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2023.2 | nov.2023
O LUGAR DA UNIVERSIDADE
PÚBLICA NA POLÍTICA URBANA
Expropriação, privatização e refuncionalização
do espaço público brasileiro
1. INTRODUÇÃO À TESE, 3
2.1. Seminário I, 6
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 35
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1. INTRODUÇÃO À TESE
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impondo como forma hegemônica de dominação do capital sobre os territórios
do planeta desde meados dos anos 1970. Essa doutrina tem como uma de suas
marcas a reatualização de dispositivos de despossessão das populações
mundiais subalternizadas em associação com a dinâmica da financeirização,
produzindo constantes e aceleradas transformações sobre os territórios, em
especial sobre as cidades, na forma do que pode ser definido como “ajustes
espaciais” com vistas a garantir as condições para a continuidade da
acumulação de capital nestes moldes, orientando a produção do espaço urbano
nesta direção (Harvey, 2004).
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Em meio a esta grave crise do financiamento público da educação
superior provocada pela mudança na destinação dos recursos do fundo público,
e sob as ofensivas ideológicas da guerra cultural contra estas universidades,
surgiram no debate público nos anos recentes propostas de “soluções
alternativas” que modificam estruturalmente o papel do Estado no financiamento
da educação superior e redefinem a função social das IES públicas.
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2. RESUMO DOS SEMINÁRIOS
2.1. Seminário I
2.2. Seminário II
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seminário foi dividido em duas partes. Na primeira, apresentei os objetivos, a
metodologia e os resultados preliminares da revisão bibliográfica que venho
elaborando. Na segunda, apresento um esboço inicial da discussão sobre a crise
no financiamento público da educação e sua relação com as disputas de classe
pelo fundo público, a partir do campo crítico de autores delineado por meio desta
mesma revisão de literatura.
2.4. Seminário IV
Por esta razão, optei por não dar continuidade à revisão de literatura
que foi iniciada no seminário anterior, interrompendo temporariamente aquela
frente da pesquisa. Neste quarto e último seminário, apresento um esboço da
discussão mais aprofundada a respeito das categorias de tipo e modelo e discuto
a sua aplicabilidade para tratar do espaço universitário brasileiro e suas
particularidades fundiárias, morfológicas e urbanísticas. O objetivo específico
deste debate dentro da tese é investigar em que medida algumas características
da tipologia urbana e do modelo urbano (categorias sob análise) de campus
universitário podem favorecer ou estar relacionadas de algum modo com os
fenômenos recentes de privatização do espaço da universidade pública.
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3. O ESPAÇO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
3.1. O campus universitário como uma tipologia urbana?
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analisarmos a situação atual de alguns dos maiores campi, verificamos que
várias dessas glebas originalmente periféricas estão hoje parcial ou inteiramente
englobadas pelo crescimento das cidades (Imagem 1).
Imagem 1: Situação de alguns dos campi universitários brasileiros com relação à mancha urbana: grandes
glebas periféricas, hoje parcial ou totalmente envolvidas pelo tecido urbano. Fonte: Elaborado pelo autor
com imagens do Google Earth e dados da SPU e dos sites das IFES.
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conhecimento (saúde e biológicas, exatas e tecnológicas, humanas e sociais,
artes, etc.). São ainda espaços pouco ou nada integrados ao entorno urbano
imediato, com os quais essas áreas costumam estar ligadas apenas através de
portarias e vias de acesso, sempre por meio rodoviário. São poucos os
equipamentos ou estruturas públicas urbanas que compartilham destas mesmas
características.
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estado do Rio de Janeiro. Já a Universidade Estadual Paulista (Unesp), embora
sediada na capital São Paulo, tem campi em outros 23 municípios do interior.
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consideradas canônicas para, em seguida, enfocar a dimensão da tipologia
como uma ferramenta analítica para o estudo urbano, diferenciar as noções de
tipo e modelo e, finalmente, analisar a aplicabilidade destes conceitos para o
estudo dos campi universitários. Para isso, adoto como referencial a leitura sobre
tipologias proposta por Phillipe Panerai em Análise Urbana (2006).
Panerai (2006) aponta que, embora originalmente o termo tipo tenha sido
empregado para designar a reprodução por meio do caractere tipográfico (túpos,
do grego, remete à impressão feita pela batida do caractere), a palavra acumulou
novas acepções com o desenvolvimento das ciências no contexto do Iluminsmo
e da Revolução Industrial, muito associada a ideia de classificação e
agrupamento de objetos ou seres vivos com características comuns entre si, isto
é, à uma taxonomia. O tipo passa a ser uma redução das características do
objeto analisado a um mínimo que permita ao observador compará-la e
classifica-la em meio a um vasto universo de objetos e explicar as características
que lhe distinguem com alguma economia.
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e determinado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo.
(Quatremère de Quincy, 1932, p. 629, tradução do autor2).
Tourinho (2006) aponta que Quincy tem uma visão metafísica do tipo
como uma espécie de princípio fundamental do objeto arquitetônico associado à
uma suposta racionalidade da natureza. Portanto, essa visão estaria diretamente
ligada ao que Vidler (2006) chamou de “primeira tipologia”, simbolizada na
cabana primitiva de Laugier e na ideia de que “as formas primárias da geometria
preferidas para a combinação dos elementos tipológicos expressavam a forma
profunda da natureza subjacente à sua aparência exterior” (Vidler, 2006, p. 286).
2 Do original: “Le mot type présente moins l'image d'une chose à copier ou à imiter
complètement, que l'idée d'un élément qui doit lui-même servir de règle au modèle. (...) Le
modèle, entendu dans l'exécution pratique de l'art, est um objet qu'on doit répéter tel qu'il est; le
type est, au contraire, un objet d'après lequel chacun peut concevoir des ouvrages qui ne se
ressembleroieut pas entre eux. Tout est précis et donné dans le modèle; tout est plus ou moins
vague dans le type.”
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estudar com fruição, sobretudo se classificássemos os edifícios e os
monumentos por gênero, se os agrupássemos segundo seus graus de
analogia, se os submetêssemos à mesma escala, e foi o que fizemos.
(Durand, 1802, p. 100, tradução do autor3)
O procedimento comparativo e analítico de Durand fica evidente nas
pranchas de seu Précis de Leçons d’Architecture, de 1802. A compilação das
diferentes possibilidades compositivas dos edifícios, apresentados de acordo
com a sua função, e nas suas variações decorrentes da disposição dos seus
elementos: variações no modelo seguindo o mesmo “tipo operativo”. Para
Panerai (2006), “tal maneira de conceber a tipologia tenta penetrar na lógica do
projeto e explicitar, a posteriori, os mecanismos da concepção”. Portanto, para
além da dimensão operativa fundamental, o que fica evidente no estudo
tipológico de Durand é também o uso da tipologia como ferramenta analítica. E
esse aspecto é o que me parece essencial e merece ser aprofundado.
3Do original: “Nous avons pensé que, si détachant des trois cent volumes dont nous venons de
parler les seuls objets qui sont essentiels à connaitre, nous les rassemblions dans un seul
volume d'un prix tout au plus égal à celui d'un ouvrage ordinaire d'Architecture, ce serait ofïrir
aux Artisfes en général, et aux élèves de l'Ecole polytechnique en particulier, um tableau
complet et peu coûteux de l'Architecture, un tableau qu'ils pourraient parcourir en peu de temps,
examiner sans peine, étudier avec fruit , sur-tout si l'on classait les édifices et les monumens
par genres; si on les rapprochait selon leur degré d'analogie; si on les assujétissait de plus à
une même échelle, et c'est ce que nous avons entrepris de faire.”
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circulações verticais. Estes diagramas já são, eles mesmos, abstrações das
plantas dos edifícios. Da análise desses onze diagramas, Wittkower produz um
décimo segundo que não corresponde, ele mesmo, a nenhuma das villas de
Palladio, mas que representa um padrão geométrico de composição que é
comum a todas elas (Imagem 2). É uma abstração das abstrações anteriores,
uma redução dos objetos a uma espécie de mínimo denominador comum. É,
essencialmente, um tipo.
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da produção em massa remetia aos princípios de uma nova “natureza”
descoberta: a natureza da máquina. De classificação, passamos à
universalização: um tipo único, reprodutível em série e em larga escala. Le
Corbusier é quem melhor sintetiza essa ideia:
Vale dizer que é precisamente este paradigma do tipo universal que vai
conceber originalmente a espacialidade da universidade brasileira. Como
veremos adiante, na sua origem, a cidade universitária é o novo tipo-modelo
proposto pelos arquitetos modernos para uma sociedade que, nas décadas de
20 e 30, começava a pensar as suas primeiras instituições universitárias.
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a análise da morfologia da cidade e do tecido urbano do que para o objeto
arquitetônico isolado. O edifício passa a ser um dos elementos da análise, que
abarca um conjunto mais amplo de variáveis determinantes da forma urbana.
Para Panerai (2006), o que se dá é uma ruptura com a escala tipológica original
em que a unidade de análise e intervenção passa do lote e da casa para o
quarteirão e o loteamento. Esses estudos sobre tipologia e morfologia urbana
terão grande relevância entre arquitetos italianos, como Saverio Muratori, Carlo
Aymonino e Aldo Rossi, por exemplo.
Vidler (2006) enxerga esse momento como uma ruptura com as duas
tipologias tradicionais. Se os paradigmas anteriores buscavam uma legitimação
da arquitetura por uma ordem natural situada fora da própria arquitetura – seja a
da natureza em si, seja a da máquina – nessa “terceira tipologia” a cidade e sua
própria estrutura física é a fonte fundamental: “a cidade é em si e por si uma
nova tipologia” (Vidler, 2006, p. 286).
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na dimensão da análise tipológica como ferramenta para análise urbana e estudo
dos fenômenos urbanos. Para ele:
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no contexto da reforma e expansão do sistema universitário conduzida pela
ditadura militar.
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Esta ocasião foi a segunda e última visita do arquiteto franco-suíço ao
Brasil. A primeira, em 1929, teve poucas consequências além dos célebres
croquis da cidade e da proposta do utópico edifício-viaduto. Contudo, esta
segunda ocasião, embora também bastante breve, foi decisiva para marcar o
impacto que Le Corbusier teve e tem no pensamento moderno brasileira (Mello
Junior, 1988).
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corbusiana (Imagem 4), inclusive reproduzindo no conjunto diferentes projetos
não construídos de Le Corbusier, numa espécie de colagem de “modelos”.
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grupo responsável pelo projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde e
compartilhava das mesmas ideias de Costa e Corbusier.
Imagem 5: O plano de Lúcio Costa para a Cidade Universitária da Universidade do Brasil na região da
Quinta da Boa Vista (1936). Fonte: Segawa (2008)
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Imagem 6: Primeiro plano do Escritório Técnico da Universidade do Brasil
para a Cidade Universitária na Ilha do Fundão (1949). Fonte: Segawa (2008).
Essa lógica purista encontrou na ideia ilha artificial a tabula rasa ideal
para desenvolver livremente os preceitos do urbanismo moderno. Uma grande
extensão de terra delimitada e plana criada “do zero” por volumosos aterros,
conectada à cidade por pontes apenas em pontos específicos e controlados. Em
seu interior, nada para se preocupar além do mais puro exercício da função (e
da forma), que poderia ser levada assim ao seu rendimento máximo, tal como
uma máquina, sem perdas de energia desnecessárias com a profusão de
estímulos e conflitos que a cidade tradicional impõe.
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Em resumo, o modelo urbano proposto para o espaço da universidade
brasileira pelos arquitetos modernos foi o da cidade universitária, pensada como
uma espécie de cidade autônoma e funcional. Não obstante, esse modelo não
se concretizou na prática do modo estrito tal como foi concebido. Nem mesmo
na Cidade Universitária da UFRJ, um de seus empreendimentos grandiosos,
isso ocorreu plenamente.
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3.4. O segundo modelo: o campus integrado
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“universidade integral” a que corresponderia também uma nova espacialidade: o
“campus integrado” (Atcon, 1970).
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urbano tradicional e pela baixíssima densidade construtiva, no campus de Atcon
isso era garantido pelo “anel protetor”. Este anel consistia em uma barreira
fundiária não edificada interposta entre o campus e cidade que poderia servir
tanto como “adorno”, embelezamento do campus, ou como potencial para
“inversão” futura, isto é, como estoque de terra mercantilizável. Para Atcon, este
anel tinha a função de “resguardar o campus de indesejáveis vizinhanças e
controlar o seu ambiente acadêmico-científico” (Atcon, 1970, p. 36).
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Imagem 7: Zoneamento do campus integrado proposto por Atcon: Biomédico (BM);
Esportivo (ES), Agropecuário (AP), Cibernético (CI), Artístico (AR), Tecnológico (TC) e
Básico (BA) envoltos pelo Anel Protetor. Fonte: Atcon (1970).
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Imagem 9: A Célula Modular Universitária do projeto do Campus da UFE (1968-1969). Fonte: Inhan;
Miranda; Alberto, 2016
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ideal e pronto para ser reproduzido com o mínimo de ajustes necessários a cada
caso concreto. Não obstante, algumas das concepções e fundamentos
propostos por Atcon foram definitivamente incorporadas e adotadas como
premissas para o planejamento de campus universitário no Brasil a partir da
década de 1970.
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• Aspecto do tecido urbano (contínuo, descontínuo ou ausente)
• Posição do campus em relação à mancha urbana (envolvido,
limítrofe ou isolado)
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B. Razões
(...)
3. Inversão:
É a melhor inversão para o futuro.
a. O mero fato da universidade existir e crescer faz com que a área
inteira se valorize; vantagem esta que deve ser posta a serviço
também da própria universidade e não só dos vizinhos.
b. Se a universidade, no futuro, chega à conclusão de que não precisa
de tôda a terra disponível, seu valor substancial sempre pode ser
transformado em inversões lucrativas:
(1) seja por venda de terrenos como meio de financiamento de
construções ou atividades acadêmico-científicas/ ou
(2) seja pela construção de fontes de renda sobre sua própria terra.
(Atcon, 1970, p. 25)
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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