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Em busca de si mesmo

Pelos prin­cí­pios do tan­tra, for­ta­le­cer a ener­gia vital (o kun­da­lini) é a base


para o auto­co­nhe­ci­mento, fun­da­men­tal para levar pra­zer a todas as áreas
da vida

O Estado de S. Paulo. · 25 março 2023 · D4 · ANA LOURENÇO

Equi­lí­brio, cone­xão, aber­tura da mente e a busca pelo pra­zer con­tí­nuo em todas as áreas da
vida. Pelos prin­cí­pios do tan­tra, uma filo­so­fia asi­á­tica mile­nar, sen­tir-se íntimo do pró­prio
corpo é algo natu­ral, que valo­riza o poder do auto­co­nhe­ci­mento. Para isso, ele busca o for­-
ta­le­ci­mento do kun­da­lini, ener­gia vital que mani­festa nos­sos dese­jos, nos­sas von­ta­des e
nossa libido. E há várias manei­ras de aces­sar esse conhe­ci­mento.

“Existe a tera­pia tân­trica, que envolve o conhe­ci­mento do corpo e nossa inti­mi­dade com
ele; a mas­sa­gem tân­trica, que é uma das téc­ni­cas uti­li­za­das durante a tera­pia; e o sexo tân­-
trico, que pode ser pra­ti­cado por quem é adepto e conhe­ce­dor do tan­tra, mas nunca em
uma rela­ção tera­peuta-cli­ente”, afirma Dari­cha Sun­dari, CEO da escola Atman Tan­tra e
espe­ci­a­lista em tera­pia tân­trica e sexu­a­li­dade.
Para a cul­tura oci­den­tal, essa cone­xão com a sexu­a­li­dade pode ser con­fun­dida com pro­-
mis­cui­dade, o que resulta em con­fu­são e pre­con­ceito sobre prá­ti­cas tân­tri­cas. Para Dari­-
cha, o pre­con­ceito vem pelo tan­tra tra­zer, de forma sacra e pode­rosa, algo que é visto como
banal e errado – espe­ci­al­mente na cul­tura latina, na qual fala­mos sobre sexo, mas não o
reve­ren­ci­a­mos. “Ele é tão forte para quem expe­ri­menta por­que traz a gente para um con­-
tato mais ver­da­deiro com quem somos”, conta.
Renata, de 29 anos, conta que tam­bém estava bas­tante rece­osa quando foi expe­ri­men­tar a
mas­sa­gem tân­trica pela pri­meira vez. “Na minha pri­meira expe­ri­ên­cia estava bas­tante
curi­osa, mas tam­bém muito tímida e rece­osa, não vou men­tir”, diz ela, que pre­fe­riu ter o
nome tro­cado para garan­tir o ano­ni­mato.
Renata bus­cou o tan­tra para curar seu blo­queio de rela­ci­o­na­mento. No entanto, além de
obter o resul­tado dese­jado, ela diz que a expe­ri­ên­cia fez com que ela abrisse os olhos para a
sua rela­ção con­sigo mesma. “Nunca tinha pas­sado por nada pare­cido. O tan­tra não faz
parte da cul­tura oci­den­tal, por isso estra­nha­mos de iní­cio muita coisa. Hoje, reco­mendo
para todas as pes­soas, inclu­sive aque­las que não sabem o que o pró­prio corpo é capaz de
pro­por­ci­o­nar.”
Mui­tas vezes, a mas­sa­gem é reco­men­dada por tera­peu­tas como com­ple­mento da tera­pia
psi­co­ló­gica, como faz a psi­có­loga e tera­peuta sexual Maria Cecí­lia Man­sur. “A mas­sa­gem
tân­trica é uma fer­ra­menta que a gente indica em alguns casos, por exem­plo para eja­cu­la­-
ção pre­coce ou anor­gas­mia femi­nina (difi­cul­dade de atin­gir o orgasmo). É uma expe­ri­ên­cia
que pode aju­dar bas­tante por­que na psi­co­lo­gia a gente não cuida da parte do toque.”
Vale lem­brar, no entanto, que mais da metade da mas­sa­gem tân­trica não toca nos órgãos
geni­tais, e sim a pele do corpo. “O maior órgão sexual é a pele e as pes­soas não explo­ram
isso. Até mesmo durante a mas­tur­ba­ção vamos direto para o órgão geni­tal para que seja
rápido e che­gue ao orgasmo”, explica Dari­cha.
ENCONTRAR A CURA. Antes de mais nada, é pre­ciso pas­sar por uma anam­nese (diá­logo
esta­be­le­cido entre pro­fis­si­o­nal e paci­ente com per­gun­tas para enten­der a com­ple­xi­dade da
situ­a­ção) por meio da tera­pia tân­trica. “No momento em que a tera­peuta con­ver­sou
comigo sobre toda a minha his­tó­ria, entendi que é algo com­ple­ta­mente dife­rente de tudo o
que mui­tas falam sobre o tan­tra – que nor­mal­mente é muito mais vol­tado para o ero­tismo
do que para a parte tera­pêu­tica”, conta a edu­ca­dora sexual Jady Souza, de 34 anos.
Esse pri­meiro con­tato serve para iden­ti­fi­car os valo­res e intui­tos de cada pro­fis­si­o­nal. Afi­-
nal, por ser um uni­verso íntimo, é pre­ciso cui­dado. “Não existe isso de ‘Vamos mar­car uma
mas­sa­gem’. Tem um movi­mento para ten­tar enten­der qual é a demanda da pes­soa, cons­-
truir toda a parte cons­ci­ente, para então serem fei­tos os toques”, explica Jady.
A con­versa sobre con­forto, espe­ci­al­mente nas pri­mei­ras ses­sões, deve ser res­pei­tada. Não
há obri­ga­to­ri­e­dade de nudez ou pressa para que seja feita a mas­sa­gem. A con­fi­ança do
paci­ente no pro­fis­si­o­nal é essen­cial para que a expe­ri­ên­cia tân­trica ocorra – por isso, pes­-
quise o cur­rí­culo do tera­peuta, bus­que depoi­men­tos de quem já fez ses­sões com ele e ava­lie
o que sente durante o pri­meiro encon­tro.
“O dire­ci­o­na­mento que eu vou dar para a ses­são vem da tera­pia. Mui­tas vezes essa parte é
mais impor­tante do que a mas­sa­gem em si, por­que é a hora que ela volta a se conec­tar con­-
sigo mesma”, explica a mas­sa­gista tân­trica Kelly Bal­do­nado.
Jady, que era psi­có­loga, pas­sou a tra­ba­lhar com o tan­tra depois que sen­tiu na pele os seus
efei­tos. “Eu per­cebi que nada con­se­guia ir tão pro­fundo quanto aquela ses­são que tive, o
que me aju­dou a res­sig­ni­fi­car dores e trau­mas do pas­sado”, conta ela, que é for­mada em
Psi­co­lo­gia.
Depois de ter sido abu­sada na infân­cia e na ado­les­cên­cia, Jady pas­sou a ter blo­queios emo­-
ci­o­nais e de cone­xão com o pró­prio corpo. “Tinha mui­tas ques­tões de acei­ta­ção, difi­cul­-
dade de entrega, de sen­tir, então mesmo em rela­ções em que exis­tia muito amor, eu tinha
mui­tos blo­queios, mui­tos trau­mas e tra­vas.”
Hoje, ela com­par­ti­lha seu conhe­ci­mento tân­trico na vida pri­vada e labo­ral. “O tan­tra
mudou minha forma de me rela­ci­o­nar
“É uma expe­ri­ên­cia que pode aju­dar bas­tante por­que na psi­co­lo­gia a gente não cuida da
parte do toque”
Maria Cecí­lia Man­sur
Psi­có­loga e tera­peuta sexual
“É algo muito pro­fundo, que tem toque, res­pi­ra­ção, mas tam­bém muito per­dão. Não tem
nada a ver com safa­deza”
Dari­cha Sun­dari
Espe­ci­a­lista em tera­pia tân­trica e sexu­a­li­dade
comigo, com a minha famí­lia, com meu pró­prio corpo, no ato sexual e com o meu rela­ci­o­-
na­mento amo­roso, em que con­sigo me comu­ni­car sobre os meus dese­jos, mas tam­bém dar
aten­ção aos dese­jos dele”, diz ela sobre o edu­ca­dor sexual Cley­ton Sales, de 41 anos. Assim
como Jady, Cley­ton che­gou ao tan­tra bus­cando o auto­co­nhe­ci­mento. Os dois vivem jun­tos
há cerca de um ano.
“Cresci numa famí­lia muito reli­gi­osa, até che­guei a ser mis­si­o­ná­rio”, conta ele. “Nesse
movi­mento, eu não falava sobre sexu­a­li­dade, era um tema proi­bido. Por conta disso, eu
tinha difi­cul­dade de me envol­ver e fluir bem nos rela­ci­o­na­men­tos amo­ro­sos e sexu­ais. Mas
des­co­bri no tan­tra, que fui estu­dar pela filo­so­fia, a liber­dade que bus­cava para mim.”
É impor­tante lem­brar que os trau­mas tra­ta­dos no tan­tra não neces­sa­ri­a­mente pre­ci­sam ser
de abuso – qual­quer situ­a­ção que tenha mar­cado a pes­soa e tra­zido algo nega­tivo para o
sexo, como um xin­ga­mento, um olhar ou uma ação, já pode ser carac­te­ri­zado como
trauma. E esse tra­ba­lho deve ser inte­gra­tivo com a tera­pia psi­co­ló­gica para que sejam tra­-
ba­lha­dos mente e corpo.
MASSAGEM TÂNTRICA. Em sâns­crito, a pala­vra tan­tra pode ser tra­du­zida como “expan­são
do conhe­ci­mento”. E um dos sabe­res mais dis­se­mi­na­dos é que o pra­zer não tem rela­ção
única com a geni­tá­lia, mas sim com o corpo todo. Mais da metade da mas­sa­gem tân­trica
não toca nos órgãos, e sim na pele do corpo.
São pra­ti­ca­dos dois tipos de mas­sa­gem: a sen­si­tive (tam­bém cha­mada de toque A), que tem
um toque bem sutil, nor­mal­mente com a ponta dos dedos; e a forte, cujo foco são pon­tos
espe­cí­fi­cos do corpo para libe­rar o pra­zer. “A ideia é reco­nec­tar os sen­so­res espa­lha­dos por
todas as áreas eró­ge­nas da pele, que com a cor­re­ria do dia a dia, o auto­ma­tismo e o
estresse, a gente des­co­necta. Só então chega aos geni­tais, que é algo rápido, por­que o corpo
todo já está pre­pa­rado e esti­mu­lado. O obje­tivo não é o clí­max, mas a exten­são do pra­zer”,
explica Kelly.
A mas­sa­gem íntima tem movi­men­tos e obje­ti­vos opos­tos à mas­tur­ba­ção. Enquanto uma é
rápida e focada em somente um obje­tivo, a outra busca cons­truir o pra­zer e nutrir o corpo
com essa ener­gia sexual. “O tan­tra é a exten­são do pra­zer. Tudo muda na sua vida quando
você está com o pra­zer em dia. Você passa a colocá-lo em vários aspec­tos da sua vida: tra­-
ba­lho, auto­es­tima, pla­ne­ja­men­tos.”
No final da ses­são, nor­mal­mente é feita uma medi­ta­ção para que a pes­soa entenda quais
foram as novas sen­sa­ções e a cone­xão que ela teve com o corpo. “De dez mulhe­res que
atendo, oito cho­ram. Afi­nal, é algo muito pro­fundo, que tem toque, res­pi­ra­ção, movi­mento
cor­po­ral, mas tam­bém muito per­dão. E isso se rela­ci­ona com trau­mas, his­tó­rico fami­liar,
por isso não tem nada a ver com safa­deza, é tera­pia mesmo”, diz Dari­cha.
A dura­ção da mas­sa­gem varia entre 1h30 e 2h, e o preço pode che­gar a R$ 600 por ses­são.
Nor­mal­mente, uma ses­são pode mudar tudo, mas os tera­peu­tas indi­cam ao menos três.
DIA A DIA. O olhar perante o tan­tra vem mudando, espe­ci­al­mente com cele­bri­da­des como
Luci­ano Huck, Sheila Mello e Anitta falando sobre suas expe­ri­ên­cias com a mas­sa­gem, mas
tam­bém com estu­dos que mos­tram os bene­fí­cios da prá­tica. Em Bra­sí­lia, Dari­cha dá aula
para sua ter­ceira turma de pós-gra­du­a­ção em filo­so­fia tân­trica. “Depois de ver tanta gente
ruim ou com más inten­ções colo­ca­rem nas redes que são experts por faze­rem um curso de
um fim de semana, decidi criar um curso pro­fis­si­o­na­li­zante e mos­trar para a socie­dade que
há um tra­ba­lho sério sendo feito e ele é impor­tante”, observa.
Os alu­nos vivem a expe­ri­ên­cia tanto online, com as aulas remo­tas, quanto pre­sen­ci­al­-
mente, durante a expe­ri­ên­cia imer­siva. Dessa forma, apren­dem sobre estar pre­sen­tes e
vul­ne­rá­veis para colo­car a filo­so­fia em sua vida. “No Oci­dente, vive­mos uma forma de vida
cada vez mais vol­tada para a pro­du­ção e para o ime­di­a­tismo. Nos­sas men­tes estão ace­le­ra­-
das, cheias de expec­ta­ti­vas e doen­ças psi­co­e­mo­ci­o­nais, por­que não para­mos para sen­tir”,
reforça a espe­ci­a­lista. Assim, ao pro­por o rela­xa­mento, o tan­tra reduz as ten­sões e as
expec­ta­ti­vas sexu­ais, per­mi­tindo a pes­soa ser livre para sen­tir total­mente o pra­zer.
É daí que parte o pilar do sexo tân­trico: tempo, comu­ni­ca­ção e olhar. Algo que pode ser
apli­cado no dia a dia com a ajuda de um tera­peuta (em uma ses­são para casal que tem
dura­ção de três horas) ou por conhe­ce­do­res do tan­tra que bus­cam levar esses valo­res tam­-
bém para sua rela­ção íntima.
“A pro­posta do sexo tân­trico é pro­mo­ver uma cone­xão mais qua­li­ta­tiva entre o casal. O
pri­meiro passo é o que cha­ma­mos de ‘tra­tak’, que é olhar no olho do par­ceiro (a) por
alguns minu­tos e res­ta­be­le­cer a cone­xão”, afirma Ale­xan­dre Lou­renço, tera­peuta e cri­a­dor
da página Pra­zer em Tan­tra. Ele conta que além da visão, todos os outros qua­tro sen­ti­dos
são explo­ra­dos nesse momento, com velas aro­má­ti­cas, elo­gios e pala­vras de afir­ma­ção,
bei­jos e, claro, mas­sa­gens.
“Você fica ali horas sem pen­sar em orgasmo, pene­tra­ção, mas sen­tindo outras for­mas de
pra­zer no corpo. Nada é con­tato, eles ficam ali o tempo que for pre­ciso”, diz ele. A pene­tra­-
ção não é obri­ga­tó­ria, mas pode ser bem-vinda, desde que a pre­missa de pro­lon­gar o pra­-
zer seja man­tida.
De acordo com a psi­có­loga Maria Man­sur, a influ­ên­cia da indús­tria por­no­grá­fica é dis­fun­-
ci­o­nal para isso. “O ‘sexo deli­very’, que é per­for­má­tico e sem pre­li­mi­nar, pre­ju­dica muito a
cone­xão e a qua­li­dade do sexo, o que gera ansie­dade, o medo de comu­ni­car algo que não
seja o espe­rado”, ensina. “O sexo é uma coisa íntima. Ele pede por vul­ne­ra­bi­li­dade e, para
isso, temos de dis­por de tempo para fazer sexo.”
Con­forme ela explica, a qua­li­dade do sexo pode afe­tar nossa saúde men­tal e até a auto­es­-
tima. Ou seja, ter esse espaço para acei­ta­ção e reco­nhe­ci­mento da pró­pria beleza e pra­zer
sem culpa con­duz a um momento de pura entrega e pre­sença. “Quem des­fruta da sua sexu­-
a­li­dade de uma maneira sau­dá­vel, orgâ­nica, no sen­tido de ir ao encon­tro do desejo, com
cer­teza é uma pes­soa mais sau­dá­vel”, garante.
Ape­sar da dedi­ca­ção com o tempo de qua­li­dade durante a rela­ção sexual, é impor­tante
lem­brar que a prá­tica não pre­cisa durar horas. “É uma cone­xão mais pro­funda que não
neces­sa­ri­a­mente pre­cisa ser lenta. Se você está fazendo aquilo com pre­sença, cons­ci­ên­cia,
amor e tra­zendo essa cone­xão, pode ser um sexo forte, mesmo que seja mais sel­va­gem”,
con­clui Dari­cha. •
Segundo o tan­tra, o pra­zer não tem rela­ção única com a geni­tá­lia, mas com o corpo todo

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