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Capítulo 1 I Os Erros da Ideologia

Este pequeno livro é uma defesa da política prudencial, em opo-


sição à política ideológica. O autor espera persuadir a geração emer-
gente a se firmar contra o fanatismo político e esquemas utópicos,
pelos quais o mundo tem sido muito afligido desde 1914. "A política
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é a arte do possível," diz o conservador: ele pensa nas políticas de Es-
tado como as que intentam preservar a ordem, a justiça e a liberdade.
O ideólogo, ao contrário, pensa na política como um instrumento
revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo a natureza
humana. Em sua marcha para a utopia, o ideólogo é impiedoso.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a tendência da opi-
nião pública norte-americana tem sido mais ou menos conservadora.
Há certo perigo, no entanto, de que os próprios conservadores caiam
em uma ideologia ou quase-ideologia estreita - muito embora se diga,
como Henry Stuart Hughes (1916-1999) escreveu há uns quarenta
anos, que" o conservadorismo é a negação da ideologia". 2

Este livro é especialmente dirigido aos conservadores. Os seus


capítulos são ensaios (originalmente palestras) que examinam prin-
cípios, pessoas, livros e problemas conservadores, e que contrastam
visões conservadoras com dogmas ideológicos.
Neste primeiro capítulo, faço a distinção entre as cren~as con-
servadoras e a ideologia. Nos quatro capítulos seguintes, examino
princípios conservadores, eventos conservadores significativos, livros
A Política da Prudência I 05 Erros da Ideologia

conservadores e líderes conservadores - dez de cada. Em seguida, nos


capítulos 6, 7, 8 e 9, descrevo quatro escritores conservadores do sé-
culo XX. Nos capítulos 10, 11, 12 e 13, examino quatro tipos ou
facções dos conservadores norte-americanos. Depois, nos capítulos
14,15,16 e 17, defronto-me com alguns dilemas com os quais os
conservadores tiveram de se bater - questões de política externa, da
centralização política, dos padrões educacionais e a do proletariado
norte-americano. No capítulo de conclusão, fulmino a ideologia do
Democratismo, vox populi vox Dei. Permitam-me iniciar com uma
tentativa de definir a ideologia?

o termo ideologia foi cunhado na época de Napoleão Bonaparte


(1769-1821). Antoine-Louis-Claude Destutt de Tracy (1754-1836), o
autor de Les Elements d'Ideologie [Os Elementos da Ideologia]," era
um "metafísico abstrato" do tipo que, desde então, se tornou comum
na margem esquerda do Sena, um ponto de encontro para ideólogos
incipientes, entre os quais, em décadas recentes, o famoso libertador
do Kampuchea Democrático, Pol Pot (1928-1998). Destutt de Tracy e
seus discípulos planejavam uma larga reforma educacional, que seria
fundada sobre uma assim chamada ciência de ideias; eles se inspira-
ram fortemente na psicologia de Étienne Bonnot de Condillac (1715-
1780) e, em menor grau, na de John Locke (1632-1704).
Rejeitando a religião e a metafísica, esses primeiros ideólogos
acreditavam que poderiam descobrir um sistema de leis naturais -
sistema que, caso obedecido, poderia tornar-se o fundamento da har-
monia e do contentamento universais. Doutrinas de autointeresse,
produtividade econômica e liberdade pessoal estavam ligadas a essas
noções. Filhos temporãos de um moribundo Iluminismo, os ideólogos
pressupunham que o conhecimento derivado das sensações, sistema-
tizado, poderia aperfeiçoar a sociedade por meio de métodos éticos e
educacionais e de uma direção política bem organizada.
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Napoleão desprezou os ideólogos ao observar que o mundo não


é governado por ideias abstratas,' mas pela imaginação." John Adams
(1735-1826) chamou essa recém-criada ideologia de "ciência da idio-
tice".? Mesmo assim, durante o século XIX, ideólogos surgiam como
se alguém, à moda de um Cadmo, semeasse dentes de dragão que se
transmutavam em homens armados. Tais ideólogos eram, em geral,
inimigos da religião, da tradição, dos costumes, das convenções, dos
usos e dos antigos estatutos.
O conceito de ideologia foi consideravelmente transformado em
meados do século XIX, por Karl Marx (1818-1883) e sua escola. As
ideias, Marx argumentou, não são nada além da expressão de interes-
ses de classe, definidos em relação à produção econômica. A ideolo-
gia, a assim chamada ciência das ideias, torna-se, então, uma apologia
sistemática das demandas de uma classe - nada mais."
Para expressar esse ponto nos termos diretos e maliciosos do
próprio Marx, aquilo que se chama de filosofia política é meramen-
te uma máscara para o egoísmo econômico dos opressores? - assim
declararam os marxistas. Marx escreveu numa carta a Friedrich En-
gels (1820-1895) que as ideias e normas dominantes constituem uma
máscara ilusória sobre a face da classe dominante, revelada aos ex-
?lorados como um padrão de conduta, em parte para ocultar, em
?arte para prover apoio moral à dominação.
Entretanto, os explorados, como disse Marx, também desenvol-
.ern sistemas de ideias para avançar seus projetos revolucionários.
Dessa forma, o que chamamos de marxismo é uma ideologia com
) objetivo de alcançar a revolução, o triunfo do proletariado e, por
:='m, o comunismo. Para o marxista coerente, as ideias não têm ne-
:-:.humvalor em si mesmas: como toda arte, valem apenas como um
.neio para alcançar a igualdade de condições e a satisfação econô-
:-:lica.Ao mesmo tempo em que escarnece das ideologias de todas as
: .itras convicções, o marxista constrói, com astuciosa paciência, a
~:-ópria ideologia.
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

Apesar de ser uma das ideologias mais poderosas, o marxismo -


que recentemente tem perdido força - possui competidores: vária.
formas de nacionalismo, a ideologia da negritude, o feminismo, o fas-
cismo - uma quase-ideologia que nunca se concretizou por compler;
na Itália -, o nazismo - uma ideologia em embrião, como escrever,
Hannah Arendt (1906-1975)10 -, o sindicalismo, o anarquismo, a so-
cial-democracia e Deus sabe quais mais. Sem dúvida, outras forma-
de ideologia ainda serão criadas durante o século XXI.
Kenneth Minogue, no livro Alien Powers: The Pure Theory or"
Ideology" [Poderes Estrangeiros: A Teoria Pura da Ideologia], utiliza
o termo "ideologia" para "denotar qualquer doutrina que apresente a
verdade salvífica e oculta do mundo sob a forma de análise social. É
característica de todas essas doutrinas a incorporação de uma teoria
geral dos erros de todas as outras." Essa "verdade salvífica e oculta"
é uma fraude - um complexo de "mitos" artificiais e falsos, disfarça-
do de história, sobre a sociedade por nós herdada. Raymond Aron
(1905-1983), no livro L'Opium des Intellectuels [O Ópio dos Intelec-
tuais], 12 analisa os três mitos que seduziram os intelectuais parisien-
ses: os mitos da esquerda, da revolução e do proletariado.
Para resumir a análise da ideologia levada a cabo por estudio-
sos tais como os já citados Kenneth Minogue e Raymond Aron, bem
como por Jacob Talmon (1916-1980),13 Thomas Molnar (1921-
2010),14 Lewis Feuer (1912-2002)15 e Hans Barth (1904-1965),16 esta
palavra - ideologia - significa, desde a Segunda Guerra Mundial,
qualquer teoria política dogmática que consista no esforço de colo-
car objetivos e doutrinas seculares no lugar de objetivos e doutrinas
religiosas; e que prometa derrubar dominações presentes para que os
oprimidos possam ser libertados. As promessas da ideologia são o que
Jacob Talmon chama de "messianismo político". O ideólogo promete
a salvação neste mundo, declarando, ardentemente, que não existe
outro tipo de realidade. Eric Voegelin (1901-1985),17 Gerhart Nie-
meyer (1907-1997)18 e outros escritores enfatizaram que os ideólogos
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"irnanentizarn os símbolos da transcendência" - isto é, corrompem a


visão da salvação pela graça após a morte, com falsas promessas de
completa felicidade neste reino terreno. 19

A ideologia, em suma, é uma fórmula política que promete um


paraíso terreno à humanidade; mas, de fato, o que a ideologia criou
.oi uma série de infernos na Terra. Abaixo listamos alguns dos vícios
da ideologia:

1. A ideologia é uma religião invertida, negando a doutrina cristã de


salvação pela graça, após a morte, e pondo em seu lugar a salva-
ção coletiva, aqui na Terra, por meio da revolução e da violência.
A ideologia herda o fanatismo que, algumas vezes, afetou a fé reli-
giosa e aplica essa crença intolerante a preocupações seculares.

2. A ideologia faz do entendimento político algo impossível: o ideólo-


go não aceitará nenhum desvio da verdade absoluta de sua revela-
ção secular. Essa visão limitada ocasiona guerras civis, a exrirpação
dos "reacionários", e a destruição de instituições sociais benéficas e
em funcionamento.

3. Ideólogos competem entre si, em uma imaginada fidelidade à sua


verdade absoluta; e são rápidos em denunciar os desviantes ou
traidores de sua ortodoxia partidária. Dessa forma, facções pro-
nunciadas se criam entre os próprios ideólogos, e fazem guer-
ra sem piedade e sem fim, uns com os outros, como fizeram os
trorskistas e stalinistas.

Os sinais da ruína ideológica se encontram à nossa volta. Como a


.~::ologia ainda pode exercer tanto fascínio na maior parte do mundo?

***
A resposta a essa questão é dada, em parte, na seguinte observa-
:i·) de Raymond Aron:

Quando o intelectual não se sente mais ligado nem à comunidade nem


à religião de seus antepassados, pede às ideologias progressivas toma-
rem conta da alma inteira. A diferença maior entre o progressismo do
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

discípulo de Harold Laski (1893-1950) ou de Bertrand Russell (1872-


1970) e o comunismo do discípulo de Vladimir Lênin (1870-1924)
relaciona-se menos com o conteúdo do que com o estilo das ideologias
e da adesão. São dogmatismos da doutrina e a adesão incondicional dos
militantes que constituem a originalidade do comunismo, inferior, no
plano intelectual, às versões abertas e liberais das ideologias progressi-
vas e talvez superior para quem está à procura de uma fé. O intelectual,
que não se sente mais ligado a nada, não se contenta com opiniões, quer
uma certeza, um sistema. A revolução traz-lhe seu ópio."

A ideologia oferece uma imitação de religião e uma filosofia frau-


dulenta, confortando, dessa forma, aqueles que perderam, ou que
nunca tiveram, uma fé religiosa genuína e aqueles que não possuem
inteligência suficiente para aprender filosofia de verdade." A razão
fundamental por que devemos francamente nos opôr à ideologia -
assim escreveu o sábio editor suíço Hans Barth - é que a ideologia é
contrária à verdade: nega a possibilidade da verdade na política ou
em qualquer outro campo, pondo motivos econômicos e interesses
de classe no lugar de normas permanentes. A ideologia nega até a
consciência e o poder de decisão dos seres humanos. Nas palavras de
Barth: "O efeito desastroso do pensamento ideológico em sua forma
radical não é apenas lançar dúvidas a respeito da qualidade e da es-
trutura da mente humana, características distintivas do ser humano,
mas também enfraquecer as bases da vida social"."
A ideologia pode atrair os entediados da classe culta, que se des-
ligaram da religião e da comunidade, e que desejam exercer o poder.
A ideologia pode encantar os jovens, parcamente educados, que, em sua
solidão, se mostram prontos a projetar um entusiasmo latente em qual-
quer causa excitante e violenta. E as promessas dos ideólogos podem
arregimentar seguidores dentre os grupos sociais postos contra a parede-
ainda que tais recrutas possam não entender quase nada das doutrinas
dos ideólogos. A composição inicial do partido nazista ilustra, suficien-
temente, o poder de uma ideologia para atrair elementos tão diversos.
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Na primeira página deste ensaio, sugeri que alguns norte-ameri-


canos, dentre eles alguns com inclinações conservadoras, poderiam vir
a abraçar uma ideologia do capitalismo democrático." ou da Nova
Ordem Mundial," ou de um democratismo internacional. Entretanto,
a maioria dos norte-americanos, com um afeto dissimulado pela pala-
vra ideologia, não busca varrer violentamente todas as dominações e
todos os poderes existentes. O que essas pessoas, de fato, demandam
quando exigem uma "ideologia democrática" é uma fórmula para a
religião civil, uma ideologia do americanismo ou, talvez, do mundo
livre. O problema com essa noção de religião civil reside no fato de
que a grande maioria dos norte-americanos acredita que já tenha uma
religião própria, e não uma fé preparada por algum departamento
governamental em Washington, D.e. Se tal religião civil oficial, ou
essa suave ideologia, viesse a ser projetada para, por meio de algum
processo insidioso, suplantar as miríades de credos que, atualmente,
tlorescem nesta Terra - ora, a hostilidade para com a crença no trans-
cendente seria enorme, bem como seria tamanho o desprezo pelas "al-
tas religiões" . Eis precisamente o artigo mais amargo do credo dessas
ideologias, que têm castigado o mundo pelas últimas oito décadas.
Provavelmente, tudo o que pretendem os entusiastas dessa nova
proposta de ideologia anticomunista é uma declaração de princípios
e conceitos econômicos, amplamente promulgados, aprovados legis-
lativamente como um guia para políticas públicas, e ensinados em
escolas públicas. Se isso é tudo o que se espera por que insistir em
rotular tal noção como uma ideologia? Uma ideologia inocente é tão
:mprovável quanto seria o "diabolismo cristão"; aplicar à alguma
.deia o sinistro rótulo de "ideologia" seria como convidar os amigos
;,ara uma inocente fogueira de Halloween, anunciando, porém, a fes-
~a.como o "novo Holocausto".
Caso essa "ideologia democrática" acabasse por se revelar, na
;,rática, como nada além de um programa nacional de civismo para
-scolas, ainda assim mereceria ser vigiada com muito cuidado. Exaltar
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

sobejamente as belezas do capitalismo democrático em todas as salas


de aula entediaria a maioria dos alunos e provocaria repulsa nos mais
inteligentes. E não são aulas de educação cívica que formam, prima-
riamente, as mentes e a consciência das novas gerações: esse é, sobre-
tudo, o papel do ensino das humanidades. Não gostaria de ver o que
resta dos estudos literários na escola pública típica sendo suplantado
por uma propaganda oficial sobre a santidade do American Way of
Life, do mundo livre ou do capitalismo democrático."
Não compartilho da opinião de que seria bom jogar o inebriante
vinho de uma nova ideologia goela abaixo dos jovens norte-ameri-
canos. Se invocarmos os espíritos das profundezas abissais, será que
poderemos esconjurá-Ios? O que precisamos transmitir é prudência
política, não beligerância política. A ideologia é a doença, não a cura.
Todas as ideologias, incluindo a ideologia da vox populi vox Dei, são
hostis à permanência da ordem, da liberdade e da justiça.ê" A ideolo-
gia é a política da irracionalidade apaixonada.

***
Permiti-me, portanto, tecer aqui, em uns poucos parágrafos, al-
gumas reflexões sobre a prudência política, em oposição à ideologia.
Ser "prudente" significa ser judicioso, cauto, sagaz. Platão (427-
347 a.C.),27 e mais tarde Edmund Burke (1729-1797),28 ensinaram-
-nos que, no estadista, a prudência é a primeira das virtudes. Um
estadista prudente é aquele que olha antes de se lançar; que tem visão
de longo alcance, que sabe que a política é a arte do possível.
Algumas páginas atrás especifiquei três erros profundos (vícios)
do político ideológico. Agora, contrasto-os com certos princípios da
política da prudência:

1. Conforme dito antes, a ideologia é uma religião invertida. No


entanto, o político prudente sabe que "utopia" significa "lugar
nenhum ";" que não se pode marchar em direção a uma Sião terre-
na;30que a natureza e as instituições humanas são imperfeitas; que
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a "justiça" agressiva na política acaba em massacre. A verdadeira


religião é uma disciplina para a alma, não para o Estado.

2. A ideologia torna impossível o compromisso político, como fiz


notar. O político prudente, au contraire, tem plena consciência de
que o propósito original do Estado é manter a paz. Isso só pode
ser alcançado via a manutenção de um equilíbrio tolerável entre
os grandes interesses da sociedade. Partidos, interesses, grupos e
classes sociais devem realizar acordos, caso queiram manter as fa-
cas longes dos pescoços. Quando o fanatismo ideológico rejeita
qualquer solução conciliatória, os fracos vão para o paredão. As
atrocidades ideológicas do "Terceiro Mundo", nas últimas déca-
das, ilustram o ponto: os massacres políticos no Congo, Timor,
Guiné Equatorial, Chade, Camboja, Uganda, Iêrnen, EI Salvador,
Afeganistão e Somália. A política prudencial busca a reconcilia-
ção, não o extermínio.

3. As ideologias são acometidas de um feroz facciosismo, na base do


princípio da fraternidade - ou morte. As revoluções devoram os
seus filhos. Por outro lado, os políticos prudentes, rejeitando a ilu-
são de uma verdade política absoluta, diante da qual todo cidadão
deve se curvar, entendem que as estruturas políticas e econômicas
não são meros produtos de uma teoria, a serem erigidos num dia e
demolidos noutro; pelo contrário, instituições sociais se desenvol-
vem ao longo dos séculos, como se fossem orgânicas. O reformador
radical, proclamando-se onisciente, derruba todos os rivais para
chegar mais rapidamente ao Paraíso terreno. Conservadores, em ní-
tido contraste, têm o hábito de jantar com a oposição.

Na frase anterior, utilizei, de1iberadamente, a palavra conserva-


dor, na realidade, como sinônimo da expressão "político prudente".
É o líder conservador que, determinado a resistir a todas as ideolo-
gias, é guiado pelo que Patrick Henry (1736-1799) chamou de "o
.ume da experiência" .31 No século XX, foi o conjunto das opiniões
~eralmente denominado de "conservador" que defendeu as "coisas
;-ermanentes"32 contra os assaltos dos ideólogos.
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o público norte-ame-


ricano tem visto, de modo cada vez mais favorável, o termo conser-
uador." Pesquisas de opinião sugerem que, em política, a maioria dos
eleitores se considera conservadora. Se eles entendem bem os princí-
pios políticos conservadores, isso é outra questão.
No meio da segunda administração do presidente Ronald Reagan
(1911-2004), um estudante universitário de minhas relações conver-
sava, em Washington, D.e., com um jovem que havia conseguido um
cargo político na administração federal. Aquele jovem e inexperiente
homem público começou a falar de uma "ideologia conservadora".
O universitário recordou-lhe, de modo algo ríspido, o significado ma-
léfico da palavra "ideologia". "Bem, você sabe o que quero dizer",
respondeu-lhe o jovem político, meio sem jeito.
De toda forma, não é certo que aquele recém-ernpossado funcio-
nário público soubesse, ele mesmo, o que verdadeiramente significava
aquilo. Será tinha em mente ideologia como um corpo de princípios
políticos bem estruturados? Queria ele talvez descobrir um conjunto
de fórmulas simplistas, pelas quais o capitalismo pudesse se estender
a todo o mundo? Ou desejava, de fato, derrubar, por meio de ações
violentas, nossa ordem social vigente e substituí-ia por uma sociedade
artificial mais próxima de seus ideais?
Vivemos numa época em que o significado de antigas palavras,
como tantas outras coisas, se tornou inseguro. "As palavras se disten-
dem, / Estalam e muitas vezes se quebram, sob a carga" ,34 como T. S.
Eliot (1888-1965) o diz. "No princípio era o Verbo" (]o 1,1). Hoje em
dia, porém, o Verbo está sendo confrontado pela ideologia gigante,
que perverte a palavra falada e escrita.
Não são apenas os talentos políticos emergentes de nosso tempo
que não conseguem apreender o uso apropriado de certas palavras
importantes - e que, particularmente, entendem mal o emprego de
ideologia. Uma senhora idosa me escreve em defesa do antigo mo-
vimento chamado "Rearmamento Moral" ,35 que, há três décadas,
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afirmava oferecer uma ideologia aos Estados Unidos. "Talvez eu me


engane, mas sempre me pareceu que ideologia significa o poder das
ideias", diz essa correspondente. "O mundo é governado por ideias,
boas e más. Precisamos de uma grande ideia ou de um ideal para
substituir as falsas ideias, hoje dominantes. Quanto tempo podemos
sobreviver como uma nação livre, uma vez que a palavra liberdade
foi corrompida?"
A conclusão dessa senhora é perspicaz. Contudo, tenho de acres-
centar, "Por quanto tempo podemos sobreviver como uma nação li-
vre, uma vez que a palavra ideologia, com seu poder corruptor, foi
confundida como a guardiã da liberdade ordenada?"
Não tenho a intenção de escarnecer, pois encontro essa confusão
em pessoas que conheço bem e respeito profundamente. Uma dessas
pessoas, uma escritora capaz e de espírito arrojado retruca possuir
dicionários - Webster e Oxford - que discordam da definição mais
extensa de ideologia proposta por Russell Kirk. "Se o Oxford está
certo e ideologia significa 'a ciência das ideias', não poderiam ser boas
:deias? Concordo plenamente que muitas ideologias causam grande
mal, mas certamente não são todas, não é? De qualquer maneira, sou
..:.mapragmatista inata", conclui a senhora, "e a semântica não é o
~_eu ponto forte".
Não, senhora, todas as ideologias causam confusão. Fico mais
~:limado pela carta escrita por um publicista conservador influen-
:~ e experiente, que aplaude a minha crítica aos jovens ideólogos
~..:.e se imaginam conservadores, e aos jovens conservadores espe-
~zndo apaixonadamente se converterem em ideólogos. Esse último
~.rrespondente concorda comigo que a ideologia está fundamenta-
:.~ meramente sobre "ideias" - isto é, sobre abstrações, sonhos, sem
~~:3.ção,na maior parte das vezes, com a realidade pessoal e social;
::-_.::uanto as visões conservadoras estão fundadas sobre costumes,
:: :--'.-enções, na longa experiência da espécie humana. Ele se vê con-
~: :-:tado, de tempos em tempos, por jovens, que se autodenominam
A Política da Prudência I Os Erros da Ideologia

conservadores, que não têm noção alguma de prudência, temperança,


compromisso, tradições da civilidade ou patrimônio cultural.
"Os bosques estão cheios dessas criaturas", escreve esse cavalhei-
ro. "O 'movimento' conservador parece ter criado uma nova geração
de inflexíveis ideólogos. Preocupa-me encontrá-los tão numerosos e
em tantas instituições. É claro, vários são libertários, não conserva-
dores. Do que quer que se chamem, são ruins para nosso país e nossa
civilização. A concepção de vida deles é brutal, desumana".
Amém. O conservadorismo é uma ideologia? Somente se, junto
com Humpty Dumpty, arrogarmo-nos a prerrogativa de forçar as pa-
lavras a significar o que quer que desejemos que signifiquem, de modo
que a questão "é saber quem é que vai mandar - só isso"." Que nós,
conservadores, conservemos a língua inglesa, juntamente com várias
outras boas coisas que restam. Levantemos a bandeira de um vocabu-
lário honesto e preciso. Venturemo-nos, sejam quais forem os riscos,
a lutar contra a "novafala"37 dos ideólogos.
O triunfo da ideologia seria o triunfo do que Edmund Burke cha-
mou de "mundo antagonistav" - o mundo da desordem; ao passo
que aquilo que o conservador busca conservar é o mundo da ordem
que herdamos, ainda que em estado imperfeito, de nossos ancestrais.
A mentalidade conservadora e a ideológica gravitam em polos opos-
tos, e a controvérsia entre as duas mentalidades não será menos ar-
dorosa no século XXI do que o foi no século XX. Possivelmente, este
livro poderá auxiliar aqueles da nova geração que têm a coragem de
fazer oposição aos zelotas ideológicos.

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