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Brasília
2017
Fernanda Rocha Zanette
Brasília
2017
Autorização
Assinatura: __________________________________
Data: ___/___/___
CDU 396.9(81)
Dedico esse trabalho às mulheres da minha vida, exemplos de
amor, resistência e força nas lutas cotidianas contra a opressão de gênero.
Agradecimentos
Esta pesquisa tem como objetivo realizar uma análise da atuação parlamentar das deputadas na
Câmara dos Deputados, levando-se em consideração as relações de gênero e o seu reflexo sobre a
atuação parlamentar das mulheres. Especificamente, este trabalho detém-se sobre dados relativos
à presença e aos espaços de ação das deputadas eleitas para a 55ª Legislatura (2015-2018),
concentrando-se em elementos do perfil e trajetória política que podem ter influência em suas
práticas legislativas. Além da coleta de informações biográficas, realizou-se levantamento sobre a
participação das deputadas nas comissões temáticas permanentes e na Mesa Diretora da Câmara
dos Deputados. Os resultados apontam que formas sociais assumidas pelas relações de gênero
influenciam a ocupação de espaços políticos estratégicos no Parlamento, assim como limitam o
campo de possibilidades de atuação e o acúmulo de capital político pelas mulheres.
The purpose of the following research is to analyze the parliamentarians' performance in the
Chamber of Deputies, taking into account gender relations and their reflection on the parliamentary
role of women. It approaches, specifically, the presence and spaces of action of women deputies’
elected to the 55th Legislature (2015-2018), standing out elements of the profile and political
trajectory that may influence their legislative practices. In addition to the collection of biographical
data, it has been made a survey on the participation of women in the commissions of the Chamber
of Deputies. The results indicate that social forms assumed by gender relations influence the
occupation of strategic political spaces in the Parliament, as well as limit the range of possibilities
for action and accumulation of political capital by women.
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................13
CAPÍTULO 1 ...............................................................................................................................................16
1.1 Sexo e Gênero: a construção social das diferenças ......................................................... 16
CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................................................24
2.1 Mulheres e a Histórica Luta por Direitos ............................................................................. 24
CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................................................38
3.1 Democracia e Representatividade ........................................................................................ 38
CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................................................44
4.1 Perfil das deputadas da 55ª Legislatura ............................................................................... 44
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................60
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................62
13
INTRODUÇÃO
raça e etnia, cultura e educação. A exclusão das mulheres dos espaços estratégicos de tomada de
decisões restringe as possibilidades de fortalecimento do princípio e dos valores democráticos,
dificulta o desenvolvimento econômico e impede a obtenção de maior igualdade de gênero na
sociedade. Este trabalho visa a compreender como a manutenção de desigualdades fundamentais e
estereótipos de gênero influenciam a ação política das mulheres no parlamento.
A partir da coleta de dados, o foco principal desse trabalho é encontrar a interconexão entre
as variáveis: sexo, atuação política e acumulação de capital político. À vista disso, dedicar-se-á a
analisar como se delineiam as relações de gênero no âmbito da estrutura institucional legislativa.
Para tanto, será realizado um levantamento sobre os perfis e a participação das deputadas eleitas
em órgãos legislativos nas primeiras três sessões legislativas da 55ª Legislatura.
Ao longo do trabalho buscar-se-á compreender as relações entre sub-representação
feminina e existência de estruturas hierárquicas e androcêntricas, em que os padrões, os papéis
sociais e as estruturas de oportunidade ainda são formulados e apropriados por uma ótica e valores
masculinos de poder. Ademais, outra questão a ser investigada é se a maior presença de mulheres
em discussões de temáticas sociais e de cuidado, áreas de menor capital político (MIGUEL e
FEITOSA, 2009; PERLIN et al. 2016), ocorre porque há limitação de outros espaços e
possibilitados de atuação.
É necessário ressaltar que esse estudo procurou afastar-se de uma argumentação que
transformasse a mulher em vítima ou sujeito passivo submetido a uma conjuntura de dominação.
Tentou-se, sobretudo, estabelecer a lógica existente entre os ‘papéis’ atribuídos e destinados
socialmente às mulheres e as relações de dominação e subordinação advindas dessa construção.
Ademais, buscou-se identificar os mecanismos responsáveis pela instituição e reprodução da
desigualdade de gênero.
Sob essa perspectiva, o primeiro capítulo do trabalho empreenderá discussão acerca da
identidade feminina, tendo como objeto de análise a categoria ‘mulher’. Assim, buscar-se-á
compreender como se forma o imaginário acerca do feminino e da mulher como o ‘outro’, e, a
partir desse ponto, a estruturação de relações de hierarquia generificadas ou gendradas.
O segundo capítulo concentrar-se-á em apresentar um panorama histórico da participação
feminina na política. Nessa parte do trabalho, feita a exposição da situação atual da participação
política da mulher na Câmara dos Deputados, abordando aspectos tais como a participação nos
partidos políticos e cotas de gênero.
15
A partir dos debates empreendidos nas duas primeiras partes, o terceiro capítulo abordará a
importância da representação de mulheres na política. Afinal, por que é importante para a
democracia a inserção de forma plena das mulheres? Nesse sentido, buscar-se-á, a partir de
literatura especializada, apresentar argumentos utilizados para justificar a presença feminina na
política e, igualmente, dificuldades para a consecução de uma participação igualitária das mulheres
nesse campo.
Uma vez discutidas questões relacionadas aos entraves à inserção feminina na esfera
política, o quarto capítulo visa a analisar dados coletados sobre a atuação das deputadas federais
na Câmara dos Deputados. Procurar-se-á verificar, por meio da elaboração de perfil das
parlamentares eleitas para a 55ª Legislatura, entender elementos da atuação legislativa destas. Além
disso, buscar-se-á compreender se há um direcionamento da ação política das parlamentares para
áreas temáticas tradicionalmente relacionadas ao ‘feminino’.
16
CAPÍTULO 1
Simone de Beauvoir (1980) afirma que a condição de ‘ser’ dos indivíduos não está
relacionado a uma substância, a uma essência interna do indivíduo, ou mesmo há um elemento
natural deste. O ‘ser’ é uma identidade construída socialmente.
Rita Laura Segato (2003, citada por MAIA, 2007), por sua vez, identificou esse processo
de “mímesis progressiva”, ou seja, o sujeito, “imita o mandado, reponde a suas expectativas, toma
conhecimento da imagem que a ordem dominante lhe atribuiu, mas introduzindo um elemento de
paródia que transforma a obediência em desacato” (SEGATO, 2003 apud MAIA,2007).
Sexo e gênero, nesse contexto, aparecem como categorias distintas, inter-relacionadas, mas
não mutuamente determinantes. O sexo de um indivíduo ampara-se, sobretudo, na diferença
anatômica biológica entre os corpos masculino e feminino. Essa qualidade biológica distintiva dos
sexos justifica e legitima, em grande medida, a construção social dos gêneros.
Para Beauvoir (1980), o gênero é uma construção social, afinal, como postulado pela autora,
“não se nasce mulher, torna-se mulher”, máxima válida para as representações de gênero. No
entanto, salienta-se que o gênero, nesse caso, não deve ser reduzido a uma escolha, haja vista que
esse processo de identificação ocorre sob um compelir social.
Butler (2010), por sua vez, acredita que existam sim diferenças que sejam binárias,
materiais e distintas. Em diálogo com a teoria de Beauvoir, Butler critica a dicotomia sexo/gênero,
na qual sexo é apresentado como um fato e o gênero como adquirido. Nesse sentido, o gênero
representaria a possibilidade de significados culturais e o corpo sexuado o meio passivo no qual
esses significados são inscritos. A autora sugere, então, a reformulação da noção de gênero a partir
de uma concepção do sexo como categoria ‘pré-discursiva’, pela qual se estabelece e se assegura a
dualidade do próprio sexo e também abrange relações de poder que ocultam a própria operação da
produção discursiva.
Desse modo, o sexo pode ser entendido como substância, a partir do qual é instituído um
quadro de significações possíveis sobre a dimensão discursiva. Em contraposição, o gênero
corresponde ao significado cultural assumido pelos corpos sexuados. O gênero, portanto,
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O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num
sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o aparato mesmo de
produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. Resulta daí que o gênero não está
para a cultura como o sexo para a natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual ‘ a
natureza sexuada’ ou o ‘sexo natural’ é produzido e estabelecido como ‘pré-discursivo’, anterior à
cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (BUTLER, 2010, P.25)
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino,
e, especificamente, a divisão anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como
justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e,
principalmente, da divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2012, p.20).
19
A compreensão das relações de gênero perpassa, portanto, a demarcação das posições dos
sujeitos na sociedade e a naturalização dos lugares destinados tanto aos homens quanto ás mulheres
e sua consequente hierarquização.
Conforme exposto por Beauvoir (1980), a noção de sujeito social esteve, historicamente,
associada à perspectiva de um sujeito masculino, universal, livre, racional. Deixou-se, desse modo,
ao ‘outro’ os aspectos de alteridade e singularidade. Enquanto o sujeito é representado pela
universalidade masculina, a mulher caracterizou-se como o ‘outro’ gênero, fora do padrão
universal, condenada, segundo a autora, à inatividade, à passividade e à sombra do masculino.
As posições e as relações ‘masculino/feminino’ estariam pautadas nessa diferenciação
estruturante da realidade, na qual “o masculino está investido dos significados de representação da
totalidade, ao mesmo tempo em que possui uma qualidade de um gênero frente ao outro”
(HEILBORN, 1993, p. 70, apud MARIANO, 2005). As mulheres não estariam, portanto, retratadas
no modelo de ‘sujeito’ universal masculino, constituindo a diferença, o irrepresentável.
Bourdieu (2011) assinala o papel estabilizador das instituições, no caso, família, Igreja,
escola e Estado na manutenção da ordem dos gêneros, mesmo diante de panorama de mudanças na
representação de gênero. Inconscientemente, os indivíduos – tanto homens quanto mulheres -
internalizariam e naturalizariam sistemas estruturais de ordem masculina, o que conduziria à
reprodução das estruturas de dominação e de hierarquização.
Como uma das estratégias de naturalização dessas relações, o autor aponta a classificação
das coisas e das atividades por meio de esquemas dicotômicos de significação – frente/verso,
ir/voltar, seco/úmido etc – que contribuiriam para internalização de esquemas de pensamento
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hierarquizantes e de controle dos corpos. A divisão binária dos sexos, nesse contexto, é apresentada
como uma realidade natural, consagrada e imutável, que se encontra objetivada nas coisas: na casa,
nos corpos, no mundo social, no habitus.1
Os indivíduos internalizam e ressignificam esses sistemas cognitivos, ajuntando-os às
possibilidades e às limitações do mundo real. Condutas, práticas, ações e percepções individuais
são influenciadas e ganham sentido a partir desses sistemas. Bourdieu descreve como
‘orquestração’ esse processo de adaptação das disposições individuais às situações sociais,
produzindo conjuntos de ações e valores classificados como ‘normais’ e ‘naturais’. Reforça-se,
desse modo, as estruturas de poder e de dominação.
Na relação entre os sexos, a inclinação das mulheres por atividades mais domésticas ou a
tendência de esboçar determinados comportamentos estão intimamente relacionados ao processo
de internalização e legitimação de uma ordem social anterior e externa aos indivíduos. Os
paradigmas sociais, uma vez naturalizados, moldariam identidade, compreensão do indivíduo
acerca da realidade e noções de pertencimento, assim como percepções sobre disposições e arranjos
possíveis acerca dos papéis sociais de homens e mulheres. Segundo Bourdieu:
1 Habitus, na acepção de Bourdieu (2001), trata-se do produto de uma história inscrita nos corpos dos
indivíduos por meio de esquemas de percepção, compreensão, julgamento e ação, constituídos a partir da experiência
passada.
21
Contudo, sejam quais forem os fatores que geraram ou contribuíram para um processo de
inferiorização feminina, é importante ressaltar que não se deve atribuir toda a responsabilidade aos
homens, mesmo considerando que a ideologia dominante é a visão androcêntrica. Esta, por sua
vez, capaz de fazer as mulheres internalizarem e reproduzirem sua condição inferior. Eiler (1996)
afirma que é importante reconhecer que as mulheres não foram vítimas passivas, mulheres e
homens são partícipes de um sistema opressivo que os influencia constantemente.
No último século, contudo, observou-se um acelerado processo de desconstrução e
ressignificação do feminino e de seus papéis na sociedade. Essa mudança na identidade feminina
relaciona-se, em grande medida, com o aumento de escolaridade entre as mulheres; a entrada das
mulheres no mercado de trabalho e o consequente afastamento das tarefas domésticas; o
questionamento da ‘função reprodutora’ da mulher; entre outros fatores. As mulheres começaram
a – lentamente, mas de maneira constante – avançar em direção à esfera pública.
Entre as transformações listadas, Bourdieu (2011) destaca uma como fundamental para a
mudança da condição das mulheres: a democratização do acesso das mulheres ao ensino secundário
e superior. Esse fator possibilitou um novo modelo de inserção das mulheres na divisão social do
trabalho, uma vez que ocasionou às mulheres o acesso a profissões “intelectuais” ou na
administração públicas e nas diferentes formas de serviços simbólicos.
Houve, por exemplo, alargamento do ingresso ao ensino secundário e superior; acesso ao
mercado de trabalho e, consequentemente, independência econômica, entre outras. Observou-se,
portanto, a ocupação pelas mulheres do espaço público; a transformação das estruturas familiares;
alteração dos modelos tradicionais masculinos e femininos; crescente empoderamento e
representatividade da mulher. Todavia, as transformações sociais da condição feminina, segundo
Bourdieu (2011), tiveram maior ressonância entre as mulheres de categoriais sociais mais
abastadas. Ademais,
Desse modo, verifica-se a permanência de uma divisão do trabalho sexual, apesar da maior
abertura do mercado de trabalho às mulheres, em que há ainda forte assimilação da mulher
enquanto a oposição do sujeito masculino, em uma posição de diferente. A manutenção do gênero
22
ou sexo como parâmetros relevantes para a remuneração e/ou ocupação de cargos atesta como a
divisão social do trabalho permanece imbrincada a uma ordem masculina. A desqualificação do
trabalho não está na função que se exerce, mas em quem a exerce.
Os dados sobre rendimentos médios no mercado de trabalho evidenciam bem as
desigualdades de gênero. De acordo com o estudo “Mulheres e trabalho: breve análise do período
2004-2014” elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o rendimento mensal
de homens era de R$ 1.831, na medida em que o das mulheres era de R$ 1.288, correspondendo
70% do salário médio masculino. Ademais, não se pode deixar de salientar a disparidade dentro da
própria população feminina: a remuneração média das mulheres negras corresponde a 40% da
renda dos homens brancos - enquanto as primeiras localizam-se na base da pirâmide salarial, com
valor médio salarial de R$ 946, os homens brancos permanecem no topo com o maior rendimento,
de R$ 2.393 em 2014.
Depreende-se da referida pesquisa que, apesar de, nos últimos anos, ter havido um
movimento de aproximação relativa dos rendimentos entre os gêneros, esta mudança ocorre de
forma ainda lenta e desigual entre os grupos, não alterando substancialmente a estrutura das
desigualdades. As mulheres negras, sobretudo, permanecem como grupo mais vulnerável,
submetidas a uma realidade duplamente discriminatória.
Nos espaços socialmente valorizados e nos postos hierárquicos mais altos das instituições
e empresas, por sua vez, verifica-se baixa representatividade das mulheres e, mesmo diante da
ocupação de posições nas arenas de poder, há uma marginalização destas. A partir dessa
determinação de papéis e lugares destinados a cada gênero, são instituídas formas de exclusão que
se legitimam e se manifestam na “desigualdade de representação legislativa e em praticamente
todos os espaços de decisão e poder que vão do Judiciário ao Executivo, das direções sindicais e
partidárias aos cargos nas universidades” (FERREIRA, 2004, p. 3)
A eficácia simbólica do processo de internalização das distinções de gênero reside
exatamente na dissimulação da arbitrariedade da distribuição desigual de privilégios. Bourdieu
(2011) refere-se à existência de um ‘coeficiente simbólico negativo’ na distribuição dos poderes
entre homens e mulheres, no qual há a atribuição de posições ou cargos piores às mulheres mesmo
em igualdade de condições. Há a dissociação entre o nível de inserção feminina em diferentes
esferas da vida social e a exígua presença das mulheres em instâncias – formais ou informais – de
exercício do poder.
23
CAPÍTULO 2
Ao longo do século XX, os padrões de relação de gênero e a clara divisão entre as esferas
pública e privada alteraram-se e as mulheres conquistam novos papéis sociais e perspectivas
políticas. A materialização da ideia de igualdade na política é, sobremaneira, um processo
complexo. Segundo Sofia Aboim (2012):
[...] a noção ocidental de cidadania foi construída com base numa referência masculina,
pois os modelos de relações sociais sobre os quais foi edificada - primeiro uma forma de
patriarcado paternal, depois uma outra, mitigada e contemporânea, o patriarcado fraternal
- excluem visões do feminino e das mulheres como seres sociais. Se para Hobbes ou Locke
o cidadão era apenas o proprietário, atualmente, na visão de Pateman, o cidadão, ou seja,
o indivíduo, continua a ser um homem. Nesse sentido, a distinção entre público e privado
(central na democracia clássica e na democracia liberal) continua a ser uma distinção de
género [...] (ABOIM, 2012, p.106).
remunerada”. Segundo Vogel (2012 apud Schlottfeldt e Costa, 2016), ao dispor apenas obrigatório
o voto para essas duas categorias de mulheres, facultando-o às demais, a legislação eleitoral
incorporava a ideia de que não se deveria exigir nem esperar das mulheres o mesmo
comprometimento com questões públicas coletivas do que os homens, haja vista que os seus
interesses e a sua esfera de atuação estava essencialmente ligados ao mundo privado, ao lar.
Um segundo período relevante é o dos anos de 1970, quando há o fortalecimento do
movimento e discurso feminista, que reúne as reivindicações das mulheres, entre elas a demanda
por direitos mais amplos. Observa-se, desse modo, ao longo do século XX até a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a presença feminina no Parlamento federal ocorreu de forma
excepcional, em que algumas poucas mulheres lograram em converter seu capital cultural ou social
em capital político.
O processo de redemocratização e, em particular, o período da Constituinte surgem como
momentos fulcrais para a emergência das mulheres na esfera pública, pois “assegurou vários
mecanismos de defesa dos direitos da mulher para que ela pudesse alcançar com dignidade o pleno
exercício da cidadania” (SOW, 2010, p.81). As mulheres, no período, ampliaram o rol de direitos
legais e conquistaram reconhecimento e legitimidade para suas demandas, inclusive na esfera da
política institucional – foram criados os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais da Condição
Feminina, as delegacias da mulher e os coletivos de mulheres nos partidos e sindicatos
(SCHLOTTFELDT e COSTA, 2016). Sem embrago, em termos de representação efetiva no
Legislativo, no período apenas 5,3% dos deputados eram mulheres.
Paralelamente, a temática da inclusão de gênero, em especial a participação das mulheres
nas instituições políticas, ganhou destaque e visibilidade na agenda internacional. Em 1976, a ONU
estabelece a “A Década das Nações Unidas para a Mulher”. As discussões, naquele momento,
centravam-se, principalmente, no tema de violência sobre a mulher. (SOW, 2010).
Nesse contexto, a 4ª Conferência das Nações Unidas sobre Mulher, realizada em Pequim,
em 1995, constituiu um marco nas discussões sobre direitos das mulheres e das condições de
superação de obstáculos e o seu desenvolvimento integral. O conceito de gênero, a noção de
empoderamento e o enfoque da transversalidade de políticas públicas são resultados diretos da
Conferência que norteariam doravante as ações e as diretrizes na luta pela promoção da situação e
dos direitos da mulher. (ONU, 1995).
26
muçulmanos, como Argélia – 31,6%–, Tunísia – 31,3% –, Iraque e Sudão do Sul – ambos com
26,5%– e Emirados Árabes Unidos –17,7%.
A análise desses dados evidencia não só a sub-representação feminina no Brasil, mas
também a defasagem do país em termos comparativos mundiais (Tabela 2).
Câmara Baixa ou
Câmara Alta ou As duas Casas
Região do Mundo Câmara dos
Senado combinadas
Deputados
compondo o capital simbólico maior de seus membros. No entanto, observa-se que essas
características ‘desejadas’ politicamente estão imbuídas de perspectiva e referenciais ‘masculinos’
de ação e comportamentos. Pode-se dizer, portanto, que os partidos políticos são instituições
erigidas sobre um paradigma androcêntico (BIROLI e MELLO, 2010).
As mulheres, nesse contexto, dispõem consequentemente de menor capital simbólico, uma
vez que há uma desvalorização de características consideradas femininas (BOURDIEU, 2005). Isso
resulta em diminuição no número de candidaturas e nas chances de eleição de mulheres, na
restrição do espaço de ação política das parlamentares eleitas. Biroli e Mello (2010) afirmam que:
Em linhas gerais, as restrições e obstáculos que limitam a atuação das mulheres no campo
político podem ser descritos da seguinte forma: um número insatisfatório de mulheres tem
acesso aos partidos políticos; dessas, um número ainda mais reduzido acumula capital
simbólico suficiente para se candidatar e poucas, efetivamente, têm chances de ser eleitas.
(...) Finalmente, após a eleição, um número menor de mulheres adentra os “labirintos
legislativos masculinos”, nas palavras de Göran Therborn (2006), e, dessas, apenas uma
minoria tem possibilidades de transitar de forma não orientada pelas estruturas
legislativas. (BIROLI e MELLO, 2010, p.8)
seriam espaços mais favoráveis à participação de mulheres. Enquanto isso, partidos grandes ou
muito pequenos, em razão de cálculos eleitorais mais estritos, tenderiam a privilegiar candidatos
com maior potencial de eleição.
Ainda que em ritmo lento a situação começa a mudar. O Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (CFEMEA) destacou duas tendências que se manifestam no Congresso Nacional e que
contribuiriam na defesa dos direitos das mulheres: a ampliação da bancada feminina; e, a ampliação
do número de parlamentares vinculados ao campo de centro-esquerda e esquerda em relação aos
de direita – PDT, PMN, PPS, PROS, PSDB, PV, REDE, PPL, PSB, PT, PSOL, PC do B, PCB,
PCO, PSTU. (CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA, 2006).
Ademais, a emergência e a consolidação de uma consciência nos atores políticos acerca das
questões relacionadas às mulheres - seja em razão da pressão dos segmentos e organizações ligadas
às mulheres seja devido a crescimento do eleitorado feminino e a consequente consolidação desse
grupo como estratégico – têm concorrido para um movimento de expansão – ainda que lento – de
participação feminina.
Com o intuito de criar espaços sociais, inserir novos pontos de vista em seus processos
deliberativos e discursivos e garantir representação política para grupos em desvantagem social,
desenvolveram-se mecanismos de institucionais. O princípio em torno das políticas de cotas é que
esse instrumento seria um meio, nunca um fim em si mesmo. Nesse sentido, as cotas seriam uma
ação pontual e afirmativa direcionada mudar o quadro de sub-representação de mulheres na
política. Segundo Dahlerup (2005, p.141), as políticas de cotas seriam:
implantadas como meio para se alcançar uma representação mais equilibrada, excluindo
assim, culturas discriminatórias de partidos políticos e limitando tendências que pudessem
impedir a mulher de disputar cargos elegíveis, já que as práticas excludentes dessas
instituições são uma das principais razões para sub-representação feminina. (DAHLERUP
2005, p.141)
Nesse contexto, preceitos liberais, como o princípio da igualdade formal, são relativizados
e mesmo questionados nas políticas de cotas, pois perpetuam e encobrem desigualdades
substantivas. Críticos às ações afirmativas, por sua vez, pontuam que a política de cotas: coloca os
grupos, em detrimento dos indivíduos, como detentores de direitos; e interfere na liberdade de
32
escolha individual, haja vista que se o indivíduo julgasse necessário aumentar o número de
mulheres na política, votaria em candidatas mulheres (MIGUEL, 2000).
No entanto, segundo Miguel (2000), mecanismos de promoção da inserção de grupos
excluídos da esfera pública mostram-se relevantes, na medida em que, possuem um expressivo
componente simbólico que repercute na construção de identidades coletivas, ampliam a
diversidade, abrem o espaço público para grupos historicamente marginalizados, além de levarem
a problematização da realidade levando-se em consideração injustiças sociais históricas.
A política de cotas para mulheres foi introduzida na legislação eleitoral brasileira em 1995,
quando a Lei 9.100 regulamentou para as eleições municipais de 1996, reservando para as mulheres
20% das vagas dos partidos e/ou da coligação para a câmara de vereadores (BRASIL, Lei 9.100,
1995, art. 11, §3º). No ano subsequente, a lei eleitoral aumentou o percentual mínimo de
candidaturas reservadas às mulheres para 30% nas eleições proporcionais (BRASIL, Lei 9.504,
1997). Contudo, não houve previsão legal de nenhuma sanção aos partidos em caso de
descumprimento da norma. Somente na eleição geral de 2014 que os partidos aproximaram do
cumprimento da reserva legal de candidaturas de mulheres. Dados das eleições de 2014 (Tabela 3),
referentes às estatísticas de candidaturas aptas à Câmara dos Deputados, por sexo e por partido,
expõem diferenças de oportunidades entre homens e mulheres dentro dos partidos.
33
Tabela 3 - Estatísticas de candidaturas registradas para a Câmara dos Deputados nas Eleições 2014
– Partido/Sexo
Número de Número de
Partido Candidatas Candidatos % Mulheres % Homens
Mulheres Homens
PSTU 40 45 47,06% 52,94%
PC do B 27 46 36,99% 63,01%
PCB 16 29 35,56% 64,44%
PSDB 99 189 34,38% 65,63%
PSL 55 108 33,74% 66,26%
Mulheres
Candidatas Deputados Mulheres
Legislatura Candidatas Eleitas (TSE)
(TSE) (CD) Eleitas (%)
(%)
50ª Legislatura
181 6,03 32 513 6,24
(1995 – 1999)
51ª Legislatura
350 10,36 29 513 5,65
(1999 – 2003)
52ª Legislatura
483 11,49 42 513 8,19
(2003 – 2007)
53ª
Legislatura 626 12,66 45 513 8,77
(2007 - 2011)
54ª Legislatura
933 19,09 45 513 8,77
(2011- 2015)
55ª Legislatura
1723 29,37 51 513 9,94
(2015- 2019)
Constata-se que, desde sua implantação legal, a política de cotas não conseguiu alterar o
quadro de sub-representação política da mulher, no Brasil. Se por um lado as cotas lograram elevar
significativamente o número de mulheres candidatas nos últimos vinte anos, por outro lado, não
conseguiu, com a mesma intensidade, repercutir na eleição de mulheres para as cadeiras do
parlamento.
Ao analisar possíveis fatores que influenciam a eficácia das políticas de cotas, Htun (2001)
identificou os sistemas eleitorais, o tamanho da circunscrição eleitoral e o compromisso partidário
como determinantes. O sistema de listas pode ser aberto – no qual os votos são dirigidos aos
próprios candidatos, com competição dentro dos partidos - ou fechado – em que as listas são
formuladas pelos partidos. No caso de listas abertas, determina-se uma proporção de candidaturas
a ser preenchidas por mulheres. Nesse contexto, em listas abertas, o sucesso de uma candidata
depende, em grande medida, de financiamento e do apoio partidário. Por sua vez, em listas
fechadas, a eficácia depende da posição ocupada pelas mulheres na lista. Na Argentina e na Bolívia,
36
por exemplo, há a determinação que se deve situar as mulheres em uma posição de possível
elegibilidade (SANCHEZ, 2014).
De acordo com Htun (2001), a circunscrição eleitoral influencia na medida em que quanto
menor for o distrito, menor a possibilidade de eleição de mulheres. Por último, há o nível de
compromisso partidário. Nesse caso, muito além do preenchimento das vagas e cumprimento das
cotas, há o empenho dos partidos na eleição das candidatas, um verdadeiro o engajamento destes
com a inserção da mulher no espaço político.
A dificuldade de eleição das mulheres, portanto, perpassa tanto a candidatura quanto a
própria capacidade de eleição e de ocupação de cargos e posições de destaque no parlamento. No
caso do Brasil, o próprio sistema eleitoral apresenta-se como um fator de dificuldade: o sistema de
listas abertas, a inaplicabilidade das sanções diante do não preenchimento das cotas pelos partidos,
o subfinanciamento das campanhas eleitorais das mulheres.
CAPÍTULO 3
Miguel (2003) aponta a existência de uma crise de representação política nas democracias
contemporâneas, na qual o quadro de sub-representação sistemático de minorias seria uma de suas
consequências. Segmentos marginalizados na representação política e social não seriam, por
conseguinte, reconhecidos como atores relevantes na configuração política. Clivagens de gênero,
raça e classe apareceriam como segmentações estruturalmente desprivilegiadas e segregadas das
instâncias decisórias políticas.
A defesa do aumento da representação de mulheres na esfera política concentra-se sob três
argumentos principais: a crença na existência de aptidões e espaços de interesses diversos para
homens e mulheres; a necessidade da presença de mulheres para defensa de seus interesses; a
existência de desigualdades estruturais de gênero (MIGUEL, 2001).
Em relação ao primeiro argumento, as mulheres, em razão da maternidade e de outras
características atribuídas como femininas, seriam mais aptas ou sensíveis para atuarem e cuidarem
de determinados temas, tais quais, a políticas do cuidado e do desvelo. Em contrapartida, homens
estariam mais habilitados para, nas esferas políticas, lidarem com áreas que exigissem maior
agressividade e racionalidade (MIGUEL, 2001).
40
CAPÍTULO 4
Sul
11%
Norte
29%
Sudeste
33%
Nordeste
19%
Centro-Oeste
8%
Em relação aos partidos políticos, nem todos contam com representantes mulheres em seu
quadro na Câmara dos Deputados. São 28 partidos com representantes eleitos para a Câmara, mas
apenas dezessete elegeram alguma deputada (Figura 2).
47
O perfil acadêmico das deputadas eleitas para 55ª Legislatura (Figura 3) confirma a
condição de escolaridade como importante capital político para a entrada no campo político.
Considerando o universo das representantes eleitas, apenas uma deputada não completou o ensino
49
fundamental, quatro estudaram até o ensino médio e três não concluíram o ensino superior. No
entanto, observa-se que a grande maioria das deputadas tem ensino superior completo.
8%
6% Ensino Fundamental
Incompleto
Ensino Médio Completo
100,00%
90,00%
Ensino Superior Completo
80,00%
primeira vez que a Mesa Diretora contou com duas mulheres. Atualmente, uma mulher compõe a
Mesa Diretora: Mariana Carvalho (PSDB/RO), ocupa a 2ª secretária.
Observa-se, desse modo, que há uma relação inversa entre a participação das mulheres e a
importância dos cargos na Mesa Diretora (HENRIQUE, 2012). A Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 590/2006 propõe a instituição da representação proporcional de cada sexo
na composição das mesas diretoras da Câmara, do Senado e das comissões, assegurando que, ao
menos, uma vaga seja reservada às mulheres. Em 2015, a PEC foi aprovada em segundo turno na
Câmara dos Deputados e seguiu para deliberação do Senado Federal.
Tabela 7 – Comissões Permanentes ocupadas pelas deputadas nas três primeiras sessões legislativas
da 55ª Legislatura
Comissão de
Fiscalização 1 1 1
Financeira e Controle
Comissão de
Integração Nacional,
Desenvolvimento 7 9 8
Regional e da
Amazônia
Comissão de Meio
Ambiente e
0 2 2
Desenvolvimento
Sustentável
Comissão de
Desenvolvimento 3 3 3
Urbano
Comissão do Esporte 2 3 4
Comissão de Defesa
dos Direitos da Pessoa 10 10
Idosa2
Comissão de Defesa
dos Direitos das
13 8
Pessoas com
Deficiência3
Comissão de Defesa
dos Direitos da 29 30
Mulher4
Fonte: Câmara dos Deputados/Sileg Elaboração própria.
2
Criada por meio da Resolução nº 15, de 28 de abril de 2016
3
Criada por meio da Resolução nº 15, de 28 de abril de 2016
4
Criada por meio da Resolução nº 15, de 28 de abril de 2016
56
Hard
Middle Mulher
Homem
Soft
deputados pelas comissões que consideram preferências pessoais e acordos de líderes (SANCHEZ,
2017).
Observa-se, a partir dos dados analisados, a influência da divisão sexual das comissões. A
participação das deputadas concentra-se, sobremaneira, em comissões associadas às temáticas de
direitos sociais, políticas de cuidado, educação, infância e adolescência, ou seja, questões
socialmente identificadas com o gênero feminino.
Conforme discutido no Capítulo III, o espaço de atuação política das mulheres sofre
restrições e limitações resultantes da institucionalização de padrões e valores androcêntricos. Nesse
contexto, a maior participação de mulheres em comissões de soft power e middle power ocorre não
por uma disposição ou afinidades naturais por esses temas, mas sim por serem os únicos espaços
disponíveis na arena política (MIGUEL, 2012). Há uma reprodução de estereótipos de gênero e,
assim como formações e profissões tradicionalmente ‘femininas’ são socialmente menos
prestigiadas, essas temáticas dispõem de menor reconhecimento e baixo acúmulo de capital
político. Assim sendo, restritas a temas politicamente menos prestigiados, as parlamentares
enfrentam maior dificuldade de acumular capital político, elemento indispensável para ascensão
em estruturas partidárias e acesso a espaços políticos estratégicos como a Mesa Diretora e
lideranças partidárias.
Há, claro, uma correlação entre o perfil acadêmico e a trajetória profissional das deputadas
e o direcionamento para comissões ligadas a área social. No entanto, afirmar que isso explicaria
essa clivagem política na atuação das deputadas é não alcançar a dimensão estruturante das relações
desiguais de gênero. Como discutido no Capítulo I, o próprio leque de preferências das mulheres
para a escolha ocupacional é condicionado e, sobretudo, restringido pelo sistema de valores e
padrões associados ao gênero. Todavia, recorrendo ao perfil ocupacional das deputadas, se onze
das candidatas eleitas são empresárias e seis advogadas, por que não se verifica na mesma
proporcionalidade a presença destas em comissões ligadas ao eixo político e econômico?
O campo político assenta-se sob uma ordem andocêntrica, na qual se valoriza
características atribuídas ao masculino. São Reproduzidos e naturalizados divisões e papeis de
gênero, restringindo as possibilidades das minorias de transitarem pelas estruturas legislativas.
A participação política das mulheres está, por conseguinte, fortemente associada a
representações sociais e estereótipos de gênero. A inserção dos parlamentares, nesse contexto,
58
apresenta-se com espaços de atuação delimitados, em que homens e mulheres são direcionados a
funções e atividades, por vezes, independentemente de estares aptos.
Ao analisar a clivagem de gênero nas deputadas eleitas para 55ª Legislatura, foi possível
observar uma homogeneidade expressiva referente a informações socioeconômica dos perfis das
parlamentares. Revela-se preponderância de níveis educacionais elevados, formações acadêmicas
e profissionais semelhantes, concentradas em áreas de conhecimento tradicionalmente associadas
às mulheres. Esse último fato reflete a realidade social da chamada ‘construção social das
vocações’, termo de Bourdieu (2011), discutida no Capítulo I. Igualmente, pode-se dizer que,
assim como esse fenômeno influência aspectos de escolha profissional, a atuação legislativa é
afetada por processos de socialização orientados por estereótipos de gênero que restringem o leque
de preferências das deputadas.
Ademais, em relação aos perfis das deputadas eleitas, é possível identificar algumas
características: maior número de eleitas alinhadas mais à esquerda do espectro ideológico
partidário; há, proporcionalmente, mais deputadas oriundas de regiões menos desenvolvidas,
destacando-se a região Norte.
Observou-se que predomina, na participação legislativa das deputadas, uma especificidade
temática, em que tendências de atuação e as indicações partidárias convergem para temas
relacionados às áreas sociais, de cuidado e direito de minorias. Há uma menor incidência de
mulheres compondo colegiados de comissões no eixo político e econômico.
A tradicional separação entre esfera pública e esfera privada é reproduzida no âmbito da
política institucional. Nesse sentido, os dados analisados revelam a existência de clivagens de
gênero na distribuição dos deputados nas comissões, independentemente da orientação ideológica
das deputadas. Em relação a distribuição de presidências das comissões, verifica-se a incidência
mais uma vez da divisão sexual das comissões. No período analisado, as presidências exercidas
por mulheres acontecerem em comissões ligadas a temas de soft power e middle power, que
possuem capital político mais baixo.
Em espaços de poder estratégicos, como a Mesa Diretora da Câmara e lideranças, a sub-
representação ainda é regra. Às mulheres cabe ainda ocupar espaços secundários, menos
privilegiados. A presença das mulheres na Mesa Diretora é recente, sendo o mais alto cargo
alcançado o de Vice-Presidente. Contudo, a eleição de mulheres para cargos na Mesa ainda se
concentra naqueles de proporcionalmente menor capital político do cargo na mesa. Além disso, a
59
associação existente entre gênero e espaços de atuação política prejudica a conquista de cargos
políticos de maior capital político por pelas mulheres.
O objetivo deste capítulo foi demonstrar que o espaço de atuação legislativa das mulheres
submete-se a barreiras e restrições tanto institucionais quanto oriundas da reprodução da divisão
sexual do trabalho. Às mulheres que decidem entrar para a política e, em particular, àquelas que
conseguem se eleger para mandatos, permanece o desafio de alcançar posições centrais e mais
influentes do campo político.
60
CONCLUSÃO
Este trabalho buscou, por meio da análise da participação das deputadas eleitas na 55ª
Legislatura da Câmara dos Deputados, entender os reflexos das relações de gênero no espaço de
atuação política dessas parlamentares. A partir da discussão empreendida nos primeiros capítulos,
conjuntamente com os dados levantados, identificou-se fatores relevantes que atuam de modo a
delinear as possibilidades de atuação feminina na Casa.
A análise dos perfis das deputadas eleitas permitiu entender quem são as mulheres que
compõem a Câmara dos Deputados, a partir de dados como profissão, filiações partidárias, estados
de origem. Aparentemente, em um primeiro momento, esses dados parecem corroborar os
argumentos que naturalizam os papéis de gênero no campo político. No entanto, ao interpretá-los
de maneira mais aprofundada, evidenciam-se estruturas históricas e sociais internalizadas e
institucionalizadas que reproduzem e legitimam as relações hierarquizadas de gênero e a divisão
sexual do trabalho parlamentar. Elementos como socialização diferenciada entre os gêneros,
sexismo institucional reproduzido no Parlamento e desigualdade de capital político necessário para
o exercício da atividade parlamentar.
A tradicional divisão entre as esferas pública e privada está presente na esfera política,
temáticas ligadas a áreas sociais ainda são espaços de inclusão orientados às mulheres. Esses temas
são politicamente menos prestigiados e não angariam o mesmo capital político que temáticas hard
politics, o que dificulta o acesso de mulheres a posições politicamente mais estratégicas no
parlamento e as restringe a um campo de periférico.
Assim, a partir dos dados pesquisados, verificou-se a ocorrência de uma divisão sexual
política, repercussão direta da divisão sexual que permeia as estruturas da sociedade. A política,
nesse sentido, permanece uma instância orientada por uma perspectiva masculina de poder, na qual
as regras, os papéis sociais e estruturas de oportunidade ainda são formulados e apropriados por
uma ótica masculina de poder.
À vista disso, as deputadas enfrentam barreiras institucionais e estruturais que dificultam
o acesso a espaços mais estratégicos e de maior acúmulo de capital político. A democracia só será
plena quando os grupos marginalizados da população conquistarem acesso, em igual condição
institucional, ao campo político.
Desse modo, esse trabalho objetivou contribuir para o avanço nas discussões sobre
condicionantes e limitações a atuação política das mulheres. Além disso, buscou-se colaborar para
61
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