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1

NÔMADES

Mal começara a primavera, com seus ventos mornos e luz mansa,


Quando a grande árvore acordou, discreta e verde,
E logo ostentou as plumas, que tinham vida em si,
E aguardou o momento certo.
Do alto de sua ramada, toda vazada de nadas,
Pediu às plumas prontidão, que a hora se acercava.
As plumas, com sua roupagem simplória, iniciaram distraídas
Seu voo inaugural, apontando as toscas sementes,
Para a terra, num balé de tortos números.
Unidas às plumas, como bêbadas bailarinas
As sementes adejaram, incertas, mas decididas,
E deitaram na terra indiferente,
Sua carga esperançosa
Que, silenciosas e contentes
Certamente germinariam
Novamente iniciando
Outro ciclo de verdores,
E paciência vegetal
2

FELICIDADE?

Carros, milhões, propriedades,


Influência, ascendência,
Que melhor aquisição, para uma vida feliz?
É melhor considerar
O benefício vindouro
E a consequência futura
Do pranto ou gargalhada
Que resultarão de tais escolhas.
Coisas palpáveis costumam
Cobrar preços absurdos.
São pesos e são tributos
Desumanamente impostos.
Melhores são meias medidas
Daquelas de sonhadores
Tais como cores e sons
Delicadamente envasados
Em elaboradas garrafas,
Ou nuvens roubadas dos céus,
Suntuosamente escondidas
Em suspiros ou meio sorrisos.
Sonhos e esperanças
São também ideais de consumo.
E sua posse traz aos possuidores
Riquezas inigualáveis.
3

PERDA E SOFRIMENTO

O desgosto de viver
De ideais impossíveis
Sonhando com caridade,
Benevolência e renúncia
Traz à pessoa de bem
Desesperança e temor.
Ser bom, como ser dadivoso,
Puro de ser ou estoico,
Tira do ser perspectivas,
Expectativas, surpresas,
De uma vida venturosa
Sem crenças inúteis e incertas.
Basta ser indiferente
A respostas fáceis
A perguntas abstrusas.
É melhor ser incompleto
Não sabedor de verdades,
Ou afirmações dogmáticas.
É melhor ser, apenas ser
E apreciar a meia luz
Das sombras que árvores dão.
4

Crer, porém duvidar

Certezas, soluções, resultados e méritos


São formas de duvidar
Descrer e se perguntar
Onde a verdade está.
Zombar do invisível
Não é o melhor meio de não ver
O que se vê e acredita.
Pensar, refletir, ver reflexos
E duvidar do etéreo
São formas de resistir
Ao que parece solidez.
Um grito, um cantar de pássaro,
O som de regatos ou insetos,
Trovões, vozes distantes,
Latidos, pios, o vento
São prova definitiva
Do que é tangível, vivo
E para nós são o bastante.
5

Ouvir, pensar, calar

Por razões desconhecidas,


Não ouço perorações,
Afetados discursos, pregações,
Afirmações definitivas,
Ou vozes que se vestem
De um pedantismo gratuito.
Ouço, sim, o som imaginário
De árvores dobrando ao vento,
Em pinturas ou pichações.
Ou então o grito alegre
De crianças e tico-ticos.
Talvez esta seja a razão
De não ser sério e adulto
Ou de ter só para mim
Opiniões e discursos
Aos quais faltam sentido
Seriedade ou certeza.
Sou um adulto impreciso
Descrente e algo estúpido
Mas minhas certezas são
Tão firmes e tão sólidas
Como nuvens engarrafadas.

NOBRE E VÃ ANTROPOLOGIA
6

Olhamos animais e coisas


De um alto pedestal
Como fôssemos obras completas
De um criador habilíssimo.
Mentira ou “wishful thinking”
Não importam, por serem pura
Estupidez.
Coisas e animais nos ignoram
Ou nos são indiferentes.
Vivem suas vidas sem perguntas,
Sem receios e ambições.
Sem medo e sem questões.
São o que são,
Nada mais.
Um lobo nada mais é
Que um lobo como os outros.
E nós, somos o quê?
Privilegiados primatas?
Ou estúpidas obras
Estupidamente incompletas.

SER É OUSAR SER


7

O título deste poema


Foi vergonhosamente plagiado
De algum filósofo morto.
Não ouso dizer quem é
Por não importar nem um pouco.
Penso bem, porém
No sentido desta frase
Que com tão poucas palavras
Exprime a condição humana,
Que não ousa jamais
E não comunga
Com quaisquer frases de efeito,
Ainda mais com aquelas
Que nada têm de inocentes,
Que mostram ao mundo, impunemente,
Covardia, fracasso e impotência.
Não somos o que queremos
Por inércia, por princípio.
Apenas cascas inertes, sem estofo
Sem cor e sem vontade.

A RESPEITO DA PAZ
8

Não se pode exigir


Que o momento presente
Seja de silêncio e paz
E que traga à alma um momento
De pura e feliz transcendência.
Para tanto é preciso
Vencer dúvidas e temores,
E obrigar-se a abrir
Os olhos e os sentidos
Para o real e o finito.
Abrir mão de coisas complexas
Porém de fraca presença
É um início importante
De autoconhecimento
E afirmação de ser.

Chuvas, ventos, catástrofe


9

Espetáculos estrondosos
Que chegam do céu ou da terra
Que assustam e exigem
Respeito e submissão,
Não são exatamente
O que querem aparentar.
São apenas meios tortos
De afirmar o poder
Da natureza das coisas
Que nos cercam dia e noite
E exigem igualmente
Docilidade e admiração.
Não é difícil, porém,
Conceder-lhes quase sempre
Uma aura de beleza
Pura e imediata,
Que jamais se exibe ou demanda
Por mera inclinação
De vaidade ou veleidade,
Exclusiva atenção ou reverência
De seres tão inconclusos
Como nós, vermes da terra.

MINHA SIBIPIRUNA
10

Mera ilusão, pensar que é meu


Esse portento de 15 metros
Carregado de verdes e cinzas
E espaços contendo ares.
É uma árvore comum,
Como tantas outras são.
São abrigos, são moradas,
Indiferentes ao tempo,
À história e à razão,
Egoístas e soberbas
Com seus ramos e beleza.
Em épocas determinadas
Cobrem-se de um manto
Amarelo, diáfano e intrigante,
No qual pássaros e insetos
Arrojam-se com delícia
Alheios ao amanhã.
Hoje as flores reluzem
Como diamantes e granadas
Sem qualquer ostentação
Apenas apontam, silentes,
A simplicidade de ser.
11

SER O QUE AGRADA SER

É-se o que se é
Queira ou não queira o ser.
Por mais persistente que seja
É praticamente impossível
Ausentar-se de si mesmo
E se aventurar a ser outrem.
Tenta-se com afinco
Ignorar as doces vozes
Que diariamente nos forçam
A sermos o que não queremos.
Não importa, porém, nossa vontade
Pois não somos mestres
De nossos preciosos desejos
As coisas e o mundo são
Prepostos do eu zombador
Que ignoram desejos e metas.
Somos assim joguetes
Dos obscuros desígnios
De nossas maquinações.
12

Água e sal

Ao nascermos somos água


Maleáveis e moldáveis
Vamos crescendo e viramos
Sal, da terra ou não.
Há, porém, seres híbridos
Que guardam ambiguidades
E não revelam jamais
Sua real natureza.
Riem, mas não convencem
Com olhos duros e apáticos
Falam conosco e não fazem
Sentido ou significado.
São eles, porém, que moldam
O real senso de ser
Pois não são água
Por não aplacar precisões
Tampouco sal, por não abrilhantar o sabor
Do viver por obrigação
E das vontades insossas.

Vivre pour vivre


13

Do nascer do sol
Até o exato poente,
Espera-se que ocorram
Milagres e/ou catástrofes.
É assim tão limitada
Nossa sina de existir?
Melhor fora apenas rir
De nossa ridícula condição
De espectadores de um fim
Que se aproxima, ou se afasta,
De acordo com desígnios
Invisíveis e imprecisos.
Melhor será ignorar
Este mundo imaginário
E se ater ao momento
Em que sementes procuram
O lugar da transformação.

IR-SE
14

Se te fores um dia
Levando contigo
Teus olhos de águas fundas
Então desfarei em mim o nó
Com que um dia ataste
A tua à minha alma.
Se um dia te fores
Levando contigo
O que de mim tirastes
Despirei do rosto
O meio sorriso
Que tu nele plantastes.
Se te vais agora
Levando contigo
Teu sorriso de luar de abril
As cores azuis me deixarão
E farei de mim urna vazia
Jardim abandonado
Fim.

Legado
15

Minha tosca visão é pobre


Como pobres são meus desejos.
Enxergo o que outros
Ignoram por vontade.
Mas este não é um poder
Útil ou importante.
Vejo sombras, vejo noites
Em dias de luz cegante,
O que faz de mim
Alguém sem meta ou estofo.
Não me importam, no entanto,
Imperfeições ou defeitos,
Pois que sou o que sou:
Coleção de quase ou talvez
E isto me basta
Para ser o que seja ser.

VELHICE?
16

No meu rosto tão maduro


Diariamente surgem
Estranhas linhas e sulcos
Que parecem apontar
Para algum lugar muito incerto
Desses de sonho ou delírio.
Minha infância já se foi,
Como há muito tempo também
Juventude e suas proezas.
Estranhamente, porém,
São coisas que não me importam,
Pois secretamente almejo
Algo de inefável.
Contar dias, contar horas
Já não são algo importante.
Para mim, realmente importa
Apenas o que quero alcançar.
Percebo porém que este pensar
Não passa de subterfúgio
Para iludir o ilusionista.
Anos, horas e demais medidas de tempo
Para nada servem
Além de suprimir desejos
E vãos objetivos.
17

PORVIR, OU O INESCRUTÁVEL

Minha visão de nada vale,


Quando me pergunto aonde irei,
Neste tempo curto e incerto.
Nada me resta, a não ser
Duvidar de meus sentidos.
Ainda há muitas perguntas,
Para as quais respostas há
Desde que haja vontade
De revirar o lixo das horas.
Mas, porém de nada valem
Infantis conclusões ou certezas.
Quando ao fim se percebem
O inútil e perfeito conhecimento
De repostas óbvias e fáceis.

POBRES ou POOR ou PAUPERIS


18

O meu
É um povo triste.
Caminha como quem
Procura fósforos nas ruas.
O meu
É um povo antigo
Que esqueceu ascendências
Sem saber quem são
Seus pais e avós.
O meu
Não é meu povo
Pois eu
Não sei a quem pertenço,
Mas, sim, eu sei
Que pertenço um pouco
Que meu amor a alguém pertence.
O meu
Talvez seja meu povo
Pois a mulher que vejo
Com olhos verdes de promessas
A si se pertence
Por vezes a mim pertence
A ninguém pertence
Mas anda comigo
Em meio ao povo
Ao qual talvez
Eu pertença.
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PROIBIDO

Sabe-se há tempos
Que há decretos e leis
Que proíbem o belo,
O bem e a tolerância.
Há, porém, muitos
Que subvertem ordens e ditames,
Criando rimas e falas de bem dizer.
Eventualmente são açoitados ou reprimidos,
E para espanto geral
Zombam, gargalham e desprezam
A sábia letra da lei.
Serão estes escolhidos
Para nossa redenção,
Ou nosso armagedon?
20

A QUEM CABERÁ?

A quem caberá
Diluir ou fazer esvanecer
O ódio no mundo?
A mim, ao sapateiro, ao fazedor de bonecas?
A mim não será
Pois sou estúpido e não confiável,
Tampouco ao sapateiro por ser
Artesão dedicado.
Nem ao das bonecas
Pois constrói faces neutras.
Assim, não há voluntários,
E heróis há muito poucos.
Deuses talvez houve,
Mas sempre foram desinteressados
Em sanar problemas retóricos.
Estamos sós e cansados
De ser o que não contenta
E, por isso
Calamos.
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ORDENAR OU INSINUAR

Ouve-se ao longe o grito


Carregado, autoritário, impessoal
Que ordena o canto, a voz, o ato.
Há aqueles que ignoram,
Outros que se benzem,
E outros que ouvem e maldizem.
Somos assim, ouvidos moucos
E mentes que fervem
Com ideais de revolta
De livre pensar e agir.
É suficiente o pensar sem agir?
Ou age-se sem raciocínio
Para abafar o grito?

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