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18 de Agosto de 2023

Direito ao Esquecimento e
Reflexos na Memória Coletiva em
Paul Ricouer
Publicado por Jamile de Castro Cavalcanti há 5 anos

Resumo

O artigo conceitua o Direito ao esquecimento como um instituto


inovador da era moderna, que está ligado ao Direito de ser dei-
xado só. Porém, há um linha tênue desse instituto e a preserva-
ção da memória em Paul Ricoeur. O presente trabalho visa elen-
car o conflito entre esquecer e lembrar no âmbito de memórias
coletivas. Cuja a sociedade ao longo do tempo vem garantindo
como forma de preservação a oralidades e alguns registros
extraoficiais

Palavras-chaves: Esquecimento, memoria, Ricoeur

Abstract

The article conceptualizes the Right to oblivion as an innovative


institute of the modern era, which is entitled to be left alone.
Once again, this institute is a preservation of memory in Paul
Ricoeur. The present work aims to obtain energy in the middle
of collective recovery. Whose society over time has been ensu-
ring the way to preserve orality and some unofficial records.
Keywords: Oblivion, memory, Ricoeur

Possível usar o Direito ao Esquecimento, em relação a fatos his-


tórico e que de certa forma atinge uma coletividade?

Antes de elencar um conceito doutrinário do direito ao esqueci-


mento, importante seria comentar sobre o direito de personali-
dade que a Constituição Federal trata em seu artigo: Art. 5º,
XX: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Portanto, o direito da personalidade é tutelado pela nossa Cons-


tituição como um direito fundamental. Dessa maneira o direito
à imagem permite até que a pessoa escolha de como lhe convém
aparecer em público, retirando, se desejar, sem auferir lucros
próprios pelo uso de sua imagem. Ainda, o direito à imagem as-
segura ao retratado o direito de impedir a reprodução ou veicu-
lação de sua imagem. É notório que o retratado tem o direito
publicar sua própria imagem.

Nesse sentido o direito individual é garantia inviolável, e que


nos casos de violação do mesmo cabe direito de indenização. De
fato a preservação de valores fundamentais do homem como a
intimidade e respeito à pessoa humana são direito
irrenunciáveis.

Destarte o direito ao esquecimento estaria numa encruzilhada,


se por um lado o direito a imagem é fundamental, por outro a
elucidação de um crime por exemplo é essencial.

As noções de direito ao esquecimento assim apontada por diver-


sos autores como sendo a primeira previsão trata-se da contida
no § 628, alínea a, n. 1, do Fair Credit Reporting Act, dos Esta-
dos Unidos em 1970, que enuncia o dever de várias entidades
públicas e privadas que estabeleçam diversas regras para quem
mantém ou possua informações sobre os consumidores para um
certo negócio em “properly dispose of any such information or
compilation”.

E além desse caso norte-americano pode-se citar o famoso caso


o famoso “Caso Lebach” julgado pelo Tribunal Constitucional
Alemão.

Em relação a este caso houve uma situação ocorrida em 1969,


quando quatro soldados alemães foram assassinados em uma
cidade na Alemanha, chamada Lebach. Após o processo, três
réus foram condenados, sendo dois à prisão perpétua e o ter-
ceiro a seis anos de reclusão.

Esse terceiro condenado cumpriu totalmente sua pena e, dias


antes de deixar a prisão, soube que uma emissora de TV iria exi-
bir documentário especial sobre o crime no qual seriam mostra-
das, inclusive, fotos dos condenados e a insinuação de que eram
homossexuais. Nesse sentido, ele ingressou com uma ação inibi-
tória para que o programa não fosse exibido.

De fato chegou até o Tribunal Constitucional Alemão, que deci-


diu que a proteção constitucional da personalidade em não ad-
mitir que a mídia explorasse por tempo indeterminado a figura
do criminoso e também ferisse sua intimidade.

Dessa forma, no citado caso concreto, entendeu-se que o princí-


pio da proteção da personalidade deveria prevalecer em relação
à liberdade de informação. Isso porque não haveria mais um in-
teresse atual e público naquele episódio, o crime teria sido até
julgado há anos.
E a temática aqui abordada no Brasil começou a ter prestígio na
doutrina penalista e civilista, que se perfaz no contexto da Cons-
tituição Federal de 1988 na existência de um direito que impo-
nha limite a propagação de informações antigas que pudessem
ser motivo de hostilidade assim como na época que foram con-
cretizadas. E é de tamanha importância na esfera criminal no
instituto da reabilitação e reinserção do egresso do sistema pe-
nal que ao qual não seria possível se continuasse a ser taxado
como criminoso mesmo tendo cumprido sua pena.

No entendimento de René Ariel Dorri:

na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do


passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do
reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proi-
bindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados re-
ferentes à personalidade.

Mas o Direito ao Esquecimento é relativo no que diz respeito a


quem se direciona, ou seja, a possibilidade de alguém não ser
lembrado por um fato que o marcou outrora em contrapartida
esse mesmo episódio, por ser de relevância social terá que ser
discutido, trocando em miúdos e revisitado por décadas
posteriores.

Neste sentido há que sopesar quais direitos fundamentais so-


brepõem sobre a coletividade e os que se sobressaem perante o
indivíduo no tocante ao seu direito constitucional de personali-
dade de julgamentos prévios.

Há também que se dizer que a imposição do esquecimento du-


rante os regimes totalitários foi um instrumento de controle pe-
rante o coletivo e que impôs o que deveria ser lembrado pela so-
ciedade sobre fatos desabonadores dos líderes totalitários. Mas
essa imposição se torna conflitante com o atual sistema demo-
crático do Brasil, e não poderá ser utilizada por políticos, autori-
dades públicas para limparem suas fichas e registros de um pas-
sado escuso e de extrema relevância para o interesse público.

Memória e Esquecimento em Paul Ricoeur

O livro “A memória, a história, o esquecimento”, além de sinte-


tizar argumentos de diferentes pesquisas, se propõe a resolver
certas lacunas, segundo o próprio filósofo. Assim, em sua obser-
vação da história enquanto ciência humana autônoma, ele ana-
lisa epistemologicamente a chamada “operação historiográfica”.

Destarte a memória é algo substancial de uma sociedade e estar


intrínseca na coletividade que deverá esquecer um fato de tre-
menda repercussão como foi a ditadura no Brasil? E por uma
manipulação política e estrutura de poder com o intuito de ela-
borar um modelo político às avessas com revisões que favore-
cem uma parte da sociedade que deteve o poder através de me-
canismos de controles sociais, como a cessão da liberdade, pri-
vacidade e atingindo assim os direitos fundamentais do
homem?

Mas lembrar e esquecer, sob o ponto de vista da filosofia ou da


historiografia contemporâneas, adquiriram densidade e comple-
xidade para além do que a memória tradicionalmente as con-
cebe. Isto é, mais do que funções intrínsecas e mútuas, estes
atos polares da memória são também resultados de determina-
das condições históricas . Porém, não se trata de uma história
da memória ou história do esquecimento, com sua ars memo-
riae, ou ars oblivionis, respectivamente, mas de acontecimentos
irredutíveis às condições operatórias da memória, portanto, do
historiador também. Assim, “por que hoje falamos tanto em me-
mória, em conservação, em resgate? E por que dizemos que a ta-
refa dos historiadores consiste em estabelecer a verdade do
passado?
Em sua obra-síntese, La mémoire, l'histoire, l'oubli, Paul Rico-
eur procura enquadrar conceitualmente as relações problemáti-
cas que entrelaçam a história, a memória e a justiça, através de
uma interrogação sobre a memória dos testemunhos (esses so-
breviventes da grande catástrofe do século XX), em relação à
história dos historiadores. As pretensões destes últimos, muitas
vezes, se rivalizam com os interesses dos primeiros, sobretudo
quando se trata de condenar os "excessos" da memória. Entre o
dever de fidelidade e as exigências da verdade histórica, Ricoeur
defende uma política da "justa memória". Isso implica a ideia
imperativa de um "dever de memória" e de uma "dívida" em re-
lação às vítimas da história, sem deixar de renegar à história sua
autonomia e sua "função corretiva de verdade". Como bem ob-
serva Ricoeur, se Auschwitz é considerado um acontecimento
"limite", essa percepção se manifesta, inicialmente, na consciên-
cia coletiva antes de se exprimir no discurso do historiador.
Disso resulta a necessidade de uma "responsabilidade" por
parte do historiador, tanto em relação ao passado como em rela-
ção a seus contemporâneos.

Concebido como um tríptico, esse último trabalho de Ricoeur


percorre domínios distintos: de uma fenomenologia da memó-
ria, passando por uma discussão epistemológica sobre a verdade
na história, o autor empreende uma reflexão filosófica sobre os
paradoxos da própria condição histórica. Para melhor proceder
a uma reflexão dos "abusos da memória" (denunciados, ao
longo dos anos 90, por alguns intelectuais em razão dos "exces-
sos" de relatos, de depoimentos sobre determinados aconteci-
mentos), Ricoeur apoia-se em análises psicanalíticas e na crítica
das ideologias. Segundo ele, a ambição de fidelidade ao passado
encontra-se ameaçada quando as ideologias se intercalam entre
a reivindicação de identidade e as expressões públicas da me-
mória coletiva. Nessa perspectiva, o conceito de memória cole-
tiva pode contribuir para uma maior vigilância da operação crí-
tica da história. A história oficial, lembra Ricoeur, é uma memó-
ria coletiva oficializada, ou seja, uma memória ideológica, em
vez de ser uma memória criticada.

Os deslocamentos do passado sobre o futuro explicam, muitas


vezes, os problemas ligados à transmissão da memória. Visando
a um tempo futuro, a memória se conserva no tempo contra o
próprio tempo (o esquecimento e o apagamento). Cabe, pois, à
história, pela sua dimensão crítica, guardar os rastros da "dí-
vida", dívida essa que diz respeito às vítimas da História. "Se
não se deve esquecer, é, também e sobretudo, em razão da ne-
cessidade de se honrar as vítimas da violência histórica. É nesse
sentido, que se pode falar de memória ameaçada", lembra Paul
Ricoeur. Nessa perspectiva, a história crítica tem por papel se
opor, não só aos preconceitos da memória coletiva, mas também
aos preconceitos da história oficial, cuja função consiste na pró-
pria transmissão dessa memória.

Limites à Liberdade de Expressão e o Princípio da Dignidade da


Pessoa Humana

Paul Smith, em Filosofia: Moral e política assevera sobre liber-


dade de expressão:

John Rawls observa que, ao longo da história do pensamento


democrático, o foco esteve em conseguir não a liberdade no ge-
ral, mas certas liberdades específicas encontradas em manifes-
tos e na Declaração de Direitos. Rawls identifica certas “liberda-
des básicas”: liberdade política (direito ao voto e a um cargo pú-
blico), liberdades de pensamento, consciência, expressão, asso-
ciação, reunião, profissão, direito de ir e vir; proteção contra
agressão física, opressão psicológica, apreensão e detenção arbi-
trárias; direito à propriedade. Estas são as mais importantes,
nas quais todos os seres humanos têm um interesse fundamen-
tal. O primeiro princípio de justiça social de Rawls exige que
cada cidadão tenha suas liberdades básicas justas garantidas

Duas dimensões possui a Liberdade de Expressão: uma a subs-


tantiva, referente ao modo de pensar, a outra instrumental que
corresponde ao meio utilizado para propagar o pensamento. Em
relação a primeira dimensão, é possível expor no que diz res-
peito à autodeterminação do indivíduo, sensivelmente conec-
tada com a dignidade da pessoa humana, que ao analisar deter-
minada opiniões manifestadas por terceiros pode-se construir
sua própria convicção.

Sobre este assunto, Paulo Gustavo Gonet Branco leciona que a


formação plena da personalidade é inerente ao conhecimento da
realidade, assim, a liberdade de expressão é “enaltecida como
instrumento para o funcionamento e preservação do sistema de-
mocrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação de
vontade livre)”.

Nesse pensamento, Tatiana Stroppa acrescenta que:

para que uma pessoa possa formar e expressar, consci-


entemente, suas opiniões, ideias e até sentimentos, ela
precisa conhecer a realidade na qual está inserida, o
que depende do acesso às informações, que se revelam
como alicerces para que seja possível a construção de
escolhas pessoais livres e autônomas.

A liberdade de expressão é uma das faces do direito da persona-


lidade, em razão de que a manutenção e desenvolvimento do
homem tem por finalidade a possibilidade de se socializar, de
expressar suas opiniões, sentimentos e desejos. Assim como
esse direito inato do homem em não se manifestar, expressar
opinião sobre determinado assunto, restado o direito de perma-
necer calado, de refletir, de meditar ou ainda, o direito de man-
ter-se isolado.

Já em relação à segunda dimensão da liberdade de expressão, é


usual condensá-la como orienta Tavares na,

possibilidade de eleger o meio mais adequado para vei-


cular, transmitir as opiniões e ideias emitidas pelo in-
divíduo, com a finalidade de que se atinja certo número
de receptores, o que, aliás, está ínsito à própria ideia de
expressão.

Esta dimensão é respeitada, em virtude da dimensão substan-


tiva se tornar completa através do ato de comunicação, da exte-
riorização do pensamento, os quais são satisfeitos com a dimen-
são instrumental.

Conclusão

Diante do exposto acima O Direito ao esquecimento é uma linha


muito tênue aos diversos e perversos crimes que permeiam a co-
letividade. Não se permite utilizar esse instituto para redimir
genocídios, ocorridos em Aushiwtz, ou de forma branda dimi-
nuir a proporção que a Ditadura Militar teve no Brasil, ao ponto
de uma corrente da história revisar às avessas um fato de crucial
importância para teia política do brasileira.

O presente artigo mostrou um panorama do que é o Direito ao


esquecimento e que também o Direito à Memória de Paul Ri-
couer. Esquecimento e apagamento como pilares de uma polí-
tica social que revisada poderá acabar com os lapsos de memó-
ria de um povo, e que ao longo tempo se revisitada de forma
rasa cairá no desuso social, ou seja, nunca existiu.
O presente artigo provoca o leitor a passear pela memória e pelo
esquecimento, mas o cuidado que deve-se perceber e ter que ao
revisitar a história despreende-se muitos fatos fragmentados e
por uma força de determinada corrente política, a tida como ofi-
cial esta história será manipulada da forma mais aprazível e
conveniente. Sejamos fragmentos mas sejamos partículas de sa-
ber histórico, pois a cada ciclo humano tem-se transformações
visíveis e invisíveis, e as invisíveis são as que mais perduram no
tempo, mas que poucos percebem ou por serem sensíveis social-
mente ou por ser protagonista social de sua própria história,
memoria ou até esquecimento.

BIBLIOGRAFIA:

ESTADOS UNIDOS. Comissão Federal de Comércio.


The Fair Credit Reporting Act. Tradução: descartar
adequadamente tais informações ou compilações

DORRI, René Ariel. O direito ao esquecimento e a pro-


teção do habeas data, in Teresa Arruda Alvim Wambier
(Coord.) Habeas data. 1998, p.99.

Como em YATES, Frances A. A arte da memória. Trad.


Flavia Bancher. Campinas, SP: Editora UNICAMP,
2007.; POMIAN, Krzystof. Memória. In: Enciclopédia
Einaudi. Vol. 42 (Sistemática). Lisboa: Imprensa Naci-
onal; Casa da Moeda, 2000, p. 507-516 E LE GOFF, Jac-
ques. Memória. In: História e memória. Trad. Ber-
nardo Leitão et al. 4ed. Campinas: Editora da UNI-
CAMP, 1996

RICOEUR, Paul. "Entre mémoire et histoire" In Projet.


Paris: numéro 248, p. 13, , 1996.
SMITH, Paul. Filosofia: moral e política: principais
questões, conceitos e teorias . Tradutora Soraia Frei-
tas, 2009.[s. L]

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Márti-


res; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 2009, p. 403.

STROPPA, Tatiana. As dimensões constitucionais do


direito de informação e o exercício da liberdade de in-
formação jornalística, 2010, p. 72-73.

*Artigo feito como trabalho da disciplina (aluna espe-


cial) Filosofia Política do Mestrado em Filosofia da
Universidade Federal do Piauí

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-ao-esquecimento-e-reflexos-na-


memoria-coletiva-em-paul-ricouer/605079535

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