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“Teoria e métodos da investigação em um estudo de uma eleição.

Algumas
social” vezes isto mesmo pode ser formulado com
mais propriedade como um conjunto de
condições com as quais se deseja estudar as
Johan Galtung
unidades ou como um conjunto de
estímulos. Utilizaremos e expressão
‘variáveis’ quando estivermos tratando
Capítulo I - A Matriz de dados1
unidades que sejam imponderáveis, no
sentindo de que elas não podem (de uma
1.1. A forma tripartida dos dados
maneira artificial ou natural) ser submetidas
Obtém-se dados sociológicos a um conjunto de condições, de maneira que
quando um sociólogo registra fatos sobre o sociólogo possa estudar os resultados.
algum setor de realidade social ou recebe Utilizaremos, também, as expressões
fatos registrados para ele. Costuma-se dizer ‘condição’ ou ‘estímulos’ no caso que isto
que os dados devem conter algum tipo de seja possível.
referencial empírico do próprio sociólogo e Em terceiro lugar, teremos os
vamos respeitar esta tradição. valores que alcançam as unidades nas
Apesar de que os dados da variáveis estudadas ou, utilizando as outras
sociologia, devido a enorme extensão do expressões, as respostas dos resultados que
seu objeto, adaptam muito diferentes se obtém quando as unidades expõem aos
formas. Há uma estrutura comum que em estímulos ou às condições segundo as quais
muitos casos se evidencia rapidamente e em o sociólogo deseja estudá-las.
outros impõe com facilidade aos dados. Deste modo, teremos as três partes
Esta estrutura tem três partes, mas elas que podem se dizer que constituem a
aparecem com nomes distintos em estrutura dos dados sociológicos, expressas
diferentes contextos. na linguagem das variáveis, na linguagem
Em primeiro lugar, e é o mais das condições, dos estímulos e respostas
importante, temos os elementos ou unidades (linguagem SR) e no que se pode denominar
de análise, tais como seres humanos linguagem das enquetes:
(questionados) em uma enquete ou em um
experimento de laboratório, ou nações em
um estudo comparativo de nações ou Tabela 1.1.1. As partes dos dados expressos
unidades mais complexas. Essas unidades em termos diferentes
têm uma característica em comum enquanto Termos
Dimensões Unidades Valores
objeto da investigação sociológica. Elas gerais
Linguagem Variáveis Unidades de Valores das
consistem em seres humanos ou em de variáveis estudadas análise variáveis
produtos dos seres humanos, como é no Linguagem Condições, Unidades de Resultados,
caso da análise do conteúdo de recortes de SR estímulos análise respostas
Linguagem Objetos Sujeitos
jornais. das enquetes sociológicos questionados
Respostas
Em segundo lugar, existem as
dimensões ou variáveis que alguém deseja
conhecer sobre as unidades, tais como o É difícil escolher entre estas
consumo de energia per capita nos estudos terminologias, pela simples razão de que
sobre as nações subdesenvolvidas ou as elas não são totalmente sinônimas, de tal
respostas de certas perguntas estratégicas maneira que teremos que usar algumas

1
Tradução publicada, com autorização do autor, do tradução: Marisa Helena Degasperi. Colaboração na
primeiro capítulo do livro: “Teoría y Métodos de la transcrição: Stephanie da Silva Freitas.
Investigación Social”. EUdeBA, Buenos
Aires,1969. Tradução: Cristina Silveira. Revisão da

NORUS Vol. 01 nº 01 janeiro-junho/2013


NORUS

combinações dos termos ou selecionar a Se admitimos, no momento, que


linguagem que pareça mais apropriada para muitos dados podem se apresentar como se
a ocasião. Para evitar muitas das estivessem compostos destas três partes,
dificuldades que surgem disto e evitar podemos passar ao próximo conceito: a
diferenças que são, muito frequentemente, matriz de dados. A matriz de dados é um
desnecessárias, introduziremos alguns modo de organizar os dados de maneira que
símbolos simples: seja particularmente visível a forma
tripartida:

Tabela 1.1.2. Símbolo para as três partes dos


dados sociológicos Tabela 1.1.3. A matriz de dados
Parte dos Dimensões, Unidades Valores,
dados variáveis de análise respostas
Símbolo
para um S,V,X O R
elemento
Símbolo
para uma
S,V,X O R
classe de
elementos
Símbolo
para o n m, N r
número

Neste esquema, Rij é a resposta que da unidade nºi ao


Para dar um exemplo, a pesquisa estímulo nºj ou, em outras palavras, o valor que tem
corrente do tipo enquete começa propondo a unidadenºi na variável nºj.
a m questionados (O) n perguntas (S) ou
‘objetos psicológicos’ segundo a
terminologia de Thurstone, de tal maneira Esta é exatamente a forma em que
que, para cada pergunta S e para cada aparecem os dados se há um cartão
sujeito interpelado O há r possibilidades de perfurado para cada unidade, uma coluna
respostas diferentes, R. Outro exemplo: para cada variável e uma perfuração para
pode-se fazer um estudo comparativo de m cada valor e se passam os cartões por uma
nações, colocando em uma lista seus máquina que registra, para cada um, o que
valores R sobre uma série de n variáveis de está perfurado nela. Além disso, esta é a
desorganização social, S, tais como forma que reveste o tipo de dados que tem
alcoolismo, doença mental, criminalidade um diretor de escola em seu registro, com
geral, homicídio e suicídio, para um os nomes dos alunos dispostos
determinado ano. Se, além disso, se estuda horizontalmente e a qualificação obtida
a mudança nas escalas ao longo de um pelo estudante nºj colocado na célula
período de anos, de modo que nos fatos apropriada.
pode-se obter uma tabela de três dimensões, Em termos técnicos, a matriz de
se conserva a estrutura original tripartida, dados nos dá, para cada par no produto
multiplicando as cinco escalas de cartesiano O por S, o valor correspondente
desorganização por, digamos, os 15 em R para cada combinação O, S. A forma
(quinze) anos, de tal maneira que no total se da mesma matriz de dados e esta definição
conseguem 75 variáveis (ou condições). A nos conduzem, imediatamente, aos
estrutura dos dados permanece idêntica: se primeiros 3 princípios dos dados coletados:
estudam unidades de análise com um
número determinado de dimensões.

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1) Princípio da comparabilidade: a não quer dizer que uma pergunta numa


proposição ‘(Oi, Sj) dá o valor pesquisa ‘deva ter o mesmo significado’
correspondente em Rk’ deve ser para todos os interpelados. É suficiente que
verdadeira ou falsa para cada i,j e k. tenha algum significado. A
2) Princípio da classificação: para comparabilidade, em nossa acepção, é um
cada estímulo Sj, a série das requisito menos exigente; apesar disto,
categorias de respostas Rjk deve significa que uma linha pode ser comparada
produzir uma classificação de todos com outra porque as R nas células não
os pares (Oi Sj) (i=1, ..., m). carecem de sentido.
3) Princípio da integridade: para Se for descoberto que duas unidades
cada par (Oi Sj) deve achar-se, são diferentes quanto a uma dimensão S, se
empiricamente, um valor Rk. pode decompor a diferença em dois
componentes, um ‘real’ e outro ‘semântico’
Estes três princípios exigem alguns e atribuir a diferença observada a alguma
comentários: função destes dois componentes. É
Se observada uma coluna qualquer possível, inclusive, sustentar que toda a
da matriz M na tabela 1.1.3, se vê que a diferença se deve a um componente
ideia é, simplesmente, que o mesmo semântico, como no caso em que exista uma
estímulo deve ser apresentado a todas as mera discordância verbal e não uma mera
unidades de análise; por exemplo: deve-se discordância dos fatos.
formular a mesma pergunta a todos os Pode também acontecer o caso de
pesquisados. O importante é que seja a que os componentes semântico e real se
mesma pergunta; o estímulo não deve ser anulem reciprocamente de tal maneira, que
mudado de um objeto a outro. Isto, o resultado final seja uma semelhança
entretanto, é só o que já estava na definição observada que pode se qualificar como
da matriz. enganoso. Mas, tudo isto é um problema de
O princípio da comparabilidade interpretação e não pertence ao campo da
acrescenta, agora, que cada uma das coleta de dados, salvo se decidido reduzir ao
combinações apresentadas de um estímulo máximo o componente semântico. Deve-se
determinado com uma unidade de análise notar, no entanto, que não é evidente por si
deve ter sentido; ou seja, deve ser mesmo que o fator semântico constitua um
verdadeiro ou falso que uma combinação ‘erro’ em um estudo do tipo enquete ou que
(Oi Sj) de um valor determinado Rjk. Através as escalas de criminalidade das nações não
desse princípio se podem comparar os possam ser comparadas porque se baseiam
estímulos, as unidades e as respostas. Se Oj em códigos penais diferentes. Uma frase
é uma nação, Sj uma pergunta direta sobre o ambígua é, contudo, uma frase, e uma
estado civil e Rjk a lista dos elementos investigação sobre como as pessoas reagem
“casados, solteiros, viúvos ou divorciados”, ou uma frase deste tipo pode produzir
então qualquer combinação não é certa nem informação importante sobre como
falsa, senão que, simplesmente, não tem reagiriam a tal frase na vida diária e, ainda,
sentido, como não teria sentido perguntar que as escalas de criminalidade variariam se
sobre o sexo de uma nação. fossem baseadas em um critério universal.
Portanto, se obtém a Podem-se realizar muitas investigações
comparabilidade quando as três séries se baseadas na comparação de escalas criadas
ajustam umas às outras de tal maneira que em definições diferentes, pela simples razão
satisfaça a condição mencionada no de que as escalas podem nos dizer algo
princípio nº1. Isto quer dizer, por exemplo, sobre como muda de um país a outro ‘isso
que as perguntas devem ser adequadamente que se chama crime’.
traduzidas numa pesquisa comparativa, mas

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O princípio de classificação agrega respostas sejam classificadas. Aqui entram


mais três limitações para a seleção das em jogo coisas como as técnicas para
séries S, O e R. O que dize este princípio é manter baixas as escalas de rejeição através
que, para cada estímulo Sj, a série Rjk deve de uma legitimidade adequada da
formar uma classificação. Por exemplo: investigação ou as maneiras de rastrear
para cada par (Oi Sj) deve haver uma dados quase impossíveis de se obter. Mas
(exaustividade) e só uma (exclusão mútua) existe também a possibilidade post hoc de
Rjk em que possa ser localizado. (É ideal examinar a distribuição das células vazias
que também deva haver um fundamentum em M e de eliminar as O e S mais adequadas
divisionis). Quando se satisfaz este para liberar-se do máximo de células vazias
princípio, na prática, estamos seguros de com o mínimo de supressões. Como regra
que há uma e só uma resposta para cada geral o tipo prático, pode dizer-se que 10%
combinação possível de unidades e é o máximo absoluto de células vazias
estímulos. Na construção de questionários, admissível em qualquer coluna ou qualquer
o mesmo se conhece como o princípio fila de M e que 5% é um máximo mais
segundo o qual cada pesquisado deve aconselhável.
marcar uma e só uma resposta ou categoria. Em alguns casos, contudo, pode
Quando se concede ao interpelado a haver algum valor em manter uma O ou
chamada múltipla escolha, se está dando uma S na matriz, mesmo que infligindo os
nos fatos uma série de estímulos, um para dois princípios relativos às células vazias;
cada categoria, de tal maneira que há duas uma razão é que "nenhuma resposta"
respostas para cada estimulo, aceitação ou também pode ser uma resposta e se possa
rejeição. Esta é uma classificação tão boa tratá-la como tal.
como qualquer outra; é uma dicotomia. Generalizando, a técnica consiste,
Dos três princípios mencionados, os por tanto, em contar o número de ‘DKs’ y
dois primeiros se referem à lógica da matriz de ‘NAs’ para cada O e para cada S e obter
e as três séries sobre as quais ela se baseia. sua distribuição2. Muito frequentemente,
O terceiro: princípio de integridade, se uma pequena porcentagem de O e de S
refere ao trabalho empírico de preencher a absorve a uma grande porcentagem das
matriz e diz simplesmente isso: não deixar ‘DKs’ e das ‘Nas’ e, naturalmente, estas são
nenhuma célula vazia. Este desideratum se nossas candidatos óbvias para a rejeição.
expõe facilmente, mas não se alcança tão Somente em raras oportunidades as ‘DKs’ e
facilmente na prática, de tal maneira que as ‘Nas’ estarão distribuídas ao acaso na
tudo o que contém o princípio é uma norma matriz de dados.
segundo a qual a quantidade de células que Se, como de costume, m é o número
contenha ‘nenhuma informação’, ‘nenhuma de unidades, n é o número das dimensões e
resposta’, etc., deve ser mantida o mais r é o número intermediário das categorias de
baixo possível. Somente se poderá cumprir respostas na representação W= m x n x r, o;
com o terceiro princípio no processo de melhor escrita deste modo: (m,n,r), é a
coleta de dados e com posterioridade, característica da matriz. W é um símbolo
quando se puder cumprir com os dois que dá uma ideia de quanto trabalho há em
primeiros princípios antes da coleta de um processo de coleta dos dados, ainda que
dados, com o cuidado de que os estímulos e deva se dar mais importância a m e a m que
as variáveis se apliquem a todas as unidades a r; r é uma medida de quanta medição
e que todas as séries de categorias de discriminatória se faz e, por tanto, deve ser

*DK’, forma abreviada de “don´t know”, “não sei”,


‘NA’, forma abreviada de “no answer”, falta de
resposta (nota do tradutor).

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igual, pelo menos, a 2. Se r = 1, não pode a localização genérica e deixa de lado os


haver nenhuma discriminação entre detalhes e os problemas que lhe vem à
diferente unidades e a dimensão não tem mente, precisamente quando se encontra
valor descritivo nem analítico, já que o com muitas unidades.
resultado sempre é conhecido e conhecido
como sendo sempre igual. Com certeza, r 1.2. O número de unidades e de variáveis
pode variar e em geral varia de variável em Os números m e n são de
variável, de tal maneira que r deve ser importância crucial para a avaliação de
concebido como algum tipo de valor qualquer processo de coleta de dados, tanto
intermediário entre as diferenças. de um ponto de vista teórico como de um
A escolha básica, em qualquer plano ponto de vista muito prático. O valor mais
de pesquisa terá que se referir aos números baixo de m é 1, como no caso em que se
de m y n. Um projeto com as dimensões investiga uma só pessoa ou uma só nação, e
(300, 20) é, obviamente, muito diferente de o valor mais baixo de n é também 1, como
um projeto de tipo (20, 300). O pesquisador no caso das eleições, em que se formula
terá que escolher. Chamaremos o par uma só pergunta (Qual é o partido do seu
ordenado (m,n) a estratégia de investigação candidato?). Geralmente, obtemos as
do projeto, o pesquisador tem que escolher seguintes combinações entre os valores
sua estratégia para atacar o problema que possíveis de m e n:
encontrar e na próxima sessão se dedica a
fazer algumas reflexões sobre os diferentes
tipos de estratégias. Tabela 1.2.1- As combinações de valores de
Por último, diremos algumas men
palavras sobre como r depende de m e n.
Não há nenhuma razão pela qual deva N= número Pesquisa
de ‘intensiva’
depender de n: adicionar uma variável não dimensões (Psicologia
muda o número de valores das variáveis Psicologia
profunda;
anteriores. Contudo, se pode considerar a r muitas estudo de
casos)
como dependente de m. Falando de forma
restrita, sempre podemos ter r ≤ m, haja Jornalismo Sociologia
poucas
vista que não necessitamos mais valores que
elementos ou unidades para medir. Se Pesquisa
‘extensiva’
tivermos uma unidade, necessitamos um só uma Enquete
(eleições,
valor; não há que especificar o resto Gallup)
(portanto, a variável consistirá nesse valor e
em todos os outros valores possíveis uma poucas muitas
agrupados). Entretanto, na medida em que
M = número de unidades
m aumente, r aumentará cada vez menos.
Logo estará evidente a amplitude (alcance),
e com mais unidades haverá mais
Certamente, esta tabela deve ser
dificuldades em discriminar entre elas e
aceita de forma ponderada. Nada aparece na
maior tendência a agrupá-las. Muitas vezes,
diagonal principal, ainda que tais
a variável utilizada não será estritamente
combinações possam ocorrer perfeitamente.
unidimensional, de modo que a localização
Os tipos de pesquisa tipicamente intensiva e
exata das unidades a respeito às outras
extensiva aparecem nos extremos, tendo
unidades será discutível, conflito que
como vizinhas células que caracterizam
somente pode ser resolvido estabelecendo
muito do que se encontra habitualmente nas
categorias mais grosseiras, isto é, baixos
ciências gêmeas da Psicologia e da
valores de r. O pesquisador procura capturar

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sociologia. Entretanto, existe a seguinte habilidades específicas que só raramente se


diferença: para o psicólogo a unidade de encontram em uma mesma pessoa, mas que
análise é quase sempre o organismo vivo; facilmente se se pode encontrar-se em uma
para o sociólogo pode ser, além disso, equipe de investigação. Na realidade,
algum tipo de coletivo. Se o coletivo é a parece óbvio que um problema dado em
nação, talvez se possa colocar o historiador, muitos casos pode ser enfatizado melhor
com sua ênfase nos aspectos mais por uma combinação adequada de métodos
casuísticos das unidades de análise, no lugar que por um método isolado ou combinação
onde se encontra localizado no quadro o (m, n). Isto não é denegrir; o que acontece é
psicólogo. Isto não significa que as que o terreno exige conhecimentos das
enfoques localizados no canto superior diferentes enfoques e uma visão tolerante
esquerdo do quadro não possam dar origem das vantagens e limitações das diversas
a generalizações; contudo, na medida em combinações.
que se deseja generalizar ao nível da Ao invés de fazer uma lista com
unidade de análise, se faz necessária a argumentos prós e contra de cada uma das
repetição da totalidade da matriz de dados. novas células, faremos essencialmente o
Com uma investigação muito intensiva se mesmo, mas de tal maneira que, ao mesmo
podem obter generalizações utilizando as tempo, se destaque o fundamento
técnicas de amostragem e a inferência metodológico da importância da matriz de
estatística ou, simplesmente, dividindo uma dados na pesquisa sociológica. Se m=1 ou
amostra grande em sub-amostra mais n=1, se se diz que a matriz degenerou (em
pequenas e colocando a prova as hipóteses um vetor de linha ou de coluna,
em uma sub-amostra menor e colocando à respectivamente, ou em uma resposta, se o
prova as hipóteses em uma sub-amostra resultado é que tanto m como n são iguais a
depois da outra. Por outro lado, não se pode 1). Existem boas razões que explicam
dizer muito a partir do resultado de uma porque estas matrizes de dados degenerados
análise extensiva, visto que se que se criam problemas em alguns aspectos.
conhece tão pouco sobre de cada unidade. Suponhamos que m=1, por
O ideal é a combinação (muitas, exemplo, que escolhemos somente uma
muitas) tantas unidades e tantas dimensões unidade para o estudo. Se tudo o que
que forem possíveis. No entanto, nós desejamos é conhecer esta unidade tanto
supomos que a palavra ‘muitas’ se utiliza de quanto seja possível, nosso propósito pode
tal maneira que isto é impossível, por falta estar justificado se tivermos selecionado
de recursos tais como tempo, energia, exatamente a unidade que queremos
pessoas e dinheiro. A disponibilidade destes estudar. Se, ao contrário, nosso propósito é
importantes fatores, junto com a habilidade estudar um sistema social e selecionamos
no manejo de diferentes tipos de dados, um informante com esse fim, a unidade
levará sempre o investigador a direções estudada não é a mesma que a unidade
específicas e é possível que se sinta tão selecionada e, então, passa a ser
condicionado na direção de um dos tipos de problemático. Porque escolher
tabela 1.2.1. que virtualmente os outros nem precisamente este informante, quando
existam para ele. Porém, qualquer sabemos que todos os informantes serão um
combinação de m e n pode ser de algum pouco diferentes? Acontece o mesmo se, ao
valor, e uma pesquisa tradicional que invés de estudar um sistema social, estamos
inflexivelmente desqualifique uma ou mais estudando uma categoria social, uma
combinações somente demonstra suas unidade escolhida aleatoriamente ou
próprias limitações. Por outro lado, cada sistematicamente será sempre só uma
célula tem seu estilo próprio e exige unidade e, ainda que a unidade possa

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coincidir com o meio aritmético, ou ser o partir das perguntas formuladas como item;
líder ou qualquer outra coisa, sempre haverá assim não se limita a enquete a uma só
outras unidades diferentes da unidade pergunta. Na verdade, porque exatamente
escolhida. essa pergunta? Porque não poderia ser outra
Em química ou física, pergunta? ou por quê, pelo menos, não
frequentemente, parece haver sido complementar a informação proporcionada
resolvido o problema de encontrar o caso pela primeira pergunta? Contudo, existem
puro. Se um químico deseja comprovar uma exceções a este princípio de muitas
proposição sobre o ácido sulfúrico, pode perguntas para a mesma dimensão. Quando
tomar uma quantidade qualquer de ácido se busca simples informação sobre o
sulfúrico quimicamente puro (sempre que contexto, ou quando se investiga uma
sua forma cristalina seja irrelevante - para o dimensão de atitude que ocorreu muito
experimento) e tratá-lo como se fosse um frequentemente no debate diário, quem
puro e verdadeiro representante do ácido investiga através de uma enquete parece
sulfúrico, S3. Se um sociólogo deseja justificado limitar-se a uma só pergunta. As
estudar o Eleitor Norueguês, se enquetes de Gallup caem em uma destas
simplificaria enormemente a investigação categorias ou em ambas, o que as faz
se fosse possível encontrar o eleitor puro, metodologicamente justificáveis deste
uma só pessoa que fosse representativa de ponto de vista. Por outro lado, no entanto,
todos os eleitores noruegueses, de tal por esta mesma razão é difícil usar dados
maneira que tudo o que seria necessário tipo Gallup em uma análise em que
fazer seria interrogá-lo ou observar sua aparecem conceitos mais abstratos, de um
comportamento. Na atualidade, parece tipo mais teórico e menos de senso comum,
haver desaparecido completamente a em que é necessário coletar dados.
pesquisa social, a crença na possibilidade de Existem, além disso, outras razões
encontra o caso puro tanto no nível de de uma natureza mais positiva para evitar os
análise individual como no coletivo. casos degenerados e estas razões podem ser
Pode-se fazer a mesma resumidas da seguinte maneira:
argumentação sobre o caso n=1, por
exemplo, quando se trata de uma Tabela 1.2.2. Razões para evitar casos e, que
investigação do tipo enquete, no caso em M= 1 ou N= 1
que se formula uma só pergunta. Vamos
Razão para Mais de uma unidade Mais de uma
supor que se individualizou uma dimensão dimensão
para seu estudo, tal como ‘orientação geral
cosmopolita versus orientação geral local’. Não se crê que
Não se crê que exista
exista a pergunta
Nos dias de hoje, a maneira normal de fazer Razão o caso puros. Por que
pura. Por que não
negativa essa unidade e não
isto constituiria em selecionar uma série de esse estímulo e
outra?
não o outro?
perguntas preparadas para ‘tocar’ esta A existência de mais A existência de
dimensão, formular toas as perguntas e de uma unidade faz mais de uma
O uso da
possível ver a pergunta ou
fundamentar a análise em algum tipo de dispersão
diferenças, variações e dimensão faz
índice cumulativo que se pode formar a evitar estereótipos possível ver

3
Isto não significa que a solução seja trivial ou que podem não discriminar suficientemente ou a amostra
se alcance facilmente. O químico tem em sua mente pode ser exigente demais. A metodologia não é
um caso ideal, ‘puro’ ácido sulfúrico ou qualquer muito diferente da metodologia das Ciências Sociais,
outra substância que se defina por ter só um tipo de mas o cientista social frequentemente não tem nem
moléculas. Este fato só se pode questionar sequer um conceito de caso puro em sua mente nem,
indiretamente, pegando uma amostra do material e muito menos, um método para aproximar-se
examinando o valor que uma certa quantidade de operacionalmente dele.
indicadores (características de fusão, refração,
dispersão, etc.) alcança. Entretanto, os indicadores

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padrões de interesse em uma unidade não implica


respostas e ver
uma resposta o crença na posição Einmalig Keit4.
valor ou contexto Um dos exemplos mais famosos da
A correlação de respostas a diferentes
O uso da
perguntas é uma das ferramentas principais ideia de estudar em fenômenos através do
correlação
de análise e pode ser utilizada somente com estudo de um caso puro se encontra em As
um certo número de unidades e pelo menos
com duas dimensões. formas elementares da vida religiosa, de
Durkheim. A introdução contém uma
brilhante defesa de seu método, ainda que
A terceira razão é de uma possa parecer menos aceitável hoje em dia
importância angustiante para o analista que do que quando foi publicado pela primeira
está acostumado a trabalhar com dados vez5.
estatísticos (estas é outra palavra para se Diz já no começo:
referir a dados que podem ser organizados
na forma de uma matriz de dados completa), “Propusemo-nos a estudar neste livro a
e a série completa de argumento, em certo religião mais primitiva e mais simples
sentido, é para ele a própria base sobre a que se conhece na atualidade, analisá-la e
tentar identificar sua explicação.
qual trabalha. Não há nada que possa
Dizemos de um sistema religioso que é o
substituir o tipo de análise que possa fazer, mais primitivo do que se dispõe quando
mas se pode, naturalmente, argumentar que cumpre as duas condições seguintes: em
existem outros enfoques valiosos baseados primeiro lugar, é necessário que se
em tipo de dados em que m=1 ou n=1. Num encontre em sociedades cuja organização
certo nível, na análise sempre se está não é superada em simplicidade por
estudando só uma unidade, como quando se nenhuma outra; além disto, é necessário
faz uma enquete sobre o homem norte- que seja possível explica-la sem deixar
americano e sua comportamento sexual. O interferir nenhum elemento tomado de
estudo de comunidade se dirige a uma alguma religião anterior”6.
comunidade, mas dentro desta comunidade
é habitualmente aconselhável fazer uma Mais adiante diz:
matriz de dados completa baseada em
“Na base de todos os sistemas de
unidades e dimensões individuais
crenças e de todos os cultos, deve
adequadamente escolhidas. Porém, o necessariamente existir um certo

4
Sorokin, nas páginas 57 e seguintes de Social and incluindo o tempo. Cortes diferentes produzirão
Cultural Dynamics, Boston, Porter, Sargent, 1957, resultados diferentes e haverá que combinar os
formula a seguinte observação contra a posição de resultados. Do mesmo modo, na ciência social
que os eventos humanos são únicos: “Não se pode sincrônica: se fariam cortes no espaço (veja-se 2.2) e
narrar nenhum processo histórico sem admitir se explorariam, analiticamente, as variações.
explícita ou implicitamente, que muitas Portanto, para colocar à prova hipóteses, se obteria
características essenciais se repetem. Tomemos, por uma amostra das unidades de interesse e se
exemplo, a religião romana. Se qualquer momento submeteria, sistematicamente, a prova da hipótese.
de qualquer evento histórico ou processo McClelland, em The Archeving Society, contrasta
sociocultural fosse único, imediatamente surgiria habilmente esta com a metodologia tradicional do
uma dificuldade: Que momento da religião romana encontro-ilustração, dentro do qual se escolhem os
tem que se descrever? Deve ser a religião romana das casos que estão de acordo com a hipótese e se
20h do dia 1º de julho do ano 321 a.C. ou a das 7h rejeitam hipóteses se se encontra um só caso
do dia 10 de maio do ano 322 a.C.? Há invariantes desviado. Esta é uma concepção muito ingênua sobre
na “unicidade”, pois, de outra maneira, não seria as proposições da Ciência Social. Se só se
possível a descrição; mas também há variações, e admitissem correlações perfeitas, a Ciência Social
nosso enfoque proporia cortar o processo em não iria muito longe.
5
pedaços adequados, unidades e recolher tanta Paris, 1912.
6
informação quanto fosse possível sobre cada uma, Ibidem, pág. 1.

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número de representações Em segundo lugar, temos a ideia da


fundamentais e de atitudes rituais que, parte essencial se encontra em sua forma
apesar da diversidade de formas que mais pura nas sociedades primitivas e, em
umas e outras puderam se revestir, tem geral, enquanto mais primitiva a sociedade,
em todas partes a mesma significação melhor. Em outras palavras, a ideia é que a
objetiva e cumprem em todas partes as
sociedade, de alguma maneira, parte com a
mesmas funções. São estes elementos
permanentes os que constituem o que "matéria prima", e a esta se agrega, por
há de eterno e humano na religião; eles processos de evolução e difusão “o
são todo o conteúdo objetivo da ideia acessório, o secundário, os progressos de
que se expressa quando se fala da luxo”.
religião em geral”7. Já que nada parece ter refutado uma
das proposições básicas dos evolucionistas,
que a mudança social tende a produzir-se
Aqui temos duas ideias importantes. em direção a formas mais complexas e não
Em primeiro lugar, a divisão de uma a formas menos complexas (com divisão do
instituição social em duas partes que podem trabalho e sua concomitante, a
se chamar o essencial e o acidental e a complexidade crescente da rede de status,
simples equação: como uma das dimensões), não se negará
que algumas instituições sociais podem ser
mais simples em níveis mais baixos e a
Instituição Social = Parte + Elementos organização social em geral. Para isto,
coisa social essencial acidentais
inclusive sendo mais de mais possível
defesa do que o normal, estamos dispostos
a admitir que não é o mesmo que dizer que
O essencial, evidentemente,
estas instituições são mais puras. A
representa a condição sine qua non, “da
simplicidade não é o mesmo que a pureza.
ideia que se expressa quando se fala de
Das ideias muito fundamentais que
religião em geral”. Durkheim expressa essa
podem facilitar a aceitação da ideia de
equação com um discurso semelhante ao
Durkheim de trabalhar com o caso puro, é
nosso quando diz:
que conduziu o estudo intensivo da tribo de
“A imaginação popular ou sacerdotal
Los Arunta com dados de segunda mão. Em
não teria sido ainda nem a tempo nem primeiro lugar, a clássica diferença entre as
a medida de refinar e transformar a universais e os particulares, que
matéria prima das ideias e das práticas corresponde a nossa distinção entre o
religiosas, ela se mostra, por tanto, essência e o acidental, uma diferença entre
claro e se oferece por si mesma a a ideia geral e as características adicionais
observação, e que não tem que fazer não essenciais (tal como a famosa ‘cor’ do
maior esforço para descobri-la. O cavalo, exatamente ‘que’ objetos se
acessório, o secundário, os progressos definem como sagrados, etc.). Se agora
do luxo não vão sobreviver a um introduzimos a igualmente clássica
ocultar do principal. Tudo está discussão entre realistas e nominalistas,
reduzido ao indispensável, aquele sem
podemos pensar em um contínuo de atitudes
o qual não poderia haver religião. Mas
o indispensável é também o essencial, neste conflito, ao invés dos dois extremos
é dizer, o que nos importa conhecer tradicionais; a saber: o extremo realista ante
diante do todo”8. rem (os universais têm uma existência
independente anterior as coisas, que são
suas manifestações) e o extremo

7 8
Ibidem, pág. 6. Ibidem, pág. 8.

133 NORUS
NORUS

nominalistas in rebus (os universais não tem apresentada mais acima, mas não concebida
tal existência, são somente nomes de como no caso anterior, como uma relação
abstrações obtidas a partir das coisas). As ‘temporal’, em que as características
seguintes seriam algumas posições acidentais se agregam ao decurso do tempo
intermediárias entre ambos os extremos. e sim como uma reação ‘especial’ em que
Pode-se adaptar a posição de que “as as características acidentais se sobrepõe às
coisas” (por exemplo, as indicadas da ideia, essenciais e são ambas suscetíveis de
dos universais) podem ser organizadas de distinção, não apenas analiticamente, mas
acordo com as suas particularidades, também empiricamente. Qualquer
partindo desde as aproximações mais puras proprietário de uma motocicleta chegará a
à própria ideia e adicionando a elas saber, o que é essencial e o que não é
particulares, “o secundário”, para utilizar a essencial em seu veículo a medida que este
terminologia ampliada, até chegar às formas vá se deteriorando, para também chegar à
mais complexas que exibem mais conclusão de que sempre é possível atribuir
elementos acidentais. Se admitida a às partes de sua motocicleta algo a mais que
possibilidade chegar a uma organização a propriedade de ser essencialmente
linear ou parcial das ‘coisas’, isto só seria funcional. Por exemplo, pode chegar à
interessante se esta variável (grau de conclusão que é possível fazer funcionar o
‘pureza’) estivesse altamente veículo sem o tanque de gasolina como
correlacionada com alguma outra variável. tendo um galão conectado ao carburador
Neste ponto se introduz a segunda ideia com um pedaço de mangueira, mas ainda
cultural básica: a ideia de que a variável está nesse caso, o predicado ‘galão’ não é uma
correlacionada com as etapas da evolução, característica essencial. Por último, pode
qualquer coisa que ela seja. Ainda que haver certos graus dentro dos quais o
Durkheim não tivesse esta ideia, teve a ideia acidental pode ser empiricamente retirado,
de “sociedades em que a organização não é de maneira a revelar o essencial em sua
superada em simplicidade por nenhuma forma descoberta; “ela se mostra então,
outra” e a ideia de que é aqui onde haveria revelada”.
de buscar para encontrar ‘as formas A utilidade científica destas
elementares da vida religiosa’. A posições é subestimada, em geral, hoje em
dificuldade está em que a ‘simplicidade’, dia. A posição atualmente dominante é a
ainda que possa funcionar como uma nominalista e se aplica o termo
característica global de uma sociedade, não escarnecedor ‘reificação’ a qualquer
parece funcionar para todas as partes da tendência a atribuir uma existência
sociedade, como demonstram os sistemas independente aos universais. Trata-se de
de parentesco das sociedades primitivas. uma independência ante rem, ou concebida
Apesar disto, a posição é interessante como segundo o evolucionismo primitivo ou se
uma espécie de posição ante rem utilize aos universais como categorias
modificada; no ante todas as instituições empíricas9. Todas estas posições incluirão a
sociais, senão ante a existência das análise lógico e/ou empírico como uma
instituições religiosas em nossas ferramenta na busca do essencial. Em
sociedades. contraste com isto está a prática atual de
Outra posição intermediária pode distinguir entre a denotação e a conotação
tomar como ponto de partida a equação de um conceito e de incluir na conotação

9
Uma exposição deste ponto, no nível introdutório,
se encontra em Methods in Social Research, New
York, McGraw-Hill, Good y Hatt, 1952; Cap. 5 e,
especialmente, pág. 42.

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NORUS Vol. 01 nº 01 janeiro-junho/2013

somente as características que são pressupõe recursos facilmente disponíveis,


necessárias para a inclusão de um elemento tanto em termos de dinheiro, como de
de denotação. Unidas todas as propriedades energia, de tempo ou de pessoal. A
que formam a conotação, constituirão a metodologia intensiva, compatível com o
condição necessária e suficiente para a tipo de raciocínio de Durkheim, também é
inclusão na denotação. compatível com o modelo de estudioso de
Não é necessário atribuir a biblioteca do século passado. Portanto, há
Durkheim as etiquetas de ‘quase realista’ e aqui interrrelações entre a metodologia, a
‘evolucionista’. Pode-se ser antirrealista ou ideologia fundamental e a estrutura social
antirrevolucionista, qualquer coisa que isto da investigação social, que podem chegar a
signifique e, no entanto, proceder quase sérios conflitos.
exatamente como o fez Durkheim, embora Ao longo da história da metodologia
possivelmente com uma introdução sociológica, a metodologia da ciência social
diferente, pondo ênfase na simplicidade em geral investiu em uma considerável
mais que na pureza (“matéria prima”). quantidade de ideologia em diferentes
Porém, outro procedimento surge mais células da tabela 1.2.1., ou em conjunto de
facilmente dos enfoques, geralmente célula, sustentando que em tais células
aceitos, sobre a relação entre as ideias e as representam as combinações ótimas na
coisas indicadas anteriormente: estudar uma busca de conhecimentos científicos sobre a
amostra de unidades que se incluem todas realidade social.
sob a ideia de ‘instituições’ religiosas e Parece que quanto mais se separa a
utilizam sua variação como uma ferramenta posição defendida da diagonal do quadro,
analítica. Isto pode ir acompanhado de maior é o investimento. Preferimos uma
análises de casos, que incluíram não só os distribuição mais equivalente do
Arunta, mas também os sistemas religiosos investimento ideológico, posto que ele
muito modernos. parece estar mais de acordo com o que
Consequentemente, a crítica contra realmente acontece na investigação social
o tipo de metodologia de Durkheim contém contemporânea.
pelo menos estes elementos: 1) Parece que o próprio processo
(‘antirrealista’) que a instituição religiosa científico leva invariavelmente ou maior
ou qualquer outra instituição deve ser vista número de células, quando se seguem os
em seu contexto social, que invariavelmente cânones usuais da pesquisa científica.
envolve ‘acidentes’ e é estudada em seu Assim pode perfeitamente acontecer que, na
contexto, não é isolada, e 2) (‘anti- primeira suspeita germinal que conduza a
evolucionista’) que características globais um projeto de pesquisa na mente dos
como ‘primitivo’ podem caracterizar sociólogo esteja localizada no canto inferior
sociedades em seu conjunto, enfatizando a esquerdo do quadro, sob a forma de uma
simplicidade de certas instituições. Mas, resposta dada por uma pessoa respondendo
estas características não se transferem uma pergunta. A investigação pode, na
necessariamente para outras partes da sequência, se estender legitimamente pela
sociedade. Se analisarem muitas unidades, horizontal, fazendo um certo número de
não é necessário nenhum julgamento sobre pessoas a mesma pergunta e, pela vertical,
a pureza, nem tão pouco é necessário formulando à mesma pessoa um número de
separar, de modo mais ou menos arbitrário, perguntas diferentes. Mais cedo ou mais
o essencial e o acidental. tarde, as duas dimensões das unidades e das
Dando uma olhada para trás, pode variáveis, provavelmente terão ser unidas,
dizer-se que a metodologia moderna da pelo menos explicitamente e isto conduz o
investigação extensiva ou pesquisa com um processo em direção à diagonal, a um nível
alto número de unidades, em geral

135 NORUS
NORUS

alto ou baixo, dependendo mais dos comprovação, menos interessado nas


recursos do que da ideologia metodológica. ‘perspectivas’ e mais interessados nos
Pode ser que a última comprovação ‘difíceis fatos’, se encontra constantemente
deva ser obtida por meio de projetos argumentando em favor de sua
localizados na diagonal ou a próxima dela, especialidade, na esquina superior direita do
mas também pode ser que as primeiras quadro e, com frequência, também a favor
ideias (e talvez as perduráveis) se obtenham das estratégias extensivas. Neste último
próxima dos eixos. Portanto, não caso, o investigador pode, muitas vezes, ser
confrontamos somente as estratégias de derrotado por seus próprios argumentos,
investigação extensivas com as intensivas, posto que em um número escasso de
como também confrontamos as estratégias variáveis dificilmente proporcionará a firme
assimétricas com as simétricas. Uma base necessária para explorar alternativas e,
investigação muito intensiva terá, eventualmente, descartar n-1 hipótese a
provavelmente, um baixo rendimento em favor da hipótese n. Seja o que for, é de
valor comprobatório como proposições pouca importância, posto que o que nos
gerais, e se supõe que o propósito interessa é a metodologia normativa e não a
perseguido é, de certa forma, genérico, metodologia descritiva, nos interessa o que
devido ao baixo número de unidades. Da os investigadores devem fazer e não o que
mesma maneira uma investigação muito os investigadores fazem realmente.
extensiva não conterá um número suficiente Destacamos somente a ocorrência de que as
de variáveis para controlar condições ideologias simétricas neste campo
relevantes e colocar à prova pelo menos aparecem ser difíceis de acolher, por razões
algumas de muitas hipóteses alternativas bem conhecidas para os estudiosos da
que terão que aparecer na mente do tolerância da ambivalência e,
investigador. Sendo assim, a filosofia mais particularmente, porque o folclore da
frutífera em relação à tabela parece ser uma ciência contemporâneo parece haver
combinação de dois ‘tanto/quanto’: tanto imposto certo tipo de oposição entre ambas:
uma investigação de tipo extensivo quanto com frequência parece estar a favor da
uma investigação do tipo intensivo e com tal investigação intensiva ou a favor da
fim, tanto uma forma m grande como uma n investigação extensiva, estar orientado para
grande. o ‘caso’ ou para a ‘enquete’.
Se nosso argumento de que as Isto mesmo se aplica diferentemente
diferentes ideologias referentes à escolha da entre as chamadas ciências nomotéticas
estratégia de investigação representam (‘generalizadoras’) e as ciências
diferentes fases no processo científico é ideográficas (‘singularizadadoras’): tal
correto, deve-se esperar que os diferença constantemente é exagerada.
sustentadores destas diferentes ideologias Ambos os tipos de ciências desenvolvem
tenham algum tipo de conexão com estas proposições e ambos os tipos de ciência
diferentes fases. Não dispomos de dados conectam as proposições em teorias por
empíricos a respeito, senão somente a meio de relações de implicação. Em outros
impressão mais bem intuitiva de que o termos os dois tipos têm como meta tanto a
investigador ‘‘para a ideia’, em busca mais descrição como a explicação. Não obstante,
de perspectivas do que de comprovações, enquanto as proposições das ciências
tende a argumentar em favor das estratégias ideográficas se referem a regiões limitadas
que estão distantes da diagonal, e mais e contíguas tanto no tempo quanto no
frequentemente em favor das investigações espaço (França submetida a Luís XIV, a
intensivas, estudos de casos, etc. Da mesma cidade-estado italiana durante o
maneira, o investigador ‘orientado para a Renascimento, etc.), as proposições das

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NORUS Vol. 01 nº 01 janeiro-junho/2013

ciências nomotéticas se referem a entre o trabalho e o empresário em uma


fenômenos que (pelo menos a princípio) certa quantidade de estabelecimentos, em
podem ser encontradas em uma vasta área um dado período a uma dada nação.
de regiões não contíguas no espaço e no Obviamente também, os limites entre
tempo (‘A relação entre a industrialização ambas de nenhuma maneira são precisos.
rápida e a estabilidade política’). Portanto, Ao contrário, representam dois enfoques
se pode representar a relação da seguinte diferentes: a descrição concreta, detalhada,
maneira: realista e a explicação de algo que é
significativamente inter-relacionado, a
colocação à prova de proporções gerais,
Diagrama 1.2.3. – A relação entre as ciências menos realistas, mais abstratas sobre algo
nomotéticas e ideográficas
que se encontra disperso e que não está
inter-relacionado no mesmo sentido.
Tempo Tempo Como acontece muitas vezes, as
dicotomias tem uma tendência de polarizar
não só o pensamento mas também as
pessoas. É tão obvio que ambas se
completam, que não são necessárias
justificativas: a ciência generalizadora pode
dar ideias à ciência particularizante sobre o
que tem que buscar que tenha interesse
espaço espaço teórico; a ciência particularizante pode dar
Nomotética: regiões Ideográfica: regiões a ciência generalizadora, dados para colocar
tempo-espaciais não tempo-espaciais à prova suas hipóteses. Entretanto, a
contíguas. contíguas.
diferença não se encontra simplesmente ao
longo de um eixo explicação-descrição. A
Frases feitas tais como a diferença ciência ideográfica tem a vantagem de dar
entre ‘dizer muito pouco sobre muito e dizer explicações que são realistas e como no
muito sobre muito pouco’ não captam o caso particular, no sentido de considerar um
ponto essencial: as proposições das ciências número aproximadamente mais suficiente
ideográficas estão pragmaticamente de fatores; a ciência generalizadora tem a
limitadas a uma região contigua vantagem descritiva de examinar um campo
(habitualmente um intervalo na história de mais amplo, razão pela qual pode
uma nação ou de alguns aspectos desenvolver categorias que tem sentido em
selecionados de uma nação), enquanto as um contexto mais amplo.
proposições das ciências nomotéticas não Isto é particularmente importante,
conhecem tais limites. As regiões que são em relação a muitas vezes discutida relação
relevantes para ser colocada à prova, entre a ciência social sincrônica (que trata
habitualmente se encontram dispersas por de fenômenos que acontecem em qualquer
um amplo campo e não existe necessidade local ou espaço, mas dentro de um intervalo
de preencher com conhecimento os espaços de tempo relativamente estreito) e a ciência
entre elas. social diacrônica (que trata fenômenos que
Obviamente, o campo total de uma acontecem em qualquer ponto do tempo,
monografia ideográfica, pode ser mais mas dentro de uma região limitada do
amplo que o campo total de uma espaço). Talvez se possam representar as
monografia nomotética como quando uma relações entre elas da seguinte maneira.
pessoa escreve a história da Revolução
Industrial na Grã-Bretanha e outra pessoa
põe à prova hipóteses sobre as relações

137 NORUS
NORUS

DIAGRAMA 123. A relação entre as ciências possível imaginar que estas paredes fossem
nomotéticas e ideográficas derrubadas para abrir campo inteiro das
relações humanas no tempo e no espaço,
Tempo sem nenhuma limitação, de acordo com o
sincrônica atual estado da humanidade, com a
emergência rápida do homem internacional
Sociologia
Ciência Pol. e de uma audácia tempo-espacial até agora
Economia desconhecida que leva a abrir inclusive o
Antropologia
cosmos. É óbvio que isto exige o trabalho
Arqueologia
de equipe e a cooperação institucional, e é
provável que se faça mais facilmente em
diacrônica espaço universidades novas, mas talvez inclusive
historia
em países em desenvolvimento, em que as
infelizes práticas acadêmicas do passado
No entanto, a diferença entre, por não sedimentaram em uma crosta muito
exemplo, a Sociologia e a história não se grossa, de modo que só um terremoto
baseiam meramente em termos de sincronia intelectual possa derrubar as muralhas.
versus diacronia. A Sociologia tende a ser Teoricamente, seria possível adiantar uma
mais nomotética, a história a ser mais ciência do homem mais geral, que explora
ideográfica. O conjunto total do trabalho relações tanto no espaço como no tempo,
sociológico pode cobrir relativamente bem em regiões contíguas e não contíguas, nos
o espaço com um conjunto de monografias níveis explicativos e descritivos, tudo isto
interconectadas, uma referente às relações dentro do mesmo projeto de pesquisa. Com
familiares em qualquer lugar; outra, a certeza, isto requereria uma fundamentação
estrutura do poder em qualquer lugar, etc. O muito melhor em termos de ciência social
que falta é ciência ideográfica, sincrônica: sincrônica, descritiva (Sociografia,
conjunto realmente bom de tratados sobre a Sociologia descritiva) e de ciência social
Sociologia de uma região dada no espaço, diacrônica, descritiva (historiografia,
por exemplo uma nação. Isto se encontra em história descritiva) da que temos hoje em
antropologia e nos estudos de comunidade, dia. Entretanto, não deveria ser muito difícil
mas talvez à margem das ideias gerais. Da fazê-lo com os modernos métodos de
mesma maneira, o conjunto total do armazenamento de dados.
trabalho histórico e de grande parte do Visto que o enfoque deste livro é
trabalho antropológico pode preencher principalmente nomotético, pode valer a
tanto o tempo como o espaço, reunindo pena dar mais substância a estas ideias,
trabalhos sobre regiões adjacentes e destacando o que significaram em termos de
contíguas no espaço e no tempo. O que falta cartões IBM. A unidade básica da ciência
aqui é a ciência nomotética, diacrônica, que social sincrônica tem sido o indivíduo. Dá-
conecta todo este conhecimento dentro dos se um grande passo adiante agregando
marcos teóricas que não conhecem unidades de nível mais alto, províncias,
limitações no espaço e no tempo. nações, etc. Se dá outro grande passo
É um deplorável estado de coisas o adiante através da análise de pares, conjunto
que mantém separadas a Sociologia e a de três, etc. unidades em qualquer nível
História institucionalmente nas (individual ou coletivo), já que isto permite
universidades. Separa, assim, não só os a inclusão de variáveis relacionais (ver 2.1).
enfoques sincrônicos e diacrônicos mas Deste modo, o passo que sugerimos agora é
também, em uma medida considerável, os simplesmente adicionara dimensão tempo.
enfoques nomotéticos e ideográficos. Seria Assim, se pode considerar uma nação como

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uma unidade espacial, assim como ‘um dado e não a inferência de que a pessoa
fragmento tempo-espacial’. É possível, sorridente está de bom humor, etc. Um dado
assim, tomar os últimos 150 anos de história é o que é observado, manifesto ou
da nação (sempre que tenha existido durante fenotípico, não é o que é inferido, latente ou
esse período) e dividi-lo em intervalos de, genotípico. O que nos interessa nesta
por exemplo, 5 anos, chegando a um total explicação de coleta de dados são sempre os
de 30 unidades espaço-temporais. Se há dados manifestados e nunca o que está
possibilidade de fazer o mesmo para, por latente, aquilo que pode ser inferido.
exemplo, todas as nações latino- Embora a palavra observação se
americanas, se obteriam cerca de 600 refira explicitamente à percepção visual, é
unidades de análises. Se fizer o mesmo para utilizada aqui, e em outras partes, para
todos os pares de nacionalidade latino- referir-se a todas as formas de percepção
americanos, inclusive dentro de um período por meio dos sentidos, utilizados para
somente de 50 anos, se obteria 10x (202) = registrar as respostas da maneira como se
1.900 unidades de análise e poderiam apresentam aos nossos sentidos. Contudo,
explorar a interação de tempo e espaço fazemos uma diferença entre uma resposta
sobre as relações internacionais. Mantendo e um dado: uma resposta é certo tipo
constante a nação, se obteria análise manifestação de ação; um dado é o produto
diacrônica, mantendo constante o tempo, se do registro da resposta. O caminho a partir
obteria análise sincrônica, permitindo a da resposta ao dado é distorcido e apresenta,
variação de ambas as dimensões, se obteria entre outras coisas, dificuldades tais como
o tipo de análise (variedade nomotética) variações sensoriais intra e interpessoais,
para o que a ciência social, sem dúvida, se variações no uso de símbolos para registrar
está dirigindo. as impressões das respostas (o aspecto
Em consequência, os argumentos a semântico), etc. Portanto, é um objetivo
favor de ter mais de uma unidade de análise evidente fazer tão curta possível a última
sem nenhum sentido são somente parte da seguinte sequência:
argumentos aplicáveis às enquetes a aos
estudos de opinião pública - mesmo que se
possa dizer-se que estes estudos mostraram Tabela 1.3.1. A sequência estímulo-dado
o caminho, e que eram mais fáceis de
realizar. Melhores são argumentos a favor estímulo  objeto  resposta  impressão dado
de uma maior imaginação na escolha das
unidades dentro da região tempo-espacial
1.apresentação 3. percepção
possíveis de conter os dados e os
argumentos a favor da destruição das 2. manifestação
4.registro
barreiras institucionais na escolha de tais
unidades. Uma resposta é observável, um dado é observado

1.3. Observação e inferência


As observações científicas, ao
Os dados nas Ciências Sociais, contrário de outras observações, devem
como em outras ciências, se fundem em cumprir duas importantes condições, e estas
observações dos sentidos e em um critério condições delimitam até certo ponto o que
para organizar os dados segundo sua pode ser considerado propriamente como
qualidade se refere à proximidade do dado. dados manifestados. Suponha-se que o
Uma marca em um quadro vazio colocado fenômeno observado é repetitivo e
ao lado de uma resposta é um dado e não é constante (por exemplo, um homem que dá
a inferência de que o sujeito pesquisado está a mesma resposta à mesma pergunta, uma
a favor ou contra algo. Um sorriso é um pessoa que reage da mesma maneira à

139 NORUS
NORUS

mesma situação experimental, etc.) Parece processo da observação. Frequentemente se


muito razoável exigir que as observações considera desejável encontrar estímulos que
repetidas de tal objeto produzam dados produzam facilmente respostas constantes,
constantes, independentemente do fato de mas esse desideratum tem certa raiz de
que as observações sejam realizadas por um irrealidade. Em primeiro lugar, os estímulos
observador ou por observadores diferentes. podem parecer constantes e não ser, porque
Se repetidas observações de um fenômeno o contexto em que eles aparecem relevantes
constante pelo mesmo observador para os objetos não é constante; por
produzem dados constantes, se diz que a exemplo, quando se formula a mesma
observação é intersubjetiva ou confiável. Se pergunta pela segunda vez em um estudo do
observações repetidas de um fenômeno tipo ‘painel’. Em segundo lugar, se os
constante por observadores diferentes estímulos oferecem a respostas constantes,
produzem dados constantes, se diz que a isto pode indicar que os estímulos são muito
observação é intersubjetiva (Deve-se notar grosseiros já que as respostas não refletem
que em ambos os casos estamos tratando as pequenas oscilações que, podemos
com definições por redução). presumir sem risco, ocorrem no espirito
Estes dois requisitos: a humano. Este último, além disto, é um
confiabilidade e a intersubjetividade, argumento para utilizar mais de um
podem ser empregadas juntas como estímulo para abranger uma mesma
definiens do termo ‘objetividade’, tão ‘dimensão’, visto que, provavelmente, não
vagamente empregado. Tais requisitos existe um desideratum que exija constância
permitem excluir da esfera da observação também para os objetos.
científica todas as observações que são Em resumo: além dos princípios
instáveis, precipitadas e vagas, para a construção de uma matriz de dados,
insuficientemente padronizadas e todas as agregamos dois novos princípios10:
observações que pertençam à percepção
subjetiva de uma pessoa determinada 4) Princípio de intersubjetividade
somente e que não podem ser ou confiabilidade: observações
compartilhadas por outras pessoas. repetidas das mesmas respostas pelo
Obviamente, é necessário falar de graus de mesmo observador devem produzir os
confiabilidade e de intersubjetividade e mesmos dados.
talvez seja melhor decidir em cada caso 5) Princípio da intersubjetividade
particular por onde passa exatamente a linha ou objetividade: observações
divisória. repetidas das mesmas respostas por
A confiabilidade e a observadores diferentes devem
intersubjetividade se referem aos dois produzir os mesmos dados.
componentes do processo da observação
que denominamos percepção e registro e Neste ponto, muitas vezes, se
não se referem nem à representação de menciona um princípio de validade, com a
estímulo nem à manifestação das respostas ideia de que uma observação é válida se foi
que estão no sujeito interpelado. Se um observado o que se queria observar. Em
estímulo constante produz uma resposta consequência, a validade, obviamente, se
constante ou não é um problema refere à relação entre o manifestado e o
inteiramente diferente: se refere (por latente. Visto que, por definição, as
definição) à constância do objeto (à unidade observações se fazem ao nível manifestado,
de análise) e não tem nada a ver com o

10
Uma exposição deste ponto pode se encontrar em ‘Reability’, ‘Intersubjectivity’ and ‘Constancy”,
Johan Galtung, “An Inquiry into the Concepts of Inquiry, 1959, pp. 107-125.

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NORUS Vol. 01 nº 01 janeiro-junho/2013

podemos formular o princípio da seguinte classificar as variáveis que caracterizam os


maneira: indivíduos.
Em primeiro lugar, o valor que um
6) Princípio de validade: devem ser indivíduo tem é uma variável determinada
obtidos dados de tal natureza e tal pode ser pública ou privada. Entendemos
maneira que possam ser feitas por uma ‘variável pública’ aquela em que os
inferências legítimas sobre o nível valores individuais são conhecidos por
latente a partir do nível manifestado. outras pessoas e se sabe que são conhecidos.
Alguns exemplos: a idade, o sexo, a raça, a
Já que, na realidade, os conceitos de religião (frequentemente), a ocupação, a
manifesto e latente não foram definidos, renda (pelo menos em termos gerais: veja-
deixaremos para mais adiante outros se a prática estabelecida pelo acesso público
argumentos e não faremos uso do princípio e registros de impostos), o endereço, a
de validade. Certamente, os dados sempre família de origem, os dados de fertilidade
são válidos em algum contexto, com sobre a família, etc. Por ‘variável privada’
referência a alguma dimensão latente; isto entendemos uma variável em que os valores
debilita um pouco o conceito de validade. A individuais, provavelmente, podem ser
validade se transforma em uma pergunta conhecidos por outros, mas os outros não
sobre se os dados podem ser utilizados podem ter pretensões legítimas de conhecer
exatamente ou não para conseguir o tais valores. Alguns exemplos são o
propósito para os que foram concebidos. coeficiente de inteligência, os projetos para
Mais uma vez, é um ponto ao qual deve-se o futuro, se uma pessoa é autoritária ou não,
ter consciência antes da coleta de dados e as atitudes e os padrões de comportamento
que podem ser de grande importância, mas de diferentes tipos. Uma pessoa pode tornar
também podem desempenhar um papel pública sua opinião a respeito da
menor, como é o caso de estudos mais Comunidade Econômica Europeia ou da
descritivos e exploratórios. OTAN, mas isto não implica que sua atitude
seja uma variável pública, porque também
1.4. Classes de variáveis e de pode mantê-la fora da interação humana.
modelos de investigação Em segundo lugar, o valor que uma
pessoa tem em uma variável pode ser
Nas análises da Ciência Social, as
permanente ou temporal. Com este último
unidades de análise mais frequentemente
queremos dizer que o conhecimento que se
utilizadas são os indivíduos. O indivíduo
tenha de valor que uma pessoa alcança em
pode ser caracterizado- e de fato tem sido
tal variável em um momento determinado
caracterizado - por meio de um número
proporciona uma base relativamente fraca
imenso de variáveis. Tal número é alto por
para formular um prognóstico sobre tal
duas razões: o indivíduo é o nível habitual
valor que tal pessoa terá na variável em um
da interação humana e, consequentemente,
momento posterior; ao por outro lado, se tal
é o nível em que a necessidade de
valor é permanente, a base para a
descriminar na percepção e na comunicação
prognóstica é muito forte. Obviamente, a
se sente mais agudamente e está mais
linha divisória entre o que pode chamar-se
desenvolvida; em segundo lugar, a
mais propriamente um valor ‘temporal’ ‘e o
possibilidade da interação verbal com
que pode ser chamado um valor
indivíduos faz possíveis as respostas
‘permanente’ está longe de ser clara, e o
verbais, com sua imensa variedade.
mesmo se aplica à linha divisória entre o
Em meio a essa variedade se requer
valor ‘público’ e o ‘privado’: Quantas
algum tipo de organização, alguma
pessoas devem ter uma pretensão legitima
tipologia, Sugerimos dois critérios para
de conhecer um valor para que esse valor

141 NORUS
NORUS

seja público? O coeficiente de inteligência, pode ser temporal, porque um valor


conhecido pelo psicólogo da escola, é uma temporal não proporciona uma base
variável pública? Relativamente, a quais suficiente para a interação pública.
sistemas deve atribuir a ‘publicidade’? Etc. Foram colocados alguns termos nas
No entanto, tais diferenças têm um grande três células restantes. Eles não devem ser
valor interpretativo. considerados como completamente
Se as combinarmos, obtemos a coextensivos como o significado que dado a
seguinte tabela 2x2: estas células, por definição. Mais que isto, o
significado de uma ‘variável de base’ é o de
Tabela: 1.4.1. - Uma tipologia de variáveis uma variável que é pública e permanente
para caracterizar indivíduos dentro de um dado sistema de interação, por
exemplo, a sociedade norueguesa. Ser o
Valores Valores
permanentes temporais presidente de uma organização local não é
Valores (Variáveis de Impossível um valor público, quando se toma como
Públicos base) sistema de referência a Noruega como um
Valores (Variáveis de (Variáveis de todo, mas ‘a ocupação’, é, devido à sua
Privados personalidade) atitude e de relevância em contexto nacional. No
comportamento) contexto da organização local, contudo,
pode ser irrelevante a ocupação, enquanto
ser o presidente pode ser muito relevante.
Esta tipologia apresenta quatro Variáveis de base típicas são: a idade, o
células, mas uma dela está vazia devido a sexo, a localização geográfica, a ocupação,
uma proposição sociológica que pode ser etc. Quando dizemos que são permanentes,
formulada da seguinte maneira: a interação não negamos a possibilidade de que
institucionalizada está fundada em variáveis mudem; trata-se somente do que são
relevantes ‘públicas’ (por exemplo, ‘permanentes dentro de um período’.
variáveis em que os valores de um indivíduo As variáveis que são ‘públicas e
específico são conhecidos publicamente, e permanentes’ colocam o indivíduo na
por tanto, podem ser legitimamente matriz social ou, se deseja usar outro termo,
utilizados na interação), mas se as variáveis na estrutura social. O conjunto de valores
tem que proporcionar uma base para uma nas variáveis de base dá, para cada
interação duradoura, devem ser previsíveis, indivíduo, sua personalidade social. Por
o que significa que os valores individuais esta razão, estas variáveis, frequentemente
tem que mostrar certo grau de se chamam ‘variáveis estruturais’, termo
‘permanência’. Os valores devem ser que preferimos não utilizar porque pode
conhecidos e reconhecidos, o que significa levar a confundir-se os níveis de análise. As
que as variáveis públicas não podem ser variáveis de base caracterizam indivíduos,
temporais. Deve-se acrescentar que um mas quando recebem o nome de
grande número de interações humanas não ‘estruturais’ se pensa na estrutura das
estão institucionalizadas e estão sobre a sociedades.
base de indícios de um caráter mais evasivo Por ‘variáveis de personalidade’
e efêmero. Uma característica da interação entendemos aquelas variáveis que podem
é que ela pode partir fundamentada em ser desconhecidas inclusive, para o próprio
valores bastante privados e inclusive indivíduo e que exigem a habilidade de um
temporais, mas quando a interação se inicia psicólogo para ser em descobertas. Sua
e se torna institucionalizada, há uma característica essencial é a permanência.
mudança no caráter dos valores utilizados Visto que, habitualmente, se sustentem que
com base, em direção aos valores públicos as variáveis permanentes, são de um caráter
e permanentes. Um valor público jamais

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mais latentes, enquanto que as variáveis Habitualmente, tais análises se


manifestadas dão lugar a valores menos realizam com um certo modelo mental, que
permanentes para os indivíduos pode haver sido explicitado pelo
Normalmente, as variáveis de pesquisador ou não.
personalidade coincidirão com o que O raciocínio típico se desenvolve
denominamos variáveis latentes. Deve-se considerando os elementos
destacar, novamente, que ‘permanência’ comportamentais que qualificamos por
não significa que toda mudança seja ‘temporais’, como produzidos ou causados
impossível, e sim que há intervalos ou sendo, de alguma maneira, o resultado
suficientemente longos para ser das variáveis de personalidade ou de ambas.
importantes, quer dizer, lapsos dentro dos Essencialmente, os seguintes parecem ser
quais as flutuações são insignificantes. os quatro modelos mais frequentes da
A terceira categoria contém o resto, literatura.
ou seja, todos os tipos de variáveis
atitudinais e comportamentais e outras
variáveis que podem ser utilizadas para Tabela 1.4.2. Modelos para as relações entre
caracterizar um indivíduo e que nem são os tipos de variáveis
públicas, nem são permanentes. Muitos dos Variáveis de Variáveis de Elementos
dados que se obtém por meio de Base Personalidade comport.
questionário ou de uma entrevista entram
I.O ‘modelo
nesta categoria. Haja vistas que, conforme o psicológico’
esquema proposto, o único fator que estás
variáveis têm em comum é seu caráter de II.O ‘modelo
sociológico’
variáveis temporais, não dispomos de uma
qualificação melhor que ode ‘elementos III.O ‘modelo
comportamentais’. Portanto, as respostas a sócio-
psicológico’
entrevistas e a questionários se classificam
como comportamento (reações de palavras, IV.O ‘modelo
comportamento verbal). da variável
interferente’
Consequentemente, o valor desta
tipologia reside em permitir uma
classificação das variáveis que caracterizam
a indivíduos em variáveis de base, variáveis O pesquisador deve ter uma imagem
de personalidade e elementos relativamente clara do que tem na mente. Os
comportamentais. Na realidade, pode-se termos escolhidos para qualificar os
utilizar um esquema muito semelhante, por diferentes modelos não são, mais uma vez,
exemplo, a respeito das nações; contudo, a coextensivos com o conteúdo dado aos
aplicação mais frutífera deste esquema está modelos pelo diagrama, mas são comais
no campo de análise de unidades que sejam frequência verdadeiros do que falsos11.
seres humanos. A diferença entre os modelos III e
IV é a seguinte: no modelo IV a ideia é que

11
Detrás do modelo sociológico se encontra uma oposta a proposições ou teorias em termos de
importante tradição, formulada em termos valores, com diversos graus de internalização Hoje
normativos por Durkheim: “A causa determinante de em dia, esperamos, se está menos interessado na
um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais definição do reino de uma Ciência Social particular
que lhe precederam e não entre os estados da e mais interessado no desenvolvimento de modelos
consciência individual”, The Rules of Sociological de pesquisa que combinem as virtudes dos enfoques
Method. Glencoe, Free Press, 1950. Hoje em dia isto cultivados dentro de uma disciplina.
se chamaria de uma proposição ou teoria ‘estrutural’,

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uma certa condição social, definida por um conforme varie, tanto o contexto social
conjunto de variáveis de base, produz (na como a personalidade e, para fazê-lo, é
maioria dos casos) certa estrutura da necessário um projeto a x b, supondo que a
personalidade e esta estrutura da variável social tema níveis e a variável da
personalidade por sua vez, produz (na personalidade tenha b níveis. O gráfico
maioria dos casos) certos elementos conduz por si só, tanto a interpretação do
comportamentais. Por outro lado, no tipo III, como do tipo IV.
terceiro modelo das características de Para apreciar em que consiste a ideia
personalidade, não se consideram como do gráfico proposto, considerem-se alguns
degraus em escada, por assim dizer, senão típicos gráficos incompletos que se usam
como causas independentes, que dão tanto. Modelos do tipo I e II utilizariam
origem aos elementos comportamentais, somente as margens horizontais e verticais,
juntamente com a característica do contexto respectivamente, do gráfico. Não se pode ir
social. contra isto, ainda que as correlações serão
Suponha-se que se desenvolveram provavelmente mais baixas do que
índices muito poderosos de base social e de poderiam ser, devido a que em cada nível
personalidade, de tal maneira que ambas social haverá uma apreciável quantidade de
podem ser analisadas com sucesso por meio variação na personalidade que não se
de uma só variável (por exemplo, por meio considerou, e em cada nível da
de alguma medida da dimensão) ‘centro- personalidade haverá uma apreciável
periferia’ para contexto social e da quantidade de variação social que não se se
dimensão ‘mente abertamente fechada ‘para considerou. Contudo, se podem obter
a característica da personalidade. A seleção tendências gerais em termos de estrutura
de tais dimensões, partindo de outros pontos social ou de estrutura da personalidade. O
de vista, incorpora grande parte do que é realmente passível de objeção é
pensamento contemporâneo. O seguinte fundar a análise em modelos do tipo I ou II
seria um gráfico poderoso para o estudo dos e utilizar amostras somente de algumas das
elementos comportamentais tanto colunas ou filas no gráfico. Na investigação
manifestados (ações) como latentes sociológica isto significa pegar amostras
(atitudes). somente entre pessoas com certas
características da personalidade; na
Tabela 1.4.3. Gráfico para o estudo dos pesquisa psicológica, significaria pegar
elementos comportamentais amostras somente entre pessoas com certas
características de contexto social. O
Variável de base social
sociólogo salva mais frequentemente essa
123......o Total falácia devido à dificuldade de critérios de
Variáveis Personalidade

1
utilizar dados psicológicos como critérios
2
3 de amostragem, mas o psicólogo sentirá
. frequentemente a tentação de pegar as
. amostras mais facilmente acessíveis ou
. mais extraordinárias, selecionando em
b
excesso as categorias sociais centrais e
Total
periféricas, respectivamente. Este é um dos
pontos principais da importante crítica
O gráfico teria que estudar como
metodológica “A personalidade autoritária”
variam os elementos comportamentais
feita por Hyman e Sheatsley12. Tal como

12
Hyman, Herbert e Sheatsley, Paul B. “The Critique”, em Christie, Richard y Jahoda, Marie, ed.,
Authoritarian Personality: a Methodological Studies in the Scope and Method of “The

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eles dizem sobre “pegar uma amostra da amostragens durante a preparação do


população nacional heterogênea”. gráfico de estudo e à análise de
resultados...”. Parece-nos que o
“... tal população tem uma virtude, esquecimento deste assunto por parte
com frequência passada por alto, que dos autores significa uma
haveria melhorado a qualidade de metodologia superficial e, partindo do
análise e que suscita algumas dúvidas ponto de vista prático, tende a
sobre certas conclusões de “A perpetuar a implicação de que o nível
personalidade autoritária”. A razão é da organização dos sentimentos é uma
que uma amostra semelhante revela a espécie de universal, um processo
extensão e a localização social das intrapsíquico que tem escassa relação
atitudes. Sem este conhecimento, a com as condições do contorno”14.
interpretação é difícil e
frequentemente perigosa. Assim,
pode-se perfeitamente perceber em Demonstraremos, mais adiante, o
uma amostra nacional que uma atitude que o analista pode, em muitos casos, obter
específica é quase universal, e apesar quase qualquer correlação que deseje entre
disto, está mesma atitude estudada e as atitudes, distorcendo adequadamente sua
um pequeno grupo homogêneo pode amostra.
aparecer como desviada. Ao não se
Na mesma ideia de pegar uma
dispor das normas nacionais, seria
possível tentar explicar o último
amostra de uma categoria social específica,
achado em termos de algum processo por exemplo, os famosos estudantes que
da personalidade idiossincrático seguem um curso introdutório de
quando, na realidade, está muito psicologia, encontra-se um caso, muito
correlacionado com um fato social facilmente reconhecível, de pensamento do
principal. [...] mas o pesquisador, tipo ‘o caso puro’ ou do tipo ‘uma espécie
devido ao gráfico de sua amostra, não de universal’ como o expressam Hyman e
pode dizer se uma determinada atitude Sheatsley. Em seguida, os autores citam um
é normativa para a população em grande número de pesquisas que demostram
geral, pode ir buscar a explicação em que as correlações de atitude variam com
um lugar indevido”13. fatores tais como: a idade (as crianças
chegam a ser mais consistentes em suas
Pode-se contrariar o raciocínio
características morais conforme vão
apresentado aqui se a palavra ‘grupo’” na
crescendo) e a educação (uma investigação
frase: ‘pequeno grupo homogêneo’ se refere
que demonstra uma correlação crescente
a um grupo social e não a uma categoria
entre o preconceito e o autoritarismo com a
social, então, é estranho também o
educação). Obviamente, não são
desviado, inclusive se é comum em
admissíveis as generalizações de uma só
contextos sociais. No entanto, o argumento
categoria social a toda a sociedade; deste
genérico é importante e se estende, não só
ponto surge a importância do gráfico
às escalas e às porcentagens, mas também
completo.
às correlações, por exemplo, a organização
Em tal gráfico, não há nenhum
das atitudes:
implícito suposto, no sentido de que o
contexto social e a personalidade sejam
“[...] as pesquisas sobre a organização
dos sentimentos não podem permitir independentes; ao contrário, uma
ignorar as considerações relativas às investigação tradicional muito considerável
na Psicologia social demonstra que elas são
14
Autoritarian Personality”, Glencoe, III, The Free Ibidem, pág. 60.
Press, 1954, pp. 50-22.
13
Ibidem, pág. 67-68.

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dependentes. O que importa é tratar de obter possam conservar os modelos mais


dados que preencham todas as células, facilmente ou, inclusive, de forma mais
inclusive quando o projeto deve ser frutífera, definindo a busca da ocupação e
manejado de alguma das maneiras extremas da educação com um elemento
(modelos I e II). Se os dados são coletados comportamental. Em geral, os modelos
sobre ambas as variáveis básicas para todas refletem o estado atual de pensamento nas
as unidades, existe sempre a possibilidade ciências sociais, mas eles terão que ser
de controlar o efeito da segunda variável, de refinados nos capítulos seguintes, de
tal maneira que se possa ir em direção aos maneira que sirvam como guias para a
modelos III e IV. investigação.
A relação entre as variáveis podem Os modelos III e IV são
ser explorada de melhor maneira por meio interdisciplinares e exigem a colocação, em
de um modelo de investigação de um V comum, das habilidades do sociólogo e do
tipo: psicólogo, quando as unidades são
indivíduos. Portanto, são modelos para
Tabela 1.4.4 Um modelo para as relações equipes de investigação, a menos que se
entre os tipos de variáveis possa presumir que um mesmo investigador
Variáveis Variáveis de Elementos
possua conhecimentos adequados, ou que o
de base personalidade comport. sociólogo possa facilitar para o psicólogo, e
vice-versa, instrumentos suficientemente
V.O
modelo
bons, e que possam ser usados por
sócio- indivíduos não especializados.
psicológico Geralmente, se faz uma diferença
entre variáveis independentes e
dependentes. Em matemática, estes termos
Não incluímos este modelo entre os se usam, com frequência, para indicar certa
outros, visto que não toca diretamente nos assimetria na maneira como se apresenta
elementos comportamentais, e, obviamente, uma relação funcional, mas significa muito
terá que estar baseado em investigações pouco em termos de significação
realizadas de acordo com os modelos III ou matemática.
IV, já que devemos presumir que as Nas ciências empíricas os termos
variáveis de personalidade são latentes e somente podem ser utilizados se existe
que os elementos comportamentais são algum modelo, incluso do tipo mais
manifestações e que só podemos obter indefinido no que diz respeito às relações
dados manifestados. Este modelo deve entre as variáveis estudadas. Os modelos
resultar numa distribuição das podem tomar muitas formas; por exemplo,
características da personalidade ao longo os quatro modelos básicos na investigação
das categorias sociais e, portanto, deve sociológica mencionadas mais acima.
produzir um tipo de conhecimento que é Contudo, eles habitualmente têm em
indispensável nas investigações que são comum a ideia de ‘alguma coisa que, de
concluídas conforme o modelo IV. alguma maneira, produz alguma outra
Deve-se destacar que a direção das coisa’. Nesta ideia se veem, claramente, os
flechas nos cinco modelos não deve ser dois elementos que conduzem às
considerada mais do que uma simples regra concepções das variáveis dependentes e
de caráter prático. Assim, pode-se independentes. É possível dar três
considerar a personalidade como uma precisões sucessivas:
variável independente e variáveis de base,
tais como a ocupação e a educação como
variáveis dependentes mesmo que se

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1) Se o modelo é de algum dos vistas que os fatores da personalidade são


quatro tipos discutidos mais acima tão difíceis de modificar15.
(ou de qualquer outra espécie que Entretanto, não é um argumento
envolve tipos diferentes dos três tipos muito eficiente contra os modelos II e IV,
de variáveis) então a variável particularmente em uma cultura em que a
independente é a variável mais à ‘engenharia social’,” de alguma maneira, é
esquerda, com a dependente à direita. considerada mais praticável que a
2) Se o modelo é casual, então ‘engenharia humana’”16.
a variável casual é a variável Qualquer que seja a filosofia que se
independente e o efeito é a variável tenha sobre este ponto, a escolha do modelo
dependente. básico deve ser considerada
3) Se existe uma ordem no cuidadosamente antes de começar um
tempo, entre as variáveis, então a projeto, e deve-se examinar o propósito
variável precedente é a variável geral do estudo, antes de formular decisões
independente. irreversíveis sobrea escolha de variáveis
independentes.
Por último, temos que mencionar
um ponto relativo à eleição das variáveis na
Sociologia Aplicada. A Ciência Social
Aplicada deve dar uma base para tomar
resoluções a favor da mudança social
quando algo ‘anda mal’ e a favor da
estabilidade social quando algo ‘anda bem’,
mas as resoluções em si mesmas podem ser
formuladas por outras pessoas. A Ciência
Social Aplicada se diferencia do discurso
sociológico geral somente em uma coisa:
deve formular suas conclusões em termos
de variáveis que sejam manejáveis. Uma
relação de causa em que não existe
possibilidade de manejar a variável
independente por razões técnicas,
econômicas, éticas ou de outro tipo, é de
escasso valor para o prático. Nos fatos, este
é um argumento contra a pesquisa social
aplicada que se realiza de acordo com o
modelo I indicado anteriormente, haja

15
Este fato está estreitamente vinculado com a menos que se possam definir como ‘curas’. As
ideologia do nosso tempo, nos países industriais. descobertas que utilizam variáveis de personalidade
Não titubeamos quando se chega a mudar a pauta da como variáveis independentes ou são inúteis ou são
conduta de uma pessoa através da instalação deum úteis demais: o espaço entre ambos os extremos é
contexto social diferente, como quando essa pessoa muito estreito.
16
muda seu estilo de vida depois (ou antes) de uma Pode-se facilmente imaginar uma cultura
promoção. Entretanto, só parece aceitável a mudança dominada pelos ypgis de Koestler (como extremos
no comportamento produzido por uma mudança de opostos aos seus delegados) ou pelos ideacionais de
personalidade se esta mudança é lenta e não eficiente Sorokin (como extremos opostos a seus sensitivos),
demais, como o que se produz durante um processo em que as variáveis de personalidade sempre se
de educação e de socialização ou quando se utiliza a utilizariam como variáveis independentes. Um
psicoterapia. Os enfoques bioquímicos sobre a problema diferente é se essa cultura produziria
mudança de personalidade encontram resistências, a Ciência Social.

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