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Mas afinal o que é a morte?

Estima-se que em média, pelo menos 298 pessoas por dia, em Portugal, encontram-se em
processo de luto. «Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti» – poeta
John Donne. Os últimos dados relativos a 2015 do Instituto Nacional de Estatística, reve-
la-nos que em Portugal morrem, em média, 298 pessoas por dia. Considerando este facto, e
supondo que cada pessoa falecida tem pelo menos 1 pessoa da sua rede íntima de contac-
to (família ou amigos), então, talvez possa dizer-se que pelo menos 298 pessoas por dia
estão de luto. Já alguma vez pensou sobre isso? Acompanhe-me neste raciocínio, atenden-
do ao entendimento da morte como um acontecimento não meramente individual, mas de
significado e impacto familiar e social, já que, salvo raras excepções, cada indivíduo como
ser relacional e social que é, tem familiares, amigos, conhecidos, colegas de trabalho, vizin-
hos, clientes, cuja sua morte afectará e causará em alguma medida sofrimento, então talvez
se possa multiplicar este número e, das 298 pessoas por dia em luto possamos quiçá,
chegar aos milhares. Isto parece-me preocupante, e a si? Não pela questão numérica, pois
falamos de questões emocionais e a dor de uma pessoa pela perda de um ente querido é
tão imensamente dolorosa quanto a dor de milhares de pessoas na mesma situação. Mas
porque, e talvez possa concordar comigo, na sociedade em que estamos inseridos, a morte
é um acontecimento geralmente, difícil de ser enfrentado e causador de tristeza que muitas
vezes conduz a estados depressivos patológicos. Mas afinal o que é a morte? Se neste
preciso momento, o leitor se encontrar na rua ou lugar público, olhe à sua volta e imagine
que algumas destas milhares de pessoas possam estar perto de si. E talvez possa agora
estar a sentir-se complacente com a dor das suas perdas e talvez até se sinta impelido a de
alguma forma, ajudar a aliviar esse sofrimento. Este artigo pretende mostrar o outro lado da
morte, não onde ela se inicia, mas o lado daqueles que ainda ficam por cá: O luto – proces-
so natural que ocorre sempre que há uma perda significativa na vida de uma pessoa. Senti-
mentos comuns no processo de luto (Adaptado de Worden, 1991) 1. Tristeza 2. Raiva 3.
Culpa e autocensura 4. Ansiedade 5. Solidão 6. Fadiga 7. Desamparo 8. Choque 9. Anseio 10.
Emancipação 11. Alívio 12. Torpor Mas, afinal, o que é a morte? Para a classe médica e
científica a resposta é simples, corresponde à cessação das funções vitais, sendo que o
termo ‘cessação’ implica irreversibilidade de regressar à vida. Mas, para alguns filósofos ou
para os teólogos, sob teoria das mais diversas correntes, a morte pode ter muitas outras
representações, apresentando-se muitas vezes como o início de uma nova etapa. Como
dizia Fernando Pessoa «como facto a morte tem pouco interesse; morrer é só não ser visto,
a morte é a curva na estrada». Na boa verdade, a morte faz parte da vida. É uma realidade
para a qual a cultura ocidental não foi educada mas pela qual todos iremos um dia passar e
se virmos bem, é tão natural como a própria vida. Mas afinal o que é a morte? Consider-
ações culturais e antropológicas São muitas as culturas que, ao contrário da nossa (ociden-
te) encontram na morte um momento de libertação. O budismo por exemplo, compara a
vida na condição humana a uma situação de ‘sono’ ou ‘prisão’ nas trevas, motivada pela
ignorância que, desde um tempo ancestral, nos mantêm inconscientes da nossa verdadeira
natureza, encadeados num ciclo de nascimentos e mortes e o mais desejável é a libertação
desse ciclo de reencarnações. Na cultura ocidental, a forma como o Homem tece a reflexão
sobre a morte e o luto tem vindo a sofrer alterações. Durante séculos, a morte foi encarada
com naturalidade, este facto pode ser lido na fascinante investigação levada a cabo por
Philippe Ariès sobre a história da morte no Ocidente. Nas diversas fases de como a morte é
vivida no contexto familiar e social ao longo dos últimos mil anos, Ariès demonstra especial
simpatia pelo que ele denomina de morte domada onde «num quadro ideal, ao sentir a
aproximação da morte, a pessoa procurava pôr em ordem os seus assuntos materiais,
despedia-se de familiares e amigos, preparava-se espiritualmente (…)
e aguardava serenamente o fim, que acreditava não ser resumido afinal a uma passagem
ou transição». «No passado, a morte ‘domada’ instalava-se na vida dos familiares (morte em
casa, velório nocturno prolongado, flores, coroas, acompanhamento do féretro (…) e os
levava a manifestar a sua dor de forma exuberante (choro, eventual participação de carpi-
deiras)». (Osswald, 2013). Mas, para Ariés tudo mudou no séc. XX devastado por constantes
conflitos e duas guerras mundiais, o assunto passou a ser tabu. O luto é agora discreto e as
formalidades para enterrar o corpo são cumpridas o mais rápido possível, não havendo
desta forma tempo para chorar os mortos. Talvez como referiu o sociólogo inglês Geoffrey
Gorer «o excessivo apego à vida, tão característico da nossa civilização industrial, parece ter
criado um horror à ideia de morrer». Para o autor este fenómeno deve-se ao hedonismo
moderno, uma obsessão por estar sempre feliz, evitando tudo que possa causar tristeza ou
aborrecimento.

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