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Dante Alighieri nasce em Florença, centro-norte da Itália, entre final de maio e começo
de junho de 1265.
Florença, nessa época, é uma Comuna autônoma de governo republicano. Tem cerca
de 90 mil habitantes, suas principais atividades são a indústria têxtil, artes, educação. É
composta basicamente por uma nobreza em decadência, tentando manter os antigos
privilégios; uma burguesia em ascensão, tentando nobilitar o poder pelo dinheiro, pelos
requintes da educação e cultura; e uma grande parte da população de artesãos e profissionais
liberais, ex-servos, ex-camponeses agora exercendo todo tipo de trabalho necessário em uma
cidade rica, com um comércio muito ativo e em desenvolvimento. Politicamente, Florença está
dividida entre dois partidos: os guelfos e os guibelinos. Os guelfos defendiam uma supremacia
também política do papa sobre o império cristão; os guibelinos defendiam uma supremacia do
imperador do sacro império romano-germânico sobre as comunas autônomas. Com a morte
de Frederico II, em 1250, e depois de seu filho Manfredi, em 1266, o partido guibelino é
praticamente desestruturado, e nova divisão se opera: guelfos brancos, mais moderados (aos
quais tendem a aliar-se os guibelinos) e guelfos negros, mais radicais na defesa de uma
submissão ao papa e contrários a qualquer interferência do imperador sobre as comunas
autônomas.
Dante nasce de uma família de guelfos brancos, e quando entra na política, pouco
antes de 1300, é como guelfo branco. No ano de 1300 é eleito para prior, o cargo máximo da
administração, por um período de dois meses. Justamente nesse período intensificam-se as
escaramuças diárias entre brancos e negros, chegando aos duelos e mortes e ameaçando
uma verdadeira explosão de violência em toda a cidade. Como era de sua competência,
Dante convence o conselho dos cem a mandar para o exílio os principais chefes de cada
facção, incluído aí seu melhor amigo, o poeta Guido Cavalcanti. Nesse episódio, ou melhor,
nos vários episódios desse brevíssimo período de apenas dois meses, Dante localiza a
origem de todos os seus males e sofrimentos mais profundos, especialmente o exílio.
Em 1301 os negros tomam o poder com a ajuda do papa Bonifácio VIII, e mandam
todos os principais líderes brancos para o exílio, Dante incluído. Dante, na verdade, já estava
fora de Florença, pois tinha ido à Roma, numa embaixada ao Vaticano, para tentar convencer
o papa a dispensar o cardeal Matteo d’Acquasparta, enviado a Florença com a desculpa de
intermediar o conflito entre brancos e negros, mas na verdade com o objetivo de auxiliar os
negros a tomar o poder. Então, de outubro de 1301 até o final de sua vida, em setembro de
1321, Dante vive no exílio, nunca mais tendo retornado a sua amada e odiada Florença.
A DIVINA COMÉDIA
O que é a Divina Comédia? É a história do peregrino Dante que se perde em uma selva
escura na noite de quinta-feira santa, passa a noite toda tentando sair dessa selva sem
consegui-lo, e na manhã seguinte, ao avistar uma possibilidade de salvação – uma colina
iluminada pelos primeiros raios do sol, tem sua ascensão impedida por três feras: uma
pantera, um leão e uma loba. Desesperado, já a ponto de desistir, vê um vulto humano ao
qual pede ajuda. O vulto é a alma do poeta latino Virgílio, ídolo e modelo de Dante, que foi
mandado por Beatriz, amor e musa eterna de Dante, para ajudá-lo a se livrar da selva e das
feras. A selva simboliza a selva do pecado e a feras os principais pecados que impedem a
ascensão não só de Dante, mas do ser humano, à felicidade eterna. Assim, o drama do
pecador Dante, perdido na selva do pecado, mas auxiliado pela graça divina, guiado
primeiramente pela razão, cujo símbolo é Virgílio, depois por Beatriz, símbolo da teologia
revelada, drama pessoal, alarga-se a drama do ser humano, perdido por ignorância e por falta
dos dois guias designados por Deus para conduzir a humanidade à felicidade primeiro terrena,
depois eterna.
Dante reconhece o privilégio que lhe foi concedido de realizar a viagem aos três reinos do
além – percurso até Deus – e sente como sua missão divulgar o conhecimento que lhe foi
revelado. Essa missão lhe foi confiada por Beatriz, intermediária entre Dante e santa Luzia, de
quem o poeta é devoto, e indiretamente entre Dante, Maria e Deus. Por isso Dante afirma que
seu objetivo ao escrever a Divina Comédia é o de “retirar os homens do estado de pecado e
conduzi-los ao estado de felicidade”.
Dante, então vai fazer sua viagem pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, guiado primeiro por
Virgílio, no Inferno e no Purgatório, e por Beatriz a partir do Paraíso Terrestre, no alto da
montanha do Purgatório, o lugar da criação original, de Adão e Eva. Em sentido alegórico, sua
viagem é a passagem do mal ao bem, do vício à virtude, do erro à verdade: por meio da
RAZÃO chegar à REVELAÇÃO, porque a verdade leva a Deus. A viagem é uma reflexão
profunda sobre os males do mundo e o destino eterno do homem em direção à beatitude, à
qual se pode chegar através de:
3 – No Paraíso: guiado pela Teologia (ciência divina, cujo símbolo é Beatriz), a visão de
Deus, lembrando que visão para Dante significava a compreensão direta, i-mediata, de tudo,
sem intermediação dos sentidos; o bem máximo é de natureza intelectiva.
O ordenamento moral
Inferno
O Inferno tem um ordenamento moral baseado em Aristóteles, via são Tomás de Aquino. Os
pecados são divididos segundo três tendências, ou inclinações:
Incontinência: luxúria, gula, avareza e prodigalidade (segundo alguns, também ira e acídia)
As culpas são tão mais graves quanto mais envolvem a faculdade do livre-arbítrio. A
gravidade está diretamente ligada à violação progressiva dos sentidos, vontade, razão
consciente. Os pecados de incontinência são os menos graves porque são somente a
violação da justa medida dos instintos naturais; os de violência prevêem a vontade de praticá-
los, é o desvio da força que provém do amor, usada conscientemente para outro fim que não
o bem. E o mais grave é a fraude, porque é o uso do intelecto (a faculdade que nos diferencia
dos animais, que nos faz participar da natureza divina) dirigido à realização do mal. A fraude
pressupõe sempre a intencionalidade, a premeditação.
PURGATÓRIO
PARAÍSO
A concepção de história
E essa concepção de Paraíso está ligada à concepção de história humana no planeta Terra. E
aqui chegamos à concepção do sistema histórico-político de Dante. Sua concepção de
História se articula em 4 grandes momentos:
2 – sacrifício de Cristo e redenção do homem, que tem novamente aberto seu caminho em
direção ao Criador (felicidade eterna), sob a tutela das duas instituições designadas por Deus
para guias da Humanidade: a Igreja e o Império;
3 – nova queda do homem, por causa da corrupção das duas instituições máximas (nova
ruptura do pacto humano-divino);
A segunda intervenção divina e o juízo final se darão quando houver o número justo de almas
beatas para novamente completar os lugares vagos na cândida rosa; esses lugares foram
deixados vagos pelos anjos que se rebelaram juntamente com Lúcifer, rompendo a harmonia
inicial. A criação dos homens – parte animal, parte divino - foi um ato de amor-caridade de
Deus, uma chance de voltar à Harmonia inicial. Restam porém, poucos lugares; quem quiser
se salvar, deve apressar-se.
A UTOPIA POLÍTICA
Mas qual é afinal, a teoria política de Dante? Estritamente, sua teoria política é expressa em
uma obra anterior à conclusão da cântica do Purgatório, um texto em latim chamado
Monarchia, em que discute a questão extremamente polêmica e importante em sua época
sobre a hierarquia entre Papado e Império, qual seria o Sol e qual seria a Lua. Propõe no
Monarchia a teoria dos dois sóis, ou seja, nenhuma das duas instituições é superior à outra;
ambas são instituições máximas nas suas respectivas esferas, e devem conviver em
harmonia.
Na realidade Dante, apesar de ser brilhante e estar, em alguns aspectos, como o lingüístico,
muito à frente de seus contemporâneos, no que diz respeito à política não só é cem por cento
um homem medieval, mas demonstra um saudosismo utópico, propõe um sistema já não mais
possível, talvez jamais possível: o Império Universal, porque a política dos homens deve
copiar a “política” de Deus. Por aí se vê que Dante tem um conceito de política muito
influenciado pela teologia ou pela fé. Suas razões são as seguintes:
Aristóteles diz que o homem é um ser político (zoón politicón) e deve viver num Estado
(organização política) para desenvolver suas potencialidades.
Os estado porém entram em freqüentes conflitos, travam guerras, sofrendo e fazendo com
que seus cidadãos sofram privações, morram em batalha, tornem-se incapazes para o
trabalho. Assim sendo, os homens não têm condições (porque a situação não permite) de se
desenvolver, de evoluir em sociedade, de desenvolver suas potencialidades.
A solução é um Estado universal, ou seja, um Império Universal. Esse Império Universal seria
uma espécie de ONU medieval, que não teria jurisdição administrativa nem política nem militar
sobre os estados autônomos, mas teria a autonomia e o consenso geral de poder intervir em
caso de necessidade – especialmente para mediar conflitos supra-nacionais.
Essa é sua proposta política, seu ideal, num momento em que não parecer mais haver espaço
para um grande Império. Não se reconhece mais a soberania do Imperador do Sacro Império
Romano-germânico, figura mais decorativa do que efetiva, que nesse momento ainda existe
mais por uma espécie de comodismo, ou respeito à tradição, do que por uma consciência ou
concordância coletiva. Suas últimas esperanças de ver o legítimo Imperador, coroado pelo
papa, assumir as responsabilidades do Império e fazer valer seus direitos sobre a rebelde
Itália vão por água abaixo quando Arrigo VII desce à Itália com o apoio de alguns
governantes, assedia Florença, em 1313, mas desiste após alguns meses, e morre ainda em
solo italiano no mesmo ano.