NOVEMBRO 2023

AVANÇOS DA CIÊNCIA

DEMENCIA
NOVAS DESCOBERTAS QUE TRAZEM ESPERANÇA
ˆ
PÁGINA 72

A garotinha que desafiou o destino

Novembro 2023 • R$ 22,90

PÁGINA 96

Eles viram a morte e viveram para contar

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PÁGINA 34

Plantas benéficas para se ter em casa

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Artigos 62 84
inspiração histórias reais
34 A história de fantasma
de um soldado
O melhor erro já
cometido
drama da vida real
Sobrevivi Um veterano de guerra Leitores contam seus
Três pessoas tiveram recebe um visitante equívocos que se
um encontro com a misterioso com uma transformaram em
morte, mas viveram mensagem libertadora. boa sorte.
para contar. POR SCOTT JANSSEN PELOS LEITORES DE SELEÇÕES

CONTADO A LISA FITTERMAN

66 88
44 história
Um país que recorda
viagem
Melodia irlandesa
inspiração
A mudança de Os Países Baixos home- A língua natal e a
Yasmeen Lari nageiam seus heróis. cultura da Irlanda
A estrela da arquitetura POR BERT ARCHER estão cada dia mais
da elite corporativa do vivas nas regiões
Paquistão agora 72 Gaeltacht do país.
reconstrói aldeias saúde POR J.R. PATTERSON

arrasadas por Demência: descobertas

desastres naturais.
POR LISA MURPHY
que trazem esperança
A ciência apresenta
96
inspiração
exames e tratamentos Ela desafiou o destino
52 promissores. Quando os médicos
lição de vida POR VANESSA MILNE
disseram aos pais
Como se entender que a espinha bífida
com todo mundo 82 limitaria gravemente a
Aprenda a lidar com humor vida da filha, eles não
tipos de personalidade O triunfo do livro desistiram. Nem a
difíceis (ou, se preferir, O digital não vai pôr menininha.
a livrar-se deles). fim ao impresso. POR SABRINA
POR ROSEMARY COUNTER POR RICHARD GLOVER ROGERS-ANDERSON

2 seleções 11 .2023
 Mundo do bem Arte de viver
5 Razões para sorrir viagem de sabor
25 Mundo, conheça
25
heróis de hoje
6 Uma ajuda bem o poutine
treinada Um prato que se
Um praticante de tornou uma
artes marciais tendência da
com problemas culinária
com a polícia salva reconfortante.
POR LEILA EL SHENNAWY
um policial.
POR ERIK RASKIN 13 coisas
boas novas 28 Fatos de alto
10 Carro renovado nível sobre
para quem os drones
precisa POR MARC SALTZMAN

Ele transforma lati- 31 Entre aspas

nhas em veículos.
POR ROBERT LIWANAG
Jogos mentais
12 Complete a frase
104 Quiz
pets
16 Loki, o labrador 105 Enriqueça seu
vocabulário
107 Desafio
Saúde Seleções
bem-estar do 112 Amigos de
corpo e da mente
verdade
17 Por que as
plantas dentro de
casa fazem bem
A ciência mostra
que elas promovem
Humor
a saúde mental. Piadas de caserna ........................................9
POR LAUREN DAVID Flagrantes da vida real ...............................14
© Katie Synold

Ossos do ofício ..........................................22

20 Notícias do mundo Essas crianças............................................32
da medicina Rir é o melhor remédio............................ 110
POR SAMANTHA RIDEOUT

11.2023 seleções 3
Editora-executiva Raquel Zampil Gerente de Negócios Rodrigo Alvim
Editor de Arte Luiz Fellipe Menezes Coordenadora do Serviço ao Cliente Keith Ferreira
Gerente de Assinaturas e Circulação Avulsa
Nicole Ingouville Diretor-executivo Luis Henrique Fichman

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Presidente e CEO Bonnie Kintzer
Editora-chefe, Edições Internacionais Bonnie Munday

©2023 Radha Brasil Edições e Serviços Ltda. – Publicação autorizada por Trusted Media Brands, Inc. – Proibida
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4 seleções 11.2023
 Mundo do

BEM
razões para sorrir

Beleza nas ruas

O
Japão abriga marcos famosos, como os antigos templos de Quioto e os
arranha-céus com luminosos de néon de Tóquio. Mas você também vai
se espantar com o que está a seus pés: desde a década de 1980, o país
adotou uma abordagem criativa para embelezar as tampas de bueiros. Cerca
de 6 mil dessas placas de metal também servem de telas que representam os
símbolos culturais, eventos e regiões onde se encontram. O fotógrafo anglo-
-australiano Remo Camerota, que as documentou em seu livro Drainspotting,
diz: “Encontrá-las é a melhor parte. Parece uma caça ao tesouro.”
Niradj/ShutterStock

11.2023 seleções 5
 HERÓIS DE HOJE

Uma ajuda
bem treinada
Um praticante de artes marciais com problemas
com a polícia salva um policial

POR Eric Raskin

Q
uando Mark Anthony Gon-
zales viu que um policial
precisava de ajuda, todos os
elementos do código moral incutido
durante o treinamento de jiu-jítsu
brasileiro – moralidade, coragem,
benevolência – o fizeram parar o
carro para ajudar, embora aguar-
dasse julgamento em liberdade ha-
via três meses depois de preso por
posse de arma, acusação que negava
e que seria anulada mais tarde. Ele
estava a caminho do trabalho e le-
vava no carro a esposa Rachel Ortiz,
os quatro filhos, com idades até 6
anos, e mais três parentes. Ele viu
um policial brigar com um suspeito
e teve de agir.
Mark ia abrir a academia de artes
marciais onde treina e trabalha como
voluntário e viu uma perseguição po-
licial. Um homem calvo, de complei-
ção mediana, bermuda camuflada,
camiseta preta e botas de trabalho,
corria de um policial num cruza-
mento em San Antonio, no Texas.
Mark desacelerou. O perseguido fez
o mesmo para não bater em sua mi-
nivan. Essa hesitação permitiu que o
musculoso policial alcançasse o sus-
peito e o jogasse no chão.
Mark, hoje com 37 anos, logo

6 seleções 11.2023 fotografia de Jeff Wilson

 O treino de
Mark Anthony
Gonzales lhe
permitiu
defender um
policial.

11.2023 seleções 7
percebeu que o policial não estava no
controle da situação. “Ele estava de
joelhos, montado sobre o suspeito,
que, como dizemos na academia,
balançava o barco, ou seja, jogava o
policial de um lado para o outro”, re-
cordou ele. O homem parecia uma
ameaça, prestes a derrubar o policial
e assumir a posição de controle.
“Foi minha deixa”, disse Mark, que
estacionou o veículo e desceu, assim
como Rachel, com o celular apontado
para os dois homens no chão. A pri-
RAPIDAMENTE,
JACK ESTENDEU
A MÃO E PEGOU
A ARMA.
meira coisa que Mark fez foi se iden-
tificar e anunciar a intenção de entrar
na briga a favor do policial Nathaniel
Linville. Então, com Nathaniel se es-
forçando para controlar a parte su-
perior do corpo do suspeito, deitado
de costas, Mark jogou seu peso sobre
as pernas do homem. O suspeito Jack
Evans, de 44 anos, procurado por uso
não autorizado de veículo, conseguiu
rolar para a direita e ficar de bruços.
Com o braço do suspeito atrás das
costas, Nathaniel tentou algemá-lo. Mas
a posição perpendicular, com o peito
pressionado contra as costelas direitas
de Jack, o deixava vulnerável. Mais exa-
tamente, deixava vulnerável a arma, no
8 seleções 11.2023
coldre do lado direito do quadril, a cen-
tímetros do nariz do suspeito.
Rapidamente, Jack estendeu a mão
e pegou a arma. Num instante, Mark
enfiou os dedos sob os de Jack e os
abriu para soltar a arma.
Mas a briga não tinha acabado.
Jack, de bruços outra vez, continuava
a resistir e se contorcer. Mark usou
as técnicas aprendidas na academia:
enfiou o joelho no cotovelo de Jack e
puxou a cabeça do suspeito em sua
direção para controlá-lo pela lateral,
enquanto Nathaniel continuava mon-
tado nos quadris de Jack. Nathaniel
conseguiu pôr o pulso direito de Jack
nas algemas, mas o suspeito enfiou o
braço esquerdo sob o corpo, fora de
alcance. Então Mark lhe aplicou um
gancho – um movimento do jiu-jítsu
em que as mãos ficam sob o braço do
adversário para controlar o ombro e a
parte superior do corpo – e puxou até
que, em alguns segundos, o ombro de
Jack cedeu. Assim, Nathaniel pôs a se-
gunda algema, e a ameaça se desfez.
Para Mark, era apenas o começo.
Ele pediu à esposa que filmasse tudo
para se proteger caso suas ações fos-
sem questionadas. Mas Rachel publi-
cou o vídeo no Facebook, onde obteve
mais de 56 milhões de visualizações.
Entre os assombrados com o vídeo
está o instrutor de jiu-jítsu brasileiro
Rener Gracie, faixa preta de quarto
grau, que afirmou: “A combinação da
técnica de Mark com sua comunica-
ção calma com o policial e o suspeito
é matéria-prima para as lendas!”
 Piadas de ESCOLA DE SUBMARINO
CASERNA FECHAR
ESCOTILHA

Como advogado militar,

dei aulas de direito mi- SUBMERGIR
litar aos novos segun-
dos-tenentes do Fort
Sam Houston. Suponho
que não era um as-
sunto muito cativante,
porque certo dia um
aluno cochilou. Inter-
rompi a aula, fiquei na
frente dele e berrei:
– Tenente! Quanto
estão lhe pagando para
dormir nesta aula? “Aqui é preciso insistir
O tenente se espre- na importância da ordem!”
guiçou e respondeu,
sonolento: treinamento básico ele parou e inspirou
– Senhor, claramente em Camp Blanding, na o aroma que vinha
muito pouco. Flórida. No turno do do fogão.
—richard huff rancho, trabalhei ao – Uau, que cheiro
lado do sargento da bom! – disse. – O que
Meu pai disse que en- companhia que prepa- eu fiz de errado?
trou nos Fuzileiros Na- rava o jantar. —richard t.
vais assim que saiu do Depois de temperar a floersheimer
ensino médio por uma carne e colocá-la para
razão: não aguentava cozinhar lentamente,
mais receber ordens. ele foi tirar um cochilo. sua história pode
valer até R$ 400. Visite
—randy matthews O rancho do Exército
o site selecoes.com.br
não é alta culinária. ou veja os detalhes
No fim da Segunda Mas, quando voltou na página 24.
Guerra Mundial, fiz o duas horas depois,

cartum de Ralph Hagen/Cartoonstock 11.2023 seleções 9


CARRO RENOVADO PARA QUEM PRECISA
COMUNIDADE Juntar latinhas vazias para
comprar um carro parece impossível,
mas os moradores de Mooloolah Valley,
em Queensland, na Austrália, sabem
que não é. Desde 2018, a entidade sem
fins lucrativos Cans for Cars (“latas por
carros”) conserta veículos usados e os
doa a pessoas necessitadas usando ape-
nas recicláveis para obter recursos.
Quando soube que as latinhas podem
ser recicladas a 10 centavos de dólar
cada, Sam Tucker, de 41 anos, mecânico
e fundador da Cans for Cars, começou a
recolhê-las com os moradores. Foram
necessários 18 meses e 40 mil latinhas
para comprar o primeiro carro, um Ford
Fiesta 2001. Tucker pagou cerca de 260
10 seleções 11.2023
BOAS NOVAS
por um mundo melhor
POR Robert Liwanag
Sam Tucker,
fundador da
Cans for Cars.
dólares por ele e gastou mais 1.100 em
peças de reposição para doá-lo a uma
organização sem fins lucrativos que
apoia mulheres em crise. Até agora, a
Cans for Cars comprou, consertou e
doou 18 carros.
No início, Tucker passeava pelo bairro
em busca de quem precisasse de um
carro. Logo, as pessoas começaram a
mandar dicas de candidatos, como uma
família que perdeu a casa na enchente de
2022. “Dei um carro àquela jovem mãe
para ajudá-la a arranjar emprego e levar
matthew abbott
os filhos à escola”, diz ele.
Tucker planeja montar uma oficina
para servir de sede. “A Cans for Cars está
realmente causando impacto no nível
 mais básico”, diz ele. “Por isso acredito
que teve todo esse sucesso.”
Esperança para pacientes
com doença rara
SAÚDE Em fevereiro de 2023, os médicos
do NHS, o serviço nacional de saúde do
Reino Unido, salvaram uma menina de 2
anos com um novo medicamento que
usa as células-tronco do paciente. Teddi
Shaw se tornou a primeira pessoa do país
a receber o Libmeldy, um dos remédios
mais caros do mundo, e há planos para
aumentar o acesso a ele no Reino Unido.
Teddi tem leucodistrofia metacromá-
tica (LDM), doença hereditária rara e
fatal que danifica o sistema nervoso
e causa perda de audição, memória e
habilidade motora. Porém, o Libmeldy,
única terapia genética aprovada para a
LDM, custa mais de 4 milhões de dóla-
res por infusão.
No início do ano, o fabricante da
substância fez um acordo com o NHS
para oferecê-lo com um grande des-
conto aos pacientes do Reino Unido (os
detalhes não foram divulgados). Há
planos para tornar o medicamento
benjamin taguemount/getty images
mais barato também na região nórdica.
IA para proteger os animais
TECNOLOGIA O Gabão abriga animais em
risco de extinção, como chimpanzés e
elefantes, ameaçados por caçadores ile-
gais que procuram presas de marfim ou
carne de animais selvagens. A empresa
holandesa Hack the Planet ajuda as equi-
pes locais que combatem a caça ilegal a
proteger a rica vida animal do país
usando inteligência artificial. Os enge-
nheiros da empresa equiparam as câme-
ras com IA que identifica seres humanos.
Quando um caçador é percebido, o sis-
tema tira fotos e avisa os guardas-flores-
tais próximos. As câmeras são usadas no
Gabão desde 2021. A Hack the Planet
espera que venham a ser empregadas
para proteger animais selvagens em pro-
jetos de conservação no mundo inteiro.
Soluções inteligentes
para o desperdício
INOVAÇÃO Todo ano, um terço dos ali-
mentos do mundo, cerca de 1,3 bilhão
de toneladas, vai para o lixo. A Rebread,
nova empresa de Cracóvia, na Polônia,
quer reduzir isso. No início da pande-
mia, quando muitos pães de sua pada-
ria artesanal não foram vendidos, os
fundadores Katarzyna Młynarczyk e
Bartłomiej Rak utilizaram um processo
tradicional de destilação para transfor-
mar o pão velho numa bebida alcoólica
inigualável chamada Okowita, hoje
vendida em lojas de toda a Polônia.
Com cientistas locais, a Rebread está
testando mais maneiras de usar pão
velho, inclusive como componente de
embalagens biodegradáveis e material
primário para impressoras 3D.
11.2023 seleções 11
 COMPLETE A FRASE
“Gosto do
seu cabelo.
As quatro
A coisa mais ofensiva cores foram
intencionais?”
que eu já disse foi: Phil
Reino Unido

A um Ao meu chefe:
canadense:
“Como consegue
“De que parte ser tão vazio e,
dos Estados ao mesmo
Unidos você é?” tempo, tão
PeteR
Canadá cheio de si?”
lieveN veRhassel
Bélgica

“Você é
um lixo.” “Você é
cuquis toRRes tão feio que
México se parece
“Seu comigo!”
MaRc chevRieR
cérebro não França
passa de um “Prefiro
enfeite.” ouvir meu
Noelia RodRíguez
Peru
cunhado a
À minha mãe, continuar falando
quando meu com você.”
irmão nasceu: RaMóN MaestRe
“Como ele Espanha

é feio!”
M. MoNteiRo
Brasil
12 seleções 11.2023
 À minha mãe,
“E você é o quando eu tinha
pai da 15 anos:
criança?” “Queria nunca
RichaRd saiNt ter nascido!”
Pol MiNieR Katja seiRala
Dinamarca Finlândia

Em geral,
uso gestos e
expressões
faciais em vez de
palavras. Ao colega que
johaNNes divide o apartamento
Alemanha
Sobre comigo:
minha filha “Lave a louça, seu
recém-nascida:
rato imundo!”
“Ela parece Rifdi RaMlee
um frango!” Malásia
Paul
Países Baixos

Não há
como
“Você é tão escrever
importante isso!
quanto leite Michael MasteRsoN
Nova Zelândia
num café
americano.”
jia BhavNaNi “Para
Índia quando é o
bebê?”
(Ela não estava
grávida.)
lois MasteRs
(mapa) shutterstock Austrália 11.2023 seleções 13
 – São – dize ela. –

FLAGRANTES
da Vida Real
Gosto de usar as
mesmas para não
esquecer.
—brenda erickson

Ninguém fica mais

em pânico do que eu
quando ligo para a
assistência técnica
com um problema
complicado e a má-
quina que atende me
pede que descreva a
razão do chamado
“em poucas palavras”.
—@copymama
“Se você parar de nos chamar de
porquinhos, a gente deixa você entrar.”
Como escrever um
classificado:

cartum de Liana Finck/the new Yorker coLLection/the cartoon Bank

Quando estudávamos finha cor-de-rosa vazia ✦ Fique atento aos de-
numa cidade diferente e perguntou exaltada: talhes antes de publicar
daquela onde morava – Alguém sabe dizer um anúncio no Face-
nossa família, eu e meu onde foi parar a “água book. Encontrei um
irmão sempre voltá- benta” que estava aqui? que dizia: “Procuro
vamos para casa nos —claudio renato uma casinha aquecida
feriados prolongados bifano, Conselheiro de gato/cachorro para
e nas férias. Assim que Lafaiete (MG) minha mãe”. Espero
chegávamos, íamos que a mãe dele tenha
“visitar” a geladeira Meu checkup anual um animal de
e devorar tudo o que inclui um teste de me- estimação.
havia ali dentro. mória e começa com a —julia tilson
Certa vez, no almoço enfermeira me dizendo ✦ Esse anúncio classifi-
do dia seguinte à nossa três palavras que terei cado da seção de auto-
chegada, com a família de recordar mais tarde. móveis do jornal East
estava reunida à mesa, – Não são as mesmas Bay Times, de Walnut
tia Mimiza levantou-se, do ano passado? – per- Creek, na Califórnia,
abriu a porta da gela- gunto, achando as pala- prova que os vendedo-
deira, pegou uma garra- vras familiares. res de sucesso são

14 seleções 11.2023
 Casamento é o cônjuge dizer “não gosto estilo abstrato, com as
mais dessa série”, e você nunca mais árvores retorcidas em
descobrir como terminou. vários formatos, pinta-
das em tons saturados
—@mcdadstuff
de verde, azul, roxo e
amarelo, e o caminho
otimistas: “Honda Civic hora. Ele dedicou avança nas mesmas co-
1999. Não funciona, tempo e esforço, e não res. O quadro é incrível,
mas funcionava.” desistiu. e fiquei toda boba en-
—l.s. – É, mas aí ele largou. quanto olhava. Isto é,
– Ele não largou. Ele até Susan tirar o qua-
Lennox, meu filho de se aposentou. Há uma dro suavemente das
9 anos, não quer mais grande diferença. minhas mãos, girá-lo
jogar basquete. – Então tá – disse 180 graus e dizer:
– Não sou bom nisso Lennox. – Eu me – Você está olhando
– ele insiste. aposento. de cabeça para baixo.
– Ainda é o primeiro —kristin castle —rose jakubaszek
ano – comentei. – Não
dá para começar algo Em meu 50-º aniversário,
novo e achar que vai Susan, minha amiga sua história pode
ser bom de repente. artista, me deu um de valer até R$ 400.
Derek Jeter não come- seus quadros, com um Visite o site selecoes.com.br
çou a jogar beisebol e caminho que serpen- ou veja os detalhes na
página 24.
virou craque na mesma teia pela floresta. É um

VELHICE – depois de três ou quatro

tentativas.
DESELEGANTE —jeffrey anbinder,
rGr coLLection/aLamY Stock Photo

Eu com 20 anos num em top5list.com

show: “Uuu-huu!”
Eu com 40 anos num Estou descansando com
show: “Caramba, ainda meu roupão de banho,
há grama neste campo. não aguentaria esse trilhando a linha fina entre
Toda essa cerveja derra- abuso.” parecer “uma divorciada
mada não deve fazer —@benboven1 de 60 anos em ótima
bem à terra. Deve ser um forma” e “Tony Soprano
capim bem resistente. Agora que passei dos 50, em seu pior momento”.
Acho que a grama-paulista faço as coisas de primeira —@brotigupta

11.2023 seleções 15

Na verdade, os
labradores vermelhos
como Loki são de um
tom mais escuro
de amarelo.
AMIGOS PETS
Loki, o labrador
McMurray, pensilvânia
Q
uase nove anos atrás, o labrador
Loki veio de sua mãe para mi-
nhas mãos ansiosas. Era um dos
11 filhotes, o único vermelho-raposa
(seis irmãos eram pretos, três choco-
late e um amarelo). Eu sabia que tinha
de ficar com ele.
Sua atividade favorita é andar co-
migo na picape, com a cabeça para
fora da janela para pegar um venti-
nho e observar os outros motoristas.
Alguns anos mais tarde, assim que
nos mudamos para uma casa nova,
um dia tivemos de sair um pouco e
16 seleções 11.2023
Quer
compartilhar a
história do seu pe
Envie
t?
seu relato
editor@selecoes.cpara
om.br
fechamos Loki na sala de estar. Ou
assim pensamos.
Imagine minha surpresa quando
voltamos para casa, entramos na
garagem para estacionar ao lado da
picape e lá estava Loki, sentado ale-
gremente no banco do motorista. Ele
conseguiu remover o bloqueio que
criamos, explorou a casa e abriu a
porta da garagem.
Deve ter visto a única coisa que co-
nhecia – a picape do papai –, pulou
na parte traseira e conseguiu abrir a
janela de correr para entrar na cabine.
É claro que trocamos todas as ma-
vince lilja
çanetas depois desse ato digno de
Houdini.
—Enviado por vince lilja
 SAÚDEBem-estar de
corpo e mente

Por que as
plantas dentro
de casa nos
fazem bem
A ciência mostra que elas
promovem a saúde mental

por Lauren David

T
er um pouco de natureza den-
tro de casa não é algo novo, mas
as coleções de plantas domésti-
cas se tornaram uma tendência popu-
lar nas mídias sociais – mais do que
nunca as pessoas descobrem a beleza
e o reconforto de cuidar das plantas.
É um hobby que traz bem-estar
com o apoio da ciência. Já se cons-
tatou que a exposição ao verde, seja
com plantas dentro de casa, seja nos
passeios ao ar livre ou cuidando do

ilustrado por James Steinberg 11.2023 seleções 17

jardim, traz muitos benefícios à saúde
mental: baixa o estresse, reduz o sen-
timento de depressão, aumenta a so-
ciabilidade, restaura o foco, aprimora
o desempenho cognitivo, melhora o
humor e promove a autoestima.
“Um estudo mostrou que pacientes
hospitalizados que tinham plantas no
quarto sentiram menos dor e tiveram
pressão mais baixa e menos fadiga e
ansiedade do que os pacientes sem
plantas no quarto”, diz Jenny Seham, psi-
cóloga de Nova York. Ela explica: “Já se
demonstrou que o cortisol, o hormônio
do estresse, se reduz na interação com
as plantas, o que diminui a fadiga, a ir-
ritabilidade e a pressão arterial.”
A pesquisa também deixou claro que
as plantas e a jardinagem aumentam a
produtividade e o nível de serotonina,
neurotransmissor responsável por me-
lhorar o humor. A teoria é que cuidar
das plantas aumenta a concentração no
momento presente e traz realização, em
vez de ficarmos remoendo o passado ou
nos preocupando com o futuro.
Antes de encher seu espaço de fo-
lhagens, porém, pense em como in-
teragir com as plantas. Por exemplo,
elas ficam num lugar onde você passa
muito tempo? Você pode cuidar delas?
Se tiver pouco espaço ou não sou-
ber quanto tempo terá para cuidar das
plantas, vá aos poucos. “Uma única
planta já faz diferença; ela se envolve
com você pelo cheiro ou pela cor e cria
uma reação positiva do humor a cada
interação”, diz Seham.
Pronto para cultivar seu jardim
18 seleções 11.2023
dentro de casa? Aqui estão oito plan-
tas que os especialistas recomendam
para a saúde mental:
Espada-de-são-jorge
Essa planta tem folhas verde-escuras
em formato de espada, muitas vezes
com listras brancas ou amarelo-mos-
tarda. Também chamada de “língua-
-de-sogra”, a espada-de-são-jorge é
ideal para os iniciantes. É fácil de cui-
dar, prospera em espaços com pouco
sol, tem apelo visual e filtra o ar.
Clorofito
O clorofito, de folhagem verde-
-clara, gosta de umidade e luz me-
diana. Quando se desenvolve, lança
brotos que podem ser cortados e
replantados.
Babosa
Resistente à seca e fácil de cultivar, “a
babosa não exige muita manutenção –
só é preciso regar uma vez por mês – e
produz um gel curativo que se pode
usar diretamente da folha”, diz Seham.
Jiboia
A jiboia é uma planta adaptável, de fo-
lhas cerosas verde-claras em formato
de coração. Cria longas gavinhas que
podem sair do vaso e crescer para
baixo ou para cima, se forem susten-
tadas por uma treliça.
Alfazema
O aroma da alfazema é relaxante,
ajuda a reduzir o estresse, promove o
sono e tem propriedades anti-inflama-
tórias em uso tópico na pele. É possível
cortar e secar as folhas para deixá-las
numa vasilha ou jogá-las no banho.
Manjericão
“A experiência de cultivar, colher
e usar temperos que você mesmo
plantou tem impacto positivo sobre a
saúde mental; além de realização, traz
experiências sensoriais positivas”, diz
Seham.
O manjericão é o favorito pelo aroma
maravilhoso e por ser um ingrediente
importante nos pratos mediterrâneos.
Um estudo de 2021 publicado na re-
vista Frontiers in Aging Neuroscience
constatou que comer manjericão faz
bem à saúde cerebral. O fenchol, com-
posto natural encontrado no manjeri-
cão e em outras plantas, pode proteger
da doença de Alzheimer.
Erva-cidreira
Essa erva verde com uma leve fra-
grância cítrica faz parte da família da
menta e é fácil de cultivar. A pesquisa
indica que o chá de erva-cidreira ali-
via a ansiedade e melhora o sono.
Hortelã
A hortelã é uma erva robusta que
cresce depressa. “É ótimo cheirar as
folhas: dá um efeito calmante ime-
diato”, diz Seham. O chá de hortelã é
famoso pelos benefícios à digestão,
principalmente nas náuseas e na sen-
sação de empachamento.
LEMBRE-SE: EMBORA A JARDINAGEM
reduza o estresse, não substitui o pro-
fissional de saúde mental. Deixar mais
verde o espaço interno da casa deve
ser visto como uma parte agradável da
rotina holística de bem-estar.
11.2023 seleções 19

Notícias do
MUNDO DA
MEDICINA
por Samantha Rideout
ERVAS E TEMPEROS
FAZEM BEM AO
INTESTINO
As ervas e temperos são mais saudá-
veis do que o sal para dar sabor e tam-
bém são bons para o microbioma
intestinal, de acordo com um estudo
publicado ano passado na revista The
Journal of Nutrition. Os participantes
acrescentaram à alimentação 24 ervas
e temperos (como gengibre, manjeri-
cão e canela). Em quatro semanas, nos
que usaram apenas 5 miligramas por
dia nas refeições, a variedade de
micróbios no trato digestório aumen-
tou. Como em outros ecossistemas, o
microbioma intestinal diversificado
é considerado saudável e resiliente.
20 seleções 11.2023
Diagnóstico precoce da
doença de Parkinson
Atualmente, os médicos diagnosti-
cam a doença de Parkinson com base
nos sintomas. Mas os primeiros pro-
blemas a aparecer, como depressão e
prisão de ventre, também ocorrem
em muitas outras doenças. Em geral,
os pacientes só recebem o diagnós-
tico correto anos depois, quando sur-
gem os tremores e a rigidez.
Essa incerteza pode mudar em
breve graças a novos exames labora-
toriais que identificam anormalida-
des da proteína alfa-sinucleína. Um
desses exames do líquido cefalorra-
quidiano foi recentemente validado
num grande estudo americano.
Oitenta e oito por cento dos partici-
pantes com doença de Parkinson
foram identificados, e os falsos positi-
vos só ocorreram em 5% das pessoas
que não tinham o problema.
FOTOGRAFIA DE ADAM VOORHES; ADEREÇOS: ROBIN FINLAY
Quando a obesidade é genética
A alimentação e a inatividade não são
os únicos fatores da obesidade. Os
outros vão da idade à medicação e
aos hábitos de sono. Também há
alguns genes que aumentam a proba-
bilidade de obesidade (definida pelo
índice de massa corporal, ou IMC, de
30 ou mais). De acordo com pesqui-
sadores suecos, a obesidade afeta a
saúde de várias maneiras, depen-
dendo da causa. Especificamente, as
pessoas com IMC elevado e predis-
 posição para a obesidade corriam
risco menor de doença cardíaca
quando comparadas a pessoas cujo
excesso de peso se deve apenas a
fatores ambientais e de estilo de vida.
Reduza a dor nas
costas sem opioides
Se você procura um analgésico para
reduzir a dor lombar mas quer evitar
os viciantes opioides, as principais
opções são o acetaminofeno e os anti-
-inflamatórios não esteroides (AINEs),
como ibuprofeno e naproxeno. De
acordo com uma revisão alemã, a
combinação dos dois tipos trouxe
mais alívio do que os AINEs sozinhos.
(O estudo constatou que, embora os
AINEs sozinhos ajudem, nesse tipo
de dor o acetaminofeno não é melhor
do que o placebo.) Para descobrir a
melhor combinação para você,
converse com o médico.
Libido na meia-idade
A menopausa tem seu papel na redu-
ção do impulso sexual das mulheres
(TÊNIS) YASINGUNEYSU/GETTY IMAGES
de meia-idade, assim como as pres-
sões do cotidiano. Pesquisadores da
Escola de Higiene e Medicina Tropical
de Londres e da Universidade de Glas-
gow analisaram dados de 2.133 mulhe-
res e entrevistaram algumas na faixa
etária de 45 a 59 anos. Era mais prová-
vel que as mulheres atribuíssem a
redução da libido e o baixo nível de
atividade sexual à pressão do emprego,
de criar filhos, de cuidar de parentes
idosos, dos problemas de saúde e de
se responsabilizar por quase todo o
serviço doméstico.
Pode ser confortador descobrir
que é comum ter menos atividade
sexual nessa fase da vida, disseram
os pesquisadores, e que a frequência
não é o mais importante na vida
sexual satisfatória. Para as participan-
tes com mais satisfação sexual, a sen-
sação de proximidade e intimidade
na relação era mais importante. E isso
pode vir de simplesmente sentir-se
apoiada – um bom lembrete para
buscar ajuda quando você se sentir
sobrecarregada.
A natureza e o
poder cerebral
Seja qual for o ambiente, o exercício
faz bem ao funcionamento do cére-
bro. Mas é ainda mais benéfico
quando praticado em ambiente
agradável ao ar livre, concluiu um
pequeno estudo canadense. Os alu-
nos da Universidade de Victoria tes-
taram a função cognitiva antes e
depois de 15 minutos de caminhada.
Num dia, andaram em recinto
fechado; em outro, por
uma trilha na floresta.
O desempenho
no teste cognitivo
foi melhor
depois do pas-
seio ao ar
livre.
11.2023 seleções 21
 OSSOS
do Ofício

Nos anos 1980, eu tra-

balhava como bancário
durante o dia e à noite
ajudava meu amigo
Romeu Salvador Aversa
na edição do jornal A
Folha de São Carlos, na
cidade de São Carlos
(SP). No fim de sema-
na, dividíamos uma co- “É, todos os grandes supermercados têm uma salinha
luna intitulada “Maria para quem é pego provando as uvas.”
Emilia aos domingos”,
na qual comentávamos da Folha, é tão peque- No dia seguinte à festa
com humor os fatos no, mas tão pequeno, de Ação de Graças,
políticos da cidade. que ele só tira foto 2 x recebi o chamado de
Numa dessas colu- 2, porque se tirar 3 x 4 um cliente que queria
nas, Romeu inseriu, metade fica em branco.” pagar uma conta. Assim
sem que eu percebesse, —Mauricio José de que terminei de regis-
uma nota sobre mim: oliveira felicio, São trar as informações do
“O Mauricio José, aqui José do Rio Preto (SP) cartão de crédito, ele
berrou:
– Eu sei que é Black
Amy Poehler, de 33 anos, representando Friday! Não tente nada!
a mãe de Rachel McAdams, de 26, Fiquei espantado,
sem saber do que ele
no filme Meninas malvadas é a dinâmica
me acusava. Até que,
perfeita entre mim e meus colegas de repente, seu tom
no bar onde trabalhamos. de voz mudou.
—@kimberlydinaro – Desculpe – ele disse.

22 seleções 11.023 cartum de Phil Witte

 – Eu estava falando com
minha mulher, não
com você.
— CALLEN HARTY
Se você é do tipo que
SVETLANA SULTANAEVA/GETTY IMAGES (GATO). JACOBLUND/GETTY IMAGES (PISTA DE CORRIDA). OLENA BABAK/GETTY IMAGES (LHAMA)
gosta de escutar a con-
versa dos colegas, eis
algumas coisas que
talvez ouça:
✦ Funcionário ao tele-
fone com cliente: “Só
preciso cruzar os Xs
e arredondar os Os.
Depois, volto a falar
com o senhor.”
✦ Habitante de cubí-
culo: “Por que as coisas
que acontecem com
gente burra sempre
acontecem comigo?”
NAUFRÁGIOS NO TRABALHO
Três memes que resumem seu emprego...
Como é se repetir três vezes
na reunião pelo Zoom
✦ Gerente de projeto
falando de um dos
diretores da empresa:
“Ele anda por aí com
o limpador de para-
-brisa ligado porque
ainda não descobriu
como desligar. Acha
mesmo que vai enten-
der isso aí?”
—OVERHEARDINTHEOffICE.COM
Durante a pandemia,
dei aulas remotas. Perto
do Dia de Ação de Gra-
ças, a aula foi sobre por
que os perus não voam.
A resposta correta é
porque são pesados
demais. Mas, por mais
que eu desse dicas,
Situação: são 16h59 de
sexta-feira no escritório
—POR LUCIE TURKEL EM RD.COM
meus alunos não enten-
diam. Finalmente, fui
à cozinha, peguei um
peru congelado e fiz a
mímica de um peru
muito pesado e incapaz
de voar.
– E agora – perguntei
–, por que motivo o
peru não voa?
Um menino então
respondeu:
– Porque está morto.
— KAREN TROLAND
sua história pode
valer até R$ 400.
Visite o site selecoes.com.br
ou veja os detalhes na
página 24.
O e-mail: espero que
você esteja bem.
Eu, lendo o e-mail:
11.2023 seleções 23
 VOCÊ EM SELEÇÕES
A pessoa só prova mesmo que é bem-humorada com
a maneira como reage na hora em que é “zoada”.
O leitor Mauricio José de Oliveira Felicio,
de São José do Rio Preto (SP), nos dá uma aula de
bom humor na história que enviou para a seção
Ossos do ofício, na página 22. E você? Reagiria com humor?
Mande para a gente as suas histórias engraçadas!

CONTE UMA HISTÓRIA ENGRAÇADA E GANHE ATÉ R$ 400*

Sua história real pode ser
publicada em Flagrantes
da vida real (experiências
do dia a dia que revelem a
natureza humana), Ossos
do ofício (humor no traba-
lho), Piadas de caserna
(humor na carreira militar)
e Essas crianças... (o
mundo do ponto de vista
delas). Piadas podem ser
publicadas em Rir é o
melhor remédio.
As regras
Por favor, inclua nome, en-
dereço e telefone em suas
*O critério de atribuição de valor abrange: originalidade e extensão da contribuição.
contribuições. Todo mate-
rial previamente publicado
deve conter nome da fonte,
data de publicação, número
da página, endereço na
internet ou outra forma de
identificação. Se não houver
identificação de fonte, con-
sideraremos o item como
original, e atribuiremos a
garantia e responsabilidade
de autor a quem o enviou.
Itens originais, se forem es-
colhidos e pagos, passam a
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24 seleções 11.2023
 Arte de

VIVER
comida, fatos e diversão

Mundo,
conheça o
poutine
Talvez ele logo se torne
a maior tendência da
culinária reconfortante

por Leila El Shennawy

E
ntre em qualquer restaurante
informal de Montreal, no Ca-
nadá, depois da balada e encon-
trará os fregueses mergulhando em
pratos cheios de poutine. Nascido na
província francófona do Quebec, essa
delícia entupidora de artérias – batatas
fritas com queijo cheddar, regadas com
molho de carne – vem ganhando fãs no
mundo inteiro.
Por quê? Ora, por que não? Fritas
crocantes. Coalhos de queijo com
aquele jeitinho de ranger no dente.
Molho ralo o bastante para se infiltrar
TMB STudio

pela pilha, mas grosso o bastante para

ser erguido com uma garfada.
Provavelmente, a palavra poutine

fotografado por K. Synold 11.2023 seleções 25

vem da gíria quebequense que signi-
fica “bagunça”. Existe ainda a versão
de que pode ter evoluído a partir de
pouding (pudim).
Sylvain Charlebois, autor do livro
Poutine Nation, confirma que a ver-
são mais antiga do prato apareceu em
1957, em Warwick, no Quebec, cidade
produtora de laticínios. Um cliente fa-
minto chamado Eddy Lainesse pediu
a Fernand Lachance, dono do restau-
ELE PRECISAVA
DESCOBRIR POR QUE
O POUTINE É O PRATO
CANADENSE MAIS
POPULAR DO MUNDO.
rante, que juntasse coalhos de queijo e
batatas fritas num saco de papel pardo
porque estava com pressa. Lachance
atendeu, e a história afirma que disse:
“Isso vai fazer uma bagunça!”
A combinação se tornou um sucesso
nas casse-croûtes (barraquinhas de lan-
che) da província. Mas o poutine que
conhecemos hoje se completou em
1964 na cidade de Drummondville.
Jean-Paul Roy, jovem proprietário
da lanchonete Le Roy Jucep, que por
acaso era especialista em molhos, foi
o primeiro a regar as batatas fritas e o
queijo com molho de carne.
O poutine é um símbolo de orgu-
lho no Quebec, e faz tempo que o res-
tante do Canadá adotou essa deliciosa
26 seleções 11.2023
bagunça. A maioria das grandes cadeias
de lanchonetes – KFC, McDonald’s,
Burger King e outras – tem o prato no
cardápio. E uma cadeia especializada
chamada Smoke’s Poutinerie oferece
mais de vinte variações, inclusive uma
com molho de curry.
Hoje, o poutine surge em cardápios
bem distantes do Canadá: Rio, São
Paulo, Londres, Paris, Nova York, Xan-
gai, Tóquio, Moscou (onde o prato foi
apelidado de “raspoutine”) e até na lu-
xuosa Mônaco.
Charlebois diz que escreveu Poutine
Nation porque “precisava descobrir
por que essa preparação deliciosa,
mas nada saudável, se tornou o prato
canadense mais popular do mundo”.
Como parte da pesquisa, Charlebois
provou poutine em dezenas de cida-
des – de uma versão surpreendente-
mente boa em Brisbane, na Austrália,
até um prato sem graça nenhuma em
Cleveland, no estado americano de
Ohio. “Eles me serviram um poutine
com mozarela em pó”, diz ele. “Mas
me mostrei bem-educado.”
Charlebois compara a história do
poutine com a ascensão gloriosa da
pizza: uma combinação nada compli-
cada de carboidrato, queijo e molho,
algo sem sofisticação, mas tão gostoso
que se tornou sensação global.
Ainda não sabemos se o poutine che-
gará a ser tão universalmente popular
quanto a pizza. Mas, como Charlebois
TMB STudio
declara com ousadia, “a pizza levou
cem anos para chegar lá. E o poutine vai
existir por muitíssimo tempo”.
11.2023 seleções 27
 13 COISAS
Fatos de alto nível
sobre os drones
por Marc Saltzman
1
Os drones, veículos aéreos não
tripulados, parecem uma tecno-
logia recente, mas a primeira ver-
são voou em 1849, durante a Pri-
meira Guerra de Independência da
Itália. Franz Von Uchatius, tenente
de artilharia austríaco, usou balões
sem piloto cheios de explosivos para
atacar Veneza. Não teve muito
sucesso; alguns balões foram levados
pelo vento de volta à Áustria.
2
Abraham Karem (o “pai do
drone”), engenheiro nascido
em Bagdá e criado em Israel,
28 seleções 11.2023
construiu o primeiro drone moderno
para fazer reconhecimento na
Guerra do Yom Kippur, no início da
década de 1970. Quando emigrou
para os Estados Unidos, Karem pro-
jetou o drone MQ-1 Predator, que
disparou seu primeiro míssil de
combate no Afeganistão em outubro
de 2001 e transformou a tática e a
estratégia do combate militar.
Hoje, os drones têm papel funda-
mental na guerra russo-ucraniana.
Além de usados no reconhecimento,
os drones de combate atingiram Mos-
cou e Kiev. Os drones também foram
ilustração de Serge Bloch

usados para lançar alimentos e remé-
dios nos territórios da Ucrânia ocupa-
dos pelos russos.
3
Os drones militares lembram
aviõezinhos e podem custar
mais de 15 milhões de dólares,
mas as miniversões (às vezes chama-
das de “quadricópteros”) mais pare-
cem pequenos helicópteros; podem
ser comprados por até 40 dólares.
A maioria é operada a distância por
um controle ou aplicativo de celular,
mas alguns modelos voam de forma
autônoma graças a GPS, sensores,
software e câmeras que os ajudam a
evitar obstáculos.
4
Em muitos países, é preciso
registrar o drone antes de colo-
cá-lo no céu. Alguns países
também exigem que os proprietários
façam seguro de responsabilidade
civil. Na Europa, os usuários devem
ter pelo menos 16 anos, e é proibido
usar drones em áreas urbanas.
5
O acompanhamento por GPS
impede que os drones entrem
em zonas proibidas, como aero-
portos e instalações governamentais.
O drone voltará automaticamente
para o usuário ou pousará. Se for ile-
galmente modificado para entrar
nessas zonas proibidas, o drone pode
ser derrubado pelas autoridades ou
ter os circuitos “enguiçados” e cair.
O usuário está sujeito a pagar uma
multa gorda ou até a ser preso.
6
Tome cuidado quando usar um
drone sobre propriedades resi-
denciais. Os moradores têm
direito à privacidade, ou seja, os
drones não podem ser usados para
sobrevoar nem se aproximar das
janelas. Quando achar que está
sendo gravado por um drone,
denuncie.
Não admira que as celebridades
sejam alvo de “drones paparazzi”.
Em 2020, o príncipe Harry e Meghan
Markle abriram um processo contra
os paparazzi por usarem um drone
acima de sua casa na Califórnia e
tirarem fotos de seu filho.
7
Agora as pessoas fazem cor-
rida de drones, como se fossem
carros – mas a velocidade é
muito maior. Alguns drones vão de 0
a 145 km/h em menos de um
segundo! A primeira corrida mundial
de drones aconteceu em 2016, em
Dubai. Um adolescente do Reino
Unido ganhou o grande prêmio de
250 mil dólares depois de manobrar
seu drone com mais velocidade pelas
doze voltas na pista de 780 metros.
8
Com câmeras e sensores que
captam o calor do corpo, os
drones de busca e resgate aju-
dam a localizar pessoas e animais
desaparecidos. São usados em áreas
de difícil acesso, como montanhas
ou florestas densas, e podem procu-
rar até sob escombros após desastres
naturais, como aconteceu na Turquia
11.2023 seleções 29
depois do terremoto de magnitude entregar produtos farmacêuticos e
7,8, no início deste ano. exames de Covid-19 em cidades
remotas.

9
Os drones também ajudam

as autoridades a prender crimi-
nosos. Em 2016, a polícia de
Alameda, na Califórnia, usou um
drone para rastrear um suspeito e
gravar um vídeo dele descartando
drogas e armas, o que levou à sua
prisão. Os conservacionistas também
os usam para pegar caçadores ilegais
de elefantes e rinocerontes em Bot-
suana, Malauí, África do Sul e
Zimbábue.
12
Além de serem um
método de entrega melhor
para o meio ambiente – a
maioria dos drones pequenos é
movida a bateria –, os drones ajudam
o planeta de outra maneira. Pesqui-
sadores e conservacionistas os utili-
zam para monitorar espécies em
risco de extinção, e a Fundação da
Grande Barreira de Coral os usou no
recenseamento das tartarugas-ver-
des. Os drones também ajudam a

10
Às vezes, são os criminosos
que usam os drones. Em
2022, 20 pessoas foram pre-
sas por empregar drones para con-
trabandear drogas, armas e dinheiro
para a penitenciária Lee, no estado
reflorestar áreas devastadas por
incêndios; cápsulas com sementes
podem ser lançadas em regiões
perigosas demais para os seres
humanos.

13
americano da Carolina do Sul. Em breve, nós mesmos voa-
remos em drones! O pri-

11
Talvez algum dia um drone
entregue em sua casa as com-
pras feitas pela internet. Os
drones de entrega estão sendo testa-
dos na Europa, no Reino Unido e na
Austrália, entre outros locais. Em
2021, uma empresa chamada Drone
Delivery Canada foi usada para
meiro “drone para passagei-
ros” foi revelado em 2016 pela
empresa chinesa EHang. Ainda está
sendo rigorosamente testado. Talvez
algum dia peguemos um deles para
ir trabalhar e voemos acima dos
engarrafamentos – sem precisar de
brevê de piloto.

O poder de um só
Uma máquina faz o trabalho de
50 homens comuns. Nenhuma máquina faz
o trabalho de um único homem incomum.
ELBERT HUBBARD

30 seleções 11.2023
 ENTRE ASPAS

Precisamos de O OCEANO É O
alguém em nosso FLUIDO VITAL
canto do ringue DO PLANETA.
DEVÍAMOS
que acredite em CHAMÁ-LO DE
nós naquele PLANETA ÁGUA,
momento em que NÃO DE PLANETA
(BASSETT) JOHN SHEARER/ WIREIMAGE/GETTY IMAGES; (STEWART) JOHN SHEARER/ WIREIMAGE/GETTY IMAGES;

TERRA.
não acreditamos. —Geoff Green,
Podemos nos EDuCADOR E LíDER DE
ExpEDIçõES, NA REVISTA
apoiar na fé canadian geographic

dessa pessoa até

a nossa voltar.
—Angela Bassett, FRACASSO É
ATRIz, NA REVISTA QUANDO NÃO
the new yorker
TENTAMOS
FAZER AS COISAS
A obra de arte é um mundinho DO MELHOR
JEITO POSSÍVEL.
próprio que dá a sensação de que QUANDO DAMOS
tudo é como deveria ser, sem NOSSO MELHOR,
(ANCELOTTI) TONY MCARDLE/EVERTON/GETTY IMAGES

sobrar nem faltar nada. A CONSCIÊNCIA

—Michael Christie, ESCRITOR, NA REVISTA the walrus FICA LIMPA, E
ISSO NUNCA É
UM FRACASSO.
QUANDO —Carlo Ancelotti,
TéCNICO DO REAL
PARA DE MADRID, NA ESpN
MUDAR,
VOCÊ
ACABA.
—Martha Stewart,
EMpRESáRIA,
NA REVISTA today
 ESSAS CRIANÇAS...
Fui levar meu netinho Guto, na época
com 3 anos, à piscina. Quando che-
gamos, havia muitos insetos perto da
água. Guto então disse a eles:
– Bichinhos, vão viver a vida de
vocês, porque esta é a minha vida!
—ELIANE KONDI, São Paulo (SP)
Todo ano, quando voltamos de nossa
viagem anual ao Caribe, eu e meu
marido trazemos instrumentos musi-
cais para os netos. Depois de vários
anos fazendo isso, a coleção deles é
32 seleções 11.2023
Devo estar ficando
bom, porque meu pai
me mandou tocar
para os vizinhos!
enorme, e achamos que todas as
nossas fontes estavam exauridas.
Ao saber que talvez não ganhasse
um instrumento novo dessa vez, a
neta choramingou:
– Mas, vovó, não temos nenhuma
gaita de foles!
—sally brown
Normalmente, levo o cachorro para
passear depois do trabalho. Certo
dia, decidi levá-lo antes de sair para
trabalhar. Quando voltamos para
cartum de Ralph Hagen
 A professora falava da linda coroa da falecida
rainha Elizabeth II e perguntou: “Vocês conhecem
alguém que usa coroa?” Um aluno respondeu:
“Minha avó usa na boca.”
—Misir Doobaym

casa, a filha de 6 anos do vizinho Recebi pelo correio esta carta do

saía para a escola. Ela acenou para
mim e perguntou:
– Vocês ficaram a noite toda
passeando?
—tara wanamaker
Meu filho de 4 anos e eu estávamos
deitados de costas, olhando pacifica-
mente o céu.
– Veja as cores lindas das árvores,
as nuvens fofinhas e o céu azul – eu
disse.
– É bonito, não é, mãe? – replicou
ele. Depois de refletir por um mo-
mento, perguntou: – O mundo ainda
era preto e branco quando você era
pequena?
—charlene classon
Meu neto Seth: “Queria que você
pudesse ir no cruzeiro conosco.”
Eu: “Eu também.”
Seth: “Será que não conseguimos
espremer você numa mala?”
Eu: “Duvido.”
Seth: “É, você também não ia
conseguir ver muita coisa.”
—elsa paterson
meu filho em idade escolar: “Caro
Sr. João da Silva, escrevo esta carta
porque é uma tarefa da escola e me
obrigaram. Tinha de provar que sa-
bia usar o formato de carta comer-
cial. Não considere esta carta algo
importante, porque ela só serve para
minha educação. Sinceramente,
João da Silva.”
—jennifer brett kooistra
– Vamos lá – eu disse a Samuel, meu
filho de 5 anos, que enrolava para
se deitar, na esperança de ficar
acordado até tarde. – Está na hora
de todos os bons meninos irem para
a cama.
– Mas, mãe – argumentou ele –,
não fui muito bom hoje, não é?
Na verdade, acho que fui bem
malcriado!
—lucy lastic
sua história pode valer até R$ 400.
Visite o site selecoes.com.br ou veja os
detalhes na página 24.

11.2023 seleções 33
34 seleções 11.2023
 TRÊS PESSOAS VIRAM A MORTE DE PERTO,
MAS VIVERAM PARA CONTAR

O E
S R V IV I !
B
contado A Lisa Fitterman

ilustrado por Kagan McLeod 11.2023 seleções 35


SOBREVIVI À ENCHENTE
CHRISTIAN FLEISCHMANN, 33 ANOS
Era 1h20 da madrugada de 14 de ju-
lho de 2021. Eu tinha acabado de me
deitar, um pouco bêbado depois de
comemorar meu aniversário de 31
anos. Alguns amigos vieram ao meu
apartamento no subsolo da casa da
minha irmã.
Moramos em Sinzig, ao sul de Bonn,
na Alemanha. A cidade fica a meio
quilômetro das margens do Rio Ahr, e
tinha chovido a cântaros naquela se-
mana; havia alertas de enchente e or-
dens de evacuação em algumas áreas
próximas, mas não onde eu morava.
Por precaução, coloquei sacos de
areia diante da porta do quintal e
empilhei as roupas e os aparelhos
eletrônicos nas mesas e no sofá, para
o caso de entrar água. Antes de sair,
meus amigos riram de mim, mas pen-
sei: por que me arriscar?
Quando começava a adormecer, fui
despertado pelo som de água corrente,
como se estivesse ao lado de uma ca-
choeira e não em meu quarto. Quando
saí da cama, fiquei chocado: a água fria
chegava aos joelhos e subia depressa.
Deve ser um cano arrebentado no
banheiro, pensei. No escuro, tre-
mendo, peguei o celular e acendi a
lanterna. Quando pisei no corredor,
vi que não era um cano rompido. A
água entrava como um gêiser ou uma
lavadora de alta pressão pela porta do
quintal. Devia ter rompido os sacos de
36 seleções 11.2023
areia. Cadeiras, estantes e peças de mi-
nha bateria flutuavam na sala.
Senti a adrenalina subir quando o
pânico começou a se instalar. O Rio
Ahr, em geral lento e tranquilo, havia
transbordado violentamente. Agora,
eu precisava sair... e depressa!
Todo o efeito do álcool sumiu; o
medo nos deixa sóbrios. Ouvi a porta
do quintal começando a arrebentar,
a madeira rachando sob a pressão.
O som era estranhíssimo: guinchos,
sibilos e estrondos, tudo ao mesmo
tempo, incessante.
Com água pela cintura, descalço e
com o short colado no corpo, comecei
a vadear até a única saída: a porta da
escada que leva ao restante da casa.
À minha volta, tudo se quebrava: as
lâmpadas; a geladeira e os armários
da cozinha.
Finalmente, cheguei à porta e ten-
tei puxá-la, mas a pressão da água era
imensa. Toda vez que abria um pou-
quinho a porta, ela se fechava com
força outra vez.
Olhei em volta, procurando alguma
coisa para forçá-la a se abrir. No canto,
havia uma vassoura, um cabide de pé
para casacos e a espada pesada de uma
feira medieval. Peguei os três e tentei de
novo abrir a porta: enfiei a vassoura e o
cabide entre a porta e a moldura e usei
a espada para forçar um pouco mais a
abertura. Consegui uns 30 centímetros,
o suficiente para eu me espremer.
Na escuridão profunda, corri até o
terceiro andar. Bati como louco à porta
da minha irmã, tentando descobrir se
ela estava bem, até que lembrei que ela
não estava em casa naquela noite.
Então, desci correndo até o primeiro
andar e saí. Fiquei no escuro, enchar-
cado e ofegante, fitando a paisagem
aquática em que detritos, galhos e ár-
vores flutuavam. O rio tinha inundado
o bairro. Conforme a adrenalina bai-
FIQUEI ALI NA ESCURIDÃO,
ENCHARCADO E OFEGANTE,
FITANDO UMA PAISAGEM
AGORA AQUÁTICA. SOBREVIVI AO DEFEITO
DO PARAQUEDAS
xava, percebi que, se acordasse alguns
minutos depois, teria me afogado.
Dizem que coisas assim só aconte-
cem uma vez a cada cem anos. Assim
espero. Mais de 180 pessoas morreram,
e nas aldeias da região houve partes in-
teiramente levadas pelas águas.
Hoje, moro na casa dos meus pais,
no centro da cidade. Estudo psicolo-
gia e ensino artes marciais a crianças
nas escolas. Não tínhamos seguro con-
tra enchentes porque o local da casa
não era considerado de alto risco, e
estamos consertando tudo por conta
própria. Quando a obra terminar, meu
antigo apartamento vai abrigar uma es-
cola de artes marciais. Nunca consegui-
rei voltar a morar lá, porque não paro
de pensar: e se acontecer de novo? As
lembranças são traumáticas demais.
Muitas casas perto da nossa foram
destruídas, inclusive um lar para pes-
soas com deficiência. Foi horrível.
Nem todo mundo conseguiu sair.
No fim, acho que a experiência me
deixou agradecido e determinado a
viver cada dia plenamente. Cheguei
muito perto de me afogar naquele
dia. Mas, em vez de remoer o que po-
deria ter acontecido, prefiro recordar
o que minha mãe me disse depois:
“Christian, não se lembre do dia em
que perdeu tudo. Lembre-se do dia
em que sobreviveu.”
JORDAN HATMAKER, 36 ANOS
O dia 14 de novembro de 2021 era
perfeito para saltar de paraquedas:
ensolarado, com pouco vento. Eu era
um saltador solo novato; tinha feito 14
saltos, insuficientes para tirar a licença.
Eu sentia medo, mas o medo sempre
nos leva a correr mais riscos, não é? Foi
o que me atraiu para o paraquedismo.
Sempre fui uma pessoa de extremos.
Levei uns 40 minutos para chegar
ao hangar perto de Suffolk, no estado
americano da Virgínia; a área tem
muita terra vazia e espaço aéreo.
O avião decolou com umas 15 pes-
soas para o primeiro salto por volta das
13h30, e tudo estava lindo. Para come-
çar, passei pelos procedimentos de se-
gurança com meu treinador – um ritual
observado a cada salto, por mais expe-
riência que se tenha. Nele, apontamos
11.2023 seleções 37
pela porta do avião a zona de salto,
onde devemos pousar 4.100 metros lá
embaixo, para direcionar o salto.
Então, saltamos: primeiro eu, depois
o treinador. Em queda livre, a cerca de
200 km/h, descíamos uns 300 metros
a cada cinco segundos. Era extasiante
e apavorante ao mesmo tempo: o
mundo se abria diante de mim e en-
trava em foco em meros segundos, em-
bora o tempo parecesse muito maior.
Os turbilhões de vento me carrega-
ram na queda livre e, a cerca de 1.200
metros, abri o paraquedas-piloto – o
pequeno paraquedas usado para ex-
trair o principal. Quando o principal
se soltou e se inflou, tive cerca de um
minuto para apreciar a paz e o silên-
cio enquanto flutuava suavemente
até o chão, o capim entrando em foco
com rapidez. Eu me senti invencível.
Algum tempo depois, embarcamos
para um segundo salto. O clima no
avião era leve: muitas piadas, muitos
risos. Eu e meu treinador fizemos a
mesma rotina de segurança e saltamos.
Dali a uns 30 segundos, a cerca de
1.700 metros, nos afastamos dos ou-
tros porque é preciso muito espaço
vazio para abrir o paraquedas com se-
gurança. Olhei o altímetro e percebi que
estava mais baixo do que tinha pensado.
O chão subia muito depressa! Eu sabia
que tinha de soltar o paraquedas-piloto
mais ou menos nos 1.200 metros, como
na última vez, mas, na pressa de abrir
o paraquedas, não estabilizei minha
posição. Quando puxei a cordinha, em
vez de se soltar na coluna de ar para
38 seleções 11.2023
se inflar, o piloto se enrolou em minha
perna esquerda.
O paraquedas puxava minha perna
direita para o alto como um bailarino,
enquanto o paraquedas principal
permanecia na mochila. É só se sol-
tar, disse a mim mesmo com calma.
Perdi uns sete segundos tentando me
desemaranhar, sem sucesso; eu de-
veria ter aberto o paraquedas reserva
imediatamente. (É a opção quando o
principal não funciona.)
Com o chão entrando em foco rapi-
damente lá embaixo, me preparei para
a queda. Achei que o impacto não se-
ria catastrófico – talvez quebrasse uma
perna, pensei. Sempre fui otimista.
Então, de repente, o paraquedas
reserva se abriu. Consegui algum
controle e me dirigi para o capim, na
esperança de um pouso mais suave.
Só tive alguns segundos para sentir
alívio. O paraquedas-principal se sol-
tou! Os dois paraquedas começaram a
puxar em sentidos opostos e me ace-
leraram com rapidez rumo ao chão.
Quando caí, senti o corpo em cha-
mas. Tentei me levantar, porque é o
que devemos fazer quando não caí-
mos em pé, para mostrar que estamos
bem. Mas não consegui. Não consegui
mexer nada abaixo da cintura. Então
fiquei ali, a cara no capim, os braços
abertos para os lados, e gritei: “So-
corro, alguém me ajude!” Entre os gri-
tos, rezava em voz alta: “Senhor, não
permita que eu fique paralítico.”
Fiquei uns cinco minutos dei-
tado com a cara enterrada no capim,
plenamente consciente, até o pessoal
do clube de salto chegar. Eles logo me
cercaram, ansiosos para ajudar, mas
não podiam fazer nada. Era arriscado
demais me deslocar antes que os pa-
ramédicos chegassem. Como eu ainda
não tinha entendido, eles tiveram de
me escutar xingando e gritando com
eles para me ajudar enquanto o choque
passava e a dor realmente aparecia.
Meia hora depois, quando chegaram
de ambulância, os dois primeiros para-
médicos tentaram me pôr numa pran-
cha de transporte, mas doeu tanto que
gritei. Então, ouvi o helicóptero.
O pessoal da ambulância aérea
veio equipado com cetamina, que me
mandou para a terra dos sonhos, e fui
transportado para um centro de trau-
matologia. Os ferimentos eram bem
graves: um tornozelo estilhaçado, a ca-
nela quebrada e uma lesão na coluna
que provocou um vazamento de lí-
quido cefalorraquidiano. Em fevereiro
de 2022, três meses depois do acidente,
voltei a andar pela primeira vez. Vários
meses depois, consegui chegar até o
acampamento-base do Everest.
Ah, planejo voltar a saltar. Mas
ainda não contei aos meus pais.
SOBREVIVI A
UMA NEVASCA
SHANNON ST. ONGE, 38 ANOS
havia uma tEmpEstadE dE nEvE prevista
para a noite de segunda-feira, 31 de ja-
neiro de 2022. Eu estava trabalhando
40 seleções 11.2023
em casa, mas à tarde tive de ir à mi-
nha sala na First Nations University,
em Regina, na província canadense de
Saskatchewan, para assinar o cheque
da bolsa de emergência de um aluno.
Como diretora financeira, queria que
ele recebesse o mais cedo possível,
com ou sem neve. Além disso, não es-
tava preocupada. Imaginei que tinha
bastante tempo para ir ao escritório e
voltar para casa.
O trajeto até a universidade leva
cerca de meia hora por uma estrada
plana como uma panqueca. Quando
cheguei, meu colega veio à minha sala
para também assinar o cheque e foi
embora. Quando juntei minhas coisas,
notei que ele tinha esquecido a bolsa
do notebook em minha sala.
– Droga – disse ele quando lhe tele-
fonei. – Já estou em casa.
– Levo para você.
Eram quatro e meia da tarde. A
neve só deveria começar depois, mas,
por segurança, decidi usar as estradas
vicinais perto da casa dele, e não a
autoestrada, que rapidamente se tor-
naria uma pista de derrapagem. No
caminho, reabasteci meu SUV e pe-
guei duas pizzas com borda recheada
para cumprir a promessa que tinha
feito a meus filhos de 10 e 15 anos.
Levei uns 15 minutos para che-
gar à casa do colega, onde deixei a
bolsa do notebook, e voltar à estrada.
Então a neve começou – e caía de-
pressa. Em minutos, eu estava numa
brancura total. A tempestade era um
snownado, um tornado de neve ou
“berrador de Saskatchewan”, porque
é rápida e o vento é tanto que grita.
Foi apavorante!
A estrada logo passou de asfalto a
cascalho, e tive de reduzir a velocidade.
Abri a janela, achando que conseguiria
seguir a beira da estrada e me manter
em linha reta. Mas, na verdade, eu não
tinha nenhuma pista de onde nem de
que lado da estrada estava. Em certo
momento, parei, porque tive medo de
entrar por um campo, cair numa vala
ou coisa pior. Mantive o motor ligado
para me aquecer e telefonei para o nú-
mero de emergência. O atendente me
disse que eu teria de passar a noite na
tempestade. Ninguém iria me buscar,
pelo menos até amanhecer.
11.2023 seleções 41
 Aqueles segundos depois do telefo-
nema foram os piores de minha vida.
Sair do carro e andar na brancura com
vento forte, a –10°C, sem nem saber
onde estava, não era opção. Mas te-
mia que outros motoristas não me
vissem e batessem no carro. Ou que
o cano de descarga entupisse com a
neve e eu morresse envenenada pelo
monóxido de carbono. Ou que a tem-
pestade demorasse mais do que o
previsto e eu fosse encontrada tarde
demais. Respire, disse a mim mesma.
Entrar em pânico não vai ajudar.
COMO FICARIA MEU SUV
PRETO NUMA TEMPESTADE
DE NEVE À NOITE? UMA
SOMBRA? OU PIOR,
INVISÍVEL?
E meus filhos! Era a primeira vez
que passariam a noite sem que eu es-
tivesse em casa. Liguei e lhes contei o
que estava acontecendo, me forçando
a soar calma. Não disse que estava
apavorada. Que eu, uma soluciona-
dora de problemas a vida toda, não
conseguia pensar no que fazer.
Agora era cerca de seis da tarde,
e estava escuro. Como ficaria meu
SUV preto numa tempestade de neve
à noite? Pareceria uma sombra? Ou
pior, ficaria invisível? De repente, um
caminhão passou e não me atingiu por
42 seleções 11.2023
pouco. Foi quase. A princípio, fiquei
apavorada. Então, pensei: salvação!
Engatei o carro e segui o caminhão,
desesperada, dirigindo devagar, sem
saber para onde íamos. Quando ele vi-
rou de repente, não soube o que fazer.
“Vou para a praia”, gritou o moto-
rista pela janela aberta, as palavras
quase perdidas no vento.
Eu sabia que a praia não ficava na
direção de minha casa. Não fazia ideia
de onde estava. Assim, parei o carro
e mandei uma mensagem ao colega
cuja bolsa tinha acabado de devolver.
Brinquei que minha boa ação termi-
nara em desastre. Mas ele teve uma
ideia: “Marque sua localização no
Google Maps e me mande”, disse ele.
Foi o que fiz, e minutos depois ele
me enviou de volta a captura de tela
da visão de satélite do lugar onde eu
estava. Calculamos que era uma es-
trada chamada Bouvier Lane, entre
duas fazendas. Agora, eram seis e
meia. Publiquei essa nova informa-
ção no grupo de minha comunidade
no Facebook, pedindo que alguém
que conhecesse algum morador ali
ajudasse a me resgatar.
Depois, só me restava permanecer
no carro, tentando me aquecer. Fi-
quei contentíssima de ter acabado de
encher o tanque. Tinha feito todo o
possível e, não importava o que acon-
tecesse, teria de ficar em paz. Mas,
mesmo que alguém descobrisse onde
eu estava, seria possível me ajudar
com tanta neve e vento?
Não demorou para que as pessoas
começassem a responder à minha
postagem. Conheciam a família que
morava ali! Recebi uma mensagem
de alguém que ia me pôr em contato
com eles. Às oito da noite, meu celular
tocou. Era o filho do fazendeiro dono
das terras ao lado da estrada onde eu
estava perdida. Ele me disse que seu
pai iria me buscar!
Uns 45 minutos depois, vi uma si-
lhueta alta, de capa de chuva amarela,
vir em minha direção no escuro com
uma lanterna. Céus, como fiquei ali-
viada ao vê-lo! Era André Bouvier, que
caminhou meio quilômetro na nevasca
para me procurar, combatendo o vento
e a neve a cada passo, protegendo os
olhos da neve com a mão enluvada.
– Quer dirigir? – perguntei trêmula
pela janela do carro. – Meus nervos
estão em frangalhos.
Apesar dos passos fortes, agora que
ele estava perto percebi que era idoso.
– Não – respondeu ele com voz
firme. – Quero que você me siga com
o carro. Vai dar tudo certo.
Ele se virou e começou a andar pela
neve, sabendo para onde ia. Eu o se-
gui devagar, agarrada ao volante, sen-
tindo que o coração ia desacelerando.
Alguns minutos depois, quando che-
gamos à casa dele, desci do carro e caí
em prantos, todos os meus temores
transformados em alívio e gratidão.
Enquanto sua mulher me servia be-
bidas quentes e suco de maçã, André,
que tinha 80 anos, disse que havia no-
tado mais dois carros perdidos e vol-
tou à tempestade para buscá-los: um
pai com dois filhos e um casal com a
filha. É assim que ele é – sua energia
e atitude são muito mais jovens que a
idade real.
Passamos a noite com todos con-
tando histórias; as crianças comeram as
pizzas que eu tinha comprado e dor-
mimos espalhados pela casa, em so-
fás e poltronas reclináveis. Às 5h30 da
manhã, André já tinha limpado a neve
do caminho para que pudéssemos sair
e voltar para casa, que, em meu caso,
ficava a apenas cinco minutos. A tem-
pestade me deixou tão desorientada
que não percebi que estava tão perto.
Mesmo assim, não conseguiria avan-
çar sem pôr minha vida em risco.
A experiência me trouxe uma nova
visão da vida, e enfrento desafios e
surpresas com mais calma. Ela me
lembrou de me esforçar para ajudar
os outros, amigos e desconhecidos. O
melhor, porém, foi André ter chegado
à minha vida. Sei que seremos amigos
para sempre.

Palavra da ciência
Nós, cientistas, descobrimos que um ato de bondade produz o aumento
momentâneo de bem-estar mais confiável de tudo que testamos.
@SlAdeweNtworth, psicólogo, no livro Florescer

11.2023 seleções 43
44 seleções 11.2023
 A estrela da arquitetura que projetou torres
cintilantes para a elite corporativa do Paquistão
agora reconstrói aldeias arrasadas por
desastres naturais

A MUDANÇA DE
YA S M E E N L A R I
por Lisa Murphy

Pela janela do carro, Yasmeen Lari
olhava com tristeza o vale do Siran, no
nordeste do Paquistão, que não tinha
mais colinas verdes, árvores e monta-
nhas. Era outubro de 2005, e o terre-
moto catastrófico que, uma semana
antes, matara cerca de 79 mil pessoas
no país, na Índia e no Afeganistão re-
duzira o vale a lama e escombros.
A arquiteta de 65 anos estava lá para
ajudar a reconstruir os povoados, mas
nunca trabalhara com desastres. Estava
cheia de expectativa depois das duas
horas de voo de Karachi a Islamabad,
capital do Paquistão, seguidas por
cinco horas de carro.
A noite caiu antes que o motorista
parasse num acampamento do exército
mal iluminado, a base da operação mi-
litar de resgate; a 1.500 metros de alti-
tude, estava mais protegido de abalos
secundários e avalanches de pedras do
que os terrenos mais baixos. Quando
desceu do carro, ela foi levada ao oficial
comandante, que lhe falou das aldeias
que precisavam de auxílio imediato. A
enormidade da tarefa a atingiu com
toda a força.
Yasmeen, que em 1964 se tornou a
primeira mulher arquiteta do Paquis-
tão, era famosa por projetar torres ele-
gantes de vidro e concreto. Mas ali ela
projetaria lares resistentes a terremo-
tos usando restos de pedra e madeira.
Numa cabana rústica perto do acam-
pamento, passou os quatro meses

11.2023 seleções 45
seguintes trabalhando com arquitetos
e engenheiros voluntários do Paquis-
tão e do exterior.
Ela mandava as plantas com os vo-
luntários, que percorriam terreno aci-
dentado para chegar aos povoados da
montanha. Lá, ajudavam as famílias
desalojadas a separar os escombros
e construir novos lares improvisados,
enquanto a temperatura despencava
e a neve começava a cair.
“Não dá para imaginar a desolação”,
recorda Yasmeen sobre aqueles primei-
ros dias nas montanhas. Os integran-
tes da equipe, em geral os primeiros a
chegar aos locais, eram recebidos com
hospitalidade inesperada, dadas as cir-
cunstâncias. Numa visita, os aldeões
trouxeram uma mesa e as melhores
cadeiras que tinham resgatado. “Eles
perderam tudo”, diz ela. “Mas cobriram
aquela mesa danificada com um lindo
pano bordado. Depois, nos serviram a
comida do Programa Alimentar Mun-
dial: biscoitos, chá e ovos.”
A cada dia que passava, Yasmeen re-
projetava sua identidade: de estrela da
arquitetura a humanitária. A profissão
era boa, mas ela estava desiludida com
os projetos para a elite corporativa.
Trabalhar no auxílio pós-desastres lhe
parecia profundamente correto, e ela
fez disso sua nova missão.
com o Passar das décadas, Yasmeen
Lari ganhou prêmios e reconheci-
mento como arquiteta, defensora da
justiça social, ambientalista e femi-
nista. Embora pareça um caminho
46 seleções 11.2023
incomum para uma menina nas-
cida em 1941 numa família com
boas condições financeiras, sua
criação não foi convencional. O
pai, Zafarul Ahsan, era um fun-
cionário público progressista
que trabalhava com projetos de
desenvolvimento em Lahore e
outras regiões. A mãe, Nabiun
Nisa, dava valor à educação e se
orgulhava do papel de esposa de
burocrata que sabia cavalgar e
divertir os hóspedes com igual
desenvoltura.
Zafarul tratava as três filhas
da mesma forma que o filho, e Na-
biun as incentivava a ir bem na escola.
Yasmeen tomou consciência da polí-
tica e da pobreza na Partição de 1947,
quando a Grã-Bretanha encerrou seu
domínio da Índia e lhe tirou um pe-
daço para criar o Paquistão. Dividir o
TODAS AS FOTOS: CORTESIA DA HERITAGE FOUNDATION OF PAKISTAN
subcontinente em Índia com maioria
hinduísta e Paquistão com maioria mu-
çulmana resultou no deslocamento de
milhões de pessoas.
Zafarul se tornou vice-comissário
de Lahore e tinha de supervisionar
os campos de refugiados e a criação
de áreas residenciais. Em casa, falava
das pessoas enlutadas, das mulheres
empobrecidas que vendiam doces aos
ricos e da necessidade desesperada de
moradia. “Entendi pela primeira vez o
que era adversidade e que as pessoas
precisavam de ajuda”, diz Yasmeen. “Eu
e minhas irmãs éramos da primeira ge-
ração pós-colonial. Muitas mulheres
tiveram papel importante na luta pela
À esquerda: Yasmeen diante do centro de mulheres que projetou na província de Sinde,
construído para suportar enchentes. À direita: Um abrigo sustentável de Yasmeen.
independência. E as mulheres precisa-
vam participar da construção do país.”
Escutar o pai falar da crise habita-
cional e da necessidade de arquitetos
impressionou Yasmeen. Numa visita a
Londres com a família quando tinha
15 anos, ela se candidatou à escola de
arquitetura da Universidade Oxford
Brookes, e ri ao recordar a ousadia.
“Eu era jovem e não tinha portfólio.
Eles me disseram que aprendesse a
desenhar e voltasse.”
Dois anos depois de aulas diurnas e
noturnas, Yasmeen foi aceita no pro-
grama como uma das cinco mulheres
de uma turma com mais de 30 alunos.
Protegida pela família e pelo marido
Suhail Zaheer Lari (que faleceu em
2020), Yasmeen sofreu pouco sexismo
e preconceito na Inglaterra. Até Ka-
rachi, onde começou a trabalhar em
1964 quando voltou ao Paquistão,
era progressista. Os mestres de obra
podiam testar sua competência man-
dando-a subir escadas bambas vestida
de sári, mas o status de mulher casada
e a família privilegiada a mantinham
quase isolada da discriminação.
Yasmeen se inspirou explorando as
áreas históricas do Paquistão. Na Ca-
xemira e em Sinde, admirou os antigos
edifícios resistentes a inundações, fei-
tos com materiais locais para supor-
tar os extremos climáticos. E adorou
as ruas sinuosas e os belos terraços
de Lahore e Multan. Em 1973, como
arquiteta de um projeto habitacional
social em Lahore, Yasmeen escutou as
mulheres locais e garantiu que hou-
vesse espaços abertos e seguros para
criar filhos e galinhas.
Mas logo ela ouviu o canto da sereia
dos projetos comerciais, que ofere-
ciam liberdade criativa, grande orça-
mento e material luxuoso. De 1980 a
2000, enquanto seus prédios, como o
11.2023 seleções 47
Taj Mahal Hotel, o Centro Financeiro
e Comercial, a State Oil House do Pa-
quistão e o ABN AMRO Bank, subiam
em Karachi, o renome de Yasmeen
cresceu. Ela ocupou cargos importan-
tes em grupos nacionais e internacio-
nais de arquitetura e foi palestrante
principal de conferências. “Era uma
sensação muito inebriante”, diz ela.
Mas Yasmeen encontrou maneiras
de manter os pés no chão. Com o ma-
rido historiador, criou a entidade sem
fins lucrativos Heritage Foundation of
Pakistan para homenagear e conservar
a arte, a cultura e a arquitetura histó-
rica do país. Yasmeen escreveu livros
e artigos sobre esses temas e ajudou
a salvar muitos edifícios importantes.
Mas isso não bastava para acalmar o
desconforto crescente com os projetos
corporativos. Em 2000, Yasmeen se apo-
sentou. “Percebi que só trabalhava com
gente rica”, diz. Não conseguia mais jus-
tificar prédios construídos com material
não sustentável, como granito polido e
vidro espelhado, enquanto a corrupção
aumentava e milhões de pessoas não
tinham acesso a moradia, saneamento
e água. “Com meu trabalho atual, talvez
eu esteja me redimindo”, diz ela.
em 2013, Yasmeen visitou uma aldeia
na província de Sinde, no sul do país,
reconstruída depois de inundações tão
destrutivas que 20 milhões de paquis-
taneses foram afetados. Num kameez
branco impecável e um lenço de cabeça
estampado que esvoaçava na brisa, ob-
servou os aldeões mostrarem os prédios
48 seleções 11.2023
que ela projetou. “Os prédios anti-
gos tinham goteiras quando cho-
via, mas esses ficam secos por
dentro”, disse um aldeão.
As novas estruturas de bambu
são cobertas com uma mistura
de areia e cal chamada de lime-
crete, que aguenta bem o clima
do Paquistão. E as mulheres po-
dem embelezar a nova casa com
desenhos pintados, aspecto que
Yasmeen adora.
A localização e o derretimento
das geleiras tornam o Paquistão
um dos dez lugares mais afeta-
dos pela mudança climática nos
últimos 20 anos, embora o país
em si emita menos de 1% dos gases
globais do efeito estufa. Ironicamente,
os projetos de reconstrução financia-
dos por organizações ligadas ou não
ao governo tendem a usar concreto,
tijolo queimado, chapa metálica e ou-
tros materiais caros e não locais.
Yasmeen ressalta que a produção e
o transporte desses materiais contri-
buem de forma significativa para as
emissões de gases do efeito estufa, e o
concreto é um dos principais respon-
sáveis. Além disso, eles não têm bom
desempenho no clima inclemente.
Em contraste, os abrigos de Yasmeen,
inspirados em projetos tradicionais e
feitos com materiais sustentáveis, como
esteira de junco, bambu, lama e cal pro-
duzidos localmente, aguentam melhor
os desastres. As casas de bambu sobre
estacas permitem que a água escoe, o
contraventamento cruzado dá força e

flexibilidade durante os terremotos. A
insistência de Yasmeen em erguer edi-
fícios de baixo custo, sem desperdício e
zero carbono reflete seu compromisso
com o planeta.
Enquanto a paixão pela sustentabi-
lidade crescia com o passar dos anos,
a fé nos modelos tradicionais de finan-
ciamento e caridade murchou. Durante
duas décadas, ela aprendeu que a abor-
dagem geralmente usada por organi-
zações ligadas ou não ao governo não
funciona bem. Os habitantes são trata-
dos como vítimas indefesas, e os mega-
projetos são desenvolvidos com mão de
obra externa. Além disso, boa parte dos
recursos é absorvida pelas taxas admi-
nistrativas. “Vi casos demais de má ad-
ministração quando há intermediários
envolvidos”, diz Yasmeen, que prefere
trabalhar no nível da comunidade. “São
essas as pessoas que precisam de mim.”
O Centro Cultural Zero Carbono
em Makli, a maior estrutura de
bambu do Paquistão, foi
construído pela Heritage
Foundation de Yasmeen.
Yasmeen diz que sua abordagem
local, participativa, de zero emissão
de carbono e boa relação custo-bene-
fício ajuda a formar um ecossistema
de “empreendedores descalços”. Por
exemplo, ela criou um programa para
ensinar as pessoas empobrecidas da
província de Sinde a construir prédios
e criar e vender tijolos de barro, pai-
néis de bambu, telhas de terracota e
outros materiais de construção.
Qualquer um pode aprender assis-
tindo aos vídeos instrutivos do canal
Zero Carbon de Yasmeen Lari no You-
Tube. Além disso, especialistas e arte-
sãos locais dão oficinas num centro de
treinamento em Pono Markaz e no belo
e arejado Centro Cultural Zero Car-
bono, em Makli. Construído por habi-
tantes locais e pela Heritage Foundation
of Pakistan, de Yasmeen, este Centro é a
maior estrutura de bambu do país.
11.2023 seleções 49
À esquerda: Construção de um chulah paquistanês (fogão sem fumaça). À direita: O resultado.
A cidade de Makli fica uns 100 qui-
lômetros a leste de Karachi. Quase
metade dos moradores da região vive
na pobreza, e muitos esmolam na vi-
zinha Necrópole de Makli, Patrimônio
Cultural da Unesco com quase meio
milhão de tumbas e túmulos. Um dia
de esmolas pode render 100 rupias pa-
quistanesas, que equivalem a 50 centa-
vos de dólar e não são suficientes para
alimentar uma família. Mas, quando
aprendem a produzir e vender telhas,
sabão orgânico e outros produtos no
Centro Cultural Zero Carbono, os mo-
radores ganham pelo menos quatro
vezes mais. Trabalhadores especiali-
zados dividem seu conhecimento e
criam mais prosperidade.
As mulheres e os jovens se reúnem
no Centro para se socializar e apren-
der. “As mulheres estão em primeiro
lugar em minha mente”, diz Yasmeen.
“São elas que realmente sofrem.”
Essa inspiração feminista alimentou
50 seleções 11.2023
muitos projetos de Yasmeen, agora
com inovações domésticas. Por exem-
plo, mais de 80 mil de seus fogões
sem fumaça de limecrete, chamados
de chulahs no Paquistão, foram cons-
truídos e decorados por aldeãs.
A construção do fogão, que em 2018
ganhou o prêmio mundial da ONU-
-Habitat, custa cerca de 10 dólares e
usa resíduos agrícolas. Os fogões ficam
acima do nível das enchentes, o que os
torna mais seguros do que as fogueiras
fumacentas no chão; literal e figurati-
vamente, eles elevam as mulheres.
Outro projeto de Yasmeen que be-
neficia as mulheres e o meio ambiente
é um ecobanheiro de compostagem
privativo e abrigado. Cerca de 10%
dos paquistaneses não têm acesso a
banheiros ou latrinas e fazem suas ne-
cessidades ao ar livre. O ecobanheiro
oferece melhores condições sanitárias
e mais dignidade.
O projeto Holistic Villages criado
 por Yasmeen se baseia em to-
dos esses avanços para ajudar
as aldeias a se tornarem autos-
suficientes. A um custo de cerca
de 200 dólares por habitação, os
aldeões podem construir casas
de bambu resistentes a desas-
tres, fogões chulah e ecobanhei-
ros compartilhados. Têm acesso
à luz com energia solar, auxílio
para produzir o próprio alimento
e treinamento para abrir empre-
sas próprias.
Yasmeen diz que cerca de 60
mil casas holísticas com zero emissão
de carbono foram construídas desde
2010. Ela pretende ampliar o projeto
e reabilitar um milhão de residências.
em 2022, as enchentes voltaram; des-
truíram plantações, lares e aldeias e
desalojaram cerca de 33 milhões de
pessoas, muitas já abaixo da linha da
pobreza. Yasmeen e a Heritage Founda-
tion prepararam os artesãos para forne-
cer outra inovação: paredes de bambu
pré-fabricadas para montar com rapi-
dez abrigos de 3,5 por 3,5 metros.
Hoje, Yasmeen vai regularmente de
sua base em Karachi até Makli, par-
ticipa de eventos no mundo inteiro e
viaja para o Reino Unido, onde é pro-
fessora visitante do Departamento
de Arquitetura da Universidade de
Cambridge.
Para a Bienal de Artes Islâmicas
em Jedá, no início deste ano na Ará-
bia Saudita, ela criou três incríveis
mesquitas de bambu que podem ser
montadas e desmontadas. Em 2020,
ganhou o Prêmio Jane Drew por elevar
o perfil das arquitetas e, em 2023, a co-
biçada Medalha de Ouro do Royal Ins-
titute of British Architects (RIBA, Real
Instituto de Arquitetos Britânicos). Até
o rei Charles é seu fã; um de seus abri-
gos se encontra na propriedade real de
Highgrove.
Yasmeen informa que quem quiser
ajudar os empobrecidos afetados pelas
enchentes do Paquistão deve entrar em
contato com os líderes das aldeias para
financiar coisas como bombas-d’água,
painéis solares e computadores para
as escolas. (A Heritage Foundation of
Pakistan oferece as informações ne-
cessárias.) “Não é mais uma questão
de dar dinheiro e limpar a consciência.
É preciso criar conexões”, diz Yasmeen.
“Precisamos acreditar na capacidade
das pessoas de criar mudanças. Trato
os desalojados como parceiros, e não
como vítimas. Eles sabem o que pre-
cisam fazer.”
Com 83 anos, Yasmeen Lari ainda
fervilha com ideias sobre projetos
com zero emissão de carbono, redu-
ção de danos das enchentes, criação
de habilidades e aldeias autossusten-
táveis. Como disse quando aceitou a
medalha do RIBA, a homenagem “for-
taleceu minha missão”.
Muitos jovens arquitetos conside-
ram seu trabalho inspirador, o que a
deixa gratificada. “Os arquitetos não
podem mais trabalhar só para 1%”, diz
ela. “Isso não lhes permite servir à hu-
manidade como poderiam.”
11.2023 seleções 51
52 seleções 11.2023
 COMO SE
ENTENDER
COM TODO
MUNDO Enquanto convErsava educadamente
num chá de bebê, meu dia logo se
Domine as conversas arruinou. “Ah, você está grávida?!”,
difíceis com esses nove perguntou uma amiga da família, me
olhando de cima a baixo. Fiz que não
tipos complicados de timidamente, e no mesmo instante
personalidade me arrependi do vestido e do prato
de minissanduíches. Então, quando
achei que não podia piorar, ela per-
por Rosemary Counter guntou: “Ora, por que não?”
Minha mente se encheu de razões
e respostas – “é só gordura, obri-
gada”, dúvidas profundas sobre minha

ilustrado por Clayton Hanmer 11.2023 seleções 53

capacidade materna, medo da
mudança climática ou, talvez,
um merecido palavrão –, mas,
infelizmente, nenhuma se ma-
terializou. Em vez disso, mur-
murei que tinha de trabalhar e
pedi licença para choramingar
pelo resto da tarde.
Desde então, me recuperei
emocionalmente, mas às vezes
me pergunto: o que respon-
der à pergunta intrometida de
uma pessoa grosseira? E todas
aquelas outras personalidades
difíceis com quem temos de
falar, querendo ou não? Assim,
perguntei a especialistas como
lidar com as personalidades
mais complicadas, cafonas, cruéis e descarrega em coisas específicas e con-
enlouquecedoras. troláveis, como o que tem no prato (sem
falar do pobre garçom que o trouxe).
O RECLAMÃO Como lidar com esse ladrão do bom
Você conhece o tipo: o restaurante é humor? “Se quiser interagir melhor
caro demais, a música está alta demais, com essas pessoas, comece com em-
o hambúrguer passou do ponto e, de patia”, diz Carrington. (Isso é verdade
qualquer modo, mal dá para sentir o em todas as personalidades compli-
gosto porque a pessoa pegou algum cadas, mas principalmente com o Re-
vírus. Os queixosos são um ótimo ma- clamão.) Primeiro, removea as coisas
terial para os comediantes. Mas, na vida pequenas da equação – por exemplo,
real, o Reclamão não é nada engraçado. deixe que a pessoa escolha o restau-
“É a pessoa que acha que a vida é in- rante – para os dois se concentrarem
justa com ela”, diz a psicóloga Jody Car- no quadro maior. Leve a pessoa a falar
rington, de Alberta, no Canadá, autora do que realmente a incomoda e ques-
do livro Feeling Seen: Reconnecting in a tione sua negatividade com perguntas
Disconnected World (Sentir-se visto: re- sobre o que é bom, divertido e empol-
conectar-se no mundo desconectado). gante em sua vida.
Ninguém fica tão aborrecido assim Um bom conselho, segundo Car-
com um hambúrguer; a pessoa está rington: “Sufoque-os com bondade e
chateada com outras coisas maiores e torça para um pouco dela ficar.”

54 seleções 11.2023
O DO CONTRA com o Do Contra para desarmá-lo é
Você diz que o dia está bonito; a pes- dizer que concorda”.
soa diz que está quente demais. Você Isso não significa que você deva
leu um bom livro; foi o pior livro que mentir; experimente “concordo com
a pessoa já leu em dez anos. Você você nisso”, algo pequeno e específico,
menciona que a pessoa se contrapõe ou “entendo claramente seu ponto de
a tudo o que você diz; ela responde vista”, se na verdade não concorda
“De jeito nenhum!” com nada. Então mude de assunto.
“O Do Contra é alguém que gosta Quando quiser defender seu ter-
de discutir”, explica Mónica Guz- reno, é possível levar o Do Contra
mán, de Seattle, no estado ameri- além de sua posição-padrão de defesa
cano de Washington, autora de I tornando-se um adversário com mais
Never Thought of It That Way: How nuances. “Às vezes, é possível tirá-lo
to Have Fearlessly Curious Conver- do confronto de opiniões pedindo
sations in Dangerously Divided Ti- que conte sua história ou experiência
mes (Nunca olhei a questão dessa com uma questão”, diz Guzmán. As
perspectiva : como ter conversas perguntas “Como você passou a acre-
destemidas e curiosas numa época ditar nisso?” e “Isso já te aconteceu?”
perigosamente dividida). “Às vezes afastam a conversa da competição de
é divertido, mas outras é agres- opiniões rumo a um ponto de vista
sivo e desagradável. Nem sem- pessoal. Talvez você descubra que a
pre o Do Contra sabe a diferença.” opinião da pessoa tem seu valor, afi-
Enquanto você discute a questão nal de contas.
objetiva, ele discute por discu-
tir – assim, ganha sempre.
Qual a melhor maneira de
enfrentar isso? O Do Con-
tra só quer treinar, portanto
escolha suas batalhas. Nas
coisas inconsequentes, ex-
plica Ian Leslie, especialista
londrino em discussões e au-
tor de Conflicted: Why Argu-
ments Are Tearing Us Apart
and How They Can Bring Us
Together (Conflitados: por
que as discussões estão nos
separando e como podem
nos reunir), “a forma de lidar

11.2023 seleções 55
O TAGARELA mais.” Carrington explica: “Escolha
Se você percebe que não consegue um tema e deixe que o esgote. Faça
terminar uma história ou frase, é perguntas, acompanhe e escute com
provável que esteja diante de um atenção.”
Tagarela. O nome é engraçado, mas Quando o Tagarela não tiver mais o
eles são um grupo frustrante, explica que dizer, sua necessidade de ser ou-
Sandy Gerber, especialista em co- vido foi satisfeita, e agora é sua vez.
municação da Ilha de Vancouver, no Comece com algo assim: “Adoro suas
Canadá. Autora de Emotional Mag- histórias, e tenho uma para você, tam-
netism: How to Communicate to Ig- bém.” Para variar, o palco será seu.
nite Connection in Your Relationship
(Magnetismo emocional: como se O VICIADO EM
comunicar para criar conexão nos TECNOLOGIA
relacionamentos), ela explica: “O Ta- Socialmente, poucas coisas são tão
garela é um ladrão de histórias. Ele se incômodas quanto a pessoa que olha
identifica com o que você diz e conta o celular no meio da conversa. Logo
uma história sobre si mesmo.” você projetará sobre ela pensamentos
Parece que o Tagarela fica o tempo mal-humorados, como Estou sendo
todo querendo mostrar que é melhor chato/Você está mais preocupado com
do que você, mas não é necessaria- esse celular do que comigo/Você não se
mente verdade. Ele pode ter ansiedade importa comigo, explica Carrington.
social, ficar pouco à vontade com
o silêncio ou só ser muito empol-
gado e apaixonado. Seja qual for a
razão, provavelmente não percebe
o que faz nem as razões mais pro-
fundas. “Principalmente quando
crianças, os Tagarelas também
buscam conexão”, diz Carrington.
“É só o que querem, mas não lhe
dão oportunidade para se conectar
de volta.” E, como falam a mil por
hora nesse beco sem saída, talvez
você só veja que está irritado na
volta para casa, quando percebe
que todas as suas histórias foram
sequestradas.
Na próxima vez, experimente
esta frase inesperada: “Conte

56 seleções 11.2023
Nada disso é necessariamente
verdade, mas o fato é que
“quem está envolvido numa
ótima conversa não dá atenção
ao celular”, como diz ela. Ui!
Não importa o que você diga;
o incômodo hábito do Viciado
em Tecnologia não tem nada a
ver com você. “É grosseiro, sem
dúvida, mas às vezes confundi-
mos esse comportamento”, diz
Leslie. “É possível que a pessoa
só esteja nervosa ou ansiosa.”
Também é possível que o côn-
juge esteja com um pneu fu-
rado ou o filho tenha adoecido.
A questão é que não sabemos.
Assim, antes de se enraivecer
com a grosseria gritante do Viciado O ANTAGONISTA POLÍTICO
em Tecnologia, concentre-se em Céus. A ideologia dessa pessoa é
criar uma conversa melhor do que o muito diferente da sua. Ela leu os no-
Instagram. ticiários (e/ou a dark web) e está an-
É possível que não consiga, dado siosa para falar a respeito. Nenhuma
o poder do clickbait. Assim, se hou- família é imune a divergências polí-
ver intimidade suficiente, Carrington ticas, embora Guzmán, que é ameri-
sugere perguntar com atrevimento: cana, tenha um caso complicado: é a
“O que há de tão fascinante nessa filha liberal de imigrantes mexicanos
coisa?” A probabilidade é que a pes- que votaram duas vezes em Donald
soa peça desculpas e guarde o apare- Trump. Naturalmente, eles querem
lho. (Mas, se a resposta for algo real, discutir aos brados as divergências
fale a respeito.) políticas durante a sobremesa.
Melhor ainda: evite a situação com Como o Do Contra, o Antagonista
antecedência dizendo algo assim: Político adora discutir, mas tem a
“Estou muito interessado em saber grande meta de fazer você mudar de
das novidades. Que tal deixarmos os ideia. Não conseguem nem querem
celulares no carro?” Se o pneu furado mudar a deles – nem você, porque am-
ou filho doente forem verdadeiros, bos são apaixonados por suas ideias
você não terá de supor que a causa é políticas – e exatamente por isso esco-
a conversa chata. lheram você para brigar. Suspiro.

11.2023 seleções 57
 Transforme esse pensa-
mento ruim recordando que
foi escolhido porque o outro
considera você um adversário
intelectual merecedor, e sem
isso ele não funciona. “Se a
pessoa é sua adversária, pro-
vavelmente você também é
adversário dela”, diz Guzmán.
A política e a religião costu-
mavam ser excluídas de con-
versas bem-educadas, mas a
situação não é mais essa – o
que é bom. “A conversa aca-
lorada é positiva”, diz Guz-
mán. “Significa que você se
expõe a pontos de vista dife-
rentes. Você está aprendendo.” O PIADISTA
Ian Leslie concorda: “Muitos casais PRECONCEITUOSO
e famílias prosperam com essas con- Toda família tem o seu. Vamos cha-
versas, que podem soar como brigas. má-lo de “Tio Beto”: barulhento e im-
A questão é criar discussões mais ri- pertinente, suas opiniões não mudam
cas e produtivas, e não evitá-las.” desde a década de 1980 e, quando
No entanto, diz ele, levar a hostili- você lhe passa alegremente as batatas,
dade para a conversa é passar dos li- ele decide largar uma fala ou piada to-
mites. Se estiver se aproximando dessa talmente inadequada.
fronteira, reduza a intensidade. Quando Há algumas explicações possíveis
seu oponente no ringue começar a fi- para as gafes regulares do Piadista
car zangado ou agressivo, experimente Preconceituoso. “Ele pode ser cego
a sugestão de Guzmán: “Desculpe, não aos preconceitos, gosta de causar
sabia que esse assunto era tão impor- controvérsia ou é intolerante com os
tante para você.” É possível continuar outros pontos de vista”, explica Chuck
com “conte mais”, se a conversa mais Wisner, do estado americano de Mas-
produtiva ainda for possível. sachusetts, assessor de liderança,
Mas, se a discussão estiver acalorada coach pessoal e autor de The Art of
em excesso, a distração é uma exce- Conscious Conversations: Transfor-
lente estratégia de fuga. Experimente ming How We Talk, Listen, and Inte-
“Hora da sobremesa!”. (Porque todos ract (A arte da conversa consciente:
concordamos com a sobremesa.) transforme seu modo de falar, escutar

58 seleções 11.2023
e interagir). Mas nenhuma dessas ex-
plicações justifica a discriminação.
Você deve fingir uma risadinha para
manter a paz ou confrontar Tio Beto
pela “piada” racista, sexista, classista,
homofóbica? É claro que depende.
“Se uma pessoa do grupo específico
atingido estiver presente, você precisa
intervir, porque é o melhor a fazer”, diz
Guzmán. Fale tanto pela dignidade da
pessoa quanto para evitar a culpa de
ser um espectador calado – ato que,
em geral, magoa a pessoa ofendida
tanto quanto a piada.
Mas não é preciso chamar Tio Beto
de racista desprezível nem insistir
que ele mude seu modo de ser no
mesmo instante (ele não vai mudar).
“Tio Beto, isso não foi legal”, como
sugere Guzmán, diz tudo o que to-
dos pensam em poucas palavras. Ou
experimente a frase de Wisner: “Para
mim, isso soa racista. Acho que não
foi o que o senhor quis dizer.” É muito
improvável que o Piadista Preconcei-
tuoso responda com “Quis, sim, sou
muito racista”.
Se o comentário for ofensivo a ponto
de estender o assunto, tome o cuidado
de criticar a piada, não a pessoa, e
deixe claro que a crítica é sua.
Wisner sugere dizer: “Para mim,
essa piada é ofensiva. Vou explicar por
quê.” Pode ser uma boa conversa para
depois, quando Tio Beto estiver calmo
e sozinho, quando houver tempo para
uma conversa não agressiva sobre o
que aconteceu. “Em toda piada ruim
há algo que diz: estou frustrado, mas
não posso dizer”, explica Guzmán. Se
conseguir que Tio Beto desabafe, tal-
vez ele se comporte melhor na pró-
xima reunião de família.
O DRAMÁTICO
“Tagarela com esteroides”, nas palavras
de Carrington, o Dramático é a pessoa
que também domina a conversa e en-
che seus ouvidos com todas as coisas
loucas que você jamais acreditaria que
estão acontecendo na “Pior Semana do
Mundo!”. (Enquanto isso, os detalhes
chatos de sua semana não se compa-
ram ao que acontece na vida dessa
pessoa; portanto, nem tente.)
Por que a pessoa é assim? “O Dra-
mático exagera sempre porque quer
ser o centro das atenções”, diz Gerber.
Quanto mais faz isso, mais nos afas-
tamos das emoções exageradas de
uma vida em crise constante. “Ten-
demos a evitar essas pessoas porque
acompanhar o drama nos esgota”, diz
Carrington. “Mas aí elas só sobem o
nível. Já esgotaram tantas pessoas na
vida que ficam ainda mais fortes.” O
Dramático quer sua atenção com de-
sespero e morre de medo de perdê-la;
faz um espetáculo com a esperança de
que você nunca desvie os olhos.
Mas, no fundo, o que o Dramático
quer é saber se você almoçaria com
ele sem o drama. Resista à vontade
de interromper; em vez disso, esta-
beleça fronteiras que vocês dois pos-
sam respeitar. “Seja muito claro desde
o princípio sobre o que você se dis-
põe a fazer ou não”, diz Carrington.
11.2023 seleções 59
Talvez você converse sobre os
ex-relacionamentos durante
20 minutos, e só. Ou talvez re-
marque o almoço para “uma
semana em que você esteja se
sentindo melhor”.
Na hora, o Dramático pode
ficar irritado, mas, no fundo, ele
ama ser tratado como uma pes-
soa comum. Isso mostra a ele
que você prefere a pessoa real,
sem necessidade de dramas.

O AMIGO
DA ONÇA
Embora todas essas persona-
lidades sejam difíceis, talvez
a pior delas seja o Amigo da
Onça – alguém que é igualmente
amigo e inimigo, um fenômeno su-
til e complicado. “Chamo de amiza-
de-gangorra”, diz Gerber. “Com os
altos e baixos, você nunca sabe qual
vai encontrar.” Num dia, o amigo é
divertido; no outro, fica meio cruel,
e você não tem nenhuma pista do
porquê. “O Amigo da Onça é passi-
vo-agressivo e motivado pela falta de
valor que acha que tem”, diz Gerber.
“Revira os olhos para tudo o que você
tem ou faz que possa desvalorizá-lo.”
Para se sentir melhor consigo mesmo,
o Amigo da Onça tem uma vontade
extrema de derrubar você um pou-
quinho de cada vez.
Quando lidar com ele ou ela, pro-
teja-se reconhecendo a avaliação ne-
gativa sem levá-la para o lado pessoal.
“Essas pessoas quase atiram flechas
nos outros”, explica Wisner, “e é possí-
vel se desviar, deixar a flecha te furar
e machucar ou ofender ou, então, pe-
gar a flecha e pará-la.” As opções A e
B são fáceis no momento, mas a C é a
escolha corajosa de quem quer mudar
a situação. Para começar uma conversa
difícil, Wisner sugere dizer: “O que
você falou não me soa sincero. Você
acha isso mesmo?”
Essa tática serve para um golpe es-
pecífico, mas, se quiser mesmo salvar
a amizade – e talvez você não queira –,
será preciso avançar mais.
“Na superfície, essas pessoas são
competitivas, mas no fundo são inse-
guras e muito desconfiadas”, diz Ger-
ber. Para tornar o Amigo da Onça um
amigo de verdade, é preciso falar so-
bre o problema. “Diga à pessoa o que
você busca numa amizade e o que se
dispõe a oferecer”, diz ela. “Mas, se a

60 seleções 11.2023
pessoa não puder nem quiser conver-
sar, bom, essa já é a resposta.”
O INDISCRETO
Comentários não solicitados sobre
a vida sexual dos outros, o divórcio
complicado de sua melhor amiga ou o
que acabou de acontecer no banheiro
(argh!) são pistas de que você tem um
Indiscreto na sua frente. Seja por falar
demais, seja por pedir detalhes que
você não fica à vontade de revelar,
esse personagem comuníssimo não
tem filtro nem fronteiras.
Por que alguém, em sã consciência,
listaria os sintomas de sua síndrome
do intestino irritável durante o al-
moço? Por causa de duas qualidades
humanas específicas.
A primeira é uma fronteira pessoal
tácita que fica muito, muito longe da
sua. “O desconforto que você sente
vem da diferença de padrões sobre
os tópicos adequados à conversa”, diz
Wisner. “O que a pessoa considera
uma informação aceitável e necessá-
ria é diferente para você.”
Ao mesmo tempo, o Indiscreto tam-
bém tenta se aproximar de você quando
revela mais sobre si – e espera que
você faça a mesma coisa. “Tendemos
a rotular essas pessoas como introme-
tidas, invasivas ou grosseiras”, observa
Gerber, “mas na verdade elas só que-
rem ser amadas e aceitas.”
Para satisfazer o Indiscreto e, ao
mesmo tempo, vetar os comentários
incessantes, pense em contar outra
coisa – pessoal, mas de preferência
menos invasiva – que satisfaça a ân-
sia de se conectar. Quando a pessoa
realmente passar dos limites, diga algo
que indique que ela cruzou a fronteira.
“Isso é particular” diz tudo, e você
nunca mais precisará tocar no assunto.
Elogios também fazem maravilhas
com o Indiscreto, diz Gerber, porque
redirecionam a conversa para ele e,
ao mesmo tempo, restabelecem su-
tilmente as fronteiras. Por exemplo,
eu poderia ter dado essa resposta
sábia à intrometida amiga da família
no chá de bebê que perguntou sobre
o estado do meu útero: “Do jeito que
você fala, parece tão fácil ter filhos!
Como consegue isso?” (Então, ba-
lance a cabeça e sorria.)
Perdi a chance naquela vez. Mas, na
próxima, estarei pronta para enfrentar
o Indiscreto – ou qualquer uma das
pessoas complicadas necessárias para
formar o mundo.

Nada de ruído branco

Roncar é, basicamente, se gabar de estar
dormindo – tão alto que os outros são
impedidos de dormir.
@iamchrisramsey

11.2023 seleções 61
 A história do
fantasma de
um soldado
Um visitante misterioso aparece à cabeceira
do veterano da Segunda Guerra Mundial
com uma mensagem clara e consoladora

por Scott Janssen DA REVISTA PUL SE

N
OS MESES EM QUE visitei Evan
como assistente social de sua
casa de repouso, ele rezava
para morrer. Já passou dos 90
e luta contra um câncer há mais de
quatro anos. Do seu ponto de vista, a
vida se transformou num lamento
tedioso e sem sentido, sem nada a
esperar além do fim.
Mas nesta visita ele está animado e
participante. A virada súbita desperta
minhas suspeitas.
– Você está diferente – digo de forma
casual. – O que está acontecendo?
Enigmático, ele me olha.
– Acredita em fantasmas? – per-
gunta ele.
Não é a primeira vez que um pa-
ciente me pergunta isso. As pessoas
têm experiências incomuns no fim
da vida: visita de seres espi-
rituais, mensagens trans-
mitidas em sonhos,
sincronicidades

62 seleções 11.2023 ilustraçÕEs de Jasu Hu

11.2023 seleções 63

e comportamentos estranhos de ani-
mais, aves e até insetos.
– Há muitos tipos de fantasma – res-
pondo, sério. – A que tipo você está se
referindo?
– Lembra de quando lhe falei da
guerra? – pergunta ele.
Como esqueceria? Ele ligou a de-
pressão duradoura à época que pas-
sou como oficial de suprimentos de
um hospital de campanha na Segunda
Guerra Mundial.
– Lembro.
– Deixei uma coisa de fora – diz ele.
– Uma coisa que não sei explicar.
Então Evan descreve um dia hor-
rível de outono: as baixas chegavam
sem parar. Ele e os outros corriam para
transportar em macas os homens co-
bertos de sangue até a triagem.
– Fiquei ocupado o dia todo. As cos-
tas estavam em frangalhos, as mãos
dormentes de frio.
Ele faz uma careta e engole em seco.
64 seleções 11.2023
– Estávamos levando um
sujeito, e a maca escorregou
das minhas mãos. – Lágri-
mas correm pelo rosto dele.
– O rapaz bateu no chão, e
seu intestino saiu da barriga.
Evan esfrega as mãos
como se ainda estivessem
frias.
– Naquela noite, no meu
catre, não conseguia parar
de chorar pelo pobre ho-
mem e pelos outros que vi
morrer. O catre rangia de
tanto que eu tremia.
Faço que sim e espero que continue.
– Então olhei para cima – diz ele. – Vi
um sujeito sentado na ponta do catre.
Usava a farda da Primeira Guerra Mun-
dial, com aquele capacete engraçado.
Evan começa a rir e chorar ao mesmo
tempo.
– Ele me olhava com amor. Dava
para perceber. Nunca senti aquele
tipo de amor.
– Como era?
Ele faz uma pausa.
– Senti que a dor e a crueldade não
eram reais.
– O que era real?
– Saber que, por mais cruel que
o mundo seja, em certo nível todos
somos amados de alguma forma. Es-
tamos todos conectados.
Essa foi a primeira de várias visitas
paranormais. Cada vez que chegava, o
espectro exprimia amor sem palavras
e deixava Evan com uma forte sensa-
ção de paz e calma.
 – Depois da guerra, as visitas pararam
– diz ele. – Anos depois, quando minha
mãe morreu, fui arrumar as coisas dela
e achei uma fotografia antiga. Era o
mesmo homem. Olhei no verso, e ma-
mãe tinha escrito: “Tio Calvin, morto na
Primeira Guerra Mundial, 1918.”
Conversamos mais um pouco, e
pergunto:
– O que isso tem a ver com seu bom
humor?
– Ele voltou – sussurra Evan. – Eu o
vi ontem à noite no pé da cama. Dessa
vez, ele falou.
– O que disse?
O RÁDIO DE REPENTE
TOCOU “LET IT BE”.
– Que vai me ajudar a encerrar a
jornada quando a hora chegar.
Enquanto penso no que dizer, Evan
me surpreende com uma pergunta:
– Você já teve alguma experiência
estranha? Que lhe diga que, por pior
que pareça, você está conectado a
algo maior?
Uma lembrança de 35 anos atrás
surge em minha mente. Eu estava
dormindo no alojamento de alunos
de pós-graduação da Universidade de
Syracuse quando o grito de uma sirene
me acordou. Sentei-me, a adrenalina
bombeando, o coração batendo como
um martelo.
Do lado de fora, ouvi distintamente
alguém dizer: “Traga aqui, depressa.”
Então, ouvi uma maca de metal rolar
pelo asfalto.
Fui até a janela e abri a cortina,
certo de que havia algum problema
lá fora.
Não havia ninguém.
Pouco antes do amanhecer, meu
pai me ligou para contar que, algu-
mas horas antes, meu tio Eddie tinha
morrido numa colisão de automóveis.
Na mesa da cozinha havia um rádio
velho. De repente, ele se ligou sozinho
e ouvi os primeiros acordes da canção
“Let it Be”, dos Beatles.
Nunca a tinha escutado com aten-
ção, mas dessa vez sim. A música e a
letra me encheram de uma sensação
sobrenatural de paz e consolo.
Durante anos, tentei explicar esses
eventos. No entanto, no fundo, uma
parte minha sabia que eram reais.
Depois de quase 30 anos como as-
sistente social numa casa de repouso,
agora tenho certeza. E preciso agra-
decer a pacientes como Evan: mori-
bundos que me convenceram de que
o mundo que habitamos é misterioso,
amoroso e nos apoia principalmente
em tempos de crise.
Volto ao presente. Evan me olha,
à espera da resposta à sua pergunta
sobre a conexão com algo estranho,
algo maior. Lá fora, um bando de
corvos levanta voo dos galhos de um
antigo carvalho.
– É – digo, fazendo que sim. – Acho
que aconteceu.
PULSE (23 DE OUTUBRO DE 2020)
© 2020 SCOTT JANSSEN
11.2023 seleções 65
Como os Países Baixos homenageiam seus libertadores

U M PA Í S Q U E
RECORDA
por Bert Archer DA REVISTA ZO OMER

66 seleções 11.2023
 Todo ano, na véspera
de Natal, esse cemitério
em Holten é iluminado
pelas velas.
11.2023 seleções 67

NUM
CEMITÉRIO
perto da cidade holandesa de Hol-
ten, no leste dos Países Baixos, ouvi
a história de Leena van Dam, esposa
finlandesa de um holandês. Em certo
inverno, ela notou um nome finlandês
numa lápide e perguntou se podia pôr
uma vela ali na véspera de Natal, como
fazem os finlandeses. Houve alguma
briga com a Comissão de Túmulos de
Guerra do Commonwealth, com sede
no Reino Unido, que, ao ceder, insistiu
que ela pusesse velas em todos os tú-
mulos por sua própria conta.
Por ser uma pessoa prática e ob-
jetiva, foi exatamente o que ela fez a
partir de 1991. Desde então, essa se
tornou uma tradição em todo o país.
Cada aluno do ensino fundamental se
responsabiliza por um soldado e põe
uma vela em seu túmulo no dia 24 de
dezembro. Algumas escolas pedem
68 seleções 11.2023
aos alunos que pesquisem “seu” sol-
dado e façam uma redação sobre o
que descobriram. Já vi fotos dos cemi-
térios iluminados à noite. São lindas.
Visitei Holten em 2019, antes do 75-º
aniversário da libertação dos Países
Baixos, etapa importantíssima do fim
da Segunda Guerra Mundial. Lá está
um túmulo com o nome de Francis
Welburn. Ele era filho de Winifred e
Charles Welburn, de uma pequena
cidade da província de Manitoba,
no Canadá. Francis morreu em 20
de abril de 1945, oito dias antes de
Mussolini, dez dias antes de Hitler e
menos de quatro meses antes de Hi-
roshima. Tinha 20 anos.
A inscrição diz: “Durma em paz,
querido, a salvo nos braços de Jesus,
a salvo em seu peito gentil”, e, embora
os pais quisessem pensar nele nos
braços de Jesus, na verdade ele mor-
reu nos braços do amigo Digby Smith.
(PÁGINA DUPLA ANTERIOR) BUITEN-BEELD/ALAMY STOCK PHOTO
Digby sobreviveu àqueles 19 dias
fundamentais antes da vitória na Eu-
ropa, casou-se e viveu até os 58 anos.
Quando morreu, em 1982, a esposa en-
controu um bilhete dizendo que queria
ser sepultado ao lado de Francis. Ela
teve de brigar; as regras sobre quem é
sepultado em cemitérios como esse são
muito estritas, mas conseguiu. Suas cin-
zas, pelo menos parte delas, estão acon-
chegadas ao lado de Francis.
Essas não são as únicas histórias dos
gramados atrás da Cruz do Sacrifí-
cio, o memorial de guerra do cemi-
tério. Duzentos dos 1.394 homens
 e mulheres enterrados em Holten
morreram depois do dia da vitória na
Europa. E, embora também haja mui-
tas histórias de guerra na França, no
Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha
e na Itália, em minha opinião elas não
são preservadas nem contadas com
tanto ardor como nos Países Baixos,
ao longo da rota dos libertadores.
A lembrança da guerra está viva
aqui, de um modo que não vi em lugar
nenhum. Quase todas as cidades, gran-
des e pequenas, têm seu dia de liberta-
ção, que corresponde à data em que os
Aliados, principalmente os canadenses
(como eu), marcharam pelo caminho
hoje conhecido como rota da liberta-
ção. Todo ano, pessoas importantes se
A infantaria
canadense em
Holten, nos Países
Baixos, pouco antes
da libertação do país
na Segunda Guerra
Mundial.
CP PHOTO
reúnem nesse dia, de forma que pode-
ria ser rotineira, para recordar eventos
cada vez mais antigos.
Mas os discursos são sinceros, as
palavras e frases têm frescor, emo-
cionam, são produto do pensamento
sobre os dias e vidas necessários para
arrancar esses hectares dos alemães,
como algo a não ser meramente lem-
brado, mas sentido. Não há nenhum
“nunca mais” decorado, nenhum ad-
jetivo para descrever o que fizeram os
homens e mulheres que lutaram.
Em Bergen op Zoom, Sabine Nölke,
que na época era embaixadora cana-
dense nos Países Baixos, fez o tipo de
discurso que adoraríamos ouvir dos
políticos. Ela se referiu com ênfase ao
11.2023 seleções 69
ressurgimento atual das atitudes de
extrema direita e perguntou: “O que
pensariam aqueles que morreram
por nossa liberdade? Não entende-
riam nossa tecnologia, mas acho que
entenderiam o perigo que corremos.”
Os Países Baixos ocupam um ter-
ritório pequeno, a luta foi intensa e
prolongada e cada pedacinho da geo-
grafia e da alvenaria está impregnado
com a guerra.
COMO JÁ PASSARAM
BASTANTE DOS 90
ANOS, OS QUE TÊM
LEMBRANÇAS CLARAS
QUEREM CONTAR SUA
HISTÓRIA.
O Hotel de Draak, em Bergen op
Zoom, é uma estalagem do século
13. Muita coisa aconteceu ali. Foi um
dos dois únicos prédios da cidade a
escapar do grande incêndio de 1397,
por exemplo. Mas é difícil superar
o fato de que o hotel abrigou vários
soldados alemães, enquanto o dono,
que seria o integrante da Resistên-
cia Arnold Oribans, escondia judeus
abaixo do assoalho, diretamente sob
os pés dos oficiais alemães. Lembra,
de forma mais dramática, um filme de
Quentin Tarantino.
Parti de Vlissingen, no sudoeste do
país, e terminei em Groningen, uns
70 seleções 11.2023
350 quilômetros a nordeste, onde a
última batalha foi travada rua a rua,
casa a casa. É a rota sugerida pela fun-
dação Rota da Libertação da Europa,
entidade internacional com escritó-
rios nos Países Baixos, na Bélgica, na
Itália, na França, na Alemanha e no
Reino Unido. Foi criada para “desen-
volver e compartilhar uma compreen-
são multiperspectiva da história da
Segunda Guerra Mundial”.
Na área de Vlissingen, fui a uma ceri-
mônia de libertação em homenagem ao
regimento Black Watch do Canadá e aos
Highlanders de Calgary que morreram
na vitória inicial e importantíssima na
Batalha da Estrada de Walcheren. Jaap
Rus, de 95 anos, um dos últimos mem-
bros vivos da Resistência holandesa,
pôs uma coroa de flores e conversou
com os congregantes em holandês e
inglês. (Seria sua última cerimônia; ele
morreu três meses depois.)
Ouvimos as melhores histórias sobre
a libertação na cidade de Groningen.
Os turistas tendem a não ir ao local,
mas a cidade abriga um dos grandes
museus holandeses (Groninger Mu-
seum), talvez a melhor genebra (a res-
posta holandesa ao gim) e, em 1945,
uma das libertações mais ferozmente
conquistadas na guerra. Embora com
apenas 39 anos, meu guia Joël Stoppels
transformou a guerra, especificamente
como ela ocorreu em sua cidade natal
de Groningen, no trabalho de sua vida.
No 70-º aniversário da libertação, ele
organizou uma encenação dos even-
tos que cercaram o primeiro soldado
canadense a ser morto na libertação
de Groningen: Fred Butterworth, de
22 anos, cujo tanque foi atingido por
um foguete anticarro alemão.
Na Europa, há muitas placas como
a da parede da casa que o tanque de
Butterworth derrubou quando ele
perdeu o controle. Ali, 6 mil pessoas
nas janelas e calçadas assistiram à
encenação transmitida ao vivo pela
NPO, a emissora nacional holandesa,
inclusive Stanley, irmão de Fred que
estava com ele em Groningen na hora
de sua morte. Agora, como na época,
a guerra está em toda parte.
Enquanto mostra o caminho pe-
las ruas e aponta as cicatrizes da
batalha, Stoppels indica a destilaria
Hooghoudt e conta outra história.
Depois de encerrado o duro trabalho
de libertação, um grupo de soldados
canadenses entrou no enorme prédio
de pedra, sentou-se e bebeu o que
quis (provavelmente vinho de frutas,
que foi o que manteve a fábrica fun-
cionando durante a guerra).
Quando voltaram para o 70-º aniver-
sário, os veteranos visitaram a destilaria
e, no final, receberam a conta do que
eles e os colegas beberam havia tanto
tempo naquele dia. Olhares inquietos
deram lugar a risadas quando mãos se
pousaram nos ombros, com outra ro-
dada de agradecimentos. As bebidas,
afirmaram, foram por conta da casa.
Essa é uma época muito comovente
para visitar esses lugares. Como aqueles
que têm lembranças claras dos eventos
já estão bem avançados nos 90 anos,
muitos querem contar suas histórias
para ter certeza de que elas sobrevive-
rão. Quanto mais numerosas as pes-
soas com quem conversei, os eventos
a que compareci e os monumentos a
soldados canadenses que contemplei,
maior a sensação de que, além de ser
boa para um canadense, essa viagem é
quase um dever nacional de recordar,
homenagear e aceitar em nome de nos-
sos antepassados o reconhecimento de
uma nação ainda agradecida.
É compreensível que uma viagem
tão cheia de destruição, mortes e
atrocidades não seja para todos. Mas
há outra coisa que distingue os ho-
landeses dos vizinhos europeus com
histórias parecidas: o intenso senso
de humor, ainda que mórbido às ve-
zes. Permite que as histórias da guerra
sejam contadas com uma certa leveza.
Em última análise, o que mais me
espantou foi a noção de dever dos ho-
landeses para com a História. Prestei
minha homenagem em monumentos
fúnebres do Canadá no Dia da Re-
cordação, mas sempre com a sensa-
ção de que a guerra era muito antiga
e distante. Em pé nessa terra baixa e
duramente conquistada, claramente
não é nada disso.
Jaap Rus, que tinha muito a lamen-
tar no dia em que o conheci e apertei
suavemente sua mão, era só sorrisos.
Mãos fracas, talvez, mas uma fé in-
quebrantável.
© 2021, BERT ARCHER. DE “THE LIBERATION OF THE
NETHERLANDS: HOW THE DUTCH STILL HONOUR CANADIAN
SOLDIERS”, ZOOMER (11 DE NOVEMBRO DE 2021),
EVERYTHINGZOOMER. COM
11.2023 seleções 71
Demência:
novas descobertas
trazem
esperançaApós décadas de
decepção, finalmente
surgem novos exames
e tratamentos
por Vanessa Milne

72 seleções 11.2023 ilustrado por Mary Haasdyk Vooys

11.2023 seleções 73

Oito anos
atrás,
o neurologista Dan Gibbs festava em
uma sala com duas dúzias de médicos
e pesquisadores. Preparava-se para
observar exames cerebrais – não de
pacientes, mas os seus. Eles respon-
deriam de forma definitiva à pergunta
que se fazia havia anos: qual era o seu
problema?
Tudo começou quando ele tinha 55
anos e trabalhava como neurologista
em Portland, no estado americano do
Oregon. Gibbs notou que não conse-
guia sentir o cheiro de certas coisas,
como as flores. Depois, começou a
sentir o cheiro de coisas que não exis-
tiam, como pão no forno, perfume, fru-
tas cítricas. Aleatoriamente, teve uma
pista da possível causa quando fez um
exame doméstico de DNA para saber
mais sobre sua árvore genealógica. O
resultado mostrou que havia duas có-
pias do gene APOE4, que aumenta o
risco de doença de Alzheimer. O mé-
dico ficou chocado. Nunca tinha lhe
ocorrido que poderia ter essa doença.
Na época, sua memória não apre-
sentava sintomas, mas nos anos se-
guintes ele notou alguns problemas
74 seleções 11.2023
leves, como esquecer o nome dos co-
legas e ter dificuldade para decorar o
telefone novo do consultório. Tendo
histórico de pesquisador, ele decidiu
participar de um estudo no campus
de São Francisco da Universidade
da Califórnia sobre o diagnóstico da
doença de Alzheimer. E agora os re-
sultados tinham chegado.
Os pesquisadores pegaram as ima-
gens e lhe mostraram as placas de
beta-amiloide em diversas partes do
cérebro, como o córtex pré-frontal e a
área olfatória. Eram sintomas de início
de Alzheimer. Surpreendentemente,
Gibbs ficou contente: “Quando me
mostraram os exames, foi um alívio
definir o diagnóstico”, explica ele.
O QUE É DEMÊNCIA?
Demência é o nome genérico de um
grupo de sintomas que contribuem
para o declínio da memória, do pen-
samento, do raciocínio e das habili-
dades sociais. A doença é progressiva,
e, no fim da vida, algumas pessoas
com demência precisam de cuidados
24 horas por dia.
No mundo inteiro, 55 milhões de
pessoas têm demência. Embora só
atinja 1% das pessoas com 65 a 69
anos, o risco dobra a cada cinco anos
entre os 65 e os 84. Uma em cada qua-
tro pessoas com mais de 85 anos tem
demência.
Mas, este ano, as descobertas de
exames e tratamentos deram nova es-
perança a pesquisadores como o Dr.
Don Weaver, diretor e cientista-chefe demência de corpos de Lewy, na qual
do Instituto de Pesquisa Krembil da depósitos de proteína (os chamados
University Health Network, em To- corpos de Lewy) se acumulam no
ronto, no Canadá. cérebro e afetam o pensamento, a
“Há espaço genuíno para oti- memória e o movimento; a demência
mismo”, diz ele. “As pesquisas avan- vascular, que pode ocorrer depois que
çam com mais rapidez do que nunca.” um AVC ou obstrução nos vasos reduz
Há novos tratamentos, e exames revo- o fluxo de sangue e oxigênio no cére-
lucionários estão para aparecer. bro; e a demência frontotemporal, em
A doença de Alzheimer é respon- que os lobos frontal e temporal do
sável por 60% a 70% dos casos de cérebro encolhem. Essa última pode
demência. Embora ainda não se co- acontecer com pessoas de 40 anos e
nheça direito a causa, os pesquisa- foi muito comentada no início deste
dores vêm se concentrando no mau ano, quando diagnosticada no ator
funcionamento de duas proteínas do Bruce Willis, de 67 anos.
cérebro.
A primeira é a beta-amiloide, parte
normal do sistema nervoso central NOVOS MEDICAMENTOS
que, em geral, é removida do cérebro. PARA ALZHEIMER
No entanto, no cérebro com Alzhei- Durante décadas, o tratamento da
mer essa proteína não é eliminada demência se manteve numa imo-
adequadamente e se aglomera entre bilidade frustrante. Dois tipos de
os neurônios, criando depósitos cha- medicamento lançados três déca-
mados placas amiloides, que atrapa- das atrás melhoram os sintomas: os
lham o funcionamento celular.
O segundo tipo, as proteínas tau,
se encontra primariamente dentro
dos neurônios. Nas pessoas com Al-
zheimer, essa proteína, que normal-
mente ajuda a transportar nutrientes
pelo cérebro, se acumula e se “ema-
ranha” dentro do neurônio. O acú-
mulo dessas duas proteínas afeta a
capacidade de comunicação entre
as células cerebrais. Finalmente, a
célula morre, o que prejudica a ca-
pacidade de pensar e recordar.
Outros tipos de doenças que
causam declínio cognitivo são a

11.2023 seleções 75
inibidores de colinesterase, que ele-
vam a acetilcolina, substância de que
o cérebro precisa para a atenção, a me-
mória e a capacidade de avaliação; e
a memantina, que regula o glutamato,
mensageiro químico necessário no
aprendizado e na memória. Mas ne-
nhum deles limita o avanço da doença.
Também há o aducanumabe, lançado
dois anos atrás, que reduz o acúmulo
de placas amiloides em pacientes com
Alzheimer, mas não reduz o declínio
cognitivo.
Agora, finalmente, os anos de conti-
nuidade das pesquisas vêm dando no-
vos frutos, e estamos à beira de grandes
avanços no tratamento e na prevenção.
“Os novos medicamentos são uma
descoberta empolgante”, diz Gill Li-
vingston, professora de psiquiatria de
idosos da University College London,
no Reino Unido, e chefe do comitê per-
manente de prevenção, intervenção e
tratamento de demência da revista
Lancet. No entanto, ela acrescenta que
tudo ainda está no início e que há gran-
des obstáculos a remover.
Nos Estados Unidos, em janeiro
deste ano, foi aprovado o primeiro
medicamento que reduz o avanço da
doença de Alzheimer em vez de tratar
os sintomas. Nos estudos clínicos, as
pessoas com Alzheimer que tomaram
lecanemabe (Leqembi) durante 18 me-
ses mostraram 27% menos declínio da
memória e da cognição do que quem
tomou placebo. Mas não se sabe como
isso se traduz no mundo real.
Como explica o Dr. Roger Wong,
76 seleções 11.2023
professor clínico de medicina geriá-
trica da Universidade da Colúmbia
Britânica, “precisamos saber o que
isso significa para quem vive com
demência. Queremos melhorar a
funcionalidade”.
Além disso, há desvantagens no
novo medicamento, ministrado por
via intravenosa. Ele é caro e pode ter
efeitos colaterais graves, como he-
morragia cerebral.
Um segundo medicamento, o do-
nanemabe, ainda não aprovado pelo
órgão oficial americano, também se
mostrou promissor nos estudos clí-
nicos. Ele desacelera em cerca de um
terço o ritmo do declínio do Alzhei-
mer. Mas, como o lecanemabe, pode
ter efeitos colaterais graves. “Portanto,
ainda não chegamos lá”, diz Livings-
ton. “Mas é fantástico que estejamos
começando a chegar.”
GRANDE AVANÇO
NA PREVENÇÃO
Nos últimos anos, nosso conheci-
mento sobre a prevenção da demên-
cia aumentou drasticamente, e muitos
problemas que a causam agora são
tratáveis. “Finalmente identificamos
os fatores de risco e estamos pres-
tando atenção neles”, diz Weaver.
Segundo um relatório encabeçado
por Livingston e publicado em 2020
na revista Lancet, 40% dos casos de
demência poderiam ser evitados. O fa-
tor número um foi a perda de audição,
que afeta a capacidade de conversar e
causa isolamento. “Isso nos surpreen-
deu bastante”, diz Livingston. “É um
risco reversível, porque basta usar apa-
relhos auditivos.”
Dedicar tempo à socialização foi
outro fator importante. “Falar com os
outros estimula o cérebro e o faz tra-
balhar, porque é preciso se envolver,
é preciso pensar”, explica Livingston.
Fazer 150 minutos de exercício por
semana mantém o coração em boa
forma, o que se traduz num cérebro
mais saudável. Ter um trabalho esti-
mulante também é bom, assim como
estudar mais quando jovem, o que
aumenta a chamada reserva cogni-
tiva. Assim, mesmo que a potência
cognitiva se perca, ainda haverá mais
para usar. Tratar a depressão também
é importante.
E há coisas a evitar: o hábito de fu-
mar e a poluição do ar aumentam o
risco. Além disso, sabe-se que o risco
também cresce com as lesões trau-
máticas do cérebro, a bebida, a hi-
pertensão, o diabetes e a obesidade.
“Agora sabemos que, para muita
gente, a demência não é inevitável”,
diz Livingston.
EXAMES PARA MELHORAR
O DIAGNÓSTICO
Tão importantes quanto os novos me-
dicamentos são os avanços do diag-
nóstico. Espera-se que vários exames
de sangue que identificam a doença de
Alzheimer, amplamente usados em es-
tudos clínicos, estejam disponíveis ao
público até o fim de 2023, de acordo
11.2023 seleções 77
com Gil Rabinovici, professor de neu-
rologia e radiologia e diretor do centro
de pesquisa de doença de Alzheimer
do campus de São Francisco da Uni-
versidade da Califórnia. “Acredito que
os exames de sangue e os novos medi-
camentos vão realmente transformar
a prática médica e o tratamento das
pessoas com perda de memória”, diz
Rabinovici.
Atualmente, a doença de Alzhei-
mer é diagnosticada pelos médicos
por vários meios, como a análise dos
sintomas e do histórico clínico fami-
liar, exames físicos e exames do cére-
bro por imagem. Os médicos também
fazem testes cognitivos, como pedir à
pessoa que recorde uma lista de pa-
lavras, desenhe um relógio ou cite o
máximo de animais que conseguir.
O que falta nessa avaliação é uma
prova biológica direta e conclusiva
da doença, ou seja, o diagnóstico se
baseia na experiência do médico, diz
Rabinovici. Weaver concorda. “Não é
como a artrite reumatoide, para a qual
há exames de sangue, ou a pneumo-
nia, para a qual há as radiografias que
confirmam o que é.”
Isso é importante porque, segundo
um estudo de 2012 realizado com pes-
soas com demência leve a moderada,
cerca de 30% das pessoas clinica-
mente diagnosticadas com Alzheimer
na verdade não tinham a doença, o
que só foi descoberto na autópsia.
Em quem só tem perda cognitiva leve,
mais difícil de diagnosticar, a precisão
seria ainda menor, diz Rabinovici.
78 seleções 11.2023
Em alguns casos, isso significa que,
em vez de ter doença de Alzheimer, o
paciente pode ter demência vascular
ou de corpos de Lewy. No entanto, em
outros os sintomas têm causa reversí-
vel, como a apneia e outros problemas
do sono, transtornos do humor como
a depressão ou mudanças hormonais.
Medicamentos como os usados para
insônia, incontinência e alergia po-
dem prejudicar a função cognitiva,
principalmente em idosos.
AS PLACAS COMEÇAM
A SE DESENVOLVER
NO CÉREBRO UNS
20 ANOS ANTES DO
INÍCIO DOS SINTOMAS.
Com o lançamento de novos me-
dicamentos para a doença de Alzhei-
mer, é mais importante ainda que os
médicos tenham o diagnóstico correto
antes de prescrevê-los. O diagnóstico
preciso permite que as pessoas to-
mem decisões fundamentais, como
largar o emprego ou ir para uma casa
de repouso, e que as famílias plane-
jem os cuidados necessários.
Michelle Mielke, diretora do depar-
tamento de epidemiologia e prevenção
da Escola de Medicina da Wake Forest
University, em Winston-Salem, no es-
tado americano da Carolina do Norte,
diz que o diagnóstico mais precoce
e preciso obtido com um exame de
sangue pode transformar o tratamento
médico no futuro.
As placas começam a se desenvolver
no cérebro cerca de 20 anos antes do
início dos sintomas, explica ela, e nem
todo mundo com placas apresentará
perda cognitiva. Daqui a alguns anos,
“assim como fazemos exames de coles-
terol porque sabemos que é um fator
de risco de infartos e AVCs, poderemos
fazer exames de amiloide e proteína
tau em pessoas de certa idade. Se es-
sas placas estiverem elevadas, será
possível tentar um plano de medicação
para retardar ou prevenir o desenvolvi-
mento dos sintomas”.
MAIS FOCO NOS
CUIDADORES
Cuidar de um membro da família com
demência pode ser incrivelmente
estressante. Por muito tempo, as ne-
cessidades dos cuidadores foram
negligenciadas. Agora, seu esforço é
mais conhecido graças aos achados
das pesquisas. Uma revisão publi-
cada em 2022 na revista Dialogues in
Clinical Neuroscience constatou que,
nos países desenvolvidos, até 85% dos
cuidadores apresentaram depressão, e
até 45%, ansiedade.
No entanto, a boa notícia é que o
apoio da comunidade está aumen-
tando. Entre as iniciativas estão os “ca-
fés da memória”, onde os cuidadores
podem ir com a pessoa com demência
para tomar um café, participar de ati-
vidades, encontrar uma comunidade
e se sentir normais por algum tempo.
Há mais de 1.200 cafés da memória no
mundo inteiro. (Descubra quando são
esses encontros na sua região, bus-
cando no Google “café memória”.)
 Outros lugares públicos, como
museus, também colaboram com os
“dias da demência”, em que oferecem
um ambiente acolhedor para pessoas
com dificuldades cognitivas e seus cui-
dadores. E, em muitos países, as orga-
nizações de Alzheimer têm programas
para apoiar comunidades que ajudem
as pessoas com demência.
O LABORATÓRIO DE
WEAVER ESTÁ PESQUI-
SANDO O EFEITO DA
INFLAMAÇÃO SOBRE A
FUNÇÃO CEREBRAL.
Por exemplo, no Reino Unido,
centenas de comunidades dão trei-
namento sobre demência a funcio-
nários municipais, põem placas ao
nível dos olhos e marcam as portas
de vidro para ficarem mais visíveis.
Na cidade de Aberfeldy, na Escócia, o
cinema passa filmes adequados para
quem tem demência. Organizadores
do futebol apoiaram o guia dos novos
Clubes e Locais Esportivos Amigáveis
à Demência da Alzheimer’s Society; o
estádio de Wembley, em Londres, se
tornará o primeiro do Reino Unido
a ser acolhedor para a demência. A
meta é, nos dias de jogo, melhorar
a experiência de quem tem demên-
cia, para quem os locais esportivos
podem ser assustadores e causar
desorientação.
80 seleções 11.2023
A americana Paula Spencer Scott,
autora de Surviving Alzheimer’s (So-
brevivendo ao Alzheimer), sabe em
primeira mão como é difícil ser cui-
dadora. Ela cuidou do sogro com
demência. “Na verdade, as emoções
mais intensas que já tive aconteceram
quando fui cuidadora residente”, diz
ela. Como mecanismo de enfrenta-
mento, ela e o marido costumavam se
dizer: “Não é ele, é a demência.”
“Em termos intelectuais, sabemos
disso”, explica ela. “Mas, em termos
emocionais, podemos ficar muito
frustrados e zangados com a pessoa,
e depois nos sentimos culpados.”
Embora isso não resolva tudo, em
muitos lugares agora há pressão para
apoiar financeiramente o trabalho de
cuidador. Por exemplo, nos EUA, mui-
tos estados pagam filhos, netos e até
amigos por atuarem como cuidado-
res; cada vez mais estados permitem
esse pagamento aos cônjuges. O Reino
Unido e o Canadá também oferecem
apoio financeiro sob a forma de pensão
ou deduções fiscais para os cuidadores.
Os programas de apoio a cuidadores
são eficazes para prevenir alguns pro-
blemas, mas, para as pessoas que pres-
tam cuidados em tempo integral, pode
ser difícil ter acesso a eles. Na internet,
há cada vez mais grupos de apoio e
informações para que a pessoa que
cuida sem pausas possa se conectar
em casa, no momento mais adequado.
“A ênfase crescente na saúde men-
tal e emocional tem sido uma revo-
lução para os cuidadores”, diz Scott.
“Nos últimos dez a quinze anos, sur-
giu uma imensa maré de apoio.”
Tudo isso ajuda a reduzir o es-
tigma das pessoas com demência, diz
Gibbs. “Sou muito franco quando
converso sobre minha doença. Algu-
mas semanas atrás, minha mulher e
eu fomos à reunião de 50 anos da fa-
culdade, e falei disso com os colegas.
Às vezes, acho que hesitamos demais
em nos engajar com as pessoas que
têm demência.”
MAIS CLAREZA SOBRE
AS CAUSAS
Weaver acha que, nas duas últimas
décadas, houve um foco míope nas
placas amiloides. “Os novos medica-
mentos demonstram que a amiloide
tem seu papel, mas é apenas parte de
um quadro maior.”
Seu laboratório está pesquisando
outro fator: a inflamação do cérebro.
“Penso no Alzheimer como doença
autoimune do cérebro, em que o
sistema imunológico é despertado
por vários fatores, como a poluição
do ar, a depressão ou as infecções”,
diz ele. “O sistema imunológico hi-
perativo embarca numa missão de
busca e destruição no cérebro. Ele
perambula dentro do crânio para
procurar e destruir neurônios, o que
causa inflamação.”
Outros pesquisadores também
vêm buscando direções diferentes,
diz ele: mau funcionamento das mi-
tocôndrias do cérebro, que produzem
energia para as células; distorção dos
lipídeos do cérebro; danos a membra-
nas celulares adoecidas que podem
matar a célula. Entre os tratamentos
testados para outras causas possíveis
de demência estão a terapia com cé-
lulas-tronco e estimulação magnética
transcraniana.
Weaver sempre se lembrará de um dos
primeiros encontros com um paciente
com demência, um militar veterano.
“O pobre homem estava tão confuso
que se escondia embaixo do leito do
hospital”, recorda Weaver. “Revivia a
experiência da guerra. Fiquei de qua-
tro e olhei os olhos dele. Foi de cortar
o coração. Achei que tínhamos de fa-
zer alguma coisa por essas pessoas.”
Depois de décadas de frustração
ao dar a milhares de pacientes a notí-
cia de que tinham demência, ele está
mais decidido do que nunca a final-
mente lhes dizer: “Tenho algo que
pode ajudar.”

Em torno da mesa
Não se pode pensar bem, amar bem nem
dormir bem quando não se jantou bem.
VIRGINIA WOOLF

11.2023 seleções 81
O TRIUNFO
LIVRO
DO
por Richard Glover
O LIVRO IMPRESSO está de volta. Estudos
recentes mostram que os alunos retêm
mais informações quando leem livros
em papel e não em aparelhos digitais.
Uma escola perto de onde moro
na Austrália reagiu a esses achados
removendo os leitores eletrônicos.
De acordo com um professor, os alu-
nos acharam que a “facilidade de
82 seleções 11.2023
navegação” era maior quando usavam
o livro tradicional.
Adoro o modo como hoje avaliamos
os livros impressos com a linguagem
do mundo digital. Os livros eletrônicos
podem vir com um “conjunto de ferra-
mentas de navegação”, mas acontece
que os melhores aparelhos de navega-
ção são o polegar e o indicador. Você
pode usá-los para virar as páginas para
a frente e para trás. E pensar que, todo
esse tempo, esses dispositivos estavam
bem ali, pendurados na ponta do braço.
Os fãs dos livros digitais ressaltam
que os leitores eletrônicos têm uma
ferramenta de busca muito prática.
Os livros à moda antiga também têm
função de busca, em que você volta
ao primeiro capítulo para recordar o
sobrenome do herói. Eles contam até
com até um “sistema de marcadores”,
que usa um aparelho chamado “mar-
cador de livros”.
O livro tradicional oferece todos
os recursos do livro eletrônico? In-
felizmente, não. Falta a “barra de
progresso” que indica o percentual
do livro que já foi lido. Por sorte, há
um macete: vire o livro para vê-lo por
cima ou pelo lado. Naturalmente, ele
formará duas metades unidas pelo
meio (a “lombada”). Se a parte es-
querda for mais grossa do que a di-
reita, você já passou da metade.
Os fãs do livro eletrônico ressal-
tam que é mais fácil fazer anotações
no texto digital. Alguns aparelhos até
exibem a imagenzinha de um lápis
para guiar o leitor pelo processo. Os
usuários do livro tradicional têm um
sistema semelhante chamado “lápis”.
Com ele, os trechos favoritos podem
ser sublinhados e, se for um livro de
História, é possível escrever à margem
comentários pretensiosos como “Não
é bem assim, de acordo com Declínio
e queda do Império Romano”.
Assim anotados, esses livros podem
ser deixados por aí para que os outros
os examinem e para convencer paren-
tes ou possíveis amantes de sua pers-
picácia intelectual.
Sem dúvida, os livros eletrônicos
são mais leves do que os volumes de
papel, mas é preciso questionar se isso
é mesmo uma vantagem. Na escola
secundária, meu físico se transformou
com a necessidade diária de carregar
os livros de ciências. Para mim e para
meus colegas, pôr aqueles tomos pesa-
dos na mochila puxava os ombros para
trás e o peito para a frente de um modo
que transformava a escola no equiva-
lente a um desfile militar.
É claro que o livro impresso tem ou-
tras vantagens. Uma estante cheia é,
ao mesmo tempo, estoque de conhe-
cimentos e isolamento sonoro. E o li-
vro adequadamente folheado sempre
se abrirá na cena mais sexy.
Marie Kondo, a guru da arruma-
ção, disse que guarda apenas 30 li-
vros. Quem segue seu exemplo pode
ter uma casa menos entulhada, mas
a estante grande e bem estocada é
mais significativa. É um mapa da vida
do leitor: as paixões que se foram e as
que ficaram. Há livros que nos apre-
sentam a outros livros, como amigos
numa festa, e livros que nos acalen-
tam em épocas difíceis.
Além disso, o cheiro de livros velhos
num sebo é instantaneamente evoca-
tivo. Sim, é uma mistura de mofo e
papel velho, mas que para mim re-
presenta possibilidades. Passe uma
hora folheando e é certo que você
encontrará aquele livro esgotado que
pensou que nunca acharia.
As modas educacionais vêm e vão,
e talvez o retorno ao livro tradicional
não dure muito. Mas, por enquanto,
vejo-me em posição de atenção, fle-
xionando meus ombros fortalecidos
por livros didáticos e batendo conti-
nência para seu retorno glorioso.
11.2023 seleções 83
 SUA HISTÓRIA REAL

elhor
Om
r o
er tido
` c o m e
ja
O AMADO PINTOR BOB
˜
ROSS TINHA RAZaO:
˜ EXISTEM ERROS, So`
NaO
ACIDENTES FELIZES

por Leitores de Seleções

84 seleções 11.2023
A PESSOA ERRADA NA HORA CERTA
Vi o nome de uma antiga amiga de escola no Face-
book. A conta não tinha foto, mas fiquei empolgada
e lhe mandei uma mensagem: “Melinda, estou tão
contente de encontrá-la!” Ela respondeu: “Que bom
UMA ARTE REFINADA
Como professora de artes
falar com você, Bonnie. Vamos pôr os assuntos em do ensino fundamental
dia.” Continuamos trocando mensagens, falando com uma única pia na sala,
dos anos decorridos desde o ensino médio. Mas eu achava difícil limpar
alguma coisa não estava certa. Eu não lembrava das 30 pares de mãos no fim
histórias. No fim, tratava-se de outra Melinda, não da aula. Geralmente, eu
a que eu tinha pensado. Mas estávamos nos diver- ficava na frente da fila,
tindo tanto que mantivemos o contato, e ela se tor- passando as toalhas de pa-
nou uma amiga querida. Fico muito agradecida por pel. Certo dia, sem querer,
esse caso de troca de identidade. deixei o rolo inteiro cair na
—bonnie drury Carmichael pia com a torneira aberta.
Irritada, peguei o rolo en-
charcado, espremi rapida-
Nome trocado mente e distribuí as
toalhas úmidas pela fila.
Anos atrás, chamei meu A rotina mudou para sem-
pre. Agora os auxiliares de
namorado pelo nome do limpeza adoram distribuir
ex. Fiquei me sentindo toalhas de papel molhadas
péssima, mas aí percebi enquanto os alunos aguar-
dam sua vez no refeitório,
que tinha saudades do ex e as mãos de todos ficam
e que não o esqueci. Vol- limpas num instante. Pas-
sei a dica para a professora
tamos e estamos juntos de artes que me sucedeu,
desde então. e ela adorou.
—Nicole Trevisan —Jeanne Crosby

A SOBREMESA ERRADA
Anos atrás, fiz um cheesecake de chocolate para uma festa. Enquanto misturava
os ingredientes, fiquei na dúvida se tinha posto a quantidade correta de cho-
colate. Para compensar, acrescentei o triplo do que a receita recomendava. O
cheesecake foi um enorme sucesso e recebeu o apelido de Trufa de Chocolate
da Joanne, o que me deixou contentíssima.
—Joanne Birnberg

ilustrado por Angela Southern 11.2023 seleções 85

ESTACIONE ESSA IDEIA
Deixei meu Camaro no estacionamento
de um hotel para participar de um tor-
neio de tênis. Fiquei em segundo lugar
nas duplas masculinas. Nosso grupo,
que incluía a linda ruiva que ficou em
segundo lugar nas duplas femininas, ia
comemorar quando percebi que tinham
rebocado meu Camaro. Consegui recupe-
rá-lo rapidamente, a tempo de ainda me juntar O PODER DAS
ao grupo. A ruiva e eu começamos a namorar e MÍDIAS SOCIAIS
estamos casados há 38 anos. Até hoje, ela afirma Alguns anos atrás, minha fi-
que minha reação calma ao ver que o carro tinha lha me pediu que a filmasse
sido rebocado a fez perceber que eu era especial. fazendo uma dancinha
—Tim Ferguson boba. Na manhã seguinte,
ela deu um grito de des-
crença. Por engano, tinha
Muita água mandado a dancinha para
o TikTok como vídeo pú-
Numa briga de água no acam- blico, que viralizou. Con-
pamento de verão, enchi o balde cordamos que ela poderia
manter o vídeo se eu fi-
para jogar em outro instrutor. Ele zesse uma conta para ficar
se abaixou e, com horror, vi que de olho em tudo. Sou as-
sessora de recursos huma-
encharquei um visitante aleatório nos, e comecei a publicar
que estava atrás dele. Corri para na plataforma meus conhe-
cimentos do setor. Recen-
me esconder na cabana. Quando temente, uma seguidora
saí, o desconhecido, que me es- me agradeceu porque mi-
perava no telhado, se vingou me nha postagem a ajudou a
perceber que a empresa
jogando seu balde d’água. Era o lhe pagava menos do que
motorista do acampamento, e, devia, e ela recebeu 10 mil
dólares em atrasados. É di-
para minha surpresa, me convidou fícil acreditar que agora
para sair. Ron e eu tivemos 59 anos esta velhota aqui tem uma
conta com milhares de se-
de casamento feliz. Eu não trocaria guidores e centenas que
aqueles anos por nada. me agradecem pela ajuda.
—Eilene Roecker —Cindy Opeka

86 seleções 11.2023
Esgotamento e renovação
Percebi que o cortador de grama estava sem combustí-
vel. Só precisava de mais um pouquinho, e achei
que não teria importância usar o combustível da
motosserra. Acontece que tinha importância, e
queimei o motor do cortador de grama. No entanto,
isso me inspirou a criar uma ferrmenta
para misturar quantidades pequenas
de combustível em qualquer
proporção. Trinta anos
depois, já vendemos
2,6 milhões de unidades.
—Tim Richards

UM ÓTIMO EMPREGO O PREÇO ESTÁ CERTO

Larguei o emprego no McDonald’s para tra-
balhar na companhia telefônica, com redu-
ção significativa do salário. No início, achei
que tinha cometido um erro: o McDonald’s
era um beco sem saída, mas pagava mais.
Só que o novo serviço se transformou em 30
anos de carreira, nos quais usei o programa
de auxílio universitário da empresa para me
formar e fazer a pós-graduação. Também me
tornei gerente e trabalhei com pessoas mara-
vilhosas que ainda são minhas amigas. O
melhor “erro” que já cometi, com certeza.
—Jan Carter
Meu marido e eu tínhamos
acabado de abrir uma empresa
de produtos de limpeza. Por
engano, cobrei 0,79 dólar
pelos raspadores de limpeza
em vez de 1,79. Percebi o erro
quando um cliente comprou
todo o estoque. Acontece que
ele era o comprador do governo
do condado e pediu o preço de
vários outros produtos. Desde
então, o governo é nosso
melhor cliente.
—Terri Costanzo

Sem a mínima ideia

Quando assustados, os gambás não se “fingem de mortos”.
Eles ficam tão nervosos que desmaiam.
mentalfloss.com

11.2023 seleções 87
 A LÍNGUA NATAL E A CULTURA DA IRLANDA
ESTÃO VIVAS E EM BOA SAÚDE NAS
REGIÕES GAELTACHT DO PAÍS

O idioma gaélico
irlandês prospera
na Península de
88
Dingle.
seleções 11.2023
 MELODIA
IRLANDESA
por J.R. Patterson DA REVISTA HEMISPHERES DA UNITED AIRLINES

11.2023 seleções 89

LINGUAGEM É
MÚSICA.
Cada língua tem sua cadência, ritmo e
timbre específicos e encontra natural-
mente um parceiro em alguma forma
musical. O alemão é uma marcha. O
italiano transmite os trinados da mú-
sica de câmara barroca. O idioma ir-
landês, quando o ouço pela primeira
vez num pub no oeste da Irlanda,
chega a meus ouvidos como um an-
tigo hinário, o sabor de seus acordes
antigo e elegíaco.
Os homens que escuto estão incli-
nados à frente, como se discutissem a
mortalidade – até caírem na risada e
esvaziarem as canecas de cerveja. Nas
palavras do escritor irlandês Maurice
O’Sullivan, fico me sentindo “como
um cachorro que ouve música”.
Vejo isso como tús maith – um bom
começo, a oportunidade de ver com
novos olhos um lugar conhecido. A Ir-
landa passou a fazer parte da comuni-
dade global, mas as regiões Gaeltacht,
ou An Gaeltacht, são a raiz de onde
brotou o trevo; mais profundas, mais
sombrias e cheias de ortha an dul
amú – o encanto da ocultação.
Meus ancestrais foram forçados
a sair do país pela fome e pela re-
forma da posse da terra no século 19,
quando o idioma gaeilge (também
chamado de gaélico irlandês) estava
em seu ponto mais baixo. O laço
90 seleções 11.2023
linguístico com a pátria foi cortado,
mas na Irlanda alguns teimosos ainda
seguravam sua ponta da corda. Quis
saber o que conseguiria entender ou-
vindo aquele som ancestral e vim para
o acidentado litoral oeste, de Dingle a
Connemara e Donegal, onde ainda se
ouvem no ar aqueles hinos.
Não é por coincidência que o idioma
irlandês mantenha seu domínio mais
forte no litoral. Enquanto o inglês se
tornou dominante, tanto para os emi-
grantes no Novo Mundo quanto para
os irlandeses que moravam mais perto
de Dublin, na parte oeste do país o
idioma natal continuou a ser a cone-
xão com a cultura gaélica.
Hoje, um esforço conjunto de go-
verno, escolas, historiadores e entu-
siastas protege essas tradições sociais
e linguísticas. Embora quase 2 milhões
de irlandeses afirmem falar um pouco
o idioma, só cerca de 70 mil o falam
diariamente fora do sistema educacio-
(PÁGINA DUPLA ANTERIOR) MARK DE JONG/UNSPLASH.COM
nal. A maioria se concentra nos conda-
dos de Galway, Monaghan, Donegal e
Kerry, onde começo minha viagem.
A PRIMEIRA PARADA é a península de
Dingle, um dedo de terra que se enfia
pelo Atlântico. A cidade de Dingle já foi
uma aldeia provinciana de pescadores,
as ruas tortas cheias de armadilhas
para lagostas e redes de pesca. Ultima-
mente, recebeu um retoque; entre as
fachadas coloridas das lojas de agasa-
lhos e galerias de arte, pendem placas
douradas que anunciam o pescado do
dia. “Somos os últimos moicanos aqui”,
 me diz um homem no Dingle Pub, o
creme da cerveja Guinness a se derra-
mar pela borda do copo.
Há uma sensação de fim de tudo,
mas também de esperança: a crença
de que o recente entusiasmo pelo
idioma – e por bons restaurantes, li-
vrarias e festivais – mantenha a área
viva. Nesse dia de início de outono, a
cidade está cheia de caminhantes e
gente que olha as vitrines e se move
de acordo com o sussurro de um la-
mento fúnebre irlandês que vem do
pub e entra pela noite.
Na manhã seguinte, acordo em
meu quarto na pousada An Capall
Dubh (O Cavalo Negro). Helena Cur-
(EM SENTIDO HORÁRIO A PARTIR DA ESQUERDA) MARK DE JONG/UNSPLASH.COM; MEGAN
ran, a proprietária, me serve ovos
postos por suas galinhas e amaldiçoa
a madra rua (raposa-vermelha) que
furtou uma das aves à noite. Curran
foi criada falando irlandês. “A língua
está viva aqui”, diz ela.
JOHNSTON/UNSPLASH.COM; JAMIESON GORDON/UNSPLASH.COM
A partir da esquerda, em sentido
horário: a cidade de Dingle;
ovelhas no litoral oeste da
Irlanda; a abadia de Kylemore,
no Condado de Galway.
Sem dúvida, o idioma faz parte da
vida na estalagem. Com movimentos
rápidos entre as mesas, ela serve café
e pratos enquanto dá aos hóspedes au-
las acrobáticas da língua. Pergunto que
frase será mais útil em meu período na
Irlanda. “Agora, você só precisa de míle
buíochas”, diz ela. Mil vezes obrigado.
Quando conto a Curran meu plano
de caminhar até Dún Chaoin, o ponto
mais a oeste da península, ela me dá
um gáire glic, um sorriso irônico. “As
baleias estão por aí, por isso fique
de olho”, diz ela. “A água parece uma
placa de vidro hoje.”
O mar é distante e belo. Trechos
azuis listrados de branco se estendem
num amplo esplendor na direção da
elevação verde das Ilhas Blasket e, além
delas, da forma espectral das Ilhas
Skellig. Agora abandonadas, as Blas-
kets já abrigaram uma próspera comu-
nidade literária; o cânone do irlandês
foi reforçado pelos ilhéus Tomás Ó
Criomhthain, Maurice O’Sullivan e
Peig Sayers, cuja autobiografia Peig já
foi a ruína das crianças irlandesas.
Depois de uma cerveja em Dún
Chaoin, pego a estrada Mám Clasach
até a aldeia de Baile an Fheirtéaraigh,
a beira da estrada coberta de brincos-
-de-princesa, salgueirinhas e a grama
oscilando ao vento. O declive dos mor-
ros lembra as lombadas de uma cama
amarrotada, os campos estendidos
como uma colcha de retalhos irregular.
Caminhar pelo campo dá um bom
ponto de vista, mas o céu azul cos-
tuma ser coberto por tempestades
súbitas, em que o vento traz blocos de
chuva que achatam a terra e me dei-
xam com frio e encharcado. Como o
transporte público da Irlanda rural se
move no ritmo pré-industrial, arranjo
um carro e vou para o norte.
Os Gaeltachts são áreas geográficas
vagas, em geral delineadas por locais
Carina Coyne
produz lã e ama
intensamente
seu país.
92 seleções 11.2023
onde o irlandês ainda é o idioma
predominante. São profundamente
rurais, com anúncios de cavalos de
apartação e reparo de tratores colados
em postes telefônicos. Durante anos,
seu isolamento fez com que lhes fal-
tasse poder muscular e cerebral: os
jovens partiam em busca de oportu-
nidades melhores em Dublin ou no
exterior. Hoje, os Gaeltachts usam o
idioma como ponto forte para susten-
tar um renascimento que as gerações
anteriores achariam impensável.
No calçadão à beira-mar de Galway,
paro para conversar com um homem
que ouço falar irlandês ao celular.
“Vinte anos atrás, eu teria de emigrar”,
diz ele. “Agora há trabalho aqui. As pes-
soas constroem casas, criam os filhos e
os mandam para escolas irlandesas.”
Ele para e sorri. “Não é artificial, se é
que você me entende. A língua não é
consciente. É só quem somos.”
As pessoas que falam irlandês têm
a noção de que o idioma é ines-
timável, como uma pedra pre-
ciosa guardada no bolso. Isso
é maravilhosamente exato. Há
uma palavra para o céu da boca
do cachorro (carball) e o estalar
dos seixos movidos pela água do
mar (súitú). Muirleadh é o ato de
CORTESIA DE CARINA COYNE
mascar caranguejinhos e cuspi-
-los no mar como isca.
O idioma também transmite o
verdadeiro caráter da paisagem.
No século 19, quando o irlan-
dês foi substituído pelo inglês,
o conhecimento e as lendas dos
nomes dos lugares se confundiram.
Não há nenhuma pedra circular na
aldeia de Roundstone (“pedra re-
donda”), do condado de Galway, mas
há focas, como transmitido pelo nome
original, Cloch na Rón, ou “pedra das
focas”. A vizinha An Cheathrú Rua –
“Bairro Vermelho” para a população
local – foi anglicizada como Carraroe,
palavra que nada significa.
DEPOIS DA NOITE NA CIDADE de Gal-
way, vou para Connemara, a oeste, a
maior das regiões Gaeltacht. No Io-
nad Cultúrtha an Phiarsaigh, centro
cultural de Ros Muc (“península das
colinas arredondadas”), meu guia
Daíre Óh Ainmhire me mostra um
mapa feito pelo cartógrafo inglês Tim
Robinson, que viajou para a Irlanda
ocidental nas décadas de 1970 e 1980
para documentar o nome irlandês dos
lugares. “Aqui é a Irlanda real”, diz ele.
As comunidades em que o irlandês
ainda é forte, como Leitir Mealláin
e Carna, dependem principalmente
da pesca, mas a produção está dimi-
nuindo. A solução tem sido a tecnolo-
gia. A internet, longe de desorganizar
a vida, permitiu que as pessoas que
tinham ido embora conseguissem
emprego na cidade para retornar. Os
espaços de coworking, chamados de
gteic digital hubs, brotaram nas cida-
des pequenas dos Gaeltachts.
No gteic de Carna, Mairín Ní Chois-
dealbha Seoige, secretária de desenvol-
vimento local, me diz que os blow-backs
– pessoas que voltam para morar nos
Gaeltacht – se tornaram tão comuns
quanto os blow-ins – pessoas que vêm
morar aqui pela primeira vez.
A História é muito importante nos
Gaeltachts, e visito o Centro Come-
morativo de Emigrantes de Carna
para explorar a minha. O centro ofe-
rece aos descendentes de emigran-
tes irlandeses um lugar onde podem
COMO A MAIORIA
DOS IRLANDESES QUE
CONHEÇO, COYNE TEM
UM FORTE TÍRGHRÁ, OU
AMOR PELO PAÍS.
se reconectar com os ancestrais por
meio de milhares de documentos, re-
gistros e fotografias.
Na lanchonete, com sanduíches de
presunto e salada, sento-me com um
grupo e converso sobre a conexão da
Irlanda com os Estados Unidos – os
pacotes de roupas e dinheiro enviados
para leste pelos parentes emigrados,
as lascas de turfa remetidas para oeste
como pedaços de incenso totêmico.
Em algum momento, percebo que
os que me cercam falam inglês por
minha causa. A linguagem oculta se-
gredos, mas com mais frequência é
usada para incluir. Sempre que deixo
minha atenção flutuar, eles enfiam
uma ou duas frases em irlandês, com
cuidado para não me excluir, mas en-
contrando conforto na língua natal.
11.2023 seleções 93
 O conforto do costume é parte ine-
rente da manutenção das tradições. No
dia seguinte, dirigindo pelos morros
baixos do norte do condado de Gal-
way, viro na placa para Joyce Country
Wool. Ali, numa pequena propriedade
na orla do Lago Na Fooey, Carina
Coyne ensina aos visitantes como se
processa a lã do modo tradicional, a
partir do tosão de suas ovelhas.
ILUMINADAS PELO SOL
POENTE, AS ENCOSTAS
DE BINN BHRIOCÁIN SE
RUBORIZAM COMO UMA
PIRÂMIDE DOURADA.
“Meus ancestrais viviam de vender
ovos e meias, bem ali”, diz ela, apon-
tando pela janela uma casinha de
alvenaria caiada. Atrás dela, um re-
banho de ovelhas se desloca pela en-
costa, pastoreado por border collies.
Como a maioria dos falantes de ir-
landês que conheço, Coyne tem um
forte tírghrá, ou amor pelo país. Ela
carda e fia a lã como seus antepassa-
dos e caminha pelos morros de Con-
nemara para colher ingredientes para
tingir a lã fiada à mão. Pendurados na
loja, há novelos tingidos de vermelho
com rainha-dos-prados, de ocre com
casca de cebola, de amarelo com car-
queja, de verde com urtiga. “Nada
muito vivo”, diz Coyne, me entregando
94 seleções 11.2023
um suéter corpulento. “Vista isto e
você vai se fundir à terra.”
O norte de Connemara apresenta
paisagens mais grandiosas do que
pensei que caberiam na Irlanda.
Muros de pedra serpenteiam pelas
encostas como geoglifos à espera de
tradução. As serras Twelve Bens e
Maumturks sobem de prados verdes
até o topo rochoso, os vales entre eles
cheios de lagos grandes e pequenos.
Mansões campestres, como a Casa
Screebe, o Castelo de Ballynahinch
e a pousada Lough Inagh, mantêm
os ares de grandeza antiquada, com
cães de caça dormindo nos tapetes e
grandes quadros pendurados sobre
lareiras marcadas pela fuligem.
No crepúsculo, paro na pousada
Inagh Valley. Iluminadas pelo sol
poente, as encostas de Binn Bhriocáin
se ruborizam como uma pirâmide
dourada. Naquela noite, ao jantar,
leio Thirty-Two Words for Field (Trinta
e duas palavras para “campo”), de
Manchán Magan. Na mesa ao lado,
um homem se inclina e me pede que
explique meu breacadh, minhas notas
rabiscadas. Mas ele não pergunta as-
sim, porque perdeu o irlandês. “Não PIERE BONBON/ALAMY STOCK PHOTO
chega a ser chinês”, diz ele, “mas sou
péssimo com línguas.”
Crescido em Dublin, ele manteve
um certo nível do irlandês da escola,
mas é como uma bicicleta enferrujada.
“Eu me lembro de como se pedala, mas
é melhor não arriscar.” Estar no Gael-
tacht o enche de díláthair, a sensação
de que falta alguma coisa. “Quando
ouço a língua falada tão lindamente
fico com pena de não conseguir.” Mui-
tos que encontrei e que perderam o
idioma confessam o mesmo lamento.
As instituições educacionais tentam
reduzir essa perda. Alunos do país in-
teiro podem estudar no Gaeltacht, em
escolas como Coláiste Sheosaimh, em
Carna, onde mergulham na linguagem.
Com vigor juvenil, os alunos, que cada
vez mais se matriculam, provam que o
irlandês tem futuro.
EM DONEGAL, UM DOS Gaeltachts mais
distantes de Dublin, muitas placas de
estrada bilíngues têm o nome inglês
dos lugares riscado com tinta verme-
lha. Em An Bun Beag encontro amigos
e, juntos, vamos para o norte até uma
paisagem silvestre tocada por nuvens.
As encostas estão marcadas pelo corte
da turfa; os sacos brancos de tijolos de
terra lembram bandos de cisnes.
Aqui e ali, ruínas de casas de pedra
espiam por entre o musgo e a urze. Es-
sas carcaças de história aumentam o
silêncio, e andamos calados, para não
romper a calma sagrada. Como escre-
veu o poeta irlandês Seamus Heaney:
“Quando não tiver mais nada a dizer,
percorra/Por um dia toda a península”.
É exatamente o que fazemos. Vamos
a Dún Fionnachaidh, onde levamos
aos lábios ostras recém-tiradas da
concha, enchendo a boca de salmoura
defumada. Ao promontório de Horn
Head, onde a terra enganosamente
lisa sobe para encontrar o mar em pe-
nhascos enormes. E a Lough Beagh,
onde o sol brilhante transforma em
ouropel reluzente as quedas-d’água
que escorrem pelas encostas de gra-
nito dos Montes Glendowan.
Naquela noite, no pub Teach Hiúdaí
Beag, escutamos o som do irlandês que
se ergue das mesas. Enquanto me serve
uma cerveja, o bartender Magnus me
fala da infância na aldeia. Ele tem ape-
nas 20 e poucos anos, mas o irlandês
é sua primeira língua. Eu lhe digo que
ouvi na Irlanda o temor de que as crian-
ças educadas primariamente em irlan-
dês tenham problemas para se adaptar
ao inglês, que isso retarda sua formação
e sua cognição. Magnus dá um muxoxo.
“Não foi problema nenhum”, diz ele. “Eu
era como uma esponja.”
Numa das mesas, sentimos crescer a
promessa de música. Primeiro, chegam
dois garotos com um violão e um acor-
deão. Depois, duas mulheres puxam
as flautas. Surgem um homem com
tambor e uma garota com uma rabeca.
Logo há mais de uma dúzia de músicos.
Cada música começa hesitante, a ra-
bequista puxando suavemente o arco
até que os outros se juntam, um de cada
vez. A melodia cresce, os músicos tro-
cam incentivos, em competição com o
público barulhento. Então, uma única
voz de mulher rompe a cacofonia.
As palavras são estranhas e lúgu-
bres. A canção lamentosa entoada na
voz de contralto se espalha pelo am-
biente, que se cala para escutar esse
raro e belo hino.
DE HEMISPHERES, © 2023 DE INK FOR UNITED
AIRLINES, HEMISPHERESMAG.COM
11.2023 seleções 95
Quando nasceu,
ninguém esperava
que Hallee McCoombes
andasse. Hoje, ela corre.
96 seleções 11.2023
 Ela
desafiou
o
destino Quando os médicos disseram aos
McCoombes que a espinha bífida
limitaria gravemente a vida da filha,
eles não lhes deram ouvidos.
Nem a menininha.
por Sabrina Rogers-Anderson

fotografia de Sabrina Lauriston 11.2023 seleções 97


Quando Hallee
McCoombes se
aproxima da
linha de chegada
da corrida de 800 metros para crianças
com deficiência, a multidão aplaude
loucamente e entoa seu nome. A pa-
ratleta de 10 anos passou meses se
preparando para o Campeonato de
Atletismo Escolar da Austrália de 2022,
em Brisbane. Agora, mostra a expres-
são hiperconcentrada que se tornou
sua marca registrada; quem já a viu
competir sabe que nada a deterá.
A 10 metros do final, Hallee se desliga
do barulho e avança com cada grama
de força. Ela não sente nada na cin-
tura nem abaixo dos joelhos, mas a dor
rasga suas coxas. Quando cruza a linha
de chegada e cai exausta, Jada, a irmã
gêmea, a pega no colo. “Você chegou
em terceiro!”, cochicha para Hallee.
Hallee McCoombes bateu numero-
sos recordes australianos em eventos
para atletas com algum tipo de defi-
ciência – 100, 200, 400, 800, 1.500 me-
tros, salto em distância, lançamento de
98 seleções 11.2023
disco e dardo – e está de olho na Pa-
ralimpíada. É uma conquista incrível
para uma menina que ninguém espe-
rava que andasse. Hallee nasceu com
espinha bífida, um defeito do tubo neu-
ral que afeta o modo como a coluna e a
medula espinhal se formam no útero.
Sua mãe, Christine McCoombes, de
38 anos, treme ao lembrar de quando
recebeu o diagnóstico de Hallee. “Os
médicos também nos disseram que
não sabiam como seu cérebro funcio-
naria, porque o bebê tinha hidrocefa-
lia. O fluido no cérebro é comum em
casos de espinha bífida. Realmente,
ninguém sabia até que ponto ela seria
física e mentalmente capaz.”
Não admira que, por mais que as-
sistam às competições da filha, o co-
ração dos pais de Hallee se encha de
orgulho a cada uma delas. “Choro to-
das as vezes, principalmente quando
o público torce por ela”, admite o pai,
Gavin, de 51 anos.
Um sonho realizado
Christine e Gavin se conheceram em
2007 quando trabalhavam no mesmo
banco de Brisbane. O romance logo
começou e, em dois anos, se casaram,
abriram uma empresa de faxina e de-
cidiram ter filhos.
A jornada da paternidade não foi
fácil. Eles enfrentaram a dor de vários
abortos. Em 2011, quando descobri-
ram que esperavam gêmeas, Gavin e
Christine ficaram felicíssimos. Mas a
alegria do casal se transformou em
 angústia quando a espinha bífida de Hallee passou por uma cirurgia
Hallee foi revelada na ultrassonogra- imediata para consertar a medula e
fia de 20 semanas. “Não era possível fechar as costas. Durante as cansa-
ver direito a extensão, porque a irmã tivas nove horas do procedimento, o
ocupava muito espaço. Então eles nos neurocirurgião pôs os tecidos neurais
falaram do pior dos casos”, diz Chris- de Halle dentro do canal da coluna, e
tine. “Aquilo nos apavorou.” o cirurgião plástico fechou as costas.
Os médicos explicaram que, em Embora a cirurgia fosse um sucesso
geral, recomendariam o aborto, mas e Jada também estivesse bem, Chris-
com gêmeos fraternos é complicado. tine e Gavin só puderam levar as filhas
O bebê errado poderia ser abortado, para casa dali a quatro semanas.
e era possível que nenhum dos dois
sobrevivesse ao procedimento. Apesar Hallee enfrentou muitos desafios
do prognóstico sombrio, Christine e no primeiro ano. Enquanto se recu-
Gavin escolheram manter a gestação; perava da cirurgia, precisava ficar
tinham passado tempo demais à es- o tempo todo deitada de bruços. E,
pera de um bebê. quando a família ia de carro a algum
Para tristeza dos McCoombes, nem lugar, Hallee era colocada numa ca-
todo mundo apoiou a decisão. Al- deirinha com forro especial para pro-
guns parentes disseram que deveriam teger suas costas.
abortar, e, às vezes, o casal se sentiu Com 3 meses, Hallee fez outra ci-
isolado. Decididos a continuar, eles se rurgia – dessa vez para remover parte
fizeram de fortes. Também seguiram o do fluido no cérebro; sem tratamento,
conselho do pediatra de não pro-
curar espinha bífida na internet,
porque o estresse só aumentaria.
Quando Hallee e Jada nasce-
ram em dezembro de 2011, Jada
precisou ser levada para a UTI
segundos depois do nascimento
porque a placenta se rompeu e
cortesia de gavin mccoombes

interrompeu o suprimento de
oxigênio. Quanto a Hallee, as
costas estavam abertas, a me-
dula pendurada para fora. Com
as duas recém-nascidas em tra- Hallee cruza a linha
tamento intensivo, os novos pais de chegada numa
competição na
ficaram sozinhos para lidar com Tasmânia.
o medo e a angústia.

11.2023 seleções 99
a hidrocefalia pode causar dano cere-
bral e até morte. Mas a cirurgia não
deu certo; alguns meses depois, ten-
taram de novo. Para alívio dos pais, a
segunda cirurgia foi bem-sucedida.
Enquanto aqueles primeiros meses
se passavam, os McCoombes se sur-
preenderam porque Hallee atingia
os marcos de desenvolvimento (falar,
rolar, engatinhar) pouco depois de
Jada. “Sua primeira palavra foi ‘mamá’,
com dez meses”, diz Gavin. “O único
grande atraso foi andar.”
A maioria das crianças começa a
andar entre os 10 e os 18 meses, mas
Hallee precisou de gesso para reali-
nhar os pés, que eram torcidos e vi-
rados para cima. Quando o gesso foi
removido, precisou de órteses torno-
zelo-pé (OTPs) e botas pesadas para
continuar o processo de correção.
Hoje com 11 anos, Hallee ainda usa
OTPs para andar e correr e uma ca-
deira de rodas em distâncias maiores.
Mas a menina tinha uma arma se-
creta: a irmã gêmea, que ela queria
muito acompanhar. “Jada claramente
a ajudou com a deficiência”, diz Chris-
tine com um sorriso. “Hallee precisava
de uma armação de metal para andar;
Jada entrava junto com ela e movia a
armação. Era tão bonitinho!”
Por fim, Hallee começou a usar o
andador sozinha. Quando tinham 2
anos, as meninas corriam pela casa,
rindo e batendo nas paredes. “Elas
falavam a língua das gêmeas”, diz
Christine. “Não entendíamos nada do
que diziam.”
100 seleções 11.2023
Aos 3 anos, quando começou a an-
dar sozinha, a determinação de Hallee
de acompanhar Jada só ficou mais forte.
“Eu também consigo”
Ainda assim, a vida era difícil para
Hallee. Na pré-escola, muitas vezes
tinham de segurá-la ereta para comer.
E, como não conseguia regular a tem-
peratura do corpo, sofria com o frio e o
calor. Por causa das exigências de sua
empresa, Gavin e Christine contrata-
ram babás para cuidar das meninas,
que agora tinham uma irmã caçula,
Tia. Mas sentiam que a infância das
meninas se passava sem eles. Sabiam
que precisavam de uma mudança.
Quando as gêmeas tinham 5 anos,
os McCoombes se mudaram para El-
liott Heads, cidade costeira 400 quilô-
metros ao norte de Brisbane, onde a
vida era mais calma. Queriam ter mais
tempo com as filhas. “Hallee nunca foi
tão feliz”, diz Christine. “Acho que é por
viver à beira-mar.”
Pouco depois da mudança, Jada
anunciou que queria ser corredora. Os
pais a matricularam na Little Athletics,
uma entidade de atletismo para crian-
ças e adolescentes. Depois de assistir ao
primeiro treinamento de Jada, Hallee
se virou para os pais e disse: “Também
consigo. Podem me matricular.”
Ela seria capaz de correr? “Hallee
não tem nenhuma sensação na cin-
tura e na parte inferior das pernas”, ex-
plica Gavin, “ou seja, tem problemas
de equilíbrio e força muscular.”
 Hallee
espera
competir no
tênis da
Paralimpíada.
À direita: ela
com Jada,
a irmã gêmea.
Mas a crença dos pais na filha era
tão forte que a matricularam também.
A princípio, a menina teve de prestar
muita atenção nas vibrações criadas
quando os pés batiam no chão e usar
essa sensação para coordenar os mo-
vimentos. Não demorou para que esti-
vesse correndo com Jada. “Ela teve de
trabalhar muito para manter o apoio das
coxas e do centro do corpo”, diz Gavin.
Na segunda temporada da Little
Athletics, Hallee começou a competir
em corridas para crianças com defi-
cortesia de gavin mccoombes
ciência. Logo os McCoombes levavam
as duas meninas a competições no
país todo.
A nova paixão de Hallee trouxe de-
safios. As pernas doíam muito durante
e depois das corridas, e a menina te-
mia que as pessoas rissem dela. Gavin
e Christine a ajudaram a lidar com a
ansiedade comparecendo a todos os
eventos. Na verdade, ninguém riu;
todos se maravilhavam com sua feroz
determinação.
Os pais de Hallee, porém, não foram
poupados. “Alguns acharam que éra-
mos muito duros com ela ou que ela
sofria com as dores e não queria par-
ticipar”, diz Christine. “Mas víamos os
benefícios que estava obtendo. Hallee
simplesmente adorava.”
Praticar atletismo também foi bom
para sua saúde mental: ela aprendeu
do que era capaz e ficou ainda mais
próxima de Jada. “Hallee ainda se
sente ansiosa, mas o esporte ajudou
muitíssimo”, diz Christine. “Ela ficou
mais feliz e resiliente.”
E as recompensas físicas falam por
si. Enquanto a maioria das crianças
com espinha bífida precisa de dúzias
11.2023 seleções 101
de cirurgias para tratar proble-
mas intestinais e da bexiga, além
dos problemas ortopédicos como
contrações musculares, luxação
do quadril e pés e tornozelos
deformados, até agora Hallee só
fez dez. “Ela conseguiu adiar as
cirurgias de tornozelo, pé, perna
e joelho”, diz Gavin. “Isso não é
dizer que não precisará delas,
mas os cirurgiões acreditam que
sair da cadeira de rodas e ser tão
ativa fortaleceu músculos que,
normalmente, seriam fracos.
Eles nos disseram: ‘O que vocês
estão fazendo está dando certo;
continuem.’”
A terapeuta ocupacional Karla
Kirchner trabalhou três anos
com Hallee para melhorar a ha-
bilidade motora grossa, a força do
tronco, a capacidade cognitiva e a
A família McCoombes na cidade de Elliott
regulação emocional. Ela chama
Heads. Atrás, da esquerda para a direita: Jada,
Hallee de “menina milagrosa”, Gavin e Christine; na frente: Tia e Hallee.
mas ressalta que a garota não es-
taria onde está sem a determina- 2 quilômetros e correm 500 metros.
ção de vencer as probabilidades. Hallee usa um triciclo modificado na
“Ela surpreendeu todos os pro- parte do ciclismo.
fissionais de saúde”, diz Kirchner. “É Também pratica arremesso de
muito esforçada, uma bola de energia peso, disco e dardo e salto em altura;
positiva. Sua ética do trabalho deixa depois acrescentou tênis em cadeira
qualquer um na poeira. O poder do de rodas, que pode ser sua passagem
‘acredito que posso, por isso faço’ se para os Jogos Paralímpicos de Verão
aplica a Hallee.” de 2028, em Los Angeles.
©sabrina Lauriston

“Quero ir para os Estados Unidos

Com 6 anos, Hallee Começou a com- ver o vovô”, diz Hallee com um sor-
petir no triatlo. Na versão destinada a riso. O pai de Christine, que mora em
paratletas de 5 a 12 anos, os concor- Nevada, sempre foi muito próximo de
rentes nadam 100 metros, pedalam Hallee. “Ela não o vê desde antes da

102 seleções 11.2023

covid-19, mas conversam por vídeo
toda semana”, explica Christine. “É
comum ligarmos para ele quando ela
está correndo para que possa assistir.”
O tênis em cadeira de rodas pode
ser a única maneira de Hallee se clas-
sificar para a Paralimpíada, que não
tem eventos para atletas com defi-
ciência nas pernas que competem
sem prótese. Suas OTPs não são con-
sideradas próteses porque não subs-
tituem uma parte que falta no corpo.
“É uma batalha que continuamos
travando”, diz Gavin. “Mandei e-mail
para o Comitê Paralímpico na Alema-
nha perguntando se ofereceriam um
evento para essa classe, mas não re-
cebi nenhuma resposta objetiva. Acho
que deveriam incluir essa opção, e, se
não houver atletas suficientes, tudo
bem. Mas aí pessoas como Hallee te-
riam algo a aspirar.”
Christine, coordenadora de proje-
tos da Little Athletics Australia, de-
fende a inclusão no esporte: “Temos
de continuar lutando, senão não ha-
verá mudanças.”
Um futuro melhor
Quando não está treinando, compe-
tindo nem fazendo fisioterapia, Hal-
lee gosta de conversar pela internet e
jogar Roblox no tablet com os amigos.
Mas sua lista de tarefas é maior do
que a dos amigos. Por exemplo, muita
gente com espinha bífida tem dis-
função intestinal e urinária, e Hallee
não consegue ir ao banheiro como a
maioria. Ela precisa de um cateter para
esvaziar a bexiga e de uma lavagem in-
testinal de dois em dois dias. “Hallee
tem um tubo no umbigo, ligado ao
intestino”, explica Gavin. “Abrimos a
tampa e, com uma seringa e um adap-
tador, injetamos uma solução.”
Hallee e Jada ainda vão juntas às
competições. “Estão em classes sepa-
radas, mas, quando uma tem algum
problema, parece que a outra sabe”,
diz Christine. “À noite, não conse-
guimos separá-las. Estão sempre
aconchegadas.”
Tia, de 9 anos, admira as irmãs mais
velhas. Ela também pratica atletismo,
mas disse aos pais que não quer com-
petir porque não seria tão boa quanto
Hallee e Jada.
Caso se classifique para a Paralim-
píada de 2028, quando ainda estará
no ensino médio, Hallee pensará em
tentar os Jogos de 2032 em Brisbane.
E depois disso? Tudo o que Gavin e
Christine querem é que Hallee seja
feliz e independente. Quanto a Hallee,
ela sonha em ser parteira. Disse isso à
mãe alguns anos atrás, mas ficou divi-
dida, porque também queria ser atleta
paralímpica. Christine lhe disse que
ela pode fazer as duas coisas; se chegar
à Paralimpíada, depois pode estudar
para ser parteira.
Quando lhe perguntam o que diria a
outras crianças com deficiência, Hal-
lee dá dois ótimos conselhos: “Não dê
ouvidos quando disserem que você
não consegue fazer alguma coisa. E
tente o máximo que puder.”
11.2023 seleções 103
 QUIZ

por Beth Shillibeer

1. Em 2021, o acrobata Nathan Paulin 8. Que aparelho era usado pelos antigos
cruzou o Sena, da Torre Eiffel ao Teatro gregos para se exercitar, muito antes que
Chaillot, usando que método? uma fábrica de brinquedos americana o
2. Que papel Volodimir Zelenskyi patenteasse em 1958?
representou no seriado de TV O servo do 9. Os habubs e a “chuva de sangue” são
povo? eventos climáticos que envolvem que
3. Que acessório da moda do século XVI, material?
usado sobre as roupas ou em torno do 10. Os navios que viajam para oeste, do
pescoço, se chamou inicialmente Ovo de Atlântico ao Pacífico, seguem que dire-
Nuremberg, devido ao inventor alemão ção pelo Canal do Panamá?
Peter Henlein? 11. Que grande projeto de constru-
4. Fundada em 859 d.C., a Univer- ção europeu começou em agosto
sidade de Karueein é a instituição de 1961 e foi demolido em
educativa mais antiga ainda em 1989?
funcionamento hoje. Onde ela 12. Que característica existente
fica? em cerca de 10% apenas da
5. “Enigma” é o nome de que população humana se manifesta
mineral raro vendido num leilão da em estimados 95% dos cangurus?
Sotheby’s em 2022 por 4,3 milhões 13. Em um estudo de 2021, feito na
de dólares? Universidade da Carolina do Norte,
6. George Franklin Grant inventou que onde os cientistas descobriram mais
item usado no golfe para substituir um de 1.400 espécies de bactérias poten-
montinho de areia úmida? cialmente novas?
7. Os parques de escultu- 15. Os provadores pro- 14. O sistema de “multa
ras de Jason deCaires fissionais recomendam diária”, usado na Finlândia,
Taylor, em Granada, usar que tipo de colher leva o que em conta
Cancún e Cannes, têm para eliminar o retro- quando emite multas por
o que em comum? gosto do sorvete? excesso de velocidade?
©getty images

13. O umbigo dos participantes. 14. A renda diária do transgressor. 15. Uma colher de ouro.
embaixo d’água. 8. O bambolê. 9. Areia. 10. Sudeste. 11. O Muro de Berlim. 12. Ser canhoto.
pulso). 4. Em Fez, no Marrocos. 5. Diamante negro (555,55 quilates). 6. O pino de golfe. 7. Estão
Respostas: 1. Corda-bamba (a 70 metros de altura). 2. Presidente da Ucrânia, 3. Relógio portátil (de

104 seleções 11.2023

 ENRIQUEÇA
seu vocabulário

9. letargia s.f.
Por Zeus! Muitos contos e personagens A falta de energia
da mitologia grega continuam vivos B ansiedade
em palavras do cotidiano. Pense em C percepção
eco (a ninfa condenada a repetir as 10. mnemônico adj.
palavras dos outros) e erótico (de Eros, A que é de fácil
deus do amor). Agora termine esta memorização
B que cria confusão
odisseia e depois vire a página para C muito engraçado
ver as respostas certas.
11. nêmesis s.f.
A lisonjeiro
por Mary-Liz Shaw e Beatriz Medina B arquirrival
C secretária
1. cético adj. 5. heliotrópico adj. 12. psique s.f.
A muito açucarado A muito iluminado A cantora
B que não crê B poderoso B atriz
C com calma idílica C que segue o sol C alma
2. égide s.f. 6. hermético adj. 13. sisífico adj.
A influência A que faz vomitar A rotineiro e ineficaz
B proteção B muito agressivo B difícil
C acidente C bem fechado C meritório
3. estentóreo adj. 7. iridescente adj. 14. tantalizar v.
A retumbante A com as cores do arco-íris A sonhar
B ditatorial B descomplicado B torturar
C esticado C com muitos lados C inspirar
4. hedonista s.2g. 8. labirinto s.m. 15. zéfiro s.m.
A patriota A estrada sinuosa A vento suave de oeste
B que busca o prazer B lugar de onde é B toque delicado
C que tem as característi- difícil sair C meia-volta feita muito
cas físicas de um atleta C mal-entendido rápido

11.2023 seleções 105

Tenha medo. Muito medo.
Da palavra fobia – associada a Fobos, o deus do medo –,
nasce uma série de palavras derivadas do grego, como agora-
fobia (medo de espaços públicos) e sua companheira enoclofo-
bia (medo de multidões). Também há o medo de bichos, como
aracnofobia (medo de aranhas), entomofobia (medo de insetos) e a abrangente
zoofobia (medo de animais). É claro que, se sofre de fobofobia (medo das fobias),
provavelmente você evitará sondar as profundezas do temor humano.

6. hermético (C) bem

RESPOSTAS fechado. Guarde o suco
11. nêmesis (B) arquirri-
val. Finalmente Sherlock
1. cético (B) que não crê. no copo hermético, para Holmes enfrentaria sua
Mesmo depois de todas não derramar na bolsa. nêmesis, o professor
as provas e explicações Moriarty.
dadas pelo especialista, 7. iridescente (A) com as
Julião continuava cético. cores do arco-íris. O be- 12. psique (C) alma.
souro-verde, com suas A guerra cobra um alto
2. égide (B) proteção. asas iridescentes, é na- preço da psique humana.
Os artistas trabalhavam tivo do nordeste da Ásia.
sob a égide do Conselho 13. sisífico (A) rotineiro
de Cultura. 8. labirinto (B) lugar de e ineficaz. Os legislado-
onde é difícil sair. Tentar res atacaram a tarefa
3. estentóreo (A) retum- sair deste hospital é sisífica de equilibrar o
bante. Terry comemorou como achar o caminho orçamento.
a vitória com um berro dentro de um labirinto!
estentóreo que ecoou 14. tantalizar (B) torturar.
pelo estádio. 9. letargia (A) falta de O aroma dos bolinhos
energia. Lucas teve saídos do forno tantali-
4. hedonista (B) que muita dificuldade de se zava quem passasse.
busca o prazer. Em livrar da letargia depois
geral, eu sou muito de um voo tão longo. 15. zéfiro (A) vento suave Silver Screen collection/getty imageS
disciplinado, mas de oeste. As folhas do
nas férias viro um 10. mnemônico (A) de salgueiro oscilavam
hedonista. fácil memorização. ao zéfiro da tarde.
A frase mnemônica “Mi-
5. heliotrópico (C) que nha Velha, Traga Meu
segue o sol. As flores Jantar: Suco de Uva e No-
heliotrópicas mudam zes” lembra a ordem dos Classificação
de posição durante o planetas: Mercúrio, Vê- 9 ou menos: Herói
dia para ficar de frente nus, Terra, Marte, Júpiter, 10 A 12: Titã
para o sol. Saturno, Urano e Netuno. 13 A 15: Olímpico

106 seleções 11.2023

 Desafio

SELEÇÕES afie sua mente

Fato ou ficção?
mediano Decida se cada afirmação é fato ou ficção. Para revelar a solução da pergunta-
-bônus no pé da página, escreva as letras indicadas pelas respostas nas lacunas
numeradas correspondentes. Vire a página de cabeça para baixo para ver as respostas.

1. O “jiffy” (um instan- 2. Se você tocar 3. Virginia Woolf e

tinho, em inglês) é um filhote de Charles Dickens
uma unidade de tempo passarinho, escreviam
verdadeira. a mãe vai em pé.
abandoná-lo.
fato: C ficção: M fato: R ficção: A fato: N ficção: E

4. O campeonato 5. A música dos 6. Quase um em seis

World Series de videogames habitantes do Alasca
beisebol aumenta a é nativo americano.
nunca ocorreu concentração.
em novembro.
fato: I ficção:A fato: D ficção: T fato: E ficção: O

7. Franklin Roosevelt 8. A casa retratada 9. Originalmente, o

EMILY GOODMAN (FATO OU FICÇÃO). NOUN PROJECT (4)

foi o primeiro presi- no fundo do quadro desfile do Dia de Ação

dente americano a American Gothic ainda de Graças da loja ame-
não servir as forças existe. ricana Macy’s se cha-
armadas. mava Desfile de Natal.
fato: B ficção: N fato: S ficção: A fato: E ficção: S

pergunta-bônus Qual a nacionalidade do poutine, petisco que vem tomando conta

do mundo? (Precisa de ajuda? Consulte “Mundo, conheça o poutine”, na página 25.)

1 2 3 4 5 6 7 8 9
Natal. Pergunta-bônus: Canadense.
estado americano de Iowa, e pode ser visitada. 9. Fato; apesar da data em novembro, a princípio o desfile era ligado ao
Jefferson também não serviram (assim como nove outros presidentes, entre eles Roosevelt). 8. Fato; fica em Eldon, no
3. Fato. 4. Ficção. 5. Fato. 6. Fato; é a maior proporção de todos os estados americanos. 7. Ficção. John Adams e Thomas
Respostas: 1. Fato. 2. Ficção. As aves têm olfato limitado e não abandonam filhotes com “cheiro” de humanos.

11.2023 seleções 107

Encontre o caminho
mediano Trace o caminho pelo labirinto. Entre e saia no ponto indicado pelas setas.




ENCONTRE O CAMINHO DE LOUIS-LUC BEAUDOIN; QUE DOÇURA DE FRASER SIMPSON

Que doçura
fácil A mesa de doces da festa de aniversário tem 12 bolinhos de três sabores dife-
rentes: chocolate, caramelo e baunilha. Nove bolinhos são de chocolate ou caramelo,
oito de caramelo ou baunilha. Quantos são os bolinhos de caramelo?

108 seleções 11.2023

 Cartas na mesa
difícil A posição de cada carta depende das duas cartas diretamente acima. Que
carta deve estar embaixo? Dica: Todas elas vêm do mesmo baralho.
CARTAS NA MESA E NO OUTRO LADO DE DARREN RIGBY; (ILUSTRAÇÃO DAS CARTAS) МАКСИМ ЛЕБЕДИК /GETTY IMAGES

No outro lado
mediano Quando viradas na direção do
espaço branco central, as quatro figuras
mostradas formam um quadrado... com
um buraco. Qual é o formato do buraco?

RESPOSTAS
Encontre o Cartas na mesa tanto, a soma do No outro lado
caminho Cada carta é a sete de paus (+7)
soma dos dois com o quatro de
números imedia- copas (-4) é +3. O


tamente acima; o três de paus já foi

número das cartas usado, então a


pretas é positivo, o carta que falta só

das vermelhas é pode ser o três de
Que doçura 5. negativo. Por- espadas.

11.2023 seleções 109

 DUPLO

RIR
VALOR DA
PALAVRA

TRIPLO
É o melhor remédio VALOR DA
LETRA

TRIPLO
VALOR DA
LETRA

As Formigas e as Aranhas
estão jogando uma par-
tida de futebol. As For- DUPLO
VALOR DA
migas estão perdendo PALAVRA

feio – no placar: 8 para TRIPLO

VALOR DA
as Aranhas e 0 para as LETRA

Formigas. Todos acham

Palavras cruzadas das cavernas
que o problema está no
número de pernas. Patrick e seus dois ami- – Eu acho que a mi-
No segundo tempo, gos estão num bar. O nha está tendo um caso
a centopeia entra no primeiro amigo diz: com um cavalo. Outro
time das Formigas e elas – Acho que minha dia, cheguei em casa e
empatam. mulher está tendo um achei um jóquei em-
Então, um repórter caso com o eletricista. baixo da cama.
pergunta: Achei um alicate de cor- —racehorsetalk.com.au
– Por que a cento- tar fio embaixo da cama.
peia não jogou desde o O segundo amigo Três teóricos da conspi-
primeiro tempo? observa: ração entram num bar.
O técnico responde: – Acho que a minha Não vá me dizer que é
– Porque estava cal- está tendo um caso com mera coincidência!
çando as chuteiras! o encanador. Outro dia, —gary katz
—denilson achei uma chave de grifo
magalhães Gomes , embaixo da cama. Na ceia de fim de ano,
Serra (ES) Patrick então diz: pule a conversa política
e vá diretamente para
as piadas.
✦ Quantos cozinheiros
É uma loucura que os irmãos realmente
são necessários para
tenham vida própria. Para mim, eles são rechear um peru?
personagens secundários da minha vida. Um só, mas é preciso
—@sharonszn_ espremer bem.

110 seleções 11.2023 cartum de Bill DeMain

 ✦ O que o obstetra diz Alemanha Oriental foi lojas estão cheias de
quando a ceia está mandado para a Sibéria. bons alimentos, os
pronta? “O peru está Ele sabia que a corres- apartamentos são gran-
com 9 centímetros de pondência seria lida pe- des e luxuosos, os cine-
dilatação. O recheio los censores e disse aos mas passam filmes do
está coroando; hora de amigos: “Vamos criar Ocidente. A única coisa
comer, pessoal!” um código. Se a carta que não se encontra
✦ O que o peru disse ao que receberem de mim por aqui é caneta
caçador de perus antes estiver escrita em azul, o vermelha!”
da ceia? “Quac, quac!” que digo é verdade. Mas, —brian rubinow
se for escrita em verme-
Em 9 de novembro de lho, é mentira.”
sua história pode
1989, caiu o Muro de Dali a algumas sema-
valer até R$ 400.
Berlim. Eis uma piada nas, os amigos recebem Visite o site selecoes.com.br
que fazia os alemães uma carta escrita em ou veja os detalhes na
orientais gargalharem: azul, que diz: “Tudo é página 24.
Um homem da maravilhoso aqui. As

UNI-DUNI-TÊ!
De 1966 a 1980, houve na TV americana o programa
SILVER SCREEN COLLECTION/GETTY IMAGES (LYNDE). NOUN PROJECT (SETA)

P: Você vem tendo

The Hollywood Squares. Celebridades respondiam
dificuldade para dormir
perguntas, e os participantes tinham de decidir se
com frequência. É
as respostas estavam corretas ou não. Os amigos do
mais provável que
boletim Planet Proctor contaram algumas respostas
seja homem ou
menos corretas das celebridades.
mulher?
P: Falso ou verdadeiro? P: As rãs fêmeas coaxam? Don Knotts: Pois é
Uma ervilha pode durar Paul Lynde: Se você segu- justamente isso que
até 5 mil anos. rar a cabeça delas embaixo está me mantendo
George Gobel: Às vezes d’água por algum tempo. acordado.
parece que duram mesmo. Resposta real: Às vezes, Resposta real: Mulher.
Resposta real: Verda- mas em geral quem coaxa
deiro. é o macho. P: Antigamente, qual
era a intenção do bisavô
P: Qual dos cinco sentidos quando passava raiz-forte
tende a diminuir com a na cabeça?
idade? George Gobel: Conseguir
Charlie Weaver: O senso colocar a raiz na boca.
de decência. Resposta real: Fazer o
Resposta real: O olfato. cabelo crescer.
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