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História do Teatro e do Espetáculo – I

Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra

Comédia latina
Plauto
Roma e o Outro: reação ao exótico
MILFIÃO: Mas quem é aquela ave que vem para aqui em fralda de camisa? Se calhar bifaram-lhe o
manto nos banhos!
AGORÁSTOCLES: Mas, ó pá, tem todo o ar de cartaginês! MILFIÃO: É um marrano o fulano. E tem
uns escravos velhos como alfarrábios!
AGORÁSTOCLES: Como é que sabes? MILFIÃO: Não vês os tipos que o acompanham,
remendados? E, cá para mim, não têm dedos nas mãos.
AGORÁSTOCLES: Então porquê? MILFIÃO: Porque vêm com os anéis nas orelhas. (...)
(...) MILFIÃO: Tu, ó sem-cinto, porque vieste a esta cidade? Que procuras?
(Poenulus, 975-81; 1008-9. trad. J. L. Brandão)

Terêncio
A sogra
BÁQUIS (Cortesã) Que grande alegria que eu proporcionei hoje a Pânfilo com a minha
intervenção!... Que agradáveis notícias eu lhe trouxe!... Que preocupações lhe consegui tirar!... Um
filho — eu lho restituo, que, por culpa destas mulheres e dele próprio, esteve a ponto de morrer.
Uma esposa — que, depois de tudo isto, ele já não acreditava que recuperaria —, eu lha entrego. E
as suspeitas que, por esse motivo, levantou em seu pai e em Fidipo, eu as apaguei... E este anel,
afinal, foi o ponto de partida para a descoberta.
Ainda me lembro... Haverá quase nove meses... Era ao cair da noite quando ele veio Ter comigo...
Vinha procurar refúgio em minha casa... Estava ofegante... sem escolta... encharcado de vinho... E
trazia este anel.
Fiquei logo assustada. «Meu querido Pânfilo» — exclamei — «porque estás assim, sufocado?...
Conta-me lá, por favor! E esse anel, aonde o foste arranjar?... Diz-me lá!...» E ele a fingir que ligava a
outras coisas... Perante esta atitude, começo a desconfiar... não sei de quê; e cada vez insistia mais
para que ele me dissesse. O nosso homem acaba por confessar que tinha violentado, na rua, não sei
quem: e diz que, no meio da luta, lhe tinha tirado o anel. Pois foi este anel que Mírrina reconheceu.
Eu trazia-o no dedo há pouco.
Pergunta-me: «Aonde o foste buscar?...» E eu conto-lhe a história toda. Assim se ficou a saber que
Filúmena tinha sido violada por ele. E, deste modo, é que lhe tinha nascido o filho. Sinto-me
contente por tantas alegrias lhe terem vindo de mim.
Bem sei que as outras mulheres da vida não pensam assim. Não é vantajoso para nós que um
amante se dê bem no casamento... Mas eu nunca deixarei que, por amor do lucro, o meu coração
seja levado para o mal.
Sim, enquanto lhe foi permitido, eu encontrei nele um amigo generoso, simpático e delicado. Não
me deu satisfação o seu casamento, tenho de o confessar... Mas, em boa verdade, penso que nada
fiz para merecer o desgosto que tive.
Se muitos foram os benefícios que recebemos de uma pessoa, é justo suportar os desprazeres que
dela nos vêm.
(Hecyra, 816-840. Trad. de Walter de Medeiros)

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