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Barbara Weedwood

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TRADUÇÃO
Marcos Bagno
NA PONTA DA LÍNGUA ,.

1. Estran1-;eirismos - guerras em torno da língua i 1

Carlos Alberto Faraco [org.]


2. Língua materna - letramento, variação e ensino
Marcos Bagno, Michael Stubbs & Gilles Gagné
3. História concisa da lingüística
Barbara Weedwood
W394h

Weedwood, Barbara
História concisa da lingüística / Barbara Weedwood;
[trad.] Marcos Bagno. -- São Paulo: Parábola Editorial,
2002.
J68pp.; 12x18cm - (Na ponta da língua; 3) SUMÁRIO
ISBN: 85-88456-03-6
Tradução de: A concise story of linguistics
1. Lingüística - História. l. Bagno, Marcos. II. Título. NOTA DOS EDITORES ............................ . 7
Ill. Série.
CDD: 410
INTRODUÇÃO ........................................... . 9
1. A LINGÜÍSTICA E SUA HISTÓRIA...... 17
TÍTULO DO MANUSCRITO EM INGLÊS: 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900. 21
A CONCJSE STORY OF LINGUJSTICS 2.1 Grécia: a linguagem como ferramenta para
© BY BARBARA WEEDWOOD, 1995 entender a realidade ................................ 23
2.2.1 A teoria da littera ................................ 43
2.2.2 Etimolo/}ia ............................................. 46
DIREITOS RESERVADOS À
2.3.1 Experimentação: [Jramáticas
PARÁBOLA EDITORIAL vernáculas medievais.......................... 60
RUA BERNARDINO DE AGUIAR, 194 2.4 O Renascimento e além: universal e
04181-060 SÃO PAULO, SP ·particular.................................................. 66
FONE: [ 11] 6969-8853 2.5 A descoberta do particular ...................... 69
FAX: [ 11] 6946-4985 2.5.1 A.forma na língua: a cmei;qência
home page: www.parabolaeditorial.hpg.com.br da jànética e da morfàlogia ............... 79
e-mail: parabolaed@uol.com.br 2.5.2 Primeiros passos m.mo à lin[JÜ.Ística
histórica: a hipótese indo-cita e a ascensão
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. NENHUMA PARTE DESTA OBRA PODE SER ' da filologia comparativa..................... 84
REPRODUZIDA OU TRANSMITIDA POR QUi\LQUER FORMA E/OU QUAISQUER
MEIOS (ELETRÔNICO, OU MECÂNICO, INCLUINDO FOTOCÓPIA E GRAVAÇÃO) OU
2.6 A abordagem universal a partir do
ARQUIVADA EM QUALQUER SISTEMA OU BANCO DE DADOS SEM PERMISSÃO Renascimento........................................... 95
POR ESCRITO DA PARÁBOLA EDITORIAL LTDA.
3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX ....... 103
ISBN: 85-88456-03-6 3.1 Desenvolvimento do método
©PARÁBOLA EDITORIAL. SÃO PAULO, BRASIL 2002 comparativo...................................................... 104
3.2 O papel da analogia ............................ 106
3.3 A contribuição de Hurnboldt .............. 107
3.4 A lingüística histórica (ou diacrônica) ..... 109
3.4.1 Mudançafonética ....................... 109
3.4.2 Mudança sintática ..................... ·113
3.4.3 Mudança semântica ................... 114 NOTA DOS EDITORES
3.5 O método comparativo ............................. 115
3.5.1 A lei de Grimm ............................ 116
3.5.2 Etapas no método comparativo 119
3.5.3 Críticas ao método comparativo 121 A lingüística, tal como hoje conhecida, flores-
3.5.4 Reconstrução interna ................. 123 ceu a partir de 1950, sob influência da visão estru-
tural defendida por Ferdinand de Saussure.
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX ........ 125
Mas para transmitir noções bem fundadas do
4.1 O estruturalismo ...................................... 126
4.1.1 A lingüística estrutural rza que seja a lingüística, é preciso refazer um percurso
Europa ........................................ 126 mais longo e completo, desde os gramáticos gregos
4.1.2 A lingüística estrutural nos e romanos até Bakthin. Esse é o trajeto aqui ofere-
Estados Unidos ........................... 129 cido, para que os leitores possam fazer idéia exata
4.2 A gramática gerativo-transformacional.... 132 do motivo pelo qual a lingüística vem causando pro-
4.3 Reação às idéias de Chomsky .................. 135 fundo efeito sobre muitas disciplinas, especialmen-
4.5 A Escola de Praga e o funcionalismo...... 137 te sobre a antropologia, a psicologia e a teoria literá-
4.6 A guinada pragmática .............................. 143 ria, e desenvolvendo interfaces com outras ciências
4. 7 Bakhtin e as três concepções de língua ...... .. 148 sociais, tais quais história, sociologia, bem como com
GUIA DE LEITURA ...................................... 157 a filosofia e a psicanálise.
.Por outro lado, a crescente produção lingüísti-
ÍNDICE DE AUTORES E DE OllB.AS ca e sua fecunda influência sobre o ensino de lín-
FUNDAMENTAIS .................................... 163 gua no Brasil não podem ser subestimadas, assim
como não se podem ignorar os desafios que se apre-
sentam a pesquisadores e professores que encaram
a língua(gem) como atividade psicossocial, cuja nota
dominante e inerente é a transformação.
Para fornecer apoio teórico a esses pesquisa-
dores e professores é que integramos à nossa cole-
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7
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

ção "Na ponta da língua" esta História concisa da


lingüística. Nesta obra de síntese, que não abdica
da profundidade de abordagem, Barbara Weedwood
lança um olhar à história da conformação da ciên-
cia lingüística. Motivação de seu escrito é pôr à dis- INTRODUÇÃO
posição dos leitores um relato em nada anódino,
capaz de fazê-los mergulhar no dinamismo da
língua(gern) corno quem imerge em si mesmo, para A lingüística é o estudo científico da
daí se afirmar em seus atos individuais de fala corno língua(gem) 1 • A palavra lingüística começou a ser
feitores da mudança histórica. usada em meados do século XIX para enfatizar a
diferença entre uma abordagem mais inovadora do
estudo da língua, que estava se desenvolvendo na
época, e a abordagem mais tradicional da filologia.
Hoje em dia, é comum fazer uma distinção bem ní-
tida entre a lingüística como ciência autônoma, do-
tada de princípios teóricos e de metodologias
investigativas consistentes, e a Gramática Tradicio-
nal, expressão que engloba um espectro de atitudes
e métodos encontrados no período do estudo gra-
matical anterior ao advento da ciência lingüística.
A "tradição", no caso, tem mais de 2.000 anos de
idade, e inclui o trabalho dos gramáticos gregos e
romanos da Antigüidade clássica, os autores do
Renascimento e os gramáticos prescritivistas do sé-

1. Como o inglês só dispõe da palavra languagr para se refe-


rir tanto à linguagem (capacidade humana de se comunicar por
meio da fala e da escrita) quanto à língua (sistema lingüístico par-
ticular, idioma), traduziremos o termo inglês ora por "língua", ora
por "linguagem" e, eventualmente, por "língua(gem)'', quando
ambas as noções estiverem, a nosso ver, contempladas no discurso
da autora (N. do T.).

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
INTRODUÇÃO

culo XVIII. É difícil generalizar sobre uma varieda-


de tão ampla de abordagens, mas os lingüistas em
geral usam a expressão Gramática Tradicional um
tanto pejorativamente, identificando um exame não-
científico do fenômeno gramatical, em que as lín-
guas eram analisadas com referência ao latim, pou-
ca atenção sendo prestada aos fatos empíricos. No
entanto, muitas noções básicas usadas pelas abor-
dagens modernas podem ser encontradas naquelas
obras muito antigas, e hoje existe um renovado in-
teresse pelo estudo da Gramática Tradicional como
parte da história das idéias lingüísticas. A lingüísti-
ca, tal como é hoje compreendida, inclui todos os
tipos de exame dos fenômenos da linguagem, inclu-
sive os estudos gramaticais tradicionais e a filologia.
FIGURA 1
De fato, a distinção entre lingüística e filologia
Microlingüística e macrolingüística
tinha que ver, no século XIX, e em grande medida
ainda tem, com questões de atitude, ênfase e objeti-
vo. O filólogo se preocupa primordialmente com o Uma descrição sincrónica de uma língua des-
desenvolvimento histórico das línguas tal como se . creve esta Hngua tal como existe em dada época. Uma
manifesta em textos escritos e no contexto da lite- descrição diacrônica se preocupa com o desenvolvi-
ratura e da cultura associadas a eles. O lingüista, mento histórico da língua e com as mudanças es-
embora possa se interessar por textos escritos e pelo truturais que ocorreram nela. Hoje em dia, no en-
desenvolvimento das línguas através do tempo, ten- tanto, essas duas abordagens estão cada vez mais
de a priorizar as línguas faladas e os problemas de em convergência, e muitos estudiosos até conside-
analisá-las num dado período de tempo. ram impossível separar o sincrónico do diacrônico.
O campo da lingüístid pode ser dividido por O objetivo da lingüística teórica é a constru-
meio de três dicotomias: ção de uma teoria geral da estrutura da língua ou de
um arcabouço teórico geral para a descrição das lín-
(1) sincrônica vs. diacrônica; guas. O objetivo da lingüística aplicada é, como diz
(2) teórica vs. aplicada; o próprio nome, a aplicação das descobertas e técni-
(3) microlingüística vs. macrolingüística. cas do estudo científico da língua para fins práticos,
10 11
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA INTRODUÇÃO

especialmente a elaboração de métodos aperfeiçoa- antropológica, dialetologia, lingüística matemática


dos de ensino de língua. e computacional, estilística etc. Não se deve con-
Os termos microlingüística e macrolingüística fundir a macrolingüística com a lingüística aplica-
ainda não se estabeleceram definitivamente, e de fato da. A aplicação de métodos e conceitos lingüísticos
são usados aqui por pura conveniência. O primeiro ao ensino da língua pode muito bem envolver ou-
se refere a uma visão mais restrita, e o segundo, a tras disciplinas de um modo que a microlingüística
uma visão mais ampliada, do escopo da lingüística. desconhece. Mas existe, em princípio, um aspecto
Pela visão da microlingüística, as línguas devem ser teórico em cada parte da macrolingüística, tanto
analisadas em si mesmas e sem referência a sua fun- quanto da microlingüística.
ção social, à maneira como são adquiridas pelas crian- A especulação e investigação lingüísticas, tal
ças, aos mecanismos psicológicos que subjazem à como as conhecemos até hoje, foram levadas a cabo
produção e recepção da fala, à função literária ou somente num pequeno número de sociedades. Em-
estética ou comunicativa da língua, e assim por di- bora as culturas mesopotâmica, chinesa e árabe te-
ante. Em contraste, a macrolingüística abrange to- nham se preocupado com a gramática, suas análises
dos esses aspectos da linguagem. estiveram tão entranhadas nas particularidades de
Dentro da microlingüística, então, poderíamos seus próprios idiomas, e se mantiveram tão desconhe-
incluir os estudos que se preocupam com a "língua cidas do mundo europeu até pouco tempo atrás, que
em si": fonética e fonologia, sintaxe, morfologia, se- na prática não tiveram impacto algum sobre a tradi-
mântica, lexicologia. É comum a referência a essas ção lingüística ocidental. A tradição lingüística e
áreas de estudo como o "núcleo duro" da lingüística filológica dos chineses remonta a mais de 2.000 anos,
(em referência ao termo inglês hard-core). Represen- mas o interesse daqueles eruditos se concentrava
tam também boa parte do conjunto mais antigo e tra- amplamente na fonética, na ortografia e na lexicogra-
dicional de estudos da linguagem: basta ver que boa fia; sua consideração dos problemas gramaticais esta-
parte da terminologia técnica até hoje empregada na va estreitamente vinculada ao estudo da lógica.
microlingüística (substantiv,o, adjetivo, preposição, Sem dúvida, a tradição gramatical não-ociden-
verbo, pretérito, antônimo, pronome etc.) remonta aos tal mais interessante - e a mais original e indepen-
estudos lingüísticos da Antigüidade greco-romana. dente - é a da Índia, que remonta a pelo menos 2.500
Diversas áreas dentro da macrolingüística têm anos e que culmina com a gramática de Panini, do
recebido reconhecimento sob forma de nomes pró- século V a.C., que analisava a língua sagrada da Índia,
prios: psicolingüística, sociolingüística, lingüística o sânscrito. Foram três os modos principais de impac-
12 13
INTRODUÇÃO
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

to da língua sânscrita sobre a ciência lingüística mo- desse ser chamado de gramática, na Índia antiga uma
derna. Tão logo o sânscrito se tornou conhecido do versão sofisticada desta disciplina se desenvolveu
mundo intelectual ocidental, ocorreu a eclosão bem cedo ao lado das demais ciências. Muito embo-
incontida da gramática comparativa indo-européia, e ra o estudo da gramática do sânscrito possa origi-
foram lançadas as bases para todo o edifício da filologia nalmente ter tido o objetivo prático ele manter "pu-
comparativa e da lingüística histórica do século XIX. ros e intactos" os textos sagrados elos Vedas e seus
Mas, para esse edifício, o sânscrito era simplesmente comentários, o estudo da gramática na Índia no pri-
parte dos dados; a doutrina gramatical indiana não meiro milênio antes de Cristo já tinha se tornado
desempenhou nenhum papel influente direto. Os es- uma prática intelectual em si mesma.
tudiosos do século XIX, porém, reconheceram que a O presente livro, escrito por uma pessoa for-
tradição de fonética da Índia antiga era amplamente mada na tradição ocidental e que tem como públi-
superior ao conhecimento ocidental neste campo - co-alvo leitores também vinculados a essa tradição,
e isso teve importantes conseqüências para o cresci- tratará exclusivamente da história da lingüística no
mento da ciência fonética no Ocidente. Em terceiro Ocidente, observando, porém, sempre que necessá-
lugar, nas regras ou definições (sutras) de Panini existe rio e cabível, fatos relevantes para essa história de-
uma descrição notavelmente refinada e penetrante da correntes do influxo do pensamento lingüístico de
gramática sânscrita. A construção das frases, dos no- outras tradições não-ocidentais.
mes compostos e assim por diante é explicada por meio
de regras ordenadas que operam sobre estruturas
subjacentes de maneira espantosamente semelhante
a diversos aspectos da teoria lingüística contemporâ-
nea. Como se pode imaginar, esse perspicaz trabalho
gramatical indiano suscitou grande fascínio na lin-
güística teórica do século XX. Um estudo da lógica
indiana vinculada à gramátioa de Paninijunto com a
lógica aristotélica e ocidental vinculada à gramática
grega e suas sucessoras poderia trazer descobertas
iluminadoras.
Enquanto na China antiga praticamente não
se firmou um campo autônomo de estudo que pu-

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15
1. A LINGÜÍSTICA
E SUA HISTÓRIA

Pensa-se freqüentemente na história da lingüís-


tica como uma disciplina muito nova. Afinal, a pró-
pria lingüística só se estabeleceu em sua forma atual
há algumas décadas. Mas as pessoas vêm estudan-
do a linguagem desde a invenção da escrita e, sem
dúvida, muito antes disso também. Como em tan-
tos outros campos, o uso e, em seguida, o estudo ela
língua com finalidades práticas precedeu o proces-
so ele reflexão da análise científica. Na Índia antiga,
por exemplo, a necessidade de manter viva a pro-
núncia correta dos textos religiosos ancestrais le-
vou à investigação ela fonética articulatória, enquan-
to na Grécia clássica a necessidade ele um vocabulá-
rio técnico e conceitual para ser usado na análise
lógica elas proposições resultou num sistema das
partes elo discurso que acabou tendo um desenvol-
vimento que ultrapassou em muito as exigências
imediatas elos filósofos que primeiro sentiram a ne-
cessidade ele tais categorias. A formação retórica em
Roma, a preservação elos textos religiosos no judaís-
mo, a difusão elas novas religiões proselitistas como

17
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
1. A LINGÜÍSTICA E SUA HISTÓRIA

o cristianismo e o islamismo, o estabelecimento de dos. Esta nova postura impõe enormes exigências
tradições literárias vernáculas nos Estados-nações ao pesquisador individual, que idealmente teria de
da Europa renascentista - são todos contextos em ser um poliglota versado em todos os ramos da his-
que a língua, a princípio uma ferramenta, se tornou tória intelectual e cultural, bem como em todos os
um objeto de estudo. aspectos da lingüística moderna. Na prática, a maio-
Para obter um quadro abrangente de como e ria dos estudiosos têm se concentrado numa área
por que a língua(gem) foi estudada no passado, to- relativamente circunscrita, na doutrina ou na esco-
das essas diversas tradições e várias outras - la com a qual tem afinidade.
devem ser levadas em conta, por mais diferentes que Uma nova disciplina, a epistemologia históri-
sejam das atuais noções do que se entende por "lin- ca - o estudo dos diferentes modos de pensamen-
güísti.ca". Cada tradução tem seus próprios historia- to, perspectivas e pressuposições que caracterizam
dores: Bacher no estudo da língua(gem) entre os diferentes épocas e diferentes povos -, tem dado
judeus; Sandys na filologia clássica; E. J. Dobson boas contribuições para a história da lingüística. Os
(1957) na obra precursora sobre a pronúncia do historiadores da lingüística estão cada vez mais dis-
inglês; H. Pedersen (1931) em filologia comparati- postos a considerar o passado sob uma ótica favorá-
va, e muitos outros. Como a lingüística no sentido vel, prontos a aceitar noções que nos parecem
pós-saussuriano passou a ser considerada como uma fantasiosas mas que, na época em que foram elabo-
disciplina distinta dos estudos de linguagem domi- radas, faziam muitíssimo sentido. Para entendê-Ias,
nantes no século XIX - a filologia comparativa e a para apreciar sua contribuição à cultura ocidental,
histórica também ela encontrou seus historia- precisamos aprender a nos despojar de alguns dos
dores. Mas enquanto a maioria dos primeiros histo- postulados centrais de nossa visão de mundo do sé-
riadores se concentraram propositadamente em tra- culo XX e, no lugar deles, tentar incorporar alguns
dições de estudo lingüístico individuais, quase sem- dos hábitos de pensamento das pessoas de um ou-
pre nacionais, os historiadores recentes têm defini- tro tempo. Diversos aspectos dessa abordagem
do de maneira mais ampla peu campo de trabalho. historiográfica extremamente desafiadora foram
Se a lingüística é o estudo da linguagem em todos os desenvolvidos dentro de diferentes tradições nacio-
seus aspectos, raciocinam eles, então a história da nais. Os estudiosos anglo-americanos têm se incli-
lingüística deve abranger todas as abordagens pas- nado a enfatizar a importância do ambiente históri-
sadas do estudo da linguagem, quaisquer que te- co e sociocultural, enquanto o trabalho dos france-
nham sido os métodos usados e os resultados obti- ses se concentra mais nas idéias 1ingüísticas no con-
18 19
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

texto da história intelectual mais geral. Recentes


trabalhos de pesquisadores de língua alemã têm
mostrado uma tendência a aplicar o instrumental
de uma formação filosófica à história da lingüística.
Cada abordagem precisa das outras: elas são com- 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL
plementares, não concorrentes.
ATÉ 1900

A história registrada da lingüística ocidental


começa em Atenas: Platão foi o primeiro pensador
europeu a refletir sobre os problemas fundamentais
da linguagem. As questões levantadas em suas obras
são cruciais, uma agenda à qual a tradição européia
tem retornado, consciente ou inconscientemente,
muitas e muitas vezes ao longo de seu desenvolvi-
mento. Embora diversas idéias tenham sido empres-
tadas de fontes externas - da tradição judaica no
início do primeiro milênio depois de Cristo, da lin-
güística hebraica e árabe durante o Renascimento,
da Índia por volta de 1800, para citar apenas as mais
signi~cativas -, a tradição ocidental tem seu pró-
prio e claro padrão de desenvolvimento. Manifesta-
ções de um modo de pensar característico, de uma
visão de mundo distintiva, muito mais do que o pro-
duto acidental do clima e das circunstâncias, as ten-
dências recorrentes da lingüística ocidental podem
ser identificadas na maioria dos campos da investi-
gação intelectual: mais marcadamente nas ciências
naturais, mas também na filosofia, na cosmologia e
20 21
2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

no estudo do homem. Isso tem conseqüências para importante e irreversível mudança de direção que
nossa narrativa, e para a historiografia lingüística ocorreu durante o século XV. A lingüística, como
em geral, em dois planos, o geográfico e o temporal. todos os outros campos da atividade intelectual, teve
No plano geográfico, é vão tentar ligar todas as seu caráter fundamentalmente alterado no
grandes tradições lingüísticas numa única seqüência Renascimento. Com isso, a "transição" da Antigüi-
dade para a Idade Média se prolongou de tal modo e
cronológica, saltando da Índia à China, à Grécia e a
é tão difícil de localizar que podemos mesmo nos
Roma, aos povos semíticos e de volta ao Ocidente. Cada
perguntar se a periodização tradicional tem alguma
tradição tem sua própria história e só pode ser
validade neste caso: uma divisão entre lingüística
explicada à luz de sua própria cultura e de seus mo-
pré-renascentista e pós-renascentista é, quase sem-
dos de pensamento. Cada uma tem sua contribuição
pre, mais adequada. Subdivisões são necessárias para
particular a dar à percepção humana da linguagem.
o bem do leitor, mas freqüentemente são muito ar-
Um relato tão abrangente da "história mundial da lin- bitrárias nos rótulos que lhes são anexados. A lin-
güística'', de todo modo, tem um efeito distorcivo: güística grega e a romana formam um continuum com
colocar um capítulo sobre a lingüística na Índia anti- a medieval: os romanos se basearam nas iniciativas
ga antes de um capítulo sobre a lingüística na Grécia dos gregos (e, de maneira limitada, desenvolveram-
poderia sugerir, inevitavelmente, ou que o trabalho nas), enquanto os pensadores medievais estudaram,
dos indianos foi o progenitor da tradição greco-roma- digeriram e transformaram a versão romana da tradi-
na, ou que esta tradição substituiu a anterior, duas ção lingüística antiga. Alguns aspectos do pensamen-
interpretações históricas tremendamente errôneas. to pré-renascentista, sobretudo a etimologia e ateo-
Ambas as tradições se desenvolveram independente- ria da littera, são mais facilmente apreendidos se as
mente, e não podem entrar em relação histórica uma idéias antigas e medievais forem consideradas em
com a outra a não ser de maneira artificial. Elas e as conjunto; para outros temas, uma discussão crono-
demais grandes tradições continuaram a se desenvol- lógica oferecerá um arcabouço adequado.
ver paralelamente até os dias de hoje.
No plano temporal, em contrapartida, embora
alguns modos de pensamento permaneçam caracte- 2.1 Grécia: a linguagem como ferramenta
rísticos de uma tradição particular por um longo para entender a realidade
período de tempo, outros se sucedem um ao outro
mais ou menos rapidamente com efeito cumulativo A história registrada da lingüística ocidental
ou cíclico. A tradição ocidental é marcada por uma começa com um confronto entre duas visões da

22 23
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

língua(gem) fundamentalmente opostas: a venções? No plano da linguagem, os gregos se per-


língua(gem) como fonte de conhecimento, e a guntavam se a conexão entre as palavras e aquilo
língua(gem) como um simples meio de comunica- que denotavam provinha da natureza, phJ}sei, ou era
ção. A língua tem algum vínculo direto e essencial imposta pela convenção, thései. Havia dois aspectos
com a realidade, espiritual ou física, ou é puramen- na questão: primeiro, a natureza da atual relação
te arbitrária? As implicações são consideráveis: se entre as palavras e seus denotata; e segundo, como
a língua, de algum modo, contém ou espelha a reali- esta relação viera a surgir - a origem das palavras.
dade, então o estudo da língua é um caminho possí- Platão (c. 429-347 a.C.) consagrou um de seus
vel para o conhecimento da realidade. Mas se é ar- diálogos, o Crátilo, a este problema. Dos três
bitrária, então nada de maior importância pode ser interlocutores que ele retrata, Crátilo sustenta que
obtido com seu estudo: o objetivo da lingüística será a língua espelha exatamente o mundo; Hermógenes
o entendimento da língua(gem) e nada mais. Em- defende a posição contrária, a de que a língua é ar-
bora esta seja a opinião dominante - no mais das bitrária; e Sócrates representa a instância interme-
vezes, a suposição tácita - na lingüística de hoje, diária, ressaltando tanto os pontos fortes quanto as
nem sempre ela foi ponto pacífico. O primeiríssimo fraquezas dos argumentos dos outros dois e levan-
texto ocidental sobre a linguagem, o Crátilo de do-os, por fim, a uma solução conciliatória. A afir-
Platão, trata precisamente desta questão. mação inicial de Hermógenes de que os nomes são
A atmosfera na cidade-Estado de Atenas perto inteiramente arbitrários e podem ser impostos à
do final do século V a.C. era de questionamento. vontade é refutada por Sócrates, que assinala que
Explorando as causas que subjazem ao ambiente as palavras são ferramentas: assim como uma lan-
físico e cosmológico do homem, os filósofos pré- çadeira defeituosa não pode ser usada para tecer,
socráticos identificaram duas forças vitais: phJJsis, também as palavras precisam ter propriedades que
a natureza, o poder inexorável que governa o mun- as tornem apropriadas ao uso. Sócrates pede a
do visível; e nómos, a crença, costume ou lei instituí- Hermógenes que faça duas suposições, que se man-
da por ação divina ou hum~na. Os papéis relativos terão ao longo do diálogo: a de que as palavras, em
de phJ}sis e nómos (ou thésis, convenção) em várias algum sentido, são corretas, pois do contrário não
esferas da vida humana levantavam para os filóso- cumpririam sua função; e a de que, tendo surgido
fos vários problemas difíceis: os Estados surgiam da por convenção, elas devem ter sido inventadas por
necessidade ou do costume humano? As leis mo- alguém, humano ou divino: o nomoteta ("legisla-
rais eram uma necessidade natural ou simples con- dor"). A correção natural dos nomes, contestada por
24 25
2. A TRADIÇAO OCIDENTAL ATÉ 1900
HISTÓRlA CONCISA DA LJNGÜÍSTICA

nomoteta pudesse estudar a realidade diretamente


Hermógenes, é ilustrada por Sócrates numa demo-
também nós o poderíamos, porque a língua não pas~
rada série de etimologias baseadas em associação
sa de uma imitação imperfeita. Em suma, embora a
semântica. Por exemplo, o corpo (sôma) é assim
língua, na origem, tenha estado ligada diretamente à
chamado porque é o túmulo (sêma) ou o sinal (tam-
bém sê ma) da alma, enquanto o relâmpago ( astrapê)
!I realidade - e vestígios dessa conexão ainda possam
ser encontrados -, agora ela já seria um caminho
é assim chamado porque atrai nosso olhar para o
muíto tortuoso para o conhecimento da realidade.
alto (tà ôpa anastréphei). Algumas palavras, os prlJta
Uma vez que já fora aceito que a conexão en-
onó mata, "nomes originais", provam não serem sus-
11 tre palavras e coisas não era direta, mas indireta,
cetíveis desse tipo de análise semântica. Para eles,
ainda faltava determinar a natureza exata de seu
Sócrates propõe a análise por meio do simbolismo
relacionamento. Aristóteles (384-322 a.C.), discípu-
sonoro. Se o L, por exemplo, representa "deslizar"
lo de Platão, em seu Peri hermeneías (De intcrpre-
ou "resvalar", podemos esperar que as palavras que
tatione), delineou um processo em três etapas: os
contêm este som tenham algum elemento de
signos escritos representam os signos falados; os sig-
"deslizamento" em seu significado, e este é o caso de
nos falados representam impressões ( pa themata) na
liparón ("liso"), glyk;J ("doce"), glískheron ("viscoso").
alma, e as impressões na alma são a aparência das
Mas contra-exemplos, como a presença de um L em
coisas reais. As impressões e as coisas, observa
sklérótés, que significa "dureza", mostra que os enga-
Aristóteles, são as mesmas para todos os homens,
nos se insinuaram, ou talvez que alguns nomes foram
ao passo que diferem as palavras que representam
atribuídos de forma errada logo de início.
as interpretações. Como seus comentadores logo
Pouco a pouco, Platão leva o leitor a se dar con-
apontaram, esse esquema levantava muitas dificul-
ta de que há um elemento de verdade em ambas as
dades. Os estóicos (séculos III-II a.C.), e vários au-
posições. Embora ·muitas palavras possuam uma
tores a- seguir, preferiram acrescentar uma etapa
correção intrínseca, de acordo com a phJfsis, aque-
entre a recepção passiva da impressão e a fala: o
las palavras em que tal estrutura natural não pode
conceito, uma noção que pode ser verbalizada (gre-
ser detectada - seja por terem sido malformadas
go: lektón; latim: dicibile). Assim, embora todos os
logo de saída ou corrompidas pela passagem do tem-
homens possam receber as mesmas impressões das
po são entendidas por convenção, thései. Ele su-
coisas que percebem, como sustentava Aristóteles ,
gere que o nomoteta teve acesso ao conhecimento
os conceitos que eles formam dessas impressões di-
direto da realidade - as Formas platônicas-, mas
ferem, e são eles que estão representados na fala.
apreendeu esta realidade de modo imperfeito. Se o
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2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

Segundo os estóicos, um conceito (lektón) era Seus efeitos são vistos imediatamente no pro-
representado num enunciado significativo ( = com cesso gradual pelo qual o enunciado foi sendo ana-
significado), lógos. Lógos foi definido por Diógenes lisado em elementos cada vez menores, as "partes
de Babilônia (um estóico do século II a.e., cujo pen- do discurso". A expressão grega, mére toú lógou, dei-
samento é esboçado para nós por Diógenes Laércio xa claro que o ponto de partida da análise era o lógos,
[século III a.e.] em seu Vidas dos filósofos) como "um o enunciado visto como significativo, um fato que
enunciado significativo dirigido pelo pensamento explica algumas das aparentes anomalias no antigo
racional". A substância física do lógos era phoné, sistema das partes do discurso. Os filósofos se vi-
"voz", o enunciado considerado como mero som, ram olhando bem de perto a estrutura dos enuncia-
articulado ou inarticulado, sem referência a signifi- dos significativos. Se uma proposição era verdadei-
cado. Um enunciado (phõné) que pudesse ser re- ra ou falsa, em qual de suas partes residia sua ver-
presentado na escrita - um enunciado articulado dade ou falsidade? Para discutir tais problemas, pre-
- era chamado de léxis. Um léxis diferia de um lógos cisava-se de um vocabulário conceitual. Platão, em
porque, enquanto o significado era essencial para seu diálogo O Sofista, apresenta o caso de um enun-
um lógos, um léxis não precisava obrigatoriamente ciado como "um homem aprende". Este enunciado
ter significado. Assim, a palavra "dia" em português pode ser dividido em um nome e no que se diz acer-
é um léxis na medida em que é uma palavra de três ca dele, ónoma e rhêma. (Fora desse contexto, ónoma
letras que forma seu plural pelo acréscimo de -s; de era a palavra usual para "nome", e rhêma tinha o
igual modo, a palavra grega sem sentido blítyri é sentido de "palavra", "dito", "provérbio".) Ames-
um léxis na medida em que pode ser soletrada e as- ma estrutura podia ser encontrada numa frase como
sume o artigo definido feminino. Nem "dia" nem "elínias é ignorante", onde "elínias" ocupa uma
blítyri é um lógos, blítwi inerentemente, por ser um posição paralela à de "homem", e "é ignorante" é
léxis asémantos, uma palavra-forma sem sentido, e paralelo a "aprende". Desse modo, ónoma, normal-
"dia" porque ainda não entrou em combinação com mente "nome" e rhêma "palavra" "dito" "frase"
' ' ' ' '
outra palavra ou palavras para formar um enuncia- vieram a assumir sentidos técnicos amplamente
do significativo como em "já é dia". A distinção en- correspondentes a sujeito ( = nome ou substituto
tre lógos, a palavra ou enunciado visto como uma do nome) e predicado e= verbo ou cópula mais ad-
entidade significativa, e léxis, a palavra vista como jetivo). A base dessa divisão é funcional e semânti-
forma, é fundamental para o pensamento lingüístico ca, não é formal. Do ponto de vista formal, não se
estóico e pós-estóico. poderia esperar que adjetivos e verbos pudessem ser

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
2. A TRADIÇÃO OCIDE'ffAL ATÉ 1900

classificados juntos numa língua como o grego, em posição ( próthesis) é definida como um parte do dis-
que as flexões do adjetivo e do verbo são totalmente curso que tem somente uma forma (invariável), colo-
diferentes; mas se apenas sua função for considera- cada antes de outra parte do discurso e entrando numa
da, é uma divisão bastante natural. íntima relação com ela. O advérbio (epírrhéma), ou-
Filósofos posteriores - como Aristóteles, discí- tra parte do discurso com uma só forma, é colocado
pulo de Platão, e os estóicos - observaram mais aten- antes ou depois de um verbo, mas carece de qualquer
tamente os constituintes semânticos do enunciado. conexão sintática íntima com ele, e indica quantidade
Segundo a notícia mais clara que temos dos estóicos, ou qualidade, tempo ou lugar, negação ou concórdia,
tal como reportada por Diógenes Laércio, vemos que
eles restringiram o termo ónoma, "nome" àquilo que
a gramática tradicional viria a chamar de "nome pró-
l proibição ou exortação, questionamento ou desejo,
comparação ou dúvida.
Em todas essas definições, a importância pre-
prio", introduzindo o termo prosêgoría, "apelativo", ponderante do significado é visível tanto nos crité-
para os nomes comuns. O rhêma foi descrito como rios predominantemente semântícos usados para
sem caso e significando algo dito sobre alguém. Duas distinguir as partes do discurso quanto nas catego-
novas categorias foram identificadas: o s,_1jndesmos rias mesmas a que se chegou. A separação entre
(conjunção), que não tinha caso e ligava as partes do nome próprio e nome comum, a relutância em re-
discurso, e o árthron (artigo), que tinha caso e distin- conhecer o adjetivo como uma parte distinta do dis-
guia o número e gênero dos nomes. curso - pois sua função substantival, como nas
Este sistema foi refinado por sucessivas gera- expressões portuguesas "o bom" ou "os bons", tor-
ções de estudiosos. Seu desenvolvimento total pode na-o equivalente em função a um nome - e a clas-
ser visto num fragmento de papiro do século I d.C. sificação do particípio como uma parte do discurso
(P. Yale 1.25, inv. 446), que preserva os parágrafos em si, embora aos nossos olhos ele seja claramente
iniciais de uma gramática que dá as definições das derivado do verbo todas essas características das
nove partes do discurso. Aqui, o particípio (metocruf) definições das partes do discurso emergem da ênfa-
é caracterizado como uma parte do discurso que rece- se dos gregos nos aspectos de significado do enuncia-
be artigos e casos como o no:Íne, mas também flexões do, e não nos aspectos formais. Transmitido a nós
de tempo como o verbo. O pronome (antonomasía, em sua versão elaborada pelos romanos, este
mais tarde anwnymía) é usado no lugar de um nome, ma levantou para os lingüistas posteriores o proble-
tem função dêitica e mostra relações entre as pessoas. ma de conciliar um sistema de classes de palavras
O termo SJjndesmos fica restrito conjunções. Apre- de base semântica com a necessidade, freqüentemen-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

te incompatível, de classificar a palavra segundo sua rente, que subjazem à sintaxe da frase grega. Fazen-
forma. É o que se vê, por exemplo, em português quan- do isso, ele ocupou um lugar quase exclusivo entre
do se tenta classificar a palavra "bonito" num enun- os autores pré-modernos do Ocidente. No entanto,
ciado como: "Ela canta muito bonito" - a classifica- seu trabalho exerceu influência apenas indireta.
ção pela forma levaria a incluir bonito entre os adjeti- Entre os séculos VI e XV, a língua grega foi pratica-
vos, embora neste enunciado a palavra exerça clara mente ignorada no Ocidente. Os escritos gregos so-
função de advérbio. Este apego à classificação tradicio- bre gramática - e, de fato, sobre qualquer outro
nal, que não leva em conta os papéis desempenhados assunto - ficaram inacessíveis, a menos que tives-
pelas palavras no contexto em que se inserem, é uma sem sido traduzidos ou adaptados para o latim na
das razões que levam à condenação de enunciados Antigüidade tardia. A doutrina sintática de
desse tipo como "errados" (alegando que o "certo" Apolônio foi aplicada ao latim por Prisciano (c. 500),
seria "Ela canta muito bonitamente"), embora eles que modelou os dois últimos livros de sua grande
sejam de uso antiquíssimo na língua, um uso que gramática do latim, as Institutiones grammaticae,
remonta, aliás, ao próprio latim. com base no Perl s1111táxeõs de Apolônio, e foi nessa
Esta mesma ênfase no aspecto semântico do versão filtrada que os ensinamentos de Apolônio
discurso é visível num notável tratado sobre sinta- sobreviveram no Ocidente, dando origem ao traba-
xe grega, a Sintaxe (Perl syntáxeõs) de Apolônio lho posterior sobre sintaxe na alta Idade Média.
Díscolo, que data do século II d.C. Apolônio traça Padrão semelhante pode ser observado no caso
um paralelo entre os diferentes níveis de linguagem: da morfologia. Embora tenham sido os gregos os
as mesmas regras de organização se aplicam às uni- elaboradores do sistema das partes do discurso e de
dades sonoras mínimas, às sílabas, às palavras e, de vários dos conceitos associados que ainda desem-
fato, aos enunciados completos. Como diz ele, "o penham um papel essencial na lingüística moder-
significado que subsiste em cada forma da palavra na, o trabalho deles não se transmitiu ao Ocidente
é, num certo sentido, a unidade mínima da frase". por via direta, mas por intermédio dos romanos. A
Assim como o estudo da ortografia pode ajudar a gramática grega conheceu sua codificação definiti-
recuperar a forma correta' de uma palavra mal va na gramática de autoria atribuída ao erudito
grafada ou mal pronunciada, também o estudo da alexandrino Dionísio Trácio (século II a.C.). Na
sintaxe pode ajudar a recuperar a estrutura verda- verdade, somente os cinco primeiros capítulos são
deira de uma frase defeituosa. Apolônio se dedica a de Dionísio: hoje se admite que o resto da obra date
mostrar os princípios racionais, a regularidade ine- talvez de um período tão recente quanto o século

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

IV d.C., o ápice (e não o ponto de partida) de uma cativa, isto é, dentro da totalidade de um texto, a
longa cadeia de desdobramentos. Embora tradição latina associou autotelos a "completo, aca-
freqüentemente saudada como a fonte da tradição bado, perfeito", o que levou a tratar a frase como
gramatical do Ocidente, a história dessa gramática independente do texto em que ela aparece e como
pertence mais propriamente à tradição lingüística objeto suficiente para o conhecimento das relações
bizantina do que à ocidental. Ela foi o livro didático sintáticas 1• É por isso que os manuais de sintaxe es-
do Oriente grego, sendo traduzida, no todo ou em critos e publicados até nossos dias se limitam a fazer
parte, para o siríaco e o armênio, e oferecendo a base análises sintáticas de frases isoladas do texto: o ponto
para numerosos comentários e adaptações dos final gráfico é também o ponto final da análise gra-
bizantinos. Em contrapartida, ela ficou praticamente matical. A moderna análise lingüística insiste na ne-
desconhecida no Ocidente até sua primeira edição cessidade de tomar o texto como unidade básica de
impressa, em 1727. Na verdade, foi através dos análise, levando em conta as propriedades de coesão e
gramáticos romanos da Antigüidade tardia que a coerência, entre outras. O estudo de uma frase isolada
doutrina gramatical grega, filtrada pela língua lati- só faz sentido se for associado ao estudo de todas as
na, se incorporou à tradição ocidental dominante. demais frases do texto e das articulações que se esta-
Uma importantíssima conseqüência da belecem entre elas. As gramáticas de feitio tradicio-
filtragem da doutrina gramatical grega pelos roma- nal, no entanto, continuam a transmitir a crença de
nos, conseqüência visível até hoje nos compêndios que a frase contém uma totalidade semântica própria,
gramaticais normativos, é o qué poderíamos cha- que dispensa uma análise mais ampla do contexto em
mar de "teoria da frase auto-suficiente". Nas obras que surgem: "Frase é um enunciado de sentido com-
de Apolônio Díscolo e Dionísio Trácio, a frase (ou pleto, a unidade mínima de comunicação" 2 •
oração, ou sentença, ou cláusula) é definida como
um autotelõs lógos. Um problema de interpretação-
tradução da palavra autotelos gerou uma concepção
1. A respeito deste problema da definição tradicional de frase,
distorcida de "frase" que permanece praticamente
o leitor brasileiro pode consultar o excelente estudo de Ataliba T.
'
intacta até hoje no ensino gramatical tradicionalis- de Castilho em A língua falada no ensino de português (São Paulo,
ta. Enquanto aqueles autores gregos tinham em Contexto, 1998: 83-87) (N. do T.).
mente, com autotelõs ló,qos, a idéia de "expressão 2. Celso Cunha & Lindley Cintra, Nova,qrarnática do portu-
gw;s contemporâneo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985: 116). A
auto-sustentada" graças a seus elementos semânti- autora oferece como exemplo uma definição praticamente idêntica
cos e à sua função dentro de uma situação comuni- extraída de um manual gramatical inglês contemporâneo (N. do T.).

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

2.2 Roma: codificação e transmissão em enunciados (sintaxe, presumivelmente). Somen-


te os livros V a X sobreviveram, preservados num
Tal como se deu com a maior parte dos ele- único manuscrito do século X, redescoberto por
mentos de sua vida intelectual, os romanos atri- Bocácio em Monte Cassino em 1355. Não surpre-
buíam aos gregos a introdução da gramática na cul- ende que a obra fosse desconhecida e não tenha exer-
tura latina. Suetônio (c. 69-140), em sua obra so- cido nenhuma influência durante toda a Idade Mé-
bre os mais famosos professores de gramática e re- dia. Na Antigüidade, porém, seu impacto foi imen-
tórica (De grammaticis et rhetorihus), relata como o so. As inclinações de Varrão como historiador e fi-
estóico Crates de Malos quebrou a perna durante lósofo conferem a seu trabalho um sabor muito di-
uma missão diplomática em Roma em 169 ou 168 ferente do das outras obras romanas sobre lingua-
a.C. e se entreteve durante sua convalescença dan- gem que chegaram até nós. Nas porções remanes-
do palestras sobre gramática. Embora registre os centes do De língua latina, Varrão estabelece duas
nomes de uns vinte gramáticos entre aquela época dicotomias problemáticas: o papel da natureza e da
e a sua própria, Suetônio nos deixa extremamente convenção na origem das palavras, e a questão da
mal informados sobre a história inicial da gramáti- analogia e da anomalia na regulação do discurso.
ca em Roma. A sugestão de Karl Barwick de que a Tal como Platão, Varrão conclui que o significado
doutrina estóica foi a influência predominante em original das palavras, imposto em concordância com
Roma, ao passo que no mundo grego a escola a natureza, foi obscurecido em diversos casos pela
alexandrina de filologia tinha suplantado os estói- passagem do tempo, e que a etimologia pode
cos, já não é tão amplamente aceita. freqüentemente ajudar a recuperar o significado
Não obstante, as reflexões estóicas e pitagóricas verdadeiro e original. Por etymolocqia Varrão enten-
são visíveis na obra do filósofo-historiador- de um tipo de explicação semântica, em vez do tipo
antiquário Marcos Terêncio Varrão (116-27 d.C.). de explicação primordialmente fonológica da
De suas mais de setenta obras somente duas sobre- etimologia histórica a que estamos habituados. Ele
viveram, incluindo seis livr9s dos vinte e cinco ori- chega mesmo a elaborar alguns princípios formais
ginais de seu grande compêndio sobre o latim, De úteis nessa investigação. A maior parte dos livros
língua latina. Depois de um livro introdutório, os VI e VII é ocupada por uma série de etimologias de
livros II a VII continham uma exaustiva discussão palavras arranjadas segundo as categorias funda-
da etimologia latina, os livros VIII a XIII da flexão, mentais pitagóricas: corpus ("objeto físico"), locus
e os livros XIV a XXV da organização das palavras ("lugar"), tempus ("tempo") e actio ("ação, proces-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

so"). :Nos livros VIII a X, ele aborda a questão dos destinada à formação de oradores. Depois de se al-
papéis respectivos da analogia e da anomalia. Pro- fabetizar com o litterator ou ma,.qister ludi, as crian-
cedendo por meio da reductio ad absurdum, de uma ças estudavam gramática e aplicavam-na à análise
maneira diferente da de Platão, ele derruba a neces- de textos literários sob a tutela do grarmnaticus, e
sidade de urna controvérsia sobre a importância re- finalmente eram guiadas pelo rhetor na composição
lativa da analogia e da anomalia, mostrando que de discursos elegantes. Diversos grammatici com-
ambos os princípios decorrem do uso. Traça uma pilaram seus próprios manuais de ensino. A maio-
importante distinção entre a natureza subjacente, ria dos que sobreviveram, e que remontam sobretu-
original, da língua(gem) e o uso, e entre os usos des- do aos séculos IV e V, se tornaram acessíveis na edi-
critivo e prescritivo da analogia. Em suas palavras, ção em sete volumes de Heinrich Keil, Grammatici
"uma coisa é dizer que é possível encontrar analo- Latini (Leipzig 1855-1880). Afora as obras sobre
gias em palavras, e outra coisa é dizer que devemos ortografia e métrica, esses manuais pertencem a dois
segui-las" (IX, 4). Seu conselho é pragmático: os tipos principais: a gramática escolar (Schulgranz-
neologismos devem ser guiados pela analogia, mas matile) e a de regras (regulae).
se urna forma anômala já estiver bem estabelecida, A Schu{qramrnatife continha uma exposição
deve-se permitir que permaneça. A flexão, declina tio sistemática das categorias gramaticais, exemplifica-
naturalis, é uma área da língua em que se poderia es- das por meio do latim. Estruturada como as moder-
perar analogia, ao passo que a derivação, declinatio nas gramáticas de referência, isto é, consistindo de
voluntaria, freqüentemente funciona de modo arbi- uma série de capítulos dedicados exaustivamente a
trário. A importância de Varrão reside na clareza com cada tópico (mas sem exercícios um acresc1mo
que formulou e seguiu até o fim algumas das impli- do século XIX - nem trechos para leitura}, uma
cações da dicotomia significado-forma, um legado obra típica, aArs maior de Donato (c. 350 d.C.), era
em que se baseariam gerações posteriores de dividida· em três livros: o livro I incluía capítulos
gramáticos latinos. sobre vox ("voz, som, substância fônica"}; litterae
São pouquíssimas as gramáticas do período ("som da fala, letra"); sílaba; pé métrico; acentos; e
entre Varrão e Quintiliano (de 30 a.C. a 100 d.C.) pontuação. O livro II tratava das partes do discurso:
que sobreviveram até nós, embora gramáticos do nome, pronome, verbo, advérbio, particípio, conjun-
século I como Q. Rêmio Palemão, Valério Probo e ção, preposição e interjeição. E o livro III apresen-
Pansa tenham sido fartamente citados por autores tava barbarismos (erros na forma das palavras),
posteriores. A educação romana sob o Império era solecismos (colocações erradas das palavras), outros
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

erros, e várias figuras de retórica. A ênfase de obras uma obra de referência destinada a ajudar na iden-
desse tipo incidia, não na descrição das formas do tificação das formas do latim. Escritas sobretudo por
latim - que o estudante, falante nativo da língua, autores que trabalhavam em zonas bilíngües do
já conheceria -, nem nas regras com que gerá-las, Império - Prisciano, Êutico e Focas no Oriente
mas na rotulação e classificação das formas conhe- grego, bem como Marciano Capela e o Pseudo-Agos-
cidas. Uma vez que as categorias elaboradas para o tinho na África -, tais obras permitiam que o estu-
grego eram em grande medida de natureza semânti- dante procurasse a terminação de um nome ou ver-
ca, elas podiam ser transferidas para o latim sem bo estranho numa lista alfabética, a fim de desco-
dificuldade. As obras mais célebres do gênero fo- brir a que gênero, declinação ou conjugação ele po-
ram as de Donato: a Ars minar, uma breve introdu- dia pertencer. Esse tipo parece ter sido mais comum
ção à gramática, e a mais detalhada Ars maior. Outras fora da Itália, particularmente no Oriente grego,
obras remanescentes deste tipo, atribuídas a Escamo, onde, na Antigüidade tardia, as pessoas que dese-
Ásper, Dositeu, Agostinho, Áudax, Vitorino e outros, jassem ascender na administração imperial preci-
tiveram influência muito menor. Sem dúvida, o fato savam ser fluentes em latim. Como elas iniciavam
de Jerônimo, um dos Padres da Igreja Gunto com Agos- seus estudos é algo incerto, pois além de alguns exer-
tinho, Ambrósio e Gregório Magno), ter sido aluno cícios preservados em fragmentos de papiro, as gra-
de Donato deu às obras deste gramático uma vanta- máticas sobreviventes pressupõem um conhecimen-
gem doutrinal num Império cada vez mais cristão. À to avançado do latim. Isso vale principalmente para
medida que a educação romana foi gradualmente es- as mais célebres gramáticas do Oriente grego, as
treitando seu escopo, o foco de atenção se transferiu obras de Prisciano (Constantinopla, c. 500). Três
para as gramáticas em si mesmas, abandonando os de suas obras foram especialmente influentes nos
textos literários que elas supostamente deviam acom- século~ posteriores: a Institutio de nomine et
panhar. Gramáticos do final do século IV em diante pronomine et verbo, um rápido panorama das clas-
(Sérvio, Sérgio, Cledônio, Pompeu) passaram a escre- ses flexionais do latim; as Partitiones, uma obra mi-
ver comentários sobre a Ars maior de Donato, em nuciosa que analisa (na forma de pergunta-e-respos-
vez de sobre a Eneida de virgílio, uma tendência ta) as palavras da primeira linha de cada um dos
que foi prosseguida na Idade Média por estudiosos doze livros da Eneida; e as Institutiones grammaticae,
que exerciam a exegese blblica. uma exaustiva gramática de referência em dezoito
O segundo principal gênero de gramática era o livros (quase mil páginas). Nesta obra - sobre a
tipo regulae, que normalmente tomava o aspecto de qual repousa sua reputação-, Prisciano combinou
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

informações do tipo Schulgrammatik (a maioria ti- abordagem muito diferente do estudo dos sons da fala
rada de Donato) com algumas do tipo regulae, cons- e das palavras. Antes de entrar na história do desen-
truindo deste modo uma descrição do latim pratica- volvimento da gramática durante a Idade Média, va-
mente completa (e ainda útil), reforçada com um mos examinar as visões antiga e medieval da littera e
amplo número de citações ilustrativas de autores lite- da verdadeira natureza das palavras.
rários. Seus dois últimos livros, sobre sintaxe, se ba-
seiam fortemente no Feri syntáxeos de Apolônio 2.2.1 A teoria da littera
Díscolo, e fazem freqüentes comparações entre o uso Gregos e romanos compartilhavam concepções
latino e o grego. A dependência de Prisciano para com semelhantes da natureza da littera (grego:grámma),
fontes gregas fica também visível em sua preferência a menor unidade da fala (vox; grego: phonê). Havia
por uma versão modificada da seqüência grega das duas visões distintas, freqüentemente expostas lado
partes do discurso: nome, verbo, particípio, prono- a lado. De acordo com uma, a littera era o símbolo
me, preposição, advérbio, interjeição e conjunção. escrito, a representação do som da fala (latim:
Sob vários aspectos, o conteúdo de uma gramá- elementum; grego: stoikheion). Esta visão, a precur-
tica antiga não é diferente do de uma gramática de sora da moderna dicotomia letra-som, foi menos
língua materna atual, como a Nova gramática do por- importante na Antigüidade (e, de fato, até por volta
tuguês contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra, de 1800) do que a segunda visão, mais complexa.
que lista e exemplifica categorias de natureza ampla- Estóicos e romanos descreviam a littera como uma
mente semântica, e cataloga as irregularidades entidade com três propriedades: seu nome (nomen),
morfológicas (por exemplo, verbos irregulares). Mas sua forma ou aspecto escrito (f(qura) e seu som ou
não se vá pensar que todos os aspectos da lingüística valor (potestas). Esta visão mais flexível, suscetível
antiga têm uma contrapartida moderna tão próxima. de extel_lsão e refinamento num grau muito maior
Dois domínios, em particular, sobressaem como ten- do que a crua oposição entre letra e som, foi a base
do se desenvolvido numa direção totalmente diversa para uma série de abordagens multifacetadas e infi-
de qualquer coisa a que estej~mos acostumados hoje nitamente variadas da littera por parte dos estudio-
em dia: a teoria da littera e a etimologia. Embora as sos antigos e, mais ainda, dos medievais.
sementes das modernas disciplinas da fonética e da Potestas era a propriedade da littera cujo do-
morfologia estejam latentes nestes dois importantes mínio mais se aproximava do moderno campo da
campos de estudo, elas permaneceram dormentes por fonética. Platão, Aristóteles e os latinos classificam
toda a Antigüidade e Idade Média, eclipsadas por uma as litterae do seguinte modo:

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

littcrae de se familiarizarem com as descrições articulatórias

.~
muito mais detalhadas, que eram lugar-comum nas
gramáticas medievais do hebraico e do árabe, é que
vogais consoantes
os cristãos do Renascimento começaram a se inte-
-·~d sem1voga1s mu as
ressar pela fonética articulatória.
Em contrapartida, as propriedades do nomen e
da figura despertavam um interesse mais ativo e cria-
(A categoria das "semivogais" incluía o que tivo entre os estudiosos medievais. Coleções de alfa-
modernamente chamamos de continuantes: Donato betos exóticos - grego, hebraico, "caldeu", gótico,
inclui F, L, M, N, R, s, x sob esta rubrica.) runas, ogamos, vários códigos e cifras - circulavam
Só uns poucos estudiosos sentiram a necessi- amplamente, bem como breves tratados sobre a in-
dade de ir mais fundo na fonética articulatória. Entre venção de várias escritas. Uma antiga forma de taqui-
eles estavam Dionísio de Halicarnasso (em ativida- grafia, as notas tironianas, era praticada em alguns
de entre 30 e 8 a.C.), cuja notável descrição da arti- centros monásticos nos séculos IX e X, enquanto em
culação dos sons do grego ficou desconhecida do outros os escribas adicionavam subscrições em latim
Ocidente latino até sua primeira edição em 1508 transliterado em caracteres gregos. Um notável peque-
pelo grande impressor veneziano Aldo Manúcio, e no tratado do século VII ou VIII, atribuído a certo
o metricista Terenciano Mauro (século II), cujo re- Sergílio (um irlandês chamado Fergil?), descreve o
lato em versos dos sons e metros latinos foi pouco movimento da pena ao formar cada letra e dá o nome
lido antes do Renascimento. Na prática, as vinhetas de cada gesto em latim, grego e hebraico: "Quais são
de uma linha oferecidas por Marciano Capela (sé- os nomes dos três gestos da letra A nas três línguas
culo V) em sua enciclopédia alegórica, O casamento sagradas? Em hebraico, abst ebst ubst. Como são
de filologia e Mercúrio (III, 261), foram as únicas chamados em grego? Albs elbs ulbs. E em latim?
descrições articulatórias dos sons do latim disponí- Duas linhas oblíquas e uma reta traçada entre elas".
veis para a maioria dos estuçliosos medievais. Ca- Mas o que interessava aos autores medievais
racterizações do tipo "o D surge ' do ataque da lín- não era a littera como uma unidade de fala fisica-
gua perto dos dentes superiores" ou "o L soa doce- mente visível ou audível, e sim, muito mais, sua
mente com língua e palato" ou "Ápio Cláudio de- possível importância na ilumina,ção dos aspectos
testava o Z porque imita os dentes de um cadáver" superiores da ordem do mundo. Um autor do sécu-
ainda eram citadas no século XVI. Somente depois lo VII, Virgílio Gramático, explicava: "Tal como o

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

homem consiste de corpo, alma e uma espécie de tureza de uma palavra, não era sua forma original o
fogo celeste, assim a littcra é constituída de corpo que eles buscavam, mas seu significado original. Os
- isto é, sua forma, sua função e sua pronúncia princípios da etimologia antiga, tal como formula-
(suas juntas e membros, por assim dizer) - e tem dos por Varrão, mantiveram seu poder de influên-
sua alma em seu sentido, e seu espírito em sua rela- cia durante toda a Antigüidade e além. Varrão reco-
ção com as coisas superiores". Outros autores apli- nhecia aos gregos o mérito da distinção entre o es-
cavam interpretações tipológicas e alegóricas a vá- tudo da origem das palavras, ou etimologia propria-
rios aspectos da littcra, no mais das vezes à sua for- mente dita, e o estudo do que elas representavam,
ma. Seu som era de menor importância: era a parte mais ou menos o que entendemos por "semântica".
terrena da littera, seu "corpo". Só lentamente, à Ele estabeleceu quatro níveis diferentes de expla-
medida que a Idade Média se encerrava, é que os nação etimológica, que iam das palavras cuja ori-
pensadores ocidentais começaram a voltar seu inte- gem era transparente às que encerravam um pro-
resse para a parte física da fala, tal como passaram a fundo mistério. Vários fatores podiam obscurecer a
levar mais a sério as manifestações físicas do mun- relação entre a origem da palavra e seu significado:
do natural. O ímpeto para tal iniciativa não veio de o tempo, a influência estrangeira e as inexatidões
dentro da própria tradição ocidental, mas de fora na imposição primitiva dos nomes. Mudanças na
dela: primeiro, durante o Renascimento, do mundo forma da palavra podiam ocorrer por meio de di-
semita; mais tarde, por volta de 1800, da Índia. versos processos: acréscimo, apagamento, transpo-
sição e mudança de sons ou sílabas individuais. Var-
2.2.2 Etínwlogía rão e seus sucessores enfatizaram os processos pe-
los quais a mudança ocorria e não os sons reais en-
A reflexão antiga e medieval sobre a palavra se volvido~ (embora Prisciano, o mais formalista dos
caracterizou pela mesma relutância em levar em gramáticos, tenha catalogado as mudanças sofridas
conta o aspecto físico da língua. A morfologia, estu- por cada uma das litterae em suas Institutiones
do da forma das palavras, é um ramo da lingüística grammaticae, 20,9-43,19). Em outras palavras, a
que levou uma existência ob~cura na periferia dos semelhança entre as formas de duas palavras ( voces)
estudos da linguagem: como campo de investigação não era o elemento importante; em vez disso, o foco
científica de pleno direito, é um desdobramento pós- estava na relação semântica. Os tipos de relação se-
renascentista. Na realidade, quando os estudiosos mântica eram catalogados pelos autores antigos e
antigos e medievais pesquisavam a verdadeira na- medievais com o mesmo zelo que mais tarde se dis-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

pensaria às mudanças nos sons. Um catálogo conci- e declinatio voluntaria - correspondente à


so, mas amplamente lido, se encontrava nas morfologia derivacional (a formação de novas pala-
Etimologias de Isidoro de Sevilha (t 636), uma en- vras a partir das já existentes por acréscimo ou su-
ciclopédia de vinte livros, cujo objetivo era elucidar pressão de certos elementos) - nunca foi obedeci-
o significado da terminologia em cada área do co- da completamente. Mesmo no século VIII, Bonifácio
nhecimento humano. Isidoro lista três tipos de (que mais tarde embarcaria em sua célebre missão
nome: os derivados de uma causa, como reges de catequese dos povos germânicos) ainda incluía
("reis") de recte agendo ("agir corretamente"), pois nomes formados de bases verbais como emptio ("a
um rei não seria um verdadeiro rei se não agisse compra") e emptor ("comprador") no paradigma do
corretamente (uma suposição com drásticas impli- verbo emere ("comprar"). Nem Varrão nem qualquer
cações políticas desenvolvidas pelos teóricos políti- outro gramático antigo chegou a formular os con-
cos medievais); os que indicam a origem de uma ceitos de "raiz'', "radical" ou "afixo": quando Var-
coisa, como homo ("homem") de humus ("terra"), rão usa o termo radix ("raiz"), é num sentido não-
uma etimologia usada pelos teólogos para enfatizar técnico. As regras derivacionais do tipo habitual nos
a natureza terrena do homem e sua separação da livros didáticos de hoje - por exemplo, "para for-
natureza divina; e os surgidos de seus opostos, como mar o presente do indicativo, toma-se a raiz do ver-
lutum ("lodo") de lavare ("lavar"). Isidoro e seus bo e acrescentam-se-lhe as terminações de pessoa"
seguidores medievais, portanto, viam as relações - são desconhecidas das gramáticas antigas e me-
semânticas como a chave para o verdadeiro signifi- dievais. Em lugar delas, os gramáticos adotavam o
cado de uma palavra. Se a descoberta de um víncu- modelo de descrição palavra-e-paradigma: a palavra
lo entre homo ("homem") e humus ("terra") pudes- era vista como a unidade mínima. Cada forma
se iluminar o significado verdadeiro, superior do flexionada era considerada distinta e unitária. Essa
homem e seu destino, a etimologia teria cumprido atitude decorre, naturalmente, da primazia do as-
sua tarefa. A origem da forma pronunciada e escri- pecto semântico: como é que se poderia, no plano
ta homo não tinha qualquer i\llportância. semântico, derivar "tu compras" de "eu compro"?
Essa atitude ajuda a explicar a ausência de in- Mais uma vez, os conceitos necessários para isso
teresse pela morfologia no estudo lingüístico antigo entraram na tradição lingüística ocidental vindos
e medieval. A distinção de Varrão entre declinatio de fora, da tradição gramatical semítica e, mais tar-
naturalis - correspondente à morfologia flexional de, indiana. Só quando essas noções fundamentais
(declinações de nomes, conjugações verbais etc.) - entraram em circulação é que puderam surgir as

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

modernas disciplinas da morfologia e da filologia por terem origem nas ilhas britânicas) que daí re-
histórico-comparativa. sultaram os alunos podiam encontrar os conceitos
gramaticais ensinados por Donato dispostos junto
com os paradigmas de que necessitavam para apren-
2.3 A gramática na Idade Média der a escrever a língua ou compreendê-la plenámen-
te. Essas obras foram as primeiras gramáticas siste-
De que maneira, então, os primeiros estudio- máticas do Ocidente elaboradas para estudantes de
sos medievais se ocuparam com o ensino do latim'? uma língua estrangeira as ancestrais de nossas
Pois o latim, o idioma da Igreja ocidental, era uma
gramáticas escolares tradicionais. Como taI, é mui-
língua estrangeira para os novos convertidos da Ir-
to importante para a lingüística a contribuição que
landa, Inglaterra, dos países de língua alemã, da
Escandinávia e da Europa oriental. A orientação elas deram - a passagem de uma gramática primor-
semântica e taxionômica de gramáticas como a de dialmente semântica e taxionômica para uma gra-
Donato era de pouca valia para aqueles alunos: as mática descritiva, baseada na forma. Assim. os
formas latinas que Donato considerava óbvias eram primórdios do lento processo que a lingüística ~ci­
precisamente o que eles precisavam aprender. Como dental empreenderia para se haver com a forma de-
as regras derivacionais eram desconhecidas, torna- vem ser buscados nas escolas monásticas das ilhas
ram-se essenciais os paradigmas modelos que britânicas nos séculos VII e VIII.
explicitavam cada forma flexionada das partes do Tão inadequado quanto a orientação teórica
discurso numa seqüência padronizada. No começo, das gramáticas latinas tardias era o material de
os mestres simplesmente compilaram essas infor- exemplificação que usavam. O objetivo do jovem
mações separadamente, reunindo paradigmas de aluno romano fora apropriar-se dos textos mais
incontáveis nomes e verbos com longas listas de
prestigüi.dos de sua época; o jovem monge irlandês
exemplos tirados do vocabulário cristão. Cada pos-
ou anglo-saxão considerava a gramática como uma
sível subtipo - cada sufixo derivacional, cada gê-
nero, cada terminação nominal era exemplificado ferramenta para a compreensão da Bíblia. Os exem-
separadamente. Mas, por fort;a da experimentação, plos tirados da literatura clássica, usados pelos an-
os mestres identificaram importantes subtipos tigos gramáticos, foram substituídos em grau maior
morfológicos, e com isso restringiram sua seleção ou menor pelos diferentes mestres: alguns, como
de paradigmas. Por volta de 700, ocorrera uma fu- Bonifacio (c. 675-754), não viam objeção em usar
são desse material com a Ars minor de Donato: nas breves excertos da Eneída ao lado de versículos da
gramáticas elementares insulares (assim chamadas Bíblia, enquanto outros, como Aspório (c. 600),
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

chegaram mesmo a substituir a "Roma" e o "Tibre" nas Partitiones de Prisciano, que analisa um espéci-
de Donato por "Jerusalém" e "Jordão". Poucos me representativo de cada parte do discurso:
gramáticos conseguiram empreender uma síntese
Que parte do discurso é a palavra codex?
mais bem-acabada de gramática e fé. Virgílio Um nome.
Gramático (c. 650), um autor enigmático que se Como sabes?
deleitava em explorar os recursos de formação de Porque denota algo identificável e tem flexão de caso.
palavras do latim para acomodar suas sutis É próprio ou comum?
apercepções (inventou o verbo vidare, "ver com os Comum.
olhos do espírito", para contrastar com o mais usual
videre, "ver com os olhos físicos"), empregava a tra-
dicional ars grammatica como um arcabouço para
l Por quê?
Porque existem muitos códices.

Esse gênero se manteve popular e produtivo


mostrar como a linguagem das Escrituras apontava até o final da Idade Média: as gramáticas analíticas
ad sublimiora, "para coisas mais elevadas". Por vol- Dominus quae pars e a Ianua (Poeta quae pars),
ta de 800, Esmaragdo, mais conhecido por sua obra ambas impressas regularmente, estiveram entre as
devocional Diadema monachorum, incluiu em sua gramáticas mais comuns em uso nos séculos XIV e
gramática um apanhado das técnicas de força XV, e foram o modelo para sátiras políticas e sociais
ilocutória empregadas em diferentes contextos como Nummus quae pars:
escriturísticos como parte de seu projeto de ofere-
Que parte do discurso é "moeda"?
cer uma introdução simultânea à compreensão da
Uma preposição.
gramática e das Escrituras. Por quê?
Sob a chefia de Carlos Magno e dos mestres Porque ela é pré-posta a todas as outras partes do discur-
que reuniu em sua corte por volta do ano 800, o so e ramos do conhecimento baseados nelas ...
renascimento carolíngio trouxe não somente uma De que número é?
revivescência do interesse pelas obras literárias da Singular e plural.
Antigüidade mas também uma mudança nos inte-
' '
.

resses dos gramáticos. As gramáticas elementares


I Por quê?
Porque é singular entre os pobres e plural entre os ricos.
insulares foram descartadas, sendo substituídas ou De igual importância para a alta Idade Média
por uma versão ligeiramente expandida da Ars foi a redescoberta de outra obra de Prisciano, as
minar ou por gramáticas analíticas, manuais escri- Institutiones grammaticae. Detalhada e enfadonha
tos na forma de perguntas e respostas, inspirados demais para o uso pedagógico nos séculos VI e VIII,

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

foi apreciada pelos eruditos mais ambiciosos do sé- tante por excelência. Como se queixava Guilherme
culo IX. De Alcuíno (c. 735-804) em diante, gera- de Conches, no início do século XII, "as definições
ções de mestres se dedicaram à tarefa de tornar a [de Prisciano] são obscuras e ele não dá explicação
doutrina das Institutiones mais acessível a seus alu- nenhuma, e omite as razões para a invenção das
nos, preparando versões resumidas, paráfrases, partes do discurso e de suas propriedades". Isso lan-
excertos e comentários, tudo isso elaborado para çou as bases para o trabalho subseqüente. No en-
ajudar o aluno a apreender sua doutrina divagante tanto, a introdução abusiva da dialética no âmago
mas dotada de autoridade. Sua terminologia tam- da gramática não encontrou aprovação universal.
bém exigia explicação, apresentando uma nítida se- Em meados do século XII, o influente gramático
melhança com a da lógica, uma área de estudo até Pedro Helias, que ensinava em Paris, fez um retor-
então muito pouco difundida. no deliberado aos recursos e métodos tradicionais
Mas a própria lógica estava prestes a penetrar da gramática (profundamente enriquecida, de todo
no currículo e a se tornar uma poderosa influência modo, por seus namoros com a dialética) em seu
no desenvolvimento da gramática no final da Idade comentário, amplamente estudado, sobre as
Média. Duas das obras de Aristóteles sobre lógica, Institutiones grammaticae. Gramáticos posteriores
as Categorias e o De interpretatione, acompanhadas seguiram seus passos, e a gramática e a dialética to-
pela Isagoge (Introdução) de Porfírio, entraram em maram rumos de desenvolvimento diversos. Os
circulação na tradução latina de Boécio e foram avi- gramáticos continuaram a fazer de Prisciano a base
damente estudadas por Alcuíno e seu círculo. O para seu estudo e dedicaram particular atenção aos
paralelo entre categorias lógicas e lingüísticas, tão livros sobre sintaxe. Devido às exigências feitas por
visível nessas obras, não deixou de surpreender seus certas universidades, como Paris e Toulouse, de que
leitores do século IX. Um deles, no mosteiro de Sankt todos os.estudantes ouvissem, durante o curso, dado
Gallen, na Suíça, tentou situar todos os tipos de número de exposições das Institutiones grammaticae,
nomes listados por Prisciano em uma ou outra das uma quantidade enorme de energia foi dispendida
dez categorias aristotélicas. Por meio de experimen- na composição de comentários e textos que aborda-
tos como esse é que se chegou' a uma interpenetração vam pontos específicos, quaestiones.
quase perfeita de gramática e dialética. O estudo da Num nível mais modesto, os gramáticos tam-
dialética provocou um questionamento crítico e bém produziram muito material didático novo, ele-
avassalador dos pressupostos da gramática tradicio- mentar e intermediário, muitas vezes em verso.
nal, da qual Prisciano foi considerado o represen- Entre esses livros escolares estavam o Doctrinale
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

(1199), de Alexandre de Villa Dei, e o Graecismus de Aristóteles até então inacessíveis entravam em
(1212) de Eberhard Bethune, conhecidos em toda a circulação desde a Espanha e a Sicília em traduções
Europa católica, bem como diversas obras geografi- latinas recentes, a partir da década de 1140, os estu-
camente mais restritas: as gramáticas de Alexandre diosos experimentaram as novas idéias em cada um
N eckham, João de Garland, Nicolau Kempf, dos ramos tradicionais de conhecimento. Com a
Johannes Schlispacher, Johannes Balbi Ooão de Metafísica e outras obras, eles aprenderam a questio-
Gênova), Gutolfo de Heiligenkreuz, o Fundamen- nar a própria natureza das disciplinas tradicionais.
tum puerorum de Tomás de Erfurt, e várias outras. Aristóteles tinha oposto as disciplinas especulativas
Gradualmente, o livro didático gramatical se (ou teóricas) às habilidades práticas: "O objetivo do
metamorfoseou, da estrutura tripartite da antiga conhecimento teórico é a verdade, enquanto o do
Schulgrammatik para uma nova estrutura em qua- conhecimento prático é a eficácia" (Metafísica, II 993b
tro partes: orthographia (as propriedades da littera); 21-2). Assim, o arquiteto entende os princípios
prosodia (as propriedades da sílaba, como duração e subjacentes ao desenho dos edifícios, ao passo que o
tonicidade); etymologia (as oito partes do discurso) construtor simplesmente possui o conhecimento téc-
e diasynthetica (sintaxe). Essa estrutura progressi- nico relativo à mistura da argamassa. Essa dicotomia
va, que avança desde a menor unidade até a maior, entre ramos teóricos e práticos do conhecimento foi
é a ancestral da moderna hierarquia de fonética, estendida à linguagem por diversos autores a partir
fonologia, morfologia e sintaxe. Nessas obras, pode- de Rogério Bacon (c. 1214-1292). A ,qrammatica
se ver um estreitamento de foco da gramática, que speculativa investigava os princípios universais da
se afasta das preocupações universais e semantica- gramática, enquanto a grammatica positiva se preo-
mente enviesadas da Antigüidade para se dedicar aos cupava com os detalhes de uma língua particular. A
pormenores de uma língua particular, o latim. Nas grammatica speculativa se concentrava no essencial e
circunstâncias, esse estreitamento era inevitável: sem- universal, e agrammatica positiva, no acidental e par-
pre que existir uma ampla necessidade de aprendi- ticular. Os praticantes medievais tardios da
zado da gramática de uma líµgua específica, o foco grammatica positiva levavam adiante uma tradição
se fechará na gramática descritiva, "particular". bem estabelecida que se perpetuou no Renascimento.
No final do século XII, a restrição (cada vez Os gramáticos especulativos, por seu turno, estavam
mais consciente) do foco da grammatica foi cientes da novidade de seu empreendimento.
contrabalançada por um novo impulso ao estudo do Os mais conhecidos adeptos da gramática
aspecto universal da linguagem. À medida que obras especulativa foram os modistas ( modistae), um pe-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜfSTICA 2., A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

queno grupo de eruditos em atividade na universi- doleo possui o rnodus esse, o modo da mudança e da
dade de Paris entre 1250 e 1320. Martinho da Dácia sucessão.
e Miguel de Marbais estão entre os mais renomados A teoria sintática modista (que recentemente
representantes da primeira geração de modistas; To- foi objeto de comparação com a moderna teoria das
más de Erfurt e Sigério de Courtrai, da segunda. Sua valências) só pode ser avaliada adequadamente
doutrina se baseava na noção dos modí s(qnificandi, quando se sabe mais acerca de idéias não-modistas
"modos de significação'', que fornecia um arcabouço sobre sintaxe, como as que se preservaram em co-
para se descrever o processo de verbalização. Na mentários sobre as lnstitutiones grammaticae. Pode
concepção modista, o objeto do mundo exter- ser que os modistas tenham recebido o crédito de
no ao entendimento humano, podia ser apreendido idéias que, na época, eram lugar-comum. Certamen-
como um conceito pelo entendimento, e o conceito te, foi o sustentáculo cognitivo sua teoria, a es-
podia ser dado a conhecer por um signo falado, tor- trutura subjacente aos próprios modi s(qnijicandi,
nando-se dessa maneira um significado (no sentido que atraiu a crítica da posteridade, mais do que sua
saussuriano de signifié), res signifkata. As proprieda- teoria propiiamente sintática. Em meados do sécu-
des da res sígnij!cata, seus modi significandi (direta- lo XIV, o modismo sofreu o ataque de filósofos
mente derivados das propriedades do objeto no mun- nominalistas como Guilherme de Occam (c. 1285-
do real) serviam para diferenciar gramaticalmente as 1349). Ele negou a existência de qualquer conexão
unidades semânticas {dictiones). Por exemplo, várias intrínseca entre palavras e realidade, pressuposto
dictiones diferentes veiculam a idéia básica de dor: em que repousavam os modí s(qnificandi, e demons-
dolor ("dor"), doleo ("sinto dor"), doLens ("doente"}, trou as diferenças entre as propriedades da lingua-
dolenter ("dolorosamente"), he1l ("ai!"). Elas só po- gem mental e da língua falada. A língua, concluiu
dem ser diferenciadas funcionalmente quando a dictío Occam, não serve como um espelho da cognição ou
se torna parte de um enunciado completo - uma pars da realidade exterior; seria muitíssimo melhor es-
orationis, "parte da oração" - pelos modi s~qn~ficandi tudar diretamente o pensamento - ou a realida-
das diferentes partes do disc;urso. Dolor, o substanti- 1I de dispensando a mediação traiçoeira da lingua-
vo "dor", se distingue do verbo doleo ("sinto dor") gem. Nesse ínterim, contudo, a doutrina dos mod1:
por ter o modus entis, o modo de estabilidade e penna- s~qnificandi se infiltrara nos níveis mais elementa-
nência - pois a dor é um fenômeno permanente que res do ensino, sobretudo na AJemanha, e alguns de
no mundo -, ao passo que a dor inerente em seus termos e conceitos - em forma simplificada
doleo pode mais tarde ser substituída pela alegria, pois - se tornaram lugares-comuns gramaticais. Mes-

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2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

mo séculos depois, a expressão "maniere de signzfier" denotar três gêneros literários bastante diferentes:
ainda era fartamente utilizada pela Gramrnaire 1) livros didáticos preparados para ensinar latim a
générale et raisonnée (1660) de Port-Royal. falantes não-nativos, escritos em vernáculo; 2) obras
escritas numa língua vernácula que explicitam os prin-
2.3.1 Experimentação: gramáticas cípios gerais da gramática - quase sempre os princí-
vernáculas medievais pios de natureza semântica e funcional - e extraem
seus exemplos da língua em que são escritas; 3) obras
É na tradição latina que devemos buscar a cor- que descrevem a estrutura do vernáculo, usando nor-
rente dominante do pensamento lingüístico medie-
malmente o vernáculo como meio de expressão.
val, pois o latim era a língua de toda a intelectualida-
Embora a maioria de nós hoje em dia acredite
de e erudição - a língua internacional que unia
todos os cristãos letrados, bem como a língua mais que uma língua estrangeira é mais bem descrita por
bem descrita à disposição do lingüista e do filósofo. meio da língua materna, este pode não ser o caso
Na teoria, o grego e o hebraico possuíam o mesmo numa sociedade em que o vernáculo não é escrito e
status do latim, reverenciados conjuntamente como carece do vocabulário técnico para lidar com as
as "três línguas sagradas" inscritas na cruz de Cris- minúcias gramaticais. Os primeiros gramáticos me-
to3, mas na prática poucos ocidentais antes do dievais mantiveram o latim como meio de expres-
Renascimento tinham um conhecimento dessas lín- são de seus próprios manuais, em parte seguindo as
guas que fosse além da simples capacidade de deci- pegadas de Donato (embora a gramática dele, que
frar seus alfabetos. Quanto aos vernáculos, isto é, tinha um público-alvo falante de latim, fosse em sua
às várias línguas faladas na Europa ocidental, só própria época do tipo 2 acima), em parte favorecen-
pouco a pouco vieram a ser escritas; e somente en- do a solução que mais rapidamente trouxesse seus
tão, quando as pessoas estavam habituadas a ler em alunos ao ponto de serem capazes de ler a Bíblia em
sua própria língua, é que houve alguma necessida-
latim. O -primeiro a romper com essa tradição bem
de de gramáticas escritas no ou sobre o vernáculo.
estabelecida foi Elfrico (JElfric), que escreveu no
A expressão "gramáticas medievais vernácu-
sul da Inglaterra perto do ano 1000. O inglês antigo
las" é usada em geral de niodo pouco preciso para
tinha, por essa época, sua própria tradição literária
3. "Pilatos redigira um letreiro que mandou afixar sobre a florescente, e Elfrico podia contar com um público-
cruz: ele trazia esta inscrição: 'Jesus, o Nazoreu, rei dos judeus'. alvo já capaz de ler em sua língua nativa. Por essa
Muitos judeus puderam ler este letreiro, porque o lugar onde Jesus razão, ele traduziu uma paráfrase (radicalmente
ünha sido crucificado ficava próximo da cidade, e o texto estava
escrito em hebraico, latim e grego" Qoão 19,19-20) (N. do T.). abreviada e rearranjada) das Institutionesgrammati-

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

cae de Prisciano em inglês antigo, acrescentando um nâmicas, e nessas três áreas foram escritas gramáti-
amplo número de peculiaridades locais à medida que cas desse tipo.
escrevia. Ele mostra pouco interesse pela gramática A mais antiga conhecida é a porção canônica
de sua própria língua, pois este não era seu objeto. daAuraicept na n-Éces, "A cartilha do erudito'', uma
Apenas observa que ambas as línguas têm oito par- gramática em irlandês antigo, cujas porções mais
tes do discurso, que o impessoal é raro em ambas, e antigas devem remontar ao século VII. Embora
que a atribuição de gênero aos nomes nem sempre é moldada, ao fim e ao cabo, sobre os gramáticos ro-
a mesma. Embora a gramática de Elfrico tenha se manos da Antigüidade tardia, a doutrina da
tornado muito popular durante o século XI, o de- Auraicept é singularmente independente e excên-
senvolvimento ulterior de uma tradição gramatical trica. Conceitos gerais se mesclam com pormenores
inglesa foi interceptado pela chegada dos normandos4 , próprios ao irlandês antigo. Por exemplo, o concei-
que trouxeram consigo suas próprias gramáticas lati- to de caso é estendido dos seis do latim para incluir
nas favoritas. Foi preciso esperar até o final do século algo como 28 no irlandês antigo. Os gramáticos pos-
XIV para que o inglês novamente fosse usado como teriores das escolas dos bardos se concentraram nas
meio para as aulas de latim, na mesma época em que complexidades das flexões, na formação de palavras
as línguas vernáculas cobravam seu lugar na instru- e na sintaxe do irlandês.
ção gramatical em todo o Ocidente. Na Islândia, o norueguês arcaico rapidamente
As gramáticas que visam estabelecer os prin- estendeu seu domínio das sagas originalmente orais
cípios gerais ou universais da gramática tendem a para obras eruditas traduzidas do latim. Em mea-
ser escritas na língua habitualmente usada pelos dos do século XIII, Óláfr Thórdharson adaptou o
intelectuais da comunidade para as quais foram pla- conteúdo dos livros I e III da Ars maior de Donato
nejadas. Somente quando e onde existe uma tradi- (com uma grande quantidade de doutrina adicional
ção de cultura escrita vernácula é que se sente a colhida em Prisciano e outras fontes) para o norue-
necessidade de que tais gramáticas sejam escritas guês arcaico nos assim chamados Terceiro e Quarto
no vernáculo. A Irlanda, a Islândia e a Provença Tratados Gramaticais (designados pela ordem em
possuíam tradições literárias vernáculas muito di- que aparecem num importante manuscrito que con-
tém os quatro tratados gramaticais, o Codex
4. No ano de 1066, o duque da Normandia (norte da Fran-
ça) Guilherme, apelidado o Conquistador, reclamando direitos de
Wormianus [AM 242]). Tanto o vocabulário técni-
herança, invadiu a Inglaterra, tornou-se rei (Guilherme I) e insti- co quanto a substância da doutrina são adaptados
tuiu o francês como língua oficial do país (N. do T.). às condições islandesas (muito diversas da roma-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

na), de uma maneira notavelmente bem-sucedida. freqüentemente descobriam por acaso técnicas que
Sob a rubrica da littera, por exemplo, Thórdharson associamos com uma teoria altamente sofisticada;
inclui uma detalhada discussão das runas 5 ; além dis- mas a semelhança entre o uso de pares mínimos pelo
so, em vez de usar os tradicionais trechos de poetas Priniciro Gramático e a moderna análise fonológica
latinos para exemplificar as figuras de estilo, ele é mera coincidência. É sabido que a tecnologia e a
apresenta passagens adequadas colhidas em ciência se desenvolvem em ritmos diferentes e ao
escaldos 6 noruegueses e em versículos cristãos. longo de trilhas diferentes; de igual modo, a
O Primeiro Tratado Gramatical, mais conhe- "tecnologia" lingüística tal como encontrada em
cido, de autoria de um islandês anônimo que escre- obras medievais sobre ortografia, em gramáticas que
veu uma geração antes, contém uma proposta de ensinavam línguas estrangeiras, em dicionários e
reforma da ortografia do norueguês arcaico que de- assim por diante, freqüentemente tem pouca rela-
riva boa parte de sua inspiração dos alfabetos rúnicos ção com as preocupações da lingüística teórica de
contemporâneos. Ao justificar os numerosos sím- hoje em dia.
bolos que acrescenta ao alfabeto latino usado para o As primeiras tentativas de escrever uma gra-
norueguês, o autor faz recurso a pares mínimos para mática abrangente de um vernáculo medieval ocor-
demonstrar a fonemicidade dos sons que deseja dis- reram na Provença (sul da França), no século XIII-
tinguir. Embora às vezes vá longe demais, admitin- XIV. A alta consideração de que gozava a poesia dos
do vários alofones em seu alfabeto, seu procedimen- trovadores criara uma erupção de aspirantes a poe-
to é notavelmente sistemático. Este texto exemplifica ta do gênero na Itália e na Catalunha, pouco familia-
a natureza profundamente utilitária da maioria das rizados com os refinamentos do uso provençal. Mais
obras medievais dedicadas a uma língua vernácula, tarde, depois do desastre cultural que foi a cruzada
textos do terceiro tipo mencionado acima. Enquan- contra os albigenses 7 , os próprios falantes nativos
to atacavam problemas práticos como o da reforma do provençal precisavam instruir-se sobre a língua
ortográfica, autores como o Primeiro Gramático
7. Os albigenses (da cidade de Albi, na Provença) eram mem-
bros de uma facção da seita dos cátaros, que professavam doutrina
5. As runas eram os 24 sinais gráficos que compunham um maniqueísta, pregavam a austeridade e a não-violência, tendo sur-
alfabeto usado no noroeste da Europa, especialmente na gido no sul da França no século XI. Foram exterminados no início
Escandinávia e nas Ilhas Britânicas, entre os séculos III-XVII d.C., do século XIII por uma cruzada movida pelo papado e empreendi-
possivelmente derivadas do alfabeto latino (N. do T.). da por nobres franceses. Com isso, a Provença perdeu sua autono-
6. Escaldo (do norueguês skald): poeta escandinavo medie- mia política, o que acarretou também a decadência da cultura
val (N. do T.). provençal (N. do T.).

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

dos primeiros trovadores. Das obras, relativamente preciso ter em merite o ponto de vista - tão estra-
numerosas, produzidas em auxílio deste público, a nho para o século XXI - daqueles que estavam en-
mais notável são as Leys d'Amors, um tratado sobre volvidos com os estudos intelectuais na Idade Mé-
gramática e poética publicado em 1336. É a primei- dia. As pessoas em todas as épocas preferem inves-
ra descrição sistemática de um vernáculo europeu tir seu esforço na aquisição do conhecimento que
medieval e, de longe, a mais detalhada descrição de será verdadeiro, certo e duradouro; contudo, para-
qualquer língua ocidental (com exceção do latim e do doxalmente, o tipo de conhecimento que satisfaz
grego) até bem adentrado o século XVI. O repertório
esses critérios muda de uma época para outra. Os
de conceitos gramaticais disponibilizado por Donato,
eruditos medievais buscavam tal conhecimento no
Prisciano e pelos modistas oferece uma infra-estrutu-
ra teórica explorada com sensibilidade. O autor admi- universal e no eterno - nos princípios que embasam
te sem constrangimentos que o provençal difere do e transcendem os fenômenos terrenos, em vez de
latim por lhe faltar todo um conjunto de casos indica- 1 nos próprios fenômenos transitórios. O pensamen-
dos formalmente, embora, como sublinha, a função 1 to, aguçado pelo estudo da lógica, era para eles uma
de caso possa ser indicada de modo igualmente cla- ferramenta muito mais valiosa do que qualquer ou-
ro em provençal. Somente o uso provençal pode ser tra. Uma vez que os princípios inerentes aos fenô-
definitivo para o provençal, insiste ele. menos terrenos - como os ciclos de vida das cria-
As Leys d'Amors anunciavam um grau de inte- turas animadas ou os movimentos dos corpos celes-
resse cada vez maior pelos vernáculos europeus en- tes - tinham sido formulados por um pensador da
quanto avançavam os séculos XIV e XV. Diferente- envergadura de Aristóteles, a observação empírica
mente de várias gramáticas renascentistas do ver- servia apenas para exemplificar esses princípios esta-
náculo, as gramáticas vernaculares medievais per- belecidos. Não quer dizer que os estudiosos medie-
tencem nitidamente ao domínio da gramática parti-
vais fossem incapazes de fazer observações empíricas,
cular (e não da universal) e prática (e não teórica
como nôs mostram os perspicazes comentários de
ou polêmica). A atitude dos eruditos renascentistas
para com o vernáculo foi bem mais ambígua. Beda (c. 673-735) sobre as marés - simplesmente,
parecia-lhes que a observação era um caminho me-
nos seguro para o conhecimento do que o oferecido
2.4 O Renascimento e além: universal e particular pela lógica e pelas ciências matemáticas.
Essa atitude foi estendida também para a lin-
Para entender a fundamental diferença de ca- guagem, na distinção entre grammatica speculativa
ráter entre a lingüística pré e pós-renascentista é e grammatica positiva. Suas implicações, a princí-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

pio, foram só parcialmente percebidas, e várias gra- resulta em pesquisadores isolados duplicando as
máticas medievais tardias, como as Leys d'Amors, descobertas uns dos outros -, ela invariavelmente
contêm elementos de ambos os tipos. Mas essas duas ressurge como a corrente dominante. Desde mais
perspectivas de consideração da linguagem cada vez ou menos 1500, o foco da pesquisa lingüística tem
mais foram divergindo. Com nitidez crescente ao alternado entre a abordagem particular e a univer-
longo do século XVI e além, podemos discernir duas sal, em intervalos de aproximadamente um século e
abordagens bem diferentes da linguagem: a aborda- meio. Narrar o desenvolvimento da lingüística des-
de o Renascimento em nacos de um século seria
gem "particular", que se concentra nos fenômenos
obscurecer a continuidade de cada abordagem. Em
físicos que diferenciam as línguas, e se aproxima
vez disso, vamos tomar primeiro a abordagem parti-
muito das recém-surgidas ciências biológicas em cular e em seguida a universal e examinar cada uma
seus métodos e resultados; e a abordagem "univer- delas sistematicamente.
sal" que, concentrando-se nos princípios subjacentes
à linguagem, continuou a buscar muito de sua ins-
piração e de seu método na filosofia e especialmen- 2.5 A descoberta do particular
te na lógica.
A lingüística desde o Renascimento tem seca- Talvez o aspecto mais característico da lingüís-
racterizado pela constante inter-relação e alternân- tica ocidental pós-medieval seja a investigação cada
cia dessas duas abordagens, às vezes na forma de vez mais sistemática do particular na língua. En-
uma competição declarada entre escolas opostas, às quanto no final da Idade Média a divisão entre gra-
vezes de forma mais sutil dentro do trabalho de um mática especulativa e gramática positiva correspon-
indivíduo. A corrente dominante da pesquisa cien- dia cqrosso modo à divisão entre ciência e tecnologia
tífica é, normalmente, controlada por uma das abor- medievais, essa equação já não funciona bem a par-
dagens; a outra, depreciada pela corrente dominan- tir do Renascimento. A visão medieval de que os
te, torna-se clandestina, fomentada por alguns "ex- fenômenos terrenos transitórios não continham
nenhum sistema perceptível e, portanto, não eram
cêntricos" ou por pequenos grupos periféricos, isto
dignos de estudo foi substituída pela certeza cumu-
é, geográfica e intelectualr'nente distantes do cen- lativa de que as regularidades eram inerentes mes-
tro. Apesar dos inconvenientes impostos à conti- mo nos fenômenos superficialmente arbitrários e
nuidade da tradição clandestina desprezada - pois irregulares do mundo físico. A ordem do cosmo era
muitas intuições são esquecidas durante o período reproduzida na terra: o sistema e a regularidade pre-
de latência, e a separação geográfica muitas vezes viamente associados somente com o reino celes-
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

te imaterial eram agora buscados no plano físico. A mais amplo da população, e um mercado considerá-
crescente atenção dedicada ao mundo natural en- vel de manuais ortográficos e de dicionários do ver-
quanto transcorriam os séculos XV e XVI teve seu náculo surgiu e cresceu durante o século XV. As
paralelo no progressivo interesse despertado pela gramáticas eram uma necessidade bem menos ur-
investigação do que havia de individual e particular gente: as traduções vernáculas da Ars minar de
na lingua(gem). Em vez de se concentrar naquilo Donato, que proliferaram durante o século XV, vi-
que transcendia as línguas individuais, os estudio- savam em sua grande maioria ajudar o jovem aluno
sos começaram a examinar os aspectos que diferiam às voltas com seu latim. O Donat françois (Donato
de uma língua para outra. O elemento semântico, francês) de John Barton (c. 1400), a mais antiga gra-
assumido como universal, foi se tornando um pon- mática conhecida do francês, é uma exceção notá-
to cada vez mais pacífico à medida que os estudio- vel; mas sua intenção era ajudar os falantes de in-
sos se apercebiam da complexidade e diversidade glês a aprender o francês correto. A maioria das gra-
dos aspectos físicos da língua(gem) - o elemento máticas do final do século XV e início do XVI era,
em que o significado estava "encarnado", para usar como a obra de Barton, escrita em benefício de es-
os termos do pensamento medieval. As modernas trangeiros, mais do que de falantes nativos. Afinal,
disciplinas da fonética, fonologia, morfologia e com que freqüência os falantes nativos, hoje em dia,
filologia histórico-comparativa emergiram todas consultam gramáticas de sua própria língua?
dessa recém-sentida urgência de encontrar sistemati- De vez em quando, porém, as gramáticas eram
cidade nos aspectos físicos da língua(gem). escritas com vistas a uma finalidade diferente: de-
No nível mais básico, as gramáticas descriti- monstrar (a despeito das alegações em contrário)
vas eram uma necessidade premente. Os vernácu- que os vernáculos eram tão capazes de ser sistema-
los europeus ocidentais estavam se apoderando das tizados _em regras quanto as línguas clássicas. Na
áreas outrora dominadas pelo latim: primeiro as crô- Itália, por exemplo, muita gente achava difícil acre-
nicas e os estatutos, em seguida manuais populares ditar que o latim clássico jamais tivesse sido a lín-
e obras de entretenimento e, por fim, até mesmo a gua diária do populacho romano. Usando a situa-
'
pesquisa erudita eram registrados no dialeto local ção lingüística da própria época como modelo, ar-
ou na recém-padronizada língua nacional. A partir gumentava-se que o latim dos discursos de Cícero
do momento em que a alfabetização já não implica- era uma língua altamente complexa e artificial, co-
va o aprendizado do latim, a leitura-escrita se tor- nhecida somente por um pequeno grupo de erudi-
nou uma habilidade acessível a um espectro bem tos versados em gramática; em casa, Cícero usaria
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

decerto o vernáculo local - talvez o próprio italia- XVI 8 ' de modo que as gramáticas mais tardias dos
no, sugeria-se, ou uma forma antiga dele - que "não vernáculos são em geral mais artificialmente
tinha nenhuma regra". Para combater essa visão, o consh·angidas pelo modelo latino do que as anterio-
polígrafo Leon Battista Alberti (entre cujos nume- res - um exemplo da tradição universal ultrapas-
rosos escritos havia obras sobre óptica e arquitetu- sando a particular, em detrimento desta.
ra) escreveu uma sucinta gramática do italiano (c. A recém-despertada consciência lingüística não
1450, mas só impressa em 1973) com o propósito se restringia de modo algum aos vernáculos euro-
manifesto de mostrar que o italiano também tinha peus. O grego, até então, tinha permanecido quase
regras. De igual modo, o influente gramático ale- tão inacessível quanto a mais remota língua asiáti-
mão Johannes Claius enfatizou que sua abrangente ca; agora, com a chegada à Itália de eruditos gregos
gramática (1578), baseada nas obras de Lutero, de- vindos de Constantinopla habilitados a ensinar sua
monstraria o erro da opinião comum de que a lín- língua, ao menos Platão e o Novo Testamento po-
gua alemã era extremamente difícil e não sujeita a diam ser estudados em seu idioma original. Gramá-
quaisquer regras gramaticais. De fato, ele delibe- ticas do grego, primeiramente em grego, como as de
radamente tornou suas regras o mais semelhantes Constantino Láscaris e Manuel Crisóloras, e, em
possível às do latim, a fim de dissipar qualquer dú- seguida, de modo mais acessível, em latim (como a
vida acerca da natureza "regular" do alemão. Essa de Aldo Manúcio), logo estavam escoando das pren-
ambição - que não se restringe, de modo algum, a sas italianas.
Claius - está enh·e as que distinguem muitos dos E quanto ao hebraico, a terceira das "três lín-
primeiros gramáticos modernos do vernáculo de guas sagradas"? Uns poucos estudiosos, com o ris-
co de enfrentar o opróbrio da Igreja, procuravam
seus antecessores medievais. Enquanto as obras
judeus que pudessem ser persuadidos a ensinar-lhes
anteriores eram compostas com um fim
o hebraico. As dificuldades envolvidas em apren-
determinantemente prático em vista - e, na maio-
der hebraico eram consideráveis. Não só era impos-
ria dos casos, notavelmente desembaraçadas do la-
tim-, muitas gramáticas do Renascimento seja de
8. Exemplo do procedimento descrito pela autora se encon-
línguas européias ou de lÍnguas mais exóticas, fo- tra na obra do português Duarte Nunes de Leão, Ori[fem. da lín[fua
ram escritas com a intenção de demonstrar a "regu- portiwuesa (1606), onde se lê: "E por a muita semelhança que a
laridade" inerente da língua examinada. A equipa- nossa língua tem com ella [a latina] e que he a maior que nenhüa
língua tem com outra, & tal que em muitas palavras & períodos
ração de "regularidade" com as regras do latim se podemos fallar, que sejão juntamente latinos & portugueses" (N.
tornou cada vez mais explícita ao longo do século do T.).

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OClDENTAL ATÉ 1900

sível, no mais das vezes, encontrar professores relata Pellican, constrangido - que em hebraico é a
adequadamente preparados e dispostos a colaborar terceira pessoa que é crucial, não a primeira. Pellican
- afinal, pouquíssimos eram os judeus do século labutara durante vários meses sem saber esse fato
XV que tinham um bom conhecimento da língua, e elementar, um dos primeiros que um iniciante de
muitos deles suspeitavam dos motivos de seus aspi- hoje aprenderia. Este episódio e outros semelhan-
rantes a alunos como também, mesmo quando tes dão alguma idéia das dificuldades envolvidas em
se encontrasse um professor, não havia livros didá- se obter mesmo algumas migalhas de hebraico, uma
ticos utilizáveis. As gramáticas elementares usadas situação exacerbada pela expulsão dos judeus de
dentro das comunidades judaicas eram escritas, várias partes da Europa por volta dessa época. Nas
naturalmente, em hebraico, tal como as gramáticas primeiras décadas do século XVI, imprimiu-se cer-
do latim eram escritas normalmente em latim, as to número de gramáticas hebraicas em hebraico,
gramáticas bizantinas do grego eram em grego, e ocupando destaque entre elas a de Moshe Qiml:ii com
assim por diante. Uma gramática hebraica desse tipo um comentário de Elias Levita, e se experimentou
era totalmente inacessível a alguém que não tivesse diversos meios de tomá-las acessíveis aos iniciantes.
o conhecimento mínimo da língua. Um humanista Uma solução tentada foi imprimir uma tabela para
do Renascimento, Conrad Pellican, deixou-nos uma o alfabeto, presumindo que o estudante, uma vez
vívida descrição de suas agruras para aprender o capaz de decifrar a escrita, estava preparado para
hebraico no ano de 1500. Ele tinha conseguido uma aprender os conteúdos do livro. Outra foi imprimir
cópia dos Profetas e dos Salmos em hebraico e esta- uma tradução latina em face do texto hebraico (ou,
va aprendendo a língua por conta própria, usando como fez Sebastian Munster em sua edição e tradu-
como método a comparação entre o texto hebraico ção da gramática de Qim};li, imprimir a versão lati-
e a tradução latina. Como sabia que em latim e gre- na na pi:imeira metade do volume e o original
go a forma verbal de maior importância era a pri- hebraico na segunda). Somente quando o próprio
meira pessoa do singular do presente do indicativo, Reuchlin deu à luz uma gramática hebraica em la-
saiu em busca de verbos d~ primeira pessoa no tex- tim (De rudimentis hebraicis, 1506) uma obra bem
to hebraico, mas encontrou pouquíssimas. Deses- planejada e lindamente impressa, que seguia de per-
perado, recorreu a um erudito que visitava sua uni- to os métodos tradicionais de descrição do hebraico
versidade, em Tübingen, o célebre humanista e desenvolvidos pelos gramáticos judeus - é que o
hebraísta alemão Johannes Reuchlin, que lhe expli- hebraico se tornou acessível a um público mais am-
cou com mais de uma risadínha abafada, como plo. Gramáticos posteriores fizeram de tudo para
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

tornar o hebraico o mais conforme possível ao mol- tauraria a ordem? A descoberta de Babel, um proble-
de latino familiar: a gramática de Nicolas Clénard ma que o século XVI legou ao XVII, suscitou várias
(1529), sucessora da de Reuchlin em popularidade, tentativas de solução, algumas de dentro da tradição
é notavelmente mais latinizada que sua antecessora. particular e algumas de dentro da universal. Os estu-
À medida que as viagens de descobrimento se diosos que se moviam dentro da h·adição particular
aventuravam cada vez mais longe, os europeus fo- tentaram se haver com as línguas em si mesmas:
ram encontrando um vasto nümero de línguas exó- quantas línguas havia? Como eram chamadas? Quem
ticas. Relatos das línguas do Oriente Médio e, em as falava? Que escrita usavam? Qual era sua história?
seguida, das da costa africana, das Américas e da As línguas, tal como as plantas e os animais, davam
Ásia gradualmente se difundiam conforme os capi- ensejo a uma caracterização e categorização sucinta.
tães e mercadores voltavam com pequenos glossá- De fato, foi um naturalista, o médico suíço Conrad
rios, e os missionários mandavam para casa gramá- Gesner, que acrescentou um dicionário de línguas
ticas e suas primeiras traduções da Bíblia e da lite- (Mithridates, 1555) a sua série de dicionários enci-
ratura devocional. Se no início do século XVI o clopédicos, organizados quase sempre em ordem alfa-
hebraico ainda era uma aquisição rara e difícil, um bética, na qual oferecia relatos minuciosos de todo o
século mais tarde as gramáticas do japonês, do tupi 9 conhecimento que se tinha então de flora, fauna, ro-
e de outras línguas jamais sonhadas antes estavam chas e minerais, criaturas marinhas e assim por dian-
em circulação (de modo limitado, obviamente). Os te. No Mithridates (assim chamado por causa de
europeus, cujo trabalho os levava para lugares dis- Mitridates, o mítico rei do Ponto que, segundo o his-
tantes, necessitavam, é claro, de gramáticas e dicio- toriador grego Heródoto, podia conversar com seus
nários como auxiliares práticos. Os que ficavam em süditos em cada uma das 22 línguas faladas em seus
casa usavam esses instrumentos, junto com as abun- domínios), Gesner dá uma breve notícia da localiza-
dantes traduções da Bíblia, como fonte de material ção e da história externa de cada língua, junto com
lingüístico. Agora que o espectro das línguas tinha outros fatos de que tivesse conhecimento. O inglês,
por exemplo, é descrito como a mais híbrida e cor-
se ampliado para além da iCapacidade de imagina-
rompida de todas as línguas, devendo sua origem a
ção de qualquer pessoa, o caos prevalecia. Quem res-
uma mistura do antigo bretão com o saxão e emprés-
timos lexicais tomados de mercadores franceses e, na
9. A autora se refere, decerto, à obra do padre José de
Anchieta, Artts dt gramática da língua mais usada na costa do Bra- época de Gesner, do latim. No final do volume havia
sil, publicada em Coimbra em 1595 (N. do T.). uma tabela desdobrável que mostrava o pai-nosso em

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

22 línguas. Gesner foi o primeiro de uma longa linha- As coletâneas de espécimes lingüísticos e os
gem de cientistas naturais a se interessar pelo aspecto dicionários enciclopédicos de línguas como o de
"particular" das línguas. Gesner ou (no início do século seguinte) o Thrésor
A coleta de dados entre os lingüistas do século de l'histoire des langues de cest univers, de Claude
XVI freqüentemente se resumiu à compilação de Duret sinalizam o recém-nascido entusiasmo pela
)

versões do pai-nosso no maior número possível de grande variedade das línguas - um fenômeno até
então considerado um estorvo, uma punição divi-
línguas. Esta é uma tradição que se perpetua até hoje,
na, e indigno de atenção séria. Tudo isso anunciava
com diversos sites da Internet oferecendo milhares
um aumento de interesse pelos aspectos que dife-
de traduções desta oração. As 22 versões de Gesner
renciam uma língua da outra no tocante à forma, e
eram todas extraídas de línguas do Velho Mundo, não na função comunicativa ou epistemológica: uma
sem se aventurar muito além da Pérsia e da Etiópia. mudança radical de percepção.
Por volta de 1593, Hieronymus Megiser conseguiu
listar umas quarenta línguas, incluindo várias 2.5.1. A.forrna na língua: a emergência da
escandinavas e eslavas, uma língua indígena ameri- .fonética e da morfologia
cana e o chinês. A abrangência se ampliou enorme-
mente ao longo dos séculos XVII e XVIII, culmi- Uma mudança mais sutil, mas não menos ra-
nando na grande coleção de mais de mil línguas dical, estava ocorrendo no modo como a língua era
estudada. O elemento semântico, a "alma" encar-
publicada em 1806 por]. C. Adelung em seu
nada no "corpo" da palavra, já não parecia tão inte-
Mithridates (uma retomada intencional da obra de
ressante; tomado a princípio como coisa óbvia pe-
Gesner). Tais coleções ofereciam aos candidatos a
los lingüistas que trabalhavam dentro da tradição
filólogos histórico-comparativistas sua fonte de da-
particula_r e, em seguida, desprezado, ele murchou
dos primordial. Embora seja um texto curto, o pai- nos arrabaldes da investigação, suplantado pelos
nosso contém vocabulário suficiente para permitir aspectos formais da palavra.
ao lingüista ousado lançar hipóteses sobre as rela- Uma área que conheceu um desenvolvimento
ções entre as línguas. Mas seu espectro de formas notável (apesar de esporádico) a partir de meados
gramaticais é tão limitado que não é de surpreender do século XVI foi a fonética. Embora já se encon-
que comparações morfológicas sistemáticas rara- trasse uma base para uma classificação articulatória
mente tivessem sido feitas, até que os estudiosos se dos sons nas Institutionesgrammaticae de Prisciano,
habituassem a trabalhar com textos mais longos. ela mal foi notada durante a Idade Média, o que não

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

surpreende: muito distante do já baixo valor atribuí- ringe; De locutione et eius instrumentis ("Sobre a fala e
do a esta parte mais obviamente física da palavra, havia seus órgãos") (1624), um resumo bastante convencio-
pouco estímulo prático para a investigação dos sons nal da doutrina fonética contemporânea salpicada com
do latim, conhecido apenas em sua forma escrita. So- um pouco de fonética articulatória; e De brutorum
mente no final da Idade Média, com as primeiras des- loquela ("Sobre a linguagem dos animais") (1624),
crições dos vernáculos, é que os sons passam a ser uma comparação dos sistemas de comunicação dos
sistematicamente descritos. Um dos estímulos para animais com a linguagem humana.
isso foi o desejo de registrar os sons peculiares a um A notável contribuição de Aquapendente e de
dado vernáculo; outro foi a descoberta da classifica- foneticistas como o dinamarquês Jacobus Mathiae
ção hebraica tradicional segundo seu ponto de articu- de Aarhus (De litteris, 1586) e do holandês Pedro
lação: guturais, palatais, linguais, dentais e labiais. Os Montano (De Spreeckonst, 1635) permaneceu tão
estudiosos ocidentais experimentavam agora aplicar afastada da corrente dominante da pesquisa lingüís-
essas categorias a línguas mais familiares. Infelizmen- tica que poucos de seus sucessores tiveram notícia
te, apesar das detalhadíssimas descrições articulatórias de suas intuições. Com a publicação dos Elements of
disponíveis em gramáticas do hebraico como as de Speech, de William Holder (1669), da Grammatica
Agathius Guidacerius (1529) e Augustus Sebastianus linguaeanglicanae, de John Wallis (1653), e doEssay
Novzenus (1532), a maioria dos gramáticos nunca foi towards a Real Character and a Philosophical
além da rotineira atribuição de cada letra a uma ou Language, de John Wilkins (1668), inaugurou-se
outra daquelas categoriais. Em geral, pessoas com uma uma tradição inglesa de fonética. No entanto, até
inclinação mais prática - professores de surdos-mu- mesmo noções elementares como ensurdecimento
dos, e não gramáticos - é que foram mais a fundo no e nasalidade continuaram a desconcertar muitos
estudo da articulação. autores, até o estabelecimento da fonética como dis-
Descrições anatômicas dos órgãos vitais, re- ciplina autônoma, na esteira da descoberta do
cém-postas à disposição do estudioso, como as do sânscrito e das obras indianas de fonética.
anatomista italiano Fabrício,de Aquapendente, for- Já a morfologia era um aspecto formal da lín-
neceram uma base sólida para tal trabalho. gua investigado com muito maior confiança. Antes
Aquapendente publicou três obras de interesse para do Renascimento, a idéia de que uma forma podia
a fonética: De visione, voce, auditu ("Sobre a visão, a ser derivada de outra ficou praticamente inexplo-
voz e o ouvido") (1600), contendo uma detalhada rada. Cada palavra era vista como uma unidade se-
descrição da estrutura, movimento e função da la- mântica; estava fora de questão isolar unidades

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2, A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

menores, como sugere a ausência de termos corres- ra e segunda pessoas do singular do presente do
pondentes a "raiz", "radical", "afixo" etc. Assim, indicativo) e não, corno esperaríamos, com a raiz
nas gramáticas renascentistas não havia regras de ou o radical. A coisa permanecerá assim até a des-
derivação como as familiares ao leitor de hoje em coberta da noção indiana de raiz no início do século
dia: "Para formar o pretérito imperfeito da primei- XIX. Postular e trabalhar com uma forma sem exis-
ra conjugação verbal do português, tome o radical tência autônoma na língua é algo que exige um grau
do presente do indicativo, acrescente -ava- e as ter- de abstração que ainda não se tinha no início da
minações de pessoa". Em vez disso, esperava-se que idade moderna. Regras semelhantes às de Nebrija,
o estudante observasse o padrão exibido em derivacionais em princípio, mas sempre baseadas em
paradigmas (listas) e aplicasse a analogia a qualquer formas existentes, se encontram nas gramáticas mais
verbo que viesse a encontrar posteriormente. Os amplamente difundidas na época. E, é claro, muitos
estudiosos renascentistas, ao contrário, se concen- autores continuavam a recorrer aos paradigmas.
travam mais demoradamente na forma. O O que provocou a mudança de perspectiva que
humanista espanhol Antonio de Nebrija, autor da levou Nebrija e tantos outros a começar a pensar
primeira gramática do espanhol (1492), oferece um na formação de palavras em termos de regras
exemplo desta abordagem em sua gramática latina derivacionais? Embora uns poucos gramáticos an-
(1481). Em vez de aconselhar o pobre aluno a me- tigos (sobretudo Diomedes e o Pseudo-Palernão) ti-
morizar páginas e páginas de paradigmas verbais, vessem usado esporadicamente regras de um tipo
ele fornece um capítulo que resume a formação dos semelhante, as ferramentas essenciais para a análi-
tempos. Começa com o presente do indicativo que, se morfológica das palavras foram desenvolvidas
diz ele, não é formado de nenhum outro tempo; ao fora da tradição ocidental, entre os estudiosos ju-
contrário, os outros é que se formam com base nele. deus e árabes. Conscientes, desde época muito mais
O irnperfoito é forniado ou da segunda pessoa do remota, do.fenômeno da derivação (assim como nas
singular do presente com a supressão do -se o acrés- ciências médicas e biológicas seu conhecimento da
cimo de -ham (amas_ama_amabam), ou da primei- anatomia estivera muito mais avançado), os estudio-
ra pessoa, mudando o -o final em -ee acrescentando sos semitas dedicaram muito esforço à sistematiza-
-bam (lego_legeJegebam). Eis uma regra que tenta ção da morfologia de suas respectivas línguas.Já pelo
"gerar" as formas do verbo latino - urna regra do século X, o conceito de "raiz" - um núcleo
tipo que raramente se encontrava na Antigüidade e consonantal invariável com um conteúdo semânti-
na Idade Média. E, no entanto, Nebrija trabalha co básico estável - estava plenamente elaborado.
somente com formas existentes (no caso, a primei- Por exemplo, em árabe, a raiz KTB, contendo a noção
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HISTÓRI.~ CONClSA DA LINGÜÍSTICA 2. A ·rRADIÇAO OCIDENTAL ATÉ 1900

de "escrever", pode se tornar, pela adição de vários res de fonética articulatória e de morfologia-, elas
afixos, uma entre várias palavras: KiTaB, "um li- forneceram os meios pelos quais as pessoas pode-
vro"; maK'TaBa, "uma biblioteca"; KaTaBtu, "es- riam começar a pesquisar o desenvolvimento histó-
crevi"; aKTuBu, "escreverei"; maKTuB "estava es- rico e as filiações das línguas. Com a crescente cons-
crito", e assim por diante; No entanto, KTB em si ciência da diversidade e multiplicidade das línguas
mesmo é um grupo consonantal abstrato e do mundo - algumas delas reivindicando uma an-
impronunciável, sem existência como tal na língua. tigüidade considerável -, tornou-se urgente uma
Os estudiosos árabes e judeus bem cedo instituíram reavaliação das relações entre as línguas. Descen-
o hábito de se referir às raízes na forma verbal mais deriam todas as línguas do hebraico, como se imagi-
simples (terceira pessoa do singular do passado): nara durante toda a Idade Média? Ou a língua origi-
KaTaBa. Os gramáticos ocidentais só entenderam nal da humanidade teria se perdido em Babel? Fa-
parcialmente esta convenção. Supuseram que lantes do italiano faziam sua língua remontar, com
KaTaBa em si mesmo fosse a raiz e concluíram que muita segurança, ao etrusco, do etmsco ao grego e
as raízes verbais em qualquer língua seriam idênti- daí ao hebraico: é o que se lê na obra do toscano
cas à forma da palavra normalmente citada. Assim, Pierfrancesco Giambullari, fl Gello: Ra/;ionamenti
amo em latim e /aúne em francês - o "tema" ou della prima et antica origine della Toscana et parti-
forma básica foram identificados como formas- cularmente della lingua Fiorentina (1546). Europeus
raízes. A natureza abstrata da raiz na análise ao norte dos Alpes eram mais hesitantes. Um deles,
morfológica semítica foi, portanto, vítima de um Goropius Becanus, demonstrou que os argumentos
mal-entendido. Apesar disso, mesmo essa noção comumente usados para provar a natureza primiti-
entendida pela metade permitiu uma descrição da va e original do hebraico se aplicavam muito me-
complexa morfologia do latim e do grego mais eco- lhor à sua própria língua, o flamengo (Ilermathena,
nômica do que a praticada até então. 1580). A etimologia, concentrando-se cada vez mais
na comparação das formas do que na dos significa-
2.5.2 Primeiros passos rumo à lingüística dos, se tornou uma ferramenta vital para se provar
histórica: a hip&tese indo-cita e a ou reprovar uma hipótese depois da outra, e os au-
ascensão da filologia comparativa tores se gabavam do número de línguas que tinham
analisado para elucidar o vocabulário de seu pró-
Visto que as ferramentas básicas essenciais prio idioma. Já em 1597 algumas páginas de pala-
para qualquer tipo de análise lingüística formal já vras persas tinham sido publicadas na miscelânea
estavam disponíveis - algumas noções rudimenta- lingüística de Boaventura Vukãnio, A escrita e a lín-
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HISTÓRIA CONCISA DA LlNGÜÍSrlCA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

gua dos godos. Com base nisso, Cláudio Salmásio seando-se nas descobertas de Salmásio, o erudito
(conhecido dos historiadores por seu panfleto em sueco Georg Stiernhielm delineou alguns princípios
defesa do rei inglês Carlos I, o que o mergulharia importantíssimos para o desenvolvimento da lin-
num duelo verbal com o poetaJohn Milton) elabo- güística histórica no prefácio de sua edição da Bí-
rou a teoria indo-cita 10 , precursora da hipótese indo- blia gótica (1671): introduziu critérios para definir
européia. Segundo essa teoria, lançada numa obra o parentesco das línguas, enfatizando que a mudança
sobre o status dos dialetos gregos (De hellenistica, lingüística é inevitável por causa ou da distância
1643), o latim, o grego, o persa e as línguas temporal ou da geográfica (uma afirmação que tem
germânicas eram todas descendentes de um ances- a drástica implicação de que não existe a mais re-
tral comum perdido. Para demonstrar isso, Salmásio mota chance de que a língua original da humanida-
empregou técnicas que hoje nos são familiares gra- de ainda possa existir em sua forma primeira), e
ças à filologia comparativa do século XIX: estendeu a lista de Salmásio de línguas do tronco
(1) a comparação de formas cognatas como o grego patér, cita para incluir nela (além do latim, do grego, do
o alemão Vater, o persa badar ("pai"); alemão, do gótico e do persa) também o que então
(2) as correspondências fonológicas, como o fato de as se chamava de romances 11 , as línguas eslavas e
línguas germânicas terem regularmente um h- inicial onde célticas, enquanto excluía expressamente o húnga-
o latim tem um e-, como no inglês antigo hcafod, dina- ro, o finlandês, o estoniano e o lapão.
marquês hofjúit, holandês hoofft para o latim caput ("ca- No trabalho de Stiernhielm, a hipótese indo-
beça"); e cita atingiu seu ponto culminante de desenvolvimen-
(3) a reconstrução, tal como quando ele usa certo núme-
to. Na época em que foi publicado, já havia surgido
ro de formas cognatas - grego pénte, pémpe e pénke, la-
uma reação contra a ênfase talvez exagerada posta
tim quinque, alemão fünf; inglês antigo jif; holandês vijf,
persa bengh ("cinco") - para reconstruir duas na semelhança do persa e do alemão. De todo modo,
protoformas possíveis: fenf!fynf e fengh. a atenção ·da corrente dominante estava se dirigin-
do de volta à gramática universal. No final do sécu-
A obra de Salmásio suscitou uma geração de lo XVII, o grande filósofo Leibniz retornara à hipó-
cuidadosos estudos históricos e comparativos. Ba-
11. Romance: cada uma das variedades surgidas da evolu-
10. Cita: povo nômade, notável na arte e na guerra, desapa- ção do latim vulgar falado pelas populações que ocupavam as di-
recido por volta do séc. II a.C., e que entre os sécs. V e II a.C. habi- versas regiões da Europa, e que se constituiu na fase preliminar de
tou a Cítia, denominação dada pelos antigos gregos a regiôes próxi- uma língua românica (italiano, francês, espanhol, português etc.)
mas ao mar Negro e ao mar Cáspio (N. do T.). (N. do T.).

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSHCA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

tese monogenética (uma única língua original) e duais faziam uso rotineiro de material comparativo
lançou a hipótese de que o parentesco lingüístico colhido em outras. Esse estudo atingiu seu ponto
era determinado pela proximidade geográfica. As- culminante na extraordinária obra de Lambert ten
sim, reuniu todas as línguas européias ("jaféticas"} Kate sobre o holandês, Aenleiding tot de Kennisse van
num só grupo, desconsiderando as dessemelhanças het Verhevene Deel der Nederduitsche Sprake ("Intro-
consideráveis - reconhecidas por Stiernhielm - dução à porção elevada do idioma baixo-alemão")
entre as línguas fino-úgricas e as línguas indo-euro- (Amsterdam, 1723). A fim de fornecer uma sólida
péias da Europa; e incluiu o turco e o tártaro (idio- base teórica para o dicionário etimológico do ho-
mas não indo-europeus} entre as línguas jaféticas landês, que ocupa a maior parte do segundo volu-
porque são falados na Europa, excluindo ao mesmo me, ele lança os princípios que deveriam, a seu ver,
tempo o persa que, embora asiático, é uma língua governar a Geregelde Afleiding, "derivação princi-
indo-européia. Com Leibniz, a visão genética das pal", que, sozinha, deveria dar conta das etimologias
relações entre as línguas estava cedendo lugar a uma corretas das línguas germânicas, em lugar daAf- en
abordagem potencialmente mais próxima da moder- Aen- In- en Uit- en Om-werping van Letters, a tradi-
na tipologia baseada na distribuição geográfica. cional adição, remoção, transposição e mutação de
Embora tenha sido suplantada no final do sé- letras. Ele promete não admitir uma única mudan-
culo XVII pelas tendências universalistas que ema- ça em uma "letra essencial", isto é, nas sílabas tôni-
navam da França, e absorvidas com especial en- cas, sem uma regra convincente ou sem uma
tusiasmo na Inglaterra, a corrente "particularista" inquestionável prova semântica que a justifique.
continuou seu desenvolvimento ao longo dos sécu- Suas regras consistem de listas de correspondências
los XVII e XVIII em diversas áreas: no estudo cada fonológicas em sete dialetos germânicos: holandês,
vez mais pormenorizado da fonética, na notável dou- gótico, n9rueguês antigo, frâncico, alemânico, in-
trina do Stammwort ou Wurzelwort (palavra-raiz ou glês antigo e alto-alemão.
palavra-radical) que dominou o estudo lingüístico A exortação de Ten Kate a que se abandonas-
na Alemanha, e no estudo CQnstante de línguas in- sem as técnicas da etimologia antiga foi repetida ao
dividuais e grupos de línguas, com foco específico longo do século. Charles Brosses, em seu !idíssimo
na etimologia. Uma análise muito mais cuidadosa e Traité de laformation méchanique des Zangues, et des
sensível pode ser encontrada nas gramáticas principes physiques de l'étymologie ("Tratado da for-
vernáculas dos séculos XVII e XVIII. Os estudiosos mação mecânica das línguas e dos princípios físicos
que trabalhavam com línguas germânicas indivi- da etimologia", 1765) reitera aquele pedido e tenta,
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

por sua vez, chegar a princípios confiáveis para uso administradores coloniais britânicos começaram a
da etimologia. O etimologista deve levar em consi- se interessar tanto pela língua sânscrita quanto pela
deração a identidade do significado, a forma gráfica tradição gramatical indiana. Inicialmente assusta-
(figure) - que pode ser um auxiliar valioso quan- dos com a complexidade do sistema - pois os
do a pronúncia sofreu mudança rápida - e o som. paradigmas habituais da gramática ocidental sim-
As terminações flexionais devem ser desconsidera- plesmente não existiam e exigia-se do estudante que
dominasse uma série cada vez mais complexa de
das e, no estabelecimento de derivações, "a vogal
regras derivacionais -, os funcionários da admi-
quase não deve ser levada em conta", enquanto as
nistração britânica, em sua maioria habituados à
consoantes do mesmo ponto de articulação podem análise tradicional do latim e do grego, logo conse-
ser consideradas intercambiáveis. guiram reconhecer sua precisão, e modelaram suas
Na segunda metade do século XVIII, os recur- próprias gramáticas do sânscrito com base naquele
sos conceituais disponíveis desde o Renascimento sistema: Carey (1804), Colebrooke (1805), Wilkins
já tinham sido experimentados em vários contex- (1808) e Forster (1810) realizaram seus trabalhos
tos. Suas limitações estavam sendo cada vez mais tomando como base, em maior ou menor grau, as
fortemente sentidas: a etimologia baseada na forma gramáticas indianas nas quais eles mesmos tinham
(que se apoiava nas noções rudimentares de fonéti- aprendido (quase sempre adaptações da gramática
ca articulatória correntes desde o Renascimento) de Panini, como a Mugdhabodha de Vopadeva). Por
suscitava a mesma critica a que estava sujeita a causa disso, os estudiosos europeus (quando po-
etimologia semântica dos antigos. Os lingüistas his- diam obtê-las) acharam essas primeiras gramáticas
tóricos do século anterior tinham chegado a con- ocidentais do sânscrito muito estranhas em sua
formatação e obscuras e, com poucas exceções no-
clusões surpreendentes, mas não tinham meios téc-
táveis, não conseguiram tirar muito proveito delas.
nicos para justificá-las; assim, suas descobertas fo-
Somente com o surgimento da segunda geração de
ram descartadas em prol de hipóteses muito menos gramáticas - as de Yates (1820) e Frank (1823) e a
perspicazes. A insatisfação com as técnicas e os pos- mais influente de todas, a de Bopp (1824-37) - foi
tulados da época vem à torn:i; nos escritos de vários que o sânscrito, filtrado através do modelo habitual
investigadores sérios desse período. ocidental de paradigmas junto com uma série res-
Novamente, foi o contato com uma tradição trita de regras derivacionais, se tornou acessível a
exterior que trouxe o estímulo necessário para um um número maior de pesquisadores.
novo desenvolvimento. Graças ao contato repetido Portanto, apenas um número limitado de
com sábios da Índia, os missionários franceses e conceitos do modelo gramatical sânscrito penetrou
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

na lingüística ocidental, mas esses poucos já foram va do próprio Bopp (Vergleichende Grammatile des
de importância decisiva. A análise indiana dos sons Sanslerit, Zend, Griechischen, Lateinischen,
do sânscrito, muito mais refinada, foi no princípio Litthauischen, Gothischen und Deutschen, Berlim,
apenas parcialmente entendida, mas suas noções 1833-54) lançou o programa para o trabalho futuro:
centrais, os conceitos de eixo horizontal de zonas Neste livro, pretendo fazer uma descrição comparativa,
de articulação (já conhecido pela tradição semita) e incluindo tudo o que for relevante, do sistema das lín-
de eixo vertical de processos articulatórios (sonori- guas listadas no título [sânscrito, zende, grego, latim,
zação, aspiração, nasalização) - essenciais para lituano, gótico e alemão], uma investigação de suas leis
uma compreensão das assimilações (sândis) que são físicas e mecânicas e da origem das formas que indicam
um aspecto importante da morfofonologia sânscrita relações gramaticais. Deixaremos intocado somente o
segredo das raízes e as razões por trás dos nomes dos con-
- foram rapidamente absorvidos e integrados no
ceitos originais; não investigaremos, por exemplo, por que
trabalho gramatical e fonético subseqüente. (Mais a raiz I significa "ir" e não "ficar", ou por que os sons
avançado o século XIX, W. D. Whitney, A.]. Ellis, STHA/STA significam "ficar" e não "ir".
Henry Sweet e outros importantes foneticistas se
inspirariam no estudo dos textos sânscritos sobre A abordagem científica particularista alcança-
ra o ápice. Embora o aspecto semântico não pudes-
fonética, os pratisalzhJjas).
se jamais ser totalmente desconsiderado, o foco ago-
O conceito de raiz foi refinado de um modo
ra estava declarada e irremediavelmente voltado para
que tornou possível seu papel subseqüente na
a forma.
filologia indo-européia. Franz Bopp assim o definiu:
A abordagem histórica da língua - movimen-
Raízes são os elementos primitivos das palavras, não to dominante na lingüística na maior parte do sécu-
encontráveis como tais na língua, mas identificáveis a lo XIX, como veremos no próximo capítulo - foi
partir de formas derivadas deles que contêm uma base uma só dàs muitas manifestações da tendência con-
comum ou radical.
temporânea de encarar o mundo em termos
Ao enfatizar sua natureza abstrata e sua não- evolucionistas. Os filólogos perceberam - e até
equivalência com qualquer' forma existente, Bopp acharam divertido - que fazia já muito tempo que
deu os toques finais na noção semítica de raiz, até consideravam óbvias algumas idéias que Darwin (e
então apenas parcialmente entendida, e tornou pos- também seus opositores) julgavam inéditas e con-
sível o tipo de etimologia que Salmásio e seus suces- troversas. O respeitado indo-europeísta alemão August
sores tentaram estabelecer. A gramática compara ti- Schleicher, em seu panfleto O darwinismo testado pela

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

ciência da linguagem (1863), escrito em reação à Ori- elo assunto não foi, ele modo algum, amplamente
gem das espécies (1859) de Darwin, observava: aceita. Em 1875, o lingüista americano W. D.
O que Darwin agora defende acerca da variação das es-
Whitney, famoso igualmente por sua ainda respei-
pécies no curso do tempo [... ] tem sido há muito tempo e tada gramática elo sânscrito e por suas contribui-
em geral reconhecido em sua aplicação aos organismos ções à fonética e à filologia comparativa, escreveu:
da fala [... ] Traçar o desenvolvimento de novas formas "A ciência física, ele um lado, e a psicologia, do ou-
com base em formas anteriores é muito mais fácil, e pode tro, estão competindo para tomar posse da ciência
ser realizado em escala bem maior, no campo da língua lingüística, que na verdade não pertence a nenhu-
do que nos organismos de plantas e animais[ ... ] O paren- ma delas" (Life and Growth ofLanguage, New York,
tesco das diferentes línguas pode servir, por conseguinte, 1875). Esta demanda pela autonomia da lingüística
[... ] como uma ilustração paradigmática da origem das ecoaria ao longo elo século XX, como veremos na
espécies, para os campos de investigação que carecem, ao parte final deste livro.
menos até o momento, de oportunidades semelhantes de
observação.

Esses paralelos suscitaram uma questão ulte- 2.6 A abordagem universal a partir do
rior: se as línguas, o objeto do estudo lingüístico, se Renascimento
comportavam como os objetos do estudo científico,
então a lingüística era uma ciência? Ou, para colo- As preocupações universalistas elos modistas,
car a questão nos termos usados na época, era uma inspiradas e reforçadas pelo estudo atento da filo-
ciência histórica ou física? Max Müller, um inclo- sofia aristotélica, foram suplantadas, no campo fi-
losófico, pelo nominalismo e, no campo gramatical,
europeísta alemão, que passou a maior parte ela viela
pelo humanismo. Gramáticos humanistas como
na Inglaterra, argumentou com base na natureza ela
Guarino Veronese, Antonio de Nebrija, Thomas
disciplina bem como na natureza ela própria
Linacre, Philipp Melanchthon e Lorenzo Valla (para
língua(gem), dizendo que, já que a ciência ela lin- citar só alguns), preocupados com o domínio de uma
guagem tinha passado pelos mesmos estágios ele prosa clara e elegante, se vincularam fortemente à
desenvolvimento - empíri~o, classificatório e teó- tradição antigo-medieval da grammatica positiva
rico - das ciências físicas como a botânica e a as- bem como aos autores antigos recém-descobertos
tronomia, então ela devia se incluir entre as ciên- como Quintiliano, Varrão e vários dos gramáticos
cias físicas (Lectures on the Science ofLangua,qe, Royal latinos tardios. As observações que depreciavam a
Institution, Londres, 1816, 1863). Mas essa visão tendência especulativa por misturar dialética com
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

gramática se tornaram um lugar-comum. Em desde a partida dos romanos, os eruditos e também o


contrapartida,]. C. Scaliger, um estudioso italiano público reagiram, lançando o foco do interesse sobre
que trabalhou na França, embora insistisse na se- o aspecto universal da linguagem. Onde se poderia
paração dos domínios da gramática e da dialética, achar um remédio contra Babel?
aplicou a doutrina aristotélica das quatros causas Num dos extremos do espectro estava Jakob
(material, formal, eficiente e final) à língua em sua Bohme e sua inspirada narrativa (De signatura
minuciosa crítica da gramática contemporânea (De rerum, 1635) da Natursprache, a língua divina ori-
causis linguae latinae, 1540), e foi seguido pela não ginal, "raiz ou mãe de todas as línguas do mundo e
menos filosoficamente orientada e influentíssima chave para um conhecimento verdadeiro e perfeito
Minerva (1587) de Franciscus Sanctius (Sánchez) de todas as coisas". Adão, vislumbrando as obras do
Brocensis. O tratamento dado por Sanctius à sinta- Verbo divino criador na Natureza, nomeara todas
xe, tema praticamente desprezado por Scaliger, li- as criaturas de acordo com suas próprias qualida-
dava com o uso figurativo e, em particular, com a des essenciais, usando a linguagem humana como
elipse, assunto abordado por diversos gramáticos na meio. Essa capacidade de ler a língua da Natureza
tradição dominante. foi perdida em Babel. A partir de então, a língua(gem)
O aristotelismo estava longe de ser o único ins- foi apanhada numa crua substância exterior, com
trumental teórico para os gramáticos de tendência suas palavras arbitrárias e carentes de qualquer co-
universalista. A crescente consciência do uso dos .t nexão intrínseca com a natureza. No entanto, como
vernáculos europeus e da multiplicidade de línguas Raimundo Lúlio, antes dele, e Rudolf Steiner no iní-
recém-descobertas fora da Europa foi contra-ataca- cio do século XX, Bohme enfatizava que a signatura
da, no início do século XVII, por uma desconfortável
l
f rerum, as indicações contidas nos fenômenos terre-
percepção de que o meio tradicional de manter Babel t! nos quanto à sua verdadeira natureza, estava aí para
sob controle, a língua latina, até então a inquestiona- ser lida por quem estivesse disposto a se submeter
da língua universal, estava rapidamente perdendo ao treinamento necessário.
eficácia. O latim, desafiado por um vernáculo após No extremo oposto estava a notável tentativa
'
o outro como veículo de produção intelectual, e to- feita por John Wilkins de construir uma língua ar-
talmente inútil fora da Europa ocidental, estava tificial baseada numa classificação racional da rea-
empenhado numa batalha desesperada. Defrontados lidade - essencialmente, um sistema aristotélico
com a perspectiva iminente da fragmentação lingüís- reforçado com dados empíricos colhidos em filóso-
tica numa escala desconhecida na Europa ocidental fos naturais como o zoólogo Francis Willoughby e o

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

botânico John Ray (que criticava a base filosófica indutiva da base cognitiva da linguagem. As opera-
irrealista do esquema de Wilkins). Uma língua as- ções mentais foram transformadas na base das dis-
sim, esperava Wilkins, seria ao mesmo tempo um tinções gramaticais: as três operações primárias -
meio de comunicação claro e não-ambíguo e uma formar um conceito como "redondo", fazer um jul-
ferramenta para a investigação científica. Este re- gamento como "a terra é redonda", e raciocinar -
médio definitivo contra Babel - recriar a realida- forneciam um arcabouço para distinguir as várias
de, por assim dizer, impondo categorias arbitrárias partes do discurso e para o estudo da sintaxe. Como
(ou "convencionais") sobre ela e em seguida atri- essas operações e suas conseqüências lingüísticas
buindo a essas categorias rótulos igualmente arbi- são universais, elas podem ser exe·mplificadas por
trários - nasceu morto, tendo recebido pouco entu- meio de qualquer língua, e o francês e o latim ofere-
siasmo por parte da Royal Society, que encomendara cem a maioria dos exemplos. Dessa maneira, a céle-
originalmente o projeto. Apesar disso, o Essag bre análise da oração "Deus invisível criou o mun-
Towards a Real Character and a Philosophical do visível" mostra simplesmente como três propo-
Language (1668) de Wilkins foi amplamente lido, tan- sições mentais distintas - que Deus é invisível, que
to na Inglaterra quanto no continente, e forneceu a Ele criou o mundo, e que o mundo é visível - estão
P. M. Roget a inspiração para o sistema usado em incluídas nesta única proposição verbal.
seu Thesaurus ofEnglish Words andPhrases (1852). Uma distinção entre linguagem mental e lin-
Nem Wilkins nem Bohme, por mais represen- guagem verbal, província dos gramáticos, tinha sido
tativos que fossem das diferentes manifestações da parte da tradição teológica e filosófica por séculos.
busca do universal na linguagem, contribuíram di- Buscar derivar sentenças gramaticalmente analisá-
retamente para o que viria a se tornar a versão do- veis de proposições mentais não era um empreendi-
minante de gramática universal. A própria origem mento que S?rpreendesse alguém que julgava essa
da Grammaire ,qénérale et raisonnée (1660) de Port- tradição digna de estudo. Já a análise da justifica-
Royal espelha os elementos conflitantes em ação: o ção para as partes do discurso era de importância
encontro da gramática partic:ular
1
com a filosofia. mais imediata. Tendo definido o verbo como uma
Enquanto escrevia livros didáticos de latim, grego, palavra cujo uso principal é significar a afirmação
espanhol e italiano, Claude Lancelot observou a - como em "o mundo é redondo" -, os autores de
existência de aspectos comuns a estas e (supôs) a Port-Royal concluíram que somente no verbo "ser"
todas as outras línguas. Um colega filósofo, o beli- essa função se realizava em sua forma mais simples;
coso Antoine Arnauld, trouxe a confirmação outros verbos, "viver" por exemplo, são analisados
98 gg
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 2. A TRADIÇÃO OCIDENTAL ATÉ 1900

como consistindo do verbo "ser" mais um atributo: Condillac e os philosophes do Iluminismo francês, a
"é vivente". Esta análise, encontrada também nas questão da origem da língua e da natureza de sua
obras dos modistas e alhures, é característica da tra- relação com o pensamento foi motivo de muita re-
dição universalista - uma conseqüência natural da flexão. A gramática de línguas exóticas era estuda-
análise lógica, em vez de gramatical, do enunciado. da com atenção cada vez maior, pois as línguas de
A Grarmnaire générale et raisonnée é a precur- povos primitivos (era o raciocínio então) necessaria-
sora reconhecida de uma longa série de gramáticas mente lançariam luz sobre a língua da humanidade
"gerais", "filosóficas", "universais" ou "especula- num estágio igualmente primitivo de desenvolvi-
tivas", cujos autores estavam preocupados em de- mento. Estes foram os primórdios da tipologia lin-
monstrar a presença marcante dos princípios lógi- güística, isto é, a tentativa de classificar as línguas
cos na linguagem, dissociados dos efeitos arbitrá- de acordo com tipos específicos. O problema mes-
rios do uso de qualquer língua particular. Na Ingla- mo da origem da língua teve um destino bem inte-
terra, o Hermes, ora Philosophical Inquirg concerning
ressante: o prêmio oferecido pela Academia de
Universal Grammar (1751) de James Barris, mais
Berlim em 1771 para um ensaio sobre o assunto
explícita em sua aplicação das categorias filosóficas
atraiu 31 inscrições e - apesar da contribuição ven-
à linguagem do que várias outras obras do gênero, e
cedora de Herder (Ahhandlung üher den Ursprung
na Alemanha os Anfangs!fründe der Sprachwissen-
der Sprache, "Ensaio sobre a origem da língua") -
schaft ("Rudimentos da lingüística", 1805), repre-
continuou a provocar vívida discussão até o final
sentam extremos do desenvolvimento deste gênero
do século XVIII e além. O fato de a Sociedade de
fora da França 12 •
Mas a gramática filosófica, tal corno desenvol- Lingüística de Paris ter julgado necessário proibir a
vida a partir da Grammaire de Port-Royal, não foi a inscrição de estudos sobre o tema numa data tardia
única portadora da tradição universal do estudo da como 1866 mostra claramente que o interesse po-
linguagem entre 1660 e 1800, embora tenha sido o pular no assu~to ainda estava muito vivo e, ao mes-
sistema teórico mais especialmente difundido e de mo tempo, que a corrente acadêmica dominante ti-
reconhecimento mais geral. Ini~iando-se com Locke, nha perdido a esperança de jamais encontrar urna
solução para o problema.
í
12. A Gramática filosófica da língua 11ortnguesa, de Jerônimo
Soares Barbosa, escrita em 1803 mas só publicada em 1822, é a
l
representante mais notável dos princípios da Grammairc générale
de Port-Royal em nossa língua (N. do T.). f
100 f 101
3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

Concorda-se em geral que a mais extraordiná-


ria façanha dos estudos lingüísticos do século XIX
foi o desenvolvimento do método comparativo, que
resultou num conjunto de princípios pelos quais as
línguas poderiam ser sistematicamente comparadas
no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gra-
matical e vocabulário, de modo a demonstrar que
eram "genealogicamente" aparentadas. Assim como
o francês, o italiano, o português, o romeno, o espa-
nhol e as outras línguas românicas tinham se origi-
nado do latim, também o latim, o grego e o sânscrito,
bem como as línguas célticas, germânicas e eslavas
e várias outras línguas da Europa e da Ásia tinham
se originado de alguma língua mais antiga, à qual é
costume apiicar o nome de indo-europeu ou proto-
indo-europeu. O fato de as línguas românicas des-
cenderem do latim e assim constituírem uma "fa-
mília" era coisa sabida havia séculos. Mas a exis-
tência da família lingüística indo-européia e a natu-
reza de sua relação genealógica foi demonstrada
pela primeira vez no século XIX pelos filólogos
comparativistas.

103
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

3.1 Desenvolvimento do método comparativo vou, por exemplo, que onde o gótico (a mais antiga
língua germânica sobrevivente) tinha um F, o latim,
O ímpeto principal para o desenvolvimento da o grego e o sânscrito freqüentemente tinham um P
filologia comparativa chegou no final do século (por exemplo: gótico FOTUS, latim PEDIS, grego PODós,
XVIII, quando se descobriu que o sânscrito - a sânscrito PADÁS, todas significando "pé"). Quando
antiga língua dos livros sagrados da cultura india- o gótico tinha um P, as línguas não-germânicas ti-
na, já não mais falada e preservada apenas na escri- nham um B; quando o gótico tinha um B, as línguas
ta - tinha algumas semelhanças espantosas com o não-germânicas tinham o que Grimm chamou de
grego e o latim. Um orientalista inglês, Sir William "aspirada" (latim F, grego PH, sânscrito BH). Para dar
] ones, embora não fosse o primeiro a observar tais conta dessas correspondências, ele postulou uma
semelhanças, recebe em geral o crédito de tê-lastra- "mudança sonora" (Lautverschiebung) cíclica na
zido à atenção do mundo intelectual e lançado a pré-história do germânico, em que as "aspiradas"
hipótese, em 1786, de que aquelas três línguas de- originais se tornaram oclusivas sonoras não-aspira-
viam ter "jorrado de alguma fonte comum, que tal- das (m-r tornou-se B etc.), as oclusivas sonoras não-
vez não exista mais". Por aquela época, certo núme- aspiradas originais se tornaram surdas (B tornou-se
ro de textos e glossários das línguas germânicas mais r etc.), e as oclusivas surdas originais (não-aspira-
antigas (gótico, antigo alto-alemão e norueguês ar- das) se tornaram "aspiradas" (r tornou-se F). É bom
caico) tinham sido publicados, e Jones se deu conta notar que o termo "aspirada" usado por Grimm co-
de que o germânico, bem como o persa antigo e tal- bria categorias tão foneticamente distintas quanto
vez o céltico, tinha evoluído desde aquela mesma oclusivas aspiradas (BH, PH), produzidas com um
"fonte comum". O próximo passo importante foi emissão de ar audível, e fricativas (F), produzidas
dado em 1822, quando o pesquisador alemãojakob com uma fricção audível em conseqüência da
Grimm - na esteira do lingüista dinamarquês oclusão in~ompleta do trato vocal. (Trataremos com
Rasmus Rank (cuja obra escrita, em dinamarquês, mais vagar da chamada "lei de Grimm" quando, na
era pouco acessível à maio.ria dos estudiosos euro- secção 3.5.1, formos analisar detalhadamente a
peus) - demonstrou, na segunda edição de sua gra- metodologia da lingüística histórica praticada nes-
mática comparativa do germânico, que havia diver- se período.)
sas correspondências sistemáticas entre os sons do No trabalho dos cinqüenta anos seguintes, a
germânico e os sons do grego, do latim e do sânscrito idéia de mudança sonora se tornou mais precisa e,
em palavras de sentido semelhante. Grimm obser- na década de 1870, um grupo de pesquisadores co-
104 105
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

nhecidos coletivamente como]unggrammatiker ("jo- sim que os neogramáticos pensavam acerca dela. Ao
vens gramáticos" ou neogramáticos) lançou a tese longo do século XX, porém, ficou reconhecido que
de que todas as mudanças no sistema fonético de a analogia, tomada em seu sentido mais amplo, de-
uma língua, enquanto esta se desenvolvia ao longo sempenha um papel muito mais importante no de-
do tempo, estavam sujeitas à operação de leis foné- senvolvimento das línguas do que simplesmente o
ticas regulares. Embora a tese de que as leis fonéti- de esporadicamente inibir aquilo que, do contrário,
seria uma transformação completamente regular do
cas fossem absolutamente regulares em sua opera-
sistema fonético de uma língua. Quando uma crian-
ção (a menos que fossem inibidas em instâncias
ça aprende a falar, tende a regularizar as formas
particulares pela influência da analogia) tivesse sido,
anômalas, ou irregulares, por analogia com os pa-
a princípio, considerada muito controvertida, já no drões mais regulares e produtivos de formação na
final do século XIX estava aceita de modo bastante língua. Por exemplo, a criança tende a dizer "eu fazi"
generalizado e se tornara o fundamento do método em vez de "fiz", tal como diz "comi", "abri", "ven-
comparativo. Usando o princípio da mudança foné- di" etc. O fato de a criança proceder assim é uma
tica regular, os estudiosos puderam reconstruir for- prova de que ela aprendeu ou está aprendendo as
mas "ancestrais" comuns das quais se podia derivar regularidades ou regras de sua língua. Ela prosse-
as formas mais tardias encontradas em línguas par- guirá seu aprendizado "desaprendendo" algumas
ticulares. Por convenção, essas formas reconstruídas
são marcadas, na literatura técnica, com um aste-
risco(*). Assim, com base na palavra reconstruída
indo-européia para "dez", *DEKM, foi possível deri-
!
1
'
!
das formas analógicas e substituindo-as pelas for-
mas irregulares correntes na fala da geração ante-
rior. Mas, em alguns casos, ela manterá uma forma
analógica "riova", e pode ser então que esta se torne
var o sânscrito DASA, o grego DÉKA, o latim DECEM e o a forma reconhecida e aceita pela comunidade de
gótico TAIHUN, posfulando certo número de diferen- falantes. No português arcaico, por exemplo, o par-
tes leis fonéticas que operaram independentemente ticípio pasfiado de PRENDER era PRIS, mas a forma
nos diferentes ramos da família indo-européia. analógica PRENDIDO acabou prevalecendo.

3.2 O papel da analogia 3.3 A contribuição de Humboldt

Mencionamos acima a analogia em conexão Um dos lingüistas mais originais, senão o de


com seu poder de inibir a operação regular das leis influência mais marcante, em todo o século XIX foi
fonéticas em formas lexicais particulares. Era as- o erudito e diplomata alemão Wilhelm von Humboldt

106 107
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

(1767-1835). Seus interesses, diferentemente dos da lógicas da linguagem do final do século XIX e início
maioria de seus contemporâneos, não eram exclu- do XX. Sua influência, bem como a da distinção
sivamente históricos. Seguindo o filósofo alemão entre forma interna e externa, também pode ser sen-
Johann Gottfried von Herder (1744-1803), ele tida no pensamento de Ferdinand de Saussure
enfatizou o vínculo entre línguas nacionais e cará- (1857-1913). Mas suas implicações plenas provavel-
ter nacional, o que, no entanto, era um lugar-co- mente só viriam a ser percebidas e tornadas preci-
mum do movimento romântico. Mais original foi a sas em meados do século XX, quando o lingüista
teoria de Humboldt sobre a forma "interna" e "ex- americano Noam Chomsky reenfatizou-a e fez dela
terna" da língua. A forma externa da língua seria a uma das noções básicas da gramática gerativa (da
matéria bruta (os sons) com base na qual as dife- qual trataremos mais adiante).
rentes línguas são moldadas; a forma interna seria
o padrão, ou estrutura, de gramática e significado
que é imposto sobre essa matéria bruta e que dife- 3.4 A lingüística histórica (ou diacrônica)
rencia uma língua da outra. Essa concepção "estru-
tural" da língua viria a tornar-se dominante, ao Todas as línguas mudam no curso do tempo.
menos por algum tempo, em muitos dos principais
1 Os registros escritos deixam claro que o português do
centros de estudo lingüístico até meados do século século XV é diferente, de maneira bastante notável,
XX. Outra das idéias de Humboldt era a de que a do português do século XXI, tal como o francês ou
alemão do século XV é diferente do que se fala hoje.
língua é algo dinâmico, e não estático, sendo em si
mesma uma atividade (uma energeia, como ele es- 1 A principal realização dos lingüistas do século XIX
creveu, usando um termo grego) e não o mero pro-
duto de uma atividade (ergon). Uma língua não é
um conjunto de enunciados prontos produzidos
l
!
não foi apenas perceber mais claramente do que seus
antecessores a ubiqüidade da mudança lingüística, mas
também wlocar sua investigação científica em base
mais sólida por meio do método comparativo.
pelos falantes, mas os princípios ou regras '
subjacentes que possibilitam aos falantes produzir
tais enunciados e, mais que isso, um número ilimi- 3.4.1 Mudançafonética
tado de enunciados. Esta idéia foi absorvida pelo 1
!
Desde o início do século XIX, quando os estu-
filólogo alemão Heymann Steinthal e, o que é mais diosos observaram que havia certo número de cor-
importante, pelo fisiologista e psicólogo Wilhelm respondências sistemáticas em palavras aparenta-
Wundt, infuenciando desse modo as teorias psico-
108 109
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

das entre os sons das línguas germânicas e os sons de assimilação total, em que dois sons acabaram se
das que mais tarde foram reconhecidas como ou- fundindo num só: /aw/ > /ow/ > /oi.
tras línguas indo-européias, prestou-se atenção par- A assimilação também é responsável pelo fe-
ticular, na lingüística diacrônica, às mudanças nos nômeno chamado metafonia (ou Umlaut, em ale-
sistemas fonéticos das línguas. mão). Característica das línguas germânicas, a
Alguns tipos comuns de mudança fonética, metafonia se dá quando a vogal alta /i/ dos sufixos
sobretudo a assimilação e a dissimilação, podem ser provoca a elevação das vogais baixas anteriores - o
explicados, ao menos em parte, em termos de con- caso mais comum é o da transformação de um I ai
dicionamento sintagmático ou contextual. Por exem- em /e/, como acontece até hoje na formação dos
plo, o s do artigo os terá sua pronúncia condiciona- plurais em alemão: MANN ("homem") é MANNER no
da pelo som que vier em seguida no sintagma: as- plural, em que o A se pronuncia /e/. Em inglês o
sim, por exemplo, em os DOIS, os soa /z/, enquanto fenômeno deixou suas marcas em algumas formas
em os TRÊS soa /s/, devido ao caráter sonoro do /d/ irregulares como MAN/MEN ("homem/ homens", do
e surdo do /ti. arcaico *MANNIZ) ou FOOT/FEET ("pé/pés", do arcai-
Por assimilação se entende o processo pelo qual co *FoTiz). Em português temos exemplos de
um som se torna semelhante, em seu ponto ou modo metafonia na alternância de vogal fechada/vogal
de articulação, a um som vizinho. Por exemplo, na aberta em casos como o de PORCO/PORCOS, FOGO/FO-
passagem do latim para o português, o ditongo lati- GOS, porque, em latim, o singular apresentava uma
no /aw/, escrito AU, em grande parte das palavras se vogal fechada final (PoRcu, Focu), mas uma vogal
transformou em /ow/, escrito ou, porque a semivogal aberta no plural (PoRcos, Focos), o que provocou a
/w/, sendo mais fechada que a vogal /a/, trouxe esta abertura do timbre da vogal anterior.
vogal para mais perto .de seu ponto e modo de arti- A dis~imilação se refere ao processo pelo qual
culação. Isso explica por que o latim AURU, PAucu, um som se torna diferente de um som vizinho, para
LAURU tenha resultado no português OURO, Pouco, que haja nítida distinção entre os dois. É o que ocor-
LOURO. Como o processo de mudança fonética não re, por exemplo, no português arcaico (e em varie-
'
se interrompe, a assimilação prossegue seu curso, e dades populares até hoje) com a palavra MANHÃ pro-
é por isso que o antigo ditongo/ ow/já se pronuncia nunciada (e às vezes escrita) MENHÃ. No português
hoje, tanto no Brasil quanto em Portugal, como a de Portugal, o ditongo escrito EI, como em QUEUO, é
vogal simples fechada /o/, apesar da forma escrita, pronunciado /ay/, por dissimilação, ao passo que
que ainda conserva a grafia ou. Temos aqui um caso no Brasil, por assimilação, é pronunciado /e/.
110 111
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

Um caso especial de dissimilação é a haplologia, 3.4.2 Mudança sintática


em que, havendo duas sílabas idênticas ou semelhan-
Uma língua pode adquirir uma distinção gra-
tes, a segunda é eliminada. Em português temos mui-
matical que não tinha antes, como quando o portu-
tos exemplos desse fenômeno: SAUDOSO (de SAUDADoso),
guês (e as outras línguas românicas) desenvolveu
BONDOSO (de BONDADOso), IDÓLATRA (de IDOLÓLATRA). É
os artigos definidos, inexistentes em latim. Ela tam-
a haplologia que explica o verbo brasileiro DEDURAR,
bém pode perder uma distinção, como acontece no
proveniente da expressão DEDO-DURO.
francês moderno, em que a mesma forma verbal indi-
Tanto a assimilação quanto a dissimilação cos-
ca o presente e o passado do modo subjuntivo (il faut
tumam ser explicadas pelo princípio geral da "lei elo
que je sorte I il a fallu que je sorte: "é preciso que eu
menor esforço". Esta se aplica claramente em exem-
saia"/ "foi preciso que eu saísse"). No português po-
plos típicos de assimilação. Fica menos óbvio, porém,
pular do Brasil acontece coisa semelhante, com o pre-
como ou por que uma sucessão de sons desseme-
sente do indicativo substituindo o presente do sub-
lhantes em sílabas contíguas deveria ser mais fácil de juntivo ("você quer que eu faço isso'?"), ao passo que
pronunciar do que uma sucessão de sons idênticos ou em Portugal o futuro do pretérito é muitas vezes ex-
semelhantes (a pronúncia portuguesa "lâite" [LEITE], presso pelo imperfeito elo indicativo ("eu gostava ele
por exemplo, não revela um "menor esforço" por par- morar aqui", no lugar ele gostaria), fenômeno que tam-
te do falante). Mas um entendimento mais acurado bém se verifica no Brasil ("se eu tivesse dinheiro, com-
desse fenômeno, bem como de outros "lapsos da lín- prava um carro novo"). O que era expresso por meio
gua", pode resultar do trabalho atual nos aspectos fi- de um dispositivo gramatical pode vir a ser expresso
siológicos e neurológicos ela produção da fala. por meio de outro. Por exemplo, nas línguas indo-eu-
Nem todas as mudanças fonéticas podem ser ropéias mais antigas, a função sintática dos nomes e
creditadas ao condicionamento sintagmático. A mu- elos sintagmas nominais numa oração era expressa
dança de /pi, /ti e /k/ em/f/ e /8/ (o som elo TI-r inglês primordialmente por meio das terminações ele caso
em THINK, "pensar") no antigo germânico, por exem- (como no conhecido paradigma latino: ROSA, ROSAM,
plo, não pode ser explicada nes~es termos. Houve ten- ROSAE, ROSJS, ROSARUM etc.). Na maioria das modernas
tativas de se desenvolver uma teoria geral da mudan- línguas indo-européias, essas funções são expressas
ça fonética, sobretudo por parte elo lingüista francês por meio da ordem das palavras na frase e pelo uso de
André Martinet. Mas nenhuma dessas teorias obteve preposições (o latim ROSAE equivale ao português DA
até hoje a aceitação universal, e é provável que as cau- ROSA, por exemplo). É possível argumentar (embora
sas da mudança fonética sejam múltiplas. não se possa dizer que isso já tenha sido demons-
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HISTÓRlt\ CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

trado satisfatoriamente) que as mudanças sintáti- ções que as palavras designam. Por exemplo, a pala-
cas que ocorrem numa língua no curso do tempo vra CARRO remonta, através do latim CARRUs, a um
deixam em geral intacta sua estrutura profunda e termo celta que designava uma carroça de quatro
tendem a modificar os modos como as funções e rodas. Hoje ela designa uma espécie de veículo muito
distinções sintáticas mais profundas são expressas diferente; confrontado com um modelo da carroça
(seja morfologicamente, pela ordem na frase, pelo celta num museu, um contemporâneo nosso não a
uso de preposições e verbos auxiliares etc.), sem afe- descreveria como um carro.
tar as próprias funções e distinções. Diversas mu- Algumas mudanças no significado das palavras
danças sintáticas são geralmente atribuídas à ação são causadas por seu uso habitual em contextos par-
da analogia, de que já tratamos acima. ticulares. O verbo PENSAR provém de um verbo lati-
no (PENSARE) que significava "pesar, calcular o peso";
3.4.3 Mudança semântica o uso específico de PENSAR como "pesar as idéias"
Perto do final do século XIX, um estudioso originou seu sentido atual. De igual modo, a pala-
francês, Michel Bréal, se dispôs a determinar as leis vra VEADO adquiriu um significado especializado,
que regem as mudanças no significado das palavras. designando um tipo especial de animal selvagem,
Esta foi a tarefa que dominou a pesquisa semântica ao passo que o latim VENATU sígnificasse "caça mor-
atê a década de 1930, quando os semanticistas co- ta" de maneira geral. Nesses exemplos, o sentido
meçaram a voltar sua atenção para o estudo mais restrito se desenvolveu do uso constante da
sincrônico do significado. Diversos sistemas para a palavra num contexto mais particularizado, e as
classificação das mudanças de significado foram pressuposições contextuais da palavra se tornaram,
propostos, e uma variedade de princípios com o tempo, parte de seu significado.
explanatórios foram· sugeridos. Até agora, não se
descobriu nenhuma "lei" de mudança semântica
comparável às leis de mudanças fonéticas dos 3.5 O método comparativo
fonologistas. Parece que as mudanças de significa-
do podem ser ocasionadas por diversos fatores. O O método comparativo, na lingüística histórica,
mais importante, talvez - e aquele que mais foi se preocupa com a reconstrução de uma língua mais
enfatizado pelo chamado movimento "palavras e antiga ou de estágios mais antigos de uma língua com
coisas" na semântica histórica -, é a mudança so- base na comparação das palavras e expressões apa-
frida no curso do tempo pelos objetos ou institui- rentadas em diferentes línguas ou dialetos derivados
114 115
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

dela. O método comparativo se desenvolveu ao longo Na tabela 1.1 abaixo damos alguns exemplos
do século XIX para a reconstrução do proto-indo-eu- dessas correspondências:
ropeu e foi posteriormente aplicado ao estudo das Grego Latim Gótico Sânscrito Eslavo
demais famílias lingüísticas. Ele se apóia no princípio phero fero biru bharami bera "eu levo"
da mudança fonética regular - um princípio que, phrater frater brodhar bhratar bratru "irmão"
como explicamos acima, encontrou violenta oposição pous, podós pes, pedis fotus pád- pesi "pé"
ao ser introduzido na lingüística pelos neogramáticos
na década de 1870, mas que, já no final do século, se
: 1 A reconstrução das oclusivas labiais e dentais
tornou parte do que poderíamos chamar sem exagero
de abordagem ortodoxa da lingüística histórica. As ~ do proto-indo-europeu é bastante aceitável. Mais
controvertida é a reconstrução dos sons do proto-
mudanças nos sistemas fonológicos das línguas eram
indo-europeu que subjazem às correspondências
apreendidas sob a forma de leis fonéticas.
mostradas na Tabela 2 abaixo:
3.5.1 A lei de Grimm
TABELA 2: OCLUSIVAS VELARES E PALATAIS
A mais famosa das leis fonéticas é a lei de Grimm NAS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS
(embora o próprio Grimm não tenha usado o termo
Grego Latim Gótico Sânscrito Eslavo
"lei"). Algumas das correspondências apreendidas
pela lei de Grimm se encontram na tabela abaixo: k k h sh s
g g k J z
TABELA 1: OCLUSIVAS LABIAIS E DENTAIS kh h/g/f g h z
NAS LÍNGUAS INDO-EUROPÉIAS p/t/k qu wh k k
b/d/b v/gu q g g
Grego Latim Gótico Sânscrito Eslavo
ph/th/kh f/v/gu w gh g
p p f p p
b b p b b
ph f/b b
' bh b
Segundo a hipótese mais geralmente aceita,
havia no proto-indo-europeu pelo menos duas sé-
t t q t t
ries distintas de consoantes velares (ou "guturais"):
d d t d d velares simples (ou palatais), simbolizadas por *k,
th f/d d dh d *g e *gh, e labiovelares, simbolizadas por *Jzw, *g'v e
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

*g"'h. As labiovelares podem ser consideradas como ginais prato-indo-européias até convertê-las final-
oclusivas velares articuladas simultaneamente com mente em sibilantes.
arredondamento dos lábios. Em um grupo de lín-
guas, julga-se que o componente labial foi perdido; 3.5.2 Etapas no método comparativo
em outro grupo, o componente velar se perdeu. So-
mente no reflexo latino da surda *kw é que a As informações dadas acima pretendem ilus-
trar o que se entende por lei fonética e indicar o
labialidade e a velaridade se mantiveram (cf. latim
tipo de considerações levadas em conta na aplica-
quis, derivado de *k"'i-). É notável que as línguas
ção do método comparativo. O primeiro passo é en-
que têm um velar para as oclusivas labiovelares
contrar conjuntos de formas cognatas ou suposta-
proto-indo-européias (p. ex., sânscrito e eslavo) têm
mente cognatas nas línguas ou nos dialetos que es-
uma sibilante ou palatal (sous) para as velares sim-
tão sendo comparados. Por exemplo: latim decem =
ples prato-indo-européias. Os primeiros pesquisa-
grego deka = sânscrito da§a = gótico taihun, todos
dores deram grande importância a esse fato e julga-
significando "dez". A partir de conjuntos de formas
ram que ele representava uma divisão fundamental cognatas como essas, é possível extrair conjuntos
da família indo-européia num grupo oriental e num de correspondências fonológicas. Por exemplo: (1)
ocidental. O grupo ocidental - que inclui o celta, o latim d = grego d = sânscrito d = gótico t; (2) la-
germânico, o itálico e o grego - é designado em tim e = grego e = sânscrito a = gótico ai (na orto-
geral como o grupo centum; o grupo oriental - que grafia gótica, isso representa o som e); (3) latim e
inclui o sânscrito, o iraniano, o eslavo e outros - é (pronunciado k) = grego k = sânscrito = gótico s
chamado de grupo satem. (As palavras centum [pro- h; (4) latim em = grego a = sânscrito a = gótico
nunciada lwntum] e satem significam "cem" em la- un. Pode se postular uma série de fonemas
tim e iraniano, respectivamente, e exemplificam os "reconstruidos" (marcados com um asterisco pela
dois tratamentos diferenciados dados às velares sim- convenção padronizada) aos quais os fonemas em
ples do proto-indo-europeu.) Hoje em dia, dá-se línguas atestadas podem ser sistematicamente vin-
menos importância à distinç~o centum-satem. Mas culados por meio das leis fonéticas. A palavra proto-
ainda se considera que num período remoto do indo- indo-européia reconstruída para "dez" é *dekm.
europeu houve uma lei fonética em operação no dia- Com base nessa forma, a palavra latina pode ser
leto ou dialetos dos quais se originaram o sânscrito, derivada por meio de uma única mudança fonética,
o iraniano, o eslavo e as outras chamadas línguas *m muda para em (mudança simbolizada como *m
satem, que teve o efeito de palatalizar as velares ori- > em); a grega, por meio da mudança *m > a (isto

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XJX

é, vocalização na nasal silábica e perda da nasa- truir, se viável, alguma teoria geral da mudança fo-
lidade); a sânscrita, por meio da lei de palatalização, nética. Isso só pode ser feito se algum tipo de inter-
*k > s e da mudança fonética *m > a; e a gótica pretação fonética puder ser dada às formas marcadas
por meio da lei de Grimm (*d > t, *h > h) e pela com asterisco. O ponto importante é que a confian-
mudança fonética *m > un. ça com que uma interpretação fonética é atribuída
A maioria dos lingüistas do século XIX não ti- aos fonemas reconstruídos variará de um fonema para
nha dúvidas de que estava reconstruindo as formas outro. Deve ficar claro da discussão acima, por exem-
reais das palavras de alguma língua mais antiga, e plo, que a interpretação de *d como uma dental sono-
de que ·x dekm, por exemplo, era uma palavra proto- ra ou oclusiva alveolar é mais segura do que a inter-
indo-européia pronunciável. Muitos de seus suces- pretação de ·xh como uma oclusiva velar surda. Nem
sores se mostraram bem mais céticos quanto à rea- todas as formas com asterisco se encontram num
lidade fonética das formas marcadas com asterisco plano idêntico de um ponto de vista fonético.
como * dekm. Disseram que elas não eram nada mais
do que fórmulas que sintetizavam as correspondên- 3.5.3 Críticas ao método comparativo
cias observadas entre formas atestadas em línguas Uma das críticas dirigidas contra o método
particulares e que eram, em princ1p10, comparativo é que ele se baseava numa metáfora
impronunciáveis. Desse ponto de vista, seria uma genealógica enganosa. Em meados do século XIX, o
questão de decisão arbitrária qual letra usar para se lingüista alemão August Schleicher introduziu na
referir às correspondências: latim d = grego d = lingüística comparativa o modelo da "árvore
sânscrito d = gótico t, e assim por diante. Qualquer genealógica". Obviamente, não existe nenhum pon-
símbolo serviria, desde que um símbolo distinto fos- to no tempo em que se possa dizer que novas lín-
se usado para cada conjunto distinto de correspon- guas "nas.ceram" de uma língua-mãe comum.
dências. A dificuldade com esta visão da reconstru- Tampouco é normal o caso de que a língua-mãe
ção é que ela parece negar a verdadeira razão de ser "viva" por algum tempo, relativamente inalterada,
da lingüística histórica e corµparativa. Os lingüis- e em seguida "morra". É bastante fácil reconhecer a
tas querem saber, se possível, não só que o latim inadequação dessas expressões biológicas. Não me-
decem, o grego deha etc. são aparentados, mas tam- nos enganosa, por outro lado, é a suposição de que
bém a natureza de seu relacionamento histórico - as línguas descendentes de uma mesma língua-mãe
como essas palavras se desenvolveram de uma for- divergirão necessariamente, sem jamais convergir
ma ancestral comum. Eles também querem cons- de novo, ao longo do tempo. Essa suposição está
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 3. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XIX

embutida no método comparativo tal como tradicio- comunicação, mas as sucessivas inovações não co-
nalmente aplicado. E, todavia, existem vários casos brirão necessariamente a mesma área de maneira
nítidos de convergência no desenvolvimento de lín- exata. Por conseguinte, não haverá distinção nítida
guas bem documentadas. Os dialetos da Inglaterra, entre dialetos contíguos, mas, em geral, quanto mais
por exemplo, estão desaparecendo rapidamente e distantes forem duas comunidades de fala, mais tra-
hoje são muito mais semelhantes na gramática e no ços lingüísticos haverá distinguindo-as.
vocabulário do que eram só uma geração atrás. Eles
foram pesadamente influenciados pela língua-pa- 3.5.4 Reconstrução interna
drão. O mesmo fenômeno, a substituição de formas
não-padrão ou menos prestigiadas por formas empres- O método comparativo é usado na reconstru-
tadas da língua-padrão, tem ocorrido em muitos luga- ção de formas antigas de uma língua, com base nos
res diferentes e em muitas épocas distintas. Parece, indícios oferecidos por outras línguas da família. Ele
portanto, que é preciso contar tanto com a divergên- pode ser suplementado pelo que é chamado de mé-
cia quanto com a convergência no desenvolvimento todo de reconstrução interna. Este se baseia na exis-
diacrônico das línguas: divergência quando o contato tência de padrões anômalos ou irregulares de for-
entre duas comunidades de falantes é reduzido ou mação e na suposição de que eles devem ter se de-
interrompido, e convergência quando as duas comu- senvolvido, em geral por mudança fonética, a partir
nidades permanecem em contato e quando uma é de padrões regulares anteriores. Por exemplo, a exis-
política ou culturalmente dominante. tência no latim antigo de um padrão como honas :
O método comparativo pressupõe comunida- honoris ("honra", "da honra") e outros em contras-
des de fala lingüisticamente uniformes e um desen- te com orator: oratoris ("orador", "do orador") e
volvimento independente depois de uma separação outros pode levar à suposição de que honoris se de-
repentina e radical. Os críticos do método compara- senvolveu d_e uma forma mais antiga *honosis. Nes-
tivo mostraram que essa situação geralmente não te caso, as informações de outras línguas mostram
ocorre. Em 1872, um pesquisador alemão,Johannes que *s se tornou r entre vogais num período mais
Schmidt, criticou a teoria da, árvore genealógica e remoto do latim. Mas teria sido possível reconstruir
propôs, no lugar dela, o que passou a ser chamado o *s intervocálico arcaico com um bom grau de se-
de "teoria da onda", segundo a qual as diferentes gurança com base somente nos indícios internos. É
mudanças lingüísticas se difundirão, como ondas, a claro que a reconstrução interna depende da abor-
partir de um centro política, comercial ou cultural- dagem estruturalista da língua, que viria a desen-
mente importante, ao longo das principais vias de volver-se somente no século XX.
122 123
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

Na lingüística do século XX, vamos encontrar


a mesma tensão das épocas anteriores entre o foco
"universalista" e o foco "particularista" na aborda-
gem dos fenômenos da língua e da linguagem. Esta
tensão aparece explicitamente nas dicotomias de
Saussure (langue e parole; significado e significante)
e de Chomsky (competência e desempenho; estrutura
profunda e estrutura de supe1fície), sendo que em
ambos os autores o objeto da lingüística é definido
pelo viés do elemento "abstrato", "universalista",
"sistêmico", "formal" (a langue para Saussure, a
competência para Chomsky), no que serão duramen-
te criticados já no último quartel do século pelos
lingüistas e filósofos da linguagem que se dedicarão
à abordagem funcionalista da língua e aos aspectos
pragmáticos- do uso da língua, bem como pelos de-
fensores da língua como uma atividade social, su-
jeita portanto à pressão da ideologia (ver abaixo 4.7).
Também é no século XX que, ao lado dos estu-
dos que chamamos de microlingidstica (ver Intro-
dução) surgirão grandes campos de investigação em
níveis que ultrapassam o chamado "núcleo duro"
da lingüística e avançam em direção a uma

125
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

interdisciplinaridade crescente, a uma intersecção


com a filosofia e com outras ciências humanas como
a sociologia, a antropologia, a psicologia, a neuro-
ciência, a semiologia etc. Neste capítulo, porém, não
entraremos na análise desses grandes campos -
psicolingüística, sociolingüística, análise do discur-
' saussuriano pode ser visto, embora menos claramen-
te, no trabalho anterior de Humboldt, e os princí-
pios estruturais gerais que Saussure desenvolveria
com respeito à lingüística sincrônica no Curso ti-
nham sido aplicados quase quarenta anos antes
(1879) pelo próprio Saussure numa reconstrução
so, antropologia lingüística, filosofia da lingua- do sistema vocálico indo-europeu. A plena impor-
gem-, que hoje já contam com ampla bibliografia tância deste trabalho não foi reconhecida na época.
específica. Sendo esta uma obra histórica, vamos nos O estruturalismo de Saussure pode ser resumido em
limitar a retraçar algumas das grandes linhas segui- duas dicotomias (que, juntas, cobrem aquilo a que
das pela lingüística ao longo do século. Humboldt se referia em termos de sua própria des-
crição da forma interna e externa): (1) langue em
oposição a parole e (2) forma em oposição a subs-
4.1 O estruturalismo tância. Embora langue signifique "língua" em ge-
ral, como termo técnico saussuriano fica mais bem
O termo estruturalismo tem sido usado como traduzido por "sistema lingüístico", e designa a to-
um rótulo para qualificar certo número de diferen- talidade de regularidades e padrões de formação que
tes escolas de pensamento lingüístico e é necessário subjazem aos enunciados de uma língua. O termo
fazer ver que ele tem implicações um tanto diferen- parole, que pode ser traduzido por "comportamento
tes segundo o contexto em que é empregado. Con- lingüístico'', designa os enunciados reais. Segundo
vém, antes de tudo, traçar uma ampla distinção en- Saussure, assim como duas interpretações de uma
tre o estruturalismo europeu e o americano e, em peça musical feitas por orquestras diferentes em
seguida, tratá-los separadamente. ocasiões diferentes vão diferir numa série de deta-
lhes e, todavia, serão identificáveis como interpre-
4.1.1 A lingüística estrutural na Europa tações da mesma peça, assim também dois enuncia-
'
E, comum dizer que a lingüística estrutural na dos podem diferir de várias maneiras e, contudo,
Europa começa em 1916, com a publicação póstu- ser reconhecidos como ilustrações, em certo senti-
ma, como já mencionamos, do Curso de lingüística do, do mesmo enunciado. O que as duas interpreta-
geral de Ferdinand de Saussure. Como também já ções musicais e os dois enunciados têm em comum
dissemos, muito do que hoje é considerado como é uma identidade de forma, e esta forma, ou estru-

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

tura, ou padrão, é em princípio independente da Entre as mais importantes das diversas esco-
substância, ou "matéria bruta", sobre a qual é im- las de lingüística estrutural surgidas na Europa na
posta. "Estruturalismo", no sentido europeu, então, primeira metade do século XX se destacam a Escola
é um termo que se refere à visão de que existe uma de Praga, cujos representantes mais notáveis foram
estrutura relacional abstrata que é subjacente e deve Nikolai Sergeievitch Trubetzkoy (1890-1938) e
ser distinguida dos enunciados reais - um sistema Roman Jakobson (1896-1982), ambos russos emi-
que subjaz ao comportamento real - e de que ela é grados, e a Escola de Copenhague (ou glossemática),
o objeto primordial de estudo do lingüista. que girou em torno de Louis Hjelmslev (1899-1965).
Dois pontos importantes sobressaem aqui: pri- John Rupert Firth (1890-1960) e seus seguidores,
meiro, que a abordagem estrutural não fica, em prin- às vezes citados como Escola de Londres, foram
cípio, restrita à lingüística sincrônica; segundo, que menos saussurianos em suas abordagens, mas, num
o estudo do significado, tanto quanto o estudo da sentido mais geral do termo, seus estudos também
fonologia e da sintaxe, pode ter uma orientação es- podem ser descritos apropriadamente como lingüís-
trutural. Em ambos os casos, "estruturalismo" se tica estrutural.
opõe a "atomismo" na literatura européia. Foi
Saussure quem traçou a distinção terminológica 4.1.2 A lingüística estrutural nos Estados Unidos
entre lingüística sincrônica e diacrônica no Curso.
Apesar da orientação indubitavelmente estrutura- O estruturalismo americano e o europeu com-
partilharam um bom número de características. Ao
lista de seu trabalho anterior no campo histórico-
insistir na necessidade de tratar cada língua como
comparativo, ele sustentou que, enquanto a lingüís-
um sistema mais ou menos coerente e integrado,
tica sincrônica devia lidar com a estrutura do siste-
os lingüistas europeus e americanos daquele perío-
ma de uma língua num ponto específico do tempo,
do tenderçi.m a enfatizar, senão a exagerar, a
a lingüística diacrônica devia se preocupar com o
incomparabilidade estrutural das línguas individu-
desenvolvimento histórico de elementos isolados -
ais. Havia razões especialmente boas para assumir
devia ser atomística. Quaisquer que sejam as razões este ponto de vista, dadas as condições em que a
que tenham levado Saussur~ a assumir essa postura lingüística americana se desenvolveu a partir do
bastante paradoxal, sua doutrina neste ponto não final do século XIX. Havia centenas de línguas
foi aceita de modo geral, e os estudiosos logo come- indígenas americanas que nunca tinham sido des-
çaram a aplicar os conceitos estruturais ao estudo critas. Muitas delas eram faladas por somente um
diacrônico das línguas. punhado de falantes e, se não fossem registradas
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

antes de se extinguir, ficariam permanentemente considerado como a manifestação mais distintiva do


inacessíveis. Sob tais circunstâncias, lingüistas como estruturalismo americano. Quando publicou seu
Franz Boas (1858-1942) estavam menos preocupa- primeiro livro em 1914, Bloomfield estava fortemen-
dos com a construção de uma teoria geral da estru- te influenciado pela psicologia da linguagem de
tura da linguagem humana do que na prescrição de Wundt. Em 1933, porém, publicou uma versão pro-
firmes princípios metodológicos para a análise de fundamente revista e ampliada com um novo títu-
línguas pouco familiares. Receavam também que a lo, Language. Este livro dominou os estudos da área
descrição dessas línguas ficasse distorcida se fossem durante os trinta anos seguintes. Nele, Bloomfield
analisadas à luz das categorias derivadas da análi- adotou explicitamente uma abordagem behaviorista
se das línguas indo-européias mais familiares. do estudo da língua, eliminando, em nome da obje-
Depois de Boas, os dois lingüistas americanos tividade científica, toda referência a categorias men-
mais influentes foram Edward Sapir (1884-1939) e tais ou conceituais. Teve amplas conseqüências sua
Leonard Bloomfield (1887-1949). Tal como seu adoção da teoria behaviorista da semântica, segun-
mestre Boas, Sapir estava perfeitamente à vontade da a qual o significado é simplesmente a relação
na antropologia e na lingüística, e a junção destas entre um estímulo e uma reação verbal. Como a ci-
disciplinas tem perdurado até hoje em várias uni- ência ainda estava muito distante de ser capaz de
versidades americanas. Boas e Sapir eram muito explicar de forma abrangente a maioria dos estímu-
atraídos pela visão humboldtiana da relação entre los, nenhum resultado importante ou interessante
linguagem e pensamento, mas coube a um dos dis- poderia ser. esperado, por muito tempo ainda, do
cípulos de Sapir, Benjamin Lee Whorf (1897-1941), estudo do significado, e era preferível, tanto quanto
apresentar esta relação numa forma suficientemen- possível, evitar basear a análise gramatical de uma
te desafiadora para atrair a atenção geral do mundo língua em considerações semânticas. Os seguidores
intelectual. Desde a republicação dos ensaios mais de Bloomfield levaram ainda mais adiante a tentati-
importantes de Whorf em 1956, a tese de que a lin- va de desenvolver métodos de análise lingüística que
guagem determina a percepção e o pensamento tem não fossem baseados na semântica. Assim, um dos
sido conhecida como a "hipótese ' de Sapir-Whorf''. aspectos mais característicos do estruturalismo
O trabalho de Sapir sempre exerceu atração americano pós-bloomfieldiano foi seu completo des-
sobre os lingüistas americanos com maior inclina- prezo pela semântica.
ção antropológica. Mas foi Bloomfield quem prepa- Outro aspecto característico, e que seria mui-
rou o caminho para a fase posterior do que hoje é to criticado por Chomsky, foi sua tentativa de for-

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

mular uma série de "procedimentos de descoberta" dos divergem: no primeiro, John quer agradar al-
- procedimentos que poderiam ser aplicados mais guém; no segundo, alguém está envolvido em agra-
ou menos mecanicamente a textos e poderiam gerar dar João. Um dos objetivos principais da gramática
uma descrição fonológica e sintática apropriada da lín- gerativa era oferecer um meio de análise dos enun-
gua dos textos. O estruturalismo, neste sentido mais ciados que levasse em conta este nível subjacente
restrito do termo, está representado, com diferenças da estrutura.
de ênfase ou detalhe, nos mais importantes livros pu- Para alcançar esse objetivo, Chomsky traçou
blicados nos Estados Unidos durante a década de 1950. uma distinção fundamental (semelhante à dicotomia
Zangue-parole de Saussure) entre o conhecimento
que uma pessoa tem das regras de uma língua e o
4.2 A gramática gerativo-transformacional uso efetivo desta língua em situações reais. Àquele
conhecimento ele se referiu como competência
Em 1957, Avram Noam Chomsky (nascido em (competmce) e ao uso como desempmho ( pnfor-
1928), professor de lingüística no MIT (Massachusetts mana). A lingüística, argumentou Chomsky, deve-
Institute ofTechnology), publicou o livro S]jntactic ria ocupar-se com o estudo da competência, e não
Structures, que veio a se tornar um divisor de águas restringir-se ao desempenho - algo que era carac-
na lingüística do século XX. Nesta obra, e em publi- terístico dos estudos lingüísticos anteriores em sua
cações posteriores, ele desenvolveu o conceito de dependência de amostras (ou corpora) de fala (por
uma,qramáticagerativa, que se distanciava radical- exemplo, na forma de uma coleção de fitas grava-
mente do estruturalismo e do behaviorismo das dé- das). Tais amostras eram inadequadas porque só
cadas anteriores. Chomsky mostrou que as análises podiam oferecer uma fração ínfima dos enunciados
sintáticas da frase praticadas até então eram inade- que é possíyel dizer numa língua; também conti-
quadas em diversos aspectos, sobretudo porque dei- nham diversas hesitações, mudanças de plano e
xavam de levar em conta a diferença entre os níveis outros erros de desempenho. Os falantes usam sua
"superficial" e "profundo" da estrutura gramatical. competência para ir muito além das limitações de
No nível de superfície, enunciados como]ohn is eager qualquer corpus, sendo capazes de criar e reconhe-
to please ("João está ávido por agradar") e John is cer enunciados inéditos, e de identificar erros de
easy to please ("João é fácil de agradar") podem ser desempenho. A descrição das regras que governam
analisados de maneira idêntica; mas do ponto de a estrutura desta competência era, portanto, o obje-
vista de seu significado subjacente, os dois enuncia- tivo mais importante.
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

As propostas de Chomsky visavam descobrir mento a partir da experiência diária e, assim, dar
as realidades mentais subjacentes ao modo como as algum passo na direção da solução deste problema.
pessoas usªm a língua(gem): a competência é vista Um aspecto importante da proposta de
como um aspecto de nossa capacidade psicológica Chomsky foi o aparato técnico que ele elaborou para
geral. Assim, a lingüística foi encarada como uma tornar explícita a noção de competência - o siste-
disciplina mentalista - uma visão que contrastava ma de regras e símbolos que oferece uma represen-
com o viés behaviorista da lingüística feita na pri- tação formal da estrutura sintática, semântica e
meira metade do século XX e que se vinculava aos fonológica dos enunciados. Uma noção primordial
objetivos de vários lingüistas mais antigos, como os - a regra transformacional - fez que essa aborda-
gramáticos de Port-Royal (ver 2.6 acima). Também gem fosse designada comumente como gramática
se defendia que a lingüística não deveria se limitar transformacional. A partir da década de 1950, boa
simplesmente à descrição da competência. A longo parte da lingüística se encarregou de desenvolver a
prazo, havia um alvo ainda mais ambicioso: ofere- forma das gramáticas gerativas, e a teoria original
cer uma gramática capaz de avaliar a adequação de já foi reformulada diversas vezes. Durante o mes-
diferentes níveis de competência, e ir além do estu- mo período, também houve várias propostas de
do das línguas individuais para chegar à natureza modelos de análise gramatical alternativos aos ex-
da linguagem humana como um todo (pela desco- postos por Chomsky e seus seguidores, algumas das
berta dos "universais lingüísticos"). Deste modo, quais têm recebido considerável apoio.
esperava-se, a lingüística poderia dar uma contri-
buição a nosso entendimento da natureza da mente
humana. 4.3 Reação às idéias de Chomsky
A essência da abordagem foi sintetizada por
Chomsky num livro de 1986 (Knowlcdge of O efeito das idéias de Chomsky tem sido feno-
Language) como uma resposta para a seguinte per- menal. Não é exagero dizer que não existe nenhu-
gunta: "Como é possível que o.s seres humanos, cujos ma questão teórica importante na lingüística de hoje
'
contatos com o mundo são breves, pessoais e limi- que não seja debatida nos termos em que Chomsky
tados, sejam ainda assim capazes de conhecer tanto optou por defini-la, e cada escola de lingüística ten-
quanto conhecem?" Pelo estudo da faculdade hu- de a definir sua posição em relação à dele. Não só
mana da linguagem, deveria ser possível mostrar por suas idéias acerca da linguagem, mas igualmen-
como uma pessoa constrói um sistema de conheci- te por sua atuação política de crítico radical do im-
134 135
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

perialismo norte-americano, Chomsky é um dos A Escola de Praga foi mencionada anterior-


pensadores mais importantes da história contem- mente por sua importância no período imediatamen-
porânea. Estatísticas mundiais revelam que ele se te posterior à publicação do Curso de Saussure. Vá-
encontra entre os dez autores mais citados em to- rias de suas idéias características (em particular, a
das as ciências humanas (à frente de Hegel e Cícero noção de traços distintivos em fonologia) foram as-
e depois de Marx, Lenin, Shakespeare, a Bíblia, sumidas por outras escolas. Mas tem havido muito
Aristóteles, Platão e Freud, nesta ordem). desenvolvimento ulterior na abordagem funcional
da frase, uma herança de Praga. O trabalho de M.
Entre as escolas rivais do gerativismo estão a
A. K. Halliday (nascido em 1925) na Inglaterra se
tagmêmica, a gramática estratificacional e a Escola
inspirou originalmente na obra de Firth Uá citado),
de Praga. A tagmêmica é o sistema de análise lin-
mas Halliday ofereceu uma teoria mais sistemática
güística desenvolvido pelo lingüista americano
e abrangente da estrutura da língua que a de Firth.
Kenneth L. Pike e seus colaboradores em conexão
A teoria de Halliday recebe a designação de lingüís-
com seu trabalho de tradutores da Bíblia. Suas ba-
tica sistémica e vem sendo desenvolvida desde os
ses foram lançadas durante os anos 1950, quando anos 1960. Nela, a gramática é vista como uma rede
Pike se distanciou, em vários aspectos, do estrutu- de "sistemas" de contrastes inter-relacionados; dá-
ralismo pós-bloomfieldiano, e desde então têm sido se particular atenção aos aspectos semânticos e prag-
progressivamente elaboradas. A análise tagmêmica máticos da análise, e também ao modo como a
tem sido usada para analisar um grande número de entonação é usada na expressão do significado.
línguas até então não registradas, sobretudo na
América Central e do Sul e na África ocidental.
A gramática estratificacional, desenvolvida nos 4.5 A Escola de Praga e o funcionalismo
Estados Unidos pelo lingüista Sydney M. Lamb, tem
sido vista por alguns lingüistas como uma alternati- O que hoje é designado em geral como Escola
va à gramática transformacional. Ainda não total- de Praga compreende um grupo bastante amplo de
mente exposta ou exemplificada de modo abrangente pesquisadores, sobretudo europeus, que, embora
' a gramática estratifi-
na análise de línguas diferentes, possam não ter sido membros diretos do Círculo
cacional talvez seja mais bem caracterizada como Lingüístico de Praga, se inspiraram no trabalho de
uma modificação radical da lingüística pós- Vilém Mathesius, Nikolai Trubetzkoy, Roman
bloomfieldiana, mas tem diversos traços que a li- jakobson e outros estudiosos baseados em Praga na
gam ao estruturalismo europeu. década que antecedeu a II Guerra mundial.

136 137
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
,!1

O aspecto mais característico da Escola de Pra- parcialmente, às categorias gramaticais de modo e 1,


1'

ga é sua combinação de estruturalismo com funcio- pessoa. A função cognitiva é desempenhada carac- 1,
1:,

nalismo. Este último termo (tal como "estruturalis- teristicamente pelos enunciados não-modais de 3ª
mo") tem sido usado numa variedade de sentidos pessoa (isto é, enunciados no modo indicativo, que
na lingüística. Aqui ele deve ser entendido como não fazem uso de verbos modais como poder, dever); a
implicando uma apreciação da diversidade de fun- função expressiva, por enunciados na 1ª pessoa no
ções desempenhadas pela língua e um reconheci- modo subjuntivo ou optativo, e a função conativa por
mento teórico de que a estrutura das línguas é, em enunciados de 2ª pessoa no imperativo. A distinção
grande parte, determinada por suas funções carac- funcional dos aspectos cognitivo e expressivo também
terísticas. O funcionalismo, tomado neste sentido, foi aplicada pelos lingüistas da Escola de Praga em
se manifesta em muitos dos postulados mais especí- seu trabalho sobre estilística e crítica literária. Um de
ficos da doutrina da Escola de Praga. seus princípios-chave é o de que a língua está sendo /i,I
Uma célebre análise funcional da linguagem usada poeticamente ou esteticamente quando predo- li
!
que, embora não oriunda de Praga, teve muita in- mina o aspecto expressivo, e de que é típico da função
fluência ali, foi a do psicólogo alemão Karl Bühler, expressiva da linguagem manifestar-se na forma de
que reconheceu três tipos gerais de funções desem- um enunciado e não simplesmente nos significados
penhadas pela língua(gem): Darstellungflmtkion, das palavras que o compõem.
Kundgabefunktion e Appelfunktion. Esses termos A Escola de Praga é mais conhecida por seu
podem ser traduzidos, no atual contexto, por fun- trabalho na fonologia. Diferentemente dos
ção cognitiva, função expressiva e função conativa fonologistas americanos, Trubetzkoy e seus colabo-
(ou instrumental). A função cognitiva da linguagem radores não consideram o fonema como a unidade
se refere a seu emprego para a transmissão de infor- mínima de análise. Em vez disso, definem os
mação factual; por função expressiva se entende a fonemas como feixes de traços distintivos. Por exem-
indicação da disposição de ânimo ou atitude do lo- plo, em português, /b/ difere de /pi da mesma ma-
cutor (ou escritor); e por fun~ão conativa da lin- neira como /d/ difere de /ti e /g/ de /k/. De que
guagem se entende seu uso para influenciar a pes- modo exato eles diferem em termos de sua articula-
soa com quem se está falando, ou para provocar al- ção é uma questão complexa. Para simplificar, pode
gum efeito prático. Alguns pesquisadores vincula- se dizer que existe um único traço, cuja presença
dos à Escola de Praga sugeriram que essas três fun- distingue /b/, /d/ e /g/ de /pi, /ti e /k/, e este traço
ções correspondem, em várias línguas, ao menos é a sonoridade ou vozeamento (vibração das cordas

138 139

[ 1
4.A

vocais). De igual modo, o traço de labialidade pode rer no fim de uma palavra. Este e outros dispositi-
ser deduzido de /p/ e /b/ quando comparados a /ti, vos são descritos pelos fonologistas de Praga corno
/d/, /k/ e /g/; o traço de nasalidade, de ln! e tendo função demarcativa: são indicadores de fron-
quando comparados com /ti e /d/, de um lado, e teiras que reforçam a identidade e a unidade
com /p/ e /b/, do outro. Cada fonema, então, é com- sintagmática de palavras e frases.
posto de um número de características articulatórias A noção de marcação foi desenvolvida, primei-
e se torna distinto de cada outro fonema da língua ramente, na fonologia da Escola de Praga, mas em
pela presença ou ausência de ao menos um traço. A seguida se estendeu à morfologia e à sintaxe. Quan-
função distintiva dos fonemas pode ser relacionada do dois fonemas são distinguidos pela presença ou
à função cognitiva da linguagem. Esta análise dos ausência de um único traço distintivo, diz-se que
traços distintivos da fonologia da Escola de Praga, um deles é marcado e o outro, não-marcado para o
tal como desenvolvida por Jakobson, se tornou par- traço em questão. Por exemplo, /b/ é marcado e /pi
te do arcabouço criado para a fonologia gerativa. é não-marcado com respeito à sonoridade. De igual
Dois outros tipos de função fonologicamente modo, na morfologia, o verbo regular inglês pode
relevante também são reconhecidos pelos lingüis- ser chamado de marcado no tempo passado (pela
tas da Escola de Praga: a expressiva e a demarcativa. sufixação de -ed), mas não-marcado no presente (cf.
O primeiro termo é empregado aqui no sentido em jumped versusjump). Freqüentemente, urna forma
que é empregado acima (isto é, em oposição a não-marcada tem um espectro mais amplo de ocor-
"cognitivo"). É característico do acento, da rência e um significado menos definido do que a
entonação e de outros traços supra-segmentais da forma morfologicamente marcada. Pode se alegar,
língua que sejam freqüentemente expressivos do por exemplo, que enquanto o tempo passado inglês
ânimo ou atitude do falante neste sentido. O termo (em períodos simples ou na oração principal de pe-
demarcativo é aplicado aos elementos ou aspectos ríodos compostos) se refere definitivamente ao pas-
que, em línguas particulares, servem para indicar a sado, o assim chamado presente do indicativo é
ocorrência de fronteiras de palavras e frases e, muito mais neutro com relação à referência tempo-
presumivelmente, tornam ma~s fácil identificares- ral: ele é não-passado no sentido de que deixa de
sas unidades gramaticais no fluxo da fala. Existem, marcar o tempo como passado, mas não é marcado
por exemplo, diversas línguas em que o conjunto de como presente. Existe também um sentido mais abs-
fonemas que podem ocorrer no início de uma pala- trato da marcação, que é independente da presença
vra difere do conjunto de fonemas que podem ocor- ou ausência de um traço ou afixo explícito. As pala-

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

vras cavalo e égua dão exemplo de marcação deste rema ser ou não o sujeito gramatical, e que este prin-
tipo no vocabulário: aliás, nas línguas, como o por- cípio pode operar ainda, de modo mais limitado, em
tuguês, que distinguem morfologicamente as pala- línguas, como o português, com uma ordem de pala-
vras masculinas e femininas, é comum dizer que o vras relativamente mais fixa (cf. "Esse livro eu nunca
feminino é a forma marcada. Enquanto o uso da vi antes"). Mas outros dispositivos também podem
palavra gata se restringe às fêmeas da espécie, gato ser acionados para distinguir tema e rema. O rema
é aplicável tanto a machos quanto a fêmeas. Égua é pode ser enfaticamente acentuado ("Páulo viu Ma-
a forma marcada, e cavalo a forma não-marcada e, ria"), ou pode se tornar o complemento do verbo "ser ,,
como é muito usual, a forma não-marcada pode ser naquilo que é normalmente chamado de frase
neutra: ao avistar diversos animais da espécie, al- clivada ("Foi Pedro que viu Maria").
guém dirá que viu "muitos cavalos" e não "muitas O princípio geral que tem guiado a pesquisa na
éguas". O uso negativo da forma não-marcada tam- "perspectiva da funcional frase" é o de que a estrutu-
bém é freqüente: "Não é um cavalo, é uma égua". O ra sintática da frase é em parte determinada pela fun-
princípio da marcação, entendido neste sentido mais ção comunicativa dos vários constituintes e pelo mo~o
geral e abstrato, hoje está amplamente aceito pelos como eles se relacionam com o contexto do enuncia-
lingüistas de diferentes escolas, e é aplicado em to- do. Um aspecto do funcionalismo na sintaxe (algo
dos os níveis da análise lingüística. diferente, mas relacionado) é visto no trabalho atual
O trabalho dos funcionalistas atuais leva adi- no que se chama gramática de casos. A gramática de
ante as propostas fundamentais da Escola de Praga. casos se baseia num pequeno conjunto de funções sin-
A mais valiosa contribuição feita pelo funcionalis- táticas (agentivo, locativo, benefactivo, instrumental
mo do pós-guerra é talvez a distinção de tema e rema etc.), expressas de modo variado nas diferentes lín-
e a noção da "perspectiva funcional da frase" ou guas, mas que detenninam a estrutura gramatical das
"dinamismo comunicativo". Por tema de um enun- frases. Eml;iora a gramática de casos não derive dire-
ciado se entende a parte que se refere ao que já é tamente do trabalho da Escola de Praga, é muito se-
conhecido ou dado no contexto (também chamado melhante a ele em inspiração.
às vezes, por outros teóricos, .de tópico ou assunto
psicológico). Por rema, a parte 'que veicula informa-
ção nova (o comentário ou fJredicado psicológico). 4.6 A guinada pragmática
Tem-se mostrado que, em línguas com uma ordem
de palavras livre (como o tcheco e o latim), o tema É comum dizer que a lingüística sofreu, na se-
tende a preceder o rema, a despeito de o tema ou o ôunda metade do século XX, uma "guinada prag-
b

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4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

mática": em vez de se preocupar com a estrutura ra - no inglês britânico, por exemplo, a importân-
abstrata da língua, com seu sistema subjacente (com cia de dizer please ("por favor") e thanhyou ("obriga-
a Zangue de Saussure e a competência de Chomsky), do"), ou (em algumas famílias) de não se referir a
muitos lingüistas se debruçaram sobre os fenôme- uma mulher adulta em sua presença como ela. Em
nos mais diretamente ligados ao uso que os falantes várias línguas, as distinções pragmáticas de forma-
lidade, polidez e intimidade estão espalhadas ao lon-
fazem da língua. Para retomar a metáfora
go dos sistemas gramatical, lexical e fonológico, re-
saussuriana, em vez de se preocupar em conhecer a
fletindo, ao fim e ao cabo, questões de classe, status
partitura seguida por diferentes músicos na execu-
e papel social. Um exemplo bem estudado é o siste-
ção de uma mesma peça musical, o lingüista quer
ma pronominal, que freqüentemente apresenta dis-
conhecer precisamente em quê e por quê houve di-
tinções que veiculam força pragmática - como a
ferenças na execução, de que forma elas se manifes- escolha entre tu e vous em francês, ou entre você e o
taram e que efeito tiveram sobre o público ouvinte. senhoria senhora no português brasileiro (o inglês
A pragmática estuda os fatores que regem nos- apresenta apenas a forma you, para qualquer refe-
sas escolhas lingüísticas na interação social e os efei- rência à segunda pessoa do discurso).
tos de nossas escolhas sobre as outras pessoas. Na teo- As línguas diferem grandemente a esse respei-
ria, podemos dizer qualquer coisa que quisermos. Na to. As expressões de polidez, por exemplo, podem
prática, seguimos um grande número de regras so- variar em freqüência e significado. Diversas línguas
ciais (a maioria delas inconscientemente) que cons- européias não usam seu termo equivalente a please
trangem nosso modo de falar. Não há lei alguma que com a mesma freqüência do inglês; e a função e for-
diga que não se pode contar piadas durante um enter- ça do thank you também podem se alterar de língua
ro, mas em geral não se faz isso. De modo menos para língua (por exemplo, em resposta à pergunta:
óbvio, existem normas de formalidade e polidez que "Aceita m~üs bolo?", o inglês thank you significa
assimilamos intuitivamente e que seguimos quando "sim", enquanto o francês merci significaria "não").
falamos com pessoas mais velhas, do sexo oposto, e As convenções de saudação, de despedida e de re-
assim por diante. Nosso comRortamento ao escre- feição também diferem muito de língua para língua.
ver e usar sinais é regulado da mesma maneira. Em alguns países é polido comentar com o anfitrião
Os fatores pragmáticos sempre influenciam que estamos apreciando a comida; em outros, o poli-
nossa seleção de sons, de construções gramaticais e do é ficar calado.
de vocabulário dentro dos recursos da língua. Algu- Os erros pragmáticos não infringem as regras
mas coerções nos são ensinadas em idade muito ten- da fonologia, da sintaxe ou da semântica. Todos os
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HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

elementos da frase E aí, governador, o que é que tá A pragmática e a psicolingüística investigam


pegando? podem ser encontrados nos livros didáti- os estados psicológicos e as habilidades mentais dos
cos de português, mas para a maioria dos falantes participantes que terão um maior efeito sobre seu
da língua esta seqüência seria inadmissível do pon- desempenho verbal - fatores como atenção, me-
to de vista pragmático. A pragmática, portanto, tem mória e personalidade.
de ser vista como algo separado dos "níveis" de lín- A pragmática e a análise da conversação com-
gua representados nos modelos lingüísticos de aná- partilham várias das noções filosóficas e lingüísticas
lise (nível fonológico, morfológico, sintático, semân- que foram desenvolvidas para lidar com o exame das
tico ... ) - ela não faz parte da "estrutura" da língua. interações verbais eo modo como a informação é dis-
A pragmática, até o momento, ainda não é um tribuída dentro de uma frase, as formas dêiticas, a
campo de estudo coerente. Um grande número de noção de "máximas" conversacionais etc.).
fatores governa nossa escolha de língua em interação Em conseqüência dessas superposições de
social, e ainda não está claro o que eles todos são, áreas de interesse, diversas definições conflitantes
como se inter-relacionam, e como devemos distin- do escopo da pragmática têm sido propostas. Uma
gui-los de outras áreas reconhecidas da investiga- abordagem se concentra nos fatores formalmente co-
ção lingüística. Há diversas áreas importantes que dificados na estrutura da língua (formas honoríficas,
se sobrepõem. opção tu/vous, e assim por diante). Outra relaciona
A pragmática e a semântica levam em conta a pragmática a uma visão particular da semântica:
noções como as intenções do falante, os efeitos de aqui, ela é· vista como o estudo de todos os aspec-
um enunciado sobre os ouvintes, as implicações que tos do significado que não os envolvidos na aná-
seguem o expressar alguma coisa de certo modo, e lise das sentenças em termos de condições de ver-
os conhecimentos, crenças e pressuposições acerca dade. Outras abordagens adotam uma perspectiva
do mundo sobre os quais os falantes e ouvintes se muito ma-is ampla. A mais ampla de todas vê a
baseiam quando interagem. pragmática como o estudo dos princípios e práti-
A estilística e a sociolingüística se sobrepõem à cas que subjazem a todo o desempenho lingüístico
pragmática em seu estudo das' relações sociais que interativo - incluindo aí todos os aspectos do uso
existem entre os participantes, e do modo como o da língua, compreensão e adequação.
contexto extralingüístico, a atividade e o tema da A pragmática lingüística nasceu, primeiramen-
conversa regulam a escolha de aspectos e varieda- te, no campo da filosofia e por isso os nomes mais
des lingüísticas. importantes, nesta área, são os de três filósofos de

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4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

língua inglesa: John L. Austin (1911-1960), John outros temas, como a psicanálise e a teoria e crítica
Searle e H. P. Grice. Por ser uma corrente de estudo literárias, vamos nos concentrar aqui em suas refle-
em pleno desenvolvimento, não admira que a prag- xões mais estritamente lingüísticas.
mática ainda não tenha fixado seus cânones, o que Uma das principais contribuições de Bakhtin
indica que ela talvez seja o campo de estudo mais ao pensamento lingüístico contemporâneo está em
fértil para a lingüística do século XXI. sua crítica às duas grandes concepções de língua e
de linguagem que, segundo ele, sempre dominaram
os estudos filológicos, gramaticais e lingüísticos até
sua época. Essas duas grandes concepções se iden-
4. 7 Bakhtin e as três concepções de língua
tificam, em boa medida, com o que até agora vie-
mos chamando de tendências universal e particular
Não poderíamos encerrar esta breve história
de abordagem dos fenômenos lingüísticos.
da ciência lingüística sem mencionar o importante
A primeira dessas concepções de língua é cha-
trabalho do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-
mada por Bakhtin de "subjetivismo idealista". É a
1975). Por questões pessoais e políticas, várias de
percepção da língua como uma "atividade mental",
suas obras foram publicadas sob o nome de amigos
em que o psiquismo individual constitui a fonte da
e discípulos. Assim se deu com seu livro Marxismo
língua. Bakhtin sintetiza essa concepção nas seguin-
e filosofia da linguallem, publicado na Rússia em
tes afirmações:
1929 sob o nome de V Voloshinov. Durante várias
décadas, a obra permaneceu desconhecida dos es- 1. A língua é uma atividade, um processo criativo
tudiosos ocidentais. Quando, porém, na década de ininternipto de construção ("cncrgeia"), que se materia-
1970, surgiram as primeiras traduções européias, o liza sob a forma de atos de fala individuais.
2. As leis de criação lingüística são essencialmente leis
impacto do pensamento de Bakhtin foi enorme e até
individual-psicológicas.
hoje não diminuiu. O mundo acadêmico ocidental 3. A criação lingüística é uma criação racional análoga à
surpreendeu-se ao ver que, nas primeiras décadas do criação artística.
século XX, aquele quase desconpecido intelectual so- 4. A língua, na qualidade de produto acabado ("ergon"),
viético já assumia posturas teóricas que só viriam a na qualidade de sistema estável (léxico, gramática, foné-
cristalizar-se no Ocidente a partir da década de 1960 tica) se apresenta como um depósito inerte, tal como a
no trabalho dos sociolingüistas, dos teóricos da prag- lava esfriada da criação lingüística, abstratamente
mática lingüística e das diversas escolas de análise do construída pelos lingüistas em vista de sua aquisição prá-
discurso. Embora suas obras tratem igualmente de tica como ferramenta pronta para o uso.
149
148
4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas


Bakhtin identifica o alemão Wilhelm H umboldt
lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal e qual
como um importante (talvez o maior) representante à consciência individual e peremptória para esta.
e defensor dessa primeira concepção de língua. Os 2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas
críiicos atuais da gramática gerativa também costu- específicas que estabelecem vínculos entre os signos
mam incluir Noam Chomsky entre os que vêem a lín- lingüísticos no interior de um sistema fechado. Essas leis
gua dentro de um "subjetivismo idealista". De fato, é são objetivas em relação a toda consciência subjetiva.
conhecida a proposta de Chomsky de classificar a lin- 3. Os vínculos lingüísticos específicos nada têm que ver
güística como um ramo da psicologia cognitiva, de com valores ideológicos (artísticos, cognitivos ou outros).
basear suas análises na produção verbal de um "fa- Não se encontra na base dos fatos de língua nenhum
motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido não exis-
lante ideal", abstraído de toda realidade histórica e
te vínculo natural e compreensível para a consciência,
social, e de empreender a busca de uma "gramática nem vínculo artístico.
universal", igualmente infensa às investidas da ideo- 4. Os atos de fala individuais constituem, do ponto de
logia e da vida social dos seres humanos. vista da língua, simples refrações ou variações fortuitas
A segunda concepção de língua criticada por ou mesmo deformações das formas normalizadas. Mas
Bakhtin é a que ele chama de "objetivismo abstra- são justamente esses atos de fala individuais que expli-
to". É basicamente a concepção da língua como um cam a mudança histórica das formas da língua; enquanto
sistema de r(qras passíveis de descrição. A crítica tal, a mudança é, do ponto de vista do sistema, irracional
de Bakhtin se dirige agora explicitamente a Saussure e mesmo desprovida de sentido. Entre osistema da língua
e sua história não existe nem vínculo nem comunhão de
e ao estruturalismo que então nascia a partir dos
motores. O sistema e sua história são estranhos um à outra.
postulados saussurianos. Segundo o filósofo russo,
a lingüística saussuriana, que acredita distinguir-se A essas duas concepções de língua Bakhtin
dos procedimentos da filologia tradicional, na ver- opõe a urg~ncia de se considerar a língua como uma
dade só faz reiterá-los e perpetuá-los, ao desdenhar atividade social, em que o importante não é o enun-
a produção individual dos falantes (a parole) e ao se ciado, o produto, mas sim a enunciação, o processo
concentrar num construto teórico abstrato, homo- verbal. Para Bakhtin, a língua é (tal como para
gêneo, impossível de verificação' empírica (a langue, Saussure) um fato social, cuja existência se funda
ou sistema, ou sincronia). Tal como faz para a pri- nas necessidades da comunicação. Mas, contraria-
meira concepção tradicional, Bakhtin também sin- mente à lingüística saussuriana e pós-saussuriana,
tetiza o "objetivismo abstrato" numa série de pos- que faz da língua um objeto abstrato ideal (um "arco-
tulados: íris imóvel sobre o fluxo da língua", como escreve
151
150
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

Bakhtin), que se consagra à língua como sistema diálogo social, é a unidade de base da língua, que se
sincrônico homogêneo e rejeita suas manifestações trate do discurso interior (diálogo consigo mesmo)
(a fala, parole) como individuais, Bakhtin enfatiza ou exterior. A natureza da língua é essencialmente
precisamente a fala, a parole, a enunciação, e afirma dialógica, e isso se reflete nas próprias estruturas
sua natureza social, não individual: a parole está lingüísticas. A enunciação é de natureza social, por-
indissoluvelmente ligada às condições de comunica- tanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto
ção, que estão sempre ligadas às estruturas sociais. social, já que todo falante tem um "horizonte social''.
Na análise essencialmente marxista de Temos sempre um interlocutor, ainda que seja poten-
Bakhtin, todo signo é ideológico. A ideologia é um cial. O falante pensa e se expressa para um auditório
reflexo das estruturas sociais. Portanto, toda modi- social bem definido. Se a língua é determinada pela
ficação da ideologia acarreta uma modificação da ideologia, a consciência (portanto, o pensamento), a
língua. A evolução da língua obedece a uma dinâ- "atividade mental", que são condicionadas pela lin-
mica conotada positivamente, ao contrário da con- guagem, são modeladas pela ideologia. A mente é um
cepção saussuriana. A variação é inerente à língua produto social - e nisso Bakhtin se aproxima de
e reflete variações sociais (e nessas afirmações um compatriota e contemporâneo seu, o psicólogo
Bakhtin se antecipou em meio século à sociolin- Lev Vygotsky (1896-1934) que sempre postulou "a
güística). Se é verdade que a mudança obedece, em construção social da mente".
parte, a leis internas da língua, o fato é que essa Num outro livro, O Freudismo (publicado em
mudança é regida sobretudo por leis externas, de 1927 e também assinado por V. Voloshinov), em
natureza social. O signo dialético, movente, vivo, se que critica duramente a recém-nascida psicanálise
opõe ao "sinal" inerte que se depreende da análise freudiana, Bakhtin enuncia de forma muito clara
da língua como sistema sincrônico abstrato. o eixo teórico fundamental de sua concepção de
A palavra-chave da lingüística bakhtiniana é linguagem:
diálogo. Só existe língua onde houver possibilidade
Nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída ex-
de interação social, dialogal. A língua não reside na
clusivamente a quem a enunciou: é produto da interação
mente do falante, nem é um 'sistema abstrato que entre.falantes e, em termos mais amplos, produto de toda
paira acima das condições sociais. A língua é um uma situação social em que ela surgiu. [... ]Todo produto
trabalho empreendido conjuntamente pelos falan- da linguagem do homem, da simples enunciação vital a
tes, é uma atividade social, é enunciação. A uma complexa obra literária, em todos os momentos es-
enunciação, compreendida como uma réplica do senciais é determinado não pela vivência subjetiva do

152 153
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA 4. A LINGÜÍSTICA NO SÉCULO XX

falante mas pela situação social em que soa essa fenômeno lingüístico que, precisamente, criticavam a
enunciação.[ ... ] O que caracteriza precisamente uma dada visão da língua como um sistema homogêneo e está-
enunciação - a escolha de certas palavras, certa teoria
vel - capaz de ser descrito satisfatoriamente pelas
da frase, determinada entonação da enunciação - é a
disciplinas tradicionais: fonologia, morfologia, sinta-
expressão da relação recíproca entre os falantes e todo o
complexo ambiente social em que se desenvolve a con- xe, semântica - e postulavam um entendimento mais
versa. As mesmas "vivências psíquicas" do falante, cuja abrangente da língua, em que não é possível descar-
expressão tendemos a ver nessa enunciação, são de fato tar as condições de produção que presidiram à consti-
apenas uma interpretação unilateral, simplificada e cien- tuição do enunciado lingüístico.
tificamente incorreta de um fenômeno social mais com- Essas novas abordagens ganham cada vez mais
plexo. É uma espécie de "projeção" através da qual inves- a dianteira sobre as análises estruturalistas e
timos (projetamos) na "alma individual" um complexo gerativistas, que caracterizaram a ciência lingüís-
conjunto de inter-relações sociais. A palavra é uma espé- tica na primeira metade do século XX. Estamos
cie de "cenário" daquele convívio mais íntimo em cujo nos referindo aqui, além da já citada pragmática,
processo ela nasceu, e esse convívio, por sua vez, é um
à sociolingüística (em suas vertentes "quantitati-
momento do convívio mais amplo do grupo social a que
pertence o falante. Para compreender esse cenário, é in-
va" e "interacional"), à psicolingüística, à análise
dispensável restabelecer todas aquelas complexas inter- da conversação, à semântica argumentativa, à
relações sociais das quais uma dada enunciação é a inter- análise do discurso (em suas diferentes "escolas"),
pretação ideológica. A questão não muda se em vez de à lingüística do texto. Todas essas disciplinas são
discurso exterior temos discurso interior. Esse discurso campos de· estudo profundamente dinâmicos nos
também pressupõe o ouvinte eventual, constrói-se volta- quais vêm ocorrendo verdadeiras revoluções cien-
do para ele. O discurso interior é tanto um produto e ex- tíficas que caberá a uma futura história da lingüís-
pressão do convívio social quanto o discurso exterior 1 • tica registrar e descrever.
O impacto do pensamento de Bakhtin sobre a
lingüística do século XX, como dissemos, tem sido tre-
mendo, sobretudo porque veioiinfluenciar, no momen-
to em que surgiam, toda uma série de abordagens do

1. Citamos a tradução brasileira (diretamente do russo, por


Paulo Bezerra): O freudismo, São Paulo, Martins Fontes, 2001, pp.
79-80 (N. do T.).

154 155
GUIA DE LEITURA

N. B.: Para reforçar o caráter didático do presente livro, e


por sugestão da própria autora, oferecemos ao leitor brasileiro
um pequeno guia de leitura, com obras publicadas em portu-
guês e que permitem um aprofundamento nos diferentes te-
mas abordados nesta História concisa da lingüística.

1. Abordagens históricas

CAMARA Jr.,]. Mattoso. História ria lingüística. Petrópolis,


Vozes, 4" ed., 1986.
DESBORDES, Françoise. Concepções sobre a escrita na Roma
ant(qa. São Paulo, Ática, 1995.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Tradição gramatical egra-
mática tradicional. São Paulo, Contexto, 1994.
NEVES, Maria Helena M. A vertmte [/rega da Gramática Tra-
dicional. São Paulo/Brasília, Hucitec/UnB, 1987.
ROBBINS, R. Pequena história da lin,qüística. Rio de Janeiro,
Ao Livro Técnico, 1979.
SCHLIEBEN-LANGE, Brigitte. História âo falar e história da lin-
,qüística. Campinas, Unicamp, 1993.

II. Obras gerais e introdutórias


ARNAULD & LANCELOT, GramáticadePort-Ropal. São Pau-
lo, Martins Fontes, 1992.
BORBA, Francisco. Introdução aos estudos lingüísticos. Campi-
nas, Pontes, 1975.

157
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA GUIA DE LEITURA

CAMARAJr., J. Mattoso. Princípios de lingüística geral. Rio de CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Petrópolis,
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LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea. FREITAS, M. Tereza A. Vygostky & Bahhtin. São Paulo, Ática,
São Paulo, Cultrix, 1995. 1996.
LYONS,John. Linguagem e lingüística: uma introdução. Rio de LYONS,John. As idéias de Chomsley. São Paulo, Cultrix, 1973.
Janeiro, LTC, 1987. MONTEIRO, José L. Para compreender Labov. Petrópolis, Vo-
MUSSALIM, F. & BENTES, A. (org.) Introdução à lin/Jiiística (2 zes, 2001.
volumes). São Paulo, Cortez, 2001.
ORLANDI, Eni P. O que é lin/Jiiística. São Paulo, Brasiliense, V. Abordagens diversas
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ciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999.
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SCLIAR-CABRAL, Leonor. Introdução à lingüística. Porto Ale-
matical, mídia & exclusão social. São Paulo, Loyola, 2000.
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___ .Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Pau-
lo, Parábola, 2001.
III. Dicionários ___ . Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo,
ALMEIDA F'', José. Glossário de lingüística aplicada. Campi- Loyola, 9'' ed., 2001.
nas, Pontes, 1998. BAGNO, Marcos. (org.). Norma lin,qüística. São Paulo, Loyola,
CAMARAJr.,J. Mattoso. Dicionário de linpüística egramática. 2001.
Petrópolis, Vozes, 22" ed., 2001. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São
CRYSTAL, David. Dicionário de lingüística e fonética. Rio de Paulo, Hucitec, 1997.
Janeiro, Jorge Zahar, s.d. BOURDIEU, -Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São
DUBOIS,Jean. Dicionário de lingüística. São Paulo, Cultrix, 1997. Paulo, Edusp, 1996.
BRANDÃO, Helena N. Introdução à análise do discurso. Cam-
pinas, Unicamp, 2000.
IV. Sobre autores específicos
BRITTO, Luiz Percival L. A sombra do caos: ensino de língua e
BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. São Paulo, tradição gramatical. Campinas, Mercado de Letras, 1997.
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do. Campinas, Unicamp, 2001. CASTILHO, Ataliba T. A língua falada no ensino de português.
CALVET, Louisjean. Saussure: pró econtra. São Paulo, Cultrix, 1977. São Paulo, Contexto, 1998.

158 159
HISTÓRIA CONCISA DA LJNGÜÍSTICA

CHOMSKY, Noam. A/µmnáticagenerativa. Lisboa, Edições 70,


1979.
___ . Estruturas sintácticas. Lisboa, Edições 70, 1980.
___ . Linguapem e mente. Brasília, Universidade de Brasília,
1998.
FARACO, Carlos A. (org.). Estrangeirismos: guenas em tomo
da línqua. São Paulo, Parábola, 2001. ÍNDICE DE AUTORES E DE
FARACO, Carlos A. Lilwüística histórica. São Paulo, Ática,
1998.
OBRAS FUNDAMENTAIS
FÁVERO, Leonor L. Lingüística textual: introdução. São Paulo,
Cortez, 1994.
GERALDI,J oão W. Linguagem e e11si110: exercícios de militância.
Campinas, Mercado de Letras, 1998.
GNERRE, Maurizzio. Linguapcm, escrita e poder. São Paulo,
A B
Martins Fontes, 1985. Aarhus, Jacobus Mathiae, 81 Bacher, 18
ILARI, Rodolfo. A lin,qüística e o ensino de língua portuguesa. Ahhandlun11 über den Ursprung Bacon, Rogério, 5 7
São Paulo, Martins Fontes, 1985. der Sprachc, 101 fükhtin, Mikhail, 148-153
ILARI, Rodolfo. Lingüística românica. São Paulo, Ática, ~999. Adelung, J. C., 78 Balbi, Johannes, 56
MARCUSCHI, Luiz A. Análise da conversação. São Paulo, Atica, Aenlciding tot de Kennisse van Barton, .J obn, 71
1998. het Vcrhevene Decl der Barwick, K., 36
NEVES, Maria Helena M. A gramática funcional. São Paulo, Nedcrduitsche Sprake, 89 Becanus, Goropius, 85
Martins Fontes, 1998. Agostinho, 40 Beda, 67
PERINI, Már~o A. Para uma nova,qramática do portupuês. São Alberti, Leon Battista, 72 Bethune, Ebherard, 56
Paulo, Atica, 1985. Alcuíno, 54 Blommfield, Leonard, 130-131
_ _ _ . Sofrendo ª/Jramática. São Paulo, Ática, 1997. Ambrósio, 40 Boas, Franz, 130
POSSENTI, Sírio. Por que (não) msinar gramática na escola. Anfàn/J.l!/ni11dc âer Bocácio, 37
Spraclmisscnschaft, 100 Boécio, 54
Campinas, Mercarlo de Letras, 1996.
Apolônio Dísrnlo, 32, 33, 34, 42 Biihme, .Jakob, 97-98
RIBEIRO, Branca T. & GARCEZ, Pedro M. (org.)
Aquapendente, Fabrício de, 80, 81 Bonifácio, 49, 51
Sociolin,qüística interacional. Porto Alegre, AGE, 1998. Aristóteles, 27, 30, 43, 54, 57, Bopp, Franz, 91-93
SCLIAR-CA~RAL, Leonor. Introdução à psicolingüística. São 67, 136 - Bréal, Michel, 114
Pauo, Atica, 1991. Arnauld, Antoine, 98 Brocensis, Franciscus Sanctius, 96
SIGNORINI, Inês (org.). Investigando a relação fala-escrita. Ars maior, 39, 40, 63 Brosses, Charles de, 89
Campinas, Mercado de Letras, 2001. Ars rninor, 40, 50, 52, 71 Bühler, Karl, 138
SILVA, G. M. & SCHERRE, M. M. P. Padrões sociolin,qüísticos. Artes de grarnâúca da língua mais
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1996. usada na Costa do Brasil, 76 e
SOARES, Magda. Linpuagem e escola: uma perspectiva social. Ásper, 40 Capela, Marciano, 41, 44
São Paulo, Ática, 1986. Aspório, 51 Carey, 91
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolin,qüística. São Paulo, Áudax, 40 Carlos Magno, 52
Ática, 1997. A11micc71t na n-Éces, 63 Casamento de filologia e
Austin, John L., 148 Mercúrio, 44

160 161
ÍNDICE DE AUTORES E DE OBRAS FUNDAMENTAIS
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

Giambullari, Pierfrancesco, 85 Institutio de nomine et


Castilho, Ataliba T. de, Diomedes, 83
Graecismus, 56 pronomine et verbo, 41
Categorias, 54 Dionísio de Halicarnasso, 33, 44
Gramáti:ca filosófica da língua Institutiones grammaticae, 33,
Chomsky, Abram Noam, 109, Dionísio Trácio, 33-34 portuguesa, 100
125, 131-136, 144, 150 Dobson, ]. E., 18 41, 4 7, 53-55, 59, 61, 79
Gramático, Virgílio, 52 Isagoge, 54
Cícero, 71, 136 Doctrinale, 56 Grammaire générale et
Cintra, Lindley, 42 Dominus qu.ae pars, 53 Isidoro de Sevilha, 48
raisonnée, 60, 98, 100
Círculo Lingüístico de Praga, 137 Donat françois, 71 Grammatica linguae anglicanae,
Claius, J ohannes, 72 Donato, 39-40, 42, 50, 52, 61, 81 J
Cláudio, Ápio, 44 63, 71 Grammatici latini, 39 Jakobson, Roman, 129, 137
Cledônio, 40 Dositeu, 40 Gregório Magno, 40 Jerônimo
Clénard, Nicolas, 76 Duret, Claude, 79 Grice, H. P., 148 João de Garland, 56
Codex Wormianus, 63 Grimm, Jakob, 104-105, 116 João de Gênova, 56, 58
Colebrooke, 91 E Guidacerius, Agathius, 80 J ones, William, 104
Condillac, 101 Guilherme de Conches, 55
Elements of sprech, 81 Guilherme de Occam, 59
Crates de Malas, 36 K
Elfrico, 61-62 Gutolfo de Heiligenkreux, 56
Crátilo, 24,2 5 Ellis, A. j., 92 Keil, H., 39
Crátilo, 25 Eneida, 40-41, 51
Crisóloras, Manuel, 73 H Kempf, Nicolau, 56
Escamo, 40 Knowledge Language, 134
Cunha, Celso, 42 Escola de Copenhague, 129 Halliday, M. A. K., 137
Curso de lingüfatica geral, 126- Escola de Londres, 129 Harris, James, 100
128. 137 Hegel, Wilhelm Friedrich, 136 L
Escola de Praga, 129, 136-143
Escrita e a língua dos godos, A, 85 Helias, Pedro, 55 Lamb, Sidney M., 136
D Esmaragdo, 52 Herder, J ohann Gottfried von, Lancelot, Claude, 98
EssaJf towarrls a Rca l Character 101, 108 Language, 131
Darwin, 93-94 Hennathema, 85
Darwinismo testado pela ciência anrl a Philosophical Láscaris, Constantino, 73
Lan11uage, 81, 98 Hermes, or a Philosophical Lcctures on the Science of
da linguagem, 94 InquirJI concernúig
De brutomm loquela, 81 Etimol0[1ias, 48 Language, 94
Êutico, 41 Universal Grammar, 100
De causis linguae latinae, 96 Leibniz, 37
Hermógenes, 25
De grammaticis et rhetoribu.s, 36 Heródoto, 77 Lenin, 136
De hellenistica, 86 F Hjelmslev, Louis, 129 Levita, Elias, 75
De interpretatione, 27, 54 Fergil, 45 Holder, Willian!, 81 Leifs d'Amors, 66,68
De lingu.a latina, 37 Firth, John Rupert, 129, 137 Humboldt, Wilhelm von, 107- Life and Growth of Language, 95
De litteris, 81 Focas, 41 108, 127, 150 Linacre, Thomas, 95
De locu.tione et eius Forster, 91 Locke, 100
i11strumentis, 81 Fdnk, 91 1 Lúlio, Raimundo, 97
De rudimentis hebraicis, 75 Freud, Sigmund, 136 Lutero, Martinho, 72
De signatura remm, 97 /anua, 53
Freudismo, O, 153 Il gello: ragionamenti della
De Spreeckonst, 81 M
Fandamentum pnerorum, 56 prima et antica origine
De visione, voce, auditu, 80
Diadema monachorum, 52 della Toscana et Manúcio, Aldo, 44, 73
Diógenes de Babilônia, 28 G parti cu larmente della Martinet, André, 112
Diógenes Laércio, 28, 30 Gesner, Conrad, 77-79 lingua fiorentina, 85 Martinho da Dácia, 58

162 165
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA ÍNDICE DE AUTORES E DE OBRAS FUNDAMENTAIS

Marx, Karl, 136 Peri henneneías, 27 Sérvio, 40 V


Marxismo e filosofia da Peri syntáxeos, 32-3342 Shakespeare, 136
linguagem, 148 Pike, Kenneth L., 136 Sigério de Courtrai, 58 Valia, Lorenzo, 95
Mathesius, Vilém, 137 Pilatos, 60 Sintactic Structures, 132 Varrão, Marcos Terêncio, 36-
Platão, 21, 24-27, 29-30, 37-38, Sintaxe, 32 38, 47-49, 95
Mauro, Terenciano, 44
\Te1gleichende Gramrnatih des San-
Megiser, Hieronymus, 78 43, 73, 136 Sócrates, 25
shi t, Zc11d, Griechischen,
Melanchton, Phillipp, 95 Pompeu, 40 Sofista, 29
Lateinischen, Litthauischen,
Metafísica, 57 Porfírio, 54 Steiner, Rudolf, 97 Gothischen nnd Drntschen 93
Miguel de Marbais, 58 Port-Royal, 60, 98-100, 134 Steinthal, Heymann, 108 Veronese, Guarino, 95 '
Milton, John, 86 Primeiro Gramático Stiernhielm, Georg, 88 \Tidas dos filósofos, 28
lvfinerva, 96 Primriro tratado gramatical, 64 Suetônio, 36 Villa Dei, Alexandre de, 56
Mithridates, 77-78 Prisciano, 33, 41, 47, 53-55, Sweet, Henry, 92 Virgílio, 40, 45, 52
Mitridates, 77 62-63, 79 Vitorino, 40
Montano, Pedro, 81 Probo, Valério, 38 T Voloshinov, V, 148, 153
MuiJdhabodha, 91 Pseudo-Agostinho, 41 Vopadeva, 91
Pseudo-Palemiio, 83 Ten Kate, Lambert, 89 Vulcânio, Boaventura, 85
Müller, Max, 94 Thesaurus of English Words
Munster, Sebastian, 75 Vygostky, Lev, 153
and Phrases, 98
Q Thórdharson, Oláfr, 63-64
N Qimhi, Moshe, 75 Thrésor de l'histoire des Tangues
w
Nebrija, Antonio de, 82-83, 95 Quintiliano, 38, 95 de cest univcrs, 79 Wallis, John, 81
Neckham, Alexandre, 56 Tomós de Erfurt, 56, 58 Whitney, W. D., 92, 95
Nol'a gramática do portll/Jllês R Traitf de 111 .fimn.ation Whorf, Benjamin Lee, 130
contemporâneo, 42 Rank, Rasmus, 104 mfrha11ique dcs lan.gues, et Wilkins, John, 81, 91, 97-98
Novo Testamento, 7'.l dcs 11ri ncipes ph!fsiques de Willoughby, Francis, 97
Ray, John, 98
Novzenus, Sebastianus / 'étJ!lllOlogic, 89 Wundt, Wilhelm, 108, 131
ReLtchlin, Johannes, 74-76
Augustus, 80 Roget, P. M., 98 Trubetzkoy, Nikolai
N11m11111s q11ae pars, 5:l Sergeievitch, 129, 137,
y
s 139 Yates, 91
o Salmásio, Cláudio, 86
Or(IJCll1 da lí11iflta portuguesa, Sandys, 18
7:l Sapir, Edward, 130
Or(1ftm das espécies, 94 Saussure, Ferdinand de, 109,
125 128, 133, J:J7, 144,
p . 150, 152
Palemão, Q. Rêmio, 38 Sca~igcr, .J. C., 96
Panini, 13-14, 91 Schleicher, August, 93-94, 121
Pansa, 38 Schlispacher, Johannes, .56
Papiro Yale, 30 Schmidt, J ohannes, l 22
Partitioncs, 4 l, 48 Searle, John, 148
Pedersen, H., 18 Sergílio, 45
Pellican, Conrad, 74-75 Sérgio, 40

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TÍTULO,
HISTÓRIA CONCISA DA LINGÜÍSTICA

AUTOR
BARBARA WEDOWOOD

PROJETO GRÁFICO,
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CAPA,
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EDITORES RESPONSÁVEIS,
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FORMATO,
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