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Nº 338 Outubro de 2017 Órgão Oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ

Cem anos da
Revolução
Russa
No centenário da revolução,
Francisco Carlos Teixeira
da Silva, Gilberto Maringoni,
Carlos Pinkusfeld Bastos,
Numa Mazat e Paulo Nakatani
discutem as experiências
socialistas e se há espaço para
um sistema alternativo
ao capitalismo no século XXI.

Fórum Popular do Orçamento destrincha as mudanças no cálculo do IPTU


2 Editorial Sumário

Há espaço para Entrevista: Francisco Carlos Teixeira da Silva ...................3


O reino da mercadoria
o socialismo no século XXI?
não é o reino da felicidade
No centenário da Revolução Russa, esta edição analisa as experiên-
cias socialistas neste período de cem anos e discute se há espaço para um
Socialismo no século XXI?.......................................................5
sistema alternativo ao capitalismo no século XXI.
O bloco temático começa com entrevista com o historiador Fran- Gilberto Maringoni
cisco Carlos Teixeira da Silva, da Escola de Comando e Estado-Maior Um século depois,
do Exército e da UFRJ, que analisa as principais experiências de socia-
para onde vamos?
lismo, em diferentes formas, na URSS, China, Cuba e países escandina-
vos, além das tentativas em países da América do Sul, como Venezuela e
Bolívia. As experiências foram incompetentes para dar respostas adequa- Socialismo no século XXI?.......................................................8
das ao grande projeto almejado, mas não só há espaço para o socialismo
Carlos Pinkusfeld Bastos
como não há alternativa civilizatória a ele.
Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC, faz uma re- e Numa Mazat
trospectiva histórica da Revolução Russa, da URSS e da esquerda mun- O que fazer?
dial pós Guerra Fria e avalia a chamada revolução bolivariana e os Esta-
dos que atualmente se denominam socialistas para responder a pergunta
de se ainda existem condições para a superação do capitalismo. Socialismo no século XXI?.................................................... 11
Carlos Pinkusfeld Bastos e Numa Mazat, do IE/UFRJ, defendem Paulo Nakatani
que é a esquerda que tem condições de oferecer uma alternativa concre-
China e Cuba na transição
ta a um estado de mal-estar social generalizado, mas precisa antes fazer
uma profunda autocrítica. ao socialismo
Paulo Nakatani, da Universidade Federal do Espírito Santo, analisa
as experiências na China e em Cuba. É um equívoco pensar que, com a
Socialismo no século XXI?.................................................... 14
vitória da revolução, se produziria uma transformação imediata do mo-
do de produção e o advento do socialismo. Cuba e China ainda estão em “Não há direitos para o pobre.
um longo processo de transição para o socialismo ou comunismo. Ao rico tudo é permitido.”
Fora do bloco temático, o artigo do Fórum destrincha as mudanças
no cálculo do IPTU. O texto elogia parte das atualizações, mas lamen-
O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Pas-
ta que as mudanças impactem principalmente as famílias detentoras dos sarinho, de segunda à sexta-feira, das 9h às 10h30, na Rádio Livre, AM, do Rio, 1440
imóveis menos valiosos. khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br ou www.radiolivream.com.br

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Entrevista 3

O reino da mercadoria não é o reino da felicidade


Professor da Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército e da UFRJ, o historiador Francisco
Carlos Teixeira da Silva é autor de O Cinema vai
à Guerra (Elsevier, 2015) e Enciclopédia de Confli-
tos e das Guerras (Elsevier, 2016). Nesta entrevista,
analisa as principais experiências de socialismo
dos últimos 100 anos.

P: Há espaço para o socialismo restauração das condições iniciais.


no século XXI? De que forma ele Isso foi mudado em seguida pe-
seria viável? la experiência stalinista. Refiro-me
R: Não só há espaço para o so- também à grande capacidade de re-
cialismo como não há alternativa cuperação logo depois da Revolu- mentos neonazistas de um porte culdades econômicas, são otimis-
civilizatória a ele. Eu não falo de ção Chinesa, em 1949; às experiên- capaz de gerar figuras como Anders tas e demonstram estar felizes,
alternativas de crescimento econô- cias falhadas, mas muito brilhantes Breivik e o movimento de terror na mesmo eufóricos...
mico ou de produção, de lucro e e cheias de expectativas na Tche- Noruega, culminando na matança R: Eu tenho certeza de que com
de sucesso econômico. Estou fa- coslováquia, em 1968, na Primave- de socialdemocratas em Oslo. fome ninguém é feliz. O patamar
lando de um projeto civilizatório. ra de Praga, e de Allende no Chile, básico da fome, sofrimento físi-
O socialismo deve ser tratado que foram bombardeadas externa- P: Mas do ponto de vista de pa- co, da doença tem que ser venci-
sempre no plural enquanto expe- mente, de um lado pela União So- drão de vida, IDH e níveis de do. Agora, a abundância de mer-
riência histórica. Ninguém tem o viética e do outro pelos EUA. pobreza muito baixos, continua cadoria não traz felicidade para
monopólio da experiência socia- Temos que perder as esperan- sendo uma experiência muito ninguém. O reino da mercadoria
lista ou de um projeto socialista. ças em relação àquilo que deu er- bem-sucedida. Você não consi- não é o reino da felicidade.
Mesmo no século XIX, ele já se rado. Eu me refiro a parar de fan- deraria uma experiência positi-
apresentava sob formas extrema- tasiar, por exemplo, com o estado va de social democracia? P: Como você avalia a chama-
mente variáveis. Os socialismos de bem-estar social como foi pra- R: O padrão de vida é um sucesso. da experiência de socialismo de
que foram colocados em prática ticado na Escandinávia. Morei muito tempo na Alemanha mercado da China?
– algumas formas de social demo- e dei aula na Noruega. Eu pergun- R: Eu estive na China. É mui-
cracia, socialismo de estado, coo- P: Como você avalia a experiên- taria se aquelas pessoas estão feli- to difícil ter uma compreensão do
perativista e de gestão, de comu- cia escandinava? zes. Se a gente acompanha o ciclo processo chinês. Há a barreira do
nismo etc. – se mostraram todas, R: É outro importante socialismo. de Bergman e a nova literatura po- idioma. A China tem uma gran-
sem exceção, insuficientes, inca- Aquilo que foi praticado lá estava licial de Stieg Larsson, o que se vê de diversidade de formas econô-
pazes, incompetentes para dar res- ligado ao período da Guerra Fria, é uma sociedade depressiva, tudo micas coexistindo, desde empre-
postas adequadas ao grande pro- para construir um Estado distribu- isso recoberto por uma oferta de sas que têm uma forma de gestão
jeto que se queria de civilização, tivo que pudesse ser contraposto ao bem-estar material muito grande. inteiramente privada até empre-
igualdade e justiça. Mais do que comunismo, que servisse de dique sas estatais, cooperativas, empresas
isso: algumas levaram ao desastre. de contenção aos movimentos so- P: O bem-estar material leva ne- mistas etc. Já conseguiu assegurar
Tivemos alguns momentos po- ciais através de uma economia dis- cessariamente à felicidade? crescimento econômico e prospe-
sitivos. A primeira experiência so- tributiva. Quando acaba a Guerra R: O contrário não é verdade, mas ridade material para um conjunto
cialista na Rússia implantada por Fria, aquilo começa a se deslocar. A o afirmativo também não é. de pessoas. É a China mais prós-
Lênin até mais ou menos 1924 ou gente vê hoje na Escandinávia regi- pera de toda a história. A China
1925 foi capaz de tirar o país da mes de direita extremamente con- P: No Brasil, durante muito tem- recuperou a dignidade enquan-
guerra e de um quadro de miséria servadores, com forte viés racista, po se falou que os brasileiros, to nação. Isso é um sucesso que
e fome e levá-lo a uma situação de exclusivista, inclusive com movi- mesmo enfrentando muitas difi- ninguém vai tirar do Partido

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4 Entrevista

Comunista Chinês. Agora, que mo bolivarianismo. Para ele, Bo- P: Como você avalia a experiên- culdades materiais e políticas, até
esse partido seja comunista, aí lívar era a última manifestação da cia com Chávez na Venezuela e o agora os cubanos não se atraíram
vai uma distância muito gran- dominação branca, criolla, opres- momento atual? por qualquer mudança brusca na
de. Pelo que eu pude ver, ler, en- siva sobre a população da Bolívia. R: Na Venezuela temos hoje uma estrutura do país.
tender, o Partido é uma grande, Não havia e não há heróis brancos tragédia de grandes proporções. Na Na Polônia e Alemanha Orien-
brilhante e bem-formada elite de para o socialismo boliviano. Ele verdade, ambos os lados estão pro- tal, com tropas de uma potência
burocratas, engenheiros, técni- inclusive dizia que a alegria dele fundamente enraizados na socie- estrangeira dentro do país, a po-
cos e militares que são, acima de seria o dia que a Bolívia cresceria dade. O regime chavista tem bases pulação foi para a rua e exigiu o
tudo, movidos por uma grande como país e que pudesse se unir populares – se não tivesse, já teria fim do regime. O Muro de Berlim
ideologia nacional, um grande ao Peru e o Equador como o an- sido varrido do mapa, em vista do foi derrubado por pessoas, com
nacionalismo que move e une es- tigo império Inca. É muito mais poder que se mobilizou contra ele, tropas prontas para atirar. A maio-
ses homens, que entenderam que complicado do que a mídia brasi- nacional e internacional – mas a ria absoluta da população da Ale-
a questão nacional é superior à leira normalmente fala. Evo me fa- oposição também tem. O grande manha Oriental não queria pura
questão democrática e popular. lava que não estudou socialismo, problema da oposição é que ela é e simplesmente o advento do ca-
Talvez seja primário distinguir ele vivia o socialismo na aldeia on- profundamente dividida e antipo- pitalismo. Eles sonharam que po-
entre questão nacional e questão de ele nasceu, com as pessoas tra- pular. Tem um discurso de horror deriam estabelecer uma república
democrática; talvez seja impossí- balhando juntas, dividindo tarefas ao que é popular. Nesse sentido, representativa, mas onde os siste-
vel resolver a questão popular se juntas, tratando a mãe terra com o lembra muito uma determinada mas de saúde, educação, moradia
você não tem soberania, e isso é respeito que ela merece. Só muito elite brasileira horrorizada com e transportes fossem mantidos co-
uma lição hoje, para nós, no Bra- depois ele soube que existira uma uso pela população de aeropor- mo eram na Alemanha comunis-
sil, mas sem dúvida nenhuma eles pessoa chamada Karl Marx. O so- tos, shoppings, teatros e cine- ta. Tomaram um imenso susto
são, acima de tudo, homens com cialismo era o modo de vida natu- mas. Uma elite que quer não só quando viram o processo de pri-
um projeto de soberania nacional, ral das Américas pré-colombianas. ter, mas quer que o outro não vatizações e foram jogados em um
antes de ter um projeto popular, tenha. O fato de ela ter não bas- mundo selvagem de um capitalis-
no sentido de dar voz e expectati- P: Essas experiências que aconte- ta; ela quer que o outro não te- mo brutal, o que fez inclusive nas-
va ao que seja um projeto de feli- ceram ao mesmo tempo na Bolí- nha, para que ela mesma pareça cer uma onda de neonazismo na
cidade e bem-viver. via, Venezuela, Equador, de cer- que tem mais ainda. O outro ter região. As pessoas esperam sempre
Isso é diferente de quanto, por ta forma Argentina e Uruguai, a o que ela tem parece a ela uma o melhor dos mundos. Talvez esse
exemplo, Garcia Linera ou ou- gente pode chamar de experiên- perda. Incomoda, machuca, dói seja o mistério de Cuba e a sabe-
tros bolivianos falam no socialis- cias com um viés socialistas? que alguém que venha de ori- doria dos cubanos.
mo do bem-viver, na questão do R: Se for juntar tudo, eu não di- gens populares possa usufruir
bem-viver. Existe outra proposta ria que é socialismo. A experiência de uma coisa que ela tenha. P: Podemos pensar que um dia
de um socialismo em que a noção brasileira com o PT nunca foi so- o Brasil poderia se tornar socia-
do bem-viver predomina, e isso é cialista. A direita adoraria que pu- P: Como você avalia a longa ex- lista ou social democrata? Existe
outra vertente. desse ter sido, mas não foi. Foi o periência declaradamente socia- isso no horizonte?
projeto mais redistributivo da his- lista de Cuba? R: O Brasil não é um país pobre;
P: O que você acha da experiên- tória do Brasil. R: Cuba tem um mistério revela- é um país rico. Se a gente ima-
cia do chamado bolivarianismo No caso do Uruguai, me pa- do. Dizia-se que Fidel só se man- ginar a quantidade de malas de
aqui na América do Sul? rece que foi um projeto acima de tinha no poder pela força e que dinheiro para lá e para cá, che-
R: Eu publiquei dois livros sobre tudo democrático. Nos outros pa- qualquer empurrão que os ameri- gamos à conclusão de que é um
isso e estive várias vezes na Bolívia, íses sim, e isso perdurou onde ha- canos dessem, Fidel caía. Bom, os país riquíssimo. O que a gen-
Peru, Equador e Venezuela. A pri- via uma base social. Nos demais, americanos empurraram de todas te precisa fundamentalmente
meira coisa é que não existe esse não teve enraizamento. As pessoas as formas possíveis e ele não caiu. é garantir igualdade de condi-
bolivarianismo. Isso é uma inven- no Brasil não entendem que qual- Depois se dizia que Fidel vivia às ções no ponto de partida. Esse
ção da mídia rejeitada pelos possí- quer coisa que tenha melhorado custas dos soviéticos; a União So- é o elemento fundamental. Esse
veis atores principais. O Coman- em suas vidas derive da ação de viética todo-poderosa caiu e a seria o primeiro passo para ven-
dante Chávez sempre falava em um governo, partido ou progra- ilhazinha de Cuba ficou. Depois cer aquilo que é a cara princi-
socialismo do século XXI. Para ma político. Ao contrário, na Chi- se dizia que Cuba só sobrevivia pe- pal do sistema social brasileiro:
mim, pessoalmente, ele dizia “la na, entendem que o Partido foi o la lealdade do povo cubano ao Co- a desigualdade radical. Temos
democracia em la calle, gobierno en grande responsável pela melhoria mandante. O Comandante se foi que garantir pontos de largada
la calle”. Evo Morales recusa o ter- de suas vidas. e Cuba está lá. Com todas as difi- iguais para as pessoas.

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Socialismo no século XXI? 5

Um século depois, para onde vamos?


Gilberto Maringoni* moderno, eficiente e capaz de ala- dos extremos (Companhia das Le-
vancar a atividade econômica e de tras, 1996), assinala que “A Revolu-

C em anos depois da Revo-


lução de Outubro e passa-
dos 42 da última vitória de uma
garantir padrões mínimos de bem-
-estar a uma população de 200
milhões de habitantes.
ção de Outubro teve repercussões
muito mais profundas e globais
que a Revolução Francesa e pro-
transformação socialista – Vietnã, Estabilizar o novo poder sob duziu, de longe, o mais formidável
1975 –, vale a pena avaliar se ain- cerco internacional e guerra ci- movimento revolucionário organi-
da existem condições para a supe- vil em casa ficou longe de aconte- zado na história moderna”.
ração do capitalismo em época de cer sob regras de refinada etiqueta. A URSS estabeleceu novas ris-
avanço conservador e supremacia A excessos contrários, não poucas cas de giz na cena global, reorgani-
das finanças em toda linha. Ou se- vezes os bolcheviques responde- zou as relações internacionais, esta-
ja, no horizonte imediato. ram com excessos semelhantes. beleceu alianças e antagonismos de
A pergunta central é: o que A experiência soviética aca- novo tipo e deu lugar ao lançamen-
há de acúmulo programático nos bou em 1991, com a dissolução da to de organizações partidárias mol-
diversos governos e movimentos URSS, 74 anos após a tomada do dadas pela disciplina, hierarquia e
progressistas surgidos após o fim palácio de Inverno. Se utilizarmos centralização, preparadas para dis-
da União Soviética? um raciocínio linear, podemos afir- putas equivalentes a guerras. to político e teórico foi devastador.
A Revolução Russa foi fruto de mar que, em longevidade, ela foi A Revolução foi capaz de Não era um governo que estava em
uma confluência de situações que muito além da Revolução Francesa. transformar, em poucas décadas, xeque. Era um modo de organiza-
permitiu a um país atrasado e pe- Quando esta acabou? Deflagrada uma região agrária e pouco desen- ção do Estado, do trabalho e da vi-
riférico, com rarefeita tradição de- em 1789, pode-se dizer que ela ter- volvida em potência industrial ca- da social que se mostrou aquém dos
mocrática e com um Estado abso- mina em 1804, com a coroação de paz de alavancar indicadores so- desafios da reestruturação produtiva
lutista dominado por oligarquias Napoleão. Ou, numa métrica mais ciais e avançar na direção de um das últimas três décadas.
agrárias, apartar-se do mercado flexível, com a batalha de Waterloo, Estado de bem estar jamais visto Junto com o socialismo re-
mundial. O caminho implicava onze anos depois. Com extrema be- na periferia do mundo. al, a socialdemocracia europeia,
romper com o capitalismo e en- nevolência e régua unidimensional com sólidas bases operárias e res-
frentar pelos trinta anos seguintes – como a direita brande em relação Fora da agenda ponsável por conquistas sociais de
a 1917 uma sucessão de agressões às experiências socialistas – pode- A luta pelo socialismo – ou me- monta, entrou em parafuso com a
externas e dificuldades internas mos dizer que a Revolução France- lhor, uma ruptura socialista – saiu crescente financeirização da eco-
que moldariam um regime com sa durou, no máximo, 26 anos. da agenda da esquerda mundial nomia, recessão, aumento do de-
sérias dificuldades para se estabi- No entanto, tempos históricos com o desmonte da URSS. Olhan- semprego e sensível redução do
lizar e se institucionalizar. não se contam dessa forma. O im- do retrospectivamente os indicado- poder de barganha dos sindicatos.
A Rússia – e em seguida a União pulso da França em ebulição re- res da queda de produtividade da Os partidos dessa vertente que so-
Soviética – só pode se firmar pela verbera até hoje, como a revolução economia soviética nos anos 1970- breviveram aos anos 1990 acaba-
tenacidade do comando do Partido burguesa clássica. Seus impulsos e 80, pode-se dizer hoje que o des- ram por fazer uma rápida conver-
Comunista, num quadro de irre- ideias seguem vivos. O cronogra- monte seria inevitável. Mas não era são á ordem, caso das agremiações
versível desmoralização do liberalis- ma político deve levar em conta essa a percepção da época. A União inglesa e espanhola.
mo – político e econômico –, pelo as contradições contemporâneas Soviética aparentava tentar uma re- É a partir desse ponto que as
fato de o mundo estar vivendo um muito mais que exemplos tempo- formulação dentro dos parâmetros ideias de transformação social de-
interregno de hegemonias iniciado rais estáticos. de seu modelo, logo após a posse vem ser colocadas em debate.
na I Guerra Mundial e pela heca- de Mikhail Gorbatchev na secreta-
tombe econômica de 1929. Abalo global ria-geral do PCUS, em 1985. Socialismo
O que diferenciou acima de tu- No entanto, a Perestroika, alar- do século XXI
Construção do Estado do os acontecimentos da Rússia deada como uma renovação, se re- Com a esquerda na defensiva,
Construir o socialismo naque- vermelha de processos anteriores é velou verdadeira rendição diante a luta pelo socialismo saiu da agen-
las condições implicava a gigan- o abalo que provocou além frontei- das potências ocidentais, nos inícios da progressista em todo o mundo
tesca tarefa de moldar um Estado ras. Eric Hobsbawm, em seu A era da ofensiva ultraliberal. O impac- por mais de uma década. Até que,

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6 Socialismo no século XXI?

no final de janeiro de 2005, em vi- O que seria o novo conceito? riam estar, segundo o Presidente: um movimento para impulsionar o
sita ao Fórum Social Mundial, em As definições subsequentes do que A) A moral (...) Devemos recuperar cooperativismo, o associativismo, a
Porto Alegre, o presidente da Ve- seria a vertente não deram muitas o sentido ético da vida. Lutar contra propriedade coletiva, o banco popu-
nezuela, Hugo Chávez acrescenta- pistas sobre o rumo a ser tomado. os demônios disseminadas pelo capi- lar e núcleos de desenvolvimento en-
ria uma novidade ao conceito de Chávez e seus apoiadores não fo- talismo, como o individualismo, o dógeno.
revolução bolivariana por ele alar- ram muito além de enunciados va- egoísmo, o ódio e os privilégios. (...) Outro exemplo de suas formu-
deado desde sua posse, seis anos gos, como “democracia”, “solida- O socialismo deve defender (...) a ge- lações foi dado no programa Alô
antes. Em discurso de uma hora riedade”, “justiça” e “vida digna”. nerosidade”. Presidente, de 7 de julho de 2007:
e meia, diante de 30 mil pessoas Em outubro daquele ano, em B) A democracia participativa e pro- O socialismo é eminentemente
no ginásio do Gigantinho, Chávez uma conversa com o jornalista tagônica, o poder popular. social, não é econômico. (...) Aqui
declarou: “Nosso projeto e nosso chileno Manuel Cabieses, diretor C) A igualdade conjugada com a li- deve haver uma relação de trabalho
caminho é o socialismo”. E especi- do semanário chileno Punto Fi- berdade (...) harmoniosa, não se trata de ex-
ficou: “Um socialismo com demo- nal, o dirigente venezuelano lan- D) Corporativismo e associativismo. plorar os trabalhadores por nada, a
cracia e uma democracia com par- çou mais algumas luzes sobre seu No econômico, uma mudança no sis- não ser para que vivam dignamente,
ticipação popular”. Socialismo do projeto. Entre os elementos bási- tema de funcionamento metabólico que não sejam escravos do trabalho.
século XXI, frisou o Presidente. cos para a nova orientação, deve- do capital. Na Venezuela se iniciou [Precisam] de um trabalho digno,
consciente de que estão produzindo
bens para construir a felicidade de
um povo. (...) Isto é parte do mode-
lo socialista que está nascendo. (...)
Ser socialista é ser honesto. O socia-
lismo não nega a propriedade priva-
da. Apenas a estabelece muito bem e
a impulsiona.

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Socialismo no século XXI? 7

As indefinições do modelo de ra e em alguns serviços especializa- uma alternativa socialista. Mesmo Passado e futuro
socialismo pretendido por Hugo dos, como a medicina, o país não a retórica inflamada de Hugo Chá- Se há algo a se extrair da expe-
Chávez não são um problema ape- consegue alavancar novo surto de vez não resultou na definição clara riência russa é a sensibilidade da di-
nas dele, mas de praticamente toda desenvolvimento. Mesmo assim, o de uma tática de superação do ca- reção revolucionária em perceber o
a esquerda mundial. governo não abre mão de seu pro- pitalismo. momento oportuno e crescer na va-
jeto socialista. ga das lutas. O historiador estadu-
O real realmente A Coreia do Norte está diante Multidões e projetos nidense Stephen Kotkin, em seu
existente de uma pesada ofensiva imperial. Uma série de lutas arrastaram monumental Stálin – Paradoxos do
Há no mundo meia dúzia de O país jamais atacou seus vizinhos multidões em vários países, co- poder (Objetiva, 2017) relata que
Estados socialistas. São eles China, e suportou uma agressão devasta- mo reação à devastação ultralibe- de um pequeno agrupamento, com
Cuba, Coreia do Norte, Vietnã, La- dora dos Estados Unidos, no iní- ral desde o início da atual década. cerca de mil militantes comprome-
os e Transnístria. Não existem mais cio dos anos 1950. Não é nenhum Exemplos são a Primavera Árabe – tidos e uma liderança que “cabia em
como membros de um campo ou modelo de democracia e sua dinas- em especial no Egito, Tunísia, Iê- torno de uma mesa de conferên-
caudatários de um projeto global ar- tia comunista anima poucos setores mem e Barein –, o movimento dos cia”, o bolchevismo se tornou um
ticulado nas esferas política, econô- progressistas a lhe prestar solidarie- Indignados (Espanha), o Occuppy fenômeno de massas, com alegados
mica e social. Compreendem desde dade. No entanto, é preciso dizer: Wall Street (EUA), além de maci- 25 mil membros, logo após feverei-
uma potência mundial até países ir- o país eliminou a fome endêmica, ças mobilizações na Grécia, Espa- ro de 2017. Ou seja, o crescimento
relevantes internacionalmente. elevou o padrão de vida médio da nha, Islândia, Portugal, Inglaterra, se deu em cima das especialíssimas
A China não apenas resiste, co- população e sobrevive basicamente Chile e Brasil. Governos caíram na condições concretas do período, co-
mo cresce incessantemente há 50 com recursos internos. esteira dessas ações (Tunísia e Egi- mo assinalado no início deste texto.
anos. A partir da direção de Deng O Vietnã, que suportou trinta to). No Brasil, uma intensa dispu- As condições objetivas e a reci-
Xiaoping, entre 1978 e 1992, o pa- anos de agressões bárbaras por par- ta de rumos terminou com as ma- diva da crise iniciada em 2008-09
ís se abriu ao exterior, legalizou re- te da França e dos Estados Unidos, nifestações de 2013 – inicialmente impulsionam inquietação e revolta
lações capitalistas de produção e venceu as duas potências. À seme- progressistas – capturadas pela di- pelo mundo. Ao mesmo tempo, o
manteve o controle estatal sobre a lhança da China, abriu sua econo- reita. Na Grécia e na Espanha, as aprofundamento de crises não cor-
economia. De nação periférica na mia, após um dramático tempo de multidões impulsionaram orga- responde, mecanicamente, a forta-
cena global, antes de 1949, a Chi- fome e miséria nos anos 1980. Abri- nizações partidárias (Syriza e Po- lecimento da esquerda. Em situa-
na assumiu o proscênio do tabulei- ga um setor de tecnologia da infor- demos) e nos Estados Unidos e ções de desespero, o fascismo e o
ro mundial, com um dinamismo mação e indústrias sofisticadas, que Inglaterra pode-se detectar o cres- nazismo floresceram na Europa
que desmente as formulações priva- formam seu polo dinâmico e propi- cimento de lideranças à esquerda dos anos 1920-30.
tistas em voga internacionalmente. ciam um alargamento do mercado (Bernie Sanders e Jeremy Corbin) Não há fórmulas ou roteiros
Não pretende exportar sua Revo- interno. Não possui uma economia na sequência dos insatisfeitos que prévios para a retomada de uma
lução ou expandir áreas de influ- de escala, como o gigante asiático, foram às ruas. A esquerda france- meta socialista. Por isso, a conjun-
ência, mas agir pautada nas regras mas a pobreza tem se reduzido acele- sa retomou sua expressão públi- tura atual embute a complexidade
do mercado. Coração e cérebro dos radamente nos últimos anos. ca com a candidatura de Jean-Luc de se articularem frentes que en-
BRICs, o antigo império do meio se- O Laos tem apenas sete milhões Mélenchon. volvam um amplo espectro de ato-
lou uma aliança com a Rússia, sin- de habitantes e uma economia pre- São manifestações muito dis- res, do centro à esquerda, com ba-
tetizada na articulação do dinheiro dominantemente agrícola. Man- tintas, que enfrentam monopólios se em pautas desenvolvimentistas,
com as armas. Atuam em dupla no tém o regime de partido único e se- da mídia, leis eleitorais draconia- distributivistas e civilizatórias.
Conselho de Segurança da ONU, gue como um país de renda baixa, nas (Inglaterra, França e Chile), Não é tarefa fácil e nem as pautas
como se fossem um único país na em meio a enormes dificuldades. E ou correlações de forças muito comportam uma única alternativa.
maioria das votações. a Transnístria, com sua população adversas. A tarefa mais delicada está na busca
Cuba enfrenta bravamen- de meio milhão de pessoas, é um A maioria desses processos, ob- de unidade de ação das várias verten-
te à onda reacionária do governo território encravado na Moldávia, jetivamente, clama por um alarga- tes progressistas para a retomada do
Trump e a uma espécie de segun- Leste europeu, extremamente de- mento do espaço público e maior protagonismo na cena global.
do período especial. Com a crise pendente da economia russa. proteção social por parte do Estado.
venezuelana, o país perdeu impor- Embora a esquerda seja gover- O fato de várias delas não terem o * É professor de Relações Internacionais
tante parceiro para o financiamen- no em alguns países – Portugal, socialismo como meta não significa da Universidade Federal do ABC, his-
toriador e autor, entre outros, de A Ve-
to de sua economia e da diploma- Uruguai, Bolívia, Equador, Gré- a inviabilidade de um projeto mu- nezuela que se inventa – Poder, petróleo e
cia regional. Com uma economia cia e Venezuela, entre outros – dancista, mas a aspereza das condi- intriga nos tempos de Chávez (Fundação
centrada no turismo, na agricultu- nenhum deles constrói para valer ções de disputa existente. Perseu Abramo, 2004).

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8 Socialismo no século XXI?

O que fazer?
Carlos Pinkusfeld Bastos* tempos, apenas “um capitalis-
Numa Mazat* mo”. Ainda que preserve caracte-
rísticas centrais, como a produção

U m fantasma ronda o ociden-


te: o da falta de representa-
tividade política. Há radicalismo
descentralizada, a existência de
trabalho assalariado e a proprie-
dade privada dos meios de pro-
conservador por todo lado: da sur- dução, historicamente, desde sua
preendente eleição de Trump nos origem no século XIX, o capitalis-
EUA aos ultradireitistas do gover- mo industrial sobreviveu, até ho-
no polonês, passando pela devas- je, em várias encarnações sociais.
tadora derrota dos partidos tradi- Particularmente, a do pós-Segun-
cionais nas eleições da França em da Guerra Mundial, ou a chama-
2017, quando foram ao segun- da Era de Ouro do capitalismo
do turno o partido nacionalista (Golden Age), teve características
de extrema direita e uma coalizão muito originais. Foi um período
de “última hora”, autodenomina- de alto crescimento, baixo desem- Carlos Pinkusfeld Bastos Numa Mazat
damente neutra, sob o comando prego, elevação da renda do traba-
de Macron. O “sonho” do fim da lhador, diminuição da desigualda- no pós-guerra “deu a louca no pa- século, ostentando taxas de cres-
história e da vitória inconteste da de, ampliação dos direitos sociais e trão”? Certamente não. Foram a cimento altíssimas. Permitiu que
ideologia neoliberal na gestão eco- acesso a bens públicos. Guerra Fria, em grande medida, um país economicamente atrasa-
nômica dos governos parece ter-se Essa organização do capitalis- e também a própria instabilidade do e derrotado na Primeira Guer-
tornado algo mais próximo a um mo foi uma construção política, do entreguerras que forjaram um ra Mundial se tornasse, em menos
pesadelo. Nem a promessa de uma ou seja, uma possibilidade de or- novo consenso social no qual o ca- de três décadas, a segunda força
“utopia” unipolar mundial condiz ganização do sistema capitalista pital, e os grupos sociais a ele asso- industrial e uma das duas super-
com o fortalecimento das posições como caracterizado acima. Logo, ciados, abriram mão de parte dos potências a sair vencedora da Se-
geopolíticas de China e Rússia e a pergunta a fazer é: o que levou o seus privilégios políticos e econô- gunda Guerra Mundial. O siste-
a completa desordem em que foi Estado, ou melhor, os estados na- micos em prol da sustentação do ma soviético foi, também, capaz
lançado o Oriente Médio. cionais, ou, melhor ainda, o con- sistema de propriedade privada, de providenciar uma elevação sig-
Obviamente que, para quem certo dos estados nacionais ca- ou de sua aceitação pelos trabalha- nificativa do padrão de vida da po-
enxerga a sociedade capitalista co- pitalistas, consubstanciado pelos dores sem uma reação radical/re- pulação, quer seja em termos de
mo composta de classes sociais acordos de Bretton Woods, a es- volucionária. consumo ou, mais ainda, no for-
com interesses distintos e confli- tabelecer esse padrão de capitalis- Nesse ponto somos confronta- necimento de bens públicos co-
tantes, esse quadro em nada sur- mo da Golden Age? Um padrão no dos com um aparente paradoxo. A mo uma educação de alto nível, o
preende e, na verdade, só revela qual o Estado impôs aos capitalis- visão que se tem da União Sovié- acesso generalizado à cultura e um
as limitações analíticas de outras tas pesada carga tributária, fortes tica e especificamente do seu de- sistema de previdência universal,
abordagens teóricas. Assim, par- restrições à liberdade de atuação sempenho econômico é bastante etc. Essa dinâmica de desenvolvi-
tindo desse importante funda- via regulação de distintos merca- negativa, em grande medida resul- mento econômico e social acelera-
mento analítico para entendermos dos e limitação de ganhos finan- tado do debacle no final dos anos do só foi perdendo dinamismo na
o movimento das sociedades, é ceiros, e no qual os trabalhado- 1980. Mas então como explicar segunda metade dos anos 70, com
fundamental olhar o mundo pré- res tiveram ampliado seu poder de que um completo desastre tenha o esgotamento do modelo de acu-
-hegemonia neoliberal e o projeto barganha pelas políticas de pleno tido um efeito tão extraordinário mulação extensiva soviético, res-
unilateralista norte-americano pa- emprego perseguidas pela ação fis- sobre o sistema capitalista por cer- ponsável pela exitosa implantação
ra que se possa compreender me- cal, que se somara à extensão dos ca de trinta anos? do Fordismo no país. A incapaci-
lhor a realidade em que vivemos. benefícios previdenciários, seguro O modelo econômico sovié- dade da URSS de fazer a transição
Inicialmente, do ponto de vis- desemprego, etc... tico, na verdade, foi muito bem- para um regime de acumulação
ta teórico e histórico, não se po- Simplesmente, como nos -sucedido em termos de acumu- mais intensivo e de superar o pa-
de dizer que existiu, através dos anúncios antigos de liquidação, lação de capital por mais de meio drão taylorista, dificuldades tam-

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Socialismo no século XXI? 9

bém observadas em economias Entretanto, essa “vitória con- visão crítica do sistema capitalis- por partidos conservadores, como
capitalistas avançadas neste perí- creta” foi ainda mais dramática ta passaram a ser eles mesmos os a virada Clintoniana no Partido
odo, explica a relativa estagnação porque de várias formas foi intro- aplicadores de fórmulas contrá- Democrata em meados dos anos
econômica até 1985. As reformas jetada pelos movimentos de es- rias aos, digamos assim, princípios 1990 ou o “new labour” de Tony
da Perestroika no final da década querda; tanto numa crítica radical fundantes de suas correntes políti- Blair. Essa conversão dos partidos
de 1980 vão, então, desorganizar e absoluta do regime soviético co- cas. Os exemplos são inúmeros: da que deveriam se opor às reformas
completamente o planejamento mo pela adoção de princípios de virada conservadora do Presiden- contrárias aos interesses dos traba-
centralizado soviético, levando ao gestão de política econômica rela- te Mitterrand em 1983, que se re- lhadores acabou reforçando uma
colapso do sistema em pouco mais tivamente ortodoxos, e, não me- laciona à montagem do arcabou- versão mais restrita do fim da his-
de cinco anos. nos, por uma adesão acrítica à or- ço conservador da União Europeia tória, o famoso acrônimo TINA
Assim, o fim da União Soviéti- dem democrática em seus aspectos por partidos sociais-democratas, (There is No Alternative), ou seja:
ca e do bloco socialista da Europa mais formais. passando pela reforma trabalhista as políticas neoliberais “pragmáti-
Central e Oriental teve um impac- Aqui se tem uma situação do posta em prática pelo Partido So- cas” de gestão econômica são fun-
to óbvio sobre o quadro político ponto de vista político particular- cial Democrata Alemão nos anos damentos universais e indiscutí-
pós-anos 1990. A inexistência de mente complexa: não apenas o re- 1990. Mesmo quando não “ini- veis, devendo os governos, mais
um regime alternativo efetivo en- ferencial concreto alternativo se ciando” as reformas trabalhistas, ou menos progressistas, apenas
fraqueceu os movimentos políti- desfez, como os partidos que de- partidos de tradição pró-trabalho tratarem de questões marginais a
cos críticos à ordem burguesa. veriam manter alguma forma de avançaram as agendas iniciadas um núcleo duro e inamovível de
políticas derivadas da ortodoxia
marginalista. Essas políticas im-
plicavam desregulação, redução
do Estado e equilíbrio fiscal. Sua
versão, em forma de decálogo para
os trópicos, ganhou o famoso ape-
lido de Consenso de Washington.
Ora, se todos os partidos di-
zem mais ou menos o mesmo, é
porque então tais políticas deve-
riam ser mesmo universais e ine-
vitáveis...
Em princípio não há problema
de se entronizar como verdade ab-
soluta, por interesses político-ide-
ológicos, uma interpretação de
uma escola de pensamento econô-
mico permeada de inconsistências
analíticas radicais. Vitória das clas-
ses dominantes. 7x1 da burguesia.
O problema, ainda no campo da
linguagem dos boleiros, é: combi-
naram com os adversários para ser
sempre assim? Não tem returno?
Combinaram com os trabalhado-
res, ou a “classe média” na nomen-
clatura norte-americana, se esta se
contentaria com, dependendo do
país: menores direitos sociais, re-
dução de serviços públicos, estag-
nação de rendimentos e maiores
taxas de desemprego? E talvez, o
mais grave do ponto de vista de

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10 Socialismo no século XXI?

sentimento social mais amplo: a esperar de uma zona periférica do neira geral, partiram de uma não ta tem contra si, também, o fato
sensação que a sua geração, e as capitalismo. Aqui também a re- ruptura com as políticas macroe- de a classe trabalhadora ainda ter
futuras, de alguma forma aufe- ação neoliberal começa a se tor- conômicas anteriores, registraram os avanços sociais da Golden Age
rem (ou auferirão) menos bene- nar dominante nos anos 1980 e alguns erros graves de condução como um parâmetro de aspiração
fícios que a anterior, ainda que o se consolida nos anos 1990, ainda de política econômica e sofreram, política. Especificamente no caso
PIB mundial tenha crescido e que que tenhamos tido o trágico privi- em diferentes graus, com a dete- do Brasil, por exemplo, essa “me-
cada trabalhador seja mais pro- légio de termos a ditadura Pino- rioração das condições externas. mória” é ainda mais fresca; a ideia
dutivo! Ainda pior, a sensação de chet no Chile como o primeiro Apesar dos modestos avanços, tais de eliminar ou restringir os avan-
que este “sacrifício” não aponta experimento mais radical do neo- governos foram confrontados com ços, por modestos que tenham si-
para um horizonte de esperanças liberalismo a nível mundial. forte oposição dos establishments do, na primeira década do sécu-
e sim “mais do mesmo” no cam- Como em outras regiões, o ne- locais, sendo retirados do poder lo XXI provavelmente não se dará
po estrito econômico, acrescido oliberalismo também alcançou por distintos métodos, mais ou sem alguma resistência.
de tensões sociais pesadas, como a na América do Sul, muito rapi- menos democráticos, dependen- Essa clara tensão e impasse atu-
questão da imigração na Europa e damente, um histórico de frus- do do país. al dificilmente terão uma resposta
mesmo nos EUA. trações. Ainda que num primeiro A questão relevante, e que se adequada pela vertente conserva-
Frente a este sentimento, os momento este tenha sido capaz de conecta com o início deste arti- dora. Afinal, a política neoliberal
partidos da ordem neoliberal só gerar uma onda de estabilizações go, é que os grupos que ascende- já é regida por grupos econômi-
têm a oferecer ... mais sacrifí- em vários países, graças à volta do ram ao poder neste movimento de cos e sociais muito concentrados,
cios, incluindo aí os partidos au- crédito internacional, em parte re- “contrarreforma” nada têm a ofe- e o desastre do Governo Trump é
todenominados de esquerda, que, forçado pelas vendas de ativos do- recer de “novo”. Certamente, aus- uma boa mostra da completa in-
no núcleo de suas políticas, tam- mésticos (incluindo aí as privati- teridade fiscal, mercado de traba- consistência do populismo de di-
bém abraçaram o ideário neolibe- zações), os resultados em termos lho degradado e venda de ativos reita. A troca de nomes e pessoas
ral e passaram a encampar políti- de crescimento, emprego e inser- não operarão nenhum “milagre”. para aplicar a mesma receita não
cas identitárias, ecológicas, etc... ção externa foram medíocres. E este é o paradoxo da atual resolve nada.
Não que estas não sejam questões A reação a estes governos ocor- “perda de representatividade” po- É a esquerda que tem condições
relevantes e pertinentes, mas, ao reu em praticamente todo o con- lítica que já havia sido identificada de oferecer uma alternativa concre-
não contestarem os elementos que tinente, com graus distintos de pelo cientista social Karl Polanyi ta a um estado de mal-estar social
estão no cerne da insatisfação de radicalismo; desde a experiência como uma contradição inerente generalizado. Mas para isso preci-
parcelas expressivas da população, autodenominada de “socialismo ao sistema capitalista. Sua versão sa fazer uma profunda autocrítica,
acabam por não serem capazes de bolivariano” na Venezuela até o liberal, e agora neoliberal, é con- que inclui rever seu papel na pró-
representá-las politicamente. continuísmo, escassamente refor- centradora e mesmo seu ritmo de pria construção da presente ordem
Na verdade, um lamentável mista, da presidenta Bachelet no crescimento e adoção de tecnolo- neoliberal, e que passará obrigato-
efeito bumerangue pode, e, na Chile. Em posições intermediá- gias crescentemente capital-inten- riamente por uma revisão da ex-
verdade, já está ocorrendo. Se os rias, se situam Equador, Bolívia, sivas acabam por gerar menos em- periência socialista do século XX.
partidos que deveriam tratar tam- Argentina, Uruguai e Brasil. Cer- pregos e que, eventualmente, não Será necessário, também, uma rup-
bém de temas que afetam as con- tamente aqui não há espaço para acompanham o crescimento da tura completa com elementos da
dições de vida materiais de parce- precisar a natureza destas experi- força de trabalho. análise econômica marginalista, es-
las majoritárias da população não ências. Apenas deve-se reconhecer O movimento oposto deste pecialmente em relação ao papel do
o fazem, se concentrando em te- que todas, aproveitando-se de um pêndulo, a criação de um sistema Estado na economia.
mas menos abrangentes, eventuais ambiente internacional favorável, mais justo e visando o bem-estar É uma tarefa complexa e difí-
correntes que se apresentam como tiveram em comum algum nível da maioria da população, tendo cil, mas, infelizmente, os desafios
candidatas a tratar de alguma for- de avanço redistributivo, reforço como meta um nível baixo de de- sociais não esperam pela reflexão
ma de temas amplos podem, de das políticas de bem-estar social, semprego, ao pender a balança pa- em estado de suspensão, e respos-
forma oportunista, se contrapor a aceleração do crescimento, e re- ra o mundo do trabalho, acelera tas de natureza ainda mais reacio-
tais políticas progressistas, criando tomada do papel do Estado como as contestações ao sistema, seja na nária, ainda que fadadas ao fracas-
um caldo de cultura perigoso de agente importante dentro do pro- forma de conflitos populares/tra- so do ponto de vista material no
extrema direita. cesso de desenvolvimento econô- balhistas, seja na aceleração da in- médio prazo, podem acrescentar
E como fica a nossa Améri- mico e social. flação em razão de fortes deman- uma camada a mais de retrocesso
ca Latina frente a este quadro ge- Não é possível aqui, também, das salariais. e violência social.
ral? Não muito diferente do resto detalhar as limitações e fracassos O atual momento de movi-
do mundo, aliás, como seria de se destas experiências que, de ma- mento do pêndulo para a direi- * São professores adjuntos do IE/UFRJ.

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Socialismo no século XXI? 11

China e Cuba na transição ao socialismo


Paulo Nakatani* impacto sobre a sociedade cubana ziria uma transformação imediata
foi brutal; e a abertura da China do modo de produção e o advento
[...] a RPC [República Popular da ao ingresso de capitais estrangei- do socialismo. Por essa razão en-
China] do século 21 é um novum ros, às privatizações e ao mercado contramos, tanto em Cuba quan-
histórico-mundial: a combinação capitalista, que é considerado um to na China, a concepção de que
daquilo que, segundo qualquer cri- retrocesso ao capitalismo. são sociedades que ainda estão em
tério convencional, é no momento Entretanto, para todos aqueles um longo processo de transição
uma economia predominantemen- que procuram compreender esses para o socialismo ou comunismo.
te capitalista, com aquilo que, se- processos históricos, para além do Devemos destacar que ambas
gundo qualquer critério conven- que é disseminado através da ide- as revoluções, a Chinesa em 1949
cional, ainda é incontestavelmente ologia da sociedade burguesa, po- e a Cubana em 1959, foram vito-
um Estado comunista – ambos, em demos dizer que Cuba e China riosas em sociedades cujo grau de
seus respectivos gêneros, os mais poderiam se constituir no que Per- desenvolvimento das forças pro-
dinâmicos jamais vistos1. ry Anderson (2010) chamou de dutivas ainda estava muito longe
novum histórico-mundial. Assim, daquele atingido pelos países ca-

N este ano de 2017, em que se


celebram os 150 anos da pu-
blicação do livro primeiro de O
as experiências chinesa e cubana
constituiriam um longo proces-
so de transição para um novo mo-
pitalistas mais desenvolvidos. A
China, naquele momento, tinha
passado por uma crise extrema-
chinesa foram trágicas e desastro-
sas tanto em termos do desenvol-
Capital e os 100 anos da Revolu- do de produção, que se expressaria mente longa, mais de 100 anos de vimento de suas forças produtivas
ção de Outubro, muitas das aten- historicamente e concretamente conflitos, iniciada com a primei- quanto das condições sociais e de
ções se voltam para as condições em sociedades diferentes daque- ra Guerra do Ópio em 1839 e só vida. A revolução vitoriosa encon-
de desenvolvimento também de las regidas pelo modo de produ- terminada em 1949. A revolução trou uma sociedade devastada por
outras experiências revolucioná- ção capitalista. republicana de 1911 derrubou o esse século de conflitos, que dei-
rias, como a da China e de Cuba. Esta concepção implica consi- império comandado pela dinas- xou a população em condições de
Por um lado, no mundo capitalis- derar que os processos históricos tia Qing, constituída e dirigida extrema pobreza, analfabetismo e
ta, poucos ainda alimentam as es- concretos não produzem trans- por uma etnia minoritária deno- ignorância.
peranças, expectativas e sonhos de formações imediatas de um mo- minada Manchu, e instaurou uma Cuba é uma pequena ilha
que um “outro mundo é possível”. do de produção a outro, assim co- república. O último quarto de sé- com cerca de 110 quilômetros
Outro mundo menos injusto, mais mo há que se distinguir que cada culo antes da vitória da revolução quadrados, localizada a 90 milhas
igualitário e mais democrático, co- modo de produção se expressa em foi marcado por uma grave suces- dos EUA, que, após as guerras
mo se esperava a partir dos escritos formações histórico-sociais distin- são de guerras e conflitos. “Seus de independência contra a Espa-
de Marx e Engels. Por isso, na estei- tas e as novas relações só podem se marcos são bastante conhecidos nha, passou à condição de semi-
ra da profunda crise pela qual atra- desenvolver dentro da sociedade – a expedição ao norte de 1926 colônia dos Estados Unidos. Até
vessa hoje o capitalismo mundial, anterior, concreta e historicamen- [...]; o massacre dos comunistas a vitória da revolução, em 1959,
na qual as contradições desse mo- te determinada, com suas próprias por Chiang Kai-shek [...]; o Ter- a economia cubana era quase que
do de produção se explicitam por contradições, particulares e especí- ror Branco que se seguiu; o esta- integralmente controlada pelas
todos os lados, também reaparece ficas, assim como com todos seus belecimento do soviete do Liangxi corporações americanas. As con-
o interesse no estudo e na dissemi- problemas e sua herança histórica. em 1931, e as cinco campanhas de dições de vida da maioria dos tra-
nação do marxismo e em particular Ou seja, não há um caminho geral aniquilação movidas [...]; a Lon- balhadores, tanto urbanos como
d´O Capital. para todos os processos de transi- ga Marcha do exército vermelho rurais, eram tenebrosas3. A pro-
Por outro lado, muitos consi- ção, cada formação histórico-so- [...] em 1934-1935 [...]; a Fren- dução do açúcar, principal pro-
deram que todas as experiências cial deve encontrar o seu próprio te Unida com o GMD [Kuomin- duto da economia cubana, era
revolucionárias socialistas do sécu- caminho. É um equívoco pensar tang] contra o invasor japonês em controlada por empresas america-
lo XX, iniciadas na Rússia, e ins- que com a vitória da revolução, 1937-1945; e, por fim, a guerra nas e os EUA eram seu principal
piradas em Marx e Engels, fra- com a tomada do poder em um civil de 1946-1949 [...]”2. As con- mercado. Os principais produtos
cassaram – em particular após o país e a consequente socialização sequências de todo esse longo pe- industriais eram importados e os
colapso da União Soviética, cujo dos meios de produção, se produ- ríodo de conflitos para a sociedade serviços como a eletricidade e co-

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12 Socialismo no século XXI?

municações eram fornecidos por Temos aqui uma resposta para


empresas americanas, como mos- as duas grandes polêmicas sobre a
tram Baran e Saens4. Além dis- revolução e a transição: primeiro,
so, “gangsters, jogadores, homens a possibilidade da revolução so-
de atividades ilícitas de todos os cialista em países subdesenvolvi-
matizes invadiram Havana, [...], e dos e segundo, o debate sobre o
a transformaram num campo de socialismo em um só país. Todas
distrações reservado ao submun- as experiências revolucionárias
do americano”5. Após a vitória da ocorreram em países atrasados e
revolução e o avanço das inter- em nenhum país capitalista de-
venções, desapropriações e nacio- senvolvido. Além disso, sofreram
nalizações das empresas estrangei- intensa pressão contrária: políti-
ras, os EUA iniciaram o bloqueio ca, ideológica e militar, dirigida
contra Cuba, em 1962. A frágil e comandada pelo centro do im-
economia cubana pré-revolucio- perialismo. Isso tudo com ame-
nária foi ainda mais castigada pela aças, cercos, ataques militares e
fuga de mais de três mil médicos bloqueios políticos e econômicos
para os EUA, técnicos, e cerca de de todos os tipos possíveis e ima-
dois mil engenheiros, de dois mil gináveis, como a Guerra Fria e o
e setecentos que havia em Cuba, bloqueio contra Cuba, vigente até
e 75% dos engenheiros da indús- hoje. Durante todo esse tempo,
tria petrolífera; e teve que recon- a elite da burguesia mundial tem
figurar e reconstruir todo o siste- utilizado todos os meios e instru-
ma produtivo com as tecnologias mentos possíveis contra a revolu-
soviéticas, mais atrasadas do que a ção proletária mundial; por outro
norte-americana, segundo Saens. lado, a classe trabalhadora tem lu-
Desse modo, a revolução so- tado bravamente contra as classes
cialista não só começou em 1917 dominantes em todas as partes,
na Rússia atrasada, como conti- mesmo passando, naturalmente,
nuou em outros países igualmente por momentos de debilidade, de-
atrasados e dependentes, e a ques- sânimos e de recuos.
tão do desenvolvimento das forças Com isso podemos pergun-
produtivas, em um grau que pos- tar: qual é o sentido em exigir que
sibilitasse o avanço das relações de as revoluções socialistas tenham si- da produção e desenvolver relações to de 10% ao ano durante mais de
produção socialistas, tem produ- do bem-sucedidas? Como esperar de produção e de trabalho socialis- três décadas, colocando-a no topo
zido acalorados debates e nume- que essas experiências já tivessem tas, através da propriedade social dos países em termos da produção
rosos estudos. Sobre este ponto, concluído a longa transição para o da terra, da planificação e da cons- de riqueza8. Isso tudo com a ma-
Marx e Engels, perguntando-se modo de produção comunista? Ou tituição das comunas populares7. nutenção da propriedade social da
sobre a transição de uma forma seja, aquela resposta de Marx e En- Entretanto, teve que reconsiderar terra, com a planificação central e
antiga de posse da terra direta- gels, contida no prefácio do Ma- o caminho que seguia no desen- o comando do Partido Comunis-
mente para a propriedade comu- nifesto Comunista, continua hoje volvimento de suas forças produ- ta, que dirige as maiores empresas
nista, escreveram: “Hoje em dia, a tão atual como nunca e responde tivas. A guinada no processo, lide- estatais chinesas nas áreas estraté-
única resposta possível é a seguin- aos mais diversos questionamentos rada por Deng XiaoPing a partir gicas, fundamentais para o projeto
te: se a Revolução Russa consti- e cobranças que encontramos em do final dos anos 1970, para o que de sociedade que estão buscando.
tuir-se no sinal para a revolução boa parte da esquerda mundial a ele chamou de socialismo à moda Cuba, por seu lado, passou por
proletária no Ocidente, de modo respeito das revoluções na China e chinesa ou socialismo de mercado, um processo bastante distinto. Por
que uma complemente a outra, a em Cuba hoje. impulsionou o crescimento econô- um lado, está até hoje acossada pe-
atual propriedade comum da ter- Durante o período de ascensão mico chinês para taxas inimaginá- lo feroz bloqueio norte-americano,
ra na Rússia poderá servir de pon- do movimento revolucionário in- veis em qualquer sociedade regida com ameaças contínuas de todas as
to de partida para uma revolução ternacional no pós-guerra, a Chi- pelo modo de produção capitalis- formas. Durante o período de as-
comunista”6. na procurou acelerar a socialização ta, com taxas médias de crescimen- censão, com o apoio do bloco sovi-

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Socialismo no século XXI? 13

que são naturais a cada indivíduo.


Isso tudo não exclui a condi-
ção de que China e Cuba, e esta em
particular para a América Latina,
ainda são os faróis que mantêm as
esperanças e as lutas por uma trans-
formação para um mundo melhor.

* É professor do Departamento de Econo-


mia e do Programa de Pós-Graduação em
Política Social da Universidade Federal do
Espírito Santo. Agradeço as contribuições
de Aline Faé Stocco, Helder Gomes e Ol-
ga Perez Soto.

1 ANDERSON, Perry. Duas Revolu-


ções: anotações. Ensaio comparativo so-
bre o desenlace atual das duas maiores
revoluções do século XX: A Russa e a
Chinesa. Serrote, São Paulo, Julho 2010.
2 ANDERSON, Perry, 2010, p. 3.
3 CASTRO, F. A história me absolverá.
São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
4 SAENS, T. W. O Ministro Che Gue-
vara. Testemunho de um colaborador. Rio
de Janeiro: Garamond, 2004, p. 59-60.
5 BARAN, P. Reflexões Sobre a Revolu-
ção Cubana. In: BARAN et al. Reflexões
Sobre a Revolução Cubana. Rio de Janei-
ro: Zahar, 1962. p. 18.
6 MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto co-
munista. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 73.
7 “As 24 mil ‘comunas populares’ de
agricultores, estabelecidas nuns me-
ros dois meses de 1958, representaram
o outro lado. Eram completamente co-
munistas, porque não apenas todos os
ético, pôde acelerar formas não ca- distribuição que escapa das deter- dos Lineamientos de la política eco- aspectos da vida camponesa haviam si-
pitalistas de produção, através da minações do mercado. Todo o sis- nómica y social, assim como procu- do coletivizados, inclusive a familiar – as
estatização da maior parte das em- tema de educação, saúde, assistên- rando manter os avanços obtidos creches e refeitórios comunais libertan-
presas estrangeiras e da profunda cia e previdência, além do acesso com a revolução. do as mulheres das tarefas domésticas e
do cuidado das crianças e mandando-as,
reforma agrária. Desenvolveu e re- gratuito ao esporte, às artes e ou- Esses processos que estão cons-
arregimentadas, para os campos – mas
cuperou todas as condições de vida tras necessidades vitais da popu- tituindo as histórias concretas des- também o fornecimento gratuito de seis
com a acelerada alfabetização de lação, foi construído no caminho tes dois diferentes países, na busca serviços básicos iria substituir salários e
todo o povo, a criação de um sis- da transição. Mas esse caminho foi de um mundo melhor, não podem a renda em dinheiro”. HOBSBAWN,
tema de produção e social fundado bloqueado, em maior ou menor ser avaliados, no momento, pe- E. Era dos extremos: o breve século XX:
1914-1991. São Paulo: Companhia das
nas pessoas individuais, que a colo- medida, pela derrota da União So- las expectativas, esperanças e dese-
Letras, 1996, 453.
cou entre os países com os melho- viética na Guerra Fria. Atualmen- jos de um mundo novo e melhor. 8 Segundo os dados do Fundo Monetá-
res indicadores sociais do mundo. te encontra-se desenvolvendo um Além disso, não podemos esque- rio Internacional (FMI) o PIB da Chi-
Ela pôde, igualmente, desenvol- profundo processo de mudanças cer que a história de todos os po- na, estimado em paridade de poder de
ver relações sociais não mercanti- para as novas condições colocadas vos é conduzida por pessoas e gru- compra, tornou-se o maior do mundo
ultrapassando os EUA em 2014. http://
lizadas como a libreta, que, mesmo pelo sistema mundial capitalista e pos, com todas suas qualidades,
www.funag.gov.br/ipri/index.php/teses-
que tenha sido decorrente das ne- pela experiência obtida através dos forças e fraquezas típicas de cada -e-dissertacoes/47-estatisticas/94-as-15-
cessidades de racionamento, cons- erros que foram próprios na cons- ser humano com todas as dificul- -maiores-economias-do-mundo-em-
titui ainda hoje um mecanismo de trução da transição cubana, através dades e contradições particulares -pib-e-pib-ppp.

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14 Fórum Popular do Orçamento

“Não há direitos para o pobre.


Ao rico tudo é permitido.”
Hino A Internacional (1871)

O Imposto Sobre Propriedade


Predial e Territorial Urbana –
IPTU – tem sua origem em 1799,
entre inscrições residenciais, não
residenciais e territoriais. O valor
venal é obtido através do produ-
influencia no valor hoje arrecada-
do: as Unidades Autônomas Popu-
lares (UAPs). De uso estritamen-
nhado por um crescimento da ar-
recadação tributária: o ISS cresceu
59% e o IPTU 22%. Todavia, du-
com o estabelecimento, pela Rainha to entre o valor unitário da Plan- te residencial, área de até 100 m² rante esse período, é possível notar
D. Maria, de décimas urbanas sobre ta Genérica de Valores (PGV) do e com valor venal que não seja su- que enquanto o peso do ISS au-
os imóveis edificados das cidades município, a área construída e os perior a R$ 64.000,00 na PGV, as mentou, o do IPTU diminuiu de
marítimas. Na primeira Constitui- fatores de ajustes. Outro fator que UAPs têm redução de 40% do seu 11% em 2007 para 8% em 2016,
ção Republicana, o IPTU figurava também pode entrar no cálculo valor venal e do valor da Taxa de refletindo assim o atraso na ba-
como um imposto de competên- são os descontos fixos estabeleci- Coleta Domiciliar de Lixo (TCL). se de cálculo desse tributo, como
cia dos estados, só passandoà alça- dos conforme o valor do imposto. Em 2014, houve o Projeto mostra o gráfico 1.
da municipal na Constituição de No entanto, a PGV está desa- Atualiza, uma iniciativa do ex- Ademais, essa queda da repre-
1934 e denominado IPTU apenas tualizada há 20 anos e sua atuali- -prefeito Eduardo Paes para reno- sentação do IPTU na receita nos
na Constituição de 1946. zação depende do Legislativo. Es- var o cadastro dos imóveis, que foi permite observar a tendência à es-
De lá para cá, muita coisa mu- se atraso na revisão dos valores da considerado um passo inicial pa- tagnação na arrecadação desse tri-
dou, e devido à atual necessidade de PGV contribuiu para que o peso ra a revisão da Planta Genérica de buto, que no período analisado
ampliação da arrecadação do Rio de da arrecadação caísse um terço em Valores. No total, cerca de 100 mil apresentou baixas taxas de variação
Janeiro, foi apresentado o Projeto de 16 anos. Assim, há o aumento da imóveis foram afetados, gerando anual, em média 2,33%, enquan-
Lei – PL nº 268/2017 – trazendo vulnerabilidade da situação finan- um aumento de R$285 milhões, to a receita aumentava a uma taxa
mudanças no cálculo do imposto ceira da Prefeitura diante dos ci- advindos da cobrança extra. En- anual média de 6,3%. Entretanto,
que resultarão em uma maior recei- clos econômicos. Além disso, tal tretanto, o projeto encontrou uma verifica-se que o aumento não foi
ta (ou não) a partir de 2018. defasagem dificulta que qualquer série de enclaves, como a cobrança capaz de compensar a crescente de-
Nesta edição o FPO traz um aumento nas alíquotas cresça o retroativa da TCL, que precisam fasagem do valor venal e assim no-
panorama de como se dá a tributa- valor do imposto, tornando isen- ser encarados antes de dar prosse- ta-se que, apesar de ser um imposto
ção atualmente, as reformas conti- tos imóveis dos segmentos territo- guimento à atualização. essencial para arrecadação munici-
das no Projeto e as suas principais rial e residencial devido ao baixo Na última década a receita or- pal, o IPTU vem sendo negligen-
consequências. valor. Segundo a Prefeitura, 40% çamentária do município teve um ciado pelo poder público.
dos imóveis são isentos. aumento de 70%, ou seja, cerca
Panorama do IPTU Há também outra questão que de R$ 12 bilhões, que foi acompa- Projeto IPTU 2018
O IPTU representa em média A fim de reestruturar o cenário
24% das receitas tributárias (no atual no âmbito do valor que ho-
período de 2007 e 2016). Além Gráfico 1: Peso do IPTU x Peso do ISS na Receita Total je é arrecadado, o Projeto de Lei
disso, ele é um meio de instalar apresentado à Câmara pela Prefei-
um projeto de cidade, o que nos tura traz mudanças significativas
permite ver nesse imposto uma no cálculo do imposto. Ao prever
forma do poder público promover um reajuste de até 60% em valores
a justiça fiscal e fazer cumprir a de imóveis, o município pretende
função social da propriedade, tor- fracionar ao longo de dois anos os
nando a cidade mais igualitária. novos tributos para suavizar o im-
No Rio, o cálculo do IPTU é pacto no bolso dos contribuintes.
feito baseado no valor venal dos Alegando que os valores da PGV
imóveis, em fatores de qualida- estão atualizados apenas moneta-
de (área, região, posição, utiliza- riamente e, portanto, não contem-
Fonte: Prestação de Contas 2007-2016 e Rio Transparente 2017. Valores deflacionados para o IPCA
ção do imóvel) e em uma alíquo- de junho de 2017. plam a evolução ocorrida no mer-
ta pré-determinada, que é dividida cado imobiliário carioca, a proposta

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15

apresenta os seguintes pontos:


• Redução das alíquotas únicas Quadro 1 - Variação das guias para atuais e novos contribuintes, em %, por AP:
que incidem sobre os imóveis
Valor médio Valor médio Alíquota efetiva média Inscrições residenciais que
residenciais, não residenciais AP das guias em das guias em Variação em relação ao valor de passarão a receber guia de
Valor médio das
NOVAS guias (R$)
2017 (R$) 2018 (R$) mercado (%) IPTU e/ou TCL em 2018
e territoriais, respectivamente:
AP-1 R$ 287,00 R$ 488,00 70% 0,17% 5 R$ 315,00
de 1,2% para 1%; de 2,8% pa-
AP-2 R$ 1.698,00 R$ 2.513,00 48% 0,23% 87 R$ 286,00
ra 2,5% e de 3,5% para 3%.
AP-3 R$ 530,00 R$ 752,00 42% 0,21% 46.877 R$ 387,00
• Adequação de descontos que
AP-4 R$ 2.089,00 R$ 2.488,00 19% 0,29% 23 R$ 287,00
reduzirá o impacto financei- AP-5 R$ 826,00 R$ 1.222,00 48% 0,19% 26.177 R$ 329,00
ro: no caso dos imóveis resi- TOTAL GERAL R$ 1.402,00 R$ 1.911,00 48% 0,24% 73.169 R$ 366,00
denciais, eles podem chegar a Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
60%, se o imposto a pagar for
de até R$ 800,00. A redução
cai para 40%, se o imóvel tiver crepâncias significativas. A respeito sentam um aumento de 75%. No e só arcavam com a TCL passarão
imposto de até R$ 1.200,00, das quantias, a maior variação entre mais, é relevante o caráter decres- a pagar o imposto normalmente,
e para 20%, para imposto de o valor médio das guias se deu na cente da variação do valor, em que com grandes alterações em suas
até R$ 1.600,00. Acima des- AP-1, enquanto a menor variação quanto mais valioso o imóvel, me- obrigações tributárias.
se valor, não há reduções. Pa- se deu na AP-4. Já as outras regiões, nor o impacto que a reforma terá Conforme observado no qua-
ra as unidades não residen- obtiveram variações semelhantes e sobre a quantia a ser paga, como dro 3, os imóveis com valor ve-
ciais, o desconto proposto é de acordo com a média total. Vale pode ser visto no quadro 2. nal de até R$ 30.000,00 sofre-
de R$ 600,00 se o imposto for ressaltar que a AP-4 e AP-2 já pos- Já a mudança para os imóveis rão com um aumento semelhante
de até R$ 5.000,00. E, para os suíam os valores de guia e alíquota enquadrados como o UAPs é mais aos residenciais não enquadrados
terrenos com IPTU de até R$ efetiva em relação ao valor de mer- significativa. Tais imóveis residen- nas UAPs, visto que grande par-
3.000,00 o contribuinte tem cado mais altos da cidade, e a mu- ciais, além de sofrerem com a ele- te continuará isenta do pagamen-
redução de R$ 1.000,00. dança na cobrança do IPTU não al- vação do valor venal, perderão os to. No entanto, proprietários de
• Revogação da sistemática de tera a posição dessas áreas. 40% de desconto que recebiam imóveis com valor venal a partir de
UAPs. Na questão de novas guias a se- por serem UAPs. Assim, juntan- R$ 30.000,00 receberão suas guias
• Simplificação das Tabelas de rem recebidas, se destacam as AP- do estes dois fatores ao fim do des- com uma elevação muito significa-
Tipologia. 3 e AP-5. Nas áreas mencionadas, conto fixo, muitos proprietários tiva, com destaque para os acima
• Atualização da Planta Genéri- muitos imóveis eram isentos de que eram isentos de pagar o IPTU de R$ 50.000,00, que apresentam
ca de Valores. IPTU e suas TCLs representavam
• Implantação dos descontos valores abaixo de R$ 96,00, o que
progressivos para imóveis re- os dispensavam do recebimento Quadro 2 - Variação das guias para residenciais
sidenciais com Valor Venal até das mesmas. Assim, somente nes- que não são UAPs, em %, por Faixa de Valor Venal:
R$ 160.000,00. sas duas áreas, estará localizado Valor médio Valor médio Alíquota
da guia de da guia de Variação efetiva
*Permanece inalterada a regra quase o montante total de novas Faixa de Valor Venal em 2017
IPTU + TCL IPTU + TCL 2017-2018 média (%)
que, para um proprietário receber guias, junto aos maiores valores em 2017 (R$) em 2018 (R$) (**)

Até R$ 50.000 (*) R$ 224,00 R$ 391,00 75% 0,14%


a guia, o valor do seu IPTU soma- médios a serem pagos por quem
De R$ 50.000 até R$ 80.000 R$ 652,00 R$ 883,00 35% 0,20%
do à TCL deve ser maior do que passará a recebê-las. Tal fato con-
De R$ 80.000 até R$ 100.000 R$ 951,00 R$ 1.350,00 42% 0,24%
R$ 96,00. figura um cenário no qual o au-
De R$ 100.000 até R$ 150.000 R$ 1.383,00 R$ 2.044,00 48% 0,27%
Os objetivos da proposta são mento da arrecadação será dado,
De R$ 150.000 até R$ 200.000 R$ 2.011,00 R$ 2.847,00 42% 0,28%
o aumento da base de contribuin- em grande parte, à custa dos bair-
De R$ 200.000 até R$ 300.000 R$ 2.877,00 R$ 3.785,00 32% 0,29%
tes do IPTU, uma tributação mais ros pertencentes a essas regiões.
De R$ 300.000 até R$ 400.000 R$ 4.114,00 R$ 5.152,00 25% 0,29%
justa e isonômica e o incremento Ao observarmos a situação, De R$ 400.000 até R$ 500.000 R$ 5.342,00 R$ 6.581,00 23% 0,30%
na arrecadação tributária. Será que após a reforma, de imóveis que De R$ 500.000 até R$ 700.000 R$ 7.077,00 R$ 8.727,00 23% 0,31%
estes objetivos serão alcançados? não eram considerados UAPs, De R$ 700.000 até R$ 1.000.000 R$ 10.434,00 R$ 12.021,00 15% 0,32%
percebe-se que o aumento do va- Acima de R$ 1.000.000 R$ 20.633,00 R$ 23.358,00 13% 0,34%
Impactos da reforma lor médio da guia será em mé- TOTAL R$ 2.126,00 R$ 2.782,00 31% 0,25%
Analisando os dados apresen- dia 31%. Nesse ponto, o desta- Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
tados no quadro 1 sobre a situação que é para os residenciais até R$ (*) O valor médio das guias na primeira faixa considera somente as inscrições
com lançamento em 2018.
das guias divididas por Áreas de Pla- 50.000,00 – nos quais a maioria (**) Resultado da divisão do valor médio da guia de 2018 pelo valor médio
de mercado atualizado dos imóveis.
nejamento (APs), encontram-se dis- esteve isenta até 2017 – que apre-

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16 Fórum Popular do Orçamento

uma variação média de 283% em


relação ao momento anterior a re- Quadro 3 - Variação das guias para residenciais que são UAPs,
forma. Isto se dá, pois com o ajus- em %, por Faixa de Valor Venal:
te da PGV, a grande maioria des- Inscrições que Inscrições que Valor médio da guia Valor médio da guia
Faixa de Valor
ses imóveis – muitos localizados na Venal em 2017
não receberam
guia em 2017
permanecerão sem
guia em 2018
de IPTU + TCL em
2017 (R$) (*)
de IPTU + TCL em
2018 (R$) (*)
Variação 2017-2018

Zona Sul e na Grande Tijuca – dei- Até R$ 10.000 108.190 108.186 R$ 148,00 R$ 172,00 16%
xará de ser isenta do IPTU, além de De R$ 10.000 até R$ 20.000 189.821 189.773 R$ 160,00 R$ 189,00 18%
perder o benefício de UAP. De R$ 20.000 até R$ 30.000 136.014 133.621 R$ 164,00 R$ 227,00 38%
Em relação ao fim das UAPs, De R$ 30.000 até R$ 40.000 67.791 39.218 R$ 166,00 R$ 361,00 117%
observa-se que esta medida não le- De R$ 40.000 até R$ 50.000 28.088 1.501 R$ 179,00 R$ 564,00 215%
va somente ao aumento do valor De R$ 50.000 até R$ 64.000 11.251 316 R$ 191,00 R$ 732,00 283%

arrecadado por imóvel, mas tam- TOTAL 541.155 472.615 R$ 173,00 R$ 439,00 154%

bém gera um aumento exponen- Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
(*) O valor médio das guias considera somente as inscrições com lançamento em 2018.
cial do número de contribuintes. A
partir da atualização da PGV, mui-
tos apartamentos com menos de
100 m² e com valor venal até R$ Mapa 1 - Novos contribuintes com lançamento de IPTU
64.000,00 perderão o benefício de
isenção, assim entrando no grupo
de novos contribuintes.
O bairro de Copacabana é o
maior destaque, devido à grande
quantidade de pequenos aparta-
mentos que possuíam valores ve-
nais muito defasados em relação
ao preço de mercado. Os outros
bairros que se destacam no mapa
1 também obtiveram valorização
imobiliária ao longo do tempo,
mas nunca receberam ajustes com-
patíveis com seus valores de mer-
cado e, assim, custearão boa parte
da nova arrecadação do município.
Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
Ressalta-se que muitos destes no-
vos contribuintes já recebiam guia,
visto que suas TCLs eram maiores Considerações finais Afinal, a alíquota utilizada em seu econômica, principal responsável
do que R$ 96,00, o que explica a O IPTU, por ser um imposto cálculo continua apenas dividida pela queda na arrecadação, tenta-
diferença perante o quadro 1. direto, incidente sobre o patrimô- entre inscrições residenciais, não -se “cobrir” à custa de cidadãos das
Vale ressaltar que tais dados po- nio do contribuinte, deveria co- residenciais e territoriais, não dife- classes menos favorecidas.
dem ainda apresentar mudanças de brar alíquotas proporcionais aos renciando a capacidade contribu- Ao tirarmos tais conclusões so-
acordo com as emendas propostas níveis de acumulação de riqueza. tiva entre as classes sociais. Pior: o bre os impactos quantitativos nos
pelo Legislativo, como, por exem- Assim, concordamos que a atuali- maior impacto na busca por mais bolsos dos cidadãos cariocas, é
plo, de isenção de IPTU para imó- zação da PGV era necessária e que recursos financeiros será sofrido possível estimar que o projeto não
veis residenciais até R$ 55.000,00, o fim das UAPs retirou a isenção pelas famílias detentoras dos imó- caminha em direção a uma cida-
uma vez que ao fecharmos a edi- de muitos proprietários em bairros veis menos valiosos, enquanto os de mais igualitária. Pelo contrário,
ção desta coluna ainda não havia nobres. No entanto, percebemos imóveis mais valiosos obtém uma parece aprofundar os problemas
sido concluído o processo de vo- que a alteração proposta não reti- pequena variação no valor de seus sociais já existentes, sem rupturas
tação das emendas parlamentares. ra o caráter regressivo do IPTU. tributos. A rigor, a conta da crise na atual desigualdade social.

FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (21 2103-0121). Para mais informações acesse: www.facebook.com/FPO.Corecon.Rj
Coordenação: Luiz Mario Behnken e Bruno Lopes. Assistentes: Est. Bruno Lins, Est. Hellen Machado e Est. Thamyris Meirellis.
Esta edição contou com a colaboração do Prof. Steven Dutt-Ross (UNIRIO) na elaboração dos mapas em linguagem de programação “R”.

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