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Esta copia esta registrada em nome de Luciana Lourenço Rios com CPF: 013.122.411-52 e telefone (62)8220-5411.

Todos os direitos autorais desse material sao do IJEP e de seus autores, nao podendo ser citada, mesmo que
parcialmente, sem as devidas referencias, copiada, reproduzida, emprestada ou cedida em nenhuma hipotese sob
pena de medidas judiciais.

THAÍS ROSENBERG

PSICOLOGIA JUNGUIANA NA CONTEMPORANEIDADE

A UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA EMDR COMO FERRAMENTA NO


ATENDIMENTO EM CASOS DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO NA
ANÁLISE JUNGUIANA.

ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JUNGUIANA

São Paulo

2020
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THAÍS ROSENBERG

PSICOLOGIA JUNGUIANA NA CONTEMPORANEIDADE

A UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA EMDR COMO FERRAMENTA NO


ATENDIMENTO EM CASOS DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO NA
ANÁLISE JUNGUIANA.

Monografia apresentada ao IJEP como


requisito parcial para obtenção do título de
especialista em Psicologia Junguiana.

São Paulo

2020
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Àqueles que por generosidade e amor ao


trabalho entre almas humanas,
compartilham seus saberes, experiências
e transformam a minha vivência na clínica.
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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus mestres – professoras e professores, analistas, supervisoras,


colegas e pacientes – por compartilhar comigo a experiência única e transformadora
do aprender, do sentir e de se emocionar a cada troca. Dentre tantas pessoas queridas
e importantes, gostaria de prestar especial homenagem ao meu querido professor Sri
Prem Baba, no caminho do meu coração, pela experiência na fé, no serviço, na
disciplina, na prosperidade e no amor. Agradeço à Profª. Dra. Claudia Sodré e ao Prof.
Dr. Othon Vieira Neto (in memoriam) por me apresentar o trabalho na Psicologia das
Emergências de forma inspiradora e generosa, por toda a confiança e incentivo, desde
o início, nessa profissão tão especial. À Claudia Sanchez, minha analista, por me
acompanhar incansável e amorosamente em mergulhos profundos e
transformadores, com sua força e afeto admiráveis. À minha supervisora Profª. Dra.
Maria Cristina Guarnieri pela forma ímpar e inestimável de compartilhar conhecimento,
de conduzir a experiência da supervisão, revelando e fortalecendo o meu encontro
com a minha própria atuação profissional, em eterno aperfeiçoamento. À Profª. Dra.
Lilian Wurzba, pela orientação e indicações de leitura, desde a apresentação do
projeto de pesquisa, para a realização desta monografia. À todos e todas, agradeço a
possibilidade de transformar a minha experiência na prática clínica, a cada dia, mais
viva, humana e verdadeira.
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Agradeço ao meu marido, meu companheiro e parceiro, pela paciência, carinho e


cuidado de sempre. Sem seu apoio, essa minha jornada-vida seria extremamente
desafiadora, e seguramente menos leve e amorosa.
Agradeço à minha família – mãe, pai, irmão e avós – por tudo que recebi e recebo,
exatamente como foi e é. Pela liberdade de ser quem sou, pela confiança, incentivo
e por sempre me amarem e respeitarem, mesmo com todos os meus defeitos.
Finalmente, agradeço também à todos os meus amigos e amigas, que tão
generosamente me lembram que a vida é muito especial e que somos todos
merecedores de tudo que é lindo, feliz e próspero - que não estamos sozinhos e
somos fortes.
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RESUMO

O interesse pessoal e a crescente demanda recebida em consultório para


atendimentos de emergência e com pacientes que apresentam sintomas de estresse
pós-traumático, paralelamente a formação em Psicoterapia Junguiana, despertou o
desejo de aprofundamento no tema em associação a esta abordagem. Em
decorrência da experiência clínica na Psicologia das Emergências, junto a uma equipe
de psicólogos que atua sob abordagem psicanalítica com a utilização da técnica de
dessensibilização e reprocessamento através dos movimentos oculares – EMDR –
(sigla em inglês para Eye Movement Desensitization and Reprocessing) surgiu o
interesse em relação a possível aplicabilidade, como mais uma ferramenta, na clínica
junguiana. Este trabalho objetiva refletir sobre a possibilidade de utilização da técnica
EMDR como ferramenta no atendimento em casos de estresse pós-traumático na
Análise Junguiana. É necessário questionar: Ha coerência desta alternativa? Como
se daria essa aproximação teórica e o que se faz necessário considerar e estudar?
Para a realização deste trabalho foi realizado um estudo de caráter exploratório
qualitativo, baseado em fontes bibliográficas e em trabalhos publicados em sites de
conteúdo acadêmico e científico. A hipótese central é de que é possível e coerente a
utilização da técnica EMDR como mais uma ferramenta de atuação, na Análise
Junguiana, em casos de estresse pós-traumático. A conclusão é de que mesmo
encontrando alguns pontos de convergência e coerência, que possibilitariam uma
aproximação, o fato de localizar apenas um único artigo com esse objetivo, indica que
ainda há muito a se analisar e pesquisar para poder afirmar com segurança que a
utilização dessa técnica seja segura e que se encaixe na abordagem junguiana.
Seguramente, tal possibilidade nunca substituirá o caráter individualizado da análise
– em que nenhuma técnica ou protocolo servirá a todo e qualquer sujeito,
indiscriminadamente, mesmo com um protocolo definido com embasamento e com
resultados comprovados, sem considerar-se a qualidade da relação com o analista e
a estrutura psíquica, a demanda, o momento e a disponibilidade do paciente.

Palavras-chave: EMDR, Trauma psíquico, TEPT, Psicologia Junguiana, Psicologia


Analítica.
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pena de medidas judiciais.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................8

CAPÍTULO 1 - Conceitos Básicos da Psicologia Analítica....................................12

1.1 A psique e a função transcendente.............................................................12


1.2 Energia psíquica e o símbolo......................................................................16
1.3 A teoria geral dos complexos e os fenômenos psíquicos e fisiológicos.......17

CAPÍTULO 2 - Trauma Psíquico, TEPT e EMDR.....................................................21


2.1 O Trauma Psíquico e o TEPT.....................................................................21
2.2 A Técnica EMDR........................................................................................25

CAPÍTULO 3 - O possível diálogo da Psicologia Analítica e a Técnica EMDR....29

3.1 A prática da utilização da técnica EMDR na abordagem Junguiana..........29


3.2 Limitações, pontos de atenção e cuidados.................................................32

CONCLUSÃO............................................................................................................36

REFERÊNCIAS..........................................................................................................39
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INTRODUÇÃO

O interesse pessoal e a crescente demanda recebida em consultório para


atendimentos de emergência com pacientes que apresentam quadros de sofrimento
profundo, como luto complicado e traumático, depressão, ansiedade generalizada e,
especialmente com sintomas de estresse pós-traumático, paralelamente a formação
em Psicoterapia Junguiana, despertou o desejo de aprofundamento no tema em
associação a esta abordagem. Por conta da experiência clínica na Psicologia das
Emergências junto a uma equipe de psicólogos que atua sob abordagem psicanalítica
e também com a utilização da técnica de Dessensibilização e Reprocessamento
através dos Movimentos Oculares – EMDR – (sigla em inglês para Eye Movement
Desensitization and Reprocessing) surgiu o interesse em relação a possível
aplicabilidade, como mais uma ferramenta, na clínica junguiana.
Desde o treinamento recebido como parte integrante da equipe de psicólogos
do grupo, até os atendimentos nas mais diferentes situações de emergência (com
atendimentos em consultório mas também e frequentemente nos próprios locais onde
se deram os eventos críticos ou desastres) experienciando a possibilidade de acolher
indivíduos de diversas idades e em situação de sofrimento psíquico de nível
considerável a extremo, é possível perceber com facilidade que situações traumáticas
muitas vezes “sequestram” as capacidades dos indivíduos de lidar com os desafios e
com a dor. Em situações assim, se tem a impressão de que, nos indivíduos
acometidos pelo trauma, ocorre uma perda de sentido – desde as próprias sensações,
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raciocínio lógico e estrutura psicoemocional, da noção de tempo-espaço (paralização


da consciência temporal) até da organização corporal.
O atendimento de emergência mostra que as situações desestabilizadoras ou
crises podem desencadear intenso sofrimento emocional, conflitos interpessoais,
além de manifestações de sintomas psíquicos e somáticos, comprometendo as
respostas criativas que esse tipo de situação exige. O desafio primeiro é a superação
da impotência e do desamparo. O trabalho do psicólogo, nessas equipes e grupos de
atendimento para pessoas em situação de emergência, é então focal. Utilizando
técnicas e métodos específicos busca diagnosticar, prevenir o agravamento e tratar
da redução das sequelas biopsicossociais em situações ou eventos disruptivos em
que a segurança, a integridade física e emocional ou a vida foram colocadas em risco.
De modo geral essa experiência possibilitou a compreensão de alguns princípios
básicos e norteadores para essa atuação. A presença e o resgate da subjetividade, a
possibilidade de reconhecer, expressar e manifestar o afeto ou dor psíquica, a
significação da experiência vivida, a elaboração de um projeto de futuro, a elucidação
de culpas onipotentes e o reforço para respostas de adaptação eficazes. Em um
cenário ideal essa atuação aconteceria logo após o evento traumático, assim que
possível. Isso é aconselhável pois aumentaria as chances de prevenir sofrimentos
mais graves, um melhor enfrentamento futuro e uma melhor avaliação ou triagem de
indivíduos que apresentem reações ditas patológicas com o encaminhamento para
continuação do atendimento.
Em muitos casos essa atuação imediata não é possível, e nos deparamos em
consultório com pacientes que se encontram em fase de exaustão. Nesse caso o
atendimento perde o caráter de urgência ou emergência, mas é possível identificar
com maior clareza os sintomas de estresse pós-traumático. A forma de atuação se
altera, porém, pode-se perceber a influência de grande comprometimento e sofrimento
psíquico e emocional mesmo depois de meses ou anos do evento traumático. Por
vezes, o trabalho analítico pode demandar um tempo muito maior e para alguns
pacientes, isso pode ser extremamente difícil. Refletir sobre esses aspectos contribui
para acreditar na necessidade de ampliar os estudos em relação a novas ferramentas
ou técnicas a serem utilizadas na clínica, a fim de possibilitar a retomada urgente da
condição psíquica e emocional, o que não invalidaria nem impossibilitaria a
continuidade da análise.
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A observação de sintomas coletivos e a situação política, social e ambiental no


Brasil nos apresenta um cenário fértil para o agravamento de situações estressoras e
com potencial traumático. A atenção da Psicologia às novas técnicas e formas de
atuação que se têm demonstrado eficazes, possibilita uma oportunidade de ampliação
do leque de ferramentas à disposição do analista frente às demandas dos pacientes.
Além disso, entendendo que em alguns casos o acompanhamento terapêutico, por
um longo período de tempo, não seja possível ou que em muitos casos seja urgente
realizar acolhimento e auxiliar na retomada das capacidades de enfrentamento
individuais, a atuação do terapeuta poderá abranger um maior número de pessoas,
inclusive facilitando atendimentos de cunho social a um maior número de pessoas em
situações de crise.
Como um recorte necessário para contribuir com alguns passos em direção a
essa ideia, este trabalho objetiva refletir sobre a possibilidade de utilização da técnica
EMDR como ferramenta no atendimento em casos de estresse pós-traumático na
Análise Junguiana.
Para tanto, faz-se necessário cuidadosa pesquisa e profundo estudo para
avaliação da possibilidade de alinhamento e aproximação desta ferramenta com a
Psicologia Junguiana, sem comprometer ou corromper os fundamentos desta
abordagem, de forma ética e cuidadosa. É necessário questionar a coerência desta
alternativa, como se daria essa aproximação teórica e o que se faz necessário
considerar e estudar, valendo-se sempre da importância da avaliação responsável da
demanda específica de cada indivíduo, por parte analista.
A hipótese central é de que é possível e coerente a utilização da técnica EMDR
como mais uma ferramenta de atuação, na Análise Junguiana, em casos de estresse
pós-traumático.
Para a realização deste trabalho foi realizado um estudo de caráter exploratório
qualitativo, baseado em fontes bibliográficas e em trabalhos publicados em sites de
conteúdo acadêmico e científico.
O primeiro capítulo apresenta conceitos fundamentais da teoria junguiana, do
ponto de vista epistemológico, que constituem base para esse trabalho. Encadeados
de forma a facilitar a compreensão dos principais pontos que poderiam tornar possível
a leitura análoga, hipótese deste trabalho, o seu modelo, o método sintético ou
construtivo, sua visão do processo psíquico no tratamento analítico e a função
transcendente, formada pela permeabilidade existente entre as instâncias do
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consciente e do inconsciente. Esclarece a compreensão sobre o conceito de energia


psíquica e sua dinâmica, e o símbolo como transformador da energia. Destaca-se aqui
a teoria dos complexos, que têm como base os afetos e origem mais frequente em
conflitos e traumas emocionais. Quando ativo, um complexo dá surgimento a
sintomas, e então, passamos a compreender também a conexão entre psique e corpo
– fenômenos psíquicos e físicos.
O segundo capítulo aborda os conceitos de trauma psíquico e do transtorno de
estresse pós-traumático, de acordo com a versão mais atual de manuais de saúde e
da psicologia de forma geral e também, a visão de Jung sobre o trauma. Apresenta a
seguir a técnica EMDR e sua fundamentação, comenta sobre alguns estudos
publicados e considerações acerca do que já foi verificado a respeito de sua
aplicabilidade e resultados.
O terceiro capítulo trata da articulação, dos pontos do possível diálogo
propriamente dito, entre a abordagem junguiana – profunda e complexa – e uma
técnica moderna, relativamente nova, que ainda demanda estudos e comprovações,
porém já estruturada em formação, técnica e com protocolo próprio.
Por fim, na conclusão, é apresentada uma síntese das reflexões e dados, e a
análise para a comprovação ou refutação da hipótese levantada.
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CAPÍTULO 1

Conceitos Básicos da Psicologia Analítica

Este capítulo visa apresentar conceitos fundamentais da teoria junguiana que


constituem base para esse trabalho. Apenas a partir destas noções básicas sobre a
visão de Jung em relação a psique e seu funcionamento, a energia psíquica e sua
possível transformação, a importância do símbolo e as conexões entre psique e corpo
é que poderemos alçar voo em direção a novas possibilidades de diálogo entre a
Psicologia Analítica e outras descobertas e práticas estudadas atualmente pela
ciência.

1.1 A Psicologia do inconsciente e a função transcendente

Na teoria analítica de Jung, a totalidade da psique consciente e inconsciente é


definida como si-mesmo, e o ‘eu’ ou ego, é parte essencial dessa totalidade, “o ponto
central de referência da consciência” (JUNG, 2012d, p.154). O consciente é capaz de
exercer uma função inibidora e de adaptação e tem atitude – ou disposição – de
natureza determinada e dirigida. Foge ao objetivo deste trabalho estender o estudo
sobre a teoria dos tipos psicológicos de Jung, sendo suficiente para o momento a
compreensão de que os conteúdos do mundo exterior se relacionam com a
consciência através dos sentidos e de forma subjetiva por uma atitude habitual
característica de um tipo ou de outro: “Aquilo que contemplamos e o modo como o
contemplamos sempre o fazemos com nossos próprios olhos” (JUNG, 2013, p. 537).
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De acordo com Oliveira (2016) a consciência dá condição ao indivíduo para se


relacionar com emoções, fatos e ideias ao mesmo tempo em que é tomada com o que
lhe afeta ou aflora.

Jung conceitua a consciência igualando-a ao ego, ressaltando


mais diretamente as funções de relação, memória, julgamento,
organização, escolha e unilateralidade deste (o ego) em relação ao
inconsciente (...) porquanto excluir, escolher e diferenciar é a raiz e a
essência de tudo aquilo que reivindica o nome de consciência (JUNG
apud OLIVEIRA, 2016, p. 37).

O inconsciente é a psique desconhecida ou esquecida, contém todos os traços


herdados e fantasias. O inconsciente nunca se esgota. O inconsciente pessoal é
formado a partir do nascimento e de acordo com a história de vida individual e o
inconsciente coletivo é composto por conteúdos universais e herdados de toda a
humanidade, os arquétipos e instintos (JUNG, 2013b).
De acordo com Jung, “além do material reprimido, o inconsciente contém todos
aqueles componentes psíquicos subliminais, inclusive as percepções subliminais dos
sentidos” (JUNG, 2015, p.15). Assim, pode-se entender que as situações por qual
passamos durante a vida, e toda a forma como sentimos essas experiências, seja de
forma consciente ou não, mas especialmente aquelas mais impactantes e as
sensações relacionadas a estas, não nos abandonam – ficam armazenadas. Tão
pouco estarão inertes, já que “temos igualmente razões para supor que o inconsciente
jamais se acha em repouso, no sentido de permanecer inativo” (JUNG, 2015, p.16).
Ainda sobre essa atividade da dimensão inconsciente da psique, Jung (2015) afirma
que essa atividade inclusive pode se tornar autônoma, especialmente em casos
patológicos.
Consciente e inconsciente, de um modo normal, agem de forma compensatória
ou complementar, e não necessariamente oposta, de forma dinâmica com função
transcendente, que torna possível a união destes conteúdos. Essa função é a forma
de tornar possível a harmonização entre estas instâncias e seus conteúdos e o
símbolo ou a possibilidade de simbolizar, é parte essencial nesse processo (JUNG,
2013b).
Jacobi apresenta uma explicação interessante a partir dessa ideia:

Essa capacidade simbolizante da psique, isto é, sua habilidade


de unir pares de opostos como síntese no símbolo, é chamada por
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Jung de função transcendental. Com isso, ele não se refere a uma


função básica (como as funções da consciência de pensar, sentir etc.),
mas a uma função complexa, composta por vários fatores; e com
“transcendente”, ele não pretende designar uma qualidade metafísica,
mas o fato de que essa função cria uma transição de uma atitude para
outra (JACOBI, 2016, p. 118).

De acordo com o método construtivo de Jung, é possível auxiliar o indivíduo a


reconhecer a importância dos conteúdos inconscientes, não os condenando a
unilateralidade, pressupondo percepções ou potencialidades que o indivíduo possui.
Quando a unilateralidade e a tensão destes opostos aumentam, a tendência oposta
irrompe na consciência. Desta forma, a análise não se trata de um processo de cura,
e sim um reajustamento a ser conquistado a cada dificuldade e possibilitando também
um melhor enfrentamento frente a outros conflitos no futuro (JUNG, 2013b).
Aquilo que é inconsciente é desconhecido, porém, ao observarmos suas
manifestações “podemos tirar conclusões indiretas acerca da constituição e do estado
momentâneos do processo inconsciente e de seu desenvolvimento” (JUNG, 2015,
p.66). Entretanto, Jung (2015) frisa que é uma ilusão acreditar que seria possível
descobrir sua verdadeira natureza.
É possível acessar conteúdos inconscientes através da observação de
sintomas, afetos, fantasias e especialmente através de sonhos e experiências com
complexos ativados por alguma vivência ou situação. Alguns métodos também
possibilitam essa experiência, através da símbolos. São exemplos os trabalhos com
expressões criativas diversas, caixa de areia, mandalas e imaginação ativa.
Ocorre uma expansão de consciência à medida integramos os conteúdos
inconscientes. Sendo assim, entrar em contato com esses conteúdos e de alguma
forma dialogar com eles ao invés de reprimi-los nos possibilitaria ampliar a
consciência. Seja como for, para todo e qualquer trabalho nesse sentido, a função
mental é parte base e fundamental: “Até onde minha experiência me permite extrair
conclusões gerais a respeito da natureza da alma, ela nos mostra que o processo
psíquico é um fenômeno que depende do sistema nervoso”. (2013b, p. 277).
De acordo com Jung (2015), há uma relação compensatória que possibilita uma
autorregulação entre os processos inconscientes e conscientes, que objetiva formar
uma totalidade (o si-mesmo), sobre o qual nunca teremos total consciência por conta
de sua grandeza, com infinita porção indeterminada e indeterminável. Jung continua,
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em um dos trechos que até o presente momento, melhor descreve para este estudo,
o caminho do estado de importância pessoal para o coletivo:

No nível pessoal, tais processos inconscientes são constituídos


por motivos pessoais que a consciência não reconhece, mas que
afloram nos sonhos, ou são significados de situações cotidianas
negligenciadas, de afetos que não nos permitimos e críticas a que nos
furtamos. Entretanto, quanto mais conscientes nos tornamos de nós
mesmos através do autoconhecimento, atuando consequentemente,
tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente coletivo. Desta
forma, vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho,
susceptível e pessoal do eu, aberta para a livre participação de um
mundo mais amplo de interesses objetivos. Essa consciência
ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores,
esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser
compensado ou corrigido por contratendências inconscientes; tornar-
se-á uma função de relação com o mundo de objetos, colocando o
indivíduo numa comunhão incondicional, obrigatório e indissolúvel
com o mundo. (...) Neste estádio aparecem problemas gerais que
ativaram o inconsciente coletivo; eles exigem uma compensação
coletiva e não pessoal. É então que podemos constatar que o
inconsciente produz conteúdos válidos, não só para o indivíduo, mas
para outros: para muitos e talvez para todos (JUNG, 2015, p.67/68).

Não seria estranho supor ou entender que grandes guerras, crises, desastres,
pandemias, inundam as vivências coletivas de situações traumáticas e estressantes,
o que poderia desencadear mais e mais energia em conteúdos inconscientes, comuns
a toda a humanidade, e assim, a cada nova vivência traumática, potencializar a força
de imposição destes à consciência. Aos poucos a sociedade como um todo poderia
experienciar sintomas e apresentar quadros de adoecimento profundo. Ao mesmo
tempo, pode-se considerar que à medida que mais indivíduos se dediquem ao
trabalho de autoconhecimento profundo, ao desbravamento de seus conteúdos
sombrios, mais perto se estará de ganhos ou ampliações de consciência também em
níveis coletivos.
Gradualmente apresenta-se a necessidade de compreender em maior
profundidade o que é a energia psíquica e um pouco mais sobre símbolo e sua
importância. Para tanto, passa-se a estes temas, no capítulo a seguir.

1.2 Energia psíquica e símbolo


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Jung define o conceito da libido como sinônimo de energia psíquica. Para além
do significado sexual empregado por Freud, a libido seria então, toda a energia
psíquica. Neste sentido mais amplo, compreende-se a energia psíquica como um
sistema subjetivo de quantidade (intensidade) e extensividade (determinação
dinâmica) de energia plural. A energia psíquica pode aparecer em fenômenos
dinâmicos como instintos, desejos, afeto, vontade, atenção e também como um
potencial, nas atitudes ou possibilidades (JUNG, 2013).
Para a teoria junguiana, a separação entre corpo (soma) e mente (psique/alma)
existe apenas por uma questão conceitual, e estes seriam dois aspectos de uma
mesma realidade (JUNG, 2013b). De acordo com Oliveira, “Jung considera que um
conteúdo é psíquico desde que esteja investido suficientemente de energia” (JUNG
apud OLIVEIRA, 2016, p. 43). A autora lembra também sobre as bases somáticas da
consciência e que o critério de vontade está associado à energia psíquica que o ego
dispõe (JUNG apud OLIVEIRA, 2016).
Jung explica também a transformação ou transposição energética, denominado
deslocamento da libido, sobre a existência de um conflito (antinomia) como expressão
dessa energia psíquica, percebendo formações simbólicas que visam a transmutação
da libido (JUNG, 2013).
Apesar de existirem diversas interpretações para se definir o que é um símbolo,
é comum a compreensão de que se trata de algo com um sentido objetivo ao mesmo
tempo em que oculta um outro sentido desconhecido, e utilizado para expressar algo
que não pode ser explicado racional ou facilmente. O símbolo “não é abstrato nem
concreto, nem racional nem irracional, nem real nem irreal: é sempre ambos” (JUNG
apud JACOBI, 2016, p.117).
O inconsciente se manifesta simbolicamente e a o ego trata de trabalhar esse
conteúdo o interpretando. A invalidação ou desvalorização dessa linguagem
simbólica, significaria menosprezar a realidade subjetiva da psique (JUNG, 2013).
De acordo com Jung (apud MAGALDI,2009) o ser humano possui dois tipos de
instinto exclusivos, ou seja, além dos compartilhados com outras espécies como o
instinto do medo, da fome, do labor e da sexualidade. Esses dois instintos são o
instinto da reflexão, que está relacionado a busca de entendimento, e o instinto da
criatividade, responsável pela capacidade de simbolização. O autor explica também
que a criatividade seria “o resultado transcendente dos conflitos entre os mundos da
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parcialmente, sem as devidas referencias, copiada, reproduzida, emprestada ou cedida em nenhuma hipotese sob
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pena de medidas judiciais.

consciência e do inconsciente” (MAGALDI, 2009, p. 102). Desta forma, o ser humano


nasce e herda influências destas antinomias. A seguir, apresenta-se uma citação do
mesmo autor, que ilustra mais uma vez o processo e importância do símbolo:

Deste desajuste interior surge uma tensão que só pode ser


aliviada pela capacidade criativa de simbolização. Esta dinâmica se
expressa na dialética entre o bem-estar e a salvação como sentido de
vida. Em determinados momentos, em função da época do
desenvolvimento e das circunstâncias do mundo exterior, podemos
valorizar o bem-estar, ligado aos instintos biológicos e ao prazer
sensorial, ou valorizar a salvação ligada à herança ancestral e à
evolução do ser e da espécie no sentido espiritual e transcendental.
Os símbolos, desta forma, são caminhos para transformação da
energia ou da libdo (...) (MAGALDI, 2009, p. 103).

Observando a potência restaurativa do símbolo, Jacobi faz um comentário


importante: “Por isso, Jung também chama o símbolo de transformador psíquico de
energia e enfatiza que ele tem um caráter eminentemente ‘de cura’, capaz de restaurar
a inteireza, bem como a saúde” (apud JACOBI, 2016, p.119).
Desta forma, compreender o pensamento análogo por meio do qual o símbolo
é capaz de transformar a energia psíquica, e de que para tanto é necessário uma
atitude receptiva e participativa do indivíduo, abre caminho para estudo da teoria dos
complexos que será apresentada a seguir.

1.3 Teoria geral dos complexos e fenômenos psíquicos e fisiológicos

De acordo com Bleuler (apud JUNG, 2013d, p. 48) “a base essencial de nossa
personalidade é a afetividade”, sendo esta, entendida não apenas como afeto e seus
sinônimos (sensação, afeto, sentimento), mas também como “as leves sensações e
as tonalidades afetivas de prazer e desprazer em todas as vivências possíveis”
(BEULER apud JUNG, 2013d, p. 48).
Em sua concepção sobre a psique, Jung considera uma amplitude maior para
as instâncias inconscientes (especialmente para a esfera coletiva e transcendente do
inconsciente coletivo mas também para a experiência única individual do inconsciente
pessoal) que a consciência. Entende-se a consciência egóica como a ‘consciência’ no
senso comum deste conceito, que funciona por meio do raciocínio lógico e causal, e
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pena de medidas judiciais.

a possibilidade de uma consciência ampliada que inclui a totalidade destas instâncias


e seus conteúdos integrados (JUNG, 2013e).
De forma geral a psique operaria de duas formas complementares: pela
consciência por meio do raciocínio e pela lógica, e pelo inconsciente por meio de
analogias, associações, símbolos.
Os testes com associações de palavras e seus experimentos possibilitou que
Jung determinasse a possível interferência de conteúdos inconscientes, que
ocasionavam distúrbios nas associações. Denominou de ‘complexo’ esses padrões
individuais, carregados de sentimento e forte emoção (JUNG, 2012).
Os mesmos experimentos acima citados puderam demonstrar também que
estas reações psíquicas surgiam acompanhadas por reações físicas. Assim, foi
possível afirmar que tanto sintomas físicos como psíquicos seriam manifestações de
complexos (JUNG, 2012). Esse mesmo estudo pôde demonstrar que uma emoção
poderia causar as mesmas reações inclusive sendo apenas imaginada pelo indivíduo.
De acordo com Jung (2013) os complexos são conjuntos autônomos de
impulsos agrupados em torno de ideias e emoções carregadas de energia. A
constelação de um complexo é um processo psíquico automático e “toda constelação
de complexos implica um estado perturbado de consciência” (JUNG, 2013, p. 43).
Será considerado patológico especialmente o complexo não considerado ou negado.
Entende-se também que, quanto maior a intensidade ou autonomia do
complexo, mais sintomas são evidenciados, e que estes, de natureza psíquica ou
somática, têm o complexo como origem.
Em seu livro A Natureza da Psique, Jung utiliza a expressão ferida psíquica
para designar uma impressão gravada por uma experiência emocional ligada à
formação de um complexo.

(...) Certos complexos surgem depois de experiências


dolorosas ou desagradáveis da vida do indivíduo. São experiências
pessoais de natureza emocional, que deixam feridas psíquicas
duradouras atrás de si. Uma experiência desagradável é capaz de
sufocar, por exemplo, qualidades preciosas de uma pessoa. Isso dá
origem a complexos inconscientes de natureza pessoal (...). Uma
parte dos complexos autônomos se originam destas experiências
pessoais. A outra parte, porém, deriva de uma fonte totalmente
diferente. Enquanto a primeira fonte é fácil de entender, porque diz
respeito à vida exterior que todos podem ver, a outra é obscura e de
difícil compreensão, porque se refere sempre a percepções ou
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impressões vindas de conteúdos do inconsciente coletivo (JUNG,


2013b, p. 268).

Para além do que poderia facilmente apontar, em direção a compreensão sobre


as implicações das ocorrências de situações de potencial traumático, ocasionadas por
um evento disruptivo na vida de qualquer indivíduo, é interessante observar que em
casos assim, existe também a influência de conteúdos coletivos. Apresenta-se aqui a
importância de considerar eventos traumáticos que ocorrem no momento atual da vida
de um indivíduo – ou sociedade – como desencadeadores ou gatilhos de outras
experiências gravadas nas instâncias mais profundas do inconsciente coletivo.
Assim como uma ferida no corpo físico de um indivíduo, a ferida psíquica
poderia significar uma cicatriz que requer especial atenção e em muitos casos, auxílio
terapêutico para elaborar essa experiência. De acordo com Silveira (1988), uma ferida
psíquica então, se agrupará a outras ideias e emoções referentes a um tema
específico, reprimidos pela consciência, formando um “nó de energia”. Isso ocorrerá
sempre que a consciência não for capaz de integrar esses conteúdos.
Em seu livro ‘Ab-reação, análise dos sonhos e transferência’, Jung (2012c)
inicia uma reflexão sobre o trabalho realizado com questões traumáticas.
Primeiramente, outros métodos propunham a prática clínica que possibilitasse uma
descarga completa desse complexo de intensa carga emocional. A prática em questão
é denominada ab-reação, que significa a repetição do estado emocional (em estado
desperto ou sob hipnose) vivenciado no momento traumático, por meio da repetição
expressa dos acontecimentos. Com determinado número de repetições, o afeto
relacionado aquela experiência traumática iria diminuir e assim, amenizar também a
perturbação relacionada ao trauma. Porém, identificando que a questão tratava de
uma dissociação da psique causada por um complexo traumático, e não de uma
neurose e uma tensão de fundo afetivo, a ab-reação poderia ser utilizada se
considerada de forma diferente e não bastaria por si só. Repetir a vivência emocional
da situação traumática, precisaria possibilitar trazer o complexo à consciência. Isso só
seria possível, com a figura do terapeuta e de uma relação terapêutica horizontal e
humana, que demanda atenção e esforço do trabalho na transferência (JUNG, 2012c).
Segundo o autor:

O resultado do tratamento deve ir além da simples solução da


antiga atitude patológica. Deve levar o paciente a uma renovação, a
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uma atitude mais sadia e mais apta para a vida. (...) A parte doente
não pode ser simplesmente eliminada, como se fosse um corpo
estranho, sem o risco de destruir ao mesmo tempo algo de essencial
que deveria continuar vivo (JUNG, 2012c, p.21).

Os complexos podem ter caráter traumático ou ser emocionalmente muito


dolorosos. Tornam-se especialmente difíceis de serem elaborados, pois ligam-se a
reações fisiológicas (JUNG, 2013). Alguns sintomas apresentados por indivíduos que
vivenciaram situações traumáticas ou foram diagnosticados com Transtorno de
Estresse Pós-traumático também apresentam reações fisiológicas. Faz-se necessário
a partir daqui ampliar a conceitualização do trauma psíquico, apresentar o transtorno
de estresse pós-traumático e a ferramenta ou técnica EMDR, que vem sendo utilizada
por outras abordagens psicológicas para o tratamento. O próximo capítulo tratará
desta ampliação e apresentação.
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CAPÍTULO 2

Trauma psíquico, TEPT e EMDR

O objetivo do segundo capítulo é apresentar definições básicas sobre Trauma


Psíquico e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), de acordo com a versão
mais atual de manuais de saúde de forma geral. Apresenta também a técnica EMDR
e sua fundamentação.

2.1 O Trauma Psíquico e o TEPT

Antes de adentrar as especificidades em relação ao trauma, é importante


ponderar, que na visão da psicologia analítica, desafios ou crises são também
oportunidades de transformação e que atualmente, já é possível perceber que
ausência de sintomas ou o bem-estar biopsicossocial não garante aos indivíduos, uma
vivência integral, em sua totalidade, com sentido existencial.
De acordo com Magaldi (2009):

Um indivíduo apático, no uso literal do termo, é um indivíduo


sem pathos, ou seja, sem dor, sem sintomas e, apesar disso, está
sofrendo o mal da apatia, da falta de sentido existencial. (...) Com isso
podemos perceber que, para ser saudável, é preciso mais do que a
ausência de sintomas e de dor. Apenas o bem-estar biopsicossocial
não é suficiente. Para ser saudável, é necessário ter motivação para
a vida. Motivação advinda de um sentido existencial, que a psicologia
analítica nomeia de mito do significado ou processo de individuação...
(MAGALDI, 2009, p. 69).
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O trauma psíquico ou trauma psicológico pode ser compreendido como uma


marca psíquica, um estresse impactante, desenvolvido ou ativado por conta de
experiência emocional desagradável de forte impacto na vida de um indivíduo. Pode
abalar as defesas psíquicas de forma violenta e repentina e prejudicar as reações
eficientes do organismo (ERICKSON, 1980). Como sinônimos poderíamos utilizar as
palavras descritas no dicionário: choque, abalo emocional ou comoção (GREGORIM
et al. 1999). Este tipo de acontecimento pode levar ao desenvolvimento de um quadro
psicopatológico denominado Transtorno de Estresse pós-Traumático – TEPT.
Eventos traumáticos podem ser vivenciados direta ou indiretamente e/ou
testemunhados. Por exemplo, poderíamos listar: ameaça ou ocorrência real de
agressão física e/ou sexual, sequestro, tortura, desastres naturais ou cometidos por
seres humanos, acidentes graves e exposição à guerra. Cabe especificar aqui que
não seria considerado (necessariamente) um evento traumático uma doença fatal ou
condição clínica debilitante. Para ser considerada traumática, a exposição indireta
(aquela em que se toma conhecimento do acontecimento) precisaria estar relacionada
a parentes ou amigos próximos e ser violenta e/ou acidental, como por exemplo,
suicídio, ataque pessoal violento, lesões ou acidentes graves. Quanto aos tipos
testemunhados pode-se lembrar ainda de exemplos com alto índice de ocorrência
como: violência doméstica, lesão grave (ou ameaça), morte natural, acidentes no geral
e acidentes automobilísticos, desastres (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014). Mesmo assim, entende-se que é necessário considerar de forma mais ampla,
a complexidade de delimitação deste ponto, visto que um evento só poderia ser
considerado traumática, a partir dos efeitos produzidos no indivíduo que a
experienciou (VIEIRA, 2005).
Entende-se neste trabalho, que o conhecimento destas informações e dos
critérios utilizados na área da saúde para realizar-se diagnósticos são importantes
para que se possa identificar sintomas, acompanhar o progresso ou evolução dos
mesmos ou ainda para considerar a necessidade do encaminhamento para a
avaliação de um médico psiquiatra, mas para o processo de análise em si, enfatiza-
se que isso não substituirá o respeito à subjetividade dos indivíduos, e que o analista
deverá buscar sempre, proporcionar um diálogo real e também simbólico, do paciente
com sua vida psíquica e emocional, incluindo-se os próprios sintomas como
norteadores. De acordo com Magaldi (2019b):
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(...) o sintoma é um dos meios que a natureza psíquica utiliza


para denunciar à consciência egóica de que o indivíduo está cindido,
desintegrado, separado ou dividido neuroticamente. Nessa premissa,
quando surge qualquer tipo de sintoma, antes de eliminá-lo, devemos
transformá-lo em um guia para o autoconhecimento, para evitarmos
seu reaparecimento recorrente ou o surgimento de novos sintomas
mais graves e mórbidos (MAGALDI, 2019b p.1).

Considerando-se o acima exposto, faz-se necessário conhecer as


especificidades dos temas deste capítulo. De acordo com a última versão do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5 (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), elaborado pela Associação Americana de
Psiquiatria, que abrange apenas transtornos mentais e que apresenta um conteúdo
mais detalhado e completo para pesquisa, transtorno mental é:

Uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente


significativa na cognição, na regulação emocional ou no
comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento
subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão
frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade
significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras
atividades importantes (DSM-5, 2014).

Relacionado neste mesmo manual no grupo de Transtornos relacionados a


Trauma e a Estressores, encontra-se o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A
apresentação clínica e os sintomas relacionados a esse diagnóstico podem variar,
mas essencialmente identificam-se sintomas característicos após uma ou mais
vivências traumáticas.
Em consulta a Classificação Internacional de Doenças – CID-10, critério
adotado atualmente pelo Sistema Único de Saúde no Brasil, o SUS, elaborado pela
Organização Mundial de Saúde, OMS, encontra-se sob o código F43.1, a descrição
para o que neste índice está denominado como Estado de Stress Pós-Traumático:

Este transtorno constitui uma resposta retardada ou protraída


a uma situação ou evento estressante (de curta ou longa duração), de
natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, e que
provocaria sintomas evidentes de perturbação na maioria dos
indivíduos (OMS-CID10, 2008).

Neste mesmo código, uma outra informação importante a respeito deste


transtorno é apresentada. Existe a possibilidade de uma evolução crônica durante
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pena de medidas judiciais.

muitos anos, inclusive com alteração duradoura da personalidade, e mesmo que isso
tenha ocorrência em apenas uma pequena parte dos casos, poderia significar que,
com o aumento de situações com potencial traumático, um aumento significativo de
casos em consultório exigiria atenção e especialização para essa tratativa.
De acordo com o DSM-5 (2014), alguns fatores de risco pré, peri e pós
traumática requerem atenção especial como por exemplo, problemas emocionais na
infância, exposição anterior ao trauma, transtornos mentais prévios, outras perdas
relacionadas ao trauma, exposição a lembranças desagradáveis e repetidas, situação
financeira e falta de apoio social.
A observação e a prática clínica comprovam que eventos traumáticos afetam
não apenas aquele indivíduo que a vivencia. Por conta de sua intensidade e potência,
os familiares e até a sociedade como um todo pode experienciar mudanças
significativas ou sofrer com algumas das conhecidas consequências. Esta afirmação
poderá ser melhor compreendida ou ilustrada a partir da descrição de alguns dos
principais sintomas.
Os indivíduos podem apresentar alguns sintomas ou diversas combinações de
sintomas, e o próprio manual descreve critérios importantes e que podem ser
escalonadas e relacionadas conforme descrição e observação minuciosa, mas que no
geral (considerando adultos, adolescentes e crianças a partir de 6 anos de idade) e
para a finalidade este trabalho, pode-se considerar os exemplos dos sintomas
relacionados a seguir, conforme DSM-5 (2014): Sintomas intrusivos associados ao
evento traumático (lembranças intrusivas, recorrentes e involuntárias, sonhos
angustiantes recorrentes com conteúdo relacionado ao evento traumático, reações
dissociativas e sensações de como se o evento estivesse ocorrendo novamente,
como ‘flashbacks’, sofrimento psicológico intenso ou prolongado, reações fisiológicas
intensas); Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático
(evitando ou se esforçando para evitar pensamentos e sentimentos e/ou pessoas,
lugares, situações, atividades ou objetos associados ao evento traumático);
Alterações negativas na cognição e no humor (como por exemplo amnésia
dissociativa, crenças ou expectativas negativas e exageradas a respeito de si, de
outros ou do mundo, medo, raiva, culpa, vergonha, sentimentos de distanciamento e
alienação em relação aos outros, incapacidade persistente de sentir emoções
positivas, ideação suicida); Alterações marcantes na excitação e reatividade
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pena de medidas judiciais.

associados ao evento traumático (surtos de raiva, hiper vigilância, resposta de


sobressalto exagerada, problemas de concentração, perturbação do sono).
Pode-se perceber então que a experiência traumática tem potencial de
desencadear sintomas físicos, psíquicos e emocionais extremamente
comprometedores, inclusive posteriormente com apenas a memória e recordações do
evento desencadeador. O desenvolvimento dos estudos relacionados ao TEPT,
demonstra que é comum observar uma demora na satisfação plena dos critérios e
com isso, um tempo maior para estabelecer esse diagnóstico, visto que alguns
sintomas têm início imediato, porém, outros podem demorar meses ou até anos para
se manifestar com a intensidade para atender essas exigências (DSM-5, 2014).

2.2 EMDR – Dessensibilização e Reprocessamento através dos


Movimentos Oculares

A técnica EMDR (sigla em inglês para: Eye Movement Desensitization and


Reprocessing), traduzido para o português como Dessensibilização e
Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares, é um protocolo de tratamento,
desenvolvido por Francine Shapiro, nos Estados Unidos, na década de 80. A
aplicação desta técnica, utilizada especialmente por terapeutas cognitivos para
tratamento do TEPT, visa possibilitar uma integração das memórias traumáticas,
através do reprocessamento de pensamentos, sentimentos e sensações, utilizando-
se para isso, de estímulos visuais, auditivos ou táteis por movimentos bilaterais.
O EMDR, de acordo com Shapiro “é usado para ajudar o sujeito a aprender
com as experiências do passado, dessensibilizar os gatilhos atuais que causam
sofrimento injustificado e incorporar padrões de comportamento positivo para o futuro”
(SHAPIRO, 2016, p.92).
Esse protocolo padrão é comporto por oito etapas e são realizadas em média
de 1 a 12 sessões. O número de sessões deverá sempre ser definido de acordo com
a análise da demanda, do estado geral do paciente e com o andamento do processo.
Para melhor compreensão do método as etapas do protocolo serão
apresentadas a seguir, com base na descrição de Shapiro (2001):
Inicialmente, na primeira etapa do protocolo, é feita uma anamnese. A
anamnese é uma investigação, um resumo colhido a partir de informações colhidas
com o paciente, relacionadas ao seu histórico de vida, saúde e sobre os sintomas. O
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terapeuta deve ter em mente e observar fatos, situações e pontos do histórico do


paciente que se relacionam direta ou indiretamente ao trauma. Muitas vezes os
pacientes não relacionam sintomas a algumas situações vividas ou até mesmo não
percebem alguns deles, e ao contar sobre os momentos angustiantes que enfrentam,
é possível encontrar mais informações. É um momento importante para o início do
estabelecimento de uma relação de confiança. Embora existam diversos modelos de
roteiro para uma anamnese, e algumas informações sejam realmente muito
importantes de se identificar, como por exemplo, os sintomas que o paciente
apresenta ou sente, intensidade das sensações e como essas sensações são
percebidas pelo paciente e as consequências no dia a dia, há quanto tempo percebe
os sintomas, se a duração e intensidade se mantém ou se modifica com o passar do
tempo, o suporte familiar e/ou de seu ciclo de amizades, se o paciente mora sozinho,
se trabalha, estuda e que atividades costuma habitualmente fazer, entre outras.
Compreender o momento de vida do paciente também pode ser relevante. Mesmo
que seja utilizado algum tipo de questionário ou roteiro, é aconselhável que essa
pesquisa flua de forma natural. Avaliar a história clínica do paciente dará mais
informações para o planejamento do trabalho. Segundo a autora, é indicada a
utilização de escalas emocionais e cognitivas que serão monitoradas ao longo do
tratamento. Essas escalas são pontuações numa escala de 0 a 10, que o paciente
indicará, de acordo com as sensações e desconfortos sentidos, de forma subjetiva,
sendo que os números mais elevados significam alto grau de desconforto e zero
significaria nenhum desconforto, por exemplo.
Na segunda etapa, ocorre a preparação – uma breve apresentação sobre a
técnica que será aplicada, os efeitos esperados e se realizar um treinamento de
relaxamento com o paciente. É importante apresentar a técnica do EMDR, no que
consiste, como é realizada, como ela atua, a duração das sessões, sobre o
planejamento a ser realizado e que ao decorrer do tratamento será necessário
trabalhar com a memória traumática e que isso poderá implicar em algum desconforto.
É indicado também auxiliar o paciente na instrução de alguma técnica de relaxamento
para que possa recorrer nesses momentos de desconforto.
Inicia-se então a terceira etapa. É feita uma avaliação da memória alvo (deve
ser identificada a memória perturbadora). Esse ponto é um dos momentos chave no
processo do EMDR. A identificação correta da memória perturbadora contribuirá
significativamente para o desenvolvimento do trabalho. No caso de mais de uma
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memória alvo, diversas situações traumáticas vivenciadas ou até mesmo quando o


paciente não se recorda, pode ser necessário trabalhar com mais de uma memória
alvo. Nesses casos o número de sessões e o tempo do tratamento poderá ser maior.
Identificada a memória alvo, o paciente descreverá a imagem que para ele, melhor
representa essa memória perturbadora e identifica também um pensamento negativo
relacionado a essa imagem. Feito isso, o paciente é solicitado a identificas também
um pensamento positivo que ele gostaria que substituísse o pensamento negativo. Ou
seja, um pensamento novo, positivo, que será associado a memória traumática, no
lugar do pensamento negativo, após a dessensibilização e o reprocessamento.
A quarta fase é onde se dá o trabalho de dessensibilização efetivamente. Nessa
fase inicia-se a aplicação dos estímulos bilaterais. Esses estímulos bilaterais podem
ser visuais – quando o terapeuta pede para o paciente seguir com os olhos os
movimentos das mãos do terapeuta (que pode ou não utilizar algum objeto para
auxiliar o foco para a visualização), auditivos – com os olhos fechados o paciente
recebe estímulos auditivos alternados (ouvido esquerdo e direito), ou táteis – por meio
de toques suaves, normalmente nas mãos (esquerda e direita, alternadamente),
ombros ou braços. Durante a estimulação bilateral o paciente deve se concentrar na
memória perturbadora e no afeto negativo associado e nas orientações dadas à
medida que o trabalho é realizado. O paciente irá identificar as sensações físicas,
pensamentos e é utilizada a mesma escala utilizada anteriormente para avaliar o nível
de desconforto. Essa aplicação é repetida algumas vezes, e o número de repetições
é avaliado de acordo com as alterações percebidas e a diminuição do nível de
desconforto apresentado. Indica-se que não encerre as repetições até que seja notada
uma melhora nas sensações de desconforto.
Na quinta fase, denominada instalação, o pensamento negativo deverá ser
substituído por um pensamento positivo. Isso significa que a mesma imagem que
representa a memória alvo perturbadora associada a um pensamento e sensação
negativos passa a ser visualizada com o afeto positivo (reprocessamento).
A sexta etapa é a fase da sondagem corporal. Nesse momento avalia-se
qualquer tensão fisiológica residual. Identificada uma tensão significativa, deve-se
retornar as aplicações da técnica de dessensibilização e reprocessamento. Nem
sempre a tensão percebida chega a uma pontuação nula (ou zero) na primeira sessão,
mas pode ocorrer. Diversos fatores podem contribuir para esse resultado. Cada caso
é único e o planejamento deve considerar essa condição.
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O fechamento é a sétima etapa do protocolo, e indica-se realizar-se mesmo


que o reprocessamento não tenha sido concluído, ou seja, que ainda seja indicado o
agendamento de mais sessões, o que ocorre comumente. Nessa etapa o terapeuta
deverá auxiliar o paciente com informações e explicações realistas sobre o que
esperar nos próximos dias, especialmente em relação a emoções e sensações físicas,
que poderão surgir e com isso, orientá-lo sobre práticas para que possa lidar melhor
com uma eventual instabilidade emocional decorrente das memórias e sensações
revisitadas. É indicado que o terapeuta esteja disponível ou acessível para o paciente
durante os dias entre as sessões, caso necessário.
A última e oitava fase do protocolo, a reavaliação, é na verdade realizada no
início de cada nova sessão. O terapeuta deve retomar a memória alvo trabalhada e a
revisão das respostas apresentadas anteriormente pelo paciente durante a sessão
(ou sessões anteriores), para avaliar a continuidade do processo. É realizada também
uma avaliação dos acontecimentos durante o período entre a última sessão e a atual,
uma atualização do estado psicoemocional do paciente e dos sintomas após a
reverberação do trabalho já realizado, na rotina do paciente. Essas informações
também serão importantes e completarão o planejamento da continuidade do
processo.
Após conhecer os conceitos junguianos relacionados as vivências psíquicas do
trauma, dos mecanismos, sintomas e sofrimento relacionado ao acometimento pelo
Transtorno de Estresse Pós-traumático, conhecer os objetivos da aplicação da técnica
EMDR, a forma de atuação nos indivíduos e sobre o protocolo de aplicação, é possível
refletir a respeito da possibilidade ou não da convergência entre ambos.
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pena de medidas judiciais.

CAPÍTULO 3

O possível diálogo da Psicologia Analítica e a Técnica EMDR

O capítulo 3 irá apresentar considerações a respeito de uma possível


aproximação da técnica EMDR apresentada anteriormente, como uma possível
ferramenta, dentro da clínica de abordagem junguiana. Também comentará sobre
possíveis limitações, pontos de atenção e cuidados necessários que foram
identificados.

3.1 A prática da utilização da técnica EMDR na abordagem Junguiana

Na clínica psicoterapêutica, em distintas abordagens psicológicas, mas


especialmente nas linhas cognitivistas, comportamentais e humanistas já é possível
observar a utilização da técnica EMDR para o tratamento de diversos tipos de
questões, para além dos Transtornos de Estresse Pós-Traumático, como por exemplo
luto, ansiedade generalizada, fobias, síndrome do pânico, dependência química,
depressão e doenças psicossomáticas.
Estudos apontam resultados positivos na utilização desta técnica,
especialmente em relação a casos de TEPT (Shapiro, 2001). Tal observação poderia
reforçar a possibilidade de aproximação em relação a utilização deste protocolo dentro
de um processo de análise profunda, na clínica de abordagem junguiana,
especialmente nestes casos.
Aprofundar as discussões e articulações integrativas, em relação a inclusão de
métodos de pesquisa e intervenção que atendam demandas específicas no
consultório, pode contribuir para um trabalho eficaz no que diz respeito a situações de
crise, de sofrimentos intensos e por vezes paralisantes para aqueles indivíduos que
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os experienciam. Em tais situações, e em alguns casos especialmente, os indivíduos


não suportariam o tempo de processos psicoterapêuticos ou seu estado emocional
poderia dificultar trabalhos na abordagem clínica tradicional.
De acordo com Zampieri (2019), quando ocorrem experiências traumáticas,
observa-se relatos de desamparo e vazio. “O vazio é a ausência de representação do
próprio, deixando o afeto à mercê do fato” (Zampieri, 2019, p.80). Entende-se como
importante e necessário reduzir o impacto pós-traumático restaurando as funções
psíquicas. Essa restauração possibilitaria que o indivíduo retomasse autonomia sobre
sua vida e aí sim, a partir desta reorganização, mergulhar no processo de análise,
podendo inclusive confrontar com maior capacidade de enfrentamento, seus
processos e em algum momento, seu propósito.
Em suas experiências em catástrofes Zampieri também afirma que “há
impactos no psiquismo quando o evento externo é conservado como presente
permanentemente, sem que o afeto seja articulado a uma representação” (Zampieri,
2019, p.80). Seria possível supor que em casos assim, a forma dinâmica com a função
transcendente da psique esteja comprometida, impondo a unilateralidade e
consequente tensão entre os conteúdos conscientes e inconscientes. Desta forma,
constelando um complexo.
Na teoria junguiana todos os sintomas têm origem nos complexos e quanto
mais intenso e autônomo, mais sintomas poderão ser observados. De acordo com
Ramos (2006) para um indivíduo doente, suas impressões sinestésicas estão cindidas
de suas representações abstratas. Paixão (2011) apresenta o que poderia significar
uma definição “cognitiva” para o complexo:

Se a informação relacionada a uma experiência estressante ou


traumática não for corretamente processada, as percepções, emoções
e pensamentos distorcidos serão armazenados da mesma forma
como vividos no momento em que o fato foi vivido. Essas memórias
não processadas seriam a base das reações disfuncionais e a causa
de muitas desordens mentais (PAIXÃO, 2011, p. 73).

Se for possível compreender a aplicação da técnica EMDR como mais uma


ferramenta que possibilitaria ou facilitaria a integração de conteúdos inconscientes,
perpassando estímulos psicofisiológicos – integrando corpo e psique – e ampliação
da consciência sobre o que ocorre com o indivíduo, dando liberdade para que o
mesmo compreenda seus sintomas, trabalhe com as imagens perturbadoras,
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involuntárias e espontâneas, memórias, símbolos e conteúdos relacionados (por ele


mesmo) ao trauma, tal ferramenta poderia então, ser incluída no leque de alternativas
para analistas Junguianos.
Outro ponto na teoria de Jung que parece poder estar alinhado ao processo da
técnica estudada é o que propõe sobre o deslocamento da libido a partir de formações
simbólicas, sobre a antinomia – no casos de pacientes com TEPT – entre a memória
traumática com o pensamento negativo associado e a memória positiva ou mais
realista, possível apenas após retomada da flexibilidade psíquica comprometida no
processo traumático. Ao observarmos tal explicação teórica seria possível afirmar que,
ao trabalhar imagens e sensações durante a aplicação da técnica EMDR, o analista
facilitaria o trabalho de recuperação desta potência psíquica comprometida.
Na clínica analítica também é utilizada a técnica da ab-reação, explicada
anteriormente. Na técnica EMDR uma das etapas do protocolo tem o mesmo fim e,
também não é considerada suficiente por si só, sendo seguida ou acompanhada do
trabalho de identificação das sensações fisiológicas, das sensações associadas, e a
tomada de consciência sobre esse conteúdo e processo. Não poderia ser esta uma
outra forma de colaborar para tomada de consciência de um complexo constelado?
Desta forma, cabe considerar alguma possível adaptação, sem
necessariamente descaracterizar o protocolo já estabelecido da técnica elaborada, a
ser estudada e desenhada.
Para além da especificidade de cada paciente, um ponto de atenção na
convergência dessas práticas, seria a necessidade de atenção e profunda
consideração à subjetividade humana, e ao que talvez seja o ponto mais delicado,
relacionado ao processo de individuação e a alma humana. Mais ainda, às
considerações acerca do inconsciente coletivo. De forma ilustrativa, de acordo com
Hillmann (apud OLIVEIRA, 2016, p. 53):

Esse novo sentido de realidade psíquica requer um novo faro.


Mais que o faro psicanalítico que busca a profundidade de sentido e
conexões ocultas, precisamos do faro de sentido animal comum, uma
resposta estética ao mundo. Essa resposta vincula a alma individual à
alma do mundo, porque elas são inseparáveis, uma sempre implica a
outra. Qualquer alteração na psique humana ressoa com uma
alteração na psique do mundo (HILLMAN apud OLIVEIRA, 2016, p.
53).
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A continuidade da análise, especialmente com seu caráter subjetivo e simbólico


não estaria comprometida após a aplicação da técnica EMDR, já que a utilização da
técnica se justificaria apenas para a emergência do caso, para pacientes específicos,
e não como substituta do processo analítico.
Percebe-se então, a necessidade de considerar o que poderia dificultar ou até
mesmo impossibilitar a utilização da técnica EMDR na clínica junguiana. No capítulo
a seguir, serão apresentadas considerações importantes encontradas neste estudo, a
respeito deste desafio.

3.2 Limitações, pontos de atenção e cuidados

Inicialmente é necessário pontuar o que talvez seja a mais importante


consideração a respeito da possibilidade da utilização da técnica EMDR, em casos de
Estresse Pós-Traumático como ferramenta dentro da análise junguiana: a premissa
de que o processo de análise se dá a medida e sob a demanda específica e única de
cada paciente, que não há nenhuma técnica ou prática que seja apresentada ou
sugerida indiscriminadamente ou de forma padronizada, sem que esta não faça
sentido dentro daquela relação terapêutica e para aquele momento específico da
análise. Ou seja, o paciente não se adapta a técnica indicada pelo analista, mas ao
contrário, o analista deve se instrumentalizar e se trabalhar (especialmente dentro de
sua própria análise e de supervisão) para oferecer ao paciente aquilo que esse
encontro transferencial solicitar, para então possibilitar elaboração e ampliação. Tal
exigência se mantém e talvez se intensifique à medida que analistas incluem em suas
clínicas ferramentas e técnicas modernas, mesmo com toda uma comprovação
científica.
Desta forma, torna-se especialmente importante a observação atenta e
cuidadosa sobre o sofrimento humano, sobre a disponibilidade e estrutura psíquica do
indivíduo, a urgência e angústia relacionadas. Seguramente, diversas técnicas já
utilizadas dentro dessa abordagem terapêutica, como as expressões criativas, o
trabalho com os sonhos e imaginação ativa, dão conta de atender a muitas demandas
e pacientes. A confirmação da hipótese diagnóstica, a indisponibilidade de material
onírico ou indisponibilidade do paciente para trabalhos com técnicas expressivas e a
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urgência do caso, poderia justificar a utilização de uma técnica com protocolo


estabelecido e com segurança.
Conforme pontuado anteriormente, talvez na maioria dos casos, crises são
fatores mobilizadores de transformações importantes e benéficas na vida dos seres
humanos. Conforme Guarnieri (2019, p.1) “o sofrimento mobiliza a ação do
inconsciente, possibilitando a reorganização da personalidade. Negamos a morte e
algo dentro de nós parece nos empurrar para uma busca de sentido cada vez maior”.
Quando se estuda sobre o processo do luto, também encontra-se muitas reflexões
importantes a respeito do sofrimento humano, o enfrentamento com a nossa ilusão de
onipotência e a possível reconexão com um sentido maior. Assim como situações de
crise não necessariamente transportam o indivíduo para um estado de transtorno pós-
traumático ou de trauma, o luto também pode se dar num processo natural (mesmo
que doloroso), ou de forma um pouco mais complicada, ou de forma muito complexa,
paralisante. Em outro artigo interessante, abordando o momento atual de crise da
Pandemia do COVID-19, publicado no site do Instituto Junguiano de Ensino e
Pesquisa (IJEP), a autora citada acima considera:

A falta de perspectiva, a ideia de um futuro impedido, sonhos


destruídos, perda de referências, falta de segurança econômica me
coloca na mesma condição do morto que a pandemia carrega. Somos
humanos com medo de ser, impactados por nossa própria condição e
com medo de morrer. E, tanto faz, se simbolicamente ou
concretamente. Nossa dor sofre com a nossa condição de desamparo:
estamos só no mundo, sozinho na vida, em casa e na morte
(GUARNIERI, 2020, p.1).

A profunda reflexão desta citação, nos convida a respeitar a intensidade e


complexidade dos impactos do sofrimento humano e o cuidado referente ao
acolhimento da dor e da subjetividade dos indivíduos – para que estas não sejam
nunca subjugadas a uma interpretação.
Faz-se então necessário, considerar especialmente quais seriam os casos em
que uma nova técnica seria necessária, e aqueles em que a condução do processo
de análise em si, com técnicas expressivas com eficácia também já comprovadas não
bastaria para a evolução do caso. Ou seja, respeitar e analisar o movimento
despertado pela própria crise, em cada caso, como ilustra Magaldi (2009) em um de
seus artigos:
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Neste sentido que as crises são à base de toda a evolução


humana. Não existe a possibilidade de crescimento e de criatividade
sem que uma situação de crise seja manifestada. Desta forma, a crise
gera sentimentos de violência e de violação, mas também, a
possibilidade de tomada de consciência e de evolução criativa. A crise,
de maneira violenta, tira o indivíduo de sua rotina profana, onde a vida
é vivida sem significado e sem sentido, podendo levá-lo, pela
necessidade de superá-la, a uma dimensão sagrada. Com isso, o
sagrado que estava imanente torna-se transcendente. Assim, por mais
que a humanidade tente negar, parece que estamos na emergência
de várias crises, da política ao meio ambiente, da ética aos valores
espirituais, para que suas superações possam produzir a superação e
o advento de um novo paradigma (MAGALDI, 2019, p.1).

Ao seguir o estudo da aplicação e fundamentação da técnica EMDR e seu


processo, identifica-se um ponto de atenção em especial, percebida após as
importantes reflexões apresentadas até agora, e que seguramente necessita
aprofundamento. Ao que se pode compreender, até onde foi possível estudar para a
elaboração deste trabalho, de acordo com Shapiro (2001), para revelar as
experiências que causam desconforto nos pacientes, durante o processamento no
protocolo de EMDR, a sobreposição simbólica do sonho é muitas vezes removida.
Isso poderia limitar o trabalho com esse protocolo na clínica analítica, a partir do
momento em que o trabalho com os sonhos, na abordagem junguiana, promove sua
ampliação e não interpretações ou traduções rígidas. Torna-se ainda mais importante
atentar-se para não inferir, determinar ou sugerir as possíveis respostas, no lugar das
espontâneas e criativas que o paciente deve encontrar e além disso, não “privar” o
indivíduo de sua própria subjetividade, limitando ou desconsiderando-a. Talvez faça
sentido avaliar, estudar e elaborar algumas possíveis adaptações.
Percebe-se que é essencial estabelecer o vínculo, uma relação terapêutica de
qualidade, embora, diferentemente da relação horizontal da clínica analítica,
aparentemente é possível se ter a impressão de que é o terapeuta aquele que pode
retirar o paciente do sofrimento em que se encontra, visto que este processo se dá de
forma dirigida.
É ainda importante que o analista tenha segurança para realizar a seleção dos
pacientes aptos a se submeterem a essa técnica, considerando também as
habilidades destes indivíduos para lidar com os possíveis altos níveis de desconforto
que a aplicação do protocolo pode precipitar. Será necessário que o analista domine
também técnicas de relaxamento para auxiliar o paciente no início do processo e
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instrumentalizá-lo para possíveis momentos emocionalmente sensíveis, entre uma


sessão e outra.
Em referência a utilização de diversas técnicas ou métodos, Jung comenta e
nos apresenta talvez, a mais importante consideração acerca das reflexões aqui
apresentadas:

Naturalmente é necessário que o médico tenha o


conhecimento dos assim chamados ‘métodos’. Mas deve evitar o
engajamento fixo de um caminho determinado, rotineiro. Deve se
utilizar com muita prudência das hipóteses teóricas. Talvez elas sejam
válidas hoje, e amanhã surgirão outras. Em minhas análises, não
desempenham papel algum. Intencionalmente evito ser sistemático. A
meus olhos, diante do paciente só existe a compreensão individual.
Cada doente exige o emprego de uma linguagem diversa. (JUNG,
2019, p.121).

Vale por fim apontar a necessidade de compreender os resultados desta


ferramenta como parte de uma construção conjunta e de um processo, em que após
a recuperação de certa autonomia psíquica, o paciente, por exemplo, poderia iniciar
ou dar continuidade a seu processo de análise, retomando sua vida e a busca por
tornar-se uma totalidade, pela realização do si-mesmo.
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CONCLUSÃO

As informações e reflexões apresentadas neste trabalho apontam para a


necessidade da ampliação e aprofundamento relacionados ao tema proposto.
Levando em consideração alguns pontos importantes como a possibilidade de ampliar
as opções de tratativa no acolhimento e atendimento para indivíduos em sofrimento
profundo, e a oportunidade de auxilia-los numa retomada mais rápida de suas
capacidades psíquicas e muitas vezes da própria vida em relação, com a integração
de novos conhecimentos da ciência moderna, entende-se que a continuidade desta
pesquisa se faz importante.
Embora algumas aproximações consideráveis possam ser realizadas e alguns
benefícios possam ser identificados na utilização da técnica EMDR na clínica
junguiana, pontos conflitantes ainda demandam atenção. O desafio se apresenta
inicialmente na falta de material de pesquisa com o estudo desta relação.
Além de escasso material já publicado, outra consideração importante
perpassa por uma possível necessidade de adaptação do protocolo, especialmente
no que se refere ao trabalho com o conteúdo onírico. Embora ainda não tenha sido
possível compreender até onde essa incongruência poderia existir de fato, o diálogo
com as ciências modernas sem dúvida é fundamental.
Existe também a essencial tarefa, dentro da psicologia e ciências da mente, de
desmistificar e combater uma tendência que busca por uma cura, por um caminho
fácil e controlado, com resultados garantidos e padronizados, prontos para serem
precificados e comercializados. A utilização desta técnica, dentro da análise
junguiana, precisará estar alinhada com a noção de que os resultados alcançados
com sua aplicação, não significam um fim, e sim – apenas – um meio ou uma
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ferramenta para auxiliar o indivíduo paralisado, na retomada de sua autonomia frente


a sua própria subjetividade e para o verdadeiro e significativo trabalho de
autoconhecimento e realização.
Aponta-se a necessidade de ampliação da discussão acerca do
comprometimento dos conteúdos inconscientes trabalhados ou do próprio indivíduo e
sua subjetividade, durante a aplicação da técnica, se analisados de acordo com a
teoria junguiana. Seria correto afirmar, a luz desta abordagem, que o trabalho focal,
pontual e de acordo com um protocolo pré-definido adaptariam ou conduziriam um
processo que deveria ocorrer sem esta intervenção? Como identificar ou
minimamente garantir que não seriam comprometidos, sufocados ou condicionados?
Ou ainda, por outro lado, não seria pretensão acreditar que, frente a potência do
inconsciente, ter-se-ia tal controle ou poder – e que seria possível sim, após essa
reestruturação, que o indivíduo possa retomar o curso de sua viagem ao encontro de
sua totalidade, em busca de sentido, do si-mesmo.
Ao considerarmos o momento de grande potencial traumático enfrentado
atualmente no cenário mundial, devido a Pandemia do COVID19, todas as suas
interferências na vida humana, o aumento dos casos de violência doméstica, o
número assustador de óbitos e a grande dificuldade para celebrar os ritos culturais e
religiosos sobre a morte e o luto diante deste tipo de situação, a crise política e social
que o Brasil enfrenta, e as evidentes mudanças climáticas que já evidenciam maiores
desafios, com o aumento de desastres naturais ou a potencialização destes por atos
humanos criminosos, faz-se importante considerar a probabilidade estatística de um
aumento considerável de casos com maior comprometimento psíquico para
atendimento na clínica psicológica, nos próximos meses e anos. Em realidade, já se
observa um aumento na demanda no consultório, em especial para situações de luto
traumático, ansiedade, depressão, burnout, pânico e estresse pós-traumático.
Assim como em outros momentos históricos, crises contribuem para o aumento
do interesse nos estudos relacionados às consequências biopsicossociais
enfrentadas pela população. Espera-se que este trabalho possa despertar a
curiosidade e interesse para o aprofundamento sugerido.
Cabe ainda frisar que analistas, psicólogos, psiquiatras e demais agentes da
saúde – independentemente de abordagem, linha ou formação – encontram-se
também, inseridos nesse contexto. O olhar cauteloso, amoroso e atento entre os
profissionais de saúde, nesse momento, será extremamente importante e benéfico.
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Esse cuidado e atenção poderá fortalecer a união e o diálogo, tão necessários a todos,
cada dia mais.
Cabe ressaltar que é parte fundante do trabalho do analista, fazer escuta da
alma humana. Para que isso possa ser feito, é indispensável o estudo contínuo, a
vivência pessoal na análise, autoconhecimento, disponibilidade e a observação atenta
e cuidadosa. O processo da análise ocorre em relação – analista e paciente. Calcada
na continência das demandas individuais, desenvolve-se com cada um dos pacientes,
uma tratativa única, evitando qualquer caminho pré-determinado. Um analista deve
viver no território da pergunta, do conhecido e do ainda desconhecido. Nada se
compara a força pela busca por tornar-se uma totalidade.
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