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Cem anos da
Revolução
Russa
No centenário da revolução,
Francisco Carlos Teixeira
da Silva, Gilberto Maringoni,
Carlos Pinkusfeld Bastos,
Numa Mazat e Paulo Nakatani
discutem as experiências
socialistas e se há espaço para
um sistema alternativo
ao capitalismo no século XXI.
Órgão Oficial do CORECON - RJ Presidente: José Antonio Lutterbach Soares. Vice-presidente: João Manoel Gonçalves Barbosa.
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Comunista Chinês. Agora, que mo bolivarianismo. Para ele, Bo- P: Como você avalia a experiên- culdades materiais e políticas, até
esse partido seja comunista, aí lívar era a última manifestação da cia com Chávez na Venezuela e o agora os cubanos não se atraíram
vai uma distância muito gran- dominação branca, criolla, opres- momento atual? por qualquer mudança brusca na
de. Pelo que eu pude ver, ler, en- siva sobre a população da Bolívia. R: Na Venezuela temos hoje uma estrutura do país.
tender, o Partido é uma grande, Não havia e não há heróis brancos tragédia de grandes proporções. Na Na Polônia e Alemanha Orien-
brilhante e bem-formada elite de para o socialismo boliviano. Ele verdade, ambos os lados estão pro- tal, com tropas de uma potência
burocratas, engenheiros, técni- inclusive dizia que a alegria dele fundamente enraizados na socie- estrangeira dentro do país, a po-
cos e militares que são, acima de seria o dia que a Bolívia cresceria dade. O regime chavista tem bases pulação foi para a rua e exigiu o
tudo, movidos por uma grande como país e que pudesse se unir populares – se não tivesse, já teria fim do regime. O Muro de Berlim
ideologia nacional, um grande ao Peru e o Equador como o an- sido varrido do mapa, em vista do foi derrubado por pessoas, com
nacionalismo que move e une es- tigo império Inca. É muito mais poder que se mobilizou contra ele, tropas prontas para atirar. A maio-
ses homens, que entenderam que complicado do que a mídia brasi- nacional e internacional – mas a ria absoluta da população da Ale-
a questão nacional é superior à leira normalmente fala. Evo me fa- oposição também tem. O grande manha Oriental não queria pura
questão democrática e popular. lava que não estudou socialismo, problema da oposição é que ela é e simplesmente o advento do ca-
Talvez seja primário distinguir ele vivia o socialismo na aldeia on- profundamente dividida e antipo- pitalismo. Eles sonharam que po-
entre questão nacional e questão de ele nasceu, com as pessoas tra- pular. Tem um discurso de horror deriam estabelecer uma república
democrática; talvez seja impossí- balhando juntas, dividindo tarefas ao que é popular. Nesse sentido, representativa, mas onde os siste-
vel resolver a questão popular se juntas, tratando a mãe terra com o lembra muito uma determinada mas de saúde, educação, moradia
você não tem soberania, e isso é respeito que ela merece. Só muito elite brasileira horrorizada com e transportes fossem mantidos co-
uma lição hoje, para nós, no Bra- depois ele soube que existira uma uso pela população de aeropor- mo eram na Alemanha comunis-
sil, mas sem dúvida nenhuma eles pessoa chamada Karl Marx. O so- tos, shoppings, teatros e cine- ta. Tomaram um imenso susto
são, acima de tudo, homens com cialismo era o modo de vida natu- mas. Uma elite que quer não só quando viram o processo de pri-
um projeto de soberania nacional, ral das Américas pré-colombianas. ter, mas quer que o outro não vatizações e foram jogados em um
antes de ter um projeto popular, tenha. O fato de ela ter não bas- mundo selvagem de um capitalis-
no sentido de dar voz e expectati- P: Essas experiências que aconte- ta; ela quer que o outro não te- mo brutal, o que fez inclusive nas-
va ao que seja um projeto de feli- ceram ao mesmo tempo na Bolí- nha, para que ela mesma pareça cer uma onda de neonazismo na
cidade e bem-viver. via, Venezuela, Equador, de cer- que tem mais ainda. O outro ter região. As pessoas esperam sempre
Isso é diferente de quanto, por ta forma Argentina e Uruguai, a o que ela tem parece a ela uma o melhor dos mundos. Talvez esse
exemplo, Garcia Linera ou ou- gente pode chamar de experiên- perda. Incomoda, machuca, dói seja o mistério de Cuba e a sabe-
tros bolivianos falam no socialis- cias com um viés socialistas? que alguém que venha de ori- doria dos cubanos.
mo do bem-viver, na questão do R: Se for juntar tudo, eu não di- gens populares possa usufruir
bem-viver. Existe outra proposta ria que é socialismo. A experiência de uma coisa que ela tenha. P: Podemos pensar que um dia
de um socialismo em que a noção brasileira com o PT nunca foi so- o Brasil poderia se tornar socia-
do bem-viver predomina, e isso é cialista. A direita adoraria que pu- P: Como você avalia a longa ex- lista ou social democrata? Existe
outra vertente. desse ter sido, mas não foi. Foi o periência declaradamente socia- isso no horizonte?
projeto mais redistributivo da his- lista de Cuba? R: O Brasil não é um país pobre;
P: O que você acha da experiên- tória do Brasil. R: Cuba tem um mistério revela- é um país rico. Se a gente ima-
cia do chamado bolivarianismo No caso do Uruguai, me pa- do. Dizia-se que Fidel só se man- ginar a quantidade de malas de
aqui na América do Sul? rece que foi um projeto acima de tinha no poder pela força e que dinheiro para lá e para cá, che-
R: Eu publiquei dois livros sobre tudo democrático. Nos outros pa- qualquer empurrão que os ameri- gamos à conclusão de que é um
isso e estive várias vezes na Bolívia, íses sim, e isso perdurou onde ha- canos dessem, Fidel caía. Bom, os país riquíssimo. O que a gen-
Peru, Equador e Venezuela. A pri- via uma base social. Nos demais, americanos empurraram de todas te precisa fundamentalmente
meira coisa é que não existe esse não teve enraizamento. As pessoas as formas possíveis e ele não caiu. é garantir igualdade de condi-
bolivarianismo. Isso é uma inven- no Brasil não entendem que qual- Depois se dizia que Fidel vivia às ções no ponto de partida. Esse
ção da mídia rejeitada pelos possí- quer coisa que tenha melhorado custas dos soviéticos; a União So- é o elemento fundamental. Esse
veis atores principais. O Coman- em suas vidas derive da ação de viética todo-poderosa caiu e a seria o primeiro passo para ven-
dante Chávez sempre falava em um governo, partido ou progra- ilhazinha de Cuba ficou. Depois cer aquilo que é a cara princi-
socialismo do século XXI. Para ma político. Ao contrário, na Chi- se dizia que Cuba só sobrevivia pe- pal do sistema social brasileiro:
mim, pessoalmente, ele dizia “la na, entendem que o Partido foi o la lealdade do povo cubano ao Co- a desigualdade radical. Temos
democracia em la calle, gobierno en grande responsável pela melhoria mandante. O Comandante se foi que garantir pontos de largada
la calle”. Evo Morales recusa o ter- de suas vidas. e Cuba está lá. Com todas as difi- iguais para as pessoas.
no final de janeiro de 2005, em vi- O que seria o novo conceito? riam estar, segundo o Presidente: um movimento para impulsionar o
sita ao Fórum Social Mundial, em As definições subsequentes do que A) A moral (...) Devemos recuperar cooperativismo, o associativismo, a
Porto Alegre, o presidente da Ve- seria a vertente não deram muitas o sentido ético da vida. Lutar contra propriedade coletiva, o banco popu-
nezuela, Hugo Chávez acrescenta- pistas sobre o rumo a ser tomado. os demônios disseminadas pelo capi- lar e núcleos de desenvolvimento en-
ria uma novidade ao conceito de Chávez e seus apoiadores não fo- talismo, como o individualismo, o dógeno.
revolução bolivariana por ele alar- ram muito além de enunciados va- egoísmo, o ódio e os privilégios. (...) Outro exemplo de suas formu-
deado desde sua posse, seis anos gos, como “democracia”, “solida- O socialismo deve defender (...) a ge- lações foi dado no programa Alô
antes. Em discurso de uma hora riedade”, “justiça” e “vida digna”. nerosidade”. Presidente, de 7 de julho de 2007:
e meia, diante de 30 mil pessoas Em outubro daquele ano, em B) A democracia participativa e pro- O socialismo é eminentemente
no ginásio do Gigantinho, Chávez uma conversa com o jornalista tagônica, o poder popular. social, não é econômico. (...) Aqui
declarou: “Nosso projeto e nosso chileno Manuel Cabieses, diretor C) A igualdade conjugada com a li- deve haver uma relação de trabalho
caminho é o socialismo”. E especi- do semanário chileno Punto Fi- berdade (...) harmoniosa, não se trata de ex-
ficou: “Um socialismo com demo- nal, o dirigente venezuelano lan- D) Corporativismo e associativismo. plorar os trabalhadores por nada, a
cracia e uma democracia com par- çou mais algumas luzes sobre seu No econômico, uma mudança no sis- não ser para que vivam dignamente,
ticipação popular”. Socialismo do projeto. Entre os elementos bási- tema de funcionamento metabólico que não sejam escravos do trabalho.
século XXI, frisou o Presidente. cos para a nova orientação, deve- do capital. Na Venezuela se iniciou [Precisam] de um trabalho digno,
consciente de que estão produzindo
bens para construir a felicidade de
um povo. (...) Isto é parte do mode-
lo socialista que está nascendo. (...)
Ser socialista é ser honesto. O socia-
lismo não nega a propriedade priva-
da. Apenas a estabelece muito bem e
a impulsiona.
As indefinições do modelo de ra e em alguns serviços especializa- uma alternativa socialista. Mesmo Passado e futuro
socialismo pretendido por Hugo dos, como a medicina, o país não a retórica inflamada de Hugo Chá- Se há algo a se extrair da expe-
Chávez não são um problema ape- consegue alavancar novo surto de vez não resultou na definição clara riência russa é a sensibilidade da di-
nas dele, mas de praticamente toda desenvolvimento. Mesmo assim, o de uma tática de superação do ca- reção revolucionária em perceber o
a esquerda mundial. governo não abre mão de seu pro- pitalismo. momento oportuno e crescer na va-
jeto socialista. ga das lutas. O historiador estadu-
O real realmente A Coreia do Norte está diante Multidões e projetos nidense Stephen Kotkin, em seu
existente de uma pesada ofensiva imperial. Uma série de lutas arrastaram monumental Stálin – Paradoxos do
Há no mundo meia dúzia de O país jamais atacou seus vizinhos multidões em vários países, co- poder (Objetiva, 2017) relata que
Estados socialistas. São eles China, e suportou uma agressão devasta- mo reação à devastação ultralibe- de um pequeno agrupamento, com
Cuba, Coreia do Norte, Vietnã, La- dora dos Estados Unidos, no iní- ral desde o início da atual década. cerca de mil militantes comprome-
os e Transnístria. Não existem mais cio dos anos 1950. Não é nenhum Exemplos são a Primavera Árabe – tidos e uma liderança que “cabia em
como membros de um campo ou modelo de democracia e sua dinas- em especial no Egito, Tunísia, Iê- torno de uma mesa de conferên-
caudatários de um projeto global ar- tia comunista anima poucos setores mem e Barein –, o movimento dos cia”, o bolchevismo se tornou um
ticulado nas esferas política, econô- progressistas a lhe prestar solidarie- Indignados (Espanha), o Occuppy fenômeno de massas, com alegados
mica e social. Compreendem desde dade. No entanto, é preciso dizer: Wall Street (EUA), além de maci- 25 mil membros, logo após feverei-
uma potência mundial até países ir- o país eliminou a fome endêmica, ças mobilizações na Grécia, Espa- ro de 2017. Ou seja, o crescimento
relevantes internacionalmente. elevou o padrão de vida médio da nha, Islândia, Portugal, Inglaterra, se deu em cima das especialíssimas
A China não apenas resiste, co- população e sobrevive basicamente Chile e Brasil. Governos caíram na condições concretas do período, co-
mo cresce incessantemente há 50 com recursos internos. esteira dessas ações (Tunísia e Egi- mo assinalado no início deste texto.
anos. A partir da direção de Deng O Vietnã, que suportou trinta to). No Brasil, uma intensa dispu- As condições objetivas e a reci-
Xiaoping, entre 1978 e 1992, o pa- anos de agressões bárbaras por par- ta de rumos terminou com as ma- diva da crise iniciada em 2008-09
ís se abriu ao exterior, legalizou re- te da França e dos Estados Unidos, nifestações de 2013 – inicialmente impulsionam inquietação e revolta
lações capitalistas de produção e venceu as duas potências. À seme- progressistas – capturadas pela di- pelo mundo. Ao mesmo tempo, o
manteve o controle estatal sobre a lhança da China, abriu sua econo- reita. Na Grécia e na Espanha, as aprofundamento de crises não cor-
economia. De nação periférica na mia, após um dramático tempo de multidões impulsionaram orga- responde, mecanicamente, a forta-
cena global, antes de 1949, a Chi- fome e miséria nos anos 1980. Abri- nizações partidárias (Syriza e Po- lecimento da esquerda. Em situa-
na assumiu o proscênio do tabulei- ga um setor de tecnologia da infor- demos) e nos Estados Unidos e ções de desespero, o fascismo e o
ro mundial, com um dinamismo mação e indústrias sofisticadas, que Inglaterra pode-se detectar o cres- nazismo floresceram na Europa
que desmente as formulações priva- formam seu polo dinâmico e propi- cimento de lideranças à esquerda dos anos 1920-30.
tistas em voga internacionalmente. ciam um alargamento do mercado (Bernie Sanders e Jeremy Corbin) Não há fórmulas ou roteiros
Não pretende exportar sua Revo- interno. Não possui uma economia na sequência dos insatisfeitos que prévios para a retomada de uma
lução ou expandir áreas de influ- de escala, como o gigante asiático, foram às ruas. A esquerda france- meta socialista. Por isso, a conjun-
ência, mas agir pautada nas regras mas a pobreza tem se reduzido acele- sa retomou sua expressão públi- tura atual embute a complexidade
do mercado. Coração e cérebro dos radamente nos últimos anos. ca com a candidatura de Jean-Luc de se articularem frentes que en-
BRICs, o antigo império do meio se- O Laos tem apenas sete milhões Mélenchon. volvam um amplo espectro de ato-
lou uma aliança com a Rússia, sin- de habitantes e uma economia pre- São manifestações muito dis- res, do centro à esquerda, com ba-
tetizada na articulação do dinheiro dominantemente agrícola. Man- tintas, que enfrentam monopólios se em pautas desenvolvimentistas,
com as armas. Atuam em dupla no tém o regime de partido único e se- da mídia, leis eleitorais draconia- distributivistas e civilizatórias.
Conselho de Segurança da ONU, gue como um país de renda baixa, nas (Inglaterra, França e Chile), Não é tarefa fácil e nem as pautas
como se fossem um único país na em meio a enormes dificuldades. E ou correlações de forças muito comportam uma única alternativa.
maioria das votações. a Transnístria, com sua população adversas. A tarefa mais delicada está na busca
Cuba enfrenta bravamen- de meio milhão de pessoas, é um A maioria desses processos, ob- de unidade de ação das várias verten-
te à onda reacionária do governo território encravado na Moldávia, jetivamente, clama por um alarga- tes progressistas para a retomada do
Trump e a uma espécie de segun- Leste europeu, extremamente de- mento do espaço público e maior protagonismo na cena global.
do período especial. Com a crise pendente da economia russa. proteção social por parte do Estado.
venezuelana, o país perdeu impor- Embora a esquerda seja gover- O fato de várias delas não terem o * É professor de Relações Internacionais
tante parceiro para o financiamen- no em alguns países – Portugal, socialismo como meta não significa da Universidade Federal do ABC, his-
toriador e autor, entre outros, de A Ve-
to de sua economia e da diploma- Uruguai, Bolívia, Equador, Gré- a inviabilidade de um projeto mu- nezuela que se inventa – Poder, petróleo e
cia regional. Com uma economia cia e Venezuela, entre outros – dancista, mas a aspereza das condi- intriga nos tempos de Chávez (Fundação
centrada no turismo, na agricultu- nenhum deles constrói para valer ções de disputa existente. Perseu Abramo, 2004).
O que fazer?
Carlos Pinkusfeld Bastos* tempos, apenas “um capitalis-
Numa Mazat* mo”. Ainda que preserve caracte-
rísticas centrais, como a produção
bém observadas em economias Entretanto, essa “vitória con- visão crítica do sistema capitalis- por partidos conservadores, como
capitalistas avançadas neste perí- creta” foi ainda mais dramática ta passaram a ser eles mesmos os a virada Clintoniana no Partido
odo, explica a relativa estagnação porque de várias formas foi intro- aplicadores de fórmulas contrá- Democrata em meados dos anos
econômica até 1985. As reformas jetada pelos movimentos de es- rias aos, digamos assim, princípios 1990 ou o “new labour” de Tony
da Perestroika no final da década querda; tanto numa crítica radical fundantes de suas correntes políti- Blair. Essa conversão dos partidos
de 1980 vão, então, desorganizar e absoluta do regime soviético co- cas. Os exemplos são inúmeros: da que deveriam se opor às reformas
completamente o planejamento mo pela adoção de princípios de virada conservadora do Presiden- contrárias aos interesses dos traba-
centralizado soviético, levando ao gestão de política econômica rela- te Mitterrand em 1983, que se re- lhadores acabou reforçando uma
colapso do sistema em pouco mais tivamente ortodoxos, e, não me- laciona à montagem do arcabou- versão mais restrita do fim da his-
de cinco anos. nos, por uma adesão acrítica à or- ço conservador da União Europeia tória, o famoso acrônimo TINA
Assim, o fim da União Soviéti- dem democrática em seus aspectos por partidos sociais-democratas, (There is No Alternative), ou seja:
ca e do bloco socialista da Europa mais formais. passando pela reforma trabalhista as políticas neoliberais “pragmáti-
Central e Oriental teve um impac- Aqui se tem uma situação do posta em prática pelo Partido So- cas” de gestão econômica são fun-
to óbvio sobre o quadro político ponto de vista político particular- cial Democrata Alemão nos anos damentos universais e indiscutí-
pós-anos 1990. A inexistência de mente complexa: não apenas o re- 1990. Mesmo quando não “ini- veis, devendo os governos, mais
um regime alternativo efetivo en- ferencial concreto alternativo se ciando” as reformas trabalhistas, ou menos progressistas, apenas
fraqueceu os movimentos políti- desfez, como os partidos que de- partidos de tradição pró-trabalho tratarem de questões marginais a
cos críticos à ordem burguesa. veriam manter alguma forma de avançaram as agendas iniciadas um núcleo duro e inamovível de
políticas derivadas da ortodoxia
marginalista. Essas políticas im-
plicavam desregulação, redução
do Estado e equilíbrio fiscal. Sua
versão, em forma de decálogo para
os trópicos, ganhou o famoso ape-
lido de Consenso de Washington.
Ora, se todos os partidos di-
zem mais ou menos o mesmo, é
porque então tais políticas deve-
riam ser mesmo universais e ine-
vitáveis...
Em princípio não há problema
de se entronizar como verdade ab-
soluta, por interesses político-ide-
ológicos, uma interpretação de
uma escola de pensamento econô-
mico permeada de inconsistências
analíticas radicais. Vitória das clas-
ses dominantes. 7x1 da burguesia.
O problema, ainda no campo da
linguagem dos boleiros, é: combi-
naram com os adversários para ser
sempre assim? Não tem returno?
Combinaram com os trabalhado-
res, ou a “classe média” na nomen-
clatura norte-americana, se esta se
contentaria com, dependendo do
país: menores direitos sociais, re-
dução de serviços públicos, estag-
nação de rendimentos e maiores
taxas de desemprego? E talvez, o
mais grave do ponto de vista de
sentimento social mais amplo: a esperar de uma zona periférica do neira geral, partiram de uma não ta tem contra si, também, o fato
sensação que a sua geração, e as capitalismo. Aqui também a re- ruptura com as políticas macroe- de a classe trabalhadora ainda ter
futuras, de alguma forma aufe- ação neoliberal começa a se tor- conômicas anteriores, registraram os avanços sociais da Golden Age
rem (ou auferirão) menos bene- nar dominante nos anos 1980 e alguns erros graves de condução como um parâmetro de aspiração
fícios que a anterior, ainda que o se consolida nos anos 1990, ainda de política econômica e sofreram, política. Especificamente no caso
PIB mundial tenha crescido e que que tenhamos tido o trágico privi- em diferentes graus, com a dete- do Brasil, por exemplo, essa “me-
cada trabalhador seja mais pro- légio de termos a ditadura Pino- rioração das condições externas. mória” é ainda mais fresca; a ideia
dutivo! Ainda pior, a sensação de chet no Chile como o primeiro Apesar dos modestos avanços, tais de eliminar ou restringir os avan-
que este “sacrifício” não aponta experimento mais radical do neo- governos foram confrontados com ços, por modestos que tenham si-
para um horizonte de esperanças liberalismo a nível mundial. forte oposição dos establishments do, na primeira década do sécu-
e sim “mais do mesmo” no cam- Como em outras regiões, o ne- locais, sendo retirados do poder lo XXI provavelmente não se dará
po estrito econômico, acrescido oliberalismo também alcançou por distintos métodos, mais ou sem alguma resistência.
de tensões sociais pesadas, como a na América do Sul, muito rapi- menos democráticos, dependen- Essa clara tensão e impasse atu-
questão da imigração na Europa e damente, um histórico de frus- do do país. al dificilmente terão uma resposta
mesmo nos EUA. trações. Ainda que num primeiro A questão relevante, e que se adequada pela vertente conserva-
Frente a este sentimento, os momento este tenha sido capaz de conecta com o início deste arti- dora. Afinal, a política neoliberal
partidos da ordem neoliberal só gerar uma onda de estabilizações go, é que os grupos que ascende- já é regida por grupos econômi-
têm a oferecer ... mais sacrifí- em vários países, graças à volta do ram ao poder neste movimento de cos e sociais muito concentrados,
cios, incluindo aí os partidos au- crédito internacional, em parte re- “contrarreforma” nada têm a ofe- e o desastre do Governo Trump é
todenominados de esquerda, que, forçado pelas vendas de ativos do- recer de “novo”. Certamente, aus- uma boa mostra da completa in-
no núcleo de suas políticas, tam- mésticos (incluindo aí as privati- teridade fiscal, mercado de traba- consistência do populismo de di-
bém abraçaram o ideário neolibe- zações), os resultados em termos lho degradado e venda de ativos reita. A troca de nomes e pessoas
ral e passaram a encampar políti- de crescimento, emprego e inser- não operarão nenhum “milagre”. para aplicar a mesma receita não
cas identitárias, ecológicas, etc... ção externa foram medíocres. E este é o paradoxo da atual resolve nada.
Não que estas não sejam questões A reação a estes governos ocor- “perda de representatividade” po- É a esquerda que tem condições
relevantes e pertinentes, mas, ao reu em praticamente todo o con- lítica que já havia sido identificada de oferecer uma alternativa concre-
não contestarem os elementos que tinente, com graus distintos de pelo cientista social Karl Polanyi ta a um estado de mal-estar social
estão no cerne da insatisfação de radicalismo; desde a experiência como uma contradição inerente generalizado. Mas para isso preci-
parcelas expressivas da população, autodenominada de “socialismo ao sistema capitalista. Sua versão sa fazer uma profunda autocrítica,
acabam por não serem capazes de bolivariano” na Venezuela até o liberal, e agora neoliberal, é con- que inclui rever seu papel na pró-
representá-las politicamente. continuísmo, escassamente refor- centradora e mesmo seu ritmo de pria construção da presente ordem
Na verdade, um lamentável mista, da presidenta Bachelet no crescimento e adoção de tecnolo- neoliberal, e que passará obrigato-
efeito bumerangue pode, e, na Chile. Em posições intermediá- gias crescentemente capital-inten- riamente por uma revisão da ex-
verdade, já está ocorrendo. Se os rias, se situam Equador, Bolívia, sivas acabam por gerar menos em- periência socialista do século XX.
partidos que deveriam tratar tam- Argentina, Uruguai e Brasil. Cer- pregos e que, eventualmente, não Será necessário, também, uma rup-
bém de temas que afetam as con- tamente aqui não há espaço para acompanham o crescimento da tura completa com elementos da
dições de vida materiais de parce- precisar a natureza destas experi- força de trabalho. análise econômica marginalista, es-
las majoritárias da população não ências. Apenas deve-se reconhecer O movimento oposto deste pecialmente em relação ao papel do
o fazem, se concentrando em te- que todas, aproveitando-se de um pêndulo, a criação de um sistema Estado na economia.
mas menos abrangentes, eventuais ambiente internacional favorável, mais justo e visando o bem-estar É uma tarefa complexa e difí-
correntes que se apresentam como tiveram em comum algum nível da maioria da população, tendo cil, mas, infelizmente, os desafios
candidatas a tratar de alguma for- de avanço redistributivo, reforço como meta um nível baixo de de- sociais não esperam pela reflexão
ma de temas amplos podem, de das políticas de bem-estar social, semprego, ao pender a balança pa- em estado de suspensão, e respos-
forma oportunista, se contrapor a aceleração do crescimento, e re- ra o mundo do trabalho, acelera tas de natureza ainda mais reacio-
tais políticas progressistas, criando tomada do papel do Estado como as contestações ao sistema, seja na nária, ainda que fadadas ao fracas-
um caldo de cultura perigoso de agente importante dentro do pro- forma de conflitos populares/tra- so do ponto de vista material no
extrema direita. cesso de desenvolvimento econô- balhistas, seja na aceleração da in- médio prazo, podem acrescentar
E como fica a nossa Améri- mico e social. flação em razão de fortes deman- uma camada a mais de retrocesso
ca Latina frente a este quadro ge- Não é possível aqui, também, das salariais. e violência social.
ral? Não muito diferente do resto detalhar as limitações e fracassos O atual momento de movi-
do mundo, aliás, como seria de se destas experiências que, de ma- mento do pêndulo para a direi- * São professores adjuntos do IE/UFRJ.
Zona Sul e na Grande Tijuca – dei- Até R$ 10.000 108.190 108.186 R$ 148,00 R$ 172,00 16%
xará de ser isenta do IPTU, além de De R$ 10.000 até R$ 20.000 189.821 189.773 R$ 160,00 R$ 189,00 18%
perder o benefício de UAP. De R$ 20.000 até R$ 30.000 136.014 133.621 R$ 164,00 R$ 227,00 38%
Em relação ao fim das UAPs, De R$ 30.000 até R$ 40.000 67.791 39.218 R$ 166,00 R$ 361,00 117%
observa-se que esta medida não le- De R$ 40.000 até R$ 50.000 28.088 1.501 R$ 179,00 R$ 564,00 215%
va somente ao aumento do valor De R$ 50.000 até R$ 64.000 11.251 316 R$ 191,00 R$ 732,00 283%
arrecadado por imóvel, mas tam- TOTAL 541.155 472.615 R$ 173,00 R$ 439,00 154%
bém gera um aumento exponen- Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
(*) O valor médio das guias considera somente as inscrições com lançamento em 2018.
cial do número de contribuintes. A
partir da atualização da PGV, mui-
tos apartamentos com menos de
100 m² e com valor venal até R$ Mapa 1 - Novos contribuintes com lançamento de IPTU
64.000,00 perderão o benefício de
isenção, assim entrando no grupo
de novos contribuintes.
O bairro de Copacabana é o
maior destaque, devido à grande
quantidade de pequenos aparta-
mentos que possuíam valores ve-
nais muito defasados em relação
ao preço de mercado. Os outros
bairros que se destacam no mapa
1 também obtiveram valorização
imobiliária ao longo do tempo,
mas nunca receberam ajustes com-
patíveis com seus valores de mer-
cado e, assim, custearão boa parte
da nova arrecadação do município.
Fonte: Estudo realizado pela Secretaria Municipal de Fazenda para a CMRJ.
Ressalta-se que muitos destes no-
vos contribuintes já recebiam guia,
visto que suas TCLs eram maiores Considerações finais Afinal, a alíquota utilizada em seu econômica, principal responsável
do que R$ 96,00, o que explica a O IPTU, por ser um imposto cálculo continua apenas dividida pela queda na arrecadação, tenta-
diferença perante o quadro 1. direto, incidente sobre o patrimô- entre inscrições residenciais, não -se “cobrir” à custa de cidadãos das
Vale ressaltar que tais dados po- nio do contribuinte, deveria co- residenciais e territoriais, não dife- classes menos favorecidas.
dem ainda apresentar mudanças de brar alíquotas proporcionais aos renciando a capacidade contribu- Ao tirarmos tais conclusões so-
acordo com as emendas propostas níveis de acumulação de riqueza. tiva entre as classes sociais. Pior: o bre os impactos quantitativos nos
pelo Legislativo, como, por exem- Assim, concordamos que a atuali- maior impacto na busca por mais bolsos dos cidadãos cariocas, é
plo, de isenção de IPTU para imó- zação da PGV era necessária e que recursos financeiros será sofrido possível estimar que o projeto não
veis residenciais até R$ 55.000,00, o fim das UAPs retirou a isenção pelas famílias detentoras dos imó- caminha em direção a uma cida-
uma vez que ao fecharmos a edi- de muitos proprietários em bairros veis menos valiosos, enquanto os de mais igualitária. Pelo contrário,
ção desta coluna ainda não havia nobres. No entanto, percebemos imóveis mais valiosos obtém uma parece aprofundar os problemas
sido concluído o processo de vo- que a alteração proposta não reti- pequena variação no valor de seus sociais já existentes, sem rupturas
tação das emendas parlamentares. ra o caráter regressivo do IPTU. tributos. A rigor, a conta da crise na atual desigualdade social.
FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (21 2103-0121). Para mais informações acesse: www.facebook.com/FPO.Corecon.Rj
Coordenação: Luiz Mario Behnken e Bruno Lopes. Assistentes: Est. Bruno Lins, Est. Hellen Machado e Est. Thamyris Meirellis.
Esta edição contou com a colaboração do Prof. Steven Dutt-Ross (UNIRIO) na elaboração dos mapas em linguagem de programação “R”.