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A missão combativa do poeta e o papel da poesia, como voz da

revolução, na obra de Antero de Quental

I. Sobre a vida e obra de Antero de Quental


Poeta e pensador do século XIX, Antero de Quental foi uma lenda em Coimbra. Mestre do
soneto, defensor da modernidade, o escritor fez parte de uma das mais ricas gerações de
intelectuais portugueses.

Antero de Quental nasceu em Ponta Delgada no dia 18 de Abril de 1842. Ele frequentou o curso
de Direito em Coimbra de 1858 a 1864 e participou ativamente na vida cultural e política: dirigiu
o jornal O Académico e pertenceu a uma sociedade secreta designada Sociedade do Raio. Cedo,
começa a escrever sonetos, influenciado, confessa, por Alexandre Herculano. As heranças
literárias da família fidalga de São Miguel, onde nasceu, especialmente do avô, poeta, íntimo de
Bocage, também terão nele a sua influência. Do pai, combatente liberal, que em 1832 participa
nas lutas entre D.Pedro e D.Miguel, herda o espírito lutador.

Perante a poesia de Antero de Quental que, ao lado da de Camões e de Fernando Pessoa,


representa um dos pontos mais altos da poesia portuguesa, é perceptível uma sensação de
abismo. A visão problemática que suscita é extremamente completa. De extremo a extremo,
através de vibrante expressão poética, vemos desdobrarem-se e dissolverem-se pensamentos, às
vezes, na aparência, divergentes ou contraditórios, mas na verdade poderosamente conjugados e
vivificados por um princípio que se percebe fecundo e imutável: o individualismo generoso do
poeta projetado no plano universal.

II. Odes modernas – moralidade no contexto Romântico


Ultrapassando as suas angústias amorosas, Antero debruça-se sobre a ânsia de justiça social, de
progresso, sendo por isso publicadas em 1865 as suas Odes modernas. Demarcando-se da
retórica ultra romântica (tendo em conta o prefácio da primeira edição) procura fazer da poesia
moderna a voz da revolução: "Nesta obra, da primeira à última página respira-se um bafo quente
de amor e de liberdade, é o martelar persistente de um espírito forte contra as defesas de um
mundo velho e podre, mas renitente" (Sá, 1977: 47).

Antero deve ter sido uma dessas almas sensíveis, inquietas, vibráteis, sempre distendidas numa
interrogação, sempre insatisfeitas com as respostas obtidas, almas privilegiadas que iluminam o
que tocam, embora nem sempre possam iluminara si mesmas.

«Aspiração... desejo aberto todo

Numa ânsia insofrida e misteriosa...


A isto chamo eu vida...»

(Odes Modernas – Panteísmo, p. 1 - http://www.brasileiro.ru/e-


Books/Antero%20de%20Quental/Odes%20modernas/Primeiro.pdf)

Nesses versos de "Panteísmo" podemos ver condensado todo o drama de sua alma de poeta; um
"desejo aberto", uma "ânsia insofrida e misteriosa", como sinónimos de vida.

Antero viveu numa época em que a nação portuguesa atravessava a tremenda crise provocada
pelo romantismo liberal, cuja revolução vitoriosa no âmbito político-económico-religioso, viu
desfiguradas nos resultados as suas mais sinceras e legítimas reivindicações.

Assim, o mundo herdado por Antero foi o construído pelo Romantismo Liberal que tinha suas
bases na esfera sentimental da vida humana e que na sua acção combativa social já possuía as
origens daquela nova revolução que ia ser empreendida pelos realistas.

Trata-se, assim, de uma ode significativa quanto à grandeza moral de Antero, que exalta
sentimentos como o amor, a justiça, liberdade, igualdade, verdade, que devem imperar e
sobrepor-se às velhas estruturas sociais, dominadas pela injustiça, tirania, egoísmo e
antagonismos sociais, por religiões que adoravam um Deus inexistente.

III. Elementos retorico-discursivos em «Odes modernas»


As suas imagens poéticas não são plásticas e descritivas, mas resultados concretos de ideias.
Cada uma visa atingir a perfeição de uma verdade; são verdadeiramente expressões de um
mundo interior e não, impressões da realidade exterior.

O vento, por exemplo, imagem tão usada pelos poetas, assume em Antero uma forma
enigmática:

«Ouve-o rugir por essas praias, quando, Que imensa voz que prédicas estranhas!

Feito tufão, se atira idas montanhas, E como freme com terrível vida

Como um negro Titã, e vem bradando... A asa que o libra em extensões tamanhas!»

(O. M. p. 3)

Aí está o vento personalizado, humanizado, imenso poder que precedeu à criação; surgindo
como o símbolo da libertação e oscilando entre uma dimensão temporal e uma espacial.

«ele viu o Princípio (...)

Encarou o Inconsciente face a face

Quando a Luz fecundou o Tenebroso.»


(O. M. p. 3)

Perdida a antiga fé no Deus eterno e omnipotente, toda a estrutura de valores morais começa a
ruir também. Extremado negativista, o poeta extravasa em poesia todo seu arroubo destruidor de
crenças antigas e da fé cristã.

«Os cultos com fragor rolam partidos; (...)

E em seu altar os deuses cambaleiam; Que é dos santos, dos altos, das grandezas,

(...) Que inda há cem anos adoramos todos?

Os nossos Imutáveis ei-los idos As verdades, as Bíblias, as certezas?

Como as chamas no monte, que se ateiam Limites, formas consagrados modos?

Na urze seca e a aragem ergue um momento. O que temos de eterno e sem enganos,

Deus — não pode durar mais que alguns anos!»

(O. M. p. 7)

IV. A voz da revolução nos Sonetos


«Tu que dormes, espírito sereno, Escuta! É a grande voz das multidões!

Posto à sombra dos cedros seculares, São teus irmãos, que se erguem! São
canções...
Como um levita à sombra dos altares,
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Longe da luta e do fragor terreno.

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,


Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
E dos raios de luz do sonho puro,
Afugentou as larvas tumulares...
Sonhador, faze espada de combate!»
Para surgir do seio desses mares

Um mundo novo espera só um aceno...


(A um poeta)
Conclusão
Trata-se, assim, de uma ode significativa quanto à grandeza moral de Antero, que exalta
sentimentos como o amor, a justiça, liberdade, igualdade, verdade, que devem imperar e
sobrepor-se às velhas estruturas sociais, dominadas pela injustiça, tirania, egoísmo e
antagonismos sociais, por religiões que adoravam um Deus inexistente. Ou seja, o ateísmo marca
a sua fase das odes. Através dessa composição lírica faz-se um apelo aos poetas para que
coloquem de lado os poemas pouco relevantes e se entreguem de alma e coração aos «combates
eternos da justiça».

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