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Ao Secretá rio Geral

Sr. Pablo Saavedra Alessandri

Corte Interamericana de Direitos Humanos

San José, Costa Rica

Ref. Caso XXXXX – xxxxxx e Outros vs. Brasil (xxxxxxxxxxx)

Vítimas fatais:

 XXXXXXXXXXX
 XXXXXXXXXXX
 XXXXXXXXXXX

Peticionários/Vítimas Indiretas:

 XXXXX, brasileiro, portador da cédula de identidade RG no XXXXXXXXXX, inscrito


no CPF/MF sob o no XXXXX (filho de XXXXXXXX)
 XXXXX, brasileira, portadora da cédula de identidade RG no XXXXX, inscrita no
CPF/MF sob o no XXXXXXX (filha de XXXXXXXX)

Os peticioná rios, representados pela Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo,


nos termos do artigo 134 da Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil, que confere
a esta instituiçã o a missã o de representar os hipossuficientes, e da Lei Complementar
Estadual no 988/2006 do Estado de Sã o Paulo, que, em seu artigo 51, inciso IV, confere à

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Defensoria Pú blica competência para acessar o Sistema Interamericano dos Direitos
Humanos, vêm, respeitosamente, à presença de Vossas Excelências, apresentar seu

ESCRITO DE PETIÇÕES, ARGUMENTOS E PROVAS

com base no disposto no artigo 40 do Regulamento da Corte Interamericana de


Direitos Humanos, em relaçã o ao caso no 12.479, submetido à jurisdiçã o desta Corte em
28 de maio de 2021, contra a Repú blica Federativa do Brasil, pelos fundamentos de fato
e de direito a seguir expostos.

A Defensoria Pú blica solicita que o presente escrito seja recebido e tramitado,


com a devida notificaçã o do Estado demandado, em consonâ ncia com o procedimento
interamericano.

Adicionalmente, informa que o endereço para correspondência oficial é o


especificado abaixo:

Defensoria Pública do Estado de São Paulo


XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Rua XXXXXXXXXXXX
Tel.: (11)XXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXX@defensoria.sp.def.br

Defensor(a) Pú blico(a)
Unidade de XXXXXXXXX

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SUMÁRIO
1. Introduçã o................................................................................................................................................. 11

2. Objeto.......................................................................................................................................................... 15

3. Determinaçõ es de Fato........................................................................................................................ 17

3.1. Operaçã o XXXXX............................................................................................................................. 17

3.2. As investigaçõ es e o processo judicial..................................................................................22

3.3. Das açõ es no â mbito civil............................................................................................................29

3.4. Contexto da violência policial no Brasil e no Estado de Sã o Paulo..........................36

4. Identificaçã o das vítimas.....................................................................................................................43

5. Fundamentos de Direito......................................................................................................................45

5.1. Preliminares..................................................................................................................................... 45

5.1.1. Competência................................................................................................................................ 45

5.1.2. Pressupostos de admissibilidade........................................................................................45

5.2. As violaçõ es à Convençã o Americana de Direitos Humanos......................................48

5.2.1. Violaçã o ao artigo 4 da CADH..........................................................................................48

5.2.2. Violaçã o aos artigos 8 e 25 da CADH............................................................................51

5.2.3. Violaçã o ao artigo 5 da CADH..........................................................................................55

5.3. A responsabilidade internacional do Estado brasileiro................................................63

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6. As reparaçõ es........................................................................................................................................... 63

6.1. Fundamentos da obrigaçã o de reparar................................................................................63

6.2. Beneficiá rios das reparaçõ es....................................................................................................64

6.3. Medidas de reparaçã o solicitadas...........................................................................................65

6.3.1. Garantias de nã o repetiçã o...............................................................................................65

6.3.1.1. Ampla investigaçã o acerca do ocorrido na operaçã o XXXXXX.................66

6.3.1.2. Medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, inclusive


em programas de reciclagem, e que contemplem a sensibilizaçã o para a
necessidade de respeito aos direitos humanos e para a questã o do racismo
estrutural67

6.3.1.3. Elaboraçã o de protocolos pú blicos de uso proporcional e progressivo


da força, em conformidade com a Constituiçã o Federal brasileira e com os
parâ metros internacionais, especialmente aqueles previstos nos Princípios
Bá sicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcioná rios Responsá veis
pela Aplicaçã o da Lei........................................................................................................................68

6.3.1.4. Elaboraçã o de protocolos pú blicos de abordagem policial e busca


pessoal, com vistas a minimizar a prá tica de filtragem racial.......................................69

6.3.1.5. Medidas voltadas a melhorar as condiçõ es de trabalho dos agentes de


segurança pú blica..............................................................................................................................70

6.3.1.6. Providências destinadas a resolver o problema da ausência ou


insuficiência de acompanhamento psicoló gico dos policiais.........................................71

6.3.1.7. Previsã o de afastamento temporá rio das funçõ es de policiamento


ostensivo dos agentes envolvidos em mortes nas operaçõ es policiais.....................72

6.3.1.8. Controle da atividade policial.................................................................................73

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6.3.2. Medidas de compensaçã o..................................................................................................74

6.3.2.1. Dano material................................................................................................................ 74

6.3.2.2. Dano moral em prejuízo dos familiares das vítimas fatais da operaçã o
XXXXXX 75

6.3.2.3. Pedido formal de desculpas por parte do Estado brasileiro.....................76

6.3.2.4. Memorial em lembrança dos vitimados.............................................................76

7. As provas.................................................................................................................................................... 77

7.1. Prova documental.......................................................................................................................... 77

7.2. Declaraçã o das vítimas................................................................................................................ 77

7.3. Prova testemunhal.........................................................................................................................77

7.4. Prova pericial................................................................................................................................... 78

8. Pedido de benefício do Fundo de Assistência Jurídica..........................................................82

9. Pedidos........................................................................................................................................................ 83

10. Lista de anexos................................................................................................................................... 93

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1. Introdução

A Defensoria Pú blica do estado de Sã o Paulo, na qualidade de representante dos


peticioná rios, e nos termos dos artigos 25 e 40 do Regulamento da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Corte Interamericana”, “Corte”, “Corte
IDH”), apresenta seu Escrito de petiçõ es, argumentos e provas.

Trata o presente caso da responsabilizaçã o do Estado brasileiro pelos fatos


ocorridos em XX de XXX de 20XX, quando XXXXXXXXXXXXXX foram sumariamente
executados pelas forças policiais do estado de Sã o Paulo, na Rodovia José Ermírio de
Moraes, também conhecida como “XXXXX”. Busca-se, ainda, a responsabilizaçã o estatal
pela impunidade subsequente, tendo em vista as falhas do Estado ao longo das
investigaçõ es, o que resultou na impunidade de todos os envolvidos no caso, absolvidos
por falta de provas na esfera penal, conforme será detalhado adiante.

O caso foi originalmente submetido à Comissã o Interamericana de Direitos


Humanos (doravante “Comissã o”, “Comissã o Interamericana” ou “CIDH”) pela
Federaçã o Interamericana de Direitos Humanos (FIDH), em XXX de XXXX de XXXX.
Todavia, com a extinçã o da fundaçã o apó s o falecimento de seu presidente, Hélio
Bicudo, a FIDH deixou de atuar no caso, tendo a Defensoria Pú blica do Estado de Sã o
Paulo assumido a representaçã o de algumas das vítimas (aquelas que foi possível
encontrar depois de mais de 19 anos), uma vez que lhe compete a assistência dos
hipossuficientes dentro do sistema jurídico brasileiro e, também, na esfera
internacional, nos termos do artigo 134 da Constituiçã o da Repú blica Federativa do
Brasil.

1.1. Da legitimidade da Defensoria Pública

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Com efeito, no sistema jurídico brasileiro, a Defensoria Pú blica é o ó rgã o
encarregado de prestar assistência jurídica integral e gratuita à s pessoas necessitadas.
Estabelece a Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil, no artigo 5º, LXXIV, que “o
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”. Mais adiante, estabelece a Constituiçã o, no artigo 134, que:

Art. 134. A Defensoria Pú blica é instituiçã o permanente, essencial à


funçã o jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressã o e
instrumento do regime democrá tico, fundamentalmente, a orientaçã o
jurídica, a promoçã o dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do
art. 5º desta Constituiçã o Federal. (Redaçã o dada pela Emenda
Constitucional nº 80, de 2014)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pú blica da Uniã o e do
Distrito Federal e dos Territó rios e prescreverá normas gerais para sua
organizaçã o nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe
inicial, mediante concurso pú blico de provas e títulos, assegurada a seus
integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da
advocacia fora das atribuiçõ es institucionais. (Renumerado do
pará grafo ú nico pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º À s Defensorias Pú blicas Estaduais sã o asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentá ria
dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentá rias e
subordinaçã o ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004);

Segundo estabelece a Constituiçã o brasileira, as Defensorias Pú blicas dos


Estados possuem autonomia funcional, ou seja, embora sejam ó rgã os pú blicos, sã o
independentes dos Poderes Estatais (Executivo, Legislativo e Judiciá rio), podendo agir
livremente para a defesa jurídica das pessoas necessitadas, o que está em perfeita
sintonia com o que estabelece a Resoluçã o nº 2714 da Assembleia Geral da Organizaçã o
dos Estados Americanos, de 4 de junho de 2012, item 4:

“4. Reiterar a los Estados Miembros que ya cuentan con el servicio de


asistencia letrada gratuita que adopten acciones tendientes a que los
defensores pú blicos oficiales gocen de independencia y autonomía
funcional.”

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No exercício da autonomia funcional, os Defensores Pú blicos Estaduais têm
competência para o acionamento dos mecanismos internacionais de proteçã o dos
direitos humanos, em defesa das pessoas necessitadas.

A Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a


Defensoria Pú blica da Uniã o, do Distrito Federal e dos Territó rios e prescreve normas
gerais para sua organizaçã o nos Estados1, estabelece, no artigo 4º, VI, que é funçã o
institucional da Defensoria Pú blica “representar aos sistemas internacionais de
proteçã o dos direitos humanos, postulando perante seus ó rgã os.”

No caso da Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo, a Lei Complementar


Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 20062, que organiza a Defensoria Pú blica do Estado e
institui o regime jurídico da carreira de Defensor Pú blico do Estado, autoriza
expressamente que os Defensores Pú blicos Estaduais acessem o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, na forma do artigo 51, IV:

Artigo 51 - Aos Defensores Pú blicos, no desempenho de suas funçõ es,


observado o disposto no artigo 5º desta lei complementar, caberá :
(...)
IV - recorrer ao Sistema Interamericano dos Direitos Humanos,
quando cabível, comunicando o Defensor Pú blico-Geral do Estado e o
Nú cleo Especializado.

Além disso, a Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo conta com o Nú cleo


Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, ao qual compete “atuar e representar
junto ao Sistema Interamericano dos Direitos Humanos, propondo as medidas judiciais
cabíveis.”3

1.2. Breve síntese do processado


1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp80.htm
2
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/0/documentos/legisla%c3%a7%c3%a3o/Lei
%20988%20-%20atualizada%2022.06.11.doc
3
Artigo 53, inciso V, da Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 2006.

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Em XXX de março de XXXX, a Comissã o Interamericana de Direitos Humanos
aprovou o Relató rio de Admissibilidade no XXX, referente à denú ncia apresentada pela
Federaçã o Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro em razã o das
mortes ocorridas em XXX de XXXX de XXXX, no que ficou conhecido como “caso XXX”. As
partes foram notificadas em XXXXXX para tentativa de soluçã o amistosa do conflito, o
que nã o ocorreu.

Em XXXX, a Comissã o aprovou o Relató rio de Mérito no XXXX, que concluiu pela
responsabilidade do Estado brasileiro pela violaçã o dos artigos 4 (direito à vida), 5
(direito à integridade pessoal), 8 (garantias judiciais) e 25 (proteçã o judicial) da
Convençã o Americana sobre Direitos Humanos (doravante “CADH”), pelos fatos
ocorridos e apurados no caso “XXXXXX”. Neste Relató rio foram feitas as seguintes
recomendaçõ es ao Estado brasileiro4:

1. Reparar integralmente as violaçõ es de direitos humanos declaradas no


presente relató rio tanto no aspecto material como imaterial, incluindo
medidas de satisfaçã o e uma compensaçã o econô mica.
2. Realizar uma investigaçã o completa, imparcial e efetiva dos fatos por ó rgã os
independentes do foro policial civil/militar, com o objeto de estabelecer e
punir as autoridades e funcioná rios responsá veis pelos fatos assinalados no
presente relató rio e esclarecer de forma completa os fatos que culminaram
na impunidade. Levando em conta a gravidade dos atos e os padrõ es
interamericanos a esse respeito, a Comissã o destaca que o Estado nã o poderá
opor a garantia de ne bis in idem, coisa julgada ou prescriçã o, para justificar o
nã o cumprimento desta recomendaçã o.
3. Dispor as medidas de atençã o à saú de física e mental necessá rias para a
reabilitaçã o dos familiares de xxxxx, se assim for sua vontade e com seu
acordo.

4
CIDH, Relató rio de Mérito no xxxxx

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4. O Estado deve adotar todas as medidas legais, administrativas e de qualquer
outra índole que sejam necessá rias para evitar que fatos similares voltem a
ocorrer no futuro; em especial, o Estado deve contar com um marco jurídico
sobre o uso da força que seja compatível com os padrõ es assinalados no
presente relató rio. Além disso, deve contar com programas permanentes de
educaçã o em direitos humanos dirigidos aos membros da Polícia Nacional, e
capacitaçã o e treinamentos perió dicos, em todos seus níveis hierá rquicos,
com ênfase especial no uso legítimo da força.

Entretanto, em que pesem as recomendaçõ es da CIDH, fato é que até o presente


momento o Estado brasileiro nã o procedeu à s devidas reparaçõ es aos familiares,
tampouco realizou uma ampla e independente investigaçã o acerca dos fatos ocorridos
no caso “xxxxxxxx”, razã o pela qual a CIDH submeteu, em xxxxxx, o presente caso à
apreciaçã o desta Corte.

Este caso insere-se, outrossim, em um amplo contexto de violência policial, que


vem se agravando continuamente no Brasil ao longo dos anos, vitimando especialmente
a populaçã o negra, pobre e periférica. Oportuniza-se, assim, a esta Corte o reforço da
jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em relaçã o à violência
policial e à s execuçõ es extrajudiciais.

Diante do exposto, requer-se que esta Corte responsabilize o Estado brasileiro


pela violaçã o dos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (garantias
judiciais) e 25 (proteçã o judicial) da CADH, em benefício das vítimas fatais e seus
familiares, pelas razõ es de fato e de direito expostas a seguir.

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2. Objeto

De proêmio, cumpre destacar que os peticioná rios estã o de acordo com os


marcos factual e legal estabelecidos pela CIDH em seu Relató rio de Mérito no xxxxx,
referente ao caso “xxxxx”.

O presente EPAP assume uma postura complementar ao relató rio da Comissã o,


com o intuito de demonstrar a violaçã o dos direitos humanos já apontados no referido
documento.

Assim, este escrito irá expor argumentos e provas acerca das violaçõ es
perpetradas pelo Estado brasileiro contra as vítimas, tendo sido desrespeitados os
seguintes direitos consagrados na Convençã o Americana de Direitos Humanos:

a) Artigo 1o (Obrigaçã o de respeitar os direitos), uma vez que o Brasil deixou


de observar os direitos aos quais se comprometeu a preservar;
b) Artigo 4o (Direito à vida), uma vez que o Brasil utilizou do aparato policial
para executar sumariamente as vítimas;
c) Artigo 5o (Direito à integridade pessoal), uma vez que a impunidade pela
execuçã o extrajudicial das 12 (doze) vítimas da operaçã o “xxxxx” viola a
integridade psíquica dos familiares sobreviventes;
d) Artigo 8o (Garantias judiciais), uma vez que o Brasil negou à s vítimas o
direito de defesa, executando-as de forma sumá ria, bem como conduzindo
o processo para apuraçã o do crime de forma parcial, defeituosa e
insuficiente, além de contrá ria ao devido processo legal;
e) Artigo 25 (Proteçã o Judicial), uma vez que o Brasil nã o garantiu o pleno
acesso à justiça por parte das vítimas, tendo em vista a morosidade na
conduçã o das investigaçõ es e dos procedimentos de apuraçã o, bem como
as falhas nesses processos, como, por exemplo, em relaçã o à
descontinuidade da linha investigativa que sustentava a hipó tese de

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emboscada, o que impede ou dificulta sobremaneira o acesso judicial das
vítimas para viabilizar a reparaçã o por parte do Estado.

Como consequência, solicita-se que esta Corte ordene ao Brasil que repare
adequadamente os familiares das vítimas fatais do caso “xxxxxx”, promova uma
investigaçã o imparcial e independente sobre o caso e adote medidas preventivas contra
a violência policial e execuçõ es sumá rias, nos termos dos pedidos elaborados na Seçã o 9
deste escrito.

3. Determinações de Fato

3.1. Operação XXXXXX

No dia xxxxxxxxxxxxx, por volta das 7h30min da manhã , logo apó s atravessar a
praça de pedá gio localizada na Rodovia José Ermírio de Moraes, também conhecida
como “xxxx”, no município de Itu - SP, o ô nibus em que se encontravam xxxxxxxxxxxxx
foi interceptado por uma blitz organizada pelas forças policias do estado de Sã o Paulo e
alvejado por mais de 700 disparos de armas de fogo.

Os 12 (doze) homens que se encontravam no interior do ô nibus faleceram no


local, vitimados pelos disparos, e um policial ficou levemente ferido, apó s ter sido
atingido de raspã o por um tiro. Nã o foi esclarecido de onde partiu o tiro que atingiu o
policial, tendo em vista a ausência de perícia técnica adequada apó s a ocorrência dos
fatos, conforme se verá adiante, nã o se descartando a hipó tese de atingimento acidental
por disparo das pró prias forças policiais.

Segundo a versã o oficial das forças de segurança pú blica do estado de Sã o Paulo,


as 12 (doze) pessoas mortas seriam membros da organizaçã o criminosa “Primeiro
Comando da Capital” (PCC) e, na referida data, dirigiam-se ao aeroporto da cidade de
Sorocaba, cerca de 120km da capital paulista, para efetuar um roubo a um aviã o
pagador, que transportava cerca de 28 (vinte e oito) milhõ es de reais.

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Tomando ciência do crime por meio do Grupo de Repressã o e Aná lise dos Delitos
de Intolerâ ncia (GRADI) – grupo da polícia militar de Sã o Paulo inicialmente criado para
investigar delitos de intolerâ ncia, porém deslocado para investigaçã o de crimes
envolvendo o crime organizado –, as forças repressivas do estado de Sã o Paulo
organizaram um cerco rodoviá rio aos supostos criminosos, que, segundo os relatos
policiais, estariam fortemente armados e teriam reagido à abordagem, levando os mais
de 100 agentes envolvidos na operação a revidarem, disparando contra o ô nibus.

Na época dos fatos, a operaçã o foi saudada por parte da mídia e da sociedade
civil como de grande sucesso na repressã o ao crime organizado, rendendo dividendos
aos ó rgã os de segurança pú blica do estado. Tais ó rgã os encontravam-se pressionados
pela opiniã o pú blica, tendo em vista a escalada da violência no estado de Sã o Paulo ao
longo do ano de 2001. Naquele ano, os paulistas assistiram ao aumento do nú mero de
sequestros, inclusive de personalidades conhecidas em â mbito nacional como o
apresentador Silvio Santos e o publicitá rio Washington Oliveto, além da ocorrência de
uma megarrebeliã o nos presídios paulistas, organizada pelo Primeiro Comando da
Capital.

Tais fatos acarretaram intensas críticas ao governo paulista, visto pela sociedade
como incapaz de responder à s açõ es do crime organizado. Nesse sentido, a operaçã o
“xxxxxxx” foi um “alívio” ao Secretá rio de Segurança do Estado de Sã o Paulo, Saulo de
Castro Abreu Filho, já que positivamente avaliada pela opiniã o pú blica.

Tal descalabro já demonstra o nível das violaçõ es de direitos humanos


perpetradas pelo Estado brasileiro, visto que, evidentemente, nenhuma operaçã o que
resulte em 12 (doze) ó bitos pode, de modo algum, ser considerada bem sucedida. Em
que pese essa obviedade, os fatos revelados posteriormente à operaçã o ocorrida em
xxxxxxxxx demonstram que, nã o só a operaçã o “xxxxx” foi um fracasso, como, em
realidade, foi uma emboscada premeditada com o intuito de executar
sumariamente as 12 (doze) vítimas acima apontadas.

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Em xxxxxx, uma notícia veiculada no jornal “Folha de S. Paulo”5 estampava a
manchete “Sem apoio na lei, PM recruta presos para combater o PCC”. A notícia expos as
prá ticas empregadas pelo GRADI, comparado ao “esquadrã o da morte” que operou no
estado de Sã o Paulo nos anos 70 e que também ficou conhecido por assassinar
sumariamente pessoas que suspeitava serem criminosas. Um dos trechos da
reportagem trata do modus operandi do grupo:

A propaganda oficial dos maiores "sucessos" contra o crime em Sã o


Paulo esconde, na verdade, a açã o de um grupo da Polícia Militar que
agiu à margem da lei ao recrutar presos condenados para infiltrá -los em
quadrilhas. As açõ es desse setor, suspeito de prá tica de tortura e
acusado de ter ameaçado um juiz, impressiona pelo nú mero de mortes
que reuniu em tã o pouco tempo.
A rede clandestina de inteligência envolveu cerca de 40 policiais
militares do Gradi (Grupo de Repressã o e Aná lise dos Delitos de
Intolerâ ncia), subordinados diretamente ao gabinete do secretá rio da
Segurança Pú blica. Primeiro, na gestã o do promotor Marco Vinicio
Petrelluzi, que saiu em janeiro. Depois, na do atual, Saulo de Castro
Abreu Filho.
As informaçõ es desse ó rgã o renderam três grandes operaçõ es à polícia,
incluindo a que terminou com a morte de 12 supostos integrantes do
PCC (Primeiro Comando da Capital), em março, na regiã o de Sorocaba.
Em oito meses, o Gradi planejou açõ es que somam 22 mortes e sete
presos. (grifamos)

Nã o bastassem as execuçõ es sumá rias e o recrutamento de presos condenados


para cooperar ilegalmente com a polícia, algo que contrariava o ordenamento jurídico
brasileiro à época, o GRADI também forjava açõ es de forma a executar os supostos
integrantes do PCC.

Foi exatamente o que ocorreu no caso “xxxxx”.

Nessa açã o do GRADI, foram infiltrados, de forma ilegal, os presos


xxxxxxxxxxx, que tiveram como função induzir as 12 (doze) vítimas a tomar o

5
Folha de S. Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u55726.shtml,
Acesso em: 25 de outubro de 2021.

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caminho rumo a Sorocaba, para serem executadas apó s o pedá gio na rodovia
Castelinho.

Cumpre destacar que a liberaçã o dos presos e consequente infiltraçã o em açõ es


policiais era de plena ciência dos Juízes corregedores do Departamento de Inquéritos
Policiais (DIPO) à época, os juízes xxxxx e xxxxxxx.

Em depoimento prestado por xxxxxx à Fundaçã o Interamericana de Direitos


Humanos6, resta clara a emboscada, conforme se depreende de um dos trechos de seu
relato:

...

Também em seu relato, XXXXXXXXXXXXX afirma que os presos e policiais


infiltrados haviam alterado a munição das armas entregues às vítimas,
municiando-as com “balas de areia”, ou seja, armas completamente ineficazes e que
nã o representariam perigo algum em eventual confronto.

O relato de XXXXXXX é convergente com as conclusõ es da “aná lise técnica do


laudo residuográ fico” conduzida pelo Prof. Dr. XXXXX, apontando que, das 12 (doze)
vítimas, 9 (nove) nã o possuíam qualquer vestígio que indicasse uso de arma de fogo e
apenas 3 (três) possuíam vestígios. Sobre isso, conclui o perito que:

No caso em apreço, sendo o resultado negativo para nove vítimas,


podemos afirmar com certeza, que essas pessoas não usaram
armas de fogo, tendo-se como base a informaçã o que o evento
envolveu violento tiroteio, o que torna remota a possibilidade de
inexistência de um mínimo de chumbo II nas mã os dos atiradores.
Apesar dos fortes argumentos prejudiciais ao resultado positivo, dentre
eles a nã o preservaçã o do local, do falso positivo, da transferência de
resíduo e outros, podemos concluir que os resultados negativos,
foram marcantes, revelando grande sensibilidade do método e que
essas vítimas efetivamente não atiraram.

6
Anexo I, p. 3.

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Para as vítimas que tiveram resultados positivos, ficam as dú vidas
lançadas pelos peritos, nã o podendo se afastar a possível contaminaçã o
por transferência ou contato com resíduos, no entanto descartando-se
qualquer possibilidade de erro de colheita ou técnica, já que os exames
foram realizados por profissionais há beis e tecnicamente preparados.
Portanto podemos também indiretamente concluir, que o argumento
de intenso tiroteio fica questionável, uma vez que temos nove
resultados negativos, pois um método altamente sensível jamais
falharia em tantos casos (dezoito exames por ter sido feito em ambas as
mã os), principalmente em mã os que usaram intensamente armas de
fogo como o alegado e três outros casos positivos, com fortes dú vidas
de contaminaçã o pelo contato das mã os contaminadas dos soldados no
momento da remoçã o7. (grifamos)

Portanto, a tese de que a operaçã o policial teria sido motivada por uma suposta
agressã o injusta das vítimas resta completamente soterrada, com os elementos todos
apontando para a execuçã o sumá ria dos passageiros do ô nibus. Tanto é assim que
“aná lise técnica dos laudos referentes à s mortes ocorridas”, também elaborada pelo
Prof. Dr. XXXXXXX, demonstra que as vítimas foram completamente alvejadas pelos
policiais, atingidas por 61 disparos, muitos deles perpendiculares, sendo possível
concluir que “9 vítimas apresentam lesõ es em membros superiores, algumas com
características de posiçã o de defesa, como entende a medicina legal daquelas
localizadas em antebraço8”.

Os depoimentos de XXXXX9 e XXXXXX10 também apontam para a operaçã o forjada


pelo GRADI com o intuito de executar as vítimas, indicando a plena ciência das
autoridades de segurança pú blica do estado de Sã o Paulo, em especial o Secretá rio de
Segurança Pú blica, XXXXXX, e os juízes corregedores, XXXXXXXX.

Logo, a conclusã o que se chega da aná lise global dos fatos ocorridos em XXXX é a
de que as 12 (doze) vítimas fatais da operação “XXXX” foram sumariamente

7
Anexo VII, p. 12/13.
8
Anexo VIII, p. 28.
9
Anexo V.
10
Anexo III e Anexo IV.

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executadas pelas forças policiais do estado de São Paulo, em ação planejada
previamente com o único propósito de eliminá-las.

De similar teor é a conclusã o da CIDH em seu Relató rio de Mérito no XXXX:

(...) a Comissã o observa que os testemunhos e provas incluídos no


processo nã o permitem de maneira confiá vel chegar à conclusã o de que
as supostas vítimas iniciaram os disparos contra os policiais, de tal
forma que o uso da força letal tivesse como fim legítimo repelir uma
agressã o de igual natureza e fosse absolutamente necessá ria e
proporcional. A informaçã o apresentada sugere que, caso as vítimas
tenham realizado disparos contra os policiais, isso teve uma magnitude
menor devido a: i) nú mero muito menor das supostas vítimas em
comparaçã o com os policiais, ii) nú mero de pessoas que foram mortas -
todas as supostas vítimas - sendo ferido somente um policial; iii)
informaçã o a respeito do nú mero de disparos realizados: mais de 700
contra o ô nibus onde iam as supostas vítimas; iv) informaçã o que indica
que as supostas vítimas nã o foram vistas portando armas consigo, ou
que as muniçõ es tinham sido trocadas por muniçõ es de areia.
(...)
a Comissã o observa que o Estado nã o demonstrou que a operaçã o
Castelinho tenha sido planejada de maneira adequada e de acordo com
um marco jurídico compatível com o uso da força. Tampouco se
comprovou que o pessoal que interveio na operaçã o tivesse sido
capacitado e treinado conforme os parâ metros exigidos pelo direito
internacional. Somado a isso, a Comissã o observa que os indícios de um
uso desproporcional da força nã o foram suficientemente desvirtuados
pelo Estado, que nã o ofereceu uma justificaçã o adequada sobre o uso da
força neste caso. Em consequência, a Comissã o considera que o Estado
do Brasil é responsá vel pela violaçã o do direito à vida consagrado no
artigo 4 da Convençã o Americana, com relaçã o à s obrigaçõ es
estabelecidas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento.11 (grifamos)

Assim, resta inconteste a necessidade de responsabilizaçã o do Estado brasileiro


pela morte das 12 (doze) vítimas da operaçã o “XXXXX”, em franca violaçã o do direito à
vida consagrado no artigo 4 da Convençã o Americana de Direitos Humanos.

11
CIDH, Relató rio Nº XXXXX

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3.2. As investigações e o processo judicial

Diante dos fatos relatados no tó pico 3.1 acima, era de se esperar uma profunda
investigaçã o por parte do Estado brasileiro em relaçã o ao ocorrido na operaçã o
“XXXXX”, bem como sobre a atuaçã o do GRADI e o envolvimento dos juízes corregedores
e do Secretá rio de Segurança Pú blica do Estado, no contexto da repressã o ao crime
organizado no â mbito do estado de Sã o Paulo.

Entretanto, nã o foi o que ocorreu. De plano, cumpre destacar que, dos 100
(cem) agentes policiais que participaram da operação, somente 53 (cinquenta e
três) foram denunciados e processados criminalmente.

Com relaçã o aos réus com foro privilegiado por prerrogativa de função,
XXXX (Secretá rio de Segurança Pú blica), XXXXX (Juiz de Direito) e XXXXX (Juiz de
Direito), não houve sequer denúncia, ou seja, sequer foi iniciado o competente
processo judicial no âmbito penal. Embora tenha sido instaurado o inquérito policial
no 97.122/01, a denú ncia foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo,
ó rgã o competente dentro do ordenamento jurídico brasileiro para aceitar (ou nã o) a
denú ncia e julgar tais autoridades.

Tal decisã o causou estranheza, uma vez que ficou demonstrado que os juízes
corregedores agiram de forma ilegal no que toca à liberaçã o de presos para a
cooperaçã o com o GRADI, como destacado no pró prio acó rdã o vencedor, que rejeitou a
denú ncia:

Relativamente aos magistrados investigados observo que despertou


atençã o a autorizaçã o de saída de presos para participar de diligências
juntamente com policiais militares, a prá tica, efetivamente, nã o é
recomendada, anotando-se que não é prevista em lei, a simples
realizaçã o de investigaçã o por milicianos já é matéria polêmica, em face
de previsã o constitucional de atribuiçã o desta tarefa à Polícia Civil 12
(grifamos).

12
Anexo IX, p. 9.

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Ou seja, o Tribunal de Justiça reconheceu a atuaçã o ilegal13 por parte dos
magistrados, além de apontar a inconstitucionalidade da atuação do GRADI 14, visto
que ó rgã o da polícia militar, portanto incompetente para conduzir investigaçõ es;
porém, nã o enxergou relevâ ncia suficiente para que tal fato ensejasse a abertura de açã o
penal para melhor investigaçã o.

A estranheza de tal proceder foi apontada pelo voto divergente do


Desembargador XXXXXX, que, nos mesmos autos do inquérito no XXXXXX, posicionou-se
pelo recebimento da denú ncia:

No caso presente, como se disse, o procedimento investigató rio foi


sumariamente arquivado por ato do C. Ó rgã o Especial, ao cabo de
diligências que, no mínimo, sugeriam inquietaçã o a propó sito daquilo
que vinha noticiado. Nã o se cuidou de adotar a elementar cautela de
ouvir a Procuradoria Geral de Justiça, e se tratou, simplesmente, de
conceituar como inverídica a acusaçã o partida de um agente criminoso,
quando é certo que parece ter ficado claro que havia, sem dú vida, um
envolvimento de presos com as autoridades, na busca de denú ncias a
propó sito de planos das organizaçõ es criminosas. Uma das quais,
aquela que restou exterminada na fatídica Operaçã o Castelinho.

Ao meu sentir, ao menos por cautela, cumpria levar mais a fundo o


procedimento investigatório. Impunha-se ouvir os representantes do
Ministério Pú blico. Nã o arquivar, desde logo, algo que nã o denotava

13
O princípio da legalidade vem expressamente consignado no Artigo 5 o, inciso II da CRFB: ”ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Naquilo que toca à atuaçã o dos
agentes pú blicos, a doutrina brasileira é pacífica no sentido de que “vige em sede de administração pública
o princípio de que ao gestor somente é possível fazer o que a lei expressamente autoriza, não sendo
lícita a atuação que dela se afaste, ainda que inexistente norma jurídica de conteúdo proibitivo ”.
(grifamos). SOUZA, Motauri Ciocchetti. Administração Pública. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso
Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal.
Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. Sã o Paulo: Pontifícia Universidade Cató lica de Sã o Paulo,
2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/411/edicao-1/administracao-
publica
14
O artigo 144, §§ 4º e 5º da CRFB estabelece as competências das polícias civil e militar: ” § 4º À s
polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da
Uniã o, as funçõ es de polícia judiciá ria e a apuraçã o de infraçõ es penais, exceto as militares; § 5º À s
polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservaçã o da ordem pú blica; aos corpos de bombeiros
militares, além das atribuiçõ es definidas em lei, incumbe a execuçã o de atividades de defesa civil.

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estar-se em presença de uma aventura fantasiosa repleta de mentiras15.
(grifamos)

Portanto, o Estado brasileiro negou a possibilidade de mais ampla e profunda


investigaçã o quanto ao envolvimento de autoridades estatais nos crimes perpetrados
pelo GRADI, mesmo diante de evidências robustas que apontavam para a participaçã o –
no mínimo, ciência– tanto dos juízes corregedores, quanto do Secretá rio de Segurança
Pú blica.

Já no que tange aos réus sem foro privilegiado por prerrogativa de função,
ou seja, os policiais envolvidos na operação e os presos infiltrados, instaurou-se a
açã o penal no XXXXXX, que concluiu pela impronúncia dos réus, diante da ausência de
provas sobre a premeditaçã o da operaçã o com o intuito de exterminar as 12 (doze)
vítimas. Tal decisã o foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo. Porém,
tanto a etapa de investigaçã o, durante o inquérito policial, quanto a açã o penal estã o
repletas de falhas, conforme bem apontou o Ministério Pú blico de Sã o Paulo, no recurso
de apelaçã o que interpô s contra a decisã o de impronú ncia dos réus:

A r. sentença recorrida nã o analisou a prova adequadamente.


(...)
O que houve, na verdade, foi uma tocaia.
(...)
[A sentença] Tampouco faz mençã o em relaçã o ao desaparecimento
da fita com as imagens do pedágio.
Tais elementos sã o bastantes para se afirmar da existência do plano
urdido, para uma açã o midiá tica.
Na verdade, urdiu-se uma tocaia, o que impede o reconhecimento das
excludentes em comento. [legítima defesa e estrito cumprimento do
dever legal]
Aliá s, a fita foi subtraída pelos policiais, com o fito de impedir que se
soubesse que os disparos partiram da polícia e nã o do enfrentamento
dos agentes.

15
Anexo X, p. 3.

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Há testemunha e mesmo policiais que dã o conta que o sangue caía pelos
degraus do ô nibus.
As fotografias alusivas ao ô nibus demonstram o nú mero de tiros que
atingiram-no.
Há testemunhas, inclusive, que informa que houve duas sessõ es de
disparo e gemidos entre elas.
Tal permite logicamente inferir que pretenderam exterminar os demais,
quer para acabar com as pessoas que pudessem falar do plano urdido,
quer excesso de operaçã o.
Nã o bastasse isso, há informes que os disparos iniciais nã o partiram do
ô nibus.
Fotografias e informes, demonstram que as armas estavam limpas, com
pouquíssimo material hemá tico, o que nã o se coaduna com a versã o de
que as armas estavam à disposiçã o das vítimas.
Pelo contrá rio, há referenciamento de testemunha de que a arma
estaria no maleiro e nã o a disposiçã o dos policiais.
Como se vê, a prova era bastante de modo a permitir, em face da
procedência da pronú ncia, instando-se o julgamento pelo Juízo Natural,
o Colendo Conselho de Sentença de Jú ri Popular16. (grifamos)

Um dos pontos destacados pelo Ministério Pú blico, como se vê, foi o da subtraçã o
das imagens referentes à s câ meras de segurança localizadas na praça de pedá gio em
que foi deflagrada a operaçã o. Isso porque consta de testemunho da
funcionáriXXXXXXXXX (responsável pela concessão da rodovia à época), XXXXXX,
que “um policial militar solicitou a entrega das filmagens das câmeras de
segurança e as entregou após consultar o seu chefe”17.

O sumiço das gravaçõ es das câ meras da praça de pedá gio nã o é o ú nico fato a
chamar atençã o. O local dos fatos também não foi preservado pelos policiais
envolvidos na operação, de forma a mantê-lo íntegro para realizaçã o de uma
adequada perícia técnica sobre as causas e circunstâ ncias das mortes. Sequer cabe a
alegaçã o de que a alteraçã o do local se deu para viabilizar socorro à s vítimas, uma vez

16
Anexo XI, p. 147/152.
17
Anexo XII, p. 15.

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que todas já se encontravam indubitavelmente mortas, devido à enorme quantidade
de disparos, conforme analisado no tó pico anterior.

Assim que, logo apó s realizarem a interceptaçã o do ô nibus e os disparos com


armas de fogo, os agentes do GRADI, ROTA e demais policiais militares envolvidos na
operaçã o efetuaram a completa remoçã o dos corpos das vítimas, encaminhando-os, já
sem vida, à Santa Casa de Misericó rdia de Sorocaba. Também realizaram a apreensã o
das supostas armas e muniçõ es utilizadas pelas vítimas.

De igual sorte, chama atençã o que operaçã o de tamanho risco, conforme versã o
dos policiais envolvidos, nã o contasse sequer com uma ambulâ ncia que pudesse prestar
primeiros socorros a eventuais feridos em confronto, em especial das pró prias forças de
segurança. Se as autoridades conheciam o risco da operaçã o, por qual razã o ignoraram
procedimento tã o bá sico?

Outro ponto falho com relaçã o à s investigaçõ es foi quanto à real existência do
aviã o pagador, tendo em vista que não foram ouvidas testemunhas que trabalhavam
no aeroporto de Sorocaba ou no Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo
(DAESP), que confirmassem a versão do assalto.

Ao contrá rio, em notícias veiculadas à época, o DAESP informou que o aeroporto


de Sorocaba nã o recebia voos com valores há tempos, e que tal quantia de dinheiro, os
28 (vinte e oito) milhõ es de reais, seria extremamente elevada para circular pelo
aeroporto da cidade, que é um aeroporto de pequeno porte18 19.

No entanto, o Estado não envidou nenhum esforço para demonstrar a


existência do fato motivador do suposto crime a ser perpetrado pelas vítimas,
donde se presume, pelos relatos do DAESP à imprensa, que tal avião pagador jamais

18
Folha de S. Paulo, notícia de 28 de julho de 2002, Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2807200204.htm, Acesso em 28 de outubro de 2021.
19
Jornal da Globo, ediçã o de 05 de março de 2002, Disponível em: Jornal da Globo - Veja as principais
notícias do Brasil e do mundo no site do telejornal, com apresentaçã o de William Waack e Cristiane Pelajo
- NOTÍCIAS - Feliz exceçã o, Acesso em: 28 de outubro de 2021.

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existiu de fato. Frise-se que a informaçã o a respeito do aviã o pagador era de fá cil
obtençã o, bastando um mero ofício aos administradores do aeroporto de Sorocaba,
razã o pela qual se estranha que isso nã o tenha sido feito ao longo das investigaçõ es.

Portanto, o que se verificou foi a intençã o dos agentes policiais envolvidos na


operaçã o XXXX em remover todos os vestígios deixados pela açã o, bem como dificultar
qualquer possibilidade de investigaçõ es futuras acerca dos fatos ocorridos noXXXX.

A ausência de uma cadeia de custó dia mínima com relaçã o à s provas do caso
“XXXXX” foi notada pela CIDH, que, no Relató rio no XXXX, apontou:

86. Quanto à devida diligência na investigaçã o e esclarecimento dos


fatos, a CIDH observa que o Estado nã o atestou a realizaçã o de certas
diligências essenciais para o esclarecimento dos fatos relativos à morte
das supostas vítimas, conforme os padrõ es referidos previamente, e
seguindo o Protocolo de Minnesota.
87. Assim, quanto ao resguardo da cena do crime, por um lado há
declaraçõ es de processados na causa, que afirmam que os policiais, uma
vez ocorridos os fatos, tiraram as supostas vítimas dos veículos em que
se encontravam, para prestar primeiros-socorros. Em contraposiçã o,
testemunhas presenciais indicaram que os corpos foram tirados dos
veículos por policiais, e que nã o os viram prestando socorro à s supostas
vítimas. Sobre este aspecto, o Estado nã o ofereceu uma versã o que
esclareça como ocorreram os fatos, nem atestou a adoçã o de medidas
tendentes a resguardar a cena dos fatos para que a mesma nã o fosse
contaminada, nem de cuidados específicos quanto à retirada dos
corpos.
88. Adicionalmente, quanto à s diligências mínimas de investigaçã o, a
CIDH identifica que nã o constam no processo elementos que
certifiquem que houve uma cadeia de custó dia das provas. Além disso,
conforme declaraçõ es, nã o se asseguraram provas como os vídeos de
segurança do pedá gio onde teriam ocorrido os fatos. Tampouco
identifica-se que se conservaram evidências físicas como as balas e
cá psulas. Adicionalmente, nã o se conta com prova suficiente que ateste
que foram realizados todos os exames e perícias correspondentes no
â mbito da investigaçã o
89. A CIDH considera que, apesar da prova constante do processo, que
questionava a legalidade da operaçã o e que os agentes tivessem atuado
em legítima defesa e em estrito cumprimento de um dever legal, nã o se
seguiram linhas de investigaçã o adequadas e se fecharam outras linhas

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possíveis de investigaçã o sobre as circunstâ ncias do caso e identificaçã o
dos autores. De fato, dos 100 agentes que teriam participado na
operaçã o, somente 53 pessoas foram processadas. Além disso,
identifica-se que nã o se desenvolveram linhas de investigaçã o
relacionadas com os fatos prévios à operaçã o. Embora conste no
processo que infiltrados teriam participado na operaçã o, nã o se
identifica que se investigou o papel dos infiltrados, nem o grau de
conhecimento que a polícia tinha sobre o suposto ataque. Tampouco
conta-se com evidência que ateste que o Estado realizou as perícias
tendentes a determinar como ocorreram os fatos, nem a estabelecer se
as supostas vítimas teriam aberto fogo, atendidas as diversas
declaraçõ es que sugeriam que as supostas vítimas nã o haviam atacado
a polícia. Tampouco identifica-se que foi desenvolvida uma linha de
investigaçã o tendente a determinar se as supostas vítimas estavam
armadas no momento dos fatos, dadas as diversas declaraçõ es sobre
este ponto. Tampouco consta que se aprofundou nos aspectos relativos
à falta de evidências, como os vídeos que poderiam servir de prova
sobre o desenvolvimento dos fatos. Dessas ações, então, não se
depreende que se investigou diligentemente a hipótese de que as
supostas vítimas foram executadas extrajudicialmente, mas que se
teria procedido com desvio das regras racionais de investigação
criminal, o que constitui indício de uma vontade dirigida
deliberadamente para tal fim.20 (grifamos)

Conclusã o semelhante se deu quanto à conduçã o da açã o penal. Confira-se, sobre


o ponto, trecho do Relató rio da Comissã o:

91. A Comissã o nota que o tribunal de primeira instâ ncia desconsiderou


em parte a acusaçã o, atribuindo uma deficiente conduta do Ministério
Pú blico, que nã o individualizou a conduta dos acusados e fez uma
imputaçã o geral de todas as mortes. Sobre este aspecto, a CIDH
considera que existe uma falta de diligência notó ria com relaçã o à
obrigaçã o de devida diligência nas investigaçõ es, por nã o se ter
determinado com precisã o quais condutas se imputavam, a quais
pessoas e a respeito de quais fatos.
92. A CIDH também identifica que o tribunal argumentou que se havia
atribuído a tese da legítima defesa dos processados e o estrito
cumprimento do dever legal, pois houve disparos em casas vizinhas ao
pedá gio, havia um policial ferido e prendeu-se uma pessoa, a respeito
da qual nã o fica claro como se relacionaria com os fatos nem atribuiria a
tese da legitima defesa ou a tese do estrito cumprimento do dever legal.
A Comissã o identifica que as provas com que se sustentaram as

20
CIDH, Relató rio Nº XXXXX

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absolviçõ es nã o foram sustentadas com elementos adicionais que por
sua vez dessem conta da veracidade dos elementos probató rios. Assim,
por exemplo, nã o se conta com elementos que atestem que se realizou
perícia na bala encontrada em uma casa vizinha, nem que houve
corroboraçã o de que o disparo que feriu um policial tenha provindo das
armas das supostas vítimas. Tampouco se aprofundou em como a
existência de uma pessoa presa se vincularia à atribuiçã o da tese de
legítima defesa. Por outro lado, nã o fica claro nas determinaçõ es do
tribunal nacional a maneira em que desvirtuou o resto dos indícios que
apontavam o uso desproporcional da força, ainda mais que, como se
indicou, existiram omissõ es na prá tica de diligências essenciais para
determinar o ocorrido. Neste sentido, a Comissã o observa que as
conclusões às quais o tribunal chegou resultaram propriamente da
impossibilidade de atribuir responsabilidade penal devido à
ausência de uma investigação diligente.21 (grifamos)

Por fim, cumpre destacar a morosidade do sistema de justiça brasileiro na


apreciaçã o e julgamento do caso. Os fatos da operaçã o “XXX” ocorreram em XXXX, sendo
que poucos meses depois já havia indícios acerca do envolvimento do GRADI e dos
presos infiltrados no planejamento da emboscada, bem como da ciência dos juízes
corregedores e do Secretá rio de Segurança Pú blica a respeito da operaçã o.

Assim, desde logo os elementos investigativos foram dados, nã o se justificando a


demora nas investigaçõ es e julgamento do feito.

A denú ncia contra 53 (cinquenta e três) agentes policiais e 2 (dois) presos


infiltrados foi oferecida em XXXXXXX, sendo a sentença absolutó ria em primeira
instâ ncia proferida em XXXXXX, mais de 12 anos apó s a ocorrência dos fatos e quase 11
anos do oferecimento da denú ncia. O acó rdã o do Tribunal de Justiça de Sã o Paulo, que
negou provimento à apelaçã o da acusaçã o, foi proferido em XXXXX, quase 15 anos da
ocorrência dos fatos.

Assim, diante de todo o exposto, resta clara a violaçã o dos artigos 8 e 25 da


Convençã o Americana de Direitos Humanos, uma vez que a Repú blica Federativa do

21
CIDH, Relató rio Nº XXXX

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Brasil nã o seguiu regras bá sicas na devida elucidaçã o dos ó bitos decorrentes da atuaçã o
de suas forças policiais, afrontando as efetivas garantia e proteçã o judiciais.

3.3. Das ações no âmbito civil

Conforme visto anteriormente, a morosidade processual caracterizou a aná lise


do caso "XXXXXX" na esfera penal, nã o sendo diferente na esfera civil.

Cumpre destacar que, das 12 (doze) vítimas, 6 (seis) famílias ajuizaram açõ es de
indenizaçã o na esfera civil, sendo estes os familiares de: XXXXXXXXXXXX.22

Importante esclarecer que todas as açõ es civis foram ajuizadas entre os anos de
2002 e 2004, época em que os processos eram todos físicos, já que o Tribunal de Justiça
de Sã o Paulo nã o contava com um sistema eletrô nico para arquivamento de petiçõ es e
documentos. Em razã o do longo tempo transcorrido desde entã o, alguns processos já
foram arquivados23. Além disso, o acesso aos autos encontra-se comprometido em
decorrência das restriçõ es impostas pela pandemia da COVID-19. Contudo, as principais
movimentaçõ es processuais constam do sistema eletrô nico do Tribunal de Justiça de
Sã o Paulo, sendo que as informaçõ es abaixo aduzidas foram obtidas a partir de consulta
a esse sistema24.

De plano, destaca-se que duas açõ es foram julgadas improcedentes pelo sistema
de justiça brasileiro, referentes à s vítimas XXXXXXXXXX.

Quanto a XXXX, a açã o civil (processo n o XXXXX) foi proposta por sua genitora,
Sra. XXXXXXX. A sentença em primeira instâ ncia foi proferida apenas em 26 de
novembro de 2007, indeferindo o pleito indenizató rio, nos seguintes termos:
22
Autos no XXXXXX.
23
A Procuradoria-Geral do Estado de Sã o Paulo, em resposta à s recomendaçõ es da CIDH, solicitou o
desarquivamento processual para atualizaçã o do status processual das açõ es, muitas das quais
encontram-se paralisadas. Entretanto, até o presente momento tal atualizaçã o nã o foi disponibilizada à
Comissã o ou aos peticioná rios.
24
Disponível em:

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Provas nã o existem de que os Policias tenham agido com abusividade
no exercício de suas funçõ es. A responsabilidade do Estado é objetiva,
em tese. Porém, o suposto excesso culposo ou doloso da conduta dos
Policiais Militares dependia de prova. No entanto, a autora nã o trouxe,
aos autos, elementos que pudessem comprovar a configuraçã o da culpa
dos PMs. Nada há a macular a conduta dos citados Policiais, os quais
agiram, ao que tudo indica, senã o em estado de legítima defesa, ao
menos, no exercício regular de dever legal.25

Sabe-se que, em 2007, ainda nã o havia decisã o transitada em julgado na esfera


penal acerca da culpabilidade dos agentes envolvidos na operaçã o XXXXXXXXXX.
Entretanto, dentro do sistema jurídico brasileiro, as esferas civil e penal sã o
independentes26, nã o havendo vinculaçã o necessá ria - exceto na açã o civil ex delicto27 -
entre o decidido em uma esfera na outra.

É dizer, de outro modo, que eventual absolviçã o na esfera penal nã o acarreta


irresponsabilidade civil por parte do Estado. Isso porque os elementos probató rios
necessá rios para a condenaçã o penal do agente pú blico (em que vige o princípio da
presunçã o de inocência) sã o distintos daqueles necessá rios para a configuraçã o da
responsabilidade civil do Estado (em que vige a responsabilidade objetiva).

25
Disponível em:
26
Artigo 935 do Có digo Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, nã o se podendo
questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questõ es se
acharem decididas no juízo criminal”.
27
A açã o civil ex delicto está prevista no artigo 64 do Có digo de Processo Penal, que dispõ e: “Sem prejuízo
do disposto no artigo anterior, a açã o para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível,
contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsá vel civil”. A doutrina brasileira explica: “Uma
conduta tipificada penalmente também pode se materializar em ilícito cível, trazendo para a vítima, se
identificada, pretensõ es de cunho indenizató rio. Com razã o, o art. 91, I, do CP, assevera que a sentença
condenató ria penal torna certa a obrigaçã o de reparar o dano causado pelo crime, sendo título executivo
judicial (art. 515, VI, CPC/2015), carecendo de prévia liquidaçã o. Embora prevista no Có digo de Processo
Penal, sabemos que a açã o civil ex delicto, seja ela de conhecimento ou de execuçã o, tem trâ mite regulado
pelo CPC/2015. O art. 63, CPP, é expresso nesse sentido, pelo que as poucas disposiçõ es que regulam essa
demanda na lei processual penal sã o destinadas mais a delimitar os contornos da coisa julgada criminal,
para fins de definir se a demanda a ser ajuizada na esfera cível será de conhecimento (art. 64, pará grafo
ú nico do CPP) ou de execuçã o (art. 63, pará grafo ú nico do CPP)” TÁ VORA, Nestor. RODRIGUES, Rosmar.
Curso de Direito Processual Penal – 12a ed. revisada e atualizada, Salvador: Ed. JusPodium. 2017, p.
361.

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A responsabilidade objetiva, no sistema jurídico brasileiro, é aquela que
prescinde da demonstraçã o de culpa do agente, sendo necessá ria, apenas, a prova da
conduta, do nexo de causalidade entre conduta e dano, e do dano efetivamente
acarretado à vítima.

Portanto, a decisã o proferida na açã o indenizató ria proposta pela genitora de


XXXXXXXXXXX revela-se dissonante do que determina o ordenamento jurídico
brasileiro. Com efeito, o juízo de primeiro grau, embora tenha reconhecido, “em tese”,
que a responsabilidade do Estado é objetiva, alegou que a autora nã o comprovou a
culpa dos policiais militares. Ora, se a responsabilidade estatal é objetiva, ela independe
de culpa; logo, nã o cabia à autora demonstrar culpa! A nã o responsabilizaçã o estatal
ocorreria apenas nas hipó teses de culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro
ou caso fortuito ou força maior, o que nã o se verificou no caso XXXXX.

Conforme já exposto nos itens anteriores, a responsabilidade estatal é evidente,


na medida em que os agentes policiais agiram com desmedida força na abordagem das
vítimas, executando-as de forma sumá ria e sem possibilidade de defesa. Resta
plenamente demonstrado o nexo de causalidade entre as mortes das vítimas e a açã o
dos agentes do Estado, o que, consequentemente, gera o dever de reparar os danos
morais e materiais aos familiares diretamente afetados.

Em janeiro de 2008, de forma tempestiva, a Sra. XXXXXXXXX interpô s recurso de


apelaçã o contra a sentença proferida, mas até o momento o recurso nã o foi julgado, o
que denota a desídia do judiciá rio brasileiro na apreciaçã o do caso.

De igual sorte é a açã o civil movida por XXXXX, filho da vítima XXXX (processo no
XXXXXXXXX), em 31 de março de 2003, requerendo a reparaçã o civil pelos danos que
lhe foram causados na operaçã o XXXX.

Em sentença de 15 de dezembro de 2012, mais de 10 anos apó s o ocorrido (e


mais de nove anos e meio apó s o início da açã o), o pleito de Sandro Vinícius foi julgado

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procedente em primeira instâ ncia, tendo sido o estado de Sã o Paulo condenado a pagar
uma pensã o mensal no valor de R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais) ao autor até
que este completasse 24 (vinte e quatro) anos de idade, além de uma indenizaçã o por
danos morais no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). Entretanto, tal decisã o foi
revertida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo, em decisã o de 11 de
novembro de 2014, que julgou improcedentes os pedidos.

A demora na resoluçã o das açõ es agrava ainda mais o sofrimento dos familiares:
no caso do filho de XXXXXXXXXXX, ele teve de esperar longos 12 (doze) anos até receber
a decisã o final, que, de forma equivocada, também decidiu pela irresponsabilidade
estatal com relaçã o aos fatos ocorridos na operaçã o XXXX, deixando-o desamparado e
nã o ressarcido.28

As açõ es civis movidas pelos familiares de XXXXXXXXXXXXX, embora tenham


rendido decisõ es favorá veis aos autores, demonstram violaçõ es reiteradas ao artigo 25
da CADH, tendo em vista a lentidã o no julgamento e recebimento dos valores (até o
presente momento só os familiares de XXXXXX receberam as indenizaçõ es fixadas
judicialmente).

No caso da vítima XXXX, a açã o civil (processo no XXXXX) foi proposta em 25 de


maio de 2005 por seus filhos XXXXXX. Nã o constam no polo ativo da demanda os outros
dois filhos da vítima, e ora peticioná rios neste EPAP, AXXXXXXXXX, que nã o foram
contemplados pelo Judiciá rio brasileiro com reparaçã o alguma por parte do Estado.29

Com relaçã o a XXXXXXXX, foi proposta açã o civil (processo no XXXXXXX) em 26


de março de 2003, pela companheira da vítima, XXXXXXXXX, e seus filhos,
XXXXXXXXXXX.

Em 14 de julho de 2008, o estado de Sã o Paulo foi condenado ao pagamento de


pensã o no valor de dois terços do salá rio mínimo nacional até o falecimento da
28
Disponível em:
29
Disponível em:

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companheira e até que os filhos completassem 18 (dezoito) anos de idade, além de uma
indenizaçã o por danos morais no valor de R$ 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos
reais) para cada um dos autores.

A sentença foi objeto de recurso de apelaçã o por parte do estado de Sã o Paulo,


tendo sido mantida a condenaçã o pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo, em
decisã o proferida em 26 de agosto de 2013, mais de 10 anos apó s a propositura da açã o.

Cumpre destacar que, passados mais de 8 anos da decisã o proferida pelo


Tribunal de Justiça de Sã o Paulo, nã o consta que os valores tenham sido efetivamente
pagos aos autores.30

Mesma sorte teve o caso dos familiares de X, em açã o proposta por suas três
filhas, XXXXXX, em 12 de abril de 2004 (processo no XXXXXX). Nesse processo, o estado
de Sã o Paulo foi condenado em primeira instâ ncia, em sentença de 11 de dezembro de
2008, ao pagamento de pensã o mensal no valor de dois terços do salá rio mínimo
nacional até as autoras completarem 25 (vinte e cinco) anos de idade, bem como ao
pagamento de indenizaçã o por danos morais no valor de 50 salá rios mínimos federais
para cada uma.

O estado paulista interpô s recurso de apelaçã o, que foi julgado apenas em 01 de


janeiro de 2015, quase 11 anos apó s a propositura da açã o, mantendo a condenaçã o
estatal. Entretanto, em que pese a condenaçã o, o procedimento de liquidaçã o de
sentença encontra-se suspenso desde 2016, nã o tendo as autoras sido indenizadas até o
presente momento31.

Por fim, a ú nica açã o na esfera civil em que houve pleno pagamento do quantum
indenizató rio foi aquela movida pelos familiares da vítima XXXXXXXX (companheira),
XXXXXXXXXX (filhos), em 26 de março de 2004 (processo no XXX).32
30
Disponível em:
31
Disponível em:
32
Ressalta-se que em todos os autos nã o foi possível acessar o inteiro teor das decisõ es em segunda
instâ ncia, uma vez que nã o divulgadas no acompanhamento processual do sistema eletrô nico do Tribunal

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Mesmo nesse caso, os valores só foram efetivamente pagos em 31 de agosto de
2015, ou seja, mais de 11 anos apó s a propositura da açã o e 12 anos apó s a ocorrência
dos fatos.33

Em síntese, o que se observa das açõ es propostas no â mbito civil é a extensa


demora na apreciaçã o dos casos por parte do Estado brasileiro, em franca violaçã o aos
artigos 8 e 25 da CADH.

A violaçã o dá -se tanto pela demora na aná lise dos casos, quanto pela
improcedência dos pleitos no caso dos familiares de XXXXXXXe no nã o pagamento dos
valores aos familiares de XXXXX.

Quanto aos familiares de XXXX, verifica-se que apenas os filhos de seu primeiro
casamento foram parte na açã o civil e mesmo estes nã o receberam o quantum
indenizató rio até o presente momento.

De qualquer maneira, mesmo que eventuais valores venham a ser pagos aos
familiares que pleitearam a indenizaçã o no juízo civil, tal fato nã o configura o
cumprimento, por parte do Brasil, de sua obrigaçã o internacional pelas violaçõ es
ocorridas na operaçã o XXXXXX.

A uma, pois tais condenaçõ es sã o parciais uma vez que nã o levaram em conta
todos os danos morais subsequentes à s sentenças, decorrentes da demora estatal em
proferir tais decisõ es, em proceder à execuçã o das sentenças e em emitir e,
efetivamente pagar, os precató rios judiciais, o que até o presente momento nã o ocorreu
para a maior parte das famílias.

de Justiça do Estado de Sã o Paulo. Assim, nã o é possível determinar se o quantum indenizató rio foi
mantido, aumentado ou reduzido, até que se proceda ao desarquivamento e atualizaçã o do status
processual.
33
Disponível em:

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A duas, pois os patamares fixados judicialmente mostram-se muito aquém dos
valores que poderiam ser considerados adequados para reparar o efetivo dano sofrido
pelas vítimas.

Assim, resta evidente a responsabilidade do Estado brasileiro, bem como sua


obrigaçã o de reparar civilmente os familiares das vítimas da operaçã o XXXXX, tanto
aqueles que tiveram seu pleito indeferido na esfera civil interna, como aqueles que
ainda nã o receberam os valores devidos, mesmo com sentença condenató ria contra o
Estado, quanto aqueles que nã o tiveram açõ es civis propostas, por dificuldade de acesso
à justiça, como será demonstrado no tó pico "5.1.2" deste EPAP, que trata dos
pressupostos de admissibilidade.

3.4. Contexto da violência policial no Brasil e no Estado de São Paulo

A operaçã o “XXXXX” apresenta-se como um caso particular que expressa a forma


sistemá tica com que se opera a violência policial no Brasil, sendo certo que entre 2002,
época dos fatos, e o presente momento, pouco se avançou para mitigaçã o do uso da
força letal pelos ó rgã os de segurança pú blica brasileiros.

Em seu mais recente relató rio acerca da situaçã o dos direitos humanos no Brasil,
publicado em 2021, a CIDH dedicou capítulo específico à “Violência praticada por
agentes do Estado e racismo institucional”.

Nele, a Comissã o compila os dados das Secretarias Estaduais de Segurança


Pú blica de todos os estados do Brasil, que dã o conta de que, entre 2009 e 2018, 35.414
pessoas foram mortas em decorrência de açõ es policiais, registrando-se um aumento de
178,5% entre os anos de 2013 e 201834.

34
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 116.

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No estado de Sã o Paulo, segundo dados da Secretaria de Segurança Pú blica35,
entre 2015 e o terceiro trimestre de 2021, foram registrados 5.580 ó bitos decorrentes
de açõ es policiais, com o pico de 941 ó bitos em 2017 e uma média está vel de 854 ó bitos
por ano.

Segundo estudo da cientista social Adriana Loche36, as pesquisas em violência


policial apontam três parâ metros, que, quando conjugados, permitem aferir o grau de
letalidade policial, sendo estes: i-) a relaçã o entre civis mortos e civis feridos em açõ es
policiais; ii-) a relaçã o entre civis e policiais mortos; iii-) o percentual das mortes
provocadas pela polícia em relaçã o ao total dos homicídios dolosos.

A relaçã o entre civis mortos e feridos mede, em certa medida, a intencionalidade


policial quando em conflito. É de se esperar um nú mero inferior a 1, pois o uso da força
letal deve ser a ú ltima alternativa da polícia para a contençã o de determinada situaçã o
conflituosa, sendo esperado que o nú mero de mortos seja inferior ao nú mero de feridos.
Como referencial comparativo, tem-se que a açã o policial na cidade de Nova York, entre
os anos de 1993 e 2002, apresentou uma proporçã o entre civis mortos e feridos de 0,537.

De igual sorte é a relaçã o entre civis e policiais mortos. Um valor elevado nesta
relaçã o aponta para a desproporçã o no uso da força, tendo em vista demonstrar que
policiais em conflito matam consideravelmente mais que os civis que os atacaram. Como
referencial internacional, tem-se uma relaçã o entre 4 a 10 civis mortos por policial 38,
sendo que para valores acima de 10 fica evidenciado o excesso no uso da força letal por
parte dos agentes de segurança pú blica.

35
Disponível em: https://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Trimestrais.aspx, Acesso em 19 de novembro de
2021.
36
LOCHE, Adriana. A letalidade da ação policial: parâmetros de análise. Revista do Nú cleo de de Pó s-
Graduaçã o e Pesquisa em Ciências Sociais no 17. Universidade Federal de Sergipe. Sã o Cristovã o - SE,
2010.
37
Ibidem, p. 48.
38
ibidem, p. 49

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Por fim, o ú ltimo indicador visa medir a proporçã o das mortes ocasionadas por
policiais com relaçã o ao total das mortes violentas intencionais. Mais uma vez, tomando
o referencial de Nova York entre 1993 e 2002, verifica-se que esta polícia contribuiu
com 1,5% dos homicídios dolosos. No Brasil, conforme dados do Anuá rio de Segurança
Pú blica de 2019, a proporçã o das mortes decorrentes de intervençõ es policiais foi de
11%.

Quando sã o analisados tais parâ metros no contexto de atuaçã o das forças


policiais do estado de Sã o Paulo, verifica-se que estas excedem, sob qualquer aspecto, o
mínimo de razoabilidade quanto ao uso da força letal, conforme se depreende dos dados
compilados na tabela abaixo39:

Fonte: Elaboraçã o pró pria a partir dos dados da Secretaria de Segurança Pú blica do Estado de Sã o Paulo (Disponível em:
https://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Trimestrais.aspx)

39
Para o ano de 2021 os dados estã o computados até o terceiro trimestre, ou seja, até o mês de setembro
de 2021.

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Conforme é possível observar, a polícia paulista mais mata que fere, com uma
média, nos ú ltimos 6 anos, de 1,26 mortos por ferido. Tal nú mero indica que a intençã o
da polícia paulista, em suas abordagens, é a de atirar para matar e nã o conter ou
combater a criminalidade por meio do uso nã o letal da violência. Inclusive, destaca-se
um aumento do indicador no triênio 2019/2021.

Por sua vez, a proporçã o de civis mortos por policial em combate é superior a 20,
com média de 21,46, o que também aponta para o uso desmedido da força policial,
conforme os parâ metros acima apontados. O ano de 2021, mesmo no contexto da
pandemia de COVID-19 e do consequente isolamento social, apresentou um expressivo
aumento neste indicador, atingindo 26,59, o maior patamar desde 2016.

Por fim, verifica-se que, no estado de Sã o Paulo, em média, as forças policiais


foram responsá veis por quase 19% do total das mortes violentas intencionais, muito
acima, por exemplo, do valor observado para a cidade de Nova York, o que demonstra a
desproporçã o da contribuiçã o da açã o policial no nú mero de mortes.

Quanto a este ú ltimo indicador, comparando-se com os demais estados


brasileiros, segundo dados do Anuá rio Brasileiro de Segurança Pú blica de 2019,
verifica-se que o estado de Sã o Paulo se coloca como um dos entes da federaçã o em que
se verifica os mais altos patamares de letalidade policial.

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Figura 1: Proporçã o de mortes decorrentes de intervençõ es policiais em relaçã o à s mortes violentas
intencionais - 2018

Fonte: Fó rum Brasileiro de Segurança Pú blica. Anuá rio Brasileiro de Segurança Pú blica – 2019. p. 60
(Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-
FINAL_21.10.19.pdf, Acesso em 02 de novembro de 2021)

O que se observa, portanto, é que o uso da força letal por parte das forças de
repressã o brasileiras, em especial no estado de Sã o Paulo, está longe de ser a ultima
ratio dentre as estratégias de combate à criminalidade, colocando-se, conforme
evidenciado pelos nú meros acima, como a principal estratégia de atuaçã o.

De especial preocupaçã o é o dado trazido pela CIDH em seu relató rio acerca da
situaçã o dos direitos humanos no Brasil, ao expor o quanto a violência institucional
incide sobre a juventude paulista:

(...) segundo estudo da Fundaçã o das Naçõ es Unidas para a Infâ ncia
(UNICEF), o nú mero de crianças e adolescentes mortos em Sã o Paulo
entre 2014 e 2018 em decorrência de açã o policial, chegou a superar o
nú mero de mortos em outras circunstâ ncias (homicídios, latrocínio,
acidentes de trâ nsito, suicídio, feminicídio e lesã o corporal seguida de
morte). Foram 580 mortes em decorrência de açã o policial, contra 527
das demais mortes. Nota-se ainda mais preocupante que os nú meros de
mortes nã o decorrentes de açã o policial sofreram uma queda de 50%
no período assinalado, o que, na aná lise da Comissã o, tende a indicar

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que a elevada mortandade de crianças e adolescentes ocorreu por conta
da açã o policial40. (grifamos)

Também alerta a CIDH que a violência policial incide de forma desigual na


sociedade, sendo prevalente entre jovens, negros e pobres: no estado de Sã o Paulo,
entre 60 e 65% das vítimas sã o afrodescendentes, sendo 80% com menos de 29 anos.41

Além disso, a esmagadora maioria das açõ es letais por parte da polícia nã o
recebe a devida investigaçã o, sendo classificadas como “autos de resistência” ou, na
nova terminologia da polícia paulista, “homicídios resultantes da oposiçã o à intervençã o
policial”. A narrativa oficial, em tais casos, segue um roteiro padrã o por parte dos
policiais: a vítima teria resistido à prisã o, estaria armada, teria atirado primeiramente
nos policiais (quando quase sempre nã o há policiais feridos, viaturas ou terceiros
atingidos por tais supostos disparos) e, por conta disso, os agentes estatais teriam sido
forçados a revidar a injusta agressã o, “revide” esse que, via de regra, é feito com
inú meros disparos de arma de fogo em regiõ es vitais do corpo, que, em seguida, seria
socorrido supostamente com vida pelos pró prios policiais que atiraram (sendo que, na
realidade, os corpos chegam, em regra, mortos no Hospital). A isso, segue-se uma
investigaçã o bastante precá ria, que já se inicia tendenciosa a partir do relato dos
pró prios policiais envolvidos na ocorrência, que, evidentemente, destina-se a justificar
seus atos, de forma que o Inquérito Policial se desenvolve a partir dessa perspectiva,
voltando-se, na maioria das vezes, a apurar a conduta da vítima (para com isso justificar
o “revide” policial), em detrimento de uma adequada investigaçã o da conduta dos
policiais.

Tanto é assim que a taxa de elucidaçã o dos homicídios decorrentes de açõ es


policiais é baixíssima. Conforme aponta a CIDH, estima-se uma taxa de impunidade
entre 92% e 95%, quando se toma por referência o percentual de inquéritos policiais
que dã o origem a denú ncias recebidas e açõ es penais iniciadas no sistema de justiça
40
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 116.
41
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 117.

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brasileiro42. Dito de outro modo, cerca de 8 em 100 casos de homicídios decorrentes de
açõ es policiais sã o denunciados ao sistema de justiça, o que implica uma impunidade
ainda maior, tendo em vista que nem todos os casos denunciados sã o, de fato, punidos,
como bem se observou no caso XXXXXX.

Os nú meros acima mostrados podem ser visualizados, na prá tica, nas diversas
açõ es violentas das forças de segurança pú blica brasileiras, que saem da invisibilidade a
partir, muitas vezes, de denú ncias feitas por familiares e amigos das vítimas. Cita-se, a
título de exemplo, o caso Favela Nova Brasília, julgado por esta Corte em 2017, cuja
intervençã o policial resultou na execuçã o de 26 (vinte e seis) pessoas entre 1995 e 1996
na cidade do Rio de Janeiro. A mesma situaçã o verifica-se com relaçã o ao que ficou
conhecido como “crimes de maio” de 2006, quando açõ es da polícia paulista resultaram
em mais de 500 (quinhentas) mortes no estado de Sã o Paulo, como forma de,
supostamente, reprimir o crime organizado por meio de execuçõ es sumá rias.

Recentemente, ganharam repercussã o, também, o “massacre de Paraisó polis”,


em que 9 (nove) adolescentes morreram em uma açã o policial ocorrida em baile funk na
favela de Paraisó polis na capital do estado de Sã o Paulo, em dezembro de 201943; a
chacina na favela Jacarezinho no Rio de Janeiro, ocorrida em maio de 2021, em que uma
açã o da polícia carioca resultou na morte de 29 (vinte e nove) pessoas44 e, por fim, a
mais recente açã o letal da polícia do Rio de Janeiro de que se tem notícia, ocorrida em
novembro de 2021, em que moradores do Complexo do Salgueiro, em Sã o Gonçalo,
regiã o metropolitana do Rio de Janeiro, encontraram 8 (oito) corpos em um manguezal

42
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 133.
43
Portal GI, Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/12/01/perseguicao-e-
tiroteio-em-baile-funk-em-paraisopolis-deixa-ao-menos-8-mortos-pisoteados-em-sp.ghtml, Acesso em:
30 de novembro de 2021.
44
Portal G1. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/06/tiroteio-deixa-
feridos-no-jacarezinho.ghtml, Acesso em 30 de novembro de 2021.

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pró ximo de onde ocorrera uma açã o do BOPE (Batalhã o de Operaçõ es Especiais) da
Polícia Militar.45

A pró pria atuaçã o do GRADI (Grupo de Repressã o e Aná lise dos Delitos de
Intolerâ ncia) é sintomá tica quanto à sistemá tica da violência policial. Além da operaçã o
objeto do presente EPAP, que ficou conhecida como “XXXXXX” e resultou na morte das
12 (doze) vítimas, reputam-se ao GRADI diversas outras operaçõ es que resultaram em
execuçõ es sumá rias, a exemplo da operaçã o na Rodovia Bandeirantes, também contra
supostos membros do PCC, quando 5 (cinco) pessoas foram mortas por policiais do
GRADI, e outras intervençõ es visando ao suposto combate da criminalidade e que
somaram diversos ó bitos46.

Nã o causa surpresa, portanto, a conclusã o da CIDH no já mencionado relató rio


acerca da situaçã o dos direitos humanos no Brasil:

A abundante quantidade de informaçã o recebida durante a visita, assim


como coletadas em audiências pú blicas e outros mecanismos da
Comissã o, permite que se conclua sobre o envolvimento ou mesmo a
açã o de agentes estatais em violaçõ es do direito à vida (art. 4, 1 da
CIDH), à integridade pessoal (art. 5 da CIDH), bem como supressã o das
garantias judiciais (art. 8 da CIDH), estabelecidos pelo SIDH.
Especialmente em relaçã o ao primeiro, a Comissã o reitera que o direito
à vida é o mais fundamental dos direitos humanos, uma vez que é a base
para o exercício de todos os outros direitos. Nesse sentido, o artigo 4 da
Convençã o Americana declara que “toda pessoa tem o direito de ter sua
vida respeitada (...) Ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida”.
A Convençã o estabelece com absoluta clareza que o direito à vida nã o
pode ser suspenso sob nenhuma circunstâ ncia, incluindo em casos de
flagrante confronto com o crime organizado47. (grifamos)

Como se vê, a aná lise do presente caso insere-se dentro de um contexto mais
amplo de violência institucional generalizada, sendo certo que a responsabilizaçã o da
45
Portal DW. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/moradores-retiram-corpos-de-manguezal-ap
%C3%B3s-a%C3%A7%C3%A3o-da-pm-no-rj/a-59903426, Acesso em 30 de novembro de 2021.
46
Folha de S. Paulo. 14 de agosto de 2002. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1408200218.htm, Acesso em: 30 de novembro de 2021
47
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 121

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Repú blica Federativa do Brasil no caso “XXXX” será fundamental para a adoçã o, por
parte do Estado brasileiro, de açõ es preventivas na contençã o da violência policial,
buscando uma maior efetivaçã o dos direitos à vida, à integridade física e à s garantias
judiciais.

4. Identificação das vítimas

A Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo representa 42 (quarenta e duas)


vítimas da operaçã o XXXXX. Tais vítimas sã o alguns dos familiares dos 12 (doze)
homens mortos em XXXXXX pelas forças policiais do estado de Sã o Paulo, conforme
demonstram os documentos de identidade já apresentados a esta Corte Interamericana
de Direitos Humanos, juntamente com as respectivas procuraçõ es conferindo poderes
de representaçã o à Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo.

Para além das 42 (quarenta e duas) vítimas ora representadas, foram


identificados outros 13 familiares, que, entretanto, nã o sã o representados por esta
Defensoria Pú blica, seja porque nã o tiveram interesse no seguimento da demanda, seja
porque nã o foi possível localizá -los, em razã o do longo tempo transcorrido desde a data
dos fatos (mais de 19 anos).

Confira-se na tabela abaixo todas as vítimas até o presente momento


identificadas, seu grau de parentesco com a vítima morta na operaçã o XXXXXX, nú meros
de identificaçã o nacional (RG e CPF) e informaçã o sobre a representaçã o desta
Defensoria Pú blica:

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5. Fundamentos de Direito

5.1. Preliminares

5.1.1. Competência

A Corte é competente para conhecer do presente caso nos termos do artigo 62.3
da CADH, já que a Repú blica Federativa do Brasil reconheceu a referida competência,
por meio do Decreto Presidencial no 4.463/2002, para julgamento de fatos ocorridos
apó s 10 de dezembro de 1998.

Tendo em vista que os fatos violadores dos direitos humanos ocorreram no ano
de 2002 em diante, conclui-se pela plena competência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos para julgamento do feito.

5.1.2. Pressupostos de admissibilidade

O acesso à jurisdiçã o internacional dá -se quando ocorre o esgotamento das


instâ ncias internas (artigo 46.1.a da CADH), que propicia o prévio conhecimento das
violaçõ es ao Estado para que possa agir de forma a mitigar ou solucionar as violaçõ es
perpetradas.

O esgotamento recursal refere-se à queles recursos que se mostrem adequados


e efetivos para determinado caso, nã o sendo necessá rio, portanto, que todos os recursos
sejam empregados, mas tã o somente os idô neos para obtençã o da tutela jurisdicional
pretendida.

De igual sorte, a mora estatal na aná lise do direito pleiteado também enseja a
admissibilidade por parte das instâ ncias internacionais, conforme disciplina do artigo
46.2.c.

Conforme apontado pela CIDH no Relató rio de Admissibilidade no XXXX:

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A jurisprudência do Sistema Interamericano tem seguido a tendência
segundo a qual “os fundamentos da proteçã o internacional dos direitos
humanos a que faz referência o artigo 46(1) da Convençã o radicam-se
na necessidade de salvaguardar a vítima do exercício arbitrá rio do
poder pú blico". As exceçõ es previstas no artigo 46.2 da Convençã o
buscam, exatamente, garantir a açã o internacional quando os recursos
da jurisdiçã o interna e o pró prio sistema judicial nacional nã o sã o
efetivos para garantir o respeito aos direitos humanos das vítimas.
(...)
se a tramitaçã o dos recursos internos sofrer demora injustificada, é
possível deduzir que estes perderam sua eficá cia para produzir o
resultado para o qual foram estabelecidos, “colocando assim a vítima
em estado de indefeso". Esta é a instâ ncia em que corresponde aplicar
os mecanismos de proteçã o internacional, entre os quais se encontram
as exceçõ es previstas no artigo 46.2 da Convençã o48. (grifamos)

No presente caso, observou-se, desde o início do trâ mite investigativo, mora


por parte das autoridades estatais para o deslinde da apuraçã o acerca das mortes
acarretadas pela operaçã o “XXXX”. O processo penal que se instaurou contra os policiais
envolvidos na operaçã o XXXX (autos no XXXXXX) ficou parado por mais de 4 (quatro)
anos, entre dezembro de 2003, quando do oferecimento da denú ncia, e fevereiro de
2008, quando começaram a ser realizadas as audiências para oitiva dos réus e
testemunhas. Inclusive, a inaçã o estatal levou a CIDH a admitir o caso, conforme
Relató rio de Admissibilidade no XXXX de março de 2007:

A Comissã o considera que, como norma geral, uma investigaçã o penal


deve ser realizada com presteza para proteger os interesses das vítimas
e preservar a prova. No caso presente, a Comissã o observa que o
assassinato das 12 (doze) supostas vítimas ocorreu em 5 de março de
2002. Segundo a informaçã o recebida, até a data de preparaçã o deste
relató rio, decorridos 5 (cinco) anos depois do fato, nã o existe uma só
sentença definitiva contra os acusados desse crime e, em 19 de outubro
de 2006, nem sequer se conseguira o seu comparecimento em juízo. A
Comissã o considera que o tempo transcorrido sem que se investigue,
processe e sancione todos os responsá veis constitui uma manifestaçã o
de demora injustificada e das escassas perspectivas de efetividade em
todos os recursos processuais aplicá veis à hipó tese. Sopesando o
argumento esgrimido pelo Estado sobre o nú mero de acusados e a
48
CIDH. Relató rio de Admissibilidade XXXX

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excessiva complexidade do caso, sem que se tenha conseguido um só
comparecimento em juízo, a Comissão considera ser aplicável, neste
caso, a exceção prevista no artigo 46, inciso 2, alínea c) da
Convenção, referente à demora injustificada na decisão sobre os
recursos da jurisdição interna49. (grifamos)

A espera foi de quase 15 (quinze) anos para superaçã o das instâ ncias
recursais, o que ocorreu somente em fevereiro de 2017, quando foi proferido acó rdã o
pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sã o Paulo, que manteve a impronú ncia de todos os
réus envolvidos na operaçã o XXXX. O trâ nsito em julgado desta decisã o deu-se em
setembro de 2017, sem que o Estado brasileiro dessa efetiva resoluçã o à s violaçõ es de
direitos fundamentais perpetradas, uma vez que, como apontado, todos os envolvidos
na operaçã o “XXXXXX” foram absolvidos por falta de provas, resultado fortemente
influenciado pelo baixo rigor técnico das investigaçõ es do caso.

O mesmo resultado verificou-se com relaçã o à s açõ es ajuizadas no â mbito civil.

Nesse ponto, é importante observar que a Defensoria Pú blica do Estado de Sã o


Paulo foi criada no ano de 2006, por meio da Lei Complementar Estadual n o 988/2006,
portanto, 4 (quatro) anos apó s a ocorrência dos fatos, que se deram, repita-se, em
XXXXX.

Por certo, a ausência de um aparato estatal visando à garantia do atendimento


aos hipossuficientes gerou ó bice para que muitas famílias procurassem a satisfaçã o de
seus direitos na esfera civil. Também, a ausência de um Nú cleo Especializado na
promoçã o dos direitos humanos, que, dentre outros temas, atua diretamente em
questõ es envolvendo violência policial, impediu que houvesse uma açã o proativa, por
parte do Estado, na busca por reparaçã o aos familiares das vítimas fatais da operaçã o
XXXX.

49
CIDH. Relató rio de Admissibilidade XXXXX

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Disto decorreu que, conforme visto, apenas 6 (seis) famílias ajuizaram açõ es na
esfera civil pleiteando indenizaçõ es pelas mortes de seus entes queridos, constando que
apenas 1 (uma) recebeu algum tipo de indenizaçã o até o presente momento. Tal fato
escancara a desídia estatal, também na esfera civil: decorridos quase 20 (vinte) anos
dos fatos, 11 (onze) das 12 (doze) famílias não receberam qualquer tipo de reparaçã o
por parte do Estado brasileiro.

Portanto, seja pela mora estatal, seja pela superaçã o das instâ ncias recursais
internas, faz-se plenamente admissível o julgamento do presente caso por esta Corte.

5.2. As violações à Convenção Americana de Direitos Humanos

5.2.1. Violação ao artigo 4 da CADH

A Convençã o Americana de Direitos Humanos estabelece em seu artigo 4 o


direito à vida, disciplinando que “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.
Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepçã o.
Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

Assim, o direito à vida coloca-se como de essencial importâ ncia, uma vez que
necessá rio para o pleno gozo de todos os demais direitos fundamentais, sendo um
imperativo ló gico sua preservaçã o para a garantia, proteçã o e promoçã o dos direitos
humanos.

Também é cediço, no â mbito da evoluçã o jurisprudencial desta Corte, que a


efetivaçã o do direito à vida nã o se faz apenas em seu aspecto negativo – ou seja, nã o se
trata apenas do direito de nã o ser morto arbitrariamente –, mas também em seu
aspecto positivo, que consiste no dever estatal de promover ativamente a proteçã o à
vida. Nesse sentido, decisã o desta Corte no caso Bulacio vs Argentina:

La protecció n activa del derecho a la vida y de los demá s derechos


consagrados en la Convenció n Americana, se enmarca en el deber

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estatal de garantizar el libre y pleno ejercicio de los derechos de todas
las personas bajo la jurisdicció n de un Estado, y requiere que éste
adopte las medidas necesarias para castigar la privació n de la vida y
otras violaciones a los derechos humanos, así como para prevenir que
se vulnere alguno de estos derechos por parte sus propias fuerzas de
seguridad o de terceros que actú en con su aquiescencia50. (grifamos)

Portanto, está dentro do rol de competências e obrigaçõ es estatais a promoçã o


de programas e treinamentos, bem como a adoçã o de medidas e adequaçã o da
legislaçã o, que visem prevenir a violência policial e a letalidade por parte das forças
estatais, como corolá rio necessá rio da preservaçã o do direito à vida.

Tal exigência faz-se ainda mais premente naquilo que toca à atuaçã o das forças
de segurança pú blica estatais, tendo em vista que o Estado detém o monopó lio do uso
da violência e o deve fazer para proteger e garantir a segurança pú blica de todos os
cidadã os, e nã o de alguns em detrimento de outros. Nesse sentido, o julgado da Corte
IDH no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil:

175. Esse dever de “garantir” os direitos implica a obrigaçã o positiva de


adoçã o, por parte do Estado, de uma série de condutas, dependendo do
direito substantivo específico de que se trate.
176. Essa obrigaçã o geral se vê especialmente acentuada em casos de
uso da força letal por parte de agentes estatais. Uma vez que se tenha
conhecimento de que os agentes de segurança fizeram uso de armas de
fogo com consequências letais, o Estado também está obrigado a
determinar se a privaçã o da vida foi arbitrá ria ou nã o. Essa obrigaçã o
constitui um elemento fundamental e condicionante para a proteçã o do
direito à vida que se vê anulado nessas situaçõ es.
177. Em casos em que se alega que ocorreram execuçõ es extrajudiciais
é fundamental que os Estados realizem uma investigaçã o efetiva da
privaçã o arbitrá ria do direito à vida reconhecido no artigo 4 da
Convençã o, destinada à determinaçã o da verdade e à busca, captura,
julgamento e eventual puniçã o dos autores dos fatos. Esse dever se
torna mais intenso quando nele estã o ou podem estar implicados
agentes estatais que detêm o monopó lio do uso da força. Além disso,
caso os fatos violató rios dos direitos humanos nã o sejam investigados
com seriedade, seriam, de certo modo, favorecidos pelo poder pú blico, o

50
Corte IDH, Bulacio vs Argentina, Fondo,Reparaciones y Costas, Sentença de 5 de julho de 2006, p. 49

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que compromete a responsabilidade internacional do Estado51.
(grifamos)

Nesse sentido, compete ao Estado apontar se a violaçã o do direito à vida foi


arbitrá ria ou nã o. É dizer, de outro modo, que compete ao Estado demonstrar as
condicionantes que levaram à supressã o deste direito em determinada situaçã o,
partindo-se de ampla investigaçã o acerca dos ó bitos. Como aponta a CIDH, ao citar
precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos, em seu relató rio de mérito no
144/11, a respeito do caso Favela Nova Brasília:

Deve haver alguma forma de investigaçã o oficial efetiva quando


indivíduos sã o mortos como resultado do uso da força. O propó sito
essencial dessa investigaçã o é assegurar a efetiva implementaçã o das
leis domésticas que protegem o direito à vida e, naqueles casos que
envolvem agentes ou ó rgã os do Estado, garantir sua rendiçã o de contas
pelas mortes ocorridas sob sua responsabilidade.
(...)
A investigaçã o também deve ser efetiva no sentido de ser capaz de
chegar a uma determinaçã o sobre se o uso da força nesses casos foi ou
nã o justificado pelas circunstâ ncias. Esta nã o é uma obrigaçã o de
resultados, mas sim de meios. As autoridades devem ter adotado as
medidas razoá veis ao seu alcance para proteger as provas relativas ao
incidente, incluindo inter alia depoimentos de testemunhas oculares,
provas periciais e, se for o caso, uma autó psia que proporcione um
registro completo e exato da lesã o e uma aná lise objetiva das
conclusõ es clínicas, inclusive a causa da morte. Qualquer deficiência na
investigaçã o que prejudique sua capacidade de estabelecer a causa da
morte ou a pessoa ou pessoas responsá veis correrá o risco de
descumprir esse critério.”52 (grifamos)

O uso da força letal por parte dos agentes de segurança pú blica deve ser a ultima
ratio dentre as ferramentas disponíveis para a atuaçã o policial, como bem apontado
pela CIDH no Relató rio de Mérito no XXXX:

51
Corte IDH. Caso Favela Nova Brasília vs Brasil, Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 16 de Fevereiro de 2017, p. 45.
52
“CEDH. Hugh Jordan v. Reino Unido, Demanda no. 24746/94, Sentença de 4 de maio de 2001, paras.
105-109”, apud COMISSÃ O IDH, Relató rio de Mérito n. 141/11, Casos 11.566 e 11.694, Cosme Rosa
Genovena, Evandro de Oliveira e Outros (Favela Nova Brasília) versus Brasil, par. 146.

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A Comissã o estabeleceu, seguindo a jurisprudência da Corte
Interamericana, que, “embora os agentes da Força Pú blica possam
utilizar legitimamente força letal no exercício de suas funçõ es, este uso
deve ser excepcional e deve ser planejado e limitado
proporcionalmente pelas autoridades, de forma que somente
procederã o ao uso da força ou de instrumentos de coerçã o quando se
tenham esgotado e fracassado todos os demais meios de controle.53
(grifamos)

Infelizmente, conforme visto no tó pico acerca do contexto da violência policial no


Brasil, tais premissas para o resguardo do direito à vida têm sido constantemente
ignoradas pelas forças de segurança pú blica brasileiras, que usam da força letal como
método primá rio de intervençã o policial, sob a genérica justificativa de que teria havido
resistência à ordem policial ou injusta agressã o por parte das vítimas (os chamados
“autos de resistência”). Acerca dessas intervençõ es, raramente há uma ampla
investigaçã o no que tange à s condicionantes que, supostamente, teriam levado ao uso
desproporcional da força, o que denota, em tais casos, uma violaçã o arbitrá ria do direito
à vida.

Exatamente o que se deu no caso ora em análise. Com efeito, no caso da


operaçã o “XXXX”, ficou claro que a atuaçã o das forças policiais do estado de Sã o Paulo
transbordou todo e qualquer critério de razoabilidade no uso da violência, bem como
soterrou o direito à vida em todas as suas dimensõ es.

Isso porque, conforme analisado no item “3. Determinaçõ es de Fato”, as 12


(doze) vítimas ocupantes do ô nibus alvejado pelas forças policiais foram executadas
sem qualquer possibilidade de resistência, seja em razã o da superioridade numérica
(eram cerca de 100 agentes policiais), seja, ainda, pelo fato de os integrantes do ô nibus
portarem armamentos inefetivos, que nã o representavam risco algum à s forças
policiais.

53
CIDH, Relató rio Nº XXXXX

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Ainda, nã o consta que as forças policiais tenham abordado os integrantes do
ô nibus de forma a possibilitar que esses se rendessem, ficando claro que o intuito, desde
o início da operaçã o, era interceptar o ô nibus de forma violenta e executar seus
ocupantes. Portanto, o uso da força letal era a primeira e ú nica estratégia de abordagem.

No que toca à s investigaçõ es posteriores e aos processos judiciais, ficou clara a


deficiência das diligências estatais: de início, nota-se que sequer foi preservada a cena
dos fatos, tampouco se procedeu a investigaçõ es bá sicas acerca das mortes, tendo sido
aceita de plano a tese da legítima defesa, sem ao menos se cogitar outras linhas
investigativas, conforme exposto em “3.2. As investigaçõ es e o processo judicial”.

Assim, diante de tais fatos e de todo o exposto, resta clara a responsabilidade


da República Federativa do Brasil pela violação do direito à vida de XXXXX.

5.2.2. Violação aos artigos 8 e 25 da CADH

A Convençã o Americana de Direitos Humanos estabelece em seu artigo 25 que:

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rá pido ou a qualquer


outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a
proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos
pela constituiçã o, pela lei ou pela presente Convençã o, mesmo quando
tal violaçã o seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício
de suas funçõ es oficiais.
2. Os Estados Partes comprometem-se:
a. a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal
do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal
recurso;
b. a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e
c. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda
decisã o em que se tenha considerado procedente o recurso.

Já o artigo 8.1 da CADH estabelece:

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Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoá vel, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuraçã o de qualquer acusaçã o penal formulada contra ela, ou para que
se determinem seus direitos ou obrigaçõ es de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Os artigos acima elencados consagram o direito de acesso à justiça, bem como o


dever do Estado em propiciar, no â mbito de sua jurisdiçã o, todos os meios disponíveis
para a efetivaçã o dos direitos protegidos pela CADH, por meio do devido processo legal.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:

[...] segú n la Convenció n Americana, los Estados Partes está n obligados


a suministrar recursos judiciales efectivos a las víctimas de violaciones
de los derechos humanos (artículo 25), recursos que deben ser
sustanciados de conformidad con las reglas del debido proceso legal
(artículo 8.1), todo ello dentro de la obligació n general, a cargo de los
mismos Estados, de garantizar el libre y pleno ejercicio de los derechos
reconocidos por la Convenció n a toda persona que se encuentre bajo su
jurisdicció n (artículo 1.1).54 (grifamos)

É de se observar que o devido processo legal deve ser respeitado em todas as


esferas de governo, e nã o apenas no â mbito do processo judicial. Nesse sentido:

El artículo 8.1 de la Convenció n no se aplica solamente a jueces y


tribunales judiciales. Las garantías que establece esta norma deben ser
observadas en los distintos procedimientos en que los ó rganos estatales
adoptan decisiones sobre la determinació n de los derechos de las
personas, ya que el Estado también otorga a autoridades
administrativas, colegiadas o unipersonales, la funció n de adoptar
decisiones que determinan derechos.55 (grifamos)

Portanto, o respeito ao devido processo legal também se aplica à fase


investigativa, uma vez que tais atos administrativos impactam diretamente na proteçã o
e efetivaçã o de direitos, a exemplo do direito à vida, conforme visto no item anterior.

54
Corte IDH. Caso Zambrano Vélez y otros VS Ecuador, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 4 de
julho de 2007, p. 35.
55
Corte IDH. Caso Barbani Duarte y otros VS Uruguay, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 13 de
outubro de 2011, p. 59.

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Nesse sentido, o que se exige do Estado é a realizaçã o de investigaçõ es e
conduçã o dos processos judiciais de forma imparcial e célere, para que seja possível a
determinaçã o das causas violadoras dos direitos protegidos, bem como a exata
responsabilizaçã o dos violadores, isso dentro da moldura do devido processo legal que
confere à forma processual status de plena garantia de observâ ncia dos direitos tanto
aos acusados quanto à s vítimas.

É de se notar que, infelizmente, o Estado brasileiro reiteradamente desrespeita


o devido processo legal e as garantias judiciais, em especial nas investigaçõ es
relacionadas a violência policial. Como bem aponta a CIDH:

(...) a CIDH recebeu informaçõ es durante a visita de que há uma cultura


da impunidade que reflete um modus operandi das instituiçõ es de
segurança pú blica e sistema de justiça desde a ditadura cívico-militar
brasileira, especialmente em relaçã o a agentes do Estado que praticam
violaçõ es de direitos humanos. Essa cultura seria parte de um legado
autoritá rio, que continua a agir na forma de regras, procedimentos e
prá ticas que sobreviveram à transiçã o democrá tica e manifesta-se
principalmente nas açõ es de autoridades policiais e/ou militares que,
apesar de serem formalmente contrá rias ao estado de direito, acabam
sendo aprovadas pela populaçã o ou até mesmo pelas autoridades
estatais56. (grifamos)

No caso ora em aná lise, também sã o evidentes a violaçã o das garantias e da


proteçã o judiciais, conforme já se destacou, nos tó picos anteriores, quando se tratou da
morosidade dos ó rgã os investigativos e judiciais na elucidaçã o do caso: mais de 12
(doze) anos para que fosse proferida a sentença em primeira instâ ncia, nos autos do
processo criminal que investigou a conduta dos policiais envolvidos na operaçã o
XXXXXXXX (processo no XXXXXXXXXXXX sendo que os elementos investigativos já
estavam dados desde a data dos fatos, março de 2002.

De igual forma, ressaltou-se a completa ausência de uma cadeia de custó dia das
provas ao longo da investigaçã o criminal, com a violaçã o do local dos fatos, a partir da
remoçã o dos corpos e dos supostos armamentos; subtraçã o do vídeo da praça de
56
CIDH. Situaçã o dos Direitos Humanos no Brasil. 12 de fevereiro de 2021, p. 132.

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pedá gio e ausência de diligências bá sicas, como perícias técnicas no local do tiroteio,
testemunhos de funcioná rios do aeroporto e investigaçõ es mais aprofundadas acerca do
envolvimento dos presos infiltrados.

Tais omissõ es afrontam o entendimento desta Corte, conforme se verifica do


posicionamento abaixo transcrito:

[...] a fim de garantir sua efetividade, na investigaçã o de violaçõ es de


direitos humanos se devem evitar omissõ es na coleta de prova e no
acompanhamento de linhas ló gicas de investigaçã o. A esse respeito, a
Corte definiu que, quando os fatos se referem à morte violenta de uma
pessoa, a investigaçã o iniciada deve ser conduzida de forma a poder
garantir a devida aná lise das hipó teses de autoria que dela decorram57.

Assim, como decorrência dos artigos 8.1 e 25 da CADH, a autoridade estatal nã o


pode de forma consciente fechar linhas investigativas, sob risco de violaçã o do devido
processo legal e da necessá ria imparcialidade.

Foi justamente o que ocorreu no caso “XXXXXXXXXXX”, em que tanto a


investigaçã o foi conduzida de forma a se ignorar a hipó tese de emboscada contra as
vítimas, quanto os juízos em primeira e segunda instâ ncia tomaram como verdadeira a
tese de legítima defesa, mesmo com a abundâ ncia de relatos em sentido contrá rio, que
davam conta da iniciativa policial em efetuar os mais de 700 disparos contra o ô nibus.

Diferente sorte nã o tiveram os processos no â mbito civil, que também foram


marcados pela morosidade. Das 6 (seis) açõ es civis propostas, 2 (duas) foram julgadas
improcedentes, sendo que, das 4 (quatro) açõ es restantes, passados quase 20 (vinte)
anos dos fatos, apenas 1 (uma) resultou em recebimento efetivo de valores
indenizató rios aos familiares. Ou seja, das 12 (doze) famílias afetadas, 11 (onze) nã o
receberam qualquer reparaçã o civil até o presente momento, o que demonstra a total
desídia do Estado brasileiro para com a soluçã o do caso e reparaçã o das vítimas.

57
Corte IDH. Caso Favela Nova Brasília vs Brasil, Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 16 de fevereiro de 2017, p. 46

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Portanto, resta clara a violação da República Federativa do Brasil aos
artigos 8.1 e 25 da CADH, uma vez que não proporcionou o devido processo legal
durante as investigações e julgamento envolvendo a operação “XXXXX”, nem
proporcionou meios céleres e suficientes para que os familiares das vítimas
obtivessem reparações no âmbito civil.

5.2.3. Violação ao artigo 5 da CADH

O artigo 5 da CADH garante o direito à integridade pessoal ao estabelecer que:

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física,


psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos
cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade
deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser
humano.

É cediço na jurisprudência desta Corte que os familiares das vítimas de violaçõ es


de direitos humanos podem ser igualmente vítimas. Nesse sentido:

269. A Corte considerou, em vá rios casos, que os familiares das vítimas


de violaçõ es dos direitos humanos podem ser, simultaneamente,
vítimas. O Tribunal considerou violado o direito à integridade psíquica
e moral de familiares de vítimas, por motivo do sofrimento adicional
que padeceram em consequência das circunstâ ncias particulares das
violaçõ es cometidas contra seus seres queridos, e em decorrência das
posteriores açõ es ou omissõ es das autoridades estatais frente aos fatos.
270. No presente caso, a Corte observa que a falta de investigaçã o dos
fatos e a continuada impunidade podem ter provocado danos e
prejuízos aos familiares das vítimas. A esse respeito, a Corte dispõ e de
prova nos autos relacionada com os danos e sofrimentos por que
passaram alguns dos familiares das pessoas mortas nas incursõ es
policiais. Com base nas declaraçõ es testemunhais escritas e presenciais,
bem como nos relató rios sobre o impacto psicossocial aos familiares
das vítimas, torna-se evidente que viram sua integridade pessoal
afetada de uma ou outra maneira58. (grifamos)
58
Corte IDH. Caso Favela Nova Brasília vs Brasil, Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 16 de fevereiro de 2017, p. 67

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Pá gina 52 de 94
É justamente o que se observa no caso ora em aná lise, em que tanto a cobertura
midiá tica do caso, quanto a morosidade e impunidade dos policiais envolvidos,
resultaram em profundos danos psicoló gicos aos familiares das vítimas, conforme
relatos dos familiares, coletados pela equipe multidisciplinar desta Defensoria Pú blica e
anexados a este EPAP (Anexo XV).

XXXXXXX, companheira e filho da vítima XXXXX, relatam o desespero ao saberem


da notícia de sua morte pelo noticiá rio da televisã o. Segundo a companheira, foi “uma
XXXXXXX”; e complementa: “XXXXXXXX”.

XXXXera dependente financeiramente de XXXX, que morava com ela e o filho,


sendo um pai presente e amoroso. Apó s sua morte, a companheira teve que buscar
formas de sustento, absorvendo o impacto do luto por meios pró prios, sem qualquer
auxílio estatal.

XXXXX, na época com 5 (cinco) anos de idade e morando com o pai e a mã e, teve
que se afastar da escola por um período, o que afetou seu rendimento escolar. Apesar da
pouca idade, guardou para sempre na memó ria a imagem do corpo do pai
completamente desfigurado dentro do caixã o. Além disso, desenvolveu trauma da
polícia, medo este que o acompanha até hoje.

Trauma também sofreu a irmã de XXXXXXXXXXXX que fez o reconhecimento do


corpo no necrotério de Sorocaba e viu o irmã o com um dos olhos pendurados na altura
da bochecha e o crâ nio completamente “estourado” – imagem que jamais foi apagada de
seus pensamentos, causando-lhe sofrimentos até os dias de hoje.

A Sra. XXXXXXXXX, à época com 72 (setenta e dois) anos de idade, também foi
fortemente impactada pela morte do filho, apresentando picos de pressã o alta apó s a
notícia do ó bito e ficando acamada em possível quadro depressivo por um mês. Além
disso, os irmã os de XXXXXXXXX nã o descartam a possibilidade de que o quadro de

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pressã o alta de Benedita, que se cronificou apó s a morte de XXXXXXXXXX, tenha relaçã o
com a forma brutal com que o filho foi morto e as humilhaçõ es sofridas pela família nos
dias que se seguiram.

Isso porque, conforme relato da irmã XXXXXXXX, apó s a morte de XXXXXXXXXX,


policiais militares constrangeram toda a família, rotulando todos como “bandidos”.
Segundo seu relato “XXXXXXXXXXXXX”.

Transtorno similar foi o vivido pelos familiares da vítima XXXX A XXXXXXXXXX,


relatam a presença de policiais infiltrados no veló rio de XXXX, além da presença
ostensiva dos veículos de mídia, o que causou enormes constrangimentos e a
impossibilidade de velar seu ente querido em paz.

Para XXXX foi uma enorme injustiça o que fizeram com seu filho, pois ele deveria
pagar por eventuais erros na prisã o e nã o no caixã o: “XXXXXXX”.

O irmã o de XXXX, XXXXXX, na época com 14 (quatorze) anos de idade, também


sofreu com a perda precoce. Relata o preconceito e discriminaçã o que sofreu na
pequena Jarinu, município do interior paulista onde morava com a mã e. Lembra dos
comentá rios apó s a notícia da morte do irmã o, ouvindo que este “XXXXX”. Lembra que o
irmã o ia visitá -los com frequência na cidade e ambos possuíam uma relaçã o de afeto e
carinho.

À mã e, XXXXX prometia que um dia iria tirá -la “desta vida de pobre”, lembrando
que o filho era muito carinhoso e eventualmente ajudava financeiramente a família.

Os filhos de XXXXXXXXXX, na época com 15 (quinze) e 12 (doze) anos de idade,


respectivamente, também classificam o vivido em XXXX como “muito doloroso”.
Lembram que foi a mã e deles, ex-companheira de XXXX, quem fez o reconhecimento do
corpo, uma vez que os filhos ainda eram muito jovens à época. Danilo se recorda dos
traumas na escola, pela ausência do pai, já que nas datas comemorativas, como o dia dos
pais, sentia a ausência do seu, que recorda ser uma pessoa alegre e extrovertida. Além

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disso, recordam os irmã os das dificuldades financeiras vividas, uma vez que o pai,
mesmo que separado de sua mã e, ajudava nas despesas de casa e complementava a
renda da família. A perda repentina trouxe enormes desafios financeiros à
sobrevivência.

Ao lembrar do ocorrido, XXX desabafa: “XXXXXXXXXX”. O irmã o Natan ainda


complementa: “XXXX (...) hoje, XXX”.

Nenhum dos filhos (XXXXXX), nem os irmã os de XXXX, jamais receberam


qualquer tipo de assistência ou amparo, material ou psicoló gico, por parte do Estado
brasileiro.

A ausência de cuidados estatais também marcou os familiares de XXXXXX, em


especial aqueles nã o despendidos em atençã o à s filhas menores da vítima,
XXXXXXXXXXX, na época com 1 (um), 3 (três) e 8 (oito) anos de idade, respectivamente.

Luciana, a mais velha das três irmã s, nã o se recorda exatamente dos fatos, por
ainda ser muito nova. Na época, morava com a mã e XXXX, separada de XXXX, porém
convivia com o pai todo final de semana, além de fazerem viagens e passeios juntos.
Além disso, por morarem pró ximos, era o pai quem buscava a filha todos os dias na
escola. Daquilo que recorda XXXX sobre o ocorrido, o sentimento é de muita tristeza,
tanto que, apó s a chacina na rodovia XXX, fez tratamento psicoló gico até os 10 (dez)
anos de idade, sendo também obrigada a mudar de escola, já que nã o tinha mais o pai
para buscá -la. Portanto, além da perda paterna, teve que conviver com a quebra de
vínculo com professores e colegas da antiga escola.

Iris, por sua vez, só veio a saber o que ocorreu com seu pai anos depois, já que
quando dos fatos tinha apenas 1 (um) ano de idade. Seu sentimento foi de profunda
indignaçã o: “XXXXXXXXXXX”. Lembra do vazio que foi crescer sem o pai e recorda a
depressã o que sua mã e, XXXXXXXXX, companheira de Luciano à época, sofreu.

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Inclusive, as filhas de XXX recordam-se da profunda tristeza que também se
abateu sobre a avó paterna, XXXXXXXXXXX, que veio a falecer cerca de um ano apó s a
morte do filho, sendo que as netas associam o quadro de depressã o da avó com a brutal
e inesperada morte de Luciano.

A irmã de XXXX, também sentiu a perda do pai, e costumava dormir com uma
foto deste debaixo do travesseiro.

Sob o aspecto financeiro, XXXX era o principal provedor do lar em que viviam
XXXXXXX, e contribuía com a mã e de XXXX, sendo certo que sua morte precoce
ocasionou dificuldades financeiras à s famílias.

Por sua vez, XXXX, companheira da vítima XXXXX, com quem tinha um filho de 5
(cinco) anos de idade, XXXX, recorda que “XXXXXX”. Além dos impactos financeiros,
Gilvâ nia sofreu profundos impactos psicoló gicos, desenvolvendo quadro depressivo e
hipertenso, tanto pela dor da perda, quanto pela repercussã o midiá tica do caso, pois o
preconceito de conhecidos, derivado da suposta associaçã o do marido à facçã o
criminosa PCC, fez com que ela tivesse que sair de Sã o Paulo e voltar para seu estado
natal, Pernambuco. Mudou-se com seu filho XXX, que além da perda do pai, teve de
conviver com uma abrupta mudança de lar, ambos eventos traumá ticos para uma
criança de 5 (cinco) anos de idade. O sentimento de XXXX quanto ao acontecido é de
indignaçã o: “se a XXXXXXX?”.

O mesmo sentimento é compartilhado por XXXXX, mã e de XXXX: “XXXXX”. A mã e


sente muito a falta do filho, tendo sido necessá rio tratamento psiquiá trico apó s o
acontecido, com a necessidade do uso de medicamentos controlados por cerca de 15
(quinze) anos. Para a genitora “XXXXXX”.

O irmã o, XXXX, que na época tinha 10 (dez) anos de idade e era muito apegado a
XXX, ficou traumatizado com a situaçã o (“XXXXXX!”), sentindo enorme raiva e revolta
pelo acontecido, sempre que vê uma foto do irmã o ou se recorda da situaçã o.

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A família de XXXXXX também se lembra com tristeza dos fatos. Sua mã e, XXXX,
resume a perda do filho em poucas palavras: "XXXXXXXXXXX".

A irmã XXXXXXXXXXX, se recorda do impacto na vida da família, da depressã o da


mã e e da profunda revolta que se abateu sobre seu irmã o mais novo, XXXXX, na época
um jovem de 16 (dezesseis) anos de idade, que nã o entendeu a razã o pela qual o irmã o
foi morto daquela forma. Além disso, Silvio auxiliava financeiramente a mã e, além de
ajudar a cuidar do irmã o mais novo.

Segundo XXXXX, nã o há como lembrar dos fatos sem reviver a dor: "XXXXX". Foi
ela quem reconheceu o corpo do irmã o no necrotério de Sorocaba, tendo que pedir
ajuda a vizinhos para custear o transporte do corpo: "XXXXXX". Para a irmã , o
sentimento de revolta permanece até hoje: "XXXXXXXXXXXXX".

Os familiares de XXXXX compartilham da mesma dor: seu filho mais velho,


XXXXXXXXXX, na época com 15 (quinze) anos de idade, se recorda que, apó s a morte do
pai, os nú cleos familiares se desmembraram. Wagner morava com o pai e a madrasta,
XXXXXXXX, e os dois irmã os, XXXXXXXX. Apó s a morte de XXXX, foi morar com a avó
paterna. A dor da perda traumá tica acompanha todos os familiares até hoje.

XXXX se recorda que o pai trabalhava com vínculo celetistas como motorista,
realizando viagens e excursõ es, estando vívido em sua memó ria as diversas vezes que
acompanhou o pai em viagens à praia e excursõ es por diversos locais.

Nã o consta que XXXXX tivesse envolvimento com o crime organizado, tanto que
nã o possuía qualquer antecedente criminal. Tal fato é confirmado, inclusive pelo relato
do presidiá rio infiltrado, XXXXX, que em seu depoimento atestou que XXX
"XXXXXXXXX52".

Apó s o ocorrido na operaçã o XXX, a madrasta de XXXX foi em busca de emprego,


tendo em vista que XXXX era o principal responsá vel pelo sustento financeiro da
residência. Tal fato culminou na mudança da madrasta e dos irmã os para a cidade de

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Campinas, local em que aquela conseguiu um emprego, o que acarretou certo
distanciamento entre XXX e os irmã os mais novos. Até hoje, XXX, seus irmã os e
Elisâ ngela, sentem saudades de XXX, nã o compreendendo o porquê da açã o violenta e
desmedida dos agentes policiais e por qual razã o estes executaram todos os integrantes
do ô nibus, ao invés de parar a conduçã o e dar voz de prisã o, caso estivessem, de fato,
cometendo alguma ilegalidade.

XXX se ressente de o pai nã o ter tido a oportunidade de conhecer os netos,


lembrando que, até hoje, recordar dos fatos ocorridos em XXXX, causa profunda dor.

No que se refere à vítima XXXXXX, seu filho XXXXXnã o se recorda do pai, pois sua
mã e era separada deste à época dos fatos e ambos nã o tinham muito contato.
Entretanto, ressente-se de nã o ter tido uma presença paterna durante a juventude,
tendo sido criado por seus avó s maternos em boa parte da infâ ncia e adolescência. XXXX
afirma que a avó materna, XXXXX, ficou profundamente abalada com a morte do
filho na operação XXXXXX, fato este agravado uma semana depois, quando um dos
tios (irmão de XXX) cometeu suicídio, deixando um recado à família, dizendo que
o "XXXXestava chamando".

Resta claro, diante de todo o exposto, a violação à integridade psíquica dos


familiares, cujo sofrimento foi amplificado pela brutalidade da operação, em
franca violação ao artigo 5 da CADH.

Foram mã es que perderam repentinamente seus filhos, esposas cujos maridos


nunca mais voltaram, filhos e filhas que cresceram sem seus pais e irmã os e irmã s que
viram o vínculo fraterno abruptamente desfeito.

Como bem apontado nos relató rios psicoló gicos anexos a este EPAP (Anexo XV),
para aqueles que sofrem, direta ou indiretamente, as consequências da violência
policial, nã o apenas a agressã o estatal é traumatizante, como a forma e os
desdobramentos de tal violência também o sã o.

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Isso porque casos como a operaçã o XXXXsã o publicizados, o que potencializa o
sofrimento familiar, resultando, muitas vezes, em preconceitos e humilhaçõ es pú blicas.

Somam-se a isso a dificuldade dos familiares na obtençã o de informaçõ es a


respeito do ocorrido, a impunidade subsequente e os longuíssimos processos judiciais,
tanto na esfera cível quanto penal, acarretando uma dinâ mica de constante
revitimizaçã o, o que torna o processo de superaçã o do trauma extremamente truncado
e doloroso.

Além disso, como apontado em todos os relatos, em momento algum o Estado


brasileiro ofereceu aos familiares das vítimas fatais qualquer tipo de assistência
psicoló gica ou material, sequer lamentou o ocorrido ou tomou providências para que
situaçõ es similares nã o voltassem a ocorrer. Assim, o Estado brasileiro seguiu violando
os direitos dos familiares sobreviventes, especialmente no que tange à sua integridade
psíquica. Nesse sentido, o entendimento do profissional de psicologia da Defensoria
Pú blica acerca de traumas causados em razã o de atos de violência policial:

Como há um elemento pú blico na dor, deve haver também elementos


pú blicos no tratamento e superaçã o dessa dor (tais como a justiça, o
reconhecimento e a reparaçã o). Assim, foi possível identificarmos que a
letalidade policial tem características que a diferenciam de outras
mortes violentas, pois os policiais sã o representantes do Estado. Esses
elementos arrancam a dor do â mbito eminentemente privado em que
está um crime passional, por exemplo, ou mesmo mortes ocasionadas
por doenças ou acidentes. E, desse modo, os cuidados com essa dor
deverã o se dar, especialmente, no ambiente pú blico ao qual ela foi
arremessada59

Outro poderia ter sido o desfecho da operaçã o XXXXX, caso as forças policiais
adotassem procedimentos de contençã o à criminalidade que nã o tivessem como pedra
angular a eliminaçã o de eventuais suspeitos, modus operandi que, lamentavelmente,
subsiste até os dias de hoje em diversas açõ es executadas pela polícia paulista.

59
GLENS, Mathias. A impossibilidade do luto em famílias cujos filhos foram mortos pela polícia. In
Conselho Regional de Psicologia de Sã o Paulo. Prêmio Marcus Vinícius de Psicologia e Direitos Humanos:
Violência de Estado Ontem e Hoje - Da Exclusã o ao Extermínio. Sã o Paulo - SP, 2017, p. 29.

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5.3. A responsabilidade internacional do Estado brasileiro

No caso dos Estados federais, a exemplo do Brasil, a responsabilidade


internacional pelo descumprimento dos direitos salvaguardados pela CADH cabe ao
Estado federal. É o que disciplina o artigo 28 da Convençã o, que estabelece a chamada
clá usula federal:

Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o


governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as
disposiçõ es da presente Convençã o, relacionadas com as matérias sobre
as quais exerce competência legislativa e judicial.

Portanto, embora as açõ es violadoras de direitos tenham sido perpetradas por


agentes subordinados a um dos entes federados brasileiros, no caso o estado de Sã o
Paulo, a responsabilizaçã o no plano internacional é da Repú blica Federativa do Brasil,
que responderá , conforme abordado no item anterior, pela violaçã o dos artigos 4, 5, 8.1
e 25 da CADH.

6. As reparações

6.1. Fundamentos da obrigação de reparar

A obrigaçã o de reparar os danos acarretados pelas violaçõ es de direitos humanos


está consignada no artigo 63.1 da CADH, o qual disciplina que:

Quando decidir que houve violaçã o de um direito ou liberdade


protegidos nesta Convençã o, a Corte determinará que se assegure ao
prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará
também, se isso for procedente, que sejam reparadas as conseqü ências
da medida ou situaçã o que haja configurado a violaçã o desses direitos,
bem como o pagamento de indenizaçã o justa à parte lesada. (grifamos)

A respeito deste artigo, tem se posicionado a jurisprudência desta Corte:

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284. A reparaçã o do dano ocasionado pela infraçã o de uma obrigaçã o
internacional requer, sempre que seja possível, a plena restituiçã o
(restitutio in integrum), que consiste no restabelecimento da situaçã o
anterior. Caso isso nã o seja viá vel, como ocorre na maioria dos casos de
violaçõ es de direitos humanos, o Tribunal determinará medidas para
garantir os direitos violados e reparar as consequências que as
infraçõ es provocaram.
285. Este Tribunal estabeleceu que as reparaçõ es devem ter um nexo
causal com os fatos do caso, as violaçõ es declaradas, os danos provados
e as medidas solicitadas para reparar os danos respectivos. Portanto, a
Corte deverá observar essa simultaneidade para pronunciar-se
devidamente e conforme o direito.60

No presente caso, tendo em vista a impossibilidade de plena restituiçã o ao status


anterior, visto o ó bito das 12 (doze) vítimas e o intenso sofrimento causado aos
familiares, deve o Estado ser responsabilizado e condenado ao cumprimento de
medidas que visem à nã o repetiçã o dos atos violadores de direito, atuando nas
consequências negativas da sistemá tica violência policial, bem como garantindo a justa
indenizaçã o aos familiares, de forma a mitigar, ainda que parcialmente, o sofrimento
decorrente da execuçã o sumá ria de seus entes queridos.

6.2. Beneficiários das reparações

Consideram-se beneficiá rias as vítimas indiretas da operaçã o XXXXXX, sendo


estas os familiares das vítimas fatais.

Conforme apontado na tabela do Capítulo 4, e da aná lise dos documentos


anexados com as procuraçõ es, todos os peticioná rios/beneficiá rios das reparaçõ es sã o
familiares que possuíam convívio pró ximo com os mortos na operaçã o XXXXX, em
especial mã es, companheiras, filhas e filhos, irmã s e irmã os, sendo, portanto, fortemente
impactados pelas execuçõ es ocorridas em XXXX.

60
Corte IDH. Caso Favela Nova Brasília vs Brasil, Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 16 de Fevereiro de 2017, p. 70

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Destacam-se, das vítimas elencadas, dois casos particulares, que merecem
melhor esclarecimento.

Andrew Almeida, filho da vítima fatal XXXXXXX, nã o foi registrado pelo pai, de
modo que nã o consta o nome do genitor em sua certidã o de nascimento. Em que pese tal
fato, sua filiaçã o é fato notó rio e reconhecido por todos da família de XXXXX. Entretanto,
caso esta Corte entenda necessá rio, nã o há ó bice, por parte de Andrew, na realizaçã o de
exame de DNA para a confirmaçã o da filiaçã o.

XXXXXXXXX é sobrinha da vítima fatal XXXX e encontra-se no rol de beneficiá rios


em representaçã o à sua mã e, XXXX, irmã de XXXX. XXXX faleceu no ano de 2006,
conforme certidã o de ó bito anexada juntamente com o documento de representaçã o de
XXXX(enviado anteriormente a esta Corte), sendo certo que aquela sofreu todos os
traumas decorrentes da morte brutal de seu irmã o, fazendo jus, portanto, à devida
reparaçã o. XXXX tem direito à indenizaçã o por ser herdeira de sua mã e, irmã da vítima
fatal, falecida apó s o fato e durante a tramitaçã o internacional do presente caso.

Assim, feitos estes esclarecimentos, as reparaçõ es a serem ordenadas por esta


Corte deverã o alcançar as vítimas identificadas no Capítulo 4 deste EPAP e
representadas pela Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo.

6.3. Medidas de reparação solicitadas

6.3.1. Garantias de não repetição

Como exposto no item “3.4” que aborda o contexto da violência das forças de
segurança pú blica no Brasil e, em particular, no estado de Sã o Paulo, o alto grau de
letalidade e de vitimizaçã o policial refletem problemas estruturais das polícias no
Brasil. Tais problemas impactam diversas facetas dos sistemas de segurança pú blica: da
formaçã o do agente policial à omissã o dos ó rgã os de controle, como o Ministério

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Pá gina 62 de 94
Pú blico, corregedorias e ouvidorias, até o elevado índice de impunidade judicial nos
casos de homicídios praticados por policiais.

Diante desse cená rio, faz-se necessá ria uma mudança sistemá tica na estrutura da
segurança pú blica brasileira, especialmente dos mecanismos de controle interno e
externo. Dito de outra forma, o Brasil carece de um plano e de políticas pú blicas
nacionais que visem à reduçã o da letalidade policial, com vistas à adoçã o de medidas
concretas e objetivas para o controle das frequentes violaçõ es de direitos humanos
pelas forças de segurança pú blica de, praticamente, todos os estados da federaçã o.

Tais medidas devem direcionar a atuaçã o policial para que estas atuem de
acordo com a Constituiçã o Federal do Brasil e os diversos tratados internacionais de
proteçã o aos direitos humanos dos quais a Repú blica Federativa do Brasil é signatá ria,
considerando, em especial, a promoçã o da dignidade da pessoa humana e o pleno
respeito do direito à vida.

Assim que, para se evitar que execuçõ es policiais, a exemplo daquela ocorrida na
rodovia XXXXX, voltem a ocorrer, propõ e-se um conjunto de medidas a serem adotadas
pelo Estado brasileiro.

A adoçã o de algumas dessas medidas já foi suscitada por esta Defensoria, tanto
no â mbito interno, quanto no â mbito internacional, a exemplo do recente caso
submetido à apreciaçã o da CIDH, P-XXXX, referente à execuçã o extrajudicial de quatro
jovens na Favela Sã o Remo por agentes policiais.

Reforça-se, portanto, os argumentos em prol da adoçã o de tais medidas, na


esperança de que, pela insistência, o Estado brasileiro saia da inércia legislativa,
executiva e judiciá ria, e promova, de fato, mudanças substanciais com vistas a combater
a violência policial em todo o territó rio nacional.

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Pá gina 63 de 94
6.3.1.1. Ampla investigação acerca do ocorrido na operação XXXX

Conforme demonstrado ao longo deste EPAP, tanto a investigaçã o policial quanto


o julgamento dos fatos da chamada operaçã o XXXX apresentaram deficiências bá sicas e
profundas, principalmente ao descartar de plano a hipó tese de execuçã o sumá ria,
mesmo com fortes indícios a apontarem nesse sentido.

Assim, os fatos ocorridos em XXXXXX e suas condicionantes, como a infiltraçã o


ilegal de presos para a realizaçã o de operaçõ es policiais pelo GRADI, jamais foram
objeto de uma investigaçã o séria e imparcial por parte do Estado brasileiro.

Portanto, fundamental se faz a realizaçã o de uma investigaçã o completa e


imparcial, efetivada por ó rgã o autô nomo e independente, distinto daquele envolvido
nos fatos investigados, para que assim seja possível determinar com precisã o os agentes
pú blicos – políticos, judiciais e administrativos – envolvidos e responsá veis pelas
mortes ocorridas na operaçã o XXXXXX.

O objetivo desta investigaçã o é delimitar as responsabilidades, com vistas a


punir os envolvidos, além de esclarecer à s famílias o que, de fato, ocorreu naquele 05 de
março de 2002.

Além disso, uma investigaçã o criteriosa acerca de um caso paradigmá tico pode, e
deve, servir de baliza para investigaçã o de outros tantos casos de massacres policiais
que acontecem por todo o Brasil, bem como subsidiar a adoçã o de medidas tendentes à
reduçã o da violência policial e da formaçã o de “grupos de extermínio” ao estilo do
GRADI.

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Pá gina 64 de 94
6.3.1.2. Medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais,
inclusive em programas de reciclagem, e que contemplem
a sensibilização para a necessidade de respeito aos
direitos humanos e para a questão do racismo estrutural

É essencial a adoçã o de medidas na formaçã o e na capacitaçã o dos policiais, para


observâ ncia dos parâ metros democrá ticos e de respeito aos direitos humanos, uma vez
que há evidências de que a formaçã o prá tica se dá com a “cultura das ruas”,
desvencilhada da formaçã o teó rica nas escolas de polícia. Essa formaçã o deve ser
permanente e obrigató ria.

Em relaçã o à necessidade de respeito aos direitos humanos, aponta-se que esta


nã o deve ser “academicista” e centrada em teorias histó ricas que pouco acrescentam à
prá tica profissional dos policiais. O ideal é que os cursos estejam voltados para a prá tica
e sejam realizados periodicamente a partir da atividade cotidiana dos pró prios policiais.
No que se refere ao conteú do, devem ser abordados conteú dos sobre o racismo
estrutural, a proibiçã o da realizaçã o de abordagens e detençõ es com base em fó rmulas
estereotipadas, desigualdade de gênero, discriminaçã o homofó bica e outras formas de
discriminaçã o e preconceito à s quais cabe ao Poder Pú blico combater. O importante é
que todo este conteú do seja abordado levando-se em conta o contexto pró prio de
atuaçã o das forças policiais, bem como sua prá tica cotidiana.

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Pá gina 65 de 94
6.3.1.3. Elaboração de protocolos públicos de uso proporcional e
progressivo da força, em conformidade com a Constituição
Federal brasileira e com os parâmetros internacionais,
especialmente aqueles previstos nos Princípios Básicos
sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei

É necessá rio que os protocolos da polícia sejam elaborados com base na ideia de
policiamento cidadã o e em parâ metros internacionais. Entende-se como possível e
necessá rio que se determine que os procedimentos policiais que envolvam o uso
legítimo da força sejam regulados por meio de lei federal, vinculando os estados
federados, que regulamentarã o a questã o apenas nas suas especificidades, para que se
firme um marco institucional comprometido com o direito à vida.

Deve ser estipulado expressamente que só se pode recorrer a este extremo como
ú ltimo recurso e que o uso da força deve estar inspirado nos princípios de
excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade. Ademais, deve ser fixada a
obrigatoriedade de uso prioritá rio de armamento menos letal em todos os casos,
inclusive no caso de perseguiçã o de suspeitos, mesmo que armados. De outra banda, de
rigor a proibiçã o do uso de armamento letal em abordagens e perseguiçõ es de pessoas
desarmadas, tendo em vista a desproporcionalidade deste tipo de açã o. Deve haver
reformulaçã o da noçã o de uso generalizado de armas pela polícia, como ocorre hoje,
com formaçã o de tropas desarmadas e uso de armas restrito a tropas especiais armadas.

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Pá gina 66 de 94
6.3.1.4. Elaboração de protocolos públicos de abordagem policial e
busca pessoal, com vistas a minimizar a prática de
filtragem racial

Na legislaçã o brasileira, a abordagem e busca pessoal podem ser realizadas sem


ordem judicial, desde que haja “fundada suspeita” de que alguém oculte consigo armas
proibidas ou objetos (art. 240, §2º do Có digo de Processo Penal).

Pela leitura do dispositivo, fica claro que seu principal objetivo é a preservaçã o
de provas. Contudo, na prá tica da polícia brasileira, adotam-se as abordagens e buscas
pessoais como parte essencial do modelo de policiamento ostensivo, orientado para
identificaçã o de “atitudes suspeitas” na prevençã o ou repressã o da criminalidade.

Especialmente no estado de Sã o Paulo, a questã o da abordagem policial é


bastante sensível. Dados da Secretaria de Segurança Pú blica indicam que apenas no ano
de 2020 mais de 11 milhõ es de pessoas foram abordadas pela polícia61. No mesmo ano,
104.081 pessoas foram presas em flagrante. Assim, verifica-se que em menos de 1%
(mais precisamente, em apenas 0,94%) dos casos houve a confirmaçã o da “fundada
suspeita” com a realizaçã o da prisã o em flagrante, o que aponta para o evidente abuso
da prá tica de abordagem por parte da polícia.

Conforme aponta Sinhoreto62, embora no estado de Sã o Paulo haja diversos


protocolos de açã o policial que se referem à abordagem policial, todos eles tratam do
que o policial deve fazer apó s identificaçã o da “atitude suspeita”, mas nenhum trata da
escolha em si de quem deve ser abordado. Como consequência, diversos estudos

61
http://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Trimestrais.aspx. Chegou-se ao resultado pela soma do nú mero de
revistas pessoais e identificaçã o realizadas nos quatro trimestres do ano.
62
SINHORETTO J, BATITUCCI E. C, CARUSO H, ZILLI L.P. e DE AZEVEDO, R. G. “Policiamento ostensivo e
relaçõ es raciais: estudo comparado sobre formas contemporâ neas de controle do crime”. Universidade Federal
de Sã o Carlos. Departamento e Programa de Pó s-Graduaçã o em Sociologia. Grupo de Estudos sobre Violê ncia e
Administraçã o de Conflitos. Disponível em:
http://www.gevac.ufscar.br/wp-content/uploads/2020/09/policiamento-ostensivo-rel-raciais-2020.pdf

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Pá gina 67 de 94
apontam que a filtragem racial e os estereó tipos sociais sã o o que, na prá tica, orientam a
abordagem e busca pessoal.

Para que seja possível maior controle da atuaçã o policial e se coíba eventuais
abusos aos direitos fundamentais, é indispensá vel que haja um protocolo que determine
que a intervençã o policial seja necessariamente embasada em elementos objetivos que
se vinculem razoavelmente à prá tica de conduta criminal. Para tanto, é possível adotar
os parâ metros definidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao condenar a
Repú blica Argentina por atuaçã o indevida da polícia, quais sejam: i-) que a polícia
indique as circunstâ ncias objetivas em que procede a uma detençã o, inspeçã o e/ou
busca pessoal sem ordem judicial, e sempre em relaçã o à prá tica concreta de um delito;
ii-) que tais circunstâ ncias devem ser de cará ter prévio a qualquer procedimento e de
interpretaçã o restritiva; iii-) que devam ocorrer em conjunto com uma situaçã o de
urgência que impeça a solicitaçã o de ordem judicial; iv-) que as forças de segurança
devem deixar registrado exaustivamente no auto do procedimento os motivos que
deram origem à inspeçã o ou busca pessoal; e v-) que seja vedado o uso de critérios
discriminató rios para efetuar uma abordagem63.

6.3.1.5. Medidas voltadas a melhorar as condições de trabalho dos


agentes de segurança pública

Questã o sensível no assunto em questã o relaciona-se com os direitos dos


pró prios agentes de segurança pú blica. Tais profissionais sã o submetidos a situaçõ es
estressantes e de alto risco, ainda mais no contexto da violência urbana e no combate ao
crime organizado. Assim que a violaçã o de direitos dos policiais dá -se na medida da
deficiência do treinamento que lhes é conferido para lidar com tais situaçõ es, fazendo

63
Caso “Fernandez Prieto y Tumbeiro Vs. Argentina.”
Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cidh-argentina-abordagem-policial.pdf

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com que sejam submetidos a condiçõ es adversas de trabalho sem que estejam
capacitados para tanto64.

Assim, como medida concreta e relacionada ao objeto deste EPAP – que trata, em
suma, do direito à vida – entende-se que essencial é atuar para concretizar medidas de
proteçã o aos policiais vitimizados, como fornecer adequados equipamentos de
proteçã o, disponíveis inclusive durante o período de folga desses, bem como
treinamentos voltados à açã o policial quando nã o se encontram em serviço, de forma a
reduzir a morte de policiais em confronto fora de serviço.

6.3.1.6. Providências destinadas a resolver o problema da


ausência ou insuficiência de acompanhamento psicológico
dos policiais

É sabido que as questõ es que estã o na base de muitos dos problemas aqui
narrados sã o de ordem social e psicoló gica. A atividade policial é, por natureza,
estressante e demanda apoio psicoló gico contínuo.

Pesquisas65 têm demonstrado que o sofrimento psíquico é intenso entre


profissionais da segurança pú blica e se deve a diversos fatores, como: i-) má
remuneraçã o – o que gera a necessidade da complementaçã o da renda com outras
atividades remuneradas nos dias de folga; ii-) inconstâ ncia quanto aos turnos e os locais
de serviços (alteraçõ es feitas arbitrariamente com intuito de punir o agente policial);
iii-) pressã o hierá rquica por parte das autoridades de comando para que executem
determinadas tarefas em desconformidade com a lei, podendo ser caracterizado assédio
moral contra policiais da base.
64
Importante, neste sentido, o estudo do Fó rum Brasileiro de Segurança Pú blica, Pesquisa de vitimizaçã o e
percepçã o de risco entre profissionais do sistema de segurança pú blica. Disponível em
http://www.forumseguranca.org.br/publicacao/pesquisa-de-vitimizacao-e-percepcao-de-risco-entre-
profissionais-do-sistema-de-seguranca-publica
65
Uma análise crítica sobre Suicídio Policial.
Disponível em: ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia/suicidiopolicial.pdf

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Pá gina 69 de 94
A expressã o desse sofrimento psíquico se traduz no elevado índice de suicídio
entre os policiais. Tome-se como exemplo o índice de suicídio entre os policiais civis de
Sã o Paulo, que apresenta uma taxa de 30,3 por 100 mil habitantes, muito superior à
média nacional de 6,666 por 100 mil habitantes, e acima do patamar considerado
endêmico pela Organizaçã o Mundial da Saú de, de 10 por 100 mil habitantes.

Conforme dados do Anuá rio Brasileiro de Segurança Pú blica67, em 2019, houve


ao menos 91 (noventa e um) casos de suicídio entre policiais na ativa no Brasil e
diversas pesquisas que relacionam suicídio e risco ocupacional sugerem, tanto no Brasil
como em outros países, que policiais sejam mais vulnerá veis do que outros
profissionais.

Por outro lado, entende-se que um dos efeitos deletérios do sofrimento nã o


acolhido é o aumento da tensã o psíquica e, por consequência, a maior tendência a
atitudes impensadas, impulsivas e, até mesmo, agressivas durante as abordagens
policiais, o que pode, potencialmente, resultar em uma escalada da violência e a
colocaçã o em perigo de si mesmo, dos demais agentes e de terceiros.

Assim, a existência de um espaço de atendimento psicoló gico, de reflexã o sobre a


prá tica cotidiana e de compartilhamento das dificuldades vividas no dia a dia tem a
capacidade de diminuir essa tensã o, garantindo-se a qualidade de vida dos agentes de
segurança e a qualidade do serviço pú blico prestado.

Neste contexto, fundamental a existência de constante acompanhamento


psicoló gico e terapêutico específico para policiais.

66
Ministério da Saú de. Mortalidade por suicídio e notificações de lesões autoprovocadas no Brasil.
Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2021/setembro/20/boletim_epidemiologico_svs_33_final.
pdf, Acesso em 24 de novembro de 2021
67
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-13/

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6.3.1.7. Previsão de afastamento temporário das funções de
policiamento ostensivo dos agentes envolvidos em mortes
nas operações policiais

É essencial que o policial que atue nas ruas e porte arma de fogo esteja
efetivamente apto, do ponto de vista emocional e psicoló gico, para se submeter a uma
atividade que é intrinsicamente estressante e conflituosa.

Assim, entende-se que o afastamento do policial e a inclusã o em programa de


apoio psicoló gico, pelo tempo necessá rio ao tratamento e orientaçã o, sã o medidas
fundamentais à queles policiais que se envolveram em ocorrências das quais o resultado
final da abordagem resultou em morte.

Como exemplo da eficá cia do afastamento de agentes, tem-se o histó rico do


governo de Má rio Covas, no estado de Sã o Paulo, quando em 1995 foi implantado um
controle administrativo para afastar policiais envolvidos em casos de letalidade policial.
A letalidade, que chegou ao pico de 1500 civis mortos por ano em confrontos contra
policiais, registrado no governo de Luiz Antô nio Fleury, foi reduzida a 500 mortes no
início do governo Má rio Covas, com posterior aumento nos anos 2000.

6.3.1.8. Controle da atividade policial

Além das medidas acima elencadas voltadas à s forças de segurança, entende-se


também como essencial que seja aprimorado o controle externo e social das polícias, o
que passa necessariamente pelo fortalecimento de ouvidorias e corregedorias
independentes e externas e pelo exercício do controle da atividade policial pelo
Ministério Pú blico, que tem entre as suas obrigaçõ es o papel de fiscalizar as violaçõ es
cometidas pela corporaçã o.

A noçã o de controle da polícia, em especial a de controle externo é geralmente


associada à capacidade de punir as condutas desviantes ou irregulares dos membros da

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instituiçã o, para evitar que elas se repitam. No entanto, o conceito de controle
institucional, segundo o Guia de Referência para Ouvidorias de Polícia elaborado pela
Secretaria Nacional de Segurança Pú blica, pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos68, designa uma operaçã o que compreende três etapas:
(i) coleta de informaçõ es sobre os resultados obtidos com a realizaçã o de determinada
atividade; (ii) comparaçã o dos resultados obtidos com resultados esperados; (iii)
adoçã o, caso necessá rio, de providências corretivas para atingir a meta planejada.

Tal documento aponta que a implantaçã o do controle externo é muitas vezes a


ú nica forma de restaurar a credibilidade da polícia.

Nesse sentido, de suma importâ ncia a estruturaçã o de Ouvidorias de Polícia que


sejam, de fato, autô nomas, independentes, tenham poderes investigativos, requisitó rios
e fiscalizador, e que preste contas à sociedade.

Além da importâ ncia da Ouvidoria, necessá rio destacar que o Ministério Pú blico
é o ó rgã o constitucionalmente previsto para realizar o controle externo da atividade
policial, devendo dispor de toda estrutura e condiçõ es para realizar este ínterim nã o
apenas na seara penal, mas também na fiscalizaçã o das políticas pú blicas para que estas
nã o se desviem da finalidade de respeito aos fundamentos do Estado Democrá tico de
Direito, aos objetivos fundamentais da Repú blica Federativa do Brasil, aos princípios
informadores das relaçõ es internacionais, bem como aos direitos assegurados na
Constituiçã o Federal, na lei e nos instrumentos internacionais sobre uso de arma de
fogo por agentes estatais.

É também essencial que os ó rgã os periciais tenham toda a estrutura necessá ria
para realizar suas atribuiçõ es de maneira independente e eficaz, detalhando em seus
laudos a dinâ mica das ocorrências de letalidade. Nesse sentido, é obrigaçã o do Estado
também a preservaçã o do local da ocorrência, de modo a viabilizar o trabalho dos
peritos.
68
Disponível em http://www.dhnet.org.br/denunciar/ouvidoria/guia_sedh_referencia_ouvidorias.pdf

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Observa-se que a Comissã o Nacional da Verdade recomendou em seu relató rio a
necessidade de “desvinculaçã o dos institutos médicos legais, bem como dos ó rgã os de
perícia criminal, das secretarias de segurança pú blica e das polícias civis” 69 e a criaçã o,
nos estados da Federaçã o, de centros avançados de antropologia forense e a realizaçã o
de perícias que sejam independentes das secretarias de segurança pú blica e com plena
autonomia ante a estrutura policial, para conferir maior qualidade na produçã o de
provas técnicas, inclusive no diagnó stico de tortura.

Este é um avanço necessá rio para garantir a eficá cia dos trabalhos periciais em
casos de mortes causadas por agentes policiais, nos quais o exame balístico e a
descriçã o completa de achados no local dos fatos sã o essenciais, assim como o
detalhado exame necroscó pico e dos demais objetos relacionados à ocorrência.

6.3.2. Medidas de compensação

6.3.2.1. Dano material

Em relaçã o aos danos materiais, envolvendo gastos com funeral, locomoçã o para
depoimentos, medicamentos e tratamentos, entre outros, na impossibilidade de se
juntar comprovantes, dado o tempo decorrido e a falta de conhecimento das vítimas
sobre a necessidade de guardá -los, requer-se à Corte a fixaçã o do valor justo e
equitativo para o ressarcimento desses gastos no valor de US$ 5.000,00 (cinco mil
dó lares americanos).

69
Disponível em: www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_pagina_959_a_976.pdf

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6.3.2.2. Dano moral em prejuízo dos familiares das vítimas fatais
da operação XXXXXX

Conforme demonstrado no item “5.2.3” acerca da violaçã o à integridade psíquica


dos familiares dos vitimados fatalmente na operaçã o XXXXXX, diversos foram os danos
imateriais causados pela açã o estatal.

Tais danos morais devem-se: i-) à forma brutal com que seus entes queridos
foram executados, o que, por si, já causa um enorme trauma; ii-) à evidência de ter se
tratado de uma emboscada, tornando qualquer forma de reaçã o das vítimas impossível,
o que gerou um sentimento generalizado de indignaçã o nos familiares; iii-) à s
humilhaçõ es e preconceitos decorrentes da ampla midiatizaçã o da operaçã o; iv-) à falta
de qualquer amparo estatal à s famílias, seja no plano material ou psicoló gico; v-) ao
sofrimento dos filhos e filhas, que cresceram sem a companhia dos pais; ao sofrimento
das mã es que enterram os pró prios filhos; ao sofrimento das esposas que perderam
seus afetos e ao sofrimento dos irmã os e irmã s, que viram morrer seus amigos de
nascença.

Nesse sentido:

A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano


imaterial e estabeleceu que este “pode compreender tanto os
sofrimentos e as afliçõ es causados pela violaçã o como o desprezo de
valores muito significativos para as pessoas e qualquer alteraçã o, de
cará ter nã o pecuniá rio, nas condiçõ es de existência das vítimas”. Dado
que nã o é possível atribuir ao dano imaterial um equivalente monetá rio
preciso, só pode ser objeto de compensaçã o, para os fins da reparaçã o
integral à vítima, mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro
ou a entrega de bens ou a prestaçã o de serviços apreciá veis em
dinheiro, que o Tribunal determine em aplicaçã o razoá vel do arbítrio
judicial e de maneira justa70. (grifamos)

Por certo, os eventos ocorridos em XXXXXXX, que vitimaram fatalmente XXXXX


XXXXX XXXXX XXXX, alteraram de forma substancial a existência de seus familiares,
70
Corte IDH. Caso Favela Nova Brasília vs Brasil, Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 16 de Fevereiro de 2017, p. 84.

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causando profundos danos psicoló gicos e sofrimentos que poderiam ter sido evitados
caso as forças de segurança pú blica nã o tivessem agido com excesso no uso da força
policial e, na sequência, os ó rgã os de investigaçã o e justiça tivessem sido mais diligentes
e céleres na investigaçã o e julgamento do ocorrido.

Em consideraçã o à s circunstâ ncias do presente caso, à s violaçõ es cometidas, aos


sofrimentos ocasionados e ao tratamento que receberam, ao tempo transcorrido, à
denegaçã o de justiça e de informaçã o, bem como à s mudanças nas condiçõ es de vida e
à s demais consequências de ordem imaterial que sofreram as vítimas, solicita-se o
montante de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dó lares dos Estados Unidos da América)
para cada familiar, para mitigaçã o dos danos sofridos tanto em decorrência da operaçã o
XXXXX, quanto dos quase 20 (vinte) anos de sofrimento diante da impunidade e inaçã o
do Estado para soluçã o do caso.

6.3.2.3. Pedido formal de desculpas por parte do Estado brasileiro

Juntamente com a plena investigaçã o dos fatos ocorridos, a reparaçã o pú blica


por parte do Estado é importante elemento simbó lico para que as famílias possam lidar
com o luto da perda de seus entes queridos.

Portanto, fundamental o reconhecimento pú blico por parte do Estado brasileiro


de sua responsabilidade pela execuçã o das 12 (doze) vítimas da operaçã o XXXXXX.

De igual sorte, necessá rio um pedido pú blico de desculpas por parte do Brasil e
do estado de Sã o Paulo à s vítimas fatais e seus familiares, a ser amplamente divulgado
em veículos de mídia de grande circulaçã o.

6.3.2.4. Memorial em lembrança dos vitimados

Sugere-se, por fim, a instalaçã o na praça de pedá gio da rodovia XXXXX, local em
que as vítimas foram executadas em XXXX, de um memorial em lembrança aos 12
(doze) mortos na operaçã o XXXXX.

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Visa-se com isso, reparar a memó ria das vítimas, confortar parcialmente os
familiares e mostrar ao pú blico em geral que a atuaçã o das forças de segurança deve,
sempre, dar-se dentro dos parâ metros legais, com respeito ao direito à vida, à s
garantias judiciais e à dignidade da pessoa humana.

7. As provas

7.1. Prova documental

Juntam-se a esse EPAP todos os documentos necessá rios ao julgamento do caso,


conforme item “10. Lista de Anexos”, destacando-se também a importâ ncia dos
documentos trasladados pela CIDH e já integrantes, portanto, deste procedimento.

7.2. Declaração das vítimas

Desde já consigna-se como declarantes todas as vítimas representadas por esta


Defensoria Pú blica e elencadas no Capítulo 4 deste EPAP, juntando-se anexos os
relató rios feitos pela equipe multidisciplinar deste Nú cleo Especializado de Cidadania e
Direitos Humanos da Defensoria Pú blica, a partir de entrevistas feitas com os familiares
das vítimas fatais (Anexo XV).

Para além disso, com o fim de se garantir o necessá rio e fundamental


protagonismo à s vítimas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, requer-se
que todas elas sejam ouvidas em audiência perante esta Honorá vel Corte, visto que
ninguém melhor que elas poderã o descrever os fatos por elas vivenciados, bem como as
consequências físicas, morais e emocionais sofridas.

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7.3. Prova testemunhal

Para subsidiar a atuaçã o desta Corte e esclarecer eventuais dú vidas com relaçã o
aos fatos da operaçã o XXXXX, da atuaçã o do GRADI e das subsequentes investigaçõ es
policiais e açõ es judiciais, os peticioná rios requerem a arguiçã o das testemunhas abaixo
elencadas:

XXXX, brasileira, portadora do RG no XXXX, com endereço profissional na capital


do estado de Sã o Paulo, na Avenida XXXXX. Promotora de Justiça do Ministério Pú blico
do Estado de Sã o Paulo desde 1993, que atuou diretamente no caso XXX.

O testemunho faz-se de especial relevância tendo em vista ser a promotora


que atuou diretamente no caso XXXX, oferecendo a denúncia ao juízo criminal da
Comarca de Itu (processo no XXXXX).

XXXX, brasileiro, portador do RG no XXXXXXXX, com endereço profissional na


capital do estado de Sã o Paulo, na Rua XXXXXX. Promotor de Justiça da promotoria de
direitos humanos, á rea da saú de pú blica do Ministério Pú blico de Sã o Paulo.

O testemunho possui relevância tendo em vista ser o promotor que


investigou as ilegalidades perpetradas pelo GRADI, podendo oferecer aos juízes
desta Corte um panorama detalhado acerca do modo de atuação deste grupo da
Polícia Militar de São Paulo.

7.4. Prova pericial

A aná lise do contexto histó rico acerca da violência policial no estado de Sã o


Paulo ajuda a explicar o surgimento do Grupo de Repressã o e Aná lise dos Delitos de
Intolerâ ncia (GRADI) e como este migrou do “combate à intolerâ ncia” para a repressã o
violenta e ilegal do crime organizado, que resultou, dentre outras açõ es arbitrá rias, na
execuçã o sumá ria dos 12 (doze) vitimados na operaçã o XXXXXX.

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A atuaçã o do GRADI compõ e um amplo arco histó rico de violência policial
no estado de Sã o Paulo, que vai dos grupos de extermínio surgidos nos anos 1970
(Esquadrã o da Morte), passando pelo massacre do Carandiru, em 1992, atuaçã o do
GRADI, no começo dos anos 2000, à s execuçõ es sumá rias, nos crimes de maios de 2006,
culminando com a crescente escalada nos índices de violência policial, conforme
abordado no tó pico 3.4.

Para esclarecer o contexto da violência policial no Brasil e, especificamente, a


atuaçã o do GRADI no estado de Sã o Paulo, com o intuito de propiciar a esta Corte uma
melhor compreensã o sobre o fenô meno da violência urbana, os peticioná rios solicitam a
arguiçã o dos peritos abaixo indicados, os quais sã o estudiosos, com notó rio saber,
sobre os temas da violência policial no Brasil e, especificamente no estado de Sã o
Paulo, e da atuaçã o de grupos de extermínio no â mbito das polícias brasileiras:

XXXXXX, brasileiro, portador do RG no XXXXX, com endereço profissional na Rua


XXXXXXXXXXX. Etnó grafo urbano. Professor do Departamento de Sociologia e
Coordenador do Programa de Pó s-Graduaçã o em Sociologia da Universidade Federal de
Sã o Carlos (UFSCar). Pesquisador do Nú cleo de Etnografias Urbanas do Centro
Brasileiro de Aná lise e Planejamento (CEBRAP). Doutor em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com está gio doutoral na École des
Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Professor visitante na University of Oxford
(2019), Goldsmiths College London (2019), Humboldt University (Berlim, Kosmos Fellow
2017) e CIESAS Golfo (México, 2015). Atualmente pesquisa: i) os mecanismos de
reproduçã o de desigualdades e violência urbanas, a partir das dinâ micas sociais,
políticas e de mercado transnacionais com efeitos nas periferias urbanas; ii) a dinâ mica
dos homicídios no Brasil e América Latina; iii) regimes normativos. Autor de "The
Entangled City: crime as urban fabric" (Manchester University Press, 2020); "Irmãos:
uma história do PCC” (Cia das Letras, 2018) e de "Fronteiras de Tensão: política e
violência nas periferias de São Paulo” (UNESP/CEM, 2011).

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O perito irá declarar acerca do contexto da violência urbana no estado de
São Paulo, crime organizado e atuação dos grupos de extermínio das forças de
segurança pública paulistas.

XXXX, brasileiro, portador do RG no XXXXXX, com endereço profissional na Rua


XXXXX, XXXXX. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Sã o Paulo (2012), com
mestrado em Ciência Política pela Universidade de Sã o Paulo (2003). Graduado em
economia pela Faculdade de Economia e Administraçã o da Universidade de Sã o Paulo
(1993) e em jornalismo pela Pontifícia Universidade Cató lica (1996). Pó s-doutor pelo
Nú cleo de Estudos da Violência da USP, onde atua atualmente como pesquisador. É
pesquisador-pleno do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, ligado à Escola
de Comunicaçã o e Artes (USP) e ao Instituto de Estudos Avançados (USP). Foi visiting
fellow no Centre of Latin American Studies da Universidade de Cambridge (2016). Tem
experiência na á rea de Ciência Política, Sociologia, Comunicaçã o e Jornalismo, com
ênfase em Sociologia Urbana e Criminologia.

O perito irá declarar acerca da atuação do GRADI, âmbito e forma de


atuação, nas operações deflagradas contra o crime organizado no começo dos
anos 2000, inclusive a operação XXXXXX e demais operações correlatas.

XXXX, brasileiro, portador do RG no XXXXX, com endereço profissional na Rua


XXXXXXXXX. Formado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Cató lica de Campinas e
pó s-graduado em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Sã o
Paulo. É militante da luta pelos Direitos Humanos desde sua juventude. Foi
Coordenador do Centro de Documentaçã o e Comunicaçã o Popular da Arquidiocese de
Campinas e do Centro de Defesa de Direitos Humanos de Campinas. Foi deputado
estadual na Assembleia Legislativa do Estado de Sã o Paulo de 1995 a 2007. Criou, por
projeto de resoluçã o aprovado pela ALESP em 1995, a Comissã o de Direitos Humanos
daquela Casa por dez anos. Criou, por projeto de resoluçã o aprovado em 1996, o Prêmio
Santo Dias de Direitos Humanos. Presidiu a I Conferência Estadual de Direitos Humanos,

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de cuja realizaçã o emanou o I Programa Estadual de Direitos Humanos do país, em
1997, consignado no Decreto Estadual n. 42.209, de 15 de Setembro de 1997. Implantou
e foi o primeiro coordenador do Programa SOS Racismo da ALESP, em 1998, criado pelo
Projeto de Resoluçã o n. 05, de 1994, de autoria do deputado Jamil Murad. Autor de farta
legislaçã o estadual sobre Direitos Humanos e Segurança Pú blica, dentre as quais se
destacam: a Lei Estadual n. 10.354, de 25 de agosto de 1999, que dispõ e sobre a
proteçã o e auxílio à s vítimas da violência, com base na qual se editou o Decreto Estadual
n. 44.214, de 30 de agosto de 1999, que instituiu o Programa Estadual de Proteçã o a
Testemunhas (Provita); a pioneira Lei Estadual n. 10.948, de 5 de novembro de 2001,
que dispõ e sobre as penalidades a serem aplicadas à prá tica de discriminaçã o em razã o
de orientaçã o sexual; a Lei Estadual 10.429, de 2 de dezembro de 199, que cria a
Campanha Anual de Combate à Violência e Exploraçã o contra Crianças e Adolescentes
no Estado de Sã o Paulo. Foi integrante da Comissã o de Segurança Pú blica da ALESP,
relator da CPI Estadual do Narcotrá fico, Vice-Presidente da Comissã o de Finanças e
Orçamento da ALESP e líder da bancada do PT naquela Casa. Representou a Assembleia
Legislativa do Estado de Sã o Paulo 2 em comissõ es constituídas pelo Executivo para a
reestruturaçã o da FEBEM e a extinçã o do Complexo Penitenciá rio do Carandiru, na
Comissã o Especial de reparaçã o de presos políticos pela ditadura militar constituída
pela Lei Estadual 10.721, e no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana, em 2006 e 2007. Foi Assessor Especial da Presidência da Repú blica,
encarregado da Á rea de Participaçã o Social da Secretaria Geral da Presidência da
Repú blica e da Secretaria de Governo da Presidência da Repú blica em 2015 e 2016.
Coordenou o Fó rum Inter-Conselhos Nacionais, a Participaçã o Social na elaboraçã o do
Plano Pluri-Anual do governo federal e as plataformas de participaçã o social ParticipaBr
e Dialoga Brasil. Foi deputado federal entre 2013 e 2015, tendo sido membro titular da
Comissã o de Direitos Humanos e Minorias e da Comissã o de Segurança Pú blica e
Combate ao Crime Organizado da Câ mara dos Deputados. Criou o Prêmio de Direitos
Humanos Evandro Lins e Silva, da Câ mara dos Deputados, pela aprovaçã o do Projeto de

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Resoluçã o 234, de 2013. É autor de vá rias proposiçõ es em tramitaçã o naquela Casa
sobre direitos humanos e segurança pú blica. Na sociedade civil, Renato Simõ es foi
membro do Conselho Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, membro
do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, CONDEPE, entre 2012
e 2016, onde relatou o caso sobre a violência policial no processo de reintegraçã o de
posse da Comunidade do Pinheirinho, de Sã o José dos Campos, entre outros. Atualmente
é o Coordenador Geral da ACAT – Açã o dos Cristã os pela Aboliçã o da Tortura e o
Coordenador Executivo da Associaçã o Nacional Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos
Direitos das Vítimas da COVID-19.

O perito irá declarar acerca da atuação do GRADI, especialmente, na


operação XXXXXX, na medida em que foi uma das pessoas públicas que, na época
dos fatos, exigiu transparência nas investigações.

XXXX, brasileiro, portador do RG XXXXX, inscrito no CPF sob o nú mero XXXX,


com endereço profissional na capital do estado de Sã o Paulo, na XXXXXXXXX, a maior
parte trabalhando em meio ao noticiá rio de cidades, quase sempre como repó rter
especialista em segurança pú blica, Justiça e polícia. É chefe de reportagem do caderno
Metró pole de O Estado de S.Paulo. Trabalhou ainda na antiga Folha da Tarde e na Folha
de S.Paulo. Autor do livro “A casa da vovó ” (lançado em 2014 pela Editora Alameda),
uma biografia sobre o DOI/Codi, (1969-1991), em que relata fatos e as ideias que
possibilitam entender o portã o do regime militar.

O perito irá declarar acerca da atuação do GRADI e da operação XXXXX,


tendo feito ampla cobertura jornalística do caso à época dos fatos.

8. Pedido de benefício do Fundo de Assistência Jurídica

Nos termos do artigo 2 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos


Humanos sobre o funcionamento do Fundo de Assistência Jurídica à s Vítimas:

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A suposta vítima que deseje beneficiar‐se do Fundo de Assistência
Jurídica à s Vítimas deverá comunicá ‐lo à Corte em seu escrito de
petiçõ es, argumentos e provas. Deverá demonstrar, mediante
declaraçã o juramentada e outros meios probató rios idô neos que
satisfaçam ao Tribunal, que carece de recursos econô micos suficientes
para saldar os custos do litígio perante a Corte Interamericana, bem
como indicar com precisã o quais aspectos de sua defesa no processo
requerem o uso de recursos do Fundo de Assistência Jurídica à s
Vítimas.

As vítimas do caso ora apresentadas sã o hipossuficientes, tanto que fazem jus ao


atendimento da Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo, conforme mencionado,
instituiçã o competente para prestar assistência jurídica à s pessoas em situaçã o de
vulnerabilidade.

As vítimas nã o possuem condiçõ es financeiras de arcar com eventuais custos


relativos ao processo, sendo necessá rio o amparo do referido Fundo para possíveis
gastos: i-) de deslocamento/estada das vítimas para audiência perante a Corte em Sã o
José da Rica, caso necessá ria declaraçã o presencial; ii-) de deslocamento/estada dos
peritos nomeados perante a Corte em Sã o José da Costa Rica, caso necessá ria sua
arguiçã o presencial; iii-) de deslocamento/estada dos Defensores Pú blicos que esta
subscrevem perante a Corte em Sã o José da Costa Rica, caso necessá ria sustentaçã o
presencial dos argumentos ora aduzidos; e iv-) com correspondências e documentaçã o
entre as vítimas e a Corte.

9. Pedidos

Diante de todo o exposto, requer-se a esta Honorá vel Corte Interamericana de


Direitos Humanos que a Repú blica Federativa do Brasil seja declarada
internacionalmente responsá vel:

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1. Pelas mortes de XXXXXXXXXXXXX, em 05 de março de 2002, em razã o da
açã o de seus agentes de segurança pú blica, na chamada operaçã o XXXXXX,
em franca violaçã o ao artigo 4 da CADH;
2. Pela violaçã o dos artigos 8.1 (Garantias judiciais) e 25 (Proteçã o judicial) da
CADH, ao nã o promover investigaçã o e julgamento imparciais dos fatos
ocorridos na operaçã o XXXXXXX: i-) ignorando os elementos factuais que
apontavam para o planejamento da execuçã o sumá ria; ii-) nã o realizando
diligências mínimas para uma investigaçã o efetiva, como preservaçã o do
local das mortes e demais perícias; e iii-) agindo com morosidade na
apuraçã o do caso, nas esferas civil e penal; e
3. Pela violaçã o do artigo 5 (integridade pessoal) da CADH, pelos danos físicos e
psicoló gicos causados aos familiares das vítimas da operaçã o XXXXXX,
conforme exposto ao longo deste EPAP.

Como consequência de tais violaçõ es, requer-se à Corte que ordene à Repú blica
Federativa do Brasil que:

1. Repare de forma adequada os familiares das vítimas nos termos da compensaçã o


requerida em “6.3.2.1. Dano material”, no valor de US$ 5.000,00 (cinco mil dó lares dos
Estados Unidos da América) para cada grupo familiar;

2. Repare de forma adequada os familiares das vítimas nos termos da compensaçã o


requerida em “6.3.2.2. Dano moral em prejuízo dos familiares da operaçã o XXXX”, no
valor de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dó lares dos Estados Unidos da América) para
cada uma das vítimas;

3. Proceda a uma ampla e imparcial investigaçã o acerca dos fatos ocorridos na operaçã o
XXXX, estabelecendo a responsabilidade dos agentes políticos, judiciais e executivos
envolvidos na operaçã o;

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4. Formule pedido pú blico de desculpas à s vítimas e seus familiares, a ser divulgado em
grandes veículos de mídia, tanto no estado de Sã o Paulo, quanto nacionalmente;

5. Proceda à construçã o de um memorial aos 12 (doze) mortos na operaçã o XXXX, a ser


erigido no local dos fatos, a praça de pedá gio da Rodovia José Ermírio de Moraes
(XXXXXXXX;

Por fim, como garantias de nã o repetiçã o das violências policiais, requer-se à


Corte que ordene à Repú blica Federativa do Brasil que adote, dentre outras, as
seguintes medidas:

1. que o Estado seja condenado a aprimorar a capacidade institucional do


Poder Pú blico para agir conforme uma política pú blica de segurança
cidadã , com os adequados recursos humanos, técnicos e econô micos, a
partir da criaçã o de mecanismos de supervisã o, correçã o e prevençã o
atentos ao racismo institucional e estrutural, de modo que sejam capazes
de efetivamente requalificar o sistema de segurança pú blica sob uma
perspectiva de direitos humanos;
2. que o Estado seja condenado a melhorar o processo de seleçã o e
formaçã o, inclusive continuada, das pessoas que integram as instituiçõ es
envolvidas na implementaçã o da política sobre segurança cidadã (em
especial: as forças policiais; o Poder Judiciá rio; o Ministério Pú blico, a
Defensoria Pú blica e o sistema penitenciá rio);
3. que o Estado seja condenado a promover o ensino dos Direitos Humanos
aos agentes policiais, com especial enfoque na perspectiva racial, em que
o tema seja tratado em suas vertentes histó ricas, políticas, econô micas,
socioló gicas, antropoló gicas e culturais, bem como os reflexos e
consequências de tais saberes na prá tica cotidiana policial, em cursos de
ingresso e de formaçã o continuada e preparo para o acompanhamento de
investigaçõ es relacionadas à violaçã o do direito à vida, do mesmo modo

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que a dotaçã o dos recursos materiais requeridos para oferecer um serviço
de segurança pú blica de qualidade à populaçã o;
a. Tal formaçã o deve envolver a capacitaçã o das forças policiais para
o uso da força letal no marco dos parâ metros internacionais, em
especial, os Princípios Bá sicos das Naçõ es Unidas sobre o Uso da
Força e de Armas de Fogo pelos Funcioná rios Responsá veis pela
Aplicaçã o da Lei;
b. O Estado deve ser condenado a aplicar periodicamente plano
político-pedagó gico nas Academias das Polícias, nã o apenas por
professores dos pró prios quadros policiais, mas também de
professores recrutados em universidades, institutos de pesquisa
especializados em segurança pú blica e direitos humanos,
movimentos sociais e outras organizaçõ es da sociedade civil, ainda
que por meio de convites;
4. que o Estado seja condenado a desenvolver e efetivar políticas pú blicas
voltadas à reduçã o de mortes causadas por policiais, bem como a elaborar
e efetivar um plano específico, com participaçã o popular, visando à
reduçã o da letalidade policial e ao controle das forças de segurança
pú blica, que contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e
previsã o dos recursos necessá rios para a sua implementaçã o, além de
programas de prevençã o social, comunitá ria e situacional, destinados a
combater os fatores que favorecem a reproduçã o das condutas violentas
na sociedade;
a. Tal plano deverá contemplar obrigatoriamente, no mínimo: (i)
medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais,
inclusive em programas de reciclagem, e que contemplem a
sensibilizaçã o para a necessidade de respeito aos direitos
humanos e para a questã o do racismo estrutural/institucional; (ii)

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elaboraçã o de protocolos pú blicos de uso proporcional e
progressivo da força, em conformidade com a Constituiçã o Federal
e com os parâ metros internacionais, especialmente aqueles
previstos nos Princípios Bá sicos sobre o Uso da Força e Armas de
Fogo pelos Funcioná rios Responsá veis pela Aplicaçã o da Lei da
ONU; (iii) elaboraçã o de protocolos pú blicos de abordagem policial
e busca pessoal, com vistas a minimizar a prá tica de filtragem
racial; (iv) medidas voltadas a melhorar as condiçõ es de trabalho
dos agentes de segurança; (v) providências destinadas a resolver o
problema da ausência ou insuficiência de acompanhamento
psicoló gico dos policiais; (vi) previsã o de afastamento temporá rio,
das funçõ es de policiamento ostensivo, dos agentes envolvidos em
mortes nas operaçõ es policiais; (vii) instituiçã o de programas de
valorizaçã o policial nã o focados em premiar “atos de coragem e
bravura” ou similares, mas sim voltado a incentivar habilidades
fundamentais para o trabalho policial, como o bom atendimento ao
pú blico, a excelência técnica para a investigaçã o de crimes, as
açõ es de inteligência para prevençã o e a melhoria da relaçã o com a
comunidade; (viii) inclusã o, para qualquer tipo de base de cá lculo
de gratificaçõ es das forças policias, de indicadores de reduçã o de
homicídios decorrentes de intervençã o policial; (ix) proibiçã o de
promoçã o ou de premiaçã o de policiais por fatos envolvendo
mortes causadas por estes enquanto ainda estejam sendo
investigados;
b. A implementaçã o de tal plano deverá ser monitorada pelo Estado
com o auxílio dos ó rgã os do sistema de justiça, em processo
pú blico e transparente, aberto à participaçã o colaborativa da
sociedade civil;

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5. que o Estado seja condenado a regulamentar, mediante lei, os
procedimentos que envolvam abordagem policial, determinando que ela
deve ser feita com base em critérios objetivos e fundamentados, tal como
restou decidido no caso Fernandez Prieto y Tumbeiro Vs. Argentina,
devendo ser estabelecidos os seguintes parâ metros:
a. que a polícia indique as circunstâ ncias objetivas em que procede a
uma detençã o, inspeçã o e/ou busca pessoal sem ordem judicial, e
sempre em relaçã o à prá tica concreta de um delito;
b. que tais circunstâ ncias devem ser de cará ter prévio a qualquer
procedimento e de interpretaçã o restritiva;
c. que devam ocorrer em conjunto com uma situaçã o de urgência que
impeça a solicitaçã o de ordem judicial;
d. que as forças de segurança devem deixar registrado
exaustivamente no auto do procedimento os motivos que deram
origem à inspeçã o ou busca pessoal;
e. que seja vedado o uso de critérios discriminató rios para efetuar
uma abordagem;
6. que o Estado seja condenado a regulamentar, mediante lei, a necessidade
de afastamento temporá rio das funçõ es de policiamento ostensivo dos
agentes envolvidos em mortes nas operaçõ es policiais e oferecimento de
acompanhamento psicoló gico/terapêutico para eles, pelo tempo
necessá rio à submissã o ao tratamento/orientaçã o, reservando-se tã o
somente à s funçõ es burocrá ticas ou administrativas;
7. que o Estado seja condenado a estruturar ó rgã os periciais de forma
independente e autô noma, o que pressupõ e a desvinculaçã o dos institutos
médicos legais e demais ó rgã os de perícia criminal das secretarias de
segurança pú blica e das polícias civis, com a criaçã o, em todos os estados
da Federaçã o, de centros avançados de antropologia forense, a fim de que

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a realizaçã o de perícias seja independente e com plena autonomia ante a
estrutura policial, para conferir qualidade na produçã o de provas
técnicas;
8. que o Estado seja condenado a elaborar, em todas as ocorrências de
homicídios – consumados ou tentados – em que houver intervençã o
policial, laudos técnico-periciais:

a. de balística interna: que aponte a estrutura, os mecanismos, o


funcionamento das armas de fogo e a técnica do tiro, inclusive os
efeitos da detonaçã o da espoleta e deflagraçã o da pó lvora dos
cartuchos no seu interior até que o projétil saia do cano da arma;

b. de balística externa: que aponte a trajetó ria do projétil, desde a


boca do cano da arma até sua chegada ao alvo, com aná lise do
movimento, velocidade inicial do projétil, sua forma, massa,
superfície, resistência do ar, açã o da gravidade e seus movimentos
em torno do pró prio eixo;

c. de balística terminal: efeitos produzidos pelo projétil desde que


abandona a arma e atinge o alvo, incluindo os possíveis ricochetes,
impactos, perfuraçõ es e lesõ es internas e externas nos corpos
atingidos;
d. de confronto balístico;
e. necroscó pico instruído com “croquis” que aponte a trajetó ria dos
projéteis de arma de fogo, as bordas de entrada e saída e, a partir
destas, a distâ ncia do disparo;
9. que o Estado seja condenado a garantir que os ó rgã os encarregados da
realizaçã o de perícias documentem, por meio de fotografias, as provas
periciais produzidas em investigaçõ es de crimes contra a vida,
notadamente o laudo de local de crime e o exame de necropsia, com o

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objetivo de assegurar a possibilidade de revisã o independente, devendo
os registros fotográ ficos, os croquis e os esquemas de lesã o ser juntados
aos autos, bem como armazenados em sistema eletrô nico de có pia de
segurança para fins de backup;

a. O dever de documentar a perícia de local e o exame de necropsia


deve incluir o registro fotográ fico de todas as peças de roupa, objetos
pessoais e demais provas conexas, assim como abranger a realizaçã o
de fotografias do cadá ver antes e depois de despi-lo, lavá -lo, barbeá -lo
ou cortar seus os cabelos;

b. Além do registro fotográ fico, a perícia deverá filmar o local dos


fatos, de forma a ter um registro global, subsidiando o posterior
trabalho dos peritos;
10. que o Estado seja condenado a estruturar setores internos nos Ministérios
Pú blicos para que exerçam adequadamente o controle externo da polícia,
com instauraçã o de procedimentos investigató rios autô nomos no caso de
mortes e demais violaçõ es de direitos fundamentais cometidas por
agentes de segurança pú blica, para que possam conduzir essas
investigaçõ es de forma célere e autô noma;
11. que o Estado seja condenado a garantir que os Ministérios Pú blicos e
polícias, nas suas respectivas investigaçõ es, diligenciem no sentido de
ouvir a vítima e/ou os seus familiares, assegurando-lhes a possibilidade
de apresentar declaraçõ es, prestar informaçõ es, indicar meios de prova e
sugerir diligências, devendo avaliá -las fundamentadamente, bem como
notificá -las, do modo que for mais conveniente a essas pessoas, sobre o
eventual arquivamento do procedimento investigató rio;
12. que o Estado seja condenado a garantir que os Ministérios Pú blicos criem
serviços nos quais haja, ao menos, um(a) promotor(a) de Justiça para fins

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de atendimento, em regime de plantã o, de demandas relacionadas ao
controle externo das polícias, bem como que confira ampla divulgaçã o da
existência do serviço, inclusive no seu sítio eletrô nico, para que os
cidadã os possam saber a quem devem recorrer para denunciar eventuais
abusos e violaçõ es de direitos pelas forças de segurança;
13. que o Estado seja condenado a estabelecer uma exigência legal de
comunicaçã o prévia ao Ministério Pú blico acerca de grandes operaçõ es
previamente planejadas a serem executadas pelas polícias, de forma a
garantir cumprimento da legalidade;
14. que o Estado seja condenado a garantir que os agentes de segurança e
profissionais de saú de preservem todos os vestígios de crimes cometidos
em operaçõ es policiais, de modo a evitar a remoçã o indevida de cadá veres
sob o pretexto de suposta prestaçã o de socorro e o descarte de peças e
objetos importantes para a investigaçã o;
15. que o Estado seja condenado a levantar o sigilo de todos os protocolos de
atuaçã o policial, de modo a permitir maior controle social, incluindo todos
os Procedimentos Operacionais Padrã o (POPs) da Polícia Militar e todos
os textos normativos operacionais da Polícia Civil;
16. que o Estado seja condenado a instalar equipamentos de GPS e sistemas
de gravaçã o de á udio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos
agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos
respectivos arquivos, bem como a monitorar a efetiva e adequada
utilizaçã o desses equipamentos;
17. que o Estado seja condenado a atuar para que ó rgã os e agentes pú blicos
se abstenham de se manifestar de qualquer forma que incentive
diretamente a letalidade policial, bem como meios de comunicaçã o, que
sã o concessõ es pú blicas;

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18. que o Estado seja condenado a estruturar Ouvidorias de Polícia que
sejam, de fato, autô nomas, independentes, tenham poderes investigativos,
requisitó rios e fiscalizador e que preste contas à sociedade;
19. que o Estado seja condenado a construir e manter pá gina eletrô nica, com
prazo indeterminado, específica para a divulgaçã o, se expressamente
autorizado por familiares, de perfis de vítimas da violência policial que
tenham sido mortas quando se achavam desarmadas, constando
fotografia, qualificaçã o e resumo da apuraçã o do crime e da
responsabilizaçã o criminal do autor do homicídio, com a divulgaçã o da
qualificaçã o deste somente quando houver decisã o definitiva de
pronú ncia;
20. que o Estado seja condenado a divulgar mensalmente, na pá gina
eletrô nica das Secretarias de Segurança Pú blica de cada estado federado,
os homicídios – consumados ou tentados – ocorridos no mês anterior em
todos os estados, que envolvam a atuaçã o ou intervençã o de policiais, seja
como possíveis autores, seja como vítimas, apontando os seguintes dados,
sempre que disponíveis: • quanto à vítima: nome, idade, sexo, cor, filiaçã o
e eventuais sinais identificativos;
• quanto ao autor: sua condiçã o de policial civil ou militar, se
for o caso, mas sua qualificaçã o apenas quando houver decisã o
definitiva de pronú ncia;
• quanto à ocorrência delituosa: data, horá rio, local, histó rico e
nú mero/DP do respectivo Boletim de Ocorrência;
• quanto à apuraçã o e responsabilizaçã o: a íntegra dos
respectivos procedimentos administrativos apurató rios, exceto
as informaçõ es fundamentadamente classificadas como
sigilosas.

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21. que o Estado seja condenado a promover a unificaçã o, num ú nico banco
de dados, totalmente acessível à populaçã o e de fá cil consulta, das
informaçõ es relativas a homicídios dolosos, consumados ou tentados,
reunindo os dados tratados no item anterior, bem como a base de
informaçõ es, sobre o tema, do Instituto Médico Legal e do Serviço de
Verificaçã o de Ó bito, reunindo-os numa ú nica plataforma;
22. que o Estado seja condenado a promover atendimento médico e
psicoló gico à s pessoas vítimas de violência policial, pelo tempo indicado
pela equipe profissional responsá vel, especializada em traumas de tal
natureza (violência policial), dirigidos a pessoas sobreviventes das
ocorrências violentas e a familiares de mortos em tais circunstâ ncias;
tudo independentemente de apuraçã o de responsabilidades ou de decisã o
judicial; bem como a condenaçã o do Estado a capacitar o pessoal da Rede
de Atençã o Psicossocial (RAPS) a realizar este tipo de atendimento, sendo
que sua implementaçã o, se progressiva, deve se dar prioritariamente nas
á reas nas quais os índices de letalidade policial e de vitimizaçã o policial
sã o maiores;
23. que o Estado seja condenado a providenciar que toda e qualquer
ocorrência da qual resulte morte de pessoa em decorrência de
intervençã o policial seja investigada, sem prejuízo do inquérito policial,
pela respectiva Corregedoria, proibindo-se que o seja, no â mbito da
Polícia Militar, pelos seus comandos diretos ou pelos batalhõ es a que
estejam adstritos os policiais responsá veis pelo resultado ó bito; e
24. que o Estado seja condenado a constituir Comissã o de Letalidade, junto à s
Secretarias de Segurança Pú blica dos Estados federados, integrada por
representantes do Gabinete, da Polícia Militar, da Polícia Civil, do Instituto
de Criminalística e da Ouvidoria de Polícias, propiciando-se por convite
também a participaçã o do Ministério Pú blico e da Defensoria Pú blica,

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além da participaçã o das Universidades Pú blicas, de institutos de
pesquisa afetos ao tema, de conselhos de direitos, de movimentos sociais
e organizaçõ es nã o governamentais, para acompanhamento e
monitoramento das providências destinadas à prevençã o e
enfrentamento da letalidade policial.

Sã o Paulo, XXXXXXX

Defensor(a) Pú blico(a)
Unidade de XXXXXXXXX

10.Lista de anexos

Anexo I – Depoimento XXXX

Anexo II – Depoimento XXXX

Anexo III – Depoimento XXXX

Anexo IV – Depoimento XXXX

Anexo V – Depoimento XXXX

Anexo VI – Depoimento XXXX

Anexo VII - Aná lise Técnica Laudo Residuográ fico - XXX

Anexo VIII - Aná lise Técnica Referente à s mortes ocorridas – XXX

Anexo IX - Acó rdã o TJ-SP – Arquivamento denú ncia XXXX

Anexo X – Voto Divergente Arquivamento – XXXX

Anexo XI – Denú ncia formulada pelo Ministério Pú blico de Sã o Paulo

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Anexo XII – Sentença absolutó ria dos policiais

Anexo XIII - Apelaçã o do Ministério Pú blico de Sã o Paulo contra sentença de


impronú ncia

Anexo XIV – Acó rdã o do TJSP confirmando impronú ncia dos policiais

Anexo XV - Relató rios Técnicos Psicoló gicos a partir de entrevistas com familiares

Anexo XVI – Documento de identidade da peticioná ria XXXXX (nã o enviado


anteriormente)

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