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Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
“Construção” é uma música composta por Chico Buarque de Hollanda em 1971. A música fala
sobre a exploração dos trabalhadores em um canteiro de obras e foi escrita durante o regime militar
no Brasil, quando a censura era forte e qualquer tipo de crítica ao governo era proibida. A letra da
música é poética e utiliza metáforas para falar sobre a opressão e a repressão da ditadura militar. A
música tornou-se um símbolo da resistência e da luta pela democracia no Brasil e foi muito popular
durante a década de 1970. Ela ainda é uma das músicas mais conhecidas e apreciadas de Chico
Buarque e é considerada um marco na história da música popular brasileira.
As músicas carregam uma constelação de sentidos os quais podem ser explorados de diversas
formas, inclusive, atrelando a letra de uma música a um determinado contexto social aparentemente
sem conexão. Enxergar essas conexõesé ver a realidade de outra maneira por meio da sociologia.
Nessa canção é possível compreender melhor o conceito de consciência de classe de Karl Marx.
Par Marx, as sociedades são formadas pela dialética das condições materiais e antagonismo de
classes. Os indivíduos são agrupados em classes sociais de acordo com seu papel no processo
produtivo. No capitalismo, o conjunto de indivíduos que detém o controle dos meios de produção
faz parte da burguesia, enquanto os indivíduos que possuem apenas a força de trabalho pertence ao
proletariado.
A Luta de classe diz respeito aos meios que cada um utiliza para fazer valer seus interesses de
classe. Para fazer valer tais interesses é necessário fundamentalmente ter consciência de classe que
faz parte. Consciência de classe diz respeito a percepção sobre o seu papel no processo produtivo e
a consciência do seu poder de articulação coletiva. Contrário a isso, temos o conceito de falsa
consciência de classe e ieologia que é a distorção dessa percepção.
Música construção: A canção
A música “Construção – de Chico Buarque” foi composta no começo da década de 1970. Na época
o cantor retornava para o Brasil depois de um longo período de exílio na Itália. A análise que esboço
é que a “construção” diz respeito às mudanças das relações de trabalho no Brasil instaurado pelo
Regime Militar. A canção é dividida em três partes. Cada uma das três partes da música diz respeito
a uma rotina de um segmento da classe operária: 1- O trabalhador sem consciência de classe e que é
extremamente explorado, 2- O trabalhador com consciência de classe, 3- A alta classe média e
pequena burguesia.
A primeira parte refere-se à rotina do trabalhador sem consciência de classe e que ainda
assim sofre com a precarização do trabalho característica do “milagre brasileiro”. No
período da década de 1970 houve um considerável crescimento econômico às custas da
ampliação da exploração da classe trabalhadora.
De acordo com a narrativa deste trecho da canção, o trabalhador não se enxerga como
pertencente a uma classe social que tem uma trajetória histórica. Enxerga tão somente o
presente, o “carpe diem”. “Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua
mulher como se fosse a última”. O distanciamento da consciência de classe a faz pensar
apenas de forma individual e privada, pensar não como classe, mas como individuo e
família, pensar nos seus filhos “E cada filho seu como se fosse o único”.Sua trajetória
não faz ter certeza de que rumo está seguindo no curso da história (E atravessou a rua
com seu passo tímido).
O trecho “Subiu na construção como se fosse máquina” diz respeito ao trabalho manual
e material (“Quatro paredes sólidas”) exercido por este segmento da classe operária,
apesar da situação de exploração tal trabalhador apenas lamenta e não transforma seu
lamento (lágrima) em contestação. Seguindo a narrativa, a estrofe seguinte mostra como
o seu salário mal satisfaz suas necessidades de existência (comida, descanso, lazer).
O fato deste trabalhador ter mais esclarecimento a utopia idealizada para o país não é
preliminarmente um projeto material e sim uma idealização. Essa é a razão pela qual a
segunda estrofe faz alusão a um projeto imaginário de país cujo seu olhar está sempre
atento ao “tráfego”, munido de um “desenho lógico”, um projeto de país a partir do
sonho de ter o proletariado como real titular do poder. Na referência “olhos embotados
de cimento e tráfego” faz alusão à materialidade das coisas (cimento) e à análise
dialética da conjuntura política (tráfego).
Já na terceira parte da música construção faz alusão a uma classe média improdutiva que
não produz a realidade material e que apenas ajuda a reproduzir ideologicamente os
privilégios da burguesia. Este trecho “Ergueu no patamar quatro paredes flácidas” pode
ser associado a ideologia. Como nem participa do processo de produção da construção,
apenas na reprodução, sua vida ou sua morte não faz diferença: “Morreu na contramão
atrapalhando o sábado”.
A classe média tem uma grande ojeriza e medo de ter uma condição material parecida
com a dos demais operários, por isso é muito grata (“Deus lhe pague”) à ação do Estado
que lhe poupa de parte das atrocidades proferidas aos outros trabalhadores 1-“Pelos
andaimes pingentes que a gente tem que cair” (trabalhadores braçais vítimas de acidente
de trabalho), 2-“Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir” (trabalhadores
contestadores)
Referências