A lembrança da morte enquanto eternização do presente
História da América IV
Ana Paula Bernardes Santos
São João del-Rei, MG
Setembro de 2023 O presente ensaio busca discutir a respeito de como a relação da sociedade com a morte muda, por vezes, a perspectiva, mas continua com o objetivo de procurar alguma maneira de dar e fazer sentido à morte e à vida, inteiramente interligadas. A construção societária e religiosa dita muito dos costumes relacionados ao fim da vida, como é possível observar na comemoração do Dia dos Mortos pelo povo mexicano, uma das formas encontradas de aliviar o peso que recai sobre o pensamento de ser finito, para além das externalizações identitárias promovidas pelas festividades em geral. A produção de obras que se relacionem às questões existenciais nada mais são do que um reflexo do medo e da celebração da morte.
O medo de morrer, de ser esquecido, da falta de um legado ou herança que te eternize
na história. A culpa cristã, a danação, o medo do pecado e a necessidade de se provar relevante, único e especial contra as evidências de que somos poeira cósmica. A necessidade que nunca é saciada de dar sentindo a vida, de viver, mas o que seria de fato viver? Se entregar para obras altruístas? Viver inconsequentemente como se cada dia fosse o último dia de sua vida? Beijar, amar, se relacionar com o maior número de pessoas existentes? Estudar, se capacitar e morrer trabalhando na tentativa de acumular a maior quantidade de capital concebível? Cada indivíduo dá um sentido à vida, mas uma coisa é certa, todos estamos em busca de um, ainda que este sentido seja que: não há sentido. Em síntese, vivemos um paralelo ao verme que roeu as frias carnes do cadáver de Brás Cubas em uma tentativa incessante de produzir a maior quantidade de memórias póstumas possíveis. Sim, Paz, o tempo realmente se acaba, se extingue, mas não na festa, na morte.
A discussão de Paz (1984) se debruça sobre os significados da morte e,
consequentemente, da vida para o povo mexicano. A reflexão sobre o que é viver, morrer, estar em um entrelugar entre os dois, está presente não só na cultura mexicana, mas vem permeando a cultura pop e indústria do entretenimento. Lançado em 2018, o filme animado “Viva – a vida é uma festa” dos autores Adrian Molina, Lee Unkrich, Matthew Aldrich e Jason Kat, foi inspirado na festa do Día de los muertos. Ainda que destinado ao público infantil, a obra faz uma reflexão sobre o que significa estar morto, não apenas em carne, mas em memória. O personagem principal, Miguel, é levado a conhecer o mundo dos mortos, o que seria uma representação da vida no além. Em sua jornada, Miguel descobre que a “vida” do morto no além está diretamente ligada às lembranças que os vivos mantêm dos mortos.
Existem diversas teorizações e conspirações do que acontece após a morte, se as pessoas
vão para um suposto céu, paraíso, um mundo do “além”, um suposto inferno em que pagariam por seus erros cometidos em vida, entre várias divagações. Fato é que, ainda que não se tenha comprovações do local para onde se vai após a morte, para os seres que ainda estão vivos, é o fim da sua existência carnal. No mundo terreno, você passa a residir em memórias, fotografias e vídeos. Na obra cinematográfica, o tempo não se extingue na morte, reforçando a crença de que nosso tempo não se limita a vida na Terra. Entretanto, a vida após a morte só é real quando há vida no plano terreno, alimentada por aqueles que ainda se lembram de sua existência. A reflexão que o filme traz alimenta uma crise existencial de que para continuarmos existindo, mesmo depois de deixarmos de existir de fato, é necessário ser gravado na memória das pessoas, sejam elas familiares, amigos ou apenas pessoas em geral.
No livro “A vida invisível de Addie LaRue” (2020), a protagonista Addie troca os
rastros e memórias que provam sua existência por uma vida infinita, pensando que o tempo de uma vida apenas seria ínfimo perto de tudo o que gostaria de vivenciar. Se relacionando com toda a ideia de que, para existir você deve ser lembrado, a crise se dá justamente devido ao fato de que, ainda que tenha vivido mil vidas em uma, nenhuma pessoa jamais se lembrará de Addie. É representada, portanto, a morte em vida, uma existência que não pode ser considerada existência, já que só é real no campo individual. Desta forma, compreende-se a necessidade de existir não apenas enquanto individuo, mas como coletivo.
Conclui-se que, mudem os tempos, os séculos e as mais diversas maneiras de se externar
a respeito da significância, ou mesmo insignificância, da vida do ser humano, a produção de obras sobre esta ainda será realizada, circulada e consumida. Como Paz (1984) pondera, o pensar diz muito sobre o significado da morte para uma cultura, ao mesmo tempo que o não pensar também é relevante. Portanto, é plausível afirmar que a obsessão de tratar ou evitar o assunto da finitude existencial é recorrente e permanente entre os seres humanos. Referências bibliográficas PAZ, O. O labirinto da solidão e Post-scriptum. Trad: Eliane Zagury, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2ª edição, 1984, p. 49-64.