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Acessibilidade Cultural no Amapá

ACESSIBILIDADE
CULTURAL NO

AMAPÁ
Emerson de Paula
José Flávio Gonçalves da Fonseca
(Orgs.)

2
Emerson de Paula
José Flávio Gonçalves da Fonseca
(Organizadores)

ACESSIBILIDADE
CULTURAL NO

AMAPÁ

São Paulo
e-Manuscrito
2021

3
Acessibilidade Cultural no Amapá

e-Manuscrito
www.emanuscrito.com.br
emanuscrito@uol.com.br
Tels: (11) 5978-4547 /
(11) 97171-3871
CNPJ: 18.353.444/0001-76

P324a Paula, Emerson de (org.)


F676a Fonseca, José Flávio Gonçalves da (org.)
Acessibilidade Cultural no Amapá
Emerson de Paula (Org.); José Flávio Gonçalves da Fonseca (Org.)
São Paulo: e-Manuscrito, 2021. 153 p

DOI 10.29327/552204
ISBN 978-65-86723-31-1
1. Acessibilidade Cultural 2. Amapá 3. Pessoa com Deficiência
CDD 308
CDU 304

CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Angela Maria Roberti Martins (UERJ) Prof. Dr. Leandro Pereira Gonçalves (UFJF/MG)
Prof. Dr. Antonio Castillo Gómez (UAH/Madrid) Prof. Dr. Luis Balkar Peixoto Pinheiro (UFAM)
Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior (UFPA) Prof. Dr. Luiz Carlos Barreira (UNISANTOS)
Prof. Dr. Antonio Rago Filho (PUC/SP) Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino (UFRJ)
Prof. Dr. Azemar dos Santos Soares Júnior (UFRN) Profa. Dra. Maria Cristina Dadalto (UFES)
Profa. Dra. Cristina Scheibe Wolff (UFSC) Profa. Dra. Maria Izilda Santos de Matos (PUC/SP)
Prof. Dr. Fernando de Sousa (CEPESE/Portugal) Profa. Dra. Meize Regina de Lucena Lucas (UFCE)
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento (UFPI) Prof. Dr. Oswaldo Truzzi (UFSCar)
Profa. Dra. Glaura T. Nogueira Lima (UFTM/MG) Profa. Dra. Tania Regina de Luca (UNESP/Assis)
Prof. Dr. Henrique Alonso Pereira (UFRN) Profa. Dra. Valéria Aparecida Alves (UECE)
Prof. Dr. Iranilson Buriti (UFCG/PB) Prof. Dr. Vitorio Capelli (UNICAL/Itália)
Profa. Dra. Iara Beleli (UNICAMP) Profa. Dra. Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Prof. Dr. João do Prado F. de Carvalho (UNIFESP)

Todos os direitos reservados à e-Manuscrito.


Copyright © 2021 Emerson de Paula (Org.); José Flávio Gonçalves da Fonseca (Org.)
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da e-Manuscrito.
As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus autores.
Editores responsáveis: Gustavo F. S. Ferreira e Karina Cobo Bardavira
Capa: Luciana Bittencourt, Gustavo F. S. Ferreira e Karina Cobo Bardavira
Foto da Capa: Mayara Marques
Foto dos Organizadores: Débora Bararuá e Flávio Gonçalves
Diagramação: Gustavo Ferreira e Karina Cobo

Esta publicação foi financiada com recursos do Edital nº 01/2021 - PROPESPG/UNIFAP - Chamada
Interna do Programa de Auxílio ao Pesquisador - PAPESQ/UNIFAP - 2021 e do Programa Nacional
de Apoio à Geração de Empreendimentos Inovadores 2020 na Modalidade Bolsa de Desenvolvimento
Tecnológico Industrial DTI - B via Convênio CNPq e Fundação de Amparo à Pesquisa do Amapá -
FAPEAP.

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SUMÁRIO

Apresentação..................................................................... 09

LABAC e os desafios para a efetivação da


Acessibilidade Cultural no Amapá................................... 11
Raimundo da Costa Leite Neto
Talita Stefene Alves Dantas

Inclusão no Meio do Mundo: relato pessoal de uma


ação de Acessibilidade Cultural....................................... 25
Kérsia Celimary Silvestre Ferreira

Artes Circenses e inclusão: de uma experiência


de Acessibilidade Cultural a uma Acessibilidade
Sensível.............................................................................. 33
Leyse Monick França Nascimento

Políticas de Acessibilidade Cultural: uma análise do


Centro de Pesquisas Museológicas Museu Sacaca da
cidade de Macapá - AP...................................................... 53
Priscylla Lopes Resque
Leila do Socorro Rodrigues Feio

TIacessa: cultura acessível ao seu alcance.................... 71


Emerson de Paula
Jodoval Farias da Costa
José Flávio Gonçalves da Fonseca
Nelma Socorro Lima da Silva

A audiodescrição disseminando ma Cultura dos


Gestos................................................................................ 83
Elza Lopes de Oliveira
Rosenilda Farias da Costa

A prática pedagógica em Teatro e a inclusão: uma


reflexão dessa relação na formação do licenciando em
Teatro a partir dos estágios supervisionados................. 97
Sávio Rodrigo Furtado Marques

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Acessibilidade Cultural no Amapá

O ensino de Teatro junto/com pessoas com deficiência


no Centro Educacional Raimundo Nonato Dias
Rodrigues: um relato de experiência............................... 113
Dilma Terezinha da Silva Barreto

Acessibilizar é se afetar para acolher e sensibilizar:


relato de experiência no Grupo de Estudo em
Acessibilidade Cultural..................................................... 127
Marília Navegante Pinheiro
Mayara Caroline da Costa Marques

Formação em Teatro no Amapá e a Acessibilidade


Cultural: encontros e revisões......................................... 139
Emerson de Paula
José Flávio Gonçalves da Fonseca

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Dedicamos este livro a Giulia Dominick Diniz da Silva,
licencianda em Teatro na UNIFAP,
não só por estrelar a capa desta obra,
mas por promover a transformação das epistemologias
da prática artística e pedagógica em Teatro
a partir de seu direito de estar onde ela quiser.

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Acessibilidade Cultural no Amapá

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Apresentação

Esta obra é fruto de uma mobilização intensa para


mapear as iniciativas de Acessibilidade Cultural no estado
do Amapá entendendo o percurso do estabelecimento
desse conceito em ações oriundas de instituições públicas e
privadas e iniciativas pessoais. Pensar a presença, inclusão e
participação das Pessoas com Deficiência (PcD’s) na área da
Cultura é um movimento de longa data, mas que nos últimos
anos vem se consolidando na discussão que tem na temática
Acessibilidade Cultural um direcionamento conceitual capaz
de pautar pesquisas e políticas públicas, dando visibilidade
a diversos nomes e potencializando a organização dessa
importante e necessária pauta.
Assumir o foco desse trabalho na Amazônia não é
apenas apresentar as ações de Acessibilidade Cultural
produzidas/desenvolvidas na Região Norte do país, mas
também registrar a importância da produção científica
especificamente do Amapá iluminando a potencialidade das
diversas investigações sobre a temática em questão para
que seu reflexo ultrapasse fronteiras territoriais. O Amapá
está no meio do mundo, na linha do Equador. É, portanto,
uma região que está no centro, e parte desse centro para
irradiar conhecimento às extremidades, rompendo com a
visão de isolamento a nós estipulada/determinada. Esta
produção demonstra também a importância do incentivo à
pesquisa no estado através da existência e permanência de
instituições promotoras do fazer científico, consolidando as
ações do NECID - Núcleo de Estudos em Espaços Culturais,
Inclusivos e Deliberativos, grupo registrado no Departamento
de Pesquisa da Universidade Federal do Amapá (DPq –
UNIFAP) e certificado pelo CNPq.
Contando com autores e autoras com e sem
deficiência, esta publicação visa mostrar que Cultura é um
direito a todas as pessoas e que essa área precisa pensar
a inclusão com/para/a partir das Pessoas com Deficiência,
investigando a pauta desde a concepção de uma proposta
artística até o acesso nos seus variados campos, nos
diversos equipamentos culturais, mostrando-nos que, para

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Acessibilidade Cultural no Amapá

além de conhecimentos técnicos sobre o estudo da temática


e/ou de tecnologias assistivas, precisamos primeiramente
de um movimento de autorrevisão pessoal e de quebra de
nossas próprias barreiras atitudinais.
A roda do mundo está aqui, a girar. Sigamos o
movimento!

Emerson de Paula e José Flávio Gonçalves da Fonseca


Líder e Vice-Líder do NECID

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LABAC e os desafios para a efetivação da
Acessibilidade Cultural no Amapá

Raimundo da Costa Leite Neto1


Talita Stefene Alves Dantas2
DOI - 10.29327/552204.1-1

Este texto é uma escrita coletiva produzida pelos


bolsistas do projeto de extensão LABAC - Laboratório de
Acessibilidade Cultural em Macapá do curso de Licenciatura
em Teatro da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
Buscamos apresentar alguns dos desafios da Acessibilidade
Cultural, debatendo sobre os entraves das Pessoas
com Deficiência no acesso à Cultura, contextualizando o
conceito e refletindo sobre suas possibilidades junto à ação
extensionista em questão.
Na Norma Brasileira de Acessibilidade - NBR
9050, documento regulamentado pelas leis de inclusão e
acessibilidade brasileiras desde a década de 1990, o conceito
de acessibilidade é definido como a possibilidade e condição
de alcance, percepção e entendimento para utilização,
com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários,
equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação
1
Licenciando em Teatro na Universidade Federal do Amapá - UNIFAP.
Bolsista do Projeto de Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade
Cultural em Macapá. Psicólogo e membro da ANPSNEP - AP. Contato:
raimundoleiteneto@hotmail.com
2
Licencianda em Teatro na Universidade Federal do Amapá - UNIFAP.
Bolsista do Projeto de Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade
Cultural em Macapá. Psicóloga e Presidente da ONG Humanizarte (Macapá-
AP). Contato: talitastefene@gmail.com

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Acessibilidade Cultural no Amapá

e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem


como outros serviços e instalações abertos ao público, de
uso público ou privado, de uso coletivo, tanto na zona urbana
como na rural, por pessoa com deficiência ou mobilidade
reduzida.
O conceito de acessibilidade é amplo e engloba
uma série de fatores, não somente a quebra de barreiras
arquitetônicas, mas também a quebra de barreiras atitudinais.
A autora Sarraf (2018, p. 26) faz as seguintes reflexões
acerca do conceito de acessibilidade:

O conceito de acessibilidade é muito abrangente. Em um


momento inicial do surgimento do termo, no âmbito do
Movimento Internacional de Inclusão Social das Pessoas
com Deficiência, na década de 1980, foi compreendido
como eliminação de barreiras físicas/arquitetônicas
de um espaço construído. Posteriormente, foi definido
como possibilidade e condição de alcance, percepção e
entendimento de produtos e serviços gerais. Atualmente,
a acessibilidade é compreendida como direito de vida
independente, exercício de direitos de cidadania e
participação social.

A acessibilidade é compreendida como um direito


inalienável do ser humano, sendo assim, é preciso promover
e instigar políticas públicas que considerem o acesso a
todos os espaços de participação na sociedade, incluindo
os espaços culturais, promovendo a Acessibilidade Cultural,
visto que o acesso à cultura é um direito do cidadão.
A Acessibilidade Cultural é uma discussão recente
que vem ganhando destaque, e é entendida por Sarraf
(2013) como a garantia de que o espaço, a informação, a
programação, a divulgação e as ações educativas estejam ao
alcance de todos, ou seja, independentemente da condição
física, sensorial, intelectual ou comunicacional do espectador.
A Declaração Internacional de Direitos Humanos
(1948), importante documento de referência política,
afirma, no Artigo 27, que: “Todo ser humano tem o direito
de participar livremente da vida cultural da comunidade, de

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fruir das Artes e de participar do progresso científico e de
seus benefícios.” Nesse sentido, promover a acessibilidade
nos espaços culturais para Pessoas com Deficiência não é
prestar um favor para esse público, e sim garantir o que lhes
é de direito.
A Lei n° 10.098 de dezembro de 2000, mais conhecida
como Lei da Acessibilidade, busca estabelecer em seu Artigo
1° as normas gerais e os critérios básicos para promover
a acessibilidade de todas as pessoas com deficiência ou
que apresentam mobilidade reduzida, independentemente
de qual seja essa deficiência (visual, motora, auditiva etc.),
abordando a eliminação dos obstáculos e barreiras existentes
nas vias públicas, na reforma e construção de edificações,
no mobiliário urbano e ainda nos meios de comunicação
e transporte. Normas essas que devem ser direcionadas
também aos equipamentos e instituições promotoras de
Cultura.
Pessoas com Deficiência muitas vezes deixam de
ocupar espaços culturais por falta de acessibilidade, deixando
de usufruir de seus direitos devido à existência de barreiras
arquitetônicas. A falta de rampas, piso tátil, audiodescrição,
Libras e afins impossibilita o acesso à Cultura de muitas
Pessoas com Deficiência, ocasionando um distanciamento
das produções e formações artísticas. Mas barreiras
arquitetônicas não são as únicas a serem quebradas. É
preciso atentar ainda para as barreiras atitudinais.
As barreiras atitudinais se caracterizam por atitudes
que impedem o pleno acesso a espaços e atividades pelas
Pessoas com Deficiência. Isso ocorre porque existem
maneiras de se comportar que podem inibir, coibir, oprimir,
desencorajar e restringir ações e permanências nos espaços
por essas pessoas a partir das pessoas que não possuem
deficiências. Conforme Sassaki (1997, p. 28), essas barreiras
podem ser:

[...] a organização da escola, o prédio, o currículo, as


políticas educacionais, as ferramentas de estudo, a
dificuldade na comunicação interpessoal, a forma de
ensinar dos professores e as barreiras atitudinais, que

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Acessibilidade Cultural no Amapá

estão embutidas na mente das pessoas, envolvendo


também o preconceito e a desinformação comuns na
sociedade.

Marcada pela presença histórica do preconceito e da


exclusão, as barreiras atitudinais afastam as Pessoas com
Deficiência de seu direito de usufruir das manifestações
artísticas e dos bens culturais, logo, faz-se necessário refletir
sobre preconceitos enraizados e muitas vezes mascarados.
O universo da Cultura, local da diversidade em
sua constituição, necessita também rever a manutenção
ainda existente dessas barreiras. Para Peixoto (1980),
instrumentalizar o acesso à Cultura significa democratizar e
oportunizar às Pessoas com Deficiência essas experiências
culturais, transformando o espaço em lugar acolhedor,
e não separador. Pensando nisso, é preciso ouvir essa
comunidade para compreender e refletir sobre possibilidades
de acessibilidade e inclusão, ressaltando a importância do
lema “Nada sobre nós sem nós”, de Romeu Kazumi Sassak.
A Declaração de Madri (2002) nos diz muito sobre esse lema:

Todas as ações devem ser implementadas mediante


diálogo e cooperação com as relevantes organizações
representativas de pessoas com deficiência. Tal
participação não deve estar limitada a receber
informações ou endossar decisões. Mais do que isso,
em todos os níveis de tomada de decisões, os governos
precisam estabelecer ou fortalecer mecanismos regulares
para consulta e diálogo que possibilitem às pessoas
com deficiência através de suas organizações contribuir
para o planejamento, implementação, monitoramento e
avaliação de todas as ações.

A LBI - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com


Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), nº 13.146
de julho de 2015, é destinada a assegurar e a promover,
em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais pela Pessoa com Deficiência,
visando a sua inclusão social e cidadania. Seu Artigo 4º diz
que toda Pessoa com Deficiência tem direito à igualdade

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de oportunidades como as demais pessoas e não deverá
sofrer nenhuma espécie de discriminação. Sendo assim,
essa comunidade precisa participar de forma ativa nas
tomadas de decisão, seja na esfera de políticas públicas, nos
planejamentos educacionais, nos editais culturais e afins,
sem que sua autonomia e seus direitos sejam negligenciados.

A Acessibilidade Cultural no Amapá

Acessibilidade Cultural pressupõe o desenvolvimento


de metodologias que permitam a inserção de Pessoas com
Deficiência nos espaços culturais, seja para produzir Arte
ou para consumir Arte, sempre buscando a eliminação de
barreiras atitudinais e arquitetônicas utilizando tecnologias
assistivas, apresentando possibilidades de inclusão.
O Plano Nacional de Cultura (PNC) é um conjunto
de princípios, objetivos, diretrizes, estratégias e metas que
orientam o poder público na formulação de políticas públicas
para a Cultura. Nesse sentido o PNC, previsto no Artigo
215 da Constituição Federal, tem como objetivo orientar o
desenvolvimento de programas, projetos e ações culturais
que garantam a valorização, o reconhecimento, a promoção
e a preservação da diversidade cultural existente no Brasil.
O estudo da Acessibilidade Cultural, seus desafios e
possibilidades é amplo e por vezes negligenciado, sendo
assim, a difusão da informação precisa estar presente nos
espaços culturais, políticos, econômicos e socias. Promover
a acessibilidade nos espaços culturais para Pessoas com
Deficiência e propiciar a elas o protagonismo é trabalhar
pela garantia do direito de participação nas manifestações
artísticas e culturais.
Como proposta para o enfrentamento das barreiras
e desafios para a efetivação da Acessibilidade Cultural no
Amapá, nasce o Projeto de Extensão LABAC - Laboratório
de Acessibilidade Cultural em Macapá, o qual, desde o
ano de 2017, busca promover de forma teórica e prática a
Arte/Educação como linguagem capaz de contribuir para a
Acessibilidade Cultural em espaços educativos e culturais.

15
Acessibilidade Cultural no Amapá

O projeto, em 2021, está em sua segunda fase, tendo


como tema as limitações e restrições à participação de
Pessoas com Deficiência em ambientes culturais, objetivando
uma reflexão inicial sobre os aspectos que impedem ou
dificultam a participação dessas pessoas nos espaços
culturais, registrando e pesquisando os vários olhares e
realidades existentes e possíveis de modificação através das
propostas metodológicas descobertas durante a execução
do projeto.
O LABAC desenvolve atividades que vislumbram o
diálogo sobre Acessibilidade Cultural com/para e a partir
da comunidade, considerando a necessidade de se pensar
ações e propostas para que as pessoas com deficiência
sejam mais presentes nos espaços de Cultura e também
produzam Cultura, estimulando a autonomia e participação
ativa nos debates e espaços culturais.
As ações do projeto são:

1 - Grupo de Estudos: Encontros semanais entre discentes


bolsistas, coordenador e membros da equipe de ação,
colaboradores técnicos, Pessoas com Deficiência e
comunidade em geral interna e externa para estudo e
promoção de palestras sobre Acessibilidade Cultural.
2 - Realização de oficinas de iniciação teatral voltadas para
Pessoas com Deficiência visual e Pessoas com Deficiência
auditiva: As oficinas foram realizadas no Centro de Apoio à
Pessoa com Deficiência Visual - CAP - Macapá e entre os/
as discentes do Curso de Letras/Libras da UNIFAP. Essas
oficinas aconteceram no período de 2018 a 2019. Para 2020
e 2021, as oficinas com esses públicos em conjunto foram
direcionadas a serem realizadas no Centro Educacional
Raimundo Nonato, em Macapá, que é um Centro especializado
no atendimento a crianças, jovens e adultos com deficiência.

Esses locais e propostas se constituem como


parceiros do projeto desde a Fase 1. Entretanto, devido às
restrições de convívio social estabelecidas pela pandemia da
Covid-19, essas práticas pedagógicas inclusivas em Teatro
ainda não puderam ser estabelecidas de forma presencial,

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iniciando-se no segundo semestre de 2021 as primeiras
práticas em caráter remoto. O projeto atualmente conta com
dois bolsistas do Curso de Teatro da UNIFAP, selecionados
via Edital, sendo cadastrado na Pró-Reitoria de Extensão e
Assuntos Comunitários (PROEAC/UNIFAP).
Em 2020, o Projeto sofreu uma pausa devido à
necessidade de isolamento social e se reestruturou para
que em 2021 pudesse realizar suas ações a partir do
novo contexto social. Neste ano de 2021, duas ações se
efetivaram. O Grupo de Estudos em Acessibilidade Cultural -
GEAC desenvolve estudos na área da cultura, acessibilidade
e inclusão, buscando através das pesquisas, diálogos e
debates fomentar a discussão da Acessibilidade Cultural
para/com/a partir das Pessoas com Deficiência, pensando
em práticas inclusivas nos espaços de Cultura e evidenciando
a importância da autonomia e do acesso dessas pessoas
nesses espaços. Seus encontros são quinzenais, com várias
temáticas a respeito, como a definição e utilização das
tecnologias assistivas. Nesses encontros são convidados/
as palestrantes que pesquisem, vivenciem ou estudem sobre
as temáticas apresentadas, sejam eles/elas Pessoas com
Deficiência ou não.
Em 2021, as temáticas de estudo do grupo foram
desde a conceituação de Acessibilidade Cultural até o
acesso das Pessoas com Deficiência visual aos espaços
culturais, passando por pesquisas sobre o uso da Libras no
Terreiro, discutindo a Acessibilidade Cultural nos espaços de
culto afro-brasileiro, as experiências de inclusão nas artes
circenses em Macapá, chegando a discussões sobre o que é
tecnologia assistiva e audiodescrição, contando sempre com
profissionais, estudiosos/as e pesquisadores/as do estado do
Amapá.
Os encontros contam com a participação ativa, em sua
audiência, de professores/as, alunos/as, pesquisadores/as,
Pessoas com Deficiência, proporcionando, quando de sua
realização em caráter remoto, o intercâmbio com pessoas
de outros estados, facilitando e ampliando diálogos sobre
a efetivação da Acessibilidade Cultural, buscando refletir

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Acessibilidade Cultural no Amapá

sobre os desafios apresentados e pensar estratégias para o


rompimento das barreiras apresentadas.
Outra ação do Laboratório de Acessibilidade Cultural
em 2021, a ser aqui destacada, é o Cadastro de Artistas
com Deficiência (PcD) através de um formulário online que
busca fazer um mapeamento desses artistas que trabalhem
com qualquer manifestação artística, objetivando manter
uma conexão entre eles e instigar o desenvolvimento de
políticas públicas voltadas à Cultura no estado do Amapá,
em específico na área de Acessibilidade Cultural. Através
do Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses
está sendo possível conhecer quem são esses/as artistas no
estado e estreitar as relações entre eles/elas para pensarmos
em conjunto propostas de incentivo à Cultura e inclusão em
editais, promovendo festivais que vislumbrem a divulgação
e reconhecimento desses/as artistas para a comunidade e,
assim, também democratizar o acesso aos espaços culturais.
Até o presente momento, o cadastro apresenta 18
registros, nos apresentando as informações ilustradas nos
gráficos observados a seguir:

Gráfico 1 – Gênero dos/as artistas


Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

18
Gráfico 2 – Tipos de deficiência
Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

Gráfico 3 – Cidade do Amapá em que reside


Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

19
Acessibilidade Cultural no Amapá

Gráfico 4 – Relação profissão/renda


Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

Gráfico 5 – Tempo de trabalho no campo artístico


Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

20
Gráfico 6 – Grupo ou instituição cultural
Fonte: Cadastro de Artistas com Deficiência (PcD) Amapaenses (LABAC).

Os gráficos apresentados são resultado de um


trabalho contínuo iniciado no mês de março de 2021, com a
divulgação pelas redes sociais do projeto, tendo a iniciativa
ganhado projeção em outros meios de comunicação,
chegando a rádios, TV’s e jornais locais, visando atingir o
maior número de artistas com deficiência possível e, assim,
efetivar o mapeamento dessas pessoas.
Esses números iniciais, e que ainda serão analisados
de forma aprofundada, já nos mostram que a maioria dos/as
artistas que responderam ao cadastro não possui a atividade
artística como atividade econômica principal, o que não só
nos revela uma realidade do artista em geral, como também
nos provoca a pensar sobre as oportunidades de inserção de
artistas PcD’s no campo cultural. Pelos gráficos conseguimos
detectar grupos artísticos locais que já promovem a inclusão
de PcD’s, tendo ainda a presença de pessoas da capital
Macapá como maior número de registros até o momento. Mas
já se faz importante refletir que os/as artistas cadastrados,
em sua maioria, possuem longos anos de atividade cultural,
cabendo, numa pesquisa mais aprofundada, pensar sobre
sua inserção e manutenção na cadeia produtiva da Cultura a
partir do aspecto da inclusão e acessibilidade. Percebemos
também que, nesse primeiro chamamento, algumas pessoas
pertencentes à região da Amazônia Legal responderam ao
cadastro.

21
Acessibilidade Cultural no Amapá

Cabe destacar que esse cadastro será editado,


formatado, publicado e disponibilizado gratuitamente pelo
LABAC, em forma de catálogo, a todo o estado do Amapá,
contendo, para além das informações dos/as artistas, seus
contatos profissionais e fotos de seus trabalhos.

Algumas considerações

É necessário construir pontes para que uma


comunicação de linguagens acessíveis na Cultura se
efetive no Amapá. Por isso, ações de extensão oriundas
das universidades públicas são importantes para a
movimentação e mobilização de ações sociais e culturais e
de políticas públicas a diversos públicos, como as Pessoas
com Deficiência.
O LABAC ainda continua com essas ações, e trabalha
na criação de outras, mantendo o movimento de intervir
no espaço social e cultural, oportunizando uma troca de
saberes entre os participantes das suas propostas, tendo a
perspectiva de que compreender as demandas das Pessoas
com Deficiência, em específico no âmbito cultural, só é
possível a partir da presença e atuação dessas pessoas.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR


9050: Norma Brasileira 9050 - Acessibilidade a edificações,
mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro,
2015.

BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Lei


nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência). Brasília, 6 jul. 2015.

CONGRESSO EUROPEU DE PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA. Declaração de Madri. Madri, 23 mar. 2002.

22
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração
Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em:
<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-
direitos-humanos>. Acesso em: 02 de set. 2021.

PEIXOTO, F. O que é Teatro. São Paulo: Brasiliense, 1980.

SARRAF, V. P. Acessibilidade cultural para pessoas com


deficiência – benefícios para todos. Revista do Centro de
Pesquisa e Formação. São Paulo, n. 6, jun. 2018, p. 23-43.

SARRAF, Viviane Panelli. A comunicação dos sentidos


nos espaços culturais brasileiros: estratégias de
mediações e acessibilidade para pessoas com deficiências.
Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2013. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/bitstream/
handle/4518/1/Viviane%20Panelli%20Sarraf.pdf>. Acesso
em: 18 set. 2017.

SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade


para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

23
Acessibilidade Cultural no Amapá

24
Inclusão no Meio do Mundo: relato pessoal de
uma ação de Acessibilidade Cultural

Kérsia Celimary Silvestre Ferreira3


DOI - 10.29327/552204.1-2

O mundo da Pessoa com Deficiência (PcD) é


completamente diferente do universo das pessoas que não
possuem deficiências, em especial, quem possui deficiência
passa constantemente por muitos tipos de preconceitos. A
grande maioria sofre inclusive maus-tratos, e o mais chocante
é que a discriminação e o preconceito podem começar no
seio familiar.
Desde cedo, compreendi que minha vida não seria
igual à das pessoas que não têm deficiência. Percebi que
os desafios que eu teria de enfrentar iriam muito além de
conseguir engatinhar, andar, aprender a falar, a me vestir.
Os verdadeiros desafios estavam apenas começando. E eu
tinha de me pôr à prova a todo instante. E não só provar para
a sociedade, mas para mim mesma que poderia superar os
desafios impostos. Sou Kérsia Celimary Silvestre Ferreira,
tenho 36 anos de idade, sou Pessoa com Deficiência visual,
funcionária pública e socióloga formada pela Universidade
Federal do Amapá - UNIFAP.

3
Licenciada e Bacharela em Sociologia pela Universidade Federal do
Amapá - UNIFAP. Servidora pública estadual. Atualmente exerce o cargo de
Chefe da Divisão de Saúde da Pessoa com Deficiência e Doenças Raras na
Secretaria de Saúde de Macapá SEMSA/Prefeitura Municipal de Macapá.
Presidente do IMM - Instituto Inclusão no Meio do Mundo e radialista na Web
Rádio Inclusão no Meio do Mundo. Contato: kersiacelimary@hotmail.com

25
Acessibilidade Cultural no Amapá

Sempre soube que minha luta não seria fácil, até


mesmo as coisas mais simples do dia a dia, como ouvir
rádio e assistir televisão, por exemplo. Essas ações de
fruição cultural me causavam fascínio, porém jamais pensei
que pudesse participar de um projeto de comunicação e
entretenimento.
Apresento um programa atualmente veiculado em uma
Web Rádio que procura promover a Acessibilidade Cultural
não só no estado do Amapá, mas também ao redor do
mundo, pois o programa é transmitido pela internet, na Web
Rádio Inclusão no Meio do Mundo.
As Pessoas com Deficiência também são dotadas
de grande capacidade e inteligência. Não nos interessa
segregar nosso trabalho, nem que ocorra a segregação das
pessoas em nenhum ambiente. Lutamos por uma sociedade
em que todos e todas tenham as mesmas oportunidades
de trabalho, onde Pessoas com Deficiência sejam vistas
e ouvidas e possuam os meios necessários para ter uma
vida com dignidade. É preciso que as leis saiam do papel e
comecem a valer de fato. Foi por causa dessa luta que surgiu
o Instituto Inclusão no Meio do Mundo - IIMM.
Tal instituto começou de um sonho que tinha desde
criança, o sonho de construir algo que pudesse oportunizar
acesso à Cultura para Pessoas com Deficiência e também para
as que não possuem. Todos e todas, juntos/as e misturados/
as, sem segregação ou qualquer tipo de assistencialismo.
Um lugar onde as pessoas pudessem se sentir acolhidas,
amparadas e entender que a Cultura é também um direito
em suas vidas.
O Instituto busca fornecer acolhimento, atividades
de lazer, cursos diversos como informática, orientação e
mobilidade para a atividade da vida diária, ou seja, auxiliar
as Pessoas com Deficiência a viver com autonomia, além
de trazer entretenimento através de projetos audiovisuais.
Procurando fazer a diferença no desenvolvimento da
potencialidade da comunidade em que se insere, o Instituto
fortalece na sociedade amapaense a necessidade de ouvir
os indivíduos com deficiência. Nós temos vez e voz! Não
somos um fardo. Somos pessoas cheias de emoções, dores,

26
lutas que travamos todos os dias. Nós existimos, estamos
aqui e, se cada um fizer a sua parte, teremos um lugar melhor
para viver.
Sempre fui ávida por conhecimento, e desde muito
cedo busquei estudar sobre as Pessoas com Deficiências,
não apenas porque sou Pessoa com Deficiência, mas porque,
principalmente no Brasil, existe a necessidade de projetos
e políticas públicas voltadas para as PcD’s. Precisamos de
um país mais acessível, uma cidade mais acessível, e por
isso criei o IIMM para transmitir informação, conscientização,
entretenimento e, dessa forma, adquirirmos visibilidade para
lutar pelos nossos direitos.
Neste breve relato pessoal, concentro-me agora
em minha jornada na criação do Instituto, começando pela
escolha do seu nome. Moramos em Macapá, uma cidade
que fica exatamente no meio do mundo, tendo o Monumento
Marco Zero como referência. Assim, busquei algo que
abrangesse esse contexto remetendo ao estado do Amapá,
à inclusão e ao mundo para que tudo pudesse se explicar em
uma simples frase, em um só contexto: Instituto Inclusão no
Meio do Mundo.
Criamos um Instituto com registro, representação e
personalidade jurídica para formalizar nossas ações, tendo
a participação de Pessoas com Deficiência em sua direção
e sendo protagonistas do processo. Com determinação e
persistência, o sonho virou realidade, contando com o apoio
de pessoas que acreditaram e acreditam até hoje nesse
projeto, pessoas essas não só do estado do Amapá, mas
também de fora dele.
O Instituto refletiu sobre a existência de projetos
audiovisuais que abrangem as Pessoas com Deficiência, ou
seja, programas de televisão, rádios FM/AM, Web Rádios,
assim como as plataformas de streaming que trazem
acessibilidade de áudio e vídeo englobando a audiodescrição,
janela de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) e legendas
no idioma de origem do usuário ou estrangeiro. Em vista
disso, há cerca de seis anos, começamos a apresentar
o programa Inclusão no Meio do Mundo, que viria trazer a
Acessibilidade Cultural não só para o Amapá, mas também

27
Acessibilidade Cultural no Amapá

para o mundo, colocando Macapá como um marco zero em


comunicação acessível numa ação para as Pessoas com
Deficiência e protagonizada por essas mesmas pessoas. O
programa segue até hoje com o mesmo formato, contendo
entrevistas locais e também de cunho nacional e internacional,
abrangendo tanto o público PcD como o universo das pessoas
que não possuem deficiências.
O programa começou com quatro apresentadores,
todos com deficiência visual/cegueira total: Kérsia Celimary
Silvestre Ferreira, Carlos Manulo da Silva Costa, Cleisson
Afonso e Isaque Ribeiro. As entrevistas eram apresentadas
pelos quatro apresentadores tanto no estúdio como em forma
de live via streaming. O programa era transmitido mediante
as redes sociais, como Facebook, Youtube e outras. Depois
o programa passou a ser apresentado por Kérsia Celimary
e Carlos Manulo, continuando com o mesmo formato. Mais
adiante, um novo apresentador se juntou à trupe, também
com deficiência visual/baixa visão: Hilarielton Picanço. Esse
ficou por um breve período no programa, que atualmente
continua com uma apresentadora: Kérsia Celimary, seguindo
o mesmo formato. Essa equipe de radialistas possui também
outras atividades profissionais, a partir de suas várias
formações técnicas e acadêmicas, trazendo para o programa
a discussão sobre o contexto de inserção de PcD’s no
mercado de trabalho, na Educação e na Cultura.
As Pessoas com Deficiência visual sempre tiveram
grande fascínio pelo rádio, pelo fator primordial de que tanto
a referência musical como a sonora garantem entretenimento
e informação para essas pessoas. Sendo assim, o programa
Inclusão no Meio do Mundo iniciou na Rádio Comunitária
de Macapá Novo Tempo. O programa contava com quadros
e entrevistas com um conteúdo voltado à PcD. Na época,
era transmitido ao vivo aos sábados, das 8h às 12h, pela
frequência FM, e depois também passamos a transmitir via
plataformas de mídias sociais como Youtube e Facebook,
por Canal próprio e Fanpage, trazendo um novo formato ao
entretenimento cultural amapaense. Tanto o formato no rádio
como as mídias sociais estão em vigência até hoje.

28
Em conjunto com o áudio, passamos a fazer
transmissões de vídeo ao vivo, trazendo um novo olhar,
quebrando barreiras tanto longitudinais como atitudinais,
assim como inúmeros paradigmas através do audiovisual.
Dando um novo formato à maneira de apresentar programas
no Amapá, trazemos um novo conceito em se tratando de
unificar o áudio e o vídeo com um modelo de programa de
rádio existente em nosso estado há décadas.
O programa inicialmente permaneceu na Rádio Novo
Tempo por oito meses na frequência FM e na Web. Após
esse período, fomos à Rádio Difusora de Macapá, agora
na frequência AM, seguindo com o mesmo formato, em
conjunto com as redes sociais. Era aos domingos, das 14h30
às 15h30. Os quadros continuaram. E por mais oito meses
permanecemos na Difusora.
Após esse período, o programa Inclusão no Meio do
Mundo ganhou outras proporções. Foi criado o Instituto IMM
e me tornei presidente da entidade. E o primeiro projeto
que colocamos em prática foi a criação de uma Web Rádio,
também de mesmo nome do Instituto. Tal projeto foi criado
pelo fato de que não havia viabilidade em outras empresas
para continuarmos com o programa, pois tentamos nos
comunicar com vários empresários desse ramo, mas não
obtivemos nenhuma resposta positiva para continuarmos,
por falta de apoio financeiro e de crédito na importância da
proposta do projeto, num reflexo de não entenderem a Pessoa
com Deficiência como consumidora não só de Cultura, mas
como geradora no campo da economia criativa. Sendo
assim, tivemos a decisão de criar a Web Rádio como primeiro
projeto do Instituto pelo fator primordial do encanto que o
rádio sempre trouxe a nós, Pessoas com Deficiência visual,
e seguimos modernizando esse contexto trazendo a imagem
em conjunto com o áudio. Para tanto, o programa Inclusão no
Meio do Mundo veio a se tornar o carro-chefe da Web Rádio,
promovendo um programa gestado, coordenado, executado
com Pessoas com Deficiência visual, ressaltando assim a
criação de uma forma de comunicação da Acessibilidade
Cultural numa rádio que literalmente pertence à comunidade
a que se destina.

29
Acessibilidade Cultural no Amapá

Apresentamos programas voltados ao público PcD


e também com diversas temáticas. Esses programas
passaram a ser transmitidos tanto em nível local como para
outros estados. E, para que pudéssemos montar o estúdio,
contamos com o auxílio de muitas pessoas de dentro e de
fora do Amapá, que doaram desde a madeira e o piso para
a acústica do espaço até o computador, a mesa de som,
os pedestais, os microfones e as espumas acústicas, que
permanecem no local até os dias de hoje.
A Web Rádio Inclusão no Meio do Mundo tem aplicativo
próprio nas plataformas digitais, e esse é totalmente
acessível, compatível com os smartphones para que as
Pessoas com Deficiência visual consigam acompanhar
toda a programação com autonomia, bastando o auxílio de
um leitor de telas, existente tanto para celular como para o
computador. Pode ser baixado através do site próprio: www.
radioinclusaonomeiodomundo.com.
Temos uma veiculação constante no horário de 8h
às 12h, sempre ao vivo, e aos sábados das 10 às 12h. É
relevante dizer que tal projeto recebeu, em Recife, o Troféu
Microfone Braille, um prêmio que foi criado para congratular
os trabalhos de Pessoas com Deficiência voltados ao
audiovisual. Também recebemos o Troféu Amapaense
Preparando Campeões pelo desempenho do programa e
pelo trabalho do Instituto.
Dentre tantas entrevistas e quadros, podemos
destacar um quadro que faz muito sucesso entre todos que
acompanham o programa. É o quadro Versão Brasileira,
em que são realizadas entrevistas com profissionais que
trabalham com a voz, ou seja, locutores e dubladores de
relevância nacional. Nosso primeiro entrevistado nesse
quadro foi o ator e dublador Mário Jorge Andrade, que dubla
oficialmente no Brasil os atores americanos Eddie Murphy
e John Travolta. Até hoje muitos dubladores e dubladoras
passaram pelo quadro e todos deixaram sua marca especial
nele.
Ainda ressaltando as entrevistas, já passaram pelo
programa o diretor do Programa Encontro com Fátima
Bernardes, Alexandre Mattoso, o cantor e apresentador

30
Dudu Braga e a doutora Maria Isabel Loureiro Maior. São
muitas outras entrevistas, todas com sua marca, trazendo
um conteúdo sem segregação e com muita informação e
entretenimento para quem nos acompanha.
Através do Instituto e do programa específico que
apresento, aprendi e confirmei que as Pessoas com Deficiência
podem ir muito além do que a sociedade nos impõe, nos nega
ou segrega. As dificuldades por que passamos até hoje não
nos fizeram desistir desse projeto. Ainda nos entristece saber
que nosso trabalho é pouco conhecido no estado do Amapá.
Por outro lado, somos conhecidos internacionalmente por
esse trabalho que gira o mundo, levando o entretenimento/
informação a quem precisa. Esperamos que essa situação se
reverta e que possamos de forma igualitária trabalhar nesse
meio tão competitivo no Amapá que é a comunicação.
Apesar da pequena estrutura que temos, estando nossa
sede estabelecida no momento na casa do apresentador
Carlos Manulo da Silva Costa, o Instituto Inclusão no Meio
do Mundo, através do projeto da Web Rádio, mostra para
sua equipe e para as pessoas que nos acompanham e que
acreditam nesse projeto que não devemos desistir de lutar
por nosso direito de ter e fazer Cultura. Apesar de não termos
sede própria, foi doado ao Instituto um terreno com cerca
de quatro hectares localizado no assentamento Raimundo
Osmar, próximo à cidade de Macapá. O terreno está situado
numa localidade rural, por isso pretendemos, além de todos
os projetos citados, trazer um subsídio para que futuramente
as pessoas possam aprender com a terra, ou seja, retirar da
natureza seu alimento e aprender com ela uma nova forma
de viver, oportunizando às Pessoas com Deficiência e sem
deficiência a empregabilidade, para evitar que fiquem no
ostracismo e na ociosidade, trazendo mais qualidade de vida.
Nosso próximo passo é a criação da Web TV Inclusão
no Meio do Mundo, levando nosso conteúdo para outras
telas. São novos passos na luta não somente pelas Pessoas
com Deficiência, mas em prol de um viver numa sociedade
mais justa e igualitária onde o princípio da isonomia passe a
valer, trazendo para todos um ambiente realmente acessível.

31
Acessibilidade Cultural no Amapá

Há de se ressaltar que a Web Rádio Inclusão no Meio


do Mundo tem como colaboradores tanto Pessoas com
Deficiência como sem deficiência trabalhando juntas por um
só objetivo: levar a Acessibilidade Cultural para todos e todas
ao redor do mundo.

32
Artes Circenses e inclusão: de uma
experiência de Acessibilidade Cultural a uma
Acessibilidade Sensível

Leyse Monick França Nascimento4


DOI - 10.29327/552204.1-3

Introdução

Esta produção trata-se de um recorte de minha


monografia do curso de Especialização em Acessibilidade
Cultural, realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro,
no período de 2013 a 2014. Logo, destaco que foi a partir de
minha formação no magistério, na graduação em Pedagogia
e de uma experiência de inclusão por meio das Artes
Circenses de alunos com deficiência de escolas do município
de Macapá que me despertou o interesse por investigar as
iniciativas acerca da inclusão e do acesso à Cultura por
pessoas com deficiência, mais especificamente nas Artes
Circenses, visto que por meio dessas é possível desenvolver
um processo do brincar educativo nas diversas linguagens:
Teatro, Artes Plásticas, Dança, Música e Expressão Corporal.
Após a realização de um levantamento historiográfico
acerca do atendimento destinado às pessoas com deficiência,
constatamos que as fases de segregação, integração e
inclusão compõem uma tríade que, no decorrer dos tempos,
4
Professora da Educação Básica do Estado do Amapá e do Município de
Macapá - AP, Doutoranda e Mestra em Educação (UFRJ), Especialista em
Acessibilidade Cultural, Libras e Psicopedagogia. Contato: leysemonick79@
gmail.com

33
Acessibilidade Cultural no Amapá

culminou em ações particulares, assistenciais, oficiais


isoladas e, mais recentemente, em políticas públicas que,
embora desarticuladas, tornaram a inclusão de pessoas com
deficiência tema de inúmeras discussões em nosso contexto
social. Mas ainda se percebe que é incipiente a participação
das pessoas com deficiência em alguns segmentos de
nossa sociedade, a exemplo de equipamentos culturais
como museus, teatros, praças, cinemas, bibliotecas, pontos
turísticos e, em particular nesta produção científica, o Circo.
Estudar o fenômeno das Artes Circenses no âmbito
escolar, em primeira instância, pode parecer uma tarefa fácil.
Talvez porque uma grande parcela da população se dedique
pouco a pensar sobre tal, atendo-se à sua falsa aparência,
encarando-as simplesmente como diversão e entretenimento,
ou como uma atividade banal, desprovida de utilidade para
a produção material da sociedade. Procurar a essência das
Artes Circenses é tentar redimensionar o fenômeno além da
visão do entretenimento como passatempo. É tentar descobrir
sua dimensão humana, de sensibilização e expressão
artística, sem nunca perder de vista a teia de inter-relações
com o ambiente e a sociedade.
Ao longo da história do Circo, destacam-se algumas
características de acordo com os contextos históricos
ocorridos. Na Antiguidade, com o desejo de domesticar e
adestrar animais foi que a Arte Circense teve sua gênese.
No Egito antigo, há 35 séculos, dava-se a primeira coleção
de animais exóticos, essa registrada por meio de desenhos
em suas pirâmides. Na Índia e na China, os animais, após
sua captura, eram considerados troféus. Mas foi a civilização
grega que desenvolveu os princípios da doma, em 2.400
a.C., e criou o primeiro anfiteatro chamado “Cnossos”, onde
jovens atletas faziam exercícios sobre touros.
Na sociedade atual podemos considerar duas
expressões do Circo, o Clássico e o Novo. O primeiro
caracterizado pelas tradicionais lonas, picadeiros em formato
circular, palhaços, adestramento de animais, malabarismos,
acrobacias, aquele que nos remete às lembranças de nossa
infância. Frente à expressão tradicional do Circo Clássico,
emerge o Circo Novo, com sua expressão contemporânea,

34
trazendo muitas modificações para as práticas circenses,
como: o rompimento com a escritura dramática do Circo
Clássico, o não uso de animais em seus espetáculos, o
uso de novos espaços e modificações de sua estrutura
tradicional; e adoção de uma nova estética circense para
atender às exigências do modelo econômico vigente. Esse
novo modelo de Circo traz como foco de sua formatação
o elemento humano e o cruzamento com as demais artes,
como a Dança e a Música.
Partindo do pressuposto de que a assimilação
da diversidade humana sem preconceitos ou rejeições,
apresentada por Camus (2004, apud TUCUNDUVA,
MOLINARI, 2010), é um elemento presente no ideário
circense, buscamos contribuir para o debate sobre a
Acessibilidade Cultural por meio das Artes Circenses como
um processo de emancipação da pessoa com deficiência.
Desse modo, o objetivo central da pesquisa aqui relatada foi
estudar o Circo numa perspectiva inclusiva e o processo de
desenvolvimento das Artes Circenses no espaço escolar como
uma ferramenta lúdica, de estimulação e fortalecimento do
pensar e do fazer pedagógico para a pessoa com deficiência,
visando sua autonomia e inclusão sociocultural. Esse estudo,
portanto, focou em uma experiência realizada pela Secretaria
Municipal de Educação de Macapá (SEMED), em parceria
com o Circo Roda Ciranda, na cidade de Macapá, capital do
estado do Amapá.
Nesse contexto, apresentaremos como é possível
pensar as Artes Circenses como uma possibilidade de unir
uma Educação Inclusiva com o que passa além dos muros
das escolas, possibilitando relações interpessoais entre
os educandos, oferecendo condições do pensar e sentir,
facilitando a realização de atividades criadoras.

Artes Circenses e a educação inclusiva: interfaces em


Macapá

A tríade Educação, Cultura e Arte instrumentaliza


conhecimentos múltiplos de áreas diversas, e isso nos ajuda
a cruzar informações racionais, emocionais e sensoriais que

35
Acessibilidade Cultural no Amapá

agem como uma mola propulsora na emancipação da pessoa


com deficiência. Dentre tantas vertentes da Arte, destacamos
as Artes Circenses como uma relevante oportunidade para
expressar sentimentos, desenvolver novas experiências e
aumentar o fluxo das realizações pessoais e no grupo. Essa
Arte que traz no seu bojo inúmeras formas de expressão
inventadas pela humanidade confunde-se com as raízes de
diferentes formas das Artes do Corpo, a exemplo do Teatro e
da Dança, visto que tende a explorar artisticamente todas as
formas de manifestação do movimento humano.
Uma análise histórica das Artes Circenses remete-
nos a uma existência milenar acompanhando as diversas
formas de manifestações humanas de cultura. Segundo
Duarte (1995), em terras brasileiras, as primeiras notícias de
números circenses datam do século XVIII. Nesse e no século
posterior, ciganos e saltimbancos5 por aqui se apresentavam.
Já no século XIX, momento em que o Brasil passou por um
intenso processo de transformações econômicas e sociais,
principalmente através dos ciclos da borracha e do café,
várias companhias circenses europeias visitaram a América
do Sul.
Segundo Duprat e Gallardo (2010), o que o Circo Novo
traz realmente de novo é a abertura dos conhecimentos e
dos saberes circenses construídos e desenvolvidos ao longo
de séculos por aqueles que viviam o Circo diariamente para
pessoas que não faziam parte dessa forma de vida. O mais
importante é que esses saberes podem ser aprendidos fora
do circo em espaços como as escolas especializadas, os
centros culturais, espaços escolares diversos etc. Portanto,
diante dessa nova configuração das Artes Circenses,
originam-se inúmeras possibilidades de desenvolvimento
dessas, ou seja, pensar em Circo na atualidade é pensar
que o picadeiro se desprendeu das lonas, ocupando diversos
espaços e instituições da sociedade.

5
Integrantes de um grupo de nômades atores que vão de um povoado a
outro fazendo exibições de circo e comédia, em troca de dinheiro ou comida
ou hospedagem. Mais informações em: www.dicionarioformal.com.br.

36
A atividade circense propicia um diálogo, pois parte
de uma singularidade para a coletividade, valorizando
os múltiplos olhares, a sensibilização e o cuidado como
elementos enriquecedores do desenvolvimento pessoal e
social tanto de alunos como de educadores que vivenciam as
aulas práticas. Com isso, a argumentação sobre a validade
do Circo como atividade inserida na educação formal, como
atividade lúdica ou de extensão é irrefutável, especialmente
para as pessoas com deficiências, que por longos anos
estiveram segregadas e afastadas do convívio social, da
escola e da Cultura.
É nesse contexto que percebemos que a Arte Circense
como atividade pedagógica possui valores imensuráveis,
pois, além de um completo desenvolvimento corporal,
agregam-se valores do conhecimento artístico e cultural. O
saber circense ultrapassa o conhecimento técnico e, dentro
de uma experiência itinerante e cooperativa, transforma-se
em filosofia de vida. Fundamentados nessas bases teóricas,
percebemos que é importante ressaltar a necessidade de
contextualizarmos o debate acerca da diversidade cultural
para a superação dos padrões homogeneizadores de se
pensar em fazer política educacional, a fim de responder
às prioridades de seu contexto, história, cultura e tradição
educativa.
Entendendo que a escola deve ser um dos principais
meios de ensino/aprendizagem e produção de Cultura,
destacamos uma experiência que alavancou a discussão
em torno da necessidade e relevância da Acessibilidade
Cultural no município de Macapá: a iniciativa experimental
inclusiva de uma associação cultural denominada Circo Roda
Ciranda, que, entre inúmeras ações, propiciou a inclusão de
alunos com deficiência da rede regular de ensino por meio
da Arte Circense, através de uma parceria com a Secretaria
Municipal de Educação de Macapá (SEMED) por meio do
Programa Federal Mais Educação.
Fomentar reflexões e debates no campo das
políticas culturais, além de orientar e implementar
conteúdos, ferramentas e tecnologias de acessibilidade que
proporcionem fruição estética, artística e cultural é cada vez

37
Acessibilidade Cultural no Amapá

mais necessário para que a pessoa com deficiência se sinta


parte integrante de nossa sociedade, logo, espera-se que
a escola seja esse fio condutor para tornar nossa Cultura
acessível a toda a comunidade escolar.

Circo Roda Ciranda: uma experiência de inclusão e


Acessibilidade Cultural – Metodologia

A pesquisa realizada, de caráter qualitativo, tratou-se


de um estudo de caso, que, segundo Yin (2005, apud DEUS,
CUNHA, MACIEL, s/d, p. 3), é uma investigação empírica,
um método que abrange tudo – planejamento, técnicas de
coleta de dados e análise desses. Ainda nessa perspectiva, o
conhecimento “gerado a partir do estudo de caso é diferente
do conhecimento gerado a partir de outras pesquisas porque
é mais concreto, mais contextualizado, mais voltado para
a interpretação do leitor e baseado em populações de
referência determinadas pelo leitor” (MERRIAN,1988, apud
DEUS, CUNHA, MACIEL, s/d, p. 3). Deus, Cunha e Maciel
(s/d, p. 3) ainda explicam que estudo de caso qualitativo
atende a “quatro características essenciais: particularidade,
descrição, heurística e indução”, em que:

A primeira característica diz respeito ao fato de que o


estudo de caso focaliza uma situação, um fenômeno
particular, o que o faz um tipo de estudo adequado
para investigar problemas práticos. A característica da
descrição significa o detalhamento completo e literal da
situação investigada. A heurística refere-se à ideia de que
o estudo de caso ilumina a compreensão do leitor sobre
o fenômeno estudado, podendo “revelar a descoberta de
novos significados, estender a experiência do leitor ou
confirmar o já conhecido” (ANDRÉ, 2005, p.18). A última
característica, indução, significa que, em sua maioria, os
estudos de caso se baseiam na lógica indutiva.

Nesse contexto, o estudo de caso abordado nesta


pesquisa focalizou a possibilidade de inclusão e Acessibilidade
Cultural por meio das Artes Circenses, descrevendo uma

38
experiência realizada pela Associação Cultural Circo Roda
Ciranda no ano de 2013, através de uma parceria com a
Secretaria de Educação de Macapá (SEMED), por meio do
Programa Mais Educação, revelando novas possibilidades
de acesso não somente à Educação, mas também à Cultura.
O referido estudo foi realizado inicialmente por meio
de uma pesquisa qualitativa bibliográfica acerca das obras
de diversos teóricos que se debruçaram sobre a temática
das Artes Circenses no âmbito escolar para a pessoa
com deficiência, considerando a pluralidade de aspectos
envolvidos (físico, humano, material, social, econômico
e cultural), assim como mediante pesquisa empírica com
entrevistas semiestruturadas.
A pesquisa teve continuidade com visita (marcada em
um contato anterior) às dependências do Circo Roda Ciranda,
onde foi possível conhecer os membros que compõem
a associação e agendar entrevista semiestruturada com
registro em vídeo para data posterior. No dia da entrevista,
iniciamos dando informações sobre a pesquisa, seu objetivo
geral, objetivo específico e metodologia a ser utilizada. A
entrevista foi realizada com a família fundadora da Associação
Cultural Roda Ciranda, denominada nesta pesquisa de P1
(mãe), P2 (pai), P3 (filha) e P4 (filho), os quais assinaram
autorização de filmagem. Após a entrevista, foi feita visita às
demais dependências do Circo Roda Ciranda com registros
fotográficos.

Circo Roda Ciranda: inclusão e acesso à cultura por meio


da Arte Circense

A Associação Cultural Circo Roda Ciranda surgiu em


meados de 1999 e foi fundada por uma família composta
pelas quatro pessoas anteriormente citadas. Tudo teve início
com uma acolhida que era realizada na escola em que P1
trabalhava, seus filhos estudavam e seu esposo participava
em eventos/ações tocando violão. Num certo dia, seu esposo
foi convidado para participar do lançamento de uma revista
chamada Ciranda Matinal e teve a ideia de levar as crianças
da escola para se apresentarem no teatro com as cantigas e

39
Acessibilidade Cultural no Amapá

músicas que sempre ensaiavam na acolhida. Desse momento


em diante surgiram outros convites. Foi então que começou
um outro trabalho, com a caracterização de palhaço, em que
pintavam crianças no intuito de acabar com o medo que elas
tinham do personagem.
Como já existia a figura do palhaço nas atividades
desenvolvidas, o casal e seus filhos passaram a adotar práticas
da Arte Circense, como o malabarismo e o equilibrismo,
adentrando a Pedagogia das Artes Circenses. Com o passar
do tempo, o projeto foi crescendo e se transformou num
circo pedagógico. Ainda em 1999, foi implantado um espaço
permanente para realização de oficinas ligadas à Arte
Circense envolvendo malabares, equilíbrio e comicidade na
comunidade do Bairro do Goiabal, no município de Macapá.
Em 2002 a Escola-Circo se transferiu para o centro da
cidade, onde instalou sua tenda com aulas e espetáculos até
2006. A trupe se instalou de 2007 a 2010 no Colégio Santa
Bartolomea Capitânio, onde facilitou aulas complementares
para os alunos da instituição e oficinas gratuitas para
comunidade carente. A tenda do Circo Roda Ciranda voltou
em 2011 para a comunidade do Goiabal, onde atendeu 1.500
crianças das escolas municipais de Macapá, através do
Programa Mais Educação6. O Circo Roda Ciranda nasceu
e tem se fundamentado, segundo P3, filha do casal, no
propósito de valorização e fortalecimento da família. Logo, “a
filosofia do circo é muito semelhante à filosofia da sua família,
do seu trabalho”.
P3 ainda acrescenta que “o Circo pedagógico que
a família defende é um espaço de reprodução de todas as
relações sociais, você pode relacionar cada atividade do
circo com as relações sociais, ou seja, o objetivo é propiciar
a transformação social por meio da arte, por isso que não é
uma escola de circo, não tem o objetivo de formar artistas,
técnicos de circo, malabaristas, acrobatas... O objetivo é

6
O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº
17/2007 e pelo Decreto n° 7.083, de 27 de janeiro de 2010, integra as ações
do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do
Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização
curricular na perspectiva da Educação Integral (MEC, 2013).

40
contribuir para a formação de cidadãos, pois proporcionam
a experimentação dessas relações sociais por meio das
artes circenses, de forma lúdica, prazerosa, divertida, que
sensibiliza muito mais a criança com ou sem deficiência,
que vai tomar para si, vai internalizar esse valor através da
ludicidade e da experimentação da arte muito mais fácil do
que você só dizer para ela”. P2, por sua vez, destaca que
“neste projeto não há disputa, rivalidade ou competição entre
os alunos ou escolas, não existe divisão menino e menina, é
uma proposta educacional não sexista”. P4, filho de P1 e P2,
enfatiza que “a arte circense é como um ato coletivo de ajuda
mútua, pois as crianças também aprendem a compartilhar e
a ajudarem umas às outras”.
Baseado nesses princípios, o Circo Roda Ciranda,
através do Projeto Picadeiro Cidadão, que intitula a parceria
com a SEMED, concentra suas atividades nos valores
familiares e culturais e na ampliação de novos conhecimentos
através da realização de oficinas de Arte Circense com
acrobacias (rolamento, pirâmides humanas), malabarismos
(bolinhas, claves, lenços), equilíbrio (corda bamba, perna
de pau, rolo e aparelhos específicos) e a palhaçaria, além
de iniciação musical (flauta e percussão) e Educação do
Ser (trabalhando valores como confiança, segurança, ética,
formação de plateia, meio ambiente etc.), que colaboram
para a construção de ideias inovadoras, pois o Circo, com
seu caráter itinerante e plural, prima pela criatividade e uma
enorme capacidade de adaptação. Assim, a fim de contribuir
para a inclusão social, o projeto visa, principalmente, o
fortalecimento e a construção de um estado verdadeiramente
cidadão.
Sendo assim, o Circo Roda Ciranda atuou na
comunidade do município de Macapá através das escolas de
ensino fundamental da rede municipal envolvidas no Programa
Mais Educação, favorecendo a formação integral dos seus
alunos por meio da Arte Circense. A inclusão de crianças
com deficiência teve início com a parceria firmada com a
SEMED. Não foi nada programado ou planejado. Segundo
P2, as crianças com deficiência passaram a frequentar o
projeto, pois frequentavam o ensino regular das escolas

41
Acessibilidade Cultural no Amapá

contempladas no Programa Mais Educação. As crianças


chegaram ao Circo Roda Ciranda e foram participando de
forma natural, tendo suas limitações respeitadas e suas
potencialidades desenvolvidas. O trabalho desenvolvido
com as crianças com deficiência não foi algo pontual, ou
seja, não existiu uma prática sistematizada, específica, com
profissional habilitado para cada deficiência. Esse pode ser
considerado como um trabalho experimental que foca as
possibilidades de cada criança.
A ideia foi oportunizar a todos a participação, e o
objetivo, afirma P3, “não é dar aula, e sim proporcionar uma
vivência à criança com ou sem deficiência, uma experiência
diferente, para que a mesma tenha uma nova visão da sua
própria realidade, pois o Circo propicia inúmeras sensações.
Ao se deparar com a lona, com o cenário, com os professores,
com sua própria atuação seja no palco, seja na plateia, quando
ouve uma música diferente da que escuta em casa, ela vai
criando um gosto estético, reconhece outro tipo de ambiente,
acaba se interessando por outros tipos de arte, por outras
atividades”. Isso é muito importante, porque as crianças
recebidas no Circo Roda Ciranda são, na grande maioria, de
áreas consideradas de vulnerabilidade social, muito restritas.
Por vezes a criança mora e estuda em um determinado bairro
ou área e explora somente aquele universo entre a casa e a
escola, limitando-se às opções e possibilidades aí existentes.
Logo, tirá-la do pequeno universo em que ela vive e deslocá-
la para um espaço diferente, com milhares de oportunidades,
amplia as possibilidades de vida e o desenvolvimento daquela
criança.
O Circo já recebeu crianças com síndrome de Down,
cegueira, baixa visão, surdez, crianças autistas, hiperativas,
cadeirantes e desenvolveu o atendimento dentro das
possibilidades de cada especificidade, oportunizando
vivências. As crianças com deficiência, algumas vezes, vinham
da escola com acompanhante individual, que participava,
colaborava e ajudava nas atividades dando suporte. Tudo
sempre feito na base da experimentação – o que ela pode
ou não fazer, o que ela consegue fazer, quando ela precisa
da ajuda de outro. As próprias crianças sem deficiência se

42
solidarizaram com os colegas com deficiência e se tornaram
mais sensíveis às particularidades daqueles que possuem
alguma limitação, seja de ordem sensorial, intelectual e/ou
física. A preocupação era que ninguém ficasse de fora e
todos participassem.
Várias experiências foram realizadas com pessoas
com deficiência, entre elas uma aluna com deficiência visual
realizou atividade de andar com perna de pau em ambiente
aberto sem obstáculos; um aluno autista rodou prato; uma
aluna cadeirante executou malabares; uma aluna com baixa
visão utilizou o swing (objeto que faz necessário coordenar
movimentos); um aluno com síndrome de Down rodou
perfeitamente a bandeira e também o prato, e o fez de maneira
mais complexa, pois a atividade consiste em segurar a ponta
de uma vara e com ela girar um prato, e o aluno segurou
essa vara pelo meio, ou seja, ele criou a melhor maneira
para a execução da atividade; um aluno surdo realizou quase
todas as atividades, pois aprendeu visualizando os gestos,
movimentos e expressões, além de ter demonstrado um
grande potencial para fazer mímicas.
Em entrevista, os fundadores do Circo Roda Ciranda
enfatizaram que a deficiência não é o definidor da atividade
a ser desenvolvida, a criança passa por um processo de
experimentação da atividade em si e sua habilidade é que
define se uma determinada atividade pode ser realizada por ela
ou não. Um ponto positivo observado pelo grupo diz respeito
à participação, pois a criança, com ou sem deficiência, sente-
se valorizada ao participar de uma atividade, experimentar,
se descobrir, mesmo que ela não conclua sua execução, mas
só o fato de ela tentar a impulsiona a experimentar numa
próxima vez.
Indagados sobre a importância da Arte Circense
para o desenvolvimento humano, acrescentaram que, “de
acordo com as experiências realizadas, é essencial para a
autoestima das crianças, o se sentir capaz é fundamental,
assim como o crescimento pessoal não somente dos alunos,
mas dos coordenadores, monitores e professores envolvidos
no projeto, pela questão social, uma vez que o Circo está
aberto a todos, e todos têm o seu lugar dentro da lona”.

43
Acessibilidade Cultural no Amapá

A avaliação que os entrevistados fazem de todo esse


projeto de vida, que iniciou há alguns anos com uma acolhida
em uma escola, é, na visão de P2, que “isso tudo foi um
sonho que não se sonhou sozinho”; na visão de P4, “o Circo
é um eterno aprendizado, que proporciona uma melhoria,
descoberta e uma transformação diária”; e na visão de P1,
“o que existe hoje é muito mais que um sonho, é realidade,
o Circo com seus valores familiares e habilidades através
da arte circense é fundamental para a vida de qualquer ser
humano, proporciona aprendizados como ser mais sensível,
mais predisposto a perceber o outro, a necessidade do outro,
através da próprias vivências no dia a dia circense”.

Políticas de acessibilidade e produção estética de


pessoas com deficiência: por uma Acessibilidade
Sensível

Eu não sou um deficiente artista, eu sou um artista


deficiente, sou um artista e quero respeito como tal,
porque sou um ser humano e, antes disso, eu sou um
cidadão brasileiro. (Rogério Andreolli)

A Arte Circense leva-nos a refletir sobre a inclusão da


pessoa com deficiência a partir de um debate ético e estético.
Faz-se necessário fomentar discussões que nos levem a
conhecer as dimensões que se encontram limitadas ou
não no que diz respeito à inclusão cultural dessas pessoas
historicamente excluídas. A acessibilidade das pessoas com
deficiência comumente é associada a questões físicas e
estruturais, havendo necessidade de se pensar também na
acessibilidade em outros campos da vida social dos sujeitos.
Se queremos falar de estética e de política, façamos
um breve entrelaçamento sobre tais conceitos. Estética,
como um campo da Filosofia, já foi compreendida através
de diversos ângulos. Hermann (2006) destaca um histórico
que a associa a Arte, mas que nas suas evoluções não fica
somente nesse espaço, pois a estética surge cada vez mais
como possibilidade de não sucumbirmos à objetividade
racional. Isso ultrapassa a teoria da obra de arte e se

44
estende para a discussão acerca de como atua o estético
sob os diversos domínios da vida cotidiana, desde a política
até a mídia. Desse modo, a autora salienta que a relação
entre Ética e Estética se torna necessária na Educação.
Essa relação reestabelece os vínculos entre o racional e o
sensível e possibilita a relação com o outro em sua alteridade.
Alteridade que, nesse caso, recebe novas configurações,
pois, segundo Hermann (2006, p. 32):

A produção artística e a estética incluem-se num


movimento de interpretação da vida e reinventam o
conceito de alteridade, na medida em que a experiência
estética enfatiza uma multiplicidade de dimensões do
estranho, que nos retira da conformidade com o familiar,
abrindo espaço para uma alteridade antes desconhecida.

Nessa nova relação, a Estética, juntamente com a


ética e a alteridade, auxilia-nos neste trabalho a pensar
de que modo as políticas de acessibilidade podem sair
desse caminho unidimensional de compreensão sobre
o mundo físico e estrutural e abranger o sensível, nesse
caso, representado pela inclusão cultural das pessoas com
deficiência. O estudo de caso deste trabalho demonstrou
esse momento de Inclusão, de Acessibilidade Cultural e de
Acessibilidade Sensível. A fruição, a produção e o fomento
dessa estética pelas próprias pessoas com deficiência
revelam-nos importante ferramenta de ilustração e de
efetivação de um trabalho que caminha em direção aos
princípios de participação e democracia. Por isso, este
trabalho desenvolvido em Macapá nos serve como referência
e pesquisa, já que representa um germe no trabalho com
atividades artísticas que colocam o sujeito com deficiência
como centro, como atuante, como ator social. Esse trabalho
caracteriza-se como estética e ação da diversidade cultural
brasileira, tão bem representada pela Arte Circense.

45
Acessibilidade Cultural no Amapá

Revisitando o Picadeiro: o Circo Roda Ciranda como


promotor de uma Acessibilidade Sensível7

Quando escolhemos um estudo de caso, necessitamos


colocá-lo como referência pontual para, na medida de sua
interpretação, podermos relacioná-lo com a totalidade de
um fenômeno social. Verificamos que as ações articuladas
dentro da Associação Cultural Roda Ciranda trazem muitas
questões relacionadas ao direito das pessoas com deficiência
no acesso aos bens culturais e sua atuação efetiva dentro de
um contexto artístico.
Além das ações com pessoas com deficiência, o
Circo oferece um contexto que constrói uma relação estética
através de uma Acessibilidade Cultural. Como mencionado, a
Associação trabalhou com o Circo pedagógico e, por meio do
Programa Mais Educação, inseriu as pessoas com deficiência
por meio de suas potencialidades, e não de suas limitações.
Sendo assim, o objeto de estudo deste capítulo
seguiu os parâmetros e orientações previstas no âmbito do
que propunha o Ministério da Cultura no que diz respeito à
Acessibilidade Cultural. A interpretação que fazemos do caso
estudado nos direciona para duas questões presentes nas
falas dos integrantes do Circo Roda Ciranda: o Circo como
espaço de Acessibilidade Cultural e o Circo como promotor
de uma estética que respeita o outro na sua diferença, sendo
essas as perspectivas de nossa análise.
De que maneira o Circo apresenta-se como espaço
de Acessibilidade Cultural? Primeiro, colocamo-nos na
escuta dos sujeitos que fazem o Circo em Macapá para
compreender que seus trabalhos se direcionam à temática
em questão. Quando os integrantes colocam que o espaço
do circo “proporciona a socialização, o circo te eleva, quando
você chega no circo você olha para ‘cima’, o malabares é
para ‘cima’, o circo ele só te ‘eleva’, a arte circense é só
alegria, e é esse o propósito de toda a família, o de levar
alegria” (P2), podemos considerar que os promotores dessa
7
Todos os trechos em itálico neste capítulo representam as falas dos
entrevistados, algumas já transcritas anteriormente. Contudo, aqui estamos
utilizando-os como referências para a análise que pretendemos construir.

46
atividade proporcionam a Arte Circense não só como um
mecanismo de alegria, mas como espaço de socialização da
Cultura, passada de geração a geração por uma família.
A Associação também criou diversos projetos,
pensando na ampliação da Acessibilidade Cultural, alguns
exemplos são o Projeto Picadeiro Cidadão (em parceria
também com a SEMED), Circo Escola e Clube do Gibi
(parceria com o Governo do Estado do Amapá - GEA por meio
do Museu Sacaca) e a Palhaceata, passeata que acontece
anualmente no dia 10 de dezembro em homenagem ao
Dia do Palhaço, com a participação de toda a comunidade
circense amapaense (grupos de artistas circenses, grupos
de teatro, grupos culturais e admiradores da Arte). Segundo
relatos dos sujeitos, o projeto Picadeiro Cidadão realizava

[...] oficinas de Arte Circense com acrobacias (rolamento,


pirâmides humanas), malabarismos (bolinhas, claves,
lenços), equilíbrio (corda bamba, perna de pau, rolo e
em aparelhos específicos) e o palhaço; iniciação musical
(flauta e percussão) e Educação do Ser que colaborem
para a construção de ideias inovadoras, pois o Circo com
seu caráter itinerante e plural, prima pela criatividade e
uma enorme capacidade de adaptação.

Através dessas atividades, o Circo surge como um


dos representantes da diversidade cultural brasileira e, desse
modo, insere-se como espaço de atuação das pessoas com
deficiência. A equipe que coordenou a proposta acrescenta
que o trabalho com as pessoas com deficiência é feito
através das experiências dadas ao longo do processo, de
modo que, ao explorar as potencialidades desses sujeitos,
vislumbram neles suas capacidades artísticas para inserção
no mundo circense. Destaca-se que, segundo indica a
equipe, a Acessibilidade Cultural se dá no momento em que
as barreiras são substituídas por inclusão.
Refletindo sobre o Circo como promotor de uma estética
que respeita o outro na sua diferença, podemos destacar
e analisar diversas falas dos entrevistados colocando a
diferença como potencialidade, e não como complicador do

47
Acessibilidade Cultural no Amapá

ato de fazer Arte Circense. Conforme expõe P3, as atividades


circenses

[...] não se resumem a dar aula, e sim proporcionar


uma vivência à criança com ou sem deficiência, uma
experiência diferente, para que a mesma tenha uma
nova visão da sua própria realidade, pois o circo propicia
inúmeras sensações, ao se deparar com a lona, com o
cenário, com os professores, com sua própria atuação
seja no palco, seja na plateia, quando ouve uma música
diferente da que ela escuta em casa, ela vai criando um
gosto estético, reconhece outro tipo de ambiente, acaba
se interessando por outros tipos de arte.

Como uma experiência estética, a Arte Circense


propicia aos sujeitos o contato com a alteridade, e nela vê
condições, possibilidades e desafios que, nos movimentos
cotidianos de fazer Arte, abrirão novos horizontes de atuação
e conhecimento.
Pensar a estética da diferença e reconhecer o outro
em sua particularidade parece-nos um trabalho há anos
realizado pela equipe que coordena a Associação. Mesmo
que num nível ainda experimental, no que tange a ações
com crianças com deficiência, os sujeitos entrevistados
revelaram sabedoria de uma Arte que historicamente
vem quebrando preconceitos e instigando os sujeitos à
sensibilidade artística. Desse modo, o vínculo entre as
políticas públicas de Acessibilidade Cultural e as atividades
desenvolvidas pelo Circo Roda Ciranda deve ser destacado.
Um trabalho que teve início com uma família e hoje espalha
e constrói uma Acessibilidade Sensível. Sensível ao outro,
às particularidades, à vida e principalmente ao potencial que
cada criança apresenta nas ações do Circo.

Considerações finais

É mister evidenciar nesta conclusão de pesquisa


que o Circo e sua arte, ao longo de sua história, sempre
buscou contribuir para a inclusão da pessoa com deficiência.

48
Essa prática se deu de diversas formas nos diferentes
contextos históricos, ora transformando suas deficiências
em espetáculos, ora oportunizando uma interação numa
experiência de inclusão por meio das Artes Circenses, como
foi a experiência realizada no município de Macapá por
alunos com e sem deficiência.
Nesse contexto, a realização desta pesquisa nos
possibilita concluir que, na experiência de inclusão e
Acessibilidade Cultural do Circo Roda Ciranda, os alunos
com deficiência participaram das atividades circenses dentro
das suas possibilidades, tendo suas limitações respeitadas
e suas potencialidades valorizadas. O Circo Roda Ciranda
desenvolveu, além do Projeto Picadeiro Cidadão, outros
projetos em parceria com o Governo do Estado do Amapá,
constituindo, em seus promotores, uma filosofia de vida
que desenvolve seus projetos de forma agregadora,
não sexista, respeitando a diversidade, pautada numa
perspectiva inclusiva, apresentando ainda as contribuições
das Artes Circenses para o desenvolvimento da pessoa com
deficiência no âmbito escolar. Podemos considerar que essa
é uma real possibilidade lúdica de aprendizagem, aumento
da autoestima, desenvolvimento das habilidades físicas,
motoras e funções superiores, além de proporcionar inclusão
social e cultural de toda e qualquer pessoa.
No que diz respeito às barreiras encontradas para
o pleno desenvolvimento do Projeto Picadeiro Cidadão,
destacamos a falta de acessibilidade arquitetônica nas
dependências internas e externas do Circo e a falta de
transporte adaptado para cadeirantes; quanto às barreiras
pedagógicas, enfatizamos a necessidade de recursos
humanos capacitados e materiais pedagógicos adaptados;
quanto às barreiras financeiras e sociopolíticas, percebemos
algumas fragilidades, sendo a demanda a ser atendida
maior que o financiamento do Programa, e considerando
que essa parceria, à época, encontrava-se em um estágio
de construção de articulações políticas e sociais para sua
melhor implementação. Dessa forma, constatamos que o
acesso à Cultura ainda é um campo de possibilidades a ser

49
Acessibilidade Cultural no Amapá

desvendado, trazendo como grande desafio desconstruir a


ideia de que a Arte Circense se limita ao entretenimento.
É com foco nas possibilidades que as Artes Circenses
trazem para a pessoa com deficiência que concluímos que
essa não só é uma ferramenta lúdica que oportuniza o
aprimoramento da Acessibilidade Sensível, como também
desperta no entendimento pedagógico das escolas municipais
e seus protagonistas as capacidades do ambiente do Circo
enquanto grupo, muito embora ainda seja possível perceber
algumas limitações inerentes a cada pessoa e seus graus de
comprometimento. É numa perspectiva inclusiva, pautada em
princípios familiares, religiosos e culturais, que o Circo Roda
Ciranda desenvolveu suas atividades circenses, envolvendo
as/os alunas/os das escolas do município de Macapá não
com um projeto específico de inclusão, mas com um olhar e
um fazer inclusivo que permeia as Artes Circenses desde o
seu período clássico até os dias atuais.
Diante desses fatores positivos, propomos a criação
de uma política institucional municipal de ampliação da
experiência circense do Circo Roda Ciranda às demais
escolas municipais não contempladas com o Programa
Mais Educação, num sistema de rodízio, para uma completa
participação de todas as unidades escolares que possuem
alunos com deficiência, com adoção de um planejamento
de curto, médio e longo prazo que leve em consideração
as demandas de recurso financeiro, material, humano e
pedagógico.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Manual Operacional de


Educação Integral. Brasília, 2013.

DEUS, A. M. de; CUNHA, D. do E. S. L.; MACIEL, E. M.


Estudo de caso na pesquisa qualitativa em educação:
uma metodologia. Piauí, s/d.

50
DUARTE, R. H. Noites circenses: espetáculos de circo e
teatro em Minas Gerais no século XIX. Campinas: UNICAMP,
1995.

DUPRAT, R. M.; GALLARDO, J. S. P. Artes Circenses no


âmbito escolar. Ijuí, RS: Unijuí, 2010.

HERMANN, N. Ética, Estética e Alteridade. In: TREVISAN, A.


L. (Org.). Cultura e Alteridade: confluências. Ijuí, RS, 2006.

TUCUNDUVA, B. B. P.; MOLINARI, C. I. Artes circenses na


UTFPR: relato de proposta pedagógica multidisciplinar. Anais
do V Fórum Internacional de Ginástica Geral. Campinas,
FEF/UNICAMP, 2010, p. 1-7.

51
Acessibilidade Cultural no Amapá

52
Políticas de Acessibilidade Cultural:
uma análise do Centro de Pesquisas
Museológicas Museu Sacaca da cidade de
Macapá - AP

Priscylla Lopes Resque8


Leila do Socorro Rodrigues Feio9
DOI - 10.29327/552204.1-4

Introdução

Museus são símbolos da cultura de uma sociedade e


agentes de desenvolvimento social que possibilitam a ideia
de pertencimento do grupo a um determinado local. Espaço
que traz um recorte da realidade de um passado distante de
um povo, ou ainda que apresenta grandes novidades.
Espaços culturais como os museus tiveram a sua
trajetória histórica marcada por um distanciamento entre
várias classes sociais, demonstrando um abismo entre
diferentes grupos. Os museus como instrumentos de
memória, espaços de lazer, cultura e educação, evidenciam
como objetivos serem encantadores e atrativos para o
público em geral, e isso inclui a sociedade permeada de
diversidade. Daí a importância de espaços museológicos
com características diversas, assim como suas tipologias,

8
Pedagoga e Especialista em Políticas Educacionais - CEPE/UNIFAP.
Contato: priscyllalopes@gmail.com
9
Pedagoga e Psicóloga. Doutora em Psicologia na área Evolutiva e
Educação. Docente do curso de Pedagogia e da Especialização em Políticas
Educacionais - CEPE/UNIFAP. Contato: leila_feio@unifap.br

53
Acessibilidade Cultural no Amapá

metodologias de acesso e permanência para pessoas com


deficiência ou não.
Neste capítulo será apresentado o espaço cultural
Centro Museológico Museu Sacaca, instituição renomada
cientificamente na região Norte, localizado na cidade de
Macapá, região Amapaense e Amazônica. É um espaço que
abriga um acervo expressivo em arqueologia, fitoterapia,
plantas medicinais e biotecnologia. Um museu rico em
biodiversidade e apelos sensoriais aos visitantes, onde
é possível pressupor uma oferta expressiva de recursos,
equipamentos e práticas em relação à Acessibilidade Cultural.
O conceito de acessibilidade universal está relacionado
com a concepção de ambientes, serviços e produtos que
considerem o uso de todos os indivíduos, independentemente
de suas limitações físicas, sensoriais e intelectuais (ABNT,
NBR 9050, 2020, p. 16). A fim de subsidiar o trabalho do
museu nesse sentido, foi realizada pesquisa bibliográfica de
natureza qualitativa e de campo. Aplicou-se uma entrevista
semiestruturada com o gestor da instituição, e os dados foram
analisados com base nos documentos e acervos do referido
museu, contemplando os seguintes temas: Acessibilidade
Cultural, museu, educação, políticas públicas inclusivas
e visita exploratória. O intuito é analisar como as políticas
públicas que incidem na promoção da Acessibilidade Cultural
no Museu Sacaca estão sendo implementadas e se impactam
as metas estabelecidas no Plano Nacional de Cultura.
Este estudo aborda as políticas públicas direcionadas
a Acessibilidade Cultural no Centro de Pesquisas
Museológicas Museu Sacaca10, localizado no município de
Macapá - AP. Buscou-se averiguar se o referido espaço
cultural contempla as ações e adaptações necessárias para
a garantia da acessibilidade e fruição cultural dos visitantes,

10
Museu Sacaca (oficialmente Centro de Pesquisas Museológicas Museu
Sacaca) é uma instituição cultural e científica localizada na cidade de Macapá
- AP. Administrado pelo Instituto de Pesquisas Cientificas e Tecnológicas do
Estado do Amapá (IEPA). Foi inaugurado no ano de 1997, com o objetivo de
promover ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação,
abrangendo o saber científico e o saber popular do povo amazônico, além
de exposições e atividades didáticas.

54
com ênfase nas pessoas com deficiência, atendendo assim
às disposições da legislação vigente.
O presente estudo ancora-se nos seguintes objetivos
específicos: a) discutir o contexto das funções dos museus
nos aspectos cultural e pedagógico; b) analisar as bases
legais que sustentam as garantias de direito da Acessibilidade
Cultural; e por fim, c) fazer apontamentos acerca da
Acessibilidade Cultural no âmbito do Museu Sacaca.
Buscou-se apresentar considerações acerca dos
direitos já conquistados por pessoas com deficiência
através de políticas públicas de acessibilidade a espaços
culturais como os museus, sob aspectos sociais e culturais.
Como aporte legislativo foram consideradas as seguintes
legislações: Lei Brasileira de Inclusão - LBI nº 13.146/2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência) e Plano Nacional de
Cultura - PNC nº 12.343/2010.

Museus como espaços culturais e pedagógicos

A palavra museu se origina do latim museum, que


deriva da palavra grega mouseion, que, por sua vez, faz
referência ao templo das filhas de Zeus com Mnemosine,
a Deusa da memória (FALCÃO, 2009, p. 10). Os espaços
museais originaram-se da atividade de colecionar objetos
desde o mundo clássico, como a coleção de tesouros
funerários egípcios e os templos mesopotâmios.
Os museus e suas coleções tinham caráter privado,
eram espaços restritos a uma elite hegemônica e foram se
transformando no tempo. O papel social dos museus no
decorrer da história se modificou: de um lugar inacessível,
dedicado à memória das elites e de uma classe dominante,
para um espaço de “construção de ideologias e identidades
nacionais e sociais” (FALCÃO, 2009, p. 12). Para, enfim, ser
um espaço democrático “sem fins lucrativos, a serviço da
sociedade e do seu desenvolvimento”, segundo a definição
do Conselho Internacional de Museus - ICOM11.
11
O Conselho Internacional de Museus (International Council of Museuns -
ICOM) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que se
dedica a elaborar políticas internacionais para os museus.

55
Acessibilidade Cultural no Amapá

Por sua função de desenvolvimento da sociedade,


entende-se o papel dos museus como espaços que
salvaguardam elementos culturais e memórias de um grupo
social, concomitantemente à produção de conhecimento,
que passou a ser ressignificado a partir de transformações
sociais ocorridas na década de 1960. O reconhecimento
e o respeito às diferenças, os discursos sobre cidadania e
as ações afirmativas implicaram uma nova proposta, com o
reconhecimento de categorias de museus, como o Movimento
da Nova Museologia.
A proposta da Nova Museologia “está pautada no
diálogo, no argumento em contextos interativos, sendo,
portanto, o “mundo vivido” o espaço social onde será
realizada a razão comunicativa” (SANTOS, 1999, p. 11
apud ALBUQUERQUE, 2013, p. 49). Santos conceitua o
Movimento da Nova Museologia como uma “libertação da
razão instrumental”, na qual os museus viviam atrelados à
figura do Estado, como detentor da política paternalista de
preservação dos patrimônios culturais, e a decisão do que
seria preservado e como seria exposto para a sociedade
cabia a um grupo elitista.
É a partir da Declaração de Santiago, ocorrida no
encontro promovido pelo ICOM em 1972 em Santiago
do Chile, que nascem os conceitos de Museu Integral12 e
Museologia Ativa13, que mais tarde seriam os pilares para a
elaboração do Projeto Pedagógico do Centro de Pesquisas
Museológicas Museu Sacaca.
Na perspectiva da Nova Museologia, e com base nos
preceitos da Educação Popular, surge o Plano Pedagógico
do Museu Sacaca na década de 2000. O Plano é alicerçado
na pedagogia de Paulo Freire, que entende a educação
como prática da liberdade e constrói a teoria da educação
dialógica e problematizadora, na qual a relação educador/a-
educando/a é horizontal, ou seja, acredita-se que a partir do

12
O Museu Integral tem como ênfase o homem e sua relação com o meio.
13
A Museologia Ativa reconhece as experiências com base nos referenciais
do Movimento da Nova Museologia, construindo através das propostas
museais participativas dos ecomuseus, dos museus comunitários a
elaboração de uma nova concepção de espaço museológico.

56
diálogo e da reflexão as pessoas se educam em comunhão.
Diante dessa perspectiva, a proposta museológica do Museu
Sacaca surge como uma forma nova de compreender o
Museu, o papel social e o conceito de patrimônio cultural,
implicando entender as ações museológicas e educativas
como processo que se realiza na coletividade, na troca de
conhecimentos e diferentes concepções sobre o mundo que
constituem o patrimônio cultural.
O Centro de Pesquisas Museológicas Museu Sacaca
surge da unificação de duas exposições: o Museu de História
Natural Costa Lima e o Museu de Plantas Medicinais Waldemiro
Gomes, na década de 1990, quando foi criado o Instituto de
Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
(IEPA). Com a configuração do conceito de sustentabilidade
defendido pela gestão administrativa, o museu passou a ser
chamado de Museu Sacaca do Desenvolvimento Sustentável
(OLIVEIRA, 2013). O nome do espaço é uma homenagem
conferida ao Mestre curandeiro e representante de tradições
culturais do Estado Raimundo Santos Souza14. No ano de
2002, um novo espaço do Museu Sacaca foi inaugurado, com
exposição a céu aberto e com uma área de 20 mil metros
quadrados, considerando o referencial teórico-metodológico
da Nova Museologia, com temáticas relacionadas aos
espaços culturais, históricos, sociais e científicos do estado
do Amapá e da região amazônica.
A partir da reestruturação do museu, a proposta
museológica realizada na época foi a idealização e realização
da Exposição a Céu Aberto15, um local preparado para

14
Raimundo dos Santos Souza, homem negro, profundo conhecedor das
plantas e ervas da floresta amazônica, contador de histórias e folião, sendo
Rei Momo do carnaval amapaense, contribuiu nas pesquisas de fitoterápicos
do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (IEPA). Sendo
homenageado ao ter seu nome no museu da cidade, que faz referência ao
seu apelido popularmente conhecido: Sacaca.
15
É um espaço de histórias vivas que promove ações museológicas de
pesquisa, de preservação e de comunicação do nosso patrimônio cultural. A
Exposição a Céu Aberto do Museu Sacaca foi construída com a participação
de comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas e produtoras de
farinha e abrange: acervo zoobotânico, Bosque do açaí, Casa da farinha,
Casa Palikur, Casa Wajãpi, castanheiros, Movimento Marabaixo, Praça do
Sacaca, Praça das etnias, Regatão, Ribeirinhos e Sítio arqueológico.

57
Acessibilidade Cultural no Amapá

propiciar a vivência da realidade amazônica amapaense em


um só espaço, com exposição interativa. Ressalta-se sua
importância como ponto turístico, como espaço científico
difundindo os projetos de pesquisa do IEPA, como espaço
de lazer para a comunidade e, principalmente, como espaço
pedagógico com efetivas ações educacionais.
Em consonância com a educação em museus, a
concepção pedagógica do Museu Sacaca foi elaborada
sob o conceito de Educação e Museologia na perspectiva
da Educação Popular e com base no Movimento da Nova
Museologia (ALBUQUERQUE, 2013). O Setor Educativo
do museu realiza diversas ações em parceria com escolas
públicas e particulares e instituições de ensino variadas,
verificando-se a educação formal e a não formal se inter-
relacionando em um único espaço.

Política, acessibilidade e inclusão

O museu, como instituição pública com os objetivos de


conservar o patrimônio cultural e promover ações culturais e
pedagógicas através do seu enfoque educacional, assume
um papel importante como espaço de confluência da
sociedade. Nessa perspectiva, o conhecimento e a fruição
cultural nos museus, de acordo com Tojal (2007), deverão
ter uma visão democrática e multicultural, contemplando a
diversidade do público visitante, especificamente em relação
às pessoas com deficiência.
O reconhecimento da cidadania e dos direitos sociais
de pessoas com restrições, principalmente oriundas de
deficiências, tem como marco a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948. Muitas regulamentações se
seguiram para que direitos como a locomoção, a educação,
o trabalho, o lazer, o esporte e a cultura fossem assegurados
e a acessibilidade universal fosse garantida às pessoas com
deficiência.
De acordo com Sarraf (2012, p. 62), “acessibilidade
é uma forma de concepção de ambientes que considera o
uso de todos os indivíduos independente de suas limitações
físicas e sensoriais”. Criar um local acessível é proporcionar

58
a fruição de todas as pessoas, independentemente de suas
dificuldades ou não, e essa fruição perpassa não somente
por “fatores físicos espaciais” (SARRAF, 2012, p. 44), mas
também aspectos políticos, sociais e culturais.
Para avançarmos na discussão sobre acessibilidade e
fruição cultural em espaços culturais, a pesquisa baseou-se
na Meta 29 do Plano Nacional de Cultura - PNC (BRASIL,
2010)16, a qual estabelece que:

100% das bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros,


arquivos públicos, centro, culturais estejam atendendo
aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolvendo
ações de promoção da fruição cultural por parte das
pessoas com deficiência. (BRASIL, dez. 2011)

Esta investigação leva a efeito uma discussão sobre


inclusão social que é cada vez mais pertinente no mundo
de intolerâncias religiosas, políticas e sociais. A inclusão e
a acessibilidade de pessoas com deficiência no ambiente
escolar, no trabalho e nos espaços culturais já são garantidas
por lei, no entanto, a permanência dessas pessoas não tem
sido efetivada de forma plena, o que demandaria assegurar
sua locomoção, assim como a realização autônoma e
independente de suas atividades estudantis, laborais e a
participação em espaços culturais, pois não se pode dissociar
acessibilidade de autonomia.
A Acessibilidade Cultural busca estar em consonância
com o lema “Nada sobre nós sem nós”. Segundo essa ideia,
nada sobre pessoas com deficiência deveria ser produzido
sem a sua plena participação, inclusive as políticas elaboradas
para a inclusão dessas pessoas. As ações implementadas
nos museus devem ter a participação de todos os envolvidos
da comunidade, principalmente pessoas com deficiências,
para garantir equidade entre todos, de maneira que nenhuma
diferença signifique desigualdade.

16
É um conjunto de princípios, objetivos, diretrizes e metas que devem
orientar o poder público na formulação de políticas culturais.

59
Acessibilidade Cultural no Amapá

Resultados e discussão

Os resultados obtidos neste estudo, realizado em 2018,


são apresentados em consonância com o objetivo elaborado,
que consiste em analisar se o espaço cultural Museu Sacaca
contempla ações e adaptações necessárias para a garantia
da acessibilidade e fruição cultural dos visitantes, com ênfase
nas pessoas com deficiência. Pensar em políticas públicas
voltadas para inclusão social e Acessibilidade Cultural na
contemporaneidade como espaços culturais democráticos
requer pensar os espaços dentro da perspectiva dimensional
proposta por Sassaki (2006), abrangendo as acessibilidades
arquitetônica, comunicacional, programática, atitudinal,
metodológica e instrumental.
Ao analisar a proposta de estruturação do Museu
Sacaca como Centro de Pesquisas Museológicas e como
espaço cultural, museológico e pedagógico no início da
década de 2000, publicada oficialmente no livro “Museu
Sacaca, um museu de grandes novidades”, constatou-se
que existe intensa preocupação quanto à sustentabilidade
na construção da Exposição a Céu Aberto do museu,
mas inexpressiva relação de aspectos para promover
acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, sob
a justificativa de que o museu está centrado no conceito de
sustentabilidade, e modificações na estrutura do espaço para
promoção da acessibilidade não poderiam ser realizadas
porque descaracterizariam o projeto original.
Quanto ao conhecimento acerca das metas do
PNC, especificamente acerca da meta direcionada para
acessibilidade e inclusão em espaços culturais, os resultados
mostraram que tanto o participante da entrevista como os
mediadores culturais do museu desconhecem a Meta 29 do
Plano.
Apesar do desconhecimento do Plano Nacional de
Cultura pelos servidores da instituição cultural, foi aplicada
entrevista com um servidor do Museu Sacaca, e os dados
serão apresentados a seguir. Para preservar a sua identidade,
o participante será identificado com a letra “P”.

60
Tabela 1 – Informações do entrevistado no Museu Sacaca

A instituição museológica Museu Sacaca é gerida


pelo IEPA, vinculado ao Governo do Estado do Amapá.
Os servidores que atuam nas referidas instituições são
funcionários contratados, e não efetivos, o que pode ser
um complicador, pois são cargos comissionados na gestão,
nesse sentido, observou-se uma alta rotatividade no quadro
de funcionários do museu. Vale mencionar que a pesquisa
iniciou com a aplicação da entrevista ao coordenador do
museu, que ao final da pesquisa não estava mais na função,
o que provavelmente prejudica ações desenvolvidas em um
processo sistemático, que pode ser rompido e posto ao fim
com a sua saída ou deslocamento de um setor para outro
internamente.
O Museu Sacaca possui um circuito expositivo a
céu aberto que retrata a vida das comunidades indígenas,
ribeirinhas e extrativistas da região. O espaço é bastante
arborizado, com fauna e flora nativas, proporcionando uma
visita rica em experiências sensoriais, com o som dos animais
e aromas das frutas da estação.
No que diz respeito ao público visitante, o Museu
Sacaca é um espaço muito visitado pela população local,
como espaço de lazer com ampla exposição a céu aberto,
espaço de eventos e negócios com auditório e espaço cultural
e educativo, visitado por grupos de alunos de instituições de
ensino. Observou-se que não existe um método eficiente
para dimensionar o quantitativo de visitantes, a frequência é
registrada em um livro de assinaturas na entrada do museu,
com o preenchimento do nome do visitante e local de origem.
Quando questionado se haveria algum indicativo a sinalizar se
o visitante teria alguma deficiência, o coordenador do museu
indagou sobre a legalidade desse ato. Verifica-se, assim,
que não é feito o registro de visitantes que possuem algum

61
Acessibilidade Cultural no Amapá

tipo de deficiência. A não mensuração do quantitativo de um


público específico que visita um espaço cultural impossibilita
o planejamento de ações direcionadas para essa demanda,
ficando evidente uma lacuna nas informações do público
visitante.

Tabela 2 – Funcionamento público

Tabela 3 – Público visitante com deficiência

Tabela 4 – Acessibilidade e inclusão

Sobre a acessibilidade arquitetônica, o acesso ao


interior do museu se dá por meio de pontes de madeira,
passarelas de concreto e algumas rampas, que não atendem
a todas as necessidades dos visitantes que usam cadeira de
rodas. Quando perguntado sobre a acessibilidade de uma
ponte de madeira (Figura 1) que leva ao barco regatão (Figura
2), o entrevistado relatou que, caso o visitante apresente
algum tipo de dificuldade nesse ponto, como ocorreria com

62
um cadeirante, por exemplo, as pessoas que estiverem no
local podem ajudar no acesso carregando-o. O caso relatado
de prestação de auxílio pode parecer, de certa forma,
solidário, mas não contempla a autonomia do indivíduo, que
está prevista na Lei nº 13.146/2015, que garante os direitos
e as liberdades fundamentais às pessoas com deficiência.

Figura 1 – Ponte de madeira usada para acessar o barco.


(Acervo pessoal)

Figura 2 – Barco regatão.


(Acervo pessoal)

63
Acessibilidade Cultural no Amapá

Outra realidade impactante quanto à acessibilidade


espacial é a inexistência de pisos podotáteis para auxiliar
pessoas cegas e de baixa visão a transitarem com autonomia
no museu. Quando perguntado, “P” relatou que não há
previsão no projeto original acerca da readaptação para uma
necessidade concreta. O relato de “P” demonstra que não há
acessibilidade no museu para pessoas com deficiência, pois
o acesso imediato não as atende de maneira satisfatória,
ocorrendo a “obstaculização da experiência de viver e sentir”,
questão essa estudada por Closs (2013, p. 22) em espaços
culturais, posto que as barreiras no acesso são formas de
exclusão vivenciadas nessas situações de interação de
pessoas, lugares e objetos.
No ano de 2019, o museu passou por revitalizações na
sua exposição: pontes de madeira que estavam deterioradas
foram recuperadas, e foram implantadas rampas de acesso
para um novo circuito que compõe o “Bosque do Açaí”. Nesse
circuito, existe um caminho de pedras de brita com uma
passarela de troncos de árvore postos no solo. É um acesso
que pode ser trabalhado de maneira lúdica com alunos que
visitam o museu através de visita agendada ou por visitantes
em geral, mas é um obstáculo para o acesso de pessoas que
fazem uso de cadeira de rodas.
O museu abriga uma sala de exposição temática
chamada “Casa de Exposição”, com acervo arqueológico
de megalitos de Calçoene - AP, biotecnologia, fitoterapia e
plantas medicinais. O acervo traz objetos raros que instigam
a curiosidade de quem os vê e pode realizar a leitura de
informações em painéis ilustrativos. Mas essa leitura é
exclusiva para videntes, pois não possui descrição das
imagens e texto em braile para pessoas cegas, nem texto
ampliado para pessoas com baixa visão – a sala não possui
nenhum tipo de equipamento que favoreça a visitação de
pessoas cegas, como audioguias e audiodescrições. A sala
também abriga um andar superior com acervo de “Geologia
e recursos minerais da região”, cujo acesso se dá através
de escadas, sem a presença de elevadores acessíveis que
possibilitem a visitação de visitantes que possuam mobilidade
reduzida.

64
Foi relatado pelo entrevistado que, para atender os
visitantes com surdez, existem mediadores capacitados para
se comunicar por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
A pesquisa mostrou que alguns mediadores possuíam
formação ou fluência em Libras adquirida por conta própria,
não atrelada a cursos ofertados pela instituição, apesar da
existência de cursos de capacitação oferecidos pela Escola
de Treinamento do Governo do Estado do Amapá.
Outro achado no estudo se refere a algumas placas
em braile que foram identificadas na área da “Exposição
a céu aberto”, sendo uma próxima ao monumento do
Marabaixo, e outras sinalizando placas visuais dispostas
no trajeto da exposição, sendo insuficientes para a leitura
autônoma do contexto museal por um cego. Não foram
identificados recursos que auxiliem a mobilidade de pessoas
com deficiência, como cadeiras de rodas, bases móveis ou
qualquer outro veículo utilizado na melhoria da mobilidade
pessoal. Também não existem equipamentos que promovam
a inclusão de pessoas com deficiência auditiva, como
aparelhos para surdez, telefones com teclado, entre outros.
Em relação às ações desenvolvidas especificamente
pelo setor educativo do Museu Sacaca, foi observado que
a instituição direciona suas ações para o atendimento das
escolas formais da região, públicas e privadas, conforme
agendamentos via contato telefônico ou e-mail. Nesse
contato prévio entre escola e museu, o setor educativo tem
a preocupação de verificar se no grupo visitante há algum
aluno ou aluna que precise de atendimento especializado.
No entanto, questionado a respeito do procedimento diante
da presença de visitantes com deficiência que demandem
alguma adaptação para sua visita, ou se o museu possui ações
específicas elaboradas para e com pessoas com deficiência,
o entrevistado reportou que é de responsabilidade da escola
ter um intérprete de Libras no caso de um aluno surdo que
queira visitar o museu, por exemplo.
Esse resultado contradiz o que consta na legislação,
especificamente na Lei nº 13.146/2015, no que se refere ao
direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer, em seu
artigo 42, § 2o, que informa:

65
Acessibilidade Cultural no Amapá

O poder público deve adotar soluções destinadas à


eliminação, à redução ou à superação de barreiras
para a promoção do acesso a todo patrimônio cultural,
observadas as normas de acessibilidade, ambientais e de
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Fica clara a ausência do poder público através de


políticas públicas, ao se constatar que a instituição cultural
se exime do seu papel de promover a Acessibilidade Cultural
no atendimento de alunos com qualquer tipo de deficiência,
delegando a responsabilidade e competência a outra
instituição, nesse caso as escolas formais que frequentam
o museu.
É importante levar em consideração que o Museu
Sacaca realiza ações culturais e educativas expressivas,
como a programação do “Museu Vivo”, aberta à comunidade
geral, com atividades no circuito expositivo como contação
de histórias, exposições, apresentações de dança, produção
e comercialização de farinha, produção e degustação de
açaí, oficina de chá medicinal, entre outras. No entanto, são
ações planejadas e executadas para um público geral, sem
considerar a presença de pessoas com deficiências.
Atualmente, no ano de 2021, no decorrer do período
de isolamento social e distanciamento físico devido à
pandemia da Covid-19, o Museu Sacaca está passando
por uma readequação em seu espaço arquitetônico, com a
inserção de novas atrações como a Casa Wayana e Aparai
e a reestruturação das Casa indígenas Palykur e Wajâpi,
que foram construídas por indígenas para retratar o modo
de moradia e vida de povos originários da região. Além
disso, recentemente houve a implementação do projeto de
educação ambiental pelo biólogo servidor do museu, com
a exposição de animais da instituição, tais como a jiboia
arco-íris, espécies de tracajá e muçuã e aranhas da região.
Foi relatado pelo biólogo que implementou o projeto que já
atendeu muitos visitantes com deficiência no espaço, citando
os episódios de uma criança hiperativa em uma visitação
guiada de escola e um visitante cego que puderam pegar

66
nos animais com a supervisão do servidor, sendo então
proporcionada uma experiência sensorial.

Considerações finais

Foram muitos os avanços nas legislações voltadas para


a inclusão de pessoas com deficiência em diversos aspectos,
mas sabe-se que a realidade difere do que consta na letra da
lei e nos documentos oficiais. A invisibilidade, o preconceito,
o descaso e até mesmo o sentimento de piedade para com
as pessoas com deficiência, seja em espaços públicos ou
privados, ainda são marcantes nos dias atuais. A presença
e a atuação em espaços culturais usufruindo, elaborando,
disseminando cultura ainda são incipientes nos museus da
cidade de Macapá - AP.
Diante da análise proposta, percebeu-se uma visão
restrita e excludente no discurso do entrevistado frente
ao questionamento acerca do quantitativo de visitantes
com deficiência, alegando que o museu não contabiliza a
presença dessas pessoas por não as receber com frequência.
Dessa premissa decorre a inexistência de acessos efetivos
e de ações e programas que reconheçam as diferenças e
provoquem sensibilizações para que se supere a ideia de
adaptação de acessos e ações.
O Museu Sacaca é um espaço rico na sua
potencialidade, amplo e de características únicas inserido no
conceito da Museologia Ativa, a ser explorado com atividades
e programas que podem ser efetivados para o alcance da
Meta 29 do Plano Nacional de Cultura. Em relação às
barreiras arquitetônicas percebidas durante a pesquisa,
como o acesso ao barco regatão, uma possibilidade viável
seria uma rampa de acesso móvel para pessoas que tenham
dificuldades na passagem da ponte ao barco. Iniciativas
de sensibilização para amenizar barreiras atitudinais são
pontuais, mas nenhum projeto amplo e direcionado para os
servidores foi constatado.
Uma solução seria envolver a comunidade de pessoas
com deficiência na elaboração de projetos e programas do
museu, com a abertura de processo seletivo para estagiários

67
Acessibilidade Cultural no Amapá

e servidores que promovam a inserção desse público com


novas estratégias de mediação contemplando os sentidos
dos visitantes. A Casa de Exposição, por exemplo, possui
um acervo de sementes, plantas e peças arqueológicas, que,
no entanto, não podem ser tocados pelos visitantes. Para
uma pessoa com deficiência visual, isso é uma barreira para
Acessibilidade Cultural no espaço. A proposta seria de uma
mediação tátil dessas peças, para possibilitar envolvimento
e sentimento de pertencimento em relação à sua própria
identidade, promovendo uma cidadania plena, assim como
consta no fundamento das políticas públicas de cultura e nas
legislações vigentes.

Referências

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grandes novidades, o tempo não para... Sociopoetizando
o museu e musealizando a vida. Fortaleza: Edições UFC,
2013.

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equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2020.

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1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 fev.
2018.

______. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 12.343,


de 2 de dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura
- PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores
Culturais - SNIIC e dá outras providências. Brasília, 2010.

______. Ministério da Cultura. Instituto Brasileiro de Museus.


Guia dos Museus Brasileiros. Brasília, 2011. Disponível
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68
______. Ministério da Cultura. Metas do Plano Nacional de
Cultura. Brasília, dez. 2011.

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pessoa com Deficiência. Brasília, 06 jul. 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13146.htm>. Acesso em: 15 fev. 2018.

______. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº


10.098. Normas gerais e critérios básicos para a promoção
da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou
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Acesso em: 15 fev. 2018.

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ação inclusiva. Dissertação (Mestrado em Memória Social
e Bens Culturais) – Centro Universitário La Salle, Canoas,
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handle/10183/103367/000936901.pdf?sequence=1>.
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FALCÃO, Andréa. Museu como lugar de memória. Salto para


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Brasília, Ano XIX, n. 3, maio 2009.

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Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo:
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SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade para pessoas com


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69
Acessibilidade Cultural no Amapá

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Alegre: Marca Visual, 2012, p. 60-79. Disponível em: <https://
edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3024706/mod_resource/
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SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma


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Tese (Doutorado em Ciência da Informação – Cultura e
Informação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade
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70
TIacessa: cultura acessível ao seu alcance

Emerson de Paula17
Jodoval Farias da Costa18
José Flávio Gonçalves da Fonseca19
Nelma Socorro Lima da Silva20
DOI - 10.29327/552204.1-5

Pensando nas barreiras que envolvem a efetiva


participação das Pessoas com Deficiência (PcD’s) nos
diversos espaços das cidades, no acesso desse público às
atividades que dizem respeito ao setor cultural e na carência
de aplicativos específicos para acessibilizar espaços
culturais, o NUTEA - Núcleo Tecnológico de Informação e
Comunicação desenvolveu em Macapá (AP) o aplicativo
TIacessa. A criação do produto faz parte do Projeto LACTI
17
Professor Adjunto do Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá
- UNIFAP. Líder do Grupo de Pesquisa NECID - Núcleo de Estudos em
Espaços Culturais, Inclusivos e Deliberativos - CNPq. Coordenador do
Projeto de Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade Cultural em
Macapá do Curso de Teatro da UNIFAP. Integrante da startup NUTEA.
Contato: emersondepaulaubuntu@gmail.com
18
Professor de Educação Especial no Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa
com Deficiência Visual do Amapá - CAP-AP. Consultor de Acessibilidade na
startup NUTEA. Contato: jodoval17@gmail.com
19
Professor Adjunto do Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá
- UNIFAP. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa NECID - Núcleo de Estudos em
Espaços Culturais, Inclusivos e Deliberativos - CNPq. Integrante da startup
NUTEA. Contato: flavio.g.f@gmail.com
20
Licenciada em Teatro pela Universidade Federal do Amapá - UNIFAP.
Especialista em Gestão e Docência do Ensino Superior pela Faculdade de
Teologia e Ciências Humanas - FATECH. Administradora da startup NUTEA.
Contato: nelmascrr@gmail.com

71
Acessibilidade Cultural no Amapá

- Laboratório de Acessibilidade Cultural e Tecnologia de


Informação, executado a partir do Programa Nacional
de Apoio à Geração de Empreendimentos Inovadores -
CENTELHA 01/2018, subsidiado pela FAPEAP/FINEP/MCTI/
FUNDAÇÃO CERTI e CNPq.
O empreendimento em questão trata-se de um
WebApp a ser utilizado pelas Pessoas com Deficiência visual
junto ao Teatro das Bacabeiras, um dos mais importantes
espaços públicos de Cultura da Região Norte, gestado pela
Secretaria de Cultura do Estado do Amapá, oportunizando
a implantação da Acessibilidade Cultural, em diálogo com a
política pública de Cultura, contribuindo para que essa esfera
efetive as metas do Plano Nacional de Cultura (PNC) junto
ao Estado e para que as Pessoas com Deficiência sejam
vistas como consumidoras de Cultura e movimentadoras da
economia local. O produto gerado constitui um sistema que
dialoga com recursos tecnológicos que promovem às PcD’s
a visita ao referido espaço e a fruição das informações nele
contidas de forma autônoma, acessando principalmente as
informações culturais do ambiente.
O ponto crucial desse processo se dá em pensar
que PcD’s possuem direito à Cultura, e ações como essa
vão ao encontro da implantação efetiva da Meta 29 do
PNC21. Esse recurso tecnológico reúne num só produto
várias funcionalidades como audiodescrição, legendagem e
visualização facilitada, sendo um mecanismo de promoção
da informação cultural, oportunizando ainda a ampliação
para a área do turismo interno em Macapá, movimentando
não só PcD’s, mas seus familiares e a comunidade em que
estão inseridas.
Importante dizer que o produto possui, em todas as
etapas de criação/confecção, a consultoria de Pessoas com
Deficiência Visual, pautando-se por um diálogo constante
com a gestão do referido espaço público a ser acessibilizado,
para que o produto seja eficaz e atenda à demanda do público
específico a que se destina.

21
Para mais informações sobre o Plano Nacional de Cultura, acessar: http://
pnc.cultura.gov.br/

72
O mercado inicial da proposta é o Estado do Amapá,
devido a toda a sua questão geográfica, sua particularidade
e à necessidade de atender o público diverso que o constitui,
principalmente as particularidades em ser uma Pessoa com
Deficiência na Região Norte do país. No que tange à tendência
de mercado, podemos dizer que ações semelhantes são
poucas, em sua maioria se concentrando na Região Sudeste,
praticamente inexistindo ações de Acessibilidade Cultural
nos espaços públicos da Região Norte, sobretudo no Estado
do Amapá, uma vez que PcD’s ainda se encontram como
público esquecido junto a diversas áreas de atuação pública,
em especial na área cultural.
O produto em questão também vai ao encontro das
necessidades dos gestores dos espaços públicos de Cultura,
seus fazedores e promotores. Mais do que acesso físico, as
Pessoas com Deficiência precisam de Acessibilidade Cultural,
que passa pela Acessibilidade Comunicacional e Atitudinal,
uma vez que esse público também é consumidor de Cultura
e precisa ter oportunidade para exercer esse direito.
Em consultas a um grupo focal de Pessoas com
Deficiência Visual para construção desse WebApp, constatou-
se que o desejo de ter acesso aos equipamentos culturais,
adentrar os espaços e poder fruir a obra de arte a partir de
recursos informacionais que estimulem a compreensão e
fruição estética de forma autônoma é um tão patente quanto
o desejo de inclusão social ou educacional.
Nesse sentido, esse projeto, executado pela startup
de cultura NUTEA, tem no desenvolvimento da tecnologia de
informação sua área principal. O TIacessa é um produto de
inovação tecnológica ligado ao mercado da acessibilidade,
em específico ao mercado da tecnologia assistiva, em diálogo
com o mercado cultural, promovendo a abertura do mercado
de/da Acessibilidade Cultural. A marca do aplicativo leva seu
próprio nome, TIacessa, e contém as letras T e I colocadas
em caixa-alta e juntas, representando tanto a sigla de
Tecnologia da Informação como o pronome pessoal oblíquo
da segunda pessoa do singular “Ti”, comumente utilizado no
português coloquial falado nos estados da Região Norte do
Brasil, mais especificamente no Pará e no Amapá. A junção

73
Acessibilidade Cultural no Amapá

das palavras simula a sonoridade das expressões típicas da


fala amapaense, como Te acessa! Junto à marca existem
quatro quadrados em contato com um quadrado maior,
representando a diversidade humana e a possibilidade de
que todos/todas possam adentrar os espaços de cultura.
A disposição da logomarca remete ao layout do aplicativo,
com design simbolizando o atalho para as funcionalidades
do produto.

Figura 1 – Marca WebApp TIacessa.

Ocupar um lugar central na sociedade contemporânea


globalizada é uma questão de identidade social,
principalmente em sua relação com as novas tecnologias. A
startup (negócio em estágio inicial, por isso não se espera que
dê lucro no início) NUTEA entrou no mercado da tecnologia
assistiva com a finalidade de apresentar um negócio de
impacto com tecnologia disruptiva (termo que descreve a
inovação tecnológica, produto ou serviço com característica
disruptiva, que provoca uma ruptura com os padrões,
modelos ou tecnologias já estabelecidas no mercado), com
a pretensão de criar um modelo transformador não somente
para o público-alvo, mas também para a população em geral.
De uma forma bem simples, podemos dizer que a inovação
disruptiva é a responsável por levar ao mercado as novidades
que transformam a maneira como as pessoas se relacionam
com o produto e o serviço.

74
Termo citado pela primeira vez por Clayton Christensen,
em 1995 (e depois aprofundado por ele mesmo em muitos
artigos recentes), disrupção é a capacidade de criar um novo
produto/serviço que rompa com o status quo do mercado,
desestabilizando os concorrentes tradicionais. A startup
NUTEA, frente ao seu principal objetivo, procura então causar
esse impacto consolidando a Acessibilidade Cultural também
enquanto mercado.

Acessibilidade Cultural e tecnologia: quando a


subjetividade humana sobrepõe o aparato técnico

Como já citado anteriormente, o aplicativo TIacessa


foi desenvolvido a partir da demanda de Pessoas com
Deficiência, em específico Pessoas com Deficiência visual,
a fim de acessibilizar a informação em um dos espaços
culturais mais importantes da cidade de Macapá: o Teatro
das Bacabeiras. Vale ressaltar que isso se deu a partir da
participação e consultoria de Pessoas com Deficiência
visual, no intuito de criar funcionalidades do aplicativo que
atendessem às demandas dessa comunidade. Além disso,
em um processo posterior, o produto foi experienciado pelos
usuários a que se destina, fazendo com que se concretizem
as diretrizes do documento “Nada sobre nós sem nós”
(SASSAKI, 2007).
A primeira versão do aplicativo (protótipo) foi
desenvolvida como uma aplicação Android, que continha
quatro funções principais, acessadas mediante quatro botões
em tela dispostos em duas colunas. O primeiro botão, de cor
vermelha, dava acesso à funcionalidade Ir ao Teatro, onde um
recurso de mapa guiava o usuário do seu local até o Teatro
das Bacabeiras. Abaixo dele havia um botão de cor azul,
que continha uma Agenda, na qual o usuário podia consultar
quais produtos culturais seriam apresentados no Teatro em
determinado período. Do outro lado havia um botão de cor
verde, que dava acesso à descrição por áudio e por texto
de uma breve História do Teatro das Bacabeiras. E abaixo
um botão de cor branca dava acesso à funcionalidade Visita
Guiada do Teatro, que permitia que o usuário realizasse,

75
Acessibilidade Cultural no Amapá

como o próprio nome indica, uma visita guiada pelo espaço


a partir de recursos de orientação por voz e de localização.
No final ainda havia dois botões de cor preta que descreviam
por áudio e por texto a marca do aplicativo e o layout da tela
inicial. É importante salientar que o fundo preto com letras
amarelas era pensado para manter o contraste e atender
também o público com baixa visão.
Além das funcionalidades listadas, a primeira versão
do aplicativo também apresentava sintetizador de voz própria,
que podia ser executado em paralelo com os recursos de
acessibilidade do próprio sistema operacional Android, como
por exemplo o TalkBack.
Para a versão final, optamos pelo formato de WebApp22,
tendo em vista uma melhor responsividade entre os diversos
aparelhos e os sistemas operacionais. O aplicativo leva
em consideração as Web Content Acessibility Guidelines
- WCAG (em português, Diretrizes de Acessibilidade de
Conteúdo da Web), além de outros pressupostos da linha de
pensamento do UX Design, como por exemplo as chamadas
heurísticas de Nielsen, cunhadas pelo pesquisador e cientista
da computação com doutorado em interação ser humano-
máquina Jakob Nielsen (1967-), que busca compreender as
relações entre nós, seres humanos, e os objetos técnicos para
o estabelecimento de uma melhor experiência do usuário.
Nielsen (1990) estabelece dez heurísticas, dentre elas
podemos destacar a compatibilidade entre o sistema e o
mundo real, a consistência e padronização das informações,
reconhecimento dos processos pelo usuário em vez de
memorização e estética e design minimalista das páginas.
Alinhadas com algumas heurísticas de Nielsen, as Diretrizes
de Acessibilidade de Conteúdo da Web estabelecem uma
série de recursos e protocolos para o acesso de Pessoas
com Deficiência auditiva, Pessoas com baixa visão, Pessoas
com Deficiência motora, Pessoas com dislexia, Pessoas que
integram o espectro autista, entre outros.
No caso do aplicativo TIacessa, que é voltado para
um público de Pessoas com Deficiência visual, buscamos

22
Disponível em tiacessa.com.br

76
implementar alguns recursos que possibilitam uma
excelente experiência de usuário, entre eles adotar um
bom contraste de cores, publicar todas as informações na
página sem a necessidade de acesso a páginas secundárias
ou a necessidade de realização de downloads, uso de
combinações de cores, formas e textos com um layout linear
lógico, com responsividade, visão total das funções na tela
e recurso screen reader, que converte um texto em um
discurso sintetizado, permitindo ao usuário ouvir em vez de
ler o conteúdo da internet, priorizando sistemas que permitem
o uso do teclado, ou seja, o usuário não precisa utilizar o
mouse, além de trazer links e cabeçalhos descritivos. Em sua
nova versão, além da manutenção e do aprimoramento das
funções anteriormente mencionadas, o Web App transforma
a proposta da funcionalidade de Visita Guiada em Visita
Sonora, contando com recursos de um audioguia, mas
dialogando com a capacidade sensorial do recurso sonoro
ao retratar o espaço, sua singularidade e função, sem intervir
na fruição do usuário.
Contudo, todos esses protocolos, apesar de
estabelecerem uma série de padrões que visam uma
experiência ideal de toda e qualquer pessoa que deseje
usufruir da informação acerca do equipamento cultural
que o projeto em questão focaliza, não superam o diálogo
estabelecido entre desenvolvedores e usuários, que nesse
caso englobam o público específico de Pessoas com
Deficiência. Diversas iniciativas estão empenhadas na
elaboração de aparatos tecnológicos que buscam sanar
problemáticas da vida cotidiana, mas o resultado satisfatório
se constrói a partir do momento em que o público-alvo deixa
de ser visto apenas como consumidor final e passa a integrar
o próprio processo de construção.
Nesse processo de validação, nem sempre a mais
sofisticada solução tecnológica surte efeito, pois ela só será
útil se for testada e considerada necessária pela comunidade
a que se destina, mesmo que muitas vezes às vistas de
outros públicos configure-se um aparente obsoletismo.

77
Acessibilidade Cultural no Amapá

Figura 2 – Layout do WebApp.

A experiência do usuário: do projeto ao produto

Neste momento se faz importante registrar a


experiência de Jodoval Farias, Pessoa com Deficiência
visual e consultor do NUTEA inserido no desenvolvimento do
TIacessa, trazendo sua fala em primeira pessoa:

Costumo afirmar, durante as falas que tenho a


oportunidade de proferir, que qualquer proposta de
Política Inclusiva para as Pessoas com Deficiência que
valorize a promoção da igualdade de oportunidade com as
demais pessoas deve ter como estratégia fundamental a
efetivação da Acessibilidade Urbanística e Arquitetônica,
de Comunicação e Informação e até mesmo das Atitudes.
Isso quer dizer que, conforme o conceito biopsicossocial
da deficiência adotado nos dias atuais, a presença de

78
barreiras nos espaços e ambientes pode dificultar, em
maior ou menor grau, o livre exercício das tarefas da
rotina diária das Pessoas com Deficiência. Ou seja, o
conceito da deficiência está diretamente vinculado aos
espaços e recursos inadequados do que propriamente
ao déficit sensorial, mental, intelectual, motor ou múltiplo
identificado nessas pessoas. Assim, com base nessa
percepção de pessoa e de sociedade, entendo que houve
um avanço significativo na valorização da autoimagem e
autoestima das pessoas com deficiência, haja vista que
os estigmas depreciativos que outrora as caracterizavam
passam a perder sentido à medida que as modificações
necessárias de adequação e acessibilidade busquem
estimular autonomia e emancipação para elas, sendo
gradativamente transferidas para o meio físico, restando
considerar suas diferenças como parte essencial da sua
condição humana.

Ao ser convidado pelo NUTEA para compor a equipe


de desenvolvimento do Projeto TIacessa, a empresa foi
direto ao ponto: “Nada sobre nós sem nós”, lema da Década
das Américas das Pessoas com Deficiência, promovida pela
Organização dos Estados Americanos (OEA), no período de
2006 até 2016. Com esse argumento, a equipe explicou a
finalidade do projeto, que tem como proposta estimular as
Pessoas com Deficiência visual (pessoas cegas e com baixa
visão) para que possam fazer uso constante, por meio de
um aplicativo de Acessibilidade Cultural, das dependências
do Teatro das Bacabeiras, sobretudo incentivar o consumo
dos produtos culturais apresentados naquela casa de
espetáculos. A partir de então, pudemos compreender
melhor a importância de uma pessoa cega atuando como
consultor numa equipe de trabalho, bem como o tamanho do
desafio que teríamos pela frente, pois uma de nossas tarefas
seria construir uma ferramenta para um perfil de usuários
em potencial o mais abrangente possível, porém com menor
exigência de habilidades no manuseio do smartphone, visto
que o aplicativo seria desenvolvido inicialmente para esse
tipo de aparelho.

79
Acessibilidade Cultural no Amapá

As primeiras reuniões de trabalho ocorreram de maneira


remota, por meio de videoconferência, devido à necessidade
de isolamento frente à pandemia da Covid-19, abordando
questões que buscavam esclarecer: quais atrativos deveriam
constar no aplicativo para despertar o interesse das Pessoas
com Deficiência visual? Quais funcionalidades poderiam ser
apresentadas? Quais as expectativas de aceitação e efetivo
uso do aplicativo pelas pessoas cegas e com baixa visão no
tocante ao Teatro das Bacabeiras?
Com o norte estabelecido por meio das questões
postas, foi possível mensurar alguns resultados práticos, a
saber: o aplicativo deveria dispor de sistema de localização,
a fim de que o usuário possa elaborar um “mapa mental”
para orientar seu deslocamento até o Teatro das Bacabeiras;
deveria conter a narração do histórico do Teatro das
Bacabeiras, desde a sua construção até os dias atuais, assim
como audiodescrição das suas dependências, principalmente
aquelas mais frequentadas pela plateia; deveria conter ainda
agenda das apresentações programadas, shows musicais,
peças etc., com possibilidade de notificações direto no
smartfone, para que o usuário possa escolher e prestigiar o
espetáculo de seu interesse.
Concluída essa fase, deu-se início à construção do
protótipo do aplicativo, cuja interface gráfica se assemelha
ao arranjo dos pontos de uma cela braile, isto é, duas colunas
justapostas contendo três botões de funções em cada uma
delas, o que estabelece maior identificação com o público-
alvo do produto. Após experimentação do protótipo, uma
nova versão foi construída, agora num caráter de WebApp,
não restringindo o acesso apenas ao smartphone, ampliando
algumas funcionalidades, alterando outras, mas criando um
produto para atender, no momento, da melhor forma possível
o público e o espaço a que se destina.
Durante todo o tempo de convívio entre a equipe
desenvolvedora do Projeto do aplicativo TIacessa Teatro
das Bacabeiras, tivemos, juntamente com os demais
integrantes de um grupo focal de Pessoas com Deficiência
Visual, a satisfação de poder imaginar muitas possibilidades
comportamentais relacionadas à motivação pessoal das

80
pessoas cegas e com baixa visão no que se refere à aceitação,
reconhecimento e fortalecimento da sua identidade e da sua
condição. Tivemos a ousadia de sonhar com um espectro
social inclusivo, com espaços e ambientes sem quaisquer
tipos de barreiras, possibilitando assim que as Pessoas
com Deficiência visual exerçam o seu direito de ir e vir com
autonomia e independência.
Por fim, pudemos sistematizar num aplicativo
específico, porém de grande significado a materialidade prática
e funcional do objetivo de conduzir os usuários ao mundo das
expressões artísticas e suas diversas vertentes, favorecendo
assim a autoestima e o senso de pertencimento coletivo.
Portanto, o aplicativo TIacessa Teatro das Bacabeiras, como
toda ação efetiva de acessibilidade e inclusão, necessita da
colaboração de diversos atores, principalmente do Poder
Público, a fim de garantir a remoção de todas as barreiras
que impeçam a livre circulação das pessoas com deficiência
visual em igualdade de condições com as demais pessoas,
bem como a disponibilização e consequente atualização
periódica da agenda de eventos do Teatro das Bacabeiras,
possibilitando informar o público-alvo sobre suas atrações,
que talvez seja a principal função do aplicativo.

Conclusões?

Não. Isso não é possível.


Neste relato de experiência, criado a quatro mãos,
procuramos apresentar o diálogo da Cultura com a Tecnologia
como uma das possibilidades da efetivação da Acessibilidade
Cultural. Certamente, o WebApp criado ainda carece de
aprimoramento e ainda não atende todas as Pessoas com
Deficiência, embora os recursos de tecnologia assistiva
presentes na ferramenta contemplem também Pessoas com
baixa visão e com Deficiência Intelectual, além de Pessoas
com Deficiência visual.
O mais importante da iniciativa foi a possibilidade do
diálogo e de um trabalho conjunto em que todas as partes
precisaram rever seus conhecimentos prévios de suas áreas
de formação, a partir de um aspecto que deve habitar todas e

81
Acessibilidade Cultural no Amapá

todos nós, que é algo latente que pode ser aprimorado, mas
não precisa ser adquirido, pois é inerente a nós: a capacidade
atitudinal de viver de forma coletiva e igualitária.

Referências

NIELSEN, Jakob; MOLICH, Rolf. Heuristic evaluation of


user interfaces. CHI90: Conference on Human Factors in
Computing. Seattle - Washington, 1 - 5 abr. 1990, p. 249-256.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós:


da integração à inclusão - Parte 1. Revista Nacional de
Reabilitação. São Paulo, Ano X, n. 57, jul./ago. 2007, p. 8-16.

______. Nada sobre nós, sem nós: da integração à inclusão -


Parte 2. Revista Nacional de Reabilitação. São Paulo, Ano
X, n. 58, set./out. 2007, p. 20-30.

82
A audiodescrição disseminando
a Cultura dos Gestos

Elza Lopes de Oliveira23


Rosenilda Farias da Costa24
DOI - 10.29327/552204.1-6

No dia a dia, pessoas interagem umas com as outras,


criando e mantendo relações em todos os âmbitos sociais.
Perceber o corpo como um instrumento de comunicação
através de expressões faciais, gestos, expressões corporais
e, principalmente, fazer uso dessa comunicação não verbal
é muito comum entre as pessoas. Mas nem todos usufruem
dessa comunicação diariamente, inclusive por ser uma
comunicação criada culturalmente. Para as pessoas com
deficiência visual, seja adquirida ou adventícia, há dificuldade
na compreensão dessa comunicação e dos gestos, e até
mesmo entre pessoas que enxergam a linguagem não verbal
pode não ser compreendida. Pessoas em qualquer idade
podem ser afetadas tanto pela cegueira total como pela
baixa visão, portanto, podemos adquirir deficiência visual em

23
Pedagoga (UNIFAP), Especialista em Educação Especial (FSF/MA) e
Atendimento Educacional Especializado (UFCE). Mestra em Planejamento
e Políticas Públicas (UECE). Professora da Educação Especial na rede
pública do Estado do Amapá - Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com
Deficiência Visual - CAP/AP. Contato: elzaveira@gmail.com
24
Pedagoga (UNIFAP), Especialista em Educação Especial (FSF/MA).
Professora da Educação Especial na rede pública do Estado do Amapá -
Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com Deficiência Visual - CAP/AP.
Contato: rosenildafcosta@gmail.com

83
Acessibilidade Cultural no Amapá

qualquer fase da vida. Sendo assim, podemos ficar alheios a


certa interação da comunicação com o corpo.

A Pessoa com Deficiência visual e a culturalidade dos


gestos

Certamente a visão tem sua importância identificada


diariamente em várias situações, principalmente em
atividades em que a pessoa esteja incluída enquanto agente
ativo no grupo social. Nesse sentido, fica mais evidente
perceber, principalmente enquanto educador, que:

Construímos nosso mundo dia a dia e nossas percepções


vão se fazendo por meio de ações e explorações daquilo
que nos rodeia. Por meio de nossos movimentos e
interações com o derredor, vamos desenvolvendo
nossas habilidades de perceber, experienciar, organizar e
compreender o mundo onde estamos. [...] (MASINI, 2007,
p. 20)

Assim sendo, cabe conhecer e perceber a importância


da definição da deficiência visual (DV) para melhor
compreensão dos conceitos de cegueira e baixa visão, que
devem ser compreendidos por todos, desde o ambiente
familiar, seguido do escolar, do profissional e assim por
diante. Portanto:

a) Cegueira
É considerado cego aquele que apresenta ausência de
distinguir objetos através da visão, o que pode incluir ou
não a perda da percepção luminosa.
b) Baixa Visão (também chamada de Visão Subnormal)
Uma pessoa com baixa visão é aquela que apresenta
desde a capacidade de perceber luminosidade até o
grau em que a deficiência visual interfira ou limite seu
desempenho. (UFRJ, 2021, p. 21-22)

De acordo com o conceito abordado, é certo


acrescentar que são pensamentos básicos, mas muito
importantes para ambientes familiares e profissionais, que

84
devem ser adquiridos para melhor interação da pessoa com
deficiência visual com o espaço e com o outro.
Visando aprofundar o conhecimento na área da DV,
cabe buscar informações mais técnicas, oficiais, acerca
desses conceitos:

Cegueira – situação na qual a acuidade visual é igual ou


menos que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção
óptica.
Baixa Visão – situação na qual a acuidade visual está
entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção
óptica. Nos casos nos quais o somatório da medida do
campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que
60º a pessoa também é considerada como baixa visão.
(UFRJ, 2021, p. 21-22)

Com informações mais específicas, é possível, através


de laudo médico, identificar as peculiaridades de cada pessoa.
Isso mais especificamente cabe a pessoas com baixa visão.
Certo é que, segundo Montilha e Arruda (2007, p. 115), “a
deficiência visual interfere no relacionamento do indivíduo
com o meio social, restringindo a captação imediata dos fatos
e ações realizadas no meio ambiente, uma vez que grande
parte da relação do homem com o ambiente se dá por meio da
visão”. Sobretudo, é pertinente identificar e minimizar/excluir
barreiras que reforcem o contexto exclusivo, oportunizando
melhor compreensão e participação de pessoas com DV nos
diversos espaços, principalmente em espaços culturais, que,
entre símbolos e significados, por vezes têm informações
exclusivamente visuais. Informações essas que, de fato,
influenciam a comunicação diária de todos, inclusive a não
verbal, que:

[...] exerce fascínio sobre a humanidade desde seus


primórdios, pois envolve todas as manifestações de
comportamento não expressas por palavras, como os
gestos, expressões faciais, orientações do corpo, as
posturas, a relação de distância entre os indivíduos e,
ainda, organização dos objetos no espaço. Pode ser
observada na pintura, literatura, escultura, entre outras

85
Acessibilidade Cultural no Amapá

formas de expressão humana. Está presente no nosso


dia-a-dia mas, muitas vezes, não temos consciência de
sua ocorrência e, nem mesmo, de como acontece. (SILVA
et al., 2000, p. 53)

Conforme se aprofunda a pesquisa, surgem novos


termos que se entrelaçam para estruturar o tema, como
por exemplo “cultura”. Segundo White (1959, apud
NEPOMUCENO, ASSIS, 2008, p. 6), “por cultura queremos
dizer o conjunto de ferramentas, utensílios, língua, hábito,
instituições, rituais, objetos para vários fins, sentimentos,
atitudes, etc. que todos os povos possuem”.
Desenvolvendo um aprendizado constante e diário,
levamos em consideração, como colocado por Silva (2016, p.
339), que “[...] o corpo não é, ao menos não exclusivamente,
um processo fisiológico, é antes uma ferramenta da qual o
homem dispõe para expressar-se, experienciar o mundo
e a si próprio, bem como atuar e conferir significado à
concretude do mundo”. Diante disso, expressa-se a relação,
as necessidades e a cultura de cada pessoa ao determinar a
comunicação através do corpo.

Expressão corporal: o corpo necessita falar

Como exposto por Rector e Trinta (1985), a


comunicação vem a ser tanto um fenômeno como uma
função social que solidifica a interação no contexto vivido.
A partir da comunicação há troca de ideias, de informações,
de experiências. A interação, portanto, vai ocorrer na
necessidade de um indivíduo enviar mensagem para outro,
corroborando assim a comunicação de ambos.
O corpo faz parte dessa comunicação, através de
expressões corporais que complementam a mensagem
ou simplesmente concretizam a mensagem completa, a
comunicação não verbal. Levando-se em consideração:

[...] que em todos os tempos, passado e presente, os grupos


humanos constituídos recorreram e recorrem a modos de
expressão verbais e não-verbais que contemplam uma

86
enorme variedade de linguagens que se constituem em
sistemas sociais e históricos de representação do mundo.
Esta gama de linguagens pode ser ilustrada desde os
desenhos nas grutas de Lascaux; os rituais de tribos
primitivas; das danças, músicas, jogos e cerimoniais até a
codificação alfabética, criada e estabelecida no ocidente
a partir dos gregos, ou mesmo os hieróglifos, pictogramas
que são formas diferentes da linguagem alfabética
articulada que se assemelham mais ao desenho. Por
outro lado, também podem se constituir como linguagens
as produções de arquitetura se consideradas como fato
de comunicação, mesmo sem delas serem excluídas a
funcionalidade assim como os objetos relativos às formas
de criação da Arte: pintura, escultura, poética, etc. O
período pós-revolução industrial amplia ainda mais essas
possibilidades de expressão e linguagem do ser humano
através de invenções de máquinas capazes de produzir,
armazenar e difundir linguagens como: a fotografia, o
rádio, o cinema, os meios de impressões gráficas, entre
outras, que permeiam nosso cotidiano e fazem parte
desta intrincada gama de linguagens, de formas sociais
de comunicação e significação. (SANTAELLA, 1983, apud
MESQUITA, 1997, p. 156)

Pode-se afirmar que a semiótica, como estudo


da construção de significado, abrange todos os signos
apresentados enquanto meio de comunicação em qualquer
estrutura social, estendendo-se também ao corpo, com
expressões faciais, gesticulares e de posturas, como descrito
por Allan Pease e Barbara Pease (2005, p. 4). Sendo assim,
percebe-se a importância da linguagem expressa pelo corpo,
uma vez que esse “fala” e interage. O corpo, ao “falar”, expõe
suas necessidades, aprovações e sentimentos não como um
caso isolado, visto que:

[...] estudos e pesquisas desenvolvidos por estudiosos de


diferentes áreas colocam em evidência a importância e o
interesse com que a expressividade humana vem sendo
estudada. Emitir, receber e perceber sinais não-verbais
são processos independentes, que ocorrem sem que se
tenha, na maioria destes comportamentos, consciência

87
Acessibilidade Cultural no Amapá

do que está acontecendo ou de sua causa. Estes


processos são naturais, mas podem se tornar habilidades.
(MESQUITA, 1997, p. 160)

Logo, perceber no corpo a habilidade de se comunicar


de forma não verbal possibilita praticidade na comunicação
tanto como emissor como enquanto receptor de mensagens
no dia a dia, contribuindo para uma interação de relevância
conforme os integrantes vão se conhecendo pela linguagem
corporal.

A audiodescrição como disseminadora cultural dos


gestos

O amadurecimento das percepções sobre a importância


de recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência
vem impulsionando não somente a criação como o uso dessas
ferramentas em vários setores sociais. A audiodescrição
(AD), ainda considerada um recurso novo, motivou o projeto
de Lei nº 5.156, de 2013, que dispõe sobre a regulamentação
do exercício da profissão de audiodescritor. Mesmo ainda
não aprovado, o recurso adentra como tecnologia assistiva
(TA) nos espaços utilizados pela pessoa com deficiência
visual como um tradutor de imagens em palavras. Essa
ferramenta se utiliza dos olhos de outra pessoa para registrar
imagens, transformando-as em palavras, e para finalizar o
serviço o “olhar” de uma pessoa com deficiência visual,
impreterivelmente com conhecimentos técnicos em relação
à AD, consente adaptando a informação se e quando
necessário.
Sobre audiodescrição, os conceitos encontrados
atualmente são inúmeros, inclusive a Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP) oferta um curso em AD com
muitas informações importantes sobre a tecnologia. Vale
examinar o conceito apresentado por Vera Lucia Santiago,
professora da UECE:

A AD é uma modalidade de tradução audiovisual definida


como a técnica utilizada para tornar o teatro, o cinema

88
e a TV acessíveis para pessoas com deficiência visual.
Trata-se de uma narração adicional que descreve a ação,
a linguagem corporal, as expressões faciais, os cenários
e os figurinos. A tradução é colocada entre os diálogos
e não interfere nos efeitos musicais e sonoros. (ENAP,
2020, p. 6)

Como colocado pela professora Santiago, uma das


informações trazidas pela AD é a linguagem corporal, bem
como as expressões faciais, detalhe importante e que reforça
esta pesquisa, ratificando a importância da compreensão da
comunicação com o corpo pela pessoa com DV. Santiago
também menciona que os espaços em que a AD é produzida
são o teatro, o cinema e a TV. Assim, levar detalhes dos
traços do rosto, gestos das mãos e posturas do corpo
através desse canal de comunicação amplia de forma rápida
o conhecimento diante de um mundo visual que a pessoa
com DV não enxerga, mas utiliza por questões universais,
podendo aprender mais por questões culturais.
Ainda sobre os conceitos que a ENAP apresenta em
seu curso, Lívia Motta, audiodescritora, afirma que:

Audiodescrição é uma atividade de mediação linguística,


uma modalidade de tradução intersemiótica, que
transforma o visual em verbal, abrindo possibilidades
maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo
para a inclusão cultural, social e escolar. Além das pessoas
com deficiência visual, a audiodescrição amplia também
o entendimento de pessoas com deficiência intelectual,
idosos e disléxicos. (ENAP, 2020, p. 6)

Através dos estudos de Motta, o conceito se amplia


quando lhe é acrescentado, como extensão dos espaços que
a tecnologia abrange, também o ambiente escolar. E ainda,
com efeito, o acesso à cultura, pois a riqueza da descrição
proporciona muitas informações que um olhar rápido e
desatento não consegue extrair. Por fim, Motta ainda cita
os usuários da AD para além das pessoas com deficiência
visual: pessoas com deficiência intelectual, idosos e

89
Acessibilidade Cultural no Amapá

disléxicos. Nesse contexto, o recurso toma novas proporções


de clientela, ganhando mais importância no fator inclusão.
Entre os conceitos apresentados, a ENAP expõe outros
no curso, como o da audiodescritora Soraya Ferreira Alves:

A audiodescrição é uma ferramenta utilizada para garantir


maior acessibilidade à informação visual a indivíduos com
deficiência visual e consiste na tradução de imagens em
palavras. Essa operação, porém, é bastante complexa,
pois não basta apenas descrever o que se vê, mas o que
é relevante para a organização semiótica da obra. (ENAP,
2020, p. 6-7)

Em resumo, Alves segue a linha abordada pelas


outras pesquisadoras sobre a tradução de imagens por
palavras, sendo que descreve o recurso como uma atividade
complexa, indo além de apenas enxergar e traduzir,
abrangendo principalmente desenvolver escolhas tradutórias
significativas para melhor compreensão da pessoa com DV.
O conceito de AD se molda nas diferentes falas das
autoras, tratando-se de uma “tecnologia assistiva”, segundo
Snyder (2017, p. 51), “que se destina a melhorar, e não
substituir, os próprios poderes de observação do usuário”.
Além de ser apresentada como uma TA, o autor frisa a
importância do poder de observação que o recurso também
oferece.
Diante das concepções sobre o recurso de tecnologia
assistiva, a audiodescrição, como disseminador cultural dos
gestos entre pessoas que não dispõe da visão, torna-se uma
ferramenta imprescindível para se construir e reconhecer
uma linguagem não verbal constituída através da história.
Segundo A. Pease e B. Pease (2005, p. 54), “[...] os gestos
são uma questão de cultura, são algo que aprendemos
inconscientemente de nosso redor”. Sendo aprendido ao
redor, pode ser através do sentido visual e, por que não, de
forma mais descritiva e sonora, como com a audiodescrição.
O recurso favorece não somente a compreensão do mundo
visual, auxilia também a conhecer origens e significados sobre
situações vividas diariamente, como no caso dos gestos.

90
Oficina de Gestos

O Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com


Deficiência Visual - CAP/AP desenvolve atividades com o
objetivo de contribuir no desenvolvimento escolar de pessoas
com deficiência visual. Para tanto, dispõe de quatro núcleos
que favorecem o apoio em várias áreas e situações, como
aprendizagem, formação, família etc. Em destaque, será
apresentado o Núcleo de Convivência, esse:

[...] constituindo-se em um espaço interativo planejado


para favorecer a convivência, troca de experiências,
pesquisa e desenvolvimento de atividades lúdicas e
culturais, integrando usuários com ou sem deficiência.
Deverá conter: acervos bibliográficos, jogos de lazer
e espaços para expressão artístico-cultural, cursos,
palestras, oficinas, workshops e visitas. (CAP/AP, 2018a,
p. 29)

Destarte, o Núcleo descrito se utiliza de várias


estratégias, alcançando não somente a pessoa com
deficiência visual, como também sua família, a comunidade,
pesquisadores, profissionais da educação ou não,
interessados em conhecer e manter uma relação mais
acessível com essas pessoas. Uma das estratégias propostas
pelo Núcleo é o desenvolvimento de projetos pensados para
manter a interação de pessoas com DV, inclusive o Projeto
Vivências, Informações e Curiosidades para Pessoas com
DV, que tem como objetivo “oportunizar momentos diversos
de construção da realidade mais concreta, aprendizagem de
um mundo mais prático e a busca significativa sobre o mundo
visual para a pessoa com deficiência visual (DV)” (CAP/AP,
2018a, p. 2). Logo, as atividades consistem não somente
em apresentar o mundo visual, mas principalmente dar um
significado a ações, pensamentos, culturas e concepções
que favoreçam o cotidiano de pessoas com DV.

91
Acessibilidade Cultural no Amapá

Para se pensar em uma oficina de gestos para


pessoas com DV, foi primeiramente percebido em reuniões
do CAP que essas pessoas não se comunicavam por gestos
por não conhecerem a configuração usando o corpo e o
significado. Diante disso, iniciou-se uma conversa informal
sobre conhecerem ou não gestos cotidianos e se os usavam
no dia a dia. De dez pesquisados, cinco não conheciam e por
isso não usavam. Os que conheciam, também não usavam,
mas todos tinham curiosidade em conhecer gestos que não
sabiam ou conhecer além do que já julgavam saber.
Assim, dentro desses preceitos, foi pensada e criada
a Oficina de Gestos (mãos), que, como apresentado no
Caderno de Oficina (CAP/AP, 2018b, p. 2), tinha o objetivo
de “conhecer sobre a comunicação feita com as mãos entre
pessoas que enxergam e escutam, portanto não se trata
de conhecer Libras, pois demandaria um tempo maior e
profissionais capacitados na área. Pretende-se então levar
informações acerca desses gestos, bem como sua origem e
significado para uma discussão entre pessoas com DV”.
A priori, foi realizada uma pesquisa para buscar a
configuração dos sinais, sua origem e significado. O trabalho
teve como base o recurso da internet, e autores como Sousa
(2000), Peirce (1977), Barthes (1987), Cascudo (1987) e
Santaella (1982) fundamentaram o Caderno da Oficina. Os
sites que orientaram quanto à temática foram Hipercience,
Significados, Adventure Club e Mega Curioso.
A oficina foi distribuída em dois dias, com duas horas de
duração cada sessão, somando quatro horas. Participaram
oito pessoas com DV e um pai de aluno da estimulação
essencial. O desenvolvimento da oficina se deu na sala de
cursos da instituição CAP, com capacidade para 20 pessoas,
portanto, ficou um espaço adequado para os participantes
se movimentarem e serem orientados tanto com descrição
como com exploração tátil sobre cada gesto.
Num primeiro momento, foi apresentado o gesto,
seguido da origem e do significado. No intervalo entre uma
apresentação e outra, os participantes imitavam os gestos
representando nas próprias mãos. Foram selecionados para
esse momento de oficina 19 gestos, que foram apresentados

92
em slides pela equipe do Núcleo de Convivência. Os gestos
foram: aperto de mãos, high five (toca aqui), saudação
romana, joquempô, o infame, o soquinho (com a mão em
punho, dar soquinho), o “V” (mão fechada, estendendo apenas
os dedos indicador e médio para cima), o polegar para cima
ou para baixo (joinha), a continência, espalmar a mão, chifre
feito com os dedos indicador e mínimo, dedos cruzados, mão
em forma de figa, mãos no bolso, dedos indicador e polegar
tocando-se em forma de círculo, dedos indicador e polegar
apontados para cima, indicador e polegar levantados com o
polegar mais relaxado, chamar alguém com o indicador e o
hang loose. Percebe-se que os gestos são os mais variados,
sendo conhecidos no Brasil e no exterior, mesmo que em
contextos diferenciados. Algo que foi também discutido foi
a variedade da comunicação falada dentro do Brasil, sendo
que o mesmo ocorre com os gestos em outros países.
Importante colocar que, durante a oficina, duas
pessoas com cegueira adquirida lembraram dois gestos
e, inclusive, compartilharam com os outros. Um deles foi
o gesto apresentado como “bem feito”: a mão fica à altura
da cintura, as pontas dos dedos polegar e médio se juntam
pressionando-se, como no movimento de pinça. Dedos
mínimo e anelar encurvados, pressionados sobre a palma da
mão. E o dedo indicador permanece livre, enquanto a mão
faz movimentos acelerados e curtos, para cima e para baixo.
Assim o dedo indicador é jogado várias vezes sobre o escudo
formado pelos dedos polegar e médio, provocando o som
“tec, tec, tec, tec...”, quantas vezes o remetente indicar “bem
feito” para alguém ou alguma situação. Outro gesto lembrado
foi o “banana”, inclusive considerado obsceno. Em pesquisa,
descobriu-se então que:

Dar uma banana (no Brasil), manguito (em Portugal),


bras d’honneur (na França; pronúncia em francês: ​[bʁa.
dɔ’nœʁ]; em francês: “braço de honra”) ou “corte de
manga” (na Espanha) é um gesto obsceno bastante
comum na França, Espanha, Itália, Geórgia, Brasil,
Portugal e América hispânica, que possui o mesmo
significado que o dedo médio. (WIKIPÉDIA, 2020)

93
Acessibilidade Cultural no Amapá

O gesto é simples e trabalha os dois membros


superiores (braços): primeiro dobra-se um braço em ângulo
de 90º (L) e em punho apontando para cima e rijo, a mão
livre se apoia na dobra do braço fechado. Assim permanece
em insulto. Os dois gestos foram apresentados aos demais
colegas da oficina, que entre si conversaram sobre os
contextos em que são usados.
A oficina mostrou a importância do recurso da
audiodescrição em compartilhar a cultura dos gestos, a
compreensão de situações e espaços onde são usados e,
principalmente, oportunizar o uso pelas pessoas com DV.

Considerações finais

A necessidade de usufruir de um mundo visual


organizado para viabilizar a comunicação é um fato.
Mas perceber, conhecer e saber utilizar os gestos como
comunicação no dia a dia é uma necessidade do corpo,
independentemente de serem pessoas com deficiência
visual ou não.
É certo que para usar gestos é importante reconhecer
a presença do outro e a chegada da mensagem, mas não
depende apenas de informações visuais. Em uma conversa,
por exemplo, pessoas com deficiência visual podem usar os
gestos para pessoas que enxergam, e pessoas que enxergam
podem na fala indicar o gesto (descrevendo ou não).
A audiodescrição é necessária e, nesse sentido,
contempla dois fatores importantes. O primeiro é informar
sobre a configuração do gesto. O segundo é apresentar o
gesto dentro do contexto para o receptor fazer suas inferências
quanto à cena, obra etc. Portanto, é um recurso importante
de disseminação cultural, levando em consideração que
o corpo fala e essa comunicação vem sendo construída
historicamente.

94
Referências

CAP/AP. Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com


Deficiência Visual. Projeto Político Pedagógico. Amapá,
2018a.

______. Caderno de Oficina. Amapá, 2018b.

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de Cursos. Módulo 1 Introdução à Audiodescrição. Brasília,
2020.

MASINI, Elcie F. Salzano. As especificidades do perceber:


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São Paulo: Vetor, 2007.

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São Paulo, v. 11, n. 2, p. 155-163, 1997. DOI: 10.11606/
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www.revistas.usp.br/rpef/article/view/138567>. Acesso em:
24 ago. 2021.

MONTILHA, Rita de Cássia Letto; ARRUDA, Sonia Maria


Chadi de Paula. Habilitação e reabilitação de adultos e idosos
com deficiência visual. In: MASINI, Elcie F. Salzano (Org.). A
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São Paulo: Vetor, 2007.

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Licenciatura em Geografia - EaD. Campina Grande: UEPB/
UFRN, 2008. Disponível em: <http://www.ead.uepb.edu.
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A05_J_GR_260508.pdf>.

PEASE, Allan; PEASE, Barbara. Desvendando os segredos


da Linguagem Corporal. Rio de Janeiro, Editora Sextante,
2005.

95
Acessibilidade Cultural no Amapá

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4, ago. 2000, p. 52-58.

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Corporeidade. Cronos. Natal, v. 11, n. 1, jul./ago. 2016.

SNYDER, Joel. Construindo imagens com palavras:


manual de treinamento abrangente e guia sobre a história
e aplicações da áudio-descrição. Tradução de Andrea
Garbelotti. Recife: Ed. UFPE, 2017.

UFRJ. Instituto Tércio Pacitt. Laboratório TECNOASSIST.


Caderno de Cursos. Módulo 1 Conhecendo o sistema de
visão e alguns de seus problemas. Curso de Tecnologia
Assistiva para Educandos com Deficiência Visual. Rio de
Janeiro, ago. 2021.

WIKIPÉDIA. A enciclopédia livre. Banana (gesto). 2020.


Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Banana_
(gesto)>.

96
A prática pedagógica em Teatro e a inclusão:
uma reflexão dessa relação na formação
do licenciando em Teatro a partir dos
estágios supervisionados

Sávio Rodrigo Furtado Marques25


DOI - 10.29327/552204.1-7

Apresento aqui algumas reflexões sobre a formação


do Licenciando em Teatro e as práticas pedagógicas em
Teatro-Educação e Acessibilidade Cultural a partir das
experiências proporcionadas pelos estágios supervisionados
junto ao Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP). Este registro se faz importante para pensarmos
cada vez mais na preparação e capacitação do professor
de Teatro no que tange à inclusão e para que esse docente
consiga promover práticas pedagógicas com qualquer aluno,
sem nenhuma segregação.
O primeiro estágio supervisionado do referido curso
consistia em analisar a rotina dos alunos na sala de aula
e o ambiente escolar como um todo, totalizando 20 horas
somente de observação junto à Educação Infantil. Na turma
em que foi realizada a prática de observação, um dos alunos
tinha síndrome de Down. A partir disso, observou-se como
era o ensino para esse aluno, se a professora era inclusiva,
se os colegas de turma eram inclusivos, se a estrutura escolar
25
Ator, Licenciado em Teatro pela Universidade Federal do Amapá - UNIFAP,
residente no Programa Residência Pedagógica Núcleo Artes 2018/2019 na
UNIFAP e Técnico em Administração. Contato: saviorodrigo.furtado-04@
hotmail.com

97
Acessibilidade Cultural no Amapá

era inclusiva, se a sociedade como um todo era inclusiva. Em


resumo: o questionamento foi se esse aluno com deficiência
estava realmente inserido no ensino como os outros e quais
eram as dificuldades encontradas nessa prática pedagógica,
mas também por quais razões essas dificuldades existiam.
Sobre o segundo estágio supervisionado, nada foi
planejado em relação à temática de inclusão. Na escola onde
foi realizado, o estágio aconteceu em duas turmas (quarto e
quinto ano) e, por um acaso, em cada uma das turmas havia
um aluno autista. Uma vez que já havia sido estudado um
pouco sobre a área de inclusão no estágio anterior, decidiu-
se não ignorar esse fato e fazer novamente uma investigação
sobre esse aspecto. Então, durante a observação da turma
para a posterior regência, examinou-se como esses alunos
eram tratados pelos colegas e pela professora. No momento
da regência, foram utilizados jogos teatrais pensados de modo
que esses alunos também pudessem participar efetivamente.
No terceiro estágio supervisionado, já estava decidido
que iria trabalhar com essa temática, tanto que o local
escolhido se tratava de um Centro Educacional que atende
somente alunos com deficiência na faixa etária que abrange
o Ensino Fundamental II. Esses estágios, aqui citados,
aconteceram entre os anos de 2017 e 2019.
Portanto, meu trabalho de conclusão de curso, cujas
reflexões se encontram em parte neste capítulo, investigou
e debateu sobre um ambiente escolar inclusivo às pessoas
com deficiência e a prática pedagógica em Teatro para esse
público na cidade de Macapá (AP), refletindo, a partir dos
estágios supervisionados, a minha formação docente no que
tange à relação Teatro e Inclusão.

A falta de bibliografia e de uma formação profissional


inclusiva

Durante o planejamento das aulas dos estágios,


sentiu-se a falta de bibliografia que contenha jogos do campo
teatral para pessoas com deficiência. O que faz refletir sobre
a falta de suporte que o professor de Arte/Teatro enfrenta.

98
Muito é cobrado, mas se tem poucos auxílios e recursos
metodológicos.
Pensar em uma aula para trabalhar com pessoas com
deficiência já é complexo pelo fato de ser necessário ponderar
sobre cada momento das atividades que serão desenvolvidas
e se estarão aptas para que o aluno com deficiência possa
participar. Quando se tem de fazer esse trabalho numa aula
de Teatro sem um referencial teórico específico de jogos para
pessoas com deficiência, fica mais complexo ainda, pois,
além da precariedade da infraestrutura, temos as condições
materiais para o trabalho artístico-pedagógico junto com
essas pessoas. Nascimento (2009, p. 2) explica que:

É sabido que os fundamentos teórico metodológicos


da inclusão escolar centralizam-se numa concepção
de educação de qualidade para todos, enfatizando o
respeito à diversidade dos educandos. Assim, em face às
mudanças propostas, cada vez mais tem sido reiterada a
importância da preparação de profissionais e educadores,
em especial do professor de classe comum, para o
atendimento das necessidades educacionais de todas as
crianças, com ou sem deficiência.

É necessário pensar e refletir sobre essa questão para


que isso possa ser mudado. Talvez uma solução para essa
problemática fosse debater mais sobre uma aula inclusiva para
pessoas com deficiência dentro dos cursos de Licenciatura
em Teatro. O público de alunos é muito amplo e diversificado,
e é necessário que o sistema do curso pense em uma grade
curricular que entenda e atenda essa diversidade de alunos,
principalmente os alunos com deficiência. Um exemplo se
refere à educação básica, caso esse que reflete muito no
Ensino Superior, como Glat (2000, p. 18) explica:

A escola pública, criada a partir dos ideais da Revolução


Francesa como veículo de inclusão e ascensão social,
vem sendo em nosso país inexoravelmente um espaço de
exclusão não só de deficientes, mas de todos aqueles que
não se enquadram dentro do padrão imaginário do aluno
“normal”. As classes especiais, por sua vez, se tornaram

99
Acessibilidade Cultural no Amapá

verdadeiros depósitos de todos aqueles que, por uma


razão ou outra, não se enquadram no sistema escolar.

Atualmente, a expressão correta é Pessoas com


Deficiência. Entretanto, durante esse processo de reflexão,
tive contato com diversos materiais que vão apresentando a
evolução do conceito proposto a cada época pelo Movimento
das Pessoas com Deficiência (PcD), o que poderá ser
constatado nas citações.
Todo o sistema escolar é pensado e voltado para
aquele aluno que está dentro da “normalidade”, ou seja, que
não apresenta nenhum tipo de deficiência. Esse sistema
decorre desde a formação de professores até o espaço
estrutural da sala de aula. É por meio da prática da profissão
que o professor participa das situações inéditas relacionadas
à docência, como o processo de autorreflexão crítica, em
que consegue atribuir sentido ao seu curso universitário e
relacionar a teoria com a prática, lidando com o fazer docente.
Nesta prática investigativa, buscamos fundamentações
teóricas do campo teatral já existentes que são pensadas a
partir de um aluno que não apresenta deficiência e refletiu-
se sobre como adaptá-las de maneira que os alunos com
deficiência pudessem participar. Foi pensada a especificidade
daquele aluno e estudada sua deficiência, as características
e as peculiaridades que esse aluno tem ao desenvolver
determinadas atividades. Houve dificuldades em implementar
as aulas de modo que esses alunos pudessem participar
ativamente. São dificuldades que poderiam ser evitadas se
houvesse uma formação de professor que contemplasse a
necessidade de lidar com as particularidades de cada aluno
com deficiência e se houvesse o contato com uma bibliografia
específica acerca de jogos teatrais para trabalhar com esse
público.

A prática de estágio na formação docente

O estágio supervisionado é o momento em que o


acadêmico tem a oportunidade de pôr em prática tudo aquilo
que foi estudado em seu curso e conhecer as diferentes

100
realidades da área da educação. Momento esse que é
essencial para motivar o processo dialético de reflexão do
futuro professor, proporcionando uma vivência que contribui
para sua formação de identidade docente e até mesmo
enquanto pessoa. Pelozo (2007, p. 2) afirma que:

A Prática de Ensino e o estágio não garantem uma


preparação completa para o magistério, mas possibilita
que o futuro educador tenha noções básicas do que é ser
professor nos dias atuais, como é a realidade dos alunos
que freqüentam a escola, entre outras. Essa oportunidade
de observação e reflexão sobre a prática permitirá que
o aluno/estagiário reafirme sua escolha pela profissão e
resolva assumir-se como profissional politizado desde o
início de sua carreira.

Entretanto, o estágio não se resume somente a uma


parte prática, trata-se de um campo de investigação e estudo
no qual o estagiário pode se apropriar de fundamentos
teóricos e de propostas metodológicas para compreender
o sistema educacional de forma reflexiva. Consiste em um
curto momento em que se buscam possíveis soluções para
as mais variadas problemáticas. Os estágios que aqui foram
mencionados partiram desses princípios e de estímulos
pessoais, envolvendo diálogo com teóricos sem se distanciar
da realidade, chegando a um resultado que reflete sobre o
que foi investigado.
Desse modo, não foram estágios realizados somente
por cumprimento obrigatório do curso, mas momentos de
pesquisa e reflexão. Vale ressaltar que as orientações por
parte dos professores foram de suma importância como forma
de incentivo para que esses estágios fossem realizados de
forma investigativa e pudessem promover reflexão sobre a
temática de cada projeto de regência, influenciando muito o
olhar que o acadêmico terá sobre o estágio. Segundo Lima e
Pimenta (2005/2006, p. 14):

101
Acessibilidade Cultural no Amapá

A pesquisa no estágio é uma estratégia, um método,


uma possibilidade de formação do estagiário como futuro
professor. Ela pode ser também uma possibilidade de
formação e desenvolvimento dos professores da escola
na relação com os estagiários.

O estágio é uma oportunidade de crescimento pessoal


e profissional, além de ser um importante instrumento de
integração entre Universidade, Escola e sociedade. Deve ser
encarado como um elo que relaciona a teoria com a prática,
construindo assim a formação de um professor que reflete
sobre determinadas problemáticas e investiga possíveis
soluções, passando a entender a grande importância dos
professores na formação pessoal e profissional de seus
diversos alunos, levando-os para o caminho da crítica
reflexiva acerca da sociedade em geral.

A experiência do Teatro como metodologia de inclusão

No segundo estágio supervisionado, foram pensadas


aulas nas quais pudessem participar tanto os alunos com
deficiência como os alunos sem deficiência. Um exemplo
de jogo que foi utilizado durante as aulas foi o “bola com
comandos”. Em círculo, os jogadores devem passar a bola
de forma aleatória para qualquer pessoa da roda, mas
antes o jogador deve dizer uma letra do alfabeto, e assim
sucessivamente, não se podendo usar a mesma letra duas
vezes seguidas. O segundo comando é que, antes de jogar
a bola, o jogador deve dizer uma palavra, e quem receber
a bola deve dizer quantas sílabas tem a palavra. O terceiro
comando se trata de montar uma conta, e quem receber a
bola deve dizer o resultado.
Foi pensado esse jogo pelo fato de que, quando se
executam vários comandos, sente-se a dificuldade de ter de
raciocinar de maneira rápida, como acontece comumente com
os autistas, que em muitos casos têm dificuldade em pensar
e corresponder de forma rápida quando recebem muitas
informações ao mesmo tempo. Mello (2007, p. 20), sobre
essa questão em autistas, explica sobre essa peculiaridade:

102
Dificuldade de comunicação - caracterizada pela
dificuldade em utilizar com sentido todos os aspectos
da comunicação verbal e não verbal. Isto inclui gestos,
expressões faciais, linguagem corporal, ritmo e modulação
na linguagem verbal.

Com isso, buscou-se que os alunos sem deficiência


pudessem sentir um pouco o universo dos colegas autistas
presentes na turma, para então ensejar uma reflexão sobre o
tema, o que foi explicado para todos. Nesse jogo participaram
os alunos com e sem deficiência. Os alunos, de forma geral,
sentiram dificuldades em executar os diversos comandos ao
mesmo tempo, segundo eles mesmos.
Em um outro momento, visando a coletividade dos
alunos, foi passado o jogo “Maestro”. Uma pessoa, que será
o Detetive, sai do ambiente onde estão jogando e espera o
sinal para que volte ao espaço para adivinhar quem, dos que
ficaram, está comandando os demais com movimentos. O
Maestro deve ser escolhido em um consenso de todos e faz
movimentos que os demais devem repetir, mas de forma que
o Detetive não o descubra.
Durante esse jogo, os alunos autistas não participaram.
Acredita-se que foi pelo motivo do barulho feito através dos
sons por parte dos demais. Em muitos casos, o indivíduo
autista tem uma alta sensibilidade ao barulho. Segundo Mello
(2007, p. 16):

Autismo é um distúrbio do desenvolvimento que se


caracteriza por alterações presentes desde idade muito
precoce, tipicamente antes dos três anos de idade,
com impacto múltiplo e variável em áreas nobres do
desenvolvimento humano como as áreas de comunicação,
interação social, aprendizado e capacidade de adaptação.

Foi um erro ocorrido durante as aulas, pois não se


sabia como os alunos se comportariam durante o jogo. Os
alunos autistas ficaram apenas rolando pelo chão. Entretanto,
foi um equívoco que fez refletir sobre a prática docente.
Naquele momento, procurou-se não cobrar dos alunos para

103
Acessibilidade Cultural no Amapá

além daquilo que podiam fazer, tendo em vista que era o


meu primeiro contato com a regência e, ao mesmo tempo,
era também o primeiro contato ministrando aula para alunos
com deficiência.
A partir das aulas que foram ministradas, buscou-se a
reflexão e conscientização sobre o tema autismo. O primeiro
passo para isso é conscientizar as pessoas sobre o assunto,
que existe e deve ser debatido, principalmente com e pelos
colegas de turma, o que com certeza já acrescentará um
grande valor na vida dessas crianças que devem ser incluídas
não somente na Educação, mas na sociedade como um
todo. O público beneficiado não foi somente os alunos das
turmas, mas todas as pessoas para as quais eles levaram o
conhecimento sobre o assunto. Enquanto proposta de aula,
o intuito era que essa vivência pudesse tocá-los de alguma
forma e conscientizá-los sobre a inclusão.
Aqui se dá o ato de investigar o conhecimento enquanto
experiência. Foi buscada uma vivência com os alunos em
que os que não possuem deficiência pudessem entender
e compreender um pouco melhor sobre uma deficiência
em questão a partir do ato de experimentar. Levando em
consideração que nossos aprendizados são constituídos a
partir de vivências, aprendemos no decorrer da vida com
aquilo que nos acontece. Ramaldes e Camargo (2017, p. 79)
explicam que:

O ser humano se constrói a partir das relações que


estabelece com o meio e, dessas relações, experiências
são vivenciadas, já que é a partir destas que podemos
compreender o meio que nos cerca. Se as experiências
não fossem cumulativas, teríamos que reaprender
tudo a cada dia, o que causaria uma estagnação do
ser humano, não sairíamos da mesma situação nunca.
Portanto, é a vivência de experiências e a consciência
delas que ocasionam a evolução do ser humano através
do aprendizado pela experiência.

Foi pensado um fazer teatral que atendesse os dois


tipos de públicos de alunos, de forma que, a partir dessa

104
experiência conjunta, pudessem juntos aprender a conviver
e compartilhar seus aprendizados. Para isso, sempre se
buscou a consciência de ambos durante esse fazer teatral,
para que estivessem significativamente envolvidos com as
atividades e fossem guiados pelas orientações, sabendo por
que estavam fazendo determinadas atividades. Ramaldes e
Camargo (2017, p. 77), ainda sobre o ato de experienciar,
explicam:

Sendo assim, a consciência e o conhecimento


estão intrinsecamente ligados à memória. Só existe
conhecimento se temos consciência da situação
vivenciada, senão, não passará de uma atividade não
consciente, portanto não gera conhecimento.

Eram sempre trazidas informações sobre o ato de


incluir as pessoas com deficiência em seu convívio social.
Isso para que existisse de fato uma reflexão sobre o tema
que estava sendo proposto a partir da experiência enquanto
vivência de conhecimento, tendo em vista que o caminho
mais fácil para o aprendizado é o que se constrói a partir da
experiência. Ramaldes e Camargo (2017, p. 81) nos mostram
que:

A experiência surge dessa relação eu e meio, logo, sem


a interação do indivíduo com o meio não pode ocorrer
evolução, e se aprendemos a viver no mundo que nos
cerca com as experiências que estabelecemos com este
mundo, podemos compreender que o caminho mais
natural de aprendizado é o aprendizado pela experiência.

Nossas vivências dizem muito a respeito de quem


somos. A cada novo ato de experimentar há uma nova
maneira de aprender. Cada corpo tem a sua história e o seu
conhecimento pessoal, que foram adquiridos ao longo da
vida. Quando corpos diferentes entram em contato, surge um
compartilhamento de identidades, valores e saberes. Numa
turma com em média 30 alunos, com um total de 31 corpos,
contando com o do professor, tem-se uma imensidade de

105
Acessibilidade Cultural no Amapá

possibilidades de experiências entre esses corpos, que muito


têm para contribuir e aprender um com o outro, gerando assim
a inclusão a partir da experiência. Esses corpos participantes
da prática pedagógica em Teatro, realizada por mim em
caráter de estágio, estão marcados pelo conhecimento que
foi vivenciado, possibilitando se tornarem seres inclusivos.

A inclusão como experiência no fazer teatral

Para se trabalhar com PcD’s é necessário no


mínimo conhecer as suas deficiências. E essa foi a
direção metodológica adotada na prática pedagógica em
Teatro realizada num Centro Educacional que atende
especificamente pessoas com deficiência, que foi o espaço
do terceiro estágio supervisionado. Nesse espaço, buscou-
se saber se havia algum tipo de lista com as deficiências
de cada um, mas foi informado que não existia esse tipo de
listagem. Entretanto, por meio das professoras das turmas,
foi possível um entendimento melhor dessa diversidade de
corpos, abrangendo: autismo, surdez, síndrome de Down,
deficiência física e deficiência intelectual.
O autismo trata-se de uma modificação no sistema
nervoso. As características mais comuns incluem dificuldade
de comunicação, alta sensibilidade, dificuldade com
interações sociais, interesses obsessivos e comportamentos
repetitivos. Síndrome de Down é um distúrbio genético
causado por material genético extra do cromossomo. Provoca
uma aparência facial distinta e atrasos no desenvolvimento.
Mata e Pignata (2014, p. 2) explicam que:

Alterações provocadas pelo excesso de material


genético no cromossomo 21 extra determinam as
características típicas da síndrome de Down (SD) que
são: comprometimento intelectual, aprendizagem lenta,
hipotonia (diminuição do tônus muscular, responsável
pela língua protusa), dificuldades motoras, atraso na
articulação da fala e, em 50% dos casos, cardiopatias,
olhos oblíquos, rosto arredondado, mãos menores

106
com dedos mais curtos, prega palmar única e orelhas
pequenas.

O indivíduo surdo é aquele que apresenta perda parcial


ou total da audição, podendo ser congênita ou adquirida,
fato esse que dificulta a compreensão da fala por meio da
audição. Nesse estágio em específico, tivemos a presença de
uma aluna com surdez severa/profunda e que não conseguia
entender a oralidade. Maia (2016, p. 17) explica sobre os
tipos de surdez:

Surdez leve/moderada: assim considerada quando a


perda auditiva ocorre entre 40 e 70 decibéis em ambos
os ouvidos e dificulta, mas não impede, a pessoa de se
expressar oralmente, bem como de perceber a voz humana
com ou sem a utilização de uma prótese auditiva. Surdez
severa/profunda: assim considerada quando a perda
auditiva ocorre acima de 70 decibéis, o que vai impedir a
pessoa de entender, com ou sem aparelho auditivo, a voz
humana, bem como de adquirir naturalmente o código da
língua oral (fala).

Os casos de deficiência física encontrados nessa


prática de estágio referem-se especificamente a indivíduos
que utilizam e necessitam de cadeiras de rodas para se
locomover, seja por terem nascido assim ou por terem
adquirido essa necessidade durante a vida. Já a deficiência
intelectual, encontrada em outros alunos, tem como principal
característica a dificuldade de raciocínio e compreensão
das habilidades cotidianas, incluindo certas habilidades
conceituais, sociais e práticas.
Os resultados das aulas com essa turma diversa foram
variados. Alguns jogos tiveram efeitos positivos e outros,
negativos. Aqui neste trecho trago dois exemplos de jogos
que foram utilizados no percurso das aulas, para fazer uma
comparação e, assim, explicar um pouco dessa experiência
de como trabalhar com esses indivíduos.
O jogo “mosquito africano” foi um dos escolhidos para
serem trabalhados durante as aulas. Em roda, os jogadores

107
Acessibilidade Cultural no Amapá

são incentivados a imaginar que existe um mosquito na cabeça


de cada um e que devem acertá-lo. Para isso, um abaixa e os
dois colegas que estão ao seu lado batem palma acima de
sua cabeça de forma sincronizada, e assim sucessivamente.
Exemplo: Maria abaixa, João e Pedro batem palma acima
da cabeça de Maria, após isso é João que abaixa e é Maria
juntamente com Caio (que está no outro lado de João) que
batem acima da cabeça de João.
Ao ser escolhido esse jogo, foram levadas em
consideração as experiências pessoais enquanto professor.
Não o considero um jogo difícil de aprender e jogar, mas a
questão é que eu estou dentro da “normalidade”, não tenho
nenhuma deficiência. Foi um erro ter pensado em um jogo
a partir de um corpo que não apresenta nenhum tipo de
deficiência. E o que aconteceu foi que os educandos não
desenvolveram um aprendizado durante a atividade. Para
eles foi um jogo muito complexo. Explicando melhor, não é
um jogo que atende os autistas, por conta do repetido barulho
causado pelas palmas; não atende também os alunos
cadeirantes, pela necessidade de abaixar até o chão; pelos
comandos conjuntos, não atende os alunos com deficiência
intelectual e síndrome de Down; e ainda a aluna surda não
conseguiu praticar, uma vez que não havia desenvolvido
muito a linguagem de Libras, e sempre fazia as atividades a
partir dos colegas – primeiro ela os observava e depois fazia.
Foi um jogo que não atendeu os alunos por causa das suas
especificidades.
O fato de esse erro ter acontecido logo no início da
regência fez com que aprendesse que os jogos deveriam
ser escolhidos a partir dos corpos dos alunos, e não de
experiências pessoais. A partir disso, foi pensado o jogo
“massagem em roda”, por exemplo. Em roda, cada aluno iria
massagear o colega à sua frente. Todo movimento sempre
consciente, para não machucar o próximo, e massageando
da maneira que gostaria de ser massageado, levando em
consideração que a ordem seria trocada, para que assim
todos pudessem receber massagem e cuidar do outro.
Por ser um jogo de relaxamento e de cuidado, ele
atendeu os alunos. Durante a atividade, foi colocada uma

108
música calma como som ambiente, e algumas luzes foram
apagadas, no intuito de auxiliar no processo de relaxamento
e concentração dos participantes. Com isso, foi um jogo que
atendeu os alunos autistas, pela questão da tranquilidade
e do silêncio; atendeu os alunos cadeirantes, pelo fato de
que puderam sentar no chão para massagear seus colegas;
atendeu os alunos com síndrome de Down e deficiência
intelectual, pela questão de ser um comando simples e
objetivo; e, por último, atendeu a aluna surda, uma vez
que, em sintonia e de forma simultânea com seus colegas,
conseguiu compreender o jogo, mesmo sendo importante e
necessário o comando em Libras.
O Teatro é uma linguagem da Arte que é ampla e
tem a capacidade de atender a todos os públicos. Nesse
caso, foi investigada a inclusão enquanto experiência a
partir do fazer teatral proposto. Entre tantos corpos, cada
um com suas particularidades, foi possível um momento de
interação e compartilhamento de conhecimentos na vivência
da experiência. Sobre essa relação, Ramaldes e Camargo
(2017, p. 132) nos explicam que:

Para que uma educação significativa, baseada na


experiência real do educando aconteça, faz-se necessário
que o professor perceba as experiências que os educandos
trazem, reconhecendo nas situações concretas que
circunstâncias e ambientes conduzem a experiências
que levam ao crescimento. O professor deve saber como
utilizar as condições físicas e sociais do ambiente para
delas extrair tudo o que possa contribuir para um corpo
de experiências saudáveis e significativas, pois Dewey
(1971 [1938], p. 33) afirma que a experiência somente
será verdadeiramente experiência, quando as condições
objetivas se encontrarem subordinadas ao que ocorre
dentro dos indivíduos que passam pela experiência, isto
é, quando as questões objetivas estiverem subordinadas
às questões subjetivas dos indivíduos.

A prática aqui relatada tratou de propor uma experiência


de inclusão que atendesse a todos esses educandos. Uma
experiência enquanto professor em formação fazendo um

109
Acessibilidade Cultural no Amapá

elo de aprendizagem entre docente e educandos a partir da


troca de vivências. Não se vive sem experimentar. São esses
momentos que nos formam enquanto indivíduos. Levando
isso em consideração, faz-se necessário então experimentar
momentos que acarretem grandes reflexões para que em um
futuro próximo nossos alunos se tornem indivíduos capazes
de refletir sobre as questões sociais e de incluir uma pessoa
com deficiência e respeitar e aprender com ela.
Os jogos teatrais aplicados, mesclados com suas
diversas possibilidades aqui apresentadas (jogos corporais,
jogos vocais, jogos situacionais e relacionais), vão ao
encontro, novamente, dos estudos sobre pedagogia da
experiência de Ramaldes e Camargo (2017, p. 130), uma vez
que a aula foi:

[...] desenvolvida justamente de maneira a levar o


professor/orientador a conduzir as experiências teatrais
dos educandos/jogadores de forma contínua, de modo
que a experiência adquirida em um jogo ajude no jogo
seguinte e assim sucessivamente, levando o educando a
uma apropriação orgânica da linguagem teatral.

A experiência de jogar com corpos com deficiência


inicia um processo de aprendizagem que é coletivo e um
ato de aprender a incluir a partir do outro. O processo de
desenvolvimento pessoal de um indivíduo envolve não apenas
a Educação, como também as experiências profissionais e
sociais.

As possíveis experiências a partir do fazer teatral

Nota-se que são dois casos distintos aqui apresentados:


um se trata de uma aula com alunos com deficiência, e o
outro se trata de uma aula para pessoas com deficiência.
No primeiro caso, é necessário pensar em uma metodologia
de aula que atenda os dois públicos de alunos ao mesmo
tempo, para que assim possam juntos aprender aquilo que
está sendo proposto. No segundo caso, há a necessidade de

110
pensar em um plano de ensino que atenda à diversidade e
particularidade de cada um desses indivíduos com deficiência.
Um corpo não anula o outro. Eles se completam e
têm histórias, vivências e conhecimentos para partilharem
entre si. Tornar nossos alunos seres inclusivos e capazes
de entender e reconhecer o outro, de ter prazer em conviver
e compartilhar vivências diferentes, é fundamental para o
estabelecimento de uma prática pedagógica inclusiva em
Teatro. A importância de se trabalhar nesse contexto de
Acessibilidade Cultural reside no fato de que uma instituição
de ensino é o reflexo da vida, e muitos alunos descobrem
o mundo a partir desse lugar. O grande ganho para todos é
viver a experiência da diferença.
Os jogos aqui descritos foram os primeiros a serem
aplicados e que levaram à reflexão sobre qual prática
pedagógica em Teatro poderia ser estabelecida. Inicialmente
foram trabalhadas as potencialidades lúdicas, relacionais e
corporais a partir de jogos que estimulassem conceitos do
fazer teatral, para que depois pudessem ser estabelecidos
jogos mais elaborados, como jogos de improvisação.
Nesse caminho, metodologias sobre o jogo teatral
propostas por teóricos como Ricardo Japiassu e Viola Spolin
foram utilizadas. Entretanto, buscou-se aqui registrar não
fórmulas prontas e receituários de exercícios, mas entender
como os jogos teatrais podem ser adaptados para pessoas
com deficiência, bem como ressaltar que o mais significativo
é que a inclusão faça parte da prática pedagógica do docente
em Teatro, uma vez que o fazer teatral é por si só uma
experiência única que é coletivizada e capaz de promover
em quem a vivencia a transposição de todo o processo de
aprendizagem para a vida diária.

Referências

GLAT, R. A integração social dos portadores de deficiência:


uma reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras, 2000.

111
Acessibilidade Cultural no Amapá

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v. 3, n. 3-4, 2005/2006, p. 5-24.

MAIA, Shirley Rodrigues. Deficiência auditiva/surdez.


2016. Disponível em: <http://sis.posuscs.com.br/sistema/
rota/rotas_84/1314/scorm/ultimo/pdf/pdf_DAS.pdf>. Acesso
em: 28 set. 2019.

MATA, Cecília Silva da; PIGNATA, Maria Izabel Barnez.


Síndrome de down: aspectos históricos, biológicos e
sociais. 2014. Disponível em: <https://www.cepae.ufg.br/
up/80/o/TCEM2014-Biologia-CeciliaSilvaMAta.pdf>. Acesso
em: 16 set. 2019.

MELLO, Ana Maria S. Ros de. Autismo: guia prático. 5ª. ed.
São Paulo: Corde, 2007.

NASCIMENTO, Rosangela Pereira do. Preparando


professores para promover a inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais. Londrina, 2009.
Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/
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PELOZO, Rita de Cássia Borguetti. Prática de ensino e o


estágio supervisionado enquanto mediação entre ensino,
pesquisa e extensão. Revista Científica Eletrônica de
Pedagogia. Graça - SP, n. 10, jul. 2007, p. 1-7.

RAMALDES, Karine; CAMARGO, Robson Corrêa de.


Os jogos teatrais de Viola Spolin: uma pedagogia da
experiência. Goiânia: Kelps, 2017.

112
O ensino de Teatro junto/com pessoas com
deficiência no Centro Educacional Raimundo
Nonato Dias Rodrigues: um relato de
experiência

Dilma Terezinha da Silva Barreto26


DOI - 10.29327/552204.1-8

Primeiramente é válido conduzir um resgate histórico


do Centro de Educação Especial e Inclusiva, instituição que
foi criada pelo Decreto nº 4.000 de 08 de julho de 1996 e que
tem como mantenedora a Secretaria Estadual de Educação
do Estado do Amapá - SEED. Inaugurado como Centro de
Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (CAPNE) por
meio do Termo de Comodato entre o Governo do Estado do
Amapá e as Associações dos Deficientes Auditivos do Amapá,
dos Deficientes Visuais e dos Deficientes Físicos, iniciou
seu atendimento à clientela específica dessas instituições.
Somente em 1997 a instituição iniciou as atividades como
o primeiro Centro de Educação Especial do Estado, cujo
nome Raimundo Nonato Dias Rodrigues (CERNDR) é uma
homenagem a um instrutor musical com deficiência visual.
Conforme consta no Projeto Político-Pedagógico
(PPP) do referido Centro, são ofertados atendimento
educacional especializado e atendimento clínico para

26
Mestra em Planejamento e Políticas Públicas (UECE); Especialista em
Educação Especial e Inclusiva (IESAP); Pós-graduanda em Estudos Teatrais
Contemporâneos (UNIFAP); Docente vinculada ao Centro Raimundo
Nonato Dias Rodrigues - Macapá-AP na área de Artes Cênicas. Contato:
amlidbarreto@hotmail.com

113
Acessibilidade Cultural no Amapá

pessoas com deficiência (PcD) intelectual, auditiva, física,


síndrome de Down, transtorno do espectro autista, paralisia
cerebral, múltipla deficiência e outras síndromes genéticas e
congênitas, sendo matriculados desde os primeiros anos de
vida e/ou quando percebida a deficiência até a fase adulta.
Os alunos com idade até 13 anos são direcionados
ao atendimento educacional especializado e atendimento
clínico de acordo com a sua necessidade e especificidade,
objetivando pedagogicamente a complementação ou
suplementação da aprendizagem. Para os alunos PcD’s
a partir dos 14 anos, o atendimento é realizado nas Salas
Ambientes Temáticas - SAT’s, onde são oferecidas atividades
com finalidades pedagógicas, sociais, culturais e terapêuticas
direcionadas a grupos de até 15 alunos, organizados
previamente de acordo com o quantitativo de matriculados.
Vale ressaltar que a permanência em cada atendimento é de
50 minutos e, ao término, os alunos seguem uma rotatividade
de atendimentos. As SAT’s oferecidas atualmente são as
de Artes Plásticas, Artesanato diversificado, Reciclagem,
Marcenaria, Atendimento Pedagógico, Contação de Estórias,
Música, Educação Física adaptada e Artes Cênicas.
O presente capítulo trata-se de um relato de experiência
de caráter descritivo-analítico contemplando as vivências
de docência nas aulas da SAT de Artes Cênicas no Centro
Educacional Raimundo Nonato Dias Rodrigues. Pensando
nos inúmeros repertórios culturais e de aprendizagem que
vêm sendo construídos no decorrer dos anos dentro das
relações de docência, um processo de troca de experiências
no perpassar de saberes, emoções, sensibilidades e
conhecimentos tem pautado o ensino de Teatro com e para
as pessoas com deficiência nesse Centro, num contínuo
produzir de memórias.
Adentrar esse espaço educacional sem obter
experiência prática em Educação Especial e Inclusiva, mas
tendo os subsídios práticos na área de atuação cênica foi
o início de um constante aprendizado num processo de
entendimento da Acessibilidade Cultural. Nas duas primeiras
semanas de trabalho, seguindo a orientação da pedagoga
responsável, e como prática do CERNDR, fiquei revezando

114
entre as salas de atendimento, conforme estágios de
observação que vivenciamos nos cursos de magistério.
Minhas experiências em Teatro amador, iniciadas nos
grupos da igreja, e depois como coordenadora do Grupo
Teatral do Museu Sacaca (importante espaço cultural e
de educação ambiental em Macapá - AP) me subsidiaram
para o ingresso na vaga devido à carência, à época, de
profissional nessa área. Com minha trajetória artística e as
certificações em vários cursos e oficinas de curta e média
duração, fui designada para ser professora de Artes Cênicas,
atendendo nos três primeiros horários de trabalho os alunos
do atendimento educacional especializado (individual) e
nos dois horários restantes, os alunos das Salas Ambientes
Temáticas, perfazendo os cinco horários de atividades
pedagógicas destinados ao público em questão na instituição.
O primeiro dia de atendimento efetivamente dentro
da sala de aula como professora de Teatro na Educação
Especial foi com um aluno com síndrome de Down de 8
anos, em que consegui desenvolver uma atividade simples
de avaliação diagnóstica. No segundo horário estava com
um aluno autista que apenas entrou, sentou, abaixou a
cabeça sobre a mesa e adormeceu. Tentei acordá-lo, mas
não obtive sucesso. Através de relato do responsável, fui
informada de que ele fazia uso de medicações receitadas
pelo médico que o acompanhava que o deixavam sonolento.
Após esses atendimentos, resolvi verificar todos os
relatórios dos anos anteriores antes de iniciar os próximos.
Aprendi a importância de conhecer o histórico de cada um,
além da avaliação diagnóstica. De qualquer forma, dentro
desse Centro, experimento situações, posicionamentos e
atitudes diferenciadas das vividas por mim há anos, além
de conceitos de acessibilidade, inclusão, oportunidade para
todos, sentimento de pertencimento e encorajamento para
mudanças de fato.
Durante duas semanas realizei atividades atendendo
individualmente em exercícios que objetivavam desenvolver a
atenção, a desenvoltura e a oralidade. Passado exato um mês,
iniciei o atendimento dos grupos. Os alunos eram separados
aleatoriamente de modo a equilibrar o quantitativo: eram seis

115
Acessibilidade Cultural no Amapá

grupos com oito integrantes cada. Importante destacar que


não existe um critério específico para a formação dos grupos
e no atendimento observamos/acompanhamos alunos com
diferentes deficiências.
Como forma de recepção e acolhimento, a rotina
sempre foi manter a organização da sala antes da entrada
da turma e construir um ambiente agradável com o intuito
de desenvolver habilidades e competências, visando a
interação e inclusão social através da proposta de dinâmicas
concisas previamente escolhidas. Essas dinâmicas se
tornaram proveitosas no sentido de abranger e estimular a
espontaneidade.
Inicialmente, preparei o plano de aula voltado para
fazer um breve diagnóstico com os grupos de alunos que
iria atender, para conhecê-los e verificar o que já sabiam
sobre o fazer teatral, uma vez que entrei substituindo um
professor de Artes Cênicas que precisou se afastar do
trabalho por questões pessoais. Esse diagnóstico foi se
dando gradativamente, e as rodas de conversa aconteciam
antes de iniciar as atividades. Nesse processo, passei a
conhecer os alunos, suas preferências se verbalizavam e
se entendia a dinâmica acerca das propostas de trabalho,
com o intuito de conquistar a confiança de cada um, levando
em consideração que em alguns momentos era necessário
o uso dos sentidos, do toque, do olho no olho em certos
exercícios. Esses exercícios possibilitaram dialogar com a
prática pedagógica em Teatro vivenciada por Felix (2019a,
p. 77) junto a seu trabalho com Pessoas com Deficiência, em
que esta:

Estabelece-se assim, dentro deste processo de


investigação da atividade docente, que ao adentrar-se
com estes espaços e corpos ao qual não se tem nenhum
ou pouco contato ou experiência, é necessário inicialmente
diagnosticar e perceber, no sentido de observar com
olhos críticos como é/está esses corpos/ambientes.
Após esta etapa é necessário refletir, pensando sobre
quais as necessidades, possiblidades, potencialidades
e fragilidades de cada um destes. Posteriormente, vem

116
a etapa de planejar, buscando metodologias, métodos,
experimentações, trabalhos e outras questões que
pudessem suprir as questões levantadas anteriormente.
Assim, se aplica o proposto em planejamento e se
avalia a proposta que foi aplicada e assim, dá-se início
novamente a este ciclo, onde a partir da avaliação, é
necessário diagnosticar e perceber novas questões.
Assim, foi essencial para transformar o chão da sala de
aula em territórios de descobertas.

Nas rodas de conversa, fomos criando uma


cumplicidade na relação professora e alunos, inclusive uma
Pessoa com Deficiência física que não permitia tocar em sua
cadeira de rodas passou a mudar de atitude. Em uma das
conversas, um aluno com deficiência intelectual, questionado
por outro aluno sobre por que só vestia o uniforme quando
chegava ao Centro Raimundo Nonato, relatou que era por ter
vergonha de usar no ônibus ou na rua, pois frequentemente
era chamado de “doido” por outros adolescentes quando
o viam com o uniforme da instituição. Isso me chocou de
maneira não só profissional, pela discriminação sofrida
pelo aluno, que sabemos ocorrer cotidianamente, mas por
afetar a autoestima do garoto, fazendo-o ter vergonha de si.
Esse relato corroborou o entendimento do Teatro como uma
atividade que liberta a pessoa de opressões.
Em meio aos diversos sujeitos na roda, em sua
maioria não alfabetizados ou em processo de alfabetização,
após o diagnóstico, entendi a importância de adentrar as
necessidades desses corpos de forma a incentivá-los a
perceber a relevância de cada um na sociedade, de seu ser
e do seu fazer: um simples movimento dos braços, agachar,
abrir e fechar as mãos importa para nós educadores, para os
familiares, para os cidadãos que acreditam nos processos de
estimulação corporal. Essa mudança de olhar vai ao encontro
da importância de oportunizar saberes, inclusive culturais, a
diversas pessoas, como nos aponta Freire (1967, p. 108),
sobre o processo que é mobilizado pela oportunidade do
contato com a educação:

117
Acessibilidade Cultural no Amapá

A partir daí, o analfabeto começaria a operação de


mudança de suas atitudes anteriores. Descobrir-se-ia
criticamente, como fazedor desse mundo de cultura.
Descobriria que tanto ele, como o letrado, tem um ímpeto
de criação e recriação. Descobriria que tanto é cultura o
boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo,
como cultura também é a obra de um grande escultor,
de um grande pintor, de um grande místico, ou de um
pensador.

A partir desse entendimento da importância de


possibilitar saberes e experiências, valorizando cada
estímulo vivenciado/demonstrado, formulei as aulas mesmo
não possuindo, à época, repertório teórico em Teatro-
Educação. Assim, selecionei dinâmicas, jogos e exercícios de
concentração e relaxamento sempre voltados para a temática
de introdução sobre o que é o Teatro, os elementos cênicos
que o compõem, caracterizações, figurinos, evidenciando
que o conteúdo oriundo da minha prática artística é que me
direcionava no processo docente.
Algumas ponderações quanto aos horários: como
cada grupo tinha 50 minutos de atividades, com a primeira
turma não era possível realizar na íntegra o planejamento,
nem manter o foco no exercício, em virtude dos alunos
que chegavam atrasados, mas nos outros horários, com os
alunos já estabelecidos na instituição, era possível averiguar
nas rodas de conversa o emocional, o comportamental e a
possibilidade de propor ou não o exercício planejado. Nem
sempre era possível realizar práticas corporais, então utilizava
o recurso do desenho no reconhecimento/apresentação de
objetos que eram utilizados em apresentações cênicas.
Na realização e construção de desenhos livres,
muitas vezes refletia sobre acontecimentos recentes e as
emoções individuais diante deles, observando a potência
e expressividade das imagens produzidas. Em outros
momentos, utilizava vendas, perguntava quem gostaria e se
deixaria vendar e colocava objetos nas mãos de cada uma
para que tocassem e depois desenhassem. Quase sempre a
proposta era não apenas trabalhar os objetivos do conteúdo,

118
mas também promover a socialização, a comunicação,
o movimento das mãos e do corpo, em que “todo o jogo
realizado no entrelaçamento dos sentidos óticos e hápticos
acontece por intermédio delas. O que toca no dedo é algo
como o excesso” (BETHIELLE, 2020, p.45). Isso foi me
mostrando que, mais do que a prática teatral, os alunos
entenderam que no horário de Artes Cênicas estavam num
momento em que a liberdade, criatividade e autoexpressão
eram o mais importante. Por isso, buscando entender o
público com o qual trabalhava, não ignorei outros fazeres
artísticos, uma vez que o grupo, em sua maioria, estivera há
anos alijado do seu direito à Cultura.
Um exemplo de exercício proposto foi quando trabalhei
movimento e lateralidade utilizando sucata de pneu, com o
intuito de criar uma ação de expressão corporal a partir de uma
sequência de movimentos. Coloquei para cada aluno na sala
a situação proposta, sendo que para o aluno com deficiência
física utilizei papel com o desenho do pneu e um pincel de
pelo, e por meio de comando de voz e visual direcionava
(dentro/fora/circulando) sua pintura, incentivando-o a realizar/
montar/experimentar uma sequência de ações. Nesse
sentido, devo frisar que essas propostas não foram adaptadas
ou reinventadas, e sim elaboradas de forma a possibilitar a
participação de todos, atingindo um dos objetivos principais
quando se trabalha com pessoas com deficiência.

Assim, os procedimentos de ensino-aprendizagem podem


ocorrer com um método diferente para os alunos cegos,
com outro método com alunos surdos e com outro método
para seus outros colegas de sala. Porém, os diferentes
métodos utilizados encaminham as experiências para
as mesmas habilidades e competências almejadas para
aquela aula. Chegar ao objetivo por diferentes caminhos,
onde cada um trilha as suas possibilidades a partir das
estratégias desenvolvidas e propostas pelo professor.
(FELIX, 2019b, p.54)

No ambiente do Centro, o calendário inclusivo é


bastante rico, evidenciando tanto as datas comemorativas

119
Acessibilidade Cultural no Amapá

tradicionais como as conquistas da pessoa com deficiência


em seus parâmetros nacionais e estaduais. Nos eventos
da agenda da instituição, a SAT de Artes Cênicas costuma
apresentar danças, cenas teatrais e performances sobre as
diferentes temáticas trabalhadas. Em várias dessas aparições
em palcos com espectadores, é possível verificar a mudança
dos alunos: surge a inibição e o medo do olhar das pessoas,
ao passo que na sala de aula, com seus pares e sob minha
orientação, o nível de atuação, concentração, atenção e
movimentos não era confrontado, e todos se sentiam mais à
vontade para realizar as atividades.
É preciso entender que, no decorrer dos anos,
as formas de abranger as Artes Cênicas dentro da sala
foram constantemente reformuladas, mas não esgotadas.
Observando o que esclarece o Projeto Político Pedagógico
sobre a “caracterização do alunado: percepções e anseios”,
verificamos “a prevalência de alunos adultos, com idade
superior a 25 anos (51,16%), sendo que a grande maioria
destes já se encontra há mais de 10 anos vinculado ao
estabelecimento” (CERNDR, 2020, p. 73). Então, as práticas
pedagógicas e artísticas em Teatro por mim propostas
precisam dialogar não só com as diferentes deficiências num
mesmo ambiente, mas com a diversidade etária.
Com isso, entendemos que mais da metade
dos estudantes PcD’s matriculados no CERNDR são
remanescentes do próprio Centro, acendendo a discussão
acerca do conceito de inclusão educacional. O Centro
talvez seja o único local, além do ambiente familiar, em que
eles conseguem socializar, acrescentado no seu cotidiano
momentos de aprendizagem e desenvolvimento. Daí a
importância da Arte e do Teatro-Educação nesse espaço,
uma vez que:

No caminho proposto pela Arte-Educação no que tange à


contextualização, as pessoas com deficiência percebem-
se também como integrantes das ações artístico-
educacionais. Neste momento há o entendimento da
contradição opressores-oprimidos existente em nossa
sociedade e o fazer artístico propõe um caminho de

120
superação dessa relação. (SILVA, MATTOSO, 2016, p.
219)

Embora as atividades cênicas realizadas em muitos


momentos contemplassem as datas comemorativas anuais,
era preciso sempre inovar nas metodologias. Após dois anos,
resolvi propor a temática de trabalho a partir de referenciais
teóricos. Realizei pesquisa pessoal sobre metodologias
voltadas à sensibilização artística e, concomitantemente
a essa tentativa, surgiu a proposta do projeto “Trocando
experiências”, realizado pela equipe de psicólogos do Centro
Raimundo Nonato, direcionado para os alunos das SAT’s, no
intuito de conversar sobre temas transversais e situações-
problemas do cotidiano.
No plano de ação de Artes Cênicas, integrei a proposta
da arteterapia como forma de interligar as Artes Cênicas
ao projeto dos psicólogos, considerando que “a forma de
expressão através de desenhos, entre outras demonstrações
artísticas, permite que o sujeito traga conteúdos que estavam
obscuros e foram expostos, visto como um todo através da
Arteterapia” (CAETANO et al., 2018, p. 276). Um modelo de
atividade utilizando elementos da arteterapia foi uma roda
de conversa em um ambiente já preparado com colchonetes
e som ambiente (pássaros/natureza), que iniciei indicando
para que os alunos deitassem e/ou sentassem de forma
a ficar à vontade, como se estivessem em casa. Depois,
observando se todos estavam concentrados, descrevia
em voz alta momentos em família de pessoas fictícias, por
exemplo, “Naquela manhã mamãe levantou com passos
lentos para não acordar seus filhos, sentia o cheiro de café
quentinho no bule...”, experimentando possibilidades ligadas
aos jogos dramáticos. Nesse grupo exemplificado, estavam
presentes pessoas com deficiência intelectual, física, baixa
visão e um aluno com síndrome de Down. O exercício
afetou alguns sentimentos, a ponto de uma das alunas com
deficiência intelectual relembrar momentos com sua família
e se emocionar. Posteriormente, solicitei que desenhassem
suas impressões, emoções e lembranças com base nas
descrições.

121
Acessibilidade Cultural no Amapá

Embora tenha observado êxito nas devolutivas dos


alunos em relação a essas atividades relatadas, algo faltava
para integrar a prática teatral em si. Procurei uma proposta
de atividade baseada na realização de movimentos corporais
e interação arte/criação, levando em consideração o fato de
a arteterapia desenvolver aspectos artísticos através das
imagens, uma vez que:

Trabalhar com artes ajuda no desenvolvimento pessoal e


emocional. O inconsciente se torna mais acessível com
símbolos do que com palavras, por isso o uso das artes
facilita o processo de reflexão e seu desenvolvimento.
Pode-se comunicar e expressar muito mais através das
artes, principalmente de forma inconsciente, já que as
imagens transmitem mais do que palavras e oferecem um
meio seguro para explorar temas difíceis. (CAETANO et
al., 2018, p. 278)

Então, foram propostas vivências corporais a partir do


estímulo de imagens pessoais produzidas.
Mudanças em relação à minha atuação no ensino
de Teatro inclusivo iniciaram com a chegada no Centro de
estagiários do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP), que propuseram a pesquisa
sobre Teatro/Inclusão, e posteriormente meu contato com
a equipe do Projeto de Extensão “LABAC - Laboratório de
Acessibilidade Cultural em Macapá”, que trouxeram um
despertar para o meu fazer profissional, juntamente com o
orientador da ação extensionista, o qual apresentou textos
sobre os jogos teatrais, e não apenas dinâmicas e exercícios
de integração, socialização e relaxamento.
Nas percepções do contato dos acadêmicos com os
alunos PcD’s, observei inseguranças desses principalmente
em relação a alguns comportamentos, como no caso
dos alunos com autismo ao saltar e fazer movimentos
repetitivos, sendo necessário o acompanhamento de todos
os professores das SAT’s nas intervenções propostas,
demonstrando a necessidade do diálogo e efetivação de

122
uma equipe multidisciplinar para a realização de ações de
Acessibilidade Cultural.
Esse despertar para o direito à Cultura das PcD’s
ocorreu e abrangeu um evento organizado pelos professores
das SAT’s, em conjunto com os diversos profissionais, tendo
em vista a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência
Intelectual e Múltipla, instituída pela Lei 13.585/2017, sendo
comemorada entre os dias 21 e 28 de agosto de cada ano, cujo
objetivo é “promover ações de inclusão social e de combate
ao preconceito e à discriminação contra as pessoas com
deficiência”27. Essa Semana trata-se apenas da formalização
de uma data que já é celebrada por entidades e associações
há muito tempo.
Para sensibilizar e dar visibilidade à temática da
Acessibilidade Cultural, organizamos uma programação
possibilitando momentos de palestras e de visitações aos
espaços culturais amapaenses, como Museu Sacaca, Teatro
das Bacabeiras, Praça Floriano Peixoto, oficinas de contação
de história e um Luau Inclusivo, onde cantores locais como
Mayara Braga, Nitai Santana, Mauro Cotta e Eunice Sales
contribuíram para o evento. Os discentes passaram então
a ser espectadores e prestigiar momentos e espaços
culturais, mesmo adentrando locais sem a menor percepção
sobre acessibilidade: alunos com deficiência física eram
carregados e com deficiência visual, conduzidos por espaços
inadequados, reafirmando que:

O grande desafio é formar esse público e conscientizá-


lo da importância desses espaços (museus, centros de
memória, teatros, bibliotecas, etc) para sua cidadania.
Essa formação vai além do significado dessa palavra.
A formação também é a conscientização do indivíduo
como parte do ambiente cultural. Mas, para que o
público frequente espaços culturais, é preciso acesso.
E a acessibilidade deve partir inicialmente das próprias
instituições, as quais devem conhecer suas barreiras e

27
Para mais informações, acesse: https://www.ijc.org.br/pt-br/noticias/
Paginas/lei-institui-semana-nacional-da-pessoa

123
Acessibilidade Cultural no Amapá

limitações para tentar eliminá-las. (SILVA, MATTOSO,


2016, p. 231)

As visitações foram importantes porque, após a


semana comemorativa, já em sala de aula, foi possível
indagar os alunos sobre as dificuldades e facilidades quanto
aos espaços visitados. Entendi ser um momento propício
para abordar aspectos ligados à conscientização a respeito
do direito à Cultura e importância da quebra das diversas
barreiras ainda existentes nas instituições públicas e
privadas de Cultura. Ocorreu, por parte dos alunos, interação
fazendo comparações sobre outros espaços conhecidos,
tais como escolas e hospitais, citando situações de falta de
rampas, principalmente porque perceberam os professores e
cuidadores carregando os alunos com deficiência física para
adentrarem os espaços. E tudo isso mobilizado com e a partir
do fazer teatral vivenciado no Centro Educacional Raimundo
Nonato, mostrando que a experiência cênica se dá de forma
teórica e prática, como agente promotor ou como espectador,
incentivando-me a estabelecer nos alunos a consciência da
acessibilidade também no universo cultural.
Entender o ensino de Teatro com e para PcD’s no
CERNDR como uma ação de Acessibilidade Cultural me
motivou a concorrer ao processo seletivo da Especialização
em Estudos Teatrais Contemporâneos da UNIFAP e investigar
as referências do Teatro-Educação, aprofundando no estudo
do Teatro junto/com pessoas com deficiência efetivamente
com o intuito de obter formação e aprender aspectos que
auxiliem na melhora do eu-professora. Esse penetrar na área
teatral, agora como acadêmica, possibilitou utilizar jogos e
experimentos cênicos diretamente na aprendizagem dos
alunos, perpassando por constantes modificações conforme
o público-alvo a que minha prática pedagógica se destina.
Com o atual contexto educacional imposto pela
pandemia do coronavírus (Covid-19) e pelo distanciamento
social, mudanças foram promovidas em busca de
metodologias capazes de transpor a teoria para a prática
do nosso cotidiano, nos levando ao ensino não presencial
para aulas remotas síncronas e assíncronas. Assim, novas

124
metodologias para um Teatro Inclusivo foram surgindo, numa
ação em conjunto com os bolsistas do LABAC UNIFAP, as
quais em outro relato de experiência serão descritas.
O que fica de todo esse processo é que um ensino de
Teatro Inclusivo é possível, mas a prática teatral não está
dissociada de seu estudo teórico e sua aplicação pedagógica.
E, nessa trajetória de evolução do eu-professora, mobilizações
foram feitas a partir de um ponto fundamental: o direito à
Cultura das pessoas com deficiência e a presença dessas
em processos artísticos, pois com elas é que poderemos
criar processos em que o fazer teatral possa realmente ser/
ter uma ação de Acessibilidade Cultural.

Referências

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junguiana: um processo de mudança na aquisição de
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Produção Acadêmica. Viçosa - MG, v. 10, n. 1, jan./dez.
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Macapá, v. II, n. 2, 2019b, p. 51-64.

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125
Acessibilidade Cultural no Amapá

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126
Acessibilizar é se afetar para acolher e
sensibilizar: relato de experiência no Grupo
de Estudo em Acessibilidade Cultural28

Marília Navegante Pinheiro29


Mayara Caroline da Costa Marques30
DOI - 10.29327/552204.1-9

Neste texto, trazemos um relato de nossas vivências


no Grupo de Estudo em Acessibilidade Cultural (GEAC), que
é um projeto vinculado ao Programa de Cultura (PROCULT)
28
Publicado originalmente na Revista Iaçá Artes da Cena (UNIFAP), Dossiê
Temático Teatro e Inclusão: dos Corpos a Margem aos Corpos Potentes,
v.2, n.1 (2019). Disponível em: https://periodicos.unifap.br/index.php/iaca/
article/view/4831
29
Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
(2013). Especialista em Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade
Federal do Amapá - UNIFAP (2015-2016). Atua como professora Titular da
Educação Básica na Escola Estadual Maria do Carmo Viana dos Anjos,
Macapá-AP, desde 2014. Estuda e produz trabalho dentro da Performance
Art, gênero e sexualidade. Atualmente é acadêmica do curso de Teatro na
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP/2017). Voluntária no Projeto de
Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade Cultural em Macapá em
2017. Bolsista voluntária de Iniciação Científica junto ao Grupo de Pesquisa
NECID-CNPq-DPq UNIFAP, 2017. Contato: marilia.navegante.ap@gmail.
com
30
Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amapá -
UNIFAP (2014), onde deu início a seu interesse pela pesquisa nos estudos
da performance artística e sua relação com a atuação do professor performer,
motivo pelo qual iniciou em 2017 o curso de Teatro na Universidade Federal
do Amapá (UNIFAP). Especialização em Metodologia do Ensino Superior
pelo Centro Universitário Internacional/UNINTER. Experiência no cargo
de professora efetiva no Estado do Pará na cidade de Belém. Bolsista do
Projeto de Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade Cultural em
Macapá em 2017. Contato: maymarquesap2@gmail.com

127
Acessibilidade Cultural no Amapá

da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e que teve seu


início em agosto de 2017. Nosso primeiro contato com o grupo
de estudos se deu a partir dos trabalhos realizados como
bolsista e voluntária, respectivamente, e assim iniciamos o
processo de desenvolvimento de trabalhos correspondentes
às necessidades do grupo. Nesse sentido, discorreremos
sobre o que foi desenvolvido no grupo entre novembro de
2017 e o início de março de 2018.

Sobre o GEAC

O Grupo de Estudo em Acessibilidade Cultural tem


como um de seus objetivos promover o debate sobre como
tornar a cultura acessível para pessoas com deficiência
física, visual ou com visão reduzida que utilizam cão-guia
ou bengala; surdas, com audição reduzida ou com implante
coclear; surdos-cegos; com deficiência física; paralisia
cerebral; e síndrome de Down.
É importante dizer que dar acesso à cultura não se
resume apenas a adaptar espaços físicos colocando rampas
para cadeirantes, piso tátil para pessoas cegas ou com
baixa visão, mas sim construir metodologias com e sem as
tecnologias assistivas para que a pessoa com deficiência
tenha possibilidade de experimentar e fruir as artes (filme,
música, dança, teatro, pintura etc.) no sentido de se informar
sobre isso, além de poder transcender para a construção
de outras memórias, gostos, posicionamentos críticos sobre
algo com autonomia.

No caso das pessoas com deficiência, enquanto sentem,


cantam, ou vivenciam linguagens artísticas de forma
sensorial e protagonista, elas refletem sobre o que lhes
é apresentado, promovendo uma discussão sobre aquilo
que estão vivenciando e o que esse fazer proporciona ao
seu contexto pessoal. (SILVA; MATTOSO, 2016, p. 218)

Desse modo, estamos diante da possibilidade de


construir outros acessos ao conhecimento cultural por meio
de canais de comunicação que respeitem a especificidade

128
física do indivíduo, estabelecendo trocas afetivas e rompendo
com os preconceitos que causam estranhamentos e visões
distorcidas sobre a capacidade das pessoas com deficiência.

Primeiros diálogos

Aprendemos logo de início que para falar sobre


acessibilidade não poderíamos deixar de ouvir as
necessidades de quem tem algumas das deficiências já
citadas neste texto. Foi então que tomamos contato com o
lema “Nada sobre nós sem nós”, o qual explica que as pessoas
com deficiência podem ser participantes e produtoras ativas
na sociedade, e não apenas receptoras do que a sociedade
produz. Desse modo, o Grupo de Estudo em Acessibilidade
Cultural sempre procurou convidar pessoas com deficiência
para participar das discussões, dos planejamentos, ações
etc.
Nosso primeiro contato nesse sentido foi com um
paratleta da cidade de Macapá com deficiência visual que
pratica lançamento de dardo e disco. Nosso diálogo com
esse atleta foi importante para pensarmos o corpo da pessoa
com deficiência visual, suas potencialidades com relação
aos espaços e as pessoas que lidam com ele. Citamos isso
pois nossos trabalhos com esses estudos estão diretamente
ligados ao curso de Teatro da UNIFAP e à construção de
metodologias artístico-educacionais para esse público em
específico.
Em um segundo momento, recebemos no Grupo de
Acessibilidade Cultural (GEAC) a representante do Conselho
Estadual dos Direitos das Pessoas com Deficiência do
Amapá, a qual tem baixa visão e veio para somar com o
grupo. Entre suas contribuições, promoveu a acessibilização
dos slides utilizados nas palestras e estudos em prol das
pessoas com baixa visão, contemplando o uso de cores
contrastantes, diferença perceptível entre claro e escuro,
criando dois efeitos de proximidade e distância etc. Foi
necessário fazer um pequeno estudo das cores para tornar
os slides mais acessíveis pensando no Decreto Federal 5.296
de 2 de dezembro de 2004, que estabelece normas gerais

129
Acessibilidade Cultural no Amapá

e critérios básicos para promoção da acessibilidade das


pessoas que têm alguma deficiência ou mobilidade reduzida.
Nesse caso, a letra ampliada, software de voz, lupa, entre
outros, são cuidados que devemos ter ao elaborar recursos
que auxiliarão nossa comunicação com o público diverso.
Outro contato foi com um professor da Rede Estadual
de Ensino de Macapá, pessoa com deficiência visual, que
participou dos encontros e contribuiu para os estudos, com
o planejamento de algumas ações, no relacionamento
com agentes externos e com o público do Atendimento
Educacional Especializado (AEE).
Cada encontro e contato foi relevante no sentido
de aprendermos e aumentarmos nosso arcabouço
de possibilidades de trabalho e sensibilização sobre
Acessibilidade Cultural, para então entendermos que
acessibilizar é uma tarefa que se constrói em coletivo e,
principalmente, junto com aqueles que queremos atingir,
como as instituições. Para tanto, seguimos o lema “Nada
sobre nós sem nós”.

Mãos que acolhem

Este é o tópico em que consta nossa participação


enquanto artistas visuais responsáveis pela criação de
uma intervenção artística para o Núcleo de Acessibilidade
e Inclusão - NAI. Fomos incumbidas de pensar e projetar
uma obra acessível, começando com reuniões para discutir e
montar a proposta e traçar o primeiro esboço de desenho do
projeto, inicialmente chamado “Mãos que veem”.
Fomos ponderando sobre como a obra poderia ser
exposta ou instalada em um espaço onde fosse possível
que pessoas com deficiência ou não pudessem interagir
diretamente com a obra, ou seja, tocá-la e serem tocadas
por ela. Foi então que focamos na palavra “acolhimento”, e
a partir dela foi resolvido em coletivo que para a montagem
da obra iríamos focar em partes específicas do corpo, como
braços e mãos, as quais nos remetiam ao significado da
palavra.

130
A princípio, pensamos em uma obra bidimensional,
uma pintura figurativa que trouxesse a imagem de mãos
e braços em posições que sugerissem tal acolhimento, e
depois acessibilizaríamos essa obra transformando-a em
uma obra tridimensional ou em alto-relevo, de modo que
deixasse claro para o público a possível comunicação com
a diferença, atribuindo outras formas de interação a partir de
uma postura educativa e sensível.
Logo após, começamos a ponderar sobre a posição
dos braços e das mãos, já que vamos focar nessas únicas
partes do corpo, sendo elas escolhidas porque passarão a
sensação de afeto, seja através do abraço, do toque das
mãos, do acolhimento, observando o espaço, a distância de
um elemento para o outro, para poder começar a pensar nas
cores para a pintura. Nesse momento, em vez de “Mãos que
veem”, passamos a chamar o projeto de “Mãos que acolhem”,
para passar essa ideia de abrigo.
No entanto, a constituição da obra foi se modificando do
seu princípio para a produção de uma obra já acessibilizada,
ou seja, chegamos à ideia de que a pintura já poderia ser
acessível, uma imagem que atendesse o olhar de forma
universal, mas que não perdesse o senso estético, artístico
de uma obra que tem de fazer pensar e ser provocativa.
Até então, pensávamos na materialização da obra
acessível com materiais como gesso para modelar os braços
e mãos, tinta para preparar a parede que iria receber a
intervenção, mas foi dialogando com outras pessoas sobre
a durabilidade da obra que conhecemos o trabalho de
impressão em 3D realizado pelos acadêmicos do curso de
Matemática e pela coordenação do projeto Robótica Tucuju,
da UNIFAP, e fomos verificando a possibilidade de fazer a
impressão em 3D dos braços e mãos.
Feito esse contato, começamos a organizar o processo
de experimentação em impressão 3D em etapas. Assim,
na primeira etapa, o grupo Robótica Tucuju disponibilizou
os materiais para fazermos o processo de escaneamento
no corpo de uma das integrantes do GEAC na galeria do
Departamento de Letras e Artes da UNIFAP (DEPLA).

131
Acessibilidade Cultural no Amapá

Figura 1 – Fotografia do processo de escaneamento digital.

Figura 2 – Fotografia do processo de escaneamento digital.

132
Na segunda etapa, tivemos contato com a primeira
impressão e verificação da proporção dos membros
escaneados, os quais precisavam de ajustes para que
tivessem um tamanho considerado interessante para dispor
na parede.

Figura 3 – Fotografia do primeiro braço impresso.

Na terceira etapa, fomos ver parte da obra na sala do


Projeto Robótica Tucuju, e braços e mãos foram medidos
novamente. Pegamos uma parte do braço que não estava
certo, segundo o grupo, por falta de medida da altura, como
amostra de como ficariam as peças impressas.

133
Acessibilidade Cultural no Amapá

Figura 4 – Fotografia das mãos.

Na quarta etapa, fizemos a verificação do andamento


da impressão em 3D dos braços com medidas acertadas,
os quais estavam sendo impressos em definitivo pelo grupo
do Projeto Robótica Tucuju para posterior montagem e
finalização da obra.

Figura 5 – Fotografia da última análise da mão.

134
Resolvidas essas etapas, passamos a focar o modo
como se poderia ter acesso à obra. Para a acessibilidade de
cadeirantes, por exemplo, seria preciso pensar no acesso por
rampa e na altura da obra (cerca de 1,40 m); para a pessoa
com deficiência visual, na possibilidade de usar baixo-relevo
e/ou texturas, objetos que se sobrepõem à obra; para quem
tem baixa visão, foi cogitado o contraste das cores e a
dimensão dos objetos; para quem tem deficiência auditiva,
a possibilidade de uso de QRCode para remeter a uma
apresentação de vídeo da obra em Libras e audiodescrição,
para contemplar as pessoas com deficiência visual.
Nesse momento, pensávamos na complexidade
dessa relação Teatro e Robótica a partir da criação de uma
pintura acessível que enfatizasse a importância de partes
significativas do corpo como as mãos e os braços. Mãos e
abraços que tocam o outro, que aproximam.
A tecnologia foi um recurso pensado para fins práticos,
mas não se resumiu a isso. Pode ser poético esse encontro
de diferentes linguagens em busca do objetivo de promover a
Acessibilidade Cultural inicialmente na UNIFAP, podendo se
estender para a comunidade.

Ações do GEAC

Aqui é necessário pontuar o que conseguimos realizar


entre as ações citadas anteriormente, posto que o grupo
é de estudos, então entendemos que antes das ações há
uma preparação teórica, metodológica, de discussão sobre
o tema. Assim, o grupo realizou palestras sobre “O que é
Acessibilidade Cultural?” dentro e fora da Universidade,
intentando construir uma rede de contatos, colaboração e
sensibilização para essa temática.
Além disso, o grupo também tem atentado para a
acessibilização de material acadêmico (livros, textos etc.)
por meio de audiodescrição, tradução em Libras, Braile,
com o auxílio das tecnologias assistivas, assim como para

135
Acessibilidade Cultural no Amapá

a acessibilização dos acervos em museus, buscando ainda


outras formas metodológicas de promover Acessibilidade
Cultural, como, por exemplo, a produção de uma metodologia
para trabalhar o Teatro com/para e a partir da pessoa com
deficiência.
E em se tratando do Teatro com a pessoa com
deficiência, o primeiro passo foi dado, à época, com a oferta
de oficina de iniciação teatral a discentes do curso de Letras/
Libras, tendo em vista a parceria estabelecida entre o Curso
de Libras da UNIFAP e o Programa de Cultura - PROCULT, o
qual compreende o GEAC.

Considerações finais

A vivência acessível também depende de articulações


com representantes da Cultura no Estado e dos equipamentos
culturais, como o cinema, o museu, o teatro, os shows, entre
outras formas de se fazer presente no convívio cultural. E
para isso a trajetória que temos construído no GEAC precisou
abranger momentos de estudos e palestras contendo
narrativas e vivências sobre Acessibilidade Cultural, para
termos como base na nossa formação as demandas presentes
e as que estão por vir a partir das cotas específicas para o
ingresso de pessoas com deficiência no Ensino Superior, por
exemplo.
Nesse percurso, criamos uma identidade para
dar visibilidade ao grupo e, assim, conseguir chamar a
comunidade a conhecer os aspectos culturais que estávamos
abordando e sedimentando no momento aqui relatado.
Propomo-nos, então, a refletir sobre a logomarca e, em
conjunto com o coordenador do grupo, chegamos à seguinte
frase que reflete a mensagem: Acessibilizar é se afetar para
acolher e sensibilizar.

136
Figura 6 – Logomarca aprovada em grupo.

Nesse sentido, buscamos metodologias desde um


texto teatral todo acessibilizado até a ideia de fazer acontecer
palestras com funcionários do Núcleo de Acessibilidade
e Inclusão (NAI) da UNIFAP para os cursos de Educação
Física e Artes Visuais, ou seja, estender a responsabilidade
sociocultural, que não se restringe ao GEAC ou ao curso de
Teatro.
Pensa-se assim porque voltamos nosso olhar para o
processo criativo, partindo da pintura que ainda realizaremos
na parede frontal do NAI, tendo em vista a parceria que
estabelecemos para que os encontros do grupo aconteçam
também nesse espaço, já que é um local que conta
minimamente com recursos acessíveis.
O que estamos trazendo é o nosso olhar enquanto
artistas/professoras/pesquisadoras no que tange às
experiências práticas/sensoriais “[...] por estabelecer elos
de pertencimento não intelectualizados, que permitem
a comunicação produzida e percebida pelo corpo, sem

137
Acessibilidade Cultural no Amapá

pressupostos de conhecimentos formais prévios” (SARRAF,


2012), em favor dos indivíduos que são impedidos,
primeiramente pelas barreiras atitudinais, de chegar aos
espaços culturais e ter acesso à informação, à fruição
cultural, à experiência.

Referências

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº


5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as leis nº
10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de
atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de
dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá
outras providências. Brasília, 2 dez. 2004.

SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade para pessoas com


deficiência em espaços culturais e exposições: inovação no
design de espaços, comunicação sensorial e eliminação de
barreiras atitudinais. In: CARDOSO, Eduardo; CUTY, Jeniffer
(Orgs.). Acessibilidade em ambientes culturais. Porto
Alegre: Marca Visual, 2012, p. 60-78.

SILVA, Emerson de Paula; MATTOSO, Verônica de Andrade.


Arte/Educação e acessibilidade cultural: uma encruzilhada
epistemológica. In: OLIVEIRA, Francisco Nilton Gomes de;
HOLANDA, Gerda de Souza; DORNELES, Patrícia Silva;
MELO, Juliana Valéria de (Orgs.). Acessibilidade Cultural
no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais. Rio
de Janeiro: Multifoco, 2016, p. 213-247.

138
Formação em Teatro no Amapá e a
Acessibilidade Cultural:
encontros e revisões

Emerson de Paula31
José Flávio Gonçalves da Fonseca32
DOI - 10.29327/552204.1-10

Promoveremos aqui uma discussão sobre


Acessibilidade Cultural, em específico na área de Teatro,
concentrando-nos nos cursos de Licenciatura, que formam
esses professores e essas professoras que irão adentrar o
espaço escolar para ministrar a disciplina Arte ou a linguagem
específica do Teatro.
Os cursos de Licenciatura em Teatro possuem,
como disciplinas obrigatórias para a formação docente,
matérias como Didática, Política Educacional, Estágios
Supervisionados, Psicologia do Desenvolvimento e do
Aprendizado, que abordam a questão da inclusão escolar,
entre outras, como também o trabalho para com alunos e
alunas que possuam alguma deficiência ou necessidades

31
Professor Adjunto do Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá
- UNIFAP. Líder do Grupo de Pesquisa NECID - Núcleo de Estudos em
Espaços Culturais, Inclusivos e Deliberativos - CNPq. Coordenador do
Projeto de Extensão LABAC - Laboratório de Acessibilidade Cultural em
Macapá do Curso de Teatro da UNIFAP. Integrante da startup NUTEA.
Contato: emersondepaulaubuntu@gmail.com
32
Professor Adjunto do Curso de Teatro da Universidade Federal do Amapá
- UNIFAP. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa NECID - Núcleo de Estudos em
Espaços Culturais, Inclusivos e Deliberativos - CNPq. Integrante da startup
NUTEA. Contato: flavio.g.f@gmail.com

139
Acessibilidade Cultural no Amapá

educacionais especiais, que são questões diferentes. Essas


disciplinas têm a inclusão como um dos temas transversais
a um leque de discussões sobre formação pedagógica
presentes em suas ementas.
O Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
regulamenta a Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras. Em
seu Artigo 3º, temos que a Libras deve ser inserida como
disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério em nível médio
e superior, de instituições de ensino públicas e privadas. No
parágrafo 1º desse Artigo temos ainda que todos os cursos de
Licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, devem
atender a esse requisito.
Portanto, a disciplina Libras passa a ser componente
obrigatório à formação de professores. Reconhecemos a
importância desse processo, até mesmo para que professores
e professoras possam estabelecer comunicação mínima
com alunos e alunas com deficiência auditiva. O Ministério
da Educação (MEC), no processo de reconhecimento ou
renovação de cursos, tem como premissa básica de avaliação
o cumprimento dessa legislação.
Entretanto, não existem só pessoas com deficiência
auditiva e os diversos tipos de deficiência também precisam
ser estudados. No caso em questão dos professores/as
de Teatro, essa disciplina não aborda a questão da língua
específica da Libras junto/com/para o Teatro, concentrando-
se no ensino de Libras a nível básico para comunicação
geral, ação essa extremamente necessária, mas não
contextualizando a questão da presença dessa tecnologia
assistiva nos espetáculos teatrais.
Precisamos falar na formação dos/as professores/as
de Teatro sobre a inclusão, sobre os tipos de deficiência e
a presença das pessoas com deficiência (PcD) no espaço
escolar, mas principalmente no espaço artístico, estudando,
especificamente, sobre Acessibilidade Cultural.
Enquanto Acessibilidade Cultural entendemos a
promoção do artista que possui alguma deficiência no cenário
cultural e também a inclusão das pessoas com deficiência

140
em espaços, ações e eventos culturais, podendo ter acesso
ao conteúdo, proposta e estética em questão. Ainda sobre
o conceito, podemos entender que a Acessibilidade Cultural
se “encontra na fronteira da acessibilidade e da cultura”,
estabelecendo “diálogo entre o universo das pessoas com
deficiência e políticas públicas de cultura, unindo demandas
do movimento social junto à legislação brasileira” (SILVA,
MATTOSO, 2016, p. 223).
Trazer o conceito de Acessibilidade Cultural para a
formação em Teatro é fazer com que, para além da presença
de uma disciplina específica sobre a temática, aconteça a
reformulação das disciplinas de formação de/em Teatro
existentes no currículo das graduações, promovendo o
debate sobre como o tema em questão se aplica/atende
às pessoas com deficiência. As práticas pedagógicas em
Teatro precisam pensar para além da experiência do Teatro
como metodologia de inclusão. A história do Teatro precisa
falar dos artistas e coletivos de artistas com deficiência. O
estudo sobre dramaturgia precisa pensar as PcD’s em suas
produções, entendendo como autoras e autores abordam o
tema, se é pelo viés do estereótipo ou uma ação de castigo.
É preciso rever a concentração dessa discussão para
além da área da Saúde, Assistência Social ou Educação.
Faz-se necessário discutir a presença e participação dessas
pessoas no fazer artístico, pensando o universo das pessoas
com deficiência enquanto prática e conteúdo.
O que buscamos aqui não é ignorar as tecnologias
assistivas, como Libras, audiodescrição, braile, entre outras,
que necessitam existir nas instituições de ensino e fazer
parte das graduações e seus processos formativos, mas
sim pensar o Teatro para as pessoas com deficiência, o
Teatro com as pessoas com deficiência e a deficiência como
elemento constitutivo da estética de um processo teatral.
As pessoas com deficiência foram incluídas no
programa de cotas de instituições federais de Educação
Superior (IES), que já contempla estudantes vindos
de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e
indígenas, a partir da Lei 13.409/2016, sancionada em
28/12/2016. Nessa perspectiva, esse público, usando de

141
Acessibilidade Cultural no Amapá

seu direito constitucional, tem adentrado as Universidades,


promovendo em toda a estrutura a ampliação do olhar para
as especificidades desse coletivo. Precisamos entender que
já foi proposto às IES a criação de Núcleos de Acessibilidade
que procurem pensar de forma geral a inclusão das pessoas
com deficiência nos campi universitários, dando suporte
psicopedagógico às/aos discentes e suporte técnico aos
colegiados de cada curso. Entretanto, é preciso que, no
caso dos cursos de Licenciatura em Teatro, a Acessibilidade
Cultural faça parte do processo formativo in loco dos/das
discentes e a temática se instaure nas práticas pedagógicas
e artísticas dos/das docentes desses cursos.
No caso das pessoas com deficiência, enquanto
sentem, cantam ou vivenciam linguagens artísticas de forma
sensorial e como protagonistas, elas refletem sobre o que
lhes é apresentado, promovendo uma discussão sobre aquilo
que estão vivenciando e o que esse fazer proporciona ao
seu contexto pessoal. Durante a experimentação artística, a
pessoa com deficiência precisa se perceber pertencente ao
grupo social, sendo a interação um processo que acontece
em várias direções.
Nesse sentido, faremos um recorte breve desse
cenário focalizando o contexto em que estamos inseridos: o
curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do
Amapá, no campus Marco Zero em Macapá, região Norte do
país.

A inserção da Acessibilidade Cultural como temática


presente no currículo do Curso de Licenciatura em Teatro
da UNIFAP

É no intuito principal de oferecer à comunidade


amapaense um Curso de Teatro para suprir a necessidade
real de profissionais para a rede escolar do Estado e do
Município como também do Ensino Privado que surge o Curso
de Licenciatura em Teatro na UNIFAP. Contudo, sua criação
não remota apenas a uma necessidade de profissionais da
educação com formação específica na linguagem teatral
para atuar nas escolas da cidade de Macapá e/ou do Estado

142
do Amapá, mas também se dá a partir da demanda de uma
classe de artistas da cena local, que por anos almejaram a
oferta de uma formação em nível acadêmico. Esse desejo
se materializou após inúmeras negociações entre classe
artística e gestão superior da UNIFAP, quando em 12 de
novembro do ano de 2013, após ter o auditório onde ocorria
a sessão ordinária do Conselho Universitário - CONSU
ocupado por artistas de diversos segmentos, no intuito de
sensibilizar os conselheiros, o Projeto Pedagógico do Curso
(PPC) de Teatro foi aprovado, sendo implantado no ano de
2014.
A partir desse marco histórico, o curso de Teatro
da UNIFAP acaba se tornando um local importante para
estudantes de vários municípios do estado e da região, que
buscam maiores aprofundamentos em relação ao Teatro em
nível de Ensino Superior. Esse primeiro Projeto Pedagógico
de Curso, apesar de apresentar uma matriz curricular
composta buscando suprir a necessidade formativa de um
estudante de Teatro em nível de graduação, articulando
inúmeras habilidades e competências do fazer teatral,
também demonstra preocupação com o diálogo com o
contexto sociocultural do estado do Amapá, propondo, no rol
de componentes curriculares, a disciplina de Artes Cênicas
no Amapá, que, entre outros aspectos, volta o olhar para
as performances culturais amazônicas, como o Batuque, o
Marabaixo e a encenação centenária da batalha de Mouros
e Cristãos na localidade de Mazagão Velho - AP, bem como
reflete sobre o panorama do Teatro Amapaense no âmbito
da história, dos autores, encenadores e atores, além de
catalogar espaços teatrais nos diversos locais do estado.
Após a última avaliação in loco do curso feita pelo
MEC, quando foi possível identificar com maior precisão
as necessidades de adequação desse curso às diretrizes
curriculares dos cursos de Licenciatura, foram realizadas
reuniões com o Núcleo Docente Estruturante (NDE), com os
estudantes e com o colegiado do curso visando a elaboração
de metas a serem conquistadas. Iniciou-se um processo de
reformulação do PPC, que atualmente tramita nas instâncias
da Universidade, na expectativa de sua aprovação.

143
Acessibilidade Cultural no Amapá

Esse novo PPC apresenta uma série de novas


disciplinas e também reformulações em ementas de
disciplinas já existentes, que contemplarão as discussões
atualizadas no que tange ao estudo dos Temas Transversais
no processo de formação acadêmica, em específico nas
Licenciaturas, contribuindo para a formação ampla desse
profissional frente às suas diversas áreas de atuação. Entre
essas novas discussões, a temática da Acessibilidade
Cultural acaba ganhando espaço em meio aos docentes
e discentes do Curso, fortemente estimulado pelas ações
intra e extracurriculares, seja na presença dessa temática
nas disciplinas de prática pedagógica e estágios, trabalhada
enquanto conteúdo transversal à formação docente, ou
nas disciplinas que contemplam especificamente a prática
artística, quando o conceito é convocado a integrar discussões
sobre a multiplicidade dos corpos, as possibilidades criativas
desses corpos diversos e a questão da deficiência como
estética.
No âmbito extracurricular, ações com caráter de
pesquisa extensionista cumprem um papel importante na
disseminação desse conceito na Universidade Federal do
Amapá, isso a partir da implantação de um Laboratório de
Acessibilidade Cultural, promovendo a ampliação do conceito
de acessibilidade na instituição, ensejando a produção de
pesquisas sobre essa importante área de conhecimento. A
Acessibilidade Cultural está presente ainda no conjunto de
disciplinas optativas que integram o novo Projeto Pedagógico
de Curso, um avanço significativo dessa discussão, mesmo
que por meio de uma componente curricular optativa.
Nesse movimento de difusão da Acessibilidade Cultural
na UNIFAP, com a criação do Curso de Especialização
em Estudos Teatrais Contemporâneos, no ano de 2019,
oportunizando a continuidade dos estudos iniciados pelos
estudantes do curso de graduação, temos pela primeira vez
na Universidade Federal do Amapá uma disciplina exclusiva
de Teatro e Acessibilidade Cultural, ofertada em nível de pós-
graduação.

144
A presença e participação de PcD’s no Curso de Teatro
da UNIFAP

Nosso curso passou a receber alunos e alunas com


deficiência oriundos principalmente do sistema de cotas,
que optaram de forma consciente por fazer/cursar Teatro.
Registramos que a escolha pelo curso não se deu pelo fato
de a aprovação nesse caso demandar a pontuação mínima,
tampouco porque seria a única opção para adentrar o
Ensino Superior, por exemplo. Esses alunos/as decidiram se
profissionalizar na área teatral seja por interesse próprio ou
até mesmo por conhecimento das ações de Acessibilidade
Cultural que o curso já vem estabelecendo desde 2017,
através de projetos de extensão, como o Laboratório de
Acessibilidade Cultural em Macapá (LABAC).
Essa escolha se torna significativa porque vai ao
encontro de um dos princípios da Acessibilidade Cultural, que
é o direito à Cultura, no sentido da formação às pessoas com
deficiência. A chegada desse grupo de alunas e alunos fez
movimentar o colegiado do curso em questão. Desde 2018
até o presente ano, principalmente após o sistema de cotas,
recebemos discentes com deficiência física, mobilidade
reduzida e deficiência intelectual. Desde a criação do curso,
em 2014, percebíamos a presença de PcD’s nas turmas,
entretanto, esses/as discentes não se assumiam pertencentes
a esse grupo, estabelecendo em si e para o coletivo ações
de superação e tentativas de determinar padrões de
normatividade e capacitismo, o que fazia com que alguns/
mas docentes não pudessem perceber as necessidades
específicas que esses/as discentes apresentavam.
A partir da entrada desses discentes que registram em
sua inscrição sua condição enquanto Pessoa com Deficiência,
passamos a trabalhar da seguinte forma: recebemos a
aluna e o aluno, procuramos saber quais suas condições e
questões específicas em relação à deficiência, acionamos
cursos da área de Saúde ou o Núcleo de Acessibilidade e
Inclusão - NAI da Universidade para ajudar no acolhimento
desse alunado e, posteriormente, criamos um PDI - Plano de
Desenvolvimento Individual com cada aluno e aluna a partir

145
Acessibilidade Cultural no Amapá

das necessidades e especificidades desse corpo em cada


disciplina e no espaço formativo em que se encontra. Tal
plano nos faz entender quais condições para a aprendizagem
em Teatro são necessárias a nível teórico e prático.
Esse levantamento feito com cada discente norteia
a criação de um PIP - Plano de Intervenção Pedagógica
específico para o trabalho com esse/a aluno/a e para com o
trabalho de Teatro com uma pessoa que possui determinado
tipo de deficiência. Gera-se um arquivo de metodologias
de trabalho. Importante ressaltar que essa metodologia de
trabalho é compartilhada com os/as alunos/as de todas as
turmas, tendo essas pessoas com deficiência ou não, o que
faz com que todos/as os/as discentes entendam na prática
o processo de construção de metodologias específicas para
a prática pedagógica e artística em Teatro para/com e a
partir das pessoas com deficiência. Registramos que esse
processo ainda está em implantação, pois ainda enfrentamos
barreiras atitudinais entre docentes no que tange a promover
a efetivação total desse processo, que, no entanto, já é
uma realidade pedagógica junto à estrutura acadêmica e
administrativa do nosso Curso.
Mas a presença de discentes com deficiência no
próprio Departamento de Letras e Artes (DEPLA) da UNIFAP
já faz com que outras epistemologias se estabeleçam,
focalizando desde a necessidade de manutenção do piso
tátil nas passarelas de acesso existentes no campus para
se chegar ao DEPLA até a importância de que as pessoas
entendam o motivo da existência de um banheiro específico
para PcD’s e por que esse não pode ser utilizado para outras
finalidades, como acontecia anteriormente.
Ainda sobre o acolhimento discente, faz-se importante
registrar que no curso de Licenciatura em Teatro da UNIFAP
temos uma forte presença de pessoas do próprio estado e
da cidade de Macapá, onde o curso se encontra. Isso faz
com que possamos ter um acolhimento inicial diferenciado:
após conhecimento desse alunado ao se matricular, e de
sabermos previamente os nomes dessas pessoas e sua
origem, fazemos um contato com a família, convidando-a para
uma reunião em que graduando/a e responsáveis possam

146
saber melhor a função de nossa abordagem inicial, colocar
suas questões, apresentar laudo médico, se necessário, e
nos contar sobre seu histórico escolar, apresentando PDI’s
que porventura possam ter sido realizados em outras fases
escolares, contando sempre com a presença e fala do/a
aluno/a em questão.
Portanto, é o corpo, seja como esse for, que vem
pautando a nossa prática pedagógica e artística em Teatro na
UNIFAP. É a leitura desse corpo e a sua reverberação nesse
espaço que nos mostram e ensinam os caminhos formativos
em Teatro que precisamos seguir. A Acessibilidade Cultural
não pode ser ignorada num local em que corpos diversos estão
presentes e vivos, pois ela oportuniza e mobiliza saberes que
descolonizam olhares, questionando o próprio fazer teatral
calcado na Arte do Corpo em Cena, que precisa demonstrar
uma performance em que a superação do movimento é a
tônica, pautando quem tem aptidão e habilidade artística,
fazendo ecoar a lógica de um padrão normativo para como
deve ser um “bom desempenho” de um/a artista de Teatro.
Isso nos mostra que, para além da necessária inclusão
escolar, é preciso pensar a inclusão na área cultural, que é
uma área que proporciona apreciações estéticas com fruição
de forma autônoma. Esse processo aqui relatado tem nos
mostrado, por exemplo, a necessidade de criação de um
dicionário de termos teatrais em Libras, uma vez que se
torna essencial estabelecer sinais específicos para códigos
conceituais da área, não se pautando pelo uso de sinais
gerais já existentes associados aos códigos teatrais, mas por
aproximações contextuais.
Ainda carecemos de mais publicações específicas na
área, principalmente sobre a presença de PcD’s nos cursos
de formação em Teatro, mas já encontramos trabalhos que
lidam com metodologias, por exemplo, do fazer teatral, porém
promovem adaptações às mesmas para o trabalho com as
Pessoas com Deficiência.

147
Acessibilidade Cultural no Amapá

Conclusões inconclusas

A contemporaneidade nos estudos teatrais pode


também ser entendida como as discussões de temáticas
emergentes que se apresentam a esse campo. No curso
de Licenciatura em Teatro da UNIFAP procuramos a
indissociabilidade entre prática artística e prática pedagógica,
dialogando com a sociedade que nos rodeia. Entender
as demandas da sociedade é dialogar com o outro e ser
membro efetivo de impacto nessa sociedade, questão essa
necessária à formação nas Licenciaturas. Mas na formação
em Teatro se faz urgente pensar em como a presença de
PcD’s e a discussão sobre Acessibilidade Cultural tem
permeado os cursos de Bacharelado em Interpretação,
Direção, Crítica e Teoria Teatral, uma vez que são cursos
que se concentram na prática artística, porém que precisam
entender que o processo cênico é uma prática pedagógica e
que a pluralidade e diversidade é questão essencial para a
formação de um fazer teatral politizado e descolonizado.
Ouvir o movimento das pessoas com deficiência do/no
Amapá se tornou ação balizadora para que um processo de
Acessibilidade Cultural possa criar ações de revisão/reflexão
para o curso de Licenciatura em Teatro da UNIFAP, uma vez
que a sociedade está ocupando o lugar que lhe é de direito,
e cabe à Universidade trilhar constantemente os caminhos
da diversidade e inclusão. Precisamos então rever nossos
currículos formativos, quebrando as barreiras atitudinais.

Referências

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto n.


5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as leis nº
10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de
atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de
dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá
outras providências. Brasília, 2 dez. 2004.

148
SILVA, Emerson de Paula; MATTOSO, Verônica de Andrade.
Arte/Educação e acessibilidade cultural: uma encruzilhada
epistemológica. In: OLIVEIRA, Francisco Nilton Gomes de;
HOLANDA, Gerda de Souza; DORNELES, Patrícia Silva;
MELO, Juliana Valéria de (Orgs.). Acessibilidade Cultural
no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais. Rio
de Janeiro: Multifoco, 2016, p. 213-247.

149
Acessibilidade Cultural no Amapá

150
Índice remissivo

Acessibilidade Cultural, 4, 5, 6, 9, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 25, 26, 27, 29, 32, 33, 35, 37,
38, 45, 46, 47, 48, 49, 53, 54, 55, 59, 60, 66, 68, 69, 71, 72, 73, 75, 79, 81, 97, 111,
114, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142,
144, 145, 147, 148, 149, 151, 152.
Acessibilidade Sensível, 5, 33, 44, 45, 46, 48, 50, 151.
Acessibilidade universal, 54, 58.
Acesso à Cultura, 12, 39, 89, 128.
Acolhimento, 26, 116, 130, 131, 145, 146.

Arte(s) circense(s), 34, 37, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 47, 48, 50.
Artes Cênicas, 113, 114, 115, 116, 119, 120, 121, 143, 151.
Audiodescrição, 5, 13, 17, 27, 72, 80, 83, 88, 89, 90, 94, 135, 141.
Autista, 43, 76, 98, 103, 114, 115.

Autonomia, 11, 15, 16, 17, 26, 30, 35, 59, 63, 64, 79, 81, 128.

Barreiras arquitetônicas, 12, 13, 67.


Barreiras atitudinais, 10, 12, 13, 14, 15, 67, 70, 138, 146, 148.
Cadeirante, 43, 63.
Centro de Apoio Pedagógico à Pessoa com Deficiência Visual - CAP/AP / CAP, 71,
83, 91, 95, 151.
Centro de Pesquisas Museológicas Museu Sacaca / Museu Sacaca, 5, 53, 54, 56,
57, 151.
Centro Educacional Raimundo Nonato Dias Rodrigues, 6, 113, 114, 125, 151.
Cidadania, 12, 14, 56, 58, 68, 123.
Constituição Federal, 15, 151.
Cultura acessível, 38, 151.
Cultura dos Gestos, 94.
Curso de Teatro, 17, 71, 97, 139, 142, 145, 151.
Declaração Internacional de Direitos Humanos, 12, 151.
Direito, 151.
Direito à Cultura, 65.
Discriminação, 15, 25, 117, 123.
Diversidade cultural, 15, 37, 45, 47.
Educação, 15, 28, 33, 35, 37, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 47, 50, 53, 56, 58, 71, 83, 95, 97,
104, 110, 113, 114, 115, 120, 124, 125, 126, 127, 137, 138, 140, 141, 149, 151, 153.
Educação e Museologia, 58.
Ensino, 6, 37, 41, 58, 61, 97, 98, 111, 112, 113, 114, 119, 122, 124, 125, 140, 141.
Ensino Superior, 71, 99, 127, 136, 143, 145, 151.

151
Acessibilidade Cultural no Amapá

Entretenimento, 26, 27, 28, 31, 34, 50.


Escola, 13, 37, 38, 39, 40, 42, 44, 65, 66, 69, 98, 99, 101, 102.
Estágios supervisionados, 5, 97, 98.
Expressão corporal, 119.
Fazer teatral, 104, 105, 106, 109, 110, 111, 116, 124, 125, 143, 147, 148.
Formação, 5, 33, 41, 65, 81, 91, 97, 98, 100, 101, 102, 109, 116, 123, 124, 136, 139,
140, 141, 142, 143, 144, 145, 147, 148.
GEAC - Grupo de Estudo em Acessibilidade Cultural, 17, 127, 128, 129, 131, 135,
136, 137, 152.
Igualdade, 14, 78, 81.
Inclusão no Meio do Mundo, 5, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 152.
Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), 57,
152.
Instituto Inclusão no Meio do Mundo, 25, 26, 27, 31 .

Jogo teatral/ jogos teatrais, 98, 100, 110, 111, 112, 122, 152.

LABAC - Laboratório de Acessibilidade Cultural em Macapá, 5, 11, 15, 16, 18, 19, 20,
21, 22, 71, 122, 125, 127, 139, 145, 152.
Lazer, 26, 53, 58, 61, 65, 91.
LBI - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, 69.
Lei n° 10.098 / Lei da Acessibilidade, 13.
Liberdades fundamentais, 14, 63.
Libras, 13, 16, 17, 27, 33, 65, 92, 108, 109, 135, 136, 140, 141, 147, 152.
Licenciatura em Teatro, 11, 99, 122, 139, 142, 146, 148, 152.
Linguagem corporal, 88, 89, 96, 103.
Metodologia de inclusão, 102, 141.
Movimento da Nova Museologia / Nova Museologia, 56, 58.
Museu(s), 54, 55, 57, 58, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 136.
“Nada sobre nós sem nós”, 14, 59, 75, 79, 129, 130, 152.
NUTEA - Núcleo Tecnológico de Informação e Comunicação, 71, 73, 74, 75, 78, 79,
139, 152.
Oficina de Gestos, 91, 92, 152.
Pandemia, 16, 66, 80, 124.
Pessoa com Deficiência visual, 68, 85, 88, 91, 95, 129, 130, 135.
Plano Nacional de Cultura, 15, 54, 55, 59, 60, 67, 68, 69, 72, 152.
Pedagogia, 56, 110, 112.
Políticas de acessibilidade, 44, 45, 53.
Políticas públicas, 9, 12, 15, 18, 22, 27, 34, 48, 54, 55, 60, 66, 68, 141.
Prática pedagógica, 5, 97, 98, 106, 111, 116, 124, 144, 146, 147, 148.
Preconceitos, 14, 25, 35, 48, 129.

152
Programa/ sistema de cotas, 145.
Projeto Político-Pedagógico, 113, 125, 152.
Projeto Pedagógico, 56, 143, 144, 153.
Projeto Robótica Tucuju, 131.
Sensibilização, 34, 37, 67, 121, 130, 135.
Síndrome de Down, 42, 43, 97, 106, 108, 109, 114, 115, 121, 128.
Sistema de cotas, 145, 152.

Surdo, 43, 65, 107.

Teatro das Bacabeiras, 72, 75, 79, 80, 81, 123, 153.
Teatro-Educação, 97, 120, 124.
Teatro Inclusivo, 122.
Tecnologia/ tecnologia(s) assistiva(s), 17, 73, 74, 81, 88, 90, 96, 140.
Universidade Federal do Amapá / UNIFAP, 9, 11, 25, 71, 97, 122, 127, 128, 139, 142,
144, 153.
Web Rádio, 26, 29, 30, 31, 32, 153.
WebApp, 72, 73, 74, 76, 78, 80, 81, 153.

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Acessibilidade Cultural no Amapá

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1ª edição

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Acessibilidade Cultural no Amapá

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