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1.

Introdução
1.1- Física da Matéria Condensada

Um dos sucessos iniciais da Mecânica Quântica foi a descrição da estrutura


atômica. Sendo a matéria feita de átomos, ingenuamente poderia se pensar que isto seria
suficiente para entender a estrutura da matéria. De fato, a matéria no estado gasoso pode
ser, com muito boa aproximação, descrita como uma coleção de átomos isolados, que
apenas interagem de maneira breve quando colidem. Mas o mesmo não ocorre quando a
matéria se encontra no estado líquido ou sólido, o que chamamos de matéria
condensada. Neste caso, os átomos estão muito mais próximos entre si e portanto
interagem de maneira muito mais significativa. Tão significativa que, em muitas
situações, estes átomos e seus elétrons passam a atuar de forma coletiva. Tratar um
sistema condensado como uma mera coleção de átomos é portanto insuficiente para
descrever toda a riqueza de novas propriedades que surgem quando átomos se unem para
formar sólidos ou líquidos1.

Figura 1.1 – Número de doutores formados nos EUA nos anos de 2010 e 2011, por área. Fonte: “Trends in
Physics PhDs”, P. J. Mulvey & S. Nicholson, AIP Statistics, Fev. 2014.

1
Esta noção está descrita de forma belíssima no artigo clássico de P. W. Anderson, "More Is Different",
Science 177, 393 (1972): "The ability to reduce everything to simple fundamental laws does not imply the
ability to start from those laws and reconstruct the universe."

1
Esta diversidade é a principal característica dos materiais condensados. A cada
dia, novos e inesperados fenômenos são descobertos, fazendo da Física da Matéria
Condensada (FMC) a maior área de toda a Física, tanto no Brasil quanto no exterior,
contando com cerca de 25% dos pesquisadores (Fig. 1.1). Novos materiais, com melhores
propriedades mecânicas, térmicas, elétricas, óticas ou magnéticas são pesquisados e
produzidos incessantemente, com benefícios quase imediatos para a sociedade.
Por outro lado, esta mesma diversidade é problemática do ponto de vista didático.
Torna-se impossível descrever, de maneira abrangente e em um curso introdutório, toda
esta interessante gama de propriedades que habitam as fronteiras da pesquisa em FMC.
Isto faz com que um curso deste tipo tenha uma função dupla: fornecer de forma concisa
a base necessária para que estudantes que venham futuramente a trabalhar na área possam
depois aprofundar sua formação e, simultaneamente, informar sobre os desenvolvimentos
recentes da pesquisa na área. Assim, naturalmente o curso se divide em duas partes
distintas: na primeira parte, de Fundamentos, os conceitos básicos relativos a sólidos
cristalinos2 serão introduzidos. Isto será feito em 6 capítulos, o que tomará
aproximadamente 2/3 do curso: Coesão Cristalina, Estruturas Cristalinas, Rede
Recíproca, Elétrons em Sólidos, Dinâmica de Elétrons em Sólidos, e Vibrações
Cristalinas. Na segunda parte, de Tópicos, será feita uma introdução às quatro maiores
áreas de pesquisa atual em FMC: Semicondutores, Magnetismo, Supercondutividade e
Nanotecnologia.
Esta apostila servirá para indicar de forma detalhada os trechos dos livros-texto
recomendados que serão abordados em sala de aula, bem como para sugerir leituras e
atividades adicionais. Em alguns casos, parte da matéria que não está adequadamente
descrita em nenhum dos livros será apresentada em maior detalhe aqui.

1.2 - As Grandes Descobertas

Podemos analisar a evolução histórica da FMC de maneira ilustrativa através de


suas grandes descobertas, em especial aquelas que mereceram o Prêmio Nobel de Física.
A Tabela 1.1 contém uma lista dos Prêmios Nobel em FMC. Note que o número de
Prêmios Nobel em FMC é bastante acentuado nos últimos anos: cerca de 40% dos
prêmios concedidos desde a década de 1980 foi para a FMC.
Tabela 1.1 – Prêmios Nobel em Física, na área de FMC.

1910 J. D. Van der Waals “for his work on the equation of state for gases and liquids”.
1913 H. Kamerlingh Onnes “for his investigations on the properties of matter at low temperatures which led,
inter alia to the production of liquid helium”.
1914 M. T. F. von Laue “for his discovery of the diffraction of x-rays by crystals”.
1915 W. H. Bragg e W. L. Bragg “for their services in the analysis of crystal structure by means of x-rays”.
1920 C. E. Guillaume “in recognition of the service he has rendered to precision measurements in physics
by his discovery of anomalies in nickel steel alloys”.
1928 O. W. Richardson “for his work on the thermionic phenomenon and especially for the discovery of the

2
O estudo da FMC se iniciou pelo tipo mais simples de matéria, o sólido cristalino, que será nosso objeto
de estudo na maior parte deste curso. Por este motivo, esta área da física se denominava anteriormente
Física do Estado Sólido.

2
law named after him”.
1930 C. V. Raman “for his work on the scattering of light and for the discovery of the effect named
after him”.
1937 C. J. Davisson e G. P. Thomson “for their experimental discovery of the diffraction of electrons by crystals”.
1946 P. W. Bridgman “for the invention of an apparatus to produce extremely high pressures, and for the
discoveries he made therewith in the field of high pressure physics”.
1952 F. Bloch and E. M. Purcell “for their development of new methods for nuclear magnetic precision
measurements and discoveries in connection therewith”.
1956 W. Shockley, J. Bardeen e J. H. “for their researches on semiconductors and their discovery of the transistor effect”.
Brattain
1961 R. L. Mössbauer “for his researches concerning the resonance absorption of gamma radiation and his
discovery in this connection of the effect which bears his name”.
1962 L. D. Landau “for his pioneering theories for condensed matter, especially liquid helium”.
1970 L. E. F Néel “for fundamental work and discoveries concerning antiferromagnetism and
ferrimagnetism which have led to important applications in solid state physics”.
1972 J. Bardeen, L. N. Cooper e J. R. “for their jointly developed theory of superconductivity, usually called the BCS-
Schrieffer theory”.
1973 L. Esaki e I. Giaever “for their experimental discoveries regarding tunneling phenomena in
semiconductors and superconductors, respectively”;
B. D. Josephson “for his theoretical predictions of the properties of a supercurrent through a tunnel
barrier, in particular those phenomena which are generally known as the Josephson
effects”.
1977 P. W. Anderson, N. F. Mott e J. “for their fundamental theoretical investigations of the electronic structure of
H. Van Vleck magnetic and disordered systems”.
1978 P. L. Kapitza “for his basic inventions and discoveries in the area of low-temperature physics”;
1981 K. M. B. Siegbahn “for his contribution to the development of high-resolution electron spectroscopy”.
1982 K. G. Wilson “for his theory for critical phenomena in connection with phase transitions”.
1985 K. Von Klitzing “for the discovery of the quantized Hall effect”.
1986 E. Ruska “for his fundamental work in electron optics, and for the design of the first electron
microscope”.
G. Binnig e H. Röhrer “for their design of the scanning tunneling microscope”.
1987 J. G. Bednorz e K. A. Müller “for their important breakthrough in the discovery of superconductivity in ceramic
materials”.
1991 P.-G. de Gennes “for discovering that methods developed for studying order phenomena in simple
systems can be generalized to more complex forms of matter, in particular to liquid
crystals and polymers”.
1994 B. N. Brockhouse “for pioneering contributions to the development of neutron scattering techniques
for studies of condensed matter, specifically for the development of neutron
spectroscopy”;
C. G. Shull “for pioneering contributions to the development of neutron scattering techniques
for studies of condensed matter, specifically for the development of the neutron
diffraction technique”.
1996 D. M. Lee, D. D. Osheroff e R. “for their discovery of superfluidity in helium-3”.
C. Richardson
1998 R. B. Laughlin, H. L. Störmer e “for their discovery of a new form of quantum fluid with fractionally charged
D. C. Tsui excitations.”
2000 Z. I. Alferov e H. Kroemer “for developing semiconductor heterostructures used in high-speed- and opto-
electronics”
J. S. Kilby “for his part in the invention of the integrated circuit”
2003 A. A. Abrikosov, V. L. “for pioneering contributions to the theory of superconductors and superfluids”
Ginzburg e A. J. Leggett
2007 A. Fert e P. Grünberg “for the discovery of Giant Magnetoresistance”
2010 A. Geim e K. Novoselov “for groundbreaking experiments regarding the two-dimensional material
graphene”
2014 I. Akasaki, H. Amano e S. “for the invention of efficient blue light-emitting diodes which has enabled bright

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Nakamura and energy-saving white light sources”
2016 David J. Thouless, F. Duncan “for theoretical discoveries of topological phase transitions and topological phases
M. Haldane e J. Michael of matter”
Kosterlitz

A lista começa com o prêmio concedido a Van der Waals em 1910 pela
descoberta da equação de estado de gases e líquidos em 1873. Esta prêmio ilustra bem as
origens da FMC na termodinâmica do séc. XIX. No mesmo trabalho, o autor propõe uma
forma de força intermolecular, a famosa “força de Van der Waals”. Esta e outras formas
de coesão cristalina serão estudadas no Capítulo 2. Muitos anos depois, em 1982, o
desenvolvimento de novas teorias de transições de fase novamente mereceu o Nobel,
desta vez concedido a Wilson.
Em 1913, Kamerlingh Onnes recebia o prêmio por seus trabalhos em física de
baixas temperaturas e pela obtenção de He líquido. Estes desenvolvimentos em
instrumentação permitiram a descoberta de propriedades extremamente inusitadas de
sólidos a temperaturas extremamente baixas, como a supercondutividade. A descoberta
acidental por Onnes de que o mercúrio tem resistividade elétrica nula a baixas
temperaturas só foi explicada teoricamente muitos anos depois por Bardeen, Cooper e
Schrieffer (BCS), que ganharam o prêmio Nobel em 1972. No ano seguinte, Giaver
(experimental) e Josephson (teórico) foram premiados por estudos de tunelamento através
de barreiras entre dois supercondutores ou um supercondutor e um metal. Mais
recentemente, em 1987, Bednorz e Müller ganharam o Nobel de Física pela descoberta de
uma nova classe de materiais supercondutores que apresentam este fenômeno a
temperaturas muito mais altas e cujo comportamento não pode ser explicado pela teoria
BCS, sendo até hoje em dia objeto de intensa pesquisa tanto teórica como experimental.
Em 2003, Abrikosov e Ginzburg ganharam o Nobel por suas contribuições para a teoria
dos supercondutores. Uma introdução ao comportamento fascinante dos supercondutores
será estudada no Capítulo 10.
Não menos fascinante é o comportamento do He líquido quando resfriado a
temperaturas baixíssimas (menores que 2,17 K). Quando isto ocorre, o He líquido
apresenta características extremamente exóticas: entre outras coisas pode fluir com
viscosidade zero! Este propriedade da matéria é conhecida como superfluidez, e tem
estreita similaridade com a supercondutividade em metais. Por seus estudos em
superfluidez nos anos 30, Kapitza foi agraciado com o Prêmio Nobel muitos anos depois,
em 1978. Landau recebeu o prêmio em 1962, entre outras coisas por sua descrição teórica
do fenômeno. Na década de 70, Lee, Osheroff e Richardson (Nobel de 1996) descobriram
que a superfluidez também ocorre no isótopo menos comum do hélio, He3, porém a
temperaturas de 0,002 K! Esta grande diferença de temperaturas é basicamente um efeito
da estatística quântica: átomos de He4 são bósons, enquanto os de He3 são férmions. Em
2003, mais um Prêmio Nobel para desenvolvimentos teóricos para explicar a superfluidez
foi dado a A. J. Leggett.
Por dois anos seguidos, 1914 e 1915, o prêmio foi concedido a pesquisadores por
seus trabalhos em difração de raios-X por cristais. Esta técnica é extremamente
importante e até hoje é muito utilizada no estudo da estrutura cristalina, ou seja, de
como os átomos se arranjam geometricamente em um sólido. Isto será nosso objeto de
estudo no Capítulo 3. Também elétrons e nêutrons são difratados por cristais, descobertas
que valeram o Nobel a Davisson e Thomson em 1937 e a Shull em 1994,

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respectivamente. A explicação do fenômeno de difração e de outras manifestações devido
à natureza periódica do arranjo dos átomos em um sólido é bastante facilitada pelo uso do
conceito de rede recíproca, que será introduzido no Capítulo 4.
Em 1930, Raman recebeu o Nobel pela descoberta do efeito que leva seu nome e
consiste no espalhamento inelástico de luz por moléculas ou sólidos, nos quais “quanta”
de energia associados a vibrações cristalinas, chamados fônons, são absorvidos ou
emitidos. Fônons podem também ser estudados por espectroscopia de nêutrons, que
valeu a Brockhouse o Nobel em 1994. Estudaremos vibrações cristalinas no Capítulo 7.
Em 1952, Felix Bloch dividiu o prêmio com E. M. Purcell por sua descoberta da
ressonância magnética nuclear (NMR) em sólidos. No entanto, a contribuição de Bloch
para a FMC é muito mais extensa. Talvez sua contribuição mais conhecida esteja
associada ao chamado “Teorema de Bloch”, fundamental na descrição dos estados
eletrônicos em cristais. Elétrons em sólidos se comportam de maneira única, e a
descrição deste comportamento será objeto de extenso estudo no Capítulo 5. Anderson e
Mott receberam o Nobel de Física em 1977 por seus estudos das propriedades dos estados
eletrônicos em certos tipos de sólidos.
O Capítulo 6 é dedicado à dinâmica de elétrons em sólidos, ou seja, o estudo da
resposta eletrônica à aplicação de campos elétricos e/ou magnéticos externos. A
temperaturas baixas e altos campos magnéticos, efeitos quânticos são fundamentais e a
dinâmica dos elétrons pode diferir bastante de uma dinâmica semi-clássica. Landau
também foi citado por suas descobertas do comportamento de elétrons nestas situações
extremas quando da entrega de seu Prêmio Nobel em 1962.
Em 1956, Shockley, Bardeen (o mesmo da Teoria BCS) e Brattain foram
agraciados pela descoberta do transistor, que transformou por completo a tecnologia de
equipamentos elétricos (rádios, TV’s, computadores, etc.). Esta descoberta marca o início
da revolução tecnológica (ainda em andamento!) causada pelos materiais
semicondutores, que serão estudados no Capítulo 8. A relação estreita entre pesquisa
básica e pesquisa aplicada é uma das características desta área, também exemplificada no
Prêmio Nobel de 1973, dado a Esaki tanto pela demonstração do efeito túnel em
semicondutores como pela fabricação de um dispositivo eletrônico que funciona a partir
deste efeito, o diodo-túnel. Em 2000, mais uma vez a Academia Real de Ciências da
Suécia concedeu o Prêmio Nobel para desenvolvimentos em semicondutores que
possibilitaram grandes avanços tecnológicos, principalmente na tecnologia de
informação: Alferov e Kroemer ganharam metade do Prêmio pela invenção de
componentes eletrônicos e opto-eletrônicos baseados em heteroestruturas semicondutoras
e Kolby recebeu a outra metade pela invenção do circuito integrado (chip). Mais
recentemente ainda, em 2014, o Prêmio Nobel de Física foi novamente concedido para a
área de física aplicada de semicondutores, mais especificamente pelo desenvolvimento de
LEDs (diodos emissores de luz) que emitem na cor azul, por Akasaki, Amano e
Nakamura.
Hoje em dia, materiais semicondutores são produzidos com um controle de pureza
e perfeição estrutural tão grande que permite que fenômenos inteiramente novos sejam
descobertos. Por exemplo, elétrons podem ser confinados em duas dimensões, o que
altera drasticamente suas propriedades dinâmicas. A baixas temperaturas e altos campos
magnéticos, isto se manifesta, por exemplo, no “efeito Hall quântico inteiro”, que deu a
Von Klitzing o Prêmio Nobel em 1985. A descoberta por Störmer e Tsui de um efeito
similar (mas com origem física distinta!), o efeito Hall quântico “fracionário”, e sua

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posterior explicação teórica por Laughlin, valeu a estes pesquisadores o Nobel de 1998.
O efeito Hall quântico pode ser entendido a partir de propriedades topológicas da matéria,
e contribuições nesta área foram reconhecidas no Prêmio Nobel de Física de 2016 para
Kosterlitz, Thouless e Haldane.
Néel (1970) e Van Vleck (1977) receberam o Nobel por seus estudos de certas
propriedades magnéticas dos materiais. O estudo da resposta de sólidos a campos
magnéticos externos, ou mesmo o magnetismo espontâneo de diversos materiais é
também uma área muito rica de pesquisa atual e com imensas possibilidades de
aplicação. Estudaremos estes fenômenos no Capítulo 9.
Os desenvolvimentos mais recentes da Física da Matéria Condensada estão
caminhando na direção de explorar as propriedades de sistemas com dimensões cada vez
mais reduzidas, na escala nanométrica. Esta é a interface da FMC com a nanotecnologia,
da qual falaremos no Capítulo 11. Os desenvolvimentos em microscopia de tunelamento,
que deram o Prêmio Nobel para para Binnig e Röhrer em 1986, podem ser vistos hoje em
dia como um dos desenvolvimentos iniciais e mais importantes da nanotecnologia. Em
2007, Fert e Grünberg receberam o Prêmio Nobel pela descoberta da magnetoresistência
gigante, um fenômeno que utiliza as propriedades magnéticas de nanoestruturas para o
uso em armazenamento magnético de informação em discos rígidos de computadores, por
exemplo. Em 2010, a descoberta e a pesquisa em grafeno, uma folha bidimensional de
átomos de carbono, rendeu a Geim e Novoselov o Prêmio Nobel mais recente para a
nanotecnologia, uma área que continua em franco desenvolvimento nos dias de hoje.

1.3– A Física da Matéria Condensada no Mundo

A Física da Matéria Condensada consiste no maior ramo da Física, tanto em


número de pesquisadores como produção científica. Esta condição se acentuou
principalmente nas últimas décadas. Um indicativo deste crescimento pode ser obtido
analisando-se a evolução no tempo da quantidade de artigos publicados em um dos mais
importantes periódicos de física, o Physical Review. Antes englobando todas as áreas da
física, a partir de 1970 o Physical Review se subdividiu em A, B, C, D e E (este último a
partir de 1993), de acordo com áreas temáticas. Na Figura 1.2, mostra-se a evolução do
número de artigos em cada uma destas revistas em função do tempo. Note o crescimento
acentuado de artigos publicados no Physical Review B (Solid State até 1978, depois
Condensed Matter) nas últimas décadas, indicando um grande aumento da comunidade
de cientistas na área.
Este gigantismo da FMC deve-se a uma gama de fatores, mas poderíamos citar
três como os mais preponderantes: primeiro, como discutido antes, a imensa variedade de
fenômenos, materiais e métodos da FMC; segundo, por ser uma área onde física básica e
física aplicada convivem intimamente, a FMC recebe, no mundo todo, uma grande fração
dos investimentos em ciência, tanto governamentais como também de empresas; terceiro,
grande parte dos métodos experimentais em FMC são relativamente baratos, e portanto
acessíveis a um grande número de pesquisadores no mundo todo.

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Figura 1.2 – Número de artigos publicados por período de 5 anos em PRA (Atomic, Molecular and Optical
Physics), PRB (Condensed Matter and Materials Physics), PRC (Nuclear Physics), PRD (Particles, Fields,
Gravitation and Cosmology) e PRE (Statistical, Nonlinear and Soft Matter Physics).

A Fig. 1.3 mostra composição da pesquisa em FMC em suas sub-áreas, a partir


dos artigos publicados nas diversas sub-áreas nos últimos volumes do Phys. Rev. B de
1997, 2011 e 2018. Em 1997, destacam-se as três áreas que serão estudadas na segunda
parte do curso: semicondutores, magnetismo e supercondutividade. Já em 2011, nota-se
claramente o crescimento da importância da nanotecnologia na FMC, e em 2018 o
aumento de trabalhos direcionados ao entendimento da estrutura eletrônica dos materiais,
principalmente alavancados pelo surgimento da área de sistemas topológicos.
Todos os anos, a comunidade internacional de FMC se reúne em diversos
encontros científicos e workshops. O maior deles é o organizado pela American Physical
Society no mês de março (por isso conhecido como APS March Meeting), quando
milhares de cientistas se reúnem para compartilhar os novos desenvolvimentos da área.
Trata-se do maior encontro científico anual de toda a Física.

Figura 1.3 - Distribuição percentual entre as diversas sub-áreas da FMC de artigos publicados nos últimos
volumes do Phys. Rev. B de 1997 (acima) e 2011 (abaixo). Sem II: Surfaces, Interfaces, Microstructures
and Related Topics of Semiconductors; Mag: Magnetism; Sup: Superfluidity and Superconductivity;
Sur/Nano: Surface Physics, Nanoscale Physics, Low-Dimensional Systems and Related Topics; Ele:
Electronic structure: Wide Band, Narrow Band, and Strongly Correlated Systems; SemI: Bulk; Str:

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Structure, Structural Phase Transitions, Mechanical Properties, Defects, etc.; Dyn: Dynamics, Dynamical
Systems, Lattice Effects, Quantum Solids; Dis: Inhomogeneous, Disordered and Partially Ordered Systems.

1.3– A Física da Matéria Condensada no Brasil


A FMC iniciou-se no Brasil em 1933, com a chegada do físico alemão Benhard
Gross. Teve um começo lento: em 1960 havia menos de meia dúzia de físicos do estado
sólido no país. A partir os anos 70, no entanto, iniciou-se um crescimento vigoroso que
perdura até os dias de hoje. Atualmente, a FMC ocupa uma posição de destaque no
Brasil, como evidenciado pela Tabela 1.2, que mostra as áreas de atuação dos associados
da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Para coordenar as ações da SBF na área de
FMC, foi criada em 2010 a Comissão de Área de Física da Matéria Condensada e
Materiais.
Em 2019, cerca de 50% dos pesquisadores em FMC no Brasil atuavam de forma
experimental, 40% teórica e 10% ambas. A predominância de experimentais indica um
razoável grau de desenvolvimento, porém a uma razão ainda menor que nos países
desenvolvidos. Em relação à distribuição geográfica pelas regiões do Brasil, 50%
estavam no SE, 27% no NE, 11% no S, 8% no CO e 4% no N. As principais sub-áreas de
atuação dos físicos de Matéria Condensada no Brasil estão indicadas na Fig. 1.4.

Tabela 1.2– Número de associados em cada uma das áreas da SBF. Fonte: SBF.

Área Número de Porcentagem


Associados
Física Atômica e Molecular 618 7,3%
Física Biológica 489 5,8%
Física da Matéria Condensada e de Materiais 2184 25,7%
Física de Partículas e Campos 954 11,2%
Física de Plasmas 191 2,2%
Física Estatística e Computacional 978 11,5%
Física Matemática 160 1,9%
Física Médica 414 4,9%
Física na Empresa 73 0,9%
Física Nuclear e Aplicações 567 6,7%
Ótica e Fotônica 629 7,4%
Pesquisa em Ensino de Física 1240 14,6%

O número de publicações brasileiras em periódicos internacionais de FMC


cresceu bastante nos últimos anos, como indica a Fig. 1.5 (dados do Phys. Rev. B),
indicando um crescimento bruto da comunidade de FMC no Brasil. Nota-se uma

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estabilização desses números na última década. Além deste aumento absoluto, há
também, mais lentamente, um aumento relativo aos demais países (Fig. 1.6), indicando
um aumento da importância da FMC brasileira no contexto internacional. Nota-se que
houve nos anos 1990 uma mudança importante de um patamar em torno de 1,5% (com
flutuações) até um patamar em torno de 2,5%, em torno do qual este indicador estacionou
há cerca de 20 anos. Em 2018 o país ocupava a 17a posição entre os que mais publicaram
no Physical Review B, como mostra a Tabela 1.3. Comparativamente, este resultado é
inferior à posição brasileira entre as nações em termos de PIB, por exemplo. Uma das
deficiências em relação aos países desenvolvidos é que o investimento das empresas
privadas em ciência ainda é reduzido no Brasil.

Tabela 1.3 – Número de artigos publicados por país no Physical Review B em 2018. Fonte: Institute for
Scientific Information.
1. EUA 1718 10. Índia 241 19. Áustria 90
2. Alemanha 1155 11. Canadá 232 20. Austrália 88
3. China 845 12. Espanha 231 21. Bélgica 82
4. Japão 662 13. Suécia 171 22. Dinamarca 73
5. França 544 14. Coréia do Sul 170 Rep.Tcheca 51
6. Inglaterra 397 15. Polônia 142 Ucrânia 65
7. Rússia 392 16. Holanda 134 Hungria 37
8. Suíça 280 17. Brasil 132 Argentina 44
9. Itália 248 18. Israel 109 México 24

A FMC brasileira também realiza um encontro anual, patrocinado pela Sociedade


Brasileira de Física, com a presença de centenas de pesquisadores. Até o ano de 2016,
chama-se Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada. A partir de 2017, passou
a chamar-se Encontro de Outono da SBF (EOSBF), e reúne também outras áreas (como
Ótica, Física Médica, Física Biológica e Física Atômica e Molecular).

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Figura 1.5 – Número de artigos por ano com pelo menos um endereço brasileiro no Physical Review B.
Fonte: Institute for Scientific Information.

Figura 1.6 – Participação percentual dos artigos brasileiros no Physical Review B. Fonte: Institute for
Scientific Information.

Referências:
- Uma boa referência aos trabalhos que mereceram o Prêmio Nobel de
Física está contida nos diversos volumes da série Nobel Lectures, Physics,
1901-1970, (Elsevier, Amsterdam).
- Physical Review B.
- Sobre a história da física no Brasil, e sua situação em 1987, leia A Física
no Brasil, Sociedade Brasileira de Física, 1987.
- "Física 2011 - Estado da Arte, Desafios e Perspectivas para os Próximos
Cinco Anos", Sociedade Brasileira de Física, 2011. Disponível online:

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http://www.sbfisica.org.br/v1/arquivos_diversos/publicacoes/fisica-
2011.pdf
- P. W. Anderson, "More Is Different", Science 177, 393 (1972).
- "Condensed Matter Physics: The Goldilocks of Science", Physics
Colloquium, U. C. Berkeley, 11/03/2013 (disponível em
www.physics.berkeley.edu).

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