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A DIVINA COMÉDIA – DANTE ALIGHIERI

INFERNO

Introito (cantos I e II): os dois primeiros cantos da Comédia se passam na selva escura,
na qual Dante se encontra perdido. Esta selva tenebrosa pode conter em si um simbolismo
de ordem psicológica, mais intimista, referindo-se aos transes de Dante em seu desterro;
pode também conter um simbolismo moral, representando o desvio da senda da virtude,
transviando-se o coração do homem rumo aos vícios e paixões desvairadas; por fim, pode
ainda simbolizar o período histórico da Itália que convulsionava ante as contendas
políticas entre Guelfos (partidários do papado, a facção dividia-se entre brancos e pretos)
e Gibelinos (partidários do Sacro Império Romano-Germânico).
Tentando escapar da selva, Dante aproxima-se de uma colina iluminada pelo sol, a qual
o poeta tenta galgar. As colinas simbolizam a desejada paz, cujo estabelecimento Dante
esperava que se realizasse na Itália com a derrota dos Guelfos; podendo também o clarão
do sol, que ilumina a colina, representar a dissipação da névoa noturna das paixões ao
surgimento das boas veredas e da reta via. Dante alivia-se ao avistar a colina, mas é
impedido de subir por três feras que lhe aparecem e o repelem de volta à selva. Estas feras
são a pantera, o leão e a loba, que representam, respectivamente, a incontinência, a
violência e a fraude, as três principais transgressões punidas nos nove círculos infernais.
Politicamente, a pantera pode representar Florença, que repelia Dante de si, condenando-
o ao exílio; o leão poderia ser Carlos de Valois, que chamado por Bonifácio VIII,
assenhoreou Florença e desterrou o partido dos Guelfos brancos; a loba representa o poder
temporal dos Papas (para Dante, uma fraude ou traição). Retornando ao vale sombrio,
Dante encontra Virgílio. O poeta florentino dirige-se ao mantuano com os seguintes
versos:
Valham-me o longo estudo, o amor profundo
com que em teu livro procurei ciência!
Virgílio aqui significando a ciência humana ou a filosofia, necessária ao homem para
conhecer a virtude e escapar ao jugo das paixões. Paixões estas que, em sua réplica,
Virgílio caracteriza como insaciáveis, o que nos leva de imediato à conclusão de que elas
prostram o homem num estado de perpétua insatisfação. Virgílio indica a Dante que:
Te convém outra rota de ora avante
Para o lugar selvagem ser vencido.
Lugar selvagem: a perturbação na qual Dante se encontra, coagido pelas paixões que lhe
vieram do exílio, consequência dos conflitos políticos contra os guelfos negros que
tomaram o poder em Florença, e da morte de sua amada Beatriz. Outra rota de ora avante:
a jornada através do mundo dos mortos, atravessando o Inferno, o Purgatório e
culminando no Paraíso, todos estruturalmente ordenados segundo a racionalidade
aristotélico-escolástica, o que restituirá a Dante a Razão que lhe permitirá domar as
paixões ao conhecer o bem que desfrutam os virtuosos no paraíso e o mal que padecem
os desventurados no inferno e no purgatório.
No segundo canto, Dante vacila e questiona se lhe compete realmente a jornada através
do mundo dos mortos, para a qual ele não se reconhece digno. Virgílio então lhe expõe o
motivo de ter aparecido a ele na selva tenebrosa. No céu, Maria comove-se pela perdição
de Dante e roga que santa Luzia, de quem Dante era devoto, o ampare. Esta, por sua vez,
recorre a Beatriz, que desce ao inferno para ter com Virgílio e recomendá-lo ao resgate
de Dante. Diante do exposto, revigora-se Dante e segue a jornada.
Vestíbulo do inferno, onde são punidos os IGNAVOS (canto III): Dante e Virgílio
chegam à porta do inferno, onde está inscrito:
Por mim se vai das dores à morada,
por mim se vai ao padecer eterno,
por mim se vai à gente condenada.
Moveu Justiça o Autor meu sempiterno,
formado fui por divinal possança,
sabedoria suma e amor superno.
No existir, ser nenhum a mim se avança,
não sendo eterno, eu eternal perduro;
deixai, ó vós, que entrais, toda a esperança!
Assombrado, Dante é encorajado por Virgílio a entrar no inferno. Deparam-se no
vestíbulo com os ignavos – aqueles que em vida foram ociosos e indolentes, indiferentes
ao bem e ao mal, ficaram neutros entre os partidos e perigos e restaram excluídos do Céu
e repelidos pelo Inferno. A pena dos ignavos é correr sem cessar atrás de uma insígnia
(ou bandeira), enquanto são ferroados por vespas; pena esta que corresponde ao pecado
que cometeram: sendo tíbios e frouxos em vida, são agora obrigados a correr sem
descanso atrás de uma bandeira (como se diz quando se toma partido de algo). Entre os
ignavos, Dante encontra o papa Celestino V, inepto e de frouxo caráter, que abdicou após
poucos meses de exercício e foi sucedido por Bonifácio VIII, inimigo de Dante (Alguns
já distinguira: eis, de repente, / olhando, a sombra conheci daquele / que a grã renúncia
fez ignobilmente).
Dante avista então a encosta do rio Aqueronte, onde se acumulam numerosas almas.
Quando os poetas chegam à orla do rio, aproxima-se o velho Caronte em sua barca para
buscar as almas dos pecadores e levá-las efetivamente ao inferno. Ó condenados, ai de
vós! O céu nunca vereis, desesperados: por mim à treva eterna, na outra riva, sereis ao
fogo, ao gelo transportados. Caronte assanha-se contra Dante, alegando que ele deveria
voltar pois ainda está vivo. Virgílio, após conter Caronte, no fim do canto revela que o
real motivo da ira deste é ele saber que o poeta ali estava pelo arrependimento de seus
pecados e por querer possuir-se de saudável temor ao conspecto das penas eternas.
O canto termina com um forte terremoto que tanto atemoriza Dante que este cai
desacordado.
Primeiro círculo, o Limbo, onde penam os NÃO BATIZADOS (canto IV): no
primeiro círculo estão as almas dos virtuosos que não sofrem pena, mas não podem ser
beatificados por não terem recebido o batismo. Aspirando à felicidade, essas almas
padecem apenas a desesperança.
Escutei: não mais pranto lastimeiro
ouvi; suspiros só, que murmuravam,
vibrando do ar eterno o espaço inteiro.
Pesares sem martírio os motivavam
de varões e de infantes, de mulheres
nas multidões, que ali se apinhoavam.
Dante se dói por ver tantas almas honradas ali padecendo e inquire se alguém dali já subiu
ao Céu por merecimento próprio ou alheio, ao que Virgílio responde que Cristo, ao
ressuscitar, ali estivera para levar consigo ao Céu as almas de diversos personagens
bíblicos (Adão, Abel, Noé, Moisés, Abraão, Davi, Israel (Jacó), Raquel são os citados).
Dante avista um castelo. Virgílio lhe explica que se trata da habitação daqueles que na
Antiguidade se distinguiram por seus feitos e, portanto, encontram-se separados da turba
anônima. Aí também reside o próprio Virgílio, que Homero reconhece e lhe saúda o
retorno. Junto a Homero estão Horácio, Ovídio e Lucano.
A bela escola assim vi reunida
do Mestre egrégio do sublime canto,
águia em seu voo além dos mais erguida.
Discursando entre si tendo algum tanto,
a mim volveram o gracioso gesto:
sorriu Virgílio, dessa mostra ao encanto.
Mais foi-me alto conceito manifesto,
quando acolher-me ao grêmio seu quiseram,
entre eles me cabendo o lugar sexto.
Dante e Virgílio prosseguem com eles até o castelo. Ali encontram muitas almas ilustres:
Electra, Enéas, Heitor, César, Camila (guerreira etrusca que combateu Enéas), Pentasileia
(rainha das Amazonas, morta na guerra de Troia), Latino (rei etrusco do Lácio), Lavínia
(filha de Latino, desposou Enéas), Brutus (desapossou Tarquínio, último dos sete reis de
Roma), Lucrécia, Júlia, Márcia (mulher de Catão), Cornélia e Saladino (Sultão do Egito
no século II d.C.). Dante avista ainda Aristóteles:
Olhando um pouco à frente vi o imortal
Mestre de todo homem de saber
sentado em reunião filosofal.
Avista ainda Platão e Sócrates, Demócrito, Anaxágoras, Tales, Empédocles, Heráclito,
Zenão, Diógenes, Dióscoris, Orfeu, Túlio, Sêneca, Lívio, Euclides, Hipócrates, Galeno,
Ptolomeu, Avicena, Averróis.
Dante e Virgílio então separam-se dos quatro poetas e seguem sua jornada para o próximo
círculo.
Nos próximos cinco círculos são punidos aqueles pecados relacionados à
INCONTINÊNCIA:
Segundo círculo, onde penam os LUXURIOSOS (canto V): na entrada do segundo
círculo os poetas encontram Minos, lendário rei de Creta, que na mitologia grega tornara-
se um dos juízes do inferno ao morrer. Aqui ele aparece como uma espécie de voz da
consciência, pois tão logo as almas condenadas lhe chegam, confessam seus pecados e
ele então cinge sua cauda indicando com o número de voltas com que a enrola o círculo
destinado àquela alma conforme seu pecado.
Os poetas adentram o segundo círculo e lá encontram as almas dos condenados pela
luxúria, que são continuamente arrastadas pelos ares devido à ventania incessante e
ingente de um furacão.
Ouvi que estão do padecer horrendo
os que aos vícios da carne se entregavam,
razão aos apetites submetendo.
Ou seja, aqueles que em vida se deixaram levar pelo tempestuoso vício das desordenadas
paixões carnais, submetendo a razão aos apetites, agora são arrastados violentamente pelo
vendaval – o controle que não tiveram em suas tempestades passionais os faz rodopiar
agora descontroladamente na tempestade infernal do segundo círculo.
Virgílio aponta para Dante algumas ilustres almas que ali estão condenadas: Semíramis,
a rainha Dido, Cleópatra, Helena, Aquiles, Páris, Tristão.
Dante avista um casal que lhe desperta a curiosidade e pede para lhes falar. O casal é
Francesca Malatesta e Paolo Malatesta, cunhado de Francesca. Os dois tiveram um
romance adúltero e foram mortos pelo marido traído, Lanciotto Malatesta, em Rimini,
nos tempos de Dante. Francesca começa dizendo a Dante:
Amor, que os corações súbito prende,
este inflamou por minha formosura,
que roubaram-me: o modo inda me ofende.
Amor, em paga exige igual ternura,
tomou por ele em tal prazer meu peito,
que, bem o vês, eterno me perdura.
Amor nos igualou da morte o efeito.
Profundamente comovido, Dante indaga como ambos chegaram ao conhecimento de seus
sentimentos recíprocos.
Quando pude, falei: “cruel destino!
Que doce cogitar! Que meigo encanto,
precederam do par o fim maligno!”
Francesca conta que ela e Paolo liam juntos a história de amor de Lancelote e Ginevra.
Chegados ao ponto em que Lancelote, induzido por Galeoto, beija o desejado sorriso de
Ginevra, Paolo beija-lhe repentinamente a boca e a leitura é interrompida. Dante comove-
se tanto que cai sem sentidos.
Terceiro círculo, onde penam os GULOSOS (canto VI): neste círculo a alma dos
gulosos rastejam na lama, enquanto cai sobre eles uma incessante chuva de granizo e
neve. Cérbero, latindo furiosamente, rasga, esfola, atassalha a triste gente. Aqueles que
em vida não conseguiram conter a própria gula são agora devorados pelo monstruoso cão
trifauce. Dante encontra entre as almas a de Ciacco que por ter da gula a intemperança
amado / à chuva peno enregelado e fraco. Dante o interroga sobre as disputas políticas
em Florença e ele faz funestas previsões. Dante ainda quer saber do paradeiro das almas
de Farinata, Tegghiaio, Jacopo Rusticucci, Mosca e Arrigo. Ciacco responde:
Entre os que sofrem punição mais crua
estão, por seus maus feitos, lá no fundo:
se lá desces, verão a face tua.
No caso, Farinata é condenado como herege no sexto círculo, Tegghiaio e Rusticucci
estão entre os sodomitas no segundo giro do sétimo círculo, Mosca pena como cismático
na nona vala do oitavo círculo (o Malebolge).
Dante questiona se o tormento sofrido pelos pecadores aumentará, será igual ou diminuirá
após o Juízo Final. Virgílio responde de acordo com a doutrina aristotélica, segundo a
qual, quanto mais perfeitos os indivíduos, mais intensamente eles sentiriam tanto o prazer
quanto o sofrimento. Volta à tua velha conhecença / na qual se ensina que o ser mais
perfeito / mais sente seja o bem e seja a ofensa.
Dante e Virgílio descem ao quarto círculo e se deparam com Pluto (deus da riqueza) na
entrada.
Quarto círculo, onde penam os AVAROS e PRÓDIGOS (canto VII): Virgílio, após
aplacar a fúria de Pluto, conduz Dante ao quarto círculo, onde são apenados os avaros e
os pródigos, dois pecados contra a fortuna em sentidos opostos: a avareza sendo a
tendência ao acúmulo e à excessiva valorização dos bens materiais, e a prodigalidade
sendo o desperdício e a gastança excessiva (ostentação e esbanjamento). Ambas as
transgressões prejudicam o equilíbrio das riquezas na sociedade. É por isso que o quarto
círculo é a representação da Roda da Fortuna: de um lado estão os avaros que percorrem
um semicírculo, empurrando grandes pesos; do outro lado, os pródigos fazem o mesmo
em sentido oposto (os seus pecados em relação à riqueza são opostos à avareza). Os
grandes pesos que eles são obrigados a arrastar representam a riqueza material que
tiveram em vida e sobre a qual pecaram. Num dado ponto do círculo, eles se chocam de
frente e ambos retomam seu percurso até se chocarem no ponto oposto novamente.
Ambos objetivam completar o giro da Roda da Fortuna que ajudaram a desiquilibrar
quando viviam, sem nunca completar o intento.
Vê, filho, como rápido definha
o bem que co’ a Fortuna se pactua,
e pra que a humana gente se engalfinha
Dante interroga Virgílio sobre a Fortuna e este lhe responde apresentando a imagem pagã
da deusa Fortuna (e da roda que ela gira) que aqui, em contexto cristão, se converte na
Divina Providência.
Quinto círculo, onde penam os IRACUNDOS e RANCOROSOS (cantos VII e VIII):

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