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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ-

IFCE – CAMPUS TIANGUÁ


Curso de Licenciatura em Letras
Disciplina: Literatura Brasileira IV
Discentes: Ricardo Vieira Lima e Alessandra de Araújo Manso
Professor (a): Maria Aparecida Munhoz de Omena
Considerações sobre o conto: As sete provas da traição – Dalton Trevisan

O conto As sete provas da traição foi publicado no ano de 1979 no livro O rei da Terra,
escrito pelo autor curitibano Dalton Trevisan. Ele se inspirou em habitantes de sua cidade, e
com isso criou personagens comumente encontrados no cotidiano, que permeiam até a
atualidade, pois as temáticas das suas obras retratam o lado obscuro do desejo e do amor,
e sobre esses temas ele vai abordar questões que geram tabus e relações complexas
relacionadas aos temas anteriores.
Devido ao fato de sua abordagem ser voltada a temas que geram tabus e temas complexos,
a criação do cotidiano dos seus personagens está voltada a situações de vida que geram a
perturbação nos personagens. O conto As sete provas da traição começa narrando a vida de
submissão de Maria a João: “Maria esfregava roupa no tanque, eis João que a chama para o quarto e
fecha a porta:
- Então é verdade o que eu pensava?
- Verdade o que, meu velho?
- Que o Ditinho não é o meu filho.
- Filho de quem então ele é?
- Seria o bastardo de certo André, um vizinho de um outro bairro, vinte anos passados.
- Você era muito faceira sua cadela.”
Nesse trecho do texto pode-se analisar a função dos dois integrantes citados da família
Maria é responsável pelas atividades domésticas, enquanto João muito provavelmente é
responsável por trazer os mantimentos para a família, logo observa-se uma pegada
bastante interessante do autor ao nomear os personagens principais de João e Maria, como
forma de representar a imensa quantidade de pessoas que passam por este tipo de situação
corriqueira no Brasil, tornando-se uma temática atemporal. Além disso, no trecho escrito
anteriormente é perceptível a maneira arisca que ele trata sua esposa a chamando de
cadela, dando a entender a sua relação de homem machista com Maria. João também faz
um questionamento a cerca de uma suposta traição, deixando explicita o tabu tão recorrente
da mulher não poder trair o homem, sendo algo escandaloso para a sociedade, enquanto a
traição do homem é retratada de forma bem mais comum em relação ao ato de trair da
mulher.
Logo após João falar sobre a suposta da traição de sua mulher ele começa a falar as sete
supostas provas (para ele é algo concreto e real): “– A prova é que tua irmã não quis casar com
ele. Por causa de tuas sem-vergonhices.
- A prova é que na noite em que fui sozinho ao baile, lembra-se do que você disse para ele?
- Saiu uma vez com a Rosinha. Deixou o anjinho lá no banco da catedral e foi encontrar o teu parceiro.
- A prova está aqui no lenço.
- Tenho que você mandou fazer feitiço contra mim por uma dona gorda.
- Por que você não deixou a Lula pousar lá em casa aquela noite que eu viajei?
- Ele é a cara do André. Essa é a maior prova. Logo o Ditinho que era o mais parecido com o pai.”
Logo após citar as supostas provas da traição, Maria vai desconstruindo uma a uma, mas
seus contra-argumentos não são aceitos por João, pois ele é bastante machista, e passou
um período deprimido dentro de um quarto após o falecimento de sua mãe, esse fator
corroborou para a construção de uma narrativa sobre uma suposta traição de sua mulher,
uma vez que, no ato de sua tristeza foi capaz de lembrar de acontecimentos ocorridos há 20
anos. Ele até mesmo começa a frequentar um terreiro de Umbanda como forma de
preencher um vazio existente dentro de sua mente.
Maria indaga onde seu esposo teria obtido algumas das supostas provas, ele reponde que
foram os espíritos que informaram para ele, tornando os seus argumentos bem mais
estranhos, pois ele estava atrelando as provas de algo físico a algo espiritual, cujo acesso a
essas informações eram obtidas por intermédio de forças superiores, as quais dão a
entender que possuem acesso a diferentes dimensões temporais, porque conseguiram
acessar informações restritas ao passado oculto de Maria.
João é bastante imponente e duro com sua esposa, ela não pode nem sequer duvidar dele,
pois provavelmente seria obrigada a ir ter com os espíritos. Neste trecho do texto isso fica
evidente: “Se Maria duvidasse, ele a apresentaria aos espíritos baixado na tenda divina.
- Pensa que sou boba de ir?
- O braço roxo de beliscões, agora a sacudida pelos cabelos grisalhos:
- Quer fazer pouco dos espíritos, sua diaba?
- Só não me mate, João. Se você acha que eu disse, então eu disse.”
Além de sua imponência e sua dureza para com sua esposa, esses são comportamentos
tão acentuados que acabam se configurando como violência doméstica física, psicológica e
verbal. Devido ao fato de não ser narrado como algo espantoso pelo narrador do texto, dá
margem para a interpretação de que aquela atitude tão condenável de João era executada
com frequência. E devido ao fato da narrativa ter sido publicada no ano de 1979, deixa claro
mais uma evidência: a baixa assistência por parte de órgãos da sociedade e do governo a
favor da mulher que passa por violência doméstica, algo que melhorou desde o lançamento
deste conto, mas ainda há muito o que melhorar.
Por fim, é inegável o fato de que a narrativa vai se emoldurando a favor de Maria deixando
claro em alguns trechos apresentados que se tratava de algo criado pela mente deprimida
de João, ou seja, não seria precisamente uma prova de traição, mas sim uma hipótese
criada a partir da reinterpretação de fatos consumados em um passado pouco próximo. Pois
quando João fala a maior prova, que seria a semelhança do seu filho Ditinho, com o André,
e logo após esse argumento, o narrador finaliza o conto com um contra-argumenta dizendo
que Ditinho era o filho mais parecido com João, deixando explicito que Maria não o tinha
traído.
O texto possui uma certa intertextualidade com a história de Dom Casmurro, na qual é
gerada a indagação: Capitu traiu, ou não traiu Bentinho? Dalton Trevisan chegou a escrever
um texto chamado Capitu sem enigmas, o qual defende a tese de que ela teria traído
Bentinho, pois enquanto Machado de Assis estava vivo, não havia um considerável número
de críticos que apoiassem essa ideia. Pois diante da interpretação de Trevisan os elementos
apresentados no texto corroboraram para a traição de Capitu. Portanto, é correto inferir que
no conto: As sete provas da traição não há traição, porque o contexto de vida de João e
Maria permite que o leitor possa fazer uma análise bastante clara sobre a existência de
traição ou não.
Referências Bibliográficas
São Paulo: Hucitec/Unicamp, 1989. Dalton Trevisan: Capitu without enigma.

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