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Equilíbrio, conexão, abertura da mente e a busca pelo prazer contínuo em todas as áreas da
vida. Pelos princípios do tantra, uma filosofia asiática milenar, sentir-se íntimo do próprio
corpo é algo natural, que valoriza o poder do autoconhecimento. Para isso, ele busca o for-
talecimento do kundalini, energia vital que manifesta nossos desejos, nossas vontades e
nossa libido. E há várias maneiras de acessar esse conhecimento.
“Existe a terapia tântrica, que envolve o conhecimento do corpo e nossa intimidade com
ele; a massagem tântrica, que é uma das técnicas utilizadas durante a terapia; e o sexo tân-
trico, que pode ser praticado por quem é adepto e conhecedor do tantra, mas nunca em
uma relação terapeuta-cliente”, afirma Daricha Sundari, CEO da escola Atman Tantra e
especialista em terapia tântrica e sexualidade.
Para a cultura ocidental, essa conexão com a sexualidade pode ser confundida com pro-
miscuidade, o que resulta em confusão e preconceito sobre práticas tântricas. Para Dari-
cha, o preconceito vem pelo tantra trazer, de forma sacra e poderosa, algo que é visto como
banal e errado – especialmente na cultura latina, na qual falamos sobre sexo, mas não o
reverenciamos. “Ele é tão forte para quem experimenta porque traz a gente para um con-
tato mais verdadeiro com quem somos”, conta.
Renata, de 29 anos, conta que também estava bastante receosa quando foi experimentar a
massagem tântrica pela primeira vez. “Na minha primeira experiência estava bastante
curiosa, mas também muito tímida e receosa, não vou mentir”, diz ela, que preferiu ter o
nome trocado para garantir o anonimato.
Renata buscou o tantra para curar seu bloqueio de relacionamento. No entanto, além de
obter o resultado desejado, ela diz que a experiência fez com que ela abrisse os olhos para a
sua relação consigo mesma. “Nunca tinha passado por nada parecido. O tantra não faz
parte da cultura ocidental, por isso estranhamos de início muita coisa. Hoje, recomendo
para todas as pessoas, inclusive aquelas que não sabem o que o próprio corpo é capaz de
proporcionar.”
Muitas vezes, a massagem é recomendada por terapeutas como complemento da terapia
psicológica, como faz a psicóloga e terapeuta sexual Maria Cecília Mansur. “A massagem
tântrica é uma ferramenta que a gente indica em alguns casos, por exemplo para ejacula-
ção precoce ou anorgasmia feminina (dificuldade de atingir o orgasmo). É uma experiência
que pode ajudar bastante porque na psicologia a gente não cuida da parte do toque.”
Vale lembrar, no entanto, que mais da metade da massagem tântrica não toca nos órgãos
genitais, e sim a pele do corpo. “O maior órgão sexual é a pele e as pessoas não exploram
isso. Até mesmo durante a masturbação vamos direto para o órgão genital para que seja
rápido e chegue ao orgasmo”, explica Daricha.
ENCONTRAR A CURA. Antes de mais nada, é preciso passar por uma anamnese (diálogo
estabelecido entre profissional e paciente com perguntas para entender a complexidade da
situação) por meio da terapia tântrica. “No momento em que a terapeuta conversou
comigo sobre toda a minha história, entendi que é algo completamente diferente de tudo o
que muitas falam sobre o tantra – que normalmente é muito mais voltado para o erotismo
do que para a parte terapêutica”, conta a educadora sexual Jady Souza, de 34 anos.
Esse primeiro contato serve para identificar os valores e intuitos de cada profissional. Afi-
nal, por ser um universo íntimo, é preciso cuidado. “Não existe isso de ‘Vamos marcar uma
massagem’. Tem um movimento para tentar entender qual é a demanda da pessoa, cons-
truir toda a parte consciente, para então serem feitos os toques”, explica Jady.
A conversa sobre conforto, especialmente nas primeiras sessões, deve ser respeitada. Não
há obrigatoriedade de nudez ou pressa para que seja feita a massagem. A confiança do
paciente no profissional é essencial para que a experiência tântrica ocorra – por isso, pes-
quise o currículo do terapeuta, busque depoimentos de quem já fez sessões com ele e avalie
o que sente durante o primeiro encontro.
“O direcionamento que eu vou dar para a sessão vem da terapia. Muitas vezes essa parte é
mais importante do que a massagem em si, porque é a hora que ela volta a se conectar con-
sigo mesma”, explica a massagista tântrica Kelly Baldonado.
Jady, que era psicóloga, passou a trabalhar com o tantra depois que sentiu na pele os seus
efeitos. “Eu percebi que nada conseguia ir tão profundo quanto aquela sessão que tive, o
que me ajudou a ressignificar dores e traumas do passado”, conta ela, que é formada em
Psicologia.
Depois de ter sido abusada na infância e na adolescência, Jady passou a ter bloqueios emo-
cionais e de conexão com o próprio corpo. “Tinha muitas questões de aceitação, dificul-
dade de entrega, de sentir, então mesmo em relações em que existia muito amor, eu tinha
muitos bloqueios, muitos traumas e travas.”
Hoje, ela compartilha seu conhecimento tântrico na vida privada e laboral. “O tantra
mudou minha forma de me relacionar
“É uma experiência que pode ajudar bastante porque na psicologia a gente não cuida da
parte do toque”
Maria Cecília Mansur
Psicóloga e terapeuta sexual
“É algo muito profundo, que tem toque, respiração, mas também muito perdão. Não tem
nada a ver com safadeza”
Daricha Sundari
Especialista em terapia tântrica e sexualidade
comigo, com a minha família, com meu próprio corpo, no ato sexual e com o meu relacio-
namento amoroso, em que consigo me comunicar sobre os meus desejos, mas também dar
atenção aos desejos dele”, diz ela sobre o educador sexual Cleyton Sales, de 41 anos. Assim
como Jady, Cleyton chegou ao tantra buscando o autoconhecimento. Os dois vivem juntos
há cerca de um ano.
“Cresci numa família muito religiosa, até cheguei a ser missionário”, conta ele. “Nesse
movimento, eu não falava sobre sexualidade, era um tema proibido. Por conta disso, eu
tinha dificuldade de me envolver e fluir bem nos relacionamentos amorosos e sexuais. Mas
descobri no tantra, que fui estudar pela filosofia, a liberdade que buscava para mim.”
É importante lembrar que os traumas tratados no tantra não necessariamente precisam ser
de abuso – qualquer situação que tenha marcado a pessoa e trazido algo negativo para o
sexo, como um xingamento, um olhar ou uma ação, já pode ser caracterizado como
trauma. E esse trabalho deve ser integrativo com a terapia psicológica para que sejam tra-
balhados mente e corpo.
MASSAGEM TÂNTRICA. Em sânscrito, a palavra tantra pode ser traduzida como “expansão
do conhecimento”. E um dos saberes mais disseminados é que o prazer não tem relação
única com a genitália, mas sim com o corpo todo. Mais da metade da massagem tântrica
não toca nos órgãos, e sim na pele do corpo.
São praticados dois tipos de massagem: a sensitive (também chamada de toque A), que tem
um toque bem sutil, normalmente com a ponta dos dedos; e a forte, cujo foco são pontos
específicos do corpo para liberar o prazer. “A ideia é reconectar os sensores espalhados por
todas as áreas erógenas da pele, que com a correria do dia a dia, o automatismo e o
estresse, a gente desconecta. Só então chega aos genitais, que é algo rápido, porque o corpo
todo já está preparado e estimulado. O objetivo não é o clímax, mas a extensão do prazer”,
explica Kelly.
A massagem íntima tem movimentos e objetivos opostos à masturbação. Enquanto uma é
rápida e focada em somente um objetivo, a outra busca construir o prazer e nutrir o corpo
com essa energia sexual. “O tantra é a extensão do prazer. Tudo muda na sua vida quando
você está com o prazer em dia. Você passa a colocá-lo em vários aspectos da sua vida: tra-
balho, autoestima, planejamentos.”
No final da sessão, normalmente é feita uma meditação para que a pessoa entenda quais
foram as novas sensações e a conexão que ela teve com o corpo. “De dez mulheres que
atendo, oito choram. Afinal, é algo muito profundo, que tem toque, respiração, movimento
corporal, mas também muito perdão. E isso se relaciona com traumas, histórico familiar,
por isso não tem nada a ver com safadeza, é terapia mesmo”, diz Daricha.
A duração da massagem varia entre 1h30 e 2h, e o preço pode chegar a R$ 600 por sessão.
Normalmente, uma sessão pode mudar tudo, mas os terapeutas indicam ao menos três.
DIA A DIA. O olhar perante o tantra vem mudando, especialmente com celebridades como
Luciano Huck, Sheila Mello e Anitta falando sobre suas experiências com a massagem, mas
também com estudos que mostram os benefícios da prática. Em Brasília, Daricha dá aula
para sua terceira turma de pós-graduação em filosofia tântrica. “Depois de ver tanta gente
ruim ou com más intenções colocarem nas redes que são experts por fazerem um curso de
um fim de semana, decidi criar um curso profissionalizante e mostrar para a sociedade que
há um trabalho sério sendo feito e ele é importante”, observa.
Os alunos vivem a experiência tanto online, com as aulas remotas, quanto presencial-
mente, durante a experiência imersiva. Dessa forma, aprendem sobre estar presentes e
vulneráveis para colocar a filosofia em sua vida. “No Ocidente, vivemos uma forma de vida
cada vez mais voltada para a produção e para o imediatismo. Nossas mentes estão acelera-
das, cheias de expectativas e doenças psicoemocionais, porque não paramos para sentir”,
reforça a especialista. Assim, ao propor o relaxamento, o tantra reduz as tensões e as
expectativas sexuais, permitindo a pessoa ser livre para sentir totalmente o prazer.
É daí que parte o pilar do sexo tântrico: tempo, comunicação e olhar. Algo que pode ser
aplicado no dia a dia com a ajuda de um terapeuta (em uma sessão para casal que tem
duração de três horas) ou por conhecedores do tantra que buscam levar esses valores tam-
bém para sua relação íntima.
“A proposta do sexo tântrico é promover uma conexão mais qualitativa entre o casal. O
primeiro passo é o que chamamos de ‘tratak’, que é olhar no olho do parceiro (a) por
alguns minutos e restabelecer a conexão”, afirma Alexandre Lourenço, terapeuta e criador
da página Prazer em Tantra. Ele conta que além da visão, todos os outros quatro sentidos
são explorados nesse momento, com velas aromáticas, elogios e palavras de afirmação,
beijos e, claro, massagens.
“Você fica ali horas sem pensar em orgasmo, penetração, mas sentindo outras formas de
prazer no corpo. Nada é contato, eles ficam ali o tempo que for preciso”, diz ele. A penetra-
ção não é obrigatória, mas pode ser bem-vinda, desde que a premissa de prolongar o pra-
zer seja mantida.
De acordo com a psicóloga Maria Mansur, a influência da indústria pornográfica é disfun-
cional para isso. “O ‘sexo delivery’, que é performático e sem preliminar, prejudica muito a
conexão e a qualidade do sexo, o que gera ansiedade, o medo de comunicar algo que não
seja o esperado”, ensina. “O sexo é uma coisa íntima. Ele pede por vulnerabilidade e, para
isso, temos de dispor de tempo para fazer sexo.”
Conforme ela explica, a qualidade do sexo pode afetar nossa saúde mental e até a autoes-
tima. Ou seja, ter esse espaço para aceitação e reconhecimento da própria beleza e prazer
sem culpa conduz a um momento de pura entrega e presença. “Quem desfruta da sua sexu-
alidade de uma maneira saudável, orgânica, no sentido de ir ao encontro do desejo, com
certeza é uma pessoa mais saudável”, garante.
Apesar da dedicação com o tempo de qualidade durante a relação sexual, é importante
lembrar que a prática não precisa durar horas. “É uma conexão mais profunda que não
necessariamente precisa ser lenta. Se você está fazendo aquilo com presença, consciência,
amor e trazendo essa conexão, pode ser um sexo forte, mesmo que seja mais selvagem”,
conclui Daricha. •
Segundo o tantra, o prazer não tem relação única com a genitália, mas com o corpo todo