Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TEORIA DA HISTÓRIA
Profª. Ana Maria Mauad
05/09/2022 - Aula 2
Esboço biográfico
Siegfried Kracauer (1889-1966), alemão teve como primeira área de atuação os estudos
sobre arquitetura e espaço urbano. No entanto, depois de se doutorar em engenharia,
em Berlin, no ano de 1917, volta-se nos anos 1920, durante a República de Weimar para
as áreas de filosofia, sociologia e, eventualmente, cinema. Atuou no comitê editorial do
prestigiado periódico Frankfurter Zeintung entre 1920 e 1933, período de ascensão do
nazismo que o obrigou a deixar a Alemanha. Em 1941 ele chega aos Estados Unidos e
recebeu uma bolsa pela fundação Guggenheim, com a qual produziu um dos seus
maiores estudos sobre o cinema alemão, a obra intitulada de Caligari a Hitler (1947).
Dentre as suas demais obras destacam-se: Estudos sobre os filmes de propaganda
nazista; Offenbach e História: as últimas coisas depois da última (1969).
A premissa teórica de seus estudos baseia-se na assunção de que cada media (medium)
possui uma natureza específica a qual enseja certas formas de comunicação, enquanto
obstrui outras.
KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa, São Paulo: Cosac Naif, 2009, “Prefácio:
Perspectivas descentradas, Miriam Hansen” p. 9-45; ”Fotografia”, p. 63-80 (pdf)
-I-
Relação estreita entre cultura e história - “As primeiras críticas de Kracauer de A Rua dão
testemunho de sua teoria do cinema a partir do espírito de uma filosofia da história ou,
mais precisamente, de uma teologia da história” (p.11) (associada ao messianismo
judaico secular e ao gnosticismo secular, aprofunda na p. 14, 15,16 e explica o sentido na
p. 17)
-II-
Kracauer, Siegfried. “Fotografia”, IN: O ornamento da massa, São Paulo: Cosac Naify,
2009, p.63-80
Sumário: o texto trata a fotografia como um dos “objetos internos e externos” da cultura
de massa capitalista. Relaciona que a sua função precípua estaria associada àquela
mesma atribuída ao historicismo maniqueísta de mostrar a “vida tal como ela aconteceu”.
Nessa concepção, subtrai-se a mediação crítica do ato de conhecimento e as
determinações sociais que levam a própria produção da vida social. No entanto, apesar
de criticar a massificação que a fotografia sofre, sobretudo, através da sua veiculação nas
revistas ilustradas, Kracauer vê na função arquivo da fotografia, a capacidade de expor o
fundamento natural do mundo – para além da memória subjetiva – um mundo que torna-
se mundo pela imagem fotográfica. Uma inversão dialética que a conclusão do texto
proporciona.
P.63 – Inicia o texto tecendo um comentário sobre a foto de uma atriz publicada na capa
de uma revista ilustrada – da imagem reticulada a ilusão da realidade fotografada.
Nessa parte Kracauer apresenta dimensões diferenciadas daquilo que chama memória.
A 1a é lacunar, fragmentária e subjetiva:
p. 67 “A memória não se ocupa de datas, pula sobre os anos ou dilata a distância
temporal. A seleção de traços que reúne pode parecer arbitrária ao fotógrafo. A seleção
foi feita desta e não de outra maneira, pois as disposições e as intenções exigem o
4
fi
fi
recalque, a falsificação e a alteração de valores do objeto[...]. Não importa quais cenas
um indivíduo recorda: elas querem dizer algo que se relaciona a ele sem ele precisar
saber o que elas querem dizer. Elas são conservadas justamente em relação ao que
querem lhe dizer. Organizam-se portanto de um princípio que se diferencia daquele da
fotografia na sua essência”
A 2a é essencial, compacta e reveladora o seu reconhecimento pela consciência liberta
coloca o sujeito em face da sua própria história.
p. 67-68 “A significação das imagens da memória está acoplada a seu conteúdo de
verdade. [...] Encontrar a verdade só é possível à consciência liberta que pondera o
demoníaco das pulsões. Os traços dos quais se recorda estão em relação do que se
reconhece como verdade, suscetível de se manifestar neles ou de ser deles excluídos. A
imagem, que contém estes traços, é distinta de todas as outras imagens da memória;
com efeito; esta não conserva como as outras uma abundância de recordações opacas,
mas os conteúdos que concernem ao que é reconhecido como verdade. A esta imagem,
que podemos com pertinência chamar de última, devem se reduzir todas as imagens de
memória, pois é só nela que perdura o inesquecível. A última imagem de um indivíduo é
a sua própria história. Esta omite todos os signos e determinações que não estão em
relação significativa com a verdade designada pela consciência liberta. A maneira como
o indivíduo a representa não dependem puramente de sua própria natureza, nem
tampouco da coesão aparente da sua individualidade; há, portanto, somente as partes de
seus elementos que entram na sua história”
p.70 “A fotografia não fixa os traços transparentes de um objeto, mas retém do ponto de
vista de sua escolha como um contínuo espacial. A última imagem da memória sobrevive
à ausência de memória por causa do tempo. A fotografia que não visa esta imagem da
5
fi
memória deve ser colocada em relação, por sua natureza, ao momento contingente de
seus nascimento.[...] Mas, a fotografia é uma função do tempo fluente, sua significação
objetiva, no entanto, se transforma ao pertencer ao âmbito do presente ou alguma fase
do passado”
Fotografia e o presente fotografado
p.71 “A fotografia atual que reproduz um fenômeno familiar à consciência
contemporânea oferece, em limitada proporção, uma passagem à vida do original. Ela
revela cada vez uma exterioridade que, conforme a duração de seu domínio, é um meio
de expressão tão universalmente conhecido como a língua. O contemporâneo acredita
ver na fotografia a própria diva do cinema.[...] O que significa que a fotografia atual
cumpre o papel de mediadora, é um signo ótico da diva que se trata de reconhecer. Se
sua característica decisiva é ser sobrenatural, deve-se duvidar ao final. [...] Não por causa
da sua semelhança, mas apesar de sua semelhança, denuncia a imagem do
sobrenatural[...]. A imagem de memória produzida pela contemplação de nossa querida
diva penetra dentro da parede da semelhança na fotografia e lhe empresta então alguma
transparência”
6
Parte 6 – Fotogra a nas revistas ilustradas – massi cação das imagens – a imagem na
imprensa – o esvaziamento da fotogra a do seu poder de afecção – a fotogra a das
ilustradas tirou o peso do morto de todas as fotogra as.
Parte 7 – Uma história das imagens – a fotogra a é a última etapa histórica que se
inicia com o símbolo
p.77 “Na medida em que a consciência começa a se interiorizar e com isso desaparece
aquela ‘identidade entre homem e natureza’ (Marx, IA), a imagem assume, passo a passo,
7
fi
fi
fi
fi
fi
fi
uma significação derivada, imaterial. [...] Por longos períodos da história representações
figurativas conservam-se como símbolos. Tanto que o homem necessita deles, ele se
encontra em estado de dependência prática das condições naturais, dependência que
condiciona a expressão visível e tangível da consciência. Apenas com o crescente
domínio sobre a natureza e contrapondo-se a ela, não mais ingenuamente forjada no
invólucro mitológico: a consciência pensa por conceitos que, certamente, podem ser
utilizados com a intenção totalmente mitológica. Em determinadas épocas a imagem
conserva ainda sua força: a representação simbólica torna-se alegoria[...]” – segue uma
breve reflexão sobre o pensamento e a imagem que Kracauer considera tosco, “mas é
suficiente para tornar visível a mudança nas representações, a saída da consciência do
seu estado de sujeição à natureza. Quanto mais decididamente, no curso do processo
histórico, a consciência se liberta de tal sujeição, tanto mais puro se lhe apresenta o
fundamento natural. Pois o que se quer dizer não se apresenta mais em imagens, mas o
que se quer dizer emana da natureza e a perpassa[..]”
A inversão dialética – fotografia como mediação crítica na relação com o mundo – como
forma de pensamento visual – a consciência visual do mundo que a fotografia moderna
provoca.
p. 79 “a consciência prisioneira da natureza não é capaz de perceber o seu fundamento.
A tarefa da fotografia é mostrar o fundamento natural ainda não examinado. Pela
primeira vez na história a fotografia lança luz em todo o envoltório natural e torna
presente, por meio dela, o mundo dos mortps em sua independência em relação aos
8
homens. A fotografia mostra cidades em perspectiva aérea, faz descer as volutas e figuras
das catedrais góticas, todas as configurações espaciais são incorporadas no arquivo
principal com interseções incomuns que se distanciam da medida humana. Se o traje da
avó perdeu a sua relação com o presente, não mais se torna, no entanto, cômico, mas
curioso como um pólipo submarino. Um dia o sobrenatural da diva desaparecerá e seu
penteado à la garçonne permanecerá junto ao coque. Assim é como os elementos se
desagregam na medida em que não há mais coesão entre eles. O arquivo fotográfico
reúne, sob a forma de cópias, os últimos elementos da natureza alienados da intenção”