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17/08/2020 A Força Invencível do Amor

A Força Invencível do Amor

A Escada Platônica Que Une Céu e Terra

Carlos Cardoso Aveline

O amor é a mais simples e natural das energias, mas também é


um mistério.

Ele é a lei do equilíbrio que guia internamente a evolução do


universo. Não há vida sem ele. Cada ser humano é concebido por
um ato de amor, nasce imerso na lei da harmonia e é embalado
desde o berço até o túmulo por mecanismos de ajuda mútua.

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A afinidade entre duas ou mais almas humanas sempre foi


considerada um processo sagrado, e Epicuro ensinava: “De todos
os bens que a sabedoria nos proporciona para a felicidade da
nossa vida, o da amizade é, de longe, o maior.”

A amizade é uma forma suave de afeto, e se apoia na paz de


espírito do ser humano equilibrado. Para Epicuro, “o homem
justo goza de uma perfeita tranquilidade da alma; mas o injusto
está cheio de perturbação.” [1] De fato, os afetos desordenados
provocam sofrimento, enquanto a moderação dá durabilidade aos
laços afetivos.

O amor é a prática da unidade entre formas diferentes de vida e


de existência. Para a filosofia clássica, essa integração dinâmica
de todos os seres é uma forma mais ampla de amizade. “Há um
parentesco fundamental entre todas as coisas do universo”,
afirmavam os pitagóricos.

O amor surge espontaneamente na alma de quem percebe algo


que é bom, belo ou verdadeiro. Mas é recomendável ter cuidado:
as aparências enganam e as armadilhas são numerosas. O amor,
separado da sabedoria, produz ilusão e sofrimento. Há maldades
e venenos que se revestem de açúcar, e existem prazeres que só
provocam dor. Aquilo que é agradável pode não ser bom, nem
belo, nem verdadeiro. Por outro lado, o trabalho e o sacrifício são
aparentemente desagradáveis, mas podem ser parte de algo maior
que traz consigo graus supremos de verdade, beleza e bondade.

É verdade que nem tudo é feito de amor. Também há ódio no


mundo, e o ódio pode matar. Ele destrói principalmente aquele
que odeia, e só secundariamente prejudica a quem é odiado. Mas
todos os rancores e frustrações humanos não passam de formas
de amor que não deram certo. “A mentira é uma verdade que
esqueceu de acontecer”, escreveu Mário Quintana. A maldade é
uma bondade que fracassou. O ódio é apenas o amor, virado do
avesso.

Desde o início dos tempos, o imenso poder do amor – a essência


da força vital – foi um enigma difícil de decifrar. Não é fácil usar
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adequadamente essa energia ilimitada. A humanidade vem


tentando compreender o desafio do amor há milhares de anos, e
ele tem sido um tema absolutamente central nas principais
religiões e filosofias. Mas foi na década de 1950 que o pensador
russo Pitirim Sorokin fez um dos anúncios mais surpreendentes a
esse respeito. Ele começou lembrando que a ciência já havia
descoberto o mundo subatômico. Havia iniciado o
aproveitamento da energia nuclear. Havia avançado na
exploração espacial. E afirmou que estava chegando, afinal, o
momento de conhecer cientificamente o misterioso reino do
amor altruísta.

“Embora esse estudo científico esteja agora no início”,


acrescentava Sorokin, “é provável que ele se torne uma área da
maior importância para futuras pesquisas: o tópico do amor
inegoísta já foi colocado na agenda de hoje da história, e está
para transformar-se no seu assunto principal”. [2]

Poucas décadas depois dessa profecia, descobertas


revolucionárias sobre o funcionamento do cérebro humano
levaram ao desenvolvimento dos conceitos de inteligência
emocional e inteligência múltipla, envolvendo os dois
hemisférios cerebrais superiores e também cérebros mais
primitivos que o neocórtex. A psicologia abriu portas e janelas
para uma nova disciplina que ensina a amar nossos semelhantes.
Na área de administração de empresas, por exemplo, ficou claro
que a arte de relacionar-se com as pessoas é decisiva para o
desempenho profissional. Os médicos reconheceram que a
pureza e a qualidade das emoções são instrumentos essenciais
para evitar todos os tipos de doença.

Pesquisas científicas comprovaram que o amor a Deus produz


efeitos terapêuticos perceptíveis. O médico norte-americano
Larry Dossey escreveu que as orações têm poder real de curar e
de prevenir doenças. “O corpo parece gostar da prece, e ele
responde de modo saudável nos seus sistemas cardiovascular,
imunológico e outros”, disse Dossey. “Mas mais interessantes são
os estudos que mostram que preces de intercessão ou à distância
também surtem efeito, ainda que o indivíduo não saiba que a
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prece está sendo feita para ele, e se encontre longe do local onde
está a pessoa que reza.” [3]

Na Grécia antiga, Platão ensinava que a ligação entre o mundo


dos homens e o mundo dos deuses é feita de amor. No Velho
Testamento – Gênesis, 28 – a escada de Jacó liga céu e terra
graças ao amor dos anjos que sobem e descem por ela. Larry
Dossey reforça essa imagem ao afirmar que a oração é uma
“ponte entre o nível humano e o nível do absoluto”. Diferentes
tradições culturais afirmam há milhares de anos que os seres
humanos se elevam até os deuses pelos sentimentos de
fraternidade, devoção e sinceridade – que são várias expressões
de afeto -, enquanto os deuses descem até o reino humano através
da compaixão, outra variante do mesmo sentimento de unidade
interior.

Em qualquer situação, o verdadeiro amor implica um processo


espontâneo de autossacrifício. Ele surge do fato de que a
satisfação de dar felicidade a outrem é maior que a satisfação de
ter felicidade para si mesmo.

Há maneiras incontáveis de expressar afeto. Amamos as pessoas


mais próximas a nós e a humanidade em seu conjunto. Amamos
a terra, as árvores e os animais. Admiramos o vento e o pôr do
sol. O amor também pode tomar a forma de uma violenta paixão
romântica por uma pessoa cuja beleza nos parece sem limites.
Ele pode ser canalizado para a dedicação a uma causa nobre,
como um ideal social, e pode mostrar-se pela devoção a uma
causa nobre, como o bem da humanidade.

É verdade que o amor queima as asas com que a nossa alma


mortal anda pelo mundo da rotina estabelecida. Ele nos empurra
para caminhos perigosos, rompe estruturas, destrói refúgios
cômodos e nos coloca diante do desafio do desconhecido. É
assim que ele eleva nossa alma em direção ao mundo divino.

Quando falta amor, a vida parece uma comida sem sal ou


pimenta, embolorada e com prazo de validade longamente
vencido. O amor é um fogo que aquece os corações. Ele mostra a
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infinita beleza da vida ao nosso redor, e nos dá, pelo menos, três
elementos essenciais: coragem para enfrentar as situações de
perigo, ânimo para vencer toda e qualquer dificuldade, e
paciência para suportar os sofrimentos que são inevitáveis.

O amor é tão puro quanto o olhar de uma criança. Ele pode


iluminar o coração de alguém em apenas um décimo de segundo,
e tomar o controle da nossa consciência como um relâmpago e
um trovão – fazendo com que a vida nunca mais seja a mesma.

O amor pode ser tão duradouro quanto a eternidade. Mas ele


também é capaz de desaparecer sem que sejamos capazes sequer
de perceber o fato. Depois de muitos anos, ele pode revelar-se,
gradual ou repentinamente, como uma coisa amarga e falsa. Mas
cuidado: mesmo quando você pensa que o afeto morreu, ele
ainda pode voltar de repente – e com mais força do que nunca.

Na vida tudo flui e nada pode ser imobilizado. Por isso nem
sempre dão certo as tentativas de institucionalizar o processo
vivo do amor. Heráclito de Éfeso ensinou que “não é possível
banhar-se duas vezes no mesmo rio”. O rio muda a cada instante,
assim como nós. Da mesma forma, por mais bela que seja uma
mulher, homem algum pode abraçá-la duas vezes. Entre um
abraço e outro, o fluxo da vida causou mudanças, e elas podem
ser fundamentais.

Por esse motivo os afetos devem saber morrer e renascer a cada


dia. Um amor de longo prazo é um equilíbrio permanente entre
renovação e estabilidade. O amor dura quando anda junto com o
desapego e o respeito, e quando está aberto ao movimento do
novo e à evolução interior da alma. Mas para isso é
recomendável que o centro de gravidade do sentimento de união
esteja instalado nos níveis superiores da nossa consciência,
porque é ali que ficam as realidades permanentes.

Na sua obra “O Banquete”, Platão afirma que o amor movimenta


todos os níveis da consciência humana, desde o mais inferior até
o mais divino. E ele ensina que há uma “escada do amor” por
onde nossa capacidade afetiva pode elevar-se, gradualmente, do
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mundo material para o mundo divino. Essa escada possui sete


grandes degraus:

1) O primeiro deles é o amor por uma pessoa fisicamente bela.


Esse processo vai além da mera atração física e inclui os
sentimentos da alma.

2) O segundo degrau da escada é o amor por toda e qualquer


beleza física, onde quer que ela esteja. É o amor pelas pessoas
belas em geral, pelos animais, pela natureza, pelas árvores, pelas
estrelas no céu noturno e assim sucessivamente.

3) O terceiro estágio é o amor pela beleza mental e moral, que é


independente das formas físicas. Aqui amamos ou admiramos
alguém pela beleza da sua alma e das suas ideias.

4) Depois vem o amor pelas ações belas – a ética. Admiramos os


gestos de solidariedade e a prática da compaixão. Temos vontade
de seguir o exemplo dos santos, dos sábios e dos líderes sociais
altruístas.

5) Em quinto lugar há o compromisso com as instituições


coletivas belas. Esse é o amor pela democracia participativa, por
um ideal humanitário, pelos movimentos sociais que defendem
os direitos humanos e a preservação ambiental.

6) Há então o amor pela ciência e pelo conhecimento universal.


Esse é o amor do aprendiz por aquilo que está estudando e
aprendendo. Cada área de conhecimento humano, sem exceção,
visa produzir coisas boas, belas e verdadeiras. Para Platão, a
medicina é uma forma de amor, porque trata de promover
harmonia entre as diferentes partes e energias do corpo humano.
A música é a arte de produzir sons harmoniosos que despertam
na alma um sentimento de beleza. A agricultura tem como meta
promover vida e harmonia no espaço rural.

7) Em sétimo lugar vem o amor pela beleza absoluta, a bondade


abstrata em si mesma, que está presente ao mesmo tempo na
alma do universo e no coração de cada ser humano. Segundo
Platão, esse é o amor que não está sujeito às oscilações da vida.
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Ele paira acima das “ninharias mortais” e das incertezas do afeto


físico. Esse é o amor real. É o tesouro que está nos céus e que o
tempo não pode corroer.

Buscando o alto da escada, os aprendizes da sabedoria amam sem


apegar-se excessivamente a nada. Eles meditam na lição de
Heráclito sobre o fluxo universal das coisas. Abordando a vida
dos filósofos, Platão escreveu: “A perda do seu patrimônio e a
pobreza não provocam medo, como ocorre com a multidão dos
amigos das riquezas materiais. Da mesma forma, uma vida sem
honrarias e sem glória, provocada pelo infortúnio, não é capaz de
atemorizá-los, como faz com os que amam o poder e as honras.
Por isso os filósofos permanecem afastados desse tipo de
desejos”. [4]

Como qualquer energia divina, o amor é uma bênção onipresente


e está disponível em toda parte. Sempre é possível sintonizar
nossa existência individual com a vibração da harmonia.

Em certos momentos o amor nos ilumina à maneira precária de


um relâmpago passageiro no meio da noite, ou como a luz frágil
de um fósforo na escuridão. Em outras situações ele brilha como
uma luz eterna. Mas nem tudo que a luz do amor revela é lindo.
Suas lições podem ser amargas, ou doces, mas são sempre
valiosas – e é melhor manter os olhos bem abertos, para garantir
que o tempo não passará em vão.

NOTAS:

[1] “Epicuro, as Luzes da Ética”, de João Quartim de Moraes,


Ed. Moderna, SP, 110 pp., ver pp. 96 e 95, respectivamente.

[2] “A Visão Espiritual da Relação Homem & Mulher”, obra


compilada por Scott Miners, Ed. Teosófica, Brasília, 1992, ver p.
89 e seguintes.

[3] Introdução de Larry Dossey à obra “Tudo Começa Com a


Prece”, de Madre Teresa de Calcutá, Ed. Teosófica, Brasília, ver
p. VIII.
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[4] “Platão, Vida e Obra”, Diálogo “Fédon”, coleção “Os


Pensadores”, Ed. Nova Cultural, SP, 1991, 261 pp., ver p. 87.

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O texto acima foi inicialmente publicado na revista “Planeta”, de


São Paulo, na edição de dezembro de 2003.

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Sobre o mistério do despertar individual para a sabedoria do


universo, leia a edição luso-brasileira de “Luz no Caminho”, de
M. C.

Com tradução, prólogo e notas de Carlos Cardoso Aveline, a obra


tem sete capítulos, 85 páginas, e foi publicada em 2014 por “The
Aquarian Theosophist”.

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