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Como citar este material: MOREIRA, Martha Cristina Nunes. Pessoa com doença rara: direitos e proteção
social. In: GRUPO SAITE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Capacitação e Informação em
Doenças Raras. Famílias raras e Mães atípicas: apoio após o diagnóstico. São Luís: Grupo SAITE; UFMA,
2022.
Pessoas com diagnóstico de doenças raras e suas famílias vão, durante seu percurso
de vida, enfrentar grandes desafios. O reconhecimento em uma existência pública como
sujeitos de fato e de direito é a principal luta de mães e pais que têm seus filhos e filhas
nascidos com diagnósticos de doenças raras.
Pensando nisso, você sabe quais são os desafios para essas famílias e os
principais caminhos para enfrentá-los?
Neste recurso você irá conhecer as lutas por direitos de afirmação da maternidade
como diferença e aprenderá sobre os direitos relativos ao reconhecimento da criança e
adolescente atípicos e da pessoa com deficiência no contexto das doenças raras.
Bons estudos!
objetivo
Com base neste material, você será capaz de reconhecer os direitos da pessoa com
deficiência no contexto das doenças raras.
1. LUTAS POR DIREITOS E AFIRMAÇÃO DA DIFERENÇA
O chamado paciente expert pode ser definido como a pessoa que, tendo um diagnóstico, muitas das vezes permanente, vai desenvolver habilidades para influenciar políticas, pressionar os poderes públicos e
debater com especialistas.as.
As lutas por direitos passam pela possibilidade de compreender o lugar que ocupamos
na sociedade e pela afirmação da maternidade e da paternidade de mães e pais que têm
filhos e filhas nascidos com diagnósticos de doenças raras.
Muitas vezes, nessas relações de cuidado, pais e mães reconhecem-se como experts
por conhecer, na intimidade do cuidado, os impasses e a urgência de produzir sentidos de
vida para diagnósticos difíceis, passando a dominar, gradativamente, o conhecimento
técnico e o conhecimento sobre esse conhecimento na situação específica do seu filho ou
filha.
O chamado paciente expert pode ser definido como a pessoa que, tendo um
diagnóstico, muitas das vezes permanente, vai desenvolver habilidades
para influenciar políticas, pressionar os poderes públicos e debater com
especialistas.
Na luta por direitos, que passa pela organização cívica ou civil, por meio das
associações e alianças entre associações, a definição de paciente expert está ligada à
busca de pares, pessoas que, como ele, de forma organizada em associações e
movimentos, sejam vistas como atores coletivos¹,²,³,⁴.
para saber mais Conheça mais sobre a importância das associações na luta por direitos
acessando os seguintes estudos sobre essas relações nos links:
Uma das questões dignas de reflexão diz respeito à possibilidade de ganhar visibilidade
e reconhecimento em uma existência pública, de modo a fazer com que essas pessoas
possam ser reconhecidas como sujeitos de fato e de direito. A perspectiva de uma
identidade que reúna os cerca de oito mil diagnósticos se coloca em pauta, daí a locução
Pessoas Raras.
Mesmo sabendo que essa identidade social pode dialogar com outras identidades
mais gerais e reconhecidas, como pessoas com deficiência e pessoas com condições
raras e complexas de saúde, há uma reivindicação afirmativa para o caráter “raro” da
pessoa.
Falar com ou sobre uma pessoa e suas experiências significa situá-la, de modo a
compreender em qual lugar se situam suas experiências. Dessa forma, é possível
entender e atribuir diferenças sobre as necessidades diferenciadas, os acessos
obstaculizados e o reconhecimento.
Quatro círculos de
fundo azul claro,
interligados no centro
por um círculo azul
escuro. Em cada um
deles, uma categoria.
Em sentido horário:
gênero; deficiências;
classe; cor, raça e
etnia. No círculo
central, a pergunta: “De
que lugar se situam as
experiências?”.
Desc
(lado esqu
Uma doença rara como um diagnóstico é uma parte da experiência das pessoas que o
vivem. Faz parte desses diagnósticos raros algumas características, como as descritas
abaixo:
Diagnóstico prolongado;
Passa a fazer parte da vida da pessoa com diagnóstico, bem como da sua família;
Requer rotinas de cuidados: monitoramento dos sintomas, aportes tecnológicos e
medicação;
Nesse sentido, quando recebem seus diagnósticos, as pessoas com doenças raras – e
quem delas cuidam – precisam reorganizar seu campo de experiências.
Essa consideração que intersecciona diversos marcadores – gênero, raça/cor, geração,
território, condição de saúde e seus tipos, deficiência e suas marcas – nos faz
compreender as lutas por direitos em um conjunto maior, mais englobante, em que a
condição de saúde é mais um elemento importante.
No interior dessa luta por direitos se encontra a criação de um novo vocabulário que
não use as palavras “normal” e “anormal”. Isso porque tais expressões são carregadas de
um significado que remete a um padrão, a uma norma, que funcionaria excluindo quem
não está dentro da “normalidade”. Esse “anormal” seria definido como algo “que sobra”,
que precisa “ser corrigido”, logo, que não é legítimo.
importante
As dimensões do ativismo, da militância por uma causa, alimentam o capital social, que
pode ser definido como um recurso que é gestado nas redes de relações sociais, intera-
ções entre pessoas que identificam nas suas interações elementos comuns, valores e
normas que promovem confiança. Reconhecendo que a confiança é um elemento funda-
mental para o cuidado em saúde, essa discussão merece ser iluminada.
As associações de familiares e pacientes com doenças raras, que costumam contar
com muita experiência e conhecimento construído pelas trajetórias percorridas, são
elementos agregadores, potencializadores, mediadores de confiança entre novos
membros que acabaram de receber um diagnóstico e as redes oficiais de cuidado que se
estruturam.
Muitas vezes o diagnóstico atribuído vai ser o primeiro em uma história familiar. Ou
seja, geralmente desconhecido nos grandes círculos sociais e nas histórias familiares
particulares, pode se tornar, a partir do encontro associativo, algo que ganha um
significado de um lugar no mundo.
Reconhecer que a doença não é uma escolha, mas um acontecimento na vida, surge
como recurso para construção de sentidos e construção de caminhos. Não escolher a
doença como destino nem como tragédia, mas reconhecer nela um aspecto da vida, é um
dos aprendizados que podem fomentar a busca de pares, incrementando as relações de
confiança.
Uma saída potente nesse campo de tantas incertezas é ir ao encontro de outros que
tenham suas vidas conformadas por esses diagnósticos, registrando organizações e lutas
comuns por direitos. Essa construção de laços identificatórios não é algo banal, pelo
contrário, deve ser investida e potencializada, promovida como saúde e apoio.
A associação entre o cuidado e o custo desse cuidado pode estar ligada não somente
à carga de cuidado – material, física e emocional - mas à falta de conhecimento e diálogo
que pode ser alcançado nas diversas interações sociais, incluindo os ambientes
familiares e de cuidado à saúde.
Você já parou para pensar que crianças diagnosticadas com doenças raras
se tornarão adolescentes e jovens e alcançarão a vida adulta?
Sobre isso, é importante intensificar o diálogo com vistas a capacitar famílias e
serviços de saúde, escolas, faculdades, os setores de trabalho e emprego, para
reconhecer que crianças com doenças raras serão adolescentes e jovens, e alcançarão a
idade adulta.
É importante lembrar que pessoas com doenças raras e suas famílias, durante seu
percurso de vida, vão enfrentar desafios quando diante de interações mistas .
As interações mistas são definidas como o momento em que pessoas que possuem
uma determinada identidade ligada às doenças que carregam marcas corporais, ou
deficiências, estarão com pessoas que nunca tiveram informações sobre elas e sobre
suas necessidades e direitos, e que podem, com base nesse desconhecimento, reagir
negativamente, discriminando-as, durante as interações.
Nas interações com pessoas que desconhecem as doenças raras – no caso dessas
interações mistas, fora dos ambientes das clínicas e hospitais especializados –, as
reações vão desde a curiosidade até o julgamento moral.
Você poderá conhecer essa situação vivida pela coreógrafa Deborah Colker em
detalhes acessando o texto:
• Epidermólise Bolhosa: criança de 3 anos é discriminada em voo.
E poderá também conhecer alguns desafios encontrados por famílias atípicas
acessando o vídeo:
• As Diversas – ao vivo.
Neste vídeo, gravado em 2 de julho de 2020, Andrea Werner, Lau Patron e Glaucia
Batista discutem alguns pontos sobre a realidade dessas famílias.
A fim de enfrentar situações como as vividas acima por Deborah Colker com seu neto
com uma doença rara, é preciso investir em estratégias de comunicação, na formação de
profissionais e na disseminação de conhecimento científico que permita que as
interações mistas não sejam produtoras de uma lógica capacitista.
É importante nunca perder de vista que precisamos seguir, perseguir e conviver com as
pessoas que vivem na proximidade e na intimidade as experiências com isso que elas
próprias nomeiam como sendo maternidades e paternidades atípicas. Essas pessoas têm
se reconhecido não só como atípicas, mas como diversas. E aí não está em jogo somente
a condição de saúde ou o nome do diagnóstico, mas os outros marcadores da diferença,
que as situam e localizam no mundo social.
2. O reconhecimento como um caminho para garantir direitos e proteção social na diferença
Desenho em
rosa forte,
azul e roxo.
Sentada em
uma poltrona,
meio do brincar.
Desenho em rosa
forte e roxo. Uma
mulher se abraça,
sorrindo.
Desenho em rosa forte, azul claro, verde e roxo. Dez pessoas com posturas descontraídas. Entre elas, um homem em cadeira de rodas, uma mulher de baixa estatura e um rapaz com uma bicicleta. Algumas pessoas
acenam. Acima das cabeças, ícones e símbolos, como a hashtag, coração, estrela cadente, sol e símbolo musical.
Note que ganha destaque o valor atribuído à pessoa humana, e nada que produz
discriminação. O valor de pessoa, na sua diferença, qual seja, é reafirmada e deve vir na
frente de tantos outros atributos que a pertencem. A pessoa humana tem valor de sujeito
e nunca de objeto.
Quando dizemos “pessoa”, é importante que seja definido a que tipo de pessoas está se
referindo: são mulheres, homens, crianças, adolescentes, jovens, idosos? Essa definição
apontará também necessidades diferenciadas, que precisam ser contempladas.
Na base deste curso estão as “pessoas com doenças raras” e, se abrimos o leque das
pessoas, encontraremos crianças e adolescentes com condições raras, e esses sujeitos
têm com eles ou não: mães e pais que se autodenominam atípicos, raros, que têm outros
pertencimentos ou reconhecimentos. E, aqui, vale perguntar se são brancos, negros ou
indígenas, se vivem em famílias monoparentais, se moram em periferias ou em grandes
centros urbanos. Anteriormente, vimos que tudo isso pode influenciar no acesso e na
acessibilidade, na inclusão e no reconhecimento.
Há planos legais robustos sobre direitos, e muitos desafios para interagir com o
reconhecimento dos mesmos, pois o maior desafio está em reconhecer uma cultura de
direitos. O plano da cultura é o plano das visões de mundo, dos valores, do que
acreditamos e “desacreditamos”.
Refletindo
Vamos pensar sobre isso? Para você, viver com uma doença rara e/ou uma
deficiência é uma tragédia pessoal, uma falta, algo a ser corrigido?
Se sua resposta for afirmativa, é preciso refletir sobre o quanto você está perdendo a
possibilidade de ver pessoas que fazem da convivência com suas condições um símbolo
da afirmação da diferença e da diversidade, com direito a ser sujeito de direitos, sem
discriminação.
A visão da tragédia pessoal carrega com ela a pena, a piedade e um olhar sobre essas
pessoas como objetos de um mal que nelas se instalou. Nossos preconceitos, muitas
vezes, estão fundamentados em desconhecimento e/ou valores e visões de mundo que
anseiam uma régua com medidas padrão, que igualem a todos, corrigindo o que escapa à
norma.
Desenho de uma mulher sentada em um pufe roxo. De cabeça baixa, com os pés sobre o
assento, ela abraça os joelhos flexionados. À frente dela, um gato branco apoia as patas
dianteiras no pufe. Ao fundo, uma parede rosa claro com janelas verde água. No chão,
um vaso com uma folhagem. Fonte: Pch.vector. Freepik.
Essa reflexão sobre “como enxergamos ou somos tocados” pela deficiência e pela
condição crônica, complexa e rara de saúde do outro é de suma importância para aquilo
que compõe as interações sociais. Essas interações envolvem não somente saber tudo
sobre leis, sobre “como seria correto agir”, mas, acima de tudo, envolve o que acreditamos,
que símbolos nos ligam a essas pessoas. Se os símbolos são da tragédia pessoal, da falta
e do corpo que falha a uma norma, vamos acionar sentimentos de pena, e até mesmo
buscar culpados por essa existência.
Isso teoricamente tem relação com um conceito importante: o de estigma.
O estigma é a marca, a diferença estampada como algo extraordinário, um atributo
próprio do sujeito. O estigma como uma marca que singulariza o corpo serve de base
para discriminações sociais, julgamentos e estereótipos sociais. É a partir da relação
com o que simbolizamos sobre estigmas e marcas que interpretamos os sentimentos
que o outro provoca em nós, e geramos significados e sentidos produtores de
reconhecimento e afirmação ou discriminação social, cujo produto são os
preconceitos .
Algumas doenças raras não têm expressões visíveis no corpo como deficiências
físicas, intelectuais, psicossociais, auditivas e visuais. Elas se expressam de forma quase
comum – pode ser uma tosse persistente, muita secreção, dificuldades para respirar –
que se confunde com outras condições de saúde mais presentes na população.
Por exemplo, mesmo que o diagnóstico de uma pessoa não tenha uma revelação
aparente, só de saber que aquela pessoa vive com essa condição, isso pode gerar
desconfianças e descréditos. Um desacreditado não deixa de ser alguém desacreditável
em interações em que não consigamos internalizar como positiva a relação com a
diferença, e, mais que isso, acreditar e defender a inclusão.
Essa discussão faz com que a deficiência seja reconhecida como um marcador da
diferença, ou seja, como uma característica que singulariza as pessoas, as situações de
vida, e que funciona no diálogo entre a experiência com o próprio corpo e a inserção na
sociedade.
Considerações Finais
Neste recurso você aprendeu que a luta por direitos de pessoas com diagnóstico de doenças
raras e suas famílias perpassa pela busca da visibilidade e do reconhecimento em uma existência
pública.
Ao longo deste material, foi possível reconhecer que a intimidade do cuidado nessas condições
pode gerar nas pessoas e famílias atípicas domínio gradativo do conhecimento técnico e
experiências capazes de subsidiarem movimentos associativos na luta por direitos, sendo estes
agregadores da confiança, fundamental no cuidado em saúde.
Por fim, é necessário evidenciar que o conhecimento sobre essa realidade pode melhorar o
apoio e o diálogo sobre a luta por direitos no contexto das doenças raras não só na rede de
cuidado, mas também na sociedade.
Até breve!
Bons estudos!
Referências
[1] BROOM, A. Virtually He@lthy: The Impact of Internet Use on Disease Experience and the
Doctor-Patient Relationship. Qualitative Health Research, pp. 325-345, 2005.
[2] TESHOME, E.; ZENEBE, M.; METAFERIA, H.; BIADGILIGN, S. Participation and
significance of self-help groups for social development: exploring the community capacity
in Ethiopia. SpringerPlus, v. 3, n. 1, p. 1-10, 2014.
[3] RABEHARISOA. V.; CALLON, M. L'implication des malades dans les activités de
recherche soutenues par l'Association française contre les myopathies. Sciences sociales
et santé. v. 16, n. 3, p. 41-65, 1998.
[5] RABEHARISOA, V.; CALLON, M.; FILIPE, A. M.; NUNES, J. A., PATERSON, F.; VERGNAUD,
F. The dynamics of causes and conditions: the rareness of diseases in French and
Portuguese patients ’ organizations ’ engagement in research (CSI Working Papers Series
Nº 026). Paris. 2012.
[7] RABEHARISOA, V., CALLON, M., FILIPE, A. M., NUNES, J. A., PATERSON, F., &
VERGNAUD, F. From ‘politics of numbers’ to ‘politics of singularisation’: Patients’ activism
and engagement in research on rare diseases in France and Portugal. BioSocieties, v. 9, n.
2, p. 194-217, 2014.
[11] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos,
1948. Disponível em:
< https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos >