomia em detrimento da autonomia.
Um ciclo reforçado por escola e família, na dimensão social da deficiência.
Surgem, então, dois aspectos importantes da análise: o papel da diretora e a
alteração importante ocorrida com a sua chegada, modificando, assim, o clima
organizacional escolar.

O conhecimento do clima permite identificar as dimensões que desempenham


um papel fundamental na percepção do ambiente de trabalho e, deste modo,
facilita a planificação dos projectos de intervenção e de inovação. Finalmente, é
importante sublinhar que a eficácia da escola e o sucesso dos alunos são afectados
pelo clima organizacional. (BRUNET, 1992, p. 138).

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Esse clima influencia também a percepção do aluno sobre a escola, que passa
a ser um referencial positivo no seu cotidiano. Portanto, sob este ponto-de-vista, na
implantação da inclusão em escolas regulares, um diagnóstico do clima organizacional
escolar pode ser um instrumento de facilitação para a adoção das ações que visem à
eficácia do processo de mudança.
No contato com experiências bem sucedidas de integração/inclusão de alunos
com deficiência na escola regular, Amaral (2002) aponta para um fator imprescindível: a
“flexibilização da hierarquia rígida de saberes e fazeres”:

[...] hierarquia essa, muitas vezes, apoiada em “especialidades” que se opõem a


diferentes formas de conhecimento da realidade ou, em outras, em degraus
institucionais de caráter funcional – ambos apoios impedindo a livre circulação
de aspetos comuns. (...) desejo apenas enfatizar que ela pode invadir espaços em
que não seria necessária sua cristalização e, sim, seria imprescindível sua flexibilização.
Quantas vezes a observação de uma merendeira, por exemplo, pode ser preciosa
contribuição para a ação pedagógica e vice-versa! (p. 246).

Esse cuidado com o funcionário, com o professor, nas suas dúvidas, angústias,
medos frente ao desconhecido são apontados como uma das marcas de situações escolares
bem sucedidas no que tange à inclusão, como afirma Amaral (2002):

Para “representar” o lado subjetivo da questão, podemos lembrar a importância


de socialização de medos e angústias, de problematização conjunta de mitos e tabus, de criação
coletiva de formas de enfrentamento de resistência de cada um dos agentes envolvidos em
processos de inclusão. (p. 246).

Nesse sentido, as atitudes que Rogers (1997) postula podem ser facilitadoras
nesse processo de escuta da direção e coordenação pedagógica frente às novas vivências
da equipe docente. Na medida em que há esse espaço dentro da escola, cada vez mais as
situações podem ser trabalhadas de maneira mais eficaz, amenizando as barreiras
atitudinais entre todos os atores educacionais envolvidos. Segundo Rogers (1997), as
atitudes facilitadoras podem ser manifestadas de maneira verbal ou não-verbal. Durante
observação constatamos que, durante uma interação, há o olhar atento em direção ao
olhar do outro, um dos sinais de uma escuta ativa. Isso demonstra que há a busca de uma
comunicação efetiva por meio da aceitação positiva e da empatia, embora exista a
dificuldade de comunicação com alguns alunos, como afirma uma das professoras:

“[...] às vezes eu tenho medo de não entender o que o aluno tá falando, de não
compreender o que ele tá falando, então, eu me preocupo um pouco. Eu acho...
pra mim é uma dificuldade, às vezes de não compreender o que o aluno está
querendo dizer no momento”. (profa L.)

Como estratégia de superação dessa e de outras dificuldades, as professoras


apontam o papel do grupo (equipe docente e multidisciplinar, coordenadora e diretora)
como suporte de trocas de experiências e de sentimentos gerados pelos desafios dessas

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 90


relações. Esse fato pode ser claramente observado no relato de uma das professoras:

“[...] e até os colegas, porque a gente trabalhando em equipe, eu acho assim que é
muito legal para que um ajude o outro, sabe, um tem alguma dificuldade, questiona
para o outro, pergunta”. (Profa. M.C.)

Durante os intervalos entre as aulas, em encontros formais e informais, ficou


claro o interesse dos professores em trocar experiências e sanar dúvidas a respeito de
alguns alunos, transcendendo a prática convencional do trabalho apenas no horário de
aula. A professora E. ilustra esse fato no seu relato:

“Eu sempre pedi ajuda, o que eu preciso... ó, tem gente que acha que tem tudo.
Não!!! A gente sempre precisa de todo mundo!”.

Em diversos momentos, presenciei conversas entre as professoras na sala


dos professores, nos corredores e mesmo dentro de sala de aula, trocando informações,
idéias de atividades, materiais pedagógicos confeccionados por elas mesmas. Tudo indica
que há um bom nível de relacionamento entre professoras, o que influencia na manutenção
do clima institucional acolhedor, já explicitado. A professora S. ilustra ainda mais essa
constatação:

“Quando a gente tem alguma dificuldade, você já coloca para a equipe, para os amigos, então a
dificuldade é logo superada”.

Essas atitudes demonstram um bom nível de confiança na equipe educacional.


Se considerarmos que o espaço escolar é também um espaço privilegiado para o
aprendizado do professor na sua formação continuada, há, nesse caso, a abertura para
que se admita o “não-saber” necessário à busca pelo conhecimento e troca efetiva com o
outro. A equipe torna-se um apoio, um suporte na formação do professor, incluindo aí,
sua “formação emocional”.
Ao analisar a forma como as professoras se referem aos alunos, incorporando-
os à própria família, podemos interpretá-las de duas maneiras distintas: como uma postura
paternalista, assistencialista de atenção à pessoa com deficiência, ou de outra forma,
como sinal de consideração positiva, proximidade do aluno, numa alusão à intimidade
com o outro.
Podemos retomar aqui o que Amaral (2002) aponta como barreiras atitudinais
frente à condição de diferença/deficiência: o ciclo estereótipos/preconceito/atitudes e
estigma. E como existe esse movimento de contradição também nas relações escolares,
há a contradição em relação às concepções sobre seu público-alvo. Segundo Amaral
(2002), essas concepções surgem de uma construção histórica, e para sua superação
devemos recorrer aos:

[...] fóruns coletivos [para que possamos] dar sustentação e amparo a dificuldades
individuais, oriundas não de incompetências ou insensibilidades, mas de uma
longa história de discriminação e segregação que impediu quase todos nós de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 91


estarmos frente a frente, em pé de igualdade”, com o significativamente diferente
e, portanto, alimentando o mal-estar e o estranhamento que essa não-conversa
suscita. (p. 246).

Esse aspecto apontado pelas professoras nos remete a um dos desafios da


educação da pessoa com deficiência mental: lidar com as limitações cognitivas, quando
há uma supervalorização do ensino regular justamente nesse aspecto. Provavelmente, a
formação escolar que as próprias professoras tiveram lhes mostrou isso, formando-se
então um referencial do que seja “ensinar” e do que seja aprender. Romper com essa
estrutura de saber estereotipada não é tarefa das mais fáceis. Segundo Amaral, “não há
lugar para surpresas num mundo pleno de estereotipia e, portanto, não há lugar para desafios”.
(2002, p. 237).
Questões de ordem administrativa e de recursos materiais aparecem na escola
de cunho filantrópico, como dificuldades para a concretização do projeto pedagógico em
sua completude.
Novamente, podemos observar a importância do fórum coletivo na escola
para a resolução de problemas, de enfrentamento de desafios, de incentivo à formação
docente em serviço, do apoio à equipe educacional. Segundo Amaral (2002), a inclusão
como:

A proposta de participação ativa das pessoas significativamente diferentes na


vida social – e, obviamente, aí se insere o contexto educacional -, iniciada há
décadas, deve ancorar-se, cada vez mais, em processos coletivos de construção.
(p. 247).

Fica evidente a valorização do aspecto humanista na esfera das concepções


das educadoras sobre o trabalho pedagógico nessa escola. A “pedagogia relacional”
apontada pela diretora como essência do projeto pedagógico, implantado a partir de 1998,
parece estar construindo também um clima organizacional facilitador das atitudes
apresentadas por todos os atores educacionais.
Reforçando os aspectos citados por Brunet (1992), algumas professoras,
quando questionadas sobre o que as levou a trabalhar e a permanecer nessa escola, relatam
suas percepções que indicam aspectos do clima organizacional:

“[...] a gente vê que aqui é um ambiente onde todo mundo se respeita. Então a gente aqui, a gente
vê que, a gente respeita muito, desde a merendeira, da tia do portão, sabe, a gente chama... como
educadoras, porque elas tão em contato com todos os alunos”. (Professora M. C.)

“Aqui é assim, desde bolo a curso, tudo se passa. E as alegrias também são divididas e as
tristezas também, a gente é bem unido, é uma família, porque são quase trinta funcionários, é
assistente social, coordenadora, direção, fisio, é... a equipe inteira, toda trabalha junto e o resultado
é esse, positivo”. (Professora E.)
Assim, podemos perceber que no clima organizacional da escola em questão
predomina a cooperação entre seus membros, em contraposição à competição,
caracterizando um clima organizacional do tipo aberto, descrito como “um meio de trabalho

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 92


participativo, no qual o indivíduo tem um reconhecimento próprio, no quadro de uma estratégia de
desenvolvimento do seu potencial.” (BRUNET, 1992, p. 130).
A trajetória dessa pesquisa trouxe a possibilidade de identificação de algumas
marcas que a escola apresentada nos ofereceu como caminhos possíveis para o processo
de inclusão de alunos com deficiência em escolas regulares. Obviamente, cada escola
possui suas características que lhes são peculiares, mas alguns aspectos estudados parecem
fornecer pistas de atitudes que possam facilitar a inclusão nos seus aspectos relacionais
e, num âmbito maior, na sua interface com o clima organizacional escolar.
De acordo com os relatos recorrentes dos sujeitos entrevistados, a proposta
pedagógica da direção atual da escola ocasionou uma ruptura com um estilo de gestão e,
mais ainda, com concepções de pais, professores, equipe e alunos sobre as possibilidades
de mudança e superação de uma situação na qual a escola se encontrava há algum tempo.
O papel da direção da escola evidenciou-se como fundamental na construção do clima
organizacional da escola atualmente.
Saber lidar com o “não saber” também foi uma marca evidenciada na situação
que a escola vivenciou ao lidar com uma aluna diferente do público atendido na ocasião.
Situação muito próxima do que a escola regular possa estar passando. A formação em
serviço entra aqui como fio condutor das mudanças que se seguiram, além do apoio ao
professor, na socialização de seus medos, dúvidas e angústias. Atitudes de partilha de
sentimentos entre equipe docente, direção e coordenação foram apontadas como suporte
para a inovação do trabalho pedagógico.
As concepções que os sujeitos da pesquisa apresentam sobre o trabalho nessa
escola apontam para um local de trocas significativas, facilitador de crescimento pessoal
e profissional e de aprendizado.
Ampliando os horizontes para outros possíveis locais de inclusão, podemos
observar que o clima organizacional criado pode ser um elemento facilitador ou não do
processo de implantação de novas propostas, como a da inclusão. Portanto, relevante se
torna o estudo de outra esfera: a das relações interpessoais entre os atores educacionais,
e não só com o aluno com deficiência.
Se a escola se apresenta como um local que fornecerá o apoio necessário ao
professor e a equipe nesse processo de mudança, as pessoas envolvidas sentirão o
acolhimento necessário para arriscar-se na inovação que a inclusão exige. É no fórum
coletivo de construção que as possibilidades se apresentam como possíveis de serem
concretizadas. Assim, cada membro da equipe de atores educacionais tem a possibilidade
de conscientizar-se que, “somos elos de uma só corrente”3.

Notas
1
Professora Livre Docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

2
Mestre em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

3
Frase pronunciada pela diretora da escola durante entrevista.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 93


Referências Bibliográficas

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(Dissertação de Mestrado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia
da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1980.

AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência: em companhia de Hércules. São Paulo: Robe


Editorial, 1995.

AMARAL, L. A. Diferenças, estigma e preconceito: o desafio da inclusão. In: SOUZA,


D. T.; OLIVEIRA, M. K. & REGO, T. C. (Orgs.) Psicologia, educação e as temáticas da vida
contemporânea. São Paulo: Editora Moderna, 2002.

ANDRÉ, M. E. D. A. (Org.). Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.

ANDRÉ, M. E. D. A. (Org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. 4. ed. Campinas,


SP: Papirus, 2002.

BRUNET, L. Clima de trabalho e eficácia da escola. In: NÓVOA, A. (Coord.) As


organizações escolares em análise. 12. ed. Coleção Temas de Educação. Publicações Dom
Quixote. Instituto de Inovação Educacional. Lisboa, 1992.

CARVALHO, A. M. Q. B. Um estudo teórico do conceito compreensão empática nas obras de Carl


R. Rogers. (Dissertação de Mestrado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1980.

ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 94


O GRUPO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: MÚLTIPLOS OLHARES
SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO ESCOLAR

Daniella Côrtes Pereira Borges1


Mariangela Lima de Almeida2

Introdução

Desde 2004 temos assumido o desafio de pensar a educação em seu nível


macro, atuando na Secretaria Municipal de Educação junto ao Núcleo de Educação
Especial. Gradativamente temos disparado movimentos de mudança, tomando dois
princípios como alicerces de nossos trabalhos: a colaboração e a formação continuada.
Temos, assim, buscado ressignificar tanto o papel dos professores de educação especial
na escola regular como nossa própria atuação junto às unidades de ensino, na tentativa
de estabelecermos redes de colaboração na construção de práticas pedagógicas que
atendam as diferenças dos alunos matriculados no Sistema de Ensino.
O foco tem se direcionado à formação continuada dos professores, organizada
em diferentes momentos: discussões e estudos nas próprias unidades de ensino; palestras
em momentos de formação continuada organizados por outras equipes da Secretaria e
seminários, grupos de estudo/reflexão com profissionais de doze unidades de ensino.
Temos como pressuposto instigar os profissionais a serem pesquisadores de
suas próprias práticas, capazes de analisá-las e (re)criá-las. Ao mesmo tempo, por estarmos
construindo políticas públicas de formação de professores, a pesquisa possibilita-nos
avaliar e acompanhar sistematicamente nossas intervenções. Tomamos como princípio
que “[...] o aprimoramento das políticas públicas no campo social depende de que elas
sejam submetidas a acompanhamento e avaliação sistemáticos [...]”. (PRIETO, 2002, p.
57). Pensando a construção de momentos de formação continuada a partir do estudo, da
ação e da reflexão crítico-colaborativa sobre as possibilidades do trabalho educativo
com alunos que apresentam NEE, como coordenadoras do processo de formação
continuada/2005, propusemo-nos, desde o início, a configurar nossos propósitos e ações
em um processo de pesquisa de nossa própria prática, tomando por referência a perspectiva
teórico-epistemológica da pesquisa-ação colaborativo-crítica. Nesse sentido, buscamos
em Carr & Kemmis (1988) inspiração para nosso intento, a partir da pesquisa-ação crítica
inspirada na teoria crítica, principalmente no pensamento de Habermas, na qual
destacamos:

[...] seu método é o diálogo, e sua intenção é de elevar a autoconsciência dos


sujeitos enquanto potencial coletivo como agentes ativos na história [...] permitindo
intervir e transformar os processos educacionais e sociais (COMSTOCK, 1982,
apud CARR & KEMMIS, 1988, p. 169, tradução livre).

Neste artigo, temos como objetivo partilhar com os leitores algumas reflexões
que emergem do processo de formação realizado no ano de 2005, organizado pelo Núcleo
de Educação Especial do município de Vila Velha, junto a 12 (doze) Unidades de Ensino

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Fundamental e de Educação Infantil. Para esta discussão, enfocaremos as vozes dos
profissionais participantes na primeira fase do processo de formação, destacando as
concepções acerca do conhecimento e da formação docente, bem como a necessidade
de instituirmos uma formação continuada a partir da reflexão e do diálogo crítico.

Construindo a prática pedagógica inclusiva pela via da formação continuada: a


proposta de formação continuada

Dos objetivos

O projeto que deu origem ao processo de formação continuada, sob o título


“Construindo a prática pedagógica inclusiva pela via da formação continuada”, objetivou “[...]
trabalhar o conhecimento científico com vistas ao aprimoramento da prática pedagógica
das escolas a partir da construção coletiva de seus profissionais tendo como objetivo a
concretização da escola inclusiva”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE
VILA VELHA-SEMECE, 2005, p. 02).
Como objetivos específicos, buscamos:

a) Promover o aprimoramento do conhecimento e a reflexão sobre a educação especial


e a temática da inclusão educacional;
b) Refletir, juntamente com professores das turmas regulares, professores de educação
especial e pedagogos, a diversidade e especificidades dos alunos a partir de propostas
teórico-práticas inclusivas;
c) Construir em conjunto com os profissionais das escolas estratégias de intervenção
que vise atender a diversidade do cotidiano escolar e propiciar a construção do
conhecimento científico tendo como premissa a pesquisa da prática docente e o
trabalho coletivo na escola.

Sendo assim, a proposta municipal acredita que as mudanças significativas


nas práticas convencionais de ensino ocorrerão a partir do momento em que o sistema de
ensino se propuser a pensar a formação continuada dos educadores. Nesse sentido, apoiado
em Ainscow (1997 apud SEMECE, 2005), o texto do projeto revela que

Se queremos que a formação de professores tenha um impacto significativo


sobre seu pensamento e a sua prática, ela tem de estar intimamente ligada ao
aperfeiçoamento da escola [...] isso implica mudanças no local de trabalho e na
forma como se organiza a formação do pessoal nas escolas. (p. 3).

Do percurso metodológico

O grupo de estudo foi constituído por profissionais de doze Unidades de


Ensino Fundamental e pelos profissionais da educação especial (professores e assessores)
do Sistema Municipal de Ensino. Cada Unidade de Ensino foi representada por um grupo
de, no mínimo, quatro profissionais, composto por um pedagogo, dois professores de

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classe comum e o professor de educação especial. Assim, iniciamos o processo de formação
com noventa e dois profissionais e finalizamos com sessenta e cinco.
A primeira fase do processo de formação continuada configurou-se em
momentos de estudo e reflexão à luz de referenciais teórico-específicos, em que os
profissionais traziam às discussões a problemática vivenciada por eles no cotidiano da
escola. Esses momentos aconteciam quinzenalmente no período noturno. Assim, os
encontros, com duração de três horas e meia, eram realizados no auditório do Centro de
Capacitação e Aperfeiçoamento Profissional (TITANIC), localizado no Centro de Vila
Velha. As temáticas abordadas durante a primeira fase foram as seguintes:

Tabela 01: Temáticas desenvolvidas em processo de formação continuada/2005

18.04 Apresentação da proposta / Valores sociais e perspectivas – o tratamento dado à pessoa


com deficiência ao longo da história/Inclusão

02.05 Diferença significativa e deficiência: reconstruindo o conceito de diversidade

16.05 Diferentes concepções de inclusão educacional no Brasil e no mundo / Políticas públicas


de educação voltadas para inclusão educacional.

30.05 Princípios da escola inclusiva / Currículo inclusivo: a importância do planejamento


sistematizado na ressignificação do processo de ensino-aprendizagem.

06.06 Avaliação investigativa e formativa

20.06 Práticas pedagógicas inclusivas: ensino em multiníveis e projeto educativo.

04.07 Adaptações curriculares /Fechamento da primeira fase e encaminhamentos.

Fonte: Núcleo de Educação Especial – SEMECE

Cumpre ressaltar que as temáticas foram definidas a partir da observação


das demandas trazidas pelos professores ao Núcleo de Educação Especial. Além disso,
partimos das lacunas discutidas na literatura quanto à formação de professores numa
perspectiva da inclusão escolar. Assumimos, assim, uma concepção de trabalhar a diferença
dos sujeitos, trazendo à tona a singularidade da deficiência, sem, no entanto, limitar-se a
ela, pois acreditamos que, embora a diferença significativa (AMARAL, 1998) apresente-
se em suas especificidades, a grande dificuldade que encontramos nas práticas sociais e,
por conseqüência, nas práticas escolares, dizem respeito a uma concepção
homogeneizadora e normalizadora do sujeito.
A segunda fase ocorreu de julho a outubro/2005, foi marcada pela
continuidade dos encontros quinzenais, já com outra perspectiva: a constituição de grupos
de estudos que buscassem pensar novas/outras práticas pedagógicas para seus cotidianos
escolares. Sendo assim, além dos encontros do grupo, houve um acompanhamento dos
projetos elaborados pelos profissionais nas suas escolas de origem. Tal acompanhamento
se deu através de visitas sistemáticas às escolas pelos assessores do Núcleo de Educação
Especial3, responsáveis por orientar as instituições de ensino na realização do trabalho
pedagógico diferenciado. Essas orientações, geralmente, foram realizadas em momentos
de planejamento coletivo, nos quais as intervenções foram estudadas, conjuntamente

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 97


elaboradas e discutidas com grande parte dos profissionais da escola.

Tabela 02: Temáticas desenvolvidas na 2ª fase do processo de formação continuada/2005

10.08 Projeto educativo: relato de uma experiência.

29.08 Ensino em multiníveis.

05.09 Pedagogia diferenciada:extratos de uma prática voltada para a diversidade.

19.09 Pensando e construindo projetos educativos e projetos em multiníveis

03.10 Ressignificando a avaliação.

17.10 Orientação aos grupos para orientação de trabalhos.

31.10 Orientação aos grupos para orientação de trabalhos.

Fonte: Núcleo de Educação Especial – SEMECE (2005)

A última fase do processo de formação continuada proposto pelo Sistema


Municipal de Ensino no ano de 2005 aconteceu nos dias 16 e 17 de novembro/2005,
com a realização do I Seminário de educação inclusiva: a prática pedagógica voltada para a diversidade.
Neste evento, as escolas e os profissionais que participaram do processo anual de formação
docente, apresentaram os trabalhos desenvolvidos em suas escolas em conjunto com os
profissionais do Núcleo de Educação Especial. As discussões foram disparadas através
da apresentação, em formato de comunicação oral e pôsteres. Além disso, convidamos
dois pesquisadores da área que promoveram palestras sobre a prática pedagógica numa
perspectiva inclusiva. Tivemos, neste seminário, a participação de aproximadamente 500
(quinhentos) profissionais da educação do sistema, além de convidados de outros sistemas
da região metropolitana da Grande Vitória.
Nesse contexto, para este artigo, tomamos os dados registrados em diário de
campo e nos questionários de avaliação dos encontros da primeira fase do processo de
formação, acontecidos no período de março a julho/2005. Emerge dos dados as vozes
dos docentes sobre suas expectativas quanto ao processo de formação. Nesse sentido,
organizamos nossa discussão em dois momentos: as concepções sobre o conhecimento e
a formação docente e o processo de formação continuada pautado na instituição do
diálogo crítico.

O estudo e análise da prática docente: a contribuição da formação continuada

Prática docente: “receitas bem sucedidas” ou estudo teórico de estratégias


didáticas de ensino?
Na busca pelo aprimoramento profissional que garanta as possibilidades de
inclusão educacional dos alunos, as falas dos professores apontam seus anseios em se
apropriar de um conhecimento que garanta a “solução”, senão de todos, de grande parte

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 98


dos problemas que estes enfrentam em suas salas de aula no que concerne às questões
dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Este princípio norteia a fala dos docentes que expressam a esperança de que
a socialização de práticas docentes bem sucedidas apontará caminhos mais fecundos na
busca pela eficácia do ensino produzido em sala de aula.
Dessa forma, procuramos analisar as concepções que repousam as falas dos
docentes, tão presentes nos momentos de registro de avaliação dos encontros noturnos,
a respeito das práticas de ensino. Assim, alguns professores nos dizem da busca por
práticas e técnicas de um ensino especializado:

Sendo esse um curso de formação continuada, estou sentindo falta de um direcionamento à


praticidade do ensino especial através de textos que ajudem-nos a trabalhar com o
nosso aluno especial com atividades práticas”. (PROFESSORA JOSEFINA4). [grifo
nosso].

As expectativas das professoras nos levam a questionar sobre como os


professores concebem as dimensões da prática educativa, uma vez que se espera da
teoria “receitas”, técnicas de como lidar com os alunos. Percebemos que suas demandas
formativas encontram-se atravessadas por um conceito de ciência, conhecimento
científico, técnicas e procedimentos legitimados por um status científico que garante a
“eficácia” do ato educativo. Essa concepção, fortemente assentada sob os pilares de uma
ação racional teleológica (HABERMAS, 1968), apresenta-se, diante do processo
educacional, sob bases atenuantes, frágeis e pouco solidificadas diante da multiplicidade
de fatores que caracterizam a aprendizagem das pessoas.
O discurso hegemônico, priorizado, privilegiado e fundamentado sob a
perspectiva de uma racionalidade técnica de instrumentalização do trabalho docente,
bastante presente na tendência dos modelos técnicos de formação tem sido veiculado,
em nossa sociedade capitalista, como alternativa aos problemas educacionais enfrentados
pelos sistemas de ensino em todo país principalmente diante da tentativa de
democratização do ensino vivenciada no Brasil na década de 1980. Observamos que a
adesão por uma perspectiva de formação privilegiadamente técnica caracteriza o universo
pedagógico de certa “debilidade”. Concordamos com Habermas (1968) que, “[...] enquanto
universo de meios, a técnica pode tanto debilitar como aumentar o poder do homem. No
estágio presente o homem é talvez mais impotente do que nunca perante seu próprio
aparelho”. (p. 54). Contraponto a esta concepção, uma grande produção teórica tem se
dedicado ao estudo da prática docente vinculada a pesquisa educacional. (PEREIRA &
ZEICHNER, 2002).
Assim, longe de ser considerado um emaranhado de técnicas e procedimentos
prontos para serem postos em prática, os conhecimentos do professor a respeito dos seus
fazeres diários devem-se pautar na pesquisa de suas práticas contextualizadas, dos quais
podem emergir critérios e apontamentos para a ação consciente, politizada e carregada
de um significado próprio. Tais características evidenciam que é necessário ao professor
estabelecer um vínculo entre questões teóricas, críticas, criativas e contextuais e sua
ações diárias. Inseridos no contexto dessa problemática, a produção acadêmica vem
dirigindo seus esforços no intuito de gerar pressupostos de formação docente

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 99


fundamentados sob os princípios de uma epistemologia da prática baseada na pesquisa
do fazer docente. Desta forma, a perspectiva de formação do professor pesquisador
fundamenta-se “[...] na dimensão política e epistemológica que propõe a ressignificação
do papel do professor e da escola e a emergência da reinvenção de formas de poderes e
saberes”. (VENTORIM, 2006, p. 116).

O processo de formação continuada pautado na instituição do diálogo crítico

As discussões do grupo a respeito das práticas pedagógicas assinalaram,


também, a possibilidade de refletir sobre o fazer docente. Reflexão esta capaz de descobrir,
discutir, criar, desvendar, construir e reconstruir, através dos processos de formação
continuada, estratégias didáticas que pudessem facilitar a dinâmica do processo de ensino
dos alunos com necessidades educacionais especiais. Isso ficou claro nas falas dos
docentes:

“O processo de formação continuada enriquece minha prática educacional, fazendo-me refletir a


postura ‘correta’ do professor”. (PROFESSORA LUANA).

Diante das considerações dos docentes acerca dos benefícios trazidos pela
formação continuada, somados a reflexão da prática pedagógica, na análise dos dados
aparece de forma bastante dinâmica e pontual alguns pontos que merecem nossa
consideração devida, considerando-se sua grande relevância no processo educacional de
alunos com necessidades educacionais especiais. Nesse sentido, os docentes apontam
ser também o processo de formação continuada responsável por:

a) Desencadear a valorização de planejamento diferenciado ao atendimento das


necessidades específicas.

“Nas minhas práticas diárias tenho a preocupação de trabalhar com atividades diversificadas e
uma atenção especial, quando possível, aos alunos que necessitam de um apoio especial”.
(PROFESSORA LAURA).

b) Identificar as potencialidades dos alunos com necessidades educacionais especiais.

“A formação continuada tem feito diferença, pois os conhecimentos adquiridos ajudam a


complementar a nossa prática e ainda pensar e repensar que nossos alunos possuem várias
habilidades / potencialidades que devemos descobrir além daquelas vislumbradas pela escola”.
(PROFESSORA DANUBIA).

c) Promover a discussão sobre o conhecimento a respeito do fazer docente no contexto


escolar.

“O processo de formação continuada [...] me trouxe maior segurança quando reúno os professores

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 100


para discutir assuntos relacionados com nossos alunos, inclusive os especiais. Os professores que
não tiveram a oportunidade de participar do curso se beneficiaram de informações obtidas no
planejamento de aulas, passadas de uma forma segura por mim”. (PEDAGOGA
MARIANA).

d) Considerar a complexidade dos contextos.

“Esse processo tem sido importante porque na complexidade que nós educadores vivenciamos,
enfrentamos uma realidade de falta de tempo para reflexão de nossa prática pedagógica [...] A
realidade nas escolas onde estou atuando este ano, apresenta desafios, surpresas, que se tornam
importantes [...] somos nós, esses profissionais, que poderemos fazer a diferença de forma positiva,
favorecendo oportunidades de trocas de experiências, ajudando aos demais professores que ainda
não conseguem e muitas vezes não querem aceitar o processo de inclusão na sua realidade escolar”.
(PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL JANAÍNA).

Esses foram os pontos mais presentes nas falas dos docentes no registro final
de avaliação de um dos encontros noturnos da primeira fase da formação. Percebemos
que o movimento presente em suas formulações, a respeito da reflexão alcançada pela
via dos processos de formação continuada, contribui para o aprimoramento das práticas.
Dessa forma, a análise das falas dos professores traz à tona emergência da
comunicabilidade ou da instauração do diálogo (FREIRE, 2005b) nos contextos escolares.
Esses princípios fazem-se presentes nas falas dos docentes que acreditam encontrar na
discussão coletiva e politizada das demandas escolares uma possibilidade fecunda de
ampliação dos conceitos, visualizando assim melhores horizontes de enfrentamento da
problemática educacional. Assim suas falas refletem:

“Todas as problemáticas que envolvem práticas educativas quando discutidas em grupo,


proporcionam visões diferentes e soluções diversas das que enfrentamos no dia a dia da escola. Com
certeza os textos estudados, as discussões em grupo, o apontar de caminhos colaboram sobremaneira
para a melhoria de nossa práxis. Tudo isso se reflete na sala de aula, tornando o aluno o maior
beneficiado com nossos estudos de formação”. (PROFESSORA CASSIANA).

A fala da professora perpassa um eixo fundamental de discussão da nossa


problemática: a questão da necessária comunicação que se faz presente a todo o momento
nas dinâmicas que envolvem os mais diversos contextos educacionais. Comunicação
esta capaz de instaurar dinâmicas próprias de intervenção coletiva. Quando orientados
sob os princípios de uma ação comunicativa que objetive a problematização das questões
vivenciadas, buscando alternativas possíveis de resolução através de uma ação pensada
e executada coletivamente, as respostas aos problemas educacionais surgem orientadas
sob a perspectiva de entendimento mútuo, pautado sob os princípios filosóficos de

[...] uma educação que esteja [...] adaptada ao fim que se persegue: permitir ao
homem chegar a ser sujeito, constituir-se como pessoa, transformar o mundo,
estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a
história [...]. (FREIRE, 2005a, p. 45).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 101


É nesse contexto que localizamos os modelos críticos de formação docente.
É calcada em uma perspectiva crítica de atuação que a formação trará sua contribuição
significativa ao contexto educacional brasileiro. Nessa perspectiva, as ações formativas
de cunho estratégico/técnico enquanto forças de imobilização e de fixação não
reconhecem os homens como seres históricos. Por outro lado, as ações de cunho
comunicativo unindo “[...] teoria e prática críticas tomam como ponto de partida a
historicidade do homem”. (FREIRE, 2005a, p. 94-95). Desse modo, a educação é
continuamente refeita pela práxis. Nesse contexto, as discussões do grupo, nos propiciaram
considerar que a formação continuada dos profissionais da escola influencia diretamente
a prática pedagógica no contexto educativo, pois, à medida que eles obtêm maior
fundamentação passam a sentir-se mais seguros em seu trabalho, vendo possibilidades e
formas de superação das dificuldades.Essa perspectiva formativa, baseada na produção
de Freire & Shor (1986), considera a tríade ensino, pesquisa, produção de conhecimento
como um forte aliado na construção de práticas mais fecundas imbuídas de uma vertente
crítica e emancipadora. Assim, o próprio ensino passa a ser alvo da pesquisa feita pelo
professor e as relações estabelecidas com seus alunos, a partir dessas análises, geram
conhecimento sistematizado sobre seu fazer diário. A riqueza dessa produção está na
concepção que emerge da escola. Nesse movimento, essa instituição deixa de consumir a
pesquisa feita por outros, externos a seu contexto, e propõe a construção de um saber
compartilhado entre profissionais de ensino e pesquisadores externos. Essa atuação
conjunta favorece a construção de um conhecimento. Assim, os professores se vêem
conhecendo novamente aquilo que um dia pensaram que conheciam. (FREIRE & SHOR,
1986).

Notas
1
Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha/ES e Universidade Federal do Espírito Santo – Programa de
Pós-Graduação em Educação.

2
Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha/ES e Universidade Federal do Espírito Santo – Centro de
Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação.

3
A assessoria em educação especial constitui-se numa das propostas de políticas públicas do município de
Vila Velha, que tem por objetivo realizar avaliações pedagógicas e encaminhamentos dos alunos com NEE
pertencentes ao quadro de escolas da Rede; orientar e intervir junto aos profissionais das Unidades de
Ensino buscando estabelecer processos de formação continuada no contexto escolar, bem como, contribuir
na construção de práticas pedagógicas que atendam as diferenças dos alunos.

4
Todos os nomes são fictícios.

Referências bibliográficas

AMARAL, L. A. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos


e sua superação. In: AQUINO, J. G. (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas
teóricas e práticas. 2. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1998. p. 11-30.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 102


CARR, W. & KEMMIS, S. Teoría crítica de la enseñanza: la investigación-acción en la
formación del profesorado. Tradução: Martinez Roca Bravo. Barcelona: Editora, 1988.

FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento


de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2005a.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005b.

FREIRE, P. & SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
terra, 1986.

HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1968.

PEREIRA, J. E. D. & ZEICHNER, K. A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo


Horizonte: Autêntica, 2002.

PRIETO, R. G. A construção de políticas públicas de educação para todos. In:


PALHARES, M. S. & MARINS, S. (Org.). Escola inclusiva. São Carlos: EdUFSCar, 2002.
p. 45-60.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Núcleo de educação especial. Construindo


a prática pedagógica diferenciada pela via da formação continuada. Vila Velha, 2005.

VENTORIM, S. Formação de professores com, na e para a educação inclusiva. In: X


Seminário Capixaba de Educação Inclusiva, Vitória. Anais... UFES, v. 1, p. 113-121, 2006.

VILA VELHA. Secretaria Municipal de Educação. Projeto de Implantação Centro de Referencia


ao Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE), 2001.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 103


AVALIAÇÃO DAS POSSIBILIDADES DO ENSINO COLABORATIVO
NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DO ALUNO COM
DEFICIÊNCIA MENTAL

Vera Lúcia Messias Fialho Capellini1


Enicéia Gonçalves Mendes2

Introdução

A literatura estrangeira vem apontando que a colaboração entre professores


da Educação Comum e Especial tem possibilitado uma reflexão da prática pedagógica e
ampliando as possibilidades de melhor atender alunos com deficiência na classe comum,
além de possibilitar um desenvolvimento profissional centrado na própria escola. Desta
forma, este estudo – parte de minha pesquisa de doutorado – foi proposto com os objetivos
de implementar o ensino colaborativo entre o professor especialista e o professor do
ensino comum em escolas de Ensino Fundamental que tenham alunos com deficiência
mental, e de avaliar as conseqüências desse processo no desenvolvimento profissional.
No início do século XX, já era evidente que as escolas não poderiam continuar
convivendo com relações pedagógicas tão autoritárias como as até então existentes,
herdadas de modelos pedagógicos absolutamente ultrapassados. Todavia, iniciamos o
século XXI com as pesquisas apontando de maneira contundente a baixa qualidade
educacional ofertada por esse sistema de ensino.
Mesmo havendo uma democratização do acesso à escola da maioria das
crianças, as que conseguem ingressar no sistema têm de enfrentar sérios desafios para
garantir sua permanência, em decorrência de fatores intra e extra-escolares. Esses fatores
tornam-se objetos de estudo de vários pesquisadores. (ZEICHNER, 1993; PIMENTA,
1999).
Evoluímos nas concepções teóricas, mas parece que na prática a escola
tradicional não foi desmontada, as novas concepções não foram apropriadas efetivamente
na formação de novos professores. Mudam-se os nomes das propostas, mas não o fazer.
É consenso, na literatura, a necessidade de renovação do pensamento científico
e das práticas institucionais acerca da formação de professores. Repensar a formação
inicial e contínua a partir da análise das práticas pedagógicas e docentes tem se revelado
como uma das demandas importantes dos anos 1990. (ZEICHNER, 1993; PIMENTA,
1999; MIZUKAMI et al, 2002).
Giovanni (2000) afirma que, embora o processo de reflexão e discussão sobre
a prática não seja suficiente para se obterem mudanças, ele é indispensável para outras
condições, sem as quais as mudanças não se operam e não se mantêm, como perceber a
mudança como uma necessidade individual e coletiva, iniciar o exercício de observar e
estudar a própria ação (discutindo e analisando seus próprios dados com o grupo), estudar
alternativas de ação, experimentá-las e avaliá-las, individual e coletivamente.
Uma das maiores preocupações dos professores nos últimos anos tem sido
como ensinar alunos com necessidades educacionais em suas turmas comuns, uma vez

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 104


que isso requer reformulação nas práticas pedagógicas tradicionais. Por ser uma nova
forma de conceber a educação de pessoas com deficiência, tem implicações para com a
formação de todos os profissionais que atuam no ensino. A Educação Inclusiva poderá
provocar, principalmente, dois tipos de reação dos professores: a primeira é a de recusar
tais alunos em suas salas, podendo tal recusa ser explícita ou velada. A segunda e, talvez,
a mais difícil, seria aceitar e buscar melhores práticas.
Geralmente, os professores do Ensino Comum declaram que não foram
preparados para lidar com alunos com necessidades educacionais especiais e que não são
pagos para trabalhar com educação especial. Reclamam de turmas superlotadas, que não
comportam horários flexíveis, atendimento individual, adaptações curriculares, métodos
específicos e outras demandas; mais que isso: muitos não acreditam na sua própria
capacidade de mudar esse quadro. (JESUS, 2003). Para esses professores, a presença de
alunos com deficiência cria um campo de tensões e desestabiliza o coletivo da escola.
(CARVALHO, 2003). Entretanto, o que acontece, na verdade, é que tais professores
foram formados para trabalhar com a homogeneidade, com o aluno “ideal”, mas bem
sabemos que tal aluno não existe.
Essas concepções se estendem para a maioria dos sistemas de ensino. Ainscow,
Porter & Wang (1997) afirmam que é essencial desenvolver programas de formação para
professores, para que eles possam melhor responder às diversidades educacionais de
seus alunos. Uma formação sólida, que proporcione ao professor consciência crítica para
auto-regular sua atividade ao ministrar as aulas e avaliar os alunos e planejar seu trabalho.
Nesta perspectiva, Pimenta (1999) argumenta que o professor, sozinho, não
consegue refletir a sua prática docente, sendo necessária uma discussão em grupo e de
maneira colaborativa. Depreende-se daí, que o processo de formação do profissional
deve ser em ambiente escolar e coletivo, envolvendo todos os participantes do processo.
A hipótese apresentada no trabalho é a de que, ao auxiliar o professor a
entender melhor as dificuldades de ensino, não estaria só participando e levando inovações,
mas contribuindo para a (re)construção de saberes escolares com os mesmos, além de
sensibilizar o professor para a necessidade de sua formação permanente.
Entre as formas de trabalho em conjunto, o ensino colaborativo tem sido
utilizado para favorecer a inclusão escolar, envolvendo a parceria direta entre professores
da Educação Comum e Especial. Tal forma de trabalho está em crescente ascensão na
literatura como uma estratégia inclusiva (O’SHEA & O’SHEA, 1997; WOOD, 1998;
WALTHER-THOMAS et al. ,1999; GARGIULO, 2003).
A atuação colaborativa demanda dos professores, por certo, novas
competências, tanto da Educação Especial quanto da Educação Comum, para conseguir
minimizar os aspectos críticos que a literatura apresenta (WOOD, 1998), relacionados
aos papéis que exercerão num trabalho que requer constante partilha nas ações e nas
responsabilidades.
Em contrapartida, nenhum educador, com todos os saberes e competências
necessárias, conseguirá efetuar uma prática com base na ação-reflexão-ação com qualidade,
se não houver vontade política para garantir as condições adequadas para uma formação
inicial e permanente de qualidade, bem como infra-estrutura necessária para uma prática
pedagógica criativa e transformadora.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 105


Metodologia

Este estudo foi realizado tendo como base a pesquisa colaborativa ou


pesquisa-ação colaborativa (CLARK et al., 1998; GIOVANNI, 2000; MIZUKAMI et
al., 2002; ELLIOTT, 2003); trata-se de um modelo de pesquisa em que os pesquisadores
abandonam papéis tradicionais de detentores do saber, e os pesquisados, de serem objetos
de análise e de compreensão, para se tornarem colaboradores na organização da pesquisa
e na construção de novas realidades. A metodologia adotada na intervenção utilizou
como estratégia o ensino colaborativo, cujas características principais são a colaboração,
a flexibilidade e a partilha de saberes.
O estudo foi desenvolvido em duas das escolas da Rede Estadual de Ensino
Fundamental do Município de Bauru e teve com participantes diretos: quatro professoras
do ensino comum das escolas (A e B), denominadas P1, P2, P3 e P4; quatro turmas do
ensino comum, nas quais tinham seis alunos com deficiência mental e um professor
especialista em Educação Especial.

Desenvolvimento

Inicialmente foram feitas algumas sessões de observação dos participantes


(variando entre 3 e 5 encontros) por mim em cada sala de aula, com objetivo de
familiarização e diagnóstico inicial. Nessa etapa, as observações preliminares foram
registradas no diário de campo, tais como: arranjo da sala de aula, habilidade social dos
alunos alvos, metodologia da professora, participação dos alunos alvos nas atividades,
alunos mais participativos e mais apáticos. O número de sessões, em cada turma, nessa
fase, variou, pois a dinâmica de cada grupo era diferente, o número de alunos na sala, a
série. A intervenção colaborativa envolveu minha participação como professora
colaboradora, tendo como parâmetro o programa preestabelecido do Ensino Fundamental.
O ensino colaborativo visou o apoio prioritário para adaptação e simplificação de
conteúdos, arranjos e estratégias de ensino de pares, entre outras, bem como reflexão
conjunta da prática desenvolvida e planejamento e replanejamento de atividades.
A intervenção centrada na sala de aula foi desenvolvida durante um ano
letivo em cada turma, com exceção de P2 que a colaboração ocorreu apenas em um
semestre, em duas sessões por semana, com duração variando entre duas a quatro horas,
alternando-se aleatoriamente os horários.
Durante o desenvolvimento desse trabalho, a câmera ficava o tempo toda
ligada e o foco de filmagem não foi especificamente só os alunos com deficiência mental,
mas sim, o grupo como um todo. Realizei anotações em diário de campo, após todas as
sessões.
Além das sessões nas salas de aula, foram efetuados encontros quinzenais
para análise e discussão da prática pedagógica, nos quais eram revistas as filmagens e o
planejamento anual que havia sido elaborado sem o meu apoio. A intervenção teve como
base o respeito aos saberes do professor, portanto, fui para a sala de aula ciente de meu
papel inicial de coadjuvante, almejando ao longo do processo, transformar-me em uma
parceira, podendo assim dividir a sala, como colaboradora que planeja, executa e avalia
igualmente as ações.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 106


Com relação ao aluno com deficiência, o eixo norteador das ações foi o
princípio da isonomia, o que implicou no fato de que qualquer adequação e modificação
do currículo só seriam efetuadas quando necessário.
Tendo em vista que, adequações e/ou modificações foram necessárias ao
longo do processo para que os alunos com deficiência mental participassem das atividades,
adotei como parâmetro para a tomada de decisão nas intervenções, a avaliação da situação
atual, que tinha como base: a) recusa ou erro freqüente da criança; b) julgamento de que
a instrução ou o material seria insuficiente; c) tarefa proposta ser demasiadamente complexa
para o “nível” da criança e, d) quando o professor solicitava sugestão.
As modificações introduzidas e as sugestões oferecidas foram embasadas
nas estratégias inclusivas indicadas pela literatura e, algumas vezes, construídas a partir
da minha experiência, dependendo do que demandava a circunstância, por exemplo, o
apoio individual para o aluno com deficiência, suplementação de material, modificação
na instrução, encorajamento, feedback sobre o desempenho, etc.
A sistemática dos encontros, nos horários de HTPC - (Horário de Trabalho
Pedagógico Coletivo) com cada uma das participantes em momentos distintos, foi baseada
principalmente, na discussão das filmagens e nos relatos do diário de campo. Esses
encontros foram bem dinâmicos e flexíveis, variando de acordo com a necessidade e a
prática de cada professora. No entanto, havia uma sistemática planejada previamente
que era comum a todas as participantes, que contava com: aquecimento inicial, análise
de trechos das filmagens, momentos de estudo com leituras de textos e análise de casos,
(re)planejamento das atividades, divisão das tarefas, seleção de projetos, etc.
Ao longo do ensino colaborativo, realizamos vários projetos em parceria,
inclusive com inversão de papéis. Planejamos muitas atividades com material dourado,
interpretação de filmes em vídeo, listas de músicas, sarau de poesias, etc.
Momentaneamente, cheguei a ter vontade de concordar com as professoras,
que alguns alunos não aprendiam mesmo, e que apenas a socialização bastava, mas, meu
papel era de aproveitar estes momentos para buscarmos as raízes dos problemas, tentando
compreender a realidade escolar, que extrapola a sala de aula. Lembrei que em algumas
situações, conseguimos compreender mais rapidamente a lógica envolvida na solução do
problema, interferindo nas suas causas, superando assim a dificuldade a partir das raízes,
mas nem sempre é fácil, pois as raízes, podem estar relacionadas a causas internas e
externas à escola, como por exemplo, a constituição da sala de P3 composta somente por
alunos repetentes, dos quais três tinham deficiência mental. Neste sentido, incentiva-as
- independentemente da estrutura do sistema - a buscar outras formas de melhorar a
prática pedagógica. Argumentava que os textos não traziam respostas prontas para as
dificuldades, mas podiam oferecer elementos que, associados a nossa capacidade de
reflexão, facilitariam o caminho para a superação dos problemas.

Considerações finais

Em que pese todos os percalços do caminho, pode-se dizer que houve


aprendizado significativo para todos os envolvidos, assim como no estudo ilustrado por
Clark et al (1998), em que pesquisadores e professores relatam terem, com o passar do
tempo, aprimorado a colaboração e que, por meio das interações estabelecidas, passaram

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 107


a ver um ao outro de forma diferente.
Foi possível pontuar uma avaliação positiva sobre o ensino colaborativo do
ponto de vista da maioria dos envolvidos, que manifestaram satisfação em ter participado
da experiência, independentemente dos aspectos críticos surgidos durante a intervenção.
Para mim a possibilidade de reflexão de sua própria prática, a implementação de estratégias
colaborativas poderão subsidiar Políticas Públicas. Ademais, o crescimento pessoal e
profissional das professoras foi destacado por elas próprias e observado pela pesquisadora,
na maior autonomia para preparar as atividades, no rompimento com apenas o modelo
tradicional (sobretudo na diminuição de colocar o ponto na lousa para os alunos copiarem
como uma estratégia quase que única na sala de aula), na auto estima valorizando suas
próprias ações. Para as famílias, a oportunidade de receber informações sobre direitos e
deveres, a articulação com a professora antes não existente e o aumento da confiança no
trabalho pedagógico da escola e ter um colaborador na sala foram apontados com aspectos
positivos e por fim a melhora no desenvolvimento acadêmico e social dos alunos. Sabemos
que em pesquisas qualitativas desta natureza muitas variáveis não podem ser controladas,
no entanto, o rigor metodológico na coleta e na análise dos dados nos garante esta
inferência e a possibilidade de replicação do estudo.
Um aspecto que mereceu atenção diferenciada e que muitas vezes é ignorado
pelos órgãos centrais, foi o fato da escola pública ter uma dinâmica própria e certo ativismo,
muitas vezes, difícil de imaginar. Há situações, mediante as quais ações são realizadas
por impulso e seus agentes são quase “atropelados” pela burocracia, por tarefas ou por
projetos impostos pelo sistema. Nesse contexto, não há tempo hábil para refletir, agem
sem saber o “porquê” e “onde” irão chegar. Professores que vivenciam essa realidade
realizam sua prática pedagogia diária num “dar aulas” desenfreado, como uma obrigação
a cumprir, embutido de uma rotina cética e estática.
Por essa razão, muitas vezes a escola funciona a partir do equívoco de que
todos sabem o que ela significa para si e para o outro; subtendendo-se que todos estão lá
por uma única razão, que sabem o seu papel, conhecem seu ambiente de trabalho e sua
dinâmica.
Espera-se, portanto, que desse equívoco surjam alguns problemas no dia-a-
dia, mesmo simples ou corriqueiros, que tendem a se agravar, uma vez que a compreensão
desses fatos quase sempre estará contaminada pela falsa idéia que subjaz de que tudo
que acontece por uma atitude deliberada de alguém, e mesmo sabendo de sua tarefa ou
responsabilidade, deixa de assumi-la, prejudicando o conjunto da escola.
Na escola, a intervenção foi iniciada e cada professor trazendo suas desilusões,
suas esperanças, deu início a um processo de construção do ensino colaborativo. Não
havia receitas, só exemplos presentes na literatura internacional.
É difícil pontuar nessa caminhada, quantos foram os entraves, mas sempre
que eles ocorreram, na medida do possível, tentou-se uma resolução a partir de muita
reflexão. Percebe-se que os professores são ricos de soluções criativas e que têm vontade
de aprender e partilhar com seus pares, embora muitos estejam descrentes. Isso se deve
talvez, às experiências negativas que os conduziram ao pensamento “mudar para que...”;
“compreendo a teoria, mas na hora da prática, não consigo...”; “não queremos tanta teoria precisamos
de prática”.
No que diz respeito à duração da intervenção na escola, o tempo foi

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 108


considerado insuficiente por todas as professoras para o planejamento das atividades,
pois os HTPCs eram divididos em atividades do cotidiano da escola com a coordenadora
pedagógica e encontro com o coletivo dos professores sobrava pouco tempo para as
reuniões em duplas, para planejamento das atividades. Assim muitas vezes, os projetos
tinham seus ajustes finais na própria sala de aula.
A periodicidade da intervenção (duas vezes por semana) foi destacada como
um fator crítico por duas professoras, que afirmaram que minha atuação em suas classes
numerosas, tornava-se insuficiente.
A sala numerosa, dentre os fatores que dificultam o processo de inclusão
escolar, tem sido apontada como um fator relevante em diversos estudos. Concernente
ao quesito partilhar responsabilidades, no decorrer do estudo, observou-se uma intensa
dificuldade por parte das professoras, com exceção de P4, em assumir (co) responsabilidade
no processo ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência mental. Parece, contudo,
que talvez a posição de eximir-se deva-se ao fato da minha presença na sala, intervindo
e acompanhando o processo.
Inicialmente foi nítido que houve com as professoras um mal estar em relação
à definição dos papéis na sala de aula. Esse obstáculo foi gradativamente superado por
uma professora, parcialmente por duas e não foi por uma delas até o término da
intervenção. Tais evidências indicam que a necessidade de apoio pode variar dependendo
da turma, da professora e das necessidades do aluno com deficiência.
Como professora habilitada na docência para alunos com deficiência mental,
não estava presente, anteriormente, em meus planos dividir a sala de aula com alguém e
o mesmo aconteceu com as professoras, em respeito à partilha do comando da sala,
talvez pela falta de clareza de nossos papéis.
O resutado do ensino colaborativo pode ser avaliado, tanto no aspecto de
satisfação em participar, quanto de insatisfação. Neste estudo, notou-se que apesar da
satisfação em ter participado, P3 também não gostaria de repetir a experiência.
Quanto à análise da prática, o aspecto que saltava aos olhos era descrença
que as professoras demonstraram ter em seus alunos e em sua própria prática pedagógica.
Três professoras, sobretudo no início da intervenção, tinham uma abordagem educativa
internalizada de que o aluno, devido às suas deficiências, necessitava de ensino especial
sempre e que este teria melhor desempenho se inserido num ambiente onde todas as
crianças tivessem dificuldades ou deficiências semelhantes. Dessa forma, tendiam a não
se esforçarem ou se dedicarem aos alunos com deficiências como faziam com os demais.
Julgavam-se até incapazes, já que ensinar crianças com deficiência era uma tarefa para
especialistas em Educação Especial.
Embora sabendo que erramos algumas vezes, acertamos outras, sem dúvida
alguma, a facilidade para implementar o ensino colaborativo se deu ao trânsito livre que
tive nas escolas, a minha experiência com formação de professores e a algumas
características pessoais como tolerância, perseverança, comunicação interpessoal e estar
aberta e disponível.
Um dos mais importantes componentes facilitadores da colaboração
estabelecidos com as professoras na sala de aula, neste estudo, foi a flexibilidade em
relação ao planejamento. Todas estiveram abertas a mudanças no planejamento e
receptivas as sugestões.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 109


A força da colaboração encontra-se na capacidade de unir as habilidades
individuais dos educadores, para promover sentimentos de interdependência positiva,
desenvolver habilidades criativas de resolução de problemas e apoiar um ao outro, de
forma que todos assumam as responsabilidades educacionais.
O ir-e-vir da pesquisa, o olhar, o refletir junto, o olhar novamente, tornar a
pensar sobre o cotidiano do professor, nos possibilitou constatar as mudanças que ocorrem
no processo de formação/reflexão do professor, na expansão dessa formação e no papel
que, enquanto formadores de professores, exercemos.
Naturalmente, é fato que essas mudanças podem não se concretizar de
imediato ou mesmo não se manter, como prática do professor. Mas acredita-se que
lançadas as sementes, e estas somadas a outras intervenção/experiências, poderão ser
assimiladas e se constituírem em práticas diferenciadas ou em um jeito novo de exercer a
docência.
Os primeiros comentários das professoras sobre os episódios de sua prática
estavam direcionados para o questionamento de que não haveria outro jeito de “dar
aquela aula”. Parecia que os questionamentos giravam em torno de um saber fazer do
professor especialista, como se este pudesse ser o detentor do saber pedagógico para
com alunos com necessidades educacionais especiais. Isso se dá provavelmente pelo fato
dos professores apresentarem dificuldade em “ver” as ações da sala de aula (suas e dos
alunos) de um novo modo, dissociado do senso comum, mesmo que seu discurso já
tenha se modificado e o professor esteja empenhado em entender e resolver os conflitos,
a reflexão da ação, não tem sido uma constante nas escolas.
A adoção das videogravações que a priori suscitou constrangimentos, se
tornou um importante recurso para reflexões da prática.
Quanto à possibilidade do ensino colaborativo favorecer o desempenho
acadêmico e social do aluno com deficiência mental, observamos que todos os alunos
avançaram ao longo da intervenção e tanto as professoras quanto as famílias consideraram
que houve avanços.
Concernente à insatisfação sentida pelos professores com o desempenho de
alguns alunos, observa-se que ainda há uma idéia sedimentada de “conteúdos pré-
determinados a serem dominados” nas concepções dos professores, persistindo assim o
modelo tradicional de educação e na comparação do desempenho do aluno com
necessidades educacionais especiais com os demais alunos, sem haver preocupação com
o acompanhamento processual do desenvolvimento do mesmo.
As quatro participantes apontam o ensino colaborativo como tendo efeito
positivo tanto para os professores, quanto para os alunos. Como no estudo de Austin
(2001), elas também revelaram que tiveram pouco apoio por parte da direção e ou
coordenação. A escola ainda não incorporou a idéia que o aluno não é responsabilidade
de um ou de outro professor, mas sim, de toda a equipe escolar.
As professoras demonstram perceber a colaboração como uma estratégia
favorecedora do processo ensino-aprendizagem, sem a qual os alunos não teriam tido a
evolução apresentada. Talvez uma indicação para pesquisas futuras fosse verificar se as
mudanças observadas se mantêm, visto que no ano seguinte ao da colaboração, em relato
informal, P2 comentou que muitas das reflexões realizadas nos encontros dos HTPCs,
só estavam sendo implementadas recentemente.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 110


Não resta dúvida, do apelo para que o poder público favoreça o
desenvolvimento de um processo de educação permanente em cada escola. Só assim a
reflexão sobre prática no próprio local de trabalho, bem como a possibilidade de se
organizar coletivamente o espaço escolar por meio de um projeto pedagógico voltado
para efetiva superação dos problemas presentes, contribua para a construção de uma
escola mais inclusiva.
Notas

1
Profa. Doutora do Departamento de Educação da Faculdade de Ciência da UNESP de Bauru.

2
Profa. Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da UFSCar – São Carlos.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 112


O ALUNO COM DEFICIÊNCIA FÍSICA E SUA CORPOREIDADE NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Alenia Varela Finger1


Soraia Napoleão Freitas2

Introdução

A inclusão há muito é debatida no âmbito da educação especial, e com a


intenção de contribuir com as discussões já existentes, propõe-se questioná-la por um
viés não muito comum: o corpo, ou a corporeidade.
A partir das temáticas inclusão e corpo/corporeidade, pesquisas vêm se originando
nas mais diferentes áreas, evidenciando olhares filosóficos, educacionais, psicológicos,
sociológicos, antropológicos. Assim, fala-se da relevância do corpo na inclusão/exclusão
social através das questões de gênero, idade, sexualidade, aparência física, discutem-se
as representações sociais frente ao corpo do outro, aborda-se a influência cultural e/ou
social sobre o corpo ou o uso do corpo, etc. Especificamente em relação à educação
inclusiva, porém, reflexões sobre o significado do corpo não são muito evidenciadas, o
que justifica a realização do presente trabalho.
De acordo com Medina (1990) “há uma relação entre o corpo e o poder
institucional que precisa ser revelada” (p. 39) devido ao fato de que “o corpo é formado
não apenas pela corporeidade, mas pelo jogo com os discursos e as instituições que a
transcendem e alienam”. (VILLAÇA & GÓES, 1998, p. 48). Assim, com o propósito de
discutir o corpo em sua dimensão social e cultural, a fim de contextualizá-lo na instituição
escola (estabelecendo a sua relação com a inclusão), o conceito de “corpos dóceis”
(instituídos) (FOUCAULT, 1999; 2002) endossou o questionamento “quem é esse corpo
que exclui e é excluído”. De estudos na área da Saúde – chamando atenção para o corpo
e suas potencialidades – atrelados aos da área da Educação – incitando a problematizar e
inserir o corpo num contexto sociocultural –, foi despertado o questionamento quanto
ao significado do corpo na inclusão (ele existe/qual é? ele se faz presente/como se faz
presente?). Partiu-se, então, do seguinte problema de pesquisa: Como está sendo
considerado o significado do corpo na inclusão de alunos com deficiência física em séries
iniciais da rede municipal de Caxias do Sul (RS), segundo as concepções dos professores
e as condições de acessibilidade apreendidas?

Objetivos

Problematizar o significado do corpo na perspectiva da educação inclusiva,


contextualizando-o na realidade de alunos com deficiência física, incluídos em séries
iniciais da rede municipal de Caxias do Sul (RS).
Objetivos Específicos:

– Revisitar diferentes perspectivas acerca do corpo, bem como aproximá-las das


discussões relacionadas à educação inclusiva;
– Apreender concepções e atitudes dos professores participantes da pesquisa em relação

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 113


ao corpo e a educação inclusiva;
– Identificar as condições de acessibilidade referentes ao espaço físico das escolas
pesquisadas.

Metodologia

O estudo caracterizou-se por ser do tipo exploratório, utilizando-se a


abordagem quantiqualitativa na análise dos dados. Foi realizada uma pesquisa de campo
em escolas públicas municipais de ensino fundamental de Caxias do Sul – RS, as quais
possuíam alunos com deficiência física incluídos em classes comuns, sendo participantes
da pesquisa as próprias escolas e os professores dos referidos alunos.
Para uma maior fidedignidade científica, teve-se, como delimitação do estudo,
a realização da pesquisa em a) escolas municipais, com b) professores regentes de turmas
de séries iniciais, e que tinham c) alunos com deficiência física e locomoção por cadeiras
de rodas (cadeirantes), d) sem déficit cognitivo. A intenção desta delimitação foi conhecer
mais profundamente a realidade pesquisada (escolas municipais e professores regentes
de séries iniciais) e ter a maior apreensão possível das variáveis estudadas (barreiras
arquitetônicas e barreiras atitudinais), sem interferências. Quanto às barreiras
arquitetônicas em relação à deficiência física, imagina-se que a existência ou não das
mesmas exercerá um maior impacto sobre aqueles alunos que tiverem maiores dificuldades
de mobilidade (ex.: alunos que se locomoverem em cadeiras de rodas). Da mesma forma,
as barreiras atitudinais poderiam sofrer influência, caso a deficiência física estivesse
associada a outros tipos de deficiências.
Segundo a “Comunicação de Despacho no 2006/5275-9”, de 22 de março
de 2006, emitida pela Assessoria de Educação Especial da Secretaria de Educação
(SMED) de Caxias do Sul, foram determinadas as escolas a serem pesquisadas, de acordo
com os critérios de inclusão já expostos. Foram participantes da pesquisa cinco escolas e
cinco professoras, sendo que uma dessas professoras possuía dois alunos incluídos. Os
professores foram designados pelos nomes de países e letras correspondentes: Argentina
(A), Brasil (B), Chile (C), Dinamarca (D) e Equador (E).
Os alunos com deficiência física, utilitários de cadeira de rodas, incluídos
em escolas comuns e em séries iniciais foram, ao todo, seis, sendo três do sexo masculino
e três do sexo feminino, com idade de 6 a 10 anos. Em relação à causa da deficiência
física, dois alunos possuíam, como causa, distrofia muscular de Duchenne, três possuíam
paralisia cerebral, e uma aluna possuía histórico de atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor sem diagnóstico definido. Pode-se visualizar, no quadro que segue:
Quadro 1 – Alunos relacionados à pesquisa
Codinome Sexo Idade Escolaridade Situação clínica
Aluno A Feminino 6 anos 1º ano (não identificada)
Aluno B Masculino 10 anos 4ª série Distrofia de Duchenne
Aluno C Masculino 10 anos 3ª série Distrofia de Duchenne
Aluno D Masculino 9 anos 1ª série Paralisia Cerebral
Aluno E Feminino 9 anos 1º ano Paralisia Cerebral
Aluno F Feminino 6 anos 1º ano Paralisia Cerebral

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 114


Foram utilizados, como instrumentos para a coleta de dados: 1) entrevista
semi-estruturada, realizada com os professores participantes da pesquisa, bem como 2)
observação sistemática, realizada nas escolas pesquisadas e 3) diário de campo, com
relato do pesquisador em relação às visitas.
A realização da entrevista semi-estruturada com os professores participantes
foi o instrumento utilizado para identificar a existência de barreiras atitudinais (e, se
presentes, quais seriam), em relação aos alunos com deficiência física incluídos – mais
precisamente em relação ao corpo deles – representadas por sentimentos, percepções e
concepções, relatadas de acordo com o roteiro de perguntas previamente estabelecido.
Para a verificação da existência (ou não) de barreiras arquitetônicas nas escolas
pesquisadas, utilizou-se o instrumento observação sistemática, também denominada
observação estruturada ou padronizada (GIL, 1991; CHIZZOTTI, 1998; TRIVIÑOS,
1987), sendo que esta consiste na coleta e registro de eventos observados, que foram
previamente definidos (CHIZZOTTI, 1998, p. 53) quando se deseja colocar, em relevo,
traços específicos do fenômeno que se estuda. (TRIVIÑOS, 1987). Foram realizadas
observações sistemáticas das escolas participantes da pesquisa, com foco no espaço físico
das mesmas. Os itens para observação, previamente definidos, foram baseados na NBR
9050 (ABNT, 2004) e apontados de acordo com sua relevância para a autonomia de
alunos com deficiência física no ambiente escolar. Os dados obtidos com as referidas
observações foram registrados em planilha e também através de fotografias.
O instrumento diário de campo constou de observações não sistemáticas
realizadas pelo pesquisador a cada visita às escolas participantes da pesquisa. Estas tiveram
o objetivo de enriquecer o material de pesquisa coletado com os instrumentos supracitados,
já que o seu caráter informal possibilita a captura de fatos ocasionais, bem como falas
não registradas nas gravações.
As professoras participantes da pesquisa foram contatadas, a fim de solicitar
sua participação na pesquisa, mediante a apresentação de um termo de consentimento
livre e esclarecido. Para a participação da escola na pesquisa houve, da mesma forma, a
explanação de um termo de consentimento institucional à direção de cada escola.

Resultados e Discussão

O material obtido através das entrevistas foi submetido à análise de conteúdo,


a qual é definida como

Conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas
mensagens. (BARDIN, 2004, p.37).

De acordo com o processo de categorização característico (mas não


obrigatório) deste tipo de análise, foi possível reunir as unidades de registro e sistematizar
a gama de informações obtidas nas entrevistas. As unidades de registro, neste caso, foram
apontadas como temas, submetidas ao processo de codificação, baseado na freqüência

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 115


das mesmas.
Após o estado da arte referente às temáticas “corpo, educação inclusiva e
deficiência física”, constatou-se praticamente a inexistência de pressupostos teóricos
que satisfizessem as três dimensões da pesquisa. Assim, mesmo reconhecendo a
importância de uma teoria de base para o processo de análise de conteúdo, este estudo
não teve um único pólo teórico norteador, mas sim o entrelaçamento de diferentes teóricos
que abordam tais dimensões.
O estabelecimento das categorias, dessa forma, veio ao encontro da proposta
do referencial teórico, cujo caminho percorreu “o corpo na aprendizagem” (CORRÊA,
2004, LOURO & SILVA, 2000, SCHWENGBER, 2004), “o corpo e a deficiência física”
(STÖER, MAGALHÃES & RODRIGUES, 2004) e “o corpo na inclusão” (SKLIAR,
2003), os quais podem ser considerados como “temas”. Além disso, as categorias foram
apontadas a posteriori, já em concordância com o roteiro da entrevista. No quadro 2,
apresenta-se um esquema que resume os temas, as categorias e seus respectivos
indicadores:

Quadro 2 - Quadro representativo da análise quantitativa das categorias apresentadas


Temas Categorias Indicadores
O corpo e a 1- Concepções sobre corpo - imprescindível e indissociável : 40%
aprendizagem 2- Criatividade na realização de atividades - importante (de forma duvidosa): 40%
com a utilização do corpo - importante, mas dissociável: 20%
- exemplos diversificados: 80%
- exemplos descontextualizados: 20%
O corpo e a Inclusão 3- Capacidade em incluir o aluno com DF - adaptação das atividades: 60%
nas atividades com uso do corpo - apenas inserção: 20%
4- Pertinência do espaço físico - não propõe atividades: 20%
- dificuldades: 40%
- facilidades: 20%
- insignificância: 40%
O corpo e a 5- Atitudes em relação ao corpo do aluno -aproximação: 60%
Deficiência Física com DF -proteção: 20%
6- Atitudes dos colegas em relação ao - “de transferência”: 20%
corpo do aluno com DF - aceitação: 100%
Inclusão e - Atribuições ao aluno - bem resolvido psicologicamente:40%
Deficiência Física - Percepção em relação ao aluno - participativo: 20%
- Apoios e resistências -cansado e desatento: 20%
- Opiniões sobre Inclusão - nenhuma: 20%
- contentamento do aluno: 80%
- não mencionaram: 20%
- apoios: 100%
- apoio de funcionários: 20%
- apoio de funcionários e outros
(monitores, APAE): 80%
- resistências: 40%
- resistência de pais: 20%
- resistência de pais e professores: 20%
- não relataram: 60%
- positiva (100%)

Através de análise observacional da edificação escolar, buscou-se verificar


as condições de acessibilidade, com base na NBR 9050.

Esta Norma visa proporcionar à maior quantidade possível de pessoas,


independentemente de idade, estatura ou limitação de mobilidade ou percepção,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 116


a utilização de maneira autônoma e segura do ambiente, edificações, mobiliário,
equipamentos urbanos e elementos. (ABNT, 2004, p. 1).

Segundo Silva (2006, p.31), a existência de condições ambientais que facilitem


o acesso e a permanência na escola dos alunos que utilizam aparelhos, muletas e cadeiras
de rodas constitui um dos principais fatores que contribuem com o processo inclusivo
desses alunos. O termo acesso, nesta situação, é interpretado como a possibilidade do
aluno chegar à escola, tanto no sentido teórico (ser recebido, matriculado, etc.) quanto
prático (adentrar na escola).
De acordo com a ABNT (2004, p.2), considera-se “acessível” o espaço,
edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado,
utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida.
Relembra-se, também, o conceito de acessibilidade como “Possibilidade e condição de
alcance, percepção e entendimento para a utilização, com segurança e autonomia, de
edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos”. (ABNT, 2004, p. 2).
Assim, verificar condições de acessibilidade em relação ao aluno com deficiência física é
averiguar as possibilidades e condições em utilizar com segurança e autonomia a
edificação escolar e espaços afins, além de mobiliários e equipamentos. Como a pesquisa
foi relacionada aos alunos com deficiência física que se locomovem com cadeiras de
rodas, os pontos para observação foram selecionados de acordo com a relevância para a
acessibilidade nesta situação.
Os dados obtidos podem ser observados no Quadro 3.

Quadro 3 - Registro da observação do espaço físico escolar


Escola Argentina Brasil Chile Dinamarca Equador

Lajota Emborrachado
Lajota (interior) e (corredores), Lajota (interior) e (corredores), Lajota e
Tipos de pisos
cimento (pátio) decorflex (salas) e cimento (pátio) decorflex (salas) e parquet
cimento (pátio) cimento (pátio)

Sinalização de
Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente
acessibilidade

Não Não Não Não Não


Tipos de tapetes
sobressalentes sobressalentes sobressalentes sobressalentes sobressalentes

Permite passagem Permite passagem Permite passagem Permite passagem


Largura de
de cadeira de de cadeira de de cadeira de de cadeira de Não tem
corredores
rodas rodas rodas rodas corredor

Rampas (de Rampas (de Rampas (de Rampas de acesso Rampas de


Desnível
acesso) e escadas acesso) e escadas acesso) e escadas e escadas acesso

Sim (masculino
Banheiro
com barras Não Não Não Não
adaptado
paralelas)

Bebedouros
Inexistentes Inexistentes Inexistentes Inexistentes Inexistentes
adaptados

Telefones
(“orelhões”) Inexistentes Inexistentes Inexistentes Inexistentes Inexistentes
adaptados

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 117


De acordo com as observações realizadas (sistemática e não sistemática),
pode-se constatar uma grande semelhança na configuração dos espaços físicos escolares
pesquisados. As escolas estão, de maneira geral, passando por um processo de adaptação
para o acolhimento e manutenção dos alunos com deficiência física, o que pôde ser
evidenciado de acordo com a construção de rampas de acesso.

Conclusão

De acordo com a pesquisa realizada, evidenciou-se que a relação inclusão/


exclusão não é tão facilmente determinada como pensamos, nem suas fronteiras são
prontamente delimitadas. O indivíduo pode estar incluído, no caso de uma deficiência
física, até o momento que necessita deslocar-se e não tem condições de acesso para tal.
Em relação às concepções e atitudes frente ao corpo na escola, de forma geral, identificou-
se a influência do pensamento cartesiano através da fragmentação corpo/alma (ou corpo/
mente), em algumas situações. Este posicionamento, porém, não pode ser generalizado,
já que o corpo foi apontado também como coadjuvante do processo de ensino-
aprendizagem, inclusive sendo apresentados exemplos de conteúdos que eram
desenvolvidos por meio de trabalhos corporais.
A divisão cartesiana entre matéria e mente, de acordo com Medina (1990),
teve um efeito profundo sobre o pensamento ocidental: ensinou-nos a conhecer a nós
mesmos como egos isolados existentes “dentro” dos nossos corpos; levou-nos a atribuir
ao trabalho mental um valor superior ao do trabalho manual; habilitou indústrias
gigantescas a venderem produtos que nos proporcionem o “corpo ideal”; impediu os
médicos de considerarem seriamente a dimensão psicológica das doenças e os
psicoterapeutas de lidarem com o corpo de seus pacientes.
Diferente de situações comumente relatadas (CARVALHO, 1998,
MAZZOTTA, 1998, SKLIAR, 2003) felizmente não foi identificada nesta pesquisa a
repulsa ao corpo do “outro deficiente”, mas sim, em muitas situações, o exercício da
alteridade (colocar-se no lugar do outro). (CARVALHO,1998; 2004).
Foi evidenciada, como maior fator positivo da educação inclusiva, a relação
estabelecida entre o aluno incluído e os colegas de classe, tanto no aumento da auto-
estima deste aluno, quanto no desenvolvimento de valores como solidariedade e aceitação
das diferenças, por parte da turma. O contraponto à inclusão, entretanto, foram as questões
relacionadas à falta de condições de acessibilidade, as quais, além de gerar inúmeras
repercussões para o aluno com deficiência física, exigem de professores e funcionários
uma maior dedicação e até sobrecarga de função, para possibilitar a mobilidade dos alunos
e a realização de atividades simples, como ir ao banheiro.
Quanto às questões relacionadas ao espaço físico, após se evidenciar de forma
nítida a discrepância entre as normas estabelecidas em relação à acessibilidade e as
postulações governamentais e a realidade encontrada, sugere-se, como continuidade desta
pesquisa, um estudo que venha a escutar os gestores – secretários municipais, equipe
diretiva, etc. – a fim de entender a origem deste distanciamento.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 118


Notas
1
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

2
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 120


ELABORAÇÃO, APLICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE UM PROGRAMA DE
GINÁSTICA ACROBÁTICA SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO

Douglas Roberto Borella1


Fátima Elisabeth Denari2

Introdução

Durante toda sua vida, o ser humano sente necessidade de movimentar-se.


A aquisição dos padrões motores fundamentais e a aprendizagem das técnicas esportivas
elementares têm grande importância para o seu desenvolvimento, já que “não há vida
sem movimento e a parada do seu movimento próprio, para toda matéria viva, é morte”.
(LAPIERRE & ACOUTURIER, 1986, p. 30).
Fonseca (1987, p. 11), considera que “o movimento é o meio pelo qual o
indivíduo comunica e transforma o mundo que o rodeia” e Schmidt (1993) comenta que
“a vida como nós a conhecemos seria impossível sem movimentos”. (p. 34). E o
movimento se expressa pelo corpo, e através do corpo elaboramos experiências vitais.
Uma representação mental e dinâmica e, ao mesmo tempo evolutiva, constituidoras do
esquema corporal, poderá facilitar a conexão da pessoa consigo mesma e sua diferenciação
com o mundo dos objetos existentes no tempo e no espaço.
A prática de atividade física e/ou esportiva por pessoas com algum tipo de
deficiência, sendo esta visual, auditiva, mental ou física, pode proporcionar, dentre todos
os benefícios da prática regular de atividade física que são mundialmente conhecidos, a
oportunidade de testar seus limites e potencialidades, prevenir as enfermidades
secundárias à sua deficiência e promover a integração social do indivíduo. (LOPES, 2005).
A escolha de uma modalidade esportiva pode depender em grande parte das
oportunidades que são oferecidas, da sua condição sócio-econômica, das suas limitações
e potencialidades, das suas preferências esportivas, facilidade nos meios de locomoção e
transporte, de materiais e locais adequados, do estímulo e respaldo familiar, de profissionais
preparados para atendê-los, dentre outros fatores. (CIDADE & FREITAS, 1997).
No âmbito deste estudo, a Educação Física pode significar algo mais do que
simplesmente adequação metodológica, técnica, adaptação de materiais voltados ao
atendimento das diferenças individuais. Tais preocupações devem basear-se nos tipos e
características das deficiências para que se possa oportunizar a todos, a participação no
maior número de atividades possíveis, visando, assim, à melhoria das capacidades afetiva,
cognitiva, assim como a interação e integração com as demais pessoas. (NOGUEIRA,
2000).
Pedrinelli (2002) diz que “participar de um processo inclusivo é estar
predisposto, sobretudo, a considerar e respeitar as diferenças individuais, criando a
possibilidade de aprender sobre si mesmo e sobre o outro, em uma situação de diversidade
de idéias, sentimentos e ações”. (p. 31).
Sobre a Educação Física, nosso entendimento, no âmbito desta pesquisa, é a
ciência que estuda a ação humana, tanto do ponto de vista motor quanto social. Estuda
o homem como agente transformador, que lança mão de suas ações, movimentos e

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 121


expressões corpóreas; da sua cultura e consciência corporal, para determinar e transformar
o mundo e a vida material. No que concerne aos conteúdos da Educação Física que mais
proporcionam diversas maneiras de realizar movimentos e atividades, destacam-se a dança,
jogos, esportes e a ginástica.
A ginástica, na área desportiva, tem assumido papel determinante nas
diferentes formas de expressão prática, presentemente nas grades curriculares dos cursos
de Educação Física, nas modalidades de Ginástica Artística, Rítmica, Localizada, Aeróbica,
entre outras.
Quanto à ginástica, observa-se um outro recurso que contribui para resultados
satisfatórios dos alunos, no que tange às atividades propostas pela Educação Física, que
é a Ginástica Acrobática, atividade esta que favorece a aquisição de conhecimentos,
desenvolvimento psicomotor, auto-estima, auto-confiança e o desenvolvimento do gosto
pela atividade física, essencial para uma vida saudável.
A Ginástica Acrobática ensina a enfrentar situações mais perigosas, a lutar
para vencer sozinho o problema proposto, a superar e sentir o prazer de se sair vitorioso,
dominando elementos sócio-afetivos, tais como: emoção, atenção e concentração;
aprimorando os fatores biomecânicos, como: flexibilidade, desenvolvimento articular e
muscular, resistência cardiopulmonar e relaxamento, ainda, considerando os fatores
neuromotores que condicionam: coordenação, tempo de reação, sentido do ritmo e
equilíbrio. (HOSTAL, 1992).
Originária das atividades circenses, a Ginástica Acrobática, de modo geral,
envolve um conjunto de exercícios com ou sem aparelhos, muito exigentes do ponto de
vista físico, técnico e psicológico, fazendo apelo a elevados níveis de força e flexibilidade.
Os elementos a executar são complexos e requisitam atenção, persistência e cooperação.
É um desporto que une dança, ginástica de solo e acrobacias.
A Ginástica Acrobática proporciona a adaptação dos elementos circenses
que favorecem a liberdade e a criatividade dos alunos, enfim, os alunos podem abusar da
criatividade em novos movimentos, o que a torna extremamente lúdica, possibilitando
um rápido aprendizado.
Barros (2003) diz que Ginástica Acrobática é um desporto gímnico cuja
prática originária da Ginástica Artística determina que somente os elementos acrobáticos
sejam considerados, e que as possibilidades de risco e o virtuosismo sejam valorizados.
Para as aulas de Educação Física, Krebs (1984), desde 1984 recomenda o ensino dos
exercícios básicos para o solo, como rolamentos, mergulhos, paradas de equilíbrio, rodas
e reversões. Posteriormente, o aluno estará apto a aprender fundamentos mais difíceis de
execução.
Nedialcova (1999) destaca a cooperação entre dois, três ou quatro
companheiros para a realização de elementos mão contra mão. Todos os esquemas devem
ser elaborados utilizando os vários elementos técnicos harmoniosamente acompanhados
por música.
Assim, sendo uma prática voltada ao desenvolvimento de potencialidades
individuais, e sedimentada por um aporte afetivo de confiança entre os participantes,
como se dá o aprendizado da Ginástica Acrobática, por alunos com necessidades especiais,
incluídos em escola comum?
Essa questão norteou a elaboração de um programa específico de Ginástica

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 122


Acrobática aplicado conjuntamente a alunos com necessidades educacionais especiais
(NEE) institucionalizados e alunos da rede comum do ensino fundamental, tendo por
objetivos: elaborar, aplicar e avaliar um Programa de Ensino de Ginástica Acrobática
para alunos com necessidades educacionais especiais de uma instituição especial e alunos
do ensino regular, sob a ótica da inclusão.

Metodologia

Participaram deste estudo seis alunos com NEE (diagnosticados com


deficiência mental) que freqüentam uma escola municipal para pessoas com NEE, e 13
alunos do ensino comum. Todos os participantes tinham, à época do estudo, idades entre
8 e 10 anos, de ambos os sexos, e não haviam tido contato com aulas de Ginástica
Acrobática.
Para a aplicação do Programa de Ginástica Acrobática, as aulas aconteceram
no pavilhão (coberto) da escola especial. Foram utilizados equipamentos próprios da
Educação Física, tais como: colchões, trave de equilíbrio, pneus, arcos, plinto, mini tramp,
banco sueco, etc.
Antes de sua aplicação, foram tomados todos os cuidados éticos
recomendados pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos.
Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos:
1) Roteiro de Anamnese;
2) Ficha de avaliação padrão para registro e observação de comportamentos
dos alunos em relação ao programa de Ginástica Acrobática (registro do acompanhamento
Fonseca (1995);
3) Programa de ensino, com a descrição dos itens a serem desempenhados
com os alunos durante as aulas de Ginástica Acrobática, acompanhado dos Planos de
Ensino para cada aula, e relatórios de registros diários e quinzenais.
O pré-teste constituiu-se de alguns fundamentos da Ginástica Acrobática,
em seguida, solicitou-se a execução de cada movimento e/ou exercício, de forma individual
e em grupos, devidamente autorizadas as filmagens, como também registrada em fichas
pelos estagiários (anteriormente treinados). Nessa fase, os alunos foram avaliados quanto
às habilidades de movimentos individuais e em grupos, por exemplo: roda, rolamentos
(cambalhotas), parada de mãos, aviãozinho, peixinho, vela, pirâmides, equilibro em trios,
etc. Para tanto, buscou-se inspiração na Escala de Pontuação (FONSECA, 1995)3,
adotando-se 4 níveis de pontuação:
a) Nível 1 - Realização imperfeita, incompleta (fraco): ausência de resposta,
realização imperfeita, incompleta, inadequada e descoordenada (muito fraco, disfunções
evidentes e óbvias, objetivando dificuldades de aprendizagem significativa).
b) Nível 2 - Realização com dificuldades (insatisfatório): realização fraca com
dificuldades de controle e sinais desviantes, disfunções ligeiras objetivando dificuldade
de aprendizagem.
c) Nível 3 - Realização adequada (bom): realização completa, adequada e
controlada, sem problemas de aprendizagem.
d) Nível 4 - Realização perfeita (excelente): realização perfeita, precisa, econômica
e com facilidades de controle (excelente, ótimo, objetivando facilidades de aprendizagem.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 123


Após esta primeira etapa, ocorreu a aplicação do programa de ensino, que
consistiu de duas aulas semanais intercaladas, com duração média de cinqüenta minutos
cada aula, por um período aproximado de dois meses, com o ensino de exercícios
individuais, em duplas, em trios e em grupos. O programa de intervenção consistiu em
14 sessões. Foram filmadas todas as aulas, desde o início (pré-teste) até o final (pós-
teste), com vistas a obter uma melhor descrição do processo, observação dos resultados
e avaliação da fidedignidade dos dados.
Além disso, elaborou-se um relatório geral diário a cada final de aula, em
relação ao Programa de Atividades, à participação dos alunos e ao seu rendimento. Para
se obter a fidedignidade dos dados em relação às filmagens, foi realizado o Índice de
Concordância (IC) inter-observadores, nas categorias adaptada da Escala de Pontuação
de Fonseca (1995).

Apresentação e Discussão dos Resultados

Cabe aqui esclarecer que a proposta não teve como objetivo formar ginastas,
mas contribuir com o desenvolvimento integral das crianças por meio de atividades lúdicas
fundamentadas na modalidade gímnica, proporcionando alternativas para a diversidade
de atividades para aulas de educação física que permita contribuições para a arte e o
movimento corporal e, assim, antes de selecionar e excluir, praticar a inclusão.
As análises realizadas a partir dos índices dos quadros demonstrativos
individuais da aprendizagem da Ginástica Acrobática em relação aos alunos da escola
comum salientam que, de forma geral, houve aprendizagem, conforme demonstra a
Figura 1.

4,0
2,8

3,0
Pré
1,6 Pós

2,0

1,0
1

Fig. 1 – Evolução dos Fundamentos da Ginástica Acrobática dos alunos da escola comum.

O pré-teste e o pós-teste mostram que os participantes, de forma individual


ou coletiva, mantiveram-se no mesmo nível de pontuação para cada fundamento da
Ginástica Acrobática ou elevaram esses índices. Observa-se, satisfatoriamente, que é
gratificante poder dizer que os participantes não decaíram em sua pontuação na escala.
Ressalta-se que foram avaliados 18 fundamentos da Ginástica Acrobática (vela, ponte,
balança, peixinho, roda, elefantinho, V sentado, parada de mão, rolamento individual,
rolamento em duplas, rolamento avião, rolamento de costas, aviãozinho, 3 formações de
pirâmides e equilíbrios em duplas).
A Figura 1 representa o pré e pós-teste dos alunos da escola comum,
demonstrando que, inicialmente, os alunos obtiveram nível 1 - (1,6) da escala: Realização
imperfeita, incompleta /fraco, e no pós-teste, houve variação entre nível 2: Realização

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 124


com dificuldades /satisfatório/ e nível 3 - (2,8): Realização adequada /bom/. Estes
dados, de um lado, são indicadores de uma evolução positiva, em termos do aprendizado
da técnica da Ginástica Acrobática.
No que se refere à discussão dos resultados dos alunos da escola especial, a
Figura 2, apresenta índices de evolução.

4,0

3,0 2,1
Pr é
Pós
1,3
2,0

1,0
1

Fig. 2 – Evolução dos Fundamentos da Ginástica Acrobática dos alunos da escola especial.

No pré-teste, esses alunos demonstraram nível 1 (1,3) - Realização imperfeita,


incompleta (fraco), e no pós teste elevaram-se para o nível 2 (2,1) - Realização com
dificuldades (satisfatório), considerando especialmente as peculiaridades de cada aluno.
Os alunos da escola especial tiveram um crescimento expressivo,
possivelmente provocado pela troca de experiência com os outros alunos, tendo essa
diversidade como incentivadora de sua prática. Essa socialização entre os alunos é de
suma importância para que as aulas tenham êxito. Sendo assim, cada aluno irá aprender
a respeitar as diferenças existentes entre eles. Para isso, as aulas deverão ser prazerosas,
dinâmicas e que proporcionem sucesso a todos os alunos.
Baroni (2006), ao reportar-se ao ensino da Ginástica Acrobática nas escolas,
comenta que
[...] o riso, a expressividade, a alegria, o prazer, a brincadeira, o lú-dico, o sensível,
o belo, a afetividade, a criticidade, a criatividade, a linguagem, a comunicação, a
autonomia, a estética, a subje-tividade, a fantasia, o jogo simbólico, a cooperação,
a colaboração, o respeito, e a liberdade, são elementos que sustentam uma proposta
pedagógica. (p. 96).
A seguir, o Quadro 1 apresenta o desempenho dos alunos da escola especial
de um modo individual, ou seja, por aluno:
ALUNO Pré-teste Pós-teste Desempenho
A 1.6 2.6 1
B 1.4 2.1 0,7
C 1.1 1.9 0,8
D 1.7 2.3 0,6
E 1.1 1.7 0,6
F 1.2 2.2 1
Quadro 1 – Desempenho dos alunos da escola especial no programa de Ginástica Acrobática.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 125


Observa-se que cada aluno pertencente à escola especial apresentou alguma
evolução. Vale ressaltar que o respeito à individualidade é de suma importância quando
se considera resultados em desempenho.
Daolio (1997) diz que “temos que considerar as diferenças entre as
possibilidades dos alunos, não como desigualdades, mas com um sentido de alteridade,
visto que aceitá-las é que os tornam iguais; e que é justamente aceito são suas capacidades
de se expressarem diferentemente”. (p. 35).
Todos os alunos têm especificidades próprias, devendo, portanto, ser objeto
de uma atenção e respeito que os contemple enquanto seres únicos e irrepetíveis, mas
socialmente sociáveis e interativos, pois todos têm valor. (PIRES, 2006).
A postura de acreditar realmente nas pessoas, em respeitar suas
especificidades, em aceitá-las e, em função disso, em agir coerentemente, vendo a própria
pessoa como um valor. (PIRES, 2006).
A Figura 3 demonstra a média da aprendizagem do Programa de Ensino,
tanto para alunos da escola comum quanto a alunos da escola especial, isto é, os 19
participantes no pré-teste demonstraram nível 1 (1,4) - Realização imperfeita, incompleta
/fraco/, e no pós-teste nível 2 (2,5) - Realização com dificuldades /satisfatório/.

4,0
2,5

3,0
Pré
1,4
Pós
2,0

1,0
1

Fig. 3 – Evolução dos Fundamentos da Ginástica Acrobática dos 19 alunos.

No âmbito geral, a média de pontos é relevante, pois se observa que houve


aprendizado de todos os alunos. Também houve a preocupação em averiguar a socialização
e a afetividade entre os alunos, sabendo-se que seriam alunos de diferentes escolas. Pode-
se dizer que os resultados obtidos foram de grande relevância, e que tais resultados
positivos foram alcançados aula após aula, conforme os alunos se familiarizavam uns
com os outros, com o professor e com a Ginástica Acrobática.
Verificou-se, através deste estudo, que o ensino da Ginástica Acrobática
proporcionou a oportunidade de fazer com que os alunos se aproximassem de forma
mais respeitosa, ainda que preservando suas individualidades e características.
Pereira (1988, p. 76) defende a Educação Física como um meio de educação
social que ocorre através de e para a prática consciente, processual, metódica de atividades
físicas gímnicas, desportivas, que valorizam o conhecimento do corpo humano e objetivam
o seu desenvolvimento. Para o autor, a Educação Física é a educação corporal, via
exercitação física, realizada necessariamente sob o prisma pedagógico de unidade sócio-
biológica que, pelo desenvolvimento e aprimoramento de habilidades motoras e qualidades
físicas, psíquicas e morais, visa à plena elevação cultural, harmoniosa e integral do homem.
Nesse sentido, percebe-se a coerência entre esse entendimento e os dados obtidos nesse
programa.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 126


Gallardo et al. (2005) também salientam que a socialização faz parte da
organização de uma aula. As emoções estão relacionadas com a auto-estima. A criança
espera do professor e dos colegas o reconhecimento e a importância necessária à sua
valorização pessoal.

Comentários Finais

Partindo do objetivo deste estudo, que foi elaborar, aplicar e avaliar um


Programa de Ensino de Ginástica Acrobática (PGA) nas aulas de Educação Física ,sob a
perspectiva da inclusão, pôde-se observar que houve aprendizado dessa modalidade para
todos os alunos, em seus níveis diferentes, conforme suas potencialidades e peculiaridades.
Os resultados obtidos permitem compreender que a Educação Física
desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Através da
vivência do lúdico, pode-se proporcionar ao aluno independência, autonomia, poder de
decisão e, também, igualdade de oportunidades.
Cabe ressaltar que esse programa também pode voltar-se ao atendimento
integral do aluno, sem discriminação ou preconceito, indiferentemente se este tem
necessidades educacionais especiais ou não, valorizando o potencial motor desses alunos
a partir do conhecimento de seus limites, valorizando pelo que eles são e não pelo que
eles deveriam ser.
Para isso, o professor precisa respeitar as características individuais do aluno
a partir do conhecimento e da experiência de cada um, sem esperar qualidade do
fundamento ou habilidades para realizar todas as tarefas, proporcionando condições para
desenvolver-se e ter progressos. Sendo assim, não se deve considerar apenas a graciosidade
técnica, a beleza das linhas e leveza dos movimentos, mas priorizar a liberdade de
movimento que possibilita ao aluno a se expor através dos próprios movimentos, sem
ficar preso a técnicas mais radicais e ortodoxas.
A Ginástica Acrobática também mostrou que os alunos orgulham-se do que
fazem, comemorando, juntos, com aplausos e elogios recebidos, o que aumentou a auto-
estima, deixando-os mais confiantes para a continuidade do trabalho. Cabe destacar que
para isso é importantíssimo que os professores acreditem na potencialidade do aluno,
princípio básico para a constituição do Ser. Respeitar o aluno tem muitos sentidos. Antes
de tudo, respeitar significa, efetivamente, ter para com o outro toda a consideração a que
ele faz jus, por ser alguém como nós. Não se devem ver as pessoas com alguma deficiência
como seres sem capacidade, mas sim, com igualdade, capacidade de produzir, e que
tenham oportunidades para desenvolver-se.
Pensando assim, não se deve excluir nenhum aluno das aulas, todos devem
participar; dessa forma, evitar-se-ia agir de forma como comenta Fierro (1995) sobre um
principio educacional mais antigo: “para crianças diferentes, educação diferente”. (p.
43). Ao contrário, o autor complementa dizendo que “a educação da criança com
deficiência mental é regida pelos mesmos princípios que a educação de qualquer criança”.
(p. 43).
Dessa forma, o trabalho do professor deverá estar sempre atento a todos os
alunos, com a preocupação em planejar as aulas com atividades comuns para todos,
porém, entendendo as dificuldades de cada aluno. Cada um procurará fazer da melhor

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 127


forma, mas isto não significa que todos alcançarão os mesmos resultados, cada qual com
suas diferenças, conforme sua potencialidade.
Para Sato et al. (2002), a Educação Física, como parte da escola e de seus
componentes curriculares, necessita rever seus conteúdos, não ficando somente nos
esportes tradicionais com seus gestos específicos, tornando-se excludente, e sim
propiciando práticas motivadoras que possam agregar a todos, sugerindo conteúdos
pedagógicos que respeitem as diferentes possibilidades de movimento, colaborando com
a concretização de trabalhar com a diversidade, quebrando os preconceitos e tabus,
possibilitando o processo de Inclusão.
Sabe-se que há muitas barreiras a vencer. A inclusão escolar não é um processo
rápido, automático, e sim um desafio a ser enfrentado cotidianamente. Destaca-se, como
prioridade, que a inclusão das pessoas com necessidades educacionais deve ser de
responsabilidade de toda a comunidade escolar, que deveria sentir-se comprometida,
facilitando, assim, a plena inclusão dessas pessoas.
Deve-se adequar a escola a qualquer criança ou adolescente, mantendo
programas e currículos adequados, criando novos recursos, para que se possam atender
da melhor maneira possível às necessidades educacionais de todos os alunos. Acredita-se
que, seguindo-se esse caminho, promover-se-á uma nova relação com a inclusão, mudando
conceitos e atitudes de maneira consciente, responsável e progressiva, visando a uma
constante mobilização social, que viabilize uma nova escola, aquela que priorize o direito
de educação para todos.

Notas
1
Doutorando em Educação Especial – UFSCar. douglasedufisica@yahoo.com.br

2
Doutora em Educação – Área de Metodologia do Ensino - UFSCar. fadenari@terra.com.br

3
A escala de Pontuação consta no Manual de Observação Psicomotora elaborado por FONSECA (1995, p.
105). Serve como instrumento de identificação, de cotação respostas das crianças. O autor mede
numericamente (entre 1 e 4) o nível de classificação do movimento.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 129


O BASQUETEBOL EM CADEIRA DE RODAS NO
MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR

Douglas Roberto Borella1


Fábio Ben2
Samuel Rodrigo Weber3

Introdução

A inclusão passou a ser um desafio para todos os segmentos da sociedade.


Os profissionais da Educação Física, também inseridos nesse contexto, vêem-se diante
desta situação. Esta afirmação direciona-se não apenas às atividades da Educação Física,
Esportes e Lazer onde as pessoas com deficiência estão inclusas, mas também àquelas
atividades da área voltadas especificamente para este público.
Segundo Gorla et al (2007),

[...] a prática desportiva vem sendo incorporada pelas pessoas com deficiência,
motivadas por diferentes objetivos, os quais são justificados pela sua importância
no processo de reintegração, inclusão social, reabilitação ou promoção de uma
melhor qualidade de vida da referida população. (p. 37).

Atualmente, os esportes oferecem às pessoas com deficiência física, a


oportunidade de vivenciarem sensações e movimentos que, freqüentemente, são
impossibilitados pelas barreiras físicas, ambientais e sociais. De acordo com Teixeira &
Ribeiro (2006), a atividade física pode desenvolver as seguintes capacidades motoras:
velocidade, agilidade, força, equilíbrio, coordenação, ritmo, flexibilidade e capacidades
cardiorrespiratórias (aeróbia e anaeróbia).
Com relação ao nível cognitivo, as autoras afirmam que a atividade física
desenvolve: raciocínio, atenção, percepção espaço-temporal e o poder de concentração.
E no plano afetivo, afirmam que ocorrem melhoras na socialização, no espírito de luta,
no controle da ansiedade e da auto-estima.
A pessoa com deficiência física, a despeito de alguma limitação, possui as
mesmas necessidades básicas de outra pessoa, diferenciando, apenas, quanto ao aspecto
motor. Apesar de sua aparência física, também quer ter sucesso, reconhecimento, aprovação
e ser desejado. (MATTOS, 1994).
Com freqüência, a aparência da pessoa com deficiência física é diferente,
privando-a das atividades de vida diária. Quanto mais diferente for a sua aparência,
maior será a possibilidade de a pessoa com deficiência ser alvo de chacotas, de ser
ridicularizada e até mesmo ser motivo de compaixão.
Segundo Mauerberg-de Castro (2005), a mídia exerce um papel decisivo na
criação de preconceitos e estigmas, quando apresenta personagens como o terrível
corcunda e piratas da perna-de-pau. A pessoa com deficiência, que freqüentemente carrega
sentimentos de incapacidade, deve ser persuadida de que todas as tentativas são válidas,
mesmo que o sucesso seja mensurável: isso fará com que seja diminuído o sentimento de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 130


frustração.
Para contribuir com o sucesso dessas pessoas, a prática de atividade física e/
ou esportiva pode proporcionar a oportunidade de testar seus limites e potencialidades,
prevenir enfermidades secundárias à deficiência e promover a integração social. (LOPES,
2005). Neste sentido, observa-se que o esporte adaptado é um facilitador de caminhos
para as pessoas com deficiência, promovendo a inclusão social e fortalecimento da
personalidade.
A escolha de uma modalidade esportiva pode depender, em grande parte,
das oportunidades que são oferecidas às pessoas com deficiência, da sua condição sócio-
econômica, das suas limitações e potencialidades, das suas preferências esportivas,
facilidade nos meios de locomoção e transporte, de materiais e locais adequados, do
estímulo e respaldo familiar, de profissionais preparados para atendê-los, dentre outros
fatores. (MATTOS, 1994).
A participação em esportes confere a oportunidade de desenvolver o
condicionamento físico, de se dedicar a atividades de lazer, tornar-se mais ativo, de
aprender habilidades para poder se ocupar nas horas vagas e de colher experiências
positivas no grupo e no ambiente social. Quanto aos esportes para as pessoas com
deficiência física, Souza (1994) enfatiza que o esporte adaptado deve ser considerado
como uma alternativa lúdica e prazerosa, sendo este parte do processo de reabilitação.
O esporte adaptado surgiu no início do século XX, de forma muito tímida.
As primeiras modalidades tiveram origem na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nos Estados
Unidos, entre 1944 e 1952, surgiram as primeiras equipes de basquetebol sobre rodas. A
partir daí, o esporte para pessoas com deficiências não parou de crescer. (ADAM’S,
DANIEL & RULLMAN, 1985).
Araújo (1998) & Frontera, Dawson & Slovik (2001) compartilham das idéias
de Adam’s, Daniel, & Rullman (1985), afirmando que o Desporto Adaptado surgiu após
a II Guerra Mundial, no Hospital de Stoke Mandeville, na Inglaterra, devido à necessidade
de exercícios e saídas recreativas para pessoas feridas na guerra.
Araújo (1998) credita ao Médico Alemão, de origem Judaica, Ludwig Von
Guttman, a criação do Basquete em Cadeira de Rodas (BCR), pois ele era o responsável
pelos trabalhos no Hospital de Stoke Mandeville. Segundo Caleffi, Lopes & Lima (2003),
inicialmente o BCR era praticado somente por lesados medulares, e atualmente é praticado
por pessoas com qualquer deficiência física provenientes de poliomielite, amputações,
má formação congênita, distrofia muscular, lesão medular, entre outras.
Segundo dados da IWBF (Federação Internacional de Basquete em Cadeira
de Rodas) (2004), o BCR é considerado por muitos como um dos esportes mais atrativos,
dinâmicos e emocionantes, entre aqueles praticados em cadeira de rodas. Um exemplo
disto, segundo a Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas (IWBF),
é que em Sydney (2000) mais de 300.000 pessoas assistiram aos jogos durante as
Paraolimpíadas. (TEIXEIRA & RIBEIRO, 2006).
Esta modalidade é praticada por pessoas com Lesões Medulares (LM),
Amputações de Membro Inferior (AMP – MMII), Seqüelas de Poliomielite e outras
disfunções que as impedem de correr, saltar e pular. As regras são adaptadas das regras
da Federação Internacional de Basquete – FIBA, (LABRONICI, 2000).
A popularidade do basquetebol, praticado tanto por pessoas andantes como

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 131


por pessoas com deficiência física, as quais utilizam de cadeira de rodas, e a evolução
dos estudos relacionados à área da Atividade Motora Adaptada nos últimos tempos,
motivou a realização deste estudo que buscasse caracterizar os praticantes desta
modalidade esportiva.
Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos: a) Identificar as
características dos praticantes de BCR; b) averiguar as percepções dos praticantes
identificados sobre o impacto do basquetebol em suas vidas; e c) levantar informações
sobre a equipe de basquetebol em cadeira de rodas do município de Foz do Iguaçu/PR.

Metodologia

Caracterização da pesquisa

O estudo caracterizou-se por uma Pesquisa Descritiva Exploratória,


envolvendo entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema
pesquisado de tal forma que a “estimulem a compreensão”. (GIL, 1996).

População e amostra

A população alvo deste estudo foi composta por atletas de Basquete em


Cadeira de Rodas do sexo masculino. Segundo o manual de regras da Confederação
Brasileira de Basquete em Cadeira de Rodas – CBBC (2008), apenas são elegíveis à
Prática do BCR atletas com deficiência que acometam os membros inferiores e os impeçam
de praticar o desporto convencional.
Os participantes deste estudo foram 13 atletas e o técnico da equipe de
basquetebol em cadeira de rodas do município de Foz do Iguaçu (PR), todos do sexo
masculino. A idade dos atletas variou de 21 anos a 52 anos.

Instrumento

Foi elaborado um roteiro de entrevista semi-estruturado, com o método de


análise do discurso. Os questionamentos da entrevista trataram-se desde assuntos pessoais
até assuntos relacionados com o basquetebol em cadeira de rodas.

Procedimentos para a coleta de dados

Primeiramente, foi feito contato com o técnico da equipe de BCR de Foz do


Iguaçu/PR e, por meio dele, foi estabelecido o contato com os atletas, no local dos
treinamentos.
Conforme consentimento do técnico e de seus atletas, foi elaborado um
cronograma para a realização das entrevistas. As entrevistas foram realizadas na sala do
departamento de esportes do Ginásio onde os mesmos realizavam as atividades. Em
seguida, as entrevistas foram aprovadas, transcritas e devolvidas aos participantes para
conferência.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 132


Análise de dados

Os dados, após a transcrição e conferência, foram analisados qualitativamente,


de acordo com as categorias previstas, na elaboração dos objetivos.

Resultados e discussão

O BCR de Foz do Iguaçu surgiu a partir de uma parceria da Secretaria


Municipal de Esporte e Lazer de Foz do Iguaçu com a União dos Deficientes Físicos de
Foz do Iguaçu (UDF), tendo por objetivo desenvolver a auto-estima dos seus praticantes,
como também a inclusão dos deficientes físicos na sociedade.
A UDF, entidade filantrópica, fundada em 1995, nasceu da iniciativa e da
história de vida própria de uma pessoa que sofreu um acidente automobilístico e que
teve como objetivo de vida recuperar os movimentos e voltar a andar. Caso isso
acontecesse, dedicar-se-ia à causa das pessoas com deficiências de Foz do Iguaçu/PR.
Os treinamentos são realizados 4 vezes por semana. Os recursos para que
esta modalidade aconteça são carreados através de um convênio entre a UDF e a Secretaria
de Esportes do Município de Foz do Iguaçu/PR.

Características dos atletas:

A idade dos atletas variou de 21 a 52 anos. Porém, para eles o que interessa
é a força de vontade, motivação e a igualdade, e não a idade, já que nos treinamentos
todos são tratados de forma igual, sendo que muitas vezes isso não acontece em outros
locais quando em contato com outras pessoas. Isto condiz com a afirmação de Gorla,
Araújo & Carminato (2005), de que as pessoas com deficiência buscam o desporto por
melhoras no seu bem estar físico e psicológico.
O estado civil é diferenciado, 8 (oito) são solteiros, 3 (três) são casados e 2
(dois) são divorciados. Apenas 2 (dois) dos atletas têm filhos. Todos os atletas participantes
do estudo são paraplégicos e, ao serem questionados sobre as deficiências, afirmaram
que a deficiência foi adquirida por várias causas: arma de fogo, paralisia infantil, acidente
de trabalho, distrofia muscular e acidente automobilístico.
Em relação às profissões, apenas 3 (três) deles estão inseridos no mercado
de trabalho: comerciante, técnico administrativo e atendente comercial; os demais, pelo
contrário, não trabalham atualmente, mas antes de adquirirem a deficiência estavam
inseridos no mercado de trabalho; outros são aposentados. Isto condiz com o que foi dito
por Brazuna & Mauerberg-de Castro (2001), que os atletas com deficiência possuem
apoio financeiro do estado, ou auxilio por invalidez, além de empregos formais.
Uma das questões da entrevista visava a saber por que da busca dos atletas
pelo BCR. Os participantes responderam que no momento era o único disponível, e por
ser um esporte dinâmico, movimenta o corpo inteiro. A maioria dos atletas foi influenciada
por amigos, professores e médicos.
Mais uma vez os achados vêem ao encontro das afirmações de Brazuna &
Mauerberg-de Castro (2001), quando afirmam que os atletas buscam o desporto adaptado
por causa das necessidades terapêuticas e conseqüências sociais positivas. Os resultados

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 133


também condizem com as afirmações de Gorla, Araújo & Carminato (2001),
anteriormente citadas.
Para a prática desta modalidade, a maior dificuldade foi o manejo da cadeira,
por ser uma cadeira diferente da convencional. Isto é um detalhe importante, pois Teixeira
& Ribeiro (2006) afirmam que o domínio do corpo e da cadeira de rodas são os
fundamentos mais importantes para o aprendizado do BCR. Quanto aos aspectos positivos
em praticar o Basquetebol em Cadeira de Rodas, relatam que além de ser um lazer, uma
fisioterapia, é uma maneira de inclusão na sociedade e que existem poucas opções para
que tenham uma vida melhor.
Quando questionados sobre os meios de locomoção, os atletas afirmaram
fazer uso de triciclo, moto adaptada, automóvel adaptado, a própria cadeira de rodas e
ônibus. O uso de cadeiras de rodas como meio de locomoção é considerado normal em
se tratando de pessoas com paraplegia. Esta tendência não existe apenas no Brasil, e um
bom exemplo é a Holanda, citada no estudo de Kilkens et. al. (2005).
Também houve o interesse de saber sobre os ônibus adaptados de Foz do
Iguaçu. Segundo os entrevistados, existem somente 4 (quatro) ônibus adaptados na cidade,
com horários e pontos já determinados, sendo estes insuficientes. Porém, o que impressiona
é que a grande maioria dos atletas é independente para a locomoção.
Quanto às percepções dos praticantes sobre o impacto do basquetebol em
suas vidas, comentam que, mesmo sem benefícios financeiros, apontam o que esta
modalidade está proporcionando: desempenho físico, melhora da auto-estima, convívio
com outras pessoas com deficiência, descontração e alívio do stress, melhora da saúde,
maior sensibilidade nos movimentos, facilitação da integração e inclusão, surgimento de
oportunidades e aumento da força de vontade.
Os participantes relatam estar realizados, tanto físico como espiritualmente,
e consideram-se vitoriosos, tendo sensações de liberdade. Para eles, o esporte representa
uma conquista a mais, onde os mesmos sentem-se úteis. Relatam, também, que houve
uma melhora em relação à inclusão na sociedade, sendo que o esporte fez com que
ficassem mais conhecidos, adquirindo mais espaço.
Em geral, os benefícios relatados pelos participantes vêem ao encontro
daqueles identificados por Teixeira & Ribeiro (2006). Os participantes relatam que
geralmente surgem convites para ministrar palestras em escolas por toda a região, além
de convites para realizar jogos de exibição.
Ao relatar sobre suas rotinas, antes do início da prática do desporto, os
participantes emocionam-se, pois comentam que praticamente quase não saiam de suas
casas, pois a vergonha (principal motivo) causada pela deficiência os limitava. Relatam
que, até então, não existiam para a sociedade, e após as apresentações e as competições,
abriram-se as portas da cidade e começaram a conhecer outras pessoas, fazendo novas
amizades. Pôde-se perceber que todos os atletas obtiveram benefícios, sejam estes físicos,
psicológicos ou sociais.
Ao serem questionados sobre o impacto do BCR em suas vidas, todos foram
unânimes em dizer que o esporte é um dos meios de inclusão das pessoas com deficiência
na sociedade, o que permite afirmar que o BCR é um esporte facilitador da inclusão
social.
De fato, Labronici et al. (2000) realizaram uma pesquisa sobre o papel

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 134


integrador do esporte para o deficiente na sociedade, constataram importantes benefícios
sociais. No estudo, as modalidades contempladas foram o basquetebol e a natação. Os
praticantes de basquetebol apresentaram melhoras no trabalho, no relacionamento
interpessoal, nas atividades sociais de lazer e nos seus relacionamentos com parceiro.
Quanto ao técnico, o mesmo trabalha há 12 anos com o esporte adaptado.
Decidiu trabalhar com esta modalidade esportiva porque era atleta de futebol para
amputados e quando participava de competições observava o basquetebol em cadeira de
rodas. Sendo professor de Educação Física, trouxe para Foz do Iguaçu esta modalidade.
Comenta que o principal objetivo da equipe é mostrar para a sociedade que as pessoas
com deficiência podem mostrar suas capacidades através do esporte.

Considerações finais

Os dados obtidos neste estudo confirmam os dados da literatura que apontam


para o papel fundamental do esporte adaptado para o desenvolvimento do ser humano.
Através da vivência deste esporte por parte de pessoas com características
distintas, estas conseguem melhorar sua perspectiva de vida, uma vitória para quem,
conforme declarações, se via perdido em um mundo muito diferente do que estava
acostumado a viver.
Além de desvendar características pessoais importantes, o estudo
proporcionou visualizar uma melhora na condição de vida destas pessoas, por meio do
esporte que facilitou o processo de inclusão social.
Cabe destacar que para isto acontecer, sugere-se uma participação maior de
professores de educação física que proporcionem oportunidades a estas pessoas que têm
algumas limitações a mais que os “ditos normais”, fazendo com que elas não se sintam
inválidas, mas sim pessoas que podem melhorar a sociedade em que vivemos.
O estudo possibilitou detectar várias dificuldades para a prática do
basquetebol em cadeira de rodas, dificuldades que começam pela prática, como também
a locomoção dos atletas, o que demanda uma efetiva parceria com empresas de transportes,
por exemplo, dificuldades financeiras, já que a maioria dos atletas sobrevive de baixas
aposentadorias.
Não obstante, observou-se que a força de vontade e a busca por uma atividade
física trouxeram benefícios aos atletas, melhoria na qualidade de vida, apoio no combate
ao stress físico e psicológico, convívio com outras pessoas de cidades diferentes quando
das apresentações e competições, integração com a sociedade.
O resultado de maior evidência foi a melhora da auto-estima observada nos
participantes, pois muitas vezes, aquela é perdida por ignorância de pessoas que nem
sequer estendem a mão para ajudar na superação da deficiência e na adaptação à nova
vida.
Os treinos e jogos de apresentação deram um grande indício de que a
convivência entre pessoas com deficiência e a sociedade está caminhando, ainda que
timidamente, em busca de uma sociedade mais justa, que dê condições para que uma
pessoa, mesmo com várias dificuldades, não tenha receio de buscar seus direitos, e através
de seus direitos possam conviver e aceitar melhor tal situação.
Sabe-se que ainda há muitas barreiras a serem vencidas, sendo necessário

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 135


que as diferenças sejam respeitadas, garantindo a igualdade de oportunidades e
promovendo meios de acesso à melhor qualidade de vida, a qual todos têm direito.
O estudo mostra que todo ser humano tem suas dificuldades, como também
potencialidades, e que os profissionais da Educação Física devem dar oportunidade para
que toda pessoa, seja ela atleta ou aluno, com ou sem algum tipo de deficiência, tenha a
oportunidade de mostrar tais potencialidades, cada qual de seu modo, conforme suas
particularidades.
Este estudo possibilita que outros possam ser realizados, já que se verificou
uma carência de produção nesta área específica. O interesse demonstrado nos incentiva
a que, cada vez mais, possa haver profissionais interessados em produzir conhecimentos
no que se trata de valorização do ser humano, mas em especial às Pessoas com
Necessidades Especiais.

Notas
1
Professor de Educação Física. Doutorando em Educação Especial no Programa de Pós-Graduação em
Educação Especial da UFSCar. douglasedufisica@yahoo.com.br

2
Professor de Educação Física. Especialista em Educação Especial.

3
Professor de Educação Física. Especialista em Educação Especial.

Referências bibliográficas

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 137


PARTE II

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
E FORMAÇÃO DOCENTE
ANÁLISE DE DOIS CURSOS DE PEDAGOGIA, DO PROBÁSICA/UFRN,
NO TOCANTE À FORMAÇÃO INICIAL DE DOCENTES PARA ATUAÇÃO
EM CLASSES INCLUSIVAS

Lúcia de Araújo Ramos Martins1

Introdução

O movimento em prol da inclusão escolar de alunos com necessidades


especiais está relacionado a movimentos sociais mais amplos, que são voltados para a
garantia dos direitos humanos, que buscam o respeito às diferenças e o acesso de todos a
bens e serviços existentes na sociedade, sem discriminação. Envolve um repensar das
políticas e das práticas pedagógicas adotadas nas escolas regulares no que diz respeito a
todos os tipos de pessoas que se encontram excluídas da escola. (MARTINS, 2006)
Vários são os desafios a serem enfrentados, de maneira a possibilitar não
apenas o acesso e o ingresso desses educandos à escola regular, mas a sua permanência
nesse ambiente, com sucesso na aprendizagem, participando ativamente, sendo parte
integrante do grupo onde está inserido.
No que diz respeito às pessoas com necessidades educativas especiais, a
Declaração de Salamanca (1994), um dos documentos oficiais que estabelece diretrizes
para a educação, detalha aspectos relacionados a princípios e práticas educacionais a elas
direcionadas, enfatizando que as escolas inclusivas precisam reconhecer e responder às
necessidades diversificadas de seus educandos, atendendo aos diferentes estilos e ritmos
de aprendizagem, de forma a assegurar uma educação de qualidade para todos. Isso pode
ser conseguido mediante a utilização de currículos apropriados, mudanças organizacionais,
revisão constante das estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade.
(BRASIL, 1994)
Para tanto, cada vez mais se reconhece que especial atenção precisa ser
atribuída à formação inicial dos professores, de maneira a permitir o desenvolvimento de
um trabalho com diferentes tipos de educandos, nos vários níveis de ensino. A formação,
de acordo com os princípios de atenção à diversidade, deve possibilitar condições para
que os docentes reflitam constantemente sobre a sua prática, com vistas a melhor lidar
com as diferenças presentes no alunado.
Busca-se, hoje, portanto, uma preparação que seja capaz de lhes proporcionar
condições para ofertar uma atenção singular a cada aluno, diante da opção assumida pela
maioria dos países – inclusive pelo Brasil – para a construção de um sistema educacional
inclusivo. No entanto, embora apoiada em Declarações e Leis, a inclusão – com efetiva
qualidade – de pessoas com necessidades educacionais especiais na classe regular ainda
está longe de se concretizar na maioria das escolas brasileiras.
Um dos aspectos mais importantes para que isso se processe efetivamente é
a capacitação inicial do profissional de educação, considerada como a primeira etapa no
processo longo e diferenciado de seu desenvolvimento profissional. (TORRES
GONZALEZ, 2002)
Com vistas a essa formação inicial, a Portaria 1.793/94 do MEC recomendou

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 140


– entre outros aspectos – a inclusão de uma disciplina específica sobre “aspectos ético-
político-educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades
especiais”, prioritariamente nos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas.
No entanto, a partir de pesquisa empreendida junto a várias universidades
brasileiras, Chacon (2004) evidenciou que a Educação Especial ainda pode ser percebida
como uma área carente de formação de recursos humanos, embora considere que não se
pode obrigar, por força de lei, a adoção de qualquer disciplina num curso superior.
Há necessidade de existir, a partir da vivência educacional em escolas
regulares, a compreensão de que a preparação de profissionais de ensino, para atuar com
a diversidade do alunado em ambientes regulares, se faz cada vez mais necessária.
Embora se busque, neste artigo, abordar a formação inicial, é importante
destacar que a preparação dos profissionais de ensino não se esgota nesta etapa, mas
deve ser percebida como um processo contínuo que, embora apresente fases distintas,
deve durar durante toda a vida profissional do educador.
A formação continuada é vista, de acordo com a Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE, como

[...] uma das dimensões importantes para a materialização de uma política global
para os profissionais de educação, articulada à formação inicial e a condições de
trabalho, salário e carreira e deve ser entendida como a continuidade da formação
profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho
pedagógico[...]. (apud BITTENCOURT, 2003, p. 71).

O projeto

Com base nesses aspectos, foi empreendida uma investigação objetivando


analisar como vem se processando a formação inicial de docentes, no Estado do Rio
Grande do Norte, com vistas à inclusão de educandos com necessidades especiais, em
classes regulares, nos vários níveis de ensino.
De uma maneira específica, essa pesquisa objetivou conhecer como cursos
de licenciatura se estruturaram para colocar em prática a Portaria Ministerial 1793/ 94,
que prevê a inclusão de disciplina específica, nas licenciaturas, sobre o atendimento
educacional a alunos com necessidades educacionais especiais; investigar qual a visão
dos graduandos sobre a disciplina ministrada; conhecer qual a sua repercussão na percepção
que os graduandos apresentam sobre as pessoas com necessidades educacionais especiais
e a sua educação, bem como sobre a sua própria condição de ensinar a tais educandos;
levantar sugestões com vistas à melhoria da formação inicial dos professores nesta área.

Caracterização da população

Para fins deste artigo, situaremos dados relativos a dois cursos de Pedagogia
realizados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em convênio
com Prefeituras de três municípios, através de um Programa de Qualificação Profissional
para a Educação Básica – PROBÁSICA. Esse programa vem representando uma

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contribuição relevante da UFRN para melhorar a qualidade da escola pública de Ensino
Fundamental e Médio, pois tem possibilitado, desde 1999, formação superior a professores.
Destina-se, exclusivamente, a professores da rede pública, em efetivo exercício nas escolas
municipais e estaduais (UFRN, 1999).
No que diz respeito aos graduandos investigados, que totalizaram 150 pessoas,
observou-se que 114 (76%) eram do sexo feminino e 36 (24%) eram do sexo masculino;
pertenciam a uma faixa-etária de 22 a 40 anos; estavam cursando o 3o período do curso
de Pedagogia. O tempo de atuação desses docentes no sistema público municipal variava
bastante, de 5 a 22 anos de exercício profissional.

Procedimento de investigação

A investigação desenvolvida envolveu uma análise documental e uma


pesquisa de campo, na qual foram aplicados questionários, constituídos de perguntas
abertas e fechadas, entre todos os graduandos, no horário de aula, por se considerar que
são importantes para obtenção de dados em pesquisas sociais, visando ao conhecimento
de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, entre
outros aspectos. (GIL, 1991; RICHARDSON, 1999)
Foi realizada, também, entrevista com um dos coordenadores dos cursos,
pois, apesar do esforço empreendido e de algumas idas ao local de realização de um dos
cursos, não houve oportunidade para se manter um diálogo com o coordenador.
É importante salientar que na grade curricular dos cursos de Pedagogia do
PROBÁSICA não existe uma disciplina específica (como ocorre em cursos regulares de
Pedagogia da UFRN) que aborde a educação de pessoas com necessidades especiais,
atendendo à recomendação do MEC. No entanto, dependendo das solicitações dos
graduandos e do interesse dos coordenadores, são abordados conteúdos especificamente
voltados para este campo educacional, sob a forma de seminário, que pode ter uma carga
horária diversificada (UFRN, 1999) de 45, 60 ou 90 horas /aula. Isso faz com que a
inserção da disciplina seja processada de maneira instável, dependendo dos interesses
dos graduandos e do coordenador do curso. No entanto, embora estejam sendo reavaliados
os currículos dos cursos de Pedagogia na UFRN, ainda não há previsão de alterações dos
cursos do PROBÁSICA neste sentido.
Para fins deste trabalho, centra-se a atenção nos dados coletados com um
coordenador e com graduandos de dois cursos de Pedagogia desenvolvidos em 2002, nos
quais houve a inserção de um seminário sobre educação de pessoas com necessidades
especiais, sendo um realizado em convênio com a Prefeitura do município de São Miguel
do Gostoso, município que sobrevive principalmente da pesca e do comércio, sediado a
110 km a norte de Natal (RN) e o outro realizado conjuntamente pelos municípios de
Galinhos e Rio do Fogo, cuja principal atividade produtiva é a pesca, e que estão situados
respectivamente a 160 km e 83 km da capital do Estado.

Resultados e discussões

Destacaremos, neste momento, alguns dados construídos a partir da aplicação


de questionários com o coordenador do município de São Miguel do Gostoso e com

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 142


alunos dos cursos de Pedagogia do PROBÁSICA /UFRN, dos três municípios:

Município de São Miguel do Gostoso

Com relação aos dados obtidos através da entrevista realizada com a


coordenadora, verificou-se que o curso foi criado no ano de 2001, sendo reconhecido
pelo MEC e, na época da pesquisa, nele se encontravam matriculados 100 alunos, que
responderam ao questionário.
A coordenadora informou, ainda, que a grade curricular não atendia à Portaria
1.793/94 do MEC, mas que há – a exemplo do que ocorre em outros cursos – uma
abertura para inserção de temas de interesse, por solicitação dos alunos, através de quatro
“Seminários Abertos”.
Como muitas dessas solicitações eram direcionadas para a temática da
Educação Especial / Inclusiva, foi-se estruturado um seminário, com uma carga horária
de 90 horas/aulas sobre o tema. Isso evidencia a necessidade sentida pelos graduandos,
no cotidiano escolar, tendo em vista que, como vimos, todos os professores em formação
são do sistema municipal de ensino e se deparam com o ingresso na instituição escolar
regular de educandos com deficiência ou outra necessidade educacional especial, sem
que se sintam preparados para recebê-los.
Como sugestão para o aprimoramento do processo de formação dos
licenciandos no tocante a essa área de conhecimento, a coordenadora propõe que em
todos os cursos do PROBÁSICA seja sempre direcionado para tal fim, em caráter
obrigatório, um dos quatro “Seminários Abertos”, com carga horária substancial.
Quando questionados com relação ao nível das informações recebidas, a
maioria dos alunos pesquisados (92%) analisou o conteúdo da disciplina como muito bom,
pois resultou em informações sobre como trabalhar pedagogicamente com pessoas que
apresentam necessidades educativas especiais, numa perspectiva inclusiva, e onde buscar
outros conteúdos para um melhor aprofundamento teórico. Os demais (8%) justificaram
que, como conseqüência do pouco tempo destinado à disciplina, consideravam que tinham
recebido apenas algumas noções básicas, sendo importante um maior aprofundamento
teórico e prático. Diante desse fato, sugeriram uma maior carga horária para a disciplina
(ou a inserção de outra disciplina complementar), que propiciasse oportunidades para
vivências, pesquisas e estágios, assim como a promoção de cursos de capacitação pelo
sistema público para toda a instituição escolar, com vistas a um melhor aperfeiçoamento
nesse campo educacional.
Verificou-se, também, que 58% dos pesquisados não tiveram oportunidade
de participar de atividades de cunho extracurricular, que lhes proporcionassem outros
conhecimentos na área, bem como que propiciassem trocas significativas com outros
profissionais. Sendo assim, apenas 42% participaram de seminários e palestras, visando a
conhecer mais sobre as diversas deficiências, destacando que nesses eventos foram
focalizados diversos aspectos sobre educandos com deficiência auditiva, visual e física,
paralisia cerebral, altas habilidades e autismo.
Apesar das avaliações positivas realizadas pela maioria dos alunos, no tocante
à metodologia utilizada e aos conteúdos ministrados, observamos que através de suas
respostas apenas 10% se consideram aptos para atuar numa classe inclusiva, enquanto

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59% se julgam em parte preparados para o exercício dessa função, assim como representado
no Gráfico 1, pois acham que ainda requerem um maior aprofundamento teórico-prático,
bem como se faz necessária a estruturação, nas escolas, de serviços de apoio pedagógico,
de acordo com o que preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
no 9394/96. Destacam, também, a importância da instituição escolar, de maneira ampla,
ser também orientada para receber e atuar com o aluno com deficiência.
Buscando saber qual a percepção desses alunos sobre as pessoas com
necessidades especiais, constatou-se que para 42% dos pesquisados, são como pessoas
comuns, com limitações e capacidades, que têm direito a uma participação ativa na
sociedade. Em contrapartida, 25% os vêem como pessoas capazes de realizar atividades,
desde que haja respeito ao seu ritmo e à forma de realizá-las, e 33% dos sujeitos não
responderam a esta questão, conforme representado no Gráfico 2.
GRÁFICO 1 GRÁFICO 2

Preparação para atuar numa classe Percepção sobre as pessoas com

inclusiva deficiência

Como
pessoas
25% comuns
10% S e n te m - s e
e m p a r te Como
p re p a r a d o s pessoas
N ão se
s e n te m capazes
59%
p re p a r a d o s
31% E s tã o Não
p re p a r a d o s 42% 33% respondeu

No que se refere à forma como se deve processar a educação dessas pessoas,


ocorreu o seguinte resultado: a maioria dos sujeitos investigados (42%) acredita que essa
educação deve se processar de maneira conjunta com os demais alunos de sua faixa
etária, em classes regulares, sendo favoráveis à educação numa perspectiva inclusiva;
25% acreditam que deve ocorrer de forma inclusiva, porém, percebem como
imprescindível o apoio de profissionais especializados (psicólogo, professor especializado,
fonoaudiólogo, entre outros), com vistas a orientar os docentes e complementar a ação
empreendida na escola regular; os demais (33%) acham que só deve ser empreendida em
instituições especializadas, pois consideram que, em decorrência das suas especificidades
e das condições ainda existentes nas escolas, requerem um atendimento específico que
não tem como de ser ofertado na escola regular, demandando um trabalho muito sério de
preparação da instituição para recebê-los (Gráfico 3).

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Analisando a situação desses graduandos, percebe-se que tem ocorrido alguns
avanços, mas, conforme bem situa Carvalho (2004), resistências ainda ocorrem, devendo
ser percebidas como naturais, pois o novo ainda assusta e a mudança é um processo
lento e sofrido.

GRÁFICO 3

Forma como deve se processar a educação

Observa-se, portanto, que ainda existe, em um número considerável de


docentes, uma resistência ao processo inclusivo dessas pessoas que foram / são
tradicionalmente excluídas da escola, pois esta comumente foi / é destinada “[...] a alunos
ideais, padronizados por concepção de normalidade e eficiência arbitrariamente definida”.
(MANTOAN, 2006, p. 25). Esquecem que a escola é que deve procurar se adaptar para
atender à diversidade do alunado e que, se isso realmente ocorrer com base numa
construção coletiva, todos se beneficiarão com esse processo.

Municípios de Galinhos e Rio do Fogo

O trabalho investigativo foi desenvolvido com um universo correspondente


a 73% do total dos 50 alunos, que se encontravam em processo de licenciamento e que
tivessem cursado, pelo menos, uma disciplina referente à Educação Especial / Inclusiva.
Os dados coletados entre os graduandos pertencentes aos dois municípios foram analisados
conjuntamente, pois compunham uma só turma do Curso de Pedagogia, através do
PROBÁSICA.
Destaca-se que 100% dos alunos investigados avaliaram o nível das
informações recebidas na disciplina como muito bom e bom, já que lhes propiciou uma
maior preparação no campo educacional, trazendo-lhes mais segurança e suscitando o
desejo de aprofundar conhecimentos, visando à realização de um trabalho pedagógico
mais efetivo, numa perspectiva inclusiva.
Com base na vivência que tiveram, sugeriram, para aprimorar a formação
inicial, que houvesse uma disciplina com carga horária maior; investimento na aquisição
de material bibliográfico na área, pela coordenação do PROBÁSICA, para propiciar
aprofundamento de estudos; realização de estágios no decorrer da formação; realização
de palestras com profissionais especializados e de conversas informais com pessoas que
apresentam necessidades especiais, no intuito de promover uma discussão mais ampla
em torno da realidade educacional existente. Acreditam que, assim, podem conhecer e
vivenciar a situação existente com essas pessoas.
Quanto à capacidade dos sujeitos pesquisados para atuar numa classe

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inclusiva, o Gráfico 4 evidencia que 25% deles consideram-se capazes de atuar
conjuntamente com educandos normais e com necessidades especiais, pois acham que
adquiriram conhecimentos relevantes no curso. Os demais (75%) sentem-se apenas em
parte preparados, pois acham que, apesar de terem construído conhecimentos substanciais,
ainda é necessário um maior aprimoramento, visto que o tempo destinado à disciplina
(45 horas/aula) foi exíguo, não favorecendo discussões mais aprofundadas, bem como
uma visão prática sobre o trabalho pedagógico com esses educandos. Destacam, como
conseqüência, que ainda vivenciam sentimentos de insegurança, ansiedade e medo (por
exemplo, de falhar, de não saber como atuar com esses educandos que fogem ao padrão
idealizado e propagado) no desenvolvimento do trabalho educativo.
Tais depoimentos corroboram também com a visão de Torres González
(2002), ao afirmar que esses sentimentos têm profunda correlação, na maioria das vezes,
com a falta de preparo e informação e com a existência de experiência. Qualquer aluno
que, sendo formado para ser professor, deveria receber uma adequada preparação básica,
que lhe proporcionasse algumas estratégias para desenvolver seu trabalho com alunos
que apresentem necessidades específicas, de modo a poder oferecer-lhes respostas
adequadas em situações cotidianas.

GRÁFICO 4

Preparação para atuar numa classe inclusiva

25%

Sentem-se
preparados
Em parte
preparados
75%

Os graduandos investigados desses dois municípios percebem as pessoas


com deficiência de diversas formas (Gráfico 5): 50% acham que eles são capazes de
desenvolver sua aprendizagem, apesar desta se processar, em geral, de uma forma mais
lenta e que, como todas as outras pessoas, merecem respeito da parte dos que com eles
convivem; 38% acreditam que essas pessoas são diferentes, porém capazes de realizar
atividades numa escola regular, desde que respeitado o seu ritmo e suas condições, mas
que isso não significa que elas devam ser tratadas como coitadinhas, ou seja, com
sentimentos de comiseração, centrando, assim, o olhar no defeito e, conseqüentemente,
vendo-os sob o prisma da incapacidade; 6% dos pesquisados evidenciaram, através de
suas respostas, que não compreenderam a questão formulada, pois a responderam de

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maneira vaga, sem nexo.
GRÁFICO 5

Percepção sobre as pessoas com deficiência

Pessoas capazes
38%
Pessoas diferentes

50% Deficientes
Não compreendeu
6% 6%

Em relação à forma como se deve processar a educação dessas pessoas, de


acordo com o Gráfico 6, a maioria (69%) acha que deve ocorrer em escolas inclusivas,
que sejam efetivamente democráticas e adequadas às necessidades especiais dos alunos,
em que se evidenciem o empenho (não apenas em recebê-los, mas também em fazê-los
avançar em sua aprendizagem), bem como o compromisso e o respeito da parte de todos
que formam a comunidade escolar; 19% ainda mantém uma visão paternalista sobre
essas pessoas, considerando que requerem, em sua educação, amor, dedicação, carinho,
paciência, devido às suas especificidades, sem apontar para aspectos relacionados à sua
aprendizagem e inclusão social; os demais (12%) não responderam à questão formulada.
GRÁFICO 6

Percepção sobre como deve se processar a educação dos alunos com


necessidades educativas especiais

De maneira
19% inclusiva
12% Com amor,
carinho
Não
69% Compreendeu

Algumas considerações

A partir da investigação realizada, observa-se que, apesar de os graduandos


reconhecerem a relevância da ação pedagógica realizada, através da disciplina eletiva
ministrada sob forma de seminário, nos dois cursos pesquisados evidenciou-se – entre
outros aspectos – a necessidade de:

1) Uma análise mais detalhada da estrutura curricular do curso, das ementas e objetivos

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estabelecidos nas diversas disciplinas, com vistas a um maior aprofundamento nesse
campo educacional, em que se estude a possibilidade de inserção – a exemplo do que
ocorre no curso de Pedagogia do Campus Central da UFRN, em Natal – de conteúdos
sobre a educação de pessoas com necessidades especiais em outras disciplinas (ex.:
História da Educação, Psicologia Educacional, Sociologia, entre outras) e de, pelo
menos, uma disciplina obrigatória com maior carga horária, ministrada ao longo do
semestre letivo e não de uma forma intensiva, como ocorrem nos seminários temáticos,
bem como a realização de outras disciplinas eletivas que propiciem, com maior
profundidade, aspectos teóricos e metodológicos relacionados à educação de todos
os alunos, numa perspectiva inclusiva e
2) Realização de atividades diversas, durante a formação inicial, que suscitem processos
reflexivos sobre a realidade vivenciada pelas pessoas com necessidades educacionais
especiais e sobre a sua educação, fazendo uma correlação mais efetiva entre a teoria
trabalhada e a prática vivenciada com estes alunos nas escolas regulares de âmbito
público e privado, numa perspectiva inclusiva, assim como a quebra de barreiras
atitudinais e pedagógicas ainda existentes.

Urge, portanto, um maior investimento na formação inicial de profissionais


de ensino, de maneira mais coerente com os princípios de atenção à diversidade, passo
importante para a ampliação e/ou aprimoramento do processo educacional para todos
os alunos, sem distinção.
No entanto, é importante ter claro que nenhum curso de graduação – ou até
mesmo de pós-graduação – vai possibilitar um conhecimento completo, pleno, sobre
como atuar com a diversidade do alunado na classe regular. A formação de professores
deve ser percebida sempre como um continuum, como um processo que, embora constituído
por fases diversas, possui uma conexão profunda.
Dificuldades, dúvidas, incertezas, certamente emergirão durante todo o
processo formativo, bem como durante o exercício da função docente, o que vai exigir
aprofundamento de estudos, reflexão e adaptações constantes em suas práticas, levando
os professores, e também os demais profissionais que compõem as equipes escolares, a
sentirem necessidade de conhecer melhor seus alunos, rever constantemente suas atitudes,
seus planejamentos, seus procedimentos pedagógicos e avaliativos, encontrar espaços e
meios adequados para discutir problemas de ensino surgidos no cotidiano de suas salas
de aulas e da escola.
A formação continuada deve ser pensada sempre de forma coerente com a
realidade vivenciada em cada escola, respeitando-se os saberes docentes que foram
construídos ao longo da vida profissional. É importante, para tanto, deixar de lado a
maneira clássica de como ocorrem os cursos de atualização / aperfeiçoamento, que são
realizados geralmente de maneira padronizada pelas secretarias de educação ou pelas
instituições de ensino superior, sem considerar as reais necessidades dos profissionais de
ensino, no cotidiano escolar.

Notas
1
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Referências bibliográficas

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Profissional para Educação Básica. Natal: EDUFRN, 1999.

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AS EXPECTATIVAS QUE PERMEIAM A PRÁXIS DOS ESTÁGIOS
SUPERVISIONADOS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO
INFANTIL

Marcela Gama da Silva1


Sonia Lopes Victor2

Introdução

O estágio supervisionado tem grande importância na formação inicial do


professor e do pedagogo, por promover vivências diversificadas no âmbito escolar,
levando-os a dar início à constituição de suas identidades profissionais à medida que
possibilita a reflexão e a análise crítica das diversas representações sociais historicamente
construídas e praticadas. A identidade que se vem constituindo durante o processo de
formação vai ressignificando-se no confronto com as representações e com as demandas
sociais, para o qual são necessários os conhecimentos, os saberes, as habilidades, o
compromisso profissional e uma postura voltada para a auto-reflexão.
Para mediar essa construção, é necessário que o estágio supervisionado seja
um momento singular na formação do futuro professor, tendo em vista que pode
proporcionar conhecimento sobre a realidade escolar e possibilitar a construção de uma
práxis na qual teoria e prática estejam imbricadas. No entanto, cabe reconhecer que as
dificuldades enfrentadas são inúmeras. Dentre elas destaca-se o pouco conhecimento do
cotidiano da escola pública pelos alunos-estagiários, cotidiano representado pelas culturas,
pelos valores, pelos ideais, enfim, pela diversidade do coletivo escolar, devido a uma
elaboração inadequada do currículo, que proporciona ao aluno grande parte de uma
trajetória acadêmica desvinculada da prática.
O currículo do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo,
em vigor no ano de 2005, período em que foi realizada esta pesquisa, tinha como base a
formação do pedagogo e como princípio orientador a docência nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, na Educação Especial, na Educação Infantil, na Educação de
Jovens e Adultos e, também, em Gestão da Educação. Como na maioria dos currículos
de outras universidades, ao final do curso eram oferecidas as disciplinas de Estágio
Supervisionado, evidenciando de certa forma a dicotomia existente entre teoria e prática.
Na tentativa de superar essa dicotomia entre teoria e prática, Pimenta (1994
apud PIMENTA & LIMA, 2004) aponta:

[...] o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo


e intervenção na realidade, esta sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da
sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá. (p.
45).

Nesse sentido, as disciplinas de Estágio Supervisionado em Educação


Especial e Educação Infantil ganharam um novo significado, na medida em que buscaram,
juntas, se constituírem como momentos articuladores entre os estudos teóricos do curso

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de Pedagogia e a docência – vivenciada na escola, entendendo, nesse sentido, a prática
pedagógica como desencadeadora de questões a serem tratadas em teoria e vice-versa,
possibilitando, dessa forma, reflexões sobre uma prática criativa e transformadora que
possibilitasse a reconstrução e redefinição de teorias que sustentassem o trabalho docente.
Em um âmbito escolar reflexivo e crítico, encontra-se o suporte necessário à produção
de novos conhecimentos sobre a educação, que auxiliarão na formação e desenvolvimento
de todos os sujeitos envolvidos nessa prática.
Essas questões são levantadas por Alarcão (2003), ao apontar a importância
de uma escola reflexiva que a autora define como “[...] organização que continuadamente
se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o
desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e
formativo”. (p. 37).A proposta do trabalho em conjunto das disciplinas de Estágio em
Educação Especial e Estágio em Educação Infantil faz-se interessante, unindo em uma
mesma sala de aula duas estagiárias, pois proporciona reflexões sobre o cotidiano escolar
entre as alunas que possuem aprofundamentos em áreas distintas, levando a uma busca
em conjunto da melhoria da prática de ensino.
A transição dos estagiários em condição de aprendizes, formadores e
formandos, dos espaços da escola para a universidade e da universidade para a escola,
permeia a construção de uma práxis com muitas expectativas desses alunos em relação
ao ingresso na instituição escolar. Da mesma forma em que a entrada desses alunos-
estagiários nos ambientes da escola produz nos professores que irão recebê-los diversas
expectativas.
Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo analisar as expectativas dos
estagiários diante de sua inserção no ambiente escolar e as expectativas dos profissionais
que irão recebê-los nas salas de aula, visto que a construção da práxis ocorre, dentre
outras maneiras, a partir da relação professor/estagiário, e bem como compreender de
que forma essas diferentes expectativas influenciam nas ações do cotidiano escolar.
É de extrema importância que as expectativas percebidas sejam trabalhadas
pelos professores-orientadores da disciplina de Estágio de forma a levarem não só os
alunos como também os professores das escolas que receberão os estagiários a
compreenderem a dinâmica do estágio e a presença dos estagiários nas escolas, embasados
em fundamentos, natureza e objetivos claros.

Materiais e Métodos

A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa em uma abordagem de estudo


de caso, tendo como principais instrumentos de coleta de dados a observação-participante,
a entrevista semi-estruturada e o registro de diário de campo. O campo de investigação
foi o ambiente natural da Universidade e de três Centros de Educação Infantil da Rede
Municipal de Vitória.
O grupo de sujeitos pesquisados era composto de quatorze alunas
matriculadas nas disciplinas de Estágio em Educação Especial ou Estágio em Educação
Infantil do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, e de
sete professoras dos três Centros Municipais de Educação Infantil que receberam as
duplas de estagiárias na sala de aula.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 151


Foram realizados acompanhamentos dos encontros ocorridos com as alunas
na Universidade, durante os quais foram registrados, em forma de áudio-gravação, as
expectativas apontadas por elas em relação à inserção no cotidiano escolar e como essas
expectativas iam sendo concretizadas ou não. Também com as professoras que se
propuseram a receber as alunas foi realizada entrevista semi-estruturada, indagando sobre
suas expectativas quanto ao ingresso dos alunos da disciplina de Estágio no ambiente
escolar e, em especial, na sala de aula.
O acompanhamento do cotidiano escolar pela via do diário de campo permitiu
ainda apreender como as expectativas dos principais envolvidos nesse processo, professor
e estagiário, interferem nas ações conjuntas no ambiente escolar.
A pesquisa de Barreto, Ronchi Filho & Victor (2004), à qual o trabalho está
vinculado, forneceu bases sólidas de estudos no decorrer da investigação. Para orientação
dos estudos, foram realizadas leituras e discussões a respeito de estágio, docência, formação
inicial e continuada, professor reflexivo. Os autores Pimenta & Lima (2004), Pimenta &
Ghedin (2002), Alarcão (2003), Candau (2002), Piconez (1994), Vallejo (2002), Linhares
(2004) e Sacristán (2002) fundamentaram as análises dos dados coletados na pesquisa.
Muitas são as considerações e proposições elaboradas a partir desta pesquisa,
que podem contribuir para a reflexão e organização de uma proposta de trabalho para os
Estágios Supervisionados e para o fortalecimento da relação escola/universidade.

Resultados e discussão

Diante da análise das entrevistas realizadas com as estagiárias, foi possível


identificar seis categorias em torno das expectativas a respeito do Estágio: troca de
conhecimentos, boa acolhida, possibilidade de reflexão sobre a prática, novas experiências,
trabalho em equipe, boa orientação.
A primeira categoria mostra-nos que as alunas-estagiárias concebem o Estágio,
no processo de formação do professor, como uma “via de mão dupla”, na qual tanto elas
se beneficiam com o conhecimento pedagógico da professora cooperadora do Estágio
como a professora cooperadora se beneficia do conhecimento acadêmico das alunas-
estagiárias, possibilitando novidades para a formação inicial e continuada.
A segunda categoria destaca a necessidade de as alunas-estagiárias se sentirem
bem recebidas pelos profissionais da escola, principalmente pelas professoras cooperadoras
do Estágio, possibilitando, dessa maneira, abertura para que elas possam realizar os
trabalhos de forma mais participativa.
A terceira categoria expressa a visão que as alunas-estagiárias têm do campo
de Estágio como sendo um espaço propício à análise e reflexão das ações realizadas
tanto por elas quanto pelos demais funcionários da instituição.
A quarta categoria expõe a ansiedade das alunas estagiárias em relação ao
ingresso na escola, uma vez que grande parte delas não possui experiências anteriores em
escolas, e aquelas que as possuem estão restritas a pequenas escolas da rede particular de
ensino. A quinta categoria focaliza a preocupação das alunas em se fazerem presentes
nos diferentes momentos da rotina da escola, participando de forma ativa dos
planejamentos e reuniões, sendo consideradas em suas observações.
A sexta e última categoria listada destaca o desejo que as alunas têm de que

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a escola não perca de vista que elas estão em processo de formação e assim possa orientá-
las da melhor forma possível em suas ações pedagógicas.
Da mesma forma, as professoras que participaram da pesquisa apontaram
diversas expectativas em torno da entrada das estagiárias no ambiente escolar: cooperação
dos estagiários; enriquecimento do cotidiano com novas idéias; auxílio na formação inicial;
possibilidade de troca de experiências; seriedade profissional; contribuição para a formação
continuada.
As professoras, ao apontarem como expectativa o desejo de que os estagiários
sejam cooperadores, levantam uma questão que deve ser revista pelos orientadores de
Estágio: a permanência das estagiárias na sala de aula com a proposta de apenas
observarem o andamento das aulas, sem se envolverem no processo, o que incomoda
visivelmente os professores.
Quando abordam a questão do enriquecimento do cotidiano com novas
experiências, as professoras alegam a importância das estagiárias no desenvolvimento do
cotidiano da escola como um todo por trazerem novas idéias.
A terceira categoria apontada pelas professoras expressa a consciência da
importância do Estágio para a formação inicial das alunas, embora ao mesmo tempo
deixem transparecer insegurança por não saberem se a transmissão de conhecimentos às
estagiárias ocorrerá de forma satisfatória.
A quarta expectativa destaca o momento de Estágio das alunas em sala como
oportuno à troca de experiências e conhecimentos, sendo ressaltada pelas professoras a
possibilidade de pensarem juntas propostas em torno da realidade vivida.
Uma questão importante levantada também se refere à seriedade que as
professoras esperam que as estagiárias apresentem no que se refere às questões que
envolvem as suas funções no âmbito escolar, visto que estão a poucos passos de uma
entrada efetiva no campo profissional.
Uma expectativa que merece atenção especial, mas que não foi muito citada,
foi a oportunidade de formação continuada proporcionada pela ligação, por meio dos
estagiários, entre escola e universidade.
As nossas considerações sobre a análise das expectativas encontradas, levando
em consideração a inserção das alunas no ambiente escolar, levantaram questões que
foram sendo trabalhadas pelos orientadores de Estágio durante a pesquisa, não só com
as alunas como também com as instituições que as receberam.
Por ocasião dos encontros em que as alunas-estagiárias relataram com detalhes
os acontecimentos observados durante sua permanência na escola, foi possível constatar
que algumas professoras se apresentam bastante fechadas à troca de conhecimentos,
parecendo não se sentirem seguras em compartilhar com as alunas conhecimento já
adquirido por elas, o que vai de encontro à grande expectativa apontada pelas alunas em
relação à sua inserção nas escolas. Isso se faz claro em um trecho relatado por uma dupla
de estagiárias:

“De início ela (professora) não dava abertura para que pudéssemos conversar com a turma,
sempre dava algumas ordens para fazermos algo, inclusive para ir ao banheiro e beber água por
várias vezes”.

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Porém, mesmo não sendo apontada pela grande parte das professoras como
uma expectativa à inserção das alunas na escola, a maioria mostrou-se aberta à troca de
experiência, o que levou a aprendizagens significativas e enriquecedoras, como o episódio
a seguir relata:

“[...] foi fonte de inspiração para a nossa prática em sala de aula. Em nenhum momento se
recusou a esclarecer nossas dúvidas e esteve sempre disposta a nos auxiliar durante todo estágio.
Sempre aberta a sugestões, nos questionou diversas vezes sobre alguns assuntos e pedia a nossa
opinião enquanto estudantes do curso de Pedagogia e alunas da universidade.” (Relato da
aluna-estagiária sobre a relação que construiu com a professora).

Foi discutida nos encontros a importância de um bom acolhimento aos


estagiários por parte dos profissionais da escola para que as alunas possam sentir
receptividade a seus trabalhos. Os relatos a seguir exemplificam duas realidades distintas,
proporcionando ou não abertura para a realização do Estágio:
“Chegamos à escola e ficamos deslocadas sem sabermos se realmente estava tudo OK para
começarmos o Estágio, porque ninguém se aproximou nem para perguntar o que queríamos ali”.
(Relato das estagiárias sobre uma escola A).
“Fomos recebidas pela diretora que nos indicou às duas pedagogas para que nos orientassem.
Fomos muito bem recebidas. Obtivemos junto a uma das pedagogas cópia de alguns documentos
das crianças que iremos acompanhar (anamnese, laudo da APAE certidão), além de informações
preciosas que poderão facilitar o nosso trabalho. Também fomos muito bem recebidas pelas
professoras e pelas crianças”. (Relato das estagiárias sobre uma escola B).

Mas segundo as professoras, para que o acolhimento aconteça de forma a


proporcionar uma realização de Estágio ampla, há necessidade de um encontro anterior
à chegada das alunas à instituição, no qual sejam esclarecidos para todos os funcionários
da escola os objetivos e a proposta do Estágio.
Outra questão apontada durante os relatos foi a falta de inserção das alunas
na equipe de trabalho, deixando-as de fora de planejamentos, reuniões e grupos de estudo,
aspectos de grande importância na formação das alunas. Freqüentemente lhes é delegada
a função de “vigiar” as turmas durante esses horários, o que se contrapõe à expectativa
das professoras ao colocar a necessidade de as estagiárias enriquecerem o cotidiano da
escola com sua participação ativa nos processos que a envolvem, visto que as ações não
são realizadas desvinculadas de um processo mais amplo, para o qual a participação das
estagiárias é de extrema importância, a fim de que elas possam ter visão do todo e, assim,
poderem auxiliar de forma mais consciente no andamento do processo educacional.
Barros (2004, apud LINHARES, 2004) aponta esses momentos de trabalho
com toda a equipe escolar como fundamental:
Os espaços coletivos de análise são elementos fundamentais para que se construa
o conhecimento de trabalhadores e pesquisadores e, no mesmo movimento,
atuar na formação de profissionais comprometidos com a proposta de invenção
da escola. Exercita-se o ouvir, o entender, o discordar, o debater e o criticar.
(p. 97).

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Outro ponto relatado pelas alunas-estagiárias, que foge às expectativas
apresentadas por elas e que está estreitamente ligado à falta de inserção das alunas na
equipe de trabalho, é a pouca orientação oferecida pela escola, que muitas vezes distribui,
até mesmo devido ao tempo corrido, funções aos estagiários sem se preocupar em esclarecer
as propostas existentes e seus objetivos, o que leva a ações reproduzidas.
As estagiárias levantaram o período de Estágio como propício à reflexão
sobre a prática, porém, as reflexões aprofundadas aconteciam durante os encontros no
ambiente da Universidade, durante os quais eram retratadas as vivências nas escolas,
deixando de fora desse processo de reflexão os sujeitos mais importantes: os professores.
Podemos afirmar que esse momento de reflexão é o disparador tanto na
formação inicial quanto na formação continuada dos sujeitos envolvidos no processo
educacional, visto que os leva a pensar e repensar a prática realizada, de forma crítica,
buscando inovar as ações com o propósito de alcançar sempre transformações significativas
para melhoria do ambiente escolar.
A busca por profissionais mais reflexivos sobre suas práticas é algo que vem
ganhando força no ambiente das escolas, visto que, por meio da formação continuada,
momento em que se explicitam as necessidades dos professores diante dos conflitos e
dilemas de suas atividades de ensinar, ocorre uma conscientização do professor de que
sua prática envolve um comportamento de observação, reflexão crítica e reorganização
de suas ações.
A maioria dos professores das escolas que recebem as estagiárias, mesmo
não enfatizando esse fato durante a entrevista, vê nos estagiários um fator importante de
ligação com a Universidade, buscando, por meio deles, uma atualização no que diz respeito
aos estudos acadêmicos e a questões macroestruturais.
A necessidade de que os estagiários se envolvam de forma atuante e
responsável no processo educacional foi um aspecto muito pertinente levantado pelos
professores, visto que a vida acadêmica está ficando para trás e um perfil de professora
começa a ser traçado, sendo necessário, dessa maneira, um comprometimento por parte
dos estagiários.

Considerações Finais

Essas questões foram trabalhadas durante o período letivo pelos professores-


orientadores com as alunas-estagiárias, por meio de discussões, leituras e análise crítica
da realidade à luz das teorias, o que trilhou caminhos para proposições de novas
experiências. Ao final desse período, foram, ainda, realizados nas escolas encontros com
o propósito de serem feitas avaliações e reflexões de temas que abordassem diversas
questões necessárias ao cotidiano escolar, como retenção na Educação Infantil, exclusão,
abuso sexual, formação continuada, levando em consideração as estagiárias em formação
nesse contexto.
É importante que os professores das disciplinas de Estágio Supervisionado
tenham clareza sobre o papel dessa disciplina na formação dos profissionais da educação,
procurando, dessa forma, fazer com que ela se torne significativa no âmbito educacional,
proporcionando mudanças positivas a partir do trabalho com os principais envolvidos
nesse processo: estagiário e professor.

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As expectativas dos sujeitos envolvidos no cotidiano escolar em relação à
entrada de novos sujeitos e as expectativas desses em relação a essa nova e importante
experiência que é o Estágio Supervisionado são pontos fundamentais a serem trabalhados
para que se alcancem novos caminhos na busca de uma formação menos alienada, levando
a dimensões mais produtivas no que diz respeito ao processo educativo e à formação de
profissionais reflexivo-críticos, cuja “passagem” na escola seja mobilizadora de outras/
novas práticas e reflexões.

Notas
1
Mestranda da linha de Diversidade e Práticas Inclusivas do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFES.

2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES.

Referências Bibliográficas

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a intervenção didática. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 156


PERFIL OCUPACIONAL DE PROFESSORES DE LONDRINA QUE
BUSCARAM A FORMAÇÃO DE ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO
ESPECIAL

Maria Cristina Marquezine1


Rosangela Marques Busto2
Viviane Maronei Tramontina3
Sadao Omote4

Introdução

Após ter constado algumas defasagens no Curso de Especialização em


Educação Especial da UEL, diante do aparecimento do novo documento sobre Diretrizes
Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), elaboradas
pela Secretaria de Educação Especial, começou-se a pensar em uma maneira viável de
reformular o curso, baseada em resultados científicos. Um dos passos para fazer tal
reformulação seria avaliar as exigências teóricas da área sobre a formação de professores
e a identificação das exigências do mercado de trabalho para a contratação desse
profissional. A discussão sobre a formação de professores de Educação Especial tem
apresentado posições que variam desde a formação do especialista ou generalista
(BUENO,1999), passando pela formação do especialista por modalidade de deficiência
ou em educação especial (OMOTE, 1999a; 1999b; 2003), ou, ainda, pelo desenvolvimento
de competência profissional (FREITAS, 2004), entre outras. (JANNUZZI, 1999;
FERREIRA, 1999; MENDES, 1999).
Uma das sub-etapas desse caminho seria a identificação da trajetória
profissional percorrida pelo candidato que buscou fazer a formação de professores de
educação especial, apesar de já possuir um curso de formação de professor que o qualificava
para exercer a profissão na Educação Básica. O trabalho de Palmiere (1996), que estudou
a relação entre a formação recebida no curso de Psicologia da UEL e desempenho
profissional, e o trabalho de Mendes et al. (1998), que buscou caracterizar o perfil do
profissional formado pelo programa de pós-graduação em Educação Especial da
Universidade Federal de São Carlos, foram os referenciais teóricos que nortearam os
caminhos percorridos para a identificação dos dados que iriam ajudar a reformulação do
curso baseada em pressupostos científicos. A pesquisa de Palmiere (1996) traçou um
paralelo entre as várias alterações curriculares do curso estudado e o tipo de atuação
profissional desenvolvida pelo egresso. Mendes et al. (1998) desenvolveram uma pesquisa
na qual os egressos do curso avaliariam o programa de pós-graduação stricto sensu. Para
que a avaliação do curso, sob o ponto de vista do egresso, pudesse ser um trabalho bem
caracterizado e bem estruturado, era importante ter informações precisas sobre as pessoas
que iriam desenvolver tal trabalho.
Diante da amplitude do projeto original desenvolvido através de um estudo
de caso e baseando-se na premissa de que a identificação dos dados sociográficos das
pessoas que iriam fazer a avaliação do curso era muito importante, foi estabelecido,
como objetivo desta pesquisa, identificar e analisar o perfil dos egressos do Curso de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 157


Especialização em Educação Especial – Deficiência Mental da Universidade Estadual
de Londrina.

Método

Descrição dos participantes

Participaram do estudo 50 egressos do Curso de Especialização em Educação


Especial – Deficiência Mental da UEL, que eram professores na cidade de Londrina, dos
quais três (6%) eram do gênero masculino e 47 (94%) do gênero feminino. A idade média
dos participantes, na época da coleta de dados, era de 40 anos, com o mínimo de 27 e
máximo de 59 anos.

Instrumentos

O instrumento utilizado nessa pesquisa foi uma entrevista realizada com


roteiro semi-estruturado e uma ficha para a avaliação da categorização das entrevistas.
Inicialmente, foi realizada uma entrevista-piloto com três egressos, cujo roteiro
inicial era constituído de 15 questões subjetivas ou abertas, que buscavam informações
mais específicas ou precisas sobre o curso. A seguir, o roteiro foi refeito e reaplicado em
três outros participantes para que se chegasse ao roteiro definitivo, que então foi composto
por 14 questões, entre as quais havia questões que buscavam identificar o perfil dos
candidatos que vieram fazer o CEEE-DM, especialmente a fase da profissão em que
encontravam.
A ficha de avaliação da categorização das entrevistas foi utilizada para calcular
o índice de fidedignidade da elaboração das categorias e da distribuição das falas das
entrevistas realizadas com os participantes, como foi mostrado por Silva (2005). Cada
categoria foi avaliada por dois juízes diferentes. Algumas questões erradas ou fora do
assunto tratado na subclasse foram distribuídas entre as falas, sendo denominadas de
erro intencional. O critério de concordância estabelecido entre os juízes e o pesquisador
foi de, no mínimo, 90%.

Procedimento metodológico

Após a identificação de todos os egressos que estavam atuando como


professores na cidade de Londrina, os pesquisadores entraram em contato com os
participantes para agendar a entrevista de coleta de dados. O local da entrevista foi
escolhido pelos participantes, respeitando-se o critério de que fosse um local em que o
entrevistador e o entrevistado pudessem conversar sem serem interrompidos e que fosse
possível realizar a gravação das falas em fita cassete, em um gravador tipo repórter com
slide microphone, da marca panasonic.
Criou-se um procedimento-padrão a fim de que, no início do contato, fosse

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 158


pedida a autorização para fazer a gravação da sessão e se obtivesse assinatura do termo
de consentimento. O tempo médio de realização das entrevistas foi de 30 minutos.
Após o término da coleta de dados, as entrevistas foram transcritas e revisadas
por duas das pesquisadoras e outra psicóloga, que fizeram juntas a revisão das 50 entrevistas
gravadas, a partir da primeira transcrição. Foi constatada a existência de cinco palavras
ditas pelos entrevistados que não puderam ser compreendidas pelos revisores.
Em seguida, iniciou-se o tratamento e análise dos dados coletados que foram
submetidos ao tratamento estatístico e análise qualitativa denominada análise de conteúdo
(BARDIN, 1977, MANZINI, 2004; OLIVEIRA, 2003), e foram agrupados em categorias
de análise, criados por exigência do conteúdo dos dados coletados através da entrevista.
Para este trabalho, foi utilizada a conceituação de categorias de Silva (2005), para quem
“As categorias de análise se definiram por um conjunto, um grupo ou uma divisão que
apresentou características semelhantes, mas que se distinguiam pela natureza”. (p. 65).

Tratamento dos dados

Para fazer o tratamento dos dados coletados na entrevista, foi montado um


banco de dados no Access 2003, onde se armazenaram as falas dos participantes que
haviam sido inicialmente distribuídas nas categorias de análise estabelecidas a partir da
primeira entrevista realizada. Devido à grande quantidade de assuntos encontrados nos
dados, foi necessário selecionar apenas os temas que estavam diretamente vinculados às
questões fundamentais estabelecidas nos objetivos de cada um dos subprojetos.
Durante a análise do material do estudo-piloto do instrumento da entrevista,
foram estabelecidas algumas classes ou categorias de análise para iniciar a divisão das
falas dos participantes, a partir da análise do material do estudo-piloto, mas, após o
descarte dos dados que não estavam diretamente relacionados ao tema estudado,
prevaleceu o esquema que apresentou os temas tratados na pesquisa.

Cálculo de fidedignidade da distribuição das falas da entrevista em classe e


subclasse

A dissertação de Silva (2005) influenciou na construção do instrumento que


foi utilizado para a análise e avaliação das categorizações das falas das entrevistas. Para
o desenvolvimento dessa proposta, foram utilizados seis profissionais ou juízes que
avaliassem a divisão das falas, com um registro equivalente ao registro utilizado na técnica
‘ponto a ponto’.
A ficha de avaliação da categorização das entrevistas foi distribuída a dois
juízes, através de sorteio. A escolha dos juízes, A, B e C, deu-se por sua experiência em
estudos em que utilizaram a análise de conteúdo como método de análise das informações.
Os outros três juízes, D, E e F, foram escolhidos pela experiência em pesquisas que
utilizavam a abordagem quantitativa.
O cálculo de concordância utilizado está representado na seguinte formula:

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 159


Concordância
IC = ------------------------------------- X 100 =
Concordância+Discordância

O índice de concordância da análise dos juízes com a distribuição realizada


pelo pesquisador ficou em 91,29%. Bauer & Gaskell (2002) afirmaram que a fidedignidade
é geralmente considerada muito alta quando é maior que 90%. O índice 91,29% pode ser
visto, portanto, como um índice muito elevado de fidedignidade.

Resultado e discussão

O objetivo do subprojeto foi identificar e analisar o perfil ocupacional dos


professores da cidade de Londrina que buscaram o curso de formação de especialista em
Educação Especial na UEL. De acordo com os dados, dos 50 participantes que eram
professores na cidade de Londrina, no momento da coleta de dados, 49 (98%) tinham
curso de licenciatura em Pedagogia, Educação Física, Letras, Historia, Geografia, Ciências
Sociais, Estudos Sociais, Educação Artística, Música, etc. Além disso, como mostram as
Tabelas 1 e 2, tinham experiência profissional variada.
Na época em que estavam freqüentando o curso, 21 (42 %) dos participantes
tinham experiência profissional com aluno com deficiência, 7 (14 %) dos quais em escola
regular, 6 (12 %) em escola especial, 3 (6 %) em ambulatório e escola especial, 3 (6 %)
em escola especial e escola regular, 1 (2 %) em setor de avaliação pedagógica. Um (2 %)
possuía um caso de deficiência na família, como mostra a Tabela 1.

TABELA 1 - Experiência profissional dos participantes em contato com alunos com deficiência mental

Categorias N %
Em escola regular 7 33,33
Em escola especial 6 28,57
Ambulatório e escola especial 3 14,28
Em escola especial e ensino regular 3 14,28
Avaliação pedagógica 1 04,76
Deficiente mental na família 1 04,76
Total 21 100,00

Dos participantes, 29 (58 %) não tinham experiência com alunos portadores


de deficiência mental. Desses, 11 (22 %) não possuíam experiência profissional em
magistério, 9 (18 %) possuíam experiência em séries iniciais do 1 º grau, 5 (10 %) em
educação básica, 2 (4 %) em vários níveis da Educação Básica, 1 (2 %) em educação

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 160


infantil e 1 (2 %) em Psicopedagogia (TABELA 2).

TABELA 2 - Experiência profissional dos participantes sem contato com deficiência mental
Categorias N %
Não tinha experiência profissional em magistério 11 37,93
Ensino de 1º grau (séries iniciais) 09 31,03
Educação básica 05 17,27
Ensino de 1º grau (5ª a 8ª) 02 06,89
Educação infantil 01 03,44
Psicopedagogia. 01 03,44
Total 29 100,00

Com o advento da inclusão, os participantes que estivessem exercendo uma


atividade profissional e pudessem receber aluno inserido, na época da seleção, foram
aceitos como alunos do curso. Além de identificar as atividades profissionais dos
participantes, havia o interesse em saber em que fase da carreira eles se encontravam
quando vieram fazer o curso.

Tabela 3 - Fase da profissão e procura do curso de especialização em Educação Especial –Deficiência Mental

Categorias N %
Inicio de carreira (um ano de experiência) 25 50
Carreira sedimentada (dez anos ou mais) 13 26
Sem experiência profissional 05 10
Mudança de área de atuação 03 06
Não respondeu 04 08
Total 50 100

Quanto à fase (TABELA 3) em que os participantes deste grupo se


encontravam no momento em que vieram fazer o curso, 25 (50 %) estavam em início de
carreira, 13 (26 %) já estavam em fase de carreira sedimentada, 5 (10 %) não tinham
experiência profissional, 4 (8 %) não responderam e 3 (6%) encontravam-se em fase de
mudança de área de atuação.
Quando se começou a analisar os resultados referentes aos 50 participantes,
para que fosse possível identificar que tipo de profissional estava atuando na cidade,
pôde-se perceber que algumas questões importantes foram surgindo, visto estarem
permeando os dados. Ao se observar a maneira como os participantes entraram na área
(TABELA 4), pôde-se constatar que 42% começaram a sua atuação profissional através
de estágio voluntário em escolas especiais.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 161


Tabela 4 – Entrada dos participantes professores na área de Educação Especial
Categorias N %
Estágio voluntário em escola especial 17 34
Contratação em instituição especial 11 22
Contrato ocasionado pelo curso de especialização 09 18
Mudança de área determinada por aluno portador de deficiência 09 18
Estágio encaminhado pelo curso de especialização 04 08
Total 50 100

Estas situações de estágio, de acordo com as falas dos participantes, foram


divulgadas pela direção das escolas através de palestras ou programas em veículos de
comunicação de massa. Freqüentemente, esses estágios não-remunerados estavam
desvinculados dos cursos de formação de professores, mas, no início, eram estágios
voluntários de três meses, que podiam estender-se por dois semestres letivos.
Quando esses estágios voluntários eram conseguidos através de amigos ou
conhecidos ou de contatos familiares, poderiam ser mais longos, uma vez que não eram
vistos como exigência de formação profissional, mas como um favor prestado pela
instituição que acolhia o voluntário que, freqüentemente, passava a desenvolver uma
relação de gratidão para com ela. Outra estratégia que podia ser empregada era a
estimulação do desenvolvimento de uma relação afetuosa para com os alunos
comprometidos pela deficiência. Pode-se pensar que “[...] essa visão assistencialista e
benemerente parece impregnar, em outra dimensão, o cotidiano dos profissionais da área”
(D’ANTINO, 1996, p. 17), posto que, em nome da sobrevivência da instituição, algumas
normas podem ser interpretadas de acordo com a conveniência do momento.
Outras situações de estágio eram aquelas vinculadas à formação profissional,
ao estágio curricular propriamente dito, no qual os estagiários eram supervisionados pelos
professores do próprio curso. De uma maneira geral, parece que o envolvimento dos
professores dos cursos de formação profissional fazia prevalecer a exigência legal.
Esse trabalho voluntário na instituição especial também podia ser feito como
busca de alternativa profissional, em razão da perda de emprego, ou por interesse em
comparar o ensino regular ao ensino especial.
Como o curso de especialização era um curso de formação de professores,
uma das exigências da seleção era que o candidato tivesse algum tipo de experiência com
pessoas com deficiência mental. Se o candidato aprovado não apresentasse essa
experiência, era encorajado a buscar um estágio em instituições escolares que atendessem
tal clientela. Como não havia a exigência de estágio curricular no curso de especialização,
os estagiários eram alocados apenas em escolas particulares, que exigiam um período
mais longo de atividade, já que ficava enquadrado na categoria de estagiário voluntário.
Não havia a categoria de estágio remunerado, nem mesmo para os alunos de cursos de
pós-graduação. O interessante dessa situação de voluntários é que o estagiário começava
a aprender a aplicar a teoria à prática e a discutir e refletir sobre sua própria prática
profissional em sala de aula.
Outra estratégia era a contratação de profissionais recém-graduados em nível

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 162


superior. Como eles ainda não tinham entrado ou estavam com dificuldades para entrar
no mercado de trabalho, talvez aceitassem receber um salário de acordo com o piso das
escolas especiais, que era mais baixo que o piso estabelecido pelo sindicato de professores
das escolas particulares.
Outro tipo de contato profissional com deficientes mentais eram os próprios
serviços que não eram exclusivos da clientela de Educação Especial. Um exemplo típico
eram os serviços oferecidos pela rede da saúde, em que acabava aparecendo o paciente
que também era deficiente.
Para alguns, a entrada na área se deu através do curso, visto que a coordenação
e o corpo docente recebiam um grande número de pedidos de encaminhamento de
profissionais para as escolas, com vistas à contratação de professores e técnicos de nível
superior.
Como na escola pública regular havia uma exigência maior do cumprimento
da legislação, os profissionais responsáveis pela área, quer das escolas da rede estadual
quer da rede municipal, esperavam o término do curso para fazer o convite ao aluno
egresso que já era professor aprovado em concurso público nas respectivas redes públicas
de ensino regular.
A última maneira de entrar na área, descrita pelos participantes professores,
foi a mudança de atuação influenciada pelo aparecimento de alunos portadores de
deficiência que estavam sem atendimento na escola ou na cidade. Alguns (18%)
participantes se enquadraram nessa alternativa, talvez levados por pressão do diretor ou
dos pais ou pela própria situação de exclusão do aluno.

Considerações finais

Como pode ser visto através dos dados descritos e discutidos, o objetivo do
trabalho foi alcançado. Observa-se que 21 (42%) dos participantes já tinham algum tipo
de contato com deficiência na época em que freqüentavam o curso, sendo que a maioria
trabalhava no ensino regular, com 7 (33,33%) participantes, e 6 (28,57%) atuavam em
escola especial. Em relação aos participantes que não tinham contato com portadores de
deficiência, havia 29 (58%), verificando-se que 11 (37,03%) deles não possuíam qualquer
experiência profissional em magistério, e 9 (31,03%) atuavam nas séries iniciais no ensino
regular.Dessa forma, pôde-se perceber um resultado bastante próximo entre os
participantes que buscaram a formação de especialista em educação especial e que
possuíam experiência com portadores de deficiência e os que não possuíam tal experiência.
Entretanto, é importante ressaltar que dos 50 participantes, metade (50%) se submeteu
à seleção do curso quando se encontravam no inicio da sua carreira profissional, ou seja,
com experiência em magistério de apenas um ano, e 13 (26%) já exerciam a profissão há
10 anos ou mais. Diante de tal resultado, pôde-se compreender que a busca pelo curso de
especialização em educação especial pareceu não estar relacionada à experiência
profissional dos participantes, mas, provavelmente, em razão do movimento inclusivo,
quer pela possibilidade de receber aluno com deficiência, seja no ensino regular ou especial;
quer pela exigência legal estabelecida pelo Estado, apesar das diferenças das exigências
da escola pública e das instituições privadas de ensino especial, como já foi discutido.
Independente da fase profissional em que os participantes se encontravam

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 163


ao iniciar o curso, uma questão importante a ser pensada é a formação do professor nos
cursos de licenciatura, visto que eles qualificam legalmente o exercício da profissão na
Educação Básica, mas parece que na prática os profissionais demonstram não se sentir
seguros para tal exercício e, assim, buscam cursos de formação específica. Em razão
disso, outras questões podem ser destacadas. Será que as exigências teóricas da área
quanto à formação de professores nos cursos de licenciatura estão de acordo com as
exigências do mercado de trabalho para a contratação desse profissional? Quais as
dificuldades que esse profissional enfrenta no seu trabalho e quais os motivos que o
impulsionam a fazer um curso de especialização de formação de professor de educação
especial?
Frente a tais questões, requer-se a realização de outras pesquisas que sejam
capazes de esclarecê-las, tanto para a identificação de déficits na formação do professor
nos cursos de licenciatura, quanto para o alcance do objetivo principal do projeto maior
de que este subprojeto faz parte, que é o estudo de caso sobre o Curso de Especialização
em Educação Especial da Universidade Estadual de Londrina.

Notas
1
Universidade Estadual de Londrina

2
Universidade Estadual de Londrina

3
APAE e CAPSI de Cambe.

4
UNESP – Campus de Marília.

Referências bibliográficas

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 166


EDUCAÇÃO ESPECIAL E FISIOTERAPIA: PERCEPÇÃO
DE ALUNOS DE FISIOTERAPIA

Lígia Maria Presumido Braccialli1


Carolina Campos2
Walkíria Gonçalves Reganhan3

Introdução

O sucesso da inserção de alunos com deficiências no ensino regular parece


depender, também, do envolvimento e compromisso de todos os profissionais que atendem
essas pessoas nas diferentes áreas de conhecimento, ou seja, terapeutas ocupacionais,
psicólogos, pedagogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, professores de educação física.
Está instituído na Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, em seu artigo
10, que:

Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e requeiram atenção


individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios
intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a
escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em caráter
extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse
complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por serviços das
áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social. (BRASIL. 2001a, p. 3).

Sob esse enfoque, a lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001estabeleceu que:

Considerando as questões envolvidas no desenvolvimento e na aprendizagem


das crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, a articulação e a
cooperação entre os setores de educação, saúde e assistência, é fundamental e
potencializa a ação de cada um deles. Como é sabido, o atendimento não se
limita à área educacional, mas envolve especialistas, sobretudo, da área da saúde e
da psicologia e depende da colaboração de diferentes órgãos do Poder Público,
em particular os vinculados à saúde, assistência e promoção social, inclusive em
termos de recursos. (BRASIL. 2001b, p. 65).
A Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
propõe em seu artigo 58, parágrafo 1, que “haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela da educação
especial”. (BRASIL, 1996).
Para isto, seria necessário que os profissionais da área da saúde tivessem
informações e formação acadêmica de conteúdos relacionados aos direitos e às
necessidades educacionais dessa população.
Segundo Chacon (2001), em 1993 a Secretária Nacional da Educação
elaborou uma proposta que estabelecia que os cursos de 2o e 3o grau, que formam alunos
que trabalham com pessoas com necessidades especiais, devem ter incluído em seus

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 167


currículos disciplinas específicas que abordem questões relacionadas à educação especial.
A proposta foi encaminhada ao Conselho Federal de Educação e resultou na Portaria n°
1.793, de 27 de dezembro de 1994. (BRASIL, 1994). Essa portaria, em seu artigo 2°
recomendou:

[...] a inclusão de conteúdos relativos aos aspectos–Ético–Políticos–Educacionais


da Normalização e Integração da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais
nos cursos do grupo de Ciência da Saúde (Educação Física, Enfermagem ,
Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Terapia
Ocupacional), no Curso de Serviço Social e nos demais cursos superiores, de
acordo com as suas especificidades. (BRASIL, 1994, p. 1).

No sentido de reforçar a importância cada vez mais assídua do profissional


da área da saúde, que realiza trabalho com crianças com necessidades educacionais
especiais, a lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001 estabelece, também, ser necessário:

Introduzir, dentro de três anos a contar da vigência deste plano, conteúdos


disciplinares referentes aos educandos com necessidades especiais nos cursos que
formam profissionais em áreas relevantes para o atendimento dessas necessidades,
como Medicina, Enfermagem e Arquitetura, entre outras. (BRASIL, 2001b, p.
68).

Nesse contexto, os cursos de graduação em fisioterapia deveriam formar alunos


com uma visão crítica em relação à inclusão de alunos com deficiência e sobre o papel do
fisioterapeuta nesse processo.
Dessa forma, o objetivo deste estudo consistiu em verificar a percepção que
o graduando em fisioterapia tinha sobre a educação especial e a função do fisioterapeuta
na inserção escolar do aluno deficiente.

Método

Participantes

Os participantes deste estudo foram 11 alunos graduandos do curso de


fisioterapia, de instituições particulares de ensino superior, da cidade de Bauru e Marília.
Adotou-se, como critério de inclusão, ter cursado ou estar cursando as disciplinas
fisioterapia em pediatria e estágio supervisionado em pediatria. O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, parecer nº 0923/
2004, e foram participantes do estudo somente aqueles alunos que assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos para a coleta e análise de dados

Para a realização do estudo, utilizou-se como instrumento para coleta de


dados uma entrevista semi-estruturada. Esse tipo de entrevista foi considerado vantajoso,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 168


para esse estudo, uma vez que possibilitou a obtenção de um maior número de informações
e uma maior flexibilidade no momento da coleta de informações do que os demais tipos.
Para a realização das entrevistas, foi elaborado um roteiro de entrevistas que abordou temas
relacionados à formação do aluno de fisioterapia, a educação especial e a inclusão de pessoas
com deficiências.

Após a elaboração, o roteiro de entrevistas passou pela avaliação de dois


juízes, para garantir que as perguntas propostas atendiam o objetivo do estudo. Depois,
o roteiro de entrevistas foi reestruturado, conforme sugestões emitidas pelos participantes.
As entrevistas tiveram como base o roteiro previamente definido, no entanto, quando
necessário, o entrevistador realizou adaptações necessárias, buscou aprofundar o
questionamento das respostas emitidas pelos participantes, estimulou-os a falar mais
sobre os temas. Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas em fita
de áudio.

Para a realização da análise de dados, os conteúdos verbais das entrevistas


foram transcritos e classificados por meio da análise do discurso.
Esse tipo de análise foi utilizado com o propósito de tentar identificar aquilo
que está por trás das palavras, para buscar entender outras realidades por meio do relato
verbal, ou seja, seus significados.

Resultados e discussão

Com a análise dos dados foram identificadas 7 categorias: 1) formação recebida


durante a graduação; 2) clientela atendida pelos participantes durante o estágio de pediatria;
3) escolas freqüentadas pela clientela dos participantes; 4) contato dos participantes
com os professores da clientela; 5) conhecimento sobre inclusão; 6) função do
fisioterapeuta na escola; 7) orientações que o fisioterapeuta poderia fornecer ao professor
para favorecer o processo de ensino e aprendizagem.

A formação recebida durante a graduação

Em relação à formação recebida durante a graduação, os dados mostraram


que todos os participantes já tinham cursado a disciplina fisioterapia em pediatria e 7
deles já haviam realizado o estágio supervisionado em pediatria, e quatro cursavam,
ainda, o estágio supervisionado em pediatria.
A partir dessas informações, pode-se afirmar que a maioria dos participantes
já havia recebido toda a formação teórica do curso de fisioterapia relacionada à temática
em estudo, uma vez que as disciplinas fisioterapia em pediatria e estágio supervisionado
em pediatria seriam aquelas que poderiam abranger conteúdos referentes à inclusão.
Segundo Rebelatto & Botomé (1999), essas disciplinas, entre outras, referem-se à fase
final da formação profissional do fisioterapeuta.
No estágio supervisionado em pediatria e na disciplina fisioterapia em pediatria
seria o momento que o graduando em fisioterapia teria um maior contato com as questões
relacionadas às crianças com necessidades educacionais especiais. Dessa forma, existiria

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 169


a necessidade e seria o momento oportuno para se discutir conteúdos voltados aos aspectos
da educação especial, como recomenda a portaria n°. 1.793, de 27 de dezembro de 1994.
(BRASIL, 1994).

Clientela atendida pelos participantes durante o estágio de pediatria

Os dados mostraram que a maioria dos participantes atendeu crianças com


seqüelas de paralisia cerebral, com diagnóstico de síndrome de Down, síndrome de West,
com miopatias e mielomeningocele. Esse tipo de clientela, geralmente, necessita da
adequação das condições escolares, tais como eliminação de barreiras arquitetônicas,
adaptação de recursos pedagógicos e de mobiliário escolar, para conseguir freqüentar,
efetivamente, a escola. Assim, o fisioterapeuta teria um importante papel na inserção
desses alunos no ambiente escolar, uma vez que esse profissional deve dominar conteúdos
referentes aos aspectos ergonômicos, conhecimentos necessários para realizar essas
adequações.
Escolas freqüentadas pela clientela dos participantes

Os dados mostraram que a maioria dos clientes dos participantes do estudo


estava matriculada em instituições, apesar da legislação vigente enfatizar o direito de
crianças com deficiências estarem matriculados no ensino regular.
Outro dado relevante é o número de participantes (cinco) que não
responderam ao questionamento ou relataram desconhecer o local de ensino de seus
clientes, apenas duas crianças estavam matriculadas em escolas de ensino regular.

“[...] Sala comum, ah! [...]”. (P4)


“[...] Escola especializada, assim, tipo, para crianças com necessidades [...] e escola normal.
[...]”. (P5)
“[...] Freqüentavam. Ah! Escola normal. [...]”. (P6)
“[...] Escolas de deficiente mental, geralmente. [...]”. (P10)

Contato dos participantes com os professores da clientela

A maioria dos participantes (oito) indicou que não teve contato com os
professores de seus clientes e três não quiseram responder a esta questão.

“[...] Não tive oportunidade, pois o período de estágio é muito curto e não dá tempo de entrar em
contato com os professores. Mas a gente orienta a família. [...]”. (P1)
“[...] Não tive contato com nenhum professor de crianças. [...]”. (P2)
“[...] Não, nunca tivemos esta oportunidade. [...]”. (P5)
“[...] Quando tinha algum problema, assim, quando surgia algum atraso no desenvolvimento,
nós encaminhávamos para os profissionais adequados, mas, não tivemos que orientar. Você diz
conversar com os professores?” (P8)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 170


“[...] Seria importante, mas nunca tive oportunidade [...]”. (P9)
“[...] Não eu não tive justamente porque na faculdade, não propicia muito isso, porque a gente
passa um período curto de estagio que são dezenove dias úteis, então como são dois estágios, são
praticamente 38 dias com essa criança então a gente não tem onde colher muito desta criança, a
gente quase não tem tempo de falar com os pais, pois eles dependem de ônibus, a gente atende, aí
eles já tem que ir embora e não tem muito tempo para conversar. A gente não tem muita
oportunidade”. (P10)

Os participantes relataram que não tiveram oportunidade de estabelecer um


contato e de orientar os professores da sua clientela por diversos motivos, dentre eles, a
falta de oportunidade nos estágios da faculdade, o curto tempo disponível para os
atendimentos, falta de tempo dos pais para conversar com os estagiários, entre outros
citados.
No entanto, segundo o Censo Escolar MEC/INEP (BRASIL, 2006), entre
1998 e 2006 houve um crescimento de 146% das matrículas em escolas públicas do
Brasil, isto reforçaria ainda mais a necessidade de haver apoio de outros profissionais nas
escolas, como o fisioterapeuta, para concretizar o processo de inclusão.
Esses dados indicaram que a formação recebida pelos participantes do estudo
não teve uma abordagem funcional, mas estritamente clínica. Parece que a intervenção
terapêutica se resumiu ao atendimento, não havendo participação e intervenção do aluno
de fisioterapia no contexto familiar, escolar e social em que a criança estava inserida.
As inter-relações entre os diferentes profissionais e os familiares de uma
criança com deficiência são fundamentais para a evolução e inserção deste na sociedade.

Conhecimento sobre inclusão

Em relação aos conhecimentos que tinham sobre inclusão, somente quatro


participantes responderam que já haviam escutado falar sobre inclusão e nenhum dos
participantes conhecia a Declaração de Salamanca. (UNESCO, 1994). Devido à
importância desse documento no que se refere à inclusão da pessoa com deficiência, este
deveria ter sido discutido durante a formação do fisioterapeuta conforme previa a Portaria
n°. 1.793, 1994. (BRASIL, 1994).
As falas indicaram que os participantes tinham uma noção superficial e
preconceituosa sobre a deficiência e os direitos dessas pessoas.

“[...] Inclusão das pessoas que são rejeitadas, isso? Ah, acho que é isso, estar chamando as
pessoas rejeitadas para viver na sociedade, igualmente [...]”. (P1)
“[...] Inclusão como? Inclusão da criança na sociedade. Ah, uma vez na igreja Católica, teve a
inclusão das pessoas excluídas da sociedade. [...]”. (P3)
“[...] Inclusão... sobre crianças com algum problema em classes normais?! É isso?” (P5)
“[...] Então inclusão acho que é justamente isso, você pega uma criança que é considerada com
limitações, tipo criança com síndrome de Down ou Pc e coloca essa criança em uma classe comum,
para ela se desenvolver junto com outras crianças, porque não é porque ela tem uma limitação ela
tem um atraso no desenvolvimento motor que ela é limitada, ela tem um potencial tão bom,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 171


quanto crianças que não tem este atraso, essa limitação”. (P10)

A função do fisioterapeuta na escola

Em relação à função do fisioterapeuta na escola, os dados mostraram que os


onze participantes relataram que não tiveram discussões durante seu curso sobre o assunto.

“[...] Fisioterapia na escola? Ah, em psicologia a gente teve mais específicos das deficiências, de
todas as deficiências, mas na escola, na escola, não tive nada específico”. (P2)
“[...] Não, mas na matéria Preventiva que chama, então já tem a fisioterapia atuando na área
preventiva. Não só em firma, mas tem o profissional da família, então, o fisioterapeuta não está
incluído nesse meio, é o medico enfermeiro, agente comunitário; mas conforme a prefeitura poderia
contratar o fisioterapeuta, que está também em família. [...]”. (P3)
“[...] Não, só em relação a avaliação onde podemos descobrir alguns atrasos e assim já iniciar
tratamento precocemente”. (P9)

Deliberato (2002) explicou que o trabalho preventivo na escola necessita,


ainda, de maior exploração e importância por parte do fisioterapeuta.
Em relação à função do fisioterapeuta na escola, a maioria dos participantes
respondeu que poderia realizar orientações aos professores em relação à postura.
As funções destacadas pelos participantes do estudo coincidiram com aquelas
indicadas por Deliberato (2002):

[...] palestras, brincadeiras, adequação do espaço físico (ventilação, iluminação,


ruídos, carteiras etc), orientações a pais, professores e corpo administrativo,
avaliação física e postural. (p. 55).

A seguir, foram apresentados alguns relatos a respeito do que os participantes


do estudo acreditavam ser a função do fisioterapeuta na escola.

“[...] Ah, o jeito de lidar com a criança, observar o problema mesmo certinho, o jeito de cuidar
de sentar, mais a postura. Orientação da postura, orientação em casa, é a forma de lidar”. (P2)
“[...] Eu acho que poderia estar atuando com orientação aos pais sobre a postura dos alunos,
tudo. Até tem vários trabalhos que falam, até no programa de televisão, o médico estava falando,
ensinando as crianças a carregar bolsa. Mas assim, seria mais a fisioterapia, que iria falar da
carteira, cadeira, como a criança vai ficar maior parte do tempo ali sentada, como vai ficar a
postura dela. Para ela escrever, para ver a parte postural”. (P3)
“[...] Eu acho que si, nessa parte postural e tem que ser a professora, pois a professora passa a
maior parte do tempo com aluno, e se ela perceber algum tipo de atraso estar encaminhando”.
(P4)
“[...] Acho que seria orientar os professores em relação ao posicionamento que as crianças podem
ter em sala de aula, a melhor forma de ela realizar uma atividade”. (P5)
“[...] Poderia, poderia orientar sim. Em relação a, posicionamento da criança na cadeira, em

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 172


sala de aula, coordenação dos pacientes”. (P6)
“[...] Acho que sim, então como na creche que fomos, fazer avaliação, pode também conversar
com as professores, da postura das crianças, falar sobre o peso das mochilas”. (P7)
“[...] Sim, para todas as crianças não só com deficiência, pois todas precisam ter uma postura
adequada, carteiras e cadeiras de acordo com os diferentes tamanhos de crianças”. (P8)
“[...] Conversar com as professores sobre a postura, responder outras perguntas ou dúvidas e
avaliar”. (P9)
“[...] Eu acho que a fisioterapia pode atuar não assim diretamente sempre na escola como
atendimento, mas deve sim, como orientação para os pedagogos, pois muitas vezes, é assim, pois
não é obrigação do pedagogo saber posicionamento, estar trabalhando certas coisas que a gente
tem que trabalhar na fisioterapia, mas é interessante o fisioterapeuta estar em contato com esse
professor dessa criança, principalmente dessa classe especial, a gente estar fazendo um trabalho em
conjunto, pois o que a gente ganha na fisioterapia tem que ser mantido e o pedagogo como está em
contato muito maior com essa criança pode estar ajudando e muito, nesse trabalho”. (P10)

Os relatos dos participantes indicaram que eles sabiam da importância do


seu papel na escola. No entanto, as falas eram, basicamente, sobre orientações e
intervenções que poderiam ser realizadas na escola regular, com alunos sem deficiência.
Os relatos apontaram para a falta de formação teórico/prática do graduando em
fisioterapia sobre o processo de inserção do aluno deficiente na escola.

Orientações que o fisioterapeuta poderia fornecer ao professor para favorecer o


processo de ensino e aprendizagem

Na última categoria da análise dos dados, foram apresentadas as orientações


que os participantes consideraram ser necessárias para os professores de seus clientes,
com o objetivo de favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Essas informações
surgiram quando os participantes foram diretamente questionados sobre quais orientações
eles dariam aos professores de seus pacientes, caso eles tivessem tido contato com os
mesmos.
Os alunos de fisioterapia relataram que orientariam os professores sobre o
posicionamento do aluno em carteiras e cadeiras da sala de aula e sobre o desenvolvimento
neuropsicomotor do aluno com necessidades especiais.

“[...] Ah, é, acho que conversar sobre o atraso e orientar sobre como trabalhar de forma
adequada com a criança, como lidar com ela mesmo sabe!?” (P1)
“[...] ah, tem crianças que as vezes vai de cadeira de rodas para a escola, né! A carteira, a
cadeira de rodas é maior que a carteira comum, então a mesa onde ela vai estar escrevendo, teria
que ser maior, também, que a normal. Isso aí, acho que isso não precisa nem ser uma fisioterapeuta
para saber isso [...]”. (P3)
“[...] Eu acho que de posicionamento, não. Eu acho que seria mas em relação ao atraso que eles
tem”. (P4)
“[...] Em relação a, posicionamento da criança na cadeira, em sala de aula, coordenação dos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 173


pacientes.” (P6)
“[...] Seria importante, mas nunca tive oportunidade. Mas acho que poderia, ah... como síndrome
de Down, sentar corretamente, o PC uma posição melhor para ele... Ah, acho que é isso”. (P9)
“[...] Olha, eu poderia estar ajudando no posicionamento, como eu já tinha falado, na estimulação
dessa criança, nessa estimulação geral, coordenação , mas não trabalhar coordenação fina por
coordenação fina, mas trabalhar por exemplo atividades com jogos de encaixe, jogos lúdicos, onde
você está trabalhando toda a coordenação motora, como assim força muscular mesmo, melhora do
tônus, algumas atividades que podiam estar direcionadas para isso mesmo, orientadas pelo
fisioterapeuta, ou pelo terapeuta ocupacional também”. (P10)

Quando instigados a pensar sobre a questão, os participantes do estudo


conseguiram apontar orientações importantes para a inserção do aluno deficiente na escola,
apesar das falhas na formação em relação aos aspectos éticos, políticos e educacionais
da inserção da pessoa com necessidades especiais.

Considerações finais

A análise dos dados mostrou que a formação oferecida aos participantes do


estudo não atendeu a legislação vigente no país, que recomendou a complementação dos
currículos de formação de docentes e de outros profissionais da saúde que interagem
com pessoas com necessidades educacionais especiais.
A falta de contato e ou conhecimento sobre a temática educação especial
inclusão pode ser um dos fatores que tem dificultado a inter-relação de profissionais da
área da saúde e da educação e desfavorecido a inserção social de grande parte de educandos
que necessitam do apoio especializado.

Notas
1
Fisioterapeuta, Doutora em Educação Física pela Unicamp, Docente do curso de fisioterapia da Unesp-
Marília-SP, Departamento de Educação Especial. - bracci@marilia.unesp.br (Apoio financeiro: CNPq/
CAPES/PROESP/MEC/SEESP /Fundo de Pesquisa da FFC/Marília)

2
Pedagoga formada em Educação especial, Deficiência Física e Mental, pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP - Marília-SP, Pós-graduada em Psicopedagogia clínica e institucional pela Faculdade de Medicina de
S.J. do Rio Preto – FAMERP. carolccampos@uol.com.br

3
Pedagoga, Mestre em Educação pela UNESP– Marília, com habilitação em Educação Especial, Deficiência
Mental e Física, pela Universidade Estadual Paulista – UNESP - Marília-SP, Pós-graduada em Psicopedagogia,
Docente da Faculdades Integradas Claretianas. profwalkiria@hotmail.com

Referências bibliográficas

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 174


BRASIL. Lei nº 9.394/96. de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em: <http://www.consumidorbrasil.com.br/
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BRASIL. Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001a. Aprova o plano nacional de educação e dá


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CHACON, M. C. M. Formação de recursos humanos em educação especial: respostas das universidades


à recomendação da Portaria Ministerial n. 1.793 de 27.12.1994.. Tese (Doutorado em
Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências.Marília: Universidade Estadual Paulista,
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DELIBERATO, P C P. Fisioterapia preventiva. São Paul: Manole, 2002.

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UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática em educação


especial. 1994. Disponível em: <www.mec.gov.br/seesp/>. Acesso: 09 de fevereiro de
2005.

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INCLUSÃO E AUTOCONCEITO: REFLEXÕES SOBRE
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Viviane Preichardt Duek1


Maria Inês Naujorks2

“Sinto que a parte mais importante de meu método sou eu mesmo”


(DILLON, 1973, p. 17)

Introdução

Incluir tem a ver com um processo de mudanças da sociedade, em geral, e da


escola, em particular, a fim de atender à diversidade que nela se apresenta: cognitiva,
afetiva, física, social, racial, dentre outras. Contudo, este processo tende a ser visto como
um verdadeiro desafio, suscitando reações, favoráveis ou desfavoráveis, que exprimem a
dificuldade histórica, devemos admitir, de lidarmos com o estranho, com o diferente,
com o deficiente no âmbito escolar.
Tais aspectos são representativos da nossa trajetória profissional, atuando e
acompanhando professores da rede pública de ensino, onde observamos, amiúde, as
dúvidas, inseguranças e incertezas expressas no trabalho com o aluno com necessidades
educacionais especiais em classes regulares. O sentimento de impotência, vivido por
muitos docentes, frente ao processo educativo deste alunado é, pois, motivo de angústia
e questionamentos: E agora? O que eu vou fazer? Como ensinar a quem não consegue aprender?
Este cenário é comum a muitas escolas que recebem crianças com deficiência,
cujos professores confrontam com o seu saber-fazer que, não raro, apresenta-se como
sendo da ordem do “não-saber-o-que-fazer” na ocasião em que uma dada peculiaridade
lhes invade a sala de aula, provocando alterações no processo ensino-aprendizagem.
Logo, uma série de reações afetivo-emocionais é desencadeada e dirigida a “esse outro
diferente por deficiência” (AMARAL, 1994, p. 19), o que leva o professor ao evitamento
e ao afastamento daquele que, não raro, é motivo de seus medos, aflições, afetos e desafetos.
Tais reações, evidenciadas na presença do educando com deficiência, e facilmente
justificadas pelo então denominado “despreparo” do professor em lidar com o outro
diferente serviram de empuxo para a pesquisa, que teve por objetivo refletir sobre a
formação docente em face do atual paradigma inclusivo. Para tanto, foi realizado um
levantamento bibliográfico, resultando na interface entre as áreas da Psicologia, Educação
e Educação Especial. Nesse viés, abordou-se o autoconceito enquanto elemento norteador
do comportamento humano, balizando atitudes e posturas perante um dado fenômeno,
neste caso, a deficiência.
O presente texto enfoca parte das reflexões produzidas no referido estudo,
desenvolvido no curso de Especialização em Educação Especial da Universidade Federal
de Santa Maria-RS, e visa a contribuir para se repensar a formação docente para o ensino
inclusivo. Para tanto, assume como pressuposto essencial que o professor é um ser integral,
que antes de ser professor é uma pessoa, cuja formação deve abarcar não apenas elementos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 176


teórico-metodológicos, mas também, afetivo-emocionais, a fim de que consiga atender
às demandas impostas pela presença de alunos com necessidades educacionais especiais
no ensino regular.

Autoconceito: retratando a categoria docente

O construtor do autoconceito pode ser descrito como um processo psicológico


que tem seu conteúdo e sua dinâmica determinados socialmente, o que o caracteriza
enquanto um fenômeno fundamentalmente social. Pode ser definido como a atitude
valorativa que um indivíduo tem sobre si, que se forma a partir da relação do sujeito
consigo mesmo, seu próprio corpo e seu meio social. (TAMAYO, 1981; 1985; 1986).
Sob essa ótica, parece significativo que se aborde o autoconceito do professor
sob o ângulo das relações que estabelece no cotidiano escolar e da percepção que tem de
si mesmo em relação às atividades por ele desenvolvidas, pois o professor encontra-se
imerso num contexto sócio-cultural e envolto num emaranhado de relações, constitutivos
do seu “eu” pessoal e profissional.
Sabe-se que as situações afetam os docentes de modos diferenciados. Assim,
a vivência do processo inclusivo, as atribuições e expectativas depositadas sobre o
professor, pelos membros da comunidade escolar (pais, alunos, professores, diretores) se
traduzem em “marcas”, que serão mais ou menos profundas, conforme a personalidade
de cada profissional. As reações dos professores frente à inclusão ligam-se, portanto, ao
significado que essa tem para os mesmos, e o modo como a enfrenta depende, não só do
suporte institucional e acadêmico, mas também dos “recursos psicológicos” que cada
docente dispõe para lidar com essa realidade.
Ensinar em meio à diversidade questiona, pois, a função da escola e do
professor, exigindo deste o desempenho de vários papéis – pai, mãe, psicólogo, enfermeiro,
etc. –, concomitante ao seu papel principal, de educador. (BRIDI FILHO, 2002;
BARASUOL, 2004). Sobre os papéis sociais e o autoconceito, Tamayo (1985) afirma
que a situação social implica, além de uma interação verbal e não-verbal, em assumir
papéis escolhidos por si mesmo ou designados pelos outros. A interação e os papéis
sociais formam o contexto no qual se dá a troca de sentimentos e de olhares e no qual
emergem as percepções e as expectativas que estruturam, progressivamente, o
autoconceito.
O desafio do professor está em integrar seus papéis, desempenhando-os de
maneira que não estejam em conflito básico com seu autoconceito. Discrepâncias entre
as expectativas da comunidade escolar sobre o professor e o que este espera de si mesmo,
podem fazer do ensino uma tarefa difícil e extenuante, resultando na instalação de um
conflito psíquico, em que o educador sente-se confuso e inseguro em relação ao que
realiza e o que acredita ser o ideal em sua tarefa pedagógica. (LINDGREN, 1971).
Corroborando com a visão do autor, inferimos que a docência, enquanto
profissão que traz em seu cerne o relacionar-se, o estar “junto”, em contato com o outro,
revela-se, por vezes, uma realidade paradoxal. A presença deste outro, que traz consigo a
marca da diferença, segue-se, não obstante, de um movimento de “aproximação-
afastamento”, devido à necessidade do professor, de resguardar a especificidade da sua
prática e a integridade do seu eu. E nesse movimento, o professor vivencia sentimentos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 177


confusos, pois é fruto de uma educação que o preparou para o igual, para o mesmo, não
considerando a diversidade como algo que se encontra implícito à docência.
Neste sentido, convém resgatar as palavras de Glat (1993), ao enfatizar que
aquelas pessoas, que consideramos diferentes de nós,

[...] nos perturbam porque não sabemos exatamente como lidar com elas. Então,
para aliviar nossa tensão e nosso mal-estar, e diminuir a probabilidade de
problemas, a tendência da sociedade como um todo, e cada um de nós
individualmente, é afastar essas pessoas (ou nos afastar delas, o que vem a dar no
mesmo). (p. 15).

Com isso, muitos profissionais acabam cerceando as possibilidades do aluno


com deficiência avançar em sua aprendizagem, retratando uma tendência que é inerente
ao ser humano, qual seja, a de evitar a situação de conflito. Confrontados com o seu não-
saber-o-que-fazer diante da “não aprendizagem” do aluno com deficiência, muitos
professores recorrem a tais comportamentos, como uma maneira de lidar com a situação
de “incapacidade”, seja do aluno, seja de si próprio. Para Almeida (2002), trata-se de um
mecanismo regulador que representa a reação do indivíduo à ameaça, procurando manter
a estrutura do eu.
Sinaliza-se, nesse sentido, que a inclusão não é apenas uma questão de política
educacional e/ou social, nem pode ser entendida como sinônimo de justaposição, pois
representa um fenômeno subjetivo que envolve direta e pessoalmente cada um de nós,
não podendo ser lida, unicamente, pelo viés sociológico, sendo também, uma questão
psicológica e individual. (GLAT, 1993).
Deste modo, no que concerne ao contexto inclusivo, o processo perceptivo
influenciará na interação que o professor estabelece com o aluno, determinando, em
parte, a aceitação ou não deste aluno pelo professor, pois a imagem que o docente tem
do educando com necessidades educacionais especiais pode, em certos momentos,
representar uma espécie de espelho no qual vê refletida a sua própria imperfeição, a sua
fragilidade, a sua própria deficiência, perturbando-o.
Larrosa e Lara (1998), contribuem de forma significativa para esta reflexão
ao afirmarem que:

O outro, ao olhar-nos, põe-nos em questão, tanto o que nós somos como todas
a imagens que construímos para classificá-lo, para excluí-lo, para proteger-nos de
sua presença incomoda, para enquadrá-lo em nossas instituições, para submetê-
lo às nossas práticas e, finalmente, para fazê-lo como nós, isto é, para reduzir o
que pode ter de inquietante e de ameaçador. (p. 8-9).

Sob esse prisma, entende-se que a inclusão traz à tona inúmeros desafios
para o professor, mobilizando elementos diferentes e, por vezes, contraditórios num mesmo
indivíduo. Desse modo, a noção de deficiência é decorrente de uma forma de conceber e
perceber o outro, fruto de uma elaboração psicossocial. Isto é, as imagens da deficiência
e da inclusão estão ligadas a conteúdos de nosso mundo interno, perpassados por códigos
e normas sócio-culturais, o que se traduz numa forma de ver e atribuir significado à

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 178


realidade.
A inclusão suprime do professor a sensação de estar num mundo conhecido,
seguro, conduzindo-o a outro e expondo-o ao desconhecido. Por isso, a experiência junto
ao educando com deficiência, quando está em desacordo com o autoconceito do professor,
é percebida como uma ameaça à sua identidade e auto-estima. Assim, ao deparar-se com
este alunado, pode comportar-se de maneira preconceituosa, discriminando aqueles que
desafiam a sua competência de ensinar.
Sob esse prisma, Glat (1993) enfatiza que o ser humano é basicamente
inseguro, frágil e, portanto, cheio de contradições internas. Devido a essa insegurança
tende a pensar em si mesmo como uma pessoa completa e permanente, apegando-se de
modo seguro às normas e ao que lhe é familiar. Talvez resida aí, parte do que leva muitos
professores a resistirem à atual proposta inclusiva.
O paradigma inclusivo, como é de se pensar, convoca a escola e o professor
a lançarem um novo olhar sobre si e sobre o outro, supostamente diferente, buscando
assim, novas formas de se pronunciar em relação às necessidades de todos os seus alunos.
Nesse viés, a formação de professores precisa ser redimensionada, possibilitando ao
docente exercer o seu oficio de modo menos conflituoso e inseguro.

Inclusão escolar e subjetividade docente: apontamentos para se pensar a formação


de professores

O termo formação, utilizado para nomear processos vividos pelos


professores, vem sendo constantemente evocado no contexto das propostas de reformas
educacionais que marcam a escola contemporânea. Diferentes significados vêm sendo
atribuídos a esta palavra. De um lado, a formação é concebida como sinônimo de fôrma,
indicando um movimento que pretende enformar, moldar o professor nos limites de
ações educativas centradas em exigências definidas a priori. Por outro, tem-se a formação
enquanto forma, isto é, formar(-se) assume um caráter de processualidade, permitindo ao
docente construir e reconstruir, continuamente, a si e o seu conhecimento.
A formação, enquanto forma, implica numa visão ampliada da docência e do
próprio processo formativo, sinalizando para a estreita relação entre o que o professor é,
como ele se vê e o modo como desempenha sua função docente. Logo, formar-se é um
movimento que não ocorre de fora para dentro, mas resulta da articulação entre o externo
e o interno, o objetivo e o subjetivo. Assim, pensar a formação docente passa,
necessariamente, pelo pensar o processo de produção de si do sujeito.
Concebida como um continuum, a formação é um processo que ocorre ao
longo da trajetória profissional docente, implicando sempre em novas aprendizagens,
que não se iniciam nem se esgotam nos espaços e tempos destinados para tal. Daí
deduzirmos que a existência de uma formação, capaz de preparar “suficientemente” o
professor para o ensino inclusivo, constitui-se, no mínimo, um equívoco. Sobre isso Arroyo
(2002) discorre:

Pensar que falta esclarecimento, que antes de implementar uma proposta inovadora
os professores têm de ser treinados, não resolve problemas que são mais
complicados. [...] Que fácil resulta equacionar as reações dos mestres frente às

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 179


inovações educativas no campo mental, de como falta esclarecimento teórico, de
reflexão e tematização, de leitura, cursos ou treinamentos. [...] Apenas treinar,
esclarecer não muda práticas. (p. 69-70).

Poder-se-ia pensar, então, que mesmo que a formação do professor – inicial


ou em serviço – pudesse se fazer “completa”, ainda assim, produziria repostas parciais
para os problemas pedagógicos, visto ser a docência, uma atividade feita às expensas do
inusitado e do efêmero, não cabendo, portanto, a instauração de receitas ou modelos
pedagógicos prévios. Logo, o suporte teórico-metodológico advindo da academia, embora
imprescindível, resulta insuficiente para que o professor dê conta de um agir autônomo e
eficaz.
Resgatamos Amaral (1994), ao pontuar que a formação destinada ao professor
que atua junto ao educando com deficiência deve abarcar “não só habilidades e
conhecimentos técnicos, mas também uma reflexão sobre os conteúdos internos desses
profissionais” (p. 15). Pensar-se-ia, então, na formação de professores como uma questão
de natureza complexa, pois não versa apenas sobre a aquisição de conhecimentos e
habilidades para o seu posterior repasse no contexto da prática.
A formação, portanto, “não pode ser percebida como uma lista de aquisições
lineares, cuja soma equivale ao todo”. (BÉLAIR, 2001, p. 65). Formar o professor para
atuar em um ambiente inclusivo implica estar atento para elementos de ordem afetiva e
subjetiva, para que estes possam vir à tona e serem ‘trabalhados’.
A prática docente é carregada de emoções e conflitos. A inclusão convoca o
professor a rever o seu ensino, o que pode se configurar em algo doloroso, que irá exigir
repetidas rupturas no seu modo de ser, pensar e agir. Enfatiza-se, desse modo, a importância
de que o professor, diante de situações de conflito, entre em contato com seus próprios
sentimentos, sejam eles de raiva, amor, compaixão, pena, dor, etc., ao invés de mascarar
a dificuldade (e até mesmo a impossibilidade) de vincular-se ao educando com deficiência.
(DUARTE, 2004).
Os professores, a exemplo dos alunos, têm suas especificidades, suas
necessidades, seus “dramas” pessoais e suas limitações, que não podem ser desconsiderados
ou relegados a um segundo plano. Como bem refere Lipp (2002), “sem cuidar do professor,
formá-lo e apoiá-lo, ficam inviáveis a evolução da educação escolar, o progresso, uma
vida de qualidade”. (p. 10). Nesse sentido, a autora reitera, mais à frente, sobre a
importância de se ajudar os professores a encontrarem caminhos criativos para satisfazer
a necessidade de interagir com colegas que lidam com o mesmo tipo de problemática.
Urge, assim, que sejam abertos “canais de comunicação” nas escolas, que
permitam criar um espaço de confiança, de entrega ao conhecimento e de colaboração,
possibilitando transformações nos sujeitos envolvidos, bem como a ressignificação, pelos
professores, da prática pedagógica junto ao aluno com necessidades educacionais especiais,
na classe regular. Programas que pretendem colocar o professor numa ‘fôrma’, não nos
parecem ser os mais adequados para desencadear um compromisso deste, com o processo
formativo e inclusivo.
Deve-se, pois, investir num trabalho centrado na pessoa do professor, através
de uma formação flexível e permeável que permita, ao docente, fazer as combinações e
montagens necessárias, conforme as situações que se apresentam no cotidiano escolar.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 180


Para tanto, há que se considerar a subjetividade docente como elemento constituinte do
seu processo formativo, pois pensar na formação para a diversidade implica um constante
repensar e reavaliar não apenas aspectos cognitivos, mas também afetivo-emocionais
presentes na prática do professor.
Fomentamos, desse modo, a criação de “espaços de escuta” e de diálogo nas
escolas, num clima de cooperação, feedback e apoio mútuo que proporcione uma maior
interação entre profissionais que lidam com problemáticas comuns, auxiliando na
construção de estratégias de enfretamento, congruentes com seu autoconceito, em que
cada um procure “aprender com a experiência profissional, numa perspectiva de auto-
descoberta do estilo e das qualidades pessoais que podem ser aproveitadas na prática
profissional”. (JESUS, 2001, p. 17).
O desafio de ensinar a todos os alunos, na escola que se quer inclusiva,
exige, pois, o compromisso com indagações e a subversão do ideal de turmas homogêneas,
à revelia dos alunos em questão. Significa ver além da deficiência e as diferenças
consideradas peculiaridades que a escola precisa se dispor a atender. Neste cenário,
precisamos rever a nós mesmos, sujeitos da ação, reconhecendo nossas atitudes, valores,
limites, preconceitos, desejos e possibilidades, enquanto elementos contribuintes na
efetivação do arquétipo inclusivo.

Finalizando...

As reflexões produzidas neste trabalho anunciam que o aprimoramento da


formação docente, para atuar em ambientes inclusivos, requer uma série de estratégias
que estão em fase de processamento. Assim, para que o ideário inclusivo tome lugar nas
escolas, convém pensá-lo de maneira ampla, abrangendo a possibilidade de inclusão do
próprio docente, para que disponham de um ambiente favorável à reflexão da prática e
dos sentimentos que a presença de uma dada peculiaridade lhes suscita. Sob essa ótica,
entende-se que a inclusão do aluno, passa pela inclusão do professor.
É preciso, pois, investir na edificação de um espaço onde esses profissionais
possam entrar em contato com os colegas da equipe de trabalho. Um espaço onde possam
dar vazão aos seus sentimentos, sejam estes de amor, raiva, dor, angústia, frustração ou
(in)satisfação, compartilhando e ressignificando sua experiência. Referimo-nos, aqui, à
criação de um ambiente não coercitivo em que os professores possam falar de suas
inquietações acerca do processo inclusivo, refletindo sobre a sua pessoa e a pessoa do
aluno, sem que se sintam avaliados ou testados.
Conclui-se, assim, que o autoconceito nunca está pronto e acabado,
estruturando-se e reestruturando-se através dos vários períodos do desenvolvimento da
pessoa em resposta às modificações no ambiente externo, social e profissional. O professor
tem, em suas mãos, a complexa tarefa de ensinar pessoas, dantes excluídas do meio
social e educacional. Por isso, precisa manter uma boa relação consigo mesmo e com seu
universo pessoal, fator este, que recairá, certamente, sobre a qualidade do ensino
ministrado nas escolas.
Desta forma, conhecer a si mesmo, suas necessidades e sentimentos,
identificando seu perfil profissional, representa um aspecto importante na formação dos
professores. Trata-se de uma formação que priorize as perguntas ao invés das respostas,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 181


que estimule o gosto pelo novo, voltando-se para um trabalho de aprimoramento, pessoal
e profissional, possibilitando ao professor lidar melhor com as demandas que se instituem
na escola e fora dela.

Notas
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Rio Grande do Norte.
Mestre em Educação e Especialista em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria.

2
Profª Drª em Psicologia Social/USP/SP, docente do Departamento de Educação Especial, credenciada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 183


A TERRA EM QUE VIVEMOS: UMA PROPOSTA PARA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL, NA ÁREA DE CIÊNCIAS
COM A INSERÇÃO DO TEMA INCLUSÃO SOCIAL

Alzira Cristina de Mello Stein-Barana1


Deisy Piedade Munhoz Lopes1
Roberto Naves Domingos1
Leandro Xavier Moreno1
Aline Piccoli Otalara2

Introdução

Em 2004, o Ministério da Educação (MEC), em convênio com instituições


de ensino superior brasileiras constituiu e, atualmente, coordena a Rede Nacional de
Educação Continuada para professores da Educação Básica (Educação Infantil e Ensinos
Fundamental e Médio). Essa rede tem como objetivo atender às necessidades de formação
permanente de professores que lecionam em escolas municipais e estaduais. A Unesp
participa, através do CECEMCA (Centro de Educação Continuada em Educação
Matemática Científica e Ambiental), tendo como objetivo o desenvolvimento de material
didático (cadernos de orientação e cursos de EaD – Educação à Distância), incluindo
conteúdos relativos à educação especial e ambiental. Com a recente política educacional
brasileira que propõe a integração à escola comum do aluno com necessidades educacionais
especiais, Lei nº9394 Resolução nº95 (LDB, 1997), tornou-se necessário atualizar e auxiliar
os professores da rede pública de ensino para receber e trabalhar com esses alunos. Dentro
da dinâmica do CECEMCA de oferecimento dos cursos de formação continuada foi
desenvolvido o módulo “A Terra Em Que Vivemos”, uma proposta para o ensino de
ciências para o educador do ensino fundamental. Nele, temas científicos, em particular
da Física, são trabalhados através de um contexto de interdisciplinaridade, havendo o
cuidado em abordar os tópicos de forma que todos os alunos possam ser incluídos.
A inclusão proposta é ainda mais abrangente, pois aos professores em
formação também se disponibilizou um curso EaD, promovendo a inclusão digital. A
maioria dos professores do ensino fundamental se ressente em usar tecnologias dessa
natureza, por não se sentir preparada para esse fim.
Assim, este módulo é uma contribuição para a educação especial que, além
de ser um ramo incipiente do ensino, tem sido tradicionalmente realizado em separado
para alunos com necessidades especiais, focando as deficiências e, muitas vezes,
desprezando as possibilidades de aprendizagem. Também promove a inclusão digital,
quebrando resistências à “modernidade” e às novas práticas educacionais. Há que se
salientar a participação dos alunos do curso de Licenciatura em Física, no desenvolvimento
e elaboração de textos e material de apoio didático, construindo conhecimentos e
compartilhando experiências sobre a temática da inclusão educacional, ainda incipiente
na formação inicial de muitos profissionais.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 184


Objetivos

A proposta “A Terra em que Vivemos” teve como objetivo desenvolver


material didático para a capacitação em ciências do professor do Ensino Fundamental,
promovendo a inclusão social sob três aspectos:
I – Inclusão digital dos professores, através da prática de Educação a Distância;
II – Inclusão dos alunos com necessidades especiais no aprendizado de
ciências;
III – Capacitação dos alunos de Licenciatura em Física no desenvolvimento
de textos didáticos de ciências adequados a uma educação inclusiva.
A finalidade desse material foi promover a construção de competências na
esfera do trabalho docente, articulando o ensino de ciências e a inclusão dos alunos com
necessidades especiais. Com uma orientação fundamentada nos PCNs – Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL,1977), abordando situações do cotidiano e tendo como
referência os órgãos do sentido, o projeto procurou articular a experimentação e observação
dos fenômenos da natureza, segundo os quatro blocos temáticos propostos para o ensino
fundamental: Ambiente; Ser Humano e Saúde; Recursos Tecnológicos e Terra e Universo.

Metodologia

A etapa inicial do projeto centrou-se na definição dos temas que contemplam


o ensino de Ciências Naturais. Tais temas foram complementados com orientações para
o apoio da prática docente em espaços escolares que acolhem diversidade de alunos.
Como resultado foram escolhidos os seguintes temas:

Tabela 1: Relação entre os órgãos dos sentidos e os temas do projeto


Órgãos dos
Tema Conteúdo
Sentidos
O futuro será macio visa a compreensão dos estados da matéria Tato
Água: responsabilidade do cidadão uso dos recursos hídricos Visão e paladar
A Terra em uma aquarela propriedades de luz e estudo das cores Tato
Viva com esse barulho estudo do som e poluição sonora Audição
Ar, cheiro da Terra qualidade do ar e suas propriedades Olfato e Paladar
Quando a natureza atua eletricidade,magnetismo e geração de energia Visão

Na etapa seguinte, investigaram-se quais materiais didáticos, técnicas e ações


deveriam fazer parte do projeto. Nessa fase, foram realizados encontros dos coordenadores
da proposta com três professores da rede pública, que lecionaram ou lecionam para pessoas
com necessidades educacionais especiais, dois deles também deficientes visuais.
Participaram, também, um mestre e um doutor da área de pedagogia com especialização
no assunto, três alunos bolsistas, graduandos do curso de Licenciatura em Física da UNESP
- Rio Claro, a empresa incubadora TECE. Esses encontros forneceram oportunidades
para conhecer as concepções dos professores e dos licenciandos a respeito da educação
inclusiva e suas avaliações quanto a sua própria competência no ensino de ciências;

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 185


pode-se constatar que a inclusão escolar começa com o esforço dos profissionais de
educação, seja na elaboração de material específico para esse fim, seja na atuação junto
aos professores regulares estimulando-os a modificarem sua prática pedagógica, de modo
a contemplar a diversidade do alunado.
Norteados pelas etapas descritas e atendendo as orientações do CECEMCA,
foram elaborados materiais didático-pedagógicos impressos e multimídia (caderno
impresso e CD-ROM), bem como implementado um curso de Ensino a Distância.

Inclusão Digital

A formação continuada através do recurso EaD foi uma opção para trabalhar
a inclusão digital dos docentes. O acesso à Web, às mídias de leitura e gravação de dados,
e o próprio uso do PC (Personal Computer) é pouco estimulado e utilizado por essa
classe de profissionais. Seu preparo para o magistério inclui um mínimo de estudo nas
áreas de ciências exatas e biológicas, e isto é um desconforto declarado por eles. A
formação continuada com ênfase nessas áreas do conhecimento torna-se um parceiro
importante para a inclusão digital. Deste modo, a informática entra como um dos
elementos no processo da construção do conhecimento.
O curso EaD foi desenvolvido no ambiente TelEduc, e trabalhou os temas
escolhidos na metodologia, tomando como referência os órgãos dos sentidos, que é um
assunto familiar no estudo de ciências para o Ensino Fundamental. A tabela 1 mostra
como foram realizadas as conexões entre os temas. O TelEduc é um ambiente de suporte
para ensino-aprendizagem a distância destinado para a realização de cursos através da
Internet. É um software livre que pode ser distribuído e está disponível para download no
seguinte endereço: http://www.nied.unicamp.br. Possui quatro tipos de usuários: o
administrador, o coordenador do curso, o formador e os alunos. Os coordenadores da
proposta “A Terra em que Vivemos” atuam como coordenadores e formadores, ficando
a administração a cargo do núcleo de EaD do CECEMCA. O TelEduc possui ferramentas
que permitem a apresentação e organização de informações, disponibilização de conteúdo
e a comunicação entre os participantes do curso. Esses recursos são escolhidos pelos
coordenadores de acordo com o perfil de seus usuários. Para que formadores e alunos
tenham acesso ao curso, são fornecidas senhas quando do cadastramento no ambiente.
O curso foi elaborado em sua forma piloto e, para testá-lo, o projeto contou com a
colaboração de 16 professoras voluntárias do Ensino Fundamental (1a a 4a séries) da
Escola Marcelo Schmidt, de Rio Claro (SP), com tempo de magistério superior a 10 anos.
O curso em EaD “A Terra em que Vivemos” foi organizado em 23 aulas,
correspondendo aos seis temas escolhidos, durante um período de 3 meses. A figura 1
apresenta uma tela do curso, onde o lado esquerdo indica os recursos disponíveis para
esse curso: Agenda, Atividades; Material de Apoio; Leituras; Mural e Perfil. A tela da
figura mostra a Agenda, que é a página de entrada do ambiente e contém informações
sobre o curso em andamento. O caderno em CD-ROM e as aulas do curso ficaram
disponíveis no “Material de Apoio”, e as instruções para o desenvolvimento do curso, na
ferramenta “Atividades”. No ícone “Leituras”, ficaram disponíveis textos complementares,
como notícias de revistas e outros assuntos de interesse e apoio para o curso. O “Mural”
foi disponibilizado para que os alunos pudessem compartilhar suas dúvidas e sugestões

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 186


com a classe e os coordenadores.

Figura 1: Tela do curso “A Terra em que Vivemos, mostrando a Agenda.

Inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais

Dentro da proposta, preocupamo-nos em complementar os programas


educacionais já estabelecidos. Assim, o módulo “A Terra em que Vivemos” faz uma
ligação entre um tema tradicionalmente abordado no ensino fundamental, que é “órgãos
dos sentidos”, e problemas físicos relacionados com o meio ambiente. Apoiando-nos
naquilo que já é trabalhado nas séries iniciais do ensino fundamental, e que os educadores
sentem segurança ou domínio, introduzimos esses novos conteúdos. Também foi levado
em consideração que uma escola inclusiva deve reconhecer as diferenças e trabalhar as
potencialidades individuais num ambiente em que as crianças precisam aprender juntas,
sem especificar ou focalizar em um indivíduo ou sua necessidade específica. No entanto,
pautamo-nos na possibilidade de inclusão de portadores de deficiência auditiva e visual.
Nessa integração, tanto os educadores como seus alunos são levados a construir novos
recursos de aprendizagem e aprender novos temas .
A possível falta ou a escassez de recursos materiais foi levada em consideração
e, nas atividades práticas, propomos trabalhar com material de baixo custo, reciclável e
de fácil obtenção. De forma a ilustrar como a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais foi tratada, dentre os seis tópicos desenvolvidos na proposta,
destacamos dois temas do caderno “A Terra em que Vivemos”: “Estados da Matéria” e
“Cores e Luz”. (DOMINGOS, LOPES & STEIN-BARANA, 2005).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 187


Estados da Matéria

O assunto está incluído no tema “O Futuro será macio”: sua apresentação para os
educadores inicia-se com uma parte teórica sobre os constituintes da matéria – os átomos, e
discorre sobre a importância das energias de ligação entre eles para a formação dos diferentes
estados em que a matéria pode se apresentar na natureza. Os modelos teóricos são
apresentados na forma de alegorias, usando grãos ou sementes para representar os átomos,
dispondo-os de diferentes maneiras em um substrato de papel, como mostrado nas figuras 2
e 3.

Figura 2: Representação da superfície de um sólido - o arroz representa os átomos.

Figura 3: Foto representativa de uma substância no estado gasoso.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 188


A figura 2 mostra como se passa do estado sólido ao líquido: o professor ou
o aluno deve bater levemente com os dedos na parte inferior do carta, de modo que os
grãos (“átomos”) comecem a se agitar. Assim, representa-se a agitação térmica dos átomos
em um material sólido e a sua dilatação, pois os grãos afastam-se um pouco uns do
outros. Batendo com os dedos com um pouco mais de força, os grãos começam a se
afastar mais uns dos outros; tem-se, então, o estado da fusão, que é a passagem do estado
sólido para o líquido. Continuando a bater da mesma maneira, os grãos irão se afastar
ainda mais, e tem-se o estado gasoso, onde os grãos de arroz dispersos representam as
moléculas do gás, como mostrado na figura 3.
Participaram do ensaio desta atividade dois professores DV que, através do
tato, avaliaram a construção dos conceitos relativos aos estados da matéria e a passagem
de um estado em outro, e abalizaram o uso dessa atividade na proposta. Os professores
do curso EaD também trabalharam essa atividade com seus alunos e, embora todos
fossem videntes, a prática dessa alegoria mostrou que ela propiciou conhecimento aos
alunos, ao invés de memorização do assunto, como pode ser verificado pelo expressivo
número de alunos que tinham prazer em demonstrar a atividade na Feira de Ciências
realizada pelo grupo.

Cores e Luz

No tema “Terra em uma aquarela”, inclui-se a natureza da luz, óptica


geométrica, fontes e meios de propagação da luz e estudo das cores, e uma discussão
sobre a visão para quem não enxerga, onde também se apresenta o código Braille. Os
professores são estimulados a não excluírem os alunos cegos ou com visão subnormal
dessas atividades. Há muitos fenômenos na natureza, que mesmo os estudiosos videntes
não conseguem ver, são exemplos os fenômenos que acontecem em escala atômica, e
mesmo assim os pesquisadores continuam a estudá-los, embora não possam vê-los
diretamente.
Um exemplo sugerido no texto é o estudo da propagação da luz em linha
reta, que pode ser apresentada aos alunos DV, permitindo aos mesmos caminhar
paralelamente a uma parede reta. As formas das lentes e espelhos e seu efeito sobre um
feixe de luz, também podem ser trabalhados com os modelos sugeridos para representar
esses dispositivos de maneira táctil. Também, neste tópico, surdos são estimulados a
entender os conceitos de reflexão do som através dos experimentos com a reflexão da
luz.
No desenvolvimento desses tópicos, procurou-se reconhecer o professor como
produtor de saberes, valorizando suas incursões teóricas, suas experiências profissionais
e seus saberes da prática. Assim, os temas relacionados com educação especial foram
introduzidos de modo a despertar no professor atitudes reflexivas e investigativas,
incorporando na sua prática docente os aspectos da diversidade do alunado.

A inclusão dos alunos de Licenciatura em Física

Na área de ciências exatas, a “instrumentalização” da prática pedagógica


orientada no sentido da educação inclusiva é um desafio a ser vencido com criatividade

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 189


e muito empenho. Há que se levar em conta que a transmissão de um conceito físico
deve adequar-se à faixa etária e desenvolvimento cognitivo do alunado, a existência ou
não de conhecimentos prévios, considerando e observando com fidelidade os pressupostos
teóricos desse conceito. A linguagem técnica e as ferramentas matemáticas fundamentais
para a construção de uma teoria ou explicação de um fenômeno físico são indispensáveis
para um alunado que pretende se especializar em Física, mas deixam a desejar quando se
almeja preparar professores para educandos com necessidades especiais. Desse modo, o
grande desafio a ser vencido, foi ensinar ciências com a máxima fidelidade possível por
meio de recursos pouco usuais, dentro de uma proposta inclusiva.
Orientados pelos coordenadores, e com assessoria dos professores DV e da TECE.
Os alunos bolsistas, licenciandos em Física, colaboraram no desenvolvimento dos conteúdos,
atividades práticas, experimentos e implementação do curso EaD. Algumas das ações foram
propostas e criadas por iniciativa desses alunos. Isso foi um fator indicativo, pois o envolvimento
no projeto os levou a uma conscientização da prática didática num contexto de educação
inclusiva. Também lhes permitiu vivenciar situações em que os saberes curriculares tiveram
que se adequar aos saberes de experiência, complementando sua formação e mostrando-
lhes a possibilidade de um trabalho diferenciado e pouco difundido em nosso país.

Resultados e discussão

A experiência do curso de formação continuada de professores possibilitou


o envolvimento de docentes atuantes em diferentes áreas do conhecimento, como Física,
Matemática e Educação Especial, bem como de alunos do curso de licenciatura em
Física, além da troca de experiências com os professores DV e voluntárias do ensino
fundamental.
O curso EaD, promovendo a inclusão digital, foi uma experiência
surpreendente, pois se constatou que em torno de 90% dos professores da escola, que é
central em uma cidade de porte médio como Rio Claro, do estado de São Paulo, não
usava computadores por não tê-los e (ou) por não saber como usá-los, principalmente no
acesso à Web. Essa foi a barreira inicial a ser transposta: vencer a rejeição e o sentimento
de incapacidade quanto ao uso de um equipamento eletrônico. A falta de PC’s particulares
foi contornada, estimulando os professores a trabalharem em grupo, num mesmo período
ou horário e usando as máquinas que a escola dispunha. A socialização das dificuldades
minimizou a resistência inicial quanto ao uso de uma ferramenta estranha ao seu cotidiano
e despertou naturalmente uma liderança: a pessoa mais familiarizada com PC’s. Essa
pessoa tornou-se mediadora entre os professores em formação e os coordenadores do
projeto. O compartilhar das dificuldades foi fundamental para evitar desistências cogitadas
durante o andamento do curso; a superação destas permitiu, não apenas a inclusão digital
e a capacitação em novos temas em Ciências, como o prazer individual de um desafio
superado.
A sobrecarga de trabalho das professoras voluntárias e a conseqüente
dificuldade na realização das tarefas foram alguns dos problemas enfrentados. A direção

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 190


da escola e a coordenação pedagógica exercem um papel fundamental na viabilização
das práticas inclusivas e precisam estar conscientes da necessidade de atualização e
capacitação dos seus professores, disponibilizando meios que facilitem a realização das
mesmas.
Os alunos Licenciandos em Física puderam refletir sobre e aprimorar a
aprendizagem recebida em sala de aula por meio da revisão e aplicação dos conceitos
físicos já conhecidos, para posteriormente apresentá-los nas técnicas assistivas
desenvolvidas. As grades curriculares das licenciaturas no ensino superior em vigor em
nosso país estão defasadas ante o desafio da inclusão digital e também dos alunos
portadores de necessidades educacionais especiais nas classes comuns. A lei das Diretrizes
e Bases assegura aos portadores de deficiências o direito de freqüentar a escola pública
mais próxima de sua casa juntamente com as demais crianças; no entanto, não estamos
preparando nossos licenciandos para essa tarefa. Na realidade, há pouca atenção ao
assunto e a tarefa de adaptar ou complementar os currículos dos cursos de graduação
com “atividades” e/ou disciplinas que contemplem as necessidades especiais é
praticamente inexistente.
A avaliação final realizada com os participantes do curso de formação revelou
que a maioria considerou bastante positiva a prática adotada pelos coordenadores da
proposta no oferecimento do curso em EaD para o ensino fundamental. Ressaltaram,
também, a importância dos temas escolhidos na composição do módulo e as atividades
práticas inclusivas apresentadas.

Conclusão

Shulman (1986) sugere três categorias nas quais o conhecimento pode ser
organizado: o conhecimento do conteúdo da disciplina, o conhecimento pedagógico e o
conhecimento curricular. Essa proposta procurou fornecer subsídios para que as três
classes de conhecimento fossem contempladas, não através de um saber formalizado em
teorias, porém, enfatizando o conhecimento curricular através de sugestões para o trabalho
e ações do professor em sala de aula. Essas considerações apontam também para uma
análise mais cuidadosa e uma revisão quanto à formação acadêmica das licenciaturas nas
diferentes áreas do conhecimento. A experiência com os estudantes de graduação mostrou
que há uma premente necessidade de atualização de currículo nas Licenciaturas, que
contemple a inclusão digital e as práticas docentes voltadas para alunos com necessidades
educacionais especiais.
O caráter inclusivo da proposta “A Terra em que vivemos” mostrou-se como
um catalisador de reflexões para o desenvolvimento profissional em ciências dos docentes
no ensino fundamental. Esse material está disponível junto à Rede Nacional de Formação
Continuada do MEC, através do CECEMCA.

Notas
1
Departamento de Física – Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP – Rio Claro.

2
TECE/INCUNESP – Tecnologia e Ciência Educacional/ Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 191


UNESP – Rio Claro/SP.

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Researcher. Washington, v. 15, n. 2., p. 4-14, 1986.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 192


REPRESENTACÕES DOCENTES: O ENCONTRO COM O OUTRO

Josiane Pozzatti Dal-Forno1

Introdução

Os professores têm uma difícil tarefa, educar todos os alunos, respeitando


suas diferenças sejam elas sociais, culturais ou de aprendizagem. Considerando-se que o
contexto de sala de aula é diverso e complexo, a tarefa de educar pode provocar insegurança
e conflitos, mas, ao mesmo tempo, pode ser um desafio estimulante. Quando o aluno
apresenta necessidades educacionais especiais, a diferença torna-se mais visível, e com
isso, a forma de olhar esse outro expressa representações que construímos em nossa
história de vida através das experiências que vivemos.
Por isso, pretende-se neste artigo fazer uma análise a partir das narrativas de
professoras de classe regular em relação à pessoa com necessidades educacionais especiais.
Para isso tomou-se por base uma pesquisa2 desenvolvida com docentes dos Anos Inicias
do Ensino Fundamental de uma escola pública de Santa Maria/RS, conhecida por
promover a inclusão há vários anos. Nessa investigação, buscamos uma aproximação das
representações de três professoras que não possuíam formação em Educação Especial e
que tinham alunos com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula.
O Imaginário Social serviu de suporte teórico para análise das narrativas,
possibilitando conhecer representações instituídas e instituintes acerca desses alunos
nas trajetórias de vida das docentes. Por isso, a metodologia utilizada nesse estudo pautou-
se na memória, ferramenta essencial no trabalho com História de Vida, pois promove a
rememoração de fatos que marcaram os percursos de formação e que constituíram o
sujeito.
Conhecer a singularidade das histórias de vida das professoras torna possível
uma aproximação dos significados e dos sentidos por elas construídos no decorrer de sua
vida e de seu trabalho com a inclusão. Tal aproximação é fundamental para a compreensão
da postura dos professores diante do desafio de ensinar alunos incluídos. A forma como
os professores percebem a diferença está relacionada à forma como o professor é, à sua
pessoa, às suas experiências vividas e aos significados atribuídos a estas.
O trabalho com histórias de vida, por sua vez, não visa a questionar as escolhas
feitas pelas professoras em suas vidas ou em seus percursos de formação, ele não se
presta à denúncia de situações pessoais, mas busca nelas as significações3 imaginárias
sociais instituídas em seus discursos, bem como, a criação do novo, de novas formas de
pensar a educação, a prática e a relação com o outro, enquanto sujeito que aprende,
sujeito de sua história, estabelecendo uma via de mão dupla, ensinando e aprendendo,
instituindo novas significações em relação ao outro.

Imaginário social: significados e representações

O Imaginário Social se insere como outro olhar sobre as questões


educacionais, pois considera a subjetividade do sujeito, ser histórico social, capaz de

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sonhar, de desejar, de criar novas formas de vida, de comportamento. O imaginário permite
compreender o ser humano na sua complexidade e diversidade, lançando outro olhar
sobre a subjetividade dos sujeitos, deixando de considerá-los apenas sob o enfoque
racional, entrelaçando a complexidade presente nos sujeitos, seres humanos. De acordo
com Oliveira (1995),

[...] a possibilidade radicada nos estudos do Imaginário Social reside nessa


possibilidade de conhecer as significações imaginárias, as construções que
configuram, que solidificam a realidade, bem como compreender o movimento
que se dá entre o que é e um possível dever ser, entre o que tem sentido e o que
não faz mais sentido. (p. 58).

Dessa forma, os estudos referentes ao imaginário buscam lançar outro olhar


para compreender o sentido atribuído pelo sujeito aos fatos, pessoas, situações e também
ao que estes acionam nele. A contribuição da teoria do Imaginário Social, principalmente
na abordagem de Cornelius Castoriadis (1982), reside na possibilidade de um olhar
diferenciado sobre a subjetividade e complexidade que constituem os sujeitos.
Castoriadis (1982) sugere a constituição simbólica da sociedade que se
organiza em instituições as quais têm uma dimensão funcional e uma dimensão imaginária,
sendo que esta última abriga a capacidade de criação do homem. Ele introduz o conceito
de Imaginário Social atentando para a análise da dimensão simbólica que estabelece, por
sua vez, uma rede simbólica, dando sentido à instituição. Para o autor, “a instituição é
uma rede simbólica, socialmente sancionada, onde se combinam em proporções e em
relações variáveis um componente funcional e um componente imaginário”.
(CASTORIADIS, 1982, p. 159). Além disso, o Imaginário Social possibilita uma
aproximação da dimensão imaginária, responsável pela criação de novas significações,
que constituem o imaginário instituinte. Para Castoriadis (1982), “o imaginário de que
falo não é imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-
histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível
falar-se de ‘alguma coisa’”. (p. 13). Essa capacidade de criação é encontrada nos dois
pólos, no psíquico e no social-histórico, que Castoriadis (1992) chamou de imaginação e
imaginário. Há uma imaginação radical da psique, isto é, há um surgimento perpétuo de
um fluxo de representações, afetos e desejos indissociáveis e que são incontroláveis.
Para Castoriadis (1992) “a criação é a capacidade de fazer surgir o que não
estava dado e que não pode ser derivado a partir daquilo que já era dado” (p. 89), sendo
que a imaginação “é a capacidade de colocar uma nova forma” (p. 89), utilizando elementos
já dados. O imaginário se exprime e existe pelo e no simbólico, que pressupõe a existência
da capacidade imaginária (capacidade de ver em uma coisa o que ela não é, de vê-la
diferente do que é). É na dimensão simbólica (ou imaginária) que se abriga a capacidade
de criação do homem. (CASTORIADIS, 1982). A dimensão histórico-social é fruto da
capacidade de criação do homem que inventa novas formas, instituindo o novo.
A dimensão imaginária é responsável pelo poder de autocriação, auto-
alteração, renovação das sociedades, que por sua vez criam instituições necessárias em
determinado tempo histórico para uma dada sociedade. Os sentidos que o homem atribui
é que criam essas instituições. A dimensão imaginária cria, institui o novo, podendo

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assim elaborar um novo pensar sobre as diferenças, instituindo novas significações. O
fazer humano é dotado de sentido, de significação, sendo capaz de criar novas formas e
novas significações que fazem sentido para a sociedade em transformação. O olhar
diferenciado, possibilitado pelo Imaginário Social, torna possível a aproximação das
significações imaginárias das professoras em relação ao aluno com necessidades
educacionais especiais incluído em suas salas de aula. Com isso, faz emergir o sentido
atribuído ao outro enquanto indivíduo participante da sociedade.
A capacidade de criação também se expressa em novos modos de pensar e
agir socialmente nas instituições de ensino, buscando dar sentido ao aprender e ao interagir
na escola, introduzindo a diferença, não como fator de divisão, mas como um complemento
capaz de fortalecer a aprendizagem escolar. Sonhar, construir, modificar, verbos que
traduzem significações necessárias à evolução das instituições sociais, evidenciando a
dimensão humana do fazer. É no imaginário radical que se solidificam os sonhos, a
mudança, o novo, o por-vir-a-ser.
De acordo com Barbier (1994) “tudo que serve para formar (valores, normas,
instituições, idéias e materiais pedagógicos) engendra ipso facto um magma de
representações e de significações imaginárias que se insere na práxis educativa e em suas
realizações”. (p. 15). O imaginário expresso nas representações docentes em relação ao
aluno incluído revela os significados instituídos e instituintes quanto ao diferente como
legítimo outro. Nesse contexto, as significações docentes manifestam-se em uma prática
social, a educação, e em uma instituição, a escola.

O encontro com o outro: significando a experiência

O que é diferente salta aos olhos, perturba. Ver o outro com sua forma
diferente de ser/estar no mundo incomoda. A presença desses seres “diferentes a esses
demais caracterizados pelo espelhismo da normalidade, é vivida como uma grande
perturbação”. (FERRE, 2001, p. 197). A diferença é perturbação porque representa um
espelho do que há de errado, feio, imperfeito em nós. Ela lembra os defeitos, as limitações,
e isso perturba.
Eizirik (2001) afirma que a organização lógica e de significados define o
lugar do outro, seus limites e possibilidades. O outro não é sempre o que está fora, o
estranho separado de mim, mas o estranho em mim. O modo como percebemos o outro,
como olhamos para este indivíduo que se aproxima, repercute em nosso modo de pensar
e agir. Nesse sentido, a professora Heloisa relata, a seguir, um momento marcante em sua
vida, quando conheceu uma menina com Síndrome de Down. Antes de tornar-se
professora, ela trabalhava no comércio, e uma antiga colega foi visitá-la com a irmã e a
sobrinha.

“Elas chegaram na minha casa, e eu não sabia como reagir, o que fazer, eu não sabia se me
aproximava, se eu me afastava, se eu falava com ela, ou se eu ignorava a presença dela ali. Eu
optei em ignorar, para não querer magoar a menina, sem saber que eu tava magoando e muito
a menina, porque ela tem a Síndrome de Down, mas ela fala, ela faz carinho, ela chora, ela sente,
ela tem um coraçãozinho dentro dela, e eu na hora bloqueei, não sabia como fazer isso, a única

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coisa que eu fiz, foi pedir para os meus filhos não rirem dela, da atitude, do jeitinho dela. Aí
aquilo me marcou e depois que elas foram embora, eu perguntei para a minha vizinha. Eu fiquei
sem ação, sem saber o que fazer frente à visita da menina. E daí diz ela assim: - não, não é assim,
tu pode conversar com ela, tu pode fazer carinho, tu pode abraçar, ela responde, ela fala, ela conta
as coisinhas dela. Aí na próxima visita que ela foi lá em casa, eu fui, abracei, conversei”.
(Heloisa).

A reação da professora frente à visita inesperada dessa menina foi de


indiferença por não saber como agir e qual reação a menina teria, e também por acreditar
que sendo indiferente à presença dela, não a magoaria. A imagem que trazemos, construída
social e historicamente do outro como incapaz, agressivo, doente, quase sempre provoca
um afastamento. As imagens que são construídas em relação às pessoas com deficiência,
caracterizando-as como “seres diferentes” não permitem, muitas vezes, visualizar a
dimensão humana e, tão pouco, o estabelecimento de relações de afeto, carinho, amizade.
Heloisa viveu uma situação de conflito consigo mesma, pois não sabia como
agir quando conheceu aquela menina. Situações como essa de conflito, de mudança,
fazem o sujeito confrontar-se consigo mesmo e podem levar a uma reorientação na forma
de pensar e comportar-se. Essa reorientação é entendida por Josso (1988) como “momento
charneira”.
O imaginário está em constante transformação, pois novas representações
vão sendo construídas e se infiltram em nosso pensar, e em nossas práticas. E, nesse
sentido, é importante destacar a forma como Heloisa buscou transformar suas ações a
partir desse momento. Quando chegou à escola a professora se deparou com o preconceito
e com a reação de medo de uma aluna sua em relação a outro aluno que também ia para
escola de transporte escolar.

“[...] eu levei os meus alunos, eram vinte dois ou vinte três, pra visitar a classe especial porque
inclusive eu tinha uma menina que ela andava de transporte escolar com um coleguinha da classe
especial e ela tinha medo desse coleguinha. No transporte ela não queria sentar perto, ela se
afastava desse colega e eu fiquei pensando, mas eu disse para aí, tá acontecendo com ela a mesma
coisa que aconteceu comigo”. (Heloisa).

A reação que Heloisa teve frente à diferença, expressa pela Síndrome de


Down, levou-a a compreender que seu medo podia estar relacionado à ausência de contato
anterior com pessoas com necessidades educacionais especiais, e quando percebeu a
reação de sua aluna, pensou em elaborar um projeto aproximando seus alunos daqueles
que freqüentavam a classe especial. A inclusão é uma situação de mudança, que pode
provocar conflitos nos docentes, mas também pode proporcionar uma reorientação, um
novo pensar e agir. Desse modo, a resposta a esse conflito vivido por Heloisa deu-se
através do projeto que ela desenvolve na escola, buscando intervir no imaginário de seus
alunos. Este olhar que surge, através do trabalho em conjunto com as professoras de
classe especial, com o intuito de aproximar esses “dois mundos”, pode contribuir para
romper com a imagem instituída que os alunos de classe regular tinham em relação aos
alunos da classe especial. Heloisa tornou-se “agente instituinte”, realizando ações de
aproximação, manifestando e promovendo a criação de novas significações nos alunos

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de classe regular, abrindo espaço para o imaginário instituinte em relação às pessoas com
necessidades educacionais especiais. A imagem que as crianças tinham dos alunos incluídos
refletiu na forma de ver o seu trabalho, buscando a união com as educadoras especiais
para romper com o preconceito e a segregação existentes na escola. Para Heloisa, é preciso
começar desde cedo a convivência com a diferença, pois assim o preconceito e o medo
tendem a desaparecer, tornando natural a percepção do outro, como um ser humano, que
como qualquer outro, tem suas características singulares. Para ela, é na escola que deve
começar a mudança de atitude dos alunos, e os professores são os agentes responsáveis
por essa mudança. O desejo de mudança se traduz como sonho de outra escola, uma
escola mais comprometida, cujo discurso seja coerente com a prática.
O sonho é um componente do imaginário, ele traduz as expectativas do sujeito,
projetando um querer ser. É a dimensão imaginária que abriga a capacidade de criação do
homem e é ela que produz o novo através dos sonhos, dos desejos, das expectativas,
instituindo com isso novas significações. Assim, o novo pode se manifestar através dos
desejos, dos sonhos dos sujeitos. Esse sonho se manifesta também na possibilidade de se
colocar no lugar do outro, compreender e sonhar a partir desse “lugar”. Nesse sentido, ao
se pensar enquanto criança com necessidades educacionais especiais, Heloisa revela seu
desejo de ser uma professora capaz de incentivar o aluno incluído a aprender, desafiando-
o a ir além das suas limitações, e procurando integrá-lo com os demais alunos.

“Se eu fosse uma criança com limitação, seja ela qual fosse, eu gostaria que minha professora fosse
uma pessoa que me incentivasse a crescer, a produzir, a aprender o que minha capacidade
permitisse, que me respeitasse e me desafiasse a querer tentar ir sempre além do que eu imaginava
ser capaz, enfim, que me tratasse com muito carinho e atenção, que fizesse com que eu não me
sentisse insegura, incapaz ou sozinha na turma que eu fizesse parte. Uma professora que não
visse o meu erro em atividades propostas como fracasso, mas que utilizasse-o como forma de
incentivar a minha atitude do fazer, não fazendo as coisas por mim ou me dando-as prontas”.
(Heloisa).
Esse desejo de ser melhor conduz a uma reflexão capaz de criar novas
significações, um novo pensar em relação ao aluno incluído e, por conseguinte, promover
alterações na forma de ensinar esse aluno.
Sonhar significa pensar, projetar. Mas, muitas vezes, o que sonhamos implica
mudanças, as quais podemos, ou não, conseguir implementar. Assim, ao se deparar com
um aluno com necessidades educacionais especiais, o professor pode entrar em conflito
com seu pensar a educação e com seu fazer docente, pois este implica em tomada de
decisões frente a esse novo contexto educacional.
Já a professora Sonia está há sete anos na escola, e desde o início trabalha
com alunos incluídos. Nesse momento, a professora demonstra grande preocupação em
relação ao seu fazer docente, sentindo necessidade de um suporte maior e acredita que é
preciso ter formação em Educação Especial para poder realizar um bom trabalho.
Imaginando-se como uma criança com necessidades educacionais especiais, a professora
descreve como gostaria que fosse seu professor.

“Eu gostaria que a professora tivesse conhecimentos sobre a minha deficiência. Que tivesse um
curso de graduação em Educação Especial, ou um curso de formação para trabalhar com

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portadores de deficiências. Isso é muito importante porque o educador precisa de um suporte
teórico para embasar sua prática. É muito difícil fazer um bom trabalho sem formação, pois
mesmo que a pessoa faça o melhor possível, sempre ficará faltando informação para lidar com as
diversas situações que surgem no dia-a-dia”. (Sonia).

A preocupação que Sonia tem direciona sua narrativa para as necessidades


formativas que acredita suprirem, em grande parte, as dificuldades que tem encontrado
em sua prática cotidiana. Dessa forma, ela revela um desejo de ser diferente, e a professora
que sonha se caracteriza pelo conhecimento das deficiências e pelo gosto em trabalhar
com alunos incluídos. O desejo de ser melhor, de fazer melhor, revela a dimensão imaginária
que produz os sonhos e que instaura novas perspectivas em relação ao fazer docente. A
professora Tania também expressa esse desejo de ser uma professora diferente.

“Gostaria que ela fosse calma, atenciosa, perspicaz, disposta e competente. Que
fosse comprometida com seu papel de professora e gostasse de trabalhar com
criança portadora de necessidades especiais. Gostaria que ela buscasse mais
conhecimentos sobre minhas limitações, para melhor trabalhar comigo. E sentasse
perto de mim, quando fosse possível, dando-me explicações individualizadas. E
que os conteúdos fossem bem adaptados para melhorar o meu desempenho
escolar”. (Escrita da professora Tania).

Esse sonho expresso pelas professoras evidencia um descontentamento em


relação ao seu fazer docente, bem como o desejo em ressignificar a prática, apontando
para a necessidade de conhecimentos sobre as deficiências dos alunos.
Mantoan (2003) destaca que é necessário o “reconhecimento de que o outro
é sempre e implacavelmente diferente, pois a diferença é o que existe, a igualdade é
inventada e a valorização das diferenças impulsiona o progresso educacional”. (p. 28). A
inclusão requer compreender que somos diferentes, não porque temos uma aparência
diferente, mas porque pensamos e agimos de forma diferente, temos histórias diferentes,
nos constituímos de maneira completamente diferente uns dos outros. O olhar do professor
é que precisa ser diferenciado, para compreender que a diferença está em todos os alunos
e que em alguns ela é acentuada, não pela aparência, mas pelas características singulares
que nos diferenciam e formam nossa subjetividade. Trabalhar com o diferente implica,
de certa forma, ser diferente. Mas essa diferença não está no exterior, ela habita o
imaginário, revela-se pelo olhar sobre o outro, sobre si mesmo, sobre a própria concepção
de diferença.
Para Eizirik (2001), “trabalhar com o diferente é estar também neste não-lugar,
movediço, incerto, refazendo-se e reconstruindo-se a todo momento, utilizando o desafio
da dificuldade como motor para a construção de novos sentidos e realidades desse ensino
que é tão especial.” (p. 57). Reconhecer as diferenças é olhar-se no espelho, é constatar
aquilo que agrada e aquilo que desejaríamos ver modificado. Olhar para dentro de si
requer compreensão da dimensão identitária do ser humano, cuja relação é ambígua,
envolve aceitação do que se vê e do que nos faz parecidos com determinado grupo
social, mas exige esforço para vermos o que está escondido, relegado à escuridão, e que
nos torna seres humanos singulares.

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A inclusão é uma imposição da lei, porém, é uma conquista das pessoas
excluídas do convívio social por apresentarem características peculiares não desejadas
socialmente. Ela representa o direito, não só ao convívio, à “igualdade”, mas é símbolo
do direito ao saber historicamente acumulado e “transmitido” na escola, instituição cuja
função legítima é essa.
Conforme Veiga-Neto (2001):

Se parece mais difícil ensinar em classes inclusivas, classes nas quais os (chamados)
normais estão misturados com os (chamados) anormais, não é tanto porque seus
(assim chamados) níveis cognitivos são diferentes, mas antes, porque a própria
lógica de dividir os estudantes em classes – por níveis cognitivos, por aptidões,
por gênero, por idades, por classes sociais etc. – foi um arranjo inventado para,
justamente, colocar em ação a norma, através de um crescente e persistente
movimento de separando o normal do anormal, marcar a distinção entre
normalidade e anormalidade. (p. 110).
Ser diferente é fugir da norma, sendo assim, excluído. Norma instituída
socialmente, que todas as pessoas têm de se comportar de forma igual, homogeneamente.
Dessa forma, a heterogeneidade é olhada com desconfiança, medo, insegurança. E a
escola é o lugar onde a heterogeneidade é indesejada, todos têm de atender as mesmas
exigências, de disciplina e de desenvolvimento. É no espaço escolar que as diferenças se
apresentam de forma mais nítida, sendo também, legitimadas por ele através do simbolismo
presente em suas ações hierarquizando e privilegiando espaços e fazeres. A escola, ao
mesmo tempo em que sonha com a homogeneização do pensar e agir, solidifica e institui
papéis, legitimando relações de poder.

Conclusão

Pensar a educação considerando a perspectiva da inclusão escolar requer


atentar para as representações dos professores acerca do aluno incluído. O medo do
diferente é algo marcante nas narrativas das professoras; ele remete ao imaginário instituído
socialmente em relação à pessoa com necessidades educacionais especiais. É o imaginário
instituído que provoca medo, afastamento, preconceito, discriminação, bloqueando a
interação e a aprendizagem dos alunos e dos docentes. Além disso, a expectativa de
encontrar alunos ideais provoca um choque com a realidade, que poderia ser evitado
com um contato maior com o cotidiano escolar, durante os cursos de formação de
professores.
No entanto, o imaginário sofre transformações, e novas representações vão
sendo construídas e se infiltram em nosso pensar e em nossas práticas. Porém, o modo
como pensamos se modifica com o passar do tempo e, com isso, as nossas representações
também podem ser alteradas. As narrativas revelaram também outro olhar, possibilitado
pela prática cotidiana e pelo conflito gerado pelo processo de inclusão capaz de conduzir
a uma reorientação na forma de pensar e ensinar alunos incluídos. A forma como a
diferença foi sendo percebida no decorrer dos percursos de formação das professoras
delineou representações acerca da pessoa com necessidades educacionais especiais, as

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quais se instalaram na forma como ensinam. As representações evidenciadas nas narrativas
das professoras possibilitam pensar a formação de professores articulada aos diferentes
espaços/tempos de formação e, assim, investir na desconstrução de imagens socialmente
instituídas. Nesse sentido, é importante pensar a formação de professores considerando
principalmente dois espaços formativos: a escola e a universidade. Trabalhar as
representações dos futuros docentes durante o curso de formação é uma alternativa para
romper com a imagem instituída em relação às pessoas com necessidades educacionais
especiais. Desse modo, abrem-se espaços para criação de novas representações que podem
romper com imagens instituídas de incapacidade e dar vazão a um novo olhar sobre as
diferenças.

Notas
1
Educadora Especial, Pedagoga, Mestre em Educação pela UFSM e doutoranda em Educação pela UFSCar

2
Imaginários e Saberes Docentes na Escola Inclusiva: um Estudo dos Processos de Formação e Autoformação.
Dissertação de Mestrado. UFSM. 2005.

3
Também entendidas como representações por Castoriadis (1982).

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 201


DECIFRA-ME OU TE DEVORO: OS ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
DE SEUS PROFESSORES

Ednea Rodrigues de Albuquerque1

Introdução

A Educação Especial no Brasil foi instituída sob práticas sedimentadas na


visão médica, psicológica, pedagógica e, mais recentemente, na abordagem histórico-
social.Numa perspectiva assistencial, o atendimento educacional à pessoa com deficiência
no Brasil inicia-se em 1854, quando por Decreto Imperial, D. Pedro II fundou no Rio de
Janeiro o Imperial Instituto dos meninos cegos, mais tarde, denominado Instituto
Benjamim Constant - IBC e em 1857, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos,
posteriormente denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.
(MAGALHÃES, 2002).
No final do Império, surgem duas instituições para deficientes mentais: em
1874, o Hospital Estadual de Salvador, na Bahia, hoje Hospital Juliano Moreira e, em
1887, a escola México no Rio de Janeiro, ambas com administração dos respectivos estados.
Apenas em 1911 foi revelado apoio e assistência ao deficiente mental, quando o serviço
de higiene e saúde pública, através da inspeção médico-hospitalar, institui a criação de
classes especiais e formação de recursos humanos. (JANNUZZI, 1985).
Assim sendo, o atendimento à pessoa com deficiência é instituído pelos órgãos
privados, mantendo-se sob a égide das ações filantrópicas e assistencialistas. A esse respeito
afirma Magalhães (2002):

Até 1950, foram criados mais de cinqüenta estabelecimentos no País que atendiam
a pessoas consideradas deficientes. É importante salientar que o poder público
nunca se ocupou, de fato, com a melhoria e ampliação da educação especializada,
ficando tal responsabilidade a cargo da iniciativa privada. As duas entidades
privadas que, com o passar do tempo, obtiveram um maior alcance nacional
foram as sociedades Pestalozzi e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAEs) criadas nas décadas de 30 e 50, respectivamente que mantêm, até hoje,
escolas especiais.(p. 62).

O interesse público pela educação especial desponta a partir da realização


de campanhas destinadas a esse segmento da população em caráter emergencial de
atendimento. Destacam-se a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (1957);
Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos deficientes da Visão em (1958) e
por fim a Campanha Nacional para a Educação e Reabilitação dos Deficientes Mentais
(1960). O objetivo dessas campanhas era estimular a ampliação do atendimento
educacional aos deficientes em nível nacional. (MAGALHÃES, 2002).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 202


O atendimento educacional público inicia-se, oficialmente, com a criação
do primeiro órgão federal para gerenciar essa modalidade de educação, o Centro Nacional
de Educação Especial (CENESP), em 1973. O objetivo dessa instituição era promover
e estimular o atendimento especializado, além da qualificação de quadros técnicos para a
Educação Especial. O CENESP forneceu assessoria, recursos financeiros e humanos
nas secretarias de educação dos estados.
Em 1986, a referida instituição foi extinta, sendo criada nesse mesmo ano a
Secretaria de Educação Especial - SEESP, que passa a ser gerenciada pela Secretaria de
Educação Básica, cujas responsabilidades permanecem semelhantes a do CENESP. Cabe
ressaltar, que, paralelo ao serviço público de Educação Especial, atuavam as instituições
privadas e filantrópicas.
No âmbito público, merece destaque a ênfase dada à educação em espaços
segregados, sobretudo, nas classes especiais, que mantêm a hegemonia pela oferta desse
ensino. Esse tipo de atendimento prevaleceu até o final dos anos 1990. (MAGALHÃES,
2002).
O discurso da expansão e democratização da educação para todos, do final
dos anos 1980 e 1990, foi ampliado no país, principalmente diante da legislação em
vigor. Em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais, defende-se que
esse processo ocorra, preferencialmente, com a inserção e inclusão dos alunos no ensino
regular.
O cumprimento dos princípios constitucionais está legitimado mediante um
conjunto de leis, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), que
preconiza a todo cidadão o direito de estar na escola e concluir seus estudos
independentemente das suas características individuais, sócio-econômicas e
culturais.Observamos, nesse contexto, avanços significativos para a Educação Especial,
inclusive quando começa a despontar o discurso crítico em torno do processo da integração
e proclama-se a inclusão.
Na nossa prática como educadora da rede pública de ensino, exercendo a
função de Coordenadora do Departamento de Educação Especial do Município do
Jaboatão dos Guararapes (PE), começamos a constatar certas incoerências para com o
discurso inclusivista, ou seja, muito nos incomodava a distância entre o proclamado e as
práticas de Educação Especial naquela municipalidade. Dessa forma, mais do que
promover a inclusão, a escola passa a contribuir para consolidar ações preconceituosas,
excludentes e segregacionistas para com os alunos com deficiência.
Assim, várias inquietações nos mobilizaram para a realização deste trabalho.
A partir delas, formulamos algumas questões: quais as representações sociais dos
professores quando interagem com o aluno da Educação Especial? Como esses alunos
são representados no cotidiano da escola? O que diferencia o aluno do ensino regular e o
da educação especial? Na prática, o que é diferente nessas duas modalidades de ensino?
O contato mais sistemático com a literatura e campo empírico nos levaram a
uma associação entre este estudo e a célebre frase: “Decifra-me ou te Devoro”. Expressão
bastante provocativa para os tempos atuais, ou seja, desvendar o enigma que se é
constituído diante das relações interpessoais, nas comunicações, na subjetividade com o
outro. Compreendendo-o através das suas narrativas, de uma linguagem não-verbal,
incrementada de simbolismos, de desejos.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 203


Objetivos

O estudo, apoiado na Teoria das Representações Sociais, teve como objetivos:

1) Compreender os impedimentos para a efetivação do aluno com necessidades


educacionais especiais no ensino regular;

2) Identificar os paradigmas emergentes sobre a modalidade da educação especial e a


construção das relações entre o professor da classe especial e do regular.

A teoria das representações sociais

O termo representação social foi edificado por Serge Moscovici, na obra


clássica La Psicanalyse: son image et sin public, em 1961, traduzida para nós como “A
Representação Social da Psicanálise”. Moscovici (2003) teve como ponto de partida os
estudos de Durkheim sobre a religião e os mitos, e neles o conceito de representações
coletivas.
A Teoria das Representações Sociais foi formulada no final dos anos 60 do
século XX, apresentando-se como proposição de uma “démarche” epistemológica. Ou
seja, uma proposição procedimental quanto à interpretação da realidade quotidiana da
vida contemporânea.
A representação social constitui-se num conhecimento singular de uma
categoria geral de pensamento social, que caminha paralela aos outros tipos de
conhecimento sobre o social, porém, conservando sua especificidade.
O campo de produção de saber da representação social é o cotidiano. Nele,
as representações sociais se constroem justamente nas experiências do dia-a-dia. É, então,
no contato face a face, e no compartilhar das experiências vividas na relação com o outro
e com o mundo é que se constrói, através de palavras, atitudes, comportamentos e
sentimentos, formas de compreender a realidade e a si próprio nessa realidade.
As Representações Sociais são entendidas como fenômenos interativos dos
processos sociais no cotidiano. Elas têm um vínculo com a ação humana, dão sentido ao
comportamento, integrando-o numa rede de relações que podem modificar e reconstruir
os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar.
Referindo-se à natureza da representação social, Moscovici (2003) completa:

As Representações Sociais [...] ocupam uma posição curiosa, em algum ponto


entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir
nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa.
Elas sempre possuem duas faces, que são interdependentes, como duas faces de
uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica (p 46).

Por ocupar uma posição instigadora, as representações sociais possibilitam


uma relação muito proximal entre o universo particular de cada indivíduo, entre grupos e
o universo exterior, ou seja, as informações e conhecimento que estão ao redor do mundo.
As relações passam a ser bastante imbricadas, por isso, estão interdependentes. A

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 204


representação está interligada à idéia de imagem e significação.
Como afirma Perrusi (1995), “a representação pode ser considerada como
um sistema de interpretação da realidade, organizando as relações do indivíduo com o
mundo e orientando as suas condutas e comportamentos no meio social” (p. 61).
Jodelet (2001), por seu turno, acrescenta que as representações sociais circulam
nos discursos e são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas,
cristalizadas em condutas e organizações materiais e espaciais. Elas têm a finalidade de
tornar familiar algo não-familiar, ou novo no universo conceitual desse grupo ou a
interpretação de um novo conceito de ciências que foi vulgarizado na socialização,
recebendo acréscimos e ou distorções.
Albuquerque (2004) faz alusão ao caráter inovador da teoria da representação
social na valorização do conhecimento do senso comum, isto é, o pensamento
representativo como mediador de novos conhecimentos e um instrumento gerador de
ações nas relações sociais.
Assim sendo, reconhecido o valor da Teoria das Representações Sociais para
compreender os fenômenos da educação, neste estudo, nela nos apoiamos para entender
melhor como e o quê pensam os professores que atuam com os alunos com necessidades
educacionais especiais.

Metodologia

Optamos pela abordagem qualitativa de pesquisa e tivemos como campo


empírico a rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE).

Participantes

Participaram da investigação sete (7) professores. Eles atuavam em classe


especial, escola especial e sala regular.
A formação acadêmica do grupo está assim distribuída: quatro (4) professores
possuem formação superior; dois (2) são pós-graduados e um (1) tem formação em nível
médio.
O tempo de atuação na modalidade de Educação Especial varia entre 1
(um) a 12 (doze) anos.

Procedimento de coleta de informação

Foram realizadas as seguintes estratégias: entrevistas semi-estruturadas e a


associação livre de palavras. A primeira elencava um roteiro com perguntas pré-
estabelecidas, mas que possibilitava um desdobramento diante do diálogo com os
participantes. A segunda consistia na escrita de quatro palavras que viessem,
imediatamente, à lembrança mediante a apresentação dos estímulos: o aluno da educação
especial é..., e expectativas em relação ao aluno da classe especial são... Após a escrita
das palavras, o participante deveria indicar a palavra que julgava mais importante,
justificando sua escolha.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 205


Procedimento de análise

O conteúdo dos relatos das entrevistas, bem como a associação livre de


palavras, foi estudado a partir da análise de conteúdo de Bardin (1997). Lembramos que,
após a transcrição das entrevistas, foi feita uma nova escuta aos professores para ratificar
ou não as declarações emitidas. Isto é, retornamos às escolas, convocamos os professores
individualmente, para que se ouvisse novamente o que captamos nas fitas cassetes,
acompanhando-se a leitura do que estava escrito.

Resultados e discussão

Associação livre

Nos resultados da associação livre de palavras (QUADRO I), o aluno com


necessidades educacionais especiais foi representado socialmente pelos professores de
forma diversa, desde alguém sem nenhuma diferença dos demais, até alguém único que
merece respeito, carinho e atenção especial. Nas evocações, esse aluno aparece como
alguém que possui conhecimento, é curioso e com possibilidade de aprender. O que
sugere, por parte do professor, atenção e compromisso para com ele.

Quadro I - Palavras e expressões associadas ao estímulo: “o aluno da educação especial é...”


P a lav ras ou exp ressõ es ev o ca das

PESS OA ÚN IC A; C OMP RO MI SS O; POS SIB ILIDADE; DESA FIO;


SENSIB ILIDADE; ATENÇÃO ESPEC IAL; RE SPE IT O; CAR INHO;
N Ã O TE M D I FE REN ÇA ; CON HE C I ME N T O; A PREN D IZ A G E M;
A TEN ÇÃ O; C UR I OSO; R ET ORN O; ESPE CI AL .

As expectativas dos professores para com o aluno com necessidades


educacionais especiais (QUADRO II) giram em torno dos alunos aprenderem a ler para
compreender, não serem vistos como “extraterrestres”, mas reconhecidos como pessoas,
atingirem os objetivos de vida, se tornarem independentes, capazes de aprender, crescer
e terem seus direitos respeitados. Evocam também termos e expressões com teor negativo,
como são sujeitos limitados e pseudo-independentes.

Quadro II - Palavras e expressões associadas ao estímulo: “expectativas em relação ao aluno da classe especial”
Palav ras ou exp res s ões evo cadas
LE R P A RA V IDA ; NÃ O SE RE M V IS TOS CO MO EXT RA TE RREST RES ;
AT ING IR OBJ ETIV O S D E V IDA ; F A ZÊ-LO CRES CER; S ER
R E C ON H E C I DO C O MO PE SS OA ; SU J EITO LIMI TAD O ; AP R EN DE R;
DI RE ITOS RE SP EITA DO S ; P S EUD O - IND EP EN DÊN CIA ;
MA IO R D EP EN DÊN C IA.

No geral, os dados da associação livre de palavras permitem inferir que a

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 206


representação social dos professores acerca do aluno da educação especial, embora já
incorporando o discurso inclusivista, pauta-se no assistencialismo e ainda está marcada
por sentimentos como afeto, caridade e piedade. Esse indivíduo não é representado como
cidadão com peculiaridades, limites e potencialidades, mas como um vir a ser que, no
futuro, poderá ser alguém. Entendendo que as representações sociais orientam as práticas,
pode-se admitir que elas estejam impedindo o desenvolvimento de práticas pedagógicas
verdadeiramente inclusivas.

Entrevistas

A partir das entrevistas, é razoável afirmar que o discurso circulante entre os


professores acerca do aluno com necessidades educacionais especiais pode ser resumido
em dois tópicos: necessidade de sua permanência na classe especial é marcante e o afeto
como fundamento da prática pedagógica. Assim, trazemos alguns trechos das falas dos
sujeitos que podem reforçar o que delas inferimos.

Necessidade de sua permanência na classe especial é marcante

“Enquanto eles estiverem aqui, eu pretendo estar também e enquanto eles estiverem me ensinando
eu quero estar aprendendo com eles.” (P1)

“Minha preocupação no ensino regular é que eles não sejam vistos com loucos, aquele deficiente
mental, ou fulaninhos [...]”. (P3)

O afeto como fundamento da prática pedagógica

“A minha prática educativa ela começa no amor. Se não, não funciona”. (P7)

“Nunca me senti tão amada, nunca fui tão respeitada, depois que vim para a educação especial,
sou valorizada na íntegra”. (P2)

“Eu acho muito interessante o caminho que eles me ensinam para chegar até eles. Na verdade são
eles que me ensinam muitas vezes o caminho [...]”. (P)

“Eu muitas vezes trabalhando com eles, eu defendo, eu brigo, eu me sinto até um pedacinho dele,
eu brigo por eles. É como um animal, que outro está chegando no seu território. Então, é meu e
eu tenho que defender,tenho que buscar o melhor deles”. (P5)

Enfim, notamos um pensamento incrementado de contradições. Detectamos


a imagem docente; sob a égide do afeto, a identidade do professor se descaracteriza
externalizando outras funções não pertinentes no exercício da docência: mãe, tia, babá.
Um discurso que ratifica o abandono, o desamparo profissional, as carências emocionais

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 207


no trabalho da docência e na relação interpessoal com o discente:

“Às vezes a gente perde o sentido da vida e quando eu os vejo carente de afetividade, de um sorriso
apenas, e eu procurando coisa grande. Aí eu digo: eles são mais importantes ainda”. (P6)

Esse resultado indica que o aluno com deficiência na escola é muito mais um
ato de amor, compaixão para com o próximo, que padece a redenção da docente, do que
o direito à educação.

Conclusão

A primeira aproximação das Representações Sociais dos professores para


com os alunos com necessidades educacionais especiais sinalizou que é emergente re-
significar as políticas públicas de formação de docentes em todos os níveis e modalidades
de ensino. Criar espaços de escutas, de diálogo e de intervenções pedagógicas para
possibilitar a reflexão do próprio pensamento e a práxis educativa.
Reafirmamos, com este trabalho, que a educação inclusiva, embora presente
nos discursos oficiais, constitui-se ainda um desafio, pois a tendência dos professores
tem sido a preocupação com a assistência e proteção desses indivíduos desamparados
que precisam, antes de tudo, de afeto.
Nessa trajetória de pesquisa, considerada inconclusa, algumas questões
relevantes vêm à tona: por que os profissionais da educação resistem ao processo da
educação inclusiva? Como a formação continuada contribui para o desenvolvimento de
uma prática inclusiva? Quais as representações sociais de inclusão escolar dos professores?
Essas questões nos movem a continuar insistindo no estudo dessa problemática.

Notas
1
Mestre em Educação pela UFPE (2007), especialista em Psicopedagogia pela FAFIRE (2003) e Educação
Especial pela UNICAP (1999). Atualmente é professora concursada da Prefeitura Municipal de Jaboatão dos
Guararapes; exerce na Secretaria de Educação - SEDUC, a função de técnica na assessoria pedagógica do
Departamento de Educação Especial. Tem experiência na área de formação docente com ênfase na Educação
Especial.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE, E. R. Decifra-me ou te devoro: as representações sociais construídas


pelos professores sobre os alunos com necessidades educacionais especiais. (Monografia).
FAFIRE, Recife, 2004.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997.

BRASIL. Lei Nº. 9.394/96 de 20 de dezembro 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e legislação correlata. 4.
ed. Brasília: Câmara dos deputados, coordenação de publicações, 2007.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 208


JANNUZZI, G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Cortez, 1985.

JODELET, D. Representações sociais um domínio em expansão. (2001) In: As


Representações Sociais. Tradução: Lilian Ulup. Rio de Janeiro: EDUERJ. 2001.

MAGALHÃES, R. C. P. Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação especial.


Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.

MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes,


2003.

PERRUSI, A. Imagens da loucura: representações sociais da doença mental em psiquiatria.


São Paulo: Cortez, 1995.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 209


PARTE III

ALUNOS COM NECESSIDADES


ESPECIAIS NO ENSINO SUPERIOR:
Acesso, permanência e
preparação de professores
EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA UERJ: O INGRESSO DE ALUNOS COM
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO ENSINO SUPERIOR –
UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃO

Felipe Duclos Carisio Falcão1


Priscilla Christina da Rocha2
Dilton Ribeiro do Couto Junior3
Rosana Glat4

Introdução

A Educação de alunos com deficiências ou outras necessidades especiais


tradicionalmente deu-se na forma de um sistema de ensino paralelo, em classes e escolas
especiais, com profissionais, metodologias e recursos especializados. Atualmente, porém,
em função das novas demandas e expectativas sociais, tem sido buscadas formas menos
segregativas – inclusivas – de inserção desse alunado no sistema regular de ensino. A
Educação Inclusiva é hoje, no Brasil, política pública educacional garantida pela legislação,
conforme inciso III do Art. 208 da Constituição Brasileira, que confere ao atendimento
das pessoas com deficiência “preferencialmente na rede regular de ensino”. (BRASIL, 1988).
Além disso,

Na Política Nacional de Educação Especial elaborada em 1994 (MEC/SEESP,


1994), o MEC estabelece como diretrizes da Educação Especial apoiar o sistema
regular de ensino para a inserção dos portadores de deficiências, e dar prioridade
ao financiamento de projetos institucionais que envolvam ações de integração.
Esta mesma definição foi posteriormente reforçada na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei n°. 9.394/96) e, mais recentemente nas Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE / CEB, 2001).
(GLAT & PLETCH, 2004, p. 3).
Entretanto, as pessoas com necessidades especiais ainda encontram inúmeras
barreiras que impedem a sua inclusão no sistema regular de ensino, como lembram Glat,
Fontes & Pletsch (2006): “É uma proposta que sugere mudanças na concepção de ensino
e das práticas pedagógicas realizadas na escola, visando o benefício acadêmico de todos”.
(p. 18).
Embora haja um movimento mais generalizado de inclusão desse alunado na
escola regular, quando se fala em sistema de ensino, o discurso da Educação Inclusiva
fica geralmente restrito à Educação Básica. E quanto à inclusão dessas pessoas nas
instituições de Ensino Superior? Os estudos que investigam essa questão são ainda
escassos, em um cenário onde há o aumento gradativo de pessoas com necessidades
especiais ingressando em cursos de graduação e pós-graduação nas diferentes universidades
de todo o país.
O conceito de uma universidade inclusiva não consiste apenas no ingresso
de alunos com deficiências, mas, sim, implica em uma nova visão da mesma, prevendo
em seu projeto pedagógico – currículo, metodologia, avaliação, atendimento educacional

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 212


especializado, etc. –, ações que favoreçam, em sua plenitude, a inclusão social, através
de práticas heterogêneas adequadas à diversidade de seu aluno.
Nesse sentido, como instrumento de inclusão social, situam-se as ações
afirmativas. (GLAT & PLETSCH, 2004). Essas ações constituem medidas especiais e
temporárias que buscam aliviar e remediar as condições resultantes de um passado
discriminatório e objetivam acelerar o processo de igualdade, com a igualdade substantiva
para os grupos vulneráveis, como os portadores de necessidades educativas especiais e
outros grupos excluídos.
Sob essa perspectiva, o presente trabalho vem apresentar o desenvolvimento
de um projeto de pesquisa elaborado por um grupo de estudantes do curso de Pedagogia
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). (FALCÃO et al., 2005). Este,
produto inicial de duas disciplinas sobre Educação Inclusiva ministradas pela Profª Rosana
Glat, no ano letivo de 2003, foi ampliado em 2004, assumido os estudos do recém criado
Núcleo de Educação Inclusiva da UERJ (NEI) como Projeto de Iniciação à Docência.
Assim, os pesquisadores desse trabalho estudaram o discurso dos funcionários
técnico administrativos, professores e estudantes da Faculdade de Educação da referida
Universidade, sobre as questões envolvidas na inclusão de seus alunos com necessidades
especiais nos cursos de graduação e pós-graduação da mesma, objetivando contribuir
para que o discurso da Educação Inclusiva se torne gradativamente uma realidade nesse
espaço.

Objetivos

O objetivo deste estudo é investigar o processo de inserção de alunos com


necessidades especiais no ensino superior, tendo como entendimento que uma
universidade inclusiva implica uma nova visão da mesma, provendo em seu projeto
pedagógico (currículo, metodologia, avaliação, atendimento educacional especializado,
etc.) ações que favoreçam, em sua plenitude, a inclusão social, através de práticas
heterogêneas adequadas à diversidade de seu aluno. Para Mantoan (1997), “A inclusão
causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os
alunos que apresentam dificuldade na escola, mas apóia a todos; professores, alunos,
pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral”. (p. 145).
Tornou-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral
e abstrata. Fez-se necessário a especificação do sujeito de direito, ou determinadas violações
de direito, que exigem uma resposta específica e diferenciada. Confere-se a determinados
grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade.
Isto significa não mais utilizar a diferença para a aniquilação de direitos, mas, ao revés,
para a promoção de direitos.
Nesse sentido, como instrumento de inclusão social, situam-se as ações
afirmativas. Estas visam a cumprir uma finalidade pública decisiva para o projeto
democrático, que é de igualdade de direitos, apesar da diversidade e da pluralidade social.
Através delas, busca-se a transição da igualdade formal para a igualdade material e
substantiva.
Sendo assim, com esse referencial, em 2004 o Núcleo de Educação Inclusiva
da Faculdade de Educação da UERJ iniciou um projeto de pesquisa com objetivo de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 213


analisar a realidade dessa Instituição, já que nesse mesmo ano foi realizado o primeiro
vestibular com cotas para portadores de necessidades especiais.

Pesquisa de campo

Metodologia

O estudo, que segue metodologicamente a linha da pesquisa qualitativa, foi


dividido em duas etapas. Na primeira (2004), foram entrevistados estudantes da Faculdade
de Educação portadores de necessidades especiais que, mesmo sem benefício de cotas,
haviam conseguido ingressar na Universidade, para saber quais eram as dificuldades que
enfrentavam no dia-a-dia, como era a sua relação com professores e outros estudantes e
o que consideravam necessário para melhorar o processo de inclusão na Faculdade.
Na segunda etapa (2005/1), foram ouvidos professores e funcionários para
averiguar o seu nível de conhecimento e conscientização para lidar com esses estudantes
especiais. Como o debate sobre inclusão sempre ficou restrito à área da Educação Especial,
muitos dos demais professores e, principalmente os funcionários, não tiveram acesso a
essa discussão.

Participantes

Não foram utilizados critérios pré-estabelecidos para a seleção dos alunos


com necessidades especiais; levou-se em consideração apenas a motivação e a
disponibilidade dos mesmos em participar da pesquisa. Quanto aos critérios de seleção
para a segunda etapa, foram procurados professores que não fossem da área de Educação
Especial e os funcionários técnicos administrativos que exercessem a função de atender
diretamente aos alunos dessa Faculdade. Optou-se pelo anonimato, embora contando
com a autorização concedida pelos entrevistados para a divulgação dos seus nomes.
Durante a pesquisa, foram entrevistados quatro professores, dois funcionários
técnicos administrativos e seis alunos que têm necessidades especiais – três graduandos
e três mestrandos. Em relação a esse último grupo, podemos observar, no quadro a seguir,
deficiências de cada estudante.
Nome (fictício) Tipo de deficiência Graduação/Mestrado
Deficiência Visual (DV)
Rosana Graduação
(baixa visão)
Deficiência Visual (DV)
Laryssa Graduação
(cegueira)
Deficiência Física (DF)
Fernanda Graduação
(malformação congênita)
Deficiência Física (DF)
Maria Eduarda Mestrado
(“cadeirante”)
Deficiência auditiva (DA)
Renata Mestrado
(surdez)
Deficiência Visual (DV)
Tamara Mestrado
(baixa visão)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 214


Procedimentos, coleta e análise de dados

Os dados, continuamente analisados, foram colhidos através da gravação de


entrevistas semi-estruturadas a partir de um roteiro previamente elaborado. Durante as
entrevistas, o pesquisador e o sujeito dialogaram livremente a partir das perguntas feitas,
de forma a tornar dinâmica e dialética a conversa estabelecida. Nessa perspectiva, Glat
(1989) argumenta: “[...] mesmo que a pesquisa não seja experimental, o sujeito
continuamente modifica seu comportamento de acordo com o comportamento do
observador e vice-versa”. (p. 33).
As entrevistas transcorreram em um ambiente agradável, de cordialidade e
descontração, tendo uma característica interativa. As mesmas foram realizadas na
Faculdade de Educação da UERJ, individualmente, e os entrevistados tiveram plena
liberdade para expor suas opiniões. Após a transcrição das fitas, com duração máxima de
sessenta minutos, foi realizada uma análise minuciosa das respostas para que se obtivessem
informações relevantes que subsidiassem a terceira etapa do estudo.

Resultados e Discussão

Todos os depoimentos coletados foram analisados cuidadosamente para que


deles fosse extraído o máximo de informações com o propósito de responder aos nossos
questionamentos. Nesse caso, saber desses poucos alunos, que já estão incluídos na
Faculdade de Educação da UERJ (tendo ingressado, como já mencionado, antes do sistema
de cotas), e de alguns professores e funcionários técnicos administrativos, como avaliam
sua experiência educacional na Universidade, e o que poderia ser alterado na Faculdade
para que a mesma possa melhor atender a todos que a freqüentam.
Quando os alunos foram questionados se haviam enfrentado quaisquer
dificuldades no ingresso aos cursos dessa Universidade, as respostas variaram de acordo
com o tipo de exame prestado: graduação (vestibular) ou pós-graduação (mestrado). A
aluna Tâmara, atualmente no mestrado, deixa claro em sua fala todo o suporte que obteve
na prova de seleção para o curso de pós-graduação:

“[...] aqui dentro, quando eu vim fazer a prova do mestrado, eu tive toda ajuda [...] eu tive
prova ampliada, sala especial, sala do mestrado, eu tive pessoas pra ler na prova de línguas, por
que podia consultar dicionário e a letra é muito pequena, eu coloquei que isso não daria, que eu me
perderia na prova e eles não botaram nenhuma dificuldade, então quer dizer, nesta parte eu tive
professores dentro do mestrado realmente que bateram de frente com ações em relação a inclusão
comigo [...]”.

Em contrapartida, percebemos, na fala da estudante Rosana, com baixa visão,


que o vestibular – contrariamente à prova de seleção ao curso de mestrado –, não ofereceu
a ela qualquer tipo de auxílio para a realização do exame:

“[...] eu acho que para todos os deficientes a maior dificuldade começa no vestibular, porque, no
meu caso, eu tenho que ditar e o meu tempo é igual ao de todo mundo, então eu tenho que ler a

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 215


pergunta, formular na minha cabeça, para depois ditar, então é muito mais demorado do que
para você ler e escrever. Então eu acho que o tempo deveria ser maior para os indivíduos que
tivessem com necessidade”.

Outra dificuldade apontada por alguns dos entrevistados foi o total


desconhecimento dos funcionários e de alguns professores em relação a como lidar com
pessoas portadoras de necessidades especiais. Renata, com deficiência auditiva, assim se
expressa:

“[...] dificuldade no sentido de depender da leitura labial, os professores precisam se adaptar,


alguns alunos sentem dificuldade pelos professores ficarem andando de um lado para o outro”.

Como argumentam Glat & Pletsch (2004), a Educação Inclusiva é aquela


responsável em proporcionar ao aluno com necessidades educativas especiais a
participação em todas as atividades que ocorrem em sala de aula, de forma que todos
estejam engajados e aprendendo os mesmos conteúdos, com ou sem a utilização de
metodologias diferenciadas.
Outro exemplo é o de Laryssa, temporariamente com problemas visuais, que
aponta a falta de placas de localização em Braille. Quando perguntada se sentiu
dificuldades de acessibilidade, a aluna respondeu:

“Não tive (dificuldade) por conhecer bem o espaço, que dispõe de rampas de acesso, mas nenhuma
indicação em Braille, por exemplo”.

Uma questão que trouxe respostas bem divergentes foi em relação aos
relacionamentos traçados entre os alunos portadores de necessidades especiais e os outros
estudantes do Curso, e qual seria a responsabilidade da Faculdade nesse aspecto. Alguns
entrevistados responderam que a relação é e sempre foi ótima, já outros relataram que
tiveram dificuldades num primeiro momento, mas que o relacionamento foi melhorando
com o tempo. A aluna Fernanda, com malformação congênita, disse:

“[...] eu sempre joguei muito claro com as pessoas, no entanto o pessoal me acolheu numa boa”.

A aluna Renata, que é surda, porém oralizada, seguiu a mesma linha de


Fernanda ao afirmar:

“O primeiro contato com os meus colegas é aquele, eu sempre evito problemas futuros já falo no
primeiro dia: “a colega de vocês é surda falem de frente”. É mais fácil quando é no caso mestrado
em Educação, por que a maioria das minhas colegas são pessoas já esclarecidas, já são pessoas que
já deram esse problema e na linha de pesquisa em Educação Especial, eu não conheço ninguém
que não tenha trabalhado com alguma deficiência, então elas são pessoas compreensivas, amigas.
Eu acredito que estou fazendo o que considero o mestrado ideal para mim, estou no meio, então

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 216


todos conhecem os problemas e se não conhecem têm pelo menos alguma noção”.

Quanto aos professores e funcionários técnicos administrativos entrevistados,


todos deixaram bem claro que não recebiam qualquer informação prévia ou orientação
sobre alunos especiais inscritos nas disciplinas da Faculdade de Educação. Conforme
relatou a Profª Patrícia em relação aos estudantes especiais em sua classe:

“”
Foi descoberto no contato na sala de aula. No caso da aluna com paralisia cerebral, descobri
mais rapidamente porque era mais visível, não é? No caso da aluna cega, eu demorei um
pouquinho até a descobrir porque ela se sentava, e participava e, sabe, dialogava com os demais”.
Conforme apontam Glat & Pletsch (2004), sobre as questões que permeiam
a Educação Inclusiva no Ensino Superior:

O grande desafio posto para as universidades é formar educadores que não


sejam apenas instrumentos de transmissão de conhecimentos, mas, sobretudo, de
novas atitudes frente à diversidade humana. Além disso, devem ser preparados
para construir estratégias de ensino e adaptar atividades e conteúdos não só para
os alunos considerados especiais, mas para todos os integrantes de sua classe.
(p. 5).

Quando perguntados se a Faculdade teria alguma responsabilidade em divulgar


conhecimentos sobre a inclusão, todos foram categóricos em dizer que sim. Segundo a
mesma docente:
“Olha, eu acho que a instituição em geral tem esse compromisso isso. Aqui na
Faculdade, eu acho que com a criação do NEI, do Núcleo de Educação Inclusiva,
a gente já avançou um passo, não é, mas é só um passo. Eu acho que ainda há outros
passos. Eu participei há pouco tempo – isso deve ter umas duas semanas atrás – de
uma amostra super interessante que vocês realizaram, não é, as professoras e os
alunos. Eu acho que este tipo de coisa, a participação em congressos, a realização de
debates, de conferencias, eu acho que quanto mais você puder trazer isso, melhor; até
porque o professor ele fica muito preso na literatura da sua área específica e, muitas
vezes, não tem tempo, não tem disponibilidade para buscar este plus que seria também
uma leitura, uma literatura específica em relação à inclusão”.

Chama atenção que todos os entrevistados, ao serem questionados, foram


unânimes em dizer que a Faculdade não estava preparada para receber esses alunos,
como fica muito bem expresso na fala do funcionário da Secretaria, Carlos:

Eu acho que a UERJ toda não está preparada para isso. Você tem que treinar os funcionários
para receber essas pessoas. O elevador, os nossos elevadores não param, raramente param no

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 217


lugar certinho e o cadeirante tem dificuldade de entrar, o cego tem dificuldade de entrar, então você
tem que preparar o cabineiro, tem que preparar o cara lá em baixo que vê a pessoa a entrar. Se
você for lá no estacionamento o imbecil pára o carro na vaga e na rampa do cadeirante subir.
Então você tem que preparar as pessoas: “olha não pode parar aqui, isso aqui é para deficiente,
cadeirante, então não pode parar aqui”. Então tem que ter todo um preparo, desde o porteiro lá
em baixo, até o cara que está aqui em cima, não é ficar superprotegendo, é dar condições das
pessoas irem e virem”.

Carvalho (1999) aponta que o Ensino Superior brasileiro pode, com qualidade,
incluir portadores de deficiência no seu corpo discente, desde que, para isto, eles estejam
qualificados. Não se trata de introduzir tais alunos como “mais um” no grupo e sim lhes
propiciar condições para que, efetivamente, façam parte do grupo. A autora considera
também que é na organização e implementação das respostas educativas que reside o
“espírito” da inclusão, que faculta a todos a apropriação do saber e do saber fazer,
desenvolvendo neste tipo de aluno a capacidade crítica e reflexiva, em prol do exercício
de sua cidadania.

Considerações finais

Ao adentrarmos o cotidiano da Faculdade de Educação pesquisada,


constatamos a necessidade de mudanças para que a mesma seja um espaço inclusivo. E
para que esse ambiente se torne mais plural, o seu projeto político pedagógico – que
abrange currículo, metodologia, avaliação, atendimento especializado, etc. – precisa ser
reformulado, assim como as estruturas físicas da referida Faculdade.
Além disso, acreditamos que mudanças atitudinais estão ocorrendo na medida
em que são divulgados os dados da presente pesquisa, importantes para que sejam
compreendidos os benefícios da Educação Inclusiva no desenvolvimento de todos os
estudantes da Faculdade, que passam a desenvolver uma reflexão crítica ao compartilharem
a sala de aula, os corredores e outros espaços com os colegas que apresentam necessidades
especiais.
É nesse sentido que, baseado nos dados obtido nas duas primeiras etapas do
estudo, foi elaborado um manual para informar e divulgar os recursos acadêmicos
adaptados já existentes na Faculdade de Educação, e implementar programas de
conscientização e oficinas para professores, técnicos administrativos e estudantes.

Notas
1
Pedagogo formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2
Pedagoga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

3
Aluno de graduação em Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

4
Doutora em Psicologia pela Fundação Getulio Vargas, Professora Adjunta da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 218


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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 219


ACESSIBILIDADE NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA: O
PONTO DE VISTA DO ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA1

Elaine Teresa Gomes Oliveira 2


Eduardo José Manzini3

Introdução

A preocupação com o tema acessibilidade, por diferentes segmentos da nossa


sociedade, é contemporânea. Assim, foi necessário imprimir um caráter legal e também
teórico para que as pessoas com deficiência tivessem seus direitos fundamentais
garantidos. Deste modo, a acessibilidade pode ou não estar presente no cotidiano das
pessoas com deficiência, em termos de locomoção, mobilidade e acesso à informação.
De acordo com Cardoso (1996), acessibilidade não é um problema de grupos
minoritários, como está no imaginário coletivo das pessoas, mas uma situação que pode
ser vivenciada por todos. A partir do Decreto Nº 5.296/04, a acessibilidade foi também
direcionada aos idosos, mulheres com gravidez de risco, crianças, pessoas com deficiências
temporárias, cardíacas, obesas, pessoas que utilizam cadeiras de rodas, bengalas ou
muletas, entre outros, que vivenciam, no seu cotidiano, obstáculos ou barreiras que o
impedem de ir e vir. Portanto, a falta de acessibilidade na sociedade não é um problema
apenas daqueles que apresentam deficiência, mas deve ser de responsabilidade coletiva,
pois interfere na vida de muitas pessoas.
Para outros autores, como Emmel & Castro (2002), a questão da acessibilidade
não se restringe somente ao meio físico, mas se reporta a um contexto maior, que envolve
todas as atividades da vida cotidiana de uma pessoa. Corroboram com esse pensamento
Torres, Mazzoni & Alves (2002), ao se referirem à acessibilidade como um conceito que
envolve o espaço físico, social e o digital. Assim, acessibilidade é um conceito dinâmico,
vinculado ao desenvolvimento tecnológico e social do meio em que convivemos.
Autores como Emmel & Castro (2002), Sá (2003), Cardoso (1996),
Guimarães (2000), Lopes Filho (2003) e Manzini et al. (2003), assinalaram que a
acessibilidade é um elemento importante para que as pessoas com deficiência tenham
uma vida com qualidade e estejam incluídas em todos os contextos da sociedade.
Um outro ponto importante, indicado por Torres, Mazzoni e Alves (2002, p.
84), é que a barreira arquitetônica não é a maior dificuldade enfrentada pelas pessoas
com deficiência, pois o “maior obstáculo está no acesso à informação e, conseqüentemente,
aos aspectos importantes relacionados à informação, como a educação, o trabalho e o
lazer”.
Manzini (2003) já pontuava que o tema acessibilidade, no Brasil, recebeu
ênfase nos eventos científicos a partir de 2001. Numa nova leitura do conceito de
acessibilidade e inclusão social, o autor apontou que o termo acessibilidade estaria muito
associado às barreiras arquitetônicas e vinculado ao conceito inclusão. Para ele, existe
coerência lógica nessa associação. Contudo, ressalta, hipoteticamente, que em um ambiente
acessível pode não ocorrer a inclusão social. O contrário também é verdadeiro: num

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 220


ambiente com inúmeros obstáculos e barreiras arquitetônicas pode, por meio de uma
rede de relações de ajuda mútua e de cooperação, tornar-se possível promover a inclusão
social das pessoas com deficiências. Dessa maneira, entende-se que acessibilidade pode
auxiliar a inclusão, porém, a inclusão não acontece somente se as condições de
acessibilidade estiverem presentes. Nesse sentido, parece haver, por parte do autor, uma
diferenciação entre acessibilidade e as barreiras atitudinais.
Para aquele autor, a acessibilidade está sendo utilizada para conceituar
algumas das necessidades do estudante com deficiência física e sensorial no ensino
superior. No seu ponto de vista, “esta tendência parece ter uma aplicação conceitualmente
mais correta do que falar de inclusão social ou inclusão educacional” do estudante
universitário com deficiência.” (MANZINI, 2003, p. 2). Para tal fundamentação, respalda-
se em dois argumentos: 1) o próprio conceito de acessibilidade existente no dispositivo
legal da Portaria Nº 1.679/994 (BRASIL, 1999), que dá garantia legal para a permanência
do estudante com deficiência; 2) o termo inclusão não seria o mais indicado para substituir
o conceito de acessibilidade no contexto universitário, pois o próprio ensino superior é
excludente por natureza social, já que a universidade, concretamente, não é um local que
possa encampar o slogan Educação para Todos, afirma o autor.
Mais recentemente, Manzini (2005) apresenta uma diferenciação entre acesso
e acessibilidade, na tentativa de dizimar as confusões de interpretação entre esses termos.
Para o autor, a palavra acesso pode ser utilizada em várias situações: acesso à educação,
acesso ao trabalho, acesso ao lazer, acesso a medicamentos. Significa desejo de mudança,
busca a objetivos determinados. Portanto, significa a necessidade de luta para alcançar
algum objetivo. Já a palavra acessibilidade refere-se a condições concretas e palpáveis,
que podem ser medidas, legisladas e cobradas judicialmente. Exemplifica o autor que o
significado da expressão “é preciso que as pessoas com deficiência tenham acesso à
escola” é totalmente diferente de “é preciso que as escolas tenham acessibilidade para
receber pessoas com deficiência”. Assim, pode-se entender que a acessibilidade, no
enfoque legal e teórico, vem ao encontro das expectativas e das necessidades das pessoas
com deficiência.
Apesar de a acessibilidade estar sendo objeto de estudos pela maioria das
IES, sua prática vem demonstrando que a operacionalização das estratégias pertinentes
ainda necessita de adequações para atender esse segmento da população.
A universidade é um sonho que muitos almejam, mas poucos conseguem
alcançar. O estudante com deficiência, ao ingressar no ensino superior, segundo Carvalho
(1997), sente-se vitorioso; percorreu todos os níveis da educação básica, venceu a
seletividade e conquistou a ponta de uma pirâmide educacional. Entretanto, ele enfrenta
barreiras de outra natureza, que devem ser superadas de acordo com a especificidade de
cada um. À medida que vai fazendo parte do contexto universitário, ele vivencia situações
e circunstâncias que exigem mudanças de estratégias, que envolvem não só o aluno, mas
os diferentes sujeitos que compõem a comunidade acadêmica. Assim, são poucas as
universidades que estão preparadas para oferecer recursos e apoio necessários para garantir
a permanência de alunos com deficiência na instituição. (MOREIRA, 1999; 2000).
A Portaria MEC Nº 3.284/03 estabelece requisitos de acessibilidade à pessoa
com deficiência para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e
de credenciamento de Instituições de Ensino Superior. Quanto ao acesso de estudantes

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 221


que apresentam deficiência física, visual e auditiva, recomenda condições mínimas de
mobilidade, utilização de equipamentos e de instalações. (BRASIL, 2003).
Alguns estudos e pesquisas têm indicado a necessidade das universidades
estabelecerem uma política institucional, inclusive com um plano pedagógico. Um deles
foi realizado por Coelho, Torres e Mazzoni (1999), sobre as ações implementadas para
garantir o acesso e permanência do estudante com deficiência no ensino superior do
Paraná. Os autores concluíram que as ações são isoladas e não existe uniformidade na
política pública, ressaltando que a falta de delineamento da mesma para a educação
especial nas IES do Paraná favorece o processo de exclusão dos estudantes com
necessidades especiais, devido às dificuldades de acesso, ingresso e permanência na
instituição.
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi identificar, descrever e
analisar, sob o ponto de vista do estudante com deficiência, e baseada na sua trajetória
acadêmica, as condições de acessibilidade na Universidade Estadual de Londrina.

Metodologia

Participaram da pesquisa onze estudantes acompanhados pelo PROENE


(Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais
Especiais), da Universidade Estadual de Londrina, que apresentavam deficiência física,
visual ou múltipla, temporária ou permanente, de natureza congênita ou adquirida,
matriculados em 2002, assim caracterizados: quatro estudantes com baixa visão, três
com deficiência múltipla5 e três com deficiência física.
A coleta de dados foi feita por meio de entrevista semi-estruturada para
buscar, junto aos estudantes, informações sobre sua trajetória acadêmica, conhecimento
da legislação, processo de ensino – aprendizagem e avaliação, bem como sobre a
acessibilidade física na universidade. O roteiro de entrevista continha questões gerais e
específicas para cada categoria de deficiência.
As entrevistas, com duração média de uma hora e trinta minutos, foram
realizadas no próprio ambiente acadêmico, de acordo com o horário e disponibilidade
dos participantes, que foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa, deram seu
consentimento para a gravação da mesma e assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido.
Para resguardar a ética e o anonimato dos participantes da pesquisa, eles
foram identificados com a inicial E (letra inicial da palavra estudante), seguida de
numeração em ordem crescente e da abreviatura da tipologia, em subscrito, de cada
deficiência. Também, optou-se pelas siglas BV para baixa visão, DML. para Deficiência
Múltipla e DF para Deficiência Física. O exemplo a seguir ilustra a codificação da
identificação dos estudantes: E1 - BV, significando que o Estudante 1 possui baixa visão.
A análise de conteúdo da fala dos participantes foi feita por meio dos seguintes
procedimentos: 1) pré-análise e organização das verbalizações; 2) codificação das
verbalizações e 3) inserção das verbalizações em seis grupos temáticos. Essa análise
resultou na identificação de seis temas, que serão apresentados a seguir.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 222


Resultado e discussão

Tema I – Acessibilidade ao processo de ensino – aprendizagem – avaliação

Quanto ao processo de ensino – aprendizagem e avaliação, seis participantes


relataram que as condições de sala de aula são boas e tranqüilas, conseguem acompanhar
as atividades propostas pelo professor, como exemplifica a fala “[...] essa professora que me
forneceu o material em letra maior. [...] As transparências tinham um tamanho grande bastante
legível para mim, bem confortável”. (E3-BV).
As dificuldades vivenciadas que foram indicadas referiam-se ao escrever e
memorizar, à mobilidade, a enxergar o quadro de giz e transparência e a apresentar
seminários usando o retroprojetor.
Os participantes relataram que as atividades de estágio, práticas em laboratório
e internato apresentavam condições acessíveis de aprendizagem, conforme relato abaixo:

“Teve visita geológica nos morros [...] falei para o professor que não podia ir, ficar andando [...]
ficar subindo morro [...] Ele falou: tudo bem, eu trago as amostras e daí a gente marca um
horário e eu explico com amostras que gente vê no campo você vê em laboratório. Isto é respeitar.
Ele me passar o que eu não podia ver ele me passou. Foi ótimo”. (E7-DML).

Os estudantes revelaram, também, dificuldades relacionadas às barreiras


físicas e atitudinais, por parte de alguns professores e profissionais de campo de estágio,
como pode ser identificado no relato a seguir:

“Eu pedi durante a aula, três vezes, para ela me dar transparência. Eu já estava, assim, quase
chorando de tristeza. Meu! Como pode. Era só falar tó! (estava emocionada, quase chorando).
Mas, eu sempre procuro relevar. Levar na boa porque não adianta”. (E4-BV).

Os participantes com visão subnormal foram os que mais indicaram precisar


de recursos auxiliares ópticos, não ópticos e tecnológicos como: xerox ampliado, programa
de computador para atividades complementares e uso da lupa para leitura. Eles indicaram
a necessidade de adequações para uso de senha eletrônica da Pró-Reitoria de Graduação
e no Restaurante Universitário, devido à dificuldade de ler o número exibido na tela,
além da dificuldade de acesso às informações no acervo da biblioteca, conforme o próximo
relato:

“A senha que eu recebo, eu vejo o número, o problema para mim é o visor porque é vermelho em
cima do preto, por não ver as cores, as cores para mim são muito parecidas, são escuras.[...] eu
tenho que pedir para todo mundo, para o guarda.” (E4-BV).

Tema II – Acessibilidade ao ambiente físico da universidade

Os participantes com baixa visão responderam que a universidade oferece


acessibilidade; no entanto, aqueles com condição múltipla e com deficiência física

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 223


revelaram que a acessibilidade na UEL é péssima. Eles relataram que as dificuldades
estão no acesso à sala de aula, feita por meio de escadas sem corrimão, na ausência de
rampas e banheiros adaptados. Quando existem as rampas nos Centros de estudos, as
mesmas não possuem o declive correto, oferecendo risco aos estudantes cadeirantes. No
espaço físico da biblioteca, esses estudantes vivenciam dificuldades de diferentes naturezas,
advindas da falta de acessibilidade no piso inferior, espaço estreito entre as estantes de
livros, falta de mobiliário, de bebedouros e telefone público adaptados. Esta última barreira
também física é enfrentada por aqueles estudantes que têm nanismo. A biblioteca também
foi apontada pelos participantes de baixa visão, pela dificuldade de acesso ao seu acervo.

Tema III - Acessibilidade à locomoção

Os participantes com mobilidade reduzida relataram que as dificuldades


estavam relacionadas à disposição da sala de aula e serviços de apoio nos prédios de
ensino, que não se coadunavam com a sua capacidade física, como está expresso na fala
“andar vinte metros, para mim, é um problema”. (E5- DML). A locomoção foi avaliada
favoravelmente quando existiu acessibilidade à sala de aula, devido à mudança do piso
superior para o térreo, e construção de rampas nas soleiras das portas de sala de aula.
Em relação à locomoção da residência à universidade, os participantes com
visão subnormal relataram a dificuldade de não enxergarem o número do ônibus, ficando
na dependência de outra pessoa para informar o número do veículo que estava chegando,
como mostra a fala a seguir:

[...] eu não vejo o número do ônibus vindo, por exemplo [...] então eu pergunto [...] Daí se a
pessoa fala: Vou. Então tá bom quando chegar você me avisa. Pronto e não tem problemas.
Nunca apareceu ninguém cruel que me enfiou no ônibus errado”. (E4-BV).

Os participantes com deficiência física ou condição múltipla não


apresentaram dificuldade de locomoção. Dois tinham transporte próprio e utilizavam a
vaga especial demarcada no centro de estudo e outros locais da universidade. Apenas um
estudante cadeirante dependia do auxílio de um enfermeiro para sua locomoção no
campus.

Tema IV - Rede de relações interpessoais

Em relação à rede de relações interpessoais, os participantes indicaram que,


realmente, é no convívio do dia-a-dia que as interações entre os colegas foram se
fortalecendo. Para nove participantes, o cotidiano proporcionou aos colegas conhecê-los
em suas singularidades, crenças, expectativas, interesses pessoais e acadêmicos, resultando
numa relação de cooperação e solidariedade.

“Eu conto com o apoio de colegas de classe, no sentido de, como eu não enxergo no quadro, em
transparência, eles passam o material da sala, quando os professores, não fazem. A minha
turma é uma turma muito unida. [...] Até para eu ler mural é uma tristeza né?. Os colegas lêem
[...]”. (E4-BV).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 224


Em relação aos professores, os dados indicaram a existência de dois tipos
desses profissionais:

1) O mais compromissado, que procura atender as necessidades educacionais especiais


do estudante com deficiência:
“[...] tem professor que tira alguma dúvida; mandei um e-mail
para ele, me retornou explicando. [...] O professor muito legal,
a gente tem uma discussão muito boa, um nível muito bom”.
(E11-DF).

2) Os professores que não têm interesse e não provêm o atendimento de suas demandas
educacionais de forma a favorecer o acesso à informação, indispensáveis ao ensino-
aprendizagem e avaliação:
“Sei que existe (legislação), mas não conheço. Se não me engano, [...] eles têm obrigação, uma
coisa até meio obrigatório por lei, da universidade. Só que não adianta eu forçar uma pessoa, ela
fazer aquilo que ela não quer, porque ela não vai fazer bem feito e vai ficar com birra de você”.
(E2-BV)

Quanto ao relacionamento com os funcionários, dez participantes indicaram


a cooperação existente entre eles.
Ao falar sobre a rede de apoio para o desenvolvimento das atividades extra-
sala de aula, a maioria dos participantes indicou que a rede de apoio era composta por
familiares (pais, irmãos e primos), colegas e voluntários do PROENE, que colaboravam
com atividades tais como: leitura de textos, digitação de trabalhos e auxílio em sua
locomoção com a cadeira de rodas.

Tema V – Serviços de apoio da universidade

Sobre os serviços de apoio prestados pela universidade, os participantes


avaliaram positivamente, principalmente o PROENE, que contribuiu de forma
significativa para a permanência na instituição, como demonstram as falas a seguir:

“[...] quando entrei na universidade estava muito preocupado...de como ia fazer...de como ia fazer
para enxergar as coisas no quadro...as transparências...[...] desde o primeiro dia de aula eles
(PROENE) vieram, atrás, depois que escrevi algumas coisas na ficha de matrícula. Sempre me
trataram muito bem, assim, eles me deixaram muito tranqüilo. [...] Provavelmente, se eles não
existissem, eu não saberia como teria sido. Eles tiveram uma importância muito grande na
minha vida acadêmica com certez.”. (E2-BV)

“[...] Se não fossem esses procedimentos seria muito difícil eu fazer o curso, teria desistido. Teria
tentado outro vestibular em outro ano para começar tudo de novo. Mas como deu certo está parte
e tudo e eu falei que queria fazer o curso”. (E7- DML)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 225


Os serviços de apoio direcionados às atividades acadêmicas foram avaliados
positivamente. Porém, as falas dos participantes indicaram falta de interação entre os
serviços, bem como a falta de equipamento e de acessibilidade, que pode ter dificultado
a efetivação de uma política institucional e pedagógica que realmente possibilitasse ao
estudante com necessidades especiais a sua permanência com tranqüilidade durante a
sua formação profissional, como está exemplificado no relato abaixo:

“Acontece que o PROENE manda para o coordenador, o coordenador manda para o professor,
mas, é um conjunto que não dá certo.[...] Sempre tentam, como posso dizer, resolver os problemas
que eu levo [...]”. (E11-DF)

Cabe ressaltar que, para o atendimento das demandas apresentadas por este
segmento universitário, é necessário que o PROENE tenha uma equipe multiprofissional
com carga-horária integral, além de recursos financeiros para implementar o atendimento
às suas necessidades educacionais especiais.

“[...] se tivesse alguém exclusivo do PROENE, não ia passar um negócio desse (não reserva de
vaga no estacionamento). Então, eu acho que a UEL poderia pôr mais gente para trabalhar no
PROENE”. (E5 – DML).

Tema VI - A Universidade sob a ótica do estudante com deficiência

Neste último tema, os participantes, em sua maioria, expressaram que a


universidade significou a realização de um sonho pessoal e profissional,com a possibilidade
de competição no mercado de trabalho, como relatou um deles:

“Olha, eu acho que é o começo da realização de um sonho. Sempre sonhei em me formar, ser
engenheiro e a UEL está no meio”. (E7-DML)

Os estudantes fizeram menção ao coordenador de colegiado de curso como


tendo um papel fundamental na sua trajetória acadêmica, cabendo a ele a tarefa de ser o
interlocutor e/ou mediador entre o professor, o estudante especial e os serviços de apoio
oferecidos, de forma a proporcionar o atendimento às suas necessidades educacionais
especiais.

“Eu acho que o coordenador deve trabalhar com o PROENE e os professores do departamento.
Trabalhar em prol desses estudantes que têm necessidade.[...]. Quando um professor entra em
uma sala, ele já tem os dados do estudante especial, que ele vai ter. Então, ele já vai saber como
agir vai preparar as aulas beneficiando também este estudante. Não fica a coisa solta, o que a
gente vê é que cada professor faz a coisa de um jeito e quando o PROENE manda a cartinha
de solicitação, eles, vêm, conversam com a gente tudo. Mas, você vê que um professor é meio
distante do outro. Eu acho que o colegiado deveria estar fazendo está mediação, unindo todos os
professores e o PROENE. Uma coisa única sabe. Não ficar muito dividido, separado”. (E1-BV)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 226


Conclusão

A reflexão sobre acessibilidade no ensino superior, a partir da realidade


vivenciada pelos participantes desta pesquisa, indicou a amplitude e complexidade do
tema, envolvendo desde condições de acessibilidade física, como edificações, transporte,
sinalização e equipamentos, até condições relacionadas a recursos humanos e pedagógicos,
como serviços de apoio e relações interpessoais. Ou seja, a acessibilidade no ensino
superior significa a eliminação de barreiras arquitetônicas, pedagógicas e de comunicações.
Os dados revelaram que o cotidiano composto por professores, agentes
administrativos e discentes envolve uma multiplicidade de aspectos que merecem atenção
por parte de toda a comunidade universitária, a fim de garantir a acessibilidade e a
equiparação de oportunidade, visando a proporcionar a inserção do estudante com
deficiência na universidade.
Nessa trajetória, a Universidade Estadual de Londrina, como instituição
formadora, ainda não conseguiu efetivar a acessibilidade dos estudantes com necessidades
educacionais especiais na sua totalidade enquanto caminho para a inclusão social, mas
continua construindo um caminho para que isso ocorra.

Notas
1
O presente artigo é um recorte da Dissertação de Mestrado Acessibilidade na Universidade Estadual de
Londrina: o ponto de vista do estudante com deficiência, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNESP/Marília, em 2003.

2
Assistente Social na Universidade Estadual de Londrina – Serviço de Bem Estar da Comunidade – SEBEC
e Mestre em Educação.

3
Docente do Depto de Educação Especial e Programa de Pós-Graduação da Unesp de Marília, Líder do
grupo de pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais.

4
Esta portaria foi revogada, estando em vigor a Portaria 3.204 de 07, de novembro de 2003.

5
Deficiência Múltipla, neste artigo, significa a presença de mais de uma condição especial, seja ela decorrente de
deficiência física ou sensorial, ou de associação a uma doença orgânica ou emocional.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 229


A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR:
O GRUPO DE TRABALHO DE APOIO AOS UNIVERSITÁRIOS COM
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS (GT-AUNE) DA PUC-PR

Vera Lúcia Israel1


Sueli Malucelli Pinto
Eliane Mara Age José
Neusa Maria Gomide Baptista
Paulo Roberto de Carvalho Alcântara
Denise Maria Vaz Romano França
Eduardo Quadros da Silva
Eliane de Moura Gonçalves Schwab
Regiane Banzatto Bergamo
Rossana A. Finau
Marcia Maria Kulczycki

Introdução

A Pontifícia Universidade Católica do Paraná, orientada por princípios éticos,


cristãos e maristas, tem por missão desenvolver e difundir o conhecimento e a cultura e
promover a formação integral e permanente dos cidadãos e profissionais comprometidos
com a vida e com o progresso da sociedade. Com isso, formou o Grupo de Trabalho de
Apoio aos Universitários com Necessidades Educacionais Especiais (GT-AUNE), que
na diversidade de sua composição profissional procura atender as instâncias legais e
educacionais no processo de inclusão do universitário com necessidades educacionais
especiais (UNEE) em sua vida acadêmica.
Tendo como objetivo geral mobilizar a Comunidade Acadêmica da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná para o processo de inclusão e acessibilidade do aluno
universitário com necessidades educacionais especiais e, procurando atender à proposta
educativa da PUCPR, bem como aos dispositivos legais pertinentes, a convite da Profa
Sueli Malucelli Pinto, Coordenadora Geral dos Cursos de Graduação e Seqüenciais da
Pró-Reitoria de Graduação, um grupo de professores desta instituição se colocou à
disposição para contribuir voluntariamente desenvolvendo nesta Instituição de Ensino
Superior (IES) ações emergenciais no ano de 2004.
Paralelamente a essas ações, o grupo de trabalho intitulado a princípio de
GT-AUNE, ou seja, Apoio aos Universitários com Necessidades Educacionais Especiais,
elaborou este anteprojeto, procurando demonstrar a importância da relação prática /
teoria / prática, o que ficou visível no desenvolvimento das ações no presente ano letivo.
Pretendeu-se, para o ano de 2005, sempre procurando observar a missão da
PUC-PR e os dispositivos da legislação vigente, prosseguir vivenciando a necessidade da
maior aproximação possível entre o discurso e a ação, enriquecendo o que já foi feito e
procurando caminhos que possibilitem o desenvolvimento pleno do processo de inclusão
e acessibilidade desses alunos na Comunidade Acadêmica da PUC-PR.
A legislação nacional e internacional garante diretrizes para atenção a esta
clientela específica. Na Política Nacional de Educação Especial de 1984 (BRASIL, 1994),

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 230


fortalecendo-se nas Diretrizes da área (BRASIL, 2001), ficou estabelecido que as ações
nesta área devessem garantir o atendimento educacional ao alunado com necessidades
educacionais especiais (NEE), além de reconhecer a urgência e a necessidade de um
atendimento de qualidade para crianças, jovens e adultos com NEE e que, assim, por
meio de estratégias orientadas para superação de possíveis limitações, é provável a
estimulação de potenciais de aprendizado nessas pessoas.
Na Carta de Salamanca (1994), elaborada com a participação de 88 países e
25 ONGs, postula-se que é fundamental a concretização do “[...] direito à educação para
todos, independente das diferenças particulares”. Essa Carta também proclama princípios,
políticas e linhas de ação para uma escola inclusiva, que abrigue a todos, reconheça as
diferenças, promova a aprendizagem e atenda às necessidades de cada pessoa. Indicando
ainda que “cabe às universidades desempenhar um importante papel consultivo na
elaboração de serviços educativos especiais, principalmente com relação à pesquisa, à
avaliação, à preparação de professores e à elaboração de programas e materiais
pedagógicos” (Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e
qualidade, 1994).
Muitos outros documentos balizam o aspecto legal e a relevância de atendê-
los é proporcionar à igualdade de possibilidades a todos os cidadãos brasileiros. Podem-
se mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Básica (PCNs) de 1999
(BRASIL, 1999), que estabelecem estratégias para a educação de alunos com necessidades
educacionais especiais e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (BRASIL,
2001), a partir de 2001, entre outros temas relevantes, tratam dos princípios e aspectos
da organização curricular dos cursos de graduação.
Menciona-se ainda a Portaria Ministerial nº3284, de 7 de novembro de 2003
(BRASIL, 2003), que delibera sobre os requisitos de acessibilidade da pessoa portadora
de deficiência no Ensino Superior, enfatizando condições básicas de acesso, de mobilidade
e de utilização de equipamentos e instalações em instituições de Ensino Superior. Além
de instruir nesta mesma Portaria Ministerial sobre requisitos e acessibilidade de pessoas
com deficiência para instruir os processos de autorização e reconhecimento de cursos e
de credenciamento de instituições de ensino.
Para além do atendimento legal cabe a todos nós saber, divulgar e ajudar nas
garantias dos direitos fundamentais, em nossa Constituição Federal, à pessoa no seu ir e
vir, estudar, ter atendimento de saúde e outros que garantem a igualdade entre todos nós
e em todos os aspectos. Finalmente, mas não esgotando o tema, é relevante destacar o
Decreto nº 5296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de
novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2004), que estabelece normas gerais e
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com
mobilidade reduzida e dá outras providências.
Para a gestão universitári, o conhecimento legal desses procedimentos permite
uma hierarquização de ações para atender bem a comunidade universitária que compõe
o quadro de docentes, discentes e de funcionários e permitir que a Universidade esteja
de fato de portas abertas a todas as pessoas da comunidade circunvizinha dos campi.
Desse modo, procurando estar afinado com a missão institucional da PUC-PR, o GT-
AUNE procura abrir portas e caminhar “à frente dos tempos” para atender as condições

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 231


mínimas de aprendizado dos UNEE.
Os processos educacionais devem atender o que Morin (2004) discute sobre
um olhar transdisciplinar para a sustentabilidade do desenvolvimento e, assim, os saberes
globais e locais se agregam para a formatação de ações e estratégias de acordo com cada
realidade.
A partir das diretrizes definidas no Plano Estratégico (PUC-PR, 2002), a
PUC-PR construiu um novo projeto pedagógico para todos os cursos de graduação. Esse
é mais um passo, um salto rumo ao futuro que já chegou, provocando mudanças de
conceitos e de comportamentos. Mudanças que levam a Universidade a, antes de ensinar,
ter a humildade de reaprender. Aprendendo novamente a ser, a aprender, a fazer, a conviver.
A efetivação do Plano Estratégico acontece quando se encontram equipes
eficientes e eficazes, aliadas a uma estrutura organizacional bem delineada e aceita, e um
sistema de informações gerenciais adequado. Como “ferramenta de gestão”, o Plano
Estratégico pela sua execução conduzirá a PUC-PR a ser uma Instituição de Ensino
Superior diferenciada pela qualidade dos seus cursos e serviços prestados à comunidade.
Nesse sentido, a instituição, pelo GT-AUNE, corrobora com a proposta de
Marchesi (1995), que defende a concepção de que se a instituição pode ter a melhor
estrutura para o fazer pedagógico, por outro lado sempre deverá ter a convicção de que
tanto a pessoa com necessidade educacional especial quanto a instituição precisam se
aprimorar para alcançar a eficiência da educação. A própria missão da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, ou seja, “difundir o conhecimento, a cultura e promover
a formação integral e permanente de cidadãos e profissionais comprometidos com a vida
e com o progresso da sociedade”, está em consonância com tal convicção. Também o
projeto pedagógico atual que contempla as Diretrizes Curriculares Nacionais permite,
entre outras ações, uma maior flexibilização das atividades educacionais. Pode, assim,
atender a particularidades dos universitários com necessidades educacionais especiais.
Vale ressaltar que o que caracteriza a singularidade da pessoa são as diferenças
individuais. Porém, nem sempre foi fácil compreender, atender e respeitar tais diferenças,
principalmente ao se tratar de deficiências ou de alterações no desenvolvimento. Sobre
isso, vale lembrar que as deficiências podem ser tanto físicas como sensoriais, mentais ou
múltiplas. Já as alterações no desenvolvimento compreendem condutas típicas ou
transtornos mentais. Ainda entre as pessoas com necessidades educacionais especiais,
figuram os indivíduos que apresentam elevadas habilidades, os quais revelam
peculiaridades no seu desenvolvimento.
Assim, consideram-se indivíduos com necessidades educacionais especiais
aqueles cujas diferenças individuais são tão marcantes que determinam a necessidade de
recursos diferenciados ou especializados, como modificações estruturais nos serviços de
urbanismo, na saúde e na educação. A efetivação desses recursos possibilita o
desenvolvimento das potencialidades dessas pessoas, pois auxiliam na superação das
dificuldades, ou pelo menos minimizam os obstáculos para a interação social, ou seja,
favorecem o processo de inclusão. Carvalho (2000b) já aponta a necessidade de que se
removam as barreiras para a aprendizagem.
Deve-se buscar a viabilização de ações que garantam recursos e estratégias
que promovam o desenvolvimento pleno das habilidades dessas pessoas, bem como
oportunidades de acesso a bens e serviços, informações e relações no ambiente em que

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 232


vivem. Essas ações são formas de apoio que favorecem a autonomia, a produtividade, a
integração e a funcionalidade no ambiente universitário e comunitário.
A relação de respeito ao outro como uma relação de alteridade nas condutas
éticas e atitudinais devem sempre permear o universo acadêmico e comunitário.

Objetivo

O objetivo deste artigo é apresentar a necessidade de atenção educacional


ampla no Ensino Superior, atendendo a educação inclusiva na intenção da educação
para todos com a implantação do GT-AUNE na PUC-PR. A motivação do grupo de
trabalho consiste em mobilizar a comunidade acadêmica da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUC-PR) para o processo de inclusão e acessibilidade do aluno
universitário com necessidades educacionais especiais, procurando atender a proposta
educativa da PUC-PR e aos dispositivos legais pertinentes.

Caracterização do GT-AUNE e Seu Funcionamento

O Grupo de Trabalho - Apoio aos Universitários com Necessidades


Educacionais Especiais (GT-AUNE) foi constituído na PUC-PR, mais especificamente
junto à Pró-Reitoria de Graduação, em 2004. É composto por professores de diferentes
áreas, tais como Educação, Letras, Matemática, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia
e Ciências Biológicas, além da coordenação do grupo ser vinculada ao coordenador
acadêmico de cursos de graduação da PUC-PR. Em reuniões quinzenais, e quando
necessário com maior freqüência, a pauta discutida envolve algumas etapas de atuação
do grupo dentro da IES: estudo das condições legais e institucionais para atender os
UNEE; elaboração de material teórico próprio para fomentar as ações do GT-AUNE e
da PUC-PR enquanto educação especial no ensino superior, com visão de inclusão e
acessibilidade; levantamento de dados da IES sobre inclusão e acessibilidade em sua
infra-estrutura pedagógica e física propriamente dita; identificação de UNEE e em que
cursos estão; identificação dos procedimentos utilizados pelos docentes na IES, visando
ao atendimento das NEE dos alunos; entrevista com os UNEE para conhecer sua
realidade e necessidades pedagógicas e metodológicas e de acessibilidade.

Resultados e discussão

Em 2005, a PUC-PR contava com 39 universitários com NEE – com


deficiência física, visual e ou auditiva, já identificados. Isso implicou em ações no período
de 2004 a 2005 e indicações de novos caminhos para o futuro (outras ações). Essas
ações foram categorizadas em:

- ações relacionadas à administração da Universidade;


- ações relacionadas à comunidade acadêmica;
- ações relacionadas aos alunos portadores de NEE;
- ações relacionadas aos recursos materiais e adaptações;
- ações relacionadas aos recursos humanos.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 233


No ano de 2004, obteve-se alguns progressos na instalação do GT-AUNE.
Na categoria “ações relacionadas à administração da Universidade”, incluiu-se o
levantamento de dados por Centro (Unidade de Organização de cursos) e por curso de
graduação o número de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE), para
conhecimento da realidade institucional, além de ter sido feita uma revisão conceitual
sobre a legislação vigente da área e material do comitê de ética da PUC-PR. Outras ações
institucionais envolveram a consulta a diferentes setores e nos outros campi da PUC-PR
(como por exemplo, na cidade de Toledo – PR), com envolvimento direto ou indireto
junto aos alunos com NEE e o levantamento de obras e recursos já existentes na biblioteca
da PUC-PR, na biblioteca pública da cidade de Curitiba, no respectivo setor de Braille,
tendo em vista possíveis convênios e parcerias visando a beneficiar nossos alunos NEE.
Como ação inclusiva, foi sugerido aos órgãos competentes da PUC-PR a realização de
ações que minimizassem as barreiras arquitetônicas, de mobilização, circulação e de
comunicação nos campi da IES, além de solicitar a formalização do GT-AUNE na estrutura
administrativa da Pró-Reitoria de Graduação.
A categoria “ações relacionadas à comunidade acadêmica” envolveu
levantamento de materiais, recursos e serviços existentes na PUC-PR e em outras IES
que auxiliam o aluno com limitação visual; além da elaboração de material informativo e
entrega do mesmo a todos os professores envolvidos com alunos NEE para sensibilização
quanto à prática pedagógica, também foi distribuído um informativo sobre deficiências e
necessidades especiais a professores da PUC-PR, em reuniões de Colegiado de cada curso
de graduação. Ainda foi elaborado critérios para definir quais Programas de Aprendizagem
(Disciplinas) a serem acompanhados pelos intérpretes de LIBRAS. Foi enviada
correspondência a todos os decanos, diretores de Curso e professores envolvidos com
alunos que têm limitação visual ou auditiva, solicitando e orientando sobre a entrega de
textos formativos, para que fossem duplicados e entregues com antecedência aos referidos
alunos; reuniões com Decanos e Diretores nos Colegiados de Curso, abordando temas
específicos para melhor atender o aluno com NEE e divulgando o GT-AUNE na IES.
Finalizando, foi feito um estudo sobre atendimento ao aluno com NEE em outras IES,
via internet; além de atendimento e orientação aos docentes de diferentes cursos sempre
que o GT-AUNE foi solicitado.
A categoria “ações relacionadas aos alunos portadores de NEE” envolveu a
elaboração e aplicação de instrumento de investigação sobre NEE junto aos alunos que
procuraram a Coordenação do GT-AUNE na PUC-PR e a organização de critérios para
relacionar os Programas de Aprendizagem (Disciplinas) a serem acompanhados pelos
intérpretes de LIBRAS. Foram também realizadas reuniões com todos os orientadores de
alunos dos centros universitários para informações sobre o GT-AUNE e suas ações, bem
como solicitação do apoio de todos no atendimento aos universitários com NEE. No
Laboratório de Acessibilidade, foi solicitado aumento de carga horária semanal para o
estagiário que ali trabalha.
A categoria “ações relacionadas aos recursos materiais e adaptações” envolveu
informações sobre o trabalho que vem sendo realizado em outros campi da IES em busca
da colaboração de todos, inclusive na duplicação prioritária de material e textos a serem
entregues aos alunos com limitação visual ou auditiva. Além de solicitar informações ao
diretor da divisão de infra–estrutura da PUC-PR sobre a acessibilidade dos ambientes da

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 234


Instituição para as pessoas com NEE e futura implantação de melhorias.
Na prática, foi realizado o levantamento do espaço físico – verificações de
itens de acessibilidade para melhor atender aos alunos com limitações físicas nos Campi
Curitiba e São José dos Pinhais, desde os portões de acesso à PUC-PR, vagas nos
estacionamento, guias rebaixadas, telefones em altura adequada, adaptações nos banheiros,
pistas táteis, pistas lisas para cadeirantes, placas de sinalização em Braille e outros itens,
nos diversos Centros, Clínicas, Núcleo de Prática Jurídica - NPJ, Ginásio de Esportes,
Administração Geral, Bibliotecas e demais Setores da PUC-PR, encaminhado à divisão
de infra-estrutura. Levantamento de materiais e equipamentos existentes na Universidade
para alunos com NEE nas áreas visual, auditiva e física; solicitação de adequações nos
materiais existentes que atendem alunos com limitações visuais.
Já na categoria “ações relacionadas aos recursos humanos”, foi feita sugestão
para seleção e contratação de dois intérpretes de LIBRAS para atendimento a universitários
com limitações auditivas, bem como solicitações de maior carga horária semanal para o
estagiário que colabora no Laboratório de Acessibilidade.
No final do ano de 2004, foi realizada pelo grupo uma avaliação e realimentação
das ações desenvolvidas no primeiro semestre do mesmo ano.
Nossas ações, em 2005, englobaram categorias de “ações relacionadas à
administração da Universidade”, como a sensibilização para o respeito às vagas privativas
nos estacionamentos dos campi da PUC-PR para alunos com limitação física; realizou-se
contato semestral com decanos, diretores, coordenadores e professores que atuam junto
a alunos com NEE na PUC-PR, para estabelecimento de ações conjuntas e adequações
que se fizessem necessárias. Também foram apresentadas, via Pró-Reitoria de Graduação,
as necessidades de adequações do ambiente físico e em outras áreas dos campi da PUC-
PR para garantir a acessibilidade do universitário com NEE. Finalmente, para manter o
estudo e a pesquisa na área, foi feita a proposta de viabilização de linhas de pesquisa na
área de Educação Especial em ação integrada entre os Centros de Ciências Humanas
com Programa de Educação e Ciências da Saúde com Programa de Tecnologia em Saúd,
para criação e suporte tecnológico e pedagógico de apoio da PUC-PR aos universitários
com NEE.
Já nas “ações relacionadas à comunidade acadêmica”, foi realizada uma
sensibilização para a remoção das barreiras atitudinais de gestores, professores, funcionários
e alunos; sensibilização para o favorecimento de clima de respeito e valorização aos
alunos com NEE na comunidade acadêmica, com ênfase no relacionamento entre os
colegas de uma mesma classe. Assim, procurou-se favorecer atitudes e espaços de debates
ou palestras com pessoas com NEE para o relato de suas experiências e conquistas
profissionais e pessoais, além da elaboração de material de divulgação e possibilidades
de espaços para convivência: panfletos informativos, workshops, filmes, teatros, cartazes,
filipetas, banners, entre outros. Reforçando o envio de material informativo aos decanos,
diretores e professores da PUC-PR envolvidos com alunos que têm limitações visuais,
auditivas ou físicas, com sugestões para atitudes integradoras; divulgação da proposta do
GT-AUNE, via PUC – Informa, Jornal Vida Universitária, e-mail, filipeta, página virtual.
Também o GT-AUNE participou de reuniões de Colegiado de Cursos de graduação, de
reuniões com orientadores de alunos, com decanos, diretores e realizou conversas informais
com pessoas da comunidade acadêmica. Criou-se um meio de contato e divulgação do

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 235


grupo via email e link na internet.
Na categoria “ações relacionadas aos alunos com NEE”, foi feito novo estudo
para identificação dos universitários com NEE e suas peculiaridades, para melhorar as
condições de participação na vida acadêmica. Também houve uma sensibilização para a
remoção das barreiras atitudinais da comunidade acadêmica.
Nas “ações relacionadas aos recursos materiais e adaptações”, foi transferida
a instalação do Laboratório de Acessibilidade para utilização pelos universitários com
necessidades educacionais especiais (UNEE), na Biblioteca Central do Campus Curitiba
da PUC-PR, além da verificação das adaptações realizadas para acessibilidade dos
universitários com DA, DF e DV, nos campi de Curitiba e São José dos Pinhais pelo
próprio GT-AUNE.
Novos Caminhos (Outras Ações) para destacar o percurso a ser feito ainda
pelo GT-AUNE até os dias atuais. Percebeu-se a necessidade de fazer adaptações na sala
de aula, no ambiente universitário, nos equipamentos, considerando-se aspectos
ergonômicos, além de adaptar diferentes espaços, como cantina, auditório, entre outros,
para facilitar a acessibilidade dos universitários com NEE. Foi observado como
fundamental a solicitação de suportes técnicos, tecnológicos para favorecer a vida
acadêmica dos universitários com NEE no ambiente e tarefas acadêmicas.
Cabe destacar ainda a necessidade de utilização de estratégias metodológicas
diversificadas que permitam atender as diferentes demandas no processo de construção
do conhecimento de cada universitário, com estratégias de aprendizagem cooperativa
que envolvam não somente o professor do programa de aprendizagem específico
(disciplina), mas também seus pares. E também a troca de experiências e atividades
diversificadas, visando à estimulação de outros canais de aprendizagem para a autonomia
do universitário com NEE.
O universitário com NEE deve ser incentivado para que indique caminhos
mais eficazes ao seu aprender, respeitando-se, assim, as diferenças individuais, bem como
lhe dando oportunidades para que se responsabilize pela própria aprendizagem, como
por exemplo, a organização do espaço de sala de aula, de forma que facilite a autonomia,
a mobilidade e a comunicação da pessoa com NEE, além da utilização de procedimentos
de avaliação nos programas de aprendizagem que se adaptem a diferentes estilos,
capacidades e possibilidades de expressão dos universitários com NEE.
É oportuno lembrar que a disponibilização de informação constante, acessível
e flexível, circulante dentro da Universidade, comunicando e divulgando as demandas
do universitário com NEE, seja sempre realizada, além da necessária elaboração de
proposta para formação contínua de professores e funcionários quanto aos aspectos de
interação, condições pedagógicas e estruturai, para que os universitários com NEE possam
participar ativamente da vida universitária.
O GT-AUNE precisa realizar uma análise processual das ações desenvolvidas
para atender sempre as novas demandas que surgirem.
Bautista (1993; 1997), Bianchetti & Freire (1998) e Blanco (2004) descrevem
a relevância de ações educacionais e de integração na Educação Especial, indicando que
além de estudos na área deve-se ter estratégias práticas para mudanças efetivas. Brito
(1993; 1995) e Finau (2004) destacam este mesmo ponto para a área da surdez. A
acessibilidade ao universitário com NEE deve ser garantida pelas instituições (BRASIL,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 236


2005), e o GT-AUNE tem procurado desenvolver passos para essa finalidade.
A inclusão de pessoas com deficiências (BRASIL, 2003) deve ser permeada
pelo desenvolvimento de competências específicas para que de fato ela ocorra. Carvalho
(2000a) discute este aspecto e apresenta linhas práticas para o planejamento de ações
nas temáticas da Educação Especial.
Moreira (2003) aponta reflexões para que a Universidade repense o espaço
do UNEE e possíveis proposições para minimizar a exclusão existente. O Ensino Superior
tem como finalidade agregar a pesquisa, o ensino e a extensão; então deve ser o lugar
adequado para produzir conhecimento sobre a área da educação para todos e para a
educação inclusiva, com grande repercussão na comunidade. Assim, a responsabilidade
social da Universidade deve ser efetivamente comprovada com ações e iniciativas
inovadoras.

Conclusão

É preciso renovar efetivamente e constantemente os conceitos e rever ações


com critérios rigorosos de educação inclusiva e para todos. O GT-AUNE da PUC-PR
procura atualizar-se sempre para atender as reais necessidades de seus universitários
com NEE. O trabalho continua porque a sociedade precisa sempre aprender a conhecer,
a reconhecer e a respeitar as diferenças e potencialidades de cada pessoa.
Vê-se como fundamental a proliferação de novos grupos de trabalho e de
estudos na área das pessoas com necessidades educacionais especiais e a divulgação dos
resultados da caminhada para uma integração de ações e sugestões de novas políticas
públicas para a educação para todos.

Notas
1
Professores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) envolvidos no Grupo de Trabalho de
Apoio aos Universitários com Necessidades Educacionais Especiais (GT-AUNE), em 2005.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 239


FORMAÇÃO DOCENTE PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO
ENSINO SUPERIOR: ANÁLISE DE UMA REALIDADE

Nazineide Brito1

Introdução

A implantação de uma educação inclusiva nos diferentes sistemas de ensino


do país requer um professor qualificado e, principalmente, propenso a assumir os desafios
cotidianos que a tarefa impõe. Para isso, os docentes devem contar com uma formação
sólida que lhes assegure o domínio dos conhecimentos básicos para uma atuação
consistente, comprometida, eficaz.
Segundo Perrenoud (2000), dentre outras importantes competências2, os
professores são convidados a conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
Tais dispositivos indicam a necessidade do professor em administrar a heterogeneidade
no âmbito escolar, favorecendo a cooperação entre os alunos, bem como fornecendo
apoio integrado, ao trabalhar com alunos com maiores dificuldades em suas salas de aula.
No entanto, muitas são as queixas dos professores do ensino básico no que
diz respeito à fragilidade dos conhecimentos essenciais para o desenvolvimento de tal
competência. Alegam, principalmente, o fato de, na sua formação inicial, não terem
contato com disciplinas e/ou conteúdos sobre educação especial. Em virtude disso, sentem-
se inseguros com relação ao atendimento educacional junto aos alunos com necessidades
educativas especiais (NEE), principalmente com os deficientes.
Na verdade, essas queixas nos fazem volver o olhar para as instituições
formadoras e, em especial, para as universidades brasileiras, tanto públicas quanto privadas,
no que diz respeito à formação do professor que atua com alunos com necessidades
educacionais especiais.
Sabemos que, tradicionalmente, a Educação Especial tem sido tratada como
um sistema paralelo ou, então, como um subsistema da educação geral e, em conseqüência,
os conteúdos a ela relacionados não têm sido inseridos nas estruturas curriculares dos
cursos de formação de professores. (CARTOLANO, 1998). Comumente, a formação
inicial proposta para os que desejam trabalhar junto aos alunos com NEEs tem sido
realizada nos cursos exclusivos para tais fins, seja no nível médio, superior ou numa pós-
graduação.
De acordo com pesquisa realizada por José Geraldo Bueno (2002) acerca da
inserção da temática inclusão nos cursos de licenciaturas das universidades brasileiras,
no ano de 1998, de 58 (cinqüenta e oito) cursos de licenciatura para o ensino básico
oferecidos nessas instituições, apenas 30 (trinta) desses cursos (51,7%) ofereciam
disciplina de educação especial; nas licenciaturas de 5ª a 8ª série3, apenas 11 (19,0%)
ofereciam a disciplina. (BUENO, 2002). Pelo que se percebe da referida pesquisa,
representativa da situação das universidades do Brasil, realmente é mínima a presença de
disciplinas de educação especial nos cursos de formação de professores no nosso país.
No entanto, a partir da última década, e mais precisamente na década corrente,
as universidades têm inserido nos seus cursos de graduação alterações importantes,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 240


baseadas, principalmente, na Resolução nº 1/2002-CNE/CP (BRASIL, 2002), que
imprime novos objetivos aos currículos dos cursos de licenciatura. Neste documento, o
MEC assinala a necessidade e a urgência de se inserirem conteúdos sobre alunos com
necessidades educacionais especiais nos cursos que formam professores, ou seja, nas
licenciaturas.
Ao refletirmos sobre essas informações, surgiu a necessidade de investigarmos
a realidade dos Cursos de Licenciaturas do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES)4
– Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia, os quais formam professores
para atuarem nos sistemas de ensino da região. Nesta pesquisa, particularmente,
procuramos averiguar as concepções, atitudes e nível de conhecimento dos professores
dos cursos citados acerca do processo de inclusão dos alunos com NEEs nas escolas
regulares.
Vale ressaltar que no período no qual se realizou a pesquisa os cursos
mencionados encontravam-se em processo de reformulação curricular e, dentre eles,
somente a estrutura curricular do Curso de Pedagogia apresentava disciplinas relacionadas
à área da Educação Especial5. Posteriormente, com exceção do Curso de Letras, os demais
cursos vieram a incluir uma disciplina abordando a temática6. Esse esforço em incluir
tais disciplinas, além de procurar atender às diretrizes do MEC, parece apontar para uma
mudança de perspectiva quanto à formação de professores, no sentido de contemplar
uma base mínima de conteúdos favorecedora da diversidade numa prática de ensino que
se deseja democrática e de qualidade.

Objetivos

De forma mais central, a pesquisa buscou identificar as concepções dos


professores dos cursos de licenciaturas do CERES – Geografia, História, Letras,
Matemática e Pedagogia - acerca do atendimento educacional do “aluno com deficiência”,
bem como analisar as atitudes dos professores das licenciaturas com relação à educação
inclusiva.
A pesquisa também buscou identificar a percepção dos professores
investigados quanto ao seu nível de conhecimento acerca da temática; e, ainda, refletir
sobre as condições ideais para a consolidação de uma formação compatível com a
perspectiva de educação inclusiva no âmbito das licenciaturas.

Procedimento metodológico

A pesquisa contou com a participação, enquanto sujeitos investigados, de 23


(vinte e três) professores atuantes nos Cursos de Geografia, História, Letras, Matemática
e Pedagogia do CERES, o que representou uma amostra de 88% do universo dos
professores dos referidos cursos.
Para a realização do levantamento dos dados, elegemos como instrumentos
de apoio, um questionário com perguntas semi-abertas e um inventário de atitudes,
adaptado de Lavirrée & Cook (1979) e Herrero (2001), a partir do qual pretendíamos
analisar o grau de aceitação dos entrevistados com relação à inclusão dos alunos especiais
na rede regular de ensino.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 241


O referido inventário constava de uma relação de 30 (trinta) itens, nos quais
eram expostas algumas atitudes relacionadas à inserção dos alunos com NEEs. Essas
atitudes deveriam ser julgadas pelos professores, que emitiriam um juízo de valor sobre
elas, tendo como opção cinco categorias de respostas: Total Desacordo, Desacordo, Indiferente,
Acordo e Total Acordo.
Para análise das respostas, elaboramos um sistema classificatório, baseado
na seguinte pontuação: para os itens de números 01, 04, 06, 08, 10, 13, 14, 16, 18, 21,
26, 27, 28 e 30, considerados como mais favoráveis à inclusão, as cinco categorias de
respostas já mencionadas receberam uma pontuação de 0 a 4, respectivamente; para os
demais itens, cujas atitudes destacadas são consideradas menos favoráveis à inclusão, as
mesmas categorias de respostas receberam uma pontuação decrescente, de 4 a 0. A
pontuação de cada entrevistado deveria variar entre 0 a 120 pontos. Ao serem computados
os dados das respostas de cada entrevistado, a pontuação apresentada foi avaliada da
seguinte forma: (a) Abaixo de 50: valor negativo com relação à inclusão; (b) De 51 a 70:
valor mediano; e, (c) De 71 a 120: valor positivo com relação à inclusão.
A coleta dos dados foi realizada no período de março a maio/2004, contando-
se com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PPPG) da UFRN7. Num
primeiro momento, foram realizadas algumas leituras de fontes teóricas, a fim de
ampliarmos nosso conhecimento acerca da temática, bem como enxergarmos melhor as
implicações de um estudo na área; num segundo momento, elaboramos e selecionamos
os instrumentos de pesquisa os quais serviram como auxílio na coleta dos dados, sendo,
a seguir, realizadas as entrevistas e aplicações do inventário de atitudes.

Resultados e discussões

De acordo com a própria seqüência do estudo realizado, inicialmente, daremos


destaque à análise dos perfis dos entrevistados, das respostas às questões apresentadas e,
ainda ,do inventário de interesse. Para concluirmos, teceremos comentários gerais,
buscando explicitar os aspectos mais centrais de nossa análise.

Perfil dos entrevistados

Dos 28 professores entrevistados, 65% encontravam-se inseridos na faixa


etária entre 31 e 45 anos de idade, sendo na sua maioria (60%) pertencente ao sexo
masculino. No que diz respeito à formação acadêmica, registramos que 80% concluíram
a graduação até o ano de 1990. Com relação à formação em nível de pós-graduação, 82%
dos pesquisados apresentam essa formação, sendo 5 (cinco) doutores, 10 (dez) mestres e
8 (oito) especialistas, os quais concluíram seus cursos, na sua maioria, após o ano de
1996. Os demais professores (18%) apresentavam apenas a graduação nas suas respectivas
áreas.
Esses dados nos revelam um quadro de professores relativamente jovens e
com pós-graduação concluída num período mais recente, o que denuncia um aspecto
bastante positivo, uma vez que acena para a possibilidade de existência de um clima mais

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 242


favorável à renovação de idéias e práticas pedagógicas.

Análises dos questionários

No que diz respeito à percepção de cada entrevistado quanto a seu nível


conhecimento acerca da inclusão, registramos uma divisão nas respostas, nas quais 54%
acreditam ter um conhecimento médio, enquanto 46% avaliam que têm pouco conhecimento
sobre a temática. A análise das justificativas dos primeiros aponta o fato de que a
participação em eventos científicos, principalmente pelos professores envolvidos em
atividades de pesquisa, promoveu um maior contato com o assunto, suprindo um pouco
a escassez de leituras sobre a temática quando da realização dos seus cursos de formação.
A análise também registrou uma prevalência maior de professores com grau
médio de conhecimento nos Cursos de Letras, Geografia e Pedagogia. No Curso de
Matemática, houve unanimidade com relação ao baixo nível de conhecimentos nessa
área, tendo um professor, inclusive, comentado a impossibilidade de se incluir alunos
com deficiência mental frente à complexidade da aprendizagem dos conteúdos da
matemática. A esse respeito, devemos destacar que, embora esse tipo de concepção seja
compreensível diante da escassez de informações sobre a temática, é salutar esclarecer
que o professor não pode usá-la como um obstáculo para a realização de uma educação
inclusiva. Ao contrário, sobressai a necessidade de o próprio docente investir mais em
pesquisa sobre as potencialidades desses alunos, bem como sobre as estratégias de ensino
capazes de garantir a efetividade de sua educação (sobretudo, por uma questão de direito).
Tendo sido averiguado sobre se os mesmos conheciam alguma criança deficiente e
como percebiam a sua situação frente às possibilidades de sucesso escolar numa escola
regular, 61% afirmaram conhecer, sendo os casos mais citados, o da criança com
deficiência mental, física e auditiva, e ainda, com Síndrome de Down. No entanto, houve
olhares diferentes quanto à percepção do fenômeno: alguns acreditam que a inclusão
está beneficiando as crianças, mas a maioria aponta para as dificuldades e obstáculos a
enfrentar, destacando-se, principalmente, o fator preconceito e as limitações estruturais
da própria escola.
Ao serem indagados sobre a possibilidade do ingresso de alunos com necessidades
educacionais especiais na universidade, 95% afirmaram ser essa uma possibilidade concreta,
alguns a colocando até como obrigação da universidade, outros pontuando as
possibilidades, mas não para todas as deficiências, e ainda, outros apontando a necessidade
de a universidade se adequar e avançar nesse atendimento. Essa estatística, por si mesma,
já é bastante positiva, uma vez que aponta para uma sensível abertura do professorado à
causa da inclusão, ao mesmo tempo em que revela interesse em discuti-la dentro da
própria instituição.
Adentrando mais a questão, indagamos aos entrevistados sobre a sua
expectativa frente à possibilidade de receber um aluno especial na sala de aula: uma significativa
parte apresentou-se tranqüila com essa perspectiva; outra registrou certa inquietação,
mas assegurando ser possível assumir o trabalho, desde que se tivesse oportunidade de se
aperfeiçoar, estudar, enfim, receber uma orientação. Por outro lado, principalmente os
professores do Curso de Matemática, colocaram a dificuldade em recebê-lo devido ao
perfil do próprio curso.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 243


Inventário de atitudes:

No que diz respeito às atitudes frente à inclusão, o resultado da análise do


inventário utilizado mostrou que, com exceção de um único entrevistado, a maioria dos
professores se coloca favorável à inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino regular. Esse resultado é bastante animador, considerando-se que um
dos aspectos mais importantes para a consolidação de uma educação inclusiva diz respeito
à disposição interna em aceitá-la, em acreditar realmente na possibilidade e necessidade
de ser realizada.

Conclusões

A inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais ainda se


apresenta um tanto nebulosa para muitos dos educadores do nosso país. Realmente,
encontramo-nos numa fase de transição entre um modelo de segregação desses alunos e
a defesa de um paradigma no qual a aceitação do diferente é condição primeira para uma
escola e, conseqüentemente, uma sociedade para todos.
Apesar de termos registrado umas poucas resistências nas respostas dos
professores, o que mais se evidenciou foram atitudes de compreensão, respeito e interesse
para com esses alunos; também se evidenciaram alguma satisfação com os avanços
científicos e sociais nessa área, embora não deixassem de pontuar as dificuldades e
obstáculos presentes nas escolas e, ainda, a necessidade de ultrapassá-los.
Um fato relevante a considerar é que, não muito diferente dos professores do
ensino básico, no quadro representativo desse estudo, professores de ensino superior
mostram-se, também, na sua maioria, despreparados para a inclusão, reconhecendo uma
necessidade de se aprofundar no assunto. Esse fato nos aponta a necessidade de se
ampliarem os debates, os estudos e as pesquisas acerca do tema no interior da própria
universidade; necessidade de se investir na atualização deste professor, no que diz respeito
à implementação de uma educação inclusiva para melhor solidificar a formação dos seus
alunos e futuros professores, de forma a dar respostas à sociedade e às agências
empregadoras carentes desse profissional melhor capacitado; necessidade de uma maior
sintonia dos conteúdos vistos na academia e a realidade das salas de aula dos sistemas de
ensino público, a fim de se conquistar uma maior integração entre a teoria e a prática, na
busca da superação dos problemas e conflitos existentes.
Enfim, após a realização desta pesquisa, sentimos a necessidade de nos
aprofundarmos e explorarmos um pouco mais, talvez de forma mais aberta, o pensar dos
professores acerca da inclusão. Consideramos ser necessária a continuidade das indagações
realizadas durante a pesquisa, principalmente, instigando o debate em encontros nos
quais se explicitem de forma mais espontânea e detalhada as compreensões de cada
professor. Encaminhar novos projetos sobre as formas de viabilizar, tornar os cursos
mais sintonizados com uma prática inclusiva também se apresenta como uma necessidade
real a ser suprida.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 244


Notas
1
Docente do Departamento de Estudos Sociais e Educacionais (DESE), do Centro de Ensino Superior do
Seridó (CERES), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN).

2
Para melhor conhecimento acerca das competências, consultar Perrenoud (2000).

3
Equivalentes às licenciaturas de 6º aos 9º anos, conforme Resolução n. 3/2005-CNE/CEB (BRASIL, 2005).

4
O CERES se apresenta enquanto uma das unidades cêntricas da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, instalado no interior do Estado, e composto pelos campi de Caicó e Currais Novos.

5
A disciplina “Introdução à Educação Especial”, de cunho obrigatório, oferecida no 2º semestre do curso; na
estrutura curricular, ainda se registrava a possibilidade de oferta de quatro disciplinas do núcleo de Educação
Especial (optativo), mas até então não haviam sido oferecidas por não se contar com professores qualificados.

6
A disciplina obrigatória “Seminário de Educação Inclusiva” nos cursos de Geografia e História; e “Introdução
à Educação Especial”, como disciplina optativa no Curso de Matemática.

7
Inclusive, nos possibilitando a participação da aluna de iniciação científica Juliana D’aparecida Souza Silva, a
quem agradecemos o esforço e a dedicação com que se empenhou no desenvolvimento das diferentes fases
desse processo.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério de Educação. Resolução n. 1, de 18 de setembro de 2002-CNE/CP.


Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores. In: Ministério
de Educação/Secretaria de Educação Especial. Legislação específica/Documentos
internacionais. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Especial, 2002. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=
159&Itemid=311p Acesso em: 20 jun 2006

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução n. 3, de 3 de agosto de 2005-CNE/CEB.


Define normas nacionais para a ampliação do ensino fundamental para nove anos de
duração. Diário Oficial da União, de 08 de agosto de 2005. Seção I, pág. 27. (2005).

BUENO, J. G. S. A educação especial nas universidades brasileiras. Brasília: MEC/Secretaria


de Educação Especial, 2002.

CARTOLANO, M. T. P. Formação do educador no Curso de pedagogia: a educação


especial. Cadernos CEDES, Campinas: CEDES, ano XIX, n. 46, setembro – 1998 .

HERRERO, M. J. P. Educação de alunos com necessidades especiais. Trad: M. Helena Mourão


A. Oliveira & Marise Bueno M. Gargentini. Bauru: EDUSC, 2001.

PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre-RS: Artes Médicas,
2000.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 245


DIAGNÓSTICO DAS NECESSIDADES DE PREPARAÇÃO DOS
PROFESSORES DE CURSOS DE LICENCIATURA PARA INCLUIR
ESTUDANTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS E FORMAR FUTUROS
PROFESSORES APTOS A PROMOVER A INCLUSÃO

Celia Regina Vitaliano1

Introdução

Temos visto que a maioria das pesquisas sobre a educação inclusiva tem-se
centrado na educação básica e repetidamente tem destacado que um dos principais fatores
que dificulta a promoção da inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais
(NEE) é o despreparo de seus professores. (BEYER, 2003; GUASSELLI, 2005;
OLIVETO & MANZINI, 1999; PIRES, 2006, entre outros). Essa constatação, aliada à
preocupação de acelerar o processo de inclusão dos referidos alunos, levou-nos a buscar
identificar estratégias para melhorar a formação dos professores.
Sabemos que a formação do professor é um processo permanente, que
“ocorre, antes, durante e após a formação acadêmica específica, sendo permeada por
valores que são construídos ao longo da vida do sujeito e de acordo com o contexto de
sua formação enquanto pessoa e profissional”. (SALGADO, 2006, p. 66). Neste trabalho,
nos dedicaremos a analisar um determinado período desse processo, denominado de
inicial, que ocorre nos cursos de graduação, denominado licenciatura. Concordamos com
Abad & Monclús (1998) quando analisam que as reformas educacionais de um país
implicam mudanças na formação dos professores, pois estes serão responsáveis pelos
novos rumos da educação.
Mittler (2003) também apresenta uma análise semelhante, considera que, a
longo prazo, o melhor investimento que se pode fazer é “assegurar que os professores
recentemente qualificados tenham uma compreensão básica do ensino inclusivo. [...] Isto
assenta os alicerces para uma ‘boa prática’[...]”. (p. 189). Esse mesmo autor comenta que
o Governo britânico estabeleceu, em 1994, uma Agência de Capacitação de Professores
(TTA) “com responsabilidade por toda Formação em nível de Educação Inicial
(universitário)” (p. 187), e educação continuada, e esta, desde então, embora confrontada
pelas instituições de ensino superior, teve sua importância pelo fato de incluir a
preocupação com a formação dos professores em relação às necessidades educacionais
especiais.
Outra medida, também descrita por Mittler (2003), instituída pelo Governo
britânico para assegurar a formação inicial dos professores em relação às necessidades
educacionais especiais foi emitida em 1978 pelo Comitê de Warnock, que recomendou:

[...] um elemento de educação especial deve ser incluído em todos os cursos de


formação de professores [...] aqueles responsáveis pela validação dos cursos de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 246


formação de professores devem fazer a inclusão de um elemento de necessidades
especiais uma condição para aprovação deles. (apud MITTLER, 2003, p. 189).

No entanto, apesar dessas medidas, Mittler (2003) comenta que a formação


inicial dos professores britânicos em relação ao atendimento das necessidades especiais
ainda ocorre de forma inconsistente, e poucos jovens iniciam sua carreira docente com
experiência de ensino junto a alunos com NEE. A maioria dos professores recém-formados
manifesta descontentamento com seu processo de formação em relação a essa questão.
Daí surge o questionamento: como as instituições de ensino superior (IES)
de nosso país estão propiciando a formação dos professores com vista à inclusão dos
alunos com NEE, ou seja, estão cumprindo sua responsabilidade em relação a essa questão,
ou não? Quais medidas nosso sistema de ensino prevê para assegurar o cumprimento da
responsabilidade das IES a respeito dessa questão? Os resultados de pesquisas que
abordaram esses temas mostram que a maioria das universidades ainda não está assumindo
essa responsabilidade adequadamente. Em relação à última questão, temos algumas
recomendações e diretrizes que estão longe de se tornarem efetivas, até por falta de
mecanismos de acompanhamento e cobrança por parte das instâncias competentes. Como
exemplo, Chacon (2001) revela que ao analisar o impacto da Portaria 1793, de dezembro
de 1994, a qual recomendava a inclusão da disciplina: Aspectos ético-político-educacionais
da normalização e integração da pessoa portadora de NEE, prioritariamente nos cursos
de Psicologia e Pedagogia e demais licenciaturas, identificou que poucas universidades
públicas federais e particulares da região de São Paulo e Mato Grosso haviam incluído no
currículo dos referidos cursos essa disciplina ou uma correlata.
Rodrigues (2005, p. 57) comenta que muitos cursos de formação de
professores ainda omitem conteúdos relacionados às necessidades educacionais especiais,
e aqueles que contemplam tais conteúdos os apresentam com ênfase nos casos severos,
induzindo os futuros professores a ficarem mais “assustados”, propiciando “fundamento
para a sua dificuldade em aceitar” a inclusão dos alunos com NEE.
Ao investigarem se o curso de Pedagogia estava preparando os futuros
professores para promover a inclusão de alunos com NEE, Vitaliano (2002) e Santos
(2002) constaram que não. Vitaliano (2002) identificou que na concepção dos professores
atuantes no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a falta de
preparação adequada do futuro pedagogo para incluir alunos com NEE decorre: da falta
de oportunidade de estágio; dos próprios professores formadores não saberem realizar a
inclusão de alunos especiais; e por haver apenas uma disciplina teórica no curso com
pequena carga horária que abordava questões relacionadas à Educação Especial.
Ao buscarmos exemplos de medidas governamentais que visam a garantir a
formação dos professores com vistas à inclusão de alunos com NEE em nível de
graduação, encontramos, além da Portaria 1793, já citada, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, licenciatura instituída em 2006.
Nesta consta um único comentário que focaliza a necessidade de desenvolver determinada
habilidade relacionada ao atendimento das necessidades especiais, contido no artigo 5ª,
inciso X: “Demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de
natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gênero, faixas geracionais, classes sociais,
religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras.” (p. 2, grifo nosso).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 247


No artigo 8º desse mesmo documento, destinado a descrever as atividades
que devem ser previstas no projeto pedagógico do curso, temos, no inciso III, outra
recomendação que coloca o desenvolvimento de atividades relacionadas às necessidades
especiais como opcionais.
Como o curso de Pedagogia habilita os professores a atuarem na educação
infantil e nas séries iniciais, esperávamos encontrar nesse documento orientações mais
precisas a fim de desenvolver a preparação necessária aos professores para atuarem em
escolas inclusivas, visto que temos a política de inclusão vigente desde 1996, segundo a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Encontramos somente nas Diretrizes para formação inicial de professores
na Educação Básica em curso de nível superior, publicada em 2000, as orientações e
análises que esperávamos encontrar para favorecer a organização dos cursos de formação
de professores com vistas à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
Esse documento, que tem como função subsidiar a organização dos cursos de licenciatura,
estabelece que a formação do professor da educação infantil até o 2º grau deve prever o
desenvolvimento de competências que possibilite ao professor atuar em contextos de
escolas inclusivas, promovendo a aprendizagem de todos os alunos. Ele destaca que os
referidos cursos devem prever conhecimentos referentes aos procedimentos pedagógicos
e desenvolvimento humano e aprendizagem visando ao atendimento das necessidades
educacionais especiais. Além disso, coloca de forma clara que é função do professor da
educação básica o atendimento das necessidades educacionais especiais.
Estas análises mostram que temos, de certa forma, medidas governamentais
que orientam a organização dos cursos para promover a formação inicial dos professores
com vistas a atuar em escolas inclusivas, no entanto, também constatamos que essas
medidas ainda não estão sendo assimiladas pelos cursos de formação de professores.
Percebemos que vários fatores contribuem para que estejamos nessa situação.
No presente estudo, nos ateremos a investigar dois deles: a formação que os professores
universitários responsáveis pela formação dos futuros professores têm para promover a
inclusão dos alunos com NEE e a consciência que eles desenvolveram sobre a
responsabilidade de preparar os futuros professores para atuarem em escolas inclusivas.
É evidente que não podemos ensinar o que não sabemos. Os professores
responsáveis pela formação dos futuros professores também se encontram despreparados
para incluir alunos com necessidades educacionais especiais. (BEYER, 2006;
CASTANHO & FREITAS, 2005; EIDELWEIN, 2005; PACHECO & COSTAS, 2005;
RODRIGUES 2004; VITALIANO 2002).
Considerando esse contexto, a presente pesquisa teve os seguintes objetivos:

a) Caracterizar as concepções, práticas e dificuldades dos professores dos cursos de


licenciatura da UEL referentes à inclusão dos estudantes com necessidades especiais.
b) Identificar se esses professores percebem a necessidade de preparação pedagógica
para incluir estudantes com necessidades especiais e de que maneira deveria dar-se
essa preparação.
c) Identificar se esses professores percebem a necessidade de adequar o currículo dos
cursos de licenciatura para melhorar a formação dos futuros professores para atuarem
em escolas inclusivas.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 248


Metodologia

Essa pesquisa caracterizou-se como um estudo de caso, pois buscou descrever,


com certa profundidade, determinada realidade.
Procedimentos: A coleta dos dados desenvolveu-se em duas fases. Na
primeira, foram realizadas entrevistas individuais com 7 professores atuantes nos cursos
de licenciatura. Estas foram realizadas com o objetivo de levantar subsídios para o
desenvolvimento da segunda fase da pesquisa, que consistiu na organização de um
questionário a ser aplicado junto a todos os professores atuantes nos 14 cursos de
licenciatura da UEL. Neste trabalho, apresentaremos os resultados obtidos na primeira
fase deste estudo, derivados das análises das entrevistas realizadas.
Participantes: Sete professores atuantes nos cursos de licenciatura (Ciências
Biológicas, História, Química, Letras, Educação Física, Matemática e Filosofia), que
tinham experiência de coordenação de colegiado de curso e/ou que ministravam as
disciplinas consideradas pedagógicas das áreas específicas. Estes apresentavam idade
que variaram entre 32 e 63 anos, mais de dez anos de experiência no ensino superior,
sendo três doutores e quatro mestres. Verificamos que quatro professores dentre os sete
relataram ter tido experiência de ensinar alunos com NEE no ensino superior.

Resultados e discussão

A análise dos relatos obtidos por meio de entrevista foi realizada mediante a
organização de seis categorias, tendo como base os objetivos da pesquisa.

Dificuldades encontradas para lidar com os alunos com NEE

Os participantes que tiveram experiência de ensinar alunos com NEE


descreveram várias dificuldades que enfrentaram para promover a aprendizagem e a
participação de seus alunos em sala de aula, como mostra o quadro 1.

Quadro 1: Descrição das dificuldades vivenciadas pelos participantes para lidar com os alunos com NEE
Como abordar o estudante com necessidades NEE
Como identificar os procedimentos de ensino que são necessários para favorecer a aprendizagem do
estudante com NEE
Como identificar as necessidades educacionais especiais do estudante
Como saber o que o estudante com NEE é capaz de realizar em relação às atividades acadêmicas e
avaliações propostas
Como integrar o estudante com NEE na turma
Como proceder para não piorar as dificuldades do estudante com NEE
Como evitar assumir uma atitude paternalista em relação ao estudante com NEE

Observamos que as dificuldades relatadas pelos professores universitários


são muito semelhantes às dificuldades apresentadas por professores de outros níveis de
ensino e têm como foco o processo de aprendizagem e socialização dos alunos com

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 249


NEE. Além disso, nos relatos, fica evidente a influência da nossa história cultural de
segregação das pessoas com NEE, bem como o medo de percebê-las como incapazes,
merecedoras de “cuidado”, termo que nos lembra caridade. (GLAT, 1995).

Necessidade de orientação para lidar com os alunos com NEE

De modo geral, como era esperado, os professores relataram que sentiram


necessidade de orientação para lidar com os alunos com NEE, como mostra o relato de
um dos participantes:

“Muita, muita necessidade de orientação. É, primeiro veio aquela sensação assim, de inutilidade
diante do quadro e justamente por ter uma formação defasada nesse sentido, nós não somos
preparados, especificamente a biologia, [...] eu me senti assim bastante preocupado com ele, mas
principalmente por não poder ajudá-lo de uma maneira correta [...]”.

É interessante observar que a presença do aluno com NEE despertou nesse


participante o sentimento de inutilidade, preocupação e dificuldade de saber como
“ajudar”. Rodrigues (2004) apresenta o relato de um caso semelhante, de um professor
que, ao se deparar com um aluno com NEE em sua turma, sentia enorme embaraço e lhe
dava nota para evitar tê-lo na sua turma novamente, pois não sabia interagir, ensinar e
avaliar tal aluno.

Necessidade de adaptar os procedimentos de ensino para promover a


aprendizagem dos alunos com NEE

A maioria dos professores relatou sentir necessidade de adaptar seus


procedimentos de ensino para ensinar os alunos com NEE, muito embora em algumas
ocasiões tenham encontrado dificuldade para saber como e o que adaptar. Uma participante
comentou que ficava muito insegura sobre a compreensão de sua aluna com baixa visão
em relação às suas explicações, visto que ela trabalhava com conteúdos relacionados à
atividade física. Para verificar a compreensão da aluna ela a questionava:

“[...] o que você pensa sobre isso? Você conseguiu ler o texto? Você conseguiu entender o texto?
[...] eu comecei a ver que ela se sentia incomodada com essa minha posição então eu preferi, não
mais questioná-la diretamente e sim a classe como um todo”.

Outro participante comentou que um dos recursos preferidos para ensinar os


costumes da Idade Média era solicitar que os alunos analisassem as pinturas produzidas
na época, no entanto, no ano em que teve um aluno com deficiência visual, retirou esse
recurso de sua programação por não saber como trabalhar com conteúdos de imagem
para alunos cegos. Ele optou por fornecer apenas material didático em forma de textos
com descrições sobre as características da referida época.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 250


Preparação para ensinar alunos com NEE

Todos os participantes se consideraram despreparados para ensinar alunos


com NEE, apenas uma participante relatou que ela poderia não estar preparada, mas
atenderia qualquer aluno, e caso encontrasse dificuldades, procuraria informações e
orientações a respeito de como proceder.
Os participantes também foram perguntados se aceitariam participar de um
programa de formação para inclusão de alunos com NEE; com exceção de uma
participante que informou que estava se aposentando, todos os demais se mostraram
interessados em participar do referido programa.
Ao procurarmos na literatura experiências de natureza semelhante,
encontramos apenas Beyer (2006), que apresenta um breve relato sobre o desenvolvimento
de um curso de formação em educação inclusiva para professores de duas instituições
universitárias e de quatro redes municipais, organizado pelo Grupo de Pesquisa em
Inclusão Escolar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Esse curso, inicialmente,
partiu da análise das posturas dos docentes em relação à educação inclusiva. As posturas
identificadas foram de insegurança e apreensão, mas também alguns se mostraram
satisfeitos com a “oportunidade de uma nova formação”. (p. 77).
Esse exemplo reforça a idéia que norteou este estudo, que é a de conhecer
como se encontram os professores para depois programar os temas a serem trabalhados,
bem como a metodologia a ser utilizada de acordo com suas necessidades e preferências.

Sugestão de conteúdos e forma de organização do programa de formação

Os participantes apresentaram sugestões de vários temas a serem abordados


no programa de formação para inclusão de alunos com NEE, como mostra o quadro 2.

Quadro 2: sugestões de temas a serem abordados no programa de formação para inclusão de alunos com
NEE.
Conceituação de inclusão e suas implicações educacionais
Conceituação e caracterização das necessidades educacionais especiais
Metodologia de ensino adequada às diversas necessidades especiais
Estratégias para lidar em sala de aula com alunos que apresentam NEE
Conhecimentos que possibilitem identificação das dificuldades dos estudantes com NEE
Formas de organização das atividades e dos recursos didáticos para promover a participação e
aprendizagem dos estudantes com NEE
Conhecimentos referentes a como promover a integração social dos estudantes com necessidades
especiais com os demais colegas de turma.

Observamos, no quadro 2, que as sugestões foram no intuito de


instrumentalizar o professor para lidar efetivamente em sala de aula com os alunos com
NEE. Beyer (2006) também obteve de seu grupo de professores sugestões semelhantes
com acréscimo do tema referente à conscientização e motivação da comunidade escolar
sobre a educação inclusiva.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 251


Sobre a forma de como gostariam que fosse organizado o programa de
formação, os participantes relataram preferência por atividades presenciais combinadas
com atividades com textos ou pela internet, com freqüência de encontros quinzenais e
por meio de atividades de discussão de casos, discussão de textos em grupo, troca de
experiências e palestras.

Sugestões para melhorar a formação dos futuros professores com vistas à promoção
da inclusão dos alunos com NEE

Os participantes informaram que os cursos de licenciatura, nos quais atuavam,


não estavam preparando os futuros professores para atuarem em escolas inclusivas.
Relataram que os currículos dos cursos, com exceção do curso de Educação Física, não
contemplavam essa formação em nenhum momento.
No entanto, todos os participantes consideraram que os cursos de licenciatura
deveriam prover essa preparação e apontaram várias alternativas para sanar esse déficit,
como mostra o quadro 3.

Quadro 3. Sugestões para melhorar a formação dos graduandos para promover a inclusão dos estudantes
com NEE
Conscientizar os próprios professores dos cursos de licenciaturas sobre a necessidade de
conhecerem a proposta de educação inclusiva
As disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino abordarem conteúdos referentes à inclusão dos
estudantes com NEE
Incluir uma disciplina específica sobre inclusão no currículo dos cursos de licenciaturas
Incluir na ementa das disciplinas dos cursos de licenciaturas temas relacionados às necessidades
especiais e inclusão
Organizar oportunidades de discussão entre os docentes sobre esta questão, com vistas a organizar
estratégias para melhorar a formação dos graduandos.

Nessas sugestões, destaca-se o envolvimento dos docentes na questão em


pauta, visto que sugeriram que eles próprios deveriam preparar-se e discutir a questão da
formação que o curso propicia aos graduandos “futuros professores” a esse respeito. Por
este resultado, constatamos que essa amostra de professores que atuam nos cursos de
licenciatura em disciplinas consideradas de preparação pedagógica ou têm a função de
coordenar o curso, já desenvolveram a consciência de que é necessário formar a futura
geração de professores com bases suficientes para atuarem em escolas inclusivas. Resta
transformar essa consciência em ações que venham a garantir tal formação.

Conclusão

Levando em conta os dados obtidos e as análises da literatura consultada,


consideramos que é urgente preocupar-nos com a mobilização das IES para assumirem
as responsabilidades que lhes cabem na promoção da construção de escolas inclusivas. É
necessário que estas desenvolvam políticas que favoreçem a formação dos professores

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universitários para que possam incluir de fato os alunos com NEE, bem como preparar
os graduandos para também desenvolverem tais práticas. Os graduandos, futuros
professores, poderão contribuir para efetivar a educação inclusiva se seus currículos forem
reorganizados contemplando essa finalidade, caso contrário, estaremos perpetuando a
condição que temos hoje, a saber, escolas que em discurso são inclusivas, mas na prática
mantêm rotinas de exclusão. Por fim, concluímos que mais uma vez “fotografamos” a
precariedade em que se encontra o espaço universitário em relação à formação dos
professores para inclusão dos alunos com NEE, ao mesmo tempo em que indicamos
diretrizes para melhorar tal condição.

Notas
1
Professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina – Participante
do Programa de Mestrado em Educação da UEL.

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PARTE IV

A QUESTÃO DO ABORTO
POR ANOMALIA FETAL,
RECÉM-NASCIDOS DE RISCO E
PRÉ-ESCOLARES AGRESSIVOS
O MOVIMENTO DE DEFICIENTES NO BRASIL FRENTE À QUESTÃO
DO ABORTO POR ANOMALIA FETAL

Alessandra Barros1

Introdução

Este trabalho é uma adaptação de um dos estudos de caso que compôs a tese
de doutorado A deficiência relativizada - entre discursos e a prática política.2 O estudo de caso
aqui apresentado analisou a mobilização da comunidade brasileira de deficientes –
entidades organizadas e outros atores sociais – em torno da questão do aborto por anomalia
fetal. Abro um parênteses para ressalvar que me valho dos termos “comunidade de
deficientes” e “movimento de deficientes” como sinônimos, muito embora, do ponto de
vista da teoria social, estes merecessem uma distinção conceitual, a qual contudo, optei
por não abordar neste espaço3.
O aborto por anomalia fetal, também denominado de aborto seletivo, é
previsto legalmente em muitos países onde o aborto não é proibido (de modo algum) ou
tem um leque de permissões maior. Aqui no Brasil esta não é uma forma de aborto
autorizada pela Lei, só podendo ser realizada a partir de autorizações extraordinárias. No
contexto brasileiro, este tipo de aborto tem sido aplicado quase que exclusivamente à
anencefalia – uma grave e rara anomalia na qual o feto não tem cérebro e não sobrevive
fora do útero da gestante. Estas autorizações tem sido executadas, e por vezes revogadas,
sob intenso e polêmico debate4. Mundo afora, mesmo naqueles países onde o aborto não
é criminalizado, se interpreta este tipo de aborto, em que o feto gestado tem anomalias
graves, como sendo uma prática discriminatória. Nestes termos, evitar a concepção de
bebês com doenças genéticas ou cromossômicas que derivam em anomalias físicas e/ou
mentais, seria uma expressão de discriminação dirigida às crianças e às pessoas adultas
com deficiências já instaladas.
Tal sugestão, emitida a partir da condição de deficiência dos fetos e daí dirigida
a todos os deficientes vivos, apregoaria que a própria existência das pessoas com
deficiência não deveria ser permitida ou valorizada. Em outras palavras, a eliminação de
futuras ou prováveis pessoas deficientes pode ser considerada algo como uma conduta
discriminatória “por antecipação”. Esta mensagem, portanto, implicaria na negação do
reconhecimento dos direitos de cidadania dos deficientes e na reafirmação de preconceitos
vigentes na sociedade. O argumento segundo o qual este tipo de aborto expressaria
discriminação em relação aos deficientes é chamado, na língua inglesa, de expressivist
argument, sendo originalmente tributável a Buchanan (1996). Tal posicionamento, embora
não elaborado teoricamente por acadêmicos ou militantes brasileiros, é por muitos destes
defendida.
Além disso, aqui no Brasil, o modo como a mídia noticiou os tantos eventos
que giraram em torno do aborto por anomalia fetal – votação de projetos de lei e autorização
de centenas de alvarás judiciais, fez parecer que também à síndrome de Down esta forma
de aborto se aplicaria. Muitas matérias de jornal, por exemplo, apesar de terem como
pauta, principal ou secundária, a questão do aborto por anomalia fetal e, portanto, estarem

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focadas na anencefalia, resvalavam para questões adjacentes como a seleção de embriões
nas clínicas de reprodução assistida ou para as facilidades e abrangência dos diagnósticos
pré-natal. Isto as levava a mencionar outras formas de anomalias e, dentre estas, com
frequência, a síndrome de Down. Mesmo que ela algumas vezes fosse referida, na redação
dos textos, como exceção para a aplicação do aborto que a legislação pleiteava, a
aproximação estava dada de qualquer maneira, até porque, ainda nestes casos, o que
mais se evidenciava, através do destaque em legendas de fotos e em boxes e gráficos, era
o alcance dos diagnósticos dentro do útero e a crescente facilidade com a qual se descobre
um feto com síndrome de Down.
Ressalto, então, que o modo polêmico e por vezes sensacionalista com o
qual os jornais se valeram para anunciar, entre os anos de 1996 e 2001, notícias em torno
dessa forma de aborto, o fez, assim, parecer quase que dirigido à síndrome de Down,
embora os projetos e os alvarás efetivamente não a contemplassem. Desse modo, a
qualidade discriminatória do aborto por anomalia fetal, do ponto de vista dos direitos
dos deficientes, se fez, ao menos no Brasil, ainda mais acentuada e relevante para os
movimentos que militam por esses direitos. Por isso, a partir deste aspecto tendencioso
do noticiamento da temática, interessou para a pesquisa desenvolvida a esperada
repercussão política pela defesa dos interesses dos deficientes e os discursos produzidos
neste processo. Além disso, a mídia manteve-se, com regularidade, principalmente a partir
do anúncio dos primeiros rascunhos sobre o desvendamento do genoma humano,
noticiando descobertas de genes associados a doenças e deficiências conhecidas. Esta
pauta paralela associada à modernização das técnicas de exame pré-natal foi igualmente
anunciada com relativa frequência, uma vez que era motivada pela referência originária
ao aborto por anomalia fetal. Compunha-se, assim, um cenário maior a partir do qual
emanava o conflito de interesses entre os que defendiam o aborto por anomalia fetal e os
que o condenavam. Assinale-se ainda que, na mesma mídia em que podia se identificar o
apelo à figura da síndrome de Down para exemplificação do aborto por anomalia fetal,
também se podia identificar esta deficiência como ilustração para as matérias sobre
inclusão de deficientes no ensino.

Objetivos

Logo, diante deste contexto de presença significativa desses temas na mídia,


buscou-se investigar em que medida a comunidade de deficientes brasileira vinha se
manifestando pela defesa de seus interesses. Importante deixar claro que, nesta pesquisa,
não realizei nenhum exercício de julgamento de valor em relação ao aborto por anomalia
fetal, ou em relação ao aborto por anomalias outras quaisquer, como por exemplo, a
síndrome de Down. Por conseguinte, não julguei moral ou imoral o fato de o movimento
de pessoas deficientes, em grande medida, desaprovar esta forma de aborto. Apenas
tomei por pressuposto que assim o fazem, tendo em vista a interpretação da qualidade
discriminatória desta forma de aborto, enquanto desenvolvida por um grande número de
teóricos e ativistas de outros países, como Kaplan (1994), Saxton ( 2000) e Field (1993).
A partir daí, ou seja, considerando que a comunidade de pessoas deficientes no Brasil,
por princípios, também contestaria a legitimidade do aborto por anomalia fetal, perguntei-
me onde este segmento organizado da nossa sociedade estava quando o debate sobre

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aquele tipo de aborto veio à tona através da imprensa. Logo, sem exercitar um julgamento
ético, posso dizer que exercitei, sim, um julgamento crítico da questão.

Metodologia

A pesquisa realizada partiu do levantamento, em quatro grandes jornais de


circulação nacional, de matérias ou reportagens que, no período de 1996 a 2001, versassern
sobre o aborto por anomalia fetal, sobre exames de pré-natal, diagnósticos dos bebês-de-
proveta, e descobertas de genes associados a doenças e anomalias fetais. Buscou-se auferir
a participação das entidades brasileiras de deficientes e de representantes de seus interesses
no longo e polêmico debate sobre o aborto, que a partir dali se instaurou. Tendo em vista
a provocação aos direitos dos deficientes e a ameaça à imagem da deficiência suscitada
pela questão do aborto por anomalia fetal e, considerando que o veículo discursivo
principal foi a mídia impressa, o que a análise empreendida procurou revelar foi em que
medida esse espaço, representado pelos jornais de grande circulação nacional, teria sido
utilizado pela comunidade de deficientes, enquanto um segmento organizado por um fim
comum, para responder à provocação e ameaça perpetradas. Ou seja, em que medida,
relacionada à questão do aborto por anomalia fetal, poderia se identificar nas matérias de
jornais a manifestação dos interesses dos deficientes, a expressão dos ideais da causa e a
reafirmação de direitos conquistados e reclamados. A expectativa depositada na mídia,
neste sentido, foi levantada a partir das próprias considerações que teóricos e militantes
pela causa da deficiência fazem do papel dos meios de comunicação. ( SASSAKI, 2002,
p. 153-161; WERNECK, 2000, p. 277-285).
Os jornais selecionados foram a Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de
São Paulo e o Globo em edições que circularam no período recortado entre janeiro de 1996
a dezembro de 20015. Foram analisadas 135 matérias de jornais. Para análise do material
levantado, contou-se com um instrumento composto na forma de um ficha de avaliação,
à qual cada uma das matérias e reportagens foi submetida. As categorias de análise se
resumiram, basicamente, aos argumentos de aprovação à prática do aborto por anomalia
fetal, aos argumentos de condenação desta prática e aos interlocutores que correspondiam
a essas posições de condenação ou aprovação, categorias que foram, para a análise,
posteriormente cruzadas. Naquele momento, a análise realizada foi, de certa maneira,
uma análise de conteúdo, caracterizável, inclusive pelo elemento quantitativo dos
resultados. Todavia, tendo em vista que a interpretação destes resultados foi
circunstanciada pelo contexto sócio-histórico do momento político que se vivia na época
e, mesmo antes, até a eleição das categorias descritivas para o desenho da análise assim
o foi, pode-se considerar, em um sentido lato, aquela análise de mídia como sendo uma
análise de discurso. (GILL, 2004; ORLANDI, 2000).
Independentemente do seu teor opinativo em relação ao aborto por anomalia
fetal – favorável, contrário, ou neutro – uma mesma matéria ou reportagem podia
comportar em seu texto tanto argumentos de condenação, quanto de aprovação. Para
fins desta análise de mídia, estes argumentos foram descritos em várias categorias, a
depender da fundamentação ético-moral e remetimentos lógicos de seus argumentadores.
Foram, então, classificados em relação aos interlocutores que se faziam deles porta-vozes.
Na apreciação de cada uma das matérias, tais argumentos foram quantificados tantas

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vezes quanto enunciados, desde que oriundos de diferentes categorias de interlocutores,
além de que, um interlocutor podia expressar razões de várias ordens para condenar ou
aprovar o aborto. Disto deduz-se que, o universo de análise não foi o simples conjunto
das matérias jornalísticas, mas, antes, a trama das composições argumentativas pelas
matérias distribuídas.
Avaliar a participação do movimento de pessoas deficientes no debate acerca
do aborto por anomalia fetal passou, então, antes de tudo, pela análise, nas matérias de
jornais, dos argumentos de condenação e de aprovação ao aborto, enquanto expressas
por amplos segmentos da sociedade. Quatro perguntas, basicamente, foram feitas nesta
análise de mídia: 1) Quais são as razões expostas, no texto da matéria de jornal, para que
o aborto por anomalia fetal seja condenável? 2) Quem emite essas razões? 3) Quais são
as razões para que o aborto por anomalia fetal seja aprovável? 4) Quem emite essas
razões?
As razões para a condenação ao aborto estavam antecipadas em sete alternativas
a serem assinaladas no instrumento “Ficha de Avaliação”. As razões para a aprovação,
por sua vez, deviam ser indicadas dentre um elenco de nove alternativas. Os emissários
dos argumentos de condenação ou de aprovação – os interlocutores destas posições –
foram caracterizados segundo as denominações de: Estado, profissionais de saúde, movimento
feminista, comunidade de deficientes, Igreja Católica. A presença do Estado foi entendida como
correspondendo às figuras dos ministros e secretários da justiça e da saúde, juizes dos
STF e STJ, magistrados, parlamentares, Presidente da República. A categoria profissionais
de saúde incluiu as figuras de médicos obstetras e geneticistas, em sua maioria, que se
dividiam nas ocupações de pesquisadores e acadêmicos. Entendeu-se que compunham o
movimento feminista representantes de entidades de classe, órgãos da Secretaria de Direitos
da Mulher do Ministério da Justiça, bem como acadêmicas e/ou militantes entrevistadas
pelos jornais. Para os fins desta pesquisa, entendeu-se como representantes da comunidade
de deficientes os membros de entidades de assistência a portadores de deficiências, as próprias
pessoas deficientes, bem como seus pais e mães, os quais, muitas vezes, dirigiam as
referidas entidades, além de militantes e ativistas. A Igreja Católica foi assumida pelas
pessoas do Papa, de arcebispos e cardeais, padres, teólogos e demais vozes de autoridade
que detinham a prerrogativa de falar, oficialmente, em nome da doutrina da religião
católica. Tanto os argumentos quanto seus emissários foram, deste modo, pré-concebidos,
na forma de alternativas assinaláveis, após várias leituras exploratórias das matérias de
jornal, bem como, graças à imersão em profundidade na temática do aborto por anomalia
fetal em seus condicionantes sócio-históricos.
A análise de mídia empreendida foi delineada na perspectiva de uma análise
de discurso. Neste sentido, o conjunto das matérias de jornal foi tomado como um corpus
discursivo de status equivalente a um texto contínuo ou a uma narrativa literária. Este
domínio converteu-se, ainda, em alvo de análise, quando tomado na relação que se
estabelece entre texto jornalístico e leitores do jornal. No recorte da amostra, levou-se
em conta também a quem se dirigia cada mensagem – no caso, matéria de jornal. Ou seja:
quem era o leitor potencial, ou melhor dizendo, quais os contornos do universo dos
leitores potenciais. Todavia, em função da impossibilidade absoluta de definição e
categorizarão do universo amostral de leitores, este foi tomado como um universo virtual,
composto pelos leitores possíveis, mas não realizáveis. Além disto, foi tomado como um

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universo composto por um tipo ideal de leitor – um leitor abstrato, no sentido de se
comportar como alguém capaz de ter lido todas as matérias veiculadas na mídia sobre
um certo assunto, com a atenção comparável àquela do olhar rigoroso de um pesquisador.
Este, por sua vez, do ponto de vista operacional da análise, colocava-se no lugar deste
leitor abstrato, quando empreendia outras leituras e interpretações daquelas matérias de
jornal.
Neste sentido, é oportuno esclarecer que a análise de discurso realizada foi
dirigida não somente àquelas matérias que, por exemplo, aplicavam mais a Síndrome de
Down à ilustração de seus argumentos, ou que contestavam o aborto por anomalia. Isto
é posto porque a apreciação do leitor de jornal ideal é a do conjunto das matérias, sendo
esta perspectiva que se deve recuperar como analista de discurso. Com o mesmo intuito
de reproduzir, ainda que artificialmente, a experiência do leitor de jornal ideal, para assim
aplicá-la à análise do discurso da mídia, buscou-se uma apreciação global e em continuidade
daquele conjunto de matérias, ou seja, uma leitura que recapitulasse o seqüenciamento e
a superposição dos fatos apresentados pela mídia. Isto foi buscado a despeito de se estar
ciente que este senso de localização de cada momento da polêmica do aborto por anomalia
fetal em um contexto mais amplo, não só requeria a condição impalpável de um leitor
que todos os dias se atualizasse nos jornais a esse respeito, bem como situasse essa
questão em relação a outras temáticas de relevância política, econômica e social.
A análise de discurso empreendida contemplou, também, a dialética existente
entre o texto de cada matéria individualmente e o conjunto das matérias sobre o mesmo
tema, que compõem um outro grande texto, com vida própria. Esta estratégia permitiu
que não se perdesse o fluxo das notícias, o ritmo de sobreposição sucessiva de uma
matéria sobre a outra que, ao se sucederem, ou recuperam aspectos do conjunto do
fenômeno, ou são impressas em características e contornos próprios. Cada nova matéria
ou reportagem, resgatando ou não elementos assinalados nas matérias anteriores, sugere
o formato discursivo das que se seguem, compondo, desse modo, sempre um novo conjunto
de notícias. Diga-se ainda que, a análise dos discursos que qualificou a mobilização da
comunidade de deficientes no Brasil frente à questão do aborto por anomalia fetal, foi
desenvolvida, e assim deve ser interpretada, na concomitância de uma análise da
conjuntura nacional – e, por vezes, internacional – na qual se inseria o debate e que dava,
ao mesmo, contornos específicos. Então, tendo como pressuposto a qualidade
representativa da mídia impressa em endereçar questões que dizem respeito aos interesses
de pessoas deficientes, prosseguiu-se à análise das matérias e reportagens selecionadas.

Resultados e Discussão

No estabelecimento do ranking que evidenciou a medida da participação da


comunidade dos deficientes nos meios de comunicação, quando do noticiamento do
aborto por anomalia fetal, constatou-se que, em se tratando da mídia impressa, essa
participação foi pouquíssima expressiva. Ressalte-se, em tempo, que embora o aborto
por anomalia fetal, em sendo aplicado principalmente à anencefalia, não estivesse dirigido
a uma condição para a qual se pudesse encontrar correspondência em indivíduos adultos,
ou seja, não há anencéfalos vivos que se possam chamar de pessoas deficientes, na prática

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o que ocorreu foi uma aproximação, por parte da mídia, daquele tipo de aborto à síndrome
de Down. Pois, do universo de 135 matérias e reportagens avaliadas, 34 delas, ou seja, o
equivalente a aproximadamente um quarto do total, fazia referências expressas à síndrome.
A análise permitiu concluir que o principal adversário argumentativo ao aborto
por anomalia fetal, independente de quais fossem as classes de argumentos, mostrou-se,
então, como sendo a Igreja Católica, presente em 61,10% do conjunto dos argumentos
extraídos das matérias analisadas, conforme observável no gráfico abaixo.

Graf. 1 Articuladores dos argumentos CONTRÁRIOS ao Aborto Anomalia Fetal - Presença na Mídia (1996-
2001)

Partiu-se daí, para a verificação da presença de um argumento – contrário à


prática do aborto por anomalia fetal – argumento este que, por si só, falasse em nome dos
direitos dos deficientes, independentemente de estar sendo emitido por uma ou outra
categoria de interlocutores. Constatou-se que o argumento, segundo o qual o aborto de
fetos com anomalias seria condenável porque significava discriminação dirigida aos
deficientes vivendo em sociedade, não era o mais prevalente, conforme observável na
tabela abaixo. Assim também, constatou-se que o grande peso da argumentação contrária
ao aborto por anomalia fetal se fundamentava em razões de ordem religiosa – o argumento
da sacralidade da vida. De todo modo, aquele argumento emitido em defesa da imagem
social da deficiência ainda era o segundo mais invocado, correspondendo a 24% do total
dos argumentos contabilizados, igualmente observável na tabela logo abaixo.

Tabela 1 – Classes de Argumentos CONTRÁRIOS ao ABORTO POR ANOMALIA FETAL VEICULADOS NA MÍDIA
– 1996-2001 (%)
Estimular infanticídio de recém-nascidos deficientes 3,70
Discriminação contra os deficientes já existentes 24,00
Eugenia e intolerância generalizadas 9,25
Constitui um Crime contra a sacralidade da vida 50,00
Descrédito pelo diagnóstico pré-natal 3,70
Risco de Liberar aborto amplamente 9,25

Contudo, os articuladores majoritários (53,8%) desse argumento, eram


representantes da Igreja Católica e não da comunidade de deficientes, conforme se confere
a seguir.

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Tabela 2 – Argumento da Discriminação contra deficientes desrecomendando o Aborto por Anomalia Fetal e
seus porta-vozes na Mídia – 1996 – 2001 (%)
Igrej. Cat. Comun. Def. Profs. Estado Jornalistas
Saúde
Discriminação contra os
deficientes já existentes 53,8 15,3 7,6 15,3 7,6

Por outro lado, as classes de argumentos em favor do aborto apontavam a


defesa do princípio da autonomia reprodutiva como a razão mais invocada para justificar
a aprovação da prática.

Tabela 3 – Classes de Argumentos veiculados na Mídia a FAVOR DO ABORTO POR ANOMALIA FETAL – 1996-
2001 (%)
Promover Justiça Sanitária (combater clandestinidade) 11,4
Atender ao acúmulo de Jurisprudência pelos alvarás 15,2
Proteger a Saúde Psíquica da Mulher 17,1
Promover Autonomia Reprodutiva da mulher ou casal 23,8
Interromper a Ausência de sentido na gravidez em curso 6,6
Atualizar Código Penal defasado pela Ciência 20,0
Poupar a criança de sofrimento desnecessário 3,8
Evitar ônus futuro ao Estado na despesa com deficiente 1,9

E, diferentemente do paradoxo apontado em relação aos direitos dos


deficientes, este argumento, que se remete expressamente aos direitos das mulheres, foi,
como era de se esperar, emanado por representantes do que aqui se designou Movimento
Feminista.

Tabela 4 – Autonomia Reprodutiva justificando a prática do Aborto por anomalia Fetal e seus porta-vozes na
Mídia. 1996 – 2001 (%)
Bioeticistas Mov. Fem. Prof. Saúde Estado Gestante Jornalistas
Autonomia 0 32 24 16 0 28
Reprodutiva

Isto posto, e considerando as principais categorias de argumentos levantados


em nome da condenação ao aborto por anomalia fetal, concluiu-se que a discussão se
colocou, ao menos a partir da perspectiva propiciada pela mídia, como uma questão de
conflitos de interesses no plano dos direitos. Entretanto, o que ficou evidente a partir da
análise realizada, é que não se tratou de um embate travado entre direitos das mulheres
e direitos dos deficientes, mas, sim, entre direitos das mulheres e direitos dos fetos, fetos
quaisquer – fossem ou não portadores de anomalias. Os direitos das pessoas deficientes
não se destacaram, em razão da ausência, na arena onde se desenrolou o debate, de
articuladores efetivamente comprometidos com a questão6.

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Conclusão

O que este estudo de caso constatou foi um posicionamento distanciado, um


quase alheamento, manifestado pela comunidade brasileira de pessoas deficientes – aqui
tomada pela figura das entidades assistenciais, representantes autorizados e outros atores
sociais que se afirmam legitimamente comprometidos com seus interesses – em relação
a uma pauta central de suas agendas: o combate à discriminação e ao preconceito. Esta
pauta, passível de ser reeditada a partir das possibilidades interpretativas do impacto de
uma forma de aborto por sobre os valores de uma categoria de pessoas, não logrou ser
transformada em articulação política. Pelo menos não no espaço privilegiado da mídia
impressa. Aqui no Brasil, a despeito de toda visibilidade oferecida pelos jornais ao aborto
por anomalia fetal e, considerando-se ainda a inclinação tendenciosa em abordá-lo a
partir da síndrome de Down, a comunidade de deficientes, depositária e reprodutora dos
discursos sobre direitos, manteve-se à margem da qualidade provocativa da questão.
Concluindo, fica a sugestão de que esta postura possa ser explicada, em parte,
devido à condição fracamente organizada da nossa sociedade civil que perpetua o formato
assistencialista da atenção prestada ao deficiente. Nosso associativismo – clientelista e
coorporativo em sua maioria, principalmente no que tange à atenção ao deficiente, estaria,
inclusive, despreparado para lidar com os desdobramentos éticos e com as sutilezas
argumentativas que pautaram a retórica do debate em torno do aborto por anomalia fetal
no Brasil.

Notas
1
Mestre em Saúde Coletiva, Doutora em Antropologia, Professora adjunta da Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Bahia. FACED/UFBA. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação Inclusiva
e Necessidades Especiais – GEINE e do Centro de Estudos sobre Recreação, Escolarização e Lazer em
Enfermarias Pediátricas www.cerelepe.faced.ufba.br. contatos: alssb@ufba.br e 55 71 32837231

2
O outro estudo de caso, que desenvolve reflexões auxiliares à compreensão dos argumentos aqui
desenvolvidos, encontra-se de forma resumida no artigo “Alunos com deficiências nas escolas regulares: limites de
um discurso”. (BARROS, 2005).

3
Àqueles interessados nessa discussão sugiro o artigo de minha autoria, denominado “Pode-se falar em um
‘Movimento de Deficientes’ no Brasil? (BARROS, 2007).

4
Para mais detalhes sobre o assunto ver DINIZ & RIBEIRO, 2003.

5
No que tange ao tema aborto por anomalia fetal, as matérias a que se refere esse levantamento pertenciam ao
banco de matérias jornalísticas da ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, organização
não-governamental sediada em Brasília, tendo sido gentilmente cedidas para a investigação. Eram cópias,
por sua vez, provenientes do serviço de monitoramento, arquivamento e controle da entidade CCR –
Comissão de Cidadania e Reprodução, responsável última pelo volume amostral e pela clippagem. As
matérias referentes aos demais temas foram levantadas, basicamente, a partir da análise dos dados brutos da
pesquisa de Marques (2001). Foram, então, acessadas através das edições eletrônicas dos jornais na internet.

6
Pois ainda que Igreja parecesse correr em socorro dos interesses dos deficientes, ela assim o fazia secundaria

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 265


e circunstancialmente. Uma prova de que, no limite, os interesses da Igreja e dos deficientes não são
conciliáveis, revelou-se recentemente na votação do Projeto de Lei pela pesquisa com embriões humanos
congelados o qual, embora representasse a chance de cura e tratamentos revolucionários para pessoas deficientes,
foi expressamente condenado pela Igreja, que entendia a presença de vida humana em embriões congelados
e, portanto, o assassinato na manipulação para pesquisas.

Referências Bibliográficas

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 266


RECÉM-NASCIDOS DE ALTO RISCO: UM ESTUDO SOBRE O
ATENDIMENTO ESPECIALIZADO RECEBIDO APÓS A ALTA
HOSPITALAR

Daniela Lobo D´avila1


Andréa Tonini2
Edson Nunes de Morais3

Introdução

A intervenção especializada deve começar quando se identifica algum sinal


que possa intervir no desenvolvimento das funções sensorial, motora, intelectual,
emocional e das relações delas entre si. O conhecimento do desenvolvimento normal,
tanto do aspecto quantitativo como qualitativo, é fundamental para que se possa perceber
seus desvios.
Recém-nascidos de alto risco (RNAR) são crianças que sofreram complicações
no período pré e/ou perinatal e que, em decorrência de tais complicações, podem vir a
apresentar déficit ou atrasos no seu desenvolvimento neuropsicológico (DNP). (SEHNAL
e PALMIERI, 1989).
O Comitê de Follow-up do Recém-Nascido de Alto Risco da Sociedade de
Pediatria do Estado do Rio de Janeiro sugere o acompanhamento de recém-nascidos
(RN) que incluem: asfixia perinatal (Apgar £ 4 no 5º minuto; clinica ou alteração
laboratorial compatível com síndrome hipóxico-isquêmica; parada cardio-respiratória
documentada (com necessidade de reanimação e medicação; Apnéias repetidas); prematuro
(com peso de nascimento ou £1.500g ou idade gestacional £ 33 semanas); problemas
neurológicos (clínica neurológica: alterações tônicas, irritabilidade, choro persistente,
abalos, convulsão equivalentes convulsivos ou uso de drogas anticonvulsivantes);
hemorragia intra-cerebral (documentada por USTF); meningite neonatal; pequeno para
idade gestacional (peso abaixo de 2 desvios padrão da média); hiperbilirrubinemia (com
níveis para exsanguineotransfusão); policitemia sintomática; hipoglicemia sintomática;
uso de ventilação mecânica ou O2 com concentrações > 40%; infecções congênitas,
malformações congênitas e síndromes genéticas. (BARBOSA, 1993).
De uma forma simplificada, pode-se dizer que a gênese dos distúrbios no
DNP é, segundo Morais (1992), de origem gestacional, intraparto ou neonatal, e diz
respeito, na sua maior parte, à privação de oxigênio ao feto ou RN. Assim, a chamada
asfixia perinatal é responsável pela maioria dos recém-nascidos potencialmente de risco
para problemas no seu DNP.
Low (1997) expõe que a World Federation of Neurology Group definiu asfixia
como uma condição de prejuízo nas trocas gasosas materno-fetais levando, se persistir, à
hipoxemia (diminuição do O2) e hipercapnia (aumento CO2) progressivas. Entretanto,
pode ocorrer numa transição que, embora de interesse fisiológico, não tem significado
patológico. A asfixia significativa, levando a uma diminuição de oxigênio aos tecidos
com acúmulo de ácidos fixos, resulta em uma acidose metabólica.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 267


De acordo com Bax e Nelson (1993), dos danos neurológicos causados pela
falta de oxigênio intra-útero ou pós-natal, 90% correspondem a dano ocorrido durante a
gestação ou trabalho de parto; apenas 10%, no período neonatal. Das lesões nos períodos
gestacionais e intraparto, 90% fazem parte do primeiro período e apenas 10%, durante o
trabalho de parto. Quando ocorre a parada completa de oxigenação fetal, o dano celular
neurológico ou morte começa em aproximadamente 10 minutos.
Pelowski e Finer (1992), em uma revisão de 5 estudos de RN de termo,
descrevem bons desfechos para RN com encefalopatia leve, enquanto o risco de morte
ou desempenho gravemente comprometido foi de 5,6% e 20,0% na encefalopatia
moderada, e 60,0% e 72,0% na encefalopatia grave, respectivamente. Low et al. (1985)
descreve que a freqüência de desempenhos gravemente comprometidos em RN de termo
com encefalopatia moderada foi de 27,0%, e de 50,0% na encefalopatia grave, enquanto
nos RN pré-termo, essa freqüência foi de 24,0% na encefalopatia moderada e de 60,0%
na encefalopatia grave. As complicações cardiovasculares, respiratórias, e,
particularmente, as renais fornecem uma indicação da gravidade do insulto asfíxico em
ambos recém-nascidos, de termo e pré-termo. (LOW, PANAGIOTOPOULOS e
DERRICK, 1995).
O marcador clínico mais estudado na predição de danos neurológicos de
longo prazo é o índice de Apgar, descrito inicialmente por Virginia Apgar (1953). O teste
foi desenvolvido para ajudar a equipe médica a avaliar as condições físicas do RN, a fim
de que se possa rapidamente determinar em que área o bebê necessita cuidados médicos
imediatos.
O índice de Apgar consta de um exame subjetivo do RN, com base em critérios
clínicos, tais como pulso (freqüência cardíaca), respiração, atividade e tônus muscular,
reflexo de irritabilidade e aparência (coloração da pele). Uma nota de 2 pontos por cada
item observado, perfaz índice máximo de 10, que é estudado no 1º, 5º e 10º minutos.
Quando o índice for ³74 o RN é dito vigoroso; entre 4 e 6, RN com depressão moderada;
e <4, RN com depressão grave.
A maioria dos RN na população geral estudada do HUSM (aproximadamente
93%) apresenta um Apgar ³7 no 1º minuto. Segundo Morais et al. (2003), dos 7% restantes,
apenas 1% permanece deprimido no 5° minuto. Isso significa que raramente é necessário
analisar o Apgar de 10º minuto. Se o RN assim permanecer nesse estado, a probabilidade
de lesão neurológica aumenta substancialmente. Quanto menor o Apgar do RN no 5º e
10º minutos, tanto maior a chance de futura lesão neurológica e conseqüentemente,
distúrbios no DNP. Isso justifica a necessidade de se depreender a importância do estudo
das crianças nascidas nessas condições.
O Apgar de 1º minuto reflete geralmente condições fetais intraparto, ou seja,
um RN deprimido logo ao nascer pode se recuperar totalmente no quinto minuto (Apgar
e”7). Como referido por Goldaber et al. (1991) e Goodwin et al. (1992), a maioria dos RN
apresenta Apgar e” 7 no primeiro minuto (acima de 90%), e quando deprimidos no primeiro
minuto, não mais que 1% a 2% assim permanecem no 5º minuto. Raramente podem
continuar deprimidos após 10 minutos de vida. Quando essa condição está presente, a
probabilidade de atraso no DNP futuro aumenta significativamente.
Sendo assim, o trabalho de estimulação essencial ganha maior significado
quando se trata de crianças com algum risco no seu DNP, auxiliando-as a suprir as

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 268


dificuldades existentes, incentivando suas potencialidades e facilitando o processo de
melhoria das áreas que estão em desenvolvimento e/ou temporariamente inibidas.

Objetivos

Esta pesquisa buscou identificar a prevalência de RNAR para problemas no


seu DNP, atendidos no Hospital Universitário de Santa Maria/RS (HUSM), no período
de janeiro de 1996 a dezembro de 2003, buscando conhecer se essas crianças realizaram
acompanhamento especializado nos primeiros 3 primeiros anos de vida5.

Metodologia

Para a seleção dos sujeitos que passaram por condições clínicas de risco,
utilizou-se como critério a necessidade de internação na Unidade de Tratamento Intensivo
Neonatal (UTIN) do HUSM e o marcador clínico para predição de danos neurológicos
de longo prazo, o índice de Apgar inferior a 7 no 1º, 5º, e 10º minuto. O que possibilitou
a qualidade da coleta dos dados, sem a interferência de outras variáveis.
Foi realizado um levantamento de dados por meio de consulta aos arquivos
eletrônicos (registro software - SPSS), prontuários e pastas de internação dos RN no
HUSM (Serviço de Arquivo Médico - SAME).
Realizou-se entrevista estruturada com as mães das crianças, na qual continha
o termo de consentimento livre e esclarecido, devidamente assinado pela pelas mesmas.
As entrevistas aplicadas buscaram o conhecimento sobre o atendimento recebido após
alta hospitalar, desenvolvimento global de seus filhos e filhas, bem como sobre os
atendimentos especializados que freqüentaram nos primeiros 3 anos de vida.

Resultados e Discussão

Foram identificados 2.469 RN internados na UTIN, no período de janeiro de


1996 a dezembro de 2003. Desses, 42 RN apresentaram Apgar <7 no 1º e 5º minuto, 21
RN permaneceram com Apgar <7 no 10º minuto. Dos 21 RN encontrados, 4 casos
mostraram dados inconsistentes e foram excluídos, restando assim, 17 RN a serem
pesquisados.
Por meio dos dados consultados nas pastas e prontuários dos 17 RN,
obtiveram-se informações sobre a família (nome da mãe, endereço, telefone), bem como
outros dados que fossem significativos às condições de nascimentos das crianças. Dos
17 RN, 10 famílias foram encontradas e participaram da pesquisa por meio da entrevista
estruturada.
Na Tabela 1 buscou-se, mesmo com um número reduzido de casos,
demonstrar os dados gerais dos RN quando ainda internados na UTIN do HUSM.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 269


TABELA 01 – Dados gerais dos RN (n=10) estudados, expressos por média e desvio padrão (DP) ou por
número, porcentagem, valores máximo e mínimo.
Média e DP (máx. e mín)
Dados maternos e dos RN N%

Idade da gestação (semanas) 35 ± 4,1 (30 – 40)


Peso fetal ao nascimento (g) 2.499 ± 1.201 (690 – 4.910)
Peso fetal ao nascimento (g)
≥ 2.500 5 50,0
< 2.500 5 50,0
Adequação do peso ao nascimento*
AIG 7 70,0
PIG 2 20,0
GIG 1 10,0
Apgar do 1º minuto 1,7 ± 1,7 (0 – 5)
Apgar de 5º minuto 3,2 ± 1,0 (2 – 5)
Apgar de 10º minuto 5,4 ± 0,7 (4 – 6)
Apgar de 1º minuto
0-3 8 80,0
4-6 2 20,0
Apgar de 5º minuto
0-3 6 60,0
4-6 4 40,0
Apgar de 10º minuto
0-3 0 0,0
4-6 10 100,0
Morbidade neonatal**
DMH + DBP + SEP 1 10,0
INN + SEP 1 10,0
INN + DBP + SEP 1 10,0
ANN 3 30,0
ANN + SEP 1 10,0
ANN + SAM + PNN 1 10,0
INN + ANN + SEP 1 10,0
SAM +ANN + TOC 1 10,0
Dias de internação na U T I N 52,9 ± 83 (5 – 270)

* AIG: Adequado para a idade gestacional; PIG: Pequeno para a idade gestacional; GIG: Grande para a
idade gestacional; **DMH: Doença da Membrana Hialina; DBP: Displasia Bronco-pulmonar; SEP: Sepse;
INN = Infecção Neonatal; SAM: Síndrome da aspiração do mecônio; ANN: Anóxia; PNN: Pneumonia
Neonatal; TOC: Tocotraumatismo.
Quanto ao índice de Apgar, foi possível evidenciar que 80% dos RN estudados
nasceram gravemente deprimidos no primeiro minuto de vida, permanecendo nessa
situação no quinto minuto 60% dos RN. Já no 10º minuto, todos passam de deprimidos
graves para deprimidos moderados naquele momento, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Distribuição do índice de Apgar de 1º, 5º e 10º minuto.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 270


Quando ocorre a depressão neonatal (hipoxia), o tempo de privação de
oxigênio para o cérebro do RN é proporcional às conseqüências de curto, médio e longo
prazo. Assim, foi possível observar que das 10 crianças estudadas 100% delas apresentaram
alguma morbidade neonatal (efeito de curto prazo), embora nem toda a morbidade
apresentada resultasse da depressão neonatal, por exemplo a DMH, resultante da
prematuridade. Já 7 RN (70%) apresentaram diagnóstico de UTIN como sendo de anóxia
neonatal, sendo esse um número significativo de privação de oxigênio ao RN.
Os resultados de médio e longo prazo foram observados por meio das
entrevistas realizadas com as mães. Em relação ao encaminhamento e/ou orientação
oferecido às mães na alta hospitalar pela equipe médica do hospital, observou-se que 4
mães relataram ter recebido encaminhamentos, sendo todos à área da saúde, dentre eles:
fisioterapia, neurologia e fonoaudiologia. Ressalta-se que as outras 6 mães afirmaram ter
saído do hospital sem nenhuma orientação e/ou encaminhamento para seu filho/a.
Das 4 mães que receberam os encaminhamentos, apenas 1 procurou por
atendimento especializado na área da fisioterapia. É interessante relatar que apesar de 6
mães não terem recebido orientação e/ou encaminhamento após alta hospitalar, 2
buscaram voluntariamente por atendimento especializado e ambos na área de fisioterapia,
justificando que seus filhos apresentavam dificuldades motoras. Logo, apenas 3 crianças
no total receberam atendimento especializado antes dos 3 anos e 11 meses de idade.
As mães que foram orientadas na alta hospitalar, mas que não freqüentaram
atendimento especializado, justificaram nas suas falas a carência financeira para custeio
de deslocamento com as passagens até os atendimentos, dificuldade de conseguir vagas
para os atendimentos por esse ser do Sistema Único de Saúde e uma das mães relata que
não procurou atendimento por não considerar (ou compreender) que sua filha necessitasse
do mesmo.
Ressalta-se que, nas entrevistas, todas as mães afirmaram não possuir
conhecimento do trabalho de estimulação essencial realizado por profissionais da área
da Educação Especial, dizendo desconhecer esse atendimento e os lugares que oferecem
o mesmo, como por exemplo: o NEPES (Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em
Educação Especial), que se localiza no Centro de Educação da UFSM.
A entrevista possibilitou compreender as etapas evolutivas do
desenvolvimento de cada criança, nesse sentido constatou-se numa análise geral que dos
10 RN estudados, 7 apresentaram algum tipo de atraso em uma ou mais áreas do seu
DNP (desses 3 crianças tinham diagnóstico de paralisia cerebral6 nos prontuários do
HUSM), e apenas 3 não apresentaram até a data do presente estudo nenhum atraso
significativo.
As análises abrangeram todas as áreas do desenvolvimento (linguagem, sócio-
afetiva, motora), e em se tratando desse artigo foi feito um recorte para demonstrar a
analise da área motora, devido à maior precisão dos dados coletados. A Figura 2 demonstra
a distribuição individual das crianças estudadas quanto ao desenvolvimento motor.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 271


Figura 2 – Distribuição individual de recém-nascidos quanto ao desenvolvimento psicomotor

Os losangos unidos por linha indicam a seqüência do desenvolvimento normal


motor de acordo com Gesell & Amatruda (1990). Os círculos de cor vermelha, azul,
verde e laranja correspondem respectivamente a 4 crianças que não seguiram a seqüência
normal estipulada pelos autores, já os círculos em preto demonstram as 3 crianças que
seguiram a seqüência normal de desenvolvimento. Não foram expostos no gráfico os
dados de 3 crianças, pois os mesmos se mostraram inconsistentes devido a não recordação
das mães quanto ao desenvolvimento de seus filhos/as.

Conclusão

Constatar a realidade vivenciada pelos sujeitos estudados possibilitou, mesmo


que num grupo pequeno, a compreensão de uma rede de fatores que dificulta e influencia
direta e indiretamente na efetiva realização da estimulação essencial às crianças de risco
para problemas no DNP. A inquietude da problemática que envolve os objetivos da
pesquisa possibilitou a necessidade do enfrentamento de uma realidade pouco constatada
pela maioria das pessoas envolvidas neste contexto.
Esta pesquisa possibilitou que tanto os profissionais da área da educação
como os da saúde, visualizassem o desenvolvimento posterior de crianças que nascem
com intercorrências tão específicas e tão comentadas na literatura como o índice de
Apgar abaixo da média, pois após a alta hospitalar dificilmente a equipe médica tem
conhecimento de como essas crianças se desenvolveram. Mostrar essa realidade facilitou

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 272


a sensibilização dessas áreas para um olhar diferenciado às crianças que nascem de alto
risco.
Os dados constatados indicam um alerta significativo voltado ao atendimento
dos RNAR, demonstrando por meio dos resultados que a maioria das crianças (70%)
apresentou suspeita e/ou atraso no seu DNP, assim como apenas 30% delas receberam
atendimento especializado nos três primeiros anos de vida. O atendimento especializado
é primordial nesta etapa maturacional do desenvolvimento infantil, pois a estimulação
essencial incentiva e favorece os mecanismos de repercussão funcional do sistema nervoso,
prevenindo que problemas secundários se desenvolvam.
A partir dessas reflexões, surgiu o comprometimento institucional para além
da pesquisa, ao qual efetivamos uma parceria entre o Centro de Educação da UFSM
(Curso de Educação Especial) e o Centro de Ciências da Saúde da UFSM (Setor de
Obstetrícia do HUSM). Essa parceria envolvendo profissionais da educação especial,
bem como da obstetrícia, neonatologia e neuropediatria, deu-se por meio da criação de
uma disciplina complementar no Curso de Educação Especial, intitulada Estimulação
Essencial para recém-nascidos de risco, sendo ofertada por dois semestres e ministrada por
professores(as) convidados(as) de ambas as áreas mencionadas.
Esta interdisciplinaridade oportunizou a continuidade deste trabalho por meio
da construção de saberes e da (in)formação dos/as acadêmicos/as do Curso de Educação
Especial, promovendo uma conscientização quanto à necessidade de uma atenção voltada
aos RNAR.
Logo, conhecer esse público e engajar esforços para a criação de um ambiente
de participação ativa dos pais, juntamente com profissionais especializados, é o que
possibilitará a busca constante de alternativas que propiciem às crianças melhor qualidade
de vida no meio ainda excludente em que vivem.

Notas
1
Programa de Pós-Graduação - Universidade Federal de Santa Maria.

2
Departamento de Educação Especial - Universidade Federal de Santa Maria.

3
Departamento de Obstetrícia - Universidade Federal de Santa Maria.

4
Serão utilizados os símbolos < e e” para indicar respectivamente menor e maior e/ou igual.

5
A escolha do período selecionado teve como critério a fundamentação teórica do trabalho de Estimulação
Essencial, que preconiza os atendimentos a crianças nascidas de risco, entre 0 a 3 anos e 11 meses de idade.

6
Encefalopatia Crônica Não Progressiva da Infância (ECNPI) ou Paralisia Cerebral (PC) é uma seqüela de
uma agressão encefálica, que se caracteriza primordialmente por um transtorno persistente, porém não
invariável do tono, da postura e do movimento, que surge na primeira infância e que não é somente
secundária a esta lesão não evolutiva do encéfalo, mas se deve também à influência que a referida lesão exerce
sobre a maturação neurológica. (DIAMENT, 1998).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 273


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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 274


A UTILIZAÇÃO DA PRESSÃO POSITIVA EXPIRATÓRIA FINAL (PEEP)
EM RECÉM-NASCIDOS PREMATUROS PORTADORES DA SÍNDROME
DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO (SDR)

Marco Aurélio Sá Netto Costa1


Nayane Araújo Cardoso2

Introdução

No contexto hodierno, observa-se que há uma grande preocupação em


minimizar os problemas relacionados aos recém-nascidos (RNs) de alto risco, a fim de
melhorar os cuidados e diminuir a morbidade e mortalidade neonatais. Nutre-se também
um olhar específico quando a área da saúde, associada à educação, determina suas ações
quanto à prevenção em casos de recém-nascidos de risco, minimizando os fatores que
pré-determinam uma deficiência.
A adaptação, com sucesso, à respiração, no momento do nascimento, é o
auge de um processo regular de crescimento e diferenciação das células pulmonares,
levando a superfícies capilares e alveolares capazes de fornecer oxigênio e eliminar dióxido
de carbono. (AVERY et al., 1999).
Os recém-nascidos prematuros, por não alcançarem seu desenvolvimento
pulmonar, que compreende alterações distintas e diferenciações importantes para o
crescimento e maturidade pulmona, conseqüentemente apresentam afecções relacionadas
ao sistema respiratório, sendo a Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR) a mais
comum. De acordo com Avery et al. (1999), a SDR está associada ao nascimento
prematuro, em um momento em que funções bioquímicas (ex.: produção de surfactante)
e funções estruturais (ex.: elasticidade) do pulmão ainda estão subdesenvolvidas.
A SDR é o distúrbio respiratório mais freqüente dos recém-nascidos
prematuros, compreendendo um quadro clínico característico seguido de uma série de
eventos que podem, progressivamente, aumentar a gravidade da doença, por vários dias.
Para Kopelman (1998), a SDR é uma doença que se caracteriza por trazer
grande desconforto respiratório ao recém-nascido e que tem como agente primário a
deficiência do surfactante pulmonar. “O maior fator de risco para o desenvolvimento da
SDR é a idade gestacional menor do que 35 semanas”. (RUGOLO, 2000).
As medidas terapêuticas consistem em medidas de suporte geral, terapia de
reposição de surfactante exógeno e a assistência respiratória. Aplicado a essa, encontra-
se a pressão positiva expiratória final (PEEP), que é realidade para se recrutar e manter
os alvéolos abertos e assim otimizar a troca gasosa por combater os shunts pulmonares.
A PEEP é uma forma de aplicação de resistência à fase expiratória objetivando
a abertura das unidades pulmonares mal ventiladas, ou a manutenção das vias aéreas,
visando a melhorar a relação ventilação/perfusão, facilitando as trocas gasosas.

Objetivos

A pesquisa objetivou analisar os efeitos ventilatórios da pressão positiva

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 275


expiratória final (PEEP) em recém-nascidos prematuros, portadores da Síndrome do
Desconforto Respiratório (SDR), permitindo uma maior especificidade quanto a verificar
o uso da pressão expiratória final (PEEP) de modo comparativo em recém-nascidos
prematuros, portadores da Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR).
Como continuidade, o estudo pretendia, também, analisar as alterações da
FC e SatO2 com o uso de PEEP em RNPT portadores de SDR, bem como aprimorar os
conhecimentos, com base em observações vivenciadas, a fim de garantir uma investigação
consciente e coerente com a realidade em questão.
Assim, toda a proposta deste trabalho também priorizava, em seus objetivos,
oferecer ao campo de pesquisa conhecimentos básicos que possibilitassem a melhoria no
tratamento baseado na utilização de diferentes valores da pressão positiva expiratória
final (PEEP).

Metodologia

Foram estudados dez RNPT, nascidos com idade gestacional entre 25 e 32


semanas, de ambos os sexos, escolhidos aleatoriamente, no período de agosto a outubro
do corrente ano. Todos tinham diagnóstico clínico e radiológico de SDR. Os RNs que
participaram da pesquisa encontravam-se internados na UTI neonatal do Hospital e
Maternidade Marly Sarney (HMMS), de São Luís – MA.
Estes estavam sob ventilação mecânica, monitorizados por um oxímetro de
pulso (aparelho não invasivo utilizado para emitir a saturação arterial de oxigênio e a
freqüência cardíaca). Os neonatos submetidos ao estudo apresentavam dados clínicos
considerados apropriados para a aplicação da técnica, ou seja, encontravam-se
hemodinamicamente estáveis.
A permissão de um dos pais foi obtida e o termo de consentimento foi
assinado para participação do estudo. O protocolo para a pesquisa foi aprovado pelo
Comitê de Ética Médica do HMMS.
Para a coleta dos dados, foi utilizado como instrumento uma ficha de avaliação,
constituída pela identificação dos pais e RN, tipo de parto, IG, peso do nascimento e do
dia, dias de vida, histórico da gestação contendo informações sobre as condições maternas,
fetais e do trabalho de parto, além dos dados vitais do RN no pré e pós-teste (FR, FC,
SatO2), e aspectos gerais dos mesmos.
Parte dos RNs fizeram terapia com surfactante exógeno baseado no grau de
severidade da SDR e idade gestacional, em que foram excluídos do estudo os RNs com
SDR grave, pois a aplicação da técnica poderia repercutir com um quadro de instabilidade
hemodinâmica.
A pesquisa, quase experimental, consistiu na aplicação de PEEP igual a 8
cmH2O, durante 30 minutos em cada neonato estudado. A oximetria de pulso foi realizada
de modo contínuo, durante o tempo de aplicação do nível de PEEP avaliado. O respirador
é do tipo ciclado a tempo, limitado à pressão e de fluxo contínuo. Os parâmetros
ventilatórios iniciais não foram alterados (PIP, FR, Tins, FiO2).
A avaliação da utilização PEEP foi baseada na monitorização através do
oxímetro de pulso, sendo analisadas a freqüência cardíaca (FC) e saturação de oxigênio
(SatO2). O estudo deu-se através de uma análise estatística simples, cujos resultados

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 276


foram dados em porcentagem, demonstrados em forma de gráficos e tabelas.

Resultados

A presente pesquisa foi viabilizada através de uma revisão bibliográfica, bem


como um estudo específico do atendimento de forma a analisar as necessidades,
dificuldades e possibilidades no uso do valor de PEEP de 8 cmH2O, por um período de
30´ (trinta minutos), em pré-termos portadores da SDR.
A análise dos dados pesquisados foi feita a partir da tabulação das respostas
dos sujeitos. A pesquisa quase experimental baseou-se em uma análise estatística simples
com resultados diversificados.
Dos dez pacientes estudados com SDR, cinco eram do sexo masculino e
cinco do sexo feminino, em que a idade materna dentre os avaliados encontra-se entre 17
(dezessete) e 24 (vinte e quatro) anos, sendo 90% a primeira gestação e 40% de parto
múltiplo.

Tabela 1: Análise das variáveis do recém-nascido


Recém- Número de
Idade Materna Parto Múltiplo Sexo
nascidos Gestações
1º 23 anos 1ª Sim Feminino
2º 23 anos 1ª Sim Feminino
3º 19 anos 1ª Sim Masculino
4º 19 anos 1ª Sim Masculino
5º 24 anos 1ª Não Feminino
6º 24 anos 1ª Não Feminino
7º 17 anos 1ª Não Masculino
8º 21 anos 1ª Não Masculino
9º 17 anos 2ª Não Masculino
10º 20 anos 1ª Não Feminino

Gráfico 1: Análise da Idade Gestacional

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 277


A idade gestacional foi de 29 semanas, com uma variação de 25 a 32 semanas,
sendo que nenhum foi RNPT limítrofe; 20% destes foram RNPT moderados e 80%
foram RNPT externos.
O peso de nascimento variou de 870 a 2215 gramas, com uma média de
1268,5 gramas, em que 30% dos RNPT tinham um peso menor que 1000 gramas, 40%
tinham um peso menor que 1500 gramas e outros 30% um peso menor que 2500 gramas.

Gráfico 2: Análise do peso dos bebês

Em relação aos dias de vida de cada RNPT estudado, 40% encontravam-se


no terceiro dia de vida, 40% no quarto dia de vida, 10% no segundo dia de vida e 10%
com quinze horas de vida.

Gráfico 3: Análise dos dias de vida

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 278


Dentre as crianças acompanhadas, 70% das mães fizeram pré-natal e 30%
não o realizaram.

Gráfico 4: Análise do pré-natal


Entre as crianças estudadas, 70% tiveram parto normal e 30% parto cesariana.

Gráfico 5: Análise do tipo de parto

Com o aumento da PEEP para 8 cm de H2O, 40% dos RNs tiveram um


aumento da saturação de oxigênio, outros 40% apresentaram uma diminuição na saturação
de oxigênio e 20% permaneceram inalterados. Em relação à freqüência cardíaca, 50%
apresentaram uma diminuição, 40% um aumento e 10% não apresentaram alteração.
PRÉ-TESTE PÓS-TESTE
Recém- Saturação de Freqüência Saturação de Freqüência
nascidos oxigênio cardíaca oxigênio cardíaca
1º 96% 115 bpm 93% 128 bpm
2º 93% 160 bpm 96% 154 bpm
3º 97% 162 bpm 93% 129 bpm
4º 97% 112 bpm 98% 130 bpm
5º 94% 123 bpm 98% 122 bpm
6º 94% 135 bpm 96% 135 bpm
7º 97% 131 bpm 97% 138 bpm
8º 98% 153 bpm 86% 87 bpm
9º 98% 153 bpm 97% 120 bpm
10º 98% 86 bpm 89% 132 bpm

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 279


Discussão

O aumento da sobrevida dos RNs com SDR pode ser atribuída, em grande
parte, aos avanços do suporte ventilatório, utilizando estrategicamente a maximização
com o mínimo de exposição ao oxigênio, por meio da otimização da CRF e da ventilação
alveolar. A PEEP é largamente utilizada para estabilizar a CRF, melhorar a complacência
e diminuir o desequilíbrio na relação ventilação/perfusão.
Segundo Field, Milner e Hopkin (1985), a PEEP tem sido um padrão
tecnológico usado para aumentar a oxigenação de crianças dependentes da ventilação,
desde que Herman & Reynolds descreveram os efeitos benéficos em neonatos com SDR
idiopático. Afirmam ainda, que o uso da PEEP também tem se mostrado eficiente na
elevação da PaO2 para um dado aumento da pressão nas vias aéreas.
Os citados autores estudaram vinte e dois bebês, sendo quinze portadores
de SDR e sete acometidos por apnéia da prematuridade, avaliando os efeitos da PEEP
nas crianças pré-termo durante a ventilação mecânica; concluíram que a PEEP se mostra
uma proveitosa manobra ventilatória, usualmente produzindo uma elevação na PaO2.
Porém, sua eficiência está limitada desde que o bebê seja ventilado, em parte, com uma
menor complacência para a curva pressão-volume.
A queda da complacência reflete um aumento da rigidez dos alvéolos
altamente distendidos. Por outro lado, o aumento na PaO2 pode indicar uma simultânea
ocorrência de recrutamento de espaços aéreos associados a hiperinsulflação de alvéolos
previamente abertos.
Philips III et al. (1980), estudando vinte e quatro RNs com SDR e seis sem
SDR, sob ventilação mecânica com o objetivo de determinar o efeito da PEEP na
complacência dinâmica, também concluíram que se o VC cair devido ao aumento da
PEEP, o Vmin também cairá e, assim, ocorrerá mais distensão alveolar e aumento na
pressão intratorácica, levando a retenção de CO2, ruptura alveolar e/ou diminuição do
DC.
No estudo realizado por Bartholomew et al, (1994), afirma-se que, com o
uso da PEEP de 8 cmH2O em RNPT portadores da SDR, foi observado, no presente
estudo, uma variação nos resultados referentes à SatO2, isto é, um aumento na oxigenação
de parte dos pacientes e uma diminuição da mesma, ocorrendo, também, uma variação
quanto à FC. Dados estes mensurados pela oximetria de pulso que, segundo Piva et al.
(1999), tem como vantagens a não-invasividade, simples de aplicação e a rapidez de sua
resposta às alterações na oxigenação.
Pelos dados obtidos no presente estudo, a saturação de oxigênio aumentou
em 40% nos pacientes estudados, 40% tiveram uma diminuição e 20% não sofreram
alterações. Quanto à freqüência cardíaca, foi observado um aumento em 50% dos
pacientes: 40% apresentaram uma diminuição e 10% permaneceram inalterados.
Evidenciou-se, pois, que o uso da PEEP com valor apropriado para as
condições clínicas apresentadas repercutirá em bons resultados, prevenindo, desta forma,
o colapso alveolar, mantendo um volume no final da expiração e melhorando a relação
V/Q, aumentando, assim, a PaO2. Caso contrário, implicará no comprometimento da
oxigenação e/ou hemodinâmica do paciente em questão.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 280


Conclusão

Com base na pesquisa realizada com dez RNPT, com idade gestacional entre
25 e 32 semanas, de ambos os sexos, contendo diagnóstico clínico e radiológico de SDR,
internados na UTI neonatal do HMMS, sob ventilação pulmonar mecânica, monitorizados
através de oxímetro de pulso, foram submetidos à terapia invasiva com PEEP de 8 cmH2O,
apresentando condições hemodinâmicas estáveis.
Evidenciou-se que o valor estabelecido para a PEEP não mostrou alterações
significativas quanto ao aumento ou diminuição da SatO2 e FC, na qual as condições
apresentadas por cada RNPT, quanto à imaturidade pulmonar e ao grau de severidade da
SDR, mostraram dados importantíssimos, tornando-se, assim, indispensável o estudo
mais aprofundado e rico em detalhes, melhorando a qualidade de atendimento aos RNPT.
Sugerem-se avaliações mais específicas, com outros parâmetros referentes à
mecânica ventilatória, como PIP, Tinsp, CRF e complacência, na tentativa de se obter
maiores resultados acerca da realidade analisada ao longo da pesquisa proposta.

Notas
1
Fisioterapeuta e Especialista em Reabilitação do Sistema Músculo Esquelético pela Faculdade Santa Terezinha
– CEST.

2
Fisioterapeuta pela Faculdade Santa Terezinha – CEST.

Referências bibliográficas

AVERY, G. B. et al. Fisioterapia e tratamento do recém-nascido. 4. ed. Rio de Janeiro: MEDSI,


1999. p. 431-440.

BARTHOLOMEW K. M. et al. To PEEP or not to PEEP? Arch Dis Child, 1994. p. 209-
12.

FIELD, D., MILNER A. D. & HOPKIN I. E. Effects of positive end-expiratory pressure


during ventilation of the preterm infant. Arch Dis Child, 1985; 60: 843-7.

KOPELMAN, Benjamin et al. Distúrbios respiratórios no neonatal. São Paulo: Atheneu,


1998.

PHILIPS III et al. Effect of positive end-expiratory pressure on dynamic respiratory


compliance in neonates. Biol Neonate, 38, p. 270-275, 1980.

PIVA, J. P. & FILHO, J. P. D. Métodos de ventilação mecânica no paciente pediátrico.


Relatório do Segundo Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica, p. 11-12, 1999.

RUGOLO, L. M. S. Manual de neonatologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 281


UM ESTUDO DE ACOMPANHAMENTO DE PRÉ-ESCOLARES QUE
APRESENTAM COMPORTAMENTOS AGRESSIVOS1

Juliana da Rocha Picado2


Tânia Maria Santana de Rose3

Introdução

Nas últimas décadas, mostra-se crescente a preocupação dos professores em


relação às manifestações de agressividade e violência apresentadas por alunos de diferentes
níveis de ensino. (LÓPEZ, 2004; GOMIDE, 2001). Verifica-se um reconhecimento entre
os professores acerca das dificuldades em lidarem de forma efetiva com as condutas
agressivas e violentas dos alunos. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2003; PICADO &
DE ROSE, 2006).
Nas escolas, tornam-se cada vez mais freqüentes as queixas relativas aos
comportamentos anti-sociais, comportamentos agressivos, atitudes desafiadoras,
desobediência, hiperatividade, falta de concentração nas tarefas, falta de auto-regulação
dos alunos na sala de aula. No contexto educacional, o encaminhamento dessa
problemática implica em medidas preventivas e remediativas a serem conduzidas,
principalmente, sob a responsabilidade dos professores. (LUIZZI & DE ROSE, 2006).
Os estudos sobre o desenvolvimento de comportamentos agressivos mostram
a importância de distinguir entre manifestações agressivas transitórias e as manifestações
estáveis. Alunos de idades diversas, ocasionalmente, recorrem a comportamentos
agressivos para resolver conflitos interpessoais e enfrentar situações estressantes. No
entanto, alguns alunos, desde a pré-escola, apresentam condutas agressivas (como raiva,
irritabilidade, comportamentos desafiadores, de birra, insultos, ameaças, condutas
violentas, dentre outras) de forma consistente e intensa. (COIE & DODGE, 1998).
Esse tipo de agressividade implica, em geral, no aparecimento de sérias dificuldades de
relacionamento entre os alunos e seus pais, colegas e professores.
Os avanços teóricos e empíricos têm possibilitado um melhor entendimento
da trajetória de desenvolvimento do comportamento agressivo, compreensão das origens
e evolução da agressão. (COIE & DODGE, 1998; PATTERSON, DE BARYSHE &
RAMSEY, 1989; PATTERSON, REID & DISHION, 2002). Os estudos evidenciam
uma relação positiva entre agressão na infância e comprometimento do ajustamento social
nos períodos posteriores da vida, incluindo violência e delinqüência na idade adulta.
(COIE & DODGE, 1998; PATTERSON, DE BARYSHE & RAMSEY, 1989;
PATTERSON, REID & DISHION, 2002).
Os comportamentos agressivos tendem a persistir ao longo do tempo. Os
estudos longitudinais descrevem modificações e alterações nas formas de agressão, desde
a mais tenra infância até a adolescência, sendo intensificadas as mentiras, brigas, lutas na
infância, crueldade com os animais, vandalismo e comportamentos criminosos na
adolescência (PATTERSON, DE BARYSHE & RAMSEY 1989; PATTERSON, REID
& DISHION, 2002; MARINHO, 2003).
As pesquisas têm demonstrado que alunos que apresentam altos índices de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 282


comportamentos agressivos têm alta probabilidade de um ajustamento escolar
comprometido. Esses alunos apresentam maior possibilidade de obter resultados
acadêmicos insatisfatórios, ser rejeitados pelos colegas e professores, de desistir da escola
e ser indicados para os serviços de educação especial e de saúde mental. (PIANTA &
WALSH, 1996; PICADO & DE ROSE, 2006).
Várias implicações para o trabalho dos professores da Educação Infantil
decorrem da evidência de que uma parcela das crianças muito pequenas que apresentam
agressão intensa, desviante e exagerada terem chances de permanecer com problemas na
idade escolar. Entre elas destaca-se a necessidade de identificação o mais cedo possível
de alunos que apresentam altos índices de agressão, bem como a necessidade da escola
investir esforços com o objetivo de alterar a trajetória de risco psicossocial.
Os estudos sobre intervenções em contextos escolares dirigidas para a
prevenção e remediação de problemas de comportamentos reforçam a importância da
identificação o mais cedo possível de alunos com comportamentos agressivos em alta
freqüência, bem como do acompanhamento da evolução de alunos que apresentam tais
características comportamentais. A literatura demonstra que as intervenções realizadas
junto às crianças pré-escolares no contexto da Educação Infantil apresentam resultados
mais positivos do que aquelas desenvolvidas com crianças no Ensino Fundamental.
(TREMBLAY, 2000; LUIZZI & DE ROSE, 2006).
Dada a importância do acompanhamento de pré-escolares agressivos,
pretendeu-se no presente estudo dar continuidade ao estudo de Luizzi & de Rose (2003),
que envolveu identificação de pré-escolares que apresentavam altos índices de
comportamentos agressivos. Foram indicados pelos professores 55 alunos com idades
entre 4 e 6 anos por apresentarem alta freqüência e intensidade de comportamentos
agressivos. Esses alunos estavam distribuídos em 19 escolas municipais de Educação
Infantil de uma cidade do interior de São Paulo.

Objetivos

O presente estudo teve como objetivos: 1) Verificar a apresentação de


comportamentos entre os alunos indicados no estudo de Luizzi & de Rose (2003) que
ainda se encontravam em escolas de Educação após um período de dois anos; 2) Descrever
suas características comportamentais, acadêmicas e sociais apresentadas ao final do período
de Educação Infantil.

Metodologia

Participaram do estudo 11 alunos de oito Escolas Municipais de Ensino


Infantil (EMEI) da rede pública de uma cidade de médio porte do interior de São Paulo.
Nove alunos eram do sexo masculino e dois do sexo feminino e as idades variavam entre
6 e 7 anos e 3 meses.
Dois anos antes, quando tinham idades entre 4 e 5 anos e três meses, eles
foram sujeitos do estudo de Luizzi & de Rose (2003).
Os dados foram fornecidos pelos professores dos alunos ao longo de 3
encontros individuais com duração de 45 minutos. Os professores responderam aos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 283


seguintes instrumentos: Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência –
versão do professor - Teacher’s Report Form – TRF (ACHENBACH, 1991), traduzido
por Luizzi & de Rose (2003), e A Entrevista sobre Desempenho Acadêmico e Adaptação
Escolar, elaborada por Coser, Togumi & de Rose (2004).
O TRF contém uma primeira parte composta por questões relativas à
identificação da criança e dados sobre o desempenho escolar do aluno. A segunda parte
é constituída por 113 itens relativos à avaliação de oito categorias de problemas de
comportamento: Introversão/ Retraimento; Queixas Somáticas; Ansiedade/ Depressão;
Problemas sociais; Problemas de pensamento; Problemas de Atenção; Comportamento
de violação de regras; e Comportamento Agressivo. Cada escala é formada por em média
13 itens, sendo cada um dos itens classificado pelo professor de acordo com uma escala
que varia de 0 a 2 pontos: recebem 0 aqueles itens considerados falsos, 1 aqueles
relativamente verdadeiros e 2 os verdadeiros.
Para a análise dos pontos do TRF, foi utilizada a versão eletrônica chamada
ADM (Assessment Data Manager), que possibilita a conversão do total de pontos brutos
em escores T, baseados na freqüência dos itens do TRF na população norte americana.
Os escores T indicam se o escore bruto encontrado está desviado do normal. Os pontos
de corte em escores T determinam as categorias não clínica, limítrofe e clínica para cada
uma das oito escalas.
Para cada escala individual, totais inferiores a 67 pontos indicam ausência
de problemas, totais entre 67 e 70 pontos recebem classificações limítrofe, totais superiores
a 70 pontos recebem classificações clínicas.
A Entrevista sobre Desempenho Acadêmico e Adaptação Escolar tem uma
estrutura semi-estruturada com um roteiro elaborado para garantir informações sobre as
percepção dos professores a respeito dos seguintes tópicos: desempenho dos alunos em
atividades de leitura e escrita, qualidade do relacionamento do aluno com seus colegas e
professor, motivação para engajamento nas atividades de sala de aula , autonomia para
realização das atividades e problemas de comportamento em sala de aula. Foi feita uma
análise das respostas dadas pelas professoras em função dos temas de interesse.

Resultados

Na Tabela 1, são apresentados os resultados relativos às indicações de queixas


feitas pelas professoras e às classificações limítrofe e clínica para as 8 categorias de
problemas obtidos pelos alunos.
Os resultados mostram que os alunos 1 e 5 não receberam indicação de
queixa por parte das professoras. Para os alunos 2, 4, 5, 6, 8, 9 e 11, a agressividade foi a
principal queixa indicada. Para o aluno 3, a hiperatividade foi a queixa apresentada. Para
os alunos 7 e 10, as indicações feitas foram de baixa auto-estima e insegurança.
Os alunos 1, 2, 3 e 9 receberam classificação não clínica para as oito
categorias de comportamentos avaliados pelo TRF. Segundo as professoras, estes quatro
alunos apresentavam-se com uma adaptação escolar satisfatória na pré-escola. Os alunos
2 e 3 não eram alvos de queixas de colegas. Os alunos 1 e 9 procediam de forma a
provocarem freqüentes queixas por parte dos colegas .
Os demais alunos obtiveram as classificações limítrofe e/ou clínica para uma

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 284


a quatro das oito categorias de problemas de comportamentos avaliadas.
Três alunos apresentaram classificação limítrofe ou clínica para uma categoria
de problema de comportamento. Os alunos 6 e 8 obtiveram classificação limítrofe para o
comportamento agressivo, enquanto o aluno 10 obteve classificação clínica para a categoria
problema social.

Tabela 1- Queixas feitas pelas Professoras e as Classificações limítrofe e clínica segundo TRF.
Sujeito Queixas comportamentais Classificações de problemas de Classificações de problemas de
feitas pelas professoras comportamento segundo TRF comportamento segundo TRF
Limítrofe Clinico

2 Agressividade

3 Hiperatividade

4 Agressividade Compto. Agressivo, Violação de


regras, Probl. Pensamento

5 Introversão/ Retraimento Compto. Agressivo

6 Agressividade Comportamento agressivo

7 Baixa auto-estima/ Insegurança Ansiedade /Depressão Problema


social

8 Agressividade Comportamento agressivo

9 Agressividade

10 Agressividade/ Baixa auto- Problema social


estima/ Insegurança

11 Agressividade Problema social Problema de atenção / Violação de


regras / Compto. Agressivo

O aluno 5 obteve classificação limítrofe para a categoria introversão/


retraimento e classificação clínica para a categoria comportamento agressivo. O aluno 7
alcançou classificação clínica para as categorias ansiedade/depressão e problema social.
O aluno 4 obteve classificação clínica para as categorias comportamento agressivo,
violação de regras e problemas de pensamento. O aluno 11 obteve classificação limítrofe
para problemas sociais e classificação clínica para as categorias de comportamento
agressivo, violação de regras e problemas de atenção.
Os cinco alunos que obtiveram classificações clínicas e limítrofes para a
categoria de comportamentos agressivos, segundo os seus professores, apresentavam
graus variados de adaptação na escola. Os alunos 5 e 8 tiveram o desempenho acadêmico,
motivação e independência avaliados como satisfatórios; os alunos 4 e 6 apresentaram
esses requisitos de maneira regular. O aluno 11 obteve uma apreciação da adaptação
escolar insatisfatória. Quanto aos relacionamentos com os colegas, esses alunos, segundo
seus professores, foram alvos freqüentes de queixas dos colegas, indicando dificuldades
nas relações interpessoais.
Os alunos 7 e 10 foram avaliados como tendo dificuldades de desempenho
acadêmico, na motivação e na independência. O aluno 7 não recebe queixas dos colegas,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 285


o aluno 10 apresenta dificuldades de relacionamento com os colegas.
Os resultados do presente estudo mostram que, dos alunos indicados no
estudo de Luizzi & de Rose (2003) devido à agressividade, entre aqueles que estavam no
final da Educação Infantil, 36,3% não apresentavam nenhum problema comportamental,
27,2% e 45,4 % obtiveram, respectivamente, classificações limítrofes e clínicas para as
diferentes categorias de problemas de comportamento.

Conclusões

Os resultados evidenciam que, ao final do período de Educação Infantil,


uma parcela significativa dos alunos continuaram apresentando a alta freqüência de
comportamentos agressivos acima dos padrões considerados normais. Destacam que uma
parcela desses alunos apresentam também outros tipos de problemas de comportamentos
tais como introversão / retraimento, problemas sociais, de pensamento, de atenção e
comportamentos de violação de regras com intensidades acima dos padrões normais.
Os achados da presente pesquisa corroboram as indicações da literatura
quanto à estabilidade e a intensificação dos comportamentos agressivos manifestados na
primeira infância até a adolescência. (COIE & DODGE, 1998; PATTERSON, DE
BARYSHE & RAMSEY, 1989; PATTERSON, REID & DISHON, 2002).
Os resultados do acompanhamento do grupo de alunos após um período de
dois anos indicam que a maioria dos alunos encontra-se na etapa de desenvolvimento de
comportamentos desviantes caracterizada por Patterson, de Baryshe & Ramsey (1989)
pela alta emissão e intensidade de comportamentos agressivos no contexto escolar,
comprometimento do relacionamento com colegas e professores e baixo aproveitamento
acadêmico. Frente às dificuldades comportamentais e às dificuldades adaptativas dos
alunos, delineia-se um quadro preocupante devido à alta probabilidade de permanência
de tais dificuldades, a situação de vulnerabilidade e risco psicossocial a que os alunos
estão expostos.
A literatura aponta que crianças com comportamentos agressivos apresentam
dificuldades de adaptação escolar por não estarem preparadas para atender às exigências
acadêmicas e às as exigências sociais do contexto escolar. (COIE & DODGE, 1998).
Além disso, estudos constatam que mesmo quando as crianças agressivas se comportam
de forma pró-social, seus colegas tendem a não responder favoravelmente, devido a uma
reputação já estabelecida. (LEARY & KATZ, 2005). Alguns dos relatos de professoras
participantes da presente pesquisa evidenciaram a existência dessa reputação pré-
estabelecida. Possivelmente, comportamentos socialmente adequados das crianças
estudadas podem ser também percebidos de forma desfavorável pela professora e colegas.
Leary & Katz (2005) destacam que as crianças agressivas mais propensas a
serem afetadas por um estresse social divertem-se menos, exibem menos comportamentos
pró-sociais e são menos hábeis para manter interações cooperativas e harmoniosas com
um melhor amigo, além de apresentarem menos habilidades sociais relacionadas à
negociação do que crianças não agressivas.
A situação de crianças que apresentam problemas de comportamento pode
ser examinada à luz da tendência educacional da inclusão escolar e da manutenção dos
alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular. Os resultados do estudo

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 286


ressaltam a necessidade de que desde a Educação Infantil sejam criadas condições para
que alunos com demandas diferenciadas, tais como crianças que apresentam problemas
de comportamentos externalizantes, tenham maximizadas suas oportunidades de apoio
acadêmico e de apoio sócio-emocional.
O presente estudo contribui para destacar a importância da identificação
precoce e o acompanhamento de alunos com problemas de comportamento, tendo em
vista a proposição e implementação de intervenções preventivas e remediativas. Mostra
a necessidade de pesquisas que examinem os efeitos de intervenções globais envolvendo
a família, a escola e a própria criança, bem como os efeitos de intervenções centradas na
escola e conduzidas pelos professores.
A literatura fornece subsídios relevantes para o planejamento de intervenções
no contexto escolar que proporcionem as condições necessárias para garantir a redução
de comportamentos agressivos em crianças pequenas e alterar a trajetória de
desenvolvimento da agressividade. Em geral, os estudos sobre intervenções bem sucedidas
dirigidas para a prevenção de problemas de comportamento junto a alunos pré-escolares
envolvem um refinado processo de capacitação dos professores. (LUIZZI & DE ROSE,
2006).

Notas
1
Trabalho derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, sob orientação da Prof. Dra. Tânia Maria
Santana de Rose, do Programa de Pós Graduação em Educação Especial, da Universidade Federal de São
Carlos.

2
Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (2001) e especialização em psicoterapia e
psicopedagogia comportamental infantil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Educação
Especial (Educação do Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos (2006). Experiência na
área de Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: psicoterapia, psicopedagogia, educação
infantil, manejo do comportamento agressivo.

3
Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1976), especialização em Análise
e Programação de Condições de Ensino pela Universidade Federal de São Carlos (1979), mestrado em
Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em Psicologia
(Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1995). Atualmente é Professor Associado I da
Universidade Federal de São Carlos. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do
Desenvolvimento Humano. Atua principalmente nos seguintes temas: compreensão de leitura, formação
de professores.

Referências bibliográficas

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Burlington: University of Vermont, Departament of Psychatry, USA, 1991.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 289


PARTE V

FAMILIARES DE CRIANÇAS
COM NECESSIDADES ESPECIAIS:
Questões variadas
ESTUDO COMPARATIVO DE RECURSOS NO AMBIENTE
FAMILIAR DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA E DE
CRIANÇAS COM FRACASSO ESCOLAR

Renata Christian de Oliveira Pamplin1


Cláudia Maria Simões Martinez2

Introdução

O presente estudo é baseado nos aportes téoricos advindos do Modelo


Bioecológico proposto por Bronfenbrenner (1999), que defende que as interações do indivíduo
em desenvolvimento com seu meio (outras pessoas, objetos, signos) não são apenas
dependentes do ambiente, mas, sim, da relação entre as características da pessoa e o
ambiente, o que inspira relações mais dinâmicas e interativas. Dessa forma, a pessoa em
desenvolvimento passa a ser concebida como um agente ativo que contribui para seu
próprio desenvolvimento. (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998). Nesse modelo,
é proposto que o desenvolvimento humano seja interpretado a partir da interação de
quatro núcleos principais, sendo eles: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo.
(BRONFENBRENNER, 1992, 1999; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998).
De acordo com Bronfenbrenner & Morris (1998), o processo é o principal
mecanismo responsável pelo desenvolvimento que se dá por meio de processos de
interação recíproca progressivamente mais complexos, envolvendo um organismo humano
biopsicologicamente em evolução e as pessoas, objetos e símbolos do ambiente imediato.
Para ser efetiva, a interação deve ocorrer em uma base regular por um período estendido
de tempo. Tais formas duradouras de interação no ambiente imediato são conhecidas
como processos proximais, por meio dos quais os potenciais genéticos do efetivo
funcionamento psicológico são atualizados (BRONFENBRENNER & CECI, 1994).
O segundo núcleo da perspectiva bioecológica é a pessoa, que é analisada por
meio de suas características determinadas biopsicologicamente e aquelas construídas na
sua interação com o meio. (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998). O terceiro núcleo
da abordagem bioecológica é o contexto, que de acordo com BRONFENBRENNER
(1996), compreende quatro níveis ambientais: o microssistema, o mesossistema, o
exossistema e o macrossistema. O tempo é o quarto e último componente do modelo
bioecológico e, de acordo com BRONFENBRENNER (1986), permite examinar a
influência que as mudanças e continuidades que ocorrem ao longo do ciclo vital exercem
no desenvolvimento humano.
No processo de desenvolvimento infantil, o destaque é dado às condições
dos contextos de desenvolvimento, especialmente, o familiar e o escolar. Martins et al.
(2004) apontam, na literatura, a existência de uma constante associação entre a qualidade
do ambiente e o desenvolvimento psicológico das crianças, além da importância da
identificação de fatores de risco biológicos e sociais. Fatores como o baixo peso ao nascer,
a prematuridade, a desnutrição infantil, a baixa renda familiar, a baixa escolaridade dos
pais, famílias monoparentais, ausência do pai, depressão materna, problemas psiquiátricos

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 292


dos pais e famílias extensas, são considerados de risco ligados à qualidade do ambiente e
ao desenvolvimento psicológico de crianças. (BASTOS et al., 1999; HOUSTON &
GRIFFITHS; 2000; MANCINI et al., 2004).
Nesse sentido, muitos estudos apontam para a importância de se conhecerem
características do ambiente familiar de crianças com NEE – Necessidades Educacionais
Especiais – na busca pelo estabelecimento de uma parceria efetiva entre o contexto
familiar e escolar, objetivando o estabelecimento de apoio e trocas mútuas entre ambos
os ambientes, visando a amplificar o potencial desenvolvimental e de aprendizagem dessas
crianças. (DIAS, 1996; PEREIRA, 1996; GRIFFITH, 1998; PARREIRA &
MARTURANO, 1999; PARO, 2000; MANZANO, 2001; BHERING & NEZ, 2002;
SIGOLO, 2002; GARGIULO, 2003; MUNHOZ, 2003). Bronfenbrenner (1986) defende
que eventos ocorridos na casa podem afetar o progresso da criança na escola.
Concebendo a importante influência da qualidade do ambiente no
desenvolvimento psicosocial infantil, o conhecimento de características do ambiente
familiar de crianças com NEE tem sido objeto de algumas pesquisas (PEREIRA, 1996;
SANTOS, 1999; FERREIRA, 2000; FERREIRA & MARTURANO, 2001; POLITY,
2001; MUNHOZ, 2003) que têm como meta a intervenção no ambiente familiar e a
busca por uma maior adequação dos recursos deste às necessidades de seus membros.
Levando-se em consideração a multiplicidade de fatores que recaem sobre o
desenvolvimento infantil, e diante da importância de se conhecer características do
ambiente familiar de crianças com dificuldades de aprendizagem, foi realizado o presente
estudo, que tem por objetivo conhecer os “recursos” e comparar os recursos presentes no
ambiente familiar de crianças com NEE (crianças com Deficiência e crianças com Fracasso
Escolar3), que freqüentam Salas Municipais de Recurso de uma cidade de porte médio,
do interior do Estado de São Paulo. A análise comparativa entre as NEE foi realizada
considerando a hipótese de haver diferenças importantes no perfil da clientela, que podem
ser desconsideradas com a adoção indiscriminada do termo no critério pedagógico para a
oferta de recursos no âmbito das políticas públicas, podendo resultar em dificuldades no
planejamento educacional dessas crianças.

Método

Comitê de ética

O presente projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de


Ética da Universidade Federal de São Carlos.

Sujeitos

Participaram do estudo 61 familiares por alunos com NEE, sendo 33


responsáveis por crianças que estavam matriculadas em Salas de Recurso para deficiência4
e 28 responsáveis por crianças que frequentavam as Salas de Recurso para fracasso escolar.
A idade das crianças compreendia a faixa etária de 7 a 12 anos.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 293


Local

A coleta de dados foi realizada em uma cidade do interior do estado de São


Paulo, nas escolas municipais onde os alunos freqüentavam as Salas de Recurso.

Procedimento

Após autorização prévia da Secretaria Municipal de Educação, foi feito


contato com a direção das escolas para o agendamento de reuniões com os responsáveis
pelos alunos da Sala de Recurso para Fracasso Escolar e para Deficiência. Nessa ocasião,
era apresentada a proposta da pesquisa, e diante do interesse dos participantes, solicitava-
se que esses assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após essa etapa,
a coleta de dados era individualmente realizada com cada um dos participantes em sessões
dialogadas com duração média de 30 minutos, nas respectivas escolas das crianças.

Instrumento

Os dados referentes aos “recursos” presentes no contexto familiar foram


coletados por meio da aplicação do Inventário de Recursos do Ambiente Familiar (RAF),
desenvolvido por Marturano (1999). O instrumento é composto por 13 tópicos distribuído
em três módulos, sendo eles: 1) Supervisão dos pais (constituído por tópicos referentes às
Atividades da criança quando não está na escola, Ajuda e responsabilidade em tarefas
domésticas, Arranjo espaço-temporal para a lição de casa, Supervisão para a escola e
Atividades diárias com horário definido), 2) Oportunidades de interação com os pais (constituído
por tópicos referentes à Passeios proporcionados, Atividades compartilhadas entre a
criança e os pais no lar, Ocasiões em que a família está reunida e Pessoas a quem a
criança recorre para pedir ajuda ou conselho) e 3) Presença de recursos no ambiente físico:
constituído por tópicos referentes à Atividades programadas que a criança realiza
regularmente, Disponibilidade de jornais e revistas, Disponibilidade de livros e Oferta
de brinquedos e outros materiais promotores do desenvolvimento.

Análise de dados

Para análise dos dados, efetuou-se a estatística descritiva das questões dos
módulos componentes do RAF apontando os valores máximos, mínimos, médios, desvio-
padrão e freqüência relativa dos dados sócio-demográficos.

Resultados

A Tabela I apresenta a análise descritiva dos recursos presentes no ambiente


familiar das crianças com Deficiência e das crianças com Fracasso Escolar, segundo o
relato dos participantes nos três módulos do RAF.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 294


TABELA I - Valores máximos, mínimos, médios, desvio padrão dos escores obtidos e análise estatística das
questões dos módulos do RAF.
Deficiência Fracasso Escolar
Módulo Questão Amplitude Média ± Amplitude Média ± D.P.
D.P.
1. O que a criança faz 1,67−8,33 4,29±2,00 1,67 – 8,33 4,23±2,24
quando não está na escola
Supervisão dos 2. Ajuda em tarefas 1,21±1,32 1,80±1,49
0,00−4,08 0,00−4,08
pais domésticas
9. Alguém em casa 2,22−10,00 5,24±1,56 3,33−7,22 5,62±1,24
acompanha a criança nos
afazeres da escola
10. Seu filho tem hora certa 1,25−10,00 6,53±2,17 1,88−10,00 5,92±2,30
para...
12. Seu filho faz a lição de 0,00−6,67 3,03±2,41 0,00−6,67 4,05±2,78
casa....
3. Quais passeios a criança 0,00 – 7,89 2,78±2,07 0,00 – 3,68 1,64±0,94
realizou nos últimos 12
Oportunidades de meses
interação com os 5. Quais as atividades que 0,91 – 8,18 5,62±1,95 1,82 – 9,09 6,01±1,97
pais os pais desenvolvem com a
criança
11. Sua família costuma 1,67 – 10,0 6,26±2,21 0,83 – 9,17 5,00±2,25
estar reunida...
13. Quando tem algum 0,00 - 10,0 7,76±2,91 0,00 – 10,0 7,57±3,02
problema a quem seu filho
recorre
4. Atividades programadas 0,00 – 3,33 1,35±1,07 0,00 – 2,22 0,56±0,71
que a criança realiza
Presença de regularmente
recursos no 6. Quais os brinquedos que 1,58 – 9,47 6,06±1,79 0,53 – 8,42 4,44±2,06
ambiente físico a criança tem ou já teve
7. Há jornais e revistas em 0,00 – 6,25 1,82±1,85 0,00 – 5,00 0,94±1,51
sua casa
8. Há livros em sua casa 0,00 – 8,75 4,13±2,13 0,00 – 8,75 3,35±2,07

De acordo com a Tabela I, no módulo Supervisão e organização das rotinas,


a questão referente à atividades diárias com horário definido (questão 10) apresentou a maior
amplitude e maior escore médio para crianças com Deficiência e com Fracasso Escolar,
com valores médios iguais à 8,8 e 6,2, respectivamente, enquanto a questão referente à
ajuda e responsabilidade em tarefas domésticas (questão 2), obteve a menor amplitude e o
menor escore médio com valores médios iguais à 1,21 para crianças com Deficiência e
1,8 para crianças com Fracasso Escolar.
No segundo módulo, que abordou as Oportunidades de Interação com os
Pais, a questão que se refere à pessoas a quem a criança recorre para pedir ajuda ou conselho
(questão 13) obteve a maior amplitude e maior valor médio do escore, com valores iguais
à 10 e 7,7 para crianças com Deficiência e valores iguais à 10 e 7,6 para crianças com
Fracasso Escolar (Tabela I). Em contrapartida, Passeios proporcionados em um período de 12
meses (questão 03) obteve a menor amplitude e menor valor médio do escore para ambos
os grupos com valores médios iguais à 2,8 e 1,6.
No último módulo do RAF, que investigou – Presença de Recursos no
Ambiente Familiar – os valores médios variaram de 1,35 à 6,06 para crianças com
Deficiência e de 0,56 à 4,44 para crianças com Fracasso Escolar, sendo que a questão
referente as atividades que a criança realiza regularmente (questão 4) obteve o menor valor

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 295


médio e oferta de brinquedos e outros materiais promotores de desenvolvimento (questão 6) obteve
o maior valor médio para os dois grupos estudados (Tabela I).

Discussão

No presente estudo, os resultados obtidos com o RAF possibilitaram notar


que as crianças com Deficiência possuem um ambiente familiar mais rico em recursos
(livros, brinquedos, eletrodomésticos, etc), mais oportunidades de interagir com seus
familiares, praticam mais atividades programadas e desfrutam de um número maior de
passeios quando comparadas às crianças com Fracasso Escolar.
A partir da premissa de Bronfenbrenner (1999), de que o desenvolvimento
humano deve ser interpretado com base na interação de características do processo, da
pessoa, do contexto e do tempo, destaca-se que, apesar do presente estudo ter enfatizado,
em sua maior parte, aspectos do ambiente de desenvolvimento de crianças com NEE, ao
se comparar os dados obtidos para crianças com Deficiência e para crianças com Fracasso
Escolar, foi possível constatar diferenças entre ambos os grupos, relacionadas à
necessidade da criança, refletidas nas diferenças encontradas no ambiente familiar de
cada grupo. Entretanto, destaca-se que apesar dessa diferença entre grupos ter se mostrado
favorável para o ambiente familiar das crianças com Deficiência; uma análise geral dos
dados apresentados na Tabela I permite considerar que a maioria das crianças (dos dois
grupos) obteve baixos escores em relação aos recursos investigados.
Esse estudo partiu do pressuposto de que a ausência ou inadequação de
determinados recursos no âmbito familiar de crianças com NEE podem influenciar o
processo de escolarização e desenvolvimento infantil. A partir de uma visão sistêmica,
entende-se que são muitos os canais normais para contribuir na transformação da realidade
dessas famílias. Um investimento de diferentes setores (área econômica, saúde, social) é
fundamental para mimimizar, de forma mais efetiva, os problemas encontrados. Entretanto,
no presente estudo, o âmbito escolar pareceu se constituir em um dos canais que pode
auxiliar na melhora das características do ambiente familiar, por meio do estabelecimento
de parcerias entre escolas e famílias. Em consonância, Bhering & Nez (2002) e Gargiulo
(2003) apontam que o vínculo entre ambos os ambientes pode favorecer o desenvolvimento
e aprendizagem de crianças.
Retomando o pressuposto de Bronfenbrenner (1999), de que o
desenvolvimento se dá por meio da interação entre um organismo com características
genéticas próprias e as experiências ambientais por ele experimentadas, através de
processos proximais que fazem com que o externo se torne interno e vice-versa, defende-
se que o conhecimento de aspectos intrínsecos à vida dos alunos com NEE e suas famílias
devem ser contemplados nas políticas educacionais. Tal defesa se pauta na importância
dos processos proximais como o principal mecanismo desencadeador do desenvolvimento
humano, como proposto por Bronfenbrenner & Morris (1998).
De acordo com os pesquisadores, tais processos envolvem interações com
pessoas, objetos e símbolos; são de natureza bidirecional e ocorrem nos ambientes
imediatos, o que reforça a necessidade de fornecer informações aos cuidadores de crianças,
uma vez que o conteúdo dos processos proximais experienciados pela criança será
favorecido pelo ambiente em função da determinação de seus responsáveis.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 296


(BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998). O papel das famílias e dos pais deveria ser
aprimorado através da provisão de informação necessária em linguagem clara e simples.
(UNESCO, 1994).
Nessa perspectiva, defende-se a necessidade de que a escola conheça sua
clientela para potencializar o emprego de seus recursos, uma vez que, levando-se em
consideração as características individuais das crianças, os gestores possam viabilizar
que as diretrizes sejam implementadas com base nos déficits ou potenciais apresentados
para cada indivíduo. Tal proposta é consonante com os achados do presente estudo, que
permitiram verificar que as diferenças entre crianças com Deficiência e com Fracasso
Escolar vão além das características biopsicológicas da pessoa. Em consonância, Mazzota
(2001) defende a necessidade de uma avaliação contextualizada de quem é a criança
portadora de NEE, na qual se deve levar em consideração não somente os aspectos
intrínsecos às crianças e escolas, mas, também, o contexto social mais amplo no qual a
criança está inserida, as ideologias que regem suas dinâmicas e interações com as demais
pessoas e sistemas que a circunda.
Dessa forma, a necessidade da presença de recursos promotores de
desenvolvimento na casa de crianças também é vislumbrado por Bronfenbrenner & Morris
(1998), quando propõem que a existência de objetos e símbolos presentes no ambiente
imediato que estimulem a atenção, a exploração, a manipulação e a imaginação da pessoa
em desenvolvimento é uma das características essenciais para que ocorram os processos
proximais, considerados como o principal mecanismo no desenvolvimento humano.

Considerações finais

Em consonância com a Perspectiva Bioecológica e a baixa quantidade e


diversidade de recursos verificados no ambiente familiar das crianças com NEE, em
especial nas residências de crianças com Fracasso Escolar, encontrada nesse estudo,
reforça-se a necessidade dos gestores conhecerem, além das características biopsicológicas
de cada tipo de necessidade especial, as condições dos contextos familiares. O
conhecimento dessas variáveis poderiam permitir um maior embasamento das políticas
públicas e, conseqüentemente, oferecer um ensino mais adequado às crianças com NEE.
Acredita-se que, a partir da implementação de diretrizes e práticas consonantes
às demandas da clientela, o poder desenvolvimental do ambiente familiar será
desenvolvido, o que pode refletir em uma melhora do desempenho acadêmico das crianças
no âmbito escolar.

Notas
1
Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos.

2
Docente do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
da Universidade Federal de São Carlos.

3
A terminologia “ Fracasso Escolar” refere-se ao nome dado pela Secretaria Municipal de Educação - da cidade onde

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 297


foi realizado o estudo – às Salas Municipais de Recurso que atendem crianças com dificuldades de
aprendizagem.

4
O grupo de crianças com deficiência era constituído por 12 crianças com Deficiência Auditiva, 10 crianças com
Deficiência Mental, 08 crianças com Deficiência Visual e 03 crianças com Deficiência Múltipla.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 300


ANÁLISE DE GUIAS DE ORIENTAÇÃO PARA PAIS A RESPEITO DA
LINGUAGEM INFANTIL

Grace Cristina Ferreira-Donati1


Débora Deliberato2

Introdução

Nos dias atuais, já é possível identificar crescente aumento de esforços em


estudos direcionados às famílias das pessoas com deficiência (WILLIAMS & AIELLO,
2001; YAEGASHI et al., 2001; OMOTE, 2003). No entanto, os avanços parecem se
concentrar na compreensão do impacto do momento do diagnóstico, focalizando as reações
emocionais e de gerenciamento da deficiência no ambiente familiar.
Peretti & Tanaka (2001), ao estudarem o conhecimento de pais de crianças
deficientes mentais, a respeito de programas de estimulação precoce, ressaltaram o papel
dos pais como de principais agentes de cuidados com seus filhos, devendo, portanto,
ocupar lugar central na realização de qualquer plano de ação junto à criança com
deficiência mental.
Araújo (2004), ao apoiar essa parceira família-profissional, afirmou que:

Nesse sentido, os profissionais atuariam como “consultores” de familiares que,


por sua vez, desempenhariam seu papel de “mediadores”, atuando diretamente
com o “alvo”, que é a própria pessoa portadora de deficiência. Sendo assim,
maior número de pessoas com deficiência poderia ser beneficiado, multiplicando-
se os ganhos com as intervenções oferecidas. (ARAÚJO, 2004, p. 175).

E seguiu refletindo que:

A implementação de um trabalho sistemático com grupos de pais (ou mães) na


instituição especial significa considerar a atuação de profissionais da área da saúde
e da educação como importante fonte de suporte informacional e de apoio
social da família [...]. (ARAÚJO, 2004, p. 175).

Kaiser et al. (1999), ao discorrerem a respeito da visão contemporânea, a


respeito da educação de pais, definiram o termo parent education como “a provisão
sistemática de informações a pais com o objetivo de dar suporte aos esforços de estimular
o desenvolvimento de suas crianças”. Os mesmos autores recomendaram que “a provisão
de informação deve acontecer em função das necessidades dos pais quanto a conteúdos
específicos e os métodos de informação devem estar de acordo com o estilo de
aprendizagem, educação e cultura de cada pai individualmente.” (KAISER et al., 1999,
p. 2).
Singh (1995) definiu empoderamento como “o processo pelo qual as famílias
têm acesso ao conhecimento, às habilidades e aos recursos que as tornam capazes de
adquirir controle positivo sobre suas vidas, como, também, de melhorar a qualidade de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 301


seu estilo de vida”. (p. 85).
Partindo dos pressupostos teóricos anteriormente descritos, é importante
acrescentar que a literatura especializada na área de linguagem infantil é enfática em
apontar a interação entre profissionais e família como fator fundamental para proporcionar
as melhores condições para o desenvolvimento lingüístico de crianças sem e com
deficiências. Nesse contexto, autores fornecem uma série de modelos de intervenção,
publicados em forma de guias para pais, com objetivos e estratégias para serem
desenvolvidos em conjunto (KIRK & GALLAGHER, 2000; APEL & MASTERSON,
2001; PANIAGUA, 2004).
Diversos estudos, enfocando programas de orientação e intervenção com
famílias, não raro relatam a baixa adesão dos familiares à participação em atividades
presenciais. Entre os motivos mais comumente citados, estão: limitações financeiras para
o transporte, dificuldades em cumprir horários estabelecidos para as orientações, em
razão de compromissos de trabalho; não ter a quem delegar tarefas domésticas e cuidados
com outros filhos e não-compreensão da importância de informações específicas para o
desenvolvimento da criança. (ZEPELLIN, BONNAFÉ & PFEIFER, 1991; MOTTI,
2005; FERREIRA, 2006; MATSUKURA & FERNANDES, 2006).
Sendo assim, é premente pensar em alternativas às estratégias tradicionais
de orientação familiar em linguagem, de modo a atender as necessidades das famílias em
seu contexto global e contemporâneo. A informação escrita se enquadra neste grupo de
estratégias que vêm sendo desenvolvidas pelos profissionais das diversas áreas de atenção
à criança. Entretanto, na prática profissional não há, ainda, sistematização no uso desses
materiais de orientação vinculados aos procedimentos terapêuticos e/ou educacionais.
Acreditamos que aspectos relativos à legibilidade tipográfica e lingüística,
disposição do texto, apresentação visual, assim como definição e organização do conteúdo,
são extremamente relevantes na veiculação da informação escrita, uma vez que podem
interferir nos processos de recepção e compreensão da mensagem que está sendo veiculada.

Objetivos

Este trabalho teve por objetivos analisar guias de orientação de linguagem


quanto à forma e conteúdo e identificar os perfis de orientação adotados, de modo a
prover subsídios para a elaboração de guias de orientações na forma escrita para famílias
de crianças com atrasos ou distúrbios de linguagem.

Metodologia

Critérios de seleção do material

Foi realizada busca em bases de dados nacionais e internacionais, bem como


em sites de livrarias virtuais de guias de orientação em linguagem infantil ou em educação,
que abordassem, em seu conteúdo, questões relacionadas à linguagem, publicados em
português, espanhol e inglês, entre os anos de 2000 e 2004. Além disso, foram considerados
os guias e manuais publicados nos anos de 1979, 1997 e 1999, de uso anterior pela
pesquisadora na sua prática profissional em linguagem infantil.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 302


Obteve-se, como resultado desse processo, 13 guias, sendo dois publicados
em português, um em espanhol e dez em inglês, conforme ilustrado no quadro de
identificação dos guias, em ordem cronológica de publicação (Quadro 1).

Quadro 1 – Guias e manuais de orientação para famílias a respeito da linguagem infantil.


Ano de
Nº do Guia Título Língua
publicação
A book about talking: principles of language stimulation for
Guia 1 parents, teachers, clinicians. (HEBALD & McCREADY, 1979). 1979 Inglês
Linguagem, fala e audição: como e quando o meu filho começa a
Guia 2 falar. (DELIBERATO, 1997). 1997 Português

Como estimular el cérebro infantil: una guía para padres de


Guia 3 família. (DODGE & HEROMAN, 1999). 1999 Espanhol

Orientações para pais: crianças de 0 a 18 meses. (FRANCO et


Guia 4 al., 2001). 2001 Português

Beyond baby talk: from sounds and sentences – a parent´s


Guia 5 complete guide to language development. (APEL & 2001 Inglês
MASTERSON, 2001).
Classroom language skills for children with Down syndrome: a
Guia 6 guide for parents and teachers. (KUMIN, 2001). 2001 Inglês

Teaching our youngest: a guide for preschool teachers and child-


Guia 7 care and family providers. (U.S. DEPARTMENT OF 2002 Inglês
EDUCATION, 2002c).
Helping your child succeed in school. (U.S. DEPARTMENT
Guia 8 OF EDUCATION, 2002a). 2002 Inglês

Helping your preschool child. (U.S. DEPARTMENT OF


Guia 9 EDUCATION, 2002b). 2002 Inglês

Helping your child become a reader. (U.S. DEPARTMENT OF


Guia 10 EDUCATION, 2002). 2002 Inglês

A child becomes a reader: birth through preschool.


Guia 11 (AMBRUSTER, LEHR & OSBORN, 2003). 2003 Inglês
The new language of toys: teaching communication skills to
Guia 12 children with special needs – a guide for parents and teachers. 2004 Inglês
(SCHWARTZ, 2004).
It takes two to talk: a practical guide for parents of children with
Guia 13 language delays (PEPPER & WEITZMAN, 2004). 2004 Inglês

A partir disso, procedeu-se à análise de conteúdo e de forma, segundo


protocolo desenvolvido especificamente para este fim. A análise de informações dos
guias foi feita a partir de categorias significativas perante os objetivos estabelecidos.
Foram analisados os 13 guias que resultaram do processo de seleção.

Elaboração do instrumento de coleta de dados

Foi elaborado um protocolo para registrar e organizar as informações coletadas


dos manuais e guias. Para tanto, partiu-se do modelo da ficha de avaliação elaborada no
decurso do seminário de formação de formadores para a avaliação de manuais escolares
para o ensino primário, na École Internationale de Bordeaux em outubro de 1992, anexa na
obra de Gerard & Roegiers (1998).
Visando à melhor organização dos dados, o protocolo foi dividido em três
partes: “Identificação”, “Forma” e “Conteúdo”. Na parte referente à identificação,
informava-se o título do guia, seguida de uma numeração atribuída pela avaliadora, e a

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 303


data da análise.
A parte referente à análise de conteúdo tinha 13 questões fechadas, com
opções de respostas dicotômicas (sim/não) e de múltipla escolha (com itens excludentes
e não excludentes) a respeito dos tipos de informações veiculadas, formas de organização
do conteúdo, abrangência do conteúdo, referencial teórico, parceiros de comunicação,
ambientes, aspectos indiretamente relacionados à linguagem e forma de dirigir o discurso
ao leitor. Por fim, foram identificados e numerados os diferentes temas discutidos nos
guias e manuais, a partir dos sumários.
A parte referente à análise de características de forma foi composta por 16
questões fechadas, com opções para resposta do tipo dicotômicas (sim/não) e de múltipla
escolha (com itens excludentes e não excludentes), a respeito das características de
acabamento, volume, papel, organização, ilustrações, legibilidade tipográfica, legibilidade
lingüística e língua. Ao final, o item “Observações” foi acrescentado para anotações
relevantes.

Coleta dos dados

Como procedimento inicial, deu-se a revisão de todos os guias e manuais


adquiridos e selecionados, para que a pesquisadora se assegurasse do conhecimento do
conteúdo de cada um deles. Todos foram lidos e relidos pela pesquisadora. Após a revisão,
foram seguidas as seguintes etapas:

a) cada guia ou manual foi numerado de acordo com a ordem cronológica de publicação;
b) a partir disso, cada material foi tomado para análise, iniciando-se pelo registro do
título, país e ano de publicação;
c) as informações referentes aos itens da parte “Conteúdo” (questões 1 a 12) e da parte
“Forma” foram identificadas, fazendo-se a escolha da opção mais adequada em cada
questão do protocolo, com base na avaliação da pesquisadora;
d) ao final, fez-se a identificação dos temas de conteúdo a partir dos itens do sumário,
quando possível, e respectivo registro escrito no item 12 da parte “Conteúdo”. Com
os guias e manuais que não apresentavam sumários, a identificação dos temas de
conteúdo foi feita a partir dos títulos e subtítulos no corpo do texto de cada material.

Análise dos dados

Para a análise das informações obtidas do estudo dos guias e manuais, foram
utilizados dois procedimentos:

a) análise em forma de estatística descritiva das características do conteúdo, identificadas


a partir das questões fechadas do protocolo;
b) organização dos temas anteriormente identificados em categorias representadas por
palavras-chave, num quadro de análise. A técnica utilizada foi a de análise categorial,
que funciona por operações de desmembramento do texto em categorias segundo
reagrupamentos analógicos. (BARDIN, 2004).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 304


Resultados

Características de conteúdo

A análise do conteúdo dos guias permitiu concluir que todos seguiam a


orientação do sócio-interacionismo, dando ênfase ao papel do interlocutor e das trocas
comunicativas que ocorrem entre os sujeitos.
Todos os guias tratavam de recursos e estratégias de comunicação e se referiam
à organização do ambiente, à utilização das tecnologias de informação e comunicação,
às atividades de desenho, pintura, dramatização, de estímulo à consciência fonológica,
incluindo música e leitura, e atividades para generalização da aprendizagem. Com o foco
no interlocutor, as recomendações se referiam a formas e cuidados de apresentação da
fala dirigida à criança e de escuta, técnicas de interação e promoção da troca de turnos e
para promover a aquisição de vocabulário e a familiarização com a escrita, entre outras.
Os aspectos teóricos tratados em 11 dos 13 guias eram referentes às definições
pertinentes ao conceito de linguagem, à descrição do desenvolvimento das habilidades
receptivas e expressivas, à consciência fonológica e habilidades auditivas, mais
especificamente.
As considerações a respeito das outras áreas do desenvolvimento, identificadas
em oito guias analisados, englobavam competências intelectuais, perceptuais, sócio-
afetivas e motoras.
Dois guias tratavam da etiologia dos atrasos e distúrbios de linguagem e
reservavam este aspecto como um tópico ou capítulo à parte, e descreviam as principais
causas das alterações, relacionando às manifestações observáveis. Todos os guias e
manuais faziam referência ao papel dos parceiros de comunicação, incluindo as figuras
da mãe, do pai, avós e cuidadores, no âmbito familiar, e a do professor, no âmbito escolar.
Quanto à abrangência do conteúdo, oito guias tratavam do desenvolvimento
da linguagem junto a outros aspectos: de ordem cognitiva, afetiva, sensorial-perceptiva e
motora. Cinco guias tinham o foco exclusivamente no desenvolvimento da linguagem.
Entre os 13 guias analisados, dois orientavam a respeito de funções
estomatognáticas e hábitos relacionados.

Características de Forma

Após a análise dos dados, foi possível traçar os perfis de características de


forma dos guias quanto a: ilustrações, tipo e tamanho das letras, volume de texto, forma
de apresentação e organização do conteúdo. O Quadro 2 ilustra os resultados desta análise.
Quando à forma de encadernação, 11 guias eram brochura e dois eram
documentos eletrônicos. O número de páginas dos guias e manuais variou de 6 a 339. Os
tipos de letras identificados nos guias e manuais foram ou são bastante semelhantes a
Times New Roman, Comic Sans, Handbook, Garamond, Courier, Bookman Old Style e
Arial. Um guia (no 3) foi escrito com letra tipo manuscrita.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 305


Quadro 2 – Características de forma dos guias.
LETRA*
VOLUME FORMA DE
GUIA ILUSTRAÇÕES DE APRESENTAÇÃO
Título e TEXTO**
Texto e alertas
Subtítulo
1 Desenhos Manuscrita Manuscrita 96 p. Brochura
Semelhante à
Handbook, 12,
2 Desenhos e fotografias Century Gothic 9 p. Brochura
14
14
Documento
3 Desenhos Garamond 14, 12 Garamond 10 50 p.
eletrônico
Comic Sans 18,
4 Desenhos Comic Sans 11 15 p. Brochura
14
Times New
Times New
5 Fotografias Roman, 12; 226 p. Brochura
Roman 20, 16
Bookman 14
Desenhos, fotografias e Semelhante à Alba Times New
6 339 p. Brochura
esquemas 26 Roman 12
Times New
7 Sem ilustração Tempus Sans 24 38 p. Brochura
Roman 12
Times New Times New
8 Desenhos 55 p. Brochura
Roman 18, 14 Roman 12
Times New Times New Documento
9 Desenhos 6 p.
Roman 14, 12 Roman 12 eletrônico
Times New Times New
10 53 p. Brochura
Roman 18, 14 Roman 12
11 Fotografias Arial 18 Arial 12, 9 31 p. Brochura
Times New Times New
12 Fotografias 249 p. Brochura
Roman 24, 18 Roman 12
Semelhante à
Bookman Old
13 Desenhos Bookman Old 171 p. Brochura
Style 12
Style 18

* Tipos e tamanhos de fontes estimados pela pesquisadora


** Volume de texto em páginas (p).

O menor tamanho de letra utilizado para os títulos e subtítulos foi 14 e o


maior foi 24. O tamanho da letra dos textos variou entre 10 e 14. Quanto às ilustrações,
11 guias eram ilustrados e dois não apresentavam qualquer forma de ilustração. No que
se refere à organização do conteúdo, os guias seguiam a divisão em partes, capítulos,
perguntas e respostas, temas, orientações e fases do desenvolvimento.

Discussão

Ao se tratar do tema “educação familiar”, é necessário considerar duas


vertentes importantes: a perspectiva dos especialistas e a perspectiva da família. O presente
trabalho tratou de um dos aspectos que compõem a perspectiva do especialista: o conjunto
de procedimentos recomendados para a estimulação do desenvolvimento da linguagem
infantil, que foi, aqui, analisado em sua forma e conteúdo.
A importância de se analisar diversos materiais de orientação em linguagem
infantil reside na premente necessidade de se conhecer mais profundamente o ponto de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 306


vista dos especialistas e de traçar perfis de orientação que possam se ajustar às
características e necessidades dos diferentes grupos familiares.
Uma vez considerada a definição do formato escrito para orientações em
linguagem e, levando-se em conta que à mensagem lingüística principal da comunicação
escrita é possível somar mensagens secundárias, relacionadas às formas de sua
apresentação gráfica, acreditamos ser necessário analisar o conhecimento científico
disponível, identificando as características de forma de guias já publicados, especialmente
as relacionadas à legibilidade tipográfica, volume e organização do conteúdo, ilustrações,
apresentação visual e legibilidade lingüística. Os resultados oriundos desta análise podem
ser utilizados para definir padrões de apresentação visual de materiais informativos
disponibilizados para as famílias.
Os resultados ainda nos possibilitam sugerir estudos a respeito das
características de forma, legibilidade tipográfica e lingüística de guias e manuais de
orientação em linguagem, bem como a incorporação desses cuidados metodológicos na
elaboração de orientações escritas.
Concluindo, nos permitimos recomendar que os profissionais considerem
estudar e utilizar meios alternativos de orientação e de parceria família-profissional, como
por exemplo, a informação escrita, a partir das necessidades das famílias, suas
características e estilos de aprendizagem.
Torna-se relevante informar que não foram identificados, na literatura, estudos
semelhantes de análise das características de guias de orientação em linguagem para que
pudéssemos discutir a comparação dos achados de pesquisa e traçar análise mais
aprofundada dos resultados encontrados.

Conclusão

Os resultados permitiram estabelecer critérios de organização de forma e


conteúdo que podem ser utilizados na elaboração de materiais de orientação a respeito
da aquisição e desenvolvimento da linguagem infantil para famílias. Ademais, apontou a
importância de envolver as famílias no processo de identificação de necessidades a respeito
dos aspectos teóricos e práticos comunicativos e lingüísticos da criança com atraso ou
distúrbio de linguagem.

Notas
1
Grupo de Pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais da UNESP de Marília.

2
Departamento de Educação Especial da UNESP de Marília; Grupo de Pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais
da UNESP de Marília.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 307


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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 310


AVALIAÇÃO DE PROGRAMA DE ATENÇÃO PARA FAMILIARES DE
CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Morgana de Fátima Agostini Martins1


Enicéia Gonçalves Mendes2
Aline Maira da Silva3

Introdução

Com a expectativa da chegada de um bebê, a família costuma fazer planos e


ter sonhos para o futuro da criança. O bebê existe, em primeiro momento, como um
projeto de vida de um casal, e até mesmo antes do crescimento do embrião, os familiares
já possuem expectativas, sonhos e projetos. (YANO, 1998).
Diante do nascimento de uma criança com necessidades educacionais
especiais, surgem sentimentos de perda e incredulidade; às vezes, todas as fantasias e
projeções, esperanças e aspirações que acompanham a espera de um filho podem ser
modificadas, além de emergir a preocupação em relação ao futuro do filho, principalmente
quando eles não estiverem presentes para fornecer os cuidados e a supervisão necessária.
(OMOTE, 1980; TERRASSI, 1993; COLNAGO, 2000; SELTZER et al., 2001)
As reações das famílias frente às necessidades educacionais especiais são
complexas e não devem ser generalizadas, pois dependem de muitos fatores, alguns dos
quais subjetivos ou condicionados por mecanismos de defesa dos pais; outros objetivos
(por exemplo: como a notícia é dada, idade da criança, etiologia, evolução do
desenvolvimento e de fatores associados); e ainda fatores sociais, tais como o clima
familiar existente, a rede de suportes materiais e humanos disponíveis, etc. (YANO,
1998; PALOMINO & GONZÁLVES, 2002)
É importante considerar, também, que no ambiente familiar as relações
existentes entre os membros proporcionam experiências diferentes para cada componente
do grupo. Por isso, o nascimento de uma criança com necessidades educacionais especiais
é experienciado de uma maneira muito particular por cada membro da família.
A família é um tipo especial de sistema que possui estruturas, padrões
recorrentes e previsíveis, e propriedades específicas. (MINUCHIN, COLAPINTO &
MINUCHIN, 1999). Diante disso, pensar a família de maneira sistêmica exige olhar para
cada membro de forma individualizada, mas integrada em seu contexto familiar. Assim,
contar com a participação da família nas intervenções educacionais planejadas é
fundamental.
Mendes, Ferreira & Nunes (2002), em uma revisão de dissertações e teses
nacionais sobre a temática das relações familiares do indivíduo com necessidades
educacionais especiais, constataram que uma das mais recorrentes recomendações para
a pesquisa está relacionada à necessidade de estudos que tenham como objetivo criar,
implementar e avaliar programas de assistência e intervenção psico-educacional às famílias.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 311


Objetivos

O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos da aplicação de um Programa de


Atenção destinado às mães de crianças com necessidades educacionais especiais. O
Programa de Atenção envolve três diferentes grupos: informação, treino de habilidades e
suporte emocional.
O presente trabalho é parte de pesquisa de doutorado que tem como objetivo
geral desenvolver, avaliar e comparar os efeitos de diferentes grupos de um Programa de
Atenção.

Método

Participantes

Participaram do estudo três mães de crianças com necessidades educacionais


especiais. As participantes P1, P2 e P3 tinham, respectivamente, 39, 34 e 46 anos de
idade. P1 era solteira, P3 mantinha união estável e P4 era casada. P1 e P2 tinham ensino
fundamental incompleto e P3 ensino médio completo. Apenas P2 era dona de casa e a
renda mensal das três famílias variou entre zero e quatro salários mínimos.

Local

O estudo foi realizado em uma escola especial localizada em uma cidade do


interior do estado de São Paulo. O Programa de Atenção foi oferecido em uma sala
cedida pela escola.

Materiais

Para avaliar os efeitos da aplicação do Programa de Atenção, foram utilizados


como instrumentos:

Ficha de Avaliação Inicial (MARTINS, 2003): utilizada para a avaliação do


desenvolvimento da criança por meio do registro das habilidades presentes no
repertório dos alunos. Foram avaliadas as áreas de cognição, desenvolvimento
motor, autos-cuidados, alimentação, regras de cortesia, comunicação e socialização;
Cadernetas das professoras: para o levantamento da freqüência dos alunos às
aulas;
Caderno de recados: caderno que o aluno leva para a escola todos os dias e tem
a função de ser um meio de comunicação entre a família e a escola.

Procedimento de coleta e análise dos dados

O estudo foi apresentado para a direção da escola e, mediante o aceite da


mesma, as três mães foram convidadas a participar. Em uma reunião inicial com as mães,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 312


foram apresentados os objetivos da pesquisa, assim como os procedimentos de coleta de
dados.
No Programa de Atenção, foram oferecidos três grupos: informação, treino
de habilidades e suporte emocional, nessa ordem.
Seis sessões foram oferecidas no grupo de informação com o objetivo de
oferecer informações gerais sobre as características de cada uma das patologias
apresentadas pelos filhos das participantes e, ainda, informações sobre os direitos legais
dessas crianças.
Foram conduzidas cinco sessões no grupo de treino de habilidades com o
objetivo de ensinar para as participantes técnicas que lhes permitissem ensinar certas
habilidades para seus filhos com necessidades educacionais especiais.
Finalmente, o grupo de suporte emocional foi oferecido durante seis sessões
com o objetivo principal de criar ambiente positivo para trocas de experiências e relatos
de conflitos e dificuldades vivenciadas na prática cotidiana de ser mãe de crianças com
necessidades educacionais especiais.
Antes e depois do oferecimento dos programas de atenção, foram coletados
dados em relação às seguintes variáveis: nível de desenvolvimento do aluno, obtido por
meio da aplicação da “Ficha de Avaliação Inicial do Planejamento Educacional
Individualizado” (MARTINS, 2003); freqüência do aluno às aulas; freqüência com que
familiares comunicam-se com professoras por meio de caderno de recados e vice-versa.
Para aplicar a Ficha de Avaliação Inicial, foram realizadas avaliações
individuais. Para tanto, a pesquisadora e uma auxiliar de pesquisa foram à casa de cada
criança em dia e horário previamente agendados com os responsáveis. As avaliações
foram efetuadas em situações de “brincadeiras” envolvendo a criança, o responsável, a
pesquisadora e a auxiliar.
A porcentagem de freqüência da criança à escola foi útil como medida de
adesão da família ao atendimento escolar. A freqüência foi quantificada a partir das listas
de presença das professoras responsáveis pela educação dessas crianças.
Para avaliar a freqüência de comunicação entre família e professoras, foi
calculado o número de vezes, durante o semestre, que pais fizeram uso do caderno de
recados para comunicar algo para professora e/ou escola, e o número de vezes que a
professora e/ou escola fizeram o mesmo para comunicar-se com a família.

Resultados e discussão

Nível de desenvolvimento do aluno

A Figura 1 apresenta o nível de desenvolvimento de cada um dos alunos


durante a linha de base (período que precedeu o início do Programa de Atenção) e,
depois, de cada um dos grupos.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 313


100

freqüência (%)
80 alun
60 o1
alun
40 o2
alun
20 o3

0
linha de base informação treino de suporte
habilidades emocional

Figura 1: nível de desenvolvimento dos alunos durante a linha de base e após cada um dos grupos oferecidos.

Considerando as áreas de desenvolvimento motor, cognição, alimentação,


autos-cuidados, regras de cortesia, socialização e comunicação, o desempenho geral dos
alunos 1, 2 e 3, filhos das participantes P1, P2 e P3, foi de, respectivamente, 1,9%,
58,4% e 26,1%, antes do início do Programa de Atenção. Com exceção do aluno 1, que
não apresentou ganhos no desenvolvimento, os demais alunos apresentaram ganhos com
a oferta do Programa. Após o grupo de informação, o desempenho dos alunos 2 e 3,
respectivamente, foi de 75,8% e 29,2%. Depois do grupo de treino de habilidades, o
índice subiu para 82% e 38,5%, respectivamente. Finalmente, após o grupo de suporte
emocional, os desempenhos foram de, respectivamente, 83,2% e 54,6%.
Houve melhora no desempenho dos três alunos e, apesar do desempenho do
aluno 1 não ter apresentado mudanças positivas, também não apresentou decréscimos,
ou seja, manteve as habilidades adquiridas. Tratando-se de uma criança com severos
comprometimentos, com um quadro de graves e constantes crises convulsivas, este foi
considerado um desempenho satisfatório.
Uma das principais dificuldades encontradas foi o tempo de duração das
etapas do programa de atenção. Foi possível perceber que são necessários períodos de
tempo maiores para verificação de alterações no desenvolvimento das crianças. Assim, a
avaliação realizada ao final de cada etapa pode ter ocorrido em um espaço temporal
menor do que o necessário, visto que elas aconteciam a cada três meses, aproximadamente.
Contudo, apesar do curto período de tempo, foi possível verificar discretos avanços em
todas as áreas de desenvolvimento na maioria das crianças, o que sugere que avaliações
efetuadas com maiores intervalos de tempo identificariam maiores alterações e avanços.

Freqüência dos alunos às aulas

aluno
1
freqüência de presença (%)

100 aluno
80 2
aluno
60
40
20
0
linha de base informação treino de suporte
habilidades emocional

grupos oferecidos

Figura 2: freqüência dos alunos à escola.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 314


A Figura 2 mostra os resultados referentes à freqüência dos alunos às aulas.
Durante a linha de base, os alunos 1 e 2 apresentaram taxa de assiduidade de
76,9% e 80,8%, respectivamente, enquanto o aluno 3 foi menos assíduo, pois se ausentou
da escola em cerca de metade dos dias letivos (55,4%). Enquanto o grupo de informação
foi ofertado, observou-se aumento no índice de freqüência de presenças para todos os
alunos: a taxa de presença do aluno 1 aumentou de 76,9% para 100%, do aluno 2 de
80,8% para 86,9% e do aluno 3 de 55,4% para 86,9%.
Durante a oferta do conteúdo de treino de habilidades, foi possível observar
uma diminuição no índice de freqüência à escola para dois dos três alunos (alunos 1 e 3).
A taxa de freqüência do aluno 1 caiu de 100% para 91,3% e a taxa do aluno 3 caiu para
78,3%. No caso do aluno 2, houve aumento na taxa de presença de 86,9% para 91,3%.
Enquanto o grupo de suporte emocional foi oferecido, houve aumento na
taxa de presença para todos os alunos, sendo que o aluno 1 e 2 atingiram 95,4% de
freqüência e o aluno 3 alcançou 81,8%.

Freqüência de comunicação entre familiares e escola

A Figura 3 apresenta os resultados da medida das comunicações entre a escola


e a família durante a linha de base e após cada um dos grupos. Tais medidas foram
registradas em termos dos números de comunicações realizadas por meio do caderno de
recados.

Figura 3: número de comunicações realizadas entre a família e a escola.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 315


Inicialmente, observou-se uma tendência de aumento de recados das
professoras para as mães dos três alunos da linha de base para a oferta do primeiro grupo
(informação), pois o número de recados passou de 1, 2 e 3 para 23 para as mães do aluno
1 e de 18 para as mães dos alunos 2 e 3. A partir de então, percebe-se que houve uma
ligeira diminuição no número de recados dos professores para as mães (do grupo de
informação para o grupo de treino de habilidades), com 21, 19 e 15 recados para as mães
dos alunos 1, 2 e 3, respectivamente, sendo que tais freqüências praticamente se mantém
desta à última etapa (grupo de suporte emocional).
No caso das participantes P1 e P2, observa-se um aumento significativo no
número de recados da linha de base para o grupo de informação, de zero e três para,
respectivamente, 20 e 19, seguido por um ligeiro declínio durante o grupo de treino de
habilidades, para 15 e 11 recados. Em seguida, voltam a aumentar os recados durante o
grupo de suporte emocional, para 18 e 14 recados. Em relação à participante P3, no
início, ela não fazia uso do caderno de recados e foi gradualmente aumentando o número
de recados ao longo do grupo de treino de habilidades e do grupo de suporte emocional.
No entanto, apesar desse aumento, o número de comunicações realizadas pela participante
foi bastante inferior ao número de comunicações realizadas por P1 e P2.
Os resultados obtidos, de maneira geral, permitem afirmar que programas de
atenção oferecidos às mães de crianças com necessidades educacionais especiais
apresentam impacto positivo em relação ao nível de desenvolvimento dos filhos, em
relação à adesão da família ao atendimento oferecido pela escola (verificado pela
freqüência do aluno às aulas) e em relação às comunicações realizadas pela família à
escola e vice-versa.
Em relação à intensidade desse impacto no desenvolvimento da criança,
este parece depender do nível inicial de seu desenvolvimento, ou seja, depende do
repertório apresentado pela criança e também do tempo de duração do programa.
É possível inferir que, para que haja progressos no nível de desenvolvimento,
é necessário haver potencial de desenvolvimento. Por isso, para alunos com prejuízos
muito severos e repertórios comportamentais muito limitados, o impacto pode ser nulo
em termos de ganhos e, talvez, o efeito esperado deva ser pensado em termos de
manutenção da qualidade de vida.
Por outro lado, uma vez que exista uma base comportamental, ou seja, um
repertório mínimo de entrada, o impacto pode ser maior para alunos com repertório mais
limitado do que para alunos com repertórios mais avançados. É necessário considerar,
também, que as alterações observadas com relação ao desenvolvimento das crianças
podem reduzir à medida que a duração do programa é prolongada. Parece acontecer
certa estagnação nos índices de melhora após a segunda e a terceira etapa do Programa
de Atenção. Talvez, com programas de maior duração, essa estagnação pudesse ser
alterada. Além disso, programas de maior duração poderiam permitir a verificação de
ganhos comportamentais mesmo nas crianças mais comprometidas.
Quanto à comunicação entre familiares e professores, Blue-Banning et al.
(2004) realizaram um estudo de levantamento com grupos focais constituídos por
familiares de crianças com necessidades educacionais especiais e profissionais, com o
objetivo de investigar a parceria entre os mesmos. Um dos comportamentos considerados
essenciais para o estabelecimento de uma parceria efetiva e de sucesso foi a comunicação,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 316


sendo que os participantes consideraram importante que a comunicação fosse bilateral,
ou seja, profissionais e pais devem ouvir cuidadosamente, abertamente e com
imparcialidade o que o parceiro tem a dizer.
Por isso, em relação ao “caderno de recados” implementado nesse estudo,
considera-se a necessidade de incluir um esquema de anotações para as mães e não apenas
para as professoras. Com isso, o número de comunicações realizadas pelas mães poderia
aumentar e, conseqüentemente, a comunicação entre a família e a escola poderia ser
mais efetiva.
É importante destacar que o “caderno de recados” foi muito útil para as
professoras, que passaram a utilizá-lo com freqüência. Ainda que como um efeito colateral,
esta utilização deve ser considerada muito positiva.
Acredita-se que este trabalho pode contribuir com o conhecimento sobre
familiares de crianças com necessidades educacionais especiais na medida em que
apresenta uma possibilidade de serviço a ser oferecido e os efeitos desse serviço em
relação ao desenvolvimento do aluno, freqüência do aluno na escola e comunicação
entre familiares e professores.
Além disso, o Programa de Atenção desenvolvido no estudo pode auxiliar
profissionais envolvidos com a educação de crianças com necessidades educacionais
especiais no planejamento de serviços a serem oferecidos para os familiares dessas
crianças, com o objetivo de melhorar a relação entre a família e a escola.

Notas
1
Universidade Federal da Grande Dourados.

2
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.

3
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 318


FILHOS DE MÃES COM TRANSTORNOS MENTAIS:
RECONHECENDO ESSA REALIDADE1

Thelma Simões Matsukura2


Diana Rosa Cavaglieri3

Introdução

A literatura indica que o processo de desenvolvimento depende da confluência


de inúmeros elementos, genéticos, biológicos e ambientais, que se interrelacionam em
um processo dinâmico e complexo e que os fatores de risco, quando presentes, determinam
um aumento da probabilidade de surgimento de problemas no desenvolvimento da
criança/ adolescente. (HALPERN & FIGUEIRAS, 2004; MARTURANO, 1999).
Considerando a estrutura familiar, estudos indicam que a condição da saúde
mental dos pais é uma variável importante no processo de desenvolvimento de seus
filhos (HAMMEN et al., 2003; OYSERMAN et al., 2002). Além disso, observa-se que a
desordem psiquiátrica dos pais é comumente associada a outros fatores de risco, que
podem exacerbar os efeitos do transtorno mental sobre as práticas parentais e sobre o
desenvolvimento dos filhos, como os conflitos familiares, discórdia marital, dentre outros.
(GARMEZY & MASTEN, 1994; OATES, 1997).
Quanto aos aspectos que poderiam proteger ou atenuar os riscos aos quais
essas famílias estão expostas, são citados o tratamento ao transtorno mental e a presença
de uma rede de suporte social. (OYSERMAN et al., 2000).
Aponta-se que, devido às dificuldades relacionadas aos transtornos mentais,
essas mães podem apresentar problemas no estabelecimento e manutenção de
relacionamentos íntimos e, principalmente, os relacionamentos familiares são prováveis
a serem prejudicados, entre eles a relação mãe-filho. (OATES, 1997). Segundo Downey
& Coyne (1990), as mães podem reproduzir, nessa relação, as mesmas características
relacionadas ao transtorno mental identificadas em outras interações, como
comportamentos de coerção, hostilidade e irritabilidade.
Oyserman (2002) investigou a associação entre presença de transtornos
mentais em mães (depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia), práticas de parenting,
pobreza, baixa escolaridade e o desenvolvimento dos filhos, e encontrou que mães que
vivem sob estas condições com altos níveis de suporte social são menos estressadas e
mais capazes de se envolver com seus filhos. Além disso, mães que possuem sintomas
mais graves relativos ao transtorno mental são menos capazes de desenvolver estilos
parentais positivos, o que afeta o desenvolvimento dos filhos.
Observa-se que alguns estudos encontram associações entre problemas de
saúde mental materna, os estilos parentais exercidos por elas e o desenvolvimento
emocional dos filhos; no entanto, os estudos investigam os problemas de saúde mental
materna agrupando diferentes transtornos mentais que afetam as mães (BRENNAN et
al., 2002; OYSERMAN et al., 2002; 2005); este fato prejudica a compreensão dos
resultados, na medida em que os tipos de doença mental divergem sobremaneira entre si
em termos da gravidade dos sintomas apresentados, necessidade ou não de internação

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 319


especializada, dentre outros, o que pode causar diferenças na performance das mães com
relação aos seus filhos. Além disso, a idade das crianças participantes em alguns desses
estudos ou não é especificada ou os autores incluem em sua amostra uma faixa etária
bastante extensa (LESESNE, VISSER & WHITE, 2003; OYSERMAN, et al., 2002), o
que também afeta a possibilidade de análises mais precisas e focalizadas.
Pode-se verificar que, enquanto na literatura internacional encontram-se
relatos, ainda que recentes sobre o tema, no Brasil poucos estudos que investigam a
qualidade e a forma do desenvolvimento de crianças e adolescentes considerando a
situação de saúde mental dos pais foram localizados. (SCHWENGBER & PICCININI,
2003; SOUZA, JERONYMO & CARVALHO, 2005). Considera-se importante o
desenvolvimento de estudos no contexto brasileiro que possam abordar especificidades
que são fundamentais quando se investiga situações de risco, vulnerabilidade e aspectos
protetivos que podem estar presentes no cotidiano dessas famílias, além de focalizar
variáveis importantes na determinação de processos de desenvolvimento, como tipo de
transtorno mental e faixa etária dos filhos.
O presente estudo teve como objetivo identificar e caracterizar a realidade
de mães portadoras de transtornos mentais e seus filhos adolescentes, focalizando aspectos
relativos ao: 1) cotidiano das mães e dos adolescentes e as práticas de cuidados com os
filhos; 2) relacionamento com a mãe sob a perspectiva do adolescente e percepções
sobre o transtorno mental materno; 3) suporte social percebido pelas mães.

Método

Participantes

Participaram deste estudo quatro adolescentes, com idade entre 15 e 17 anos,


e suas mães, com diagnóstico, em prontuário, de Transtornos de Humor (descritos em F30
a F39), segundo os critérios de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
da CID-10. (OMS, 1997). Todas as mães participantes foram identificadas como
cuidadoras principais de seus filhos. Apresentam-se na Tabela 1 os dados dos participantes.

Tabela 1 – Dados gerais dos participantes


Participante MÃES FILHOS
M1 M2 M3 M4 F1 F2 F3 F4
Idade 41 anos 40 anos 39 anos 42 anos 17 anos 16 anos 16 anos 15 anos
Sexo Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Masc. Fem. Fem.
3º ano
Ensino 3º ano do 1º ano do 2º ano do
Ensino Ensino Ensino do
Escolaridade Médio Ensino Ensino Ensino
Superior Fundamental Médio Ensino
Incompleto Médio Médio Médio
Médio
Artesanato Vendas de Afastada do Dona de Não Não Recepcio Não
Trabalho
(em casa) lingerie trabalho casa trabalha. trabalha. nista trabalha.
Divorciad
Estado Civil Solteira Divorciada Casada Solteira Solteiro Solteira Solteira
a
Início dos Há 12
Há 16 anos Há 17 anos. Há 5 anos. - - - -
transtornos anos.

Observa-se que as mães participantes desse estudo têm idade entre 39 e 42


anos e a escolaridade das mesmas varia entre o ensino fundamental e o ensino superior,
uma mãe tem ensino superior completo. Apenas uma mãe é dona de casa, duas mães

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 320


trabalham fora e uma mãe está afastada do trabalho devido ao transtorno mental. Todos
os adolescentes estão cursando o ensino médio e apenas um deles está inserido no mercado
de trabalho.

Local

O estudo foi realizado em instituições públicas de atendimento à saúde mental


localizadas em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo.

Instrumentos

a) Questionário de identificação do cuidador principal : O questionário elaborado pelos


pesquisadores objetiva identificar e confirmar o principal responsável pelos cuidados
dispensados ao adolescente ao longo de seu desenvolvimento. Relaciona os cuidados
em três categorias: cuidados físicos, atividades escolares e brincadeiras, e afetividade.
Solicita-se ao respondente que informe o principal responsável pelos cuidados
dispensados ao adolescente para cada categoria, através de cinco fases do
desenvolvimento. Ao final, é obtido um escore que aponta o principal cuidador do
adolescente. O questionário de identificação do cuidador principal, respondido pelas
mães, foi utilizado nesse estudo como critério de seleção dos participantes.
b) Entrevistas semi-estruturadas: Foram utilizados dois roteiros, um para a mãe e outro para
o filho adolescente, abordando aspectos relacionados ao cotidiano das mães e dos
adolescentes; relacionamentos sociais; educação formal dos filhos; práticas de cuidado
com os filhos; ajuda recebida; além da percepção e convivência do adolescente com
o transtorno mental materno.
c) Questionário de Suporte Social (SSQ; MATSUKURA, MARTURANO & OISHI, 2002):
O instrumento é constituído por 27 questões que solicitam uma resposta em duas
partes. Na primeira parte, devem ser indicadas as pessoas que o respondente considera
que podem lhe prestar suporte em situações específicas (SSQ-N) e o tipo de
relacionamento com ela; na segunda parte, o respondente informa sobre sua satisfação
com esse suporte (SSQ-S), fazendo uma opção em uma escala de seis pontos que
varia de muito satisfeito a muito insatisfeito.

Procedimentos

a) Localização dos participantes

Todas as instituições de serviços públicos de saúde mental de uma cidade de


médio porte do estado de São Paulo foram solicitadas a fornecer informações sobre seus
usuários, com o objetivo de identificar possíveis participantes. Através de levantamento
sobre os usuários dessas instituições, foi possível identificar que aproximadamente 23%
(n=64) tinham filhos em idade escolar. Destes, 89% são mulheres, e seus filhos são, em

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 321


sua maioria, adolescentes. Considerando os critérios para inclusão no estudo – diagnóstico
semelhante entre as mães e faixa etária aproximada entre os filhos –, quatro famílias,
cujas mães apresentavam diagnósticos de Transtornos de Humor, descritos em F30 a F39,
na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, com filhos
adolescentes, foram convidadas a participar do estudo.

b) Coleta de dados

Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres


Humanos da Universidade Federal de São Carlos, os participantes foram contatados e
depois de informados sobre o estudo, foram solicitados a participar e assinaram os Termos
de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi agendado um encontro individual com a mãe,
para aplicação do Questionário de Identificação do Cuidador Principal. Após a
identificação da mesma como principal responsável pelos cuidados de seus filhos ao
longo da vida, foi dada continuidade à coleta de dados, com a aplicação do SSQ e da
entrevista semi-estruturada. Em seguida, agendou-se um horário com o adolescente para
aplicação da entrevista semi-estruturada. Todos os encontros ocorreram na instituição
em que a mãe do adolescente recebia tratamento.

Análise dos dados

A determinação da condição da mãe portadora de transtorno mental como


principal cuidadora do filho foi realizada segundo instruções de pontuação do
Questionário de identificação do cuidador principal.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e tiveram seu conteúdo agrupado
e categorizado, identificando temas representativos presentes nas respostas dos
participantes e construindo discursos comuns, segundo a metodologia do Discurso do
Sujeito Coletivo – DSC. (LEFÈVRE, LEFÈVRE & TEIXEIRA, 2000). Esta técnica
apresenta quatro figuras metodológicas: a Expressão-Chave, a Idéia Central, a Ancoragem
e o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), discurso-síntese redigido.
Segundo Lefèvre, Lefèvre & Teixeira (2000), essa proposta permite
reconstruir, através de fragmentos de relatos individuais, discursos-sínteses que
representam o pensamento de determinado grupo social sobre certo fenômeno.
Os níveis de suporte social foram calculados de acordo com as planilhas do
instrumento. Apresenta-se a seguir os principais resultados deste estudo referentes ao
suporte social e entrevistas.

Resultados e discussão

Através da aplicação do SSQ, foi possível verificar as fontes de suporte social


identificadas pelas mães e a freqüência com que essas fontes são citadas ao longo do
instrumento, esses dados são apresentados na Tabela 2.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 322


Tabela 2 – Fontes de suporte social entre mães portadoras de transtornos mentais
Fonte de Suporte Social %

Filhos 40,97

Família próxima (pais e irmãos) 24,67

Técnicos do serviço de saúde mental 17,62

Amigos 9,69

Vizinhos 4,85

Família extensa 2,20

Total 100,00

Os resultados indicam que as mães reconhecem seus filhos como maior fonte
de suporte social (40,97%); em segundo lugar, apontam seus pais e irmãos (24,67%); em
seguida, citam os técnicos dos serviços de saúde mental dos quais recebem tratamento
(17,62%).
Diferentemente de outras pesquisas, em que o cônjuge é a maior fonte de
suporte social apontado pelas mães (MATSUKURA, 2001), nota-se que para as mães
deste estudo, além de não serem identificados como suportivos, os cônjuges aparecem
como fonte de stress, como se observa no seguinte discurso construído a partir da entrevista
com as mães.

“Que eu passava muito nervoso com o meu ex-marido (...) Não recebia nenhum tipo de ajuda,
não havia entendimento (...) Eu tinha medo de me separar, eu tinha medo dele”. (DSC –
Mães)

Os resultados do presente estudo parecem apoiar as indicações da literatura


que apontam a freqüente associação entre os transtornos mentais da mãe com outros
processos familiares que contêm seus próprios riscos para manifestações negativas no
desenvolvimento dos filhos, como os conflitos conjugais ou ausência do pai, podendo
levar a um acréscimo dos prejuízos possíveis de serem causados pelo transtorno mental
materno. (DOWNEY & COYNE, 1990; CUMMINGS, 1995).
Confirmando os resultados do SSQ, observou-se, através das entrevistas,
que o apoio advindo das famílias para o cuidado e sustento dos filhos é bem identificado
e reconhecido pelas mães:

“A minha família sempre deu apoio pra nós na parte da alimentação, financeira, ajudou também
a fazer a casa pra nós morar (...) Ela chegou a morar quatro meses com o meu irmão e a minha
cunhada (...)”. (DSC – Mães)

Os resultados revelam que as mães puderam contar com o apoio de familiares

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 323


para os cuidados dispensados aos filhos. Estudos indicam que quando as dificuldades de
mães portadoras de transtornos mentais nos cuidados dos filhos não são compensadas
pela ajuda de familiares, a criança pode viver condições mais prejudiciais para seu
desenvolvimento e que, quando essa ajuda é presente, os efeitos dos transtornos podem
ser amenizados. (OATES, 1997).
Os resultados do SSQ indicaram que as mães identificam seus filhos como
principal fonte de suporte. Além disso, confirma-se no relato das mães a fundamental
participação dos filhos nos cuidados que lhes foram dispensados, principalmente nos
momentos de crise, tanto em ações concretas, como alimentar, quanto na busca de
informações e tratamentos.

“Todas as minhas filhas! Sempre tavam ali no momento triste e no momento alegre. Estão
sempre se preocupando, querendo saber o que eu to sentindo, entendeu? (...) Foi ele que levava
comida pra mim na cama e eu não comia. Ele é mais carinhoso. (...) Ela pegou bastante livro pra
ler, que falavam de depressão (...) E a reação dela, quando ela ficou sabendo, foi marcar logo,
conversar logo com um especialista... ela que foi atrás”. (DSC – Mães)

Observa-se a importância de compreender esse processo, na medida em que


responder as demandas de apoio colocadas pelas mães, nesta fase de desenvolvimento
dos filhos, pode significar uma alteração nos papéis de quem deveria ser cuidado e de
quem é o cuidador. Hipotetiza-se que esses filhos passam a exercer a função de cuidador
em uma fase em que ainda necessitam ser cuidados. Destaca-se que esse tipo de relação
é esperado durante o ciclo de vida das famílias apenas quando os pais já estão mais
velhos e os filhos já estão em idade adulta e em condições de maturidade para desenvolver
tal papel. (CARTER & MCGOLDRICK, 1995).
Por outro lado, através dos resultados obtidos por meio das entrevistas com
os adolescentes, observou-se que padrões de rotina, desempenho e relacionamentos
parecem não terem sido afetados pelo transtorno mental materno e as demandas
envolvidas nesse processo.

“Saio de vez em quando à noite, quando tem tipo, balada do tipo, aí vai eu, minhas irmãs
também. É mais descontraído. [...] Ah, eu acho que é razoável (meu desempenho escolar). [...]
Mas eu me esforço, assim, e tento, eu procuro sempre ta direitinho”. (DSC – Filhos)

A literatura indica que muitos filhos de pais depressivos desenvolvem


adaptabilidade e competências, adquirindo até mesmo tanto ou maior funcionalidade
que seus pais (CUMMINGS, 1995); os achados do presente estudo apóiam essas
considerações.
Sobre os relacionamentos familiares e fontes de apoio intra e extra-familiar
dos filhos, os adolescentes consideraram positivo seu relacionamento com a família
extensa, e o identificam como importante fonte de suporte.

“[...] Tenho o meu avô, ele é muito bonzinho, e a minha avó [...] Amo muito eles, nossa, não sei
o que seria da minha vida sem eles. Com os meus tios, com as minhas tias, sempre tive um bom
relacionamento com todos eles!”. (DSC – Filhos)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 324


Outro resultado relevante está na identificação da visão do adolescente sobre
seu convívio com o transtorno mental da mãe, localizando as alterações causadas pelo
mesmo no cotidiano. Quando relatam as situações que observam e que associam ao
transtorno mental materno, os adolescentes evidenciam as características do
relacionamento e da interação que ocorre entre eles, como pode ser observado no discurso
abaixo construído a partir do relato dos adolescentes.

“Então ela é do tipo de pessoa que não pode confiar. Assim, hoje ela ta bem, amanhã ela não ta,
entendeu. Então é assim, você tem que saber levar. Então amanhã ela pode acordar minha
amiga, mas ela também pode acordar como se fosse minha inimiga, entendeu [...] E tem hora
assim que eu acabo ficando nervosa também. Ela chora muito por qualquer coisa... Fala às vezes
demais sabe... Na hora do nervosismo ela acaba falando coisa assim até que machuca né. E às
vezes quando ela fica muito nervosa assim, agora não né, mas quando ela fica muito nervosa ela
acaba batendo em mim [...]”. (DSC – Filhos)

Observa-se que os adolescentes referem-se a modificações de seu estado


geral, em função da convivência com as dificuldades das mães, por exemplo, o
“nervosismo”. A literatura aponta que déficits na segurança emocional do ambiente
familiar são citados como um dos fatores associados ao risco de psicopatologias nos
filhos (CUMMINGS, 1995; GARMEZY & MASTEN, 1994) e que a depressão dos pais
pode afetar os filhos através da exposição a comportamentos e comunicações que são
especialmente ambíguas, instáveis e pouco confiáveis, pela alteração dos padrões de
interação entre pais e filhos e pelo aumento de conflitos e discórdias dentro da família.
(HAMMEN et. al., 2003; OYSERMAN et. al., 2000).
Sobre seus planos para o futuro, além de citarem seus planos pessoais, os
adolescentes demonstram preocupação em relação aos problemas de suas mães.

“Ah, e pelos problemas da minha mãe, né. Eu tenho que continuar levando. Eu fico pensando, sei
lá na hora de eu casar, ela vai ficar sozinha [...] E estudar bastante [...] E depois arrumar um
namorado, casar e ter um filho, ter uma família”. (DSC – Filhos)

É possível identificar não apenas a preocupação com a situação da mãe em


tempos futuros, mas também um compromisso na continuidade de cuidados e
responsabilidade pela mãe, já internalizados pelos adolescentes.
Através dos resultados do presente estudo, aponta-se que os adolescentes
parecem ter encontrado formas de adaptação positiva frente à convivência com transtorno
mental materno, mantendo suas atividades cotidianas, escolares, de lazer e bom
relacionamento com amigos. Considera-se que tal capacidade de adaptação possivelmente
some aos aspectos considerados como protetivos no enfrentamento dessa realidade. Porém,
de acordo com a literatura, observam-se também relatos de situações que envolvem
aspectos que podem acrescentar riscos ao desenvolvimento da saúde mental dos mesmos.

Considerações finais

Considera-se que o presente estudo alcançou os objetivos propostos, na

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 325


medida em que aborda e identifica aspectos presentes na realidade de famílias cujas
mães apresentam transtornos mentais. Aponta-se que a continuidade de estudos sobre o
tema é fundamental para a ampliação do conhecimento na área e para o desenvolvimento
de intervenções e de ações preventivas junto às famílias de portadores de transtornos
mentais.

Notas
1
Este estudo recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

2
Professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do
Programa de Pós Graduação em Educação Especial.

3
Terapeuta Ocupacional, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs/
UFSCar); Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/ CNPq/ UFSCar de 2004 a 2006.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 327


ENSINO PÚBLICO FUNDAMENTAL EM CONTEXTO DE EXCLUSÃO
SOCIAL: SITUAÇÕES DE FRACASSO ESCOLAR DE MENINAS DE
FAMÍLIAS CHEFIADAS PELA MULHER

Sônia Lima de Carvalho1

Introdução

Este artigo expõe o resumo da dissertação defendida em agosto de 2002, no


programa do Mestrado em Educação Especial da Universidade Estadual de Feira de
Santana em convênio com o CELLAE (Centro Latino-Americano de Educação Especial)
– Cuba.
O desafio da educação inclusiva em nosso sistema educacional está exposto
e, nesse contexto, novos sujeitos e relações foram incorporados às discussões e práticas
educativas, como um eterno devir.
A necessidade de superação de problemas, a diversidade sócio-cultural e a
relação que o aluno estabelece com o saber autorizou-nos a conceber a Educação Especial,
para este estudo, como uma qualidade da educação e não apenas como área distinta e ou
específica, considerando as representações de gênero e educação como focos privilegiados
na transversalidade da investigação.
Foi escolhido o bairro Lagoa Encantada2, periferia da Cidade de Feira de
Santana, Estado da Bahia, como parte do todo que é a cidade e cenário de dramas
individuais e coletivos, onde meninas em situação de fracasso escolar estão mergulhadas
no fenômeno da feminização da pobreza.
O problema científico baseou-se na seguinte interrogação: Quais são as causas
das situações de fracasso escolar de meninas no ensino público fundamental em um
contexto de exclusão social, cujas famílias são chefiadas pelas mulheres?
Esse problema reivindicou visibilidade das múltiplas causas que provocam a
situação de fracasso escolar, especialmente relacionadas às relações sociais estabelecidas
pela estrutura sociocultural e às representações individuais e coletivas dos atores sociais.
O objetivo foi descrever as situações de fracasso escolar de meninas no ensino
público fundamental, em um contexto de exclusão social, tendo como chefe de família a
mulher, através da análise das influências das representações de educação e gênero.
O estudo de natureza qualitativa tem como suporte o estudo de caso. Essa é
uma das formas de estudos qualitativos que ganhou espaço no campo da educação pelo
seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola3 e a sua relação com o entorno.
Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados: a observação e entrevista semi-
estruturada com as meninas, mães, professoras e um pai.
A amostra foi intencional, e os critérios utilizados foram: ser menina, cursar
o ensino fundamental, estar em situação de fracasso ou êxito escolar e ter a mãe como
chefe de família. Foram selecionados cinco casos envolvendo cinco mães, cinco meninas,
um pai e nove professoras que atuavam no turno diurno. Escolheram-se três casos de
situação de fracasso escolar e dois casos de êxito para, através do contraponto, localizar
as relações que podem desencadear a situação de fracasso.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 328


Principais conceitos

As discussões sobre a Educação Especial, com mais de cem anos estabelecida


em cima da idéia de deficiência, após o conceito de educação inclusiva se abre para
incorporar novos sujeitos sociais e respeito à diversidade4. O objeto de estudo, situação
de fracasso escolar no ensino fundamental, está contextualizado na abrangência em que
vem sendo discutido nos meios acadêmicos, internacionais e nacionais, um novo conceito:
Necessidades Educativas Especiais (NEE).
Segundo Lopéz Machin5 (2000):

A expressão necessidades educativas especiais remete ao docente a busca da


resposta educativa que alguns educandos precisam em determinados momentos
ou situações, não incluem só a alunos com déficit, motor ou intelectual. As
necessidades especiais podem estar determinadas por dificuldades ou carências
no entorno familiar e ou, social, por uma seqüência de desajustes na aprendizagem
em etapas anteriores ou por uma combinação de vários fatores que influem
negativamente no desenvolvimento do aluno: enfermidades prolongadas e
ausências da escola, troca freqüente de escola, deficiências do processo de
aprendizagens não detectadas e ou não tratadas oportunamente, deficiências no
trabalho docente e educativo da escola, falta de coordenação de influências
educativas (escola, família, comunidade) e muitas outras. (p. 24).

Portanto, a Educação Especial está direcionada para as possibilidades de o


aluno interagir com o currículo e com seu entorno e o outro toca na atenção
individualizada, comprometida em não rotular como “deficiente” os alunos que não
alcançam à escolaridade esperada no tempo previsto pela sociedade. Essa postura
caracteriza a Educação Especial como qualidade específica da Educação, uma vez que
os princípios são os mesmos.
O bairro como organização coletiva de trajetórias individuais é aqui
representado como palco onde se dão as relações sociais, permeadas pela cultura e pelo
conceito de habitus. Para Bourdieu (apud SCOCUGLIA, 2000), habitus significa:

[...] Sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturantes. Isto


é, princípios geradores e organizadores das práticas e representações, que podem
ser objetivamente adaptados às suas metas, sem supor a intenção consciente de
fins, nem a matriz expressa das operações necessárias para entendê-las,
objetivamente “regradas” e “regulares”, sem ser o produto de obediências às
regras e estando, todas elas, coletivamente orquestradas sem ser o produto da
ação organizativa de um diretor de orquestra. (p. 16).

Nessa lógica, o bairro como parte do habitus, lugar de interação, está na base
dos princípios geradores das práticas e interpretações de mundo, bem como na base das
representações em resposta a uma relação de força e poder simbólico.
Nesse sentido, a exclusão social é concebida e se dá a partir das relações
estabelecidas historicamente pela sociedade, em uma relação de exclusão, um se faz
eliminando o outro, dominando o outro.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 329


Segundo Guareschi (1999, p. 154), “Na legitimação da exclusão é necessário
encontrar uma vítima expiatória sobre quem descarregar o pecado de marginalização, ou
quase genocídio, de milhões”. A vítima e o culpado é o próprio excluído e não o sistema,
baseado em relações excludentes que fazem milhões de pobres.
Dessa forma, ser excluída é mais do que ser pobre. É, “Um estado de não ter,
pois se trata de um processo de não inclusão, isto é, de apartação, de negação histórica e
culturalmente humana de criar interdições”. (SPOSATI, 2000, p. 9). Assim, é revelado
um sentido humano perverso enquanto restringe potências e pratica homicídios de
possibilidades.
A autora expõe a relação dialética exclusão/inclusão e conclui que a exclusão
só é visível a partir de um projeto de inclusão, tratando-se de um movimento de opostos,
mas um existe em razão do outro.
A escola como fator importante na distinção de quem é excluído ou não.
Para Charlot (2000,p. 16), o objeto “fracasso escolar” não condiz com uma leitura crítica
da investigação pedagógica: “o que existe são situações de fracasso escolar, histórias
escolares que terminaram mal”. Portanto, não é uma situação permanente; o habitus
incorporado nas relações sociais faz com que cada um responda à realidade de forma
diferente, muitas vezes, quebrando padrões e expectativas sociais.
Nesta discussão, faz-se necessário conceituar a família, levando em
consideração o momento do chamado ciclo vital de um grupo familiar, “podemos ter
uma diversidade de posições, lugares e papéis complementares, que demarcam relações
de parentesco, gênero e geração. Portanto ela é um sistema aberto”. (MACEDO, 1999, p.
52).
A família chefiada pela mulher, enfatizada neste estudo, não é uma realidade
nova no Brasil, mas nas últimas décadas, observa-se um crescimento de mulheres chefes
de família entre camadas médias e urbanas originadas do fenômeno de feminização da
pobreza. Tal situação causa um choque ideológico entre a organização tradicional da
família patriarcal e as mudanças sociais no Brasil e no mundo.
Diante dessa problemática, destacamos a categoria de gênero cuja acepção
original remete à diferenciação de indivíduos de sexos diferentes ou de coisas sexuadas.
Dentre as concepções surgidas a partir da década de 80 sobre relações de
gênero e educação, a obra de Louro (1997), em sua dimensão relacional é a que se destaca
para este trabalho, devido ao enfoque dado ao feminino e o masculino, como elementos
construídos simbolicamente pela sociedade. Assim afirma a autora:

Daí advém à importância de se entender o fazer-se homem ou mulher como um


processo e não como um dado resolvido no nascimento, O masculino e o
feminino são construídos através de práticas sociais masculinizantes ou
feminilizantes em consonância com as concepções de cada sociedade. Integra
essa concepção a idéia de que homens e mulheres constroem-se num processo
de relação (LOURO, 1997, p. 27).

Nessa perspectiva, cada ser humano aprende e se constrói no processo de


aprendizagem, tornando-se único. Portanto, trata-se de pontuar as representações de gênero
enquanto elemento que traduz a visão de mundo e como parte da teia que provoca o

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 330


“fracasso” e o “êxito” escolar.
A matriz teórica da categoria das representações encontra-se em Émile
Durkheim, quem primeiro usou esse termo, chamando-a de “representações coletivas”.
Foram considerados os pressupostos de Lefebvre, trabalhados por Penin (1995, p. 28) ao
tomar o cotidiano como dimensão adequada para se entender as representações dos atores
envolvidos neste estudo. Em Penin (1995, p. 29), essa particularidade do estudo é
esclarecida:

No cotidiano, as representações nascem e para ali regressam. Elas se formam


entre o vivido e o concebido diferenciando-se de ambos. O concebido de um
lado constitui o discurso articulado que procura determinar o eixo do saber a ser
promovido e divulgado. O vivido, por outro lado, é formado tanto pela vivência
da subjetividade dos sujeitos quanto pela vivência social e coletiva dos sujeitos
num contexto específico.

Nessa direção, a representação se configura como um processo de produção


de significados sociais através dos diferentes discursos e práticas.

Análise dos resultados

O papel da educação e da escola para a superação da exclusão social e como


valor para a vida das meninas

As representações sobre a educação escolar expõem a influência das e


representações e práticas das meninas permeadas pelo cotidiano da família e da escola.
Há ausência da representação do aprender na experiência escolar das meninas. A garantia
de se estar estudando é representada, simplesmente indo à escola.
Apesar de a sobrevivência estar em primeiro lugar na vida, para as meninas a
educação escolar significa, mais que o meio de promoção à série seguinte, a possibilidade
de superação das condições sociais desfavoráveis. O depoimento da menina do caso 4 é
revelador:
Caso 4

“Estudando posso construir o futuro. Eu gostaria mais de estudar do que trabalhar. Eu trabalho
por que preciso das coisas, de roupa, caderno, para ir para aula, mas, eu trabalhando eu não
posso estudar”.

A projeção do futuro dessas meninas sofre influência da lógica social que


estabelece a classe a que pertence e reflete como a posição social é interiorizada.
Com base em Bourdieu (BOURDIEU apud NOGUEIRA & CATANI, 1999,
p. 121), pode-se dizer que, mesmo dentro da mesma classe em um contexto, há diferenças
entre as possibilidades e limites de cada um. As carências materiais para a manutenção
da vida fazem com que o êxito escolar, muitas vezes, não seja prioridade.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 331


Educação, escola, família e gênero

As meninas incorporaram o que as professoras, mães e pais consideram sobre


o que é ser menina e o que é ser mulher na sociedade. As categorias emergidas dos
instrumentos de investigação como: “menina não pode fazer nada de errado”, “tem coisas que
não pode fazer”, “ser mãe”, “pouca liberdade”, “não pode dar ousadia para o homem”, “aceitar a
realidade”, “cuidar da família”, “cuidar da casa” e “amar” demonstram, que os papéis de
gênero foram permeados pela representação do que significa ser uma mulher em oposição
ao que é ser um homem na sociedade, acrescido das particularidades do contexto no qual
atuam.
O que se observou em trabalho de campo é que há uma versão naturalizada
do ser mulher pelo seguinte preceito: ser mulher é ter um “destino” traçado e negociado
ou “driblado” (negociado). No depoimento da mãe do caso 5, pode-se observar tal
afirmação:
Caso 5

“Destino que Deus me deu, né? Muita responsabilidade para uma pessoa só, não é? Eu não sei,
é difícil de explicar”.

Para os atores sociais envolvidos, ser mãe e chefe de família se define pela
mesma lógica do que é ser mulher e seu papel na sociedade. Implica o papel de mãe como
tarefa principal, fundamentando as práticas do sustentar, cuidar sozinha dos membros de
sua família e, por conta disso, orgulhar-se de si mesma.
Diante da situação dessas famílias, as professoras apontam as meninas mais
velhas com mais dificuldades em alcançar o padrão escolar satisfatório, por assumir o
lugar de mãe quando da ausência desta. Nos discursos e a nas práticas das mães sobre a
educação, encontram-se as representações, mesmo sem querer representar. O trabalho
em detrimento do estudo confirmou que os atores sociais constroem suas representações
no jogo das relações sociais em realidades concretas. Exemplo disso é o que diz a mãe do
caso 4:
Caso 4

“Não dava para eu assumir sozinha todo mundo. Aí eu ficava com vergonha de falar na escola,
que elas faltavam, porque eu tinha mandado trabalhar e mentia dizendo, que mandava todos
para a casa da avó. Às vezes não era, eu mandava ir trabalhar, botava na casa de alguém [...]
pra trabalhar, pra ajudar, por que [...] qualquer coisa que viesse de lá já era uma benção, era
melhor do que á dentro de casa e passando fome”.

Exclusão social, gênero e situação de fracasso escolar

Ao articular as representações sobre exclusão, gênero e situação de fracasso


escolar vivenciadas por meninas de famílias chefiadas pela mulher, contrastando com as
situações de êxito foi possível observar a influência das representações das professoras,
que distinguiram quem se encontra em situação de êxito e quem está em situação de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 332


fracasso escolar com as seguintes categorias: quem tem êxito, “é inteligente”, “tem cabeça”,
“facilidade para aprender”, “interesse e vence as diversidades da vida”, “seriedade”, “bom
comportamento”, “toda regra tem exceção”, “a família valoriza a educação”, “ o interesse
vai além da merenda”, “caso raríssimo”. Para quem está em situação de fracasso escolar
é o “sistema social que é culpado”, “falta infraestrutura na escola”, “não sabe ler e nem
escrever de jeito nenhum, só copia”, “casamento e gravidez precoce”, “violência em
casa”, família não se interessa”, “sexualidade e adolescência cada vez mais cedo”,”sem
criatividade”, “falta de estudo”, “pobreza e fome”, “escolaridade tardia, repetência e
evasão” “mau comportamento”, “ faltosa”, “é um problema de memória”, “falta da pré-
escola”, “primeira série repete mais”, “deficiência-fraca em todas as disciplinas”, “pouca
inteligência”
A situação de fracasso escolar para as professoras parece fenômeno inevitável
e não fazem parte deste processo. Com clara defesa da escola tradicional e, confusas com
as novas orientações impostas pelas demandas governamentais, as professoras estabelecem
as regras do jogo intramuros da escola. Dentro da escola elas escolhem “quem fica e
quem passa”; de acordo com a soma de atributos, decidem quem tem condições
(normalidade) e quem não tem condições (deficiente). Extramuros, o “sistema social”
impõe as regras, que são reproduzidas pela escola e impostas às crianças.
Desta forma, as meninas de famílias chefiadas pelas mulheres, nesta escola e
neste bairro se encontram em ‘fogo cruzado’ entre as professoras, as mães e o sistema
como elemento genérico e intransponível, sendo atribuído a elas mesmas, o fracasso ou
o êxito.

Algumas conclusões

Os dados mostraram que há diferenças na distribuição de oportunidades,


refletindo a lógica social vigente, cujos critérios obedecem à condição de classe e gênero.
A primeira crença levantada foi que o cotidiano escolar marcado pela pobreza e exclusão
social impedia a escolaridade das meninas, cujas famílias eram chefiadas pela mulher.
Esse aspecto foi confirmado em diversos momentos da análise, através das práticas e
representações.
Durante o trabalho de campo foi observado que o papel da educação, no
cotidiano das meninas é determinado pelas condições concretas de cada família. A
prioridade para o trabalho precoce confirmou que a exclusão social, a pobreza e as
representações negativas da Educação levam as práticas desfavoráveis a sua escolaridade
no bairro estudado.
As influências das representações sobre a educação e gênero, sobretudo das
mães, desencadeiam práticas que podem tanto promover como afastar da escolaridade
esperada socialmente as meninas da Lagoa Encantada. Nos casos descritos, as
representações e as práticas das mães em busca da sobrevivência foi elemento
determinante para as situações de fracasso escolar.
As representações cumpriram o papel de aproximação do objeto e, mais ainda,
serviram para antever nas representações das meninas o sonho de uma nova escola. A
função da escola no bairro de mediar às situações de desigualdades entre grupos sociais
em um contexto aparentemente ‘homogêneo’, vem da verificação dos dados do bairro,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 333


que para a maioria dos “excluídos entre os excluídos” ela, apesar de funcionar desarticulada
e precariamente, é a única chance de escolarização. Ela resulta da situação de tensão social
vivida pela comunidade e as suas demandas de forma explícita ou latente. (GÓES e SMOLKA,
1997, 120). Ela não é o único espaço educativo, mas para muitas famílias, expressa a
esperança do futuro

Notas
1
Professora Assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA.

2
Nome fictício.

3
Toma os pressupostos de Lüdke & André (1986, p. l1).

4
Para Bell Rodriguez (2000, p. 67), são consideradas cinco fontes de diversidade: 1. O gênero (igualdade de
oportunidade para um e outro sexo); 2. A cultura de procedência (pertencimento a grupos étnicos, religiosos,
lingüísticos e culturais); 3. Os fatores que incidem na aprendizagem do aluno (estilo de aprendizagem,
competência, instrumentos, conhecimentos prévios, estratégias de aprendizagem, motivação para aprender,
autoconceito, equilíbrio pessoal, contexto escolar, entorno familiar, contexto social próximo).

5
O original é em espanhol com tradução livre da autora deste estudo.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 335


PARTE VI

CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DAS


HABILIDADES SOCIAIS
PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL
HABILIDADES SOCIAIS EM UM GRUPO DE FUNCIONÁRIOS COM
DEFICIÊNCIA FÍSICA: HÁ DIFERENÇA ENTRE SEXO?

Camila de Sousa Pereira1


Almir Del Prette2

Introdução

Uma área da Psicologia que vem se consolidando fortemente, tanto na pesquisa


quanto na prática, é a do Treinamento de Habilidades Sociais (THS). O THS compreende
um conjunto de conhecimentos e técnicas aplicáveis à superação de déficits
comportamentais e dificuldades interpessoais com vistas à maximização de
comportamentos socialmente habilidosos e competentes. (DEL PRETTE, A. & DEL
PRETTE, 2001). Dada a importância das habilidades sociais para o desempenho
acadêmico e profissional, o ajustamento psicológico e social e a qualidade de vida
(DONOHUE et al., 2005; MILES & STIPEK, 2006), o crescimento dessa área vem
abrangendo diferentes contextos, inclusive o da Educação Especial.
Segundo Del Prette, A. & Del Prette (2001), o conceito de habilidades sociais
pode ser compreendido como a descrição de classes e subclasses de comportamentos
sociais, presentes no repertório de um indivíduo, para atender adequadamente as demandas
das situações interpessoais. A premissa do THS está fundamentada na possibilidade das
dificuldades interpessoais serem superadas, uma vez que as habilidades sociais são: (a)
aprendidas; (b) situacionais; (c) reguladas pelos fatores culturais; (d) relacionadas com o
desenvolvimento humano. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 1999).
A aprendizagem das habilidades sociais pode ocorrer de diferentes maneiras:
(a) observação do desempenho de outras pessoas (modelo); (b) conseqüências reforçadoras
disponibilizadas pelo ambiente; (c) instruções ou exortações para determinados
comportamentos; (d) prompt (dicas diretas induzindo certos comportamentos). As variáveis
ambientais podem promover um bom repertório de habilidades sociais, no entanto, também
são capazes de restringi-lo. Tratando-se de dificuldades interpessoais, é possível inferir
três tipos de déficits: aquisição, desempenho e fluência. (DEL PRETTE & DEL PRETTE,
2005). Falta de conhecimento da subcultura do ambiente, restrição de oportunidades e
modelos, falhas de reforçamento, ausência de feedback, excesso de ansiedade interpessoal,
dificuldades de discriminação e processamento, problemas de comportamento
externalizantes ou internalizantes são alguns dos fatores que podem estar associados a
esses tipos de déficits. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2005).
A interferência na aquisição, freqüência ou proficiência de comportamentos
socialmente habilidosos, entre as pessoas com deficiência física, pode ocorrer pelos
mesmos fatores anteriormente apontados. A deficiência física implica no comprometimento
de alguma capacidade motora e na alteração da estrutura de um ou mais segmentos do
corpo humano. Geralmente, a sua ocorrência envolve o nível ósseo, articular, muscular
ou nervoso, observando-se não só as alterações anatômicas, mas as alterações fisiológicas
do aparelho locomotor. (HALLAHAN & KAUFFMAN, 2003). Nessa população, a
literatura ainda sugere problemas como auto-estima baixa, imagem corporal negativa,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 338


insegurança, crenças disfuncionais, isolamento social (LANTICAN, BIRDWELL &
HARRELL, 1994; THOMAS, BAX & SMYTH, 1988), que podem prejudicar a amplitude
do repertório de habilidades sociais, a qualidade das relações interpessoais e até mesmo
as iniciativas de contatos sociais para a formação de vínculos duradouros. No estudo de
Ferreira & Botomé (1984) buscou-se promover a inserção social de 47 indivíduos com
deficiência física, identificando suas necessidades básicas e elaborando propostas para a
solução dos problemas. Falta de autonomia, dificuldades em comandar a própria vida,
sentimentos de inferioridade, ausência de iniciativa para enfrentar situações desconhecidas
e pouco recurso financeiro para o transporte coletivo foram relacionadas como variáveis
prejudiciais à socialização dessas pessoas e à adesão ao programa.
Para Del Prette & Del Prette (2005), mesmo que os indivíduos com deficiência
disponham de recursos para superar algumas das próprias dificuldades, a expressão
negativa da sociedade em relação a eles pode constituir obstáculo à sua inclusão social.
Na perspectiva de desenvolvimento de pesquisas em habilidades sociais junto à Educação
Especial, Del Prette & Del Prette (2004) sinalizam para a necessidade de estudos que
permitam “estabelecer parâmetros esperados” para essa população, assim como “identificar
déficits e recursos de desempenho social [...] que apontem para objetivos de ensino
socialmente relevantes”. (p. 149).
Considerando a importância e as implicações educacionais de se ampliar o
conhecimento do repertório de habilidades sociais dos diferentes estratos da população
com necessidades educacionais especiais, por exemplo, indivíduos com Síndrome de Down
(PEREIRA, 2007), cegos (COSTA et al., 2005), pessoas com deficiência física
(PEREIRA, 2006), observa-se também a necessidade de uma análise intragrupo na
investigação de fatores como sexo, idade, escolaridade, etc.
Com relação à sexualidade, a literatura vem sustentando a existência de
diferenças entre homens e mulheres, que afetam seus desempenhos sociais, podendo se
constituir em especificidades próprias de cada subcultura. (BANDEIRA et al., 2006;
DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001b; DEL PRETTE et al., 2004). Quanto às
experiências e expectativas sobre a identidade do gênero, embora seja possível encontrar
pesos distintos, Papalia (2003) aborda a influência dos fatores históricos e culturais que
estabelecem padrões esperados para cada sexo (responsabilidade da mulher pela casa e
filhos, tarefa de provedor dada ao homem), assim como os estereótipos que criam
generalizações preconcebidas sobre as características dos homens e das mulheres
(dependência da mulher, independência do homem). Relacionado a essa diferença, pode-
se destacar a valorização cultural da aparência física (SARRIERA, CÂMARA & BERLIM,
2006), que impõe maior exigência para o sexo feminino. É possível supor que essas
imposições culturais sejam ainda mais críticas para pessoas com deficiência física e,
particularmente, as do sexo feminino. Diante desses aspectos, o presente estudo propôs
identificar as diferenças entre mulheres e homens com deficiência física quanto ao
repertório de habilidades sociais.
Método
Participantes

Participaram deste estudo 27 pessoas com deficiência física, sendo 14 (51,9%)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 339


do sexo masculino e 13 (48,1%) do sexo feminino. A média de idade da amostra foi 29
anos, variando entre 18 anos e 47 anos (dp=7,3). A maioria dos participantes era solteiro
(70,4%), mas havia também outras condições: (a) casado (22,2%), (b) separado (3,7%) e
(c) viúvo (3,7%). De acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil, 44,5%
dos participantes pertencia a classe C, 33,3% a classe B2 e 22,2% a classe B1. Em
relação ao nível de escolaridade, 88,9% possuíam o Ensino Médio completo, 7,4% o
Ensino Superior incompleto e 3,7% o Ensino Superior completo. De acordo com a seqüela
da doença ou lesão, os participantes apresentaram três tipos diferentes de limitações
físicas: músculo-esquelético (48,2%), amputação (44,4%) e neuromotor (7,4%). Na
categoria de amputações, 29,6% eram membro inferior (perna), 11,1% membro superior
(braços) e 3,7% membro superior e inferior.
Essa amostra foi selecionada de cinco empresas de uma cidade de médio
porte, localizada no interior do estado de São Paulo, que empregavam pessoas com
deficiência. Nessas empresas, os participantes desempenhavam as seguintes funções:
auxiliar administrativo (51,9%), operador de caixa (11,1%), recepcionista (11,1%), auxiliar
de almoxarifado (7,4%), auxiliar de compras (7,4%), operador de telemarketing (3,7%),
telefonista (3,7%) e balconista (3,7%).

Instrumentos

a) Critério de Classificação Econômica Brasil (www.abep.org) – Com base no


levantamento sócio-econômico realizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública
e Estatística, esse instrumento classifica o nível econômico do participante em uma
das sete classes: A1, A2, B1, B2, C, D ou E.

b) Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette, DEL PRETTE & DEL PRETTE,


2001b) – Instrumento de auto-relato para identificação do repertório de habilidades
sociais de jovens e adultos com base na estimativa do respondente sobre a freqüência
das suas reações em determinadas situações sociais. Possui 38 itens, caracterizando
diversos contextos (público e privado) e interlocutores (autoridade, familiar,
desconhecido, conhecido, amigo). Por meio de cinco alternativas em uma escala tipo
Likert que varia de 0 (nunca ou raramente) a 4 (sempre ou quase sempre), o inventário
produz um escore total e cinco escores fatoriais: (F1) Enfrentamento e auto-afirmação
com risco; (F2) Auto-afirmação na expressão de sentimento positivo; (F3) Conversação
e desenvoltura social; (F4) Auto-exposição a desconhecidos e situações novas; e
(F5) Autocontrole da agressividade.

O IHS-Del-Prette foi aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia e possui


qualidades psicométricas satisfatórias em termos de confiabilidade e de consistência interna
á = 0,75, estabilidade teste-reteste com r = 0,90, p = 0,001, validade concomitante com
o Inventário de Rathus com r = 0,79, p = 0,01 (DEL PRETTE & DEL PRETTE,
2001b).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 340


Procedimento de coleta de dados

A pesquisa, ora relatada, recebeu a aprovação pelo Comitê de Ética da


UFSCar, protocolo nº 168/04. O contato com as pessoas com deficiência física foi
realizado nos próprios locais de trabalho, tendo os participantes sido informados sobre a
pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação dos
instrumentos foi conduzida individualmente em uma mesma sessão estando a
pesquisadora presente para garantir o entendimento das instruções e esclarecimentos
adicionais. As instruções dadas aos participantes, com relação ao IHS-Del-Prette, seguiram
as normas do manual deste instrumento. Na seqüência, os participantes foram orientados
quanto ao preenchimento dos itens do Critério de Classificação Econômica Brasil.

Tratamento dos dados

Os dados do Critério de Classificação Econômica Brasil foram computados


de acordo com a pontuação do instrumento, obtendo-se a classe econômica
correspondente e a freqüência em cada uma das classes. O escore geral e dos fatores
obtidos pelo IHS-Del-Prette foram classificados – com base no grupo normativo do
instrumento, subdividido por sexo – em três categorias de repertório de habilidades sociais:
deficitário, bom ou elaborado. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001b). Para comparar
as diferenças de habilidades sociais entre o sexo feminino e masculino, considerando o
tamanho da amostra e a distribuição assimétrica dos dados, a análise utilizada foi a mediana
e o teste Mann-Whitney (Statistical Package for Social Sciences 10.0). Para a significância,
foram considerados valores abaixo de 0,05.

Resultados

A Figura 1 revela a percentagem de mulheres com repertório de habilidades


sociais deficitário, bom e elaborado em cada um dos fatores e no escore total, segundo o
grupo normativo de mesmo sexo do IHS-Del-Prette. (DEL PRETTE & DEL PRETTE,
2001b).

Figura 1 – Freqüência de respondentes do sexo feminino com repertório de habilidades sociais deficitário,
bom e elaborado no Escore Total (ET) e nos fatores: F1 = Enfrentamento e auto-afirmação com risco; F2 =
Auto-afirmação na expressão de sentimento positivo; F3 = Conversação e desenvoltura social; F4 = Auto-
exposição a desconhecidos e situações novas; F5 = Autocontrole da agressividade.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 341


A maioria das mulheres com deficiência física relatou repertório elaborado
de habilidades sociais no Escore Total (46,1%) e nos fatores Enfrentamento e auto-
afirmação com risco (38,4%) e Conversação e desenvoltura social (38,4%). Nos fatores
Auto-afirmação, na expressão de sentimento positivo (61,5%) e Autocontrole da
agressividade (46,1%), destacou-se o repertório bom de habilidades sociais. Chama a
atenção o fator Auto-exposição a desconhecidos e situações novas, no qual a maioria das
mulheres com deficiência física (46,1%) relatou repertório deficitário de habilidades sociais.
Na Figura 2, apresenta-se a percentagem de homens com repertório de
habilidades sociais deficitário, bom e elaborado em cada um dos fatores do IHS-Del-
Prette.

Figura 2 – Freqüência de respondentes do sexo masculino com repertório de habilidades sociais deficitário,
bom e elaborado no Escore Total (ET) e nos fatores: F1 = Enfrentamento e auto-afirmação com risco; F2 =
Auto-afirmação na expressão de sentimento positivo; F3 = Conversação e desenvoltura social; F4 = Auto-
exposição a desconhecidos e situações novas; F5 = Autocontrole da agressividade.

Em relação ao grupo normativo do mesmo sexo do IHS-Del-Prette (DEL


PRETTE & DEL PRETTE, 2001b), os homens com deficiência física relataram repertório
elaborado de habilidades sociais no Escore Total (64,3%) e nos fatores Enfrentamento e
auto-afirmação com risco (42,9%), Auto-afirmação na expressão de sentimento positivo
(50,0%) e Conversação e desenvoltura social (71,5%). No fator Auto-exposição a
desconhecidos e situações novas, a percentagem foi igual para o repertório bom e elaborado
(42,9%). Já no fator Autocontrole da agressividade, a maioria dos homens com deficiência
(78,6%) relatou repertório bom de habilidades sociais.
A Tabela 1 mostra os resultados da comparação do repertório de habilidades
sociais entre as mulheres com deficiência física e os homens com deficiência física.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 342


Tabela 1 – Análise descritiva e de comparação entre mulheres com deficiência física e homens com deficiência
física no IHS-Del-Prette.
Mulheres (N=13) Homens (N=14) Teste Mann-Whitney
IHS-Del-Prette
Mediana Mediana U Significância
Escore Total 92,0 111,5 45,0 0,02
Enfrentamento e auto-
8,6 11,4 61,0 0,15
afirmação com risco
Auto-afirmação na expressão
9,4 9,9 73,0 0,40
de sentimento positivo
Conversação e desenvoltura
6,7 8,1 58,0 0,11
social
Auto-exposição a
desconhecidos e situações 2,5 3,8 61,5 0,15
novas
Autocontrole da agressividade 0,4 1,5 53,5 0,06

Como se vê na Tabela 1, a análise descritiva (mediana) mostra que os homens


com deficiência física relataram habilidades sociais superiores às mulheres com deficiência
física no Escore Total e em todos os fatores do IHS-Del-Prette. No entanto, a análise
comparativa (Teste Mann-Whitney) indicou diferença significativa apenas no Escore Total.

Discussão

Embora grande parte das mulheres com deficiência física da amostra deste
estudo tenha se situado nas classes desejáveis de habilidades sociais, percebe-se no escore
total e em todos os fatores uma percentagem relativamente elevada com repertório
deficitário, principalmente no fator que compreende as habilidades de exposição a pessoas
desconhecidas e situações novas. Esse resultado se assemelha aos achados da pesquisa
de Thomas, Bax & Smith (1988), no qual as mulheres com deficiência física relataram
maiores dificuldades em freqüentar ambientes públicos, misturar-se com pessoas no colégio
ou no trabalho, fazer amizades, sair com uma pessoa que está interessada para
relacionamento amoroso e encontrar estranhos quando comparadas as mulheres sem
deficiência. Tal constatação sugere a necessidade de disponibilizar Programas de
Treinamento de Habilidades Sociais para o atendimento de mulheres com deficiência
física, com o objetivo de desenvolver o repertório de comportamentos sociais e, por
conseqüência, possibilitar que elas ampliem suas interações e consigam estabelecer
relacionamentos mais duradouros e gratificantes.
Já os homens com deficiência física, em geral, relataram repertório elaborado
de habilidades sociais. Apenas no fator que demanda habilidades de autocontrole da
agressividade é que a maioria dos homens se avaliou um pouco abaixo dos demais, tendo
o repertório de habilidades sociais contraposto ao repertório classificado como deficitário
ou elaborado. A literatura aponta que os homens são mais expansivos e tendem a expressar
seus sentimentos negativos (raiva, discordância) mais facilmente do que as mulheres.
(PAPALIA, 2003). Como o resultado encontrado foi baseado no auto-relato, torna-se
importante uma avaliação mais aprofundada da proficiência e da funcionalidade dos
homens com deficiência física na expressão desses sentimentos em situações aversivas
(críticas, chacotas, etc.).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 343


Entre os sexos, a análise comparativa revela que os homens com deficiência
física se perceberam mais habilidosos socialmente do que as mulheres com deficiência
física no escore total do IHS-Del-Prette, porém essa diferença não foi mantida entre os
fatores. Resultado favorável ao sexo masculino no escore total do instrumento também é
observado nas normas de referência (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001b) e
confirmado em outra pesquisa (DEL PRETTE et al., 2004), ainda que restrito aos fatores
Enfrentamento e auto-afirmação com risco, Auto-exposição a desconhecidos e situações
novas e Autocontrole da agressividade.

Considerações finais

Os resultados desta pesquisa mostram que os homens com deficiência física


relataram emitir habilidades sociais com maior freqüência no escore geral do que as
mulheres com deficiência física. A descrição dos resultados também revela indicativos
de necessidade de promover Programas de Treinamento de Habilidades Sociais para ambos
os sexos, todavia, enfatizando algumas classes de habilidades sociais em que as mulheres
relataram maiores dificuldades do que os homens, como as situações que exigem maior
exposição da pessoa. Os achados permitem inferir que as mulheres com deficiência física
deste estudo apresentaram maiores necessidades educacionais especiais no âmbito das
habilidades sociais, das quais uma alta proporção pode ser considerada crítica para o
processo de inclusão social e profissional.
Os resultados aqui apresentados foram baseados em instrumento de auto-
relato e em uma amostra pequena. Pesquisas futuras deveriam ampliar a amostra e utilizar
recursos de acesso indireto e direto ao desempenho social, assim como usar diferentes
informantes na avaliação das habilidades sociais. Essas características de metodologia
de coleta de dados para acessar o repertório de habilidades sociais vêm sendo denominada
de avaliação multimodal (DEL PRETTE, CASARES & CABALLO, 2006), defendendo-
se a sua utilização como recurso importante para trazer maior confiabilidade aos achados
das pesquisas.
Outro ponto a ser destacado é que as propriedades psicométricas do IHS-
Del-Prette foram testadas em estudantes universitários, o que acarreta limitações
metodológicas para esta investigação, uma vez que a maioria dos participantes havia
concluído os estudos até o Ensino Médio completo. Ainda que isto não invalide os
resultados obtidos, a classificação do repertório de habilidades sociais deve ser vista com
cautela.
Com objetivo de ampliar o escopo no uso do instrumento, estão sendo
realizadas pesquisas para ampliar o grupo de referência em termos da escolaridade e
também da idade. Além disso, pretende-se obter amostra de referência com diferentes
estratos da população com necessidades educacionais especiais.

Notas
1
Psicóloga com Especialização em Gestão Organizacional e Recursos Humanos (UFSCar), Mestrado em
Educação Especial (UFSCar) e, atualmente, Doutoranda no mesmo programa. É integrante do Grupo de
Pesquisa Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (RIHS) do Laboratório de Interação Social da UFSCar.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 344


Endereço eletrônico: camila.rihs@yahoo.com.br.

2
Professor Titular do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
da UFSCar. É coordenador do Grupo de Pesquisa Relações Interpessoais e Habilidades Sociais (RIHS) do
Laboratório de Interação Social da UFSCar. Endereço eletrônico: adprette@power.ufscar.br.

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264, julho/agosto-1988.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 346


VALIDADE SOCIAL DAS HABILIDADES SOCIAIS SOB A PERSPECTIVA
DO PROFESSOR: REPLICAÇÃO COM AMOSTRA AMPLIADA1

Talita Pereira Dias2


Lucas Cordeiro Freitas 3
Thiago Magalhães Pereira de Souza4
Almir Del Prette5
Zilda Aparecida Pereira Del Prette6

Introdução

A literatura especializada evidencia uma correlação positiva entre um bom


repertório social infantil e indicadores positivos como ajustamento psicológico, rendimento
acadêmico, aceitação pelos pares e aponta para uma associação significativa entre déficit
em habilidades sociais e problemas de comportamento, rendimento acadêmico
insatisfatório, delinqüência juvenil, etc. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2003). Com
base nisso, é possível inferir que a promoção das habilidades sociais na infância, ao mesmo
tempo em que contribui para um desempenho social competente, constitui uma alternativa
de prevenção de conflitos interpessoais, de maneira a otimizar a qualidade de vida das
crianças.
O Treinamento de Habilidades Sociais refere-se a um campo teórico-prático
de conhecimento acerca do desempenho social e tem como base outros dois conceitos
centrais: habilidades sociais que se referem às classes de comportamentos sociais do
repertório do indivíduo, que promovem o desempenho social competente e competência
social, que dizem respeito à capacidade do indivíduo de articular pensamentos,
sentimentos e ações em função de objetivos pessoais e de demandas situacionais e
culturais, possibilitando conseqüências favoráveis aos envolvidos na interação. (DEL
PRETTE & DEL PRETTE 1999, 2001, 2005a).
É importante considerar também que as habilidades sociais são situacionais
aprendidas e devem se adequar às exigências éticas da cultura. Dessa maneira, as dimensões
pessoal, situacional e cultural do desempenho social precisam ser levadas em consideração.
(DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001).
Considerando as características situacionais e culturais dos desempenhos
sociais, diferentes habilidades podem ser valorizadas em detrimento de outras. Com isso,
uma criança que inicia seu processo de socialização no contexto familiar deverá ter seu
repertório social modificado e ampliado a partir do convívio em outros ambientes, como
contexto escolar, que possuem interlocutores, demandas e interações distintas do contexto
familiar. Na escola, a criança tem de apresentar as habilidades já aprendidas e, ao mesmo
tempo, aprender novas habilidades interpessoais. Del Prette & Del Prette (2005a)
apresentam e discutem as principais classes de habilidades sociais na infância, tais como
habilidades de civilidade, habilidades empáticas e habilidades de assertividade, entre
outras.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 347


Para a implementação de programas que promovam as habilidades sociais
no ambiente escolar, é necessário que agentes significativos desse ambiente, como o
professor, reconheçam e valorizem as habilidades interpessoais, o que pode contribuir
para o engajamento destes em propostas nessa área. A relevância da participação do
professor na implementação de programas educacionais é muito reconhecida, uma vez
que a qualidade dos processos e dos produtos da prática educativa na escola depende,
fundamentalmente, de sua formação e atuação. (DEL PRETTE, 1990).
Segundo Del Prette (1990), a importância do papel mediador do professor
justifica tomá-lo como alvo de investimento no sentido da produção e sistematização do
conhecimento. Examinando-se a prática educativa na escola sob a perspectiva das ações
públicas e privadas do professor, pode-se considerar que sua possível influência reflete a
natureza intencional de seu papel: é ele que, dependendo da qualidade de sua prática,
seleciona os objetivos (acadêmicos ou sociais) que deverão se transformar em produtos
educacionais.
Em nosso país, alguns estudos mostram que os professores apresentam uma
atitude favorável à inclusão de comportamentos sociais como objetivos ou subprodutos
desejáveis da educação escolar. (ROSCOE, 1980; DEL PRETTE, 1990; DEL PRETTE,
1995). Esses mesmos estudos, contudo, evidenciam também que os professores parecem
carecer ainda de uma compreensão adequada e ampla do conceito de desenvolvimento
interpessoal e de habilidades sociais, muitas vezes restringindo-se à disciplina em sala de
aula.
Pode-se afirmar, portanto, que a proposta de implementação e avaliação de
programas de promoção de habilidades sociais depende, fundamentalmente, do
envolvimento do professor e de sua valorização do desenvolvimento interpessoal dos
alunos. Assim, a avaliação do professor é um critério importante para a validade de qualquer
programa de intervenção nessa área em contexto escolar, pois ela permite aferir o
significado social dos objetivos da intervenção para esses agentes e a importância ou
impacto possível que estes atribuem a tais objetivos na vida das crianças. (GRESHAM,
1986; LANE et al., 2001).
A importância atribuída pelos professores às reações habilidosas e à adequação
das reações habilidosas e não habilidosas constituem dois indicadores de validade social
produzidos pelo IMHSC-Del-Prette. (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2005b).
Conforme Del Prette & Del Prette (2005b), os resultados obtidos nos indicadores de
importância e adequação desse instrumento podem ser produtivamente explorados no
planejamento de programas de intervenção para a seleção de objetivos e procedimentos
e, ainda, para a verificação da efetividade dessas intervenções.
Na primeira etapa do presente estudo (DIAS et al., 2005), com 21
participantes, verificou-se que os professores atribuíram um bom índice de valorização
às reações habilidosas e escore alto de adequação, mostrando coerência entre esses
indicadores. Os itens mais valorizados foram aqueles relacionados às habilidades de
civilidade e empáticas em detrimento das assertivas e verificou-se influência negativa da
série escolar e do tempo de magistério: quanto mais avançadas as séries e maior o tempo
de magistério, menos valorizadas eram as reações habilidosas e maior adequação era
atribuída às reações não habilidosas passivas e ativas.
Considerando a importância do desenvolvimento sócio-emocional na infância

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 348


e do contexto escolar como ambiente propício para isso, bem como o papel do professor
enquanto agente da consecução de objetivos sociais da escola, o presente estudo constitui
uma replicação do anterior agora com amostra mais ampla e teve como objetivos
semelhantes, quais sejam: (1) Identificar a importância das reações habilidosas e a
adequação das reações não habilidosas (passivas e ativas) do IMHSC-Del-Prette (2005b),
a partir da avaliação dos professores e (2) Avaliar possíveis diferenças nesses resultados
em função da série das crianças e de características do professor como: idade, nível de
formação e tempo de magistério.

MÉTODO

Amostra

A amostra constituiu-se de 57 professores de primeira a quarta série, sendo


56 do sexo feminino e um do masculino. Cinqüenta participantes lecionavam em escolas
públicas e sete em escolas particulares de três cidades do interior de São Paulo, sendo a
cidade 1 (26 participantes) de pequeno porte e as cidades 2 (23) e 3 (8) de médio porte.
A idade média da amostra foi de 41,53 anos (d.p. = 9,21) e o tempo médio de magistério
foi de 4,04 anos (d.p. = 1,52). Todos os professores lecionavam em classes de ensino
regular de primeira a quarta série do ensino fundamental, exceto uma professora que
ensinava em sala de recursos. O critério de escolha do professor foi somente o de concordar
em participar da pesquisa.

Instrumento

Inventário Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças - IMHSC-Del-


Prette (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2005b), em versão impressa. O IMHSC-Del-
Prette (2005b) permite tanto a auto-avaliação de habilidades sociais pela própria criança,
como a avaliação do professor sobre a criança e os itens do inventário. Nesse estudo,
foram utilizados os dados provenientes da avaliação do professor, feita na versão impressa,
um Caderno de Pranchas (com figuras e falas representadas por “balões” de histórias em
quadrinhos) e Fichas de Resposta. O IMHSC-Del-Prette (2005b) é composto por 21
itens com situações interativas de crianças com outras crianças ou com adultos. Em cada
item, apresenta-se uma situação seguida de três alternativas de reação: uma representando
a reação habilidosa esperada para crianças dessa faixa etária e duas representando dois
tipos de reações não habilidosas, definidas como: a) reações não habilidosas ativas, que
expressam abertamente agressividade, negativismo, ironia, autoritarismo, etc.; b) não
habilidosas passivas, que demonstram retraimento, esquiva ou fuga, ao invés de
enfrentamento da situação. Em cada item, o professor é solicitado a indicar: (a) a
importância que atribui a cada reação habilidosa (nenhuma=0; pouca=1; muita=2); (b)
a adequação que atribui a cada uma das três reações (errada=0, mais ou menos=1;
certa=2).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 349


Procedimento de coleta e análise de dados

A consecução do projeto seguiu as normas da Resolução 196/96 e foi


submetido ao Comitê de Ética da UFSCar e aprovado. Os professores responderam
individualmente o IMHSC-Del-Prette (2005b), em presença da bolsista de pesquisa. Os
dados obtidos a partir da avaliação dos professores sobre importância (escala de 0 a 2) e
adequação (escala de 0 a 2) foram digitados na planilha eletrônica do módulo processador
do IMHSC-Del-Prette (2005b) e exportados para uma planilha do SPSS 13.0, onde foram
realizadas as análises estatísticas descritivas (média de cada um dos 21 itens).
Foi efetuada análise de correlação (Pearson) entre a avaliação de importância
e adequação das reações habilidosas dos itens e entre esses indicadores e a formação do
professor e a série de seus alunos. Foram efetuadas comparações (teste t de student) entre
sub-amostras para tempo de magistério e nível socioeconômico nas avaliações de
importância e adequação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A média de importância dos 21 itens contidos no inventário foi de 1,77


(dp=0,35), demonstrando que os professores julgaram as reações habilidosas mais
próximas do ponto máximo da escala de zero a 2 (muita importância). Com base nessas
médias e segundo os critérios do próprio instrumento, foi possível constatar que as reações
habilidosas foram altamente valorizadas pelos professores – acima de 1,50. (DEL
PRETTE & DEL PRETTE, 2005b). Pode-se inferir que a implementação de um currículo
de habilidades sociais na escola seria apoiada por esses agentes educativos, conferindo
validade social a programas nessa área.
Em termos da média de cada item, os que tiveram as reações habilidosas
mais valorizadas no indicador de importância foram: (21) defender o colega (média=1,96;
dp= 0,19); (14) fazer pergunta à professora (média=1,91; dp= 0,34); (5) ignorar distrações
(média= 1, 89, dp= 0,36); (12) lidar com a raiva do outro (média=1,84; dp=0,41); (7)
demonstrar espírito esportivo (média= 1,84; dp= 0,49). Enquanto os quatro itens menos
valorizados foram: (3) expressar desagrado (média 1,61; dp= 0,62); (4) pedir ajuda ao colega
de classe (média=1,67; dp= 0,58); (15) aceitar gozações (média=1,67; dp= 0,66) e (11) propor
nova brincadeira (média= 1,68; dp= 0,54).
Com base em tais resultados, é possível constatar que os professores atribuíram
menor importância às reações habilidosas de itens que envolviam habilidades de
assertividade e enfrentamento (3 e 11), enquanto as duas situações mais valorizadas foram
situações relacionadas à classe de habilidades de empatia e civilidade (21 e14).
Os resultados referentes à adequação das reações são apresentados na
Figura 1.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 350


reação habilidosa reação não habilidosa passiva reação não habilidosa ativa
2

1,75

1,5

1,25
Médias
1

0,75

0,5

0,25

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 2 21

Situações

Figura 1. Escores médios da adequação obtidos nas reações habilidosas, não habilidosas ativas e passivas em
cada uma das 21 situações, segundo a avaliação dos professores.

Como se vê na Figura 1, a média por item das reações habilidosas foi 1,83
(dp= 0,27), apontando para um julgamento próximo de dois (muito adequada). Em todos
os itens, os escores mais elevados foram encontrados nas reações habilidosas, enquanto
os menores foram atribuídos às não habilidosas ativas. As médias das reações não-
habilidosas passivas foram sempre abaixo das habilidosas e acima das não-habilidosas
ativas, exceto no item (17) resistir pressão do grupo, em que os escores foram equivalentes.
Esses dados sugerem que os professores diferenciam comportamentos sociais adequados
daqueles que não são.
Esse resultado corrobora a literatura da área (GRESHAM et al.,1999) que
afirma que problemas internalizantes (aferidos aqui pelas reações passivas) em comparação
aos externalizantes (relacionados à emissão de reações ativas), são menos freqüentemente
foco de atenção e encaminhamentos. Isso pode ser também indício de pouca preocupação
dos professores com tal repertório deficitário, por esse não interferir de forma conspícua
na rotina em sala de aula.
Quanto à adequação das reações habilidosas, nota-se que os itens que
obtiveram os mais elevados escores médios foram: (19) elogiar objeto do colega (1,96; dp=
0,18), (18) consolar o colega (1,96; dp=0,26), (10) oferecer ajuda (1,95; dp=0,29), (13) responder
pergunta à professora (1,95; dp=0,29). Em contrapartida, as reações habilidosas com menores
escores foram: (1) abordar o grupo (156; dp=065), (21) defender o colega (156; dp=065),(3)
expressar desagrado (1,63; dp= 0,61) e (7) demonstrar espírito esportivo (1,72; dp= 0,67). Com
base nos resultados, conclui-se que os itens com maiores escores de adequação das reações
habilidosas relacionaram-se às habilidades empáticas e de civilidade.
Importancia adequação da reação habilidosa

2
1,75
1,5
Média

1,25
1
0,75
0,5
0,25
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Situações

Figura 2. Escores médios de importância e adequação atribuídas pelos professores às reações habilidosas em
cada uma das 21 situações.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 351


Na Figura 2, verifica-se que tanto a adequação quanto à importância
obtiveram, em todos os casos, escores acima de 1,50 e os escores médios de adequação
foram, na maioria das vezes, mais elevados do que os de importância. Foi observada uma
correlação positiva (r=0,68; p=0,00) entre a importância e a adequação das reações
habilidosas avaliadas pelos professores: quanto maior a importância atribuída às reações
habilidosas, maior a adequação atribuída às mesmas.
Ao encontro desse dado, foi observada uma correlação negativa entre a
importância atribuída às reações habilidosas e a adequação das reações não-habilidosas
ativas (r= -0,62; p=0,00) e passivas (r= -0,28; p=0,03): quanto maior importância dada
pelo professor às reações habilidosas, menor a adequação atribuída às não habilidosas.
Com base nesses dados, é possível verificar que há coerência na avaliação dos professores
quanto à importância e adequação atribuída às reações.
Com relação à série em que o professor leciona, foi observada correlação
negativa com a importância (r=-0,45; p=0,00) e com a adequação (r=-0,33; p=0,01), ou
seja, quanto mais avançada a série que o professor leciona, menor importância e adequação
foram atribuídas às reações habilidosas. Em contrapartida, os dados apontaram uma
correlação positiva entre série que o professor leciona e a adequação das reações não-
habilidosas ativas (r=0,28; p=0,04): quanto mais avançada a série, maior a adequação
atribuída às reações não habilidosas ativas. Pode-se supor, com base nesses dados, que
os professores de alunos “mais velhos” parecem já estar acomodados a um padrão de
reações não-habilidosas ativas e, com isso, atribuem menor importância às reações
habilidosas quando comparados com os professores de séries mais jovens.
Quanto às diferenças entre o nível socioeconômico e os escores médios de
adequação das três reações e de importância das reações habilidosas, é possível verificar
que os escores médios de adequação das reações habilidosas dos professores com maior
nível sócio econômico (41,62) foram significativamente maiores do que os escores obtidos
pelos professores de menor nível socioeconômico (38,26). Ao encontro dos dados, os
escores médios de adequação das reações não-habilidosas ativas dos professores com
nível socioeconômico mais elevado foram significativamente menores do que os escores
obtidos pelos professores de nível socioeconômico mais baixo. Não foram encontradas
diferenças significativas entre os escores de adequação das reações não-habilidosas
passivas e os escores de importância das reações habilidosas com relação ao nível
socioeconômico dos participantes. Esses dados sugerem que os professores com maior
nível socioeconômico parecem diferenciar, com maior acurácia, as reações habilidosas
das não-habilidosas ativas em termos de adequação, valorizando mais intensamente as
primeiras. Em relação às não-habilidosas passivas, não foram observadas diferenças
significativas.
No presente estudo, não foram encontradas diferenças significativas quanto
ao tempo de magistério e escores de adequação das três reações possíveis e importância
da reação habilidosa, bem como ao correlacionar idade do professor e importância das
reações habilidosas ou adequação das três reações, corroborando o estudo de 2005. (DIAS
et. al, 2005). Além disso, não foi possível a realização de análises correlacionais entre as
escalas de adequação e importância com a característica nível de formação em virtude de a
grande maioria da amostra (48 professores) apresentar o terceiro grau completo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 352


Conclusões

Com base nos resultados, é possível concluir que os professores valorizam e


consideram como mais adequadas as reações habilidosas e as diferenciam das não
habilidosas, e que, entre estas, as reações não-habilidosas ativas foram consideradas ainda
menos adequadas, o que permite concluir que tais reações são as menos toleradas pelos
professores. Esses dados sugerem a necessidade de intervenções com professores visando
a alertá-los para as conseqüências negativas das reações passivas, como, por exemplo,
baixo rendimento acadêmico, bem como associação com transtornos psicológicos como
ansiedade e fobia social. (DEL & DEL PRETTE, 2005a; 2002;1999).
Os itens que obtiveram os escores médios mais elevados de adequação e
importância nas reações habilidosas foram aqueles que estavam relacionados às classes
de habilidades sociais empáticas e de civilidade. Tal constatação pode servir como
norteadora do planejamento de implantação de programas de intervenções que promovam
o desenvolvimento sócio-emocional na escola. Conforme sugerido por Del Prette & Del
Prette (2005b), a implantação de um currículo de habilidades sociais na escola poderia
ser iniciada pelas habilidades mais valorizadas em tal contexto, de maneira a garantir a
adesão e comprometimento inicial dos professores, contribuindo para tal implantação.
A característica sócio-demográfica tempo de magistério não apresentou resultados
significativos com relação aos escores de adequação e importância. Mas isso não justifica
rejeitar a possível influência dessa característica, já que na primeira etapa do presente
estudo, com amostra reduzida (DIA et al., 2005), foram encontradas correlações
significativas. Esses dados contraditórios poderiam nortear novos estudos a fim de
reexaminar a relação entre essas variáveis mais detalhadamente.
A continuação dessa linha de pesquisa poderia buscar a obtenção de dados
que contemplassem tanto escolas públicas como particulares a fim de comparar tais
populações, ampliando, assim, o campo de conhecimento nessa área e, com isso, investigar
com maiores detalhes a influência de tal característica, de maneira a programar
intervenções distintas nessas duas populações, caso sejam observadas diferenças
significativas em tal análise.
Outra questão refere-se aos dados do presente estudo terem sido obtidos por
meio do relato verbal, podendo contrastar com a prática do professor em sala de aula.
Uma possível razão disso pode ser a falta de conhecimento dos professores no que concerne
a propor atividades que promovam desenvolvimento interpessoal em seus alunos. Dessa
forma, programas de treinamento poderiam ser oferecidos aos professores a fim de torná-
los capazes de implementar atividades com vistas à promoção de habilidades sociais.
Pesquisas futuras poderiam investigar a possível correspondência entre o relato verbal
dos professores e sua prática pedagógica ou identificar as possíveis razões da falta de
correspondência entre o que dizem valorizar e o que realmente fazem.

Notas
1
Este estudo é produto de subprojeto desenvolvido pela primeira autora enquanto Bolsista de Iniciação
Científica - CNPq sob orientação dos dois últimos autores. O segundo e o terceiro autores participaram do
tratamento de dados e do relatório final desse estudo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 353


2
Graduação em Psicologia - UFSCar; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – UFSCar.

3
Mestre e Doutorando em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
UFSCar.

4
Mestre em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial UFSCar.

5
Professor do Departamento de Psicologia; Laboratório de Integração Social – LIS da Universidade Federal
de São Carlos.

6
Professora do Departamento de Psicologia; Laboratório de Integração Social – LIS da Universidade Federal
de São Carlos.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 355


PARTE VII

ATENDIMENTO A ALUNOS COM


ALTAS HABILIDADES
OS VÁRIOS SENTIDOS DO PROJETO DE ATENDIMENTO AO ALUNO
TALENTOSO - PAAT: VEZ E VOZ DOS EX-ALUNOS

Carly Cruz1
Maria Aparecida Santos Correa Barreto2
Maria da Penha Costa Benevides França Silva3

Introdução

No início do ano de 1988, uma equipe de profissionais da Secretaria Estadual


de Educação – SEDU e outras pessoas interessadas em questões da inteligência, talento
e superdotação sentiram a necessidade de um maior conhecimento do assunto, dando,
assim, o primeiro passo para a formação de um grupo de estudos para aprofundamento
destas questões. (SILVA, 2003, p. 8).
As idéias do grupo encontraram eco em 26 de julho de 1991 com a
promulgação da Lei Estadual n.º 4554, que trata especificamente do “estudante talentoso
ou superdotado do tipo intelectual, acadêmico, criativo, social, psicomotor, de talento
especial para artes plásticas, musicais, dramáticas, literárias ou técnicas [...]”. (ESPÍRITO
SANTO,1991, p. 6).
Como um grande número de familiares e educadores solicitava à SEDU
orientações sobre como lidar com seus filhos ou alunos com indicativos de Altas
Habilidade/Superdotação- AH/SD, a idéia de se organizar um grupo para tais discussões
tomou corpo. Nasceu, assim, a Associação Brasileira para Super Dotados – ABSD –
Seção ES4, em 19 de novembro de 1991 que, a partir de 2002, passou a ser denominada
Associação Brasileira para Altas Habilidades/ Superdotação – ABAHSD – ES.
Durante o período de 1991 até 1994, foram realizadas várias etapas
preparatórias com pais e professores para enfim, no dia 27 de junho de 1995, o PAAT
passar a funcionar em um estabelecimento de ensino da rede estadual, no município de
Serra e em 1996 em Vitória, sob a forma de sala de recursos. Como dito anteriormente,
o projeto destinava-se a atender alunos com indicativos de AH/SD. A seguir,
explicitaremos melhor esta questão. Atualmente, várias concepções de superdotação têm
sido discutidas e propostas (Renzulli, 1986; Landau, 1990 , Winner, 1999; Freeman &
Guenther, 2000; Sternberg , 2000; Alencar , 2001 e outros), no entanto a definição adotada
pela PAAT até então é a do MEC, que define os alunos com AH/SD como possuidores
de

[...] notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes


aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica
específica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderança, talento
especial para artes e capacidade psicomotora. (Brasil, 1995, p. 17).

Em 2002, foi realizado o primeiro processo de avaliação do PAAT,


empreendido por meio de um trabalho monográfico apresentado pela Técnica Pedagógica
da SEDU, no ano de 2003, intitulado “Projeto PAAT: identificação e avaliação dos alunos”,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 358


apresentado como requisito mínimo para a conclusão do Curso de Especialização lato-
sensu em Educação Especial para Bem Dotados, pela Universidade de Lavras – MG.
(Silva, 2003). Neste estudo, foi possível constatar sob o prisma dos pais entrevistados, o
grande diferencial do projeto na vida acadêmica, emocional e social dos alunos
participantes. Ao mesmo tempo o estudo evidenciou alguns pontos que deveriam ser
reconsiderados no que dizia respeito ao atendimento ocorrido por quase dez anos.
Apesar da política sistematizada por força de lei no Estado em relação ao
atendimento ao aluno Superdotado, os trabalhos do PAAT sempre aconteceram de forma
distanciada dos programas de Educação Especial da SEDU, fato esse que sempre refletiu
de maneira negativa nos desdobramentos do projeto. Além disso, a falta de clareza quanto
à definição ou concepção do sujeito atendido5 gerava dúvidas na nossa prática diária
quanto à pertinência do atendimento oferecido.
Pensar as AH/SD sob outro prisma, com o intuito de entender as práticas
pedagógicas do projeto e entender subjetivamente a influência (ou não) do mesmo na
vida dos ex-alunos passou a ser o nosso objetivo, mesmo para que isso promovesse uma
mudança radical no foco dado ao trabalho.

Dos objetivos

Diante deste cenário, começamos a pensar num percurso investigativo que


desse conta de abordar este trabalho pioneiro, reconhecido nacionalmente em várias
publicações científicas, que no entanto, ainda precisava ser desvelado quanto a sua prática
pedagógica em relação aos alunos atendidos.
Demos início então a uma pesquisa intitulada “Os vários sentidos do projeto de
Atendimento ao aluno Talentoso- PAAT: Vez e Voz dos ex alunos”, por entendermos que o
que nós até então indagávamos e discordávamos, poderia ser clarificado a partir da ótica
dos alunos que já haviam passado por aquela experiência.
Pensamos desta forma: desvelar por meio das “falas escritas” dos ex-alunos,
de que forma as experiências vivenciadas por eles no PAAT influenciaram no seu
desenvolvimento cultural e também qual o sentido deste desenvolvimento nas suas
experiências atuais. Portanto objetivamos:
De modo geral:

• Analisar o trabalho desenvolvido nas intervenções do PAAT, sob a ótica dos ex-
alunos, por meio da sua escuta.

De modo específico:

• Compreender as interações pedagógicas ocorridas no PAAT sob o prisma dos alunos;

• Entender a importância do PAAT(passado) como o outro na constituição do sujeito


ex-aluno;

• Desvelar o sentido do PAAT no presente do sujeito ex- aluno.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 359


Do percurso metodológico

A pesquisa de cunho qualitativo e descritivo fundamentou-se na perspectiva


histórico-cultural em psicologia, pois entendemos que

Toda a história do desenvolvimento psíquico da criança nos ensina que, desde os


primeiros dias de vida, sua adaptação se consegue por meios sociais, por meio
das pessoas circundantes. O caminho que vai da coisa à criança e da criança à
coisa passa através de outra pessoa. O trânsito da via biológica do desenvolvimento
à social é o elo central no processo de desenvolvimento, o ponto de virada
radical da história do comportamento da criança... A linguagem joga aqui um
papel de primeira ordem (VYGOTSKY apud Martinez & Simão, 2005, p. 78).

O trabalho foi desenvolvido da seguinte forma: primeiramente, selecionamos


trinta (30) ex-alunos, seguindo os seguintes critérios:

• alunos que frequentaram o projeto por um ano ou mais;

• alunos que estivessem afastados do projeto há mais de seis meses.


Em seguida, foi enviada uma correspondência para os pais ou responsáveis
juntamente com um instrumento à parte para os alunos. Foi solicitada, aos participantes,
a produção de um texto, com o gênero do discurso que eles preferissem para descrever e
representar o PAAT: “Como um pessoa que ele não via há muito tempo e que gostaria de dizer- lhe
algumas coisas sinceras sobre o tempo em que passaram juntos”.
A amostra da pesquisa foi constituída por 8 (oito) ex-alunos, numa faixa
etária entre 10 e 15 anos. Os textos, em sua maioria, foram escritos no gênero carta e a
análise baseou-se nos pressupostos da análise de conteúdo de BARDIN (1997), que nos
diz que “[...] por detrás do discurso aparente geralmente simbólico e polissêmico, esconde-
se um sentido que convém desvendar”. (p. 14). Para a análise dos textos, instituímos 3
pontos que consideramos importantes para “desvendar alguns sentidos do PAAT”. São
eles:

I- Importância das experiências vividas por meio das atividades desenvolvidas no projeto;

II- O PAAT como o outro na constituição do sujeito ex- aluno;

III- O PAAT (passado) como unidade de sentido (presente).

Dos resultados e discussões

Consideramos de extrema valia a fala de cada um, pois pudemos perceber


toda a sua subjetividade, trazendo, assim, à tona os seus sentidos singulares. Ao
analisarmos o primeiro ponto, foi apontada a importância das experiências vivenciadas,
considerando-as como um diferencial no trabalho desenvolvido no PAAT.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 360


“No período em que participei, realizei [...] diversas atividades[...] Com o PAAT, não fiquei
somente na sala de aula”. (Pedro)

No segundo ponto, foi indicado o PAAT como o outro na constituição de


suas subjetividades.

“O que ficou de você em minha lembrança foi o fato de nós aprendermos bastantes lições juntos e
foi graças a você que eu descobri meu potencial e minhas virtudes”. (João).

Por fim, no terceiro ponto, foi considerado o PAAT parte do passado que, no
entanto, se faz muito presente nas suas vidas atuais.

“No período em que participei do PAAT, aprendi a planejar, tive minha criatividade estimulada,
discuti idéias. De fato, foi um período muito proveitoso”. (Marcos).

É necessário investir na educação das crianças superdotadas/altas habilidades,


não somente no sentido de identificá-las, mas sim de implementar projetos educacionais
que atendam às suas reais necessidades, visando ao desenvolvimento do potencial
existente. Investimento na área significa também apoiar-se em pesquisas (que também
são escassas e precisam ser ampliadas) que poderão gerar conhecimento científico para
embasar novas práticas. Assim, é necessário que o país, como um todo, se sensibilize
sobre as evidências das pesquisas já produzidas. Conforme Virgolim, Fleith & Pereira
(1999),

Não podemos desperdiçar nossas inteligências; há por toda parte um rico manancial
de jovens esperando por melhores oportunidades e desafios as suas capacidades.
Precisamos de uma política educacional mais ampla, mais inteligente, voltada
para as necessidades educacionais de todos os indivíduos, dando-lhes
oportunidades concretas de se desenvolver adequadamente, engajando-os em
programas especiais bem planejados. (p. 16).

Das considerações finais

Em suma, os resultados indicaram, sob o olhar dos ex-alunos, a importância


do papel do outro – PAAT – nas inter-relações e como estas constituíram/constituem as
suas subjetividades hoje.
Para Rey (apud Martinez & Simão, 2005),

[...] Os sentidos subjetivos são portadores de uma emocionalidade autoproduzida


associada às inúmeras fontes emocionais envolvidas com sua gênese. O sentido
não representa nunca uma expressão psicológica pontual, mas expressa sempre a
integridade inseparável de processos simbólicos e emocionais que legitimam uma
zona do real para o sujeito. (p. 17).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 361


Assim, as políticas de atendimento educacional para estes alunos, bem como
as práticas para sua inclusão, exigem uma nova abordagem e grande motivação, não só
do professor, mas de toda a comunidade escolar. Neste momento, vemos que a percepção
da importância do papel do PAAT como o “outro” nas relações dos ex- alunos, constituem
ainda mais subjetividades, remetendo-nos a uma busca de outros sentidos para um trabalho
que, apesar de não ter alcançados todos os seus objetivos, foi marcante e continua presente
nos sujeitos-alunos.
E, para finalizar, pontuaremos alguns princípios que embasam nossa proposta
de atendimento educacional para os alunos com altas habilidades/superdotação,
fundamentados na nossa prática empírica no PAAT: os alunos com altas habilidades/
superdotação devem freqüentar uma escola com proposta inclusiva; o atendimento deve
integrar o aluno, a família e a escola; as altas habilidades/superdotação precisam estar
constantemente nas pautas de discussão de todas as instâncias da escola; a identificação
dos comportamentos que evidenciam as altas habilidades/ superdotação nos alunos deve
ser feita pelos professores, nas escolas, com apoio de uma equipe interdisciplinar, e a
Educação deve desenvolver ações continuadas e sistemáticas com outras áreas, pensando,
assim, no sujeito que ele é e não somente na condição em que ele se encontra.

Notas
1
Pedagoga,Professora do Projeto PAATe Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro
de Educação da UFES.

2
Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE do Centro de Educação da
UFES.

3
Técnica Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação e Coordenadora do PAAT.

4
A ABSD-ES era uma seccional da ABSD Nacional que foi a primeira associação deste tipo no Brasil, fundada
em 1978 no Rio de Janeiro-RJ.

5
Em todas as versões do projeto, as alusões ao aluno superdotado são sempre feitas por meio de
comportamento pré-estabelecidos derivados de várias check-list que não consideram o caráter singular do
sujeito.

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VIRGOLIM, A. M. R.; FLEITH, D. S. & PEREIRA, M. S. N. Toc,Toc... Plim ,Plim! Lidando


com as emoções, Brincando com o Pensamento Através da Criatividade. Campinas:
Papirus, 1999.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 363


O ATENDIMENTO ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES NO
ESTADO DE SÃO PAULO

Rosemeire de Araujo Rangni1

Introdução

O presente trabalho é fruto de pesquisa realizada, quando de meu Mestrado,


na Universidade Cidade de São Paulo – UNICID –, que versou sobre o atendimento às
pessoas com altas habilidades da rede escolar no Estado de São Paulo.
A legislação vigente recomenda que aqueles que possuem altas habilidades
têm de ser atendidos, por conta de características específicas, o mais cedo possível,
contudo, não é o que acontece no Estado de São Paulo.
Dentre as várias hipóteses, que podem explicar tal situação, está o preconceito
de educadores e da própria sociedade, que os rotula como sujeitos que caminham por si
sós e os abandonam à própria sorte. É verdade que o preconceito e a desatenção podem
estar fundados no desconhecimento, que demonstram educadores, família e comunidade,
sobre o universo desse grupo, tido como não pertencente à Educação Especial.
A diversificação dos serviços educacionais, para atender à diversidade de
necessidades individuais, com iguais oportunidades, é realmente um desafio, especialmente
quando envolve educandos com altas habilidades. Contudo, se esse grupo não for incluído
nos serviços educacionais especiais, continuará a sofrer preconceito e desatenção.
Por tudo isso, reparar essa lacuna é de suma importância. Há que se investir
na capacitação daqueles que estão ou estarão envolvidos com esses sujeitos, que possuem
capacidade superior. O que já é realizado por alguns programas de atendimento, no Brasil,
e em outros países onde a pesquisa e os serviços educacionais estão mais adiantados.

Objetivos

O objetivo primeiro do estudo, levado a efeito aqui, é trazer à baila a questão


do atendimento aos educandos com altas habilidades/superdotação na rede de ensino
do Estado de São Paulo e, assim, considerar hipóteses sobre o dever legal do estado com
relação à provisão educacional.
Outro objetivo, que decorre do primeiro, é o de apontar características,
próprias do universo desse grupo de sujeitos, como os mitos e os preconceitos, que
acabam por criar barreiras que dificultam o desenvolvimento de programas que o
identifique e contribua para desenvolvê-lo em suas necessidades educativas especiais.

Metodologia

A metodologia aditada para a execução do trabalho foi o da Análise


Documental, em perspectiva hermenêutica. Além dos dados obtidos, quando da leitura
dos documentos, outros foram obtidos por meio de entrevistas com educadores, pela
Internet e por telefone, e por meio de visitas à Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 364


Justificativa

O fascínio por aqueles que apresentam talentos e habilidades excepcionais


vem de longa data. Na Grécia Antiga, um dos países culturalmente mais desenvolvidos,
deu-se grande atenção aos jovens com maior inteligência, por mais de dois milênios.
(ALENCAR & FLEITH, 2001, p. 41).
Durante o século XX, muitas pesquisas foram realizadas com aqueles que se
destacaram por sua inteligência superior. Destacam-se trabalhos como os de Hollingworth
(1942); Terman (1954); Roe (1952), citados por ALENCAR & FLEITH (2001, p. 42).
Embora sejam muitos os termos empregados para denominar os que possuem
altas habilidades, ainda é freqüente o uso do termo superdotado, principalmente no meio
educacional brasileiro. Ao citar Stanley, Alencar & Fleith (2001, p. 154), lembram que o
termo sugere bipolaridade – superdotado ‘versus’ não-superdotado. Por este motivo, Stanley,
Alencar & Fleith (2001) preferem empregar termos similares, tais como altas habilidades,
aptidões superiores, indivíduos mais capazes ou indivíduos com talentos especiais e
consideram que os termos superdotação e superdotado tendem a obstruir o nosso
pensamento e a gerar resistência com relação aos esforços em favor de melhores condições
à educação de jovens com altas habilidades.
A SEESP, Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e
Desporto, em 1995, citada por Alencar & Fleith (2001), sugere o uso do termo alunos
portadores de altas habilidades para:

Crianças portadoras de alta habilidade as que apresentam notável desempenho


e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou
combinados: capacidade intelectual geral: aptidão acadêmica específica;
pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para
artes e capacidade psicomotora. (p. 56).

Contudo, a diversidade de características, que possuem aqueles com altas


habilidades, implica a necessidade de buscar mais critérios para a sua identificação. Porém,
não há consenso dentre os teóricos, no que diz respeito à definição sobre o que são as
altas habilidades. Por outro lado, em nosso país, tal definição é dificultada por traduções
imprecisas e concepções individuais inadequadas.
De qualquer modo, o termo superdotado foi disseminado, entre nós, por
norte-americanos, que aqui estiveram no início dos anos 1970, e se valeram da tradução
do World Council for Gifted and Talented Children, sediado nos Estados Unidos.
Talentoso é outro termo difundido entre os especialistas. Para Guenther
(2000), talentosas “são aquelas pessoas que realizam com alto grau de qualidade e em
nível superior algo reconhecido por uma sociedade”. (p. 27). Mas, para outros, o talento
está vinculado somente aos aspectos artísticos, o que contribui sobremaneira para
obstaculizar o entendimento conceitual.
O que se pode afirmar é que há seis áreas a serem consideradas (BRASIL,
2002, p. 15): habilidade intelectual geral, talento acadêmico; habilidade de pensamento
criativo e produtivo; liderança; artes visuais e cênicas e habilidades psicomotoras. Tais
áreas consideram tanto o talento especial para artes como o talento especial para o

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 365


acadêmico.
Hoje, as diversas concepções de inteligência destacam fatores psicossociais,
políticos, econômicos e ambientais, que influenciam a capacidade superior dos sujeitos,
e superam a idéia de que inteligente é aquele que passa nos testes estandardizados.
Os testes padronizados são discutíveis, na medida em que ampliam a natureza
multidimensional da inteligência, ou seja, não pode ser mensurada por testes
convencionais, que atingem apenas uma parcela dela. Apesar de muito difundido, o teste
de Q.I. não é suficiente para identificar aqueles que possuem altas habilidades.
O Ministério da Educação / Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 2002)
define traços comuns para o alunado com altas habilidades/ superdotação. Termo, este,
usado oficialmente:

Grande curiosidade, envolvimento com muitos tipos de atividades exploratórias;


Auto-iniciativa;
Originalidade de expressão oral e escrita;
Talento incomum para expressão em artes;
Habilidade para apresentar alternativas de soluções com flexibilidade de
pensamentos;
Abertura para a realidade, sagacidade e capacidade de observação;
Capacidade de enriquecimento com situações problemas;
Capacidade para usar conhecimento e informações;
Combinação de elementos. Idéias e experiência de forma peculiar;
Capacidade de julgamento e avaliação superiores;
Produção de idéias e respostas variadas;
Gosto por correr riscos;
Habilidade em ver relações entre fatos;
Aprendizado rápido, fácil e eficiente, especialmente, em sua área de interesse. (p.
16).
Define, também, características comportamentais:

Necessidade de definição própria;


Capacidade de desenvolver interesses ou habilidades específicas;
Interesse no convívio com pessoas de nível intelectual similar;
Resolução rápida de dificuldades pessoais;
Aborrecimento com a rotina;
Busca de originalidade e autenticidade;
Capacidade de redefinição e de extrapolação;
Espírito crítico, capacidade de análise e síntese;
TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 366
Desejo pelo aperfeiçoamento pessoal e não aceitação de imperfeição no trabalho;
Rejeição à autoridade excessiva;
Desinteresse por regulamentos e normas;
Senso de humor altamente desenvolvido;
Alta exigência;
Persistência em satisfazer interesses e questões;
Sensibilidade às injustiças;
Gosto pela investigação;
Comportamento irriquieto;
Descuido na escrita, deficiência na ortografia;
Impaciência com detalhes e com aprendizagem que requer treinamento;
Descuido com tarefas quando desinteressado. (BRASIL, 2002, p. 16).

Conceitos discutíveis constituem obstáculos à identificação e ao atendimento


educacional ao grupo daqueles que possuem altas habilidades. Teóricos como Alencar
(1986), Guenther (2000) e Alencar & Fleith (2001), dentre outros, fazem também
referência a mitos e preconceitos, que também obstaculizam a “visibilidade” desses
educandos no sistema escolar.
Que o aluno superdotado apresentará necessariamente um bom rendimento
escolar é um mito. E dos mais difundidos. Alencar & Fleith (2001) afirmam que “é muito
comum a discrepância entre potencial (aquilo que o sujeito é capaz de fazer e aprender)
e o desempenho real (o que o sujeito efetivamente demonstra conhecer)”. (p. 94).
Aqueles que possuem altas habilidades carregam, também, no meio
educacional, muitos “rótulos” – “CDFs”, “nerds”, “doidos”, “esquisitos”, etc. – porque
seus desempenhos em sala de aula são diferenciados.
Para Goffmann (1988, p. 12), a relação de atributo e estereótipo cria um
estigma, que se evidencia quando o “diferente” se vê diminuído ou o “descrédito” é tão
grande que o inabilita para a aceitação social. Salienta, ainda, o autor, que muitos, para
se sentirem parte do grupo dos “normais”, em termos intelectuais e comportamentais,
ocultam suas habilidades: evitam mostrar sua real identidade no meio escolar, familiar e
social, para poder interagir.
As leis que regem a Educação Especial no Brasil protegem os que possuem
necessidades educacionais especiais, inclusive os que possuem Altas Habilidades/
Superdotação. Contudo, o mesmo não se dá na rede pública escolar.
O Brasil é signatário de convenções, acordos e declarações internacionais,
dentre eles a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), a Declaração Mundial
Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), que faz referência aos
direitos dos alunos com características educacionais diferenciadas. Na Declaração, “a
adoção de sistemas mais flexíveis e adaptativos, capazes de mais largamente levar em
consideração as diferentes necessidades das crianças irá contribuir tanto para o sucesso
educacional quanto para inclusão”. (item 26).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 367


As leis brasileiras, especialmente após as Leis de Diretrizes e Bases de 1996,
foram emanadas para estar em consonância com o estabelecido nas convenções
internacionais, porém, na prática, as ações não se efetivam adequadamente.
Há que se observar que as Leis Diretrizes e Bases 9394/96, Art. 60, § único
estabelece que:

O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do


atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública
regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste
artigo. (BRASIL, 1996).

Já o Parecer 17/2001, que aprova a Resolução CNE/CEB nº 2/2001, Artigo


5º, III, que institui as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica,
apresenta os superdotados como um grupo discriminado, à margem do sistema educacional,
e define altas habilidades/superdotação como “a grande facilidade de aprendizagem que
os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes”. (BRASIL,
2001a). Na esfera legislativa paulista, a Constituição Estadual, de 1989, em seu Capítulo
III – Da Educação, da Cultura e dos Esportes e Lazer, contempla o Ensino Especial, mas
não faz referências ao tratamento dos alunos com capacidade superior.
Com base na Lei de Diretrizes e Bases, a Deliberação CEE nº 05/00, em seu
Art. 5º, estabelece que “aos alunos que apresentem altas habilidades devem ser oferecidas
atividades que favoreçam aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares,
de forma a desenvolver suas potencialidade criativas”. (BRASIL, 1996).
Observa-se, também, que, em meio a muitos artigos, os que possuem altas
habilidades são pouco mencionados, talvez porque as leis que a originaram façam o
mesmo.
O quadro abaixo aponta o número de matrículas de alunos com altas
habilidades em escolas do Estado de São Paulo de 1996 a 2004:
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
RE* 4 0 1 1 0 0 0 0 0
RP* 25 4 62 29 38 73 35 27 18
RM* 5 1 3 0 18 1 0 68 47

80
Número de Matrículas

60
RE
40
RP
20 RM

0
96

97

98

99
00
01

02
03

04
19

19
19

19

20
20

20

20

20

Anos

Fonte: Secretaria de Educação do Estado de São Paulo / CIE/ATPCE/SEESP


*RE - Rede Estadual / RP - Rede Particular / RM - Rede Municipal/2004

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 368


Como se pode perceber, os dados mostram que a Rede Estadual Paulista
tem sido omissa no provimento educacional aos alunos com altas habilidades, o que
descumpre a Deliberação CEE 05/00.
Neste cenário, algumas questões: por que privilegiar na legislação, mesmo
que de forma modesta, aqueles que possuem habilidades superiores e não se operacionalizar
o atendimento a eles? Por que priorizar as outras necessidades especiais, em detrimento
das Altas Habilidades?
Claro está que a ignorância de que os que possuem altas habilidades
necessitam educação educacional especial é a causa primeira para tal disparate. Para
Perez (2003, p. 6), a deficiência é alvo de pena e comiseração o que não ocorre às pessoas
com altas habilidades. Mesmo diante de tal abandono, é possível destacar iniciativas
particulares. Uma delas, a do Programa Objetivo de Ensino ao Talento – POIT –, mantido
pela Universidade Paulista – UNIP – e pelo Centro Educacional Objetivo. Outra, do
Instituto Social Maria Teles – ISMART –, que tem como objetivo fazer com que os
alunos carentes economicamente, mas com altas habilidades, cheguem às melhores
universidades públicas em igualdade de condições com os estudantes da rede particular
de ensino.
CASTRO (2005), em artigo publicado na Revista Veja, de 19/01/2005, se
refere à importância de “pescar talentos”, principalmente na camada pobre da sociedade.
“É essa pescaria que vai escolher aqueles que irão desempenhar funções de liderança,
receber responsabilidades maiores na administração e impulsionar a Ciência. São eles
que podem mudar o país”. (http://veja.abril.com.br/190105/ponto_de_vista.html).
Sugere, ainda, que a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo não provê a
identificação e o atendimento dos talentos em sua rede de ensino, por conta de uma
política de educação excludente. Mas a qual exclusão se refere? Se pensarmos em Martins,
citado por Carvalho (2004), “exclusão não é o avesso de inclusão, pois o avesso desta
pode ser uma inclusão marginal”. (p. 46).
Pelo exposto, percebe-se quais dificuldades levam a não identificação e ao
provimento educacional ao alunado com altas habilidades/superdotação na rede pública
de ensino do Estado de São Paulo:

1. Políticas Públicas inadequadas;


2. inexistência de formação de agentes escolares;
3. desenvolvimento de pesquisas na área de altas habilidades e
4. inexistência de uma entidade representativa.

Resultados e Discussão

Neste trabalho, deparei-me com a debilidade de atendimento educacional


aos alunos com altas habilidades, especialmente, na rede pública de ensino no Estado de
São Paulo. Observei a carência ou, até mesmo, a inexistência de programas de Educação
Especial no Estado.
Está clara a escassez de conhecimento na área de altas habilidades dos agentes
educacionais. Observa-se, claramente, que os mitos e preconceitos fazem com que os

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 369


que pensam as políticas públicas, bem como a educadores, não percebam que esse grupo
de sujeitos, psicológica e socialmente bem assistidos, pode dar grande contribuição a
diversos campos do saber e do fazer.
Há forte resistência entre os educadores quando se propõem programas de
provisão educacional a alunos, para quem é necessário priorizar as pessoas com outras
necessidades especiais, até mesmo porque não há tantos superdotados assim.
Porém, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que 3 a
5% de qualquer população possui altas habilidades. Por isto, o Estado de São Paulo deixa
enorme quantidade de alunos de sua rede de ensino sem tratamento educacional adequado.

Conclusão

Com meu desenvolvimento profissional na docência, percebi que há alunos


com maior facilidade de aprendizado do que outros. Isto fez com que me enveredasse
pelos vários aspectos do universo dos que possuem capacidade cognitiva e talento acima
da média.
Um dos aspectos mais intrigantes dessa experiência é a de saber como essas
crianças, jovens e adultos são atendidos no sistema educacional. Infelizmente, é ínfimo o
número daqueles que são atendidos. Trata-se de uma debilidade que se apresenta com
muita ênfase no Estado de São Paulo. Portanto, deve-se priorizar o cumprimento da
legislação.
Urge que as Políticas Públicas concebam programas de atendimento, como
os que ocorrem com sucesso noutros países e em alguns pouquíssimos programas
brasileiros. Mas não se pode esquecer de que, para que programas de atendimento
educacional sejam bem sucedidos, é necessária a capacitação, não só do professor, que
irá atuar diretamente com os alunos com altas habilidades, mas também de todos os
envolvidos no processo. É preciso criar Centros ou Institutos de pesquisa geridos por
governos ou universidades. Há que se reconhecer que o Estado de São Paulo está distante
dessa realidade. E há que se reivindicar a existência de uma entidade representativa que
apóie o desenvolvimento daqueles que possuem capacidade superior, bem como auxilie
as suas famílias.

Notas
1
Universidade Cidade de São Paulo – UNICID

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2008.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 372


PARTE VIII

AUTISMO:
Aspectos comunicativos
IDENTIFICAÇÃO DAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO EM SITUAÇÕES
DE ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA NA CRIANÇA AUTISTA

Luciana Ramos Baleotti1


Débora Deliberato2

Introdução

Caracterizado como um distúrbio profundo do desenvolvimento, o autismo


foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner. Kanner
(1997) não definiu especificamente o termo autismo, mas descreveu o quadro clínico de
onze crianças, sendo, dessa forma, possível relatar características comuns consideradas
essenciais. As principais características pontuadas pelo autor referiam-se à incapacidade
de essas crianças se relacionarem com pessoas e com objetos; atraso na capacidade de
falar; impossibilidade de uso da linguagem como instrumento de comunicação com as
demais pessoas; comportamentos salientados por atos repetitivos e estereotipados;
obsessão em manter imutável o seu ambiente físico.
Rutter (1967) fez uma análise crítica das evidências empíricas acerca do
autismo encontradas até aquele momento e considerou quatro características como
principais: isolamento social; incapacidade de elaboração de linguagem responsiva;
presença de conduta motora bizarra em padrões de brinquedo bastante limitados e início
precoce, antes dos trinta meses de idade.
De acordo com a CID-10 (OMS, 1993), o autismo passou a ser considerado
como um distúrbio do desenvolvimento, também caracterizado por padrões de
comportamento, atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados.
Especialmente na primeira infância, há uma tendência de vinculação a objetos incomuns.
A criança fixa-se em rotinas particulares e rituais de caráter não-funcionais. No DSM-IV
(APA, 1980), o autismo caracteriza-se como transtornos globais do desenvolvimento, a
criança pode apresentar uma hiper ou hiporreação a estímulos sensoriais, como luz, dor
ou som.
As crianças autistas apresentam, desde seus primeiros anos de vida, uma
incapacidade acentuada de estabelecer relações pessoais. Ajuriaguerra & Marcelli (1991)
salientaram que os principais marcos do despertar psicomotor do primeiro ano de vida
estão alterados, como ausência de sorriso social, o qual surge em torno do terceiro mês
de vida, e ausência de reação de angústia diante de pessoa estranha, que normalmente se
manifesta por volta do oitavo mês.
Com relação especificamente aos déficits de linguagem, a literatura tem
destacado e discutido desde a ausência na aquisição da linguagem quanto a possíveis
perdas em habilidades adquiridas, como no caso das vocalizações. Cerca da metade das
crianças autistas nunca falam e emitem poucos sons e resmungos. Quando a linguagem
se desenvolve, não tem tanto valor de comunicação e geralmente se caracteriza por uma
ecolalia imediata ou tardia, linguagem restrita e estereotipada ou ainda a persistência de
manifestações verbais com características bem peculiares como dificuldade de reversão
do pronome pessoal, ou seja, alguns sujeitos referem-se sempre a si mesmos na terceira

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 374


pessoa. Essas características têm propiciado que diferentes autores proponham discussões
de que a linguagem do autista não possua a função de transmitir uma mensagem a outra
pessoa. (KANNER, 1997; ASSUMPÇÃO, 1997; BALLONE, 2002; SALLE et al.,
2005).A criança autista traz consigo a dificuldade em manifestar suas necessidades, seus
desejos e frustrações nos diferentes contextos sociais em que se encontra. A capacidade
de expressar as necessidades relacionadas às atividades de vida diária (AVDs) também
podem estar prejudicada, pois a dificuldade em manter relações interpessoais, os
comprometimentos cognitivos e de linguagem, as impede de expressar as necessidades
em relação às AVDs. As AVDs, tarefas de desempenho ocupacional que o indivíduo
realiza diariamente, são consideradas como um dos aspectos específicos da Terapia
Ocupacional. Compreendem atividades fundamentais para a sobrevivência, como
alimentar-se, vestir-se, a manter-se limpo, dentre outras. (TROMBLY, 2005; TEIXEIRA,
2003; FINGER, 1986).Assim, a busca de formas alternativas para favorecer a autonomia
na vida cotidiana das crianças autistas constitui-se em um dos fatores fundamentais para
a sua inclusão social. Nesse sentido, pesquisadores da área de comunicação alternativa
têm demonstrado e alertado que recursos e procedimentos utilizados com crianças autistas
por meio de sistemas de comunicação alternativa poderiam inserir e ampliar habilidades
comunicativas e, assim, garantir possibilidades expressivas. A comunicação alternativa é
uma área de conhecimento que envolve um conjunto de procedimentos técnicos e
metodológicos direcionados às crianças, jovens e adultos com perda ou retardo no
desenvolvimento da linguagem falada, escrita e sinalizada no caso de indivíduos surdos.
(THIERS, 2000; DELIBERATO & MANZINI, 2003).
Deliberato, Manzini & Guarda (2006) discutiram a necessidade de identificar
as habilidades comunicativas utilizadas por diferentes crianças com deficiência nas
situações naturais para elaborar e implementar o recurso de comunicação alternativa.
Nesse sentido, há uma preocupação por parte dos pesquisadores em elaborar ou adaptar
instrumentos para identificar as habilidades comunicativas e o vocabulário da criança
com necessidade complexa de comunicação. (DELIBERATO, MANZINI &
SAMESHIMA, 2003).

Objetivo

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi identificar as formas de


comunicação em situações de atividades de vida diária utilizadas por uma criança autista
do gênero masculino, cinco anos de idade, no contexto escolar e domiciliar.

Material e método

Aspectos Éticos

O presente trabalho fez parte do projeto “Percepção de famílias de alunos


não-falantes a respeito das possibilidades expressivas de seus filhos”, aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da F.F.C. – UNESP/Marília-SP, sob o parecer nº 796/
2005. Os participantes receberam as informações pertinentes à pesquisa, tendo sido
firmada a anuência de todos por meio do termo de consentimento livre e esclarecido.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 375


A seleção dos participantes foi feita levando em consideração os grupos sociais
nos quais, atualmente, a criança deste estudo encontrava-se inserida. Assim, participaram
deste estudo os pais da referida criança, a professora e a auxiliar de classe de uma creche-
escola estadual, onde o mesmo estava inserido.
Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos. O primeiro
instrumento foi o Catálogo de avaliação do grau de independência de crianças entre
quatro e cinco anos de idade. Trata-se de um instrumento já validado, composto por
dezessete enunciados que avaliam os níveis de independência nas AVDs. Cada enunciado
é seguido de cinco alternativas que expressam o grau de independência da criança. O
respondente deve assinalar apenas uma das cinco alternativas. A criança pode obter nota
de 1 a 5 em cada enunciado. (MATSUKURA & MARTURANO, 2001). O segundo
instrumento foi o Protocolo de avaliação das formas de comunicação em situações de
AVD, elaborado a partir de análises criteriosas de protocolos e roteiros utilizados em
pesquisas e centros de atendimentos especializados em comunicação alternativa.
(ROTHSCHILD, SWAINE & NORRIS, 2001).
A aplicação dos dois protocolos foi feita por meio de entrevista estruturada
com os participantes. As entrevistas foram realizadas individualmente, com duração
variando entre 30 e 40 minutos em locais pré-estabelecidos.
Para a análise dos dados contidos no Catálogo de avaliação do grau de
independência de crianças entre quatro a cinco anos de idade, primeiramente foi feita a
somatória dos pontos obtidos em cada enunciado. A partir da somatória, calculamos a
média, dividindo-se a soma pelo número total de questões. Discriminam-se no intervalo
entre 1 e 1, 9, crianças independentes; entre 2 e 4, crianças semi-independentes e, de 4,1
a 5, crianças dependentes. Para identificar as formas de comunicação em situações de
AVDs, procedemos a uma análise descritiva das habilidades comunicativas da criança
obtidas por meio do segundo instrumento de coleta de dados.

Resultados e discussão

Os resultados expressos em escores foram obtidos em relação ao grau de


independência nas AVDs de acordo com a avaliação de cada um dos participantes, como
pode ser visto na tabela 1.

TABELA 1 – Escores em relação à independência nas AVDs.

É possível constatar na tabela 1 que os escores em relação à independência


nas AVDs variaram de 2,0 a 3,5. É interessante ressaltar que a criança apresentou variação

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 376


no escore, porém dentro de um mesmo grau de classificação. Esse dado pode sugerir uma
maior confiabilidade do grau de independência obtido pela criança.
A variação maior nos escores foi obtida junto à professora e a auxiliar de
classe. Os resultados evidenciaram que, provavelmente, os professores deste estudo
tiveram um olhar direcionado para as competências e capacidades da criança autista e
não apenas para a sua incapacidade ou deficiência. Este fato é importante no contexto
da educação inclusiva, pois valorizar as capacidades e potencialidades que o aluno
apresenta e demonstrar um olhar voltado não somente para os aspectos orgânicos da
deficiência, mas também um olhar direcionado para as habilidades do aluno. (SORO-
CAMATS, 2003). O fato de a criança ser semi-independente no contexto escolar é
importante. Talvez, isso se deva ao fato de a criança ter um modelo socioeducacional
comum, o que contribui para a sua independência em situações de AVD.
No que concerne à família, os dados apontaram que os pais têm contribuído
para a independência da criança em situações de AVD, possibilitando o processo de
desenvolvimento e de integração social da criança autista. No entanto, o fato de apresentar
uma variação menor nos escores comparativamente aos escores obtidos na avaliação dos
professores, pode estar relacionado ao fato de no ambiente domiciliar os pais,
provavelmente, oferecerem mais ajuda para a realização das AVDs do que o necessário,
o que acaba por ocultar a manifestação da independência da criança em certas situações
do cotidiano familiar.
A seguir estão os resultados obtidos a partir da análise das formas de expressão
utilizadas pela criança autista em situações de AVD. Para uma melhor explicitação dos
dados, os resultados foram divididos em eixos temáticos, ou seja, linguagem receptiva;
formas de expressão; habilidade funcional de comunicação em situações de vestuário;
higiene pessoal e alimentação.
Em relação à linguagem receptiva, os resultados demonstraram que a criança
compreendeu apenas frases curtas, simples e objetivas e, normalmente, seguiu as instruções
que lhe foram oferecidas. Estudos discutiram que os indivíduos autistas apresentam
intenção comunicativa (MOLINI & FERNANDES, 2003) e mostram-se sensíveis ao
interlocutor. (BERNARD-OPTIZ, 1982). Esta última autora estudou a interferência de
diferentes interlocutores na comunicação da criança autista. Os resultados mostraram
que estas crianças utilizavam mais funções comunicativas quando interagiam com um
adulto familiar (clínico e a mãe) do que com um adulto não familiar.
No que se refere às formas de expressão da criança autista, os resultados
evidenciaram que tanto os pais quanto os professores indicaram que a criança se
comunicou por meio do olhar, expressão facial, palavras isoladas ou, então, por meio de
pegar a mão do adulto direcionando-o ao que desejava. Esse dado está de acordo com a
afirmação de Salle et al. (2005), os quais enfatizaram que quando a criança autista quer
atingir um objetivo, pega a mão ou o punho de um adulto, mas raramente seu pedido é
acompanhado de um gesto simbólico ou de uma mímica. Os resultados indicaram também
que as formas de expressão da criança deste estudo não expressavam o desejo de manter
um diálogo, mas apenas a necessidade em atingir determinado objetivo.
Com relação à habilidade funcional de comunicação em situações de vestuário,
os dados evidenciaram que a criança não comunicou seu desejo quanto às peças de
roupas ou sapatos a serem utilizados. Não informou sensações de frio ou calor. Com

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 377


relação às formas de comunicação funcional nas atividades de higiene pessoal, a criança
comunicou verbalmente quando necessitava ir ao banheiro para suas necessidades básicas,
dizendo palavras isoladas como “xixi e cocô”. Porém, não comunicou seu desejo de
tomar banho ou de escovar os dentes. Sendo estas duas últimas atividades feitas mediante
o auxílio e iniciativa de um adulto. No que diz respeito à alimentação, embora a criança
seja independente na tarefa de alimentar-se, manifestou seu desejo por determinado
alimento por meio de palavras ou gestos, caso este estivesse em seu campo visual.
É importante enfatizar também as habilidades da criança autista deste estudo.
Os resultados evidenciaram que essa criança é independente para realizar parte de suas
atividades de vida diária, como se alimentar e necessidades básicas. A independência nas
tarefas de desempenho ocupacional como as AVD representa um dos fatores de extrema
importância para a inclusão social de indivíduos com deficiência.
Não é possível tomar por referencial apenas as incapacidades para descrever
a criança autista. Pois, ao considerar a criança apenas sob a ótica da funcionalidade,
deixamos em segundo plano algo bem mais relevante, que é o sujeito enquanto ser
subjetivo, capaz de expressar seus sentimentos e emoções. A incapacidade pode se
manifestar na interação entre as demandas da criança, da atividade e do contexto físico e
social. A possibilidade de promover condições que facilitem as formas de expressão da
criança autista constitui-se como um dos fatores preponderantes para que a capacidade
se sobreponha à incapacidade.

Conclusão

Por meio deste estudo, foi possível identificar dois aspectos relevantes. O
primeiro está relacionado ao fato de a criança autista ser semi-independente para a realização
de suas atividades de vida diária. O segundo refere-se à capacidade de a criança manifestar
os seus desejos, porém há a necessidade de que o objeto concreto esteja em seu campo
visual para que seja possível expressar-se funcionalmente. Este dado evidenciou que a
falta de adequação entre as demandas da pessoa, da tarefa e do ambiente, pode restringir
a capacidade da criança. O estudo também evidenciou que as incapacidades não são
advindas unicamente da condição de deficiente, mas também das condições do meio
oferecidas à pessoa deficiente.
Baleotti (2006) enfatizou que a adequação pessoa-atividade-ambiente refere-
se à compatibilidade entre as habilidades e capacidades do indivíduo, às demandas da
atividade, e às características dos ambientes físico, social e cultural, o que é importante e
fundamental para determinar o sucesso do indivíduo é a interação entre essas áreas.
É por meio da compreensão da interação entre as áreas de desempenho
ocupacional que constatamos a necessidade da elaboração de um sistema de comunicação
alternativa para que essa criança possa manifestar seus desejos de forma funcional,
aumentando o seu repertório de habilidades nas atividades de vida diária. Em função
disso, este estudo certamente terá continuidade.

Notas
1
Docente do Curso de Terapia Ocupacional. Departamento de Educação Especial – FFC/UNESP, Marília.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 378


2
Docente do Departamento de Educação Especial e do Programa de Pós-Graduação em Educação – FFC/
UNESP, Marília.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 380


PERFIL COMUNICATIVO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNOS DO
ESPECTRO AUTÍSTICO E EM DESENVOLVIMENTO NORMAL
DURANTE INTERAÇÃO COM SUAS MÃES

Maria Claudia Brito1


Andrea Regina Nunes Misquiatti2
Kester Carrara3

Introdução

Pode-se constatar, pelo exame da literatura científica, que poucos estudos


sobre a comunicação mãe-criança do espectro autístico têm sido realizados na população
brasileira, especialmente no que se refere aos aspectos funcionais da linguagem que são
enfocados no presente trabalho. Em decorrência do interesse e relevância social dessa
relação a práticas de intervenção, o objetivo deste estudo foi comparar o perfil
comunicativo de crianças com Transtornos do Espectro Autístico (TEA) e crianças com
desenvolvimento normal, durante interação lúdica com suas mães.
Autores ressaltam a importância da interação mãe-filho e suas implicações
para o desenvolvimento social, lingüístico e cognitivo da criança. (BOWLBY, 1981;
SPITZ, 1998;). Na maioria dos estudos conduzidos nas áreas do desenvolvimento inicial
e de relações sociais, a interação entre mãe e criança tem sido considerada um recorte
importante para o estudo da organização comportamental e competências da criança,
adquiridas no contexto dessa relação. (ZAMBERLAN, 2002).
Nesse sentido, pesquisas têm investigado aspectos da interação mãe-criança
e sua influência no desenvolvimento de indivíduos com Transtornos do Espectro Autístico.
(SIGMAN, et al., 1986; DAWSON et al. 1990; ELDER, 2002; SPROVIERI &
ASSUMPÇÃO, 2001; DUARTE, 2000; WARREYN, ROEYERS & GROOTE, 2005).
Estudos apontam a relevância da comunicação mãe-criança, inclusive para a elaboração
e aplicação de propostas de avaliação (AMATO, 2000) e terapia de linguagem no autismo.
(YOUNT, SNOW & VERNON-FEAGANS, 2003).
O autismo caracteriza-se pela presença de um desenvolvimento comprometido
ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação e um repertório muito
restrito de interesses e atividades. (DSM-IV-TR, APA, 2003). O Espectro Autístico se
refere a um subgrupo de indivíduos que compartilham as principais características do
autismo. Os Transtornos do Espectro Autístico incluem o Autismo clássico descrito por
Kanner, a Síndrome de Asperger, o Transtorno Desintegrativo da Infância, a Síndrome
de Rett e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação. (KALRA,
SETH & SAPRA, 2005).
Fernandes (2003), Perissinoto (2003) e Misquiatti (2006) destacam como
principais dificuldades de comunicação de crianças do espectro autístico, os aspectos
pragmáticos da linguagem, ou seja, o seu uso funcional.
Estudos apontam hipóteses de que famílias de crianças autistas promovem
interações negativas com seus filhos desde os primeiros meses de vida e que essas
interações estão entre as possíveis etiologias do quadro. Essas premissas têm sido

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 381


desafiadas de tal maneira, que têm motivado mudanças nos conceitos sobre elas e rejeição
da teoria dos pais serem os agentes causadores da deficiência do filho. (SPROVIERI &
ASSUMPÇÃO, 2001).
Para Dawson et al. (1990), o comportamento da criança autista durante a
interação parece exercer impacto sobre a expressão emocional materna, e sugerem que o
comportamento afetivo incomum da criança autista pode afetar o comportamento de
outras pessoas negativamente. Roncon (2003) explica que em qualquer díade mãe-criança,
o fluxo da interação requer um permanente ajustamento até se estabelecer uma sincronia
entre ambos.
O estudo de Amato (2000) revela que a observação da comunicação mãe-
filho em situações de jogo favorece uma maior aproximação da realidade da criança, da
relação com suas mães e das formas de comunicação empregadas na interação. Frank et
al. (1976) concluem em uma pesquisa comparativa que mães de crianças autistas
apresentam linguagem semelhante às mães de crianças normais na maioria dos parâmetros
por eles analisados.
Para Roncon (2003), o esforço dispensado pela mãe de uma criança do
espectro autístico, ao tentar descobrir a mensagem que seu filho lhe dirige, manifesta-se
em insistentes tentativas de se aproximar da criança, numa tentativa desesperada de
conseguir compreendê-la.
Dawson et al. (1990) avaliam comportamento social, afeto e contato visual
de crianças autistas e normais durante interação com suas mães e observam que as crianças
autistas são menos propensas a apresentar sorrisos e contato visual com intenção
comunicativa conjuntamente com suas mães do que as crianças normais. Konstantareas
et al. (1988) comparam crianças autistas com diferentes graus de comprometimento e
explicam que o comportamento verbal de suas mães parece ser adequado ao nível de
desenvolvimento da criança. Já no estudo de Amato (2000), mães de autistas de 2 a 6
anos tiveram desempenho compatível com as mães de bebês na faixa etária dos 3 a 4
meses de idade.
Sprovieri & Assumpção (2001) comparam famílias de crianças com autismo,
síndrome de Down e normais, e observam que nas famílias de crianças autistas encontra-
se comunicação pouco clara, menos investida de carga emocional adequada, pouco espaço
para a expressão da agressividade e afeição física.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 10 crianças, de ambos os sexos, com idades entre


cinco e 12 anos, sendo cinco com diagnósticos incluídos nos TEA, que recebiam
atendimento fonoaudiológico e psicológico em uma clínica-escola, e cinco com
desenvolvimento normal e suas respectivas mães, todas de classe social média baixa, de
uma cidade do interior do Estado de São Paulo. As crianças com desenvolvimento normal
foram pareadas com as crianças com TEA de acordo com sexo e idade, conforme descrito
na Tabela 1. Para que as díades participassem do estudo, a mãe deveria ser a principal

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 382


responsável pela criação da criança, desde o nascimento. Assim, mesmo que houvesse
outra pessoa que ficasse grande parte do tempo com a criança (por exemplo, uma avó ou
empregada), para ser incluída na amostra, a mãe deveria morar com a criança e determinar
como ou por quem ela era cuidada. Além disso, para a seleção das crianças com
desenvolvimento normal, foi realizada triagem fonoaudiológica.

Material

Foram utilizados: equipamento convencional de filmagem, objetos lúdicos


como bola, fantoches, carrinhos, utensílios domésticos, boneca e revistas para interação.
Como instrumento, foi utilizado o Protocolo de Pragmática (FERNANDES, 2000) para
analisar o perfil comunicativo dos participantes da pesquisa.

Procedimento

Foi solicitado às mães participantes o preenchimento do termo de


consentimento livre e esclarecido, para a participação na pesquisa. Esta pesquisa obteve
aprovação do Comitê de Ética e pesquisa da Faculdade de Ciências – UNESP – Bauru,
protocolo n. 008916. Foram realizadas filmagens de 30 minutos de interação lúdica das
díades mãe-criança em suas próprias residências. Desses 30 minutos, foram desprezados
os 15 minutos iniciais, que se constituíram em sessões fictícias de gravação com a
finalidade de habituação para mãe e criança quanto à presença da filmadora e do observador
durante a interação. Para analisar o perfil comunicativo das mães e das crianças, foi
utilizado o Protocolo de Pragmática, que avalia os aspectos funcionais da comunicação
e envolve o número de atos comunicativos do indivíduo, suas funções comunicativas e o
meio utilizado (verbal, vocal e gestual).

Tabela 1 – Caracterização das crianças participantes

Crianças Idade Sexo Diagnóstico


Comparação 1* TEA 5 anos masculino Autismo Infantil
Normal 5 anos masculino -
Comparação 2 TEA 12 anos masculino Autismo Infantil
Normal 12 anos masculino -
Comparação 3 TEA 7 anos feminino Transtorno Invasivo do Desenvolvimento
Normal 7 anos feminino -
Comparação 4 TEA 11 anos masculino Transtorno Invasivo do Desenvolvimento
Normal 11 anos masculino -
Comparação 5 TEA 11 anos feminino Síndrome de Asperger
Normal 11 anos feminino -

* O termo “comparação” é utilizado para se referir a cada comparação realizada entre as díades mãe-criança
normais e com TEA.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 383


Análise de Dados

Os dados sobre o perfil comunicativo dos participantes foram transcritos em


protocolos específicos e analisados segundo o procedimento descrito por Fernandes (2000).
Após a análise das filmagens, os dados referentes ao número de atos comunicativos, aos
meios comunicativos e ao tipo de função comunicativa predominante (interpessoais e
não interpessoais) das díades foram comparados por meio de análise estatística. Para
comparação dos dados entre as crianças dentro do espectro autístico foi utilizado o teste
não-paramétrico de Wilcoxon e para comparação entre as crianças com TEA e normais;
e para a comparação entre as mães, foi utilizado o teste não-paramétrico Mann-Whitney.
(SIEGEL, 1981).

Resultados

Os resultados são apresentados em tabelas com a quantidade de atos


comunicativos por minuto das mães e das crianças e com as funções e meios comunicativos
utilizados pelas crianças e as respectivas médias e medianas. Nas comparações entre
participantes com e sem TEA, ocorreram diferenças estatisticamente significantes (p <
0,05) em todos os aspectos analisados, com exceção do uso do Meio Comunicativo Vocal.
Como pode ser observado na Tabela 2, as crianças com TEA apresentaram,
em média, menos atos comunicativos por minuto do que as crianças normais (4,05 atos/
min contra 7,45).

Tabela 2 – Valores de média e mediana do número de atos comunicativos por minuto das crianças
Comparações Crianças com TEA Crianças Normais
1 2,07 7,53
2 2,53 6,93
3 4,73 5,33
4 5,13 8,67
5 5,80 8,80
Média 4,05 7,45
Mediana 4,73 7,53

TEA= Transtorno do espectro autístico

Quanto aos meios comunicativos, pode ser observado na Tabela 3 que as


crianças com TEA e as normais apresentaram diferenças estatisticamente significantes.
De modo geral, considerando todos os meios, as crianças com TEA apresentaram, em
média, menos meios comunicativos que as crianças normais (4,77 contra 9,8). No caso
dos Meios Verbal e Gestual, os indivíduos com TEA apresentaram médias inferiores aos
normais (2,68 contra 5,72 de utilização do Meio Verbal, e 1,55 contra 3,6 de utilização
do Meio Gestual). Em relação ao Meio Vocal, não há diferenças estatisticamente
significantes entre as crianças com TEA e as normais (0,55 contra 0,49).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 384


Tabela 3 – Valores de média e mediana dos Meios Comunicativos das Crianças
Comparações Verbal Vocal Gestual
TEA Normais TEA Normais TEA Normais
1 0 70 2 13 29 80
2 0 95 10 7 42 75
3 59 59 9 5 10 52
4 71 100 5 10 28 32
5 71 105 15 2 7 32
Média 2,68 5,72 0,55 0,49 1,55 3,61
Mediana 3,93 6,33 0,60 0,47 1,87 3,47

TEA= Transtorno do Espectro Autístico

Na Tabela 4, pode-se observar que as crianças com TEA apresentaram, em


média, menor utilização das Funções Comunicativas Interpessoais do que as crianças
normais durante os 15 minutos de interação analisados (2,56 contra 7,19). Quanto às
Funções Não Interpessoais, as crianças com TEA apresentaram maiores médias do que
as crianças normais (1,49 contra 0,27).
Os participantes com TEA das comparações 1, 2 e 3 (Autismo, Autismo e
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento) apresentaram maior utilização de Funções
Não Interpessoais e os participantes com TEA das comparações 4 e 5 (Transtorno Invasivo
do Desenvolvimento e Síndrome de Asperger) apresentaram maior utilização de Funções
Comunicativas Interpessoais.

Tabela 4 – Valores de média e mediana das funções mais e menos interativas das crianças

Comparações Funções Interpessoais Funções Não Interpessoais

TEA Normais TEA Normais

1 12 104 19 9

2 16 104 22 0

3 25 74 46 6

4 63 130 14 0

5 76 127 11 5

Média 2,56 7,19 1,49 0,27

Mediana 1,67 6,93 1,27 0,33

TEA= Transtorno do Espectro Autístico

No que se refere às mães e ao número de atos comunicativos por minuto, as

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 385


mães de crianças com Transtornos do Espectro Autístico apresentaram, em média, menos
atos do que as mães de crianças normais (4,29 atos/min contra 7,36), como pode ser
observado na Tabela 5, a seguir.

Tabela 5 – Valores de média e mediana do número de Atos Comunicativos por minuto das mães

Comparações TEA Normais


1 4,20 9,07
2 4,07 8,00
3 4,00 5,80
4 3,33 6,53
5 5,87 7,40
Média 4,29 7,36
Mediana 4,07 7,40

TEA= Transtorno do Espectro Autístico

Discussão

A partir dos resultados, observou-se que as crianças com TEA apresentaram


diferenças estatisticamente significantes quando comparadas às crianças com
desenvolvimento normal, em todos os aspectos analisados, com exceção do Meio
Comunicativo Vocal. Esse dado sugere que as únicas crianças com TEA não verbais (1
e 2) usam o meio gestual para se comunicar e as demais (3, 4 e 5) o meio verbal e gestual.
Quando temos crianças verbais, no caso as normais e as outras 3 crianças (3, 4 e 5), elas
fazem pouco uso do meio comunicativo vocal. Estes dados estão de acordo com os
achados de Misquiatti (2006) com crianças com TEA.
As crianças com TEA apresentaram menos iniciativas de comunicação do
que as crianças normais. Esses dados concordam com os achados de Fernandes (2002) e
Warreyn, Roeyers & Groote (2005). Observou-se, ainda, variabilidade quanto ao número
dessas iniciativas de comunicação realizadas pelas crianças dentro do espectro autístico,
o que indica uma heterogeneidade do perfil comunicativo nesses quadros, como reportado
nas pesquisas de Elder et al. (2002), Fernandes (2002) e Ribeiro (2004).
Amato (2000) observou que na interação entre mães e seus filhos normais, a
predominância das mães em iniciar a comunicação reduz-se com o avançar da idade da
criança. No presente estudo, esse fato não foi observado em relação às crianças com
Autismo e Síndrome de Asperger (1, 2 e 5), uma vez que, independentemente da idade,
essas crianças apresentaram menos iniciativas de comunicação por minuto do que suas
mães. Apenas as crianças com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (3 e 4)
apresentaram mais atos comunicativos por minuto do que suas mães. Com base nesses
dados, pode-se observar que as crianças com TEA foram capazes de se comunicar com
suas mães, o que está de acordo com as afirmações de Fernandes (2002), Amato (2000)
e Ribeiro (2004), segundo as quais é incorreta a idéia de que essas crianças não estabelecem
comunicação.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 386


Quanto aos meios comunicativos, as crianças normais apresentaram utilização
predominante do Meio Verbal. Portanto, as emissões realizadas pelas mesmas são
caracterizadas pelo uso de palavras inteligíveis nas situações de comunicação (Rodrigues,
2002). Nas crianças com TEA, a prevalência do uso dos meios comunicativos parece
estar relacionada ao diagnóstico. Assim, como no estudo de Ribeiro (2004), as crianças
participantes desta pesquisa demonstraram heterogeneidade na utilização dos meios
comunicativos. As duas crianças com Autismo, de 5 e 12 anos de idade, apresentaram
predomínio do Meio Gestual; a criança com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento,
11 anos de idade, apresentou prevalência quanto ao Meio Vocal; e as crianças com
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, 7 anos de idade, e com Síndrome de Asperger,
11 anos, apresentaram maior utilização do Meio Verbal (comparações 3 e 5).
Quando comparadas, de modo geral, as crianças com TEA e normais
apresentaram diferenças significantes no uso dos meios comunicativos, sendo que as
crianças com TEA utilizaram menos os Meios Verbais e Gestuais do que as normais.
Dessa forma, as crianças com TEA falam e gesticulam menos do que as normais, como
encontrado no estudo de Amato (2000).
Nas crianças normais, o perfil comunicativo pôde ser caracterizado pela
utilização predominante das Funções Interpessoais. Esses dados estão de acordo com os
achados de alguns autores (RODRIGUES, 2002). Enquanto as crianças com TEA
utilizaram principalmente Funções Não Interpessoais, concordando com os achados de
Amato (2000), Fernandes (2002) e Ribeiro (2004). Na comparação entre as crianças
normais e com TEA, foram observadas diferenças significantes quanto ao uso das Funções
Interpessoais e Não Interpessoais. Em média, as crianças com TEA apresentaram mais
comunicação Não Interpessoal do que as crianças normais, o que concorda com os achados
de Amato (2000) e Warreyn, Roeyers & Groote (2005). Esses resultados podem indicar
que, embora as crianças com TEA expressem comunicação, em sua maior parte ela não
é utilizada para estabelecer relações sociais com o outro.
No grupo de crianças normais, foram encontradas maiores médias do uso
das Funções Interpessoais do que no grupo das crianças com TEA, independente da
idade e do diagnóstico, o que corrobora os achados de vários autores (DAWSON et al.,
1990; AMATO, 2000; RODRIGUES, 2002; WARREYN, ROEYERS & GROOTE,
2005).
No que se refere às mães, foi observado que, como os filhos, as mães das
crianças com TEA deste estudo também iniciaram menos a comunicação do que as mães
das crianças normais. Esses dados estão de acordo com os achados das pesquisas de
Sigman et al. (1986), Dawson (1990), Kasari & Sigman (1997); Sprovieri & Assumpção
(2001), Roncon (2003), Greenberg et al. (2004), Warreyn, Roeyers & Groote (2005), os
quais reiteradamente apontam as dificuldades na interação e comunicação entre crianças
do espectro autístico e suas mães. Além disso, as iniciativas de comunicação das mães de
crianças com TEA podem estar associadas ao nível de desenvolvimento de linguagem de
seus filhos, o que está de acordo com os resultados encontrados por Whitehurst et al.
(1988), Konstantareas et al. (1988), Amato (2000). Por outro lado, os resultados aqui
observados discordam das afirmações de Frank et al. (1976) e Duarte (2000), de que a
postura interativa e a linguagem das mães de crianças autistas são bastante semelhantes
às de outras mães.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 387


Vale destacar ainda a importância da reciprocidade em qualquer situação de
interação e comunicação, como coloca Zamberlan (2002), as diferenças individuais entre
crianças estão presentes e afetam características maternas e a experiência infantil em
cada etapa de seu desenvolvimento posterior e que há uma correlação relativa entre
comportamento da mãe e da criança.

Conclusão

A partir da análise do perfil comunicativo das díades mãe-criança que


participaram deste estudo, foi possível construir um paralelo entre a iniciativa e intenção
comunicativa das mães e das crianças com TEA e com desenvolvimento normal, o que
permitiu verificar aspectos da discrepância na quantidade e qualidade dessa interação.
Os dados encontrados possibilitam maior entendimento sobre os aspectos funcionais da
comunicação de crianças com TEA e fornecem subsídios para elaboração de programas
de orientação familiar, quanto à importância da interação entre pais e filhos para promover
o desenvolvimento e aprendizagem dessas crianças, além de fornecer elementos para
auxiliar na investigação diagnóstica e elaboração de condutas de intervenção terapêutica
e educacional.

Notas
1
Fonoaudióloga, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem - UNESP/Bauru, Doutoranda
em Educação - UNESP/Marília.

2
Fonoaudióloga, Docente do Departamento de Fonoaudiologia - UNESP/Marília.

3
Psicólogo, Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da
UNESP/Bauru.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 390


PARTE IX

TECNOLOGIA ASSISTIVA,
TERAPIA OCUPACIONAL,
ESCOLARIZAÇÃO,
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
TECNOLOGIA ASSISTIVA: UMA PROPOSTA DE
CARACTERIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO1

Giseli Barbieri do Amaral-Lauand2


Enicéia Gonçalves Mendes3

Introdução

Historicamente, o homem, em diferentes culturas, tem brilhantemente usado


sua criatividade para adaptar, desenvolver e usar ferramentas ou instrumentos, inclusive
para auxiliar pessoas com necessidades especiais, desde tempos imemoráveis.
Alguns dos indícios de utilização desses recursos assistivos podem ser
constatados no relato de alguns autores com a descoberta, em escavações, de utensílios
utilizados por diferentes povos, como na Grécia Antiga, onde já havia a preocupação em
buscar soluções, por meio de ferramentas especiais, para problemas relacionados a
deficiências e limitações pessoais dos indivíduos. Entre muitos utensílios e artefatos
encontrados e mencionados estão bengalas e muletas de madeira, chifres de animais
utilizados por indivíduos com déficits auditivos, membros artificiais rudimentares,
confeccionados para substituir uma mão ou perna perdida provavelmente em batalha e
lentes ópticas utilizadas pelos chineses. (KING, 1999).
A partir desse referencial histórico, podemos observar a habilidade humana
de inventar, inovar, e utilizar recursos assistivos, desde os primórdios da civilização. No
entanto, na literatura específica sobre tecnologia assistiva, encontram-se pouquíssimos
relatos históricos acerca do desenvolvimento dessa área do conhecimento humano.
Existem apenas relatos históricos sobre a utilização da tecnologia assistiva,
particularmente atrelados ao desenvolvimento histórico da tecnologia em geral, desde a
antiguidade.
Embora a palavra e o conceito da tecnologia assistiva venham sendo
construídos somente nas últimas décadas, esses recursos vêm sendo usados por culturas
diversas, há milhares de anos, no seu cotidiano.
Nas duas últimas décadas, tem havido um maior crescimento na aplicação
das tecnologias com o objetivo de minimizar os problemas de indivíduos com deficiência.
A idéia de que era possível fazer algo ou alguma coisa para indivíduos com deficiências
começou a ganhar reconhecimento quando as pessoas começaram a perceber que tais
recursos poderiam auxiliar indivíduos com limitações físicas e sensoriais.
Com o advento das Grandes Guerras Mundiais (I e II), a utilização desses
recursos passou a ser configurada como meio de reabilitar os indivíduos mutilados nos
campos de batalha, particularmente com o desenvolvimento das próteses, especialmente
de membros inferiores e superiores. Entretanto, o crescimento na implementação dos
recursos de tecnologia assistiva ganhou um impulso maior, aliado ao desenvolvimento
tecnológico, onde novas tecnologias mecânicas, hidráulicas e elétricas se desenvolveram
com rapidez na cultura ocidental.
A evolução contínua dos recursos assistivos aliada ao desenvolvimento da
tecnologia proporcionou um impulso significativo, e talvez de inesperadas proporções

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 392


inclusive para seus inventores, e atualmente, ocorre um enfoque para o refinamento do
microprocessador, combinado com ferramentas e recursos mecânicos, hidráulicos e
elétricos.
Tais recursos têm conferido substancial desenvolvimento nesta área,
restaurando ou devolvendo as capacidades humanas, por meios nunca antes imaginados.
Embora um recurso ou equipamento não substitua partes ou funções do nosso corpo
completamente, há um crescente desenvolvimento de novas tecnologias, novos recursos,
serviços e estratégias, que possibilitam incrementar e melhorar a qualidade de vida não
apenas de pessoas com deficiências, mas também da população em geral. (SCHERER,
1996; KING, 1999; JUTAI, 2002; COOK & HUSSEY, 2002).
O objeto de estudo da tecnologia assistiva define-se como uma ampla
variedade de recursos destinados a dar suporte (mecânico, elétrico, eletrônico,
computadorizado etc.) a pessoas com deficiência física, visual, auditiva, mental ou múltipla.
Na literatura mais especializada da área parece não existir uma definição ampla sobre o
termo tecnologia assistiva, e sim uma ênfase no seu conhecimento e aplicação. Cook &
Hussey (2002) descrevem que o termo tecnologia assistiva se refere a “uma ampla
variedade de instrumentos, serviços, estratégias e práticas que são concebidas e aplicadas
para melhorar os problemas apresentados por indivíduos com deficiências”. (p. 5).
O termo tecnologia assistiva adotado neste estudo está em consonância com
essa definição e se refere a “qualquer item, peça de equipamento ou produto, adquirido
comercialmente, modificado ou feito sob medida, usado para aumentar, manter ou
promover habilidades funcionais para indivíduos com deficiências”. (COOK & HUSSEY,
2002, p. 5). A definição pode ainda ser complementada com a inclusão dos serviços de
tecnologia assistiva, ou seja, “todo serviço, que diretamente atende indivíduos com
deficiências, seja na seleção, aquisição ou no uso de recursos ou equipamentos de tecnologia
assistiva”. (COOK & HUSSEY, 2002; JUTAI, 2002).
Historicamente, os indivíduos com deficiência, no contexto social, foram
marcados pela discriminação e segregação. A Educação Especial tem na inclusão desses
indivíduos uma de suas metas prioritárias, direcionada para o desenvolvimento das pessoas
com necessidades educacionais especiais em diferentes setores de suas vidas, tendo-se
voltado principalmente para o desenvolvimento de melhores ambientes educacionais e
de procedimentos mais adequados para alcançá-la. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA,
1994; BRASIL, 1996).
Consequentemente, a inclusão desses indivíduos tem sido, talvez, a questão
mais amplamente discutida pela literatura especializada da área de Educação Especial
no Brasil na última década, e vem direcionando a maioria dos programas políticos e
educacionais referentes a essa população, tanto no âmbito nacional quanto local.
(MENDES, 1998; 1999; BRASIL, 2003). No plano social, esse tema passou a dominar
também as discussões políticas referentes a essa população. Com base nesse princípio,
foram criadas legislações específicas acerca dos direitos das pessoas com deficiência,
propondo meios para favorecer sua inclusão, destacando principalmente a escola comum
nesse processo. (BRASIL, 1996; 2003).
Atualmente, predomina uma tendência da área em priorizar a educação das
pessoas com necessidades educacionais especiais por meio de práticas inclusivas, em
ambientes nomeados regulares ou comuns. A utilização de novas tecnologias seria um

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 393


dos meios para se viabilizar a educação, a inclusão escolar e social desses alunos.
(VALENTE, 1991; CAPOVILLA, 1994; HELLER, 2003).
Este estudo é o relato das duas primeiras etapas, preliminares a um estudo
mais amplo, e objetivou classificar e caracterizar recursos de tecnologia assistiva para
indivíduos com necessidades especiais e resultou no desenvolvimento de um sistema de
classificação desses recursos, bem como em um acervo físico de consulta. Esse sistema
serviu de quadro referencial para um estudo posterior, na elaboração e construção de
fontes de informações desses recursos. (LAUAND, 2005).

Metodologia

Tendo como objetivo a realização de um levantamento, classificação e


caracterização dos recursos de tecnologia assistiva existentes para acesso ao currículo
escolar para indivíduos com necessidades especiais, buscou-se primeiramente identificá-
los. A busca foi limitada aos recursos produzidos e/ou comercializados no Brasil, que,
supostamente, seriam os mais acessíveis.

Procedimento para coleta e análise dos dados

Para a realização da coleta de dados, foram adotados procedimentos de busca


como consulta a bibliotecas virtuais, base de dados tais como a Dedalus, Medline, Psychlit,
Eric; sites de busca na Internet tais como Google, Miner, Cadê; e ainda sites especializados
como Rede Saci, Entreamigos, Laramara e Instituto Benjamim Constant; consultadas
publicações especializadas impressas e/ou disponíveis na Internet e em feiras
especializadas de produtos fabricados ou comercializados para reabilitação. Compreendeu
o período de março de 2000 a março de 2004, até que se considerou esgotada a coleta de
informações para a realização deste levantamento.
Todos os recursos identificados foram caracterizados por meio de uma ficha
elaborada para este fim. Em seguida, procedeu-se ao tratamento físico e organização do
material sobre os recursos de tecnologia assistiva e para fins de sistematização, os recursos
foram agrupados de acordo com a área de utilização e usado como referencial para sua
análise o “National Classification System for Assistive Technology Devices and Services”4, que
reflete a função ou finalidade do produto ou sua característica especial e foi escolhido
por se mostrar a mais adequado para o estudo.
Esse sistema organizou e classificou os recursos de tecnologia assistiva em
um esquema hierárquico, levando em conta os princípios taxonômicos, que reflete a
função ou finalidade do produto ou a característica especial. O referido sistema engloba
10 categorias de classificação, a saber: 1) Elementos Arquitetônicos; 2) Elementos
Sensoriais; 3) Computadores; 4) Controles Ambientais; 5) Vida Independente; 6)
Mobilidade; 7) Próteses e Órteses; 8) Recreação/ Lazer/ Esportes; 9) Mobiliário
Modificado; 10) Serviços de Tecnologia Assistiva. Prevê um número muito maior de
subcategorias, itens de subcategorias e também subitens para os itens de subcategorias.
Considerando o objetivo do presente estudo, julgou-se procedente adotar uma versão
adaptada das categorias de recursos de tecnologia assistiva do referido sistema.
Basicamente, foram adotadas as mesmas categorias e subcategorias, com

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 394


exceção da categoria “Próteses e Órteses”, e “Serviços”, que não foram contempladas
por não se mostrarem relacionadas aos objetivos do estudo que esteve mais voltado para
o estudo dos recursos que pudessem ser relacionados à escolarização. Por outro lado,
julgou-se necessário adicionar a categoria “Adaptações Pedagógicas”, na qual foram
incluídos alguns itens da categoria órteses e, também, outros tipos de adaptações
importantes para a escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais.
As denominações de algumas categorias foram alteradas com a finalidade de
se adequar melhor à tradução para a língua portuguesa dos termos que já vêm sendo
utilizados no Brasil, assim como alguns itens e subitens de classificação foram remanejados
de uma para outra categoria, para melhor adequação das categorias de classificação.
Para a organização e tratamento físico do material, foi adotado o procedimento
de Hayashi, Hayashi & Almeida (2003), que obedeceu aos seguintes passos: a) recurso
identificado; b) classificação em cada uma das categorias respectivas segundo as áreas de
aplicação; c) elaboração de legendas; d) arranjo e codificação resumo; d) indexação;
arquivamento de originais e reproduções da Internet; e) desenvolvimento do sistema de
cadastro para a base de dados.

Resultados

Após a coleta dos dados, para cada recurso identificado foi caracterizado
com as seguintes informações: a) nome; b) recomendações para o uso (informações do
produto fornecidas pelo representante/fabricante); c) cópia da imagem/ilustração; d)
fontes de obtenção das informações. A ficha a seguir ilustra um modelo de preenchimento
da ficha de caracterização, como resultado deste procedimento.

FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS RECURSOS DE TECNOLOGIA ASSISTIVA

Nome do Produto: Teclado Plano


Recomendações para o uso (informações do representante/ fabricante): Indicado para pacientes com
grave comprometimento motor e/ou visual, que apresentam um bom potencial cognitivo. Esse teclado
apresenta teclas, letras, números e símbolos maiores, bem como algumas teclas com destaque de cores. Além
disso, o espaço entre as teclas é maior do que o existente no teclado convencional. Um mouse é acoplado ao
teclado, sendo de fácil manuseio.
Fontes de obtenção: AACD - Associação de Assistência à Criança com Deficiência www.aacd.org.br

FOTO OU ILUSTRAÇÃO

Figura 1. Exemplo ilustrativo do preenchimento de uma ficha de caracterização dos recursos de tecnologia
assistiva.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 395


No procedimento de tratamento físico, foram propostas siglas para designar
cada uma das categorias com a adoção de um código identificador. A codificação para
cada uma das categorias foi feita a partir do significado dos recursos que representava ou
simplesmente sua abreviação, e obedeceu à seguinte sistemática: UT= dispositivos e
acessórios computacionais, ou simplesmente utilitários; AD= adaptações pedagógicas,
ou simplesmente adaptações; SCMA= sistemas de controle e modificação do ambiente;
RMP= recursos de mobilidade e posicionamento; ES= recursos de elementos sensoriais;
AVDs= recursos para atividades da vida diária; EArq= elementos arquitetônicos; MEM=
móveis e equipamentos modificados; LR= recursos para lazer e recreação.
Os recursos foram organizados a partir das categorias mais amplas, e receberam
denominações mais específicas para notificar subcategorias, e itens de subcategorias de
recursos de tecnologia assistiva. Como resultado desta etapa, foi adaptado e elaborado
um Sistema de Classificação de Recursos de Tecnologia Assistiva, descrito na Tabela 1:

Tabela 1: Sistema de classificação dos recursos de tecnologia assistiva, suas respectivas categorias, subcategorias
e itens de subcategorias.
Categorias Subcategorias Itens de Subcategorias
1. equipamentos de entrada e 1. recursos de entrada de informações para computadores
saída de informação no (sistema de entrada de informações Braille / sistema de
computador; entrada de informações controlado pelo mouse / sistema de
entrada de informações controlado pelo toque / teclados
especiais / scanner de texto e gráfico)
2. recursos de saída do computador (impressora -inclui
impressora Braille; / monitor com sistema de ampliação)
UT 2. conjunto de programas de 3. softwares-acesso de interface-programa de ajuda para acesso
computador – Softwares ao computador
3. acessórios para computadores; 4. sobreteclados / suporte para braço e mão / suporte para
punho para teclado / suporte de monitor / sistema de
montagem / sistema de carregamento de disco Braille /
apoio do mouse
4. calculadoras especiais; 5. calculadoras eletrônicas
5. transporte (veículos 6. adaptações para veículos motorizados (adaptações de
motorizados e bicicletas); controle (ex: controles de pé) / sistemas de controle
(sistemas de navegação assistida, travas) / sistemas de
contenção (cinto de segurança, coletes) / assentos e
almofadas especiais / plataformas para cadeira de rodas /
recursos para carregar cadeiras de rodas)
7. adaptações em bicicletas (selim / adaptação de rodas /
rodas paralelas / pedais especiais)
RMP 6. ajudas para levantar e andar 8. bengalas, bastões
9. muletas/ andadores
7. cadeira de roda 10. cadeira de rodas com controle remoto /cadeiras de rodas
elétricas
11. cadeira de rodas manualmente controlada, roda
direcional traseira / dianteira
12. cadeira de rodas de viagem e scooters
13. cadeiras de rodas esportivas
14. cadeira de rodas reclinável
15. acessórios para cadeiras de rodas (direção/sistemas de
controle / apoios para as costas/assentos /apoios para a
cabeça / apoio para os pés / unidades de propulsão /
sistemas de direção / bandejas giratórias para cadeira de
rodas / breques / baterias/carregadores de bateria)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 396


5. outros tipos de mobilidade; 16. carrinhos especiais/carros com pedal/carrinhos de rolimã
especial
17. patinetes especiais
18. pranchas inclinadas/pranchas de transferência

recursos ópticos; 19. instrumentos de auxílios visuais especializados (lentes de


aumento / binóculos / monóculos / lentes/sistemas de lente
/ prismáticos /óculos reclinados)
20. recursos ópticos-eletrônicos (sistemas de ampliação de
imagens no vídeo)
ES recursos auditivos; 21. ajudas para escutar (ajuda analógica para escutar / ajuda
digital para escutar)
22. sistemas de sinais (sinalizador de telefone (notificando o
toque) / alarme para acordar / indicador de dados /
sinalizadores)
23.telefones/ajudas para telefonemas (telefone com texto
(TDD/TTY)
24. sistemas de transmissão de sons (intercomunicadores /
unidades de entrada e amplificadores / sistema FM de áudio
assistivo
recursos para deficiências 25. gravadores/receptores ; rádios receptores / reprodutores
múltiplas de som
recursos para comunicação 26. símbolo/conjunto de letras
alternativa/ampliada 27. símbolo/letra em negrito
28. saída de voz/gerador de voz

ajudas especiais 29. capacetes especiais


ajudas de higiene 30. ajudas para incontinência
ajudas para proteção do 31. proteção para cabeça
corpo/recursos 32. braço/proteção para as mãos
33. joelho/proteção para a perna
34. pé/calcanhar/proteção para dedos
ajudas para se vestir/despir 35. meias/aplicadores de meias
36. calçadeira/abotoaduras de botas
37. cordão para sapatos/roupas
38. puxadores de zíper/zíperes
39. recursos para abotoamento
AVDs 14. ajudas para banheiro/toalete 40. cadeiras amplas/ cadeiras higiênicas
41.assentos de banheiros
42.acessórios para banheiros- apoio para as costas (assento)/
apoio de braço
43.duchas para sanitários/ duchas higiênicas
ajudas para se lavar/tomar banho 44. acessórios para chuveiro/chuveiros
de banheira/tomar banho de 45. esponjas/ escovas de banho
chuveiro 46. saboneteiras/recipientes para sabão
ajudas para manicuro/pedicuro 47. escova de unhas
48.lixa de unhas
49.tesouras de unhas
ajudas para cuidar dos cabelos 50. escovas de cabelo/pente
ajudas para higiene bucal 51.escovas de dente (não elétricas)
52.escovas de dente (elétrica)
53.outros recursos dentais
ajudas para higiene da 54.barbeadores (elétricos)
pele/higiene facial 55. barbeadores (não elétricos)
56.utensílios de maquiagem
ajudas para manter a casa 57. ajudas para cozinhar/preparação de pratos (cortar, picar,
dividir / acessórios para cozinhar /utensílios para estocar
comida)
58. ajudas para lavar louça (escova para lavar louças)
59. ajudas para beber e comer (faqueiro / pratos / bacias /
canecas/copos/xícaras e pires/ aparato /apoio para comer /
aparato/ apoio para beber)

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 397


ajudas para manipular objetos; 61. ajudas para abrir recipientes (garrafas, latas, outros
recipientes)
62. ajudas para manipulação (ajudas para segurar /
adaptadores para segurar/acessórios / suporte para segurar
objetos)
63. extensores de alcance (alcançadores)
64. acessórios/recursos para fixação; copos de sucção /
plataforma antiderrapante
65. ajudas para carregar (mochilas/ bandejas)
ajudas para orientação; 66. luminosos sonoros/ajudas de orientação sonora
recursos de suporte; 67. barras de suporte / barras de apoio
recursos de abrir e fechar portas 68. abridores e fechadores de porta
e janelas; 79. travas / fechaduras / chaveiros especiais
Earq elementos de construção da casa; 70. torneiras / válvulas controladoras modificadas
71. revestimento de proteção
elevadores/rampas/guindastes/c 72. elevadores
arregadores; 73. plataformas de elevação
74. sistema para subir escadas
75. rampas (fixas)
76. guindastes para erguer pessoas
equipamentos de segurança; 77. revestimento especial
revestimento de piso; 78. revestimento antiderrapante para pisos

mesas modificadas; 79. mesas de trabalho/ mesas para desenhar/rascunhar /


mesas para refeição/ mesas para cama/ mesa para
computador/ mesas para multiuso
luzes fixas; 80. luzes para leitura/trabalho
MEM cadeiras/mobiliário para sentar; 81. cadeira de postura/posicionamento
82. cadeiras de transporte/cadeiras removíveis
camas; 83. camas (não ajustáveis)
84. camas com ajuste de altura (para sentar)
85. colchões especiais

sistemas de controle do 86. sistemas de controle remoto


ambiente;
SCMA controles remotos; 87. controle remoto aumentado
recursos de controles 88. controle operacional
operacionais;
brinquedos adaptados; 89. brinquedos eletrônicos adaptados
90. brinquedos não eletrônicos / adaptações em brinquedos
convencionais
21. jogos; 91. jogos
LR 22. arte; 92. tecelagem
equipamentos para exercícios 93. acessórios para hidroginástica/ hidroterapia
físicos;
esportes. 94. basquete / futebol / ciclismo

O Sistema de Classificação dos Recursos de Tecnologia Assistiva engloba 9


categorias, um total de 45 subcategorias e 111 itens de subcategorias. A Tabela 2 apresenta
o número de itens e subcategorias para cada uma das categorias do sistema final de
classificação adotado neste estudo.

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 398


Tabela 2: Categorias e respectivas siglas, número de subcategorias e itens de subcategorias do sistema de
classificação adotado.

Categorias Siglas Subcategorias Itens de


subcategorias

Dispositivos e Accesórios UT 4 5
Computacionais
Mobilidade RMP 4 13
Elementos Sensoriais ES 4 10
Atividades da Vida Diária AVD 13 38
Adaptações Pedagógicas AD 2 17
Elementos Arquitetônicos Earq 6 12
Mobiliário e Equipamento MEM 4 7
Modificado
Controles Ambientais SMCA 3 3
Recreação/ Lazer/ Esportes LR 5 6
TOTAL 9 45 111

A categoria que comportou o maior número de subcategorias foi “Atividades


da Vida Diária” com 13 subcategorias (29%). As demais categorias comportaram um
número relativamente menor de subcategorias, variando entre 2 e 6 classificações de
subcategorias (entre 4% e 13%).
O item de subcategoria que comportou o maior número foi “Atividades da
Vida Diária”, com 38 itens de classificação (34% do total), seguida por “Adaptações
Pedagógicas” com 17 itens de classificação (15%), “Mobilidade” com 13 itens (12%),
“Elementos Arquitetônicos”, com 12 itens (11%). A categoria “Elementos Sensoriais”
apresentou 10 itens (9%), “Mobiliário e Equipamentos Modificados” 7 itens (6%); “Lazer
e Recreação” e “Dispositivos e Acessórios Computacionais” 6 e 5 itens (5%) cada uma.
A categoria “Controles Ambientais”, com 3 itens (3%), foi a que apresentou menor número
de itens de classificação.
Após a classificação dos recursos, foi adotado o procedimento de Hayashi,
Hayashi e Almeida (2003), que obedeceu aos seguintes passos: a) recurso identificado;
b) classificação em cada uma das categorias respectivas segundo as áreas de aplicação; c)
elaboração de legendas; d) arranjo e codificação resumo; d) indexação; arquivamento de
originais e reproduções da Internet; e) desenvolvimento do sistema de cadastro para a
base de dados.
Em seguida foi elaborado um código de arranjo específico que serviu como
um registro para os mesmos. Cada recurso recebeu uma notação do tipo TA UT 0X 0XX
RI 0000X, onde: TA = abreviação do nome da fonte de informação em Tecnologia

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 399


Assistiva; UT = abreviação da categoria (ex: dispositivos e acessórios computacionais);
0X = representação do número de subcategoria; 0XX = número do item de subcategoria;
RI = abreviação do tipo de catálogo (ex: catálogo de Internet); 0000X = número seqüencial
do recurso do item de subcategoria.
Os recursos foram, então, cadastrados após a sua codificação, segundo as
áreas de aplicação das categorias adotadas. A adoção de cinco dígitos para indicar o
número seqüencial do recurso oferece a possibilidade de ser cadastrado um número maior
de recursos no futuro.
As fichas de cadastramento dos recursos foram arquivadas e identificadas
com os seus respectivos códigos, contendo os elementos de notação descritos acima,
resultando em uma fonte de informação primária dos recursos de tecnologia assistiva,
referencial para a construção de uma fonte de informação eletrônica que ocorreu
posteriormente a este estudo.

Conclusão

O desenvolvimento de um sistema de classificação para os recursos


cadastrados mostrou efetivamente o resultado positivo desta etapa, e foi possível, também,
elaborar uma nova categoria, aqui nomeada de Adaptações Pedagógicas, que permitiu
categorizar recursos mais específicos para a prática pedagógica para alunos com
necessidades especiais.
Os dados relativos às porcentagens em cada uma das categorias, subcategorias
e itens de subcategoria, evidenciaram que a classificação taxonômica adotada possibilita
que determinados níveis de classificação possam se especificar cada vez mais, dependendo
da variedade implícita em cada um de seus itens de classificação.
O sistema adotado permitiu ampliar o panorama de classificação desses
recursos para um diversificado e específico sistema de nomeação, possibilitando identificar
os recursos assistivos de modo a refletir a função, a finalidade do produto ou sua
característica especial. Permite também a possibilidade de englobar os serviços de
tecnologia assistiva e a categoria Prótese e Órtese, no futuro.
O procedimento de arquivamento a que foram submetidas as informações
coletadas foram importantes para prevenir a deterioração precoce do material, assim
como possibilitou organizá-lo de forma eficaz em forma de um acervo de consulta
contendo informações sobre materiais de tecnologia assistiva em suas diferentes e variadas
categorias, que se configurou uma fonte de informação não eletrônica desses recursos e,
ainda, uma fonte primária de consulta, quando da impossibilidade de acesso aos meios
eletrônicos computacionais.
A sistematização dos dados nas categorias específicas de cada área poderá
auxiliar usuários e profissionais que atuam na área a compreender sua real função e
classificação dentro de um arsenal de recursos, assim como fazer a melhor escolha do
recurso a ser adotado.

Notas
1
Este trabalho é parte da Tese de Doutorado da área de Educação Especial, defendida na Universidade Federal

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 400


de São Carlos com apoio da Capes e CNPq.

2
Doutora em Educação Especial. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. Universidade Federal
de São Carlos.

3
Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Educação Especial. Universidade
Federal de São Carlos.

4
Sistema Nacional de Classificação para Recursos e Serviços de Tecnologia Assistiva dos Estados Unidos da
América, 2000.

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 402


AVALIAÇÕES DO BRINCAR E SUAS EVIDÊNCIAS PARA A PRÁTICA DO
TERAPEUTA OCUPACIONAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Luzia Iara Pfeifer1


Daniel Marinho Cezar Cruz2

Introdução

A escola, seja para pessoas com ou sem necessidades educacionais especiais,


tem ampliado seu papel educacional. Atualmente, as abordagens não se restringem apenas
ao enfoque do domínio de conteúdos acadêmicos, mas enfatizam, por exemplo, o
desenvolvimento de habilidades sociais.
Com o panorama contemporâneo da educação, ao se pensar na população
infantil com necessidades educacionais especiais e em seu processo de inclusão, deve-se
considerar a participação não apenas em atividades cognitivas desenvolvidas em sala de
aula, mas também nas atividades de autocuidado, de locomoção funcional, de recreação
e no brincar, que de uma forma ou de outra fazem parte essencial para a inclusão escolar
e social.
O processo de inclusão não pode ser delegado apenas ao professor de sala e,
buscando responder a essa demanda, tem sido proposto à consultoria colaborativa, a
qual envolve educadores da escola regular, familiares e profissionais da educação especial
(assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais,
etc.) os quais colaboram para identificar as necessidades das crianças e quais as adaptações
e assistências podem ser oferecidas para efetivar esse processo. (GATELY & GATELY,
2001).
Como um saber específico dentro desta equipe, o terapeuta ocupacional tem
como objetivo contribuir com o desenvolvimento, manutenção e/ou recuperação do
desempenho ocupacional nas diversas áreas da vida. No ambiente escolar, se preocupa
com o desempenho da criança em tarefas e atividades que contribuam com sua inclusão
neste espaço. Para tanto, pode-se adaptar uma tarefa, realizar alterações no meio ambiente,
indicar e/ou confeccionar dispositivos para um funcionamento ocupacional. (WHALEN,
2003). Este profissional pode atuar com seus conhecimentos nas áreas clínicas, da pesquisa
e docência, na gestão de serviços, na adaptação de material e espaço físico, além da
assessoria e supervisão. (CRUZ & DIMOV, 2005).
A atuação do terapeuta ocupacional ocorre em várias áreas de desempenho
ocupacional (AOTA, 2002), dentre estas, o foco a que se detém este trabalho, os jogos e
brincadeiras. O brincar ganha destaque enquanto o principal papel ocupacional nessa
fase de desenvolvimento e, diante disto, é para a terapia ocupacional um meio (recurso
terapêutico para atingir determinado fim) e um fim em si mesmo (favorecer e/ou estimular
esta atividade enquanto uma ocupação humana essencial). Resulta disso a pertinência da
avaliação dessa área de desempenho, com o objetivo de nortear o planejamento do processo
de reabilitação, no qual a criança está inserida, seja em casa, na escola ou nas atividades
de lazer.
O brincar é uma ocupação infantil significativa e fundamental (PARHAM &

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 403


PRIMEAU, 2000; CRUZ & PFEIFER, 2006; CRUZ & EMMEL, 2007). Seu conceito é
caracterizado por um comportamento intrinsecamente motivado, mais centrado nos meios
do que em seus fins, mais no processo do que em seu produto, livre de regras impostas
externamente e em um engajamento ativo da criança, mais do que em sua passividade,
logo, é imprescindível para a avaliação de crianças. (MORRISON & METZGER, 2001).
Através da interação da criança em diferentes situações com brinquedos,
pares e adultos, há estimulação de habilidades diversas, como motoras, cognitivo-afetivas
e sociais. A criança aprende sobre si mesma e sobre o mundo ao redor dela e pelo brincar
ser uma atividade espontânea, contribui para que ela ensaie, experimente, sinta e oriente
a si mesma no mundo real. (KNOX, 2000; FERLAND, 2006). Em função disso, deve-se
considerar que privações desta ocupação podem contribuir para um atraso no
desenvolvimento infantil. (MISSIUNA & POLLOCK, 1991; CRUZ & PFEIFER, 2006;
CRUZ & EMMEL, 2007).
Ao avaliar o comportamento de brincar, o terapeuta ocupacional pode
conhecer a criança, traçar metas e objetivos de intervenção para promover essa atividade
como fim, ou para facilitar a aquisição e/ou desenvolvimento de habilidades importantes
no desempenho ocupacional de tarefas das atividades da vida diária, escola e lazer.
As avaliações do brincar podem ser distribuídas em três grupos, com objetivos
distintos, as que avaliam as capacidades em determinadas áreas, como a cognição, a
coordenação motora e a interação social através do brincar (habilidades); as que avaliam
as competências de desenvolvimento (desenvolvimento); e as que avaliam o modo pelo
qual a criança brinca (experiência). (KNOX, 2002).
As mudanças da sociedade contemporânea têm contribuído para que a escola
passe a ser um importante espaço para brincar, assim como os colegas de classe têm sido
apontados como parceiros de brincadeira. (PFEIFER, 2007 a). A atividade de brincar
passa, então, a estar cada vez mais presente na escola, além de ser um importante
desencadeador de socialização e por isso deve ser um comportamento considerado no
processo de inclusão escolar.
Assim, dentro da consultoria colaborativa, o terapeuta ocupacional pode,
dentre outros aspectos, contribuir com a identificação de alterações do comportamento
lúdico através de avaliações que utilizem instrumentos padronizados. Em função disto,
torna-se relevante estudar as avaliações do brincar a fim de eleger quais instrumentos
podem ser úteis na tomada de decisões no que diz respeito às intervenções.

Objetivos

Esta revisão tem por objetivo discutir sobre seis avaliações do comportamento
de brincar, utilizadas por terapeutas ocupacionais, e suas evidências para a prática
profissional na clínica e na pesquisa, e, de certa forma, contribuir com um corpo de
conhecimento no campo da educação especial.

Metodologia

Foi realizada uma busca sistematizada nos principais periódicos nacionais e


internacionais da área de Terapia Ocupacional acerca de instrumentos padronizados de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 404


avaliação do comportamento lúdico.
A partir da localização do material bibliográfico, foi realizada a leitura
minuciosa dos resumos para verificação da adequação do mesmo para o presente estudo.
Desse processo de pesquisa resultou a localização de seis instrumentos de
avaliação do comportamento lúdico, os quais foram analisados dentro das três categorias:
1)Habilidades: instrumentos que avaliam as capacidades em determinadas
áreas através da recreação;
2)Desenvolvimento: instrumentos que avaliam as capacidades de
desenvolvimento da criança através da brincadeira e
3)Experiência: instrumentos que avaliam o modo pelo qual a criança brinca.

Resultados

Os instrumentos analisados foram enquadrados em apenas duas categorias,


nenhum apresentou como objetivo a avaliação de habilidades através do brincar da criança.
Foram localizadas três avaliações do brincar com foco no desenvolvimento e
três com foco na experiência.

Avaliações do brincar com foco no desenvolvimento

Histórico Lúdico3

Coleta de informações de forma indireta através de entrevista com os pais


e/ou responsáveis, através de cinco aspectos: informações gerais, experiências lúdicas
anteriores, exame lúdico atual, descrição das brincadeiras (quais brinquedos a criança
usa, quem são seus parceiros, quando e onde brinca) e prescrição de brincadeiras.
(TAKATA, 1974).
Após isto, o terapeuta é capaz de traçar um quadro do desenvolvimento de
brincar da criança (identificando as possibilidades e limitações na habilidade da criança
para brincar), analisar problemas e fazer prescrições a fim de minimizar problemas.
(MORRISON & METZGER, 2001).
É um instrumento útil na coleta de informações complementares, entretanto,
é influenciado pela percepção que o informante tem a respeito da importância do brincar
para o desenvolvimento infantil, pois caso o mesmo não dê o real valor para as atividades
lúdicas da criança, acaba não observando as ações lúdicas desenvolvidas por ela, logo, as
informações podem estar incompletas. (PFEIFER, 2005).

Escala Lúdica Pré-Escolar – revisada4

A escala lúdica pré-escolar de Knox (revisada) descreve o brincar em períodos


de seis meses dos zero aos três anos de idade, e em períodos anuais até os seis anos de
idade, apresentando uma análise apenas qualitativa. As crianças são observadas em
ambientes fechados e abertos, examinadas em quatro dimensões: 1) o domínio espacial,
2) o domínio material, 3) o faz – de – conta/simbolismo e 4) a participação.
Cada dimensão apresenta algumas categorias, assim, o domínio espacial

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 405


envolve a coordenação motora grossa e o interesse; o domínio material envolve a
manipulação, a construção, o objetivo e a atenção; o faz-de-conta envolve a imitação e a
dramatização e a participação envolve o tipo, a cooperação, o humor e a linguagem.
(KNOX, 2000; KNOX, 2002).
A escala é usada para mensurar o comportamento diário do brincar de crianças.
Estudos têm identificado que essa avaliação não mede adequadamente diferenças no
brincar entre grupos por idade e diagnóstico, assim avaliações de brincadeiras em conjunto
com avaliação de habilidades desenvolvimentais dentro de um contexto de brincar podem
registrar, objetivamente, diferenças de brincar entre crianças. (MORRISON &
METZGER, 2001). A escala como um todo apresenta validade e confiabilidade
comprovadas com crianças com deficiências. (HARRISON & KIELHOFNER, 1986).
Este instrumento está em processo final de adaptação trans-cultural para o
Brasil (PACCIULIO & PFEIFER, 2007) e em processo inicial de validação preliminar
através da aplicação desta escala em 135 crianças com idade entre zero e seis anos de
idade. (PFEIFER, 2006).

Avaliação Transdisciplinar Baseada no Brincar5

Permite analisar o nível de desenvolvimento, estilo de aprendizagem, padrões


de interação de outros comportamentos relevantes. Essa avaliação destina-se,
especialmente, para a elegibilidade da criança para serviços, apurar o funcionamento do
desenvolvimento e definir intervenções apropriadas ou estratégias de estudo. (LINDER,
2001).
Envolve a criança em situações estruturadas e não estruturadas de brincar,
em tempo variado e com a facilitação de um adulto, pais ou outra(s) criança(s). Pode ser
aplicado com crianças de desenvolvimento típico, em situação de risco ou com deficiências,
da infância aos seis anos de idade. O ambiente pode ser uma sala de intervenção ou a
casa da criança, com objetos e brinquedos que estimulem o brincar. Essa avaliação fornece
oportunidade para observar os domínios: cognição, desenvolvimento sócio-emocional,
comunicação e linguagem, e domínio sensório-motor. Um roteiro específico é fornecido
para cada uma destas áreas. (LINDER, 2001).
Esse teste é interessante por ser aplicado por uma equipe que consiste nos
pais e profissionais com conhecimento em diferentes áreas do desenvolvimento, como o
fonoaudiólogo, o terapeuta ocupacional, o fisioterapeuta, o professor e o psicólogo. Outros
profissionais, como psiquiatras, assistentes sociais e oftalmologistas poderão ser incluídos.
Eles observam a criança durante situações de brincadeiras com um facilitador, pais e
crianças. O conteúdo da avaliação, os membros envolvidos, a estrutura da sessão de
brincar e as perguntas e respostas irão variar de acordo com o indivíduo a ser avaliado,
assim esta avaliação é única para cada indivíduo. (LINDER, 2001).
Os pais podem participar durante e após as sessões de brincar. Antes da
sessão, eles respondem a um checklist desenvolvimental, que identifica o nível de
desempenho de suas crianças em casa. Durante a sessão, os pais observam e participam
da brincadeira. Após as sessões de brincar, eles são envolvidos na discussão do desempenho
de suas crianças e no planejamento de um programa apropriado para a criança e a família.
(LINDER, 2001).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 406


As orientações do TBPA fornecem uma estrutura para observação do domínio
cognitivo, sócio-emocional, comunicação e linguagem e desenvolvimento sensório-motor.
Esse roteiro é definido em categorias, primeiramente no formato de questões, com as
idades respectivas para cada domínio. Essas questões estimulam os participantes da equipe
a analisar qualitativamente como a criança desempenha a habilidade, ao invés de apenas
identificar se ela desempenha a tarefa. O TPBA produz dados quantitativos quanto ao
nível de habilidades, assim como informação descritiva sobre o desempenho da criança,
(LINDER, 2001).
Após a observação das sessões de brincar, sete etapas ocorrem. Encontro
após a sessão de brincar (Etapa 1), análise de videotape (Etapa 2), correlação entre as
observações e o roteiro (Etapa 3), completando o protocolo de registro (Etapa 4),
desenvolvimento de recomendações interdisciplinares (Etapa 5), encontro para
planejamento de um programa (Etapa 6), reporte formal, ou seja, descrição quanti-
qualitativa do desempenho da criança (Etapa 7). Esse teste ainda tem poucos estudos
sobre sua validade e fidedignidade. (COUCH, DEITZ & KANNY, 1998).
A avaliação TPBA é pertinente para envolver a participação dos pais no
processo de avaliação da criança. Essa é uma questão importante de ser destacada, pois
na medida em que os pais percebem-se como colaboradores do processo, o valor e interesse
pela atividade de brincar podem ser despertados pela observação desse comportamento.
Da mesma maneira, a equipe de profissionais que coleta os dados pode trocar maiores
informações sobre a elegibilidade e tratamento da criança, o que colabora para estimular
o trabalho interdisciplinar entre diferentes áreas do conhecimento. Até o presente
momento, são desconhecidos estudos de validação e confiabilidade deste instrumento
no Brasil.

Avaliações do brincar com foco na experiência

Avaliação do Comportamento Lúdico 6

Foi elaborada para avaliar crianças com deficiência física e fornece dados
através de quatro áreas: 1) nível geral de interesse da criança, 2) habilidades e interesses
lúdicos básicos, 3) características das atitudes lúdicas da criança em geral, 4) comunicação
das necessidades e sentimentos.
Cada área é pontuada quantitativamente (0 a 2) conforme o nível de interesse,
sendo possível assinalar, também, quando o comportamento não foi observado (NO).
As áreas de habilidades e interesses lúdicos básicos, características das atitudes
lúdicas da criança em geral, comunicação das necessidades e sentimentos recebem também
uma pontuação (variando de 0 a 2 pontos) quanto ao nível de habilidades. Ao longo de
todas as áreas é possível especificar como a ação foi realizada, qual mão é utilizada,
quais as dificuldades, possibilitando também um registro qualitativo. (FERLAND, 2006).
Esse teste é interessante por considerar as habilidades que a criança apresenta
e não somente seus déficits, além de contemplar aspectos relativos à função manual, que
nas crianças com problemas no desenvolvimento podem estar deficitárias, por exemplo,
na paralisia cerebral, na mielomeningocele, nas distrofias musculares, dentre outras
deficiências físicas. Os critérios de pontuação também permitem quantificar o

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 407


desempenho da criança em situações lúdicas, assim, esse teste é pertinente por fornecer
uma análise quanti-qualitativa do comportamento de brincar das crianças.
Esse instrumento sofreu uma adaptação trans-cultural para a população
brasileira (SANT’ANNA, 2006) e inicia agora o processo preliminar de validação, através
da aplicação do instrumento por diversos profissionais na prática clínica.

Teste de Entretenimento7

É administrado enquanto a criança se envolve no brincar livre, o melhor


promotor de brincadeiras. Os companheiros de brincadeiras podem variar de pares até
adultos. É importante que estes sejam familiares para que as crianças sintam-se seguras e
estimuladas para brincar. (MORRISON & METZGER, 2001).
É um instrumento que avalia o comportamento lúdico de forma quantitativa
em 24 comportamentos através das categorias de extensão, intensidade e capacidade
(com a possibilidade de pontuar uma gradação entre 0 a 3 em cada uma destas categorias).
Em todas as categorias é possível assinalar também quando o comportamento não foi
aplicável àquela situação. (BUNDY, 2000).
Esse teste é oportuno para graduar o comportamento lúdico em diferentes
níveis, além disso, a possibilidade de não pontuar um comportamento que não foi
observado é importante, pois não provoca vieses em relação às pontuações, já que há
possibilidade de assinalar quando este não se encontra presente à situação observada.
Um instrumento suplementar pode ser utilizado para avaliar o impacto do
ambiente no nível de brincadeiras. O “Test of Environmental Supportiveness” (TOES) foi
desenvolvido para examinar quando o ambiente humano (cuidador e pares brincantes) e
não-humano (espaço e objetos) facilitam ou prejudicam a habilidade da criança para
brincar. Isto tem sido recomendado para que o TOES seja aplicado simultaneamente
com o ToP, para determinar o nível de brincadeiras da criança. (MORRISON &
METZGER, 2001). A aplicação do ToP também apresenta evidências para utilização
com crianças que apresentam deficiências. (OKIMOTO, BUNDY & HANZILK, 2000).
Avaliação do Jogo Simbólico de Crianças 8
Engloba o jogo simbólico e a brincadeira lúdica convencional em crianças de
3 a 7 anos de idade, através de materiais padronizados para ambos os tipos de brincar.
Permite avaliar a extensão do brincar espontâneo e a auto-iniciativa. (STAGNITTI, 2000).
Esse instrumento foi elaborado para ser utilizado em ambientes terapêuticos,
portanto, possui um protocolo específico de apresentação dos objetos lúdicos em um
tempo pré-determinado, em duas sessões, uma para avaliar o brincar imaginativo
convencional e outra para avaliar o brincar simbólico.
Na avaliação do brincar imaginativo convencional são apresentados os
seguintes brinquedos: um caminhão, um reboque, duas grandes bonecas (uma do sexo
feminino e outra do sexo masculino), 4 ovelhas, 3 vacas, 2 copos, 2 colheres e 2 pratos.
São apresentados todos os brinquedos, exceto o boneco do sexo masculino, sem nenhuma
instrução, e observa-se a criança durante 3 minutos, em seguida, o terapeuta apresenta o
boneco do sexo masculino e demonstra 5 ações lúdicas, em seguida, pára a demonstração
e continua a observação do comportamento lúdico da criança. (STAGNITTI, 2000).
Na sessão de avaliação do brincar simbólico são apresentados objetos como

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 408


caixas, bonecas de pano, toalha de rosto, cones, varetas, etc. O mesmo procedimento da
sessão anterior é efetuado. (STAGNITTI, 2000).
Cada ação da criança é registrada em uma planilha de observação e pontuada
todas as vezes que cada comportamento foi apresentado, possibilitando uma avaliação
rápida e com um escore que facilita a evolução do comportamento lúdico.
Salienta-se que, com este tipo de avaliação podem ser observadas as
representações simbólicas das crianças frente aos objetos apresentados, sua capacidade
de imitação a partir de modelos oferecidos pelo examinador, bem como a iniciativa da
criança para brincar.
O uso de materiais padronizados é um recurso importante, pois esse
procedimento permite a comparação do desempenho das crianças para um repertório
semelhante de objetos, o que favorece a precisão dos dados observados. A divisão em
duas sessões torna possível sua utilização na clínica da TO (é um instrumento para
ambientes terapêuticos), visto que o tempo reduzido por ser um problema na utilização
de testes com longa duração para aplicação.
Esse instrumento está em etapa inicial de adaptação trans-cultural, com o de
acordo da autora para iniciar esse processo. (PFEIFER, 2007 b).

Conclusão e implicações

Os instrumentos apresentados nesta revisão abrangem diferentes formas de


coleta e podem fornecer informações essenciais para se conhecer o comportamento lúdico
de crianças com problemas no desenvolvimento, o que possibilita ao terapeuta ocupacional
desenvolver estratégias que facilitem a participação da criança em espaços escolares que
comportem o brincar.
Essas informações deverão ser discutidas com a equipe envolvida no processo
de inclusão, principalmente professores e pais, para que as condutas sejam decididas em
conjunto e possam ser implementadas de forma efetiva no ambiente escolar.
O fato de três instrumentos acima citados estarem em processo de adaptação
trans-cultural e/ou de validação infere que os terapeutas ocupacionais têm identificado
a importância da utilização de avaliações padronizadas em sua prática, assim como a
coerente necessidade de adequações para a cultura nacional.
Esta revisão se limita à descrição de alguns instrumentos. Tornar-se-ia inviável
detalhar exaustivamente cada um deles, porém, espera-se que os comentários apresentados
acerca dos mesmos possam despertar o interesse nos profissionais envolvidos na educação
especial para um aprofundamento sobre tais instrumentos como possíveis para utilização,
seja no âmbito clínico e/ou escolar, ou mesmo de pesquisa.

Notas
1
Docente do curso de graduação em Terapia Ocupacional, Professora Doutora do Departamento de
Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP. E-mail: luziara@fmrp.usp.br.

2
Terapeuta Ocupacional Junior do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein-HIAE,

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 409


Unidade Morumbi, São Paulo-SP. Docente do curso de graduação em Terapia Ocupacional da PUCCAMP.
E-mail: cruzdmc@hotmail.com.

3
“Play History” (TAKATA, 1974).

4
“Preschool Play Scale-PPS”. (KNOX, 2000).

5
“Transdisciplinary Play-Based Assessment- TPBA”. (LINDER, 2001).

6
“L’èvalutaion du comportament ludique- ECL”. (FERLAND, 2006).

7
“Test of Playfulness-ToP”. (BUNDY, 2000).

8
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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 411


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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 412


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OU DIFICULDADES DE
ESCOLARIZAÇÃO1? UM DEBATE A PARTIR DO REFERENCIAL DA
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Graziela Lucchesi Rosa da Silva2


Marilda Gonçalves Dias Facci3
Nadia Mara Eidt4
Silvana Calvo Tuleski5
Sonia Mari Shima Barroco6

Agora vamos contar


A história de uma viagem
Feita por dois explorados e por um explorador
Vejam bem o procedimento desta gente:
Estranhável, conquanto não pareça estranho
Difícil de explicar, embora tão comum
Difícil de entender, embora seja a regra.
Até o mínimo gesto, simples na aparência,
Olhem desconfiados! Perguntem
Se é necessário, a começar do mais comum!
E, por favor, não achem natural
O que acontece e torna a acontecer
Não se deve achar que nada é natural!
Numa época de confusão e sangue,
Desordem ordenada, arbítrio de propósito,
Humanidade desumanizada
Para que imutável não se considere
Nada. (BRECHT, 1990, p. 132).

Introdução

Começar um texto com Bertold Brecht (1898-1956), um autor que se deparou


com situações sociopolíticas muito difíceis na Alemanha, e que apostou nas possibilidades
de intervenções e de mudanças, inspira-nos a pensar quanto a Arte é importante para os
homens se humanizarem, e, no seu caso particular, como o teatro pode assumir um papel
educativo, esclarecedor, de busca da superação da alienação. Por outro lado, isso também
nos instiga a desconfiar daquilo que está posto como aparentemente definitivo e
inquestionável. Brecht desconfiava de todo processo que parecesse de alienação em massa;
desconfiava inclusive da própria escola alemã.
É, pois, sob a inspiração desse espírito investigador e inquieto que abordamos,
neste texto, uma temática que nos é muito cara: a não-aprendizagem do aluno, a produção
do fracasso escolar, ou ainda, o equívoco na análise das dificuldades de aprendizagem.
Sob tal inspiração, no que se refere à metodologia, este texto decorre de pesquisas
conceituais ou teóricas e de intervenções práticas realizadas no período de 1996 a 2005
em escolas da rede pública de ensino, no âmbito da Psicologia Escolar, desenvolvidas

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 413


sob a perspectiva histórico-cultural. Objetivamos apresentar considerações teóricas e
“pistas” para uma prática psicológica e educacional diferenciada em relação à compreensão
das dificuldades de aprendizagem no processo de escolarização, a qual, na maioria das
vezes, tem se pautado, conforme Patto (1987) e Boch (2000), em uma psicologia guiada
por pressupostos liberais, que impedem a compreensão dos fenômenos sociais a partir da
perspectiva histórica. Visões biologizantes e particularizadas do homem têm permeado
essa ciência, contribuindo para que a realidade social se reduza a uma realidade individual
estéril e patologizada.

A Psicologia histórico-cultural: uma visão prospectiva do desenvolvimento


psicológico

Essas visões naturalizantes e biologizantes mencionadas anteriormente


retiram dos homens, tenham eles ou não deficiências ou necessidades educacionais
especiais, possibilidades de se verem como seres necessariamente criadores e criativos,
capazes de aprender ou de ensinar ante determinados problemas, retiram-lhes a chance
de se verem com potencialidades e capazes de estabelecer vias colaterais de
desenvolvimento. (VYGOTSKI7, 1997).
Seguindo o conselho de Brecht, é preciso desconfiar desses tipos de visões
“científicas”. Segundo a perspectiva vigotskiana, não é comum ou natural que as pessoas
não aprendam e, conseqüentemente, não tenham o desenvolvimento movimentado. Não
é comum e natural que se vejam como incapazes; ao contrário, o comum e o natural é
que elas se vejam como necessariamente criadoras e criativas. Seria de se esperar que os
homens pudessem se ver como sujeitos capazes de reproduzir atividades da vida cotidiana
que lhes permitissem ser identificados como homens do seu tempo, mas, também, que
eles pudessem criar sobre aquilo que a humanidade já inventou, que pudessem lidar com
desenvoltura com as diferentes elaborações humanas. (BARROCO & TULESKI, 2007).
Seria de se esperar que, no caso de alguma dificuldade de cunho físico-neurológico ou
mental, pudessem encontrar formas de compensá-la e de superar os obstáculos. Se esse é
o curso esperado, conforme a perspectiva vigotskiana, por que ele não tem sido adotado?
Em tempos de ideologia neoliberal, de não-trabalho para tantos, é
compreensível, mas não justificável, que as pessoas se vejam em situação de esvaziamento
dessa capacidade criadora e criativa que lhes seria inerente. Na atualidade, verifica-se a
existência de uma prática de explicar o que o aluno tem, ou o de que ele é privado que o leva
ao seu fracasso escolar: os distúrbios de aprendizagem, os problemas comportamentais
e/ou transtornos emocionais. Assumir a existência e a imperiosidade de tais
comprometimentos tem sido algo que não provoca estranhamentos, como Brecht dizia. Os
comprometimentos são naturalizados, descolando esses alunos da sociedade da qual fazem
parte. Assim, diante da elevada taxa de fracasso escolar, que se mantém, de fato,
praticamente inalterada há décadas, embora dados estatísticos pós-2001, como os do
Serviço de Avaliação da Educação Básica, atrelado ao Ministério da Educação – MEC/
SAEB8, indiquem mudanças nesse quadro, ainda cabe discutir se esse insucesso, verificável
na cotidianidade das escolas, não seria produzido nelas ou por elas mesmas. Podemos
questionar se a problemática estaria mesmo no aluno ou num conjunto de ações
antipedagógicas do âmbito histórico-social e se estamos lidando com dificuldades de

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 414


aprendizagem ou com dificuldades de escolarização.
Se Brecht sugere que desconfiemos do trivial e do habitual, Lênin (1870-
1924) já apontava que o objeto da ciência não são as coisas em si, mas a relação entre elas.
Fazer ciência neste âmbito implica, sim, em desconfiamos daquilo que aparenta ser trivial
e habitual: a queixa-constatação de que grande parcela de alunos não aprende por seus
próprios deméritos. Fazer ciência crítica neste âmbito requisita que coloquemos as coisas
ou fenômenos em relação entre si. Essa desconfiança daquilo que se mostra como natural
e esse propósito de pôr os fatos em relação entre si e com as condições objetivas da
realidade nos impulsionam a refletir sobre as dificuldades de aprendizagem a partir das
relações da realidade concreta e a buscar proposições, em sentido prospectivo. Nossa
proposta, neste capítulo, é, portanto, avançar na compreensão dessa temática, enfocando
quanto o não-aprendizado dos alunos está atrelado às condições histórico-sociais que
produzem o fracasso escolar.

Mudando o foco do insucesso escolar: das dificuldades de aprendizagem para o


processo de escolarização

O insucesso escolar é uma realidade cada vez mais presente no cotidiano da


escola (em diferentes níveis de ensino), e como decorrência disso há uma massa
populacional excluída do processo de escolarização; ou talvez seja possível pensarmos
que há um contingente de alunos que já foram incluídos desde o início de sua escolarização,
devido às profecias auto-realizadoras referentes a um contingente: o daqueles que não
irão mesmo aprender, devido à sua carência cultural, afetiva, às suas famílias
desestruturadas, etc.
Esse insucesso pode ser constatado em outros dados de pesquisa divulgada
pelo Ministério da Educação: o Brasil possui mais de 16 milhões de analfabetos, e esse
montante salta para 30 milhões quando se consideram os analfabetos funcionais, conceito
que “incluiria todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos concluídas”. (INEP/
MEC, 2003, p. 6). Esses são indivíduos que, de alguma forma, tiveram acesso à
escolarização, mas não se tornaram alfabetizados e não se apropriaram adequadamente
de conceitos científicos. Esses dados nos impõem refletir a respeito das razões da
precariedade da formação escolar e da apropriação, também precária, dos conhecimentos
pelos alunos, que os mantém distantes do mundo das ciências, letras e artes.
Contrapondo-nos à análise das dificuldades de aprendizagem e do insucesso
escolar que recorre, geralmente, às concepções simplistas, subjetivistas ou mecanicistas,
ao postular que a criança “não aprende” em função de comprometimentos orgânicos ou
emocionais, somos levadas a voltar o foco de reflexão para entender o que a escola
objetivamente tem feito para o aluno aprender. (MEIRA, 2003). Não desconsideramos,
como salientam Collares & Moysés (1996), que existam alunos com necessidades
educacionais especiais que demandam atenção profissional especializada, seja em termos
de educação, seja em termos de saúde; contudo, é preciso analisar, ainda, os motivos que
transformam muitos alunos sadios em doentes, inviabilizando a atenção adequada àqueles
que realmente necessitam de um atendimento especial. Para tanto, precisamos ir além. Ir
além significa pôr o homem e o mundo em constante relação, considerando que as relações
sociais não fazem apenas fundo, mas são figuras determinantes para a formação do homem

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 415


contemporâneo.
Se pensarmos em um trabalho que se antecipe a esta situação criticada,
podemos verificar que essa temática impõe uma atenção primordial à educação e, se isso
fosse observado, evitaria muitos encaminhamentos aos programas e serviços da Educação
Especial que objetiva o atendimento educacional àqueles alunos com deficiência ou
com necessidades educacionais especiais. Também nortearia, de modo diferenciado, a
atuação dos profissionais junto à educação, já que estes poderiam planejar suas
intervenções antes de os problemas assinalados ocorrerem. Essa discussão é de muita
pertinência e relevância para a educação que se pretende estar às voltas com o sucesso
escolar.
Sob essa lógica anteriormente criticada, é comum desconsiderar aspectos da
realidade objetiva que influenciam o processo de escolarização, tais como: metodologias
de ensino inadequadas; políticas públicas educacionais que não resultam em valorização
do magistério e da escola pública em todos os níveis; propostas pedagógicas que não
incidem na valorização de conteúdos curriculares; formação do corpo docente por
instituições de ensino superior que deixam a desejar; relação professor-aluno sem vínculos
genuínos que motivem a mediações significativas; práticas avaliativas que não são
consistentes para uma intervenção prospectiva e junto à zona de desenvolvimento
próximo.
Postula-se que é preciso romper com a pobre concepção de homem como
um ser reduzido a um organismo individual cujo funcionamento e insucessos podem ser
explicados a partir de suas próprias características, divorciando sua história de vida pessoal
da história do seu povo e da humanidade. Ao contrário, a criança que não aprende deve
ser considerada como uma pessoa histórica, cuja existência e desenvolvimento se realizam
nas relações sociais. Cumpre superarmos o binômio impotência/onipotência e as propostas
fragmentadas direcionadas unicamente às crianças fracassadas.
É imprescindível salientar que Vigotski (1997), em 1930, ao analisar a
sociedade de sua época, já apontava as contradições existentes entre as grandes
possibilidades de desenvolvimento das potencialidades humanas dadas pelo capitalismo
e os obstáculos postos para o desenvolvimento das mesmas em função das relações
sociais de produção, que se estabelecem sobre a base da exploração exercida por uma
classe sobre a outra. Em decorrência disso tem-se, segundo ele, uma grande diversidade
de tipos humanos em virtude do acesso aos bens materiais e culturais, os quais se
fragmentam nas diversas classes sociais, e também a corrupção e distorção da personalidade
humana como fruto de um desenvolvimento inadequado e unilateral.
Vigotski (1997) acredita que o desenvolvimento pleno das potencialidades
humanas sobrepõe-se aos desejos e características individuais, tendo relação direta com
as condições objetivas de vida. Assim, o conteúdo e a forma da educação têm caráter
eminentemente social e, por isso mesmo, histórico, uma vez que o processo de humanização
se dá a partir da inserção do indivíduo em seu meio cultural através da apropriação das
objetivações produzidas historicamente, dependendo mais destas do que propriamente
de sua herança genética ou capacidades biológicas para desenvolver-se.
A superação de uma análise que transfere problemas sociais ao âmbito
individual só ocorre por meio de uma perspectiva teórico-metodológica que entenda as
relações humanas como históricas, isto é, como produto da forma de os homens produzirem

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 416


a vida, e que considere o psiquismo humano individual como produto de relações sociais
mais amplas. Nessa direção, a Psicologia Histórico-Cultural pode nos auxiliar, uma vez que
vê o desenvolvimento das potencialidades do aluno como decorrente das condições
culturais em que ele é educado, considerando a apropriação dos bens culturais já
produzidos pela humanidade. Mais do que isso, ela pressupõe que os homens, do ponto
de vista ontológico, são suficientemente criativos para encontrar meios de satisfazer suas
necessidades ou para criar outras, movimentando assim o processo de desenvolvimento
ou de humanização.

Psicologia Histórico-Cultural e o processo de escolarização

Na abordagem histórico-cultural, o insucesso escolar conduz,


inevitavelmente, à análise da sociedade e das relações sociais que o produzem, pois
mudanças qualitativas na situação social em que vive e atua uma criança levam a mudanças
significativas em seu desenvolvimento psicológico.
De acordo com Meira (2000, p. 50), ao afirmar que o verdadeiro curso do
desenvolvimento vai do social para o individual, e não em sentido contrário, Vigotski
(1997) define sua tese fundamental de que “as origens das formas superiores de
comportamento consciente deveriam ser encontradas nas relações sociais que o indivíduo
estabelece com o mundo exterior”. Ou seja, as funções de fala, pensamento, abstração,
aquisição de instrumentos, atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos e
desenvolvimento da vontade aparecem duas vezes, em dois planos distintos: em um
primeiro momento, aparecem no plano social – entre as pessoas –, e, posteriormente, no
plano subjetivo. Mediante o processo de internalização, ocorre a transformação que
Vigotski (1997) denomina de interpsicológica para intrapsicológica, mudando tanto a
estrutura quanto o funcionamento: de funções primitivas e fundamentalmente biológicas
a funções superiores, fundamentalmente culturais.
Leontiev (1978) considera que a formação das faculdades psíquicas próprias
do homem social se produz pela apropriação dos bens culturais e materiais produzidos
em nível filogenético; e se essa apropriação dá origem a formas especiais de conduta, ela
modifica a atividade das funções psíquicas e cria novos níveis de desenvolvimento
humano.
O processo de escolarização, por sua vez, promove a formação de novas
estruturas mentais e auxilia no avanço qualitativo do desenvolvimento, à medida que
possibilita ao aluno a aquisição e sistematização de conceitos científicos. Assim, a
mediação do educador proporciona ao aluno se apropriar de conteúdos científicos,
artísticos e filosóficos e, conseqüentemente, auxilia em sua humanização. Como destaca
Facci (2004) no tocante à função da escola e do professor, é a apropriação desses
conhecimentos científicos que provoca o desenvolvimento das funções psicológicas dos
alunos, guiando-os a patamares superiores da compreensão da realidade posta. Humanizar
implica que as mediações dos adultos conduzem a criança ao domínio gradativo do seu
comportamento, da razão, da lógica pelo conhecimento, adquirido tanto de forma
assistemática no meio social geral quanto pela aprendizagem sistemática de conceitos
científicos no âmbito escolar.
Para Vigotski (2000), a boa aprendizagem é aquela que se adianta ao

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 417


desenvolvimento; o aprendizado é considerado condição fundamental para que as funções
psicológicas superiores se manifestem. Assim, os professores devem ajudar os alunos a
desenvolver o que por si mesmos estes não podem fazer, intervindo em suas zonas de
desenvolvimento próximo. Precisam criar neles as premissas de desenvolvimento e das
funções psíquicas que ainda não estão formadas, por meio da transmissão-apropriação
dos conhecimentos científicos, transformados em conteúdos curriculares.
Vigotski (2000) frisou a importância dos conhecimentos científicos no
desenvolvimento escolar, pois são eles que possibilitam graus de generalização mais
complexos, que, de acordo com Luria (1994a), fazem avançar de um tipo de pensamento
predominantemente gráfico-funcional ou ligado a situações concretas e cotidianas, para
um tipo denominado lógico-lingüístico, responsável pela capacidade de desligar-se das
situações cotidianas, estabelecer hipóteses e relações a partir de informações contidas na
linguagem. Este último é considerado um tipo de pensamento mais elaborado, que libera
o homem do mundo visível e concreto, abrindo caminho para a abstração.
Facci (2004) defende que o conhecimento científico deveria ser apropriado
por todos os membros da sociedade. Quando a escola não favorece tal apropriação,
colabora para a manutenção da ordem vigente, na medida em que o saber continuará
sendo propriedade da classe dominante. Ao professor cabe a tarefa de alterar
qualitativamente a prática dos alunos, e a partir da prática social, torná-los agentes de
transformação da sociedade em que vivem. Com isso, não basta ao indivíduo freqüentar
a escola, mas é preciso que lá ele obtenha o que há de melhor em termos de conhecimento
produzido pela humanidade, para que seus processos internos de desenvolvimento sejam
acionados; além disso, é necessário ter acesso a uma situação de ensino adequada, na
qual sua função como ferramenta para o desenvolvimento das operações mentais possa
ser explorada.
Essas considerações nos levam à conclusão de que a instituição escolar se
constitui em um universo de potencialidades, podendo promover o desenvolvimento de
processos psicológicos internos; por outro lado, estamos diante de dados (como os do
INEP/MEC9) que apontam que a escola, na realidade brasileira, tem gerado obstáculos
à realização desses objetivos, de modo que “o fracasso da escola elementar é administrado
por um discurso científico que, escudado em sua competência, naturaliza esse fracasso
aos olhos de todos os envolvidos nesse processo”. (MEIRA, 2003, p. 23).

Considerações Finais

Conclui-se que nenhum desenvolvimento – incluído o da criança – numa


sociedade civilizada moderna pode ser reduzido ao desenvolvimento de processos inatos
e naturais e às mudanças morfológicas por eles condicionadas. É preciso considerar a
mudança promovida pela inserção em grupos sociais e em formas de conduta civilizadas,
processo em que a educação escolar tem papel fundamental, como já vimos.
Para Luria (1994b), essas formas de adaptação cultural10 da criança são mais
dependentes das condições do ambiente no qual ela foi colocada do que de fatores
constitucionais, pois métodos e formas de conduta são instilados na criança, devido às
demandas feitas pelo ambiente cultural a ela; essas demandas e condições são precisamente
os fatores que tanto podem estancar como estimular o seu desenvolvimento. Exigindo-

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 418


se da criança que trabalhe formas novas de adaptação, criam-se súbitas transformações
em seu desenvolvimento, obtendo-se “formações indubitavelmente culturais” que têm o
papel mais importante em sua evolução, sendo o educador fundamental nesse processo.
Com base nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, procuramos
assinalar que se deve atentar ao modo como se dá o processo de escolarização, e não
apenas ao modo como os problemas/dificuldades de aprendizagem ou insucesso escolar
se apresentam aparentemente, desconfiando do óbvio ou do habitual, nos dizeres de Brecht
(1990), ou seja, deslocando-se o eixo de análise do indivíduo para os fatores intra-escolares
e o conjunto de relações que constituem o cotidiano escolar.
Assim, só há sentido na intervenção da Psicologia na escola em um processo:
o do ensino-aprendizagem, quando essa ciência contribui para que a função escolar
socializadora dos conhecimentos produzidos pela humanidade seja atingida. A Psicologia
contribui ao demonstrar que mediações instrumentais adequadas e consistentes podem
ter caráter revolucionário para a aprendizagem e o desenvolvimento dos indivíduos, através
de mediações com outros homens e com suas produções, além de promoverem a
humanização, afirmando o ideal de que o mais limitado dos homens pode desenvolver-se
ilimitadamente.
Se nossa intenção prima por uma compreensão mais ampla das dificuldades
de aprendizagem, podemos concluir que a superação desses problemas passa por um
ideário de sociedade pautado pela coletividade, na qual todos os indivíduos possam ter
igualdade de acesso ao conhecimento e aqueles que necessitarem de um atendimento
“especial” obtenham mediadores diferenciados que proporcionem o desenvolvimento
máximo das suas potencialidades. As “pistas” que deixamos são o postulado vigotskiano
de que todos os indivíduos têm potencialidade para aprender, e que a apropriação dos
conhecimentos científicos e das relações destes com a realidade, ao serem transformados
em conteúdos curriculares, será a alavanca para o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Essa questão deve respaldar práticas pedagógicas e psicológicas
em prol da socialização e apropriação do conhecimento.

Notas
1
O termo “problemas de escolarização” foi cunhado por Proença (2002, p. 192) e vem substituir a concepção
tradicional dos problemas de aprendizagem, uma vez que “(...) desloca o eixo da análise do indivíduo para
a escola e o conjunto de relações institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas que se fazem presentes
no dia-a-dia escolar”.

2
Docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

3
Docente da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

4
Doutoranda em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara, bolsista FAPESP.

5
Docente da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

6
Docente da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 419


7
Pelo fato do idioma russo possuir um alfabeto diferente do ocidental, foram registradas diferentes formas
de escrever o nome deste autor, tais como “Vygotsky”, “Vygotski”, “Vigotski”, “Vigotskii”. Optamos pela
grafia Vigotski, exceto quando as referências citadas forem diferentes.

8
A estatística do SAEB, em 2001, mostra um índice alarmante na avaliação por amostragem de alunos, no
tocante ao domínio de português e matemática. Para acessar os índices, veja o site: <http://www.inep.gov.br/
basica/saeb/saeb_01.htm>

9
A pesquisa intitulada “Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da quarta série do ensino
fundamental”, divulgada pelo Ministério da Educação, demonstra que, em língua portuguesa, apenas 5% da
amostra podem ser considerados leitores competentes por possuírem habilidades de leitura relacionadas
com a série cursada e dominam alguns recursos lingüísticos; e em matemática, apenas 7% conseguem
resolver problemas de forma coerente. (INEP/MEC, 2003).

10
É importante aqui que não se entenda este termo como uma adaptação mecânica. Para maiores esclarecimentos
sobre as diversas terminologias utilizadas por Luria ver Tuleski (2007).

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TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 421


INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO ESPECIAL:
MECANISMOS PARA FORMAR CIENTISTAS

Rodrigo de Castro Cabrero1


Maria da Piedade Resende da Costa2
Andreza Marques da Castro Leão3
Maria Cristina P.I. Hayashi4
Sérgio Missiaggia5

Introdução

Atualmente, o domínio do conhecimento científico e tecnológico é


fundamental para o progresso de países e empresas. Na área governamental, busca-se,
por meio dos investimentos em ciência e tecnologia, atender às crescentes demandas da
sociedade, relacionadas com a área de educação, saúde, novas tecnologias de comunicação,
devido à sociedade da informação que se desenvolve em diferentes estágios pelo mundo,
alimentação, segurança, cidades, entre outras. O setor público preocupa-se, ainda, com o
fomento e fornecimento da infra-estrutura necessária para a realização de pesquisas em
universidades, institutos e centros de pesquisas. Por parte das empresas, existe um contexto
internacional de luta por mercados. Esta concorrência está marcada pelos esforços
permanentes na geração de novas tecnologias, que alteram o sistema de produção. Portanto,
canalizam-se recursos para uma utilização mais racional dos fatores de produção. Longo
(1998) argumenta que

[...] estima-se que os conhecimentos científicos e tecnológicos têm duplicado a


cada 10 a 15 anos e que mais de 80% deles foram gerados após a segunda guerra
mundial. A continuar tal dinâmica, dentro de 10 anos, 50% dos objetos que
estaremos usando, ainda não foram inventados atualmente. (p. 2).

Nessa lógica, fica evidente a crescente importância do conhecimento e do


domínio da tecnologia. Torna-se necessário uma mudança de postura de governos,
empresas e sociedade visando tornar realidade o conhecido discurso sobre a prioridade
da área de C&T.
Vale recordar que no Brasil, durante longo tempo, os investimentos nacionais
canalizados para C&T ficaram próximos a 0,7% do PIB. Entretanto, dados oficiais indicam
que os dispêndios nacionais na área científica e tecnológica superaram 1% do PIB, mas
inferior ao observado nos países centrais. Nessa reflexão, entra em debate o papel dos
recursos humanos de alto nível, essenciais para a geração do conhecimento e da tecnologia
nacionais, geralmente preparados em cursos de pós-graduação. Destaca-se que são vários
anos de investimento para formar um professor pesquisador, que atuando no ensino e na
atividade de pesquisa estará preparando novos cientistas e professores, fundamentais
para oxigenar a pesquisa brasileira.
Ações relacionadas com a formação de massa crítica para pesquisa e ensino
têm sido preocupação das Agências de Fomento. O estímulo à preparação de novos

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professores pesquisadores inicia-se, no País, com as bolsas de Iniciação Científica (IC);
na seqüência, existem as bolsas de mestrado e, depois, as bolsas de doutorado. No âmbito
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, a concessão
de bolsas de IC pode ocorrer: 1) com a aprovação de pedidos apresentados via Projeto
Integrado de Pesquisa, também conhecido como balcão, que são analisados pelo Comitê
Assessor do CNPq, e são liberadas para o pesquisador que se responsabiliza pela seleção
dos bolsistas e 2) pela atuação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
– PIBIC/CNPq. Neste caso, as bolsas são repassadas às universidades e institutos de
pesquisa e participam do processo de seleção de pesquisadores do CNPq.
Os Programas de IC presentes nas diferentes regiões do país colocam-se como
estratégicos, uma vez que olham para o futuro da ciência brasileira. Estes centralizam a
atuação no jovem pesquisador. Nas universidades brasileiras, encontram-se atuando
professores pesquisadores, em muitos casos, egressos da IC. Assim sendo, torna-se
interessante analisar os resultados do PIBIC/CNPq na pós-graduação da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). No ensejo, verificam-se as influências da IC e a
contribuição do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs) na
preparação de novos professores pesquisadores nesta temática.

Objetivo das bolsas do PIBIC/CNPq

O grande objetivo da criação do PIBIC foi justamente formar um professor


pesquisador mais jovem e de forma mais acelerada. Para Silva & Cabrero (1998),

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC do CNPq,


atua como incentivo aos jovens pesquisadores e contribui com as etapas de
formação dos futuros cientistas. Ademais, caracteriza-se como uma ação estratégica
e planejada do CNPq, com impactos imediatos no fortalecimento da política de
iniciação científica e da cultura da avaliação institucional. A médio prazo, pode-se
mencionar o desenvolvimento da pesquisa, estímulo à formação de massa crítica
e o crescimento das publicações em revistas com corpo editorial e, a longo prazo,
destaca-se a formação dos futuros doutores. (p. 197).
O processo de formação do pesquisador, com o estímulo de bolsa, pode
demorar em torno de 7 a 9 anos, considerando que um bolsista que fica de 2 a 3 anos com
IC, 2 no mestrado, 3 a 4 anos no doutorado e ingressou na pós-graduação, logo após o
término da graduação. Caso o bolsista ingresse no doutorado direto, isto é, sem cursar o
mestrado, forma estimulada pelas agências de fomento, como a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o período de investimento na formação do
cientista no Brasil pode ser reduzido. Sardenberg (BRASIL, 2001), comentando sobre
conquistas brasileiras aponta que: “[...] a aceleração da produção de artigos indexados e
o rápido crescimento nos números relativos à formação de doutores /ano indicam, de
forma inequívoca, que estamos no caminho certo e vamos alcançar nossas metas.” (p.ix).
Daí se dizer que formar novos professores pesquisadores é uma questão urgente e
desafiadora.
“Os professores representam cerca de 40% do total de profissionais de nível
superior em ocupações científicas, técnicas e artísticas”. (BRASIL, 2001, p. 66). Além

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disso, grande parte dos pesquisadores brasileiros atua em universidades. No que concerne
à formação de recursos humanos especializados, para atuação como professores e
pesquisadores, o papel do PIBIC, deve ser ao longo do tempo mantido e aperfeiçoado,
em virtude da relevância da tarefa.
Estudos realizados por Velloso, Velho & Prandi (1997) sobre a trajetória dos
mestrandos e doutorandos no país demonstraram que a idade média de término do
doutorado estava em torno de 40 anos. Essa, considerada elevada, sobretudo quando
comparada com países centrais. Em grande parte, este fato é causado pelo modelo
seqüencial utilizado na pós-graduação brasileira, quando se exige o mestrado para cursar
o doutorado. “Poucos países exigem ou mesmo reconhecem a necessidade de titulação
em nível de mestrado para que se ingresse no programa de doutorado”. (BRASIL, 2001,
p. 61). Entretanto, os investimentos em IC têm permitido formar professores
pesquisadores com aproximadamente 28 anos. Neves & Leite (1999) acreditam que a IC
contribui com a diminuição do tempo de preparação de cientistas. Néder (2001) constatou
que, em média, os egressos do PIBIC, que finalizaram a bolsa no período de 1996 até
2000, terminaram o doutorado com 29,5 anos.
O PIBIC está consolidado nas universidades e institutos brasileiros de
pesquisa. Tundisi (1996), que foi presidente do CNPq, entende que:

[...] o PIBIC é um dos programas mais importantes do CNPq. Sua atuação tem
produzido modificações consideráveis nas universidades e institutos. Em primeiro
lugar, as universidades reforçam sua capacidade de formação de recursos humanos
e de orientação, uma vez que as bolsas são alocadas a doutores com plena
capacidade de orientar pesquisa. Além disso, a necessidade de um comitê externo
de avaliação, recomendada pelo CNPq, possibilita o amadurecimento de um
sistema permanente de acompanhamento, o que traz reflexos fundamentais no
próprio desempenho da universidade, dado o rigor que se exige na avaliação. O
programa PIBIC tem, também, estimulado uma ampla modificação no sistema
de ensino de graduação, pelo fato de que o treinamento dos estudantes aperfeiçoa-
se em contato direto com o orientador, ampliando, assim, seus horizontes além
dos cursos e aulas formais (...). O apoio ao recrutamento de jovens cientistas é
uma das tarefas fundamentais do CNPq. (p. 1).

Marcuschi (1996) mostra que “hoje, já é consenso, na comunidade, que o


PIBIC é a novidade mais importante do CNPq na década de 90”. (p. 5, grifos do
autor).
Ainda sobre o Programa, vale lembrar que foi instituído o prêmio PIBIC. No
caminho para aperfeiçoar o Programa, pode-se mencionar a exigência de que os
orientadores participem de grupos de pesquisa, o que evita projetos sem a existência de
pesquisa institucionalizada, a preocupação com a ética na pesquisa e análise da produção
científica dos últimos três anos, entre outras medidas, muitas sendo fruto de pesquisas e
análises sobre o Programa.

O PIBIC na UFSCar

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) ingressou no Programa em

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1992, após análise e aprovação da proposta encaminhada pela universidade ao CNPq.
Desta forma, já são mais de 16 anos de envolvimento, história e experiência no Programa.
Observe-se que “a universidade é um ator central em qualquer sistema de inovação,
sobretudo no Brasil, por abrigar os principais centros de pesquisa e formação de pessoal”.
(BRASIL, 2001, p. 36).
A Tabela 1 revela que inicialmente, ou seja, para o período 1992/93, foram
repassadas 40 bolsas, no biênio seguinte, a UFSCar passou para uma quota de 67 bolsas.
Ao longo dos anos de 1990, a instituição vivenciou um crescimento das bolsas do PIBIC
superior a 340%. No entanto, a quota não foi alterada de 1995/96 e alcançando até o
biênio 1998/99. Marcuschi (1996) relata a significativa evolução dos números do PIBIC
no transcorrer dos anos de 1990.
Ao analisar a evolução das bolsas PIBIC/UFSCar no período de 2000/01
(184 bolsas) até 2006/07 (200 bolsas), verifica-se que a expansão foi inferior a 9%.
Néder (2001) afirma que as concessões de bolsas de IC estão “voltadas para a formação
do estudante universitário e para o estímulo à carreira científica”. (p. 22). Cagnin & Silva
(1987) falam que a falta de experiência em pesquisa antes da realização dos cursos de
mestrado pode afetar os resultados na pós-graduação. Neste sentido, é importante ampliar
as oportunidades de preparação de novos talentos quando há capacidade de orientação.
“Verifica-se que mais da metade (54%) dos bolsistas nunca haviam participado de
atividades sistemáticas de pesquisa antes de serem admitidos como bolsistas do PIBIC”.
(ARAGÓN & VELLOSO, 1999, p. 19).
A UFSCar realiza anualmente o processo seletivo. Muitas vezes, os pedidos
aprovados não são contemplados com bolsas, em função do volume de propostas
favoráveis e quota disponível. Acrescenta-se que grande parte dos professores, com bolsa
de produtividade em pesquisa do CNPq, não está orientando. Cabrero (2007) acentua
que “em relação à IC, as orientações de mestrado e doutorado, geralmente, geram maior
volume de produção científica e ocupam menor tempo”. (p. 104). De outra forma, é
possível que os bolsistas de produtividade estejam envolvidos no processo de orientação
de IC no âmbito dos grupos de lideram.
Tabela 1 – Evolução do número de trabalhos apresentados no CIC/UFSCar
CIC/Ano No. de trabalhos Nº de Bolsas Concedidas
pelo PIBIC-CNPq /
Período
I CIC / 1993 350 40 (1992/93)
II CIC / 1994 335 67 (1993/94)
III CIC / 1995 400 125 (1994/95)
IV CIC / 1996 578 165 (1995/96)
V CIC / 1997 506 165 (1996/97)
VI CIC / 1998 518 165 (1997/98)
VII CIC / 1999 413 165 (1998/99)
VIII CIC / 2000 505 177 (1999/00)
IX CIC / 2001 454 184 (2000/01)
X CIC / 2002 437 185 (2001/02)
XI CIC / 2003 462 180 (2002/03)
XII CIC / 2004 644 180 (2003/04)
XIII CIC / 2005 862 180 (2004/05)
XIV CIC / 2006 893 190 (2005/06)
XV CIC / 2007 1.079 200 (2006/07)
Fonte: PROPG/UFSCar e PIBIC/CNPq.

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Os dados da Tabela 1 também permitem visualizar a elevação do número de
trabalhos apresentados nos Congressos de IC, que a partir do ingresso da UFSCar no
PIBIC, foram iniciados e realizados anualmente.
Em 1993, foram divulgados 350 trabalhos no Congresso de IC. O ano de
maior divulgação foi 2007, com 1.079 resumos, o que representa uma expansão da ordem
de 208,3%. Ao longo do tempo, tem havido uma variação no número de trabalhos
apresentados. Entre os Congressos de 1993 a 2000, a expansão foi de 44%, mas as bolsas,
conforme demonstrado, passaram por uma elevação que superou 340%. Por outro lado,
entre 2000/01 e 2006/07 as pesquisas expostas têm um crescimento de 135% e as bolsas
do PIBIC vivenciam uma elevação de 9%. Portanto, existe o interesse dos acadêmicos de
divulgar trabalhos científicos nos CIC´s da UFSCar.
A qualidade da produção científica é fundamental no processo de formação
de jovens pesquisadores. Ao verificar os resumos da área de Humanas, divulgados em
Congressos de IC de diferentes instituições, houve a seguinte conclusão: “49%
apresentaram-se como resultados de pesquisa, 27,9% apresentaram algumas características
de pesquisa e 23,1% não foram considerados como pesquisa”. (ARAGÓN & VELLOSO,
1999, p. 23).
Porém, Marcuschi (1996) diz que com o PIBIC se “demonstrou que é possível
realizar com seriedade a pesquisa no contexto da graduação”. (p. 11). Aragón & Velloso
(1999) constataram que, no biênio 1996/97, 30% dos bolsistas do PIBIC obtiveram
renovação das bolsas. Este quadro pode viabilizar o desenvolvimento de pesquisas com
maior profundidade.
Em 2003, foi instituído o Programa Unificado de Iniciação Científica da
UFSCar, que envolve o PIBIC/CNPq e estudantes que realizam atividades de IC mesmo
sem o recebimento de bolsa. Vale dizer que os melhores resultados no âmbito do Programa
do CNPq têm ocorrido com os estudantes que anteriormente foram voluntários em
pesquisa, que na UFSCar atingem 35% da quota.
A relação do PIBIC com a pós-graduação na UFSCar, que se encontra dentro
do objetivo desta pesquisa, tem permitido constatar o nível dos egressos. Os estudantes
que desenvolveram atividades de pesquisa na graduação realizam os cursos de mestrado
e doutorado em menor espaço de tempo, entretanto, mantêm a qualidade.
A Tabela 2 apresenta os dados, preliminares, relativos aos egressos do PIBIC/
UFSCar que se dirigiram para mestrado/doutorado na Universidade.
Os dados da Tabela 2 foram obtidos por meio de um levantamento realizado
pela UFSCar junto aos orientadores dos estudantes envolvidos com o PIBIC/UFSCar.
Verifica-se que 57% dos egressos do ano de 1996/97 alcançaram pelo menos o nível de
mestrado na UFSCar. Os percentuais vão decrescendo ao longo do tempo, o que pode
representar uma diminuição do interesse pela continuidade na academia. Entretanto, é
importante acentuar que há, em geral, um período de transição entre o término da
graduação e início do mestrado. Uma vez que o levantamento foi finalizado entre final de
2001 e princípio de 2002, estima-se que muitos egressos poderiam realizar a transição.
Pesquisas de Aragón & Velloso (1999) e Velloso, Velho & Prandi (1997) revelaram que
os discentes despendem algum tempo para transitar entre a graduação e o mestrado.

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Tabela 2 – Egressos do PIBIC/UFSCar que se dirigiram para a Pós-Graduação

Vigência da quota Egressos em cursos de


PIBIC/UFSCar Pós-Graduação da UFSCar

1996/97 57%
1997/98 52%
1998/99 47%
1999/00 38%
2000/01 21%
Fonte: PROPG/UFSCar

Investigação realizada por Cabrero (2007) mostra que o percentual de titulados


em cursos de mestrado e/ou doutorado, tanto na UFSCar como em outras instituições de
ensino superior, está, no momento, um pouco abaixo dos dados apresentados na Tabela
2. Cabrero (2007) diz que 43% dos egressos do PIBIC/UFSCar, que finalizaram a bolsa
entre 1993 e 2000, defenderam a dissertação de mestrado e/ou tese de doutorado. Há
evidências de que o número será ampliado, pois foram localizados egressos do PIBIC que
estão em cursos de mestrado ou doutorado. Para Bridi (2004), 60% dos estudantes
envolvidos com IC na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) pretendem
realizar o mestrado.
Estudo realizado revelou que aproximadamente 36,1% dos egressos do PIBIC
se dirigem para o mestrado. (ARAGÓN & VELLOSO, 1999). O quadro é inferior ao
encontrado na UFSCar. Ressalta-se que as informações sobre a UFSCar referem-se aos
titulados.

Educação Especial na UFSCar

A idéia da pós-graduação em Educação Especial na UFSCar surgiu em 1977,


quando foi ofertado um curso de especialização dentro dessa temática. Vivia-se um
momento em que o Governo do estado de São Paulo institucionalizava a Educação
Especial. Porém, não existiam docentes preparados para a formação de professores do
ensino do indivíduo especial.
Então, foi criado o Programa de Mestrado em Educação Especial – PMEE,
com enfoque para deficiência mental, com início das atividades em 1978. Portanto, são
30 anos de atuação na formação de professores pesquisadores em Educação Especial.
Ao longo de sua trajetória, o Programa passou por três significativas alterações,
isto é, nos anos de 1986, 1990 e 1997. Em 1990, foi alterado também para Programa de
Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs), com ênfase para Educação do
Indivíduo Especial. Em 1997, surgiram ajustes com o intuito de implantar o doutorado,
autorizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
em 1999.
Na atualidade, o PPGEEs é o único dirigido especificamente para a Educação
Especial, e os docentes têm ampliado a produção científica. Mas existem outros cursos

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de pós-graduação que possuem linhas de pesquisas voltadas para Educação Especial.

Tabela 3 – Mestres (PPGGEs/UFSCar) e a participação em IC na Graduação


ANO Defesas de Disertações Foram bolsistas – IC* Participaram de IC Não participaram de IC Sem informação
2003 27 (3H** - 24M***) 03 11 04 09
2004 20 (2H** – 18M***) 06 10 01 03
2005 17 (3H** – 14M***) 03 08 06 -
2006 24 (4H**- 20M***) 07 10 06 01
2007 16 (M***) 04 09 02 01
Total 104 (12H** – 92M***) 23 48 19 14

Notas: *Foram bolsistas de IC do CNPq (PIBIC ou quota ao pesquisador), FAPESP ou financiados pela
instituição de ensino. **H – Homens. ***M – Mulheres.
Fonte: PPGEEs/UFSCar e CNPq (Currículo Lattes).

Acredita-se que os discentes e titulados do PPGEEs participaram, durante a


graduação, de atividades de pesquisa, ou seja, são egressos de programas de IC. Para
assegurar-se sobre esta posição, obtiveram-se as listas dos titulados no Mestrado, bem
como os que finalizaram o Doutorado do PPGEEs/UFSCar em 9/6/2008, disponível
na página eletrônica do Programa. Posteriormente, com o nome dos titulados no nível de
Mestrado e Doutorado, passou-se a cruzar com a base de dados do CNPq, mais
especificamente o Currículo Lattes. Por conseguinte, foram elaboradas as Tabelas 3 e 4.
Constata-se na, Tabela 3, que de 2003 a 2007 houve 104 defesas de
dissertações no PPGEEs/UFSCar. Entre os titulados, 23 (22,1%) receberam bolsa de IC
na graduação, do CNPq ou da FAPESP, ou das universidades às quais estavam vinculados;
48 (46,1%) participaram de projetos de pesquisa durante o curso superior e/ou publicaram
trabalhos em Congresso; 19 (18,3%) egressos não desenvolveram atividades de IC e em
14 (13,5%) casos não havia informações disponíveis. Desta forma, quase 70% dos mestres,
do período em estudo, tiveram envolvimento em atividades de pesquisa durante a
graduação. Descartando as situações em que não foram localizados os dados, chega-se
perto de 80%, ou seja, 8 em cada dez tiveram vivência em IC. “É apontada a tendência
dos bolsistas de IC a ingressarem na PG”. (MARCUSCHI, 1997, p. 15) e comprovada a
influência para atrair os acadêmicos para o mestrado. Velloso, Velho & Prandi (1997)
expressam que “o envolvimento dos estudantes de graduação em atividade de pesquisa
tem sido considerado como uma das principais formas de estímulo para que prossigam
rumo ao mestrado e ao doutorado”. (p. 33).
Aragón & Velloso (1999) estimaram que, no País, apenas os ex-PIBIC
representavam 22,9% dos calouros no mestrado na turma de 1998. Por isso, esperava-se
que a proporção de egressos de diferentes Programas de IC no mestrado do PPGGEs/
UFSCar seria maior do que o encontrado (22,1%). Mas Néder (2001, p. 43) percebeu, ao
analisar a distribuição das bolsas do PIBIC, entre 1989 e 2000, entre as três grandes áreas
do conhecimento, que as Ciências da Vida ficam em larga dianteira em relação às Ciências
Exatas e da Terra e das Ciências Humanas e Sociais. O fato pode explicar em parte o
percentual de mestres pelo PPGEEs que receberam bolsa de IC na graduação. Além
disso, em alguns currículos as informações sobre o recebimento de bolsa de IC
possivelmente não foram inseridas.

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Entre os 104 titulados no Mestrado do PPGEEs/UFSCar, 44 terminaram o
curso superior na UFSCar (42,3%), 15 na UNESP (14,4%), em 15 casos não foi localizada
a informação (14,4%), 6 na USP (5,8%), 6 na UEL (5,8%), 3 na PUC-CAMPINAS (2,9%)
e os demais são de treze universidades distintas (14,4%). Quando se consideram as
informações disponíveis, a UFSCar alcança praticamente 50%. Segundo Velloso, Velho
& Prandi (1997), no Brasil, 43,1% dos estudantes realizam o mestrado na mesma
instituição da graduação.
Cabe destacar que, em média, o número de meses necessários para titulação
no PPGEEs/UFSCar está diminuindo. Em 1996, foram necessários 44 meses para se
titular no mestrado. Em 2002, foram utilizados 33 e em 2007, 25 meses. (BRASIL, 2008a).
Em relação ao gênero, os homens representam 11,5% do grupo. Velloso,
Velho & Prandi (1997) constataram que, fazendo o mestrado, no País, na área de Ciências
Humanas, 44,6% eram homens. Levantamentos no Diretório dos grupos de Pesquisa/
2004 permite dizer que “no caso brasileiro, quando se analisa o conjunto de Ciências
Humanas” as mulheres representam mais de 60% dos pesquisadores. (HAYASHI et al,
2007, p. 177).

Tabela 4 – Doutores (PPGGEs/UFSCar) e a participação em IC na Graduação


ANO Defesas de Teses Foram bolsistas – IC* Participaram de IC Não participaram de IC Sem informação

2000 01 (M***) - 01 - -

2001 02 (M***) - - 01 01

2002 02 (1H** – 1M***) - - 01 01

2003 02 (M***) - 01 01 -

2004 09 (1H** – 8M***) 01 05 02 01

2005 06 (1H** – 5M***) - 01 05 -

2006 10 (1H** – 9M***) 02 06 01 01

2007 9 (2H** – 7M***) 02 03 04 -

Total 41 (6H** – 35M***) 05 17 15 04

Notas:*Foram bolsistas de IC do CNPq (PIBIC ou quota ao pesquisador), FAPESP ou financiados pela


instituição de ensino. **H – Homem(ns) . ***M – Mulher(es). Há um egresso que as informações localizadas
foram sobre a bolsa IC e instituição de realização do mestrado.
Fonte: PPGEEs/UFSCar e CNPq (Currículo Lattes).

Na Tabela 4, verifica-se que, entre os titulados no Doutorado do PPGEEs/


UFSCar, estão 6 (14,6%) homens e 35 mulheres (85,4%). Conforme dados do Diretório
dos Grupos de Pesquisa, as mulheres são maioria entre os estudantes de doutorado desde
o Censo de 2002 (BRASIL, 2008b). No PPGEEs, há uma pequena vantagem no doutorado
em relação ao mestrado no que se refere à participação dos homens.
A idade média de conclusão do doutorado é de aproximadamente 35 anos e
6 meses. Considerando apenas os que foram bolsistas ou participaram de IC durante a
graduação, a idade, em média, para defesa da tese, é de 33 anos, e examinando a situação

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daqueles que não participaram de IC na graduação, a idade fica em 41 anos e 10 meses.
Desta maneira, os discentes que tiveram vivência em IC caminham mais rápido para
alcançar o título de doutor. (SILVA & CABRERO, 1998). Cabe esclarecer que para cálculo
da idade de defesa da tese foi levado em consideração apenas o ano de nascimento e o
ano de conclusão do doutorado, ou seja, os meses não entraram na contagem.
Estatísticas da CAPES sobre a pós-graduação no Brasil demonstram que em
2002 foram necessários 61 meses para o término do doutorado no PPGEEs; 43 em
2004; 48 meses nos anos de 2005 e 2006; e 49 meses no ano de 2007. (BRASIL, 2008a).
“O tempo médio de titulação do doutorado já chegou a ultrapassar 60 meses em 2002. O
importante é que nos últimos anos esse tempo foi reduzido. A idade média dos alunos é
inferior a 40 anos e a maioria é formada por mulheres”. (ALMEIDA e HAYASHI, 2007,
p. 88).
Conforme a Revista da Pós-Graduação – UFSCar (UFSCar, 2003),

[...] os mestres e doutores titulados pelo PPG-EEs hoje atuam nas principais
universidades do país e, para atestar a qualidade na formação de profissionais, o
Programa foi avaliado pela CAPES com o conceito 5 e se encontra entre os 10
melhores cursos de pós-graduação da área de Educação do Brasil. (p. 37).

Entre os titulados no doutorado, 29 trabalham como docentes, sendo: 16 em


faculdades particulares; 9 em universidades públicas estaduais; e 4 em federais.
Além disso, 27 fizeram o mestrado no PPGEEs; 10 em outros Programas; e
em 4 casos não foram localizados dados sobre a titulação de mestrado. “De um modo
geral, a maioria dos alunos do doutorado são egressos do mestrado do PPGEEs. Esse
fato merece atenção em relação à endogenia; no entanto, este é o único programa de
Educação Especial no País”. (ALMEIDA e HAYASHI, 2007, p. 87). O primeiro curso
de graduação finalizado pelos 36 egressos, em que havia informações, ficou assim: 12 na
área de Psicologia (33,3%); 7 em Pedagogia (19,4%); 6 em Fonoaudiologia (16,7%); 5
em Terapia Ocupacional; e 6 em outras áreas (16,7%). Entre estes, 11 (30,6%) terminaram
o curso superior na UFSCar.
Os resultados do PPGEEs são conquistados pela atuação de mais de 20
docentes, que desenvolvem pesquisa, orientam estudantes de IC, mestrado e doutorado,
ou seja, estão comprometidos com as futuras gerações de professores pesquisadores em
Educação Especial.

Conclusão

A IC tem colaborado para o fortalecimento da pesquisa nas universidades e


institutos de pesquisa, envolvendo orientadores e bolsistas na atividade de investigação
científica. O esforço, entre outros aspectos, tem permitido acelerar o processo de formação
de professores pesquisadores. Muitas instituições já absorveram o seu quadro jovens que
passaram por Programas de IC. A tarefa tem feito com que as organizações envolvidas
com pesquisa trabalhem de forma coletiva, para gerar maiores resultados.
Nesse quadro, instituições investem na titulação do corpo docente, melhoram
a conexão entre graduação e pós-graduação, definem linhas de atuação, observando suas

TEMAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL PÁGINA 430


tradições e vocações regionais e nacionais, concedendo, com recursos próprios, bolsas
de IC, elevam a qualidade dos cursos de graduação e ampliam as publicações em revistas
indexadas. A UFSCar demonstra de forma nítida os efeitos da IC. Os resultados do PIBIC,
viabilizados pelo engajamento do corpo docente e da administração da Universidade,
têm permitido participação expressiva dos bolsistas nos congressos internos, nacionais e
internacionais, inclusive com o recebimento de prêmios.
Num contexto em que as estratégias não são apenas oportunas, mas
fundamentais para o progresso científico nacional, com enfoque para resultados, o PIBIC
apresenta-se como importante mecanismo para a oxigenação da pesquisa nacional. A
UFSCar mostra os expressivos números na formação de pesquisadores. As conquistas da
Universidade levam para a estimativa de que mais de 43% dos egressos vão finalizar
cursos de mestrado e/ou doutorado. Neste debate, o PIBIC do CNPq demonstra que
pensar no futuro significa não somente planejar, mas implementar as ações em conjunto
com a comunidade, visando à formação das novas gerações de professores pesquisadores.
A IC é considerada nos processos de seleção para cursos de pós-graduação,
pois se sabe que este aluno tem experiência em pesquisa, muitas vezes com trabalhos
publicados em revistas nacionais ou estrangeiras. O PPGEEs – UFSCar incorporou, nas
seleções, estudantes egressos de IC. Isto mostra o papel das bolsas de IC como estímulo
para a permanência na academia. Logo, fica transparente o papel da IC como o início da
trajetória acadêmica.
Acrescenta-se que o PPGEEs – UFSCar, que em 2008 comemora 30 anos
de criação, tornou-se referência na formação de professores pesquisadores na área de
Educação Especial, inclusive com vários egressos em instituições universitárias de elevada
relevância no cenário científico do país. O sucesso certamente advém de um trabalho
baseado na existência de pesquisa e ensino de qualidade.

Notas
1
Analista de C&T do CNPq, Doutor em Educação Especial PPGEEs/UFSCar e professor da IESGO.

2
Professora do PPGEEs/UFSCar.

3
Mestre em Educação Especial PPGEES/ UFSCar, Doutoranda em Educação –UNESP/Araraquara.

4
Professora do PPGEEs/UFSCar.

5
PIBIC/CNPq.

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