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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE QUÍMICA

Adma Sarah Boiba Martins

CONTRIBUIÇÕES DE MARIE CURIE PARA A


CIÊNCIA E A FORMAÇÃO CIENTÍFICA DE JOVENS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Brasília – DF
1.º/2014
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE QUÍMICA

Adma Sarah Boiba Martins

CONTRIBUIÇÕES DE MARIE CURIE PARA A


CIÊNCIA E A FORMAÇÃO CIENTÍFICA DE JOVENS

Trabalho de Conclusão de Curso em Ensino de


Química apresentado ao Instituto de Química
da Universidade de Brasília, como requisito
parcial para a obtenção do título de Licenciada
em Química.

Orientador: Roberto Ribeiro da Silva

1.º/2014
EPÍGRAFE

"Utopia...
Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez para lá.
Por mais que eu caminhe, nunca, nunca a alcançarei.
Para que serve a utopia então? Para isso, PARA CAMINHAR!"

Eduardo Galeano

iii
AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus pela força, cuidado e por me dar perseverança. Ao longo de toda minha
graduação, Ele enviou pessoas para me ajudar, me incentivar e sempre esteve ao meu lado.
Em todas as etapas de minha vida, sei que Sua mão está agindo.

A toda minha família, principalmente aos meus pais Osany e Fernando e meu irmão
Silas, por estarem sempre perto, me apoiando com bons conselhos, paciência, amor, carinho e
me dando colo nos momentos difíceis.

Ao meu esposo e companheiro Samuel pelo amor, paciência nos meus momentos de
estresse, incentivo, compreensão e apoio que me possibilitaram a conclusão deste trabalho.

Ao meu orientador professor Roberto Ribeiro da Silva, que tenho imenso respeito e
admiração, pela paciência, instruções, conselhos e correções que foram fundamentais na
conclusão do trabalho.

Ao professor Ricardo Gauche, que apesar de não ter participado diretamente deste
trabalho, mudou minha forma de pensar o processo ensino-aprendizagem com suas aulas e
através de sua coordenação no projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência) o qual tive o prazer de participar.

iv
SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................... 7
Capítulo 1 – Contribuições da História da Ciência no Ensino de Ciência ............................... 10
Capítulo 2 – A Experimentação no Ensino de Ciências ........................................................... 17
Capítulo 3 – Contribuições Científicas do Trabalho de Marie Curie ....................................... 24
Capítulo 4 – Sobre o Livro “Aulas de Marie Curie” ................................................................ 28
Metodologia .............................................................................................................................. 34
Resultados e Discussão............................................................................................................. 35
Considerações finais ................................................................................................................. 42
Referências ............................................................................................................................... 43

v
RESUMO

Por muito tempo, o ensino de Ciências tem se mostrado insatisfatório e apresentado diversos
problemas. Consequentemente, a aprendizagem destas disciplinas também tem apresentado
baixos resultados. Na tentativa de solucionar estes problemas, vários teóricos têm apresentado
propostas para tornar o ensino de Química mais eficiente. Além de acreditarmos que a
associação do conhecimento químico com a vida cotidiana facilita o ensino de Ciências,
defendemos duas estratégias para possibilitar a superação desta crise: o uso da História da
Ciência e a experimentação. No século XIX, Marie Curie já usava destas estratégias em suas
aulas quando formou uma cooperativa de ensino com outros amigos cientistas e professores,
para ensinarem Ciências para seus filhos. Neste trabalho, apresentamos, analisamos e
discutimos algumas aulas que foram descritas por uma de suas alunas no livro “Aulas de
Marie Curie” e selecionamos alguns deles para realizarmos com alguns alunos e verificarmos
se esta estratégia realmente se mostra eficiente.

Palavras-chaves: Marie Curie, História da Ciência, Experimentação.

vi
INTRODUÇÃO

O processo ensino-aprendizagem em Ciências é notavelmente insatisfatório. Vários


países também padecem deste problema. Como consequência, em uma pesquisa realizada em
2010 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) com 65 países 1, o Brasil
ficou em 53º lugar em Ciências, ficando atrás de países como Tailândia e Trinidad e Tobago.
Se a Ciência está presente no cotidiano do aluno, o que explica o baixo desempenho dos
alunos?
Para termos uma visão geral dos problemas relativos ao ensino de Ciências é
importante citar a influência de nossa colonização portuguesa por ter sido determinante na
evolução da educação escolar. Segundo Echeverria, Mello e Gauche (2010), a família patriarcal
incumbiu os Jesuítas à pregação da fé católica e ao trabalho educativo. Os Jesuítas foram
mentores da educação brasileira durante duzentos e dez anos até a expulsão providenciada por
Marquês de Pombal em 1759.
A maioria dos jesuítas eram avessos ao espírito de Reforma na Europa. A inclinação
ao dogma e o desinteresse por Ciências, produziram na colônia uma educação que se manteve
resistente ao espírito crítico de análise e à experimentação. Nas escolas jesuíticas
predominavam o processo de ensino ligado à repetição e memorização dos conteúdos
apresentados.
Esse processo de ensino que perdurou até 1759 tem influência direta em nossa
educação. Pereira (2008) indica que muitos professores apresentam a Ciência de forma
distante da realidade dos alunos, gerando um grande desinteresse nos jovens. A abordagem da
Ciência baseada meramente na transmissão de conteúdos, apresenta o conhecimento científico
como verdade inquestionável o que causa a aceitação por parte dos alunos ao invés de instigar
o espírito crítico dos mesmos.
E se os alunos não se interessam por estudar ciências, consequentemente a demanda
para os cursos de Licenciatura nesta área é baixíssima, mesmo com os altos índices de

1
Disponível em http://educarparacrescer.abril.com.br/blog/boletim-educacao/2010/12/07/desempenho-
brasil-pisa-melhora-mas-ainda-estamos-longe-de-uma-educacao-de-qualidade/
8

emprego. Esta baixa procura contribui para maiores problemas no ensino de Ciências. Mesmo
os alunos que se interessam por estes cursos se queixam de não serem bem preparados para
lidar com os problemas de sala de aula. Na formação dos licenciandos em grande parte de
instituições de ensino superior no Brasil existe uma grande barreira entre a teoria e a prática, o
que não deveria existir. Os licenciandos não são preparados para planejarem aulas com
abordagens diferentes e assim o ensino continua no modelo transmissão-recepção.
Outro fator que interfere na qualidade do ensino de Ciências é a visão de alguns
professores sobre o papel da experimentação. Para uma grande parte, o experimento tem a
função de comprovar a teoria, mas na realidade a Ciência constrói modelos para tentar
explicar o que é observado. Segundo Fourez (2003), os professores acreditam que ensinar
sobre o progresso da ciência sem falar sobre o contexto histórico, social e cultural, levará os
alunos a compreenderem somente as aplicações tecnológicas, porém os alunos precisam
compreender que existe uma forte influência da tecnologia no progresso da Ciência também.
Buscando suplantar estes problemas, uma série de pesquisas em ensino de ciências
têm sido realizadas. O uso da história da Ciência e da experimentação no processo ensino-
aprendizagem de Ciências têm sido apontadas como ferramentas que podem possibilitar a
superação destes problemas. Por isso, a principal finalidade desse trabalho é a produção de
uma aula com o uso da experimentação e história da ciência baseado no livro “Aulas de Marie
Curie” e que possibilite ao aluno compreender o verdadeiro caráter científico da ciência
instigando seu espírito crítico.
Para o desenvolvimento do trabalho o dividimos em quatro capítulos. No primeiro
capítulo nós salientamos as razões que justificam o uso da História da Ciência no ensino e
mostramos que a defesa de que a História da Ciência entre nos currículos escolares não é
recente. No capítulo de número dois falamos das vantagens do uso da experimentação nas
aulas de ensino de Ciências. Assim como o uso da História da Ciência não é defendido
recentemente, muitos teóricos também já haviam reconhecido as contribuições da
experimentação no ensino. Claro que devemos reconhecer que dependendo da forma que o
experimento é abordado, podem ser gerados muitos problemas. Devido a isso, apresentamos
algumas formas de trabalhar a experimentação que acreditamos produzir uma aprendizagem
efetiva.
No capítulo três mostramos um pouco da biografia de Marie Curie, bem como suas
contribuições à ciência. Defendemos que conhecer a biografia de eminentes cientistas nos faz
compreender que a Ciência é feita por pessoas comuns e acabamos com aquele conceito de
9

que para fazer ciência, a pessoa precisa ser um supergênio. No quarto capítulo, mostramos um
pouco das aulas de Marie Curie que estão descritas no livro “Aulas de Marie Curie” e através
delas, conseguimos conhecer a metodologia de ensino dela. Conhecemos as qualidades de
suas aulas e podemos observar que mesmo sendo no início do século passado, ela também
acreditava que o ensino de Ciências com o uso da experimentação e questões do cotidiano dos
alunos, fazia com que eles aprendessem melhor.
Depois do referencial teórico, temos a metodologia do trabalho que explica quais
foram os critérios para a escolha dos experimentos do livro para realizá-los com alguns
alunos. Na sequência apresentamos os resultados deste trabalho acompanhado de alguns
comentários. Estes experimentos realizados com os alunos, têm como objetivo nos fazer
refletir com as respostas deles para os fenômenos e analisar se os experimentos e a forma com
que Marie trabalha, realmente produz ou não uma mudança nas concepções dos alunos, ou
seja, se eles realmente aprenderam os conceitos científicos.
CAPÍTULO 1 – CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO
ENSINO DE CIÊNCIA

A História da Ciência é atualmente um instrumento que pode possibilitar melhoras no


processo educacional. Defesas sobre o uso da História da Ciência em todo o mundo existem
desde o fim do século XIX. Diversos e importantes cientistas e filósofos foram os principais
defensores. Dentre eles podemos citar Wilhelm Ostwald, que foi um notável químico e
filósofo alemão; Ernst Mach, físico e filósofo austríaco que defendia a concepção positivista;
John Dewey, filósofo e pedagogo norte-americano crítico do empirismo e James Bryant
Conant, químico e filósofo norte-americano (PEREIRA, 2008). Embora cada um defendesse
uma concepção diferente, ambos criticavam uma educação focada unicamente na transmissão
de conteúdos.
No Brasil, indicações para a inclusão da História da Ciência no currículo são antigas,
sendo já recomendada desde a Reforma Francisco Campos em 1931 (PORTO, 2010). A visão
de como empregar a história no ensino mudou bastante, mas as recomendações ao uso da
história ainda são presentes. Em nosso país, temos estes conselhos vindos de vários
documentos nacionais, como por exemplo o trecho encontrado no Parâmetro Curricular
Nacional para o Ensino Médio (BRASIL, 1999):

[...] o conhecimento químico não deve ser entendido como um conjunto de


conhecimentos isolados, prontos e acabados, mas sim uma construção da
mente humana, em contínua mudança. A História da Química, como parte
do conhecimento socialmente produzido, deve permear todo o ensino de
Química, possibilitando ao aluno a compreensão do processo de elaboração
desse conhecimento, com seus avanços, erros e conflitos. (BRASIL, Parte
III, p. 66).

Percebe-se da citação acima que existe uma preocupação em ensinar a Química como
uma Ciência construída por humanos e que seu processo de construção depende do contexto
histórico e cultural. Segundo Matthews (1995), a história da Ciência não é a chave para a crise
existente no processo educacional, mas é uma possibilidade de superação desta crise pois
possui muitas vantagens, podendo: deixar as aulas de Ciências mais confrontadoras e
11

reflexivas, favorecendo a construção do pensamento crítico; humanizar as Ciências


aproximando-as dos interesses culturais da sociedade; acabar com a visão de que a Ciência é
uma construção linear; contribuir para um entendimento mais significativo de ciências, ou
seja, superar o “decoreba” de fórmulas e equações sem que o aluno saiba o verdadeiro
significado; aprimorar a formação do professor auxiliando-o no desenvolvimento de uma
metodologia de ensino mais rica e eficiente.
Apesar das vantagens da inclusão da História da Ciência nos currículos de Ciências,
sua mera inclusão como um outro item a ser estudado não produz os resultados desejados para
melhorar o processo ensino-aprendizagem. De acordo com Bassalo (1992), há duas
metodologias para se falar sobre a história da Ciência: internalista e externalista. A história da
Ciência sob o ponto de vista internalista, relata a revolução e o progresso natural da Ciência
considerando apenas as suas dificuldades intrínsecas, enquanto que na visão externalista
(como o próprio nome diz) mostra que o crescimento da Ciência depende das estruturas
sociais, políticas, culturais e econômicas de uma sociedade. Acreditamos que o ensino de
ciências com o auxílio de história no nível básico, não é significativo se for ensinado sob o
ponto de vista internalista, pois isto interessa exclusivamente os cientistas e nem todos os
alunos possuem gosto pelo estudo em Ciências. Já quando o ensino é feito sob a perspectiva
externalista, a aula acaba se tornando mais reflexiva e gera um ensino mais significativo.

História da Ciência nos currículos em diferentes épocas

Segundo Freire Jr.(2002), após a segunda guerra mundial houve um direcionamento da


educação para a formação científica gerando um desenvolvimento não-linear no uso da
História da Ciência no ensino. De acordo com Nardi (2007), esse direcionamento à formação
científica foi reforçado no período da guerra fria, pois os soviéticos lançaram o satélite
artificial Sputnik causando uma impressão de inferioridade no desenvolvimento científico dos
Estados Unidos e seus aliados. Para não ficar atrás, em 1950, os currículos escolares foram
alterados com foco no ensino de Ciências e Matemática, deixando de lado a História e
Filosofia da Ciência. Nesta época, surgiram também vários programas que visavam gerar
recursos humanos para acelerar o desenvolvimento científico dos países capitalistas.
Como a intenção era aproximar o ensino de Ciências ao trabalho do cientista, os
projetos de ensino não contaram com a participação de filósofos e historiadores da Ciência e a
ênfase nos projetos era o uso da experimentação por um método indutivista. O trabalho de
12

Jaffe (1938) criticava os experimentos comparando os com “receitas de bolo”, pois os


experimentos não manifestavam o contexto das descobertas científicas, fazendo com que os
alunos não compreendessem que a Ciência é feita por humanos e o quão confrontante ela é.
Esse período em que houve uma grande ênfase no ensino tecnicista foi caracterizado
por Mortimer (1995) como prejudicial por gerar má influência na preparação dos materiais
didáticos. Em busca da objetividade, os livros de Química não precisavam de dados que
fossem além do trivial para o treinamento dos alunos. Eles tinham que alcançar os objetivos
determinados pelo sistema. Devido a isso, os livros possuíam inúmeras questões de múltipla
escolha e o conteúdo de Química bastante simplificado. Mortimer descreve que nos primeiros
livros didáticos brasileiros estavam presentes textos bem elaborados que iniciavam os
conceitos por meio de exemplos e havia assuntos relacionados à Filosofia da Ciência. Em
contrapartida, os livros produzidos na década de 1970 possuíam os assuntos resumidos, com
gráficos, tabelas e caixas de texto em destaque levando os alunos a memorização dos
conceitos.
Este destaque exclusivo aos conceitos químicos, revela o aspecto a-histórico dos livros
didáticos desta época e leva os alunos a crerem que a Ciência é simplesmente um aglomerado
de verdades, deixando de lado seu caráter principal que são as hipóteses, tentativas e muitas
vezes erros.
Martins (1990) afirma que a inclusão da história da ciência no ensino é principalmente
uma questão de valores. A escolha da metodologia depende da maneira que cada educador
compreende o mundo. Além da questão de valores, os que são a favor da história da ciência
nos currículos defendem intrinsecamente uma educação contextualista, ou seja, uma educação
em que o ensino seja realizado em seus diversos contextos (MATTHEWS, 1995).
A escola tem passado por muitas mudanças desde o período da guerra fria.
Atualmente, a atividade mecânica é menos importante do que na década de 1970 e hoje em
dia o trabalho criativo, em grupo e colaborativo estão sendo mais valorizados. Diante disso, o
documento que traça as Diretrizes Curriculares no Brasil passou a agregar indicações diretas
ao uso da História da Ciência no ensino. No PCN+ Ensino Médio – Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2002)
observamos que para atender as novas exigências que essas mudanças trouxeram ao Brasil,
algumas competências e habilidades precisam ser desenvolvidas nos alunos e a história da
ciência contribui decisivamente para isso:
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É fundamental que se mostre através da história, as transformações das


ideias sobre a constituição da matéria, contextualizando-as. A simples
cronologia sobre essas ideias, como é geralmente apresentada no ensino, é
insuficiente, pois pode dar uma ideia equivocada da ciência e da atividade
científica, segundo a qual a ciência se desenvolve de maneira neutra,
objetiva e sem conflitos, graças a descobertas de cientistas isoladas do
contexto social, econômico ou político da época (BRASIL, 2002, p. 96).

De acordo com Pereira (2008), os PCNEM e os PCNEM+ estão suscetíveis a muitas


críticas, mas a visão da História da Ciência encontrada em seu texto é coerente com a
Epistemologia da Ciência. Além do uso da História da Ciência, os PCNEM também orientam
que se esclareça ao aluno as relações entre ciência, tecnologia e sociedade em diversos
trechos.
Daí então, pode-se concluir que apesar de nos PCNEM não existir uma defesa clara de
qual a melhor abordagem de se empregar a História da Ciência, entendemos que
implicitamente abre-se lugar para o enfoque na perspectiva externalista. Pessoa Jr. (1996)
explica que no emprego da história externalista, o educador mostra como era e vivia a
comunidade na ocasião em que foi desenvolvida uma teoria, quais eram as urgências
tecnológicas, quais eram as dificuldades etc. A perspectiva externalista tem grande
contribuição, por levar o aluno a entender porque foi tomada determinadas decisões por
cientistas visto o contexto que o cercava.
A História da Ciência sendo ensinada na perspectiva citada, mostra ser contrária à
visão de uma história com grandes gênios (FLÔR; SOUZA, 2006). Infelizmente, este é um
atributo muito marcante nos materiais didáticos. Neles encontramos apenas o nome dos
“grandes cientistas” e seus feitos. O PCNEM se posiciona contra esta visão defendendo que se
ensine a ciência como uma construção coletiva.
Orientações a respeito da História da Ciência no ensino encontradas nos PCNEM estão
de acordo com documentos americanos referentes à reformas curriculares. Segundo Wang e
Marsh 2 (2002) citado por Pereira (2008), existem duas tendências ideológicas nestes
documentos. A primeira faz referência ao aluno enquanto pessoa fornecendo-lhe habilidades
para ampliar seus próprios interesses. Além disto, a história da ciência propicia ao estudante a
oportunidade de enriquecimento cultural. A segunda tendência diz respeito à importância do
ensino de ciência para a sociedade.

2
WANG, A. e MARSH, D. D. Science Instruction with humanistic twist: teachers’ perception and
practice in using the history of science in their classrooms. Science & Education. n. 11, p. 169-189,
2002.
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Pode se perceber que a história da ciência é bem defendida e possui muitas


recomendações no PCNEM. Cabe aos professores conhecerem e aplicarem o que é
recomendado em relação ao ensino com o uso da História da Ciência no PCNEM na busca de
um ensino mais produtivo.

Sugestões para o uso da História da Ciência

No início do capítulo foram apresentadas diversas vantagens apontadas por Matthews


(1995) em relação ao uso da História da Ciência no ensino. Neste momento, iremos detalhar
cada ponto baseado no mesmo artigo deste autor que fez uma ampla revisão referente à
relação entre a História, Filosofia da Ciência e educação apontando suas contribuições e os
argumentos contrários levantado por alguns cientistas.
1) A história pode contribuir para um entendimento mais significativo de ciências.

A História da Ciência melhora a apresentação do conhecimento científico pois provê


dados que auxiliem a justificar algumas considerações, leis e teorias. Para complementar este
enriquecimento que a História da Ciência propicia, o estudante pode compreender que os
conceitos são produtos de um processo, ou seja, eles não surgiram porque o cientista que a
formulou era um “super-gênio”. Lecionar um conceito sem explicar o contexto do processo
gera um ensino baseado em “decorebas” e este ensino não forma cidadãos críticos, mas sim
alunos “adestrados”. (Pereira, 2008)

2) A História da Ciência é motivadora.

Quando os alunos estudam importantes acontecimentos da história que envolvem


conhecimentos da ciência, eles acabam sendo impulsionados a pesquisar mais sobre o
conhecimento científico que transformou e revolucionou a comunidade de determinada época
e que interfere em sua vida por trazer maior conforto. Dentre estes eventos, podemos citar a
invenção da bússola magnética pelos chineses, da pilha elétrica pelo italiano Alessandro
Volta, a invenção da lâmpada por James Bowman Lindsay, da fotografia pelos franceses,
dentre muitos outros.
3) A história é imprescindível para se compreender a natureza da Ciência.

Os alunos não conseguem entender a maneira que a Ciência percebe o mundo. Uma
grande parte deles, e até mesmo professores, pensam que as hipóteses, leis e teorias procedem
15

de uma interpretação puramente empirista dos fatos se esquecendo que os cientistas levam em
consideração os conceitos já existentes. Desta forma, ponderam o conhecimento científico
como representação real e evidente do mundo e não que a Ciência é uma construção mental
para tentar explicar o que se é observado.
Matthews (1995) defende que mostrar controvérsias entre cientistas ao lecionar, pode
ajudar os alunos a entenderem que a Ciência trabalha com idealizações do mundo real. Para
exemplificar isto, Matthews usa a lei do isocronismo do pêndulo. O eminente construtor de
máquinas e patrono de Galileu, Del Monte, não acreditava que pêndulos feitos com diferentes
materiais teriam o mesmo período de oscilação. Como Galileu havia deduzido tal lei
matematicamente, ele defendia que ela seria satisfeita somente em condições ideais, ou seja,
desprezando a resistência do ar, considerando que não há perdas de energia etc. Del Monte
não se convenceu com as explicações de Galileu por defender que a matemática precisaria
descrever o mundo tal qual ele entendia.
4) A história contraria o cientificismo encontrado nos livros.

Atualmente, a sociedade acredita que a Ciência é a solução para todos os problemas


existentes no universo. O ensino tradicional, que expõe o conhecimento científico como
produto pronto e finalizado, intensifica esta ideologia. O processo de produção científica é
excluído das aulas e os problemas encarados pelos cientistas são omitidos.
Apoiado em Morais 3 (2002), Pereira (2008) cita que é sempre importante mostrar ao
estudante que como a Ciência é produzida por seres humanos ela é caracterizada por pontos
positivos e negativos. Chassot (1998) também defende que não podemos nos iludir que a
química só nos traz benefícios, ela pode ser também uma “vilã”. Essas duas imagens devem
existir sempre em uma aula de Ciências.
Quando o aluno conhece a natureza da Ciência eles possuem um pensamento crítico
mais aguçado. Porém, para que o aluno conheça a natureza da Ciência é necessário que os
professores superem visões alienadas através de um trabalho mais reflexivo. A História da
Ciência pode ajudar nesta superação provendo exemplos que contrariam estas visões
assumidas por professores e alunos, induzindo-os a refletirem sobre elas.
5) A história contribui para a interdisciplinaridade.

O fracionamento do conhecimento, que é algo característico do ensino atual, pode ser


superado com o auxílio da História da Ciência. Existem muitas situações em que a origem das

3
MORAIS, R. Filosofia da Ciência e da Tecnologia. Campinas: Papirus. 2002.
16

dificuldades que motivaram o desenvolvimento de certas áreas de pesquisa, originaram-se em


campos distintos do saber ou em circunstâncias do dia a dia. Temos como exemplo o estudo
das pilhas, que teve origem nos trabalhos do fisiologista Galvani a respeito da eletricidades no
corpo de animais.
Por fim, compreendemos que os documentos oficiais recomendam o uso da História
da Ciência no ensino e que estas recomendações são consequência direta das modificações
que a sociedade sofreu. A educação defendida nestes documentos reconhece a Ciência como
elemento cultural e como um saber essencial para a formação de cidadãos. O bom professor
de Ciências deve entender o quão importante é aprender, pois é essencial que ele saiba como é
constituído o conhecimento científico e quais são suas diferenças dos saberes populares.
Embora a História da Ciência seja importante no processo ensino-aprendizagem, não
podemos abandonar o campo fenomenológico dos processos químicos. Defendemos que o uso
da história da ciência se torna mais eficiente quando está relacionada com o uso de
experimentos em sala de aula. Sendo assim, abordaremos a experimentação no ensino de
ciências no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 2 – A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS

A defesa do uso da experimentação no ensino de ciências é feita por diversos autores


que acreditam que ela é uma respeitável ferramenta que auxilia na apropriação do
conhecimento por parte dos alunos (FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010). As
contribuições das atividades experimentais no ensino são admitidas por filósofos desde o
século XVIII, no entanto, somente no fim do século XIX, houve a inclusão da experimentação
nos currículos de Ciências em alguns países. Em meados do século XX, a experimentação
concretizou-se como um apoio pedagógico no ensino (SILVA; MACHADO; TUNES, 2010).
No Brasil, o destaque dado ao trabalho de laboratório no ensino de Ciências no século
XIX, foi resposta à necessidade do contexto socioeconômico de Portugal. Como este país
possuía várias colônias das quais extraía muitos produtos (tanto de origem mineral, como de
origem vegetal), era necessário um conhecimento técnico para sua obtenção (PEREIRA,
2008). Chassot (1998) analisou as recomendações enunciadas pelo Conde da Barca em 1817 e
através delas, percebeu uma proposição clara de uma abordagem utilitarista, ou seja, uma
abordagem que associava os conhecimentos práticos com a teoria. Nesta época, os professores
ensinavam os conhecimentos teóricos relacionados à exploração de minas, produção de
metais etc.
De acordo com Silva, Machado e Tunes (2010), os órgãos oficiais brasileiros
recomendaram no início do século XX que todas as instituições de ensino dispusessem de
laboratórios equipados para as aulas de Ciências. Na década de 1930, o ensino passou a
valorizar o fazer por parte do aluno. Esta valorização foi consequência do Movimento da
Escola Nova que tinha como base a proposta do educador americano John Dewey. Para ele, o
ensino deveria estar interligado ao contexto do aluno, na tentativa de conectar as experiências
do dia-a-dia com o pensamento reflexivo. Para isso, a escola deveria substituir as tradicionais
aulas conteudistas, por uma metodologia, com que as atividades experimentais ganharam
espaço. Apesar de suas qualidades, o Movimento da Escola Nova também possui defeitos. A
grande desvantagem da Escola Nova o abandono total dos conteúdos tradicionais e não exigir
nada dos alunos, aceitando apenas o que eles pensam sem intervir com o conhecimento
científico, o que torna o professor desnecessário em sala de aula.
18

Silva, Machado e Tunes (2010) relatam que a partir de 1946 tornaram a aparecer as
primeiras tentativas de mudanças no ensino de ciências brasileiro. Dentre estas tentativas,
houve a criação do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), que adaptava
materiais que vinham dos Estados Unidos e produzia novos materiais para o ensino de
ciências; Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec), que
comercializava os materiais feitos pelo Ibecc; e Programa de Expansão e Melhoria do Ensino
de Ciências (Premen) que produzia materiais didáticos voltado para o aperfeiçoamento da
formação de professores. Estes três programas duraram até o fim da década de 1970.
Outros fatos históricos bastante relevantes na experimentação foram o
desenvolvimento de grandes projetos que visavam a melhoria no ensino de Ciências nos
Estados Unidos e na Inglaterra na década de 1950, que influenciou diretamente na produção
de materiais didáticos brasileiros. O período entre a década de 60 e 70 foi marcado também
pela criação de vários centros de Ciências em determinados estados brasileiros. Nestes centros
eram realizados cursos, preparação de materiais de laboratórios, dentre outras diversas
atividades. (SILVA; MACHADO; TUNES, 2010).
Apesar de haver muitos programas nas décadas passadas que tinham como foco as
atividades experimentais, hoje em dia não existe nenhum programa institucional que tenha
como objetivo principal a experimentação no ensino. Entretanto, os programas atuais, tais
como Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à docência - PIBID e cursos para formação continuada de professores de ensino
fundamental e médio, procuram uma melhoria geral no sistema de ensino brasileiro.

O Uso da Experimentação no Ensino


Antes de se falar do uso da experimentação no ensino de Ciências é importante que se
compreenda que as teorias científicas são elaboradas para explicar acontecimentos do mundo
real. Infelizmente não é raro encontrar professores que pensam que a atividade experimental
tem a função de concretizar para os alunos os conceitos teóricos, e que por isso, a
aprendizagem seria facilitada.
Quando os alunos fazem um experimento e observam os fenômenos, surge o momento
em que o fenômeno precisa ser explicado. Para isso, geralmente tomamos como base uma
teoria. Quando usamos uma teoria para explicar um fenômeno não quer dizer que estamos
provando que esta teoria é verdadeira, mas sim testando sua capacidade de generalização.
19

Quanto maior o número de fenômenos que uma teoria consegue explicar, maior é seu grau de
generalização (SILVA; MACHADO; TUNES, 2010).
As atividades experimentais simplesmente comprobatórias e com roteiros prontos são
insuficientes para se alcançar a verdadeira relação entre o conhecimento teórico e o mundo
concreto. A transformação de uma experiência que “comprova teorias”, em uma investigativa
possui muitas dificuldades, mas a possiblidade de gerar uma aprendizagem significativa é
bem maior.
Herman 4(1999) e Volkmann e Abel 5(2003) citado por Ferreira e colaboradores (2010)
indicam algumas orientações para a reflexão do professor ao montar uma aula experimental:
a) é direcionada a partir de um problema ou uma situação-problema relevante? b) envolve os
alunos em formulação e testagem de hipótese(s) experimental(is)? c) propicia a coleta e o
registro de dados pelos próprios alunos? d) encoraja os alunos a formularem explicações a
partir das evidências? e) proporciona aos alunos compararem suas explicações com diversas
alternativas? f) propicia aos alunos oportunidade de discutir suas ideias com os colegas por
meio da mediação docente? As respostas afirmativas caracterizam uma abordagem com
característica investigativa. Para melhor compreensão dos argumentos apontados pelos
autores, discutiremos cada um:
a) Quando o experimento é direcionado por um problema, os alunos são motivados a
participar da aula e a partir daí o professor consegue identificar as concepções prévias dos
estudantes e ensinar conforme seus conhecimentos. De acordo com Guimarães (2009), “a
aprendizagem significativa ocorre quando uma nova informação ancora-se a conceitos
relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz.” Ao trabalhar com problemas do
cotidiano do aluno, a aprendizagem será maior porque não são problemas propostos pelo livro
que serão trabalhados em sala de aula, mas sim a realidade do ator do aprender.
b) Quando os alunos formulam e testam hipóteses experimentais consequentemente
ocorre o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Assim como foi dito na questão (a), no
momento em que os alunos formulam suas hipóteses, o professor consegue identificar as
concepções prévias e as levam em consideração ao introduzir a interpretação microscópica.
c) A coleta e o registro de dados pelos próprios alunos é importante para análise
posterior. Após uma sistematização dos dados em gráficos ou tabelas, pode ser realizado uma

4
HERMAN, C. Inserting an investigative dimension into laboratory courses. Journal of Chemical
Education, 75 (1), 70-71, 1999.
5
VOLKMANN, M. J. e ABEL, S. K. Rethinking laboratories. The Science Teacher, September, p. 38-
41, 2003.
20

discussão em torno dos mesmos, e os próprios alunos observarão se eles são pertinentes ou
não para responder à questão proposta no início do experimento. Nesta etapa, os alunos
desenvolvem a linguagem científica, logo a necessidade de intervenção do professor é
fundamental para que se estabeleça a relação teoria-experimento.
d) É importante que o experimento não tenha uma resposta pronta para fazer com que
os alunos formulem suas hipóteses, mas não é bom trabalhar com experimentos muito difíceis
que não se possa resolvê-los, pois assim, os alunos não serão encorajados a formularem
explicações a partir das evidências.
e) Quando o experimento motiva e proporciona ao aluno à comparação de sua
explicação com outras alternativas, ele aprenderá muito mais por ter que pesquisar bastante.
f) Quando o experimento oportuniza a discussão entre os colegas em sala, ele é
extremamente rico, pois neste momento eles defendem suas hipóteses e ao fim, eles precisam
chegar a um acordo para responderem o problema inicial proposto no experimento. Este
momento favorece também a formação do senso crítico do estudante.
Para o uso da experimentação no ensino, é necessário que o professor compreenda que
as atividades experimentais não são simplesmente aquelas realizadas no laboratório da escola
ou em sala de aula, mas abrangem também as atividades realizadas pelos alunos na horta da
escola, na cantina, no jardim, na sala de informática, e além dos espaços da escola, as
atividades feitas em praças, parques, museus, comércios etc. Visitas à indústrias, estações de
tratamento de água e esgoto, dentre outros, também podem se inserir nestas atividades. O
interessante de se planejar uma atividade experimental que não seja na escola, é que ao
realizar uma aula em espaços que fazem parte do dia-a-dia do aluno torna a aprendizagem
mais significativa e, consequentemente a aula terá a inclusão de interdisciplinaridade e
contextualização (SILVA; MACHADO; TUNES, 2010).
Vale ressaltar que embora não exista um programa focado exclusivamente na
experimentação do ensino, em todos os documentos oficiais atuais (Orientações Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio - OCNEM, Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio - PCNEM e Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN +) existem a recomendação do uso da experimentação. Tomando como base
estas recomendações e alguns eixos norteadores, Silva, Machado e Tunes (2010) apresentam
sugestões de atividades experimentais:
1) Atividades Demonstrativas-Investigativas
21

As atividades demonstrativas-investigativas são aquelas em que o professor realiza


experimentos durante a aula e a partir dele, introduz os conceitos científicos que se
relacionem com os fenômenos observados. As vantagens desta atividade é a minimização da
dissociação teoria e prática e a economia de tempo.
O professor deve tomar cuidado para não tornar o experimento uma prova de que a
teoria funciona. Pelo contrário, ele deve conduzir o experimento instigando a curiosidade e
participação dos alunos, com perguntas que gerem conflitos cognitivos em sala de aula e
valorizando a contribuição das hipóteses de cada aluno. Desta forma, ele conseguirá levantar
as concepções prévias dos alunos e considerá-las ao explicar os conceitos teóricos.
Machado e Mól (2010), alertam para que o professor se atente à segurança dos alunos
e que optem por experimentos que não geram resíduos. Quando não for possível evitar os
resíduos, que estes possam ser reaproveitados, descartados na pia ou no lixo comum,
observando a legislação vigente.
Como já foi dito, a forma mais eficiente de se começar um experimento
demonstrativo-investigativo é com uma pergunta que estimule a curiosidade do aluno. Após a
observação macroscópica e os alunos formularem suas hipóteses, o professor pode dialogar
com a turma lançando perguntas desafiadoras que os ajudará no exercício de argumentar, e
esse diálogo contribuirá na reformulação de suas ideias prévias. Feito isso, é hora de se
introduzir a expressão representacional que sintetizará o que foi estudado. Para concluir, o
professor leva um texto com a inclusão interface ciência-tecnologia-sociedade (CTS)
relacionado à prática experimental. As atividades demonstrativas-investigativas mostram que
mesmo que a escola não possua laboratório, é possível valorizar a relação teoria-experimento
nas aulas de Ciências.
2) Experiências Investigativas

Ao contrário das experiências investigativas-demonstrativas, para realizar as


atividades investigativas, a escola necessita de um laboratório. Nesta atividade, os alunos
buscam a solução de uma questão por meio de uma ou mais experiências. O experimento
começa com uma pergunta que desafie os estudantes e em seguida, o professor solicita que
eles proponham hipóteses para resolver o problema. Feito isso, o professor discute as
hipóteses, e as que são possíveis de serem testadas no laboratório, os alunos as realizam.
Assim como na demonstrativa-investigativa, nestas experiências, o professor deve
estimular a reformulação de ideias muito contraditórias ao que é aceito pelo conhecimento
teórico através do diálogo. Logo após, os alunos experimentam o que foi planejado, sempre
22

sob a supervisão e orientação do professor, e anotam os dados para analisá-los. Ao analisar os


dados coletados, o professor pode levantar uma discussão e conduzi-los à resposta do
problema inicial através de muitos questionamentos.
3) Simulações em Computadores

Quando as experiências apresentam alta periculosidade, gastam muito tempo e


possuem reagentes e materiais caros, não é aconselhável que se realize no laboratório,
todavia, pode-se usar como alternativa a simulação destes experimentos em computadores.
Existem diversos sites e softwares gratuitos que trazem esses benefícios aos professores. Para
se obter bons resultados na aprendizagem, é recomendado que se trabalhe com uma
perspectiva investigativa.
4) Exibição de Vídeos e Filmes

Uma outra forma de se ensinar processos que ocorrem em uma realidade distante dos
alunos é a exibição de vídeos e filmes. Essa abordagem é muito rica por possuir a
oportunidade de contextualizar e trabalhar com a interdisciplinaridade. Outra vantagem da
exibição de filmes e vídeos é a possibilidade de se acompanhar e assistir passo a passo de um
longo processo, como por exemplo aos relacionados ao meio ambiente. Além disso, a
aprendizagem pode ser ainda maior pois além de ouvir o que o professor fala, ele utiliza mais
um de seus sentidos: a visão.
É importante o professor saber que a exibição do vídeo não gerará uma aprendizagem
significativa se ele o exibir sem nenhum planejamento ou simplesmente por diversão. Ele
precisa propor questões antes do vídeo, planejar interrupções em alguns momentos para
comentar algo, destacar os pontos principais e promover um debate ao fim para responder as
questões propostas antes do filme.
5) Visitas planejadas

As visitas planejadas a empresas, indústrias, comércios, museus etc. são extremamente


ricas quando tem suas atividades relacionadas aos conceitos ensinados em sala de aula. No
entanto, assim como foi salientado na exibição de filmes, estas visitas não podem se tornar um
mero passeio, o professor deve planejar e orientar as atividades dos alunos durante a visita.
Para isso, é necessário que o professor conheça o local a ser visitado para elaborar um
questionário que orientará os alunos a observarem alguns pontos importantes. Quando a turma
é dividida em grupos, o acompanhamento dos processos e as observações feitas pelos alunos,
23

serão mais eficientes. Ao voltar para a escola, o professor levantará um debate acerca da visita
e retomará ao questionário proposto por ele.

Dificuldades na Inclusão da Experimentação no Ensino

Hodson 6 citado por Pereira (2008) afirma que apesar de as atividades experimentais
tomarem muito tempo no laboratório, pouco tempo é dedicado realmente para a compreensão
do objetivo que o professor havia planejado. É frustrante perceber que os alunos não se
atentam a tarefas de reflexão anteriores ao experimento, e com isso a atividade desenvolvida
perde muito do seu valor pedagógico pois os estudantes não entendem o que fazem e nem os
objetivos do experimento (PEREIRA, 2008).
Esta é uma das muitas dificuldades encontradas pelos professores, no entanto, não
podemos desanimar visto tamanhos benefícios que a experimentação traz ao ensino de
Química. Compreendemos que apesar das dificuldades que o professor enfrentará quando
propor uma atividade experimental, os resultados de aprendizagem sobressairão a esses
obstáculos, pois neste capítulo vimos as muitas contribuições que as experiências em uma
perspectiva investigativa trazem aos alunos.
Após relatar algumas vantagens da inclusão da História da Ciência e da
Experimentação no ensino, conheceremos sobre a vida de uma eminente cientista do século
XX: Marie Curie. Apesar de muitos não saberem, ela ensinou ciências a um grupo de crianças
em 1907 e uma das estratégias mais usadas em suas aulas era a experimentação. Antes de
conhecermos um pouco de suas contribuições ao ensino, veremos primeiro um pouco de sua
biografia e seus marcos na ciência.

6
HODSON, D. Hacia um trabalho más crítico del trabalho de laboratório. Enseñanza de las ciências.
v. 12, n. 3, p. 299-313, 1994.
CAPÍTULO 3 – CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS DO TRABALHO DE
MARIE CURIE

Marie Sklodowska Curie (1867-1934) é uma importante cientista da história, por ter
sido uma excelente pesquisadora em um período que as universidades possuíam em sua
maioria homens.
Marie nasceu em Varsóvia na Polônia. Seus pais eram intelectuais não muito
apreciados pelo comando russo. Seu pai, Wladyslaw, era professor de física e matemática em
uma escola secundária e sua mãe, Bronislawa, era dona de uma pensão privada para mulheres.
Alguns anos depois do nascimento de Marie, sua mãe teve que abandonar a vida profissional
por estar muito doente. Em 1876, a primogênita da família faleceu e a mãe de Marie faleceu
dois anos depois (WEILL, 2007).
Após a morte de sua mãe, Marie e sua família se mudaram várias vezes devido o pai
dela ser impedido de ter posições lucrativas no magistério por questões políticas. Para
resolver este problema, o professor Sklodowski começou a receber pensionistas em sua casa.
Neste período, Marie teve que ceder seu quarto, dormir na sala e ajudar na limpeza e
arrumação da pensão. Em 1883, ela teve problemas de saúde e passou um ano morando com
seu tio no campo.
Ao retornar para sua casa, Marie começou a dar aulas para ganhar dinheiro. Era adepta
aos movimentos clandestinos que apoiavam o positivismo polonês, gostava de ler poemas
originais de franceses, alemães e poloneses e ela até tentou escrever poesias.
Para ajudar sua irmã a estudar em Paris, em 1886, ela se tornou governanta em uma
cidade próxima a Varsóvia. Enternecida com a pobreza e miséria das crianças camponesas,
Marie dava aulas para eles após seu horário de trabalho. Neste período, ela aproveitou para ler
muito livros científicos da biblioteca da casa.
Três anos depois, ela volta a Varsóvia e continua o trabalho como governanta em outra
casa. Em suas horas vagas, ela dividia seu tempo entre a família, a universidade “volante” e a
química. Seu primo Boguski, que tinha sido assistente de Mendeleev e era diretor de um
laboratório, a confiou a Napoleon Milcer, que tinha estudado com Bunsen.
25

Depois de formada, sua irmã se tornou uma médica e continuou morando em Paris,
pois se casou com um parisiense. Bronia e seu esposo convidaram Marie para que ela fosse
morar com eles. Inicialmente, ela recusou, mas depois decidiu partir para Paris. Chegando lá,
Marie preferiu morar sozinha. Logo recebeu uma bolsa e passou na licence em física e
matemática. Devido seu talento e dedicação, Gabriel Lippmann franqueou o seu laboratório a
ela (WEILL, 2007).
Em 1894, Marie conheceu Pierre Curie na casa de um físico polonês chamado
Kowalski. Pierre foi seu orientador na primeira dissertação de seu trabalho experimental
“Sobre as propriedades magnéticas dos aços temperados” que Le Chatelier havia pedido que
ela escrevesse. Após a apresentação da tese de Pierre, em 1895, eles se casaram. Tiveram duas
filhas: Irène, nascida em 1987, e Eve, nascida em 1904
Marie ficou em primeiro lugar na agrégation em física para mulheres no ano de 1896.
Na busca de uma tese e surpresa pelas descobertas de Röntgen e Becquerel, Marie considerou
investigar outras substâncias que exibiam as mesmas propriedades do urânio. Para verificar se
existiam outras substâncias que emitiam radiação, Marie usou um aparelho que Pierre e seu
irmão tinham construído para medir correntes fracas.
Os primeiros resultados surgiram em 1898. Marie concluiu que o Tório era
“radioativo” (este termo foi designado por Marie Curie). Em seus dados, ela observou
também que dois minérios de urânio eram mais radioativos do que o urânio isolado.
Analisando isso, Marie acreditava que neste minério poderia conter um elemento mais ativo
do que o urânio.
Com o andamento da pesquisa de Marie, Pierre decidiu abandonar sua própria
pesquisa temporariamente. O minério de urânio que era mais ativo do que o urânio isolado,
pechblenda, era de três a quatro vezes mais radioativa do que o urânio. Após tratamento
apropriado, o produto obtido era um metal ainda não conhecido, semelhante ao bismuto. Eles
nomearam este metal de Polônio devido à terra natal de Marie.
Pouco tempo depois de descobrirem o Polônio, o casal Curie anunciou que haviam
encontrado outra substância radioativa totalmente diferente de Polônio, essa substância tinha
propriedades semelhantes às de Bário. Eles nomearam esse novo metal de Rádio devido sua
intensa radiação (WEILL, 2007)
Depois disto, a pesquisa se diversificou. Pierre começou a estudar as radiações e Marie
tentou isolar o Polônio e determinar a massa atômica do Rádio. Em 1902, Marie conseguiu
isolar um decigrama de Rádio puro e, com bastante dificuldade, determinou sua massa
26

atômica. Devido a isso, ela ganhou a medalha Berthelot da Academia de Ciências e o prêmio
Gegner, pela terceira vez.
Devido as dificuldades financeiras, Marie antes de defender sua tese, aceitou ser
professora de física na École Normale Supériure. Ela foi a primeira mulher a lecionar nesta
escola, e suas aulas costumavam agradar os alunos.
O reconhecimento internacional do trabalho do casal Curie veio em 1903. Em 5 de
novembro, eles ganharam da Royal Society a medalha Humphry Davy. Em 12 de dezembro,
lhes foi outorgado o prêmio Nobel de Física juntamente com Becquerel, pela descoberta da
radioatividade. Muitas outras honrarias foram concedidas ao casal, dentre elas a medalha
Elliott Cresson.
Em 1904, um mês antes de sua filha caçula nascer, Marie foi nomeada assistente de
Pierre na Faculdade de Ciências, onde ela já trabalhava há bastante tempo sem remuneração.
Em 1906, Pierre morre e Marie apesar do luto continuou se dedicando às filhas e ao trabalho.
O Ministério da Educação Pública pensou em oferecer-lhe uma pensão, como fizeram com a
viúva de Pasteur, mas ela recusou, pois afirmava que se ainda podia trabalhar, não havia
motivos para se privar disto. Maravilhados com esta atitude, o conselho da Faculdade de
Ciências decidiu manter a cátedra de Física criada por Pierre em 1904 e concedê-la a Marie.
Ela foi a primeira mulher a ensinar na Sorbonne. (WEILL, 2007)
Em 1911, o prêmio Nobel de Química foi concedido à Marie Curie pelo
descobrimento dos elementos Rádio e Polônio. Esta foi a primeira vez que o mesmo cientista
recebeu o prêmio duas vezes. A maior parte do dinheiro do prêmio foi para a pesquisa e seus
amigos. Em 1913, Marie inaugurou o pavilhão de Radioatividade em Varsóvia. Em 1914, ela
se tornou membro do Conselho do Instituto do Rádio.
A filha mais velha de Marie, Irène, se tornou sua primeira assistente experimental.
Juntas, elas criaram cursos em Radiologia para enfermeiros e ensinou aos médicos os novos
métodos de encontrar objetos desconhecidos no corpo humano. Algum tempo depois, ela
escreveu “A radiologia e a guerra” a partir de suas anotações no período da Primeira Guerra
Mundial.
A saúde de Marie Curie se deteriorava a cada dia que se passava. Ela se irritava
quando os médicos pediam que ela se afastasse do trabalho. Quando houve a comemoração
dos 25 anos de descoberta do Rádio, ela estava fazendo algumas cirurgias de catarata. Em
1932, algumas feridas e lesões apareceram em seus dedos, devido o manuseio de Rádio e
27

outros muitos elementos radioativos. Em 1934, Marie foi pra uma casa de saúde e depois foi
levada para um sanatório. Neste mesmo ano ela faleceu em Paris (WEILL, 2007)
Após conhecermos as contribuições de Marie Curie para a Ciência, detalharemos um
pouco de sua vida docente no próximo capítulo, baseada em notas de aula de uma de suas
alunas da cooperativa. Marie traz uma proposta de ensino que acreditamos ser muito eficiente
como veremos a seguir.
CAPÍTULO 4 – SOBRE O LIVRO “AULAS DE MARIE CURIE”

Nesse capítulo relataremos sobre o livro “Aulas de Marie Curie” que foi traduzido por
Waldyr Muniz Oliva pela editora EDUSP. Nesta obra encontramos as anotações de algumas
aulas de física entre janeiro e novembro de 1907 por uma aluna de Marie Curie: Isabelle
Chavannes. Neste ano, Marie Curie destinou-se a ensinar física elementar a um grupo de
crianças com faixa etária de sete a treze anos de idade em seu laboratório na Sorbonne em
Paris.
Após encontrar por acaso as anotações de sua tia-avó, Rémi Langevin resolveu
publicá-las na França. Ao lermos a obra, percebemos o seu grande valor histórico e nos
encantamos com a forma com que Marie Curie ensinava Física às crianças. Antes de
detalharmos a obra, falaremos um pouco sobre a vida de Marie Curie como educadora.

Sobre a “Cooperativa”

Marie Curie e alguns colegas (tais como Paul Langevin e Jean Perrin) se reuniram e
decidiram dar aulas sobre as principais matérias para proporcionarem um ensino de qualidade
para seus filhos. Esse grupo foi chamado de cooperativa. Estas aulas eram realizadas nos
laboratórios ou nos ambientes de trabalho de cada um. A experiência durou apenas dois anos
(1907-1908), pois Marie e seus colegas estavam assoberbados de trabalho.
Para o ensino de Ciências, eles se esforçaram em basear a aprendizagem através da
realização de experimentos pelos próprios alunos. Por essa e outras qualidades, a cooperativa
foi muito importante para a formação das crianças que participaram. Irène-Joliot Curie, filha
de Marie Curie e ganhadora do Prêmio Nobel de 1935, sempre destacava o papel da
cooperativa no despertar de sua vocação científica. Ève Labouisse-Curie também falou sobre
a cooperativa quando escreveu a biografia de sua mãe em 1937.

Predicados das Aulas de Marie Curie


29

O livro com as anotações de Isabelle Chavannes nos proporciona o prazer de conhecer


um pouco mais da personalidade de Marie Curie. Ela tornou a prática experimental em
ciências compreensível para meninos de 7 a 13 anos de idade, pois os experimentos que ela
realizava, fazia parte do cotidiano, eram de fácil realização e riquíssimo em conhecimentos.
No trabalho de Derossi e Reis (2012), elas citam uma parte do livro 7 da filha de Marie
Curie no qual ela apresenta o trecho de uma carta que sua mãe escreveu à prima Henriette
contando o regozijo de ter um maior número de alunos:

O número dos meus alunos camponeses já sobe a dezoito. Naturalmente que


não comparecem todos diariamente, mas mesmo assim, absorvem-me duas
horas por dia. Quartas e sábados retenho-os mais tempo – até cinco horas
seguidas. Isto me é possível porque meu quarto fica no primeiro andar e há
uma entrada autônoma para a escadaria do pátio – e assim, como esse
trabalho não atrapalha as minhas obrigações, tudo se arruma. Grandes
alegrias e consolações recebo destes meninos. (Marie Curie. apud Curie¹,
1938)

Através deste trecho podemos perceber o quanto ela gostava de lecionar. Talvez o
fator de ela se dedicar ao ensino, seja porque ela teve que estudar sozinha para entrar na
universidade e sentia dificuldades por não ter laboratório para trabalhar. Quinn 8 citado por
Derossi e Reis (2012) mostra em seu livro um trecho de uma carta em que Curie escreve ao
seu irmão queixando-se de estudar somente pelo livro: “Estou aprendendo Química em um
livro. Você pode imaginar quão pouco tiro disso, mas que posso fazer se não tenho lugar para
fazer experiências nem trabalho prático?”
Precedentemente às aulas na cooperativa, Marie teve outros trabalhos como
educadora. Antes de entrar na universidade ela foi preceptora no interior da Polônia. Em
1900, foi a primeira mulher a participar do corpo docente da escola de Sèvres, escola pública
secundária para meninas. Ao iniciar sua carreira docente, observa-se que ela considerava
extremamente importante a experimentação no ensino. Pela anotação de uma aluna da escola
de Sèvres percebemos o quanto a visão de ciências das alunas mudaram através das aulas
experimentais de Marie:
Até chegarmos a Sèvres pensava que a física fosse inteiramente aprendida
nos livros, onde encontrávamos fotos dos aparelhos usados para estabelecer
a lei que estudávamos. (FEYTIS, Eugénie apud QUINN², 1997, p. 234)

7
CURIE, Ève Denise. Madame Curie. Tradução de Monteiro Lobato. 1ª edição. 1938. 337 p.
8
QUINN, Susan. Marie Curie: uma vida. Tradução de Sonia Coutinho. São Paulo: Ed. Scipione
Cultural, 1997. 526 p. Título original: Marie Curie: a life.
30

Além de realizar aulas experimentais com frequência, Marie produzia o próprio


material usado e levou suas alunas para o laboratório onde ela e seu marido trabalhavam.
Nesta visita ao laboratório, Pierre realizou uma série de demonstrações para as meninas e elas
ficaram encantadas. (DEROSSI; REIS, 2012)
Avançando para as aulas na cooperativa, segundo as anotações de sua aluna Isabelle,
verificamos quão rica era a forma que Marie conduzia a aula. Ao iniciar a aula, ela sempre
introduz uma pergunta que desperte a curiosidade dos alunos. Em seguida, eles procuram as
respostas através da experimentação, da observação e reflexão. De forma dialógica e
divertida, ela sempre os conduzem a raciocinarem e formularem hipóteses.
Na página 54 do livro de Chavannes(2007), ela realiza um simples experimento sobre
vasos comunicantes que possibilita o aluno entender como a água chega às torneiras de nossas
casas. Marie colocou um pouco de pó florescente em água e junto com os alunos, colocou esta
solução em vasos comunicantes de formatos diferentes. Feito isto, “Marie abaixa bastante o
tubo estreito e a água, que quer atingir o mesmo nível tanto no tubo estreito quanto no
afunilado, escapa pela ponta do tubo estreito formando um belo jato de água verde.” (p. 54).
Ao findar o experimento, Marie explica aos alunos que a água sai pelas nossas torneiras, pois
o cano se comunica com uma caixa d’água colocada muito no alto, logo os alunos
compreendem que o cano e a caixa d’água são vasos comunicantes.
Embora esta aula tenha sido contextualizada, ela não a introduz com uma pergunta
assim como a primeira aula do livro. Nesta aula, ela mostra uma garrafa para as crianças, diz
que ela parece vazia e questiona: O que há lá dentro? Após a resposta uníssona dos alunos
serem “Ar”, ela os confronta novamente perguntando: Como vocês podem saber que há
alguma coisa dentro? Após o silêncio, ela propõe à turma: “Vamos tentar fazer entrar alguma
coisa, água, por exemplo.”
Eles fecham a garrafa e a mergulham na água com o gargalo para cima. Um aluno a
abriu e enquanto a água entra na garrafa, saem algumas bolhas. Os alunos verificam então que
realmente há ar dentro da garrafa e explicam que o ar sai da garrafa porque ele é mais “leve”
que a água. Em seguida, Marie propõe que eles coloquem a garrafa tampada com o gargalo
para baixo e destampe-a novamente. Os alunos verificam que a água sobre somente um pouco
e o ar que fica no fundo do recipiente não pode sair porque ficou preso.
Após estes experimentos, Marie pega uma garrafa com mercúrio, coloca com o
gargalo para cima dentro da água e pede para que os alunos observem o que vai acontecer e
pergunta: “O que vai acontecer se eu tirar a tampa?”. Alguns alunos arriscam que o mercúrio
31

irá para o fundo do recipiente. Ao destampar a garrafa, rapidamente o líquido desceu para o
fundo da garrafa. Após pedir explicações, os alunos respondem que o mercúrio é mais pesado
do que a água. Marie explica que é quase isso e os questiona: “Uma pequena gota de mercúrio
é mais pesada do que uma garrafa cheia de água?” Convictos, os alunos dizem que não. Curie
continua “Mas e se enchermos uma garrafa com água e outra com mercúrio, qual será a mais
pesada?” Os alunos respondem: A que está com mercúrio’’.
Após esta conversa, Curie explica aos alunos que o correto é dizer que um líquido pesa
mais que o outro sob o mesmo volume. Ela fecha com o conceito científico de densidade
explicando: “Ao invés de dizermos uma longa frase, dizemos: o mercúrio é mais denso do que
a água”. Para que os alunos não desenvolvam a concepção de que densidade só é aplicada
para líquidos, ela destaca que apesar de no experimento ter sido usado dois líquidos, esta não
era uma condição única e conduzem os meninos a realizarem experimentos com a madeira e o
chumbo.
Através destas aulas, compreendemos que com experimentos simples e com diálogo, a
aula foi extremamente rica de conhecimentos, pois ela sempre faz questão que os alunos
falem o que pensam para trabalhar a partir daí. Marie se preocupa em desenvolver atividades
que não sejam isoladas do cotidiano. Apesar de trabalhar de uma forma bem lúdica e deixar os
alunos se expressarem, ela sempre apresenta ao fim da aula a linguagem cientifica.
Em uma entrevista encontrada no trabalho de Derossi e Reis (2012), percebemos a
visão que Marie tinha da Ciência. Ao ser entrevistada, Marie demonstra preocupação com o
desenvolvimento científico quando cita que a América tinha 50g de rádio em todo o
continente, enquanto que a França possuía apenas um grama e esta pequena quantidade foi
doada pelo casal Curie quando abriram mão do direito de patente. Na época, um grama deste
elemento custava cem mil dólares.
Quando a entrevistadora questionou o quanto Marie possuía de rádio, ela responde
“Eu nada possuo, esse grama pertence ao instituto.” Prosseguindo com a entrevista, ela
pergunta a Marie sobre a patente de sua descoberta. Um pouco aborrecida, ela responde: “O
radium não deve enriquecer ninguém. É um elemento, portanto, pertence ao mundo.” Por este
trecho da entrevista, percebemos o quanto Marie abandonava seus interesses próprios em
nome do avanço científico e tudo isso contribui na sua maneira de lecionar.
É muito importante salientar que embora as aulas de Marie fossem muito produtivas,
ela não possuía nenhum conhecimento pedagógico. À luz dos teóricos citados no capítulo 2,
percebemos que ela segue as orientações que acreditamos ser mais produtivas atualmente.
32

Ao observar as sugestões de atividades experimentais propostas por Silva, Machado e


Tunes (2010), verificamos que de cinco sugestões apresentadas, ela realizou três delas:
experiência investigativa-demonstrativa, experiência investigativa e visitas planejadas
(quando levou suas alunas ao laboratório em que ela e Pierre trabalhava). As outras duas
sugestões, que são a exibição de filmes e o uso de simuladores em computador, não seriam
possíveis de se realizar naquela época por não existir computadores.
No prefácio do livro com as anotações de Isabelle, temos a comparação feita por Yves
Quéré das aulas de Marie Curie com as orientações do site “Mão na Massa” que auxilia
professores a colocar em prática um ensino de ciências de qualidade na escola. Segundo ele:
Para quem mergulhou [...] na aventura apaixonante do mão na Massa, como
não encontrar aqui notáveis paralelos e intuições antecipadoras? E como não
reconhecer que tudo está aqui já em movimento: a acumulação dos pontos de
interrogação que são os pontos de partida de toda ciência; a importância da
experiência realizada pelas próprias crianças; a dialética que se estabelece
então entre a experimentação e a reflexão, entre as mãos e o cérebro, entre a
realidade e a imagem que dela fazemos, dialética que fundamenta toda
pesquisa [...] e que as crianças realizam com tanto envolvimento pessoal [...]
(QUÉRÉ, Y, apud CHAVANNES, 2007, p. 14-15)

Comparando as aulas de Marie com as orientações que Ferreira, Hartwig e Oliveira


(2010) citam para a reflexão do trabalho docente no capítulo 2, percebemos que:

a) as aulas dela são direcionadas a partir de uma situação problema. Como exemplo, temos na
página 107 Marie questionando seus alunos porque que o barco que é tão grande consegue
flutuar. Em seguida ela pergunta: “Qual é a condição para que um corpo possa flutuar?” Na
sequência, ela diz: “Vamos procurá-la.”
b) Ela sempre envolve os alunos na formulação e testagem de hipóteses como já foi
apresentado ao longo do capítulo. É importante notar que ao longo de todo o livro
encontramos muito as palavras no plural como “vamos”, “tentemos”, “vejamos” etc,
mostrando que Marie valorizava a participação dos alunos nas aulas.
c) Ela propicia a coleta e registro de dados pelos próprios alunos. Como exemplo, temos na
página 100, Marie os orientando a resumir em um quadro o que foi feito. Nesta tabela,
encontramos a relação dos valores da densidade, da massa e do volume de quatro materiais
diferentes.
d) Após observarem os fenômenos, Marie questiona os alunos encorajando-os a formularem
suas próprias explicações. Em diversos trechos do livro, encontramos esta abordagem.
33

Durante toda a vida de Marie Curie, percebemos o quanto ela se dedicou ao


desenvolvimento da Ciência e como se preocupou em compartilhar esse conhecimento com os
seus alunos. É notável que ela não lecionava com o intuito de simplesmente transmitir
conteúdos, mas que ela se importava que a aprendizagem fosse sólida através da
contextualização e experimentação. Vemos em Marie uma metodologia de ensino formidável
na qual muitos professores de Ciências precisam se espelhar.
34

METODOLOGIA

Para verificar na prática como os alunos respondem à forma de Marie Curie ensinar
Ciências, selecionamos quatro experimentos do livro “Aulas de Maria Curie” e os realizamos
com cinco alunos do 2º ano do Ensino Médio de 15 e 16 anos. Os experimentos escolhidos
foram três que versavam o conceito de densidade e um sobre pressão atmosférica.
Estes experimentos foram selecionados por se tratarem de conceitos simples, mas que
temos observado que os alunos possuem grandes dificuldades quando é preciso aplicá-los
para explicar situações do cotidiano. Além disso, avaliamos também a facilidade de
realização, de obtenção dos materiais e a toxicidade dos experimentos, pois Marie Curie fazia
alguns experimentos com reagentes tóxicos e instrumentos perigosos. Os alunos que foram
convidados a participarem destas experiências foram escolhidos por fazerem parte do Clube
de Ciências da escola em que estudam localizada em São Sebastião-DF.
Este colégio possui, dentre outros projetos, a utilização do PD – parte diversificada –
para a atividade de Clube de Ciências, com fins investigativos. No Clube de Ciências,
pequenos grupos de alunos identificam um problema de seu interesse, formulam hipóteses,
pesquisam, selecionam procedimentos e concluem com soluções. Os alunos que participam
das atividades realizadas no PD da escola não ganham nota em nenhuma disciplina, logo
todos os que fazem parte do Clube de Ciências tem um interesse maior em ciências. Por este
motivo, os cinco alunos participantes do clube foram convidados para contribuir com este
trabalho.
A realização dos experimentos foi feita de forma semelhante com a maneira de Marie
Curie ensinar ciências como foi descrito no livro “Aulas de Marie Curie”, ou seja, de forma
investigativa e mostrando aplicações no dia a dia dos alunos. Durante os experimentos, foi
utilizado um gravador de voz para que fosse possível registrar com detalhes neste trabalho as
respostas ao problema inicial dos alunos. Todos os estudantes participantes deste trabalho
autorizaram previamente a gravação de voz.
Nos diálogos apresentados em Resultados e Discussão, o professor será representado
pela letra P e os alunos participantes por A1, A2, A3, A4 e A5.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Experimento 1

O professor mostrando uma garrafa vazia aos alunos os questiona:


P: O que há dentro desta garrafa?
A1: Ar.
A2, A3, A4, A5: É... ar.
P: Como vocês podem me provar que tem ar dentro da garrafa?
A1: Como tem ar aqui no ambiente para respirarmos e a garrafa está aberta,
consequentemente existe ar na garrafa.
Depois disto, o professor mergulhou a garrafa fechada com o gargalo para cima em uma
vasilha com água e perguntou aos alunos:
P: O que vai acontecer se eu abrir a garrafa dentro da água?
Todos: A água entra na garrafa.
P: Vamos ver.
Feito o experimento, os meninos confirmaram que a água entrava e que saía bolhas de ar da
garrafa.
P: Por que isto acontece?
A2: Porque dois corpos não ocupam o mesmo espaço.
A3: Acho que o oxigênio sai e se separa da água.
A1: Acho que não tem ar na água e por isso o ar tem que sair de algum jeito para a água
entrar.
O professor continuou os questionando, mas eles já não tinham mais argumentos para tentar
explicar, até que A3 responde:
A3: A água é mais densa que o ar e por isso o ar sai da garrafa para que a água entre.
P: Muito bem! Agora eu vou mergulhar a garrafa fechada com o gargalo para baixo na vasilha
com água. O que vai acontecer quando eu destampar a garrafa?
A2: Neste caso não vai entrar água dentro da garrafa.
A1, A3, A4, A5: É verdade.
A3: A água tá impedindo que o ar saia de dentro da garrafa.
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P: Isso mesmo. Como não tem por onde o ar sair, ele fica preso dentro da garrafa. Um
exemplo disto no nosso cotidiano são aqueles filtros em que colocamos garrafas de 20 litros
com água mineral, quando tiramos um copo d’água do filtro, o ar entra, fazendo uma bolha
bem grande. Agora vamos para a próxima experiência.
Comparando as respostas dos alunos em que se propuseram a participar destas
experiências com as dos meninos que Marie Curie ensinou na cooperativa, devemos levar em
consideração a diferença de idade (Alunos de Marie Curie: 7 a 13 anos/ Alunos deste
trabalho: 15 a 16 anos) e a diferença do conhecimento científico.
Ao lançar o problema inicial “O que há na garrafa?”, já percebemos a primeira
diferença de respostas. Enquanto que todos os alunos de Marie responderam imediatamente
que era ar, apenas um aluno deste trabalho respondeu de imediato e os demais concordaram
depois de um tempo. Acreditamos que esta diferença se deve ao fato de os alunos de Ensino
Médio já terem um pouco de medo de manifestar suas ideias por acharem que estão errados,
enquanto que as crianças falam de imediato o que pensam.
Na sequência, quando foi mergulhada a garrafa na vasilha com água com o gargalo
para cima, os alunos de Marie falaram que isso acontecia porque o ar era mais “leve” que a
água. Já os alunos deste trabalho, propuseram várias hipóteses demorando a se lembrar de que
a água é mais densa que o ar. Uma resposta chamou a atenção: “Acho que o oxigênio sai e se
separa da água”. O aluno que retrucou isso nos faz concluir que ele tem uma confusão sobre o
conceito de substância. Ele não compreende bem que a substância O2 é diferente da substância
H2O.
Com esta hipótese, verificamos que este simples experimento é muito válido para
verificarmos alguns problemas conceituais e que mesmo ele sendo de fácil realização, eles
quase não conseguiram explicar.

Experimento 2

O professor pegou um copo com água e um ovo e perguntou aos meninos:


P: Vocês acham que o ovo vai afundar ou boiar neste copo com água?
A1: Acho que vai afundar...
PA2, A4, A5: Depende. Se for cru, ele afunda, mas se for cozido ele boia.
O professor falou para os meninos que o ovo estava cru e realizou o experimento.
P: Vamos ver então...
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Feito o experimento, eles viram que o ovo afundou e o professor questionou:


P: Porque o ovo afundou?
A4, A5: Por causa da densidade.
A1: Acho que é porque tem líquido dentro dele e por isso ele afunda.
A5: Quando o ovo tá cru tem ar dentro dele?
Como A5 fez esta pergunta, o professor explicou bem rápido que no ovo podre tem sim gases
dentro dele devido algumas reações que acontecem com o tempo, mas que nos ovos comuns
não há gases. Depois disto ele prosseguiu:
P: De acordo com o que vimos, quem é mais denso então: a água ou o ovo?
Todos: O ovo.
P: Agora eu vou colocar sal de cozinha neste copo de água com o ovo e vou misturar. Vamos
ver o que vai acontecer.
Todos: Agora ele está boiando.
A5: O sal fez com que a água ficasse mais densa do que o ovo.
A1: A água ter ficado mais densa tem alguma coisa a ver com o pouco de sal que ficou
embaixo do copo.
A3: Como a água contém sais minerais, o sal de cozinha faz com que a água fique mais densa.
A2: Mas se a explicação é por isso, o ovo deveria ter boiado logo no início sem o sal de
cozinha.
A5: Mas a quantidade de sais é que determina a densidade da água ficar maior ou menor.
Como no início tinha poucos sais, o ovo boiou. Depois que você colocou mais sal a densidade
da água aumentou.
P: A5 tem razão. Como a massa de água e sal é maior do que só da água, a densidade de água
e sal também é maior.
Neste experimento fizemos algumas adaptações, pois Marie fez com que seus alunos
pesassem alguns materiais e verificassem que eles afundavam menos na água salgada do que
na água pura e só em seguida, ela fez o experimento do ovo na água, mas sem muitas
perguntas.
Com a influência do Experimento 1, quando o professor perguntou porque o ovo
afundou, imediatamente eles responderam que era por causa da densidade, mas não
responderam quem era mais ou menos denso. A resposta de um aluno para o fato de o ovo
boiar merece atenção aqui: “Acho que é porque tem líquido dentro do ovo e por isso ele
afunda”. Com este pensamento, verifica-se que este aluno entende que todos os líquidos têm a
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mesma densidade, e como tem líquido dentro do ovo, ele afunda, mas se tivesse ar dentro
dele, ele boiaria.
Depois de o professor perguntar quem era mais denso, em consenso eles responderam
que era o ovo. Ao adicionar sal de cozinha na água, surgiram várias hipóteses, mas um aluno
conseguiu responder que o sal tornou a água mais densa. Ele complementou que se tivesse
colocado pouco sal, o ovo não boiaria. Este experimento também se mostrou eficiente para ser
feito com os alunos, pois os fazem formular hipóteses e explicar fatos do cotidiano, como
exemplo por que as pessoas boiam mais fácil no mar do que em uma piscina.

Experimento 3

O professor levou uma massa de modelar e pediu para que dois alunos fizessem um
barquinho. Enquanto eles faziam o barco, o professor questiona:
P: Por que os barcos não afundam se eles são tão pesados?
A1: Acho que é porque o fundo dele é plano.
A5: Na verdade é porque o fundo dele é oco.
A3, A4: Acho que é por causa do material de que os barcos são feitos.
A1: Acho que não é mais por causa do formato.
A2: Por causa do empuxo talvez.
P: Mas como o empuxo faz com que o barco não afunde?
Nenhum dos alunos conseguiu explicar. A5 questionou o fato de ele boiar devido o material
de que ele é feito:
A5: Mas se for por causa do material, como que pode um barco feito de madeira flutuar e um
de metal também flutuar?
A1, A2: É, então não é por causa do material.
O barco feito por A2 afundou na mesma hora em que foi colocado na vasilha com água
porque o fundo dele ficou bem pesado, já o barco feito por A5 flutuou. Os alunos foram
colocando bolinhas de massa de modelar dentro deste barquinho até que chegou um momento
em que ele afundou. A pergunta continuou instigando os meninos e eles continuaram tentando
responder:
A3: Acho que tem a ver com o movimento da água.
A2: Acho que até o clima pode influenciar.
A5: Será que é a densidade da água? Mas acho que não, aí já seria exagero.
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A2: Talvez tenha a ver mesmo porque eu nunca vi barcos em água doce.
A3, A4, A5: Mas tem barcos em rios sim.
Depois de os meninos pensarem bastante e levantarem várias hipóteses, o professor concluiu
respondendo à pergunta inicial.
P: A2 tinha razão. É devido ao empuxo mesmo. Como o barco é muito volumoso ele desloca
um volume muito grande de água e por isso o empuxo faz com que ele não afunde. Os barcos
têm um limite e assim como nosso barquinho afundou quando colocamos muito peso, cada
barco tem uma carga máxima a ser carregada.
A realização deste experimento deixou muito claro como os alunos não conseguem
usar o conceito de densidade para aplicar em situações do dia a dia. Este experimento também
foi adaptado, pois quando Marie fez na cooperativa, ela pediu para que seus alunos pesassem
um flutuador de cortiça e outro de areia e vidro, anotassem suas massas e verificassem os
volumes deslocados. Feito isso, ela concluiu com os alunos que para um corpo flutuar, ele
deve deslocar um peso de água igual o seu.
Durante a realização deste trabalho, quando o professor pediu para que eles
explicassem por que os barcos não afundam, surgiu algumas respostas que divergiam do
esperado, como um aluno que falou que até o clima influenciava e nenhum deles citou a
questão do volume deslocado. Concluímos que vale a pena realizar este experimento, pois é
muito mais importante o aluno saber aplicar os conceitos estudados para explicar os
fenômenos, do que prosseguir com certos conteúdos que não aparecem no dia a dia dos
alunos.

Experimento 4

Nesta experiência, o professor conectou uma máquina que produz vácuo em um kitassato que
estava com uma rolha por cima. Antes de produzir vácuo dentro da vidraria, ele pediu para
que A4 tirasse a rolha. Sem muitos problemas, ela tirou. Depois disso, ele ligou a máquina de
produção de vácuo e pediu para que ela tirasse a rolha novamente, no entanto, desta vez,
quando ela tentou tirar, a vidraria acabou subindo junto com a rolha. O professor não explicou
para eles o que a máquina fazia.
P: E aí pessoal, por que aconteceu isto?
A5: Essa máquina tá sugando o ar.
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A2: Parece aquela brincadeira que fazíamos quando criança de colocar um copo na boca,
sugar o ar de lá de dentro e ele grudar em volta da nossa boca.
P: É verdade, tem o mesmo princípio... Mas por que será que A4 não conseguiu tirar
facilmente a rolha depois de eu ter ligado essa máquina aqui na vidraria?
A5: Como essa máquina suga o ar daí de dentro, ela suga a rolha também fazendo com que
fique mais difícil de tirar.
A2: Então se tirasse todo o ar, era perigoso que esse vidro trincasse e quebrasse.
Depois de alguns minutos de discussão, todos concordaram com o A5 de que a rolha era
sugada e por isso não conseguíamos tirar.
P: Na verdade nós não conseguimos tirar, porque a pressão atmosférica exerce uma força tão
grande, que não pudemos removê-la e como nós tínhamos tirado o ar de dentro do kitassato, a
pressão atmosférica fazia com que a rolha não saísse do lugar.
Agora, o professor colocou um balão um pouco cheio dentro do kitassato e produziu vácuo.
Antes de realizar o experimento, ele perguntou:
P: O que vocês acham que vai acontecer?
A2: O balão vai inchar.
A5: Eu também acho que sim.
A1: Eu acho que o balão vai subir.
Depois de eles tentarem responder, o professor realizou o experimento. À medida que a
máquina ia tirando o ar de dentro da vidraria, o balão ia enchendo.
P: Como vocês me explicam isso?
A5: No meu pensamento, como tá tirando o ar daí de dentro e como a pressão atmosférica é
muito forte, o ar de dentro do balão vai aumentando.
A1: Como a máquina tá tirando o ar daí de dentro, eu acho que o ar tá indo pra dentro do
balão.
A4: Concordo com a Carolina.
Este experimento também foi adaptado. Marie Curie o fez colocando um balão na
extremidade de uma campânula e aplicou vácuo. Seus alunos observaram a pele de bexiga se
curvando para o interior da campânula.
Em nossa adaptação, observamos com as respostas dos alunos que para eles o
“nada” tem o poder de sugar alguma coisa. Em nenhum momento algum dos alunos propôs
alguma explicação com o conceito de pressão atmosférica. Mais uma vez acreditamos que
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este experimento é muito bom para se realizar nas escolas para que os meninos entendam o
conceito de vácuo e pressão atmosférica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da análise das anotações de Isabelle Chavannes sobre as aulas de Marie
Curie, pudemos conhecer suas contribuições para o ensino de Ciências. Marie Curie como
educadora utilizou uma metodologia de ensino que atende ao que defendemos, isto é, produzir
uma aprendizagem eficiente, pois ela sempre deu ênfase às aulas experimentais e às questões
do cotidiano.
Embora saibamos que a experimentação e a História da Ciência não são
definitivamente a solução para os problemas existentes no processo ensino-aprendizagem,
acreditamos que dependendo da abordagem em que eles são trabalhados em sala de aula,
conseguimos obter melhoras na aprendizagem dos alunos. É certo que uma aula que possua
História da Ciência, experiências e problemas do cotidiano é muito mais rica e atrativa, do
que uma baseada simplesmente em anotações no quadro e explicações de algo distante
Podemos observar no trabalho de Marie Curie que ela possuía uma preocupação em
sempre fazer uma aula melhor, ou seja, ela era uma professora reflexiva. Claro que o fato de
ela ser mãe de uma das alunas da cooperativa influenciou no trabalho. No entanto, antes disto
ela lecionou em outros locais e obteve grande destaque em todos esses lugares. Uma outra
qualidade de suas aulas que foram citadas neste trabalho é que elas eram baseadas em
questionamentos. Na maioria de suas aulas, Marie Curie fazia com que os meninos
observassem e compreendessem primeiro os fenômenos e depois disto, explicava
cientificamente o que havia sido observado.
Isto tudo nos mostra que Marie Curie conduzia suas aulas numa perspectiva
investigativa. Nesta mesma perspectiva, realizamos alguns experimentos com alunos do
ensino médio e pudemos observar que estes experimentos e a abordagem que ela trabalhava
continua sendo válida. Com as respostas dos alunos entrevistados neste trabalho, pudemos
observar que eles não conseguem explicar situações simples do cotidiano. Por isso,
acreditamos que os professores de Ciências devem trabalhar mais experimentos simples sobre
ar e água para solucionar a pouca aprendizagem dos conceitos.
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