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Resgate da nossa história

Em sua segunda edição, livro A Chegada do


Adventismo ao Brasil ressalta o papel dos
pioneiros no desenvolvimento da Igreja no País a
partir do fim do século 19
Por Jefferson Paradello
16 de agosto de 2020

Obra também apresenta fotos históricas que ajudam a dar um panorama


visual da realidade vivida pelos pioneiros (Foto: Divulgação / CPB)
Durante décadas, os primeiros episódios sobre o desembarque e a difusão
da mensagem da Igreja Adventista no território nacional ficaram restritos
aos núcleos de famílias diretamente ligadas a eles, e aos poucos
“historiadores” que preservaram detalhes transmitidos de geração em
geração. Algumas dessas particularidades foram “imortalizadas”, também,
graças aos relatórios enviados por missionários à Associação Geral (sede
mundial da denominação) e às publicações oficiais em língua portuguesa,
como a Revista Adventista.

Mas foi somente no fim da década de 1990 que tudo foi reunido,
sistematizado e narrado de forma cronológica e detalhada pelo então
estudante Michelson Borges. O que era apenas um requisito acadêmico
para se obter o diploma universitário tornou-se uma radiografia do
desenvolvimento da Igreja no País.

O que lhe motivou a escrever sobre esse assunto?

A Chegada do Adventismo ao Brasil foi inicialmente meu trabalho de


conclusão de curso (TCC) em Jornalismo, na Universidade Federal de Santa
Catarina, em meados dos anos 1990. Na época, fazia apenas cinco anos
que eu havia conhecido o adventismo e sido batizado no templo adventista
central de Criciúma. Meu desejo era não apenas fazer um trabalho que me
possibilitasse ganhar o diploma de jornalista, mas contribuir com a missão
da Igreja pela qual eu havia me apaixonado.

Quando li na introdução da biografia de José Amador dos Reis (o primeiro


brasileiro ordenado ao ministério pastoral adventista), escrita por Ivan
Schmitt, que o registro dos primórdios do adventismo brasileiro era bem
deficiente, tomei a decisão de reunir as histórias, organizá-las e escrever
um livro-reportagem, no bom estilo New Journalism, que se vale de
recursos literários para tornar a leitura mais interessante e atrativa.

Dediquei vários meses para visitar lugares históricos, entrevistar


descendentes de pioneiros, pesquisar em museus e ler tudo o que estava
disponível na época sobre a história da Igreja Adventista no Brasil.
Mergulhei de cabeça no assunto e, como prêmio adicional, consegui a nota
máxima da banca avaliadora!

Dois anos e meio depois de formado, fui chamado para trabalhar como
editor na Casa Publicadora Brasileira (CPB). Aí tive acesso a mais
informações nos arquivos da editora, conheci outros pesquisadores
do adventismo, como Edegardo Max Wuttke, e enriqueci o conteúdo da
obra. O livro acabou sendo publicado pela CPB, no ano 2000, com o selo
comemorativo dos 100 anos da editora.

Após duas décadas desde que o livro foi publicado pela primeira vez, o
que essa edição traz de novo?

Nessas duas décadas, pude viajar para vários lugares que eu não conhecia,
em três continentes, e fazer pesquisas in loco. Com a disponibilização
digital de acervos como o da Review and Herald e outros, ficou muito mais
fácil pesquisar. Além disso, trabalhos acadêmicos como as dissertações de
mestrado dos pastores Marcelo Mendes de Melo Moura
e Edegar Link foram muitos úteis, no sentido de revisar e corrigir certas
informações. O pastor Link fez um excelente trabalho ao unir as pontas
soltas das histórias alemã e brasileira, no que diz respeito aos primórdios
do adventismo em nosso País. Emir Schmitt foi outro pesquisador que me
ajudou a aprofundar a história dos Hort.
Ao longo dos anos, livro tem auxiliado crianças e adolescentes a
compreender a dimensão e relevância do trabalho dos primeiros
missionários (Foto: Mikhael Borges)Outra novidade foi a inserção de um
quadro com perguntas no fim de cada capítulo, intitulado “Exemplo dos
pioneiros”. O objetivo é fazer um resumo e destacar os pontos mais
importantes do capítulo, além de promover discussão ou reflexão sobre o
legado dos pioneiros. Posso dizer que a segunda edição revista e
atualizada de A Chegada do Adventismo ao Brasil está muito mais precisa,
enriquecida com detalhes novos, mas sem perder a carga emocional e
motivacional que sempre caracterizou essa obra que, entre os livros que
escrevi, é o meu preferido.

Esse livro apresenta, acima de tudo, o compromisso dos pioneiros em


anunciar o breve retorno de Jesus. Quais foram os principais desafios
que eles encontraram para amplificar essa mensagem em um
território tão vasto e multicultural como o Brasil?

Sem dúvida, uma das grandes dificuldades foi o preconceito de pessoas e


líderes de outras religiões que viam os adventistas como membros de uma
seita estranha. Afinal, esses novos crentes não comiam alimentos impuros,
como a tão apreciada carne de porco; não consumiam bebidas alcoólicas;
não frequentavam salões de baile; e, ainda por cima, guardavam o sábado
em lugar do domingo. Em algumas regiões, os adventistas eram chamados
de “sabatistas amaldiçoados”, em alemão. Outro desafio era a falta de uma
boa estrutura organizacional. Naqueles primórdios, cada missionário tinha
que “se virar” como pudesse. A maioria deles eram colportores que viviam
do que conseguiam com a venda de livros e revistas em inglês e alemão.
Trabalhavam de maneira solitária, nem sempre conscientes do avanço da
obra em outras regiões. Viviam literalmente pela fé. Adicione-se a isso tudo
a dificuldade para se viajar de um lugar a outro. No começo do século 20,
havia poucas linhas de trem, e na maior parte do tempo os missionários
tinham que viajar a pé ou montados em burros, muitas vezes carregando
nas costas as caixas de livros e o restante da bagagem.

Qual foi o papel das publicações adventistas nesse processo?

Elas foram as sementes que chegaram primeiro e germinaram por conta


própria, regadas pelo Espírito Santo. Quando os primeiros missionários
e colportores começaram a chegar ao Brasil (o primeiro foi Albert [ou
Augustus] Stauffer), a partir de 1893, ficaram surpresos ao encontrar
pessoas que já criam na volta de Jesus e guardavam o sábado fazia alguns
anos, graças à leitura de revistas e livros enviados gratuitamente dos
Estados Unidos.
Casa comercial da família Hort, onde foi aberto o primeiro pacote de
literatura adventista no Brasil, em 1880, na então Vila de Brusque, em
Santa Catarina (Foto: Acervo pessoal)

Algumas dessas revistas eram usadas como papel de embrulho para


mercadorias. Quando os colonos iam às vendas comprar alguma coisa,
levavam para casa páginas impressas em alemão. Liam esses conteúdos,
comparavam com a Bíblia e aceitavam a mensagem adventista. Os
caminhos da providência divina foram impressionantes em nosso País. O
primeiro guardador do sábado no Brasil graças à leitura de literatura
adventista foi Guilherme Belz, imigrante da Pomerânia. Ele e a
esposa, Johanna, começaram a guardar o sábado em 1890.

De que maneira o estabelecimento de instituições, como colégios e


editoras, por exemplo, foi fundamental para que mais pessoas
ouvissem a respeito da mensagem da Igreja Adventista?

A partir de 1900, a Casa Publicadora Brasileira (na época chamada


Sociedade Internacional de Tratados no Brasil) começou a produzir livros e
revistas em língua portuguesa, o que possibilitou expandir
o adventismo para além das fronteiras das colônias alemãs. A primeira
publicação adventista no idioma local foi O Arauto da Verdade.

Já os colégios ajudaram a preparar missionários capacitados para a missão


evangelística. Os pioneiros tinham tanto foco na missão que, quando
plantavam uma igreja, faziam todo o esforço para, junto, iniciar uma
pequena escola para fornecer educação cristã para as crianças. Não
podemos, como Igreja, perder essa visão. Nossas editoras, escolas,
clínicas, fábricas de alimentos e nossos hospitais devem servir de apoio à
missão mais importante: pregar as três mensagens angélicas.

Durante o período de pesquisas, qual foi a história ou pessoa que mais


lhe impactou? Por quê?

Pessoas foram três: Adolf Hort, Guilherme Belz e Guilherme Stein


Jr. Hort era apenas um garotinho quando o primeiro pacote de literatura
adventista foi aberto no Brasil, em 1880, na casa comercial do pai dele,
David Hort, localizada em Brusque. Anos depois, já jovem e metido a
valentão, ele convidou um amigo para subirem a Gaspar Alto a fim de
causar baderna e destruir a igreja adventista que existia lá.

Para ele, religião de alemão era só a luterana. Quando apearam dos


cavalos, com paus e pedras na mão, Hort ouviu pela janela, do lado de fora
da casa de cultos, parte da pregação, e aquilo o impressionou. Desistiu do
que havia ido fazer e voltou para casa. Com a esposa, Emma, Hort se
aprofundou no estudo da Bíblia e, posteriormente, se uniu aos adventistas,
tendo sido um grande exemplo de fé e bondade. O homem que queria
destruir a igreja pioneira de Gaspar Alto tornou-se construtor de igrejas,
como a de Corupá e a de Jaraguá do Sul. Sem dúvida, uma linda história
que evidencia o poder transformador do evangelho.

Primeiro templo da Igreja Adventista de Gaspar Alto, inaugurado em 23 de


março de 1896 (Foto: Acervo pessoal)
Guilherme Belz, quando lia a Bíblia em sua infância, se deparou com a
verdade do sábado. Quando perguntou sobre isso aos pais e ao pastor
luterano, foi incentivado a abandonar o assunto. Décadas depois e a
muitos quilômetros de sua terra natal, ele novamente se deparou com o
quarto mandamento, dessa vez lendo um livro adventista que o irmão Carl
havia adquirido. Belz comparou o conteúdo do livro com sua Bíblia e
finalmente tomou a decisão de guardar o sábado, tornando-se, assim, o
primeiro guardador do sábado convencido pela leitura de impressos
adventistas no Brasil. Um dos filhos de Guilherme, Francisco, foi
missionário e pregou o evangelho em várias partes do País. O filho
Rodolpho tornou-se pastor, e o neto, Cláudio, também.

Guilherme Stein Jr. foi o nosso John Andrews. Jovem tremendamente culto,
leu o livro O Grande Conflito em alemão e aceitou a mensagem adventista,
abrindo mão de uma promissora carreira de empresário para se dedicar à
obra adventista como colportor, professor, diretor de escola e editor. Diz-
se que ele conhecia 40 idiomas, tendo se tornado o pioneiro do
criacionismo no Brasil.

Histórias são muitas. Mas uma muito marcante se passou com o


pastor Huldreich Graf, o primeiro ministro adventista designado para
servir no Brasil. Certa ocasião, ele viajava sozinho no lombo de uma mula,
pelos “caminhos e valados” do Rio Grande do Sul, na região de Taquari. De
repente, o animal teimou em seguir para o lado oposto ao que o pastor
queria ir. Graf insistiu, mas não conseguiu dissuadir a mula.

Então, percebendo que poderia ser uma intervenção divina, deixou que o
animal seguisse para onde queria. Depois de mais algum tempo de
viagem, chegaram a uma casa no meio do mato. O pastor bateu na porta,
identificou-se e foi informado pela família de que eles estavam orando
fazia dois anos pela visita de um ministro adventista. Graf ficou alguns dias
com aqueles colonos, estudaram a Bíblia e todos foram batizados!

O que seu livro evidencia sobre a importância de se conhecer o


esforço, sacrifício e o caminho aberto pelos pioneiros? Como isso ajuda
a consolidar a identidade adventista?

Vou contar um pouco da minha experiência. Decidi me tornar adventista


depois de cerca de três anos de muito estudo bíblico e de muitas
comparações com doutrinas de outras igrejas. Vim para a Igreja Adventista
totalmente convicto com respeito à decisão que estava tomando. Jesus
tornou-Se meu Salvador pessoal e meu Senhor. E era muito bom saber que
existe na Terra um povo que O ama tanto que procura fazer a
vontade dEle em tudo, mesmo naquilo em que, por causa disso, tem que ir
na contramão do mundo.
Albert (ou Augustus) Stauffer e Frank Westphal: respectivamente, primeiro
missionário adventista e primeiro pastor adventista a pisarem no Brasil
(Imagem: Jo Card e acervo pessoal)

Quando me aprofundei na história dos pioneiros, pude conhecer homens e


mulheres que abriram mão de muita coisa para seguir Jesus e fazer a
vontade dEle. Homens e mulheres que se dedicaram inteiramente à
missão de advertir o mundo quanto à proximidade do segundo advento,
muitas vezes derramando lágrimas, suor e até sangue para cumprir esse
chamado. Esses testemunhos de fé e bravura mexeram profundamente
comigo. Posso dizer que meu adventismo passou a ser outro a partir dessa
imersão na história e na identidade adventista. O mínimo que eu poderia
desejar era ser como esses pioneiros, ciente de minha missão, da missão
da Igreja, e orar para poder terminar o que eles começaram.

Por que o legado deixado por homens e mulheres que dedicaram a


vida para ajudar pessoas a se preparem para o encontro com Cristo
deveria inspirar cada leitor a ter o mesmo senso de urgência em
compartilhar a mensagem de que Ele em breve voltará?

Essa pergunta me faz pensar nos três lugares mais especiais que visitei
durante minhas pesquisas – três cemitérios. O cemitério de Battle Creek,
em Michigan, nos Estados Unidos, contém os túmulos de muitos pioneiros
norte-americanos, como o casal Tiago e Ellen White. Um lugar inspirador
que transpira esperança.

Os outros dois que mexeram com minhas emoções são os cemitérios


adventistas de Gaspar Alto (localidade catarinense onde foi organizado o
primeiro templo adventista no Brasil, pelo pastor Frank Westphal) e de
Rolante, no Rio Grande do Sul. Em ambos, os túmulos estão voltados para
o Oriente, região de onde virá a nuvem de anjos que rodeará Jesus em Sua
segunda vinda. Os pioneiros pediram para ser sepultados assim, a fim de
que a volta de Jesus seja a primeira coisa que verão quando despertarem
do sono da morte. Ou seja, mesmo mortos eles continuam pregando!

Michelson Borges é pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia, jornalista


formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Teologia
pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e pós-
graduando em Biologia Molecular pela Universidade Cândido Mendes.

Autor de vários livros sobre criacionismo, história e mídia publicados pela


Casa Publicadora Brasileira, é editor da revista Vida e Saúde, editor
associado da Lição da Escola Sabatina dos Jovens e mantém os
blogs criacionismo.com.br e outraleitura.com.br.

Vice-presidente da Sociedade Criacionista Brasileira, tem participado como


palestrante em seminários criacionistas no Brasil e no exterior. Casado
com Débora Tatiane, é pai de três filhos.

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