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Conjunto Escola Parque

CADERNOS DO IPAC, 8

1
Conjunto
Escola Parque

Salvador - Bahia
2014

2
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA
Jaques Wagner

SECRETARIA DE CULTURA
Antônio Albino Canelas Rubim

DIRETORIA GERAL - IPAC


Elisabete Gándara Rosa

DIRETORIA GERAL - FPC


Fátima Fróes

DIRETORIA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL - IPAC


Etelvina Rebouças Fernandes

GERÊNCIA DE PATRIMONIO MATERIAL - IPAC


Nara de Souza Gomes

FUNDAÇÃO PEDRO CALMON


TEXTOS PARA O CADERNO
Alberto Pimentel Carletto, Antônio Albino Canelas Rubim, Dilson Rodrigues Midlej, Elisa- Sumário
bete Gándara Rosa, Jaci Maria Ferraz de Menezes, José Dirson Argolo, Juciara Nogueira
Barbosa, Lígia Maria Larcher, Maria Inês Corrêa Marques, Milena Luisa da Silva Tavares,
Nara de Souza Gomes, Nivaldo Vieira de Andrade Junior, Osvaldo Barreto Filho, Paulo
Roberto Pinheiro Nunes, Valdinei Lopes do Nascimento, Zélia Bastos
8. ANÍSIO TEIXEIRA E AS POLÍTICAS CULTURAIS 74. ANÍSIO TEIXEIRA E O PROJETO EDUCACIONA
EDIÇÃO Antônio Albino Canelas Rubim DO CENTRO EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO
Nara de Souza Gomes Zélia Bastos
12. AÇÃO EDUCATIVA NAS QUESTÕES PATRIMO-
COORDENAÇÃO NIAIS COMO PRÁTICA CULTURAL 84. AS IDEIAS DE ANÍSIO TEIXEIRA HOJE
Milena Marinho Rocha Osvaldo Barreto Filho Maria Inês Corrêa Marques

APOIO TÉCNICO 16. INTRODUÇÃO CADERNOS DO IPAC, 8 A EDUCAÇÃO COMO FORMA MODERNA: A
Andréa de Brito e Graça Lobo CONJUNTO ESCOLA PARQUE CONSTRUÇÃO DO CECR
Elisabete Gándara Rosa
FOTOGRAFIAS 94. O PROJETO ARQUITETÔNICO
Elias Mascarenhas, Josias Jesus Santos, Lázaro Menezes, Paulo Roberto Pinheiro Nunes, O PROJETO DE Paulo Roberto Pinheiro Nunes
Roberto Nascimento, José Carlos Almeida MODERNIZAÇÃO DE SALVADOR
104. A MODERNIDADE E AS EXPRESSÕES
ICONOGRAFIA 22. AMBIENTE HISTÓRICO E CULTURAL QUE ARTÍSTICAS NA BAHIA
Acervos: IPAC, Escola Parque, Fundação Anísio Teixeira, Museu Tempostal, Studio Argolo VIABILIZOU O EPUCS E A Escola Parque Juciara Nogueira Barbosa
Valdinei Lopes do Nascimento
CAPA 110. MURALISMO MODERNISTA NA
Helder Vieira Florentino - Diagramação / Escola Parque - Foto 32. O LEGADO MODERNISTA ESCOLA PARQUE
Lígia Maria Larcher Dilson Rodrigues Midlej
PROJETO GRÁFICO ORIGINAL
Paulo Veiga 40. DIÓGENES REBOUÇAS, ANÍSIO TEIXEIRA E A PRESERVAÇÃO DO MODERNO NA BAHI
O PLANO DE EDIFICAÇÕES ESCOLARES
PROJETO GRÁFICO ATUAL E DIAGRAMAÇÃO Nivaldo Vieira de Andrade Junior 124. ENTRE O SONHO E A REALIDADE:
Helder Vieira Florentino O DESAFIO DA PRESERVAÇÃO DO CECR
UMA NOVA VISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO José Dirson Argolo
REVISÃO
Itatismara Valverde Medeiros 60. A TRAJETÓRIA DE ANÍSIO TEIXEIRA 132. A POLÍTICA DE SALVAGUARDA
Alberto Pimentel Carletto Nara de Souza Gomes
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Empresa Qualigraf - Serviços Gráficos e Editora Ltda. 66. A EDUCAÇÃO E O IDEÁRIO MODERNISTA 144. A MANUTENÇÃO DO MONUMENTO
Jaci Maria Ferraz de Menezes ESCOLAR TOMBADO
Milena Luisa da Silva Tavares
E27 152. ANEXOS
Conjunto Escola Parque / [textos Alberto Pimentel Carletto] ...
[et al.] ; [coordenação Milena Marinho Rocha]. – Salvador : IPAC,
2014.
164 p. ; il.- (Cadernos do IPAC; 8)

ISBN: 978-85-61458-75-1

1. Patrimônio Cultural. 2. Escola Parque. 3. Educação. I. Car-


letto, Alberto Pimentel. II. Rocha, Milena Marinho. III. Título. IV. Série.

CDD: 363.69
Anísio Teixeira e
as Políticas Culturais
Antônio Albino Canelas Rubim*

Quando se fala do “renascimento baiano”, a partir do final dos anos 40 e, em especial, nos anos 50
e 60, as lembranças e homenagens sempre recaem sobre o Reitor Edgard Santos, dirigente da Uni-
versidade da Bahia de 1946 até 1961 e fundador das pioneiras escolas universitárias de Artes: Dança,
Música e Teatro. Sem desconsiderar a importância de Edgard Santos, necessário se faz entender a
conjuntura vivenciada pela Bahia naqueles anos, com mudanças sociais, econômicas e políticas sig-
nificativas. Basta recordar a descoberta do petróleo, em Lobato, a criação da Petrobras e sua instala-
ção na Bahia, a atuação inovadora de Rômulo Almeida, na confecção de um planejamento estadual,
e muitos outros acontecimentos e agentes atuantes na conformação do “renascimento baiano”. Sem
dúvida, aqueles criativos anos têm impacto notável sobre a “Cidade da Bahia”, adormecida como
“boa terra”, até o final dos anos 40.

Dentre esses acontecimentos e agentes, não dá para esquecer a fulgurante figura de Anísio Teixeira
e sua marcante passagem pela Secretaria de Educação e Saúde do Governo Octávio Mangabeira
(1947-1951). A afirmação consensual de Anísio Teixeira como um dos mais importantes educadores
brasileiros talvez tenha inibido o reconhecimento de seu lugar relevante na cultura e nas políticas
culturais na Bahia e no Brasil. Algo semelhante ocorre a outro educador famoso, Paulo Freire. A sua
contribuição à cultura e às políticas culturais, alicerçada nas articulações que sempre enfatizou entre
educação e cultura e no Movimento de Cultura Popular, até hoje ensejou poucos estudos animados
por este olhar cultural.

Três movimentos recentes colocaram em cena a relação entre Anísio Teixeira, a cultura e as políticas
culturais e começam a superar esse injusto esquecimento: a publicação mais longínqua do livro Anísio
em Movimento (1992, com reedição em 2002), organizado pelo Professor João Augusto de Lima Rocha,
que traz interessantes textos e depoimentos sobre algumas ações artísticas e culturais decorrentes
do trabalho de Anísio Teixeira; mais recente, a Tese de Doutorado de Juciara Barbosa, no Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, que
enfoca, de modo mais sistemático, justamente a dimensão cultural quase esquecida da atuação de

* Secretário Estadual de Cultura da Bahia.

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Anísio Teixeira e dá passos relevantes para o reconhecimento de sua atuação cultural e, por fim, a no País. Anísio está filiado a essa corrente. Sua atuação busca, de modo incessante, modernizar a
colaboração entre as Secretarias Estaduais de Educação e de Cultura, com a intervenção do Instituto cultura na Bahia.
do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, para restaurar os painéis modernistas encomendados por
Anísio aos artistas baianos para seu projeto educacional mais representativo, a Escola Parque. Na sua gestão à frente da Secretaria de Educação e Saúde, Anísio Teixeira desenvolveu um conjunto
articulado e sistemático de iniciativas culturais que vão marcar a Bahia nos anos finais da década de
Esses três episódios, com uma temporalidade próxima, expressam as essenciais conexões de Anísio 40 e no começo dos anos 50. Como esse momento é crucial para as transformações que instalam e
Teixeira com a cultura. Obviamente, seu olhar atento para a educação já destina também a essa um começam a consolidar o Modernismo na Bahia, torna-se evidente, sem medo de errar, que a atuação
lugar privilegiado. Mas a valorização da cultura por Anísio Teixeira não se reduz à conexão entre de Anísio Teixeira foi fundamental, nesse período, para a superação da cultura “academicista”, então
educação e cultura, por mais importante e vital que ela tenha sido para ele. Ela vai muito além dela. predominante na Bahia e a inauguração de outro horizonte na cultura baiana.

A escolha de jovens artistas baianos modernistas para trabalhar os painéis de seu projeto mais em- Nessa perspectiva, é justo afirmar ser Anísio Teixeira o inaugurador das políticas culturais no Estado
blemático demonstra seu vinculo umbilical com a cultura e a arte moderna. O gesto manifesta cora- da Bahia, a exemplo do que fez Mário de Andrade, na década anterior, no Departamento de Cultura
gem, ao optar por jovens artistas quase desconhecidos em um ambiente no qual o modernismo da Cidade de São Paulo.
cultural ainda não havia se instalado, apesar de a Semana de Arte Moderna de 22 já ter acontecido há
mais de 20 anos. Conservadora, a Bahia resistiu ao modernismo cultural até quase o final dos anos 40.
Só a partir de então, através de muitas lutas, o modernismo cultural conseguiu se consolidar na Bahia.
Anísio Teixeira, à frente da Secretaria Estadual de Educação e Saúde, órgão que englobava a cultura,
ocupou lugar de destaque nesse enfrentamento.

O ato de encomendar murais aos jovens artistas expressa o reconhecimento oficial do Modernismo.
Significa uma tomada de posição do Estado ao lado do modernismo contra posturas culturais conser-
vadoras vigentes na época. Tal postura dá uma força e uma visibilidade inéditas ao modernismo nas
terras baianas. Não por acaso esses painéis se tornaram marcos expressivos desse processo na Bahia.
Recuperar tais murais não só significa prestar homenagem ao inovador projeto educacional inscrito
na Escola Parque, mas rememorar um dos momentos cruciais da história cultural baiana: o instante
de virada na longa luta pela afirmação do modernismo na Bahia.

As iniciativas culturais de Anísio Teixeira não se restringiram a esse ato fundamental de apoio à im-
plantação e consolidação da arte e cultura modernas na Bahia. Elas foram muitas e diversificadas. Ele
apoiou, com bolsas, a fixação, na Bahia, de artistas estrangeiros expressivos, como Carybé, dentre
outros. Anísio auxiliou decisivamente a instalação do Clube de Cinema da Bahia, dirigido por Walter
da Silveira, que teve suas sessões e atividades iniciais realizadas na Secretaria. O Clube de Cinema da
Bahia tem um papel privilegiado na atualização cinematográfica e na formação de gerações relevantes
de cinéfilos e cineastas, dentre eles Glauber Rocha e Guido Araújo.

Com sua visão ampla de cultura, Anísio criou na Bahia uma das primeiras fundações para o de-
senvolvimento da ciência do País. Essa instituição inauguradora, infelizmente, depois foi fechada,
como a demonstrar uma das mais perversas tradições da Bahia: a dificuldade de manter seus projetos
inovadores. A atualização das Ciências Sociais, através da cooperação e intercâmbio internacionais
com os Estados Unidos, nas quais teve papel destacado Thales de Azevedo, configura outra iniciativa
inventiva de Anísio Teixeira.

A adesão de Anísio ao Modernismo se deu em uma perspectiva, consciente ou não, aproximada à


concepção trabalhada por Antônio Candido, que concebe o Modernismo como um movimento que
não está restrito ao campo artístico, mas que envolve também a modernização do pensamento social

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Ação Educativa nas
Questões Patrimoniais
como Prática Cultural
Osvaldo Barreto Filho*

As políticas patrimoniais e as práticas educativas para a preservação do patrimônio cultural e valori-


zação das manifestações culturais das sociedades despontaram no contexto da modernidade, a partir
da década de 30 do século XX, e estão inseridas no campo das discussões das políticas culturais. Não
há como dissociar a educação da história, da cultura, da memória e do patrimônio, pois esses campos
estão intrinsecamente ligados à experiência da vida cultural e educativa. Compreender essas ações
nas questões patrimoniais como prática cultural pressupõe o entendimento de que elas são partes
constitutivas dos processos de estruturação da vida cotidiana e das transformações econômicas, tec-
nológicas, políticas, espaciais, socioculturais e informacionais por que passam as sociedades, os espa-
ços urbanos, os antigos centros, a dimensão da monumentalidade e suas funções, a habitabilidade, os
fazeres, as festas, as tradições culturais e os modos de viver.

Tais políticas estruturam-se com base na retórica da perda, quando a defesa das tradições ganhou
destaque no cenário internacional e nacional, com as “ordens mundiais” dos agentes, especialistas e/
ou “guardiães da tradição e da cultura” de distintos campos do conhecimento que influenciaram a
formulação dessas políticas e os processos de institucionalização das práticas culturais, com base em
critérios históricos, artísticos, éticos e científicos. A evolução das formas de percepção do patrimônio
cultural e das políticas patrimoniais revela a existência de três movimentos: o primeiro, de conforma-
ção do campo de atuação dos indivíduos no âmbito do Estado; o segundo, que se refere à preservação
do projeto do patrimônio, fundada nos interesses econômicos e na viabilização do projeto turístico; o
terceiro movimento, que incorpora, em tese, as dimensões socioculturais nesses processos de preser-
vação. As questões educacionais acompanham os movimentos mais gerais dessas ordens mundiais,
suas tensões, recuos, avanços e modificações na trajetória da dinâmica das concepções e práticas
patrimoniais e educativas.

A noção de patrimônio, nos anos 30 do século passado, relaciona-se à salvaguarda das cidades, por

* Secretário Estadual de Educação da Bahia.

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educacionais desenvolveram-se timidamente em nosso País. Mesmo no auge dessas discussões e in-
tervenções, há um descompasso entre as concepções e as práticas.

Diante dessas lacunas, a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, em uma atitude pioneira, vem
construindo novos métodos educativos e experiências inovadoras, para promover uma educação de
qualidade, por meio de uma pedagogia de projetos que articulam os diversos campos do conheci-
mento (história, arte, patrimônio, ciência, tecnologia, cultura, ambiente, cultura corporal, juventude),
ao reconhecer que o patrimônio cultural contém em si mesmo a função educativa, pois sua dimensão
material e simbólica nos permite conhecer o tempo presente, passado e futuro, para o entendimento
da nação e do mundo da vida. Entre as ações realizadas, na rede estadual de ensino, o projeto Educa-
essas se constituírem como expressão da cultura e, nas questões educacionais, porque já se defendia o ção Patrimonial Artística (EPA) desenvolve-se em cerca de 900 escolas, de 409 municípios do Estado,
pacto da sociedade de todas as nações, mediado pelos professores e estudantes nas escolas, para evitar onde o patrimônio cultural baiano é visto à luz das percepções estudantis que têm revelado os traços
as perdas e ampliar o interesse da infância e juventude pela proteção dos testemunhos da civilização, singulares das distintas expressões das identidades e diversidades culturais dos diversos grupos soci-
visando à garantia da preservação dos monumentos de arte e de história. ais (indígenas, afro-brasileiros) que compõem a riqueza da história econômica, cultural e educativa,
vasta, ampla e múltipla. Sob os olhares estudantis, o patrimônio permite-nos estabelecer os elos com
Nos anos 50/60, o patrimônio associa-se à história das sociedades e às ações educativas e, nas escolas o nosso tempo, a história e a cultura, os lugares e as interações entre as gerações, fazendo-nos com-
e fora delas, são defendidas pelo ensino da história, juntamente às organizações da juventude, para preender as questões ligadas ao pertencimento, os problemas e as belezas de nossa sociedade, a nossa
despertar o interesse e assegurar a participação estudantil, o exercício da educação patrimonial e a experiência cotidiana individual e social.
preparação dos professores, tanto na educação básica como na superior, a socialização das normas, a
preservação da memória e do patrimônio e a garantia da salvaguarda da beleza das paisagens e sítios São ações voltadas para a identificação a apropriação do conhecimento in loco e a visitação do pa-
que representassem os interesses estéticos e culturais das nações. No final dos anos 60, a noção de trimônio cultural. A novidade, no “tempo de agora”, diz respeito à compreensão desse patrimônio
patrimônio é ampliada para bens culturais (imóveis e móveis), produtos das tradições culturais e in- associada ao mundo estudantil, em que os estudantes são vistos como sujeitos de produção desse
telectuais dos povos, e, entre as medidas de preservação, destacam-se os programas educacionais, para conhecimento, permitindo a definição e escolhas das experiências significativas - os acontecimentos
fomentarem o respeito ao patrimônio dos distintos povos e preservarem os bens culturais ameaçados culturais relevantes, os monumentos, os lugares (a escola, a casa, o bairro, a praça, a rua, a cidade, o
de perda. estado, o país, o mundo), as paisagens, as artes, os personagens, as canções, as lendas, que devem se
constituir parte de nossa memória (história cultural), entendida como meio de pensar e viver a vida
Em meados dos anos 70, essa compreensão associa-se às estruturas econômicas, socioculturais, aos presente.
modos de vida e às relações sociais, revelando o papel essencial da educação, em todas as fases, do
ensino da história, da comunicação, da arte e da utilização dos meios audiovisuais, tecnológicos, dos Nessa perspectiva ampliada, a prática educativa, como um processo de desenvolvimento da existên-
livros, do cinema, do rádio e de visitas aos conjuntos históricos, para a garantia da participação da cia, fundamenta-se em esferas das ciências, artes, ofícios e da sensibilidade, abrangendo a formação
juventude e da preservação dos patrimônios culturais. A partir dos anos 80, essas questões patrimo- intelectual, ética e artística que compõe a dimensão humana. Tal educação constitui-se parte essencial
niais são vistas como parte da concepção ampliada da cultura e das políticas culturais, e as pequenas da luta pela democratização e emancipação da sociedade, como já defendia Anísio Teixeira, quando
aglomerações são consideradas patrimônios culturais, “reservas de modos de vida que dão testemu- da criação da Escola Parque para as classes populares e de sua perspectiva da educação integral, tendo
nhos de nossas culturas”, pois expressam os traços das identidades culturais, em contraposição aos em vista que uma sociedade democrática exige iniciativas que assegurem o processo de esclarecimen-
esquemas consumistas. to, a efetivação dos direitos sociais, o repúdio pelas formas de tirania e a construção de novas práticas
educativas que conduzam à formação de nova mentalidade cultural em nossa sociedade.
A dimensão cultural, a identidade, o desenvolvimento, a cultura e democracia, o patrimônio cultural, a
criação artística e intelectual, a educação artística, as relações entre cultura, a educação, a ciência e co-
municação, o planejamento, a administração, o financiamento das atividades culturais e a cooperação
cultural internacional eram princípios norteadores dessas políticas. A valorização das identidades cul-
turais, em especial a dos povos indígenas, é reafirmada nas cartas de Cabo Frio (1989) e do Rio (1992),
chamando essa última a atenção para o desenvolvimento sustentável pelas questões ambientais, para
o desenvolvimento dessa política preservacionista pela ação estatal, via escola pública e os meios de
comunicação, em defesa dos valores naturais, étnicos e culturais. Apesar dos avanços nas noções de
patrimônio cultural, das orientações internacionais e das leis nacionais, até a década de 80, as políticas

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Introdução Cadernos do IPAC, 8 –
Conjunto Escola Parque
Elisabete Gándara Rosa*

A Coleção Cadernos do IPAC, série de publicações que o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da
Bahia (IPAC) vem editando desde 2009, integra as ações de difusão e promoção do Patrimônio Cul-
tural, promovidas pelo IPAC, dentre suas atribuições de preservação e divulgação dos bens culturais
do Estado.

Após sete volumes, sendo seis já publicados e um a ser publicado ainda este ano, cujo tema é o
Patrimônio Imaterial, damos início à ampliação do Projeto com a inclusão de bens que retratem o
Patrimônio Material.

A atual publicação apresenta o Cadernos do IPAC 8 – Conjunto Escola Parque, Patrimônio Mate-
rial da Bahia, tombado desde 1981. A escolha desse tema deu-se do entendimento de que, nesse pri-
meiro volume, que trata do Patrimônio Material, precisávamos apresentar o tema de pioneirismo e de
inauguração também da nova visão do IPAC, na preservação não mais voltada apenas para a proteção
da memória colonial, mas também preocupados com as novas formas de expressão na arquitetura,
nas artes e no ideário educacional modernista.

A estrutura do Caderno foi pensada partindo dos estudos que subsidiaram o tombamento, tendo sido
acrescidos de artigos escritos especialmente para esta edição, por estudiosos da cultura baiana que
detêm conhecimento do assunto retratado.

Para compor essa publicação, foram convidados, além dos Secretários de Cultura e Educação, estu-
diosos, professores e técnicos do próprio Instituto. Os temas propostos aos convidados se entrela-
çam e provocam a curiosidade dos leitores para a compreensão deste, que é um dos patrimônios
culturais mais representativos da formação da sociedade baiana.

O IPAC oferece a estudiosos, estudantes e ao público, em geral, uma publicação diferenciada na


forma de apresentar o tema do Patrimônio Cultural, seus instrumentos de proteção, as responsabili-

* Diretora do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia.

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dades do Estado, além do compromisso que todos devemos A construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, no bairro po-
ter para com a preservação da memória e dos documentos pular da Caixa D’Água, cuja estrutura física foi objeto do tombamento
que guardam esta memória, sejam eles papéis, construções, pelo IPAC, e as artes plásticas inseridas nesses edifícios trouxeram para
fotos ou lembranças. Salvador o cenário contemporâneo brasileiro, através das obras aí con-
tidas, com o projeto arquitetônico de Diógenes e Hélio Duarte, os mu-
O desenvolvimento do tema do Caderno perquiriu desde o rais de Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos, Maria Célia Amado,
momento histórico que viabilizou a criação do Escritório do Jenner Augusto, a obra do ceramista alemão Udo Knoff e do paulista
Plano de Urbanismo de Salvador (EPUCS), passando pela Carlos Magano, além da pintura de Djanira.
participação do professor e arquiteto Diógenes Rebouças,
na proposta de modernização da Cidade, destacando a sua No próximo texto, abordamos a política de preservação do patrimônio,
atuação como um dos principais responsáveis pelo planeja- tratando da importância da diversidade de arquitetura e estilos que dão
mento urbano de Salvador e da consolidação da arquitetura a característica própria a cada espaço urbano que compõe uma cidade.
moderna no Estado e um dos responsáveis pelo projeto ar-
quitetônico do Conjunto. O que o IPAC, através das políticas púbicas, busca salvaguardar, quando
promove o tombamento de uma edificação? Qual a motivação que leva
O Conjunto Arquitetônico viria a ser a concretização da nova a essa tomada de decisão para a proteção? O que isso significa? Como
visão educacional do então Secretário de Educação do Es- manter essa estrutura considerada importante como referência cultural
tado da Bahia, homem de visão e criatividade, voltado para para a Bahia? São questões constantemente levantadas às quais aqui
uma educação completa, com alunos matriculados para oito buscamos dar respostas.
horas de atividades, distribuídos em conjuntos formados por
escolas-classe e escolas-parque. Essa era a proposta idea- O Conjunto Escola Parque, em seu conceito, sua concretude e sua arte,
lizada pelo grande educador Anísio Teixeira para a escola representa importante legado, reconhecido como Patrimônio Cultural
pública de qualidade, que ultrapassava a quantidade formal. da Bahia a ser transmitido às futuras gerações.

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar Finalmente, agradecemos à disponibilidade com que todos os con-
no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina vidados (Albino Rubim – Secretário de Cultura do Estado da Bahia;
é a da escola pública.” Anísio Teixeira. Osvaldo Barreto – Secretário de Educação do Estado da Bahia; Valdi-
nei Lopes – arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia;
A visão desses dois grandes pensadores, em conjunto, é com- Nivaldo Andrade - arquiteto e professor da Universidade Federal da
pleta, diversificada, e apresenta soluções possíveis para os Bahia; Jaci Menezes – professora da Universidade do Estado
problemas em questão. Interessante como Anísio tem pon- da Bahia; Zélia Bastos – professora da Universidade Federal da Bahia;
tos de vista fortes, pautados em experiências e observação do Maria Inês Correa Marques – professora da Universidade Federal da
todo, com soluções básicas e de amplo alcance. Bahia e da Universidade do Estado da Bahia; Juciara Barbosa – profes-
sora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Dilson Midlej
Partindo do projeto Escola Parque, fazemos uma analogia – professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; José Dir-
com o período das construções modernas e do surgimento son Argolo – Professor da cadeira de Restauração da Escola de Belas
das companhias construtoras, importantes para a plástica que Artes da Universidade Federal da Bahia, atenderam ao chamado para
temos hoje da Cidade. participarem desse Projeto, com a dedicação e o carinho que Anísio
Teixeira, Diógenes Rebouças e todos os outros que participaram dessa
Neste momento, o Caderno busca o papel da escola na so- construção merecem de todos nós, pelo exemplo de vida e trabalho de
ciedade atual, num contraponto com as ideias e o funcio- alto nível que produziram.
namento da Escola Parque de hoje, espaço de reflexão da
importância que tem para a cultura este monumento, que in-
tegra o pensamento, o edifício e as obras nele inseridas.

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O PROJETO DE
MODERNIZAÇÃO
DE SALVADOR

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Ambiente Histórico e
Cultural que viabilizou o
EPUCS e a Escola Parque
Valdinei Lopes do Nascimento*

A PROPÓSITO DE INTRODUÇÃO – A DEMOLIÇÃO DA ANTIGA SÉ

Em 7 de agosto de 1933, a cidade de Salvador presencia o começo da demolição da sua antiga Sé.
Essa data, apontada pelos documentos oficiais, é somente a culminância de um processo que vinha
se arrastando desde tempos remotos - poder-se-ia dizer, desde a construção da edificação de origem
-, enfrentando fenômenos naturais de acomodação da pesada estrutura sobre terreno instável, pas-
sando pela apropriação danosa pelos holandeses, durante a ocupação da Cidade no século XVII,
e, por fim, numa ação conveniada entre a instituição religiosa (Igreja) e a sanha progressista que se
configurava, naquele momento, entre as autoridades administrativas. O templo secular sofria com a
má conservação e por perda de identidades estilísticas, a cada intervenção que sofria.

A despeito de tratar-se da Sé Primacial do Brasil, a antiga edificação parecia estar fadada ao fim trágico
materializado naquele dia de agosto. As tratativas para a demolição da antiga Sé se desenrolavam
desde o início do primeiro governo – de J. J. Seabra -, que trazia no seu nascedouro, a mensagem da
modernização. Por outro lado, já em 1916, havia sinalização das autoridades eclesiásticas de que era
possível a sua demolição. Aqueles responsáveis pela sua preservação assimilavam convenientemente
o discurso modernizador oficial e, ao mesmo tempo, se redimiam do ônus da difícil conservação,
àquela altura relegada aos cuidados da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Pouco importava a
história celebrada no interior do templo, como a memória da passagem do Padre Antônio Vieira, a
monumentalidade de suas dimensões e apuro artístico de seus retábulos e forros’.

Por trás, havia a pressão da Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, empresa que detinha o domínio
da exploração dos serviços de transporte público na cidade, que via, na edificação, obstáculo intrans-
ponível para a expansão das linhas de bonde naquela importante área da cidade1. A discussão sobre
* Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Professor-Adjunto da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
1
Além do templo religioso foram igualmente demolidos, com a mesma justificativa, dois quarteirões contíguos que, com
o vazio conquistado, se caracterizaria posteriormente como a Praça da Sé. Ironicamente, passados sete anos dessas de-
molições, o trânsito de veículos foi proibido naquele local.

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o destino da Sé opunha, de um lado, professores e juristas na defesa do patrimônio cultural, e, do ponto de vista econômico (nesse momento, o cacau e o fumo são os produtos que caracterizam um
outro lado, os engenheiros, que entendiam ser necessário o progresso, a todo custo. É nesse embate, novo ciclo produtivo), quanto populacional (principalmente com a incorporação da migração do inte-
o antigo versus o novo, que a sorte do antigo templo é decidida. Há notícias de protestos eventuais, rior do Estado). A Cidade Alta expandia-se por demanda de novas áreas e também devido ao advento
abaixo-assinados, mas - como se sabe - a mensagem da modernidade vence. do bonde como transporte urbano, e a Cidade Baixa, a partir de sucessivos aterros, na tentativa de
aumentar a estreita faixa de solo entre a encosta e o mar.
Vale ressaltar que, quatro anos após esse evento, é estabelecido o Decreto-Lei número 25, de 30 de
novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. A criação A cidade do início do século começa a experimentar ações impactantes que viriam provocar inflexões
do IPHAN – Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional muda a perspectiva de importantes. Em 1903, é inaugurado, na parte tradicional, o serviço de energia elétrica e, em 1905,
abordagem da arquitetura tradicional2. a rede de esgotos é implantada. Mas, somente em 1912, quando toma posse o governador José Joa-
quim Seabra, a reforma urbana é levada a efeito. Naquele momento histórico, havia a convergência
SALVADOR NO INÍCIO DO SÉCULO XX de alguns fatores importantes: o Estado experimentava algum sucesso, com a exportação de cacau (o
Brasil passou a ser o maior produtor mundial), havia certa mobilização nas classes dominantes pela
A demolição da antiga Sé pode, alegoricamente, exemplificar o que se passava nas esferas de gestão e superação de um modelo de cidade colonial vigente, além do prestígio político do recém-empossado
promoção de políticas do poder constituído, bem como o papel da sociedade vigente. Vários elemen- Governador, que vinha de experiência política no plano nacional3. O discurso empreendido pelo
tos de análise podem ser depreendidos dessa situação. Havia um projeto de cidade em voga, naquele então Governador era marcado por suposta modernidade, baseado no tripé salubridade, fluidez e
momento? Quais as matrizes ideológicas que estavam em circulação? Como a cidade de Salvador se estética. O novo século pós-escravatura e republicano impunha a adoção de novos símbolos. A noção
inseria naquele contexto? O que representava Salvador naquele momento para o País? Como os acon- de patrimônio cultural não estava sedimentada como é hoje.
tecimentos na Capital e em outros centros urbanos mais avançados eram refletidos?
J. J. Seabra empreende sua grande reforma tanto na Cidade Alta, buscando ligar o Centro às novas
É importante retroceder um pouco, para entendermos como a Cidade se movia. De passado impor- áreas conquistadas ao sul da Cidade, como também na Cidade Baixa, com a expansão do porto, mais
tante como cabeça do Brasil, Salvador entra em processo de estagnação, desde a perda do status de que duplicando a área contígua. Já nesse momento, importantes exemplares da arquitetura do pas-
Capital do País para o Rio de Janeiro, em 1763, associando-se ao agravante do declínio da economia, sado, como a antiga igreja de São Pedro, além de outras notáveis edificações, foram sacrificadas. Por
baseada no cultivo da cana-de-açúcar, no Recôncavo baiano. Em meados dos anos oitocentos, Sal- conta do alargamento da rua principal, que veio se configurar na atual Avenida Sete, grande parte do
vador se expande na direção do que hoje conhecemos como Campo Grande, Corredor da Vitória e conjunto do período colonial ruiu ou foi dilapidado4. Na parte alta da cidade, a ampliação de vias
Graça, a partir da chegada de estrangeiros e da busca da nascente burguesia urbana local por moradias espelhava a experiência da Capital do País5. No porto, a intervenção caracterizou-se pela conquista
mais saudáveis, refletindo novas compreensões e demandas higiênicas. Outro vetor de expansão da de grande área aterrada sobre o mar que deveria viabilizar novos equipamentos e futuras construções
Cidade, no final do século, são as áreas lindeiras ao seu núcleo original, configuradas do mesmo modo que seriam incorporadas ao comércio que já estava sedimentado naquele local, ao longo da base da
como as primeiras edificações, em lotes estreitos e profundos, desafiando a topografia acidentada, e encosta natural6.
alguns conjuntos distantes do centro tradicional, configurados em vilas quase independentes que,
muitos anos depois, seriam incorporados, quando da expansão da cidade. E assim, em ritmo lento, A reforma promovida por Seabra foi pontual, não havendo a intenção de intervir globalmente na ci-
vai crescendo a Cidade, sendo moldada pela abertura de ruas largas, para atender à demanda do dade, mesmo porque o urbanismo ainda não havia se estruturado cientificamente. O que foi realizado
transporte urbano então incipiente, além de praças refletindo experiências exitosas de outros centros havia sido “... calcado nas velhas... preocupações estético-viárias e sanitárias..” e que... “este padrão de intervenção
urbanos mais desenvolvidos. incorporava o fato de o funcionamento da cidade ter se tornado tributário de sistemas técnicos (transporte, distribuição de
água, esgotamento, energia, etc...” (Fernandes, Sampaio & Gomes, 1999, p. 174). Seabra volta ao governo
A conquista de novas áreas urbanas sob o signo da incorporação de novos hábitos, novas tecnologias para cumprir mais quatro anos de mandato, a partir de 1920, tentando realizar os planos que foram
da construção e materiais construtivos advindos da Europa, além da assimilação de novos valores es- concebidos e não realizados em seu governo anterior. A década de 1920 passa sem que intervenções
téticos, traz o sopro de alguma novidade para uma cidade então periférica. O Neoclássico e, logo em urbanas relevantes tenham acontecido. No entanto, é importante salientar a importância do projeto e
seguida, o Ecletismo caracterizam a arquitetura de transição entre o Império e a República nascente. da construção de uma nova torre do Elevador Lacerda, exatamente a versão que chegou até os dias de
Do ponto de vista urbano, Salvador passa a contar com infraestrutura e serviços públicos, como lim- hoje. Considerado o primeiro elevador de passageiros público do mundo, veio somar-se ao sistema de
peza pública e iluminação a gás, que viabilizam novos bairros, sobretudo aqueles na direção da Barra.
3
J. J. Seabra foi Deputado Federal (1897) e Ministro de Estado do governo de Hermes da Fonseca (1902).
4
Em uma das versões do projeto de reforma urbana de Seabra, a Igreja da Sé seria demolida. O Mosteiro de São Bento
Somente no início do século XX Salvador experimenta uma intervenção com intenção de reforma
também seria totalmente sacrificado.
urbana propriamente dita, modernizadora. Até então, a Cidade tem crescimento modesto, quer do 5
Para os defensores do progresso, o Rio de Janeiro era a referência mais importante, possivelmente a única que interessava.
Acreditava-se que “antes da Avenida Central, o Brasil não existia. Depois da Avenida Central, o Brasil se limitava ao Rio”.
2
Sintomaticamente, em 1938, os dois templos religiosos no entorno da antiga Sé, a Catedral Basílica e a Igreja e Santa Casa 6
Em entrevista, o arquiteto Pasqualino Magnavita revela que “ .em frente do Instituto do Cacau se descortinava um imenso espaço
de Misericórdia fizeram parte da primeira lista de tombamentos da Bahia. apenas ocupado pela sede dos Correios e por mais algum edifício até a década de 1940”.

26 27
circulação vertical já existente na Cidade, como a peça principal. O Elevador Lacerda é inaugurado no âmbito da Comissão eram amplas e os temas “[...] estruturantes dos processos de desenvolvimento
início do ano de 1930. Desde então, transformou-se em um dos maiores ícones da paisagem urbana urbano e sua regulação são abordados – tráfego, patrimônio, zoneamento, gestão, direito -, expres-
da Cidade, fazendo a ponte entre o passado glorioso e o futuro sempre em construção. sando um conjunto de necessidades e de circunstâncias que colocam a cidade na pauta das discussões
públicas da sociedade” (FERNANDES, 2014). Essa Comissão vai funcionar até 1937, e o seu produ-
A DÉCADA DE 1930 É MARCADA EM SALVADOR POR UM MOMENTO DE to mais notável seria a Semana de Urbanismo, realizada em outubro de 1935.
TRANSIÇÃO IMPORTANTE, QUANDO SERIAM ASSIMILADAS AS BASES DO
PENSAMENTO DE UM NOVO CAMPO DE CONHECIMENTO: O URBANISMO. A Semana de Urbanismo acontece no sentido de tornar públicas as discussões levadas a efeito na
Comissão e como estratégia para difundir a mensagem do urbanismo e sua necessidade para o desen-
A Cidade de Salvador na década de 1930 é pacata, tem pouco mais de 200 mil habitantes, é atrasada, volvimento da cidade. Várias das propostas que resultaram da Semana passavam pela defesa de um
em relação a outras cidades de mesmo perfil, na avaliação de Saturnino de Brito7, quando é convidado plano urbanístico em substituição ao urbanismo tópico e apontavam, de maneira enfática, a neces-
a trabalhar para resolver graves problemas sanitários Segundo ele, a cidade continuava a ter problemas sidade de proteção ao patrimônio cultural9. Sinalizava a necessidade urgente de levantar uma planta
estruturais não resolvidos na reforma de Seabra e debatia-se entre a necessidade de planejar seu cadastral da Cidade e apontava possibilidades concretas10, espelhando as bem sucedidas experiências
futuro e superar antigas posturas culturais8. “A cidade do Salvador, nas primeiras décadas do século urbanísticas na Europa e nos Estados Unidos. Do ponto de vista prático, no âmbito governamental,
passado, mal se acomodava em pontos de cumeada...”, era uma cidade fragmentada, “... havia grande foi criada pelo então Prefeito Durval Neves da Rocha a Diretoria de Urbanismo e Cadastro, que se
vazio entre a Barra e o Rio Vermelho” (SANTOS NETO, 2012). encarregaria dos planos futuros de remodelação da Cidade. Logo após a realização da Semana de Ur-
banismo, aconteceu o I Congresso Brasileiro de Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro. Esse evento
Algumas cidades brasileiras já possuíam, com base no saneamento, projetos de melhorias que muda- congregou os técnicos que defendiam a nova ciência. A Bahia foi representada por engenheiros liga-
vam o foco da ação, de soluções pontuais em estratos estanques, para assumir uma postura globali- dos à Prefeitura e outros interessados que já estavam envolvidos com a afirmação do urbanismo no
zante. Em 1933, na perspectiva de interiorização do Brasil e desenvolvimento da Região Centro-oeste, plano local, como Walter Velloso Gordilho, entre outros.
Attilio Corrêa Lima, então recém-formado urbanista pela Sorbonne, recebe a incumbência de elabo-
rar o plano urbanístico de Goiânia. Outros planos de expansão e remodelação, como o de São Paulo Concomitantemente à Semana de Urbanismo, estava em curso, no Rio de Janeiro, a gestação do
(1930) e do Rio de Janeiro (1930), também são amplamente divulgados. As experiências pioneiras no projeto do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde. Esse fato tem desdobramentos funda-
campo do planejamento de cidades reverberam em Salvador. mentais na arquitetura e urbanismo brasileiros, a partir de então. Objeto de convergência de alguns
arquitetos cariocas que incorporavam a teoria de Le Corbusier, apresentada por Lúcio Costa, a partir
Dois fatos marcam mais diretamente a discussão sobre a necessidade do planejamento urbano, de de uma solicitação do então Ministro Gustavo Capanema, a experiência do edifício traz para uma
pensar o crescimento e as reformas necessárias para a cidade de Salvador. Um deles foi o já relatado série de conferências e consultas ao próprio Corbusier. Por estratégia administrativa, o arquiteto e
no início desse texto, a demolição da antiga Sé, e o outro foi o plano de remodelação do Rio de Janei- urbanista franco-suíço fica no Brasil, trabalhando, por seis semanas, com o grupo de arquitetos locais,
ro, realizado pelo urbanista francês Alfred Agache. A comparação do que estava em curso na Capital desenvolvendo dois projetos. Um deles, o próprio edifício do MEC, referência maior e marco para a
Federal - um produto com bases científicas e de alcance holístico - e a condução desastrosa e viciada arquitetura modernista no Brasil, com repercussão internacional, e, por outro lado e paralelamente, o
que resultou na perda de importante patrimônio em Salvador enfatiza, naquele momento, a situação plano para a Cidade Universitária, onde concretiza suas ideias de planejador.
de atraso em que se encontrava a cidade. Por outro lado, no plano político nacional, com repercussão
direta no Estado da Bahia e em sua Capital, vivia-se sob a égide do governo do Presidente Getúlio OS ANOS 40: DO EPUCS À Escola Parque
Vargas, o que corresponde dizer que estava em curso um projeto de país que incentivava reformas de
toda ordem, inclusive a intervenção estrutural nas antigas cidades, bem como a construção de outras No início da década de 1940, estavam lançadas as bases que viriam promover a necessidade de
novas. contratação de um plano de urbanismo para Salvador. O ambiente político e o corpo técnico ligado
à Prefeitura trabalharam nesse sentido. A primeira manifestação concreta foi a tentativa de atrair o
É nesse contexto que foi constituída a Comissão Central do Plano da Cidade do Salvador, designada arquiteto e urbanista francês Alfred Agache, que havia trabalhado para o Rio de Janeiro e para outras
pelo então Prefeito, José Americano da Costa, em 1935, da qual participavam membros do poder importantes cidades brasileiras. Agache era a maior referência no urbanismo naquele momento. No
público constituído e de entidades civis. Era, portanto, uma ação essencialmente governamental que Brasil, estava ligado à firma Coimbra Bueno & Cia. Ltda. – engenheiros urbanistas -, sediada no Rio
visava à elaboração futura de um plano de urbanização para a cidade. As discussões realizadas no de Janeiro. A indicação de seu nome se deu naturalmente, e uma proposta de contrato de prestação

7
O engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito foi o responsável por muitos projetos de saneamento para as prin- 9
Foi proposto que Salvador fosse classificada como Monumento Nacional, da mesma forma que Ouro Preto, visando a que
cipais cidades do Brasil, no início do século XX. o município recebesse subvenções especiais semelhantes àquela cidade mineira.
8
Para se ter uma ideia do ambiente social e político na Bahia naquele momento, em 1937, Jorge Amado tem exemplares 10
Várias vias básicas do tipo parkway foram propostas na Semana de Urbanismo, no sentido de tentar resolver os pro-
queimados em praça pública de seu livro Capitães da Areia, lançado naquele ano, por autoridades alinhadas ideologicamente blemas viários de Salvador. Algumas delas têm traçado igual às avenidas de vale consagradas no futuro plano de urbanismo
ao governo de Getúlio Vargas e a seu Estado Novo, então em vigência. de Salvador.

28 29
de serviços foi enviada à Prefeitura. No entanto, diante das razões pouco esclarecidas, não foi efeti- educação. Apesar da carência de recursos financeiros, Anísio Teixeira, ao final do governo, em 1950,
vada a parceria. O que se sabe é que, nesse mesmo período, estavam em andamento alguns projetos consegue entregar - senão todo o conjunto de edificações que comporia a unidade pioneira - três
pontuais de intervenção em Salvador. Um deles, do futuro Estádio da Fonte Nova, contava como escolas-classe na Liberdade, um dos bairros mais carentes de Salvador, naquele momento. Somente
técnico envolvido o engenheiro e sociólogo Mário Leal Ferreira. Baiano, de formação consistente, em 1955 é inaugurado o primeiro dos pavilhões da Escola Parque, precisamente o Setor de Trabalho.
com experiências internacionais de aprendizado e de trabalhos realizados, ao saber da intenção da É importante salientar que, mesmo fora do governo estadual, é Teixeira que viabiliza a construção
Prefeitura local em contratar um plano de urbanismo, encaminhou proposta de trabalho. Entre as de todo o conjunto da única Escola Parque possível. Ao deixar a Secretaria de Educação estadual,
duas propostas encaminhadas, a de Ferreira foi escolhida, apesar de propor honorários mais caros que Teixeira passa a exercer cargos de destaque no governo federal, de onde fazia gestões que possibili-
a de seu concorrente Coimbra Bueno11. taram a conclusão da Escola Parque como havia imaginado, obra somente concluída em 1963. Mais
que edificações, Anísio Teixeira deixa uma mensagem que será compreendida, assimilada e replicada
Contratado, Mário Leal Ferreira12 se tornaria o coordenador de uma equipe multidisciplinar que re- até os dias de hoje.
alizaria o plano urbanístico de Salvador. Em 1942, começa a funcionar exatamente o EPUCS – Es-
critório do Plano de Urbanismo de Salvador -, que se tornaria uma grande referência de experiência AMPLIANDO UM POUCO MAIS O PANORAMA
de planejamento urbano, tanto no plano local como no plano nacional. Reunia, nas palavras de Fer-
reira, dezenas de “técnicos de alto valor e de grande experiência nos variados setores de Sociologia, Para melhor compreender o momento que viria caracterizar e promover as realizações em foco, é
Economia, Finanças, Educação, Assistência Social, Organização de Saúde, Saneamento, Arquitetura importante ressaltar alguns eventos e personagens marcantes. Em 1945, encerra-se uma longa tra-
Paisagística e Urbana, Abastecimento, Transportes, Organização de Fomento etc.” e pessoal de apoio. jetória política do Presidente Getúlio Vargas, a chamada Era Vargas, que se caracterizou por muitas
Nenhuma outra experiência inovou tanto em métodos e amplitude como essa do EPUCS. realizações de alcance popular, mas também pela ditadura e por perseguições políticas pelo Governo
central. Em 1946 é promulgada nova Constituição Federal, que viria marcar um período de demo-
Paralelamente aos acontecimentos relatados do campo do urbanismo, moviam-se dois sujeitos que, cracia e realizações modernizantes. Vivia-se o Pós-guerra, caracterizado pela renovação da esperança
fatalmente, se encontrariam em algum momento, na concepção da Escola Parque. Um deles era Dió- e de planos futuros.
genes Rebouças, espécie de arquiteto oficial, por méritos de ofício, mas também pela proximidade e
confiança que lhes atribuíam os agentes gestores da coisa pública. O outro, um dos maiores intelec- Em 1946, paralelamente ao começo da gestão de Octávio Mangabeira, tendo à frente da Secretaria
tuais brasileiros, que se tornaria, desde o início de sua carreira até os tempos atuais, uma das maiores de Educação Anísio Teixeira, tem início a gestão de Edgard Santos na Universidade Federal da Ba-
referências no campo da educação pública no Brasil: Anísio Teixeira. Rebouças fora convidado para hia. Para alguns estudiosos, Santos foi o “inventor” da Universidade no Estado, porquanto reuniu
projetar a Escola Parque, cuja concepção ideológica era de Teixeira. unidades espalhadas e atraiu profissionais de, então ligado às Belas-Artes, federaliza-se em 1949 e
consegue atrair para o seu quadro de docentes José Bina Fonyat e Lina Bo Bardi, entre outros, que
Em 1946, Octávio Mangabeira, quando foi eleito Governador da Bahia, convidou Anísio Teixeira traziam a mensagem da nova arquitetura. Quem faz gestões junto a Edgard Santos para contratação
para ser o Secretário de Educação. Mangabeira foi o primeiro governador eleito após a Era Vargas. daqueles profissionais de vanguarda é Diógenes Rebouças, misto de engenheiro agrônomo, artista
De longa carreira política, exerceu muitos cargos, tanto no Legislativo como no Executivo - Vereador, plástico e arquiteto, nessa ordem cronológica de formação, que viria contribuir como Coordenador
Deputado Federal, Ministro de Relações Exteriores, no governo de Washington Luís e, finalmente, do Setor Paisagístico do EPUCS na já relatada experiência da Escola Parque. Rebouças, um autodida-
Governador -. Era um homem de cultura, tendo sido eleito membro da Academia Brasileira de Le- ta da Arquitetura e Urbanismo, assimila conhecimento de forma pragmática, buscando referências na
tras, em 1930. Mangabeira soube cercar-se de pessoas capazes, em seu secretariado. Possivelmente, obra dos arquitetos modernistas ligados à Escola Carioca (especialmente na obra de Oscar Niemeyer,
aquele dentre seus colaboradores diretos, foi Anísio Teixeira o que deixou maior marca de eficiência, Affonso Eduardo Reidy e Lúcio Costa) e, no EPUCS, trabalhando sob a coordenação de Mário Leal
ousadia e modernidade, atributos esses perseguidos pelo seu governo. Ferreira15. Essa práxis, da observação e experimentação, vai marcar, sobremaneira, a arquitetura da
Escola Parque e de muitos outros projetos urbanos e de edifícios.
Anísio Teixeira enfrentava o grave problema da educação como uma missão. Em suas palavras, com-
preendia que os brasileiros, depois de 1930, eram “todos filhos da improvisação educacional, que não Diógenes Rebouças tem outra experiência marcante na sua relação de prestador de serviços ao Gov-
só liquidou a escola primária, como invadiu os arraiais do ensino secundário e superior”13. E mais, erno Mangabeira. Trata-se da construção do Hotel da Bahia, aquele que viria a ser a “sala de visitas”
quando lhe acusaram de ter concebido um sistema educacional caro, respondeu que “não se pode
fazer educação barata como não se pode fazer guerra barata”. 14
A Escola Parque é o núcleo e principal elemento da pedagogia de Teixeira, que reunia dois setores distintos e comple-
mentares: o da instrução e o da educação. A outra metade dessa pedagogia são as escolas-classe, onde o ensino tradicional
A Escola Parque14 é a obra materializada mais importante do governo Mangabeira, no campo da de letras e ciências aconteceria.
15
O primeiro contato de Diógenes Rebouças e Mário Leal Ferreira se dá quando o urbanista o convida para fazer os jardins
que comporiam o paisagismo do Estádio da Fonte Nova. Por conta da sensibilidade do então engenheiro agrônomo e
11
Esse evento é analisado detalhadamente no texto de Ana Fernandes (2014). artista plástico, suas opiniões vão além do conteúdo paisagístico e alcançam questões de implantação do que seria o novo
12
Carta endereçada ao Prefeito de Salvador, em 10 de janeiro de 1947. edifício. Rebouças assimila suas considerações, o que provoca o convite para tornar-se o futuro projetista da Praça de Es-
13
Parte do discurso proferido por Teixeira em 21 de outubro de 1950, na inauguração parcial da Escola Parque. portes, mesmo sem ter a titulação de arquiteto.

30 31
da cidade, nas palavras do Governador. Naquele momento, Salvador não dispunha de vagas em hotéis
necessárias para atender a demanda crescente de visitantes. Por outro lado, os hotéis disponíveis eram
marcados pela arquitetura do passado. É importante salientar que havia a necessidade de afirmação de
um novo tempo e a Arquitetura Modernista respondia àquela busca de signos que, posteriormente, se
realizariam na Escola Parque, ou seja, a adoção de novas linguagens arquitetônicas, novas soluções na
composição espacial, na incorporação de novas tecnologias e na assimilação da arte aplicada à arquite-
tura em forma de painéis, que tanto atendiam ao gosto dos arquitetos modernistas, como Diógenes
e seu parceiro no projeto do Hotel, Paulo Antunes Ribeiro, como também satisfaziam o gosto do
intelectual e pedagogo Anísio Teixeira.

REFERÊNCIAS

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Experiência de Planejamento Urbano. 1976 .

SANTOS NETO, Isaías de Carvalho. Memória urbana: Poética para uma cidade. Salvador: EDUFBA, 2012.

32 33
O Legado Modernista
Lígia Maria Larcher *

O MOVIMENTO MODERNO EM ARQUITETURA

A expressão “arquitetura moderna” é frequentemente considerada como referência direta a um dos


desenvolvimentos técnicos e estéticos da modernidade arquitetônica do século XX: o Movimento Mo-
derno em Arquitetura. Com efeito, embora muitas propostas técnicas e estéticas surgidas na produção
arquitetônica da primeira metade do século passado tenham sido, de diferentes modos, efetivamente
modernas, influentes contribuições conduziram à percepção do Movimento Moderno como o ápice de
um progresso no fazer arquitetônico. Em tal ideia de movimento unitário foram incluídas, principal-
mente, as propostas de arquitetos como Le Corbusier, Walter Gropius, Ludwig Mies van der Rohe e
de outros de grande importância na história da arquitetura do século XX, dentre os quais Alvar Aalto,
Eero Saarinen e Oscar Niemeyer, sendo também concebido que tal caráter unitário englobaria, por
convergência de princípios, as contribuições da Bauhaus, de Frank Lloyd Wright e de Louis Sullivan,
cujas propostas estilísticas estariam compreendidas numa afinidade com a racionalização da arquite-
tura, consequente de uma ruptura com as estéticas do ecletismo histórico.

Ao caracterizar as propostas do Movimento Moderno, houve, sobretudo, um claro desvio ao recurso


do ornamento, tendo sido vetada, ou pelo menos desencorajada, a utilização de elementos decora-
tivos aplicados, sob a ideia de que o caráter ornamental de uma obra arquitetônica deveria advir de
sua própria estruturalidade, com a preconização da simplificação das formas e da ruptura com as
tradições arquitetônicas, tendo sido privilegiada a utilização do concreto armado, do aço e do vidro.
Se com o Art Déco, termo que envolve uma série bastante variada de propostas, a arquitetura moderna
assumiu uma propensão à adoção do decorativo e do ornamental – sem buscar uma firme ruptura
com o passado, mas em diálogo com estilos e motivos anteriormente disponíveis, bem como com
elementos da modernidade urbana –, a arquitetura do Movimento Moderno pode ser pensada como con-
figuração de uma tendência racionalista e formalmente funcionalista. No Brasil, o estabelecimento e
a difusão dos seus princípios couberam às chamadas Escola Paulista e Escola Carioca, principalmente a
essa última.

A Escola Paulista foi responsável por uma importante parcela da moderna produção arquitetônica no

* Mestre em Conservação e Restauro pela UFBA, Especializada em Conservação e Restauração de Monumentos e Con-
juntos Históricos e Arquiteta do IPAC.

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Figura 01
Brasil. O termo refere-se a um grupo de arquitetos radicados em São Paulo que, tendo em Vilanova dos sistemas de educação e saúde, ou a implantação de um novo sistema de Correios e Telégrafos.
Artigas a sua figura de liderança, se dedicou à produção de uma arquitetura caracterizada pela ênfase Na esteira dessas e de outras ações de modernização, foram construídos novos prédios: escolas,
na técnica construtiva e pela valorização da estrutura, princípios esses que se veem exemplarmente hospitais, sedes de correios, aeroportos, estações de hidroaviões, secretarias públicas federais, dentre
expressos na adoção do concreto armado aparente. Escola Carioca é a designação comumente utilizada outros. Conforme lembra Eloísa Petti Pinheiro, apenas no início dos anos trinta é que serão:
para indicar um grupo de arquitetos radicado no Rio de Janeiro que, sob a liderança de Lúcio Costa
e Oscar Niemeyer, desenvolveu um estilo nacional no âmbito da arquitetura moderna. Por seu pio- “construídos novos edifícios públicos de grande importância, como o da Imprensa Ofi-
neirismo e exemplaridade, o projeto do Ministério da Educação e Saúde – MES (1936-43) figura como o cial e o edifício para a Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio, Transportes e O-
grande marco da produção da Escola Carioca. O edifício foi desenhado por uma equipe sob a direção bras Públicas, na Praça Castro Alves, onde antes se localizava o Teatro São João. O Eleva-
de Lúcio Costa, com a direta orientação de Le Corbusier, que então veio ao Brasil. dor Lacerda ganha uma nova torre, modificando sua imagem” (PINHEIRO, 2002: 268).

Desde a sua gestação, nos anos 30, a Escola Carioca passou a disseminar os ideais modernistas, tendo Nesse período, um evento iria contribuir de forma relevante para o surgimento de uma cultura ur-
em Lúcio Costa o teórico do movimento, e nas figuras de Oscar Niemeyer, Milton e Marcelo Roberto, banística moderna em Salvador: a Semana de Urbanismo, realizada em 1935. Nas diversas conferências
Jorge Machado Moreira e Affonso Eduardo Reidy seus representantes de maior destaque. A dissemi- proferidas, buscaram-se soluções para os problemas da cidade, e muitas das propostas que seriam
nação, por todo o país, das ideias desenvolvidas pela Escola Carioca fez-se no âmbito da formação uni- posteriormente consagradas no EPUCS (Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador)
versitária da referida Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro. Estudantes ali graduados retornaram foram imaginadas nesse evento de 1935: as parkways, as avenidas de vale, a defesa do patrimônio
aos seus estados ou, saindo do Rio de Janeiro, passaram a atuar em outras cidades do Brasil. Ficher cultural e arquitetônico (Pinheiro, 2002: 267). O EPUCS foi formado em 1943 com o objetivo de
e Acayaba apontam as cidades de Recife e Salvador como espaços privilegiados de recepção do re- elaborar um plano-diretor. Procuravam-se soluções para uma cidade que se deparava com novos
pertório desenvolvido pela Escola Carioca (FICHER; ACAYABA, 1982: 27-30). problemas, como transporte urbano, massificação do automóvel, crescimento populacional, novos
meios de produção do espaço habitacional e comercial. O EPUCS, porém, “tem o progresso como
PANORAMA DA MODERNIZAÇÃO EM SALVADOR objetivo e a monumentalidade como uma marca” (Pinheiro, 2002: 282). Com base nos CIAM’s1 e em
Le Corbusier, não questiona as intervenções nos centros históricos, considerando apenas a conserva-
Para o Estado da Bahia, os anos trinta do século XX são um período de lento crescimento econômico ção dos testemunhos isolados. Contudo, muitas das propostas desenvolvidas pelo EPUCS estão hoje
e essa situação continuaria até 1950. Referindo-se à letargia daquele período, Sampaio observa que incorporadas à cidade, viabilizando o seu funcionamento, tais como as avenidas de Vale, a Avenida
as causas primárias de tal situação se deveriam a um processo de descapitalização, “desde a crescente do Contorno e o Túnel Américo Simas.
deterioração da indústria do açúcar na região, ao deslocamento do eixo das decisões centrais do
país” (Sampaio, 1999: 74). Paulo Ormindo de Azevedo, referindo-se àquele período de estagnação No plano econômico, uma nova fase de desenvolvimento só se daria no final da década de 1940, du-
econômica, em que tanto a produção, quanto a comercialização dos produtos tradicionais baianos rante a administração de Octávio Mangabeira, quando também ocorre uma expansão da arquitetura
foram afetadas, lembra que a Cidade de Salvador “havia acumulado graves problemas, especialmente associada ao Movimento Moderno.
de circulação” (Azevedo, 1988: 15). Quanto ao advento de “uma arquitetura nova” nessa cidade, o
autor afirma que: São então implantados em Salvador novos equipamentos, como penitenciária, hotel, vila
olímpica e teatro, desta vez com a participação de arquitetos baianos, com uma linguagem
estrutural que se beneficia já das conquistas nacionais em termos de cálculo de concreto
“é nesse contexto de polêmica e desejo de mudança que se constroem as primeiras o-
armado (LACERDA, SANTANA, D’AFFONSECA, 1994, p.17).
bras da arquitetura nova em Salvador. Ao contrário do que aconteceu na Europa, onde
a arquitetura moderna resultou de uma serie de fatores, como intenso processo de urba-
nização, introdução de novas técnicas de construir, revolução nas artes figurativas, etc., AS COMPANHIAS CONSTRUTORAS
na Bahia a introdução da nova arquitetura parece resultar quase exclusivamente do desejo
de romper com o passado” (AZEVEDO, 1988: 15).
No panorama da modernização da cidade de Salvador também merecem destaque as Companhias
Construtoras que atuaram na Capital Baiana durante as décadas de 1930 e 1940. Atraídas por iniciati-
Assim, apesar da crise que, na década de 30, atinge a Bahia, mudanças significativas seriam promovi-
vas governamentais e privadas que desejavam incorporar uma nova arquitetura, diversas companhias
das na Capital. A modernização atinge a administração pública, edificações antigas são demolidas para
estrangeiras abriram filiais no Brasil e passaram a assumir a maioria das construções mais importantes.
darem passagem aos bondes, novas instituições e serviços são criados, inclusive no setor privado. Para
A presença dessas companhias no País deu ensejo à vinda de arquitetos estrangeiros, sobretudo para
abrigar essas novas instituições, pretendeu-se a construção de prédios numa linguagem arquitetônica
os eixos sul e sudeste, o que também serviu de incentivo ao processo de modernização da arquitetura
que pudesse servir de emblema da modernidade, remetendo ao progresso que o próprio advento des-
sas instituições representaria. Cabe lembrar o fato de que foi justamente durante a era Vargas, ou seja,
ao longo do período de vigência do Estado Novo, que o Brasil conheceu um amplo desenvolvimento 1
Nos CIAM’s - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna –, que tiveram início na Suíça, em 1928, e ocorreram até 1956, bus-
do setor público, o que se caracterizou através de medidas progressistas, tais como a reformulação cou-se formalizar os princípios do Movimento Moderno. A arquitetura era vista como um instrumento a ser usado para o progresso social.

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tal processo de modernização se tenha dado a partir do desejo de revestir o Estado com uma capa de
modernidade. Em Salvador, encontramos a adoção de uma linguagem arquitetônica Art Déco aplicada
a fins institucionais, que era então apropriada às intenções de remeter ao progresso. Destacamos
como exemplares significativos desse período, ainda presentes em Salvador, além do já citado Ele-
vador Lacerda (1929), a antiga Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio, Transportes e Obras
Públicas (1933-36), o edifício do Instituto do Cacau (1933-36), a Agência Central dos Correios e Telé-
grafos (1935-37), a Creche Pupileira (1936), o Hospital Santa Terezinha (1937-39), a antiga Secretaria
de Segurança Pública (1937-39), a Estação de Hidroaviões (1939), o Hospital das Clínicas (1937-49)
e o Ministério da Fazenda (1949).

Mas a modernização também se afirmaria em edifícios destinados a cumprir outras funções: comerci-
ais e de serviços, residenciais e de entretenimento. O Hotel Palace (1929-35), a sede do Jornal A Tarde

Figura 03

Figura 02

no Brasil. Em Salvador, a escassez de calculistas nacionais e de empresas habilitadas para construções


em concreto armado conduziu a que a maioria das grandes construções fosse realizada por empresas
estrangeiras e suas respectivas filiais instaladas no Brasil. Dentre as principais, encontram-se a norue-
guesa Christiani & Nielsen e a Cia Construtora Nacional, que era uma filial da construtora alemã Wayss
und Freitag. Entretanto, empresas brasileiras de construção civil também atuaram na Capital Baiana,
destacando-se a firma Freire & Sodré, a Cia. Construtora Imobiliária S.A. e a Construtora Emílio Odebrecht.
(LACERDA, SANTANA, D’AFFONSECA, 1994, p. 16-18).

Do importante papel que tiveram as referidas empresas naquele momento, pode-se depreender que

38 39
Manoel Vitorino (1958-59).

Mas, certamente, a atuação mais marcante na Capital Baiana foi a do arquiteto Diógenes Rebouças.
Além das parcerias já mencionadas, foi autor do projeto do antigo estádio “Fonte Nova” (1942),
dos edifícios comerciais Cidade do Salvador (1947), Ouro Preto (1961) e Almirante Barroso (1965),
que contribuíram para uma nova configuração da área do Comércio, do edifício Otacílio Gualberto
(1955)(figura 01), na Cidade Alta, além de edifícios residenciais e de instituições universitárias. De
sua autoria é também o projeto da Escola Parque (1950), idealizada pelo educador Anísio Teixeira,
que se tornou uma referência nacional em edifícios escolares, constituindo-se numa das mais valiosas
contribuições para a arquitetura e as artes plásticas da Bahia2.

No Brasil, entre as décadas de 1930 e 1970, o crescimento das cidades e a intensificação da industri-
alização acarretaram a necessidade de verticalização e modernização dos grandes centros urbanos.
Edifícios passaram a ser construídos mediante a utilização das técnicas construtivas e dos princípios
preconizados pelo Movimento Moderno. Hoje, quando começa a se afirmar um entendimento mais
amplo acerca da heterogeneidade das produções arquitetônicas do século XX, de maneira alguma é
abalada a importância do Movimento Moderno e de sua real contribuição. É nesse contexto que, atu-
almente, se tem buscado a salvaguarda de monumentos que se alinham a tal linguagem arquitetônica,
por sua importância para uma história que não se restringe ao âmbito da arquitetura, estando em
associação indissolúvel com os mais variados aspectos da experiência urbana e da construção de sua
memória.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Paulo O. Crise e Modernização, a arquitetura dos anos 30 em Salvador. In: SEGAWA,
Hugo et alli. Arquiteturas no Brasil. 1. ed. São Paulo: Projeto, 1988.
Figura 04

FICHER Sylvia; ACAYABA Marlene. “Salvador” In FICHER & ACAYABA. Arquitetura Moderna
Brasileira. São Paulo: Projeto, 1982, p.27-30.
(1930), os edifícios Chile (1935), Sulacap (1942-46) e Sulamérica (1946-50) destacam-se como princi-
pais edifícios comerciais; o Oceania (1932), o Dourado (1936-38) e o Maiza (1948), como principais LACERDA, Ana M. C., SANTANA, Mariely C., D’AFFONSECA, Sílvia P. Soluções, técnicas e materiais
edifícios residenciais; e os cinemas Jandaia (1931), Excelsior (1935), Pax (1939) e Roma (1946/48), utilizados na arquitetura moderna. Salvador 1920 – 40.Salvador: CEAB, FAUFBA, 1994.
como exemplos de edifícios destinados ao entretenimento.
PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris, Rio
A ARQUITETURA MODERNISTA e Salvador). Salvador: EDUFBA, 2002.

A partir dos anos 1940 e nas décadas subsequentes se daria o estabelecimento da arquitetura moder- SAMPAIO, Antonio Heliodorio Lima. Formas Urbanas – Cidade real e Cidade ideal – Contribuição ao estudo
nista no cenário baiano. Projetada por Hélio Duarte e Zenon Lotufo, a sede da Associação Brasileira urbanístico de Salvador. Salvador: Quarteto, 1999.
de Imprensa (1945) (figura 02), na Praça da Sé, foi um dos primeiros exemplos dessa nova linguagem
arquitetônica em Salvador. É também de grande importância a presença do arquiteto Paulo Antunes
Ribeiro, autor do projeto do Edifício Caramuru (1946) (figura 03), primeiro arranha-céu da área do
Comércio, muito elogiado em publicações nacionais e internacionais, do Hotel da Bahia (1948), esse
em parceria com Diógenes Rebouças, e do Banco da Bahia (1958). Não poderia deixar de fazer parte
desse elenco o arquiteto José Bina Fonyat, autor do projeto do Teatro Castro Alves (1957-67) (figura 2
Na Escola Parque, destacam-se os murais dos artistas modernistas Carlos Magano, Jenner Augusto, Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos
04), da Sede Central do Banco do Brasil (1963-68) e dos edifícios Conde Pereira Marinho (1958) e Bastos e Maria Célia Amado.

40 41
Diógenes Rebouças,
Anísio Teixeira e o Plano
de edificações escolares
Nivaldo Vieira de Andrade Junior*

Nascido em 1914, no Distrito de Tartarugas, Município de Amargosa, Diógenes Rebouças, aos


quatro anos, veio, com sua família, para Itabuna, onde seus pais possuíam propriedades rurais e
onde seria criado até ir para Salvador, em 1923, para dar continuidade aos estudos. Em 1930, após
concluir o Curso de Humanidades, matriculou-se na Escola Agrícola da Bahia, pela qual se graduou
Engenheiro Agrônomo, em 1933. Instalado no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, Rebouças
havia iniciado, concomitantemente, os cursos de Desenho e Pintura e de Arquitetura da Escola de
Belas-Artes da Bahia (EBA-BA). Desses, concluiria somente o primeiro, em 1937. Retornou então
a Itabuna, onde passou a trabalhar como topógrafo, ao mesmo tempo em que ajudava a administrar
as fazendas da família e que projetava e construía suas primeiras obras de arquitetura, algumas delas
financiadas por um grupo de senhoras de caridade, presidido por sua mãe. Dentre essas obras, se des-
taca a Catedral de São José, uma arquitetura “bem pré-moderna”, como reconheceria, muitos anos
depois, o próprio Rebouças (1999, p. 117).

A oportunidade que permitiria a Rebouças assumir um lugar proeminente no ambiente profissional


baiano surgiria em 1941, quando foi convidado pelo engenheiro santamarense Mário Leal Ferreira
para opinar sobre o paisagismo do entorno do estádio que começava a ser construído pelo Governo
do Estado, nas proximidades do Dique do Tororó. Indignado com o projeto, que tamponava o fundo
do vale, Rebouças apresenta um estudo alternativo para o estádio, propondo sua implantação, em
parte, sobre a encosta de Nazaré, e criando uma abertura para o Dique do Tororó. Com o apoio de
Ferreira, Rebouças consegue convencer o Governador Landulfo Alves a executar a sua proposta.
O Estádio da Fonte Nova seria inaugurado dez anos depois, em 1951, já no Governo de Octávio
Mangabeira.

A parceria entre Rebouças e Ferreira seria intensa, a partir de então, e definiria os rumos das carreiras

* Doutor, mestre e graduado em arquitetura e urbanismo pela UFBA. Professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
Membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Secretário Execu-
tivo da Federación Panamericana de Asociaciones de Arquitectos (FPAA).

42 43
de ambos. Entre o final de 1942 e o início do ano seguinte, Ferreira, em função de contrato firmado escolares do Estado”, localizando cada uma das escolas rurais a serem construídas com recursos do
com a Prefeitura de Salvador, instala o Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador Governo Federal e seguindo o projeto arquitetônico elaborado no Rio de Janeiro pelo Ministério da
(EPUCS), tendo Rebouças como Coordenador do Setor Paisagístico e como principal responsável Educação e Saúde, além de definir os tipos e a localização dos demais equipamentos escolares a serem
pela espacialização no território soteropolitano dos conceitos urbanísticos desenvolvidos no EPUCS. construídos, com recursos do Governo do Estado, na Capital e no interior da Bahia.

Com a repentina morte de Ferreira, em 1947, Rebouças assume a direção do EPUCS, que, a partir Em seguida, o SOSES assumiria o papel de elaborar os projetos dessas escolas e de construí-las.
do início do ano seguinte, passa a se denominar Comissão do Plano de Urbanismo da Cidade do Visando a garantir “um teto para cada escola”, o plano deveria prever:
Salvador (CPUCS). Nessa nova estrutura, Rebouças elaborou, entre 1947 e 1951, um conjunto de
projetos urbanísticos e arquitetônicos que mudou a paisagem de Salvador, dentre os quais se desta- [...] uma escola elementar compreensiva para cada sede de município, uma escola nuclear
cam a Avenida do Centenário, a Penitenciária do Estado (atual Lemos de Brito), o Hotel da Bahia (em para cada distrito, uma escola mínima para cada povoação e as escolas de penetração
para as populações dispersas nas zonas rurais e, mais, os núcleos regionais de educação
parceria com Paulo Antunes Ribeiro), os novos pavilhões do Parque Sanatorial Santa Terezinha (atual
secundária, profissional e normal, com os seus múltiplos edifícios (escola normal, escolas
Hospital Especializado Octávio Mangabeira) e o Mercado do Peixe, no Porto da Barra (demolido). primárias anexas, escola secundária, com pavilhões de ensino ginasial, comercial, do-
Rebouças concebeu ainda, na condição de colaborador do Departamento do Patrimônio Histórico e méstico e industrial, internatos, à maneira dos dormitórios das universidades americanas,
Artístico Nacional (DPHAN), os projetos do Hospital de Paulo Afonso (atual Quartel do Exército) e e edifícios de vida social e cultural). (TEIXEIRA, 1948, p. 15-16)
do Hotel Paulo Afonso – sua obra-prima, ainda que inconclusa. Desse modo, a CPUCS teve um papel
fundamental, tanto no planejamento urbano da Capital Baiana quanto na consolidação da arquitetura
moderna no Estado. Hildérico Pinheiro de Oliveira registrou as dificuldades enfrentadas pela equipe do SOSES:

Além dos projetos citados, elaborados por Rebouças, a CPUCS foi responsável pela contratação de Vários fatores concorriam para deficultar [sic] o desenvolvimento do programa. Sistema
consagrados profissionais do Rio de Janeiro para desenvolver projetos de equipamentos públicos e viário precaríssimo (em todo o Estado apenas o trecho de 7 Km, de Salvador a Pirajá,
espaços urbanos, todos eles indicados pelo próprio Rebouças, como Alcides da Rocha Miranda e José era pavimentado), notadamente para alcançar os locais onde se implantavam as esco-
las; dificuldades de ocorrência de materiais adequados para um mínimo de durabilidade
de Souza Reis, autores do projeto do Centro Educativo de Arte Teatral – Teatro Castro Alves - e o
dos prédios; inexistência de materiais industrializados indispensáveis; ausência de mão-
paisagista Roberto Burle Marx, autor dos projetos para as três praças centrais de Salvador: Terreiro de
de-obra qualificada e intermitência de disponibilidade da existente, em decorrência da
Jesus, Piedade e Campo Grande – dos quais somente o primeiro foi executado. prioridade às atividades de plantio, manutenção das culturas e colheita; dificuldades de
fiscalização, que, sem estudo disciplinador, pela distância das obras e pelo custo dos
transportes, consumiria, dos recursos financeiros existentes, percentuais superiores aos
DIÓGENES REBOUÇAS, ANÍSIO TEIXEIRA E O limites técnicos e financeiramente aceitáveis. (OLIVEIRA, 1988, p. 32-33)
“PLANO DE EDIFICAÇÕES ESCOLARES”
Para dar solução a essas dificuldades no prazo e nos limites orçamentários existentes, Fernando
No período em que coordenou a CPUCS, Rebouças esteve à frente dos projetos de dezenas de esco- Sant’Anna relata que, ao ser convidado por Anísio para coordenar o SOSES, se dedicou a planejar
las que foram construídas nos anos seguintes, em Salvador e nos municípios do interior do Estado, todo o processo de construção das escolas. Sant’Anna dividiu os 150 municípios da Bahia então
como parte do “Plano de Edificações Escolares”, desenvolvido pelo educador Anísio Teixeira, Secre- existentes em dez regiões, cada uma delas sob a responsabilidade de um engenheiro da equipe do
tário da Educação e Saúde do Governo Octávio Mangabeira (1947-1951). SOSES. Tendo em vista a precariedade das estradas à época, cada engenheiro “dispunha de um jipe e
um motorista para ir a todos os locais”. Dentro da sua região, cabia ao engenheiro responsável entrar
Para enfrentar o desafio de planejar, projetar e construir centenas de escolas em todo o território em contato com os prefeitos locais, escolher “com o pessoal mais importante da cidade, o Prefeito
baiano em apenas quatro anos, além de recuperar e manter as escolas existentes, Anísio Teixeira es- e outros, o local melhor para ser construída a escola”, fazer “a marcação dos pontos” (locação) e
truturou, assim que assumiu o cargo de Secretário da Educação e Saúde, em 1947, o Serviço de Obras orientar os operários sobre como se daria a construção da escola, uma vez que, por razões óbvias, “o
da Secretaria de Educação e Saúde (SOSES). O SOSES era formado por um grupo de jovens enge- engenheiro não podia ficar no local”. O acompanhamento diário da obra, incluindo a fiscalização e o
nheiros recém-formados pela Escola Politécnica da Bahia e foi coordenado, até fevereiro de 1948, pagamento dos operários, através do repasse de recursos da Secretaria de Educação e Saúde, cabia a
pelo engenheiro – e, depois, Deputado Federal – Fernando Sant’Anna. A partir daí e até janeiro de uma comissão formada por três representantes da comunidade local “que fossem realmente capazes”
1951, quando se encerrou o Governo Mangabeira e Anísio deixou a Secretaria, a coordenação ficou e “que o povo considerasse os melhores elementos”1.
a cargo do engenheiro Hildérico Pinheiro de Oliveira.

O SOSES – que, em 1949, teve seu nome alterado para Superintendência de Prédios e Aparelha- 1
Informações fornecidas pelo Deputado Fernando Sant’Anna, em entrevista concedida ao autor em 16 de agosto de 2010
mento Escolar – teve como objetivo, em um primeiro momento, elaborar o “plano de edificações e registrada em vídeo.

44 45
Hildérico Pinheiro de Oliveira ressalta que as comissões locais “não percebiam quaisquer vantagens seria, nas palavras de Anísio, “uma arquitetura de grande singeleza, podendo nele ser utilizado qual-
pecuniárias” e acrescenta que, dentre as medidas adotadas para cumprir o planejamento do SOSES, quer material de construção, até mesmo adobes, funcionando as colunas como gigantes de sustenta-
estavam: ção”. (TEIXEIRA, 1950, p. 10-11).

utilização dos materiais ocorrentes nos locais das obras, evitando assim importação de A célula inicial do prédio de construção extensível seria a chamada Escola Mínima – EM, concebida
mão-de-obra e custos adicionais de transportes; aquisição, nos grandes centros produ- para “povoados e arraiais diminutos, onde só caiba a escola isolada” (TEIXEIRA, 1949, p. 19). A
tores, para distribuição às obras, de todos os produtos industrializados a utilizar nos pré-
Escola Mínima corresponde ao “simples tecto para a escola. [...] Um prédio de tamanha simplicidade
dios, tais como esquadrias, ferragens, tintas, louça sanitária, pregos, arame, etc. (OLIVEI-
que nem sequer possui janelas. É uma classe com paredes meias e uma porta. Em torno, uma pequena
RA, 1988, p. 33)
área coberta. Ao lado, a instalação sanitária mínima” (TEIXEIRA, 1950, p. 10).
O PROBLEMA DO ENSINO PRIMÁRIO NO INTERIOR
A Escola Mínima (figura 01)estaria implantada em um terreno de um hectare. Cada uma das três mil
E O PRÉDIO ESCOLAR DE CONSTRUÇÃO EXTENSÍVEL
localidades do Estado da Bahia deveria receber, pelo menos, uma unidade e, com o futuro cresci-
mento populacional da localidade e a consequente demanda por novas salas de aula, ela poderia ser
As edificações escolares primárias concebidas pelo arquiteto Diógenes Rebouças para materializar o
progressivamente ampliada para duas, três, seis, doze e até catorze salas de aula.
sistema concebido por Anísio Teixeira para os núcleos urbanos do interior do Estado agregariam um
aspecto inovador: a adoção de um módulo básico e do conceito de “construção extensível”, isto é,
Para as vilas e povoados mais densos, era prevista a construção da Escola Nuclear – EN, formada
a possibilidade de que, através de sucessivas ampliações já previstas no projeto original, uma escola
por três salas de aula – uma para cada um dos três primeiros graus de ensino –, diretoria, biblioteca e
pequena pudesse continuar atendendo às demandas de cidades em acelerado crescimento populacio-
residência do zelador, além de área coberta para recreio (TEIXEIRA, 1950, p. 10).
nal.

Do ponto de vista programático, o sistema escolar desenvolvido para os núcleos urbanos da Bahia a
partir de 1947 corresponde a um desenvolvimento do sistema escolar platoon, concebido por Anísio
para o Rio de Janeiro, na primeira metade da década de 1930, tendo em vista a já ressaltada escassez
de materiais modernos e de mão de obra qualificada no interior do Estado, onde viria a ser construída
a maioria das escolas projetadas. Década de 1930, quando ele havia ocupado o cargo de Inspetor
Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, a partir da experiência norte-americana, com a qual
ele travara contato no final dos anos 1920, quando passara duas temporadas de estudos nos Estados
Unidos. Entretanto, do ponto de vista arquitetônico, a escola de construção extensível baiana se dife-
rencia do sistema platoon norte-americano e carioca, seja por apresentar essa importante inovação, seja
por adotar tecnologias construtivas tradicionais e soluções formais mais modestas. Escola mínima na localidade de
Tijuco, Município de Cipó (Fonte:
Acervo da família Accioly Vieira de
A respeito do problema do prédio escolar, Teixeira escreveu: Andrade) (figura 01)

O problema do prédio escolar na Bahia tem dois aspectos. O primeiro é, digamos, o de O Grupo Escolar Médio – GE-6 seria construído nas pequenas cidades e teria, além de seis salas de
demonstrar a sua necessidade, pois não falta quem suponha bastar à escola o professor. aula, “salas de administração, uma boa biblioteca, disposições para clubes escolares, auditorium, salas
Daí o sem número de escolas a funcionarem em salas acanhadas de residências particula- especiais de desenho, artes industriais e ciências e largas áreas cobertas para recreio” (TEIXEIRA,
res, alugadas. O segundo é o de encontrar uma solução tão modesta quanto possível mas
1950, p. 10-11).
que, a despeito da modéstia, atenda ao mínimo de condições indispensáveis a um prédio
escolar. Com efeito, a necessidade de construir, o mais rapidamente possível, não alguns
prédios, mas todo um sistema escolar, exige planos de economia e construção em massa O Grupo Escolar Completo – GE-12, com um total de catorze salas de aula, seria edificado nas
que não são fáceis de traçar. O govêrno da Bahia está a procurar encaminhar a solução cidades mais populosas e abrigaria, além do programa do Grupo Escolar Médio, “mais seis salas de
do problema, por diversos ângulos. (TEIXEIRA, 1950, p. 9) aula primária, duas de jardim de infância, ginásio, cantina, teatro, centro de informações para adultos,
etc.” (REVISTA FISCAL..., 1949, p. 125). Segundo Anísio Teixeira (1949, p. 19), o Grupo Escolar
O “prédio de construção extensível” concebido por Teixeira e Rebouças deveria atender aos núcleos Completo estaria “em condições, afinal, de permitir o regular funcionamento da escola primária de
urbanos do interior do Estado com população entre 400 habitantes e 10.000 habitantes. O edifício cinco séries e de um centro recreativo e cultural da comunidade”.
seria construído a partir do módulo de 1,25 m – escolhido “depois de estudos das conveniências de
padronização de áreas, esquadrias, etc.”. As salas de aula teriam, invariavelmente, 66m2, e o resultado Em 1950, quando o Governo Mangabeira se aproximava do seu término e Anísio se preparava para

46 47
de formação do magistério, e que se constituirá no núcleo de difusão cultural de toda a região” (RE-
VISTA FISCAL..., 1949, p. 133).

Esse complexo arquitetônico, também projetado por Rebouças, seria formado por diversos pavilhões
distribuídos em um grande parque, cada um abrigando uma parte do programa, formando uma espé-
cie de campus escolar: escola normal (escola de professores), escola primária (anexa à escola normal),
escola secundária, biblioteca, edifício administrativo, centro cultural com teatro, edifício de serviços
gerais com restaurante, internatos, praça de esportes e residências para o diretor, para professores e
funcionários4. Exceto pelos blocos cujo programa exige uma volumetria específica, como o centro
cultural com teatro e a praça de esportes, todos os pavilhões possuem um partido pavilhonar mar-
cadamente horizontal. Com recursos do Ministério da Educação e Saúde e do Governo do Estado,
foi iniciada, em 1950, a construção dos primeiros blocos, referentes à escola secundária, dos Centros
Escola Normal de Conquista, atual Instituto de Regionais de Educação localizados nas cidades de Barra, Caetité, Feira de Santana, Itabuna, Juazeiro
Educação Euclides Dantas, em Vitória da Con-
quista (Fonte: Acervo do Instituto de Educação
e Vitória da Conquista (figura 02), além da construção das escolas normais de Itaberaba e Jacobina
Euclides Dantas) (figura 02) (BAHIA, 1950, p. 37).

deixar a Secretaria, três prédios escolares extensíveis previstos no “Plano de Edificações Escolares” Por outro lado, a Capital Baiana também carecia de um número maior de instituições que pudesse
estavam concluídos2, 47 se encontravam em construção e 20 haviam sido iniciados, totalizando 70 dar conta da demanda local e das cidades vizinhas. Logo, um objetivo a ser atingido era o “descon-
edificações. Dessas, 40 haviam sido ou estavam sendo erguidas com recursos exclusivos do Governo gestionamento dos institutos oficiais” – o Colégio da Bahia, localizado junto ao convento de Nossa
do Estado, enquanto as outras 30 foram ou estavam sendo construídas através de convênio do Minis- Senhora da Lapa, na Avenida Joana Angélica, no bairro de Nazaré, e o Instituto Normal da Bahia, no
tério da Educação e Saúde com o Governo do Estado (recursos de ambas as fontes). Dos 70 prédios bairro do Barbalho5:
escolares extensíveis construídos ou em construção, a grande maioria (49 prédios) correspondia a
Escolas Nucleares de três ou, excepcionalmente, duas salas de aula; 15 eram Escolas Mínimas de uma Em educação, como em qualquer outro serviço humano, a condição preliminar é a do
sala de aula; quatro eram Grupos Escolares Médios de seis salas de aula; e somente duas eram Grupos espaço e instalações adequadas para os que se vão dela beneficiar. E o número dêsses está
Escolares Completos de doze salas de aula (BAHIA, 1950, p. 29-34)3. em estrtita [sic] correlação com aquêle espaço e aquelas instalações. Se congestionarmos
um palácio, o palácio se transforma em um acampamento confuso e tumultuoso. Outra
cousa não se deu com o próprio Instituto Normal. Com prédio excedido em sua capaci-
O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA
dade e o ensino reduzido a períodos mínimos, registrou-se ali o paradoxal desperdício do
E OS CENTROS REGIONAIS DE EDUCAÇÃO edifício, cujas instalações mal utilizadas deram como resultado a perda de eficiência do
ensino (TEIXEIRA, 1948, p. 3-4).
No que se refere ao problema da educação secundária, o problema era grave tanto na Capital quanto
no interior do Estado. Salvo raras exceções, não havia, no interior do Estado, ginásios ou escolas Anísio decidira que o primeiro e maior dos dez Centros Regionais de Educação estaria instalado
normais. Além disso, os poucos ginásios existentes, mesmo quando eram privados, dependiam de em Salvador, para atender às demandas da Capital e dos municípios do Recôncavo Baiano. Frente à
subsídios governamentais para funcionarem . Assim, um desafio importante era “tornar mais gene- impossibilidade de ampliação significativa da área construída do Colégio da Bahia, situado em um
ralizado o acesso às escolas post-primárias, distribuindo-as uniformemente pelo Estado e criando um trecho urbano consolidado e densamente ocupado, e visando à descentralização, no território da
sistema de matrícula pelo qual todos os municípios possam à mesma concorrer” (BAHIA, 1950, p. Capital Baiana, da demanda de Salvador e do Recôncavo, o Colégio da Bahia deveria desdobrar-se
36). A divisão do Estado, feita por Anísio e sua equipe, em dez regiões educacionais que, como vimos, em ginásios de bairros. Era prevista a criação de seções ginasiais nos bairros de Nazaré, Liberdade,
havia sido feita para viabilizar a construção das escolas rurais, foi apropriada no planejamento de uma Itapagipe, Brotas e Garcia (MAIS DE..., 1949, p. 2). Toda a gestão da rede ficaria centralizada no
solução para o problema da educação secundária na Bahia. Cada uma das dez regiões educacionais Colégio da Bahia, que agendaria provas, expediria certificados de conclusão de curso e efetuaria
teria como sede um município já consolidado como polo regional, que abrigaria um Centro Regional matrículas e transferências das diversas seções de bairro e, por essas razões, passou a se denominar
de Educação – CRE, “onde se ministraria a educação de nível médio, geral e profissional e o ensino Colégio Central da Bahia.

2
As três edificações concluídas em 1950 eram a Escola Nuclear de três classes da localidade de Cabeças, no Município de 4
Documento intitulado “O Ministério da Educação e Saúde e a Bahia na Gestão do Ministro Clemente Mariani 1946-
Muritiba; a Escola Nuclear de três classes da localidade de Bonfim, no Município de Feira de Santana; e o Grupo Escolar 1950”, localizado no fundo Clemente Mariani do CPDOC/FGV, informa que, no exercício de 1949, o Ministério da Edu-
Médio, com cinco classes da localidade de Itagi, no Município de Jequié. cação e Saúde havia aportado recursos em ginásios privados localizados nas cidades baianas de Amargosa, Barra, Bonfim,
3
Os dois Grupos Escolares Completos que se encontravam em construção e que vieram a ser concluídos, em seguida, Barreiras, Campo Formoso, Feira de Santana, Itabuna, Jequié, Jaguaquara, Nazaré, Remanso, Salvador, Santo Antônio de
foram os das sedes dos municípios de Santo Amaro e Nazaré, ambos construídos apenas com recursos do Governo do Jesus e Vitória da Conquista (CMa mes d 1950.00.00, doc 1).
Estado. 5
A partir do final dos anos 1930, a antiga Escola Normal passou a se denominar Instituto Normal da Bahia.

48 49
As duas primeiras seções – a de Nazaré, instalada a cerca de um quilômetro de distância do Colégio da e dependências para o professor, e o prédio escolar, que designamos de ‘Escola Parque’,
Bahia, e a da Liberdade – foram criadas em 1948, apropriando-se de construções existentes6. A seção compreendendo salas de música, dança, teatro, clubes (educação artística e social), salas
de Itapagipe, por sua vez, foi construída no início dos anos 1950, na Avenida Beira-Mar, na Ribeira7, de desenho e artes industriais (educação pré-vocacional), ginásio de educação física e
mais dormitórios, biblioteca, restaurante e serviços gerais. (TEIXEIRA, 1950, p. 11-12)
e aparentemente corresponde à adaptação parcial de diversos projetos elaborados por Rebouças para
o SOSES. Com a criação das seções de bairro do Colégio da Bahia, o edifício do Instituto Normal no
Continuando, Anísio informa que o sistema concebido para o ensino primário da Capital seria for-
Barbalho pôde voltar a abrigar exclusivamente os cursos de formação do magistério primário.
mado por conjuntos escolares – os Centros de Educação Elementar ou Centros Populares de Educa-
ção, como os denominava Anísio9 – com capacidade para até 4.000 alunos. Esse sistema – um resgate
Dentre as seções do Colégio da Bahia que não chegaram a ser criadas, possui particular interesse a
da ideia concebida por Anísio para a Capital Federal mais de dez anos antes, sem nunca ter sido
do Garcia, pois tivemos acesso, no arquivo Diógenes Rebouças do CEAB/FAUFBA8, ao seu projeto
executada – seria formado por quatro escolas-classe e por uma Escola Parque. Cada uma das escolas-
arquitetônico, datado de 13 de maio de 1949. As plantas desse projeto foram publicadas, em 1949,
classe contaria com 12 classes e atenderia a um total de 1.000 alunos (500 em cada turno), sendo
em documento oficial do Governo do Estado, como sendo do “Centro Regional de Educação –
instalada em um terreno de aproximadamente 1.200m2 e destinada ao “ensino de letras e ciências,
Ginásio”, cuja construção seria iniciada em janeiro de 1950, nas cidades de Barra, Caetité, Feira de
com disposições para administração e áreas de estar” (TEIXEIRA, 1948, p. 15). A Escola Parque,
Santana e Juazeiro (REVISTA FISCAL..., 1949, p. 134-135). Logo, podemos assumir que os projetos
por sua vez, receberia em cada turno os 2.000 alunos que frequentassem as escolas-classe no turno
das seções de bairro do Colégio da Bahia, que seriam construídas em terrenos vazios e aqueles dos
oposto. Cada criança soteropolitana matriculada na rede pública passaria, portanto, um total de oito
ginásios que compunham os demais Centros Regionais de Educação do interior do Estado eram
horas diárias no centro educacional, onde seriam oferecidas todas as refeições diárias (TEIXEIRA,
praticamente idênticos.
1959). Para facilitar o deslocamento das crianças, a distância entre as escolas-classe e a Escola Parque
não deveria ser superior a 500m10.
Com relação ao “Colégio da Bahia – Setor do Garcia”, Anísio Teixeira informa, em relatório en-
caminhado ao Governador, em 1949, que:
Os 2.000 alunos que estariam simultaneamente na Escola Parque em cada turno se dividiriam em
constituirá o primeiro ginásio da cidade, com instalações que irão permitir o ensino médio grupos de 650 a 700 estudantes pelos três setores de atividades: sociais e artísticas; de trabalho; e de
em todos os tipos e categorias, desde o geral ao técnico-industrial. Anexa, será construída educação física. O setor de atividades sociais e artísticas da Escola Parque abrigaria um teatro e salas
uma escola primária, que dará início ao segundo centro educacional da Capital. Quando de música, canto e dança com capacidade para 700 crianças. O setor de atividades de trabalho cor-
estiver todo construído ficará ligado ao conjunto do Teatro Castro Alves (TEIXEIRA, responderia a um conjunto de ateliês e salas de trabalho de igual capacidade e o setor de atividades de
1949, p. 17). educação física se constituiria em um ginásio com capacidade para grupo idêntico. Além disso, a Es-
cola Parque contaria com um restaurante com capacidade para servir 2.000 crianças e sua respectiva
O PROBLEMA DO ENSINO PRIMÁRIO NA CAPITAL: cozinha, uma biblioteca para 300 crianças, um teatro ao ar livre, dois dormitórios para 100 crianças
OS CENTROS DE EDUCAÇÃO ELEMENTAR cada – um para cada gênero –, um edifício de serviços gerais e um edifício administrativo.

No caso de Salvador, os problemas do ensino primário eram bastante distintos daqueles do interior Os dormitórios eram peça fundamental no projeto político de inclusão social de Mangabeira e no
do Estado: plano pedagógico de Anísio Teixeira, para que as crianças sem um lar pudessem ter a mesma opor-
tunidade das demais. Para esse último, “as crianças chamadas pròpriamente de abandonadas, sem
Aí deparamos com a cidade já construída, sem áreas previstas para as construções esco-
pai nem mãe, [...] passariam a ser não as hóspedes infelizes de tristes orfanatos, mas as residentes
lares necessárias, e, como no interior, com todo um sistema escolar por edificar. Além
da Escola Parque” (TEIXEIRA, 1959). Assim, 5% das vagas do Complexo – isto é, 200 vagas –
disto, o sistema de ‘turnos’ (no mesmo prédio, funcionam duas escolas, uma pela manhã
e outra à tarde) havia criado uma escola de tempo parcial, com um período demasiado eram reservadas para essas crianças, que viveriam em regime de internato na própria Escola Parque.
reduzido para se fazer a educação elementar da criança. A falta de áreas suficientemente (TEIXEIRA, 1950, p. 12). Afinal, para Anísio, a escola-classe seria a responsável por instruir a cri-
amplas para grupos escolares completos e o hábito do professor só trabalhar um turno; ança, mas na Escola Parque é que ela seria educada, do ponto de vista do convívio social, da cultura
isto é, quatro horas, levou-nos a imaginar um sistema especial de escolas, em que fôs- intelectual e artística, da educação física e da formação profissional.
sem localizadas as funções do ensino propriamente dito em um prédio e em outro ou
grupo de outros os de educação física, artística, social e pré-vocacional. Nasceu daí o
Para Anísio, as vantagens desses conjuntos formados por uma Escola Parque e quatro escolas-classe
prédio escolar que designamos de escola-classe, composto tão somente de salas de aula

9
E como a ele se refere repetidamente o arquiteto Hélio Duarte em seu livro “Escolas Classe, Escola Parque” (DUARTE,
6
A seção ginasial da Liberdade foi instalada na Escola Duque de Caxias, inaugurada em 1939 e que ainda hoje funciona 1973).
como Colégio Estadual Duque de Caxias. A seção ginasial de Nazaré ocupou o imóvel doado ao Governo do Estado pelo 10
O que, como veremos, não ocorreu no único Centro de Educação Elementar construído em Salvador, no bairro da
Ex-governador Severino Vieira e, atualmente, corresponde ao Colégio Estadual Severino Vieira. Liberdade, cujas escolas-classe chegam a distar até 1,2 quilômetros da Escola Parque. Da mesma forma, as três escolas-
7
Atual Ginásio Estadual João Florêncio Gomes. classe inauguradas em setembro de 1950 estavam implantadas em terrenos com áreas variando entre 3.400 (Escola-Classe
8
Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. I) e 12.000m2 (Escola-Classe II) – isto é, até dez vezes maiores que os 1.200m2 previstos originalmente.

50 51
eram várias: a solução da dificuldade de áreas para a construção das escolas, tendo em vista que so- não só em número de pessoas como em nível econômico baixo. Eu quero agir lá dentro.
mente as escolas-parque demandariam terrenos de maiores dimensões, enquanto as escolas-classe (apud REBOUÇAS, 1992, p. 147).
poderiam ser implantadas em terrenos maiores – e mais difíceis de localizar na cidade consolidada;
a duplicação da carga horária de permanência do aluno na escola, se somarmos as quatro horas de A INVASÃO DO CORTA-BRAÇO E O CENTRO
aulas na escola-classe – “de todo insuficientes para a educação elementar” – às quatro horas de ativi- EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO
dades desenvolvidas na Escola Parque; a “facilidade de renovação educativa”, na medida em que os
professores das escolas-classes e das diversas atividades das escolas-parque teriam formações e perfis A decisão de construir o primeiro – e que seria também o único – Centro de Educação Elementar de
distintos; e “o enriquecimento da educação e da vida escolar da criança, com incalculáveis benefícios Salvador no bairro da Liberdade provavelmente estava relacionada com a recente polêmica da invasão
para sua educação social, para sua educação de saúde e para a frequência e estabilidade do corpo do Corta-Braço. A área conhecida como Corta-Braço – também chamada de “Nova Pero Vaz”- havia
discente”. Além disso, Anísio via nesse sistema a “oportunidade para uma renovação da arquitetura sido ocupada, em novembro de 1946, por grupos de sem-teto, configurando-se como uma das pri-
escolar, com a divisão de funções da escola e a unidade maior de cada tipo de edifício ou edifícios” meiras ocupações organizadas promovidas na Cidade. Embora os terrenos invadidos pertencessem
(TEIXEIRA, 1948, p. 15). à Prefeitura de Salvador e estivessem desocupados, eles estavam aforados a um italiano, Francesco
Pellosi.
Após a definição, pelo próprio Anísio, do projeto pedagógico e do programa de cada um desses Cen-
tros Populares de Educação, o engenheiro carioca Paulo de Assis Ribeiro foi encarregado de planejar A “invasão do Corta-Braço” iniciou-se com cerca de 200 famílias e se tornou paradigmática pela or-
o funcionamento de cada um dos conjuntos, definindo inclusive sua capacidade, distâncias máximas ganização de seus moradores, que, em massa ou através de algumas lideranças, se dirigiam cotidiana-
a serem percorridas pelos alunos entre as escolas-classe e a Escola Parque, dentre outros aspectos. mente à sede do jornal A Tarde, ao Fórum e a outros órgãos públicos, a fim de cobrar das autoridades
Paulo de Assis Ribeiro era um velho conhecido de Anísio e, recentemente, em 1947, havia elaborado, uma solução para o problema13. Além disso, abriram uma caderneta na Caixa Econômica Federal,
a convite do Governo Mineiro, o projeto de reforma do sistema educacional daquele Estado (RI-
BEIRO, 1975)11.

O passo seguinte foi o de definir a localização de cada um desses Centros de Educação Elementar
no território da Capital Baiana. Para isso, Anísio procurou o arquiteto Diógenes Rebouças, coorde-
nador do EPUCS, que, anos depois, explicaria que uma das primeiras preocupações do Secretário, ao
elaborar o seu plano escolar para a Capital, dizia respeito à possibilidade de integração com o plano
que estava sendo finalizado no EPUCS e que previa dezenove subcentros urbanos, entendidos como
“catalizadores das atividades sociais” (SANTOS NETO, 1993, p. 12).

Como relata Rebouças,


Figura 03

[Anísio] nos deu a incumbência de colocar no Plano da Cidade de Salvador oito grandes Figura 04
conjuntos desses, e nós fizemos um anteprojeto, justamente localizando todos estes equi-
pamentos dentro daquela cidade que tinha como parâmetro, para o EPUCS, uma popu-
lação prevista de um milhão de habitantes. De maneira que quando ele viu a planta e
compreendeu a localização, disse: “aprovo cem por cento”. (REBOUÇAS, 1992, p. 148)12

Segundo Rebouças, a decisão de implantar o primeiro Centro de Educação Elementar na “Liberdade”


(a rigor, na Caixa d’Água, entre o Reservatório e a invasão do Corta-Braço) foi do próprio Anísio, que
teria afirmado:
Eu prefiro começar pelo bairro da Liberdade [sic], é lá que temos os problemas maiores,

11
Entre 1931 e 1935, enquanto Anísio ocupou o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, Assis
Ribeiro exerceu diversos cargos no Departamento Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, do qual 13
O jornal A Tarde, por exemplo, registra que, em 20 de novembro de 1946, “mais de quinhentas pessoas de aparencia
chegou a ser Diretor. Em 1935, Assis Ribeiro foi, junto com Anísio, um dos responsáveis pela criação da Universidade do modesta, homens e mulheres, enchiam as salas e corredores daquela casa de justiça [o Fórum], todos moradores ao ‘Corta
Distrito Federal. Braço’, onde construíram suas residencias, á custa de muitos sacrifícios, num terreno a eles arrendado, por um italiano, que,
12
Entre o início do seu planejamento, em 1947, e a inauguração parcial do primeiro conjunto, a quantidade de Centros como a ‘A Tarde’ já teve oportunidade de se referir em edição passada, pretende agora dali despejá-los. Como hoje, ás 10 e
de Educação Elementar formados por uma Escola Parque e quatro escolas-classe previstos para serem construídos em meia horas, entrava em julgamento o aludido caso, os prejudicados ali se achavam, aguardando a solução que a justiça dará
Salvador variou entre sete e dez. ao mesmo, na pessoa do juiz Nicolau Tolentino de Barros” (FORAM AGUARDAR..., 1946, p. 2).

52 53
para receberem contribuições “de firmas comerciais, sociedades comerciais, particulares, qualquer pequeno porte, por outro lado, é indiscutível que, até hoje, a numerosa população da região da Caixa
pessoa, enfim, que num gesto de solidariedade, queiram enviar-nos donativos”, para que a própria d’Água, Pero Vaz/Corta-Braço, Pau Miúdo e arredores se utiliza intensamente desse equipamento
comunidade pudesse adquirir o terreno em que residia, em uma campanha que teve o imediato apoio educacional de elevada qualidade, que vem tendo, em seus mais de 60 anos de funcionamento, um pa-
do maior jornal da Cidade (UMA CAUSA..., 1947, p. 2). pel determinante na educação e na formação social e cultural dessas comunidades, até os dias de hoje.

Embora, em um primeiro momento, Pellosi não tenha se preocupado em impedir a ocupação, ele Mesmo antes de ter sua construção concluída, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro já havia se
decide , em 1947, expulsar as cerca de 200 famílias do local e, após conseguir um mandato de re- transformado em uma referência para projetos semelhantes em outras cidades brasileiras. Já na virada
integração de posse, derruba cinco das casas, para assinalar a reintegração. A partir daí, “a questão dos anos 1940 para os anos 1950, Hélio Duarte – que participou diretamente do processo baiano com
do Corta-Braço domina a cidade”, como registra o jornal A Tarde (SÃO QUASI..., 1947, p. 2), e o Anísio e Rebouças e que é o autor dos projetos das Escolas-classe II e III – presidiu a subcomissão
Governador Octávio Mangabeira decide desapropriar, por utilidade pública, as terras invadidas, o que de planejamento do Convênio Escolar de São Paulo, que, nas suas próprias palavras, correspondeu a um
efetivamente ocorre em 29 de abril de 194714. “rebatimento da experiência baiana” (1973, p. 49).

A primeira etapa da construção do Complexo, que recebeu o nome de Centro Educacional Carneiro Outros projetos escolares que obtiveram reconhecimento nacional e internacional e que se baseiam
Ribeiro (CECR), ocorreu de forma bastante rápida. Em 1948, Rebouças e Hélio Duarte elaboraram diretamente na experiência baiana são o “Plano de Construções Escolares para Brasília”, concebido
os projetos das três primeiras escolas-classe e dos primeiros pavilhões da Escola Parque. Em setem- por Anísio em 1957, prevendo a construção de 28 Centros de Educação Elementar formados por
bro de 1950, no final do Governo Mangabeira, foram inauguradas as escolas-classe I, II e III. As uma Escola Parque e quatro escolas-classe, dos quais se construíram apenas cinco centros: os Centros
duas primeiras foram erguidas em plena invasão do Corta-Braço, enquanto a Escola-classe III foi Integrados de Educação Pública (CIEP), projetados por Oscar Niemeyer, durante a gestão de Darcy
construída na Rua Marquês de Maricá, no Pau Miúdo, nas proximidades do Hospital Santa Terezinha. Ribeiro – discípulo de Anísio – na Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, entre 1983
e 1987; e os mais recentes Centros Educacionais Unificados (CEU), construídos pela Secretaria Mu-
Após o término do Governo Mangabeira, contudo, a construção do restante do Complexo se tornou nicipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, na periferia da cidade, a partir de 2001. Além disso,
bastante lenta. O processo total durou dezesseis anos, entre as primeiras versões do Projeto, elabora- o Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi objeto de documentário elaborado pela UNESCO, logo
das em 1948, e a inauguração das últimas edificações do Conjunto – o Pavilhão do Setor Artístico da após a sua inauguração, mostrando-o como exemplo de sistema educacional a ser adotado em países
Escola Parque, em 1963, e a Escola-classe IV, em 1964. Os projetos desses últimos e de outros pavi- em desenvolvimento.
lhões erguidos a partir do final dos anos 1950 foram elaborados por Diógenes Rebouças e Assis Reis.
O próprio Rebouças teve oportunidade, na primeira metade da década de 1950, de elaborar outros
O papel de Anísio Teixeira na viabilização do Centro Educacional Carneiro Ribeiro não se encerrou projetos de complexos escolares a convite de Anísio, como a Escola Normal de Aracaju e o Centro
com a sua saída da Secretaria da Educação e Saúde da Bahia, em 1951. Muito pelo contrário: ocu- Educacional do Estado de Alagoas, em Maceió, (figura 05) ambos projetados em parceria com o ar-
pando, entre 1952 e 1964, o cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) quiteto Fernando Machado Leal e construídos com recursos do INEP16. Esse último, que começou
e adotando o que Fernando Gouvêa chamou de “estratégia doce” na relação com os 13 ministros – a funcionar em 1958, com quatro edificações, foi um dos maiores complexos educacionais do Brasil.
muitos dos quais baianos – que se sucederam na pasta da Educação entre 1951 e 1964, o “apolítico” Segundo depoimento de Rebouças foi construído em apenas quatro anos:
Anísio Teixeira conseguiu garantir os recursos que viabilizaram, ao longo da década de 1950 e do
início dos anos 1960, a conclusão dos projetos e das obras de construção do Centro Educacional Fui lá [em Maceió] várias vezes e não sabia que estavam continuando o trabalho. Quando
Carneiro Ribeiro (GOUVÊA, 2009)15. fui projetar a Salgema, me falaram que o Centro Educacional era a maior obra que o
Estado tinha. Aí eu saí para ver. Cheguei lá e tomei um susto. Tudo pronto. Puxa, tem
momentos em que, na terra da gente, não valemos nada. Tem lá uma casa que talvez seja
“REBATIMENTOS DA EXPERIÊNCIA BAIANA” a minha melhor obra em termos sentimentais. É a escolinha de arte. Quando eu olhei,
que vi a escolinha de arte lá, fiquei emocionado. Eu estava na sala que havia imaginado, e
Se, por um lado, a implantação de uma estrutura gigantesca e moderna como o Centro Educacional estavam ali os meninos, como eu havia pensado. (REBOUÇAS, 1999, p. 121-122)
Carneiro Ribeiro, em um tecido urbano como o da Caixa d’Água e arredores, provocou um enorme
contraste com a ocupação fragmentada do entorno, formado por construções vernaculares e de CONSIDERAÇÕES FINAIS
14
Durante sua campanha eleitoral para o Governo do Estado, em 1946, Mangabeira – que contava com o apoio do Partido
Comunista Brasileiro – havia feito um comício no Corta-Braço e havia se comprometido a resolver a situação daquelas
Após a extinção da CPUCS, no início dos anos 1950, Rebouças abriu seu escritório profissional, no
famílias.
15
Entre 1946 e 1954, o Ministério da Educação (e da Saúde, até julho de 1953) esteve ininterruptamente ocupado por baia-
nos: Mariani, Eduardo Rios Filho (interino), Pedro Calmon, Ernesto Simões Filho, Péricles Madureira de Pinho (interino), 16
O primeiro, infelizmente, já foi parcialmente demolido e encontra-se abandonado. O segundo resiste, sob o nome de
Antônio Balbino e Edgar Santos, que se sucederam na titularidade da Pasta. Calmon ocuparia novamente o Ministério entre Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (CEPA), tendo sido denominado também Centro Educacional Antônio Gomes
junho de 1959 e junho de 1960, no governo de Kubitschek. de Barros.

54 55
REFERÊNCIAS

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna na Bahia, 1947-1951: Uma história a
contrapelo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura – Universi-
dade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

Perspectiva do Centro Educacional do Estado BAHIA. Secretaria de Educação e Saúde. Relatório apresentado ao Senhor Governador por Anísio Teixeira,
de Alagoas, em Maceió (Fonte: Acervo Diógenes
Rebouças / Centro de Estudos da Arquitetura na
Secretário de Educação e Saúde, em 1950. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1950.BRUAND,
Bahia / Faculdade de Arquitetura / Universidade Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.
Federal da Bahia)(figura 05)

DUARTE, Hélio. Escolas Classe, Escola Parque. São Paulo: FAUUSP, 1973.
qual elaborou dezenas de projetos para importantes edifícios públicos, como a Escola Politécnica e
a Faculdade de Arquitetura da UFBA, a Estação Rodoviária de Salvador, a Estação Marítima de Pas- FORAM AGUARDAR, no Forum, a decisão da justiça. A Tarde, Salvador, p. 02, 20 nov. 1946.
sageiros (atual sede da CODEBA) e a Biblioteca de Itaparica, projetos para edifícios de apartamentos
localizados em bairros nobres, como Graça e Barra, e para edifícios de escritórios situados no Centro FOURESTIER, Max. Bahia et l’école experimentale Parque. In : ÉBOLI, Terezinha. Uma experiência
e no Comércio. Entretanto, ousamos afirmar que a parte mais significativa da sua produção foi aquela de educação integral: Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Rio de Janeiro: Fundação de Amparo à Pes-
realizada durante o Governo Octávio Mangabeira, quando concebeu e desenhou obras- primas, quisa do Estado do Rio de Janeiro, 1983, p. 93-96.
como o Hotel da Bahia, o Hotel Paulo Afonso e, principalmente, o Centro Educacional Carneiro
Ribeiro (figura 05). GOUVÊA, Fernando. Anísio Teixeira e os treze ministros: a “estratégia doce” de um “apolítico”
(1951-1964). In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
Modesto, Rebouças não creditava, contudo, qualquer importância à sua contribuição nesses projetos, E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 32., 2009, Caxambu, Minas Gerais. Anais.... Caxambu, Minas
pois, nas suas próprias palavras: Gerais: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, 2009. Disponível em
<http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT05-5179--Int.pdf>. Acesso em:
O grande mérito foi que eu tive clientes da altura de um Mário Leal, um Anísio Teixeira, março de 2012.
um Octávio Mangabeira, um Juracy Magalhães. Foram pessoas que me deram um pro-
grama, que me fizeram criar. [...] Em todas as obras para o plano educacional do estado,
MAIS DE 800 novas unidades escolares. A Tarde, Salvador, p. 02, 12 ago 1949.
o Centro Carneiro Ribeiro, a Escola Parque, eu apenas interpretei uma magnífica ideia de
Anísio Teixeira, que sugeria uma arquitetura sadia, modesta e séria, mas pelo programa.
[...] Um programa desses [do Centro Educacional Carneiro Ribeiro] para uma pessoa OLIVEIRA, Hildérico Pinheiro de. A ação conjunta de Anísio Teixeira e o INEP na Bahia. Cadernos
como eu, que embora não tivesse uma formação filosófica pesada, tinha a sensibilidade, a IAT, Salvador, v. I, n. 01, p. 31-46, dez 1988.
receptividade para estas coisas, me envolvia. Eu me apaixonava. De forma que o que sur-
giu como arquitetura era uma consequência deste belo programa. (REBOUÇAS, 1999, REBOUÇAS, Diógenes. História do Fazer Moderno Baiano – entrevista de Diógenes Rebouças a
p. 120-121). Naia Alban e Anna Beatriz Galvão. Rua, Salvador, nº 7, p. 116-125, jul-dez 1999.

Somos obrigados a discordar de Rebouças na minimização da sua contribuição à qualidade final do Revista Fiscal da Bahia. Quatro séculos de história da Bahia: álbum comemorativo do 4º centenário da
projeto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, lembrando as palavras do historiador da arquitetura fundação da cidade de Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina, 1949.
francês Yves Bruand, que sobre ele escreveu, há mais de 45 anos, em um dos textos mais importantes
sobre a arquitetura moderna brasileira: RIBEIRO, C.J. de. Apontamentos sobre a vida e a obra de um apóstolo do humanismo e da cultura: contribuição
ao estudo biográfico de Paulo de Assis Ribeiro. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1975.
A linguagem de Rebouças nada tem de mecânico e é a de um verdadeiro arquiteto; nela,
as preocupações plásticas desempenham um papel essencial e jamais são esquecidas em
proveito de soluções exclusivamente funcionais e técnicas, embora estas sempre se en- SALVADOR. Prefeitura Municipal da Cidade do Salvador. Cidade do Salvador. São Paulo: Habitat,
contrem na base da composição; em compensação, o engenheiro reaparece no gosto 1954.
manifesto pelas estruturas audaciosas [...]. (BRUAND, 1981, p. 262).
SANTOS NETO, Isaías de Carvalho. Salvador: Cara & Coroa. Salvador: Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo / Universidade Federal da Bahia, 1993. Pretextos, Série A, n. 03.

56 57
SÃO QUASI tres mil pessoas que moram no Corta Braço. A Tarde, Salvador, p. 02, 19 abr 1947.

TEIXEIRA, Anísio. Secretaria de Educação e Saúde. In: BAHIA. Mensagem apresentada pelo Dr. Octavio
Mangabeira, governador do Estado da Bahia, à Assembléia Legislativa, por ocasião da abertura dos
trabalhos de sua reunião ordinária, em 7 de abril de 1948. [Salvador,] Bahia: Imprensa Oficial, 1948.
p. 01-38.

_____. Secretaria de Educação e Saúde. In: BAHIA. Mensagem apresentada pelo Dr. Octavio Mangabeira,
governador do Estado da Bahia, à Assembléia Legislativa, por ocasião da abertura dos trabalhos de
sua reunião ordinária, em 7 de abril de 1949. [Salvador,] Bahia: Imprensa Oficial, 1949. p. 01-81.

_____. Secretaria de Educação e Saúde. In: BAHIA. Mensagem apresentada pelo Dr. Octavio Mangabeira,
governador do Estado da Bahia, à Assembléia Legislativa, por ocasião da abertura dos trabalhos de
sua reunião ordinária, em 7 de abril de 1950. [Salvador,] Bahia: Imprensa Oficial, 1950. p. 01-106.

_____. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro,
v. 31, nº 73, p. 78-84, jan-mar 1959. Disponível em: <http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/
cecr.htm>. Acesso em: outubro de 2011.

UMA CAUSA merecedora de ajuda. A Tarde, Salvador, p. 02, 22 mar. 1947.

58 59

Figura 06 Figura 07
UMA NOVA VISÃO
SOBRE A EDUCAÇÃO

60 61
A Trajetória de Anísio Teixeira
Alberto Pimentel Carletto *

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara
as democracias. Essa máquina é a da escola pública”.
Anísio Teixeira

Anísio Spínola Teixeira, um dos maiores educadores do Brasil, nasceu em 12 de julho de 1900, no
município de Caetité, no sertão da Bahia. Atualmente, a região faz parte do Território de Identidade
do Sertão Produtivo. Filho de duas famílias tradicionais, seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, era médi-
co e líder político, casado com D. Anna Spínola Teixeira. Educado no Instituto São Luís Gonzaga,
em Caetité, continuou sua educação no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, ambos da “Companhia
de Jesus”. Anísio tinha o propósito de se tornar um jesuíta, contudo teve a oposição da família, que
o queria na carreira política. Em 1922, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Direito da Universidade do Rio de Janeiro.

Ao retornar à Bahia, foi convidado pelo Governador Francisco Marques de Góes Calmon (28.3.1924
a 28.3.1928) a assumir o cargo de Inspetor Geral da Instrução do Estado e, posteriormente, a função
de Diretor de Educação e Saúde. Começou, assim, sua importante trajetória de educador e adminis-
trador público, marcante no cenário da educação brasileira.

Em 1927, fez a sua primeira viagem ao Exterior. Na Europa, estudou os sistemas escolares e, nos
Estados Unidos da América, a organização escolar, conhecendo a vida social e as instituições edu-
cacionais desse país. Ao regressar à Bahia, encontrou um novo governador, Vital Henrique Batista
Soares (28.3.1928 a 21.7.1930), de quem conseguiu uma autorização para voltar aos Estados Unidos
da América, onde estudou no Teacher’s College da Universidade de Colúmbia, em New York. Obteve
o título de Master of Arts, familiarizando-se com as ideias filosóficas e o pensamento pedagógico de
John Dewey, e teve “contato com Kilpatrick, certamente o mais renomado mestre da Universidade.”
(VIANA FILHO, 2008, p.36).

* Especializado em Arquivologia pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em História pela Universidade Católica do
Salvador. Professor de História. Historiador do IPAC.

62 63
Em 1929, Anísio retornou ao seu país e trouxe um programa de luta pela educação no Brasil: Sugestões
para a Reorganização Progressiva do Sistema Educacional Baiano. Sem o apoio necessário, pediu demissão do
cargo. A Revolução de 30 encerrou a República Velha (1889-1930) e levou Getúlio Dornelles Vargas
a assumir o Governo Provisório. Em 1931, o ministro Francisco Campos convidou Anísio Teixeira
para trabalhar no recém-criado Ministério da Educação e Saúde.

Pouco depois, o Prefeito do Distrito Federal (RJ), Pedro Ernesto Batista, convidou Anísio Teixeira
para assumir a Direção do Departamento de Educação, posteriormente Secretaria, cargo que exerceu
até 1935. Ali realizou uma obra renovadora, “criando o Instituto de Educação, estabelecimento que
integrava a antiga Escola Normal, com jardim de infância, primário e secundário” (RISÉRIO, 2013,
p.158). Também foi criador e primeiro reitor da Universidade do Distrito Federal.

Em 1932, foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, juntamente com Fernando
de Azevedo, Lourenço Filho, Cecília Meireles e mais de vinte intelectuais que expuseram todos os
anseios e expectativas por uma educação diferenciada, pública, obrigatória, gratuita e laica. Nesse
mesmo ano, casou-se com Emília Teles Ferreira (1904-1996), a Emilinha, como seria sempre conhe-
cida, e teve quatro filhos: Marta Maria, Anna Christina, Carlos Antônio e José Maurício.

Em 1935, Anísio teve seu nome associado, de maneira improcedente, à Intentona Comunista1. De-
vido às pressões políticas, deixou o cargo de Secretário da Educação do Distrito Federal. Embarcou
para Buenos Aires, para tentar abrandar as suas angústias. Assim que retornou ao Rio, atendeu ao
conselho de amigos e foi para o Sertão baiano, onde se sentiu seguro.

Retirado da vida pública, refugiou-se na fazenda Gurutuba, próxima de Caetité. Traduziu livros de
H.G. Wells e de William Durant para as editoras Nacional e Civilização Brasileira. Manteve cor-
respondência com amigos, especialmente Afrânio Peixoto e Monteiro Lobato. “Por volta de 1939,
Anísio se mudou para Salvador para gerir com os irmãos Jaime e Nélson a Sociedade Importadora e
Exportadora, a Simel, empresa de exportação de minérios e importadora de locomotivas e material
ferroviário” (VIANA FILHO, 2008, p.104). Anísio Teixeira tornou-se um próspero empresário ex-
portador de manganês.

Em 1946, Julian Huxley, primeiro-secretário executivo da UNESCO, convidou-o para exercer o cargo
de Conselheiro de Educação Superior. Tornou-se, assim, uma autoridade internacionalmente con- bouças. Os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), no Rio de Janeiro, os CEUs (Centros
ceituada. No início de 1947, deixou o posto e resolveu retornar à vida privada. Nesse momento, Educacionais Unificados), em São Paulo, e os CIACs, em Brasília, tiveram em seus projetos fortes
enfrentou um verdadeiro dilema: optou por deixar um grande projeto industrial com possibilidades influências da Escola Parque de Anísio Teixeira.
de acumular riquezas e aceitou o convite do governador da Bahia, Octávio Mangabeira (10.4.1947 a
07.4.1951), para assumir o cargo de Secretário de Educação e Saúde. O Decreto n° 29.741, de 11 de julho de 1951, criou a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior, posteriormente Comissão (atual CAPES). Anísio Teixeira foi designado
Anísio revolucionou e modernizou a educação na Bahia. Concebeu e implantou, em Salvador, a sua Secretário-geral da Comissão e “acumulou a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
obra mais importante: a criação de um Centro Popular de Educação denominado Centro Educacional (INEP), em 1952; algum tempo depois, no final de 1955, fundou e assumiu a direção do Centro
Carneiro Ribeiro, mais conhecido como Escola Parque, parte de uma política pública voltada para a Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE)” (FONSECA, 2011, p.29).
escola primária, uma experiência inédita e marcante no Brasil, de repercussão internacional, pela pro-
posta de educação integral em dois turnos. O projeto arquitetônico foi concebido por Diógenes Re- A Lei n° 3.998, de 15 de dezembro de 1961, criou a Universidade de Brasília. O primeiro Reitor foi
Darcy Ribeiro, que depois assumiu o Ministério da Educação. Anísio Teixeira foi escolhido como seu
1
Foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, em novembro de 1935. segundo Reitor e participou ativamente na elaboração dos planos de organização, oferecendo o me-

64 65
lhor da sua experiência. O Golpe Militar de 1964 o afastou das suas funções públicas. A partir desse Muitas instituições e estabelecimentos relacionados à educação, como bibliotecas e institutos, rece-
ano, lecionou em universidades norte-americanas e dedicou-se à publicação e reedição de seus livros. beram o nome de Anísio Teixeira. Em 2000, ano do seu centenário, muitas solenidades, eventos e
prêmios foram concebidos e realizados em homenagem ao eminente educador. A Empresa Brasileira
Ao longo de sua vida escreveu e publicou vários livros, como: A educação e a crise brasileira, Educação é um de Correios e Telégrafos lançou o selo comemorativo “Série Personalidades Brasileiras”, mostrando
direito, Educação e o mundo moderno, Educação e Universidade, Educação no Brasil, Educação para a democracia: um retrato de Anísio, a Escola Parque e crianças estudando.
introdução à administração educacional, Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação. Propugnou
pela renovação do sistema educacional brasileiro em bases democráticas e deixou, assim, sua marca Em 1993, quando o padrão monetário no Brasil era o cruzeiro real (CR$), o Banco Central do Brasil,
como pensador e político da educação, sendo um dos mais representativos intelectuais brasileiros. integrante do Sistema Financeiro Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda emitiu, através da
Casa da Moeda, cédula em homenagem ao educador, no valor de CR$ 1.000,00 (mil cruzeiros reais):
Em 1971, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, para substituir o Professor Clementino no anverso, retrato de Anísio Teixeira e vista parcial da Escola Parque; no reverso, cena alegórica
Fraga. No dia 11 de março, quando saía para visitar Aurélio Buarque de Holanda, desapareceu e, no referente à proposta de ensino levada a efeito pela Escola Parque.
dia 14 do mesmo mês, foi encontrado morto no poço do elevador do prédio do lexicógrafo, no Rio
de Janeiro. “Educador de prestígio internacional, Anísio [...]. Era um pensador. Um intelectual da educação. E
sempre na ponta de lança. [...] Anísio, hoje, se vivo fosse, estaria teorizando sobre o impacto do com-
putador, da web, da internet, das redes virtuais, no campo do ensino” (RISÉRIO, 2013, p.158).

A obra e a trajetória desse importante professor, administrador e escritor “colocou a educação no


centro de sua visão de mundo” (MONARCHA & MOTA, 2001, p.15). Anísio Teixeira, cujo pensa-
mento continua contemporâneo em prol da escola pública, propôs o ensino como um direito de
todos, sendo considerado uma personalidade de referência na defesa da democracia e da liberdade da
educação no Brasil.

REFERÊNCIAS

AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: Guia de ruas e mistérios. 39. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991.

FONSECA, Sérgio C. Paulo Freire & Anísio Teixeira: Convergências e divergências (1959-1969). Jun-
diaí: Paco Editorial, 2011.

MONARCHA, Carlos (org.). Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

RISÉRIO, Antônio. Edgard Santos e a reinvenção da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2013.

TAVARES, Luís Henrique Dias. Fontes para o Estudo da Educação no Brasil. 2. ed. Salvador, BA: UNEB,
2001.

VIANA FILHO, Luís. Anísio Teixeira: a polêmica da educação. 3. ed. São Paulo: UNESP; Salvador:
EDUFBA, 2008.

66 67
A Educação e o
Ideário Modernista
Jaci Maria Ferraz de Menezes*

“[...] Mas eu não quero ser senão eterno.


Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma essência.
Ou nem isso.
E que eu desapareça, mas fique este chão varrido onde pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma esponja no caos,
e entre oceanos de nada gere um ritmo” 1.

Temos como tema o pensar a escola moderna, a escola nova: a concepção de escola para a vida mo-
derna como proposto por Anísio Teixeira e, como tal, o que seria essa Escola Nova, não apenas nos
seus escritos, mas na sua prática concreta, na Educação para a Bahia, ou seja, o desafio de pensar a
escola como espaço da vida urbana, concretamente, na Bahia dos anos 1940, 1950. Na construção da
proposta, a presença de estudos que consideram Regiões Educacionais e Regiões Ecológicas, nelas,
cidade e campo, favelas e bairros, na relação tensa entre tradição e modernidade, que já se colocava.

A concretização da proposta vai acontecer na organização da Escola Parque, do Centro de Educação


Carneiro Ribeiro – CECR2, que, em Salvador, dá início à experiência de escola de tempo integral, com
alternância de turnos e trabalho pedagógico; de organização das classes segundo a idade; o trabalho

* Professora Plena do Departamento de Educação de Salvador da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e coordena-
dora do projeto Memória da Educação na Bahia.
1
Carlos Drummond de Andrade, Fazendeiro do Ar, in Poesia e Prosa, Rio Aguillar, a pags. 318 e 319.
2
A construção da prática pedagógica do Centro Educacional Carneiro Ribeiro - CECR se deu em articulação com a Es-
cola de Aplicação do Centro Regional de Pesquisas Educacionais – CRPE, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
- INEP, ambas sob a coordenação da professora Carmem Teixeira e de Anísio Teixeira, então diretor do Instituto. Para
ampliar, ver Teixeira Anísio, O Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Discurso de inauguração) , in Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, no 73, ano 1959, numero jan-mar,. Pags 78 -84.. ... e
Éboli, Terezinha. Uma Escola Diferente. INEP. Governo Federal, 1969.

68 69
de exercício da cidadania; de ensino de ciências articulado com a experimentação – o fazer. depois Centro Operário da Bahia. Formam-se lideranças, autodenominadas de “Socialistas Moderados”,
que começam a participar de eventos, tais como o Congresso Socialista, em 1902, divulgando, tam-
MODERNO, MODERNIDADE, MODERNISMO bém, notícias sobre o 1º de Maio. Uma ala forte do Centro Operário – originalmente donos do Solar do
Ferrão, depois sede do IPAC - propõe a criação de uma série de espaços educativos: escola primária,
O Moderno tem como marco a reinstalação do homem no centro do pensar o mundo. Após um escola secundária e escola profissional. Oficinas chegam a ser implantadas, além das classes noturnas
longo período em que a visão religiosa coloca a verdade como verdade revelada e o mundo como para trabalhadores e diurnas para os filhos dos associados3. Surgem outras experiências educativas:
resultante dessa revelação – portanto, como pertencente a uma ordem divina, eterna e imutável – Escola de Aprendizes Artífices, abrigada em sala do Centro Operário, que, no Barbalho, viria a dar origem à
pouco a pouco, o pensar, como faculdade humana, abre as portas para um conhecimento do mundo Escola Técnica Federal, hoje IFBA, ao Abrigo dos Filhos do Povo, na Estrada da Liberdade. A elas se juntava
iluminado a partir da razão e, consequentemente, de uma ordem humana mutável, em constante a Escola da Fábrica Empório dos Tecidos, da fábrica de Luís Tarquínio. Outras fábricas de tecidos também
transformação, dependente do desenvolvimento daquele ser agora visto como um ser livre, numa mantinham escolas: em Plataforma, na Ribeira e nos Fiais. Aparentemente, não tivemos experiências
ideia de autoconstrução, a partir do livre arbítrio. escolares de anarquistas na Bahia, mas, em 1922, o Sindicato dos Pedreiros e afins cria uma escola
noturna e faz uma homenagem a Francisco Ferrer, criador da Escola Moderna na Espanha, morto
A noção de Homem do Renascimento tem como ponto de partida uma fusão do homem grego e por fuzilamento.
do homem do Cristianismo, em busca de uma nova sociabilidade e de novas formas de inclusão no
mundo, em permanente construção e reconstrução. Se, inicialmente, eram todos iguais – membros da EDUCAÇÃO E TRABALHO:
polis ou filhos de Deus -, é na História que começam a se desdobrar formas de dominação sobre esse OS PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA ESCOLA MODERNA
homem, pretendido como livre, igual e fraterno.
Os princípios pedagógicos ou de concepção da educação que vêm com a modernidade passam pela
Na Modernidade (ainda hoje inconclusa), constrói-se, pouco a pouco, a consciência de que se está afirmação de que todos aprendem. A mudança no sistema de ensinar vai caminhar na direção do
num mundo em permanente mudança, em permanente construção, sem que haja garantia de que o “aprender fazendo”, da experiência como centro da educação. Essa aprendizagem já não se limita
Novo anunciado resulte numa vida melhor e mais saudável para cada um e para o todo. ao ler, escrever, contar. Interessa o conjunto dos saberes, da escola integral, preocupada com o con-
junto da personalidade do aluno, às múltiplas formas de expressão. À leitura e à escrita se somam os
O MODERNO NA BAHIA saberes da ciência e da vida no mundo, na compreensão de que todos nós construímos a história.
Com a Escola Ativa, que apresenta a possibilidade de experimentar, implanta-se a aprendizagem de
A implantação da República no Brasil se dá através de um golpe de Estado. Com ele, desmantela-se manualidades, no entendimento de que os saberes não são apenas os do intelecto, mas também o
a esperança de um projeto democrático de modernização que desse sequencia à abolição da escra- tocar, construir, expressar-se: dançar, cantar, pintar, representar; o trabalho como instrumento de
vatura, afinal aprovada sem nenhuma ação de proteção aos ex-escravos e sem qualquer proposta de transformação do mundo.
inclusão dos mesmos. As propostas de educação feitas por André Rebouças, por André do Patrocínio
e por Joaquim Nabuco são deixadas de lado, ao tempo em que se mantém a exigência do saber ler e Essa concepção afirma que a escola é um direito e que é preciso criar suportes necessários para que
escrever como critério para o voto. A implantação desse filtro para a cidadania plena deixava de fora esse direito seja exercido. Esses suportes implicavam a ampliação do tempo de trabalho: dois turnos
85% da população, “filtro” que é mantido até 1985. diários e maior número de dias letivos, aumentando o tempo de trabalho pedagógico. É também a
afirmação do direito ao belo: salas amplas, claras, bem mobiliadas; da convivência, do aprendizado
As esperanças de que a República viesse a ser o instrumento de implantação de um regime político das diversas linguagens, da inter-relação entre os espaços de aprendizagem. Esses princípios vão estar
“moderno”, em que as máximas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade poderiam ser - quem sabe -, presentes na concepção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, um dos oito Centros de Educação
efetivadas, vão logo por água abaixo. Os primeiros sinais da exclusão e do autoritarismo aparecem Popular previstos no Plano da Cidade de Salvador – Escolas-classe e Escola Parque, localizadas na
na Guerra de Canudos, na qual sertanejos, descendentes de indígenas e ex-escravos são massacrados. Caixa D’Água, no Pero Vaz, no IAPI, na Liberdade.
Aqui monarquistas se reorganizam e assumem grande parcela do poder; republicanos históricos são
desalojados, afastando-se propostas em favor da escola pública, obrigatória, gratuita, para ambos os São, assim, os eixos do projeto de escola da modernidade:
sexos, conforme idealizado por Manoel Vitorino, Governador, por poucos meses, do Estado da Ba-
hia. De fora ficam os artistas/artífices, os ex-abolicionistas, as lideranças das classes “operárias”, os 1. Escola para todos: a ampliação da oferta, na busca de sua universalização; a responsabilidade do
trabalhadores manuais. Estado na oferta da escola pública, gratuita, universal- quanto ao seu conteúdo- e, ao mesmo tempo,

Contudo, as discussões sobre o moderno e as formas de implantá-lo já estão presentes. A partir das 3
Outro grupo, também no Centro Operário, tem uma atividade política, através de movimentos de rua, protestos, comí-
iniciativas de lideranças, como Manuel Querino e outros, vindos de espaços de convivência como o cios, greves, principalmente manifestando-se contra a carestia, as dificuldades de vida no pós-abolição na cidade. Ver, a
respeito, Santos, Mário Augusto da Silva Santos, O movimento republicano na Bahia, Centro de Estudos Baianos, UFBa.,
Lyceu de Artes e Ofícios e da Liga Operária, criam-se organizações, como o Partido Operário, de curta vida - 1990.

70 71
profundamente enraizada no local, no regional. berculose – doença que era responsável por 40% das mortes em 1940. A discussão de um novo
projeto educacional tem início com a nova Constituição da Bahia. Pensa-se numa regionalização da
2. Escola e local de moradia: quanto mais perto da moradia, melhor; os “trevos de quatro folhas”, ação governamental, adequada ao lugar e ao território. Essa retomada da liberdade passa, também,
com uma escola em cada pétala e com um centro de uso comum para a prática de atividades; uma por repensar a cultura e o espaço urbano, repensar que foi canalizado para o Escritório de Planejamento
distância de, no máximo, 500 metros entre cada escola e o Centro. Urbano da Cidade de Salvador – EPUCS, sob a coordenação de Diógenes Rebouças, e para a construção
de equipamentos que permitissem a modernização da cidade, vistos também como serviços públicos,
3. A Escola única: a progressividade dos anos de estudo, desde a escola infantil até o ensino médio; o entre eles, o Estádio da Fonte Nova, o Hotel da Bahia, além de espaços para as formas de expressão
fim da dualidade do sistema de ensino, com todos os ramos de ensino articulados, permitindo acesso artística e cultural4.
ao ensino superior. Rompe-se o dualismo: para uns, o destino das elites; para outros, a escola limitada,
em anos e em conteúdos - em troca, a escola para todos. Em 1948, a Secretaria da Educação e Saúde realiza uma Semana de Arte Contemporânea, retomando
a discussão pública do Modernismo. Em 1949 e em 1950, nos Salões de Artes Plásticas, caminha-se
OS MODERNISTAS ENTRAM EM CENA NA BAHIA para a superação do conflito entre “clássicos” x “modernos”, abrindo espaço à diversidade de formas
e correntes. Do debate então provocado sai a proposição do Teatro Castro Alves, hoje ícone da mo-
Na Bahia do final do século XIX, surge a Revista Moderna. Seus proponentes criam, já em 1901, a dernidade, concebido como Centro de Educação e Arte Teatral. Também vem daí a proposta de “uma
Revista Nova Cruzada, simbolista, que anuncia uma Arte Nova. Nela estariam presentes os traços que nova sala de exposição à altura de Salvador”, que vai resultar, depois, no Museu de Arte Moderna.
aparecem, também, no trabalho de pintura de Manuel Querino, alinhado ao movimento de Arts and
Crafts. A Nova Cruzada, em quase dez anos reúne um grupo de poetas, alguns deles jornalistas vincula- A ESCOLA PARQUE E O CECR: O CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR
dos à Campanha Civilista. Com sua extinção, seus membros seguem produzindo, criando outros gru-
pos até à década de 1930, em especial, Carlos Chiacchio, Jorge Amado e Edson Carneiro, que criam Segundo os princípios da Escola Ativa, o sujeito aprende na medida em que interage com o objeto,
a Academia dos Rebeldes. O uso de formas mais livres de expressão encontra maiores oposições e, que se influenciam mutuamente. Aprende-se através da experiência: ver, tocar, sentir, compreender,
aparentemente, instala-se, na Bahia, uma resistência ao moderno – exceto na leitura da modernização transformar. O ato de aprender como está presente no pensamento de Mário de Andrade: “Eu comi
da cidade. Uma enorme desigualdade e pobreza seguem à escravidão, à Guerra de Canudos, ao bom- ele”: antropofagia revisitada, nada é deixado de fora. O projeto da Escola Nova é contemporâneo
bardeio da cidade, em nome da República. Muitos são os mortos por tuberculose. ao Modernismo e com ele dialoga. Aqui, as obras de arte não são ilustrações; são parte do projeto
educativo, a própria concepção da escola o é. Por isso, fazem parte do patrimônio a ser protegido
Nos anos 1920, pouco depois da Semana de Arte Moderna, temos Anísio Teixeira, no Governo de Góes não apenas as obras de arte – belas, monumentais em si –, mas também os prédios, sua concepção de
Calmon. Depois de 1927, tem início, na área da educação, uma mudança de rumo, a partir do contato espaço e forma e, sobretudo, a concepção do aprender.
de Anísio com o pensamento de Dewey e o grupo dos pensadores sobre a Escola Nova no Brasil. A
Bahia depara-se, então, não apenas com as expressões modernistas, mas com as discussões nacionais, ÁGUA, TERRA, FOGO E AR: UMA ROSA PARA O POVO
face às dificuldades na realização de planos e projetos mais modernos em educação. A presença de
Anísio no Governo do Distrito Federal GDF (então, no Rio de Janeiro), na Associação Brasileira de É preciso pensar a escola a partir da história dos homens – do pensar sobre a sua vida, sobre a edu-
Educação e no grupo dos Pioneiros da Educação Nova, articula a Bahia ao projeto nacional. cação, – a partir do ideário modernista, para entender a Escola Parque e o conjunto do projeto de
Anísio Teixeira para a educação na Bahia. Significa colocar a escola e o homem no centro da nossa
Os anos 1930 trazem à cena a pesquisa sobre as relações raciais na Bahia - a discussão sobre “o ne- discussão. Os prédios da Escola Parque, no meu entender, buscam esta síntese: entre princípios pe-
gro”, as diferenças e as desigualdades -, apenas iniciada na Academia, mas já anunciada em Manuel dagógicos e fazer pedagógico num lugar - locus - do trabalho educativo.
Querino, em anos anteriores. Políticos e intelectuais baianos tomam contato com a Ditadura e com
a repressão à liberdade de pensamento, nas figuras de Hermes Lima e de Anísio Teixeira, por seus O Modernismo, na forma, exacerba o símbolo, simplificando-o. No setor de trabalho, a energia repre-
contatos com a Aliança Libertadora Nacional. Octávio Mangabeira já saíra do Brasil, desde 1930. senta a ação da água, do ar, do fogo e da terra, como ventre fecundo5, assim como a vida cotidiana; a
Mergulha-se num período de exílios e perseguições. energia, na possibilidade da fissão do átomo humanizado no centro da cena de uma Bahia dos anos
1950/1960, que se pretendia em transformação, em que as formas de produção se apresentam na
REDEMOCRATIZAÇÃO: O NOVO NA EDUCAÇÃO mecanização da agricultura, na refinaria de petróleo, na construção de barragens, tudo no mesmo
E NA CULTURA E SUAS FORMAS DE EXPRESSÃO FÍSICA espaço em que naves e viajantes se fazem presentes, na expressão de Caribé. Também aí, no pavi-

A saída da Ditadura Vargas e o final do Estado Novo permitem o retorno de Anísio Teixeira ao 4
Ver MENEZES, Jaci Maria Ferraz de, e FIALHO, Nádia – Modernidades Tardias e Educação na Bahia., in MENE-
comando da Educação e Saúde na Bahia. Nesse momento, retoma-se um movimento de repensar ZES, Jaci; SANTANA, Elizabete, LOMBARDI, José Claudinei, REPÚBLICA NA BAHIA: TENSÕES E CONFLITOS,
Campinas, Átomo e Alínea, no prelo., p. 73 a 90.
a cidade de Salvador e a Bahia, sua vida e seus habitantes. Realiza-se uma Campanha contra a Tu- 5
Nas duas formas: na produção de riquezas minerais, assim como na produção de alimentos.

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biblioteca é uma rosa6 , “A Rosa do Povo”, uma flor ofertada, construída e reconstruída a cada dia.
Assim, é material e imaterial o patrimônio representado pelo CECR, Escola Parque – Escolas-Classe,
em que matéria e espírito são indissociáveis. Não basta guardar as paredes e suas pinturas; a escola
não é um museu, nem o seu acervo pode ser levado para um museu; tem que estar viva, mexendo,
acontecendo. Por isso, um conceito novo deve surgir, garantindo a continuidade da proposta da Es-
cola. “Uma flor nasceu no asfalto”, dizia Drummond. É bela, sim, e é uma flor: aprender fazendo, a
experimentação permanente, o exercício da cidadania, romper a náusea do circulo vicioso, compreen-
lhão onde se vai experimentar o aprendizado do fazer, sob a forma de trabalho, se encontram outros dendo que a própria escola é o monumento no Corta-Braço, na Cidade da Bahia, para o povo baiano.
grandes murais de obras de arte. Mário Cravo ocupa o outro lado do galpão, com monumentais
figuras humanas em músculos, guerreiros de lança. Sua presença também se encontra na delicadeza “Passem de longe, bondes, ônibus, rios de aço do tráfego
do traço de uma linha de empinar papagaios e arraias, do brincar, justamente em um dos prédios de Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Escola-classe, ou seja, de formalização do ato de aprendizagem. Caribé retorna em outra Escola
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
Classe, para mostrar, num mural em que a forma é quebrada e reconstruída, o paredão da encosta garanto que uma flor nasceu”.7
de Salvador ocupado pelo homem, o Forte de São Marcelo, os saveiros e o elevador Lacerda. Outros
grandes painéis mostram o semiárido, os homens que nele habitam e o desejo de transformação do
REFERÊNCIAS
Nordeste brasileiro. Sementes germinando, fornos moldando novas formas, escondendo e revelando
novos símbolos, nos trabalhos de Jenner Augusto.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Fazendeiro do Ar. In:______. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro:
Aguillar, [19-?], p. 318-319.
O modernismo na concepção dos prédios vai-se aprofundando, aperfeiçoando, para dar conta do
projeto pedagógico que ali se construía: teatro, dança, música, em um espaço para 500 pessoas, em
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. A Flor e a Náusea. In:______. A rosa do povo. Rio de Ja-
que o vento circula sem obstáculos; o brincar , presente no aprendizado das formas de usar o corpo,
neiro: Aguillar, 1983, p. 161-162.
nos jogos infantis; o anfiteatro ao ar livre. Estão também presentes, além do cuidado com as cri-
anças que por ali iriam circular em grande número, numa previsão de 2.000 por turno, consultórios
ÉBOLI, Terezinha. Uma escola diferente. INEP: Governo Federal, 1969.
de médicos e dentistas, banheiros que permitiam o banho, após as atividades físicas, refeitórios, em
que merendas e almoços eram servidos, sem a militarização das grandes filas; a padaria, em que se
MENEZES, Jaci Maria Ferraz de; FIALHO, Nádia. Modernidades Tardias e Educação na Bahia. In:
aprendia a fazer o pão, que, no fim do dia, se levava para casa, para ser compartilhado com os irmãos
MENEZES, Jaci; SANTANA, Elizabete, LOMBARDI, José Claudinei. REPÚBLICA NA BAHIA:
e pais, que lá estavam. Havia, além disso, a emissora de rádio, o correio, entre as muitas atividades de
Tensões e conflitos. Campinas: Átomo e Alínea. p. 73- 90, (no prelo).
socialização. Também ao ar livre, o grande espaço para o viver quotidiano, na época sem pavimen-
tação, onde os meninos da escola e do bairro iam jogar “baba”, livremente, ou conversar, sentados à
TEIXEIRA Anísio. O Centro Educacional Carneiro Ribeiro. In:______. Revista Brasileira de Estudos
sombra das mangueiras.
Pedagógicos. INEP, n. 73, jan-mar 1959. p. 78 -84. (Discurso de inauguração).
Na biblioteca, onde livros didáticos se somam a livros de estórias e de literatura, se realizava uma das
primeiras atividades do dia: a “contação” de estórias, lidas, discutidas e interpretadas com os meninos
por professoras e bibliotecárias. Concebida por Diógenes Rebouças, inteiramente cercada por vidros, 6
Em conversa informal, por telefone, com o filho de Diógenes Rebouças, a autora soube que o prédio da Biblioteca tinha
nela a luz entra por todos os lados e pelo teto. O concreto, dobrado como papelão nas aulas de car- a forma de uma rosa.
tonagem, forma o teto, em duas ordens abertas, que também deixam a luz entrar. Vista de cima, a 7
ANDRADE, Carlos Drummond de, A Flor e a Náusea, in A Rosa do Povo, 1945, p. 161, 162.

74 75
Anísio Teixeira e o projeto
educacional do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro (CECR)
Zélia Bastos*

A Escola Nova ou Escola Ativa, também conhecida como Escola Progressiva, foi um movimento
de renovação educacional surgido na Europa, no século XIX, que teve como um dos fundadores o
suíço Adolphe Ferrière. Na América, o filósofo John Dewey foi o responsável pela transformação e
mudanças políticas, sociais e econômicas, dadas às condições de atraso na educação. No Brasil, em
1882, surgiram com o baiano Rui Barbosa os primeiros ensaios sobre a Escola Nova, mas, somente
em 1920, ele teria influência maior. Após doze anos, foi lançado no Brasil o Manifesto dos Pioneiros
da Escola Nova.

Em 1932, um grupo de intelectuais pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre
seus vinte e seis signatários estavam: o sociólogo Fernando de Azevedo, o Professor Lourenço Filho
e o baiano Anísio Teixeira – mentor, reformador da educação e criador de duas universidades, ambas
fechadas por regimes de exceção, em períodos diferentes: uma, no Estado Novo e outra, na ditadura
militar de 1964.

Anísio Teixeira era humanista, de formação jesuítica, sem definição religiosa, talvez pela dualidade e
contrastes observados nas três viagens realizadas aos Estados Unidos. A primeira, em 1927, quando
ainda era Diretor Geral de Ensino na Bahia, no governo de Góes Calmon, comissionado por Lei
para “estudos de organização escolar,” a fim de estudar os fundamentos de educação na América, de
onde colhera ideias que iriam auxiliá-lo nas reformas da educação baiana. As demais viagens foram
realizadas entre 1928 a 1929, permanecendo por dez meses, quando fez curso de Mestrado e obteve
o grau como Master of Arts no Teachers College.

Na América do Norte, Anísio Teixeira conheceu o sistema Platoon, solução prática e funcional para a

* Especialista em Arte e Patrimônio Cultural pela Faculdade São Bento da Bahia. Graduada em Biologia pela UCSAL.
Autora do livro Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma experiência de tempo integral. Foi pesquisadora em buscas
documentais no Museu Carlos Costa Pinto, professora da UFBA pelo Departamento de Antropologia, Analista Cultural da
FUNCEB e Diretora da Fundação Anísio Teixeira (2002/2007).

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educação – o tempo e a simultaneidade do uso, ou seja, a diversificação curricular, o rodízio de alunos Ao projeto foi dada a forma; faltava à estrutura. Assim, constituída a equipe por Diógenes Rebouças
entre as escolas com disciplinas básicas e complementares. “[...] é uma escola elementar que funciona e Hélio de Queiroz Duarte, arquitetos, Francisco Theodoro Pereira das Neves, engenheiro, e com
em dous grupos, em determinado tempo, matérias fundamentais, enquanto o outro se ocupa com as os projetos encomendados ao Escritório de Arquitetura Paulo de Assis Ribeiro, Anísio Teixeira dis-
matérias especiais”. (TEIXEIRA, 1928, p. 149) punha dos elementos necessários para iniciar o projeto com a abordagem técnica e conceitual mo-
derna, de acordo com sua convicção de educação popular e universal (figura 01).
O avanço educacional, a industrialização e a influência filosófica do pedagogo John Dewey em sua
trajetória de vida aplicada ao Brasil, tornou-o apóstolo da educação. Essas ideias fervilharam e mo- O Governador, ao visitar bairros e hospitais com o Secretário da Educação e Saúde, conheceu de
tivaram o educador baiano não a transplantar o sistema, mas a adaptar o Platoon no Rio de Janeiro. perto a população, em termos de assistência, e deparou-se com um quadro crítico. Havia falência por
Trinta anos mais tarde, com a experiência do Rio de Janeiro, Anísio Teixeira cria o singular projeto vários motivos, e logo se evidenciaram as crianças do bairro da Liberdade, em número e em aban-
Escola de Tempo Integral, na Bahia, exemplo que serviu para todo o país, a fim de recuperar o atraso dono. Em seu discurso de inauguração do CECR, Anísio Teixeira declarou:
educacional brasileiro. A educação deveria ser para todos. Em entrevista a Odorico Tavares, pelo
jornal Diário de Notícias, Anísio Teixeira falou sobre o tema como prioridade número um para a Recordo-me que a construção deste Centro resultou de uma ordem de V.Ex.ª, certa vez
educação. Ele relatou seus propósitos: “Trouxe, de meus cursos universitários na Europa e América, que se examinava o problema da chamada infância abandonada. Tive, então, oportuni-
dade de ponderar que, entre nós, quase toda a infância, com exceção de filhos de famílias
não somente esta paz espiritual, mas um programa de luta pela educação no Brasil.” (TEIXEIRA,
abastadas, podia ser considerada abandonada. (Conferência Nacional de Educação, 1967
1960 p.31). p.381).

Ao assumir o governo da Bahia 1947-1951, Octávio Mangabeira escolheu para ser Secretário da Muito trabalho antecedeu à criação desse centro educacional. Anísio Teixeira solicitou ao sociólogo
Educação e Saúde o educador Anísio Teixeira. Com larga experiência, como pedagogo, em reformas norte-americano Charles Wagley e sua equipe um levantamento das questões sociais, econômicas,
do sistema educacional brasileiro, e pela permanência nos postos de liderança e chefia que ocupou, de moradia e graus de desnutrição, de higiene e de saúde, para que pudesse ter um quadro real
permitiu a concretização de suas ideias, embora estivesse afastado das funções públicas há dez anos, dessa classe crescente nos bairros periféricos de Salvador. Assim, obteve o quadro da situação socio-
por motivos políticos, exílios e demissões. Nesse longo hiato, atuou na iniciativa privada, envolvido econômica baiana para a implantação do plano inovador e de restauração da escola primária.
com um grande projeto industrial para o manganês, recém-descoberto no Amapá. Porém, desiste
do intento e obedece a sua voz interior, a vocacional e a de homem público, para servir na sua terra. Assim, no período entre 1947 e 1950 - tempo em que ocorrem mudanças na arquitetura urbanística
e educacional na Bahia -, pôs em prática o plano de edificações escolares que havia pensado para
Foi quando elaborou o Plano Estadual de Educação Escolar, que consistia num grandioso projeto de resolver os problemas já identificados na Bahia, quando Diretor de Instrução:
estruturação e planejamento nas construções escolares, unindo arte e arquitetura inovadora, contem-
plando a escola primária de tempo integral, universal e gratuita, em contraste com a simplificação da Tracejei, então, o plano deste Centro, que V..Ex.ª [o governador] ordenou fosse ime-
política educacional tão destrutiva. Anísio Teixeira foi autor da tese “Autonomia para a educação”, diatamente iniciado. A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução,
incluída na Constituição Baiana de 1947, segundo a qual quem dirigia a educação era o Conselho propriamente dita, ou seja da escola ativa. No setor de instrução, manter-se-ia o trabalho
Estadual de Educação e Cultura, e, não, o Secretário Estadual da Educação e Saúde. Vigorou por convencional de classe, o ensino de leitura escrita e aritmética e mais as ciências físicas e
sociais e no setor educação – as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho
um curto período. Interesses contrários impediram esta contribuição inédita no cenário educacional.
manual e as artes industriais e a educação física. Tinha o propósito de construir unidades
Houve outra tentativa em 1962, mas durou pouco.
para o ensino primário e Centros Regionais de Educação no interior do Estado e escolas
de ensino integral na capital. (III Conferência Nacional de Educação p.381).

Anísio Teixeira, então Secretário da Educação e Saúde, anunciou algo de novo e antecipou-se na
criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), que compreende Escolas- classe e Escola
Parque. A década de 1940 foi um período difícil para o Brasil, marcado por profundas transforma-
ções das atividades humanas.

É fato que a crise educacional se afirmou cada vez mais devido às velhas e tradicionais metodologias
de ensino e aos poderes constituídos, em contraste com a modernização das concepções e funda-
mentações filosóficas da educação. Por isso, a construção da Escola Parque iniciou-se quase ao apagar
das luzes das suas atividades no governo de Octávio Mangabeira, pois exigiu muito investimento,
reformulação de currículos, métodos e objetivos, para a escola primária atingir seus objetivos. O
fragmento da carta escrita por ele a Hélio de Queiroz Duarte é quase um apelo e descreve a situação

78 79

Figura 01
vivida naquele período: Centro Educacional Carneiro Ribeiro”. (REBOUÇAS; GONÇALVES FILHO, 1985. p. 239).

[...] Vi-me forçado, diante da dificuldade de toda ordem do plano da Escola Parque e do Devido à precária situação quantitativa da educação escolar, fez ele este comentário: “Em mil cri-
terreno, a apelar para Diógenes e perguntar-lhe se não queria ele me salvar da pequenina, anças em idade escolar, apenas duzentas frequentam alguma escola; apenas trinta concluem o curso
mas ridícula tragédia de terminar o meu período não somente sem haver construído a Es-
primário elementar; apenas sete obtêm alguma educação secundária; e apenas duas tem os benefícios
cola Parque, mas sem projeto sequer para iniciar a construção [...]. (DUARTE, 1951. p.5)
da educação superior.” (TEIXEIRA, 1960, p.32). Era esse o problema da educação na Bahia, a expan-
são do sistema educacional. Fez ainda uma análise dos aspectos qualitativos, finalidades, currículos,
As primeiras dificuldades enfrentadas para confirmar a proposta da Escola Parque como uma política
informação, formação e participação ativa da criança na escola.
pública para o ensino básico no Brasil foi a aquisição do terreno - onde funcionava um estábulo - e os
trâmites com o Estado, para efetivar a compra. No final, essas questões foram solucionadas, porém
Com os exemplos citados, observamos a resistência na aceitação de novas ideias e de mudanças em
surgiram críticas sobre os custos: de excêntrico a estapafúrdio, foram as referências ao projeto da
qualquer segmento social, além dos entraves políticos, que foram muitos. As propostas de Anísio
construção do CECR, antes de ser concluído.
Teixeira não somente eram inovadoras e pioneiras, como também vanguardistas e exequíveis, mas
produziram críticas e desconfiança em relação ao jovem educador, sobretudo à oposição, que o julga-
Às críticas sobre o custo respondeu: “[...] É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos
va sem fundamentos didáticos e sem discussões. Agiam através da imprensa ou por titulares do poder
a que visa. Não se pode fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata.” (BASTOS,
obsoleto. Pode-se dizer que Anísio Teixeira era aceito por poucos, admirado por outros, mas para um
1967. p. 27). Em outro trecho do seu discurso, fez referências aos custos: “Custará, não apenas os sete
grupo maior, ele incomodou, desestabilizou, por ter quebrado a rotina. Incluímos aí os reacionários,
mil contos que custaram estes três grupos escolares, mas alguns quinze mil mais.” (BASTOS, 2000. p.
os extremistas, os aristocratas, os oportunistas e os corruptos.
30). Para outros julgamentos do projeto como estapafúrdio e visionário, ele objetou:
O CECR era formado por três Escolas-Classe, inicialmente, com 12 salas de aula, onde se ministra-
Este Centro aparentemente visionário. Não é visionário, é modesto. O começo que hoje
inauguramos é modestíssimo: representa apenas um terço do que virá a ser o Centro vam o ensino comum, letras e ciências, e uma Escola Parque, com um conjunto de edifícios para as
completo. Além disto, será um centro apenas para 4.000 das 40.000 crianças que teremos, práticas educativas, atividades socializantes, artísticas, de educação física e de iniciação ao trabalho.
no mínimo, de abrigar nas escolas públicas desta nossa cidade. Deveremos possuir, e Essa escola abrigaria os previstos 4000 alunos, distribuídos em dois turnos. Os que frequentassem a
já não só este como mais 9 centros iguais a este. Tudo isso pode parecer absurdo, en- Escola-Classe pela manhã estariam na Escola Parque no turno oposto, completando o dia integral-
tretanto, muito mais absurdo será marcharmos para o caos, para a desagregação e para o mente.
desaparecimento. E de nada menos estamos ameaçados. (BASTOS, 2000. p. 30).
[...] predomina o sentido de atividade completa, com as suas fases de preparo e de con-
Diante das mudanças socioeconômicas ocorridas na Bahia, em seu discurso de inauguração parcial do sumação, devendo o aluno exercer em sua totalidade o senso de responsabilidade e ação
CECR, Anísio Teixeira deixou claro que aquele centro educacional não poderia ser apenas uma escola prática, seja no trabalho, que não é um exercício, mas a fatura de algo completo e de valor
de instrução em edifícios improvisados; muito menos uma escola de tempo parcial para abrigar mais utilitário, seja nos jogos e na recreação, seja nas atividades sociais, seja no teatro ou nas
salas de música e dança, seja na biblioteca, que não é só de estudo mas de leitura e de
alunos em seus turnos, sem buscar a complementação à educação. Seria uma escola de tempo integral,
fruição dos bens do espírito. (TEIXEIRA, 1967, p.130).
destinada a todas as classes sociais, e para essa escola se precisava de tudo: novo currículo, atividades
educativas integradas à vida da criança e um novo professor, dignamente remunerado.
Por ocasião da inauguração, três Escolas-classe situadas nos bairros circunvizinhos já estavam con-
Segundo Anísio Teixeira “Com efeito, o que chamamos de escola nova, não é mais do que a escola cluídas e distavam da Escola Parque cerca de 1,5km. Faltava ainda a construção das residências para
transformada, como se transformam todas as instituições humanas, à medida que lhes podemos apli- os alunos considerados carentes, os abandonados, mas nunca foram construídas.
car conhecimentos mais preciosos dos fins e dos meios a que se destinam (TEIXEIRA, 1967. p.25
-26).” Essas observações teriam sido as “Sugestões para reorganização progressiva do Sistema Edu- “Além... do valor estético e artístico, a inovadora e magnífica criatividade na época do educador
cacional Baiano, plano que não pôde realizar, por condições de viabilidade e autonomia de execução, Anísio Spínola Teixeira foi conjugar cultura artística com educação provando que há inter-relação e
levando Anísio Teixeira a se demitir do cargo que ocupava, em 1929”. não há dissociação”. (JORNAL A TARDE, 1989). Diante da grandiosidade e do significado que era
atender à população de baixa renda, às crianças sem assistência não faltaram reportagens em revistas
O CECR quebrou cânones de várias ordens. Anísio Teixeira incomodou, ao assumir a responsabili- e jornais nacionais e do Exterior. Filmado várias vezes pela UNESCO, foi visitado por técnicos em
dade social, cultural e artística de um projeto grandioso e arrojado numa Bahia reacionária, que não educação, administração, representantes dos Estados Unidos e divulgado pela ONU, mas permane-
via com bons olhos a grandiosidade daquele Centro para o proletariado. Era a formação do cidadão ceu pouco conhecido na Bahia e no Brasil. Descaso? Desconsideração, desprezo?
ascendendo econômica e financeiramente no futuro. “Como Secretário, Anísio Teixeira participa dos
trabalhos do Plano Estadual de Edificação Escolar e, para a Cidade do Salvador, elabora projetos do Como o próprio Anísio Teixeira previu, quanto mais visibilidade o Centro (figura 02) tivesse, mais
despertaria o interesse dos oposicionistas em criticá-lo e mais dificultava o reconhecimento da obra.

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de Leonel Brizola e seu secretário, o antropólogo Darcy Ribeiro, criarem os Centros Integrados de
Educação Popular (CIEPs). E no ano de 2006, a Prefeita Marta Suplicy criou mais de 45 Centros
Educacionais Unificados (CEUs), todos tendo como referência o Centro Educacional Carneiro Ri-
beiro, uma experiência de tempo integral de educação.

É inconcebível que, no século XXI, tratem o CECR – Escola Parque – como apenas um nome e, não,
um conceito. Talvez sejam precisos mais uns cem anos, para que Anísio Teixeira seja lido, entendido,
reconhecido e respeitado. O CECR deveria estar incluído no roteiro cultural da Cidade do Salvador,
por ser obra única na América Latina, cujo projeto arquitetônico é consoante com o planejamento
Figura 02
educacional, por abrigar num só local, o conjunto de obras de arte produzido por artistas vanguardis-
tas na época e com técnicas variadas e por ter dado certo por mais de 25 anos, com diretores e pro-
Com o afastamento de Anísio Teixeira, as perseguições locais e nacionais ganharam força contra ele, fessores formados nas escolas baianas. Como disse o educador, criador da experiência educacional,
sobretudo as pressões sobre Carmen Spínola Teixeira, Diretora Geral, sobre os professores e sobre o Anísio Teixeira: “tudo foi feito com a prata da casa”.
Centro, diminuindo ou até mesmo cortando verbas, para que tudo desse errado.
REFERÊNCIAS
Desde 1964, com o golpe militar no País, começam as restrições ao Centro Educacional Carneiro
Ribeiro. Cortes de verbas de toda ordem. O primeiro ato do presidente Castelo Branco, para atingir o AZEVEDO, P. O. de. Por um Inventário do Patrimônio Cultural Brasileiro. Revista do Patrimônio
Centro foi sustar as verbas da merenda escolar, com a suspensão de três mil pães diários. A Diretora Histórico e Artístico Nacional, n. 22, p. 82-85, 1987.
Carmen Teixeira driblou esta barbárie e adquiriu uma panificadora elétrica, criando mais uma técnica
para resistir à tamanha atrocidade. Ela era a alma do Centro, executora das ideias do irmão-idealizador. BASTOS, Zélia. Anísio, o educador do ano 2000. A Tarde, Salvador, 12 jul. 1987.

Na terceira Conferência Nacional de Educação realizada no CECR - Escola Parque, 1967, Anísio BASTOS, Zélia. Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma experiência de educação integral em tempo
Teixeira, no seu discurso, previu o destino do CECR nos 20 anos seguintes, [...] este Centro está so- integral de atividades. Salvador: Cian Gráfica, 2000.
brevivendo, apesar de não faltarem ameaças [...] (JORNAL A TARDE, 1987). Em agosto de 1972, o
estado de arruinamento em diversos setores era latente. Em esquadrias, pisos, telhados, paredes, redes BASTOS, Zélia. Pioneirismo do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. A Tarde, Salvador, 7 jul. 1991.
hidráulicas e elétricas. Os prédios deterioravam-se e, muito pior, a filosofia se esvaía. A dispensa de 44 p. 6.
professores pelo Diretor do INEP, Coronel Ayrton de Carvalho Mattos, para contenção de despesas,
foi outro golpe contra a educação na Bahia. CATÁLOGO DE ARTES PLÁSTICAS. Museu Carlos Costa Pinto. Pesquisa e textos Zélia Bastos.
Salvador: BIGRAF, 1998.
Muitos desconhecem até hoje um Convênio com a UFBA assinado em 1972, cuja Cláusula III esta-
belece Estágios e Pesquisas, conforme anexo X: A UFBA poderá utilizar o CECR como campo de CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 8. reimp. São Paulo: Fundação Per-
estágio para alunos da Faculdade de Educação, bem como realizar pesquisas e experimentação edu- seu Abramo, 2010.
cacionais, convênio ainda em vigor, e nenhum educador fez uso dele.
CORRÊA, Mariza. A revolução dos normalistas. Caderno de Pesquisa, n. 66. São Paulo, ago. 1988.
Ao organizar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), Anísio Teixeira apostou em um
“espírito universitário” regendo essa instituição, ou seja, “um colégio de pessoas livres, imaginativas, COUTINHO, AFRÂNIO. et. all. Anísio em movimento. Fundação Anísio Teixeira. Salvador: [s.n.], 1992.
abertas, estudando e documentando sobre o problema brasileiro da educação”. Mas ele sabia que o
Brasil não tinha precedentes para isso, porque a universidade era uma peça da famosa “burocracia”. CRAVO Jr, Mário. Desenhos. Organização Claudius Portugal. Fazcultura. COPENE. Salvador: Carto-
Ele afirmou que a burocracia brasileira era uma ideologia, que “significa, sobretudo ação rígida, cen- graf, 1999. p. 120.
tralizada, contida, imposta de cima para baixo, com resultados conhecidos de toda ordem imposta:
liderança sem imaginação e, em baixo, passividade, apatia [...]” (TEIXEIRA apud LIMA, 1978, p. DUARTE, Hélio de Queiroz. Arquitetura Escolar, Habitat, nº 4, são Paulo, 1951.
193).
GERIBELLO, Wanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. São Paulo: Atlas
Alguns afirmam que a escola não deu certo, pois as demais escolas integrantes do projeto original não S.A., 1977.
foram concluídas na Capital Baiana, à exceção do CECR. Contudo, serviu de modelo para o governo

82 83
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As Ideias de
Anísio Teixeira hoje
Maria Inês Corrêa Marques*

A Educação como forma moderna: a Construção do CECR

A obra de Anísio Teixeira estende-se por diferentes campos do conhecimento e da vida em socie-
dade; contém análises verticais sobre educação e democracia, universidade e sociedade. Foi marcada
pelo desejo de superação dos grandes problemas educacionais brasileiros, revelando um projeto de
nação com centralidade na educação pública democrática e universal. Para Anísio Teixeira, o conser-
vadorismo político, econômico e de valores da elite dirigente originou-se do colonialismo português,
que impediu o desenvolvimento do País. Para mudar esse quadro, acreditava na educação, que se
tornou sua grande área de atuação, em todos os níveis. A sociedade brasileira teria direito a conviver
com a ciência e tecnologia, de usufruir de seus resultados e, para tanto, precisava aprender.

Anna Christina Teixeira, filha de Anísio Teixeira, na publicação comemorativa pelo seu Centenário de
Nascimento, mencionou um conjunto de preocupações que o acompanharam por toda a vida. Para
ele, “a experiência democrática só estaria concretizada quando, além do sistema de educação, se ti-
verem organizado, o sistema de pesquisa e o sistema de difusão do conhecimento.” (TEIXEIRA apud
SMOLKA; MENEZES, 2000, p. 8) Defendia atitude científica em todas as situações da vida e nos
diferentes níveis de escolaridade. Projetou a universidade, para ser um lugar de produção científica
que difundiria seus conhecimentos na sociedade.

Quando Anísio Teixeira compareceu à Assembleia Constituinte de 1947, na Bahia, para defender o
capítulo de Educação e Cultura, iniciou o discurso dizendo que quem recorresse à legislação do País
a respeito da educação, tudo encontraria. “Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e em nenhum
outro tão pouco se realizou. Não há como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir.”
(TEIXEIRA, 1992, p. 25). Cotejando o proclamado e o realizado, ao longo da História da Educação,

* Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Graduada em
História, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestra e Doutora em Educação pela UFBA, Pós-doutora
pela Universidade de Valladolid, Espanha. Pesquisa e publica sobre História da Educação, formação de professores, inter-
nacionalização da educação superior e educação e direitos humanos. Coordena Projeto de Extensão de Educação Quilom-
bola e de Iniciação à Docência em História, na UFBA.

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é possível dizer que hoje, também, estamos a nos repetir. Nesse discurso, ele deixa claro o impasse horários das refeições seriam de convivência e formação à mesa, para aprenderem sobre alimentação
entre o dito e o feito, a falta de decisão política, como decorrência da falta de formação para a vida nutritiva, aprendizagens que eles pudessem levar para toda a vida. Esse espaço deveria ser preparado
democrática que a educação oportuniza. Não queria a educação que domestica, mas aquela que forma para que as crianças recebessem seus pratos sem filas imensas e militarizadas. (REBOUÇAS, 1992)
homens livres e sadios. “Democracia é, literalmente, educação. [...] A educação é, portanto, não so-
mente a base da democracia, mas a própria justiça social.” (TEIXEIRA, 1992, p. 27) Focalizando essa preocupação de Anísio Teixeira sobre o refeitório e alimentação, comparando-o
com a situação e condições de oferta da merenda escolar da atualidade, a diferença é estarrecedora.
A universidade para Anísio Teixeira seria lugar da liberdade, da autonomia e democracia, um bem re- Filas imensas e militarizadas repetem-se pelo País, bem como os casos de intoxicação, em função da
publicano para servir ao desenvolvimento do País, formando jovens com habilidades e competências má qualidade do alimento oferecido às crianças. Para ele, o fornecimento de alimentação às crianças
para viverem o seu tempo. Auxiliou a consolidação da concepção universidade de ensino, pesquisa e que vão para escola sem comer, em razão da pobreza familiar, estava envolvido no conceito de quali-
extensão socialmente referenciada, livre e democrática, que foi assegurada pelos movimentos sociais dade na educação. O refeitório garantiria outra dinâmica escolar. No vídeo produzido pela TV Escola
na Constituição Brasileira de 1988. Hoje a universidade se pensa assim, um dos seus maiores legados. (MEC, 2009) sobre Anísio Teixeira, os personagens atestam, com suas histórias de vida, os efeitos da
concepção de educação e a inovação educacional que foi o turno integral.
As conjugações de esforços de homens públicos e acadêmicos baianos fizeram a diferença para con-
figurar a primeira universidade baiana, que se tornou modelo nacional reconhecido, entre 1946-1960, Nunca seria demais lembrar que, para Anísio Teixeira, o tipo de sociedade que adviria de crianças
a Universidade da Bahia (UBa), atual Universidade Federal da Bahia. Florestan Fernandes, Albino escolarizadas em turnos de quatro horas, não contempla um projeto de nação e ao direito à educação
Rubim, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire e muitos outros intelectuais e pesquisadores da educação re- de qualidade. A escola não será capaz de desenvolver atitudes, habilidades e competências, em horas
conheceram sua relação com a sociedade. Afirmam unanimemente ser impossível pensar a cultura rarefeitas de estudo. Ele esperava que todas as escolas prolongassem a jornada escolar. Suas propostas
brasileira no século XX, sem se voltar para a Bahia. Para Antônio Risério (apud MARQUES 2010, p. continuam absolutamente atuais:
139) “a sintonia da UBa com o contexto cultural nacional e internacional contribuiu para movimen-
tos como a Bossa Nova, Cinema Novo, Tropicália, dentre outros.” Edgard Santos e Anísio Teixeira [...] desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações,
compartilharam o princípio de que universidade é sociedade, defenderam uma formação articulando prepare realmente, a criança para sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma
ciências, cultura, humanidades e a diversificação das profissões. civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa, por estar em mutação per-
manente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não
ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. (TEIXEIRA apud
No seu projeto de sociedade, estava a formação de pessoas livres, autônomas e criativas, sem se
SERPA, 2000, p. 143)
perder de vista o lugar que o Brasil ocuparia futuramente no cenário internacional. A configuração
que Teixeira deu à educação baiana serviu de guia para outros reformadores estaduais e para o movi-
mento escolanovista. Na reforma do ensino de 1925, definiu com detalhes a gratuidade, obrigatorie- A inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que integrou educação e cultura, foi desti-
dade do ensino, projetou educação como sistema, uma ousadia. Essa ação educacional inovadora e nado às crianças dos bairros mais populosos e pobres da Capital, representando uma grande inovação
emancipatória seria para mudar a mentalidade subalterna do brasileiro, função precípua que atribuía educacional. O sucesso da experiência repercutiu positivamente na sociedade baiana, sendo conhe-
à escola pública e democrática. Anísio Teixeira foi um ardoroso defensor da educação e do sistema cida nacional e internacionalmente, tornando-se referência para outras experiências estaduais, todas
democrático. Naquele citado discurso de 1947, seu pensamento revela-se emblemático e irrefutável: interrompidas pelas políticas públicas.

Pretendia que a qualidade da educação fosse elevada pela valorização do professor, que deveria rece-
Falamos em Democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos.
Suspiramos pela Democracia, mas nunca lhe quisemos pagar o preço. O preço da de- ber formação e remuneração compatível com a dedicação ao ensino. Para tanto, propôs a criação de
mocracia é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, fundos, que se tornaram realidade. O mais recente deles é o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos. E por que não mento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), com essa e
a tivemos? outras finalidades. Os intelectuais que o admiravam e partilhavam de seus ideais reconheceram que
- Porque força é insistir, jamais fizemos da educação serviço fundamental da República. o pensamento educacional e a gestão pública da educação brasileira foram renovados por ele. Todos
(TEIXEIRA, 1992, p. 28)
têm um aspecto peculiar a contar sobre seu modo de ser, atuar, convencer, em prol da educação.

Diógenes Rebouças, arquiteto e urbanista, que traduziu arquitetonicamente o sonho de uma Escola
Anísio Teixeira foi, mais uma vez, convocado, agora para o Plano Nacional da Educação, aprovado
Parque para a formação integral e integrada das crianças, em 1947, afirmou em depoimento que cada
em 2014. No histórico e nos fundamentos para a implantação de turnos integrais, ele figura com
pedido do Secretário era seguido de uma justificativa em forma de lição. Seu pensamento holístico so-
centralidade, para justificar a política pública que pretende prolongar a presença das crianças na
bre a educação o levou a pensar detalhes que o arquiteto precisou responder com soluções. Assim foi
escola. A previsão é atingir 50% das escolas da educação básica, no País, uma aspiração tímida, que,
quando solicitou o refeitório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Segundo Anísio Teixeira, os
provavelmente, ele iria criticar.

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O PORVIR ANISIANO Analisando seu pensamento nesse Estudo, é possível inferir que ele preferiria ser esquecido com rea-
lizações a ser lembrado por não ter concretizado suas ideias. Provavelmente, Anísio Teixeira gostaria
Na sua trajetória de vida pública, ocorreram inúmeras contendas entre ele e grupos políticos, econômi- que, nesta segunda década do século XXI, o seu projeto de educação pública, gratuita, democrática,
cos e religiosos. Foi acusado de liberal pelos católicos, de comunista pelas ditaduras, de americanista libertadora, tivesse se completado, porém grande parte dele é porvir.
pelos comunistas, de idealista pelos realistas, de subversivo pelos privatistas. Hoje, observa-se o en-
sino de uma nova história da educação em que ele figura como aquele que pensou o Brasil e quis o REFERÊNCIAS
melhor para o seu povo. O que mais surpreende no retorno ao legado anisiano é o caráter de perma-
nente atualidade de suas obras. “Torna-se hoje imprescindível demonstrá-las às novas gerações como BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Anísio Teixeira: educação não é privilégio.
um gesto de aposta na revalorização da política e da educação.” (NUNES, 2000, p. 99). TV ESCOLA. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0afRAb9s9AM>. Acesso em:
junho de 2014.
A atualidade da obra de Anísio Teixeira evidencia-se quando tomamos qualquer parte de seu pensa-
mento, que foi registrado em diferentes momentos, discursos, livros e documentos imagéticos. Foi MARQUES, Maria Inês Corrêa. UFBA na memória: 1946-2006. Salvador: EDUFBA, 2010.
um homem que transcendeu seu tempo, viu adiante questões essenciais para a sociedade brasileira e
projetou soluções. Seguramente, todo estudante do campo educacional já conheceu aspectos do seu NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a luta pela escola primária pública no país. In: SMOLKA, Ana Luiza;
legado. No entanto, ainda há muito a descobrir sobre ele e seus propósitos. Para cada problema da MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em educação. Campinas, São
vida educacional, ele apresentou teorizações claras; seu objetivo era conquistar aliados. Para tanto, Paulo: Autores Associados; Bragança Paulista, São Paulo: Universidade São Francisco, 2000. p. 107-
utilizava argumentos claros e bem fundados, que convenceram e incomodaram. 127. (Memória da Educação).

A população brasileira continua perseguindo o direito fundamental à educação, que é um dos serviços ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Edu-
essenciais da República. Em 2014, o Brasil figura em oitavo lugar, numa lista de 150 países com os cations at a glance 2013. Disponível em: <http://www.oecd.org/edu/Brazil_EAG2013%20Coun-
mais altos índices de analfabetismo no mundo, segundo relatório da Organização das Nações Unidas try%20Note%20(PORT).pdf>. Acesso em: junho de 2014.
(ONU). Em 2015, está previsto que ele ocupe a quinta posição entre os países mais ricos do mundo,
segundo a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE, 2013). Riqueza e ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA.
analfabetismo, um paradoxo que é também uma primeira evidência da profundidade e pertinência das Teaching and Learning: Achieving Quality for All; EFA Global Monitoring Report, 2013; Summary.
análises de Anísio Teixeira, o que torna seu discurso gravemente atual. Dizia a todos, principalmente Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002256/225654POR.pdf>. Acesso em:
aos dirigentes: “A educação é cara, tem de custar muito dinheiro, porque é somente com a educação junho de 2014.
que nós podemos construir o Brasil e fazer dele o grande país que desejamos”. (TAVARES, 1992, p.
162). ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Edu-
cations at a glance 2013. Disponível em: <http://www.oecd.org/edu/Brazil_EAG2013%20Coun-
Segundo o Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura try%20Note%20(PORT).pdf>. Acesso em: junho de 2014.
(UNESCO, 2014) sobre a educação global, há um compromisso firmado entre os países na ONU,
visando garantir educação básica de qualidade para todos, até 2015. Essa meta está comprometida no REBOUÇAS, Diógenes. Depoimento de Diógenes Rebouças. In: ROCHA, João Augusto de Lima
Brasil. Dos 150 signatários analisados, o Brasil é o oitavo país com o maior número de analfabetos et al. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e cultura no Brasil.
e oferta educação de baixa qualidade. No citado relatório, uma antiga meta de Anísio Teixeira ainda Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p. 147-154.
é utopia: garantir educação para todos, qualificar e remunerar os docentes e conseguir que todas as
crianças tenham uma escola de qualidade. SERPA, Luis Felippe Perret. Escola Parque, na visão de Anísio Teixeira.In: SMOLKA, Ana Luiza;
MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em educação. Campinas, SP:
É unânime o reconhecimento da capacidade empreendedora e criativa de Anísio Teixeira, aquele Autores Associados. Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2000. p. 141-160. (Memória
que transformou ideias em realidade. Jurista, legislador, administrador, acadêmico, professor, que da Educação).
defendeu contundentemente a democracia, o respeito à coisa pública e educação como prioridades
nacionais. Suas posições causaram incômodos em diferentes momentos da história política e social SMOLKA, Ana Luiza; MENEZES, Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000: provocações em edu-
brasileira. Na sua trajetória de vida pública, ocorreram inúmeras contendas entre ele e grupos políti- cação. Campinas, SP: Autores Associados. Bragança Paulista, SP: Universidade São Francisco, 2000.
cos, econômicos e religiosos. Foi acusado de liberal pelos católicos, de comunista pelas ditaduras, de (Memória da Educação).
americanista pelos comunistas, de idealista pelos realistas, de subversivo pelos privatistas. Todos, de
algum modo, tentaram relegar Anísio Teixeira ao esquecimento. TAVARES, Luis Henrique Dias. Depoimento de Luis Henrique Dias Tavares. In: ROCHA, João

90 91
Augusto de Lima et al. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e
cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p. 155-163.

TEIXEIRA, Anísio. Autonomia para a educação na Bahia: discurso proferido na Assembléia Con-
stituinte da Bahia em 1947. In: ROCHA, João Augusto de Lima et al. Anísio em movimento: a vida e as
lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira,
1992. p. 25-44.

______. Valores proclamados e valores reais nas instituições escolares brasileiras. In: BRASIL.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Educação no Brasil: textos selecionados. Brasília, DF,
1976. p. 7-115.

92 93
A EDUCAÇÃO COMO
FORMA MODERNA:
A CONSTRUÇÃO DO CECR

94 95
O Projeto Arquitetônico
Paulo Roberto Pinheiro Nunes*

A Escola Parque, pertencente ao Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) foi, entre as muitas
realizações de Anísio Teixeira, a que alcançou maior repercussão no Brasil e em outros países. Ape-
sar de ter sido construída em 1947, ainda hoje é reconhecida como resultado de uma das melhores
concepções pedagógicas do Brasil, que serviu de matriz para experiências posteriores. Anísio Teixeira
quebrou paradigmas com relação ao ensino tradicional da época, porque concebia a educação de uma
maneira global, para a formação dos indivíduos em verdadeiros cidadãos, devidamente integrados à
sociedade e que seriam capazes de lutar pela transformação da sua própria realidade. No processo
de educar, eram considerados vários fatores, sendo fundamentais a formação dos professores, assim
como a saúde e a boa alimentação dos alunos, além de instalações adequadas para cada tipo de ativi-
dade a ser desenvolvida. Para garantir um melhor aprendizado, era necessário combinar as atividades
manuais e intelectuais, de forma a se atender ao corpo e ao espírito, respeitando o desejo e as aptidões
de cada aluno.

Era necessário um terreno que oferecesse uma boa ventilação e irradiação solar constante, que pos-
suísse árvores de porte, preferencialmente frutíferas, e uma topografia não muito acidentada e um
espaço generoso para permitir construções adequadas a uma boa educação. Foi então escolhido um
terreno no bairro pobre da Caixa D’Água, com uma área de 42.000 m². O CECR foi assim implan-
tado, obedecendo à topografia do terreno, que apresenta uma relativa declividade, no sentido longi-
tudinal (Sul-Norte) e uma menor depressão do lado leste. Todo o terreno está atualmente murado,
com sua área bem definida, inteiramente envolvida por construções contemporâneas, predominando
o uso residencial do bairro. Está recuado, em relação à Rua Saldanha Marinho, que é o único acesso
à Escola.

A PORTARIA, que foi inserida posteriormente, está instalada em uma faixa estreita, onde o ter-
reno ficou afunilado, entre jardins e o pátio de manobra de veículos. Posteriormente foi instalada, ao
lado do estacionamento, uma cobertura horizontal, junto ao muro do lado oeste, para passagem dos
professores e visitantes, que interliga o primeiro pátio coberto e articula os dois primeiros edi-fícios.

* Especializado em Restauração e Conservação de Monumentos e Conjuntos Históricos pela UFPE. MBA em Gestão
Ambiental pela Escola de Engenharia de Agrimensura. Arquiteto do IPAC.

96 97
Passando o portão principal, foi instalado um segundo portão, que controla a entrada e saída dos tários e demais departamentos auxiliares. Os espaços centrais funcionam com uma pequena praça
alunos, dando acesso às áreas livres e a todo o Conjunto. Os prédios foram distribuídos em volta da interna, ladeada por pergolados, que, juntamente com o telhado à vista, quebra a rigidez espacial do
grande praça central, (F2), que serve de articulação entre todos os demais equipamentos escolares, prolongamento do corredor lateral. O piso é também de ladrilho hidráulico, mudando para concreto
além de servir como espaço de recreio e de integração dos alunos. Uma pequena parte do terreno, apenas nas extremidades onde estão as escadas de acesso aos pátios cobertos de articulação. A facha-
onde há uma maior concentração de árvores de porte, foi parcialmente ocupada por jardins, canteiros da desse bloco é bem mais simples: é constituída por uma sucessão de panos de cobogós formados
com bancos e uma pequena área, para parque infantil (F3). O restante da praça retangular é formado por pequenos orifícios inclinados para o lado de fora, a fim de garantir uma ventilação constante e
por um grande pátio reticulado, marcado por pisos de concreto britado e paralelepípedos. A presença evitar a penetração das águas pluviais. No centro de cada painel foi assentada uma placa de vidro liso
da grande praça poderia ter sido inspirada nas nossas heranças culturais dos portugueses e, sobre- e transparente, em caixilho de concreto, que ultrapassa os paramentos interno e externo da parede
tudo, dos espanhóis, que deixaram bons exemplos. Mas convém ressaltar que o arquiteto Diógenes externa, dando a ideia de um quadro, mas cuja função é proporcionar iluminação externa e a visão do
Rebouças soube, com muita propriedade, definir o partido arquitetônico do Conjunto, adaptando o exterior. Na cobertura, predominam as vigas-calhas longitudinais, apoiadas em pilares e nas paredes
programa ao terreno e à topografia, garantindo uma boa funcionalidade. externas.

Do lado oeste da praça foram construídos três blocos isolados, porém articulados através de pátios No terceiro bloco o espaço relativo à continuação do corredor lateral é ocupado pelo RE-
cobertos com lajes planas de concreto armado, onde estão instalados os setores de Informática, o FEITÓRIO, separado da ESCOLA-COZINHA, pelo longo balcão longitudinal. As mesas coletivas
setor da Administração e o Refeitório, acoplado à cozinha. Do lado oposto à praça, ou seja, do lado foram dispostas de forma perpendicular à circulação e ao balcão, facilitando o acesso dos usuários,
leste, foram construídos a biblioteca, o teatro, o anfiteatro e o ginásio de esportes, com uma quadra que entram pela porta de frente e saem pela porta posterior. A maioria dos balcões da co-zinha tem
poliesportiva. Do lado norte, a praça termina com outra quadra poliesportiva e com o pavilhão de a mesma disposição, que permite uma visão de todas as etapas do processo de preparação dos ali-
artes, tendo, ao fundo, o núcleo de jardinagem. Os três blocos do lado oeste formam um pavilhão mentos, exceto das salas dos instrutores, das aulas de nutrição, do armazenamento de alimentos e dos
longitudinal, com dimensões e características próprias, resultando em um conjunto bem articulado, sanitários. O piso original foi substituído por concreto de alta resistência. Todos os espaços recebem
através dos dois pátios cobertos, possuindo também duas saídas laterais nos dois últimos blocos. bastante luz natural, de um lado, pela sucessão de basculantes e, do outro lado, pelos amplos caixilhos
As coberturas são formadas por trechos de lajes inclinadas e vigas de concreto fazendo o papel de de vidros, sobre um parapeito de tijolinho aparente. Na parte superior, os caixilhos de venezianas
pequenas tesouras, que, por sua vez, suportam as telhas onduladas de cimento amianto, com cumeeira facilitam a ventilação, vinda do nascente. E a composição de vigas utilizadas no primeiro bloco se
central, que jogam as águas pluviais nas calhas de concreto em forma de V, apoiadas em pilares ligei- repete na estética e na função, por fazer o papel de um beiral. Em parte do subsolo da cozinha, com
ramente inclinados e nas paredes laterais. Na cobertura do primeiro e terceiro blocos, que possuem acesso pela área oeste aberta (onde foi construída a torre da caixa d’água), existem salas, onde fun-
as mesmas larguras, as calhas foram colocadas de forma transversal ao bloco. Entretanto, no bloco cionam cursos profissionalizantes, como: salão de beleza, para aulas de cabeleireiro e maquiagem;
do meio, as calhas estão em sentido contrário, de posição longitudinal ao bloco. Pelo fato de os blo- padaria e confeitaria, com sala de apoio ao fundo, e uma sala para material escolar. Na sequência, um
cos terem acompanhado a topografia, o piso do primeiro bloco termina com aproximadamente 1 m conjunto de sanitários e uma sala mais ampla, destinada a cursos de Serigrafia, preparação de faixas,
acima do solo, e o piso do segundo bloco, com cerca de 1,50m., permitindo, assim, que as coberturas letreiros e produção de moda. O tratamento da fachada principal é o mesmo do primeiro bloco, in-
fiquem quase niveladas, dando a impressão de telhados planos. Em termos tipológicos e de utilização cluindo a cobertura, com vigas-calhas transversais.
dos espaços criados, todos os blocos possuem plantas com corredores laterais, paralelos às fachadas
voltadas para a praça e para o nascente, permitindo uma boa visão das áreas verdes. As salas de aula A BIBLIOTECA foi implantada numa área plana, no início do lado leste, envolvida pelo verde das
e demais dependências ficam do lado oposto. árvores e pelo colorido de alguns jardins. Possui uma forma circular com 395,70 m² de área, 11,90m.
de raio e 114,37 m² correspondentes à área do trapézio que intercepta lateralmente o círculo no lado
O primeiro bloco, que foi construído para abrigar outras funções, depois da reforma de 2003, leste. Em função do pé direito duplo, no centro, foi construída uma escada helicoidal que dá acesso
foi transformado em NÚCLEO DE INFORMÁTICA, com seis salas com computadores, todas cli- ao mezanino, onde fica a Sala da Diretoria, com alguns livros raros, permitindo um domínio visual
matizadas com ar-condicionado, além da Sala da Coordenação, ao final do corredor. O piso interno do Conjunto. A estrutura das divisórias externas em círculo é metálica, assim como a das esquadrias,
de ladrilho hidráulico sextavado amarelo foi mantido. A fachada é marcada por uma interessante exceto as venezianas, que são de madeira e as placas, de vidro, que permitem a visibilidade e uma
composição, formada por dois tipos de módulos que se alternam. O primeiro módulo é formado perfeita interação com a natureza. A única porta de entrada está localizada ao norte da praça, tendo
por dois pilares inclinados que nascem no mesmo ponto do passeio frontal, formando o desenho da do lado oposto duas baterias de sanitários, limitadas por paredes. O balcão de atendimento também
letra V. Esses pilares sobem até encontrarem as pernas das vigas inclinadas, formando outro pequeno é circular, situado em volta do mezanino, separando perfeitamente a área dos funcionários da área
v invertido, à guisa de um beiral em balanço e fechando com a forma de um losango alongado. Tais do público. A maioria das estantes de livros está disposta perpendicularmente à parede circular. As
figuras se alternam com a outra forma mais aberta, dando maior movimento ao Conjunto. cadeiras e mesas para consultas estão bem localizadas, permitindo uma razoável circulação. O espaço
do trapézio lateral fica no nível um pouco mais baixo, cujo acesso se dá por escada, passando por um
O segundo bloco, destinado à ADMINISTRAÇÃO, possui onze espaços internos, na sua balcão de controle. O espaço é destinado a um miniauditório, para exposições, palestras e projeção de
maioria com divisórias de madeira, onde funcionam salas de professores, secretaria, diretoria, sani- vídeos. Junto ao controle, foram instalados alguns computadores para consulta dos usuários, alunos

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PLANTA DE SITUAÇÃO DA ESCOLA PARQUE
Localização dos equipamentos existentes

01

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01 - Portaria atual
02 - Parque Infantil 10 12
03 - Administração / Diretoria 13
04 - Refeitório / Escola-Cozinha
03 05 - Oficinas Salão de Beleza, Padaria, 09
Confeitaria
06 - Núcleo de Informática
07 - Praça Central
08 - Administração (interior)
09 - Biblioteca
10 - Anfiteatro
11 - Núcleo de Artes Visuais (Oficinas
de Trabalho)
12 - Ginásio de Esportes
13 - Teatro
14 - Núcleo de Jardinagem (Horta)
03 15 - Núcleo de Atividades de Altas 09
Habilidades

100 101

04 05 06 04 07 08
e moradores cadastrados. Logo em seguida, existe um espaço destinado à biblioteca infantil. A cobe- vigas de sustentação, espaçadas a cada 5,00 m., vão tocar o solo do lado externo do galpão, passando
rtura é constituída de painéis dobrados de concreto armado, de forma semicônica, apoiados em um a ficar à vista. O espaço interno que abriga a quadra poliesportiva possui 1.778,56 m2. O acesso ao
único pilar central (em forma de sombrinha invertida) e nas bordas do circulo externo, constituídas ginásio é feito pelo portão da frente, voltado para a praça, e pelo portão oposto, com acesso por uma
pelos mesmos tipos de painéis dobrados. Tal composição permitiu iluminação zenital, através das interessante escada de concreto que se interliga com o corredor do subsolo. Esse corredor coberto
esquadrias de vidro existentes entre a junção de alguns painéis, montados com bastante criatividade, dá acesso às duas grandes baterias de sanitários, com chuveiros e vestiários, dotados de armários indi-
resultando numa obra de grande plasticidade. A biblioteca foi concluída em 1961, e o seu projeto foi viduais. Entre os sanitários masculino e feminino ficam as salas dos professores e salas para diversos
considerado o projeto mais sofisticado de Diógenes Rebouças, reconhecido até mesmo como obra- tipos de modalidades esportivas e educação física. Sobre a cobertura de telhas planas e onduladas
prima. existe um corpo elevado alongado, tipo shed, que passa no centro do telhado, paralelo ao alinhamento
da praça, possibilitando uma ventilação e iluminação zenital através de caixilhos de veneziana e vidro,
O TEATRO é constituído por uma imponente edificação e foi implantado à meia-encosta do lado e essa solução se repete nas paredes de vedação da quadra. Portanto, trata-se de um grande equipa-
leste, o que permitiu a sua construção em quatro diferentes níveis. Possui a forma da união de dois mento dotado de boa infraestrutura, capaz de atender plenamente à sua população estudantil. Na área
trapézios invertidos, de diferentes proporções. O primeiro corresponde à entrada, um grande hall e a contígua, no nível mais abaixo, existe outra quadra poliesportiva descoberta.
alguns serviços, no térreo e no subsolo. O segundo trapézio, com a maior planta baixa, corresponde
ao auditório, palco e salas de cursos de Música e Dança. A entrada, voltada para a praça, é feita por O NÚCLEO DE ARTES VISUAIS ou Setor de Trabalho, como foi originalmente cria-
duas escadarias, que ladeiam uma área de jardim e outra área, que seria um grande aquário, estando do, abriga oficinas voltadas para o ensino profissionalizante. Atualmente está aberto para as artes em
atualmente sem função. Logo em seguida, temos outro hall, que é constantemente utilizado para en- geral, com cursos de: cerâmica, costura, modelagem, gravura, artes gráficas, tecelagem, metalurgia e
saios e outras atividades. Possui um pé direito alto e inclinado, com paredes revestidas de cerâmica marcenaria. Esse núcleo funciona nos dois galpões em forma de abóbada de berço, situados na área
decorada (20x20), da época da construção. Em seu interior, temos uma grande área de circulação norte do terreno. Em termos de espaço construído, os galpões ocupam uma área retangular de 126,00
utilizada como hall e, eventualmente, para exposições, dotada de duas baterias de sanitários. A Sala m de comprimento por 31,00m de largura, com um pé direito de 9,35m, constituindo-se no maior
de Professores e a sala de controle de luz e som ficam centralizadas e superpostas, com acesso por prédio do Conjunto e com uma das maiores volumetrias. Sua estrutura é mista, formada por dois
pequenas escadas laterais. A plateia, com capacidade para 450 pessoas, conserva as cadeiras de ma- arcos de concreto armado, que correspondem a pórticos formando a letra A, com uma espetacular
deira originais e possui uma forma semicircular, contornando o palco circular. O palco, por sua vez, estrutura de madeira do telhado, que sustenta as telhas planas de cimento amianto. Vale observar que
é circundado por uma caixa retangular, de forma que metade do palco avança na área da plateia. No as pernas dos pórticos não são iguais. As externas, que ficam fora da caixa mural, são curvas, tendo a
nível do subsolo, ladeando o fundo do palco, existem os camarins, a sala de espera e ensaios, dotados ponta inferior cravada nas fundações e a ponta superior interligada aos arcos da cobertura de madeira.
de sanitários. Imediatamente acima, no primeiro pavimento, foram instaladas as duas salas de música. Já as internas, apesar de serem ainda inclinadas, terminam dentro da caixa mural como pilares. Ambas
E logo acima, no segundo pavimento, duas salas de dança e expressão corporal. O piso do palco é de sustentam uma marquise contínua de concreto, que serve também de contraventamento, fechando a
madeira, o da plateia é de cimento, com as passagens forradas por carpete e, nas demais áreas, os pisos forma da letra A dos pórticos e dando rigidez ao Conjunto. A referida marquise repete-se ao longo
são de ladrilho hidráulico. O teto recebeu tratamento acústico com carpete e outras fibras rústicas. As- das paredes externas da fachada da frente e do fundo. A amplitude do vão permite a reunião de vários
sim, o teatro é utilizado para diversos tipos de atividades artísticas e culturais, onde os alunos podem grupos de trabalhos, sem uso de divisórias, como também, futuramente, o uso de equipamentos mais
participar das diferentes etapas de um espetáculo, desde a montagem de cenários, criação de figurinos, altos. Os grandes panos de vidro das esquadrias laterais possibilitam um bom índice de iluminação
controle de luz e som e direção. Inaugurada em 1963, essa foi a última obra de Diógenes Rebouças zenital, e o assentamento dos vidros em venezianas possibilita a ventilação cruzada. Fisicamente, os
dois galpões foram separados por uma área plana com mezanino, quebrando, propositadamente, a
O ANFITEATRO foi construído ao lado do teatro, aproveitando o terreno com maior declividade. volumetria do Conjunto, constituído por uma laje plana que se apoia nas paredes transversais e em
A área da plateia é constituída por bancos longitudinais (arquibancada), de concreto armado, implan- pilotis, ocupando uma área total de 557,55 m2. O acesso ao mezanino é feito através de duas ram-
tados na meia-encosta, em forma de uma sequência de duas porções de semicírculos, terminados no pas externas e de uma elegante escada com um longo patamar, localizada junto à parede da caixa
palco circular, lembrando a figura de um duplo leque. O palco circular possui um raio de 4,80 m., central, que guarda as duas grandes baterias de sanitários para os estudantes. Na parte do mezanino,
separado da plateia por uma rampa de 2,00m de largura e com aproximadamente 1,80 m. de altura do exatamente sobre a referida caixa inferior, o espaço foi subdividido para instalação de duas salas para
solo. O acesso ao palco é feito pelas escadas semicirculares, construídas do lado direito e esquerdo, professores, uma para coordenação, um almoxarifado, dois sanitários e uma copa. As áreas livres do
tamponadas pela parede, também semicircular, que serve de fundo de palco. A declividade de implan- térreo e do mezanino servem como pontos de encontro, exposições e permitem uma visibilidade
tação permite uma boa visibilidade do palco, que é utilizado para vários tipos de eventos e ensaios. total das áreas de trabalho, através dos balcões corridos gradeados. Sobre a laje de forro do mezanino
Sua forma excêntrica constitui um bom aproveitamento do terreno e uma valorosa contribuição do existe uma caixa d’água alongada no sentido longitudinal dos galpões. Esse Conjunto foi o projeto
arquiteto para a prática das manifestações culturais desenvolvidas. pioneiro de Diógenes Rebouças, após o Governo de Octávio Mangabeira, tendo sido inaugurado em
1955, materializando o sonho do educador Anísio Teixeira.
O GINÁSIO DE ESPORTES está localizado ao lado do anfiteatro, sendo o último equipamento
de porte do lado leste. É composto por um grande galpão, formado por uma abóbada de berço, cujas O NÚCLEO DE JARDINAGEM E NAAH ocupa a área localizada no fundo dos galpões das ofi-

102 103
cinas. Foi construído um barracão, com alguns vãos, para aulas teóricas e práticas, salas de professores
e depósito de equipamentos e mantimentos. Existem várias espécies de plantas ornamentais e leiras
com hortaliças que deveriam servir ao refeitório, caso atendessem à demanda. O acesso é feito pelo
final do hall existente entre os dois galpões. Esse é um dos setores que parece necessitar de remane-
jamento e maiores investimentos. Além dos prédios principais, no terreno contíguo à Biblioteca, foi
construída, posteriormente, uma pequena edificação de quatro cômodos e uma varanda, onde fun-
ciona o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades, para crianças consideradas pelas escolas-classes
como superdotadas. No mesmo local, está sendo instalado o Memorial de Anísio Teixeira.

Finalmente, cabe acrescentar que a Escola Parque se encontra em pleno funcionamento, embora
necessite de maiores recursos para que sejam cumpridas as suas metas e realizados os reparos e a
manutenção correta de sua estrutura física. Continua sendo um excelente exemplo de prédio público 12
escolar de qualidade, dentre os existentes na cidade de Salvador, merecendo ser conservado e valori-
zado. Vale registrar que o atual tratamento das áreas verdes foi executado durante a reforma de 2003,
seguindo o Projeto Paisagístico do arquiteto Luiz Barreira Simas.

REFERÊNCIAS

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna e Preexistência Edificada: interven-
ções sobre o patrimônio arquitetônico de Salvador a partir dos anos 1950. In: Anais do 6º SEMI-
NÁRIO DOCOMOMO BRASIL. Niterói: PPG-AU/UFF / DOCOMOMO Brasil / CREA/RJ,
2005.

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de & LEAL, João Legal. Arquitetura Moderna e Reciclagem do
Patrimônio Edificado: a contribuição baiana de Diógenes Rebouças. In: Anais do 7º SEMINÁRIO DO-
COMOMO BRASIL. Porto Alegre: PROARQ/UFGRS, 2007.

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Arquitetura Moderna na Bahia, 1947-1951: Uma História
a contrapelo, V.II, Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo,
FAU/UFBA, para obtenção do grau de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Salvador, 2012.
09
SANTOPAOLO Silvana, Arquiteta, ESCOLA PARQUE – Bairro da Liberdade, Salvador, BA.,Divisão
de projetos Departamento de Edificações – EDIF PMSP, São Paulo, 2003.

PEDRÃO, Ângela West, mestre em Arquitetura. A ESCOLA- PARQUE, UMA EXPERIÊNCIA


PROJETUAL ARQUITETÔNICA E PEDAGÓGICA.

NASCIMENTO, Valdinei Lopes do. SALVADOR NA ROTA DA MODERNIDADE (1942 – 1965).


DIÓGENES REBOUÇAS, ARQUITETO. Dissertação submetida ao corpo docente do Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, agosto/1998. i

i
Este trabalho teve a participação da arquiteta do IPAC, Zulmira B. Correia, atual responsável pelas obras de conservação
dos galpões-oficinas, administradas pela SEC.

104 105

13
A Modernidade e as
Expressões Artísticas na Bahia
Juciara Nogueira Barbosa*

As impactantes transformações e descobertas ocorridas nos séculos XV e XVI imprimiriam ao mun-


do ocidental modos radicalmente diversos dos experimentados até então. Tais mudanças seguiram
pelo século XIX e chegaram ao século XX, provocando profundas alterações nos modos de pensar,
ser e viver. Esse processo, contraditório por natureza, recebeu o nome de modernidade e muito já
se escreveu sobre a questão. Em comum, sua essência transitória e caráter dialético transpassam
as variadas tentativas de delineá-la e defini-la. Sobre a modernidade, argumentou Marshall Berman
(1987, p. 15) “ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta
e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como
disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar’”. E argumentou: “ser moderno é encontrar-se em
um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação
das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos,
tudo o que somos” (BERMAN, 1987, p. 15).

Um conciso olhar sobre a história pode evidenciar a condição da Bahia no processo dessas trans-
formações. De 1549 a 1763, Salvador – a cidade da Bahia – foi a capital da Colônia, a cidade mais
importante da coroa portuguesa, depois de Lisboa, e a aglomeração urbana mais populosa do Brasil,
sendo seu porto o principal. Em termos econômicos, a Bahia exportava açúcar e outros produtos,
atendendo, com sucesso, às demandas do mercado externo. Por estar em sintonia com o projeto da
modernidade, tendo aí um notável desempenho, a transposição de expressões artísticas do Barroco
– que se notabilizou na Europa no século XVII – teve êxito total na Bahia, onde primeiro se ergueu
uma igreja de fachada barroca, antes mesmo que em Portugal: a de Santo Antônio de Cairu, em 1654
(SOUSA, 2004, p. 39).

Com a intensa exploração de ouro em Minas Gerais, o governo português decidiu centralizar a saída
do precioso metal no porto do Rio de Janeiro, por se encontrar mais próximo da zona de exploração.
Esse foi o principal motivo que fez com que, em 1763, Salvador perdesse para o Rio de Janeiro o

* Doutora em Cultura e Sociedade – UFBA. Mestra em Artes Visuais – UFBA. Professora e vice-coordenadora do curso
de Publicidade e Propaganda da UFRB. Líder do Grupo de estudos ARCCO – Arte. Cultura. Comunicação.

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posto de capital. Embora ainda conservasse muito de sua importância econômica, a Bahia chegou ao (BARBOSA, 2005). Imbuída de sua importância histórica, belezas naturais e tradições seculares, a Ba-
final do século XVIII sem o prestígio que até então ostentava, e a vinda da corte portuguesa para o hia já havia possuído qualidades e riquezas celebradas, mas, desde quando as perdeu, até meados do
Rio de Janeiro, em 1808, aí promoveu um conjunto de alterações que modificaram drasticamente o século XX, vivia em descompasso com as diretrizes da modernidade. A partir da gestão de Octávio
cenário econômico, social e político. Nesse processo, houve a necessidade de atualização em relação à Mangabeira, a “boa terra” passou por transformações significativas.
produção artística, e a presença da Missão Artística Francesa, a partir de 1816, promoveu importantes
mudanças, contribuindo para a difusão do estilo neoclássico e valorização da arte acadêmica. As ex- Nessa época, enquanto o Reitor da Universidade da Bahia, Edgard Santos, promoveu emblemáticas
pressões artísticas aí difundidas repercutiriam significativamente no Brasil. mudanças no ensino superior, o educador baiano Anísio Spínola Teixeira (12/07/1900 – 11/03/1971),
à frente da Secretaria de Educação e Saúde, revolucionou a educação estadual. Tocado pela situação
No Brasil Império (1822-1889) e na República Velha (1889-1930), a Região Sudeste passou por im- caótica em que se encontrava o ensino público na Bahia, Anísio estruturou uma equipe de pessoas
pactantes transformações, claramente visíveis nos grandes centros urbanos. Além do Rio de Janeiro, bem capacitadas para auxiliá-lo. Durante sua gestão, lutou exaustivamente para que a área educacional
São Paulo também sofreu notáveis mudanças, sobretudo devido ao papel de destaque no cenário fosse contemplada com grandiosos projetos, tendo iniciado o programa de construção escolar mais
econômico, por conta da produção de café, voltada para a exportação, dos investimentos em indus- extenso até então realizado no Estado. Ladeando as numerosas ações voltadas para a área educacio-
trialização e das contribuições dos imigrantes. Desse modo, fatores políticos, econômicos e sociais nal, outras importantes iniciativas foram a criação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência,
imprimiam a esses centros um desenvolvimento norteado pelas diretrizes apontadas pela Europa e a implantação do Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia- Columbia University, o apoio
já influenciadas pelos Estados Unidos, em consonância com a própria modernidade. Ainda assim, as dado a alguns artistas e os patrocínios para as artes.
drásticas experiências promovidas no campo artístico europeu pelos integrantes dos seus múltiplos
movimentos de vanguarda só ecoariam significativamente no Brasil a partir da Semana de Arte Mo- Entre 10 de abril de 1947 e 31 de janeiro de 1951, as numerosas obras executadas pelo governo de
derna, ocorrida em São Paulo, em 1922. Gradualmente, o modernismo foi ocupando espaço e a arte Octávio Mangabeira marcaram as feições de Salvador, e as múltiplas e articuladas iniciativas viabili-
acadêmica foi perdendo lugar. Mas, se nesses grandes centros as mudanças artísticas não foram logo zadas com o patrocínio do Estado contribuíram para promover singulares transformações no campo
assimiladas, na Bahia o Modernismo tardaria a chegar. Mesmo na Era Vargas (1930-1945), quando a cultural, propiciando, enfim, o pleno afloramento do Modernismo na Bahia, contando para isso com
arte modernista foi amplamente utilizada tanto a favor quanto contra os objetivos políticos vigentes, a decisiva atuação de Anísio Teixeira (BARBOSA, 2013). A título de registro dos mais destacados
a Bahia manteve-se ao largo. projetos realizados com o apoio do educador, podem-se destacar a apresentação da Opereta Nari-
zinho1, em dezembro de 1947, em montagem do professor Adroaldo Ribeiro Costa, que contou com
Enquanto na Região Sudeste artistas modernistas se firmavam nas letras e nas artes e apresentavam a atuação de mais de 100 crianças e marcou a inauguração do teatro infantil brasileiro e a vinda da
novas propostas, através de manifestos, publicações e na produção de obras paradigmáticas, as ex- Exposição de Arte Contemporânea trazida a Salvador, em março de 1948, pelo escritor carioca Marques
pressões artísticas na Bahia não conheceram impactantes mudanças. Nos primórdios do século XX, Rebelo, a convite de Anísio Teixeira. Até então as exposições de caráter modernista foram rejeitadas.
duas instituições particulares protegidas pelo apoio governamental centralizavam o ensino e a difusão Já essa, que foi meticulosamente divulgada, alcançou pleno êxito.
das artes na Bahia: o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola de Belas-Artes. Na escultura e pintura, a
produção dos artistas locais permaneceu atrelada aos padrões acadêmicos, sendo uma tentativa iso- Também a participação de Anísio Teixeira em prol da criação do Salão Bahiano de Belas Artes merece
lada a de José Tertuliano Guimarães. Na poesia e literatura, mesmo iniciativas notáveis, tais como a destaque. Participaram do primeiro Salão (1949) os artistas baianos Lygia Sampaio, Rubem Valentim
publicação de poesias de feições modernistas por Godofredo Filho, em 1925, ou o surgimento de e o artista sergipano Jenner Augusto. Eles, juntamente com Mário Cravo Júnior, apresentaram a co-
grupos que marcaram os primórdios do Modernismo na Bahia, não tiveram – em termos locais – letiva Novos Artistas Bahianos, em 1950. Essa exposição foi patrocinada pela revista Caderno da Bahia
desdobramentos significativos. Obviamente, sobretudo em Salvador, se fizeram notar, nessa fase da e é um referencial da arte moderna. Ela foi realizada em um momento em que a Bahia contava com
modernidade, elementos pontuais transplantados e disseminados, a partir da Europa e Estados Uni- significativos investimentos efetivados com recursos estaduais e federais e, finalmente, rompia velhos
dos. Nesse contexto, podem-se citar como exemplos a presença do cinema, a chegada do automóvel paradigmas, buscando firmar-se no panorama da modernidade. O segundo Salão prestigiou a técnica
e a radiodifusão. Salvador passou por reformas urbanas polêmicas, destruindo marcos arquitetônicos, da gravura – amplamente difundida no Brasil e no Exterior por artistas modernistas – e também tem
para abrir vias destinadas a um progresso que não se firmava, pois, em um cenário marcado por traços relevância histórica. Os Salões contribuíram para promover a atualização do público em relação à
econômicos, políticos e sociais afeiçoados ao período colonial, poucas mudanças substanciais de fato arte moderna e colaboraram para a renovação artística na Bahia.
ocorriam.
É também imprescindível destacar o protagonismo de Anísio Teixeira, em relação ao projeto do
Ao assumir o cargo em 10 de abril de 1947, Octávio Mangabeira, primeiro Governador eleito da Centro Educacional Carneiro Ribeiro. No discurso que proferiu na inauguração (parcial) do CECR,
Bahia sob o regime constitucional instalado após a Era Vargas, encontrou um estado pobre e profun- sentenciou: “Queiramos, ou não queiramos, vamo-nos transformar de uma sociedade primitiva em
damente marcado por problemas de toda ordem, que ainda preservava muito de suas características uma sociedade moderna e técnica”. Por sua ótica, a educação pública e de qualidade seria o meio mais
coloniais e era, em larga medida, a Bahia de que tratou Jorge Amado em seus romances; Odorico
Tavares, em suas matérias; Pierre Verger, em fotografias e Dorival Caymmi, em suas composições 1
Adaptação do livro Narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato.

108 109
Júnior, Carlos Bastos e Genaro de Carvalho, bem como do crítico José Valladares. Mas, conforme
brevemente tratado, pode-se afirmar que as expressões artísticas de feições modernas na Bahia se
impuseram dentro de um conjunto de transformações políticas, econômicas, sociais, culturais. O
papel de Anísio Teixeira, nesse momento emblemático, deve ser sempre destacado. O apoio aos
artistas modernistas, a encomenda de grandes obras, o patrocínio de estudos, viagens, publicações,
exposições, cursos, palestras, conferências e espetáculos musicais e teatrais demonstram que, através
das políticas culturais que implementou, o educador em muito contribuiu para a mudança de mentali-
dade em relação à arte moderna na Bahia.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Pinto. Notas sobre o enigma bahiano. Salvador: Progresso, 1958. p.33

BARBOSA, Juciara Maria Nogueira. A Bahia de Jubiabá em fotografias de Pierre Verger. Salvador: Uni-
versidade Federal da Bahia, 2005. 165 p. (Dissertação apresentada ao Mestrado em Artes Visuais da
Escola de Belas Artes).

______. Caminhos do Modernismo na Bahia: Anísio Teixeira e as políticas culturais (1947-1951). Sal-
vador: Universidade Federal da Bahia, 2013, 392 p. (Tese apresentada ao Doutorado em Cultura e
Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos - Universidade
Federal da Bahia).

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Schwarcz,
1987. p. 362.

OLIVEIRA, Paulo César Miguez. A organização da cultura na “Cidade da Bahia. Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 2002, p. 348. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Culturas Contemporâneas, Faculdade de Comunicação).

SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador – Estudo de Geografia Urbana. 2.ed. São Paulo: Edi-
tora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008. p. 208.

SCALDAFERRI, Sante. Os primórdios da Arte Moderna na Bahia. Salvador: Fundação Casa de Jorge
Amado; FCEBA – Museu de Arte Moderna da Bahia, 1998. p. 225.

SOUSA, Alberto José. Igreja franciscana de Cairu: a invenção do barroco brasileiro. In: PEREIRA,
Sonia Gomes. Anais do VI Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro CBHA: 2004. p.
39-49. v.1.
propício e eficiente no preparo das crianças e jovens, para que pudessem assumir, de forma satis-
fatória e transformadora, um lugar nessa sociedade. Para o CECR, marco da arquitetura modernista TAVARES, Luiz Henrique Dias. História da Bahia. 10.ed. São Paulo: Unesp, Salvador: Edufba, 2006.
baiana, Anísio encomendou vistosos murais modernistas, sugerindo aos artistas os respectivos temas, p. 544.
meticulosamente pensados, para contribuir com a integração dos estudantes com esse mundo mo-
derno e técnico, sem perder de vista importantes referenciais da cultura nordestina. TEIXEIRA, Anísio. Centro Popular de Educação. Do discurso pronunciado na inauguração do Cen-
tro Educacional Carneiro Ribeiro, Salvador, 1950. In: ______ Anísio Teixeira: pensamento e ação. Rio
Ao se tratar da arte moderna na Bahia, deve-se registrar a importância primordial de Mário Cravo de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960. p. 284-291.

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Muralismo Modernista
na Escola Parque
Dilson Rodrigues Midlej *

Idealizado por Anísio Teixeira e concebido pela arquitetura de Diógenes Rebouças e Hélio Duarte, o
Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que inclui a Escola Parque, é composto por impressionantes
murais de artistas da primeira geração modernista baiana: Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos,
Maria Célia Amado, Jenner Augusto, assim como pelo ceramista alemão Udo Knoff e pelo paulista
Carlos Magano, além de uma pintura de Djanira, artista paulista cujo trabalho não se caracteriza como
mural. A Escola Parque integrava uma estratégia de realizações do Governador Octávio Mangabeira,
eleito para o quatriênio 1947-1951 (SENA, 2000, p. 188), cuja administração almejava a atualização
do Estado Baiano, nos âmbitos cultural e educacional. Os murais da Escola Parque ilustram aquela
ambição de atualização cultural, sendo que as concepções artísticas parietais (pinturas sobre paredes)
daquela escola geralmente são percebidas como obras vinculadas ao espaço arquitetônico e integra-
das a um objetivo maior, que busca mesclar arte, arquitetura, cultura e educação, e, não exclusiva-
mente, como obras pictóricas autônomas, desassociadas umas das outras.

Os murais, todavia, não são relevantes pela temática enfocada ou por integrarem o conjunto arquitetôni-
co modernista mencionado. Importante para a mensagem de atualização e progresso que se desejava
caracterizar, as obras são exemplares pela linguagem e estilo de cada artista, ou seja, pela representação
plástica e soluções formais às quais a narrativa se subordina. Assim, ressalta-se hoje a qualidade esté-
tica das obras, e, não, o caráter pedagógico dos temas retratados, sendo que sua importância se dá pela
renovação plástica da linguagem, dos recursos estilísticos modernistas e pela expressividade dos artistas
contratados, e não somente por integrarem um complexo arquitetônico ou uma proposta educacional,
razões pelas quais não podemos nos referir aos murais como arte aplicada.

O programa temático dos murais denota expressivo caráter “progressista”, ao enfocar a força do tra-

* Professor-Assistente de História da Arte do Centro de Artes, Humanidades e Letras, da Universidade Federal do Recôn-
cavo da Bahia (CAHL/UFRB), é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas-Artes da Universidade
Federal da Bahia – UFBA e membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas - ANPAP. Mestre em
Artes Visuais (2008), na linha de pesquisa História da Arte Brasileira, com Especialização em Crítica de Arte (1984) e
Bacharel em Artes Plásticas (1982), os três títulos fornecidos pela UFBA.

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balho, a evolução do trabalho, trabalho e costumes, o oficio do homem, a evolução do homem, dentre outros temas de Souza Pedreira inaugurou o Anjo Azul, bar e restaurante decorado com afrescos de Carlos Bastos
de interesse iconográfico de representação. Somar-se-ia, ainda, a “fantasia primitivista”, conteúdo e espaço que se constituiu em um destacado ponto de encontro da intelectualidade soteropolitana.1
referente à utilização das culturas ditas “primitivas”, ou seja, do outro excluído da cultura do sujeito Outra iniciativa privada foi a inauguração da Galeria Oxumaré, a primeira tentativa de comercia-
branco ocidental, valoração essa cujas raízes se encontram no exotismo do Romantismo Oitocentista lização profissional de artes plásticas na Bahia, que funcionou no Passeio Público, de 1951 a 1961, e
e se evidencia no reconhecimento da obra de Henri Rousseau, dito le Douanier, no início do século XX expôs jovens artistas baianos, assim como acolheu individuais dos mais importantes artistas do País.2
por artistas das vanguardas históricas. Esse caráter primitivista, em termos artísticos, é exemplificado E, por fim, a revista Caderno da Bahia, que ampliou a abrangência das novas ideias modernistas na
nas deformações e simplificações das figuras humanas das obras da Escola Parque, em geral, e, mais literatura e na arte, considerada por Jorge Amado “de fundamental importância na evolução literária e
notadamente, na de Jenner Augusto (comentada mais à frente), assim como na pintura da artista pau- sobretudo na revolução das artes plásticas baianas” (AMADO, 1996, p. 55) e que contava com a par-
lista Djanira, um trabalho em óleo sobre tela, de pequenas dimensões, (igualmente comentado mais à ticipação, desde o primeiro número, dos jovens artistas plásticos Mário Cravo Júnior, Carlos Bastos
frente), o qual, como pode ser deslocado para qualquer espaço, não se considera obra-mural. e Genaro de Carvalho, somando-se, posteriormente, as contribuições de Rubem Valentim, Mirabeau
Sampaio e Jenner Augusto.
Outro aspecto vinculado ao Modernismo e presente na Escola Parque é o caráter “produtivista”, o
qual, segundo Hal Foster (2014, p. 163, nota 8), caracteriza um tipo de modernismo em que o prole-
tariado é considerado “primitivo”, no sentido positivo de pertencer a um coletivo tribal.

Os murais da Escola Parque explicitam uma concepção da função da arte ideologicamente orientada
a um sentido do social e do popular, funcionalidade esta característica do Modernismo e já destacada
por Jorge Amado, ao referir-se aos escultores baianos e à arte baiana, para os quais “Não só a temática
social os marca, como o sentido do social e do popular” (AMADO, 1965, p. 10). Na prática, esse sen-
tido do popular caracterizou um regionalismo que teve origem na literatura e com o qual a primeira
geração modernista baiana tentou se estabelecer, reforçando a mentalidade modernista, à época, de
evidenciar a coexistência de uma regionalização identificada com os extratos culturais populares e
com os costumes baianos.

O clima de redemocratização e abertura naquele quatriênio da administração de Octávio Mangabeira


possibilitou iniciativas como: a) sanção da Lei N°. 72, que autorizava a construção do Teatro Castro
Alves, em cujo foyer se iniciariam, mais de uma década depois e em caráter provisório, as atividades
expositivas do Museu de Arte Moderna da Bahia; b) a atuação de Anísio Teixeira na Secretaria Es-
tadual de Educação e Saúde e criação de um Departamento de Cultura, órgão que se tornou o grande
centro de apoio e inovação para as artes plásticas, a música, o teatro, o cinema e a literatura baiana
(TAVARES, 2001, p. 460, 461 e 462); c) e as primeiras exibições das pesquisas plásticas modernistas
de alguns artistas baianos, a exemplo da primeira mostra individual de Carlos Bastos, em 1º de mar-
ço de 1947, na Biblioteca Pública, com obras modernistas que apresentavam ousadas deformações
anatômicas nas figuras humanas e uso livre de cores.

Ainda em 1947, Mario Cravo Júnior expõe individualmente, pela primeira vez, suas esculturas e de-
senhos modernistas em dois espaços: na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos - ACBEU, nas Figura 01
Mercês, e no Edifício Oceania (PORTUGAL, 1999, p. 114), em frente ao Farol da Barra.

No âmbito das artes plásticas, destacaram-se uma iniciativa governamental e três outras, de iniciativa 1
O Anjo Azul situava-se na Rua do Cabeça, n. 34, à entrada do Largo 2 de Julho, e funcionava, igualmente, como área
privada. A iniciativa governamental materializou o evento de maior vulto naquele período, a criação, expositiva, tendo acolhido mostras (COELHO, 1973, f. 24, nota 6) de Genaro de Carvalho (em 1949), de Lothar Charoux
(ganhador do primeiro prêmio do I Salão Baiano de Belas Artes, 1949), de Djanira, de Maria Célia Amado (em sua primeira
por decreto, do Salão Baiano de Belas-Artes, cuja primeira edição ocorreu de 1º a 30 de novembro de
individual) e de Carybé (a sétima do seu currículo, porém, a primeira individual na Bahia, em 1950).
1949 e que ocupou o Hotel da Bahia, que ainda se encontrava em obras. Esse hotel contaria, ainda, 2
Dentre os quais: Portinari, Di Cavalcanti, Goeldi, Samson Flexor, Pancetti, Poty, Djanira, Aldo Bonadei, Yolanda Mohaly,
com um mural de título Festas regionais, pintado por Genaro de Carvalho (1926-1971), entre 1950 e Inimá di Paula, Laszlo Meitner, Heitor dos Prazeres e outros modernistas, além de vários baianos, dentre os quais Mario
Cravo Júnior e Genaro de Carvalho. A Galeria Oxumaré foi criada pelo poeta Carlos Eduardo da Rocha (que atuou na
1951, intacto até o presente. Já no âmbito da iniciativa privada, em julho de 1949, o antiquário José direção), Zitelmann de Oliva, José Martins Catarino e Manoel Cintra Monteiro.

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elemento motriz das transformações tecnológicas da era industrial.

Esse artista é autor de duas outras peças na Escola-classe III, localizada no bairro Pau Miúdo: uma es-
cultura em verga de cobre disposta na fachada do prédio, datada de 1950 e representando uma criança
desenhando, ao mesmo tempo em que a “linha” do desenho configura ela própria, e a pintura mural
Fundo do mar e animais pré-históricos (figura 03), de 2.00m por 5,20m, no hall de entrada. O artista é fes-
tejado por um determinista Jorge Amado, que assim o caracteriza: “Uma força da natureza [que] por
um capricho dos deuses desencadeou-se na Bahia: Mário Cravo, o escultor”. (AMADO, 1996, p. 263).

Já Maria Célia Amado (Maria Célia Amado Calmon Du Pin e Almeida, 1921-1988) teve uma partici-
pação vinculada como professora à Escola de Belas-Artes da UFBA, local, inclusive, da sua formação
educacional, com destacada atuação na introdução das ideias modernistas naquela comunidade. Con-
Figura 02 tudo, até poucos anos atrás, sua contribuição ao desenvolvimento da arte moderna era subdimen-
sionada3. Essa artista já desenvolvia uma produção abstrata de pintura desde 19574, período no qual
Testemunho da efervescência cultural no início dos anos 1950, no Centro Educacional Carneiro estudou na França, sendo ela e Mario Cravo Júnior os introdutores da abstração na Bahia5.
Ribeiro se encontra o óleo sobre madeira intitulado Jogos infantis, de Carlos Bastos (Carlos Frederico
Bastos, 1925 - 2004) (figura 01), um dos pioneiros da arte moderna no Estado. Medindo 2,59m por Maria Célia Amado foi responsável pela inserção no ensino, pela primeira vez, da utilização da colagem
2,59m e localizada na Escola-classe I, a pintura apresenta brincadeiras infantis como elemento lúdico na Escola de Belas-Artes e, seguramente, foram aquelas as primeiras experiências com colagens para
indissociável do processo pedagógico de aprendizagem, onde crianças e adolescentes aprendem as fins artísticos na Bahia, que só se observaram anos depois com a larga utilização dessa técnica pelo
primeiras noções do contato social e valores, como cooperação, amizade, confiança, honestidade e artista e músico alemão Adam Firnekaes, que chegou à Bahia em 1958. A artista é autora da pintura
responsabilidade (na adesão e respeito às “normas” dos jogos e no cuidado para não se desviar delas, a óleo sobre madeira O ofício do homem (figura 04), de 2,79m por 10,20m de dimensão, localizada no
ou seja, de não ludibriar os colegas). A pintura celebra a inocência infanto-juvenil e comunica as bases Pavilhão de Artes Industriais, no hall da secretaria da Escola Parque. A pintura enfoca os inúmeros
de um aprendizado de conotação humanista, baseado na alegria e no espírito colaborativo, ao eviden- ofícios humanos, da olaria e manufatura de potes de cerâmica à extração de madeira e à carpintaria.
ciar a impossibilidade de se brincar ou jogar sozinho. A artista utilizou conhecimentos pós-cubistas na estruturação do espaço da pintura, valendo-se de
geometrização de planos de cores diferenciadas e liberdade, tanto na disposição dos personagens
Ainda entre os artistas da primeira geração que contribuíram para disseminar a abordagem moderna quanto na escala de tamanho entre eles. Como é característico na pintura modernista, as indicações de
se encontram Mario Cravo Júnior e Maria Célia Amado. Mario Cravo Júnior (1923) construiu seu profundidade visual se dão exclusivamente por intermédio de sobreposição das formas e diminuição
aprendizado a partir de 1945, quando estudou, por dois anos, com o santeiro Pedro Ferreira, em de tamanhos dos elementos, e não pelo uso da perspectiva visual. Assim, o efeito nessa pintura (e
Salvador. Seguiu para os Estados Unidos em 1947, onde permaneceu, por um semestre, como aluno nas demais modernistas) é de uma planificação e frontalidade dos elementos plásticos, o que provoca
do escultor iugoslavo Ivan Mestrovic, na Universidade de Syracuse. Em 1954, graduou-se pela Escola forte impacto visual.
de Belas-Artes (PORTUGAL, 1999, p. 112). O artista, dado ao seu temperamento arrebatador e seu
poder dialético, foi, segundo Antônio Celestino (1982, p. 3) “quem mais aglutinou à sua volta quem Artista que exercitou magistralmente diversas técnicas, o argentino Carybé (Hector Júlio Páride Ber-
pela arte moderna se interessava”. Dele é o mural em têmpera sobre madeira, A força do trabalho (figura nabó, 1911 - 1997), naturalizado brasileiro, assomou seu talento e seu desenho ágil aos esforços
02), medindo 8,2m por 20m, situado no Pavilhão de Artes Industriais, no Núcleo de Artes Visuais renovadores da primeira geração moderna da Bahia, incluindo a realização de inúmeros murais, ilus-
Laborais. O artista interpreta o tema “força” por meio de um grande dinamismo, representado pelas trações para livros e gradis em espaços públicos. Carybé é um artista que se vale de recursos de sim-
relações e tensões espaciais estabelecidas entre o movimento das figuras estilizadas (simplificadas 3
A obra dessa artista começou a se evidenciar a partir das menções de Sante Scaldaferri, no livro Os primórdios da arte
geometricamente) e pelos eixos diagonais, estabelecendo um contraponto à regularidade da estrutura moderna na Bahia, na Dissertação de Mestrado de Dilson Midlej, Juarez Paraiso: estruturação, abstração e expressão nos
metálica do teto do próprio pavilhão. Nesse mural, destacam-se o personagem dominante (de maior anos 1960, e no verbete dessa artista no Dicionário Manuel Querino de Arte na Bahia, de autoria de Dilson Midlej, disponív-
el em: http://www.dicionario.belasartes.ufba.br/wp/?verbete=maria-celiaamado&letra=&key=celia%20amado&onde=
tamanho) e a referência que o artista faz ao centro da figura humana, onde incrusta uma forma ovoide tudo.
ao que corresponderia o “estômago”. Semelhante procedimento se dá com as formas circulares das 4
Referimo-nos, aqui, à pintura em técnica mista de título Abstração, medindo 73 x 100 cm, pertencente à coleção Odorico
Tavares. Outra pintura abstrata de Maria Célia Amado, datada de 1959, integra a coleção do Museu de Arte Moderna da
cabeças das figuras, como a enfatizar que a necessidade de prover alimentos à vida humana seja o Bahia.
estímulo (intelectual ou braçal) para o trabalho. Assim, os “estômagos” e as “cabeças” das figuras 5
Cabe, todavia, a Mario Cravo Júnior a primazia de ter sido o primeiro artista baiano a desenvolver a linguagem abstrata na
funcionariam como metáforas de “sementes”, as quais seriam resultantes do cultivo e do consequente Bahia, conforme já esclarecido em comunicação proferida por Dilson Midlej, no 14º Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP, em 06 de outubro de 2005, em Goiânia. Ver: MIDLEJ, Dilson. A atualidade da
bem-estar físico e psicológico que a atividade produtiva do trabalho propicia ao homem. Tese apa- criação abstrata de Mario Cravo Júnior. In: MARTINS, Alice Fátima; COSTA, Luis Edegar; MONTEIRO, Rosana Horio
rentada ao positivismo, esse enfoque denota conotação crítica, ao evidenciar o papel humano como (Org.). Cultura visual e desafios da pesquisa em artes. Goiânia: ANPAP, 2005. 2 v. p. 149-157.

116 117
sidade e sínteses geometrizadas, com simplificações formais do fantástico cenário citadino avistado
por mar e cuja afeição fora se construindo paulatinamente nas viagens anteriores, ocasiões nas quais
descobre a “nova terra”, que, mais tarde, adotaria. O átomo (a evolução do trabalho) (figura 06)* é outro
mural de sua autoria, em têmpera sobre madeira, executado em 1954 e disposto no Pavilhão de Artes
Industriais, onde apresenta alegorias das riquezas da natureza e as atividades laborais do homem,
abrangendo mineração, lavoura, metalurgia, indústria, energia e tecnologia. A figura dominante cen-
tral parece simbolizar o domínio da ciência pelo homem.

Figura
De Jenner Augusto (Jenner Augusto da Silveira, 1924 - 2003) se ergue o monumental afresco de
2,70m por 20m, no Pavilhão de Artes Industriais, hall do Setor de Trabalho, de título A evolução do
homem (figura 07). Jenner Augusto já gozava do prestigio de ter sido pioneiro do Modernismo em Ara-
caju (com a pintura decorativa do bar Caique, realizada em 1950), antes de se radicar na Bahia. Nessa
obra da Escola Parque, pintada entre 1953 e 1954, Jenner Augusto interpreta a evolução humana por

* A obra de Carybé, na Escola Parque, recebe diversos títulos segundo diferentes pesquisadores: “Os cinco elementos” se-
gundo: FURRER,Bruno (org.), Carybé,editora Odebrecht, 1989, “A evolução do trabalho” segundo: COUTINHO, Riolan
Metzer, Arte mural moderna na Bahia, [s.d]., “A evolução do trabalho” segundo BAPTISTA,Márcia de Azevedo Magno,
Realização de murais na Universidade Federal da Bahia, 1995.
Figura 03

Figura 05

Figura 04

plificação formal e colorística e autor de vasta obra figurativa de evidente inclinação para a fabulação,
a magia e o misticismo.

A quarta viagem que Carybé promove à Bahia se deu a bordo do navio Itanagé, aportando em Salva-
dor em primeiro de janeiro de 1950. Originou-se dessa chegada por mar à cidade baiana a impressão
do artista retratada na pintura mural em têmpera, Panorâmica de Salvador (figura 05), de 2m por 6m, para
a Escola-classe II, obra já fruto do acolhimento do pedido escrito por Rubem Braga e endereçado a
Anísio Teixeira, ao qual recomendava o artista e pleiteava trabalho para ele. Panorâmica de Salvador é,
sobretudo, um registro poético de como o artista sentia e percebia a cidade, sua fulgurante lumino-

118 119
Figura 06
meio de uma atmosfera de tratamento expressionista, um recurso estilístico muito eficaz na comuni-
cação dos dramas humanos e das relações com o meio, retratando vários personagens como retirantes
nordestinos, valendo-se da imagética da arte popular. Nessa pintura se observam duas entre as mais
marcantes características da pintura modernista: a já mencionada valorização e uso de elementos da
arte primitiva ou popular, explorada nas feições simplificadas e na anatomia das figuras, e o trata-
mento técnico dado ao “fundo”, semelhante aos das figuras, abolindo a hierarquia de importância, em
termos plásticos, entre figura e fundo.

Já Djanira (Djanira da Motta e Silva, 1914-1979) se distingue, em relação aos demais, por apresentar
um trabalho de cavalete, medindo 90cm por 75cm e disposto na Sala da Diretoria da Escola-Classe II.
Tendo por título Festa de São João (figura 08), trata-se de uma pintura cujo estilo se assemelha ao da arte
ingênua, denotando espontaneidade, frescor e lirismo, mas que não pode ser classificada por ingênua,
primitiva ou naïf, uma vez que a artista teve formação educacional artística. Por conta da escolha
de o estilo ser intencional (e não por desconhecimento técnico das possibilidades da representação
artística), o estilo da referida artista é melhor classificado pela denominação de primitivista, cuja acep-
ção difere de primitiva, já que essa última se refere a artistas autodidatas, que não tiveram formação
artística. Referendando isso, ela própria declarou à revista Arte e informação: “Eu é que sou ingênua,
não a minha pintura” (DJANIRA, 2000, p. 50) e, nessa mesma reportagem, ela complementa: “Come-
cei a pintar desenhando o mundo modesto que me cercava: meus animais, minha varanda, o interior
da casa, retrato de vizinhos. Tudo em preparação lenta, porque, graças a Deus, nunca fui habilidosa” Figura 08
(DJANIRA, 2000, p. 50). Natural de Avaré, interior de São Paulo, Djanira teve suas primeiras instruções
de arte em 1940, com o pintor romeno naturalizado brasileiro, Emeric Marcier, no curso noturno de Figura 09
Desenho do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Djanira instalara-se no bairro de Santa Teresa
e lá dirigia uma pensão, da qual Emeric Marcier era um dos hóspedes. A hospedaria facilitou o con-
tato dela com artistas como Carlos Scliar, Milton Dacosta, Arpad Szenes, Vieira da Silva e Jean-Pierre
Chabloz, proporcionando um ambiente estimulador para produzir e expor suas pinturas.

As paredes do teatro da Escola Parque (figura 09) são recobertas por azulejos pintados em padro-
nagens geométricas, em formas de losangos, de autoria do artista alemão Udo Knoff (Horst Udo
Erich Knoff, 1912-1994), que veio ao Brasil em 1938. Udo Knoff passou a morar em Salvador em
1952 e manteve ateliê de cerâmica no bairro de Brotas, nos anos 1960, espaço então frequentado
por artistas, como Carybé, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto, Calasans Neto e Sante Scaldaferri.
(KNOFF, 2012). É providencial a inclusão de azulejaria no conjunto modernista da Escola Parque,
pois os silhares de azulejos significaram elemento de destaque na busca de uma linguagem brasileira
na arquitetura, recuperando o ideal colonial luso-brasileiro de utilização dos azulejos tanto como
revestimento de fachadas quanto em ambientes internos, cumprindo não só funções de impermeabi-
lização das construções quanto decorativas. Assim, o azulejo, aliado às treliças, ao concreto armado
e à linguagem funcionalista dos pilotis, terraços-jardins e quebra-sóis, afirma-se como linguagem

120 121
Figura 10

arquitetônica brasileira6.
COELHO, Ceres Pisani Santos. Artes plásticas: movimento moderno na Bahia. 1973. 223 f. Tese (Con-
Quando se mencionam os murais da Escola Parque, costuma-se generalizar como produção exclu- curso para professor Assistente do Departamento I) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal
sivamente baiana, pois a maior parte efetivamente é de autoria de artistas baianos ou que aqui se da Bahia, Salvador, 1973.
radicaram. Há, todavia, a exceção do afresco Trabalho e costumes (figura 10), de 1953-1954, de 2,70m
por 20m, localizado no Pavilhão de Artes Industriais, hall do Setor de Trabalho. Seu autor é o artista CRAVO JR., Mario. Cravo. Esculturas de Mario Cravo Júnior e fotografias de Mario Cravo Neto. [S.l.]:
paulista e professor Carlos Magano (Carlos de Aguiar Magano, 1921 - 1983), o qual, segundo Ro- Raízes Artes Gráficas, 1983. Não paginado.
berto Pontual (1969, p. 329), fez seus primeiros estudos de pintura após concluir o curso de Direito
na Universidade de São Paulo, transferindo-se, posteriormente, para o Rio de Janeiro, cidade na qual DJANIRA. Arte e informação, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 50, ago. 2000.
cursou a Escola Nacional de Belas-Artes e onde, anos depois, se tornaria professor de pintura mural.
FOSTER, Hal. E o que aconteceu com o pós-modernismo? In: ______. O retorno do real: a vanguarda
Em 1956, após a execução do mural da Escola Parque de Salvador, e ainda a pedido do educador no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 187-210.
Anísio Teixeira, realiza em São Paulo um mural para o Instituto do Professor Primário, espaço que
hoje acolhe a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (TIRELLO, s.d.). Estilistica- KNOFF, Udo. Museu celebra centenário do ceramista Udo Knoff com mostra inclusiva. Disponível
mente, o afresco de Carlos Magano da Escola Parque é de cunho expressionista, valendo-se de sim- em:<www.cultura.ba.gov.br/2012/09/13/museu-celebra-centenário-do-ceramista-udo-knoff-com-
plificações geometrizantes pós-cubistas e indicações espaciais que criam a ilusão de profundidade, mostra-inclusiva/>. Acesso em: junho de 2014.
mediante variações dos tamanhos das formas, representando pessoas, cidades ou montanhas, ao
fundo. As unidades plásticas oscilam entre a descrição narrativa exigida pelo tema e deformações LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura moderna. In: CIVITA, Victor. Arte no Brasil. São Paulo: Abril;
promovidas em algumas figuras humanas, comunicando, assim, noções de rusticidade e força física, Fundação Padre Anchieta, 1979. vol. 2. p. 740-759.
encadeando os elementos visuais mais para uma leitura geral do que de seus detalhes.
MAGANO, Carlos. Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em< http://www.
A Escola Parque mostra-se hoje como exemplo de uma utopia sociocultural que parece estar cada itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_
vez mais distante do contexto político atual, de predomínio dos interesses corporativistas das elites verbete=1350&cd_idioma=28555&cd_item=1>. Acesso em: junho de 2014.
política e econômica, e constitui-se em um protótipo exemplar no qual idealização e determinação
se erguem e, juntos, como se fossem um reluzente farol, apontam o direcionamento do bem-estar PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
público, feixe de luz possível pela combinação das potencialidades da arte, da arquitetura, da cultura p. 559.
e da educação.
PORTUGAL, Claudius (Org.). Mario Cravo Júnior: Desenhos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Ama-
REFERÊNCIAS do; Copene, 1999. p. 120. (Casa de Palavras. Desenhos, 3).

AMADO, Jorge. Exposição no ICBA. A Tarde. Salvador, 10 abr. 1965. p. 10. SENA, Consuelo Pondé de. A Bahia de Carlos Bastos. In: BASTOS, Carlos. Carlos Bastos. Rio de
Janeiro: Carlos Bastos, 2000. p. 178-205.
______. Bahia de todos os santos: guia de ruas e mistérios. 40. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 410.
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. São Paulo: Unesp; Salvador: Edufba, 2001.
BASTOS, Carlos. Carlos Bastos. Rio de Janeiro: C. Bastos, 2000. p. 230. p. 544.

CELESTINO, Antônio. Pátio das artes: do advento da arte moderna na Bahia e de sua memória. A TIRELLO, Regina. A marcha do conhecimento humano, de Carlos Magano. Disponível em:<www.
Tarde, Salvador, 28 fev. 1982. Caderno 2, p. 3. usp.br/cpc/v1/php/wf03_conservacao.php?apres=nao &id_item=9>. Acesso em: junho de 2014.

6
A Igreja de São Francisco de Assis, do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, projeto de Oscar Nie-
meyer e “Primeira igreja brasileira de partido realmente moderno” (LEMOS, 1979, p. 749), ilustra isso com os painéis em
azulejos de Portinari que revestem a parte externa e, no interior do templo, substitui o retábulo, até então imprescindível.

122 123
A PRESERVAÇÃO DO
MODERNO NA BAHIA
124 125
Entre o sonho e a
realidade: o desafio da
Preservação do CECR
José Dirson Argolo*

Ao conceber, nos idos de 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro-CECR, dotando-o de um


número expressivo de obras de arte, de autoria de jovens artistas, àquela época ainda pouco conheci-
dos, sem a forte reputação que adquiriram ao longo de suas vidas, Anísio Teixeira demonstrava uma
enorme sintonia entre educação e cultura. Certamente não foi por acaso que escolheu pintores mo-
dernistas para enriquecer os espaços arquitetônicos arrojados, concebidos por Diógenes Rebouças e
Hélio Duarte. Os painéis, concebidos em diversas técnicas e variados estilos, são a expressão do que
havia de mais moderno e revolucionário para a época, na Bahia, e integram-se perfeitamente com
a arquitetura do Complexo Escolar, permitindo um diálogo com cada espaço onde estão inseridos,
contribuindo para o enobrecimento da arquitetura e servindo, ao mesmo tempo, como um instru-
mento importante para a educação dos jovens.

Para uma cidade com mentalidade barroca e neoclássica, como era Salvador, muito apegada ao Clas-
sicismo, que, no máximo, admitia obras de artistas baianos vindos da Europa após cumprimento de
bolsa de estudos, com alguns toques impressionistas, aquele conjunto de obras que contemplou o
CECR, de nítida influência cubista, com exceção do painel de Carlos Bastos, de concepção mais tradi-
cional, e do quadro de Djanira Motta, de estilo muito particular, causou um grande impacto, pois, até
hoje, mais de sessenta anos após a sua realização, ainda surpreende e impressiona pela modernidade.

Os painéis do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, com ênfase na Escola Parque, há mais de duas
décadas clamavam por socorro. Felizmente, o atual governo baiano, tendo à frente as Secretarias de
Educação e Cultura, em parceria com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC,
autor do projeto de restauração e do acompanhamento e fiscalização, tomou para si a responsabili-
dade de salvar aquele precioso conjunto de pinturas, da maior importância para a história do desen-
volvimento das artes plásticas da Bahia.

* Professor da Cadeira de Restauração da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia. Restaurador-chefe de


laboratório de restauro, autor de livros e artigos e pesquisador.

126 127
A manifestação de alguns agentes, como a natureza, o tempo e o homem, nas obras de arte é um
fato. Restaurá-las e conservá-las significa procurar deter esses agentes ou anulá-los por meio de inter-
venções de caráter técnico e/ou estético. É importante possuirmos a consciência da fragilidade das
pinturas, pelo fato de serem constituídas, na sua grande maioria, por materiais de origem orgânica,
muito vulneráveis aos agentes físicos, químicos, biológicos e atmosféricos. Além da fragilidade de
seus suportes, a essência das obras está na sua película pictórica, muitas vezes reduzida a frações de
um milímetro de espessura.

Conservar obras de arte num espaço museológico permanentemente monitoradas por aparelhos que
controlam os níveis de umidade e temperatura, além de uma equipe de profissionais especializados
sempre atenta, é um desafio. Imagine a conservação de obras de arte, em conjuntos escolares, com
crônica carência de manutenção física do imóvel, dos equipamentos e de tudo o mais que é necessário
para o bom funcionamento de uma unidade de ensino. A manutenção das obras de arte acaba ficando Figura 01
relegada a um segundo plano.
do CECR. Infelizmente, no Brasil, por escassez de recursos, não se adota uma política voltada para
Para a boa conservação das obras de arte é necessário primeiramente investir na preservação do a preservação e a conservação e se permite que as obras de arte cheguem a um estado de quase ar-
imóvel que as abriga. A conservadora britânica Sharon Carter, em workshop realizado em São Paulo, ruinamento, para, depois, se pensar em restauração. Além dos problemas já elencados que afetaram
em 2003, chamava a atenção para a proteção do “envelope”, para que os objetos mantidos dentro a construção arquitetônica, trazendo malefícios aos painéis, foram mapeados, durante o diagnóstico
dele estivessem razoavelmente protegidos. Por “envelope” entende-se a caixa arquitetônica: telhado, realizado antes e durante a restauração, os seguintes agentes:
paredes, portas, janelas, outras aberturas e o piso. Foram justamente as falhas no “envelope” que
provocaram diversas patologias, algumas irreversíveis, no caso dos painéis de Mario Cravo, Carybé - Atos de vandalismo (figura 02): arranhões com instrumentos pontiagudos, inscrições com lápis,
e Maria Célia. Foram determinantes na degradação dos painéis alocados no “envelope” do Pavilhão canetas etc., que tiveram como alvo, especialmente, os afrescos de Carlos Magano, Jenner Augusto e
das Artes: goteiras provenientes de fendas nos telhados, excessiva umidade da parede, seja por ca- Maria Célia Calmon (Escola Parque) e Carlos Bastos (Escola-Classe I) e Carybé (Escola-Classe II);
nalização hidráulica defeituosa (painel de Maria Célia) ou pela ocupação indevida de área da Escola,
permitindo que construções clandestinas se instalassem nas proximidades da parede oposta ao painel - Negligência, quando da realização de pinturas de tetos e paredes (figura 03): Respingos de
de Carybé, além das vidraças sem proteção de filtros solares, trazendo, como consequência, a perda tinta eram evidentes em todos os painéis, provocando manchas na camada pictórica. Observou-se,
de quase 20% do painel de Carybé e 40% do de Mário Cravo. também, a presença de pregos oxidados de vários tamanhos fixados nas superfícies pintadas, inclusive
em partes importantes da representação iconográfica;
Por ocasião da colocação dos painéis de Carybé e Mário Cravo na parte superior das paredes dos
pavilhões de arte da Escola Parque, próximos às vidraças, certamente não foram avaliados os perigos - Ataque de insetos xilófagos (figura 04), sem dúvida, a mais grave patologia a atacar os painéis
que a iluminação natural da luz visível e as radiações invisíveis, principalmente a ultravioleta, emitida que tinham como suporte a madeira. Todas as madeiras que compunham os painéis de Carybé e
pelo sol, provocariam sobre as obras dos dois grandes mestres da arte baiana. Nos trópicos, a inten- Maria Célia Calmon estavam seriamente comprometidas, a maioria em estado de “desfolhamento”.
sidade da luz solar pode chegar a 10.000 lux, nos meses de verão. A luz direta do sol que passa pelas
vidraças incide sobre as duas extremidades dos painéis acima citados e é uma das principais causas da
degradação dessas obras, somada às infiltrações pluviais e ao feroz ataque dos insetos xilófagos, es-
pecialmente os cupins. Esses agentes, aliados aos atos de vandalismo, foram as causas da degradação
dessas obras

Diante disso, manter um acervo precioso numa escola frequentada por milhares de jovens, prove-
nientes de várias camadas sociais, converte-se num desafio permanente. Ao analisar as patologias
encontradas nos vários painéis espalhados pelas quatro unidades que compõem o Centro Educa-
cional Carneiro Ribeiro, isso fica muito evidente. Constata-se que um número expressivo de danos
foi causado por atos de vandalismo, provocados pelos usuários do Complexo Escolar. Então, para
proteger os painéis, após a conclusão dos atuais trabalhos de restauração, é necessário conhecer as
causas de degradação e as patologias que quase colocaram em estado terminal o conjunto de obras

128 129
Figura 02 Figura 03 Figura 04
PROCESSOS E CONCEITOS DE RESTAURO UTILIZADOS e, mesmo assim, com muitos comprometimentos da própria policromia. Optou-se pelo compensado
naval em cedro para substituição da madeira removida.
O Studio Argolo empregou, na restauração dos painéis do CECR, a melhor tecnologia atualmente
disponível a serviço da restauração de obras de arte. Cuidados especiais foram tomados nos pro- Figura 06 Figura 07
cedimentos de limpeza das pinturas, pela sua fragilidade, tendo sido empregado o raio laser, borra-
cha wishab soft e bicarbonato de amônia (figura 05) na remoção de sujidades dos afrescos de Carlos
Magano e Jenner Augusto, na Escola Parque, e na pintura a têmpera do painel de Carybé, na Escola-
Classe II. Produtos químicos de ponta, recomendados pela química do Instituto Real do Patrimônio
Artístico de Bruxelas – IRPA ( Liliane Masschelein-Kleiner e o químico americano Richard Wolber),
foram usados na limpeza das pinturas sobre madeira. Na remoção dos retoques alterados, além dos
produtos químicos, fez-se uso de bisturis cirúrgicos. Particularmente difícil foi a supressão dos atos
de vandalismo, representados por inscrições, perfurações, arranhões, riscos, etc., que vitimaram as
pinturas murais. A fixação das pinturas foi feita com Primal AC 33, colas de coelho, Paraloid B 72 e
Beva 371, em percentagens controladas para permitir a acomodação das películas desagregadas, sem
macular o aspecto físico e estético de cada obra.

Figura 05

Na recuperação estética das grandes lacunas, especialmente nas extremidades do painel de Carybé,
onde as perdas eram significativas, procurou-se dar à obra uma unidade de leitura, privilegiando as
suas peculiaridades, diferenciando as partes faltantes, que foram reconstituídas, de maneira a torná-las
reconhecíveis (leitura crítica), mas, ao mesmo tempo, integradas no contexto da obra, de modo que a
leitura pudesse ser feita, neutralizando-se as graves feridas. Para tal, as partes faltantes foram comple-
tadas com a técnica de abstração cromática. As partes originais que apresentavam algumas perdas
foram recuperadas com veladuras sucessivas e a técnica de seleção cromática, de modo a reconstruir
as partes faltantes, porém mantendo a legibilidade da intervenção. Essas técnicas foram desenvolvidas
nos laboratórios da Superintendência dos Bens Históricos e Artísticos de Florença, após a enchente
de 1966, que vitimou consideravelmente o patrimônio dessa cidade, berço do Renascimento. No
painel de Maria Célia e Carlos Bastos, as lacunas eram pequenas e foram reintegradas com a técnica
ilusionista ou mimética. Empregaram-se, na reintegração cromática, aquarelas fabricadas pela Winsor
Os painéis pintados sobre madeira consumiram um maior tempo de trabalho e exigiram um esforço
& Newton, tintas à base de verniz (figura 01), exclusivas para uso em restauração de obras de arte, a
e uma dedicação especial da equipe. Pelo estado gravíssimo que seus suportes apresentavam, não é
exemplo de Maimeri e Di Volo, de fabricação italiana.
exagero dizer que o grande painel de Carybé – O Átomo e a Evolução do Trabalho (figuras 08 e 09) – e o
de Maria Célia Calmon – O Ofício do Homem (figuras 06 e 07)– eram pacientes em estado terminal. Os
Figura 08 Figura 09
cupins haviam devorado grande parte da madeira, reduzindo-a a uma massa esponjosa, com aspecto
de casa de abelha. Por segurança, antes da desmontagem dos painéis, as placas de compensado que
os compõem foram cadastradas e tiveram a sua pintura totalmente faceada. Várias peças tiveram que
ser removidas com o auxílio de padiola, pela ameaça de desintegração. Caso raro na restauração: tanto
a pintura de Carybé como a de Maria Célia foram submetidas ao processo de transposição total de
seus suportes, salvando-se apenas a última camada de compensado, que continha a película pictórica

130 131
Para garantir uma maior estabilidade às obras cujo suporte era a madeira, as paredes onde se acham e) monitoramento, através de câmaras digitais e fiscalização permanente, com a partici-
fixadas receberam, em observância ao projeto do IPAC, um reforço estrutural de placas de fibroci- pação da administração e de seu corpo técnico;
mento. Esse recurso impermeabiliza a parede e funciona como isolante térmico. Substituiu-se o an-
tigo engradado de madeira por perfis de alumínio, mantendo os painéis afastados das placas cimentí- f) orientação às empresas de reparos, especialmente durante a montagem de andaimes,
cias, protegendo-os principalmente da umidade. Após o restauro, uma barreira de perfis metálicos, de procedimentos de pintura etc., quanto à absoluta e prévia proteção do acervo.
fixados no solo, dotados de correntes, providenciados pelo IPAC, passou a proteger os painéis da fácil
acessibilidade, dificultando, assim, atos de vandalismo (figuras 10 e 11). Espera-se que a recuperação desse extraordinário conjunto de obras de arte, há anos reclamada
pela sociedade baiana, sirva de estímulo aos usuários do Centro Educacional, nesse ano em que se
Figura 10 Figura 11
comemora o Centenário do arquiteto Diogénes Rebouças, a fim de que o precioso e imponente con-
junto artístico seja protegido das patologias que ameaçaram a sua sobrevivência.

Nota: Equipe de restauro - José Dirson Argolo, Gianmario Finadri, Cláudia Maria de Cerqueira
Barbosa, Carine Ferreira Reis, Welber Santos da Conceição, Maria Isabel de Jesus Pereira (restaura-
dores); José Raimundo Souza de Jesus Jaime Leopoldo Santana, Franklin Conceição Gomes e Wendel
Sena de Freitas (mestres-marceneiros); Antônio Hélio Silva dos Santos, Roberto Lima Santos e Sérgio
Luiz Silva Santos (técnicos de restauro); e Waldemar Silvestre Carlos (coordenação logística)

Figura 12

Para que as futuras gerações possam usufruir do prazer estético que emana dessas obras, é necessária
a adoção permanente de medidas de proteção que garantam a sua estabilidade física e estética. Para
isso, torna-se necessário:

a) Vistoria e manutenção periódica do telhado, vidraças (especialmente nos períodos


que antecedem as chuvas), instalações elétricas e hidráulicas;

b) avaliação periódica da incidência ou reincidência de insetos xilófagos;

c) treinamento dos professores e funcionários na diuturna vigilância do acervo e uma


especial atenção aos móveis e equipamentos, para que não sejam encostados nas obras
ou mesmo colocados em sua proximidade;

d) programa de educação patrimonial, visando a conscientizar os alunos, ingressados


semestralmente, da importância do acervo, programa esse que poderia ser estendido à
vizinhança do complexo do CECR;

132 133
A Política de Salvaguarda
Nara de Souza Gomes*

A política de salvaguarda do patrimônio cultural conjetura a atribuição de significado a determinados


bens, envolvendo ideias que mudam com o tempo, com os valores da sociedade e se relacionam com
o conceito de identidade. No âmbito estadual, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
– IPAC é o responsável por essa atribuição, através da Lei 8.895/2003, regulamentada pelo Decreto
10.039/2006, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do
Estado da Bahia.

Durante a sua trajetória1, predominou o interesse pela salvaguarda de bens ligados à arquitetura co-
lonial e barroca do século XVIII, influenciado pelas diretrizes estabelecidas pelo Instituto do Pa-
trimônio Artístico e Nacional– IPHAN2, e posteriormente ampliado com a proteção de bens ecléti-
cos. Mais recentemente, com as transformações e ampliações conceituais sobre o patrimônio cultural,
exemplares da arquitetura moderna foram reconhecidos como patrimônios do Estado, e para en-
tendermos sua importância como referenciais de um tempo, faz-se necessário retornarmos um pouco
na história.

O Modernismo, que apesar do nome, já não é moderno no sentido de ser contemporâneo, foi um
movimento artístico e cultural que se iniciou na Europa, no início do século XX, a partir da articula-
ção de um trio de vetores: técnica, forma e ideologia. Foi fruto de uma era marcada pelo advento da
ciência, da produção em massa, das novas democracias, da nova arte, da arquitetura, da industrializa-
ção, do crescimento das cidades, dos novos meios de transportes e demandas. No Brasil, a arquitetura
moderna é amplamente reconhecida por sua qualidade e pela forma como assimilou os valores estéti-
cos e construtivos das vanguardas à nossa cultura; fez parte do processo de construção de identidades
e exige, portanto, nosso interesse para com a sua conservação e preservação.
Figura 02

* Especializada em Gestão de Pessoas pela Unime. Graduada em História com Habilitação em Patrimônio Cultural pela
Universidade Católica do Salvador. Gerente de Patrimônio Material do IPAC.
1
A Fundação foi instituída em 13 de setembro de 1967, durante o governo de Luiz Viana Filho, através da Lei Nº 2.464,
regulamentada pelo Decreto Nº 20. 530, de 03 de janeiro de 1968. Em 1980, passou a ser Instituto, sendo, então, denomi-
nado IPAC.
2
O processo de escolha do que passou a ser considerado patrimônio nacional teve alguns marcos emblemáticos. Minas
Gerais foi identificada como o berço da civilização brasileira, e o barroco mineiro adquiriu valor estético e tornou-se uma
unanimidade nacional.

134 135

Figura 01
A Bahia possui um grande número de exemplares relacionados à modernidade, mas a divulgação
restrita sobre suas histórias e características contribui para a dificuldade de valoração pela sociedade.
Acreditando que o conhecimento é o caminho para tornar os monumentos parte da nossa memória
afetiva e, consequentemente, fazer emergir a consciência de preservação, urge tornar mais visíveis as
expressões artísticas modernistas reconhecidas como patrimônio cultural da Bahia3 e trazer à tona
as questões que cercam esses marcos referenciais, como objetos que foram pinçados dentre tantos
outros.

Entendido por muitos como um rito social pelo qual é possível uma transferência de valores, o
tombamento é o instrumento jurídico de salvaguarda que se aplica aos bens culturais materiais -
edificações, objetos, obras de arte etc. -, com o objetivo de preservar o seu valor histórico, cultural,
arquitetônico, artístico e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser
Figura 05 Figura 06
destruídos ou descaracterizados. Em 2008, visando salvaguardar exemplares modernos em linguagem
art déco, foram tombados provisoriamente4 os edifícios do Hospital Aristides Maltez (figura 02), o
antigo Jornal A Tarde (figura 03), Cine Teatro Jandaia (figura 04), Oceania (figura 01), Sulacap (figura
05) e Dourado (figura 06), todos localizados em Salvador; e o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico
da Estância Hidromineral da Cidade de Cipó (figura 07). O edifício do Instituto do Cacau (figura 08),
também pertencente a essa linguagem, foi tombado pelo Governo Estadual, através do Decreto nº.
8.357, de 05/11/2002. De autoria do arquiteto alemão Alexander Buddeüs, foi concebido como um
grande armazém capaz de comportar mais ou menos 250.000 sacas para estocagem do produto, em
condições técnicas perfeitas. Apresentava, no início dos anos 30, notáveis avanços técnicos: lajes-
cogumelo e articulação com o porto, através de esteiras subterrâneas5.

Figura 07

Figura 03 Figura 04

3
O patrimônio cultural, para fins de preservação, é constituído pelos bens culturais cuja proteção seja de interesse público,
pelo seu reconhecimento social no conjunto das tradições passadas e contemporâneas do Estado, de acordo com a Lei nº
8.895/2003, que institui normas de proteção e estímulo à preservação do patrimônio cultural do Estado da Bahia.
4
O tombamento provisório é instituído até que se homologue, por decreto do Governador, o reconhecimento do bem
como patrimônio cultural do Estado.
5
Parecer Técnico s/nº do Conselho Estadual de Cultura da Bahia.

136 137

Figura 08
Figura 09

138 139
No ano de 1981, ações de salvaguarda das expressões da arquitetura moderna6 foram implementadas O primeiro encontra-se provisoriamente salvaguardado e está em fase de análise pelo Conselho Esta-
pelo IPAC e, nas primeiras décadas dos anos 2000, novos exemplares foram objeto de estudo de dual de Cultura. O Hotel da Bahia é tombado através do Decreto Estadual nº. 12.494, de 03/12/2010.
tombamento. A pintura mural do artista Genaro de Carvalho (figura 09), exposta no Hotel da Bahia, Seu reconhecimento adveio da manifestação de diversos segmentos da sociedade para impedir o seu
localizado no Largo do Campo Grande, em Salvador, encontra-se sob proteção de tombamento es- desvio de função, após a sua venda. Possui valores históricos e arquitetônicos reconhecidos mundi-
tadual, através do Decreto nº. 28.398, de 10/11/1981. O artista consagrou-se nacionalmente como almente, tendo sido duas vezes publicado na revista francesa L’Architecture d’aujourd’hui, além de ser
tapeceiro, foi um dos pioneiros da arte moderna na Bahia, e a sua obra tem sido uma expressiva refe- também citado no livro Modern Architecture in Brazil, de Henrique Mindlin.
rência de unidade estilística7. Nesse mesmo ano, o Governo do Estado reconhece como patrimônio
cultural o Conjunto Escola Parque, cuja salvaguarda será enfatizada, mais adiante.

Nos anos 2000, o mural do artista Lênio Braga (figura 10), localizado na Rodoviária de Feira de San-
tana, foi tombado pelo Governo Estadual, através do Decreto nº. 8.042, de 01/10/2001. Trata-se de
um grande mural, inspirado em motivos do folclore e da história regional, tendo sido concebido com
um acentuado vigor plástico, referência para artistas e críticos, no Brasil e no Exterior8. Em 2002, o
mural do artista Carlos Bastos (figura 13), incorporado ao Edifício Argentina, no bairro do Comér-
cio, em Salvador, também foi reconhecido como patrimônio cultural da Bahia, através do Decreto
n°. 8.357, de 05/11/2002. O mural intitulado “O Comércio no Porto de Salvador, no Princípio do
Século XIX” é um marco na pintura mural brasileira e baiana9. Mais recentemente, em 2008 e 2010,
o Edifício Caramuru (figura 11) e o Hotel da Bahia (figura 12) passaram a agregar a lista de bens cul-
turais protegidos pela Lei 8.895/03.

Figura 11

Figura 10

6
Importante notar que a arquitetura moderna compreende um amplo espectro de linguagens arquitetônicas, não se redu-
zindo ao movimento moderno em arquitetura, mas abarcando uma ampla diversidade de manifestações formais da mo-
dernidade, tais como o art déco, o neocolonial, o futurismo, e a propria vertente racionalista do estilo internacional.
7
Parecer Técnico nº17/80 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra.
8
Parecer Técnico nº18/86 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra.
9
Parecer Técnico nº01/86 do Conselho Estadual de Cultura da Bahia indicando o tombamento da citada obra.

140 141

Figura 12
142 143

Figura 13
Em 1980, o Conselheiro Juarez Paraíso encaminhou ao Plenário do Conselho Estadual de Cultura, in-
dicação para tombamento do Conjunto Escola Parque (figura 13). Após análise das informações para
subsidiar uma resposta, deliberou-se pela abertura do processo, iniciando-se a elaboração do dossiê
que culminou com seu tombamento definitivo, institucionalizado através do Decreto n°.28.398, de
10/11/1981. Esse dossiê teve por objetivo explicitar o valor cultural do bem, de modo a fundamentar
a sua proteção por meio do Instituto do Tombamento, conforme o estabelecido pela Lei nº. 8.895/03.

Nesse processo, foram registrados os valores histórico, arquitetônico, artístico, paisagístico e referen-
cial do Conjunto. Tais valores deverão, necessariamente, ser considerados em todas as operações liga-
das à sua conservação. Nesse sentido, pôde-se destacar que o Conjunto Escola Parque é um exemplar
significativo do pensamento educacional instituído pelo Governo nos anos de 194010, apresentando
valor documental, ao servir de testemunho não só da forma de atuação do Estado em relação à edu-
cação, mas também do modo como a ideologia modernista começava a introduzir, naquela época,
uma nova forma de edificar. Além disso, pôde-se destacar que esse Conjunto representou, também
em seus traços principais, a obra de arquitetos ligados ao Movimento Moderno, já que demonstrou os
traços característicos daquela arquitetura. As obras de arte, de renomadas personalidades11, integradas
à edificação resultam de uma estreita colaboração entre o artista e o arquiteto, recorrente nas obras do
Movimento Moderno, em oposição à utilização de elementos aplicados, com finalidade meramente
decorativa. Por fim, o Conjunto configura-se como marco visual, presente na memória coletiva en-
quanto componente significativo no perfil arquitetônico moderno que compõe o bairro da Caixa
D`Água e seu entorno e, como tal, necessita ser preservado para as gerações futuras, garantindo a sua
perenidade, numa paisagem passível de permanente mutação.

REFERÊNCIAS

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ções sobre o patrimônio arquitetônico de Salvador a partir dos anos 1950. In: Anais do 6º Seminário
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ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de & LEAL, João Legal. Arquitetura Moderna e Reciclagem
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BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.
GALEFFI, Lígia Larcher. A linguagem Déco na arquitetura: uma dimensão da arquitetura moderna – Salvador
nas décadas de 1930-1940. (Dissertação de Mestrado). Salvador: UFBA, 2004.
CANEZ, Ana Paula. Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre:
Unidade Editorial, 1998.
PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: Difusão e adaptação de modelos urbanos. Salvador:
EDUFBA, 2002.
10
O Governo de Octávio Mangabeira possuía um plano para a recuperação do ensino primário no Estado e a construção
dos Centros Educacionais.
11
Mário Cravo Júnior, Carybé, Carlos Bastos, Maria Célia Amado, Jenner Augusto, Udo Knoff, Carlos Magano e Djanira
da Motta e Silva.

144 145
A Manutenção
do Monumento
Escolar Tombado
Milena Luisa da Silva Tavares*

O ato do tombamento, exercido pelo Poder Público1, se constitui em um passo importante para a
preservação do patrimônio, considerado de interesse para a sociedade. Embora mantenha a proprie-
dade do bem cultural, institui limites e critérios de intervenção na unidade a ser salvaguardada, com
o objetivo de impedir sua descaracterização. (SANT’ANNA, 1995). A interferência do Estado na
propriedade passa a ocorrer a partir da Constituição de 1934, quando é instituída a função social ou
coletiva da propriedade como princípio constitucional. Quanto ao argumento jurídico nessa ação,
esclarece que a coletividade

[...] passaria a ser, por força do valor cultural identificado no bem, sua co-proprietária,
ou melhor, uma parte legalmente constituída a quem o titular do bem material deve
satisfações quanto à sua conservação. Conviveriam, na coisa tombada, portanto, duas
dimensões: uma material, pertencente ao domínio privado e relativa ao fundamento
econômico da propriedade; e uma imaterial, que expressa “valores não econômicos” e
“inapropriáveis individualmente”, que se identifica com um interesse público e diz res-
peito à coletividade. (SANT’ANNA, 1995, p. 80)

Não é apenas o tombamento que garante a preservação do bem cultural, pois essa só ocorre, de fato,
quando o objeto se mantém em bom estado de conservação. Por lei, o proprietário, que detém o
direito comercial do bem cultural tombado, resguarda ainda a responsabilidade pela manutenção das
suas qualidades físicas, devendo notificar ao órgão de salvaguarda se o patrimônio protegido estiver
sendo ameaçado. Caso prove ser desprovido de recursos, para adotar medidas que evitem ou que
sejam necessárias para reverter danos ao elemento tombado, deverá levar o problema ao conheci-

* Especialista em Conservação e Restauro de Monumentos e Sítios Históricos pela UFBA. Especialista em Gestão Cul-
tural dos Estados do Nordeste, UFRPE. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAUFBA. Gerente de Restauro de
Elementos Artísticos do IPAC.
1
Encontram-se tombadas pelo Governo da Bahia as seguintes escolas: Conjunto Escola Parque (Salvador), Instituto Ponte
Nova (Wagner) e o Colégio Nossa Senhora da Vitória (Marista, em Salvador), Colégio Nossa Senhora da Piedade e Palácio
Episcopal (Ilhéus).

146 147
02 02

01

01 01 01 02 02

Legenda fotos

01 - Instituto Ponte Nova


(Wagner - BA)

02 - Antigo Colégio Nossa


Senhora da Vitória- Maris-
ta (Salvador - BA)

03 - Conjunto Arquitetôni-
co da Piedade (Ilhéus
03
- BA)

148 149

03 03 02
mento do Poder Público, a quem, nesse caso, caberá agir de acordo com o estabelecido na Legislação à sua estrutura profissional uma equipe interdisciplinar, composta por indivíduos especializados em
incidente2. áreas como: arquitetura, engenharia civil, elétrica, agronomia, hidráulica, segurança, com capacidade
de atendimento às diversas unidades educacionais. Caso haja muitas escolas, para um controle eficaz,
O tombamento não impede que o objeto de interesse cultural seja usufruído, vendido, alugado ou valerá a pena treinar, em cada localidade, um funcionário que se dedique a zelar pela manutenção,
transferido a herdeiros. Por lei, caso haja interesse na venda, basta que o responsável legal encaminhe responsabilizando-se pela realização de vistorias, para identificação inicial de danos, como apareci-
uma comunicação prévia à instituição responsável pela preservação, para que seja exercido o direito mento de fissuras, por exemplo, a fim de que essas sejam monitoradas na origem, minimizando os
preferencial de adquiri-lo. O mesmo ocorre, caso haja interesse em realizar obras em unidades imo- custos de saneamento do problema.
biliárias protegidas legalmente. Ao contrário do que se pensa, é possível, sim, intervir no elemento
tombado, desde que sejam respeitados critérios técnicos e filosóficos específicos. Nesse caso, é ne- Sabe-se que a matéria que constitui os elementos tangíveis está sujeita ao desgaste natural e resguarda
cessário encaminhar uma proposta ao órgão público responsável pelo acautelamento3, desenvolvida propriedades físicas e químicas que sofrem alterações, quando submetidas a agentes que interferem
por profissional habilitado, para análise prévia, visando: orientação, adequação e aprovação. No mo- na sua constituição. Assim, a manutenção de qualquer objeto está intimamente vinculada ao compo-
mento da execução haverá ainda fiscalização, a fim de garantir o cumprimento do que foi licenciado. nente da sua formação, à técnica construtiva utilizada e às condições ambientais a que está submetido.
A presença de umidade constitui-se em um dos principais fatores que desencadeiam o aparecimento
O imóvel que oferece serviço didático é, pela própria natureza, um patrimônio de todos. Na escola, o de patologias nas construções, ocasionando danos, muitas vezes irreversíveis. Portanto, é importante
aluno passa grande parte de seu tempo dedicando-se ao exercício da busca pelo saber, à sociabilidade monitorar o aparecimento de infiltrações, a partir de vistorias do telhado e canalizações de drenagem,
e à construção de sua identidade, conquistando, inclusive, a afirmação de memórias significativas em valendo a pena observar a necessidade de substituição de telhas e a contenção de pontos frágeis à
sua trajetória de crescimento, sendo recorrente o estabelecimento de laços afetivos com o lugar de ação das águas, bem como retirando detritos que impeçam o escoamento em canalizações de reco-
aprendizado, que marcou sua história de desenvolvimento intelectual. lhimento pluvial, como folhas de árvores e papel. Devem-se ainda retirar vegetações que porventura
se desenvolvam na construção, pois suas raízes danificam a alvenaria e outros elementos estruturais,
Vale a pena observar que ocorre grande trânsito de pessoas entre as acomodações do monumento bem como a poeira que se deposita nos elementos integrados, que, por ser constituída de partículas
escolar tombado, o que já indica a necessidade de especial atenção dos gestores com relação à con- leves em suspensão, chegam paulatinamente ao ambiente e vai impregnando as peças, uma vez que,
servação da sua estrutura física, pois, antes mesmo de atender a questões relativas à preservação, uma além de favorecer o surgimento de agentes biológicos6, pode carregar ácidos agressivos aos materiais,
manutenção eficiente visa a oferecer bem-estar aos estudantes e aos profissionais da educação, a fim devido ao contato com a poluição atmosférica.
de garantir melhor aprendizado e segurança, no sentido de evitar a ocorrência de acidentes que pos-
sam oferecer riscos à integridade física de quem circula pelo imóvel. Observa-se que simples atitudes que podem ser consideradas domésticas já seriam suficientes para
reverter patologias advindas da construção. Além das ações já citadas, recomenda-se: atenção aos
A disposição do espaço dedicado ao ensino visa a atender a funções e usos advindos da dinâmica edu- pontos de ferrugem, conter incidência de raio ultravioleta em bens que resguardem mérito de preser-
cacional, que não deve ser engessada. Resguarda características relacionadas à pedagogia, à tradição vação, por meio da inserção de filtros ou barreiras nas esquadrias, não utilizar produtos abrasivos
e à filosofia do ensino, indicando possibilidade de interesse, em algum momento, de atualizar o pro- na limpeza e exercer controle eficaz ao vandalismo7 e ao ataque biológico, seja por fungos, insetos
grama do imóvel. Uma vez que viver em sociedade demanda o atendimento a leis de diversas ordens, xilófagos, microrganismos, fezes de pombos ou morcegos. Em Tavares (2013), é lembrado que o
para exercer alterações, faz-se necessário o atendimento a diretrizes relacionadas ao ordenamento de restauro representa um custo monetário considerável e constitui-se sempre em uma intervenção que
uso do solo e a técnicas construtivas, cabendo conhecimento de normas técnicas relacionadas a obras, altera o objeto original, ainda que de forma imperceptível; portanto, mesmo sendo exercido de forma
sejam essas de adaptação, ampliação, acessibilidade ou conservação. Da mesma forma, para intervir criteriosa, merece ser evitado, por meio de práticas adequadas de conservação8.
no imóvel tombado, ou em sua vizinhança, é preciso buscar antecipadamente autorização no órgão
responsável pela salvaguarda4. REFERÊNCIAS

Para conservar a estrutura imobiliária escolar, o gestor responsável deve prever um planejamento BAHIA (Estado). Lei n.º 8.895, de 16 de Dezembro de 2003.
estratégico com escala de prioridades. Com relação às escolas públicas, por exemplo, dependendo da
dimensão da rede de educação e da sua necessidade de atendimento5, ele será impulsionado a agregar BRASIL, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. CURY, Isabelle (Org.). Cartas Pat-
rimoniais. 2.a ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
2
No caso da escola ser tombada pelo Estado da Bahia, deve ser observado o que determina a Lei n° 8.895, de 16.12. 2003
- Capítulo II Art.° 14° §4° I, II, III e IV, regulamentada pelo Decreto n.° 10.039, de 2006.
3
Caso seja tombado pelo Governo Federal, a proposta deverá ser encaminhada ao Instituto do Patrimônio Histórico e 6
Agravando-se, quando há pouca aeração no local.
Artístico Nacional. Caso seja tombado pelo Governo Estadual, ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural Estadual e, 7
Na Escola Parque houve riscos e inscrições em painéis e murais artísticos, de valor incomensurável, indicando necessidade
caso seja tombado pelo Município, ao Setor de Preservação Municipal. de oferecer educação patrimonial aos usuários.
4
No caso da escola ser tombada pelo Estado da Bahia, Lei citada, Capítulo II Art. 11°, 12° e 13°. 8
John Ruskin, na Inglaterra, destaca-se na adoção pura dessa prática, em que defende uma teoria considerada romântica,
5
Conforme ocorre na Secretaria de Educação do Estado da Bahia, que resguarda um setor com esse objetivo. baseada na não intervenção restaurativa e, sim, na simples conservação dos monumentos.

150 151
BOITO, Camillo. Os Restauradores. Conferência feita na Exposição de Turim em 7 de junho de 1884.
Tradução Paulo Mugayar Kühl; Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

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TAVARES, Milena Luisa da S. O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) na salvaguarda de bens
móveis e integrados na Bahia. Monografia UFRPE, 2013.

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Anexos
Decreto Nº 28398/81

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Créditos das fotografias deste volume:
capa: acervo Escola Parque
páginas 4 e 5: acervo Escola Parque | página 8: acervo Fundação Anísio Teixeira | página 11: Lázaro Menezes
(topo, à esqueda) e acervo Escola Parque | página 12: acervo Escola Parque | páginas 14 e 15: acervo Escola Parque
página 16: Lázaro Menezes | páginas 18/19: acervo Escola Parque | páginas 20/21 e 22: José Carlos Almeida
página 31: acervo Museu Tempostal | páginas 32, 36, 37 e 38: Josias Santos | página 40: acervo Escola Parque
página 45: acervo da família Accioly Vieira de Andrade | página 46: acervo do Instituto de Educação Euclides Dantas
página 51: acervo Escola Parque | página 54: acervo Diógenes Rebouças / Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia
página 56 e 57: acervo Escola Parque | páginas 58/59, 60, 63 e 64: acervo Fundação Anísio Teixeira
páginas 66 e 72: Jaci Menezes| página 73: Nivaldo Andrade/ Google Maps | páginas 74, 76 e 80: acervo Zélia Bastos
página 83: acervo Fundção Anísio Teixeira | páginas 84, 91, 92, 93 e 94: acervo Escola Parque
páginas 98/99 e 103: Paulo Nunes | página 104: Lázaro Menezes | página 108: Elias Mascarenhas (topo, à esquerda) e
Lázaro Menezes | páginas 110 e 113: Lázaro Menezes | página 114: Elias Mascarenhas
página 116: Elias Mascarenhas (topo) e Lázaro Menezes (base) | página 117: Lázaro Menezes
página 118: Gianmario Finadri / Studio Argolo | página 119: Elias Mascarenhas (topo) e Lázaro Menezes (base)
páginas 120/121: Gianmario Finadri / Studio Argolo | páginas 122/123 e 124: Studio Argolo
páginas 127, 128 e 129: Studio Argolo | página 130: Lázaro Menezes | página 131: Studio Argolo
páginas 132, 134, 135 e 136/137: Lázaro Menezes | página 138: Elias Mascarenhas | página 139: Lázaro Menezes
(topo) e Roberto Nascimento (base) | páginas 140/141: Elias Mascarenhas | páginas 143 e 144: Lázaro Menezes
páginas 146/147: Elias Mascarenhas (Inst. Ponte Nova), Roberto Nascimento (Colégio Nossa Senhora da Vitória -
Marista) e Lázaro Menezes (conj. arquitetônico da Piedade) | página 151: Lázaro Menezes
página 152: acervo Escola Parque | páginas 153 e 154: reprodução Diário Oficial do Estado da Bahia e reprodução de
folder - IPAC (p. 154)| página 155: reprodução jornal A Tarde | páginas 156/157: Lázaro Menezes
contra-capa: acervo Escola Parque

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Salvador - Bahia - Brasil

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CONJUNTO ESCOLA-PARQUE

FUNDAÇÃO PEDRO CALMON

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