Você está na página 1de 16

EMPRESAS FAMILIARES: UM ESTUDO DE CASO SOBRE

MÚLTIPLOS PAPÉIS NA GESTÃO

Maria Augusta Gonçalves Lins1


Ana Paola Grando2

RESUMO

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa e descritiva, utilizando a pesquisa


qualitativa como método de investigação. A amostra consistiu em 2 gestores de um
estabelecimento familiar no ramo agroindustrial, localizado em Xanxerê. A seleção
da amostra foi por conveniência, incluindo empresas de núcleo familiar com gestão
entre pai e filho/filha em cargos de liderança. A coleta de dados foi realizada por
meio de entrevistas semiestruturadas presenciais, e a análise dos dados destacou
as experiências relacionadas à gestão em empresas familiares, incluindo demandas,
valores e múltiplos papéis organizacionais. O objetivo geral foi compreender os
valores organizacionais e os diversos papéis desempenhados na gestão de uma
empresa familiar. Os resultados ressaltam a complexidade e a importância desses
aspectos na dinâmica das empresas familiares, contribuindo para uma compreensão
mais aprofundada dessa temática.

Palavras-chave: Empresa familiar; Gestão familiar; Múltiplos papéis


organizacionais.

ABSTRACT

This study adopted a qualitative and descriptive approach, using qualitative research
as the investigative method. The sample consisted of 2 managers from a family-
owned agribusiness located in Xanxerê. The sample selection was by convenience,
including family-owned businesses with management between parent and child in
leadership positions. Data collection was conducted through in-person semi-
structured interviews, and data analysis highlighted experiences related to
management in family businesses, including demands, values, and multiple
organizational roles. The general objective was to understand organizational values
and the diverse roles played in managing a family business. The results emphasize
the complexity and importance of these aspects in the dynamics of family
businesses, contributing to a deeper understanding of this subject.

Keywords: Family business; Family management; Multiple organizational roles.


____________________
Graduanda em Psicologia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de
Xanxerê/SC; EMAIL
2
Docente do Curso de Psicologia na Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de
Xanxerê/SC; Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina;
ana.grando@unoesc.edu.br.
1 INTRODUÇÃO

As empresas familiares estão longe serem modelos empresariais


ultrapassados. Elas movimentam uma porcentagem considerável da economia,
principalmente a local. Conforme destaca Leone (2005, p.11), o gerenciamento da
“empresa familiar possui peculiaridades que vão além da administração dos
sistemas “família”, “sociedade”, “empresa” e todas as suas inter-relações nos
campos financeiros, jurídicos e afetivos”. Os sistemas familiares e profissionais
tendem a se fundirem ou até mesmo colidirem, podendo afetar aspectos a serem
considerados, como a cultura organizacional, o processo sucessório e a governança
da empresa e da família.
Por seu turno, para realização do estudo que fundamentou o presente
trabalho, foi utilizada a pesquisa qualitativa, ao passo em que, quanto aos objetivos,
a mesma caracterizou-se como descritiva. Para a amostra, foram escolhidos 2 (dois)
gestores, de um estabelecimento familiar do ramo agroindustrial, localizada no
municipío de Xanxerê. Por definição de amostra foi determinado a amostra por
conveniência, os participantes que concordaram voluntariamente através da
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Uso de
Imagem, responderam a uma entrevista individual semiestruturada, de forma
presencial. Levando tudo isso em consideração, este estudo se propôs, portanto,
responder a seguinte pergunta: Como compreender os valores organizacionais na
gestão de uma empresa familiar?
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A instituição da família teve origem nos tempos antigos, em que o líder


familiar, geralmente o homem, desempenhava uma atividade central seguida por
todos os membros da família. Nessa época, a figura masculina representava força, e
o herdeiro, na ausência do pai, assegurava a continuidade da família (FLORIANI;
RODRIGUES, 2000).
As diferenças fundamentais entre empresas familiares e não familiares se
concentram no objetivo de continuidade da primeira e na busca de maximização do
valor das ações a curto prazo pela segunda. A empresa familiar valoriza a
conservação de ativos e o prestígio da família no comando, enquanto a não familiar
busca satisfazer as expectativas dos acionistas. A primeira prioriza a proteção contra
riscos, e a segunda acredita que maior risco pode levar a maiores ganhos. A
empresa familiar se percebe como uma instituição, com liderança e administração,
enquanto a não familiar a vê como um ativo dispensável com liderança baseada em
carisma pessoal (NAJJAR, 2011).
No contexto da gestão da empresa familiar, é comum que os eventos na
empresa reflitam o perfil do fundador, sendo este papel crucial na definição dos
valores organizacionais. Os valores da família proprietária desempenham um papel
importante na gestão empresarial, e a cultura familiar influencia as práticas de
gestão (DAVEL; SOUZA, 2004). O fundador desempenha um papel vital na trajetória
empresarial, concebendo valores e métodos de trabalho, os quais, por sua vez,
moldam a gestão da empresa (SILVA; FOSSÁ, 2014).
Os valores nas empresas familiares, em grande parte, refletem os valores da
própria família, tendo um impacto significativo no comportamento e nos resultados
da organização (CHUA, 2003). A gestão na empresa familiar guarda similaridades
com a gestão familiar, pois cada gestor estabelece uma cultura que perdura durante
sua gestão (SILVA; ZANELLI, 2004). Os fundadores, inicialmente orientados por
seus valores familiares, desempenham um papel crucial na definição dos valores
organizacionais. Contudo, ao longo do tempo, torna-se desafiador distinguir o que é
da família e o que é da empresa (SILVA; ZANELLI, 2004).
Além disso, os indivíduos assumem múltiplos papéis simultaneamente,
conhecido como "multiplicidade de papéis". Isso envolve desempenhar papéis
diferentes, como o papel de filho ou filha, em um mesmo período histórico. Durante
esse desenvolvimento de múltiplos papéis, é comum que um indivíduo termine um
papel para iniciar outro, por exemplo, sendo eletricista no trabalho e pai ou esposo
em casa. Espera-se que estratégias de segmentação e integração auxiliem na
diferenciação e no desempenho das diversas funções de um indivíduo, visando ao
bem-estar e à gestão da exaustão emocional, através da definição de limites para
cada papel desempenhado (APPEL-SILVA et al., 2011).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo é de abordagem qualitativa, por coleta de dados e quanto aos


objetivos, a pesquisa é do tipo descritiva. Para a amostra foram escolhidos 2
gestores, de um estabelecimento familiar do ramo agroindustrial, localizado no
município de Xanxerê. Para se inserirem na amostra as empresas deveriam ser
provenientes de núcleo familiar e a gestão pai e filha/filho com cargos de liderança
dentro da empresa. Participaram da pesquisa duas empresas do ramo
agroindustrial, localizada no município de Xanxerê, do tipo familiar com gestão de
pai e filho/filha
Por definição de amostra foi determinada a amostra por conveniência,
consistente em uma técnica de amostragem que leva em consideração a extração
da amostra daquela população de fácil acesso. A coleta de dados ocorreu por meio
de entrevista semiestruturada, com perguntas abertas sobre as experiências na
gestão e liderança da empresa familiar, realizada individualmente de forma
presencial. Após a realização das entrevistas, para a análise dos dados sobre as
experiências com a prática da gestão de uma empresa familiar, visando as
demandas da gestão, os valores e os múltiplos papéis organizacionais, foram
elencadas dimensões de acordo com os objetivos.
Em consonância com a Resolução CFP N°016/2000 de dezembro de 2000,
que dispõe sobre a realização de pesquisa em Psicologia com seres humanos, o
presente estudo teve o objetivo de garantir os direitos das participantes, assim como
atender os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos. Foi utilizado o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Uso de Imagem, que foi assinado
pelas participantes depois que lhes foram esclarecidas eventuais dúvidas existentes
sobre o estudo em questão.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Visando atender aos fundamentos e objetivos desta pesquisa sobre a


dinâmica organizacional em empresas familiares, as respostas obtidas foram
agrupadas e analisadas com o propósito de compreender os valores que norteiam a
gestão dessas organizações, buscando identificar tanto as demandas inerentes à
administração quanto os princípios e múltiplos papéis que se entrelaçam nesse
contexto. Nessa análise, serão apresentadas e exploradas três categorias
fundamentais que emergiram das falas dos participantes. A primeira categoria
"Conceituação das empresas familiares" revela as percepções dos membros sobre a
natureza das empresas familiares e sua definição. A segunda, "Transição dos
valores familiares para a organização", explora a integração dos valores pessoais e
familiares na cultura organizacional. A terceira, "Demandas e papéis na empresa
familiar", aborda os desafios e papéis dos membros, proporcionando insights sobre
suas responsabilidades tanto no âmbito familiar quanto organizacional, e seu
impacto na gestão da empresa familiar.
Por questão ética, a identidade dos participantes foi preservada sendo
utilizado nomes fictícios conforme as seguintes informações:
Informações 1° entrevistados 2° entrevistados
Nomes Fictícios Famíia Santos Família Oliveira
Integrantes Pai e Filha Pai e Filho
Tempo de atividade 18 anos 30 anos

4.1 Conceituação das definições de empresas familiares

A peculiaridade das empresas familiares está na interseção entre a estrutura


organizacional e os laços familiares. Conforme Lodi (1998), a sucessão, muitas
vezes hereditária, destaca-se, identificando os valores institucionais com o
sobrenome da família ou fundador. Os vínculos emocionais e papéis estabelecidos
complicam a tarefa de dissociar o âmbito organizacional do familiar, evidenciando a
delicada relação entre esses elementos.
Apesar da tentativa de separar os ambientes, a filha da família Santos acha
difícil, mas não impossível, dissociar completamente o lado pessoal do profissional
no dia a dia da empresa. Para ela, o vínculo pai-filha impacta essa distinção.
Segundo suas palavras: "[...] é muito difícil você bloquear a questão de ele é meu
chefe, tudo bem, mas tu tem. Sei lá, não sei explicar. Eu acho que isso não é
impossível, mas, é muito difícil. Eu me vínculo muito”. De maneira similar, o filho da
família Oliveira enfrenta desafios ao tentar separar os domínios, especialmente
quando as questões empresariais afetam o lado pessoal. No entanto, ele ressalta a
importância de manter o respeito pelo pai: “[...] "Mas como é pai, eu tenho respeito
por ele, tem coisas que eu não passo ou maneiras que eu falo com ele que são
diferentes do que se eu fosse falar com outra pessoa, né".
Sobre o mesmo questionamento o pai da família Oliveira relatou que desde
da fundação da empresa em 1990 a família e empresa sempre andam juntas: “ [...] E
até porque isso sempre foi bom tanto para empresa quanto pra família”. Tanto ele
como a esposa e os filhos sempre se apoiaram, para ele: “Isso pra mim é vitória. É
vitória então só fez bem até os dias de hoje”. Já o pai da família Santos, afirmou
que: “[...] desde a criação da empresa isso faz alguns anos para ser mais exato
fazem 18 anos nunca consegui realizar isso, sempre tentamos mas é uma tarefa
dificil”. Apesar das tentativas, ele enfatiza a dificuldade de dissociar sua família,
composta por suas filhas e esposa, do contexto profissional da empresa.
Os relatos evidenciam a dificuldade em separar completamente papéis e
vínculos emocionais na empresa, destacando a complexidade de gerenciar essa
integração equilibrada. A dualidade entre ambiente familiar e empresarial é um
desafio intrínseco às empresas familiares, exigindo uma abordagem sensível. Isso
ressoa com a visão de Najjar (2011) sobre a interconexão entre esferas e a
complexidade da distinção de papéis.

4.2 Como os valores familiares se tornam valores organizacionais

Uma das essenciais propostas das empresas familiares é fortalecer o valor da


família como um elemento central na cultura organizacional. Segundo Maia (2009),
isso se reflete no sentido de família, um pilar na cultura da empresa, onde a família é
um recurso único e de difícil substituição, proporcionando vantagens e, ao mesmo
tempo, limitações ao desempenho da organização.
Quando questionados sobre os pontos fortes e fracos de uma empresa
familiar, os participantes foram unânimes em afirmar que o ponto forte está na união
familiar e na confiança e amparo gerados pela relação entre eles. A filha da Família
Silva enfatiza a intensa coesão familiar, destacando a forte união presente na família
e na gestão da empresa. Essa união é vista como um alicerce robusto que orienta a
visão e as metas da organização. “[...] Eu acho que a união a gente é num todo
muito forte. A gente é muito unido como família e como direção. A gente tem muito
muito nítido a convicção que a gente quer, aonde a gente quer chegar”.
O filho da Família Oliveira ressalta a importância crucial do apoio familiar em
sua trajetória na empresa, retrata que: “[...] O ponto forte é que sempre vai haver
honestidade é muito difícil hoje de você achar dentro de uma empresa, né?”. O filho
realça a honestidade constante nas empresas familiares, rara segundo ele
atualmente. Sublina ainda, a natureza familiar da empresa e o desejo comum de
prosperar e promover o bem-estar, um aspecto positivo na gestão e
desenvolvimento da empresa familiar. Neste ponto, lembra que “[...] como a gente tá
trabalhando em família, a gente sempre vai querer o bem um do outro, né? Então a
gente sempre vai querer prosperar’’. Da Silva (2012) enfatiza os laços familiares
como a essência de um negócio familiar, baseado em lealdade, cumplicidade e
determinação, moldando a empresa familiar com confiança e garra.
A preocupação do pai da Família Silva em: “[...] poder desenvolver elas como
funcionárias e líderes é o meu desejo que sejam cada vez mais águias em tudo [...]”,
reflete sua ênfase no amparo emocional e na preparação das filhas para assumirem
papéis-chave na empresa familiar. A metáfora das águias simboliza a aspiração por
crescimento e excelência constante, evidenciando sua visão de que suas filhas
alcancem excelência em suas funções, tanto dentro quanto fora da organização.
Os filhos das Famílias Silva e Oliveira e a análise de Collette (2021)
concordam sobre um desafio central nas empresas familiares: a interconexão entre
questões familiares e empresariais, agravada pelos papéis múltiplos como
funcionários e filhos. A filha da Família Silva ressalta a complexidade dessa
separação ao mencionar: "[...] Pontos fracos são que é impossível você fingir que
nada aconteceu no domingo e lembrar de uma briga”. Ela exemplifica isso com uma
situação recente, destacando a dificuldade de dissociar questões particulares das
profissionais e afirmando que é impossível separá-las, principalmente quando "te
fere".
O filho da Família Oliveira identifica desafios adicionais na gestão familiar,
incluindo a dificuldade de separar questões pessoais das profissionais, conforme
evidenciado por ele: "[...] Geralmente não levam para o lado profissional da
mudança, a gente leva mais para o lado pessoal e daí já vem aquelas brigas, puxa
outras coisas, puxa isso, puxa aquilo". Segundo Collette (2021), isso destaca a
propensão a interpretar cobranças no trabalho de forma pessoal, o que pode resultar
em conflitos prejudiciais ao ambiente empresarial.
Por outro lado, o pai da Família Oliveira destaca o principal ponto fraco na
dificuldade de separar aspectos profissionais e pessoais, resultando na falta de
otimização do tempo. Na sua fala: "[...] tão falta tempo pra tê tempo de qualidade
que a esposa precisa, os filhos precisam, porque a gente está muito apegado à
questão da empresa, então eu acredito que o ponto fraco é isso. O tempo que eu
deveria otimizar, né". Ele luta para equilibrar o tempo entre família, filhos e o foco
necessário na empresa. Segundo Collette (2021), a estreita relação entre o fundador
e a gestão na empresa familiar, como reuniões familiares frequentemente abordam
assuntos empresariais, enfatizando a importância da empresa na vida dos membros.
As experiências das Famílias Santos e Oliveira evidenciam essa fusão entre esfera
familiar e empresarial, refletida nos valores da organização e na influência do
fundador.
Quando questionados sobre os valores familiares na empresa, a filha da
Família Santos destaca a "honestidade e seriedade" introduzidas explicitamente pelo
pai. Esses valores permeiam decisões e a cultura organizacional (APPEL-SILVA;
ARGIMON; WENDT, 2011). Da mesma forma, o filho da Família Oliveira ressalta a
importância do "respeito" e "honestidade" na relação familiar e na dinâmica
empresarial, moldados pelo exemplo dos pais. Ele destaca: “[...] essa honestidade,
essa transparência que a gente tem como família um com o outro, a gente passa
dentro da empresa foi tranquilo”. Appel-Silvva et al. (2011), ressaltam a forte
influência dos valores familiares na cultura organizacional das empresas familiares,
refletindo a proximidade intrínseca entre a esfera familiar e empresarial e o papel
crucial do fundador na transmissão desses valores.
Os pais da Família Santos e Oliveira também destacam a importância dos
valores de "honestidade, seriedade, e garra" na empresa familiar, transmitidos de
geração a geração. A filha da Família Santos também enfatiza esses valores,
refletindo sua influência na cultura organizaciona. Além disso, o pai da Família
Oliveira ressalta a relevância da "honestidade" tanto na esfera familiar quanto na
organização empresarial. Ele observa que esse valor é transmitido através das
gerações, evidenciando a herança familiar em sintonia com a análise de Fossa T. I.
Maria (2003) com ênfase na honestidade está sobre a cultura de devoção e seus
efeitos nas práticas das empresas familiares.
4.3 Das demandas de uma empresa familiar e seus múltiplos papéis

Na gestão de empresas familiares, a conciliação das culturas familiar e


empresarial é essencial, especialmente na sucessão da segunda geração, onde os
valores podem divergir (Flores Jr., 2010). É fundamental adotar uma abordagem que
envolva os colaboradores, superando conflitos familiares e desafios simbólicos nos
papéis (Flores Jr., 2010). Na dinâmica dos conflitos entre pai e filha no ambiente
empresarial, a Família Santos apresenta um equilíbrio notável em suas decisões,
demonstrando respeito mútuo e troca de experiências. O pai afirma que: “[...] em
relação aos conflitos sempre vai ter, venho de uma geração que é diferente da
geração da minha filhas, mas tento fazer com que elas percebam o porquê da minha
descição”. A filha, por sua vez, revela segurança em suas decisões no setor,
buscando a orientação do pai em caso de dúvidas.segunda ela: “[...] porque no fim a
experiência conta muito e a gente tomou uma decisão juntos de certa forma”. A filha,
por sua vez, revela segurança em suas decisões no setor, buscando a orientação do
pai em caso de dúvidas.
Conforme destaca Flores Jr. (2012), a interação entre pai e filho é crucial,
com a experiência do fundador muitas vezes prevalecendo nas decisões conjuntas,
Essa dinâmica tradicional coloca o pai, visto como especialista, influenciando as
escolhas, enquanto o filho, futuro líder, enfrenta um dilema entre o papel de filho e o
de sucessor. Por outro lado, Maia (2009) aponta o desafio de conciliar culturas
distintas - a familiar e a empresarial - especialmente na segunda geração, onde os
sucessores podem ter valores diversos. Essa integração requer traços de
personalidade que promovam a participação de todos os colaboradores, superando
os conflitos familiares. Os filhos expressam a pressão da sucessão e das
responsabilidades associadas à gestão da empresa familiar.
Destaca-se na fala da filha que: “[...] essa sucessão é algo que me dá medo”.
Ressalta que são 20 anos que o pai está no comando da empresa, colecionando 48
anos de experiência e: “[...] realmente dá medo porque tu não sabe se as pessoas
vão te seguir. Como seguiam ele”. Ainda, ela demonstra preocupação em manter a
integridade dos valores familiares no processo de sucessão, enfrentando dilemas
em relação às amizades e influências externas, e também o receio em ser mulher e
não conseguir agir como o pai. Este receio em assumir um papel de liderança devido
à sua idade e falta de experiência é algo comum entre os sucessores,
principalmente porque buscam atingir as expectativas almejadas pelos fundadores
(APPEL-SILVA et al., 2011)
Contudo, o filho da Família Oliveira também revela suas apreensões e
responsabilidades diante da sucessão inesperada na empresa. O filho menciona que
a empresa “caiu em seu colo”, não esperava a sucessão, tinha outros objetivos, mas
ainda reflete um compromisso forte e uma postura determinada em relação à
empresa familiar, em suas palavras: “[...] mas é é uma obrigação minha que eu
tenho com a minha família e eu tenho que dar seguimento até que a empresa esteja
nos trilhos [...] pra daí eu poder pensar mais pra frente, né?”. Por sua vez, Bernhoeft
(1996) reforça a relevância desses valores na transição de gerações e no
estabelecimento de uma cultura empresarial sólida, essencial para a
sustentabilidade e o sucesso a longo prazo da empresa familiar.
Os pais, ao responderem à mesma pergunta, destacam a dualidade de
sentimentos na sucessão da empresa familiar. O pai da Família Santos expressa a
vontade de passar o negócio para a próxima geração, mas pondera se estão prontas
para essa responsabilidade, refletindo a complexidade da sucessão. Por outro lado,
o pai da Família Oliveira vê de forma positiva a transição para a segunda geração,
destacando o amadurecimento e a afinidade do filho com o negócio. Segundo Maia
(2009) é necessário integrar diferentes gerações e lidar com valores divergentes na
gestão de empresas familiares, essas posturas ressaltam a importância de uma
transição planejada e executada com sucesso para o bem da empresa familiar.
Os múltiplos papéis, liderança do pai e a conscientização do filho sobre a
sucessão, estão interligados, influenciando tanto a família quanto a empresa.
Equilibrar esses papéis é vital para a eficiência empresarial e a harmonia familiar.
Essa perspectiva se coaduna com a visão de Collette (2021), destacando a coesão
e o propósito compartilhado na empresa familiar. Em relação às crises, a filha da
Família Santos enfatiza a importância de minimizar conflitos, direcionando as
pessoas para seus papéis para evitar impactos negativos na empresa: “[...]A
empresa precisa de pessoas racionais para tomar decisões. Nós precisamos ser

racionais para tomar decisões, se não a empresa vai à falência." Ela ressalta a
necessidade de manter a racionalidade diante dos desafios empresariais, mesmo
nos momentos em que a família se reúne informalmente.
Por outro lado, o filho da família Oliveira expressa uma crença sólida na
hierarquia e no respeito ao papel dos donos da empresa, mesmo que discordem de
suas decisões: “[...] "Eu estou aqui para resolver os problemas deles. A palavra final
tem que ser deles, estando certo ou errado”. Essa visão demonstra a importância de
estabelecer um equilíbrio entre as diferentes opiniões dentro da família para garantir
uma gestão que atenda aos interesses coletivos. Segundo Maia (2009) reflete na
importância de respeitar essa estrutura de decisão, mesmo quando há discordância,
uma perspectiva discutida por no contexto da empresa familiar.
Sobre o mesmo questionamento a reflexão dos pais ilustram a complexidade
das empresas familiares, em relação ao gerenciamento dos múltiplos papéis, onde
questões pessoais e profissionais estão intrinsecamente entrelaçadas. O pai da
familia Santos fala que: “[...] assim como a empresa vai para casa, infelizmente isso
acontece, somos as mesmas pessoas, não tem como desligar uma coisa e ligar a
outra. Mas tento sempre ao máximo aproveitar minha família." O pai ilustra a
interconexão entre problemas familiares e empresariais, ressaltando a dificuldade de
separá-los. Conforme discute Lansberg (1999), essa relação reflete a teoria dos
sistemas, onde os papéis familiares afetam a dinâmica empresarial.
Sobre o mesmo questionamento, argumenta o pai da família Oliveira: “[...] Eu
não consigo, e eu não acredito que as pessoas dizem que não misturam. Como ser
humano, eu não tenho um botão que liga a família ou desliga a família. Eu acho que
isso é utopia”. Essa fala destaca a interdependência entre problemas familiares e
empresariais, desafiando a separação total entre as esferas pessoal e profissional,
ressaltando a conexão intrínseca entre família e empresa, abordada porTagiuri e
Davis (1996), especificamente em relação a sobreposição de papéis e a influência
da família na gestão do negocio familiar, onde as responsabilidades e expectativas
se entrelaçam, dificultando a separação completa.
Na entrevista com os filhos sobre sua participação na empresa e a
administração dos papéis, o filho da família Oliveira aborda sua transição e
integração na dinâmica da empresa familiar. Ele destaca a evolução de seus papéis,
passando de filho a gestor, iniciando como funcionário e tratando os familiares como
colegas de trabalho, demonstrando o desejo de evitar destaque ou tratamento
especial por ser filho dos proprietários. Essa perspectiva é vista na seguinte fala:
" [...] e tudo que eu tenho hoje dentro da empresa fui eu que
conquistei. Hoje, se conquistei, por quê? Porque eu sou o primeiro a
chegar na empresa. Eu sou o último a sair. Hoje, eu trabalho no
escritório, mas se precisar ir pra dentro da fábrica trabalhar, eu vou
trabalhar, se precisar ir pra obra, montar, eu vou montar...".
Essa perspectiva adere à visão de que as posições devem ser conquistadas
por mérito e esforço individual, alinhando-se à abordagem de Tagiuri e Davis (1996)
sobre a importância de uma gestão profissional e justa na empresa familiar.
A filha da família Santos destaca a necessidade de evoluir e sair da zona de
conforto na empresa familiar, revelando inquietação sobre sua inclusão e as
mudanças nos papéis de filha e gestora.: “[...] Eu sou muito do fazer. Eu assumo, eu
resolvo. Entende? Tem não sei. Isso é uma coisa assim, é o medo de eu sair da tua
zona de conforto. Ela expressa sua preocupação em deixar o operacional e teme
estagnar. Segundo Tagiuri e Davis (1996) o individuo reflete a ansiedade em evoluir
nas responsabilidades e isso evidencia um desafio comum em empresas familiares.
Quando questionado aos pais sobre a inclusão dos filhos na empresa e a
adoção de políticas tanto organizacionais quanto familiares. O pai da família Santos
enfatiza a abordagem de integração das filhas como colaboradoras, baseada em
méritos e progressão de cargos. Esse método segue a premissa de tratar os
membros familiares na empresa conforme suas competências, alinhado com a visão
de autores como Tagiuri e Davis (1996). Ja o pai da família Santos destaca que as
filhas trouxeram uma nova perspectiva à empresa, influenciando a comunicação
com os colaboradores, como menciona: "[...] elas trouxeram uma nova percepção
também de como eu deveria conversar [...]". As filhas contribuíram para a evolução
das políticas e da dinâmica organizacional e familiar, alinhadas a essa visão.
Conforme enfatizado por Collette (2021), essa mudança ilustra o impacto positivo da
entrada de novos membros na empresa familiar, corroborando a importância da
coesão e do propósito compartilhado,
O pai da família Oliveira ressalta o envolvimento gradual do filho na empresa
desde os doze ou treze anos: "[...] ele assumiu e tá assumindo até os dias de hoje".
Apesar do filho seguir uma carreira diferente, o pai expressa satisfação com seu
sucesso profissional: “[...] hoje ele é funcionário público e e graças a Deus ele ele
também está tendo sucesso na parte profissional dele. E isso pra mim é uma alegria
isso me traz satisfação”. Destaca-se a valorização do sucesso individual dos filhos,
mesmo se não estiverem diretamente na empresa. Destacam Tagiuri e Davis, (1996)
a importância desse processo gradual de transição e integração, permitindo que os
membros mais jovens comecem com tarefas simples e evoluam para papéis mais
significativos com o tempo, sendo crucial para assegurar a continuidade bem-
sucedida da empresa familiar ao longo das gerações.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a análise efetuada, percebemos que os processos de sucessão em


empresas familiares revelam um olhar amplo sobre os fatores que afetam e
impulsionam o crescimento empresarial, levando em conta a dinâmica familiar. A
comparação das respostas mostra que os filhos entrevistados muitas vezes
compartilham uma visão semelhante à dos fundadores sobre a estrutura e a gestão
de uma empresa familiar, indicando convergência de pensamento. Contudo, foram
notadas discrepâncias, especialmente na administração e gestão, no contexto da
sucessão do fundador para o sucessor.
Ao analisar as diversas falas dos membros de empresas familiares, torna-se
evidente a complexidade e a dinâmica dos papéis desempenhados na gestão
dessas organizações. O estudo de caso demonstra a interligação entre os papéis de
filho, gestor e colaborador, assim como a influência dos valores familiares nas
operações e nas relações organizacionais. A evolução e a sobreposição desses
papéis ao longo do tempo são notáveis, com os filhos assumindo responsabilidades
distintas conforme se desenvolvem, destacando-se a valorização do mérito e do
desenvolvimento individual, independentemente dos laços familiares. Autores como
Tagiuri e Davis (1996) contribuem para a compreensão da interação entre os papéis
familiares e organizacionais, ressaltando a sobreposição desses papéis e a
influência da família nas dinâmicas da empresa, alinhando-se com as observações
dos estudos de casos. Assim, as famílias Oliveira e Santos ilustram a inclusão
precoce dos filhos na empresa e a importância de equilibrar o merecimento pessoal
com a integração familiar na gestão de uma empresa familiar, demonstrando como
enfrentam a complexa dinâmica entre a relação de parentesco e a necessidade de
conquistar seu lugar na organização.
Essa pesquisa proporciona uma análise aprofundada sobre a dinâmica e a
relevância dos múltiplos papéis na gestão de uma empresa familiar. Essa análise
enriquece a compreensão das complexidades e desafios enfrentados por essas
empresas, além de contribuir para a formulação de estratégias mais eficazes para a
administração bem-sucedida, levando em consideração os valores e a dinâmica
intrínseca a esse tipo de organização.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

APPEL-SILVA, Marli; ARGIMON, Irani Iracema de Lima; WENDT, Guilherme Welter.


Conflito de papéis entre os domínios da família e do trabalho. Contextos Clínic, São
Leopoldo , v. 4, n. 2, p. 88-98, dez. 2011. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S198334822011000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 26 abr.
2023.

BERNHOEFT, Renato. Como criar, manter e sair de uma sociedade familiar (sem
brigar). São Paulo: Senac, 1996.
CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas
organizações /Idalberto Chiavenato. -- 4. ed. -- Barueri, SP : Manole, 2014.

CHUA, J., CHRISMAN, J. & STEIER, L. (2003). Extending the Theoretical Horizons of
Family Business Research. Entrepreneurship Theory and Practice, Summer, (pp.331-338).
Curimbaba, F. (2002). The dynamics of women's roles as family business managers. Family
Business Review, 15(3), 239- 246. [tradução Hilka Machado].

COLLETTE, C. O Negócio da Família e a Empresa Familiar: Entendendo empresas


familiares através da lente de dois quadros fundamentais. 2021. Disponível em: <
https://www.cfeg.com.br/wp-content/uploads/2021/07/CCollette-O-Neg%C3%B3cio-da-Fam
%C3%ADlia-e-a-Empresa-Familiar-Entendendo-empresas-familiares-atrav%C3%A9s-da-
lente-de-dois-quadros-fundamentais.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2023.

DA SILVA. Valores familiares e processo sucessório na perspectiva psicológica: o


caso de uma empresa familiar gaúcha do setor de plásticos / Alan Murilo da Silva. – Ijuí,
2012. Disponível em:
<https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/1895/Alan
%20Murilo%20da%20Silva.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 24 abr. 2023.

DRUCKER, P. F. Administrando em tempos de grandes mudanças. 5. ed. São Paulo:


Pioneira Thomson Learning, 2001.

ESCHER, R. B., COGO, A. L. P. Os familiares de pacientes adultos hospitalizados: sua


participação no processo de cuidar na enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem, v.
26, n. 2, p. 242, 2005.

FOSSA T. I. Maria. A cultura de devoção nas empresas familiares e visionárias – uma


definição teórica e operacional. PORTO ALEGRE, 2003.

FLORES JR., José Elias. Sucessão em empresas familiares: dilemas de pais e filhos.
2010. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Administração. Disponivel em: <
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/18689/000731780.pdf?sequence>.
Acesso em: 24 abr. 2023.
MAIA, Tatiane Silva Tavares. Gestão de pessoas: particularidades de empresas
familiares. 2009. Disponível em: < https://doi.org/10.12712/rpca.v3i2.11013>. Acesso em:
24 abr. 2023.

MELO, Marcelo; MENEZES, Paulo Lucena de (organizadores). Acontece nas melhores


famílias: repensando a empresa familiar. São Paulo: Saraiva: Virgília, 2008.

Você também pode gostar