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Resenha 1 - Regional spillovers of knowledge in Brazil: evidence from science and

technology municipal indicators


Ulisses Pereira dos Santos
Philipe Scherrer Mendes

Diogo Demattos - Janeiro de 2022

Santos e Mendes (2021) analisam o papel do transbordamento de conhecimento entre os


municípios brasileiros, levando em conta a hipótese de que a intensa desigualdade regional
restringe espacialmente esse processo no país. Para tal, os autores utilizam um modelo espacial de
efeitos aleatórios aplicados à dados em painel para os anos de 2010 e 2015. O estudo é composto
por cinco seções: introdução, revisão de literatura sobre o tema, metodologia e apresentação das
bases de dados, análise do transbordamento de conhecimento entre municípios do Brasil e
conclusões.
A pesquisa sobre os transbordamentos ou spillovers de conhecimento se baseia no consenso da
literatura especializada de que a proximidade geográfica reforça o fluxo de conhecimento entre os
agentes. Isso ocorre devido a aspectos tangíveis: como a redução dos custos de transmissão de
informações e proximidade de fornecedores e clientes estratégicos; e intangíveis, como o
desenvolvimento de relações de confiança. Essas forças aglomerativas possibilitam o surgimento de
clusters industriais de inovação que, por sua vez, atraem empresas engajadas em processos
inovativos. Similarmente, universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento também possuem
poder atrativo.
A cumulatividade dos processos aglomerativos tende a espalhar os agrupamentos industriais pelo
território. Contudo, a capacidade de decodificar e assimilar o conhecimento produzido nas
localidades inovadoras é determinada pela existência de infraestrutura de conhecimento e pelo
nível de qualificação da população. Dessa forma, nos países em desenvolvimento, onde os aparatos
do Sistema Nacional de Inovação (SNI) são espacialmente restritos, o transbordamento de
conhecimento é limitado, ocorrendo, sobretudo, nas regiões economicamente dinâmicas.
Na perspectiva das empresas, a existência de departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P & D)
pode ser interpretada tanto como uma estratégia para a produção de inovação, como também para
a criação das capacidades necessárias para absorver conhecimento produzido tanto em
universidades e centros de pesquisa, como também em outras empresas. Em termos objetivos,
Botttazziand Peri (2003) mostra que, para o caso da Europa, quando uma região dobra seus
recursos de P&D, ela amplia em 80% a 90% sua produção de patentes, enquanto regiões localizadas
à 300 km do local de aumento da capacidade de pesquisa, aumentam sua produção de patente de
2% a 3%.
Nesse sentido, o nível de difusão de determinada tecnologia está relacionado com a intensidade de
P&D na indústria produtora dessa tecnologia. Ou seja, quanto mais intensa em pesquisa for
determinada indústria, menor será o seu transbordamento geográfico de conhecimento, uma vez
que a assimilação das suas tecnologias requer capacidades específicas, pessoas qualificadas e
centros de produção de conhecimento de alto nível. Por outro lado, as tecnologias de indústrias
menos intensivas em P & D tendem a ser mais difundidas territorialmente. Ademais, o nível de
diversidade econômica e atributos urbanos são relevantes na determinação da habilidade de
determinada região absorver conhecimentos.
Tendo em mãos esse arcabouço teórico, os autores estimam a função de produção de conhecimento
para os municípios brasileiros, a fim de investigar os determinantes regionais da performance
tecnológica. A base de dados utilizada conta com 5565 municípios. Em linha com a literatura do
tema, a variável dependente selecionada é o número de patentes ponderadas pela população
municipal — uma proxy para a inovação. Quanto às variáveis explicativas, elas expressam diversas
características urbanas e produtivas dos municípios. Nesse caso, os dados são provenientes, em sua
maioria, da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
Para capturar o nível de intensidade tecnológica das indústrias dos municípios, são utilizados
indicadores de especialização produtiva segundo a classificação proposta para a OCDE e adaptada
para a realidade brasileira por Cavalcante (2014): indústrias de baixa, média-baixa, média,
média-alta e alta tecnologia. Segundo Jacobs (1969), espera-se que quanto mais diversificada a
economia municipal maior sua capacidade de produção de conhecimento e inovação. Dessa forma,
um índice de diversificação, baseado no trabalho de Combes (2000b) e Combes, Duranton e
Gobillon (2008) é considerado. Além disso, um índice para capturar a diversificação dos serviços
municipais também é utilizado. As demais características municipais consideradas são: i) o
logaritmo natural da população; ii) logaritmo das exportações municipais; iii) distância de São
Paulo; iv) dummy para região metropolitana; e v) dummy para as cinco regiões do Brasil.
Quanto à metodologia, a análise em painel apresenta uma série de vantagens, como o tratamento da
heterogeneidade das observações, o maior poder explicativo, dado a existência das dimensões
transversal e temporal do evento, e o aumento da eficiência das estimativas com um acréscimo do
número de observações.
Feita a análise econométrica, os autores identificam que, apesar de uma desconcentração dos
aparatos do SNI entre 2010 e 2015, a atividade inovativa permanece concentrada, sobretudo em
municípios do Sul e Sudeste. Entre os dois anos analisados, o número de pedidos de patentes
aumentou de 0.0333 para 0.0507 por 1000 habitantes, contudo, apenas 23% dos municípios
produziram patentes. De forma complementar, a análise espacial permite visualizar que a
concentração de clusters de indústrias de alta tecnologia está localizada na porção sul do país,
entretanto, em 2015, surgem alguns clusters nas regiões Norte e Nordeste, o que pode beneficiar os
municípios ao redor desses clusters, caso ocorra transbordamentos.
Para verificar a existência dos transbordamentos, um lag espacial é aplicado ao modelo. Com essa
especificação, os resultados sugerem a presença de transbordamentos regionais entre os
municípios brasileiros. Ademais, a variável patentes por municípios com lag espacial é significativa
e possui o maior coeficiente do modelo, ou seja, a performance inovativa dos municípios vizinhos é
o principal determinante da capacidade de inovar no Brasil. Contudo, os transbordamentos são
mais prevalentes na Região Sul e Sudeste e, portanto, não são capazes de reverter a tendência
histórica de desenvolvimento regional desigual observada no país.
Outro resultado interessante diz respeito a não significância das variáveis número de artigos
publicados em periódicos internacionais e número de detentores de títulos de mestrado e
doutorado — tomadas como proxies da produção de conhecimento científico. Isso sugere que os
fluxos de conhecimento científico são restritos à esfera municipal. Os resultados também mostram
que municípios especializados em indústrias de baixa e média-baixa tecnologia são menos propícios
para inovar, enquanto os especializados em indústrias de média tecnologia são mais aptos, o que
beneficia os municípios adjacentes (coeficiente com lag espacial significativo). Já o coeficiente para
alta tecnologia não foi significativo. Quanto à diversificação econômica e o nível de integração
internacional dos municípios (exportações), os coeficientes se mostraram positivos e significativos,
o que está de acordo com a expectativa dos autores.
Dessa forma, os autores concluem que apesar da existência de transbordamentos de conhecimentos
entre os municípios brasileiros, esse processo é mais acentuado no Sul e Sudeste. Nesse sentido, os
formuladores de políticas públicas devem buscar ativamente alterar as dinâmicas de concentração
da produção e difusão tecnológica do país, por meio do desenvolvimento e fortalecimento dos
aparatos do SNI nas regiões menos desenvolvidas.

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