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Pessoa com doença rara:

direitos e proteção social


Créditos
Coordenação do Projeto Validadores técnicos do MMFDH
Ana Emília Figueiredo Coordenação Geral das Pessoas com
Doenças Raras
Coordenação Geral da DTED/Grupo SAITE Camila Chrispim de Carvalho - Coordenadora
Ana Emília Figueiredo de Oliveira das Pessoas com Doenças Raras
Talita Arantes Cazassus Dall´Agnol -
Coordenadores de área do Grupo SAITE Coordenadora das Pessoas com Doenças
Amanda Rocha Araújo Raras
Paola Trindade Garcia Adriana Haas Villas Bôas - Coordenadora-
Elza Bernardes Monier Geral das Pessoas com Doenças Raras
Mário Antonio Meireles Teixeira
Departamento de Políticas Temáticas dos
Professora-autora Direitos da Pessoa com Deficiência
Martha Cristina Nunes Moreira Vânia Tie Koga Ferreira - Coordenadora do
Departamento de Políticas Temáticas dos
Validadora Pedagógica Direitos da Pessoa com Deficiência
Deysianne Costa das Chagas Rodrigo Abreu de Freitas Machado - Diretor
do Departamento de Políticas Temáticas
Consultoria de Acessibilidade dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Alice Schwartz
Elizabet Dias de Sá Departamento de Gestão e Relações
Letícia Schwartz Interinstitucionais
Gabriel Aquino Alvez Gomes Liliane Cristina Gonçalves Bernardes -
Rodrigo Sacco Teixeira Diretora do Departamento de Gestão e
Relações Interinstitucionais
Revisora Textual
Camila Cantanhede Vieira Validador Técnico da Universidade de
Brasília (UnB)
Designer Instrucional Chefe do Departamento de Saúde Coletiva
Kátia Danielle Araújo Lourenço Viana do Observatório de Doenças Raras, Núcleo
de Evidências em Saúde da Faculdade de
Designer Gráfico Ciências da Saúde da Universidade de
Agnes Milen Guerra Brasília
Natan Monsores de Sá

Como citar este material: MOREIRA, Martha Cristina Nunes. Pessoa com doença rara: direitos e proteção
social. In: GRUPO SAITE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Capacitação e Informação em
Doenças Raras. Famílias raras e Mães atípicas: apoio após o diagnóstico. São Luís: Grupo SAITE; UFMA,
2022.

© 2022. Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Grupo de Pesquisa em Saúde,


Inovação, Tecnologia e Educação -SAITE, vinculado à Universidade Federal do Maranhão. É
permitida a reprodução, a disseminação e a utilização desta obra, em parte ou em sua
totalidade, na forma da legislação ao mesmo tempo em que deve ser citada a fonte e é vedada
sua utilização comercial, sem a autorização experessa dos seus autores, conforme a Lei de
Direitos Autorais - LDA (Lei n0 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).
Apresentação
Olá, aluna(o)!

Pessoas com diagnóstico de doenças raras e suas famílias vão, durante seu percurso
de vida, enfrentar grandes desafios. O reconhecimento em uma existência pública como
sujeitos de fato e de direito é a principal luta de mães e pais que têm seus filhos e filhas
nascidos com diagnósticos de doenças raras.

Pensando nisso, você sabe quais são os desafios para essas famílias e os
principais caminhos para enfrentá-los?

Neste recurso você irá conhecer as lutas por direitos de afirmação da maternidade
como diferença e aprenderá sobre os direitos relativos ao reconhecimento da criança e
adolescente atípicos e da pessoa com deficiência no contexto das doenças raras.

Bons estudos!

objetivo

Com base neste material, você será capaz de reconhecer os direitos da pessoa com
deficiência no contexto das doenças raras.
1. LUTAS POR DIREITOS E AFIRMAÇÃO DA DIFERENÇA

O chamado paciente expert pode ser definido como a pessoa que, tendo um diagnóstico, muitas das vezes permanente, vai desenvolver habilidades para influenciar políticas, pressionar os poderes públicos e
debater com especialistas.as.

As lutas por direitos passam pela possibilidade de compreender o lugar que ocupamos
na sociedade e pela afirmação da maternidade e da paternidade de mães e pais que têm
filhos e filhas nascidos com diagnósticos de doenças raras.

Muitas vezes, nessas relações de cuidado, pais e mães reconhecem-se como experts
por conhecer, na intimidade do cuidado, os impasses e a urgência de produzir sentidos de
vida para diagnósticos difíceis, passando a dominar, gradativamente, o conhecimento
técnico e o conhecimento sobre esse conhecimento na situação específica do seu filho ou
filha.

O chamado paciente expert pode ser definido como a pessoa que, tendo um
diagnóstico, muitas das vezes permanente, vai desenvolver habilidades
para influenciar políticas, pressionar os poderes públicos e debater com
especialistas.

Na luta por direitos, que passa pela organização cívica ou civil, por meio das
associações e alianças entre associações, a definição de paciente expert está ligada à
busca de pares, pessoas que, como ele, de forma organizada em associações e
movimentos, sejam vistas como atores coletivos¹,²,³,⁴.
para saber mais Conheça mais sobre a importância das associações na luta por direitos
acessando os seguintes estudos sobre essas relações nos links:

• Participation and significance of selfhelp groups for social development:


exploring the community capacity in Ethiopia.
• L'implication des malades dans les activités de recherche soutenues par
l'Association française contre les myopathies.
• The involvement of patients’ associations in research.

Uma das questões dignas de reflexão diz respeito à possibilidade de ganhar visibilidade
e reconhecimento em uma existência pública, de modo a fazer com que essas pessoas
possam ser reconhecidas como sujeitos de fato e de direito. A perspectiva de uma
identidade que reúna os cerca de oito mil diagnósticos se coloca em pauta, daí a locução
Pessoas Raras.

Mesmo sabendo que essa identidade social pode dialogar com outras identidades
mais gerais e reconhecidas, como pessoas com deficiência e pessoas com condições
raras e complexas de saúde, há uma reivindicação afirmativa para o caráter “raro” da
pessoa.
Falar com ou sobre uma pessoa e suas experiências significa situá-la, de modo a
compreender em qual lugar se situam suas experiências. Dessa forma, é possível
entender e atribuir diferenças sobre as necessidades diferenciadas, os acessos
obstaculizados e o reconhecimento.

A imagem abaixo apresenta um esquema de como podemos situar essas experiências


em um cenário interseccional.

Quatro círculos de
fundo azul claro,
interligados no centro
por um círculo azul
escuro. Em cada um
deles, uma categoria.
Em sentido horário:
gênero; deficiências;
classe; cor, raça e
etnia. No círculo
central, a pergunta: “De
que lugar se situam as
experiências?”.

Desc

(lado esqu

Uma doença rara como um diagnóstico é uma parte da experiência das pessoas que o
vivem. Faz parte desses diagnósticos raros algumas características, como as descritas
abaixo:

Diagnóstico prolongado;

Passa a fazer parte da vida da pessoa com diagnóstico, bem como da sua família;
Requer rotinas de cuidados: monitoramento dos sintomas, aportes tecnológicos e
medicação;

Necessidade de tratamentos de reabilitação.

Nesse sentido, quando recebem seus diagnósticos, as pessoas com doenças raras – e
quem delas cuidam – precisam reorganizar seu campo de experiências.
Essa consideração que intersecciona diversos marcadores – gênero, raça/cor, geração,
território, condição de saúde e seus tipos, deficiência e suas marcas – nos faz
compreender as lutas por direitos em um conjunto maior, mais englobante, em que a
condição de saúde é mais um elemento importante.

As interações socialmente construídas têm como um dos seus efeitos os


movimentos associativos e do ativismo e luta por direitos5,6,7,8.

Fotografia colorida. Quatro pessoas


conversam sentadas em círculo, em
uma sala com paredes de tijolos
aparentes. Entre elas, uma mulher
de traços orientais e um homem
negro. Ela está em uma cadeira de
escritório e ele, em uma cadeira de
rodas. Ambos usam máscara
anticovid. Ao fundo, há uma
cafeteira e um bebedouro em frente
a uma janela.

No interior dessa luta por direitos se encontra a criação de um novo vocabulário que
não use as palavras “normal” e “anormal”. Isso porque tais expressões são carregadas de
um significado que remete a um padrão, a uma norma, que funcionaria excluindo quem
não está dentro da “normalidade”. Esse “anormal” seria definido como algo “que sobra”,
que precisa “ser corrigido”, logo, que não é legítimo.

importante

Ao se autonomearem como “famílias atípicas”, mães ou pais atípicos buscam uma


afirmação da identidade, que pode estar ligada aos diagnósticos de doenças raras, à
presença da deficiência ou ao qualificativo de neurodivergente. Essas expressões
críticas fazem parte de um ativismo por direitos cada vez mais presente nas redes
sociais, como Instagram® e Facebook®.

As dimensões do ativismo, da militância por uma causa, alimentam o capital social, que
pode ser definido como um recurso que é gestado nas redes de relações sociais, intera-
ções entre pessoas que identificam nas suas interações elementos comuns, valores e
normas que promovem confiança. Reconhecendo que a confiança é um elemento funda-
mental para o cuidado em saúde, essa discussão merece ser iluminada.
As associações de familiares e pacientes com doenças raras, que costumam contar
com muita experiência e conhecimento construído pelas trajetórias percorridas, são
elementos agregadores, potencializadores, mediadores de confiança entre novos
membros que acabaram de receber um diagnóstico e as redes oficiais de cuidado que se
estruturam.

Fotografia colorida de várias


pessoas com as mãos sobrepostas
umas às outras. Fonte: Jcomp.
Freepik.

Portanto, há um capital social – que agrega conhecimento, afeto, apoio, orientações e


ajuda – nas associações de familiares, gerado a partir das relações criadas entre seus
membros. Esse capital social é resultado de uma construção complexa que tem início
com a busca por cuidados. Faz parte desse percurso buscar outros cujas experiências
com o diagnóstico, “o nome estranho” que lhes é atribuído, seja algo agregador de sentido
e de identidade, para a redução do sentimento de solidão.

Muitas vezes o diagnóstico atribuído vai ser o primeiro em uma história familiar. Ou
seja, geralmente desconhecido nos grandes círculos sociais e nas histórias familiares
particulares, pode se tornar, a partir do encontro associativo, algo que ganha um
significado de um lugar no mundo.

Destacamos que no contexto dos debates sobre confiança e suas atribuições,


principalmente no que se refere a ter um diagnóstico desconhecido ou raro para muitos
em suas histórias pessoais e redes de sociabilidade, as peregrinações por cuidado
distribuem-se desigualmente, gerando uma fratura nas relações em que médicos e
profissionais de saúde também se veem envolvidos em rituais de investigação, com
dúvidas e muitas incertezas.

Nesse sentido, o circuito diagnóstico - tratamento - cura se abre para incerteza


diagnóstica, para uma condição rara, para a cronicidade da situação e para as
inseguranças e desconfianças.
E aqui cabe ressaltar que viver com uma doença rara pode significar viver com muitas
incertezas e vazios: sobre os diagnósticos e seus nomes, que muitas vezes se dão de
forma tardia, ou até nunca se fecham, ou ainda sobre projetos de vida e futuro.

Reconhecer que a doença não é uma escolha, mas um acontecimento na vida, surge
como recurso para construção de sentidos e construção de caminhos. Não escolher a
doença como destino nem como tragédia, mas reconhecer nela um aspecto da vida, é um
dos aprendizados que podem fomentar a busca de pares, incrementando as relações de
confiança.

Uma saída potente nesse campo de tantas incertezas é ir ao encontro de outros que
tenham suas vidas conformadas por esses diagnósticos, registrando organizações e lutas
comuns por direitos. Essa construção de laços identificatórios não é algo banal, pelo
contrário, deve ser investida e potencializada, promovida como saúde e apoio.

Desenho em azul claro, azul marinho,


verde e rosa forte. Seis pessoas estão
reunidas: uma jovem de chapéu; um
rapaz em cadeira de rodas; uma mulher
gorda; um homem alto e corpulento, de
cabeça pequena; uma mulher de óculos
escuros e bengala; e uma garota de
rabo de cavalo. Interagem
animadamente. Fonte: Pch.vector.
Freepik.

A associação entre o cuidado e o custo desse cuidado pode estar ligada não somente
à carga de cuidado – material, física e emocional - mas à falta de conhecimento e diálogo
que pode ser alcançado nas diversas interações sociais, incluindo os ambientes
familiares e de cuidado à saúde.

Você já parou para pensar que crianças diagnosticadas com doenças raras
se tornarão adolescentes e jovens e alcançarão a vida adulta?
Sobre isso, é importante intensificar o diálogo com vistas a capacitar famílias e
serviços de saúde, escolas, faculdades, os setores de trabalho e emprego, para
reconhecer que crianças com doenças raras serão adolescentes e jovens, e alcançarão a
idade adulta.

Desenho de um homem e uma


mulher sentados em lados
opostos de uma mesa. Ela está
em frente a um notebook aberto.
Olha em direção ao homem, que
gesticula. Fonte: Pch.vector.
Freepik.

Logo, para além de pediatras, é preciso pensar na saúde de adolescentes e jovens, na


saúde de mulheres e na saúde de homens, com atenção aos direitos sexuais e
reprodutivos, ao acesso a orientações e à contracepção, com o retorno aos geneticistas
de mãos dadas com outros profissionais para planejar projetos de família e suportes para
reprodução assistida, se assim desejarem.

É importante lembrar que pessoas com doenças raras e suas famílias, durante seu
percurso de vida, vão enfrentar desafios quando diante de interações mistas .

As interações mistas são definidas como o momento em que pessoas que possuem
uma determinada identidade ligada às doenças que carregam marcas corporais, ou
deficiências, estarão com pessoas que nunca tiveram informações sobre elas e sobre
suas necessidades e direitos, e que podem, com base nesse desconhecimento, reagir
negativamente, discriminando-as, durante as interações.

Nas interações com pessoas que desconhecem as doenças raras – no caso dessas
interações mistas, fora dos ambientes das clínicas e hospitais especializados –, as
reações vão desde a curiosidade até o julgamento moral.

Sobre as interações mistas de pessoas com diagnóstico de doenças raras, uma


situação vivida pela coreógrafa Deborah Colker com seu neto, que tem o diagnóstico de
uma doença rara chamada Epidermólise Bolhosa (EB), em um embarque aéreo, é o reflexo
de como o desconhecimento somado a uma avaliação visual sobre as informações que o
corpo revela pode gerar a discriminação social e a negação de direitos. No caso da EB, nas
interações mistas – de quem tem a doença e quem não tem e que nunca viu ou ouviu falar
–, os “machucados” na pele levam a interpretar como sendo uma doença contagiosa.
Para saber mais Você poderá conhecer essa situação vivida pela coreógrafa Deborah Colker
em detalhes acessando o texto:

Você poderá conhecer essa situação vivida pela coreógrafa Deborah Colker em
detalhes acessando o texto:
• Epidermólise Bolhosa: criança de 3 anos é discriminada em voo.
E poderá também conhecer alguns desafios encontrados por famílias atípicas
acessando o vídeo:
• As Diversas – ao vivo.
Neste vídeo, gravado em 2 de julho de 2020, Andrea Werner, Lau Patron e Glaucia
Batista discutem alguns pontos sobre a realidade dessas famílias.

A fim de enfrentar situações como as vividas acima por Deborah Colker com seu neto
com uma doença rara, é preciso investir em estratégias de comunicação, na formação de
profissionais e na disseminação de conhecimento científico que permita que as
interações mistas não sejam produtoras de uma lógica capacitista.

A lógica capacitista fundamenta as fronteiras entre o corpo “normal” e o corpo


“deficiente”10 , com base em ideais e padrões mais comuns. Julga quem pode ou não
pode existir com direitos plenos. O capacitismo opera como lógica discriminatória
produzindo discursos e práticas de exceção, justificando correções.

É importante nunca perder de vista que precisamos seguir, perseguir e conviver com as
pessoas que vivem na proximidade e na intimidade as experiências com isso que elas
próprias nomeiam como sendo maternidades e paternidades atípicas. Essas pessoas têm
se reconhecido não só como atípicas, mas como diversas. E aí não está em jogo somente
a condição de saúde ou o nome do diagnóstico, mas os outros marcadores da diferença,
que as situam e localizam no mundo social.
2. O reconhecimento como um caminho para garantir direitos e proteção social na diferença

Começamos com uma pergunta fundamental: o que entendemos por direitos? E


quem tem direito a ter direitos? Essas duas perguntas só podem ser
respondidas se compreendermos a discussão feita anteriormente sobre
reconhecimento.

Desenho em rosa forte, azul e roxo. Uma menina de cabelos


Vamos relembrar alguns pontos discutidos anteriormente
sobre reconhecimento?
esvoaçantes entrega uma flor a um homem em cadeira de
rodas. Atrás dele está uma mulher, que segura os puxadores
da cadeira.

O reconhecimento se constrói nas relações sociais, que


partem das mais próximas, até as mais distantes.

Desenho em
rosa forte,
azul e roxo.
Sentada em
uma poltrona,

Começa bem cedo, ainda na intimidade com a mãe, o pai, nas


uma mulher
nina um bebê.
Em um

redes familiares de cuidado precoce, tendo a confiança e a


pequeno
balão de fala
apontado para
a mulher há

segurança como base para explorar o diverso, o diferente, por um coração.


há um
coração.

meio do brincar.

Desenho em rosa
forte e roxo. Uma
mulher se abraça,
sorrindo.

É um alicerce que se assenta em uma estrutura que precisa


estabelecer uma autorrelação do sujeito consigo e com os
outros, baseada em: autoconfiança, autorrespeito e
autoestima.

Para ser desenvolvido, precisa de uma inclusão em grupos


sociais. Logo, quanto mais enclausurado e restrito, menos
esse reconhecimento será construído.

Desenho em rosa forte, azul claro, verde e roxo. Dez pessoas com posturas descontraídas. Entre elas, um homem em cadeira de rodas, uma mulher de baixa estatura e um rapaz com uma bicicleta. Algumas pessoas
acenam. Acima das cabeças, ícones e símbolos, como a hashtag, coração, estrela cadente, sol e símbolo musical.

O reconhecimento é a base para a valorização do direito a existir, a viver sua diversidade


e a ter acesso e proteção do Estado e de suas instituições.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seus artigos 6 e 7, afirma,
respectivamente: “Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa perante a lei” e “Todos são iguais perante a lei e têm direito,
sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação”.

Note que ganha destaque o valor atribuído à pessoa humana, e nada que produz
discriminação. O valor de pessoa, na sua diferença, qual seja, é reafirmada e deve vir na
frente de tantos outros atributos que a pertencem. A pessoa humana tem valor de sujeito
e nunca de objeto.

Quando dizemos “pessoa”, é importante que seja definido a que tipo de pessoas está se
referindo: são mulheres, homens, crianças, adolescentes, jovens, idosos? Essa definição
apontará também necessidades diferenciadas, que precisam ser contempladas.

Na base deste curso estão as “pessoas com doenças raras” e, se abrimos o leque das
pessoas, encontraremos crianças e adolescentes com condições raras, e esses sujeitos
têm com eles ou não: mães e pais que se autodenominam atípicos, raros, que têm outros
pertencimentos ou reconhecimentos. E, aqui, vale perguntar se são brancos, negros ou
indígenas, se vivem em famílias monoparentais, se moram em periferias ou em grandes
centros urbanos. Anteriormente, vimos que tudo isso pode influenciar no acesso e na
acessibilidade, na inclusão e no reconhecimento.

Há planos legais robustos sobre direitos, e muitos desafios para interagir com o
reconhecimento dos mesmos, pois o maior desafio está em reconhecer uma cultura de
direitos. O plano da cultura é o plano das visões de mundo, dos valores, do que
acreditamos e “desacreditamos”.
Refletindo

Vamos pensar sobre isso? Para você, viver com uma doença rara e/ou uma
deficiência é uma tragédia pessoal, uma falta, algo a ser corrigido?

Se sua resposta for afirmativa, é preciso refletir sobre o quanto você está perdendo a
possibilidade de ver pessoas que fazem da convivência com suas condições um símbolo
da afirmação da diferença e da diversidade, com direito a ser sujeito de direitos, sem
discriminação.
A visão da tragédia pessoal carrega com ela a pena, a piedade e um olhar sobre essas
pessoas como objetos de um mal que nelas se instalou. Nossos preconceitos, muitas
vezes, estão fundamentados em desconhecimento e/ou valores e visões de mundo que
anseiam uma régua com medidas padrão, que igualem a todos, corrigindo o que escapa à
norma.
Desenho de uma mulher sentada em um pufe roxo. De cabeça baixa, com os pés sobre o
assento, ela abraça os joelhos flexionados. À frente dela, um gato branco apoia as patas
dianteiras no pufe. Ao fundo, uma parede rosa claro com janelas verde água. No chão,
um vaso com uma folhagem. Fonte: Pch.vector. Freepik.

No plano legislativo brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, no


conjunto do nosso século de direitos, sinergicamente com a Constituição Cidadã, de 1988,
reafirma o lugar das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e todas as
garantias à proteção, incluindo as crianças e adolescentes com deficiência e aquelas e
aqueles com condições de saúde crônicas, complexas e raras11.

Capa do ECA (Estatuto da Criança


e do Adolescente), em azul claro.
Sobre uma nuvem branca estão as
três iniciais preenchidas: o E em
verde, o C em amarelo e o A em
rosa forte. A capa é ilustrada com
figuras diversas e multicoloridas,
como círculos, setas, linhas
onduladas e triângulos. Fonte:
Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente.

Essa reflexão sobre “como enxergamos ou somos tocados” pela deficiência e pela
condição crônica, complexa e rara de saúde do outro é de suma importância para aquilo
que compõe as interações sociais. Essas interações envolvem não somente saber tudo
sobre leis, sobre “como seria correto agir”, mas, acima de tudo, envolve o que acreditamos,
que símbolos nos ligam a essas pessoas. Se os símbolos são da tragédia pessoal, da falta
e do corpo que falha a uma norma, vamos acionar sentimentos de pena, e até mesmo
buscar culpados por essa existência.
Isso teoricamente tem relação com um conceito importante: o de estigma.
O estigma é a marca, a diferença estampada como algo extraordinário, um atributo
próprio do sujeito. O estigma como uma marca que singulariza o corpo serve de base
para discriminações sociais, julgamentos e estereótipos sociais. É a partir da relação
com o que simbolizamos sobre estigmas e marcas que interpretamos os sentimentos
que o outro provoca em nós, e geramos significados e sentidos produtores de
reconhecimento e afirmação ou discriminação social, cujo produto são os
preconceitos .

Sobre essa questão, convidamos você a fazer um exercício e se perguntar:


Quem sou eu? Onde estou e de onde sou? Com quem me relaciono?
Quem me reconhece? Como lido com a diferença?

Algumas doenças raras não têm expressões visíveis no corpo como deficiências
físicas, intelectuais, psicossociais, auditivas e visuais. Elas se expressam de forma quase
comum – pode ser uma tosse persistente, muita secreção, dificuldades para respirar –
que se confunde com outras condições de saúde mais presentes na população.

Essa expressão externa da condição de saúde, ligada às deficiências, dependências


tecnológicas e uso de equipamentos, vai acionar a discussão de Erving Goffman9 sobre
identidade. Uma identidade que nesses ambientes de interação social, mediados pelos
estigmas/marcas, fatores pessoais, vai gerar sujeitos desacreditados ou desacreditáveis.

Sujeito desacreditado Sujeito desacreditável

O sujeito desacreditado é O sujeito desacreditável é


aquele que, na interação social dos aquele cuja condição não se
outros com os seus estigmas, exterioriza ou se exteriorizada, ela
sofre uma relação discriminatória, o coloca sob suspeição, possível
de descrédito, desvalor. de ser desacreditável.

Por exemplo, mesmo que o diagnóstico de uma pessoa não tenha uma revelação
aparente, só de saber que aquela pessoa vive com essa condição, isso pode gerar
desconfianças e descréditos. Um desacreditado não deixa de ser alguém desacreditável
em interações em que não consigamos internalizar como positiva a relação com a
diferença, e, mais que isso, acreditar e defender a inclusão.

Essa discussão faz com que a deficiência seja reconhecida como um marcador da
diferença, ou seja, como uma característica que singulariza as pessoas, as situações de
vida, e que funciona no diálogo entre a experiência com o próprio corpo e a inserção na
sociedade.
Considerações Finais
Neste recurso você aprendeu que a luta por direitos de pessoas com diagnóstico de doenças
raras e suas famílias perpassa pela busca da visibilidade e do reconhecimento em uma existência
pública.

Ao longo deste material, foi possível reconhecer que a intimidade do cuidado nessas condições
pode gerar nas pessoas e famílias atípicas domínio gradativo do conhecimento técnico e
experiências capazes de subsidiarem movimentos associativos na luta por direitos, sendo estes
agregadores da confiança, fundamental no cuidado em saúde.

Por fim, é necessário evidenciar que o conhecimento sobre essa realidade pode melhorar o
apoio e o diálogo sobre a luta por direitos no contexto das doenças raras não só na rede de
cuidado, mas também na sociedade.

Até breve!

Bons estudos!
Referências
[1] BROOM, A. Virtually He@lthy: The Impact of Internet Use on Disease Experience and the
Doctor-Patient Relationship. Qualitative Health Research, pp. 325-345, 2005.

[2] TESHOME, E.; ZENEBE, M.; METAFERIA, H.; BIADGILIGN, S. Participation and
significance of self-help groups for social development: exploring the community capacity
in Ethiopia. SpringerPlus, v. 3, n. 1, p. 1-10, 2014.

[3] RABEHARISOA. V.; CALLON, M. L'implication des malades dans les activités de
recherche soutenues par l'Association française contre les myopathies. Sciences sociales
et santé. v. 16, n. 3, p. 41-65, 1998.

[4] RABEHARISOA V, CALLON M. The involvement of patients’ associations in research.


Published by Blackwell Publishers, USA. UNESCO 2002.

[5] RABEHARISOA, V.; CALLON, M.; FILIPE, A. M.; NUNES, J. A., PATERSON, F.; VERGNAUD,
F. The dynamics of causes and conditions: the rareness of diseases in French and
Portuguese patients ’ organizations ’ engagement in research (CSI Working Papers Series
Nº 026). Paris. 2012.

[6] RABEHARISOA, VOLOLONA; MOREIRA, TIAGO; AKRICH, Madeleine. Evidence-based


activism: Patients’ organisations, users’ and activist’s groups in knowledge society. CSI
Work Pap Ser, v. 33, 2013.

[7] RABEHARISOA, V., CALLON, M., FILIPE, A. M., NUNES, J. A., PATERSON, F., &
VERGNAUD, F. From ‘politics of numbers’ to ‘politics of singularisation’: Patients’ activism
and engagement in research on rare diseases in France and Portugal. BioSocieties, v. 9, n.
2, p. 194-217, 2014.

[8] MOREIRA, M. C. N. Dimensões do associativismo voluntário no cenário das relações


entre saúde, pobreza e doença. Ciênc. saúde coletiva, vol.15, no.3, p.917-924. 2010.

[9] GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.


Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.

[10] MELLO A.G. Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a


preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. Cien
Saude Coletiva, 21: 3265-3276, 2016.

[11] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos,
1948. Disponível em:
< https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos >

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