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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO - ILC
FACULDADE DE LETRAS ESTRANGEIRAS MODERNAS - FALEM
PANORAMA DO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA FALANTES DE OUTRAS LÍNGULAS
DOCENTE: DR.ª HELLEM POMPEU
DISCENTE JOSÉ PESSÔA DO RÊGO LOBO

RESENHA CRÍTICA

O presente trabalho apresenta considerações críticas acerca do artigo


“Políticas linguísticas e definição de parâmetros para o ensino de português como
língua adicional: perspectivas portuguesa e brasileira”, de autoria de SCHOFFEN, J.
R.; MARTINS, A. F., publicado em 2016, e que de, modo geral, versa sobre o ensino
de Português como Língua Adicional - PLA a partir das perspectivas de Portugal e
Brasil, considerando parâmetros de possíveis semelhanças e distinções nas
abordagens político-institucionais para o ensino-aprendizagem do referido idioma
além das estratégias de inserção e expansão do mesmo na comunidade internacional,
bem como, dos instrumentos institucionais que balizam e orientam as abordagens
adotadas para o ensino de PLA nestes dois países.
O artigo inicialmente apresenta um breve histórico das normatizações de
Portugal para ao ensino e difusão de PLA em seguida aborda as principais
documentações norteadoras daquele país, analisando aspectos centrais de seus
documentos guias, dentre os quais destaco “Português Língua Não Materna no
Currículo Nacional: Documento Orientador”; “Orientações Programáticas de
Português Língua Não Materna (PLNM): Ensino Secundário”; o “Quadro de
Referência para o Ensino Português no Estrangeiro (QuaREPE)”, com alcance geral
dentro e fora de Portugal, todos apresentando-se como norteados pelo “Quadro
Comum Europeu de Referência para as Línguas: Aprendizagem, Ensino, Avaliação”
(QECR).
A despeito de Portugal ter normalizado o ensino de PLA apenas na década de
80 do século passado e ter promovido uma unificação curricular entre os séculos XX
e XXI (com a apresentação de diferentes contextos e tendo a escola como ambiente
privilegiado para este ensino), e ainda, apenas entre 2002 e 2007 estruturado seu
arcabouço teórico que culminou no QuaREPE, fato é que o seu idioma materno já
vinha sendo difundido e consolidado em dez países e nos cinco continentes (se
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considerarmos Macau na China) desde o início do século XV, de modo que, pode-se
dizer inequivocamente que a ausência de tais parâmetros não foi fatal para a difusão
e relevância do Português no cenário internacional.
Não por acaso os documentos balizadores da política de ensino de PLA de
Portugal adotam uma postura ideológica típica de mentalidades diplomáticas
expansionistas de tipo clássico, daqueles que mesmo tratando de discursar em
vernáculo polido e valendo-se das mais articuladas maneiras de se mostrarem
solidários, multiculturalista e adeptos de políticas linguísticas acionista, ao fim e na
prática postulam seus alicerces como superiores, derrubando seus olhares sobre os
demais como Outros, daí porque tanto no PLNM quanto no QuaREPE:

Excetua-se, contudo, a heterogeneidade linguística, uma vez que ela é


associada a uma série de aspectos a partir dos quais se pode inferir o suporte
ou a transposição de aspectos da língua materna para aprendizagem da
língua-alvo, já que as peculiaridades de processamento e de produção das
línguas de socialização dos sujeitos importam de tal maneira que são
explicitadas como fatores intervenientes na aprendizagem da língua-alvo,
nomeadamente na aquisição e produção por parte do aprendiz. A
heterogeneidade linguística não está aliada, portanto, à cultural, pois não há
relações entre língua e cultura ou entre língua e sociedade, embora o texto
ressalte que a consideração da associação existente entre ambas é
determinante no processo de aprendizagem.
(SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, 2016, p. 278)

Neste sentido, os documentos que balizam o ensino de PLA no Brasil e em


Portugal apresentam distinções conceituais, teóricas e ideológicas instransponíveis,
fazendo com que haja muito mais que certa “dificuldade” ou incompatibilidades entre
ambas, de modo que, desta perspectiva, os alicerces ontológico-epistemológicos que
sustentam as escolhas teóricas, metodológicas e ideológicas de Brasil e Portugal não
poderiam ser mais distintos.
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Afinal, se desde tempos imemoriais a língua vem sendo usada como arma
política, fator de pressão diplomática, instrumento de expansão comercial e elemento
de dominação cultural, como imaginar que países com trajetórias diametralmente
opostas poderiam constituir uma política de ensino de PLA (ou qualquer outro tipo de
política) de modo igualitário, idêntico ou ao menos se os objetivos e perspectivas
históricos-sociais concretas são desiguais?
E quando os documentos norteadores de Portugal diferenciam língua e cultura
e apresentam as distinções implicadas pela diversidade linguística, semânticas,
fonético-fonológicas que atravessam as cultura-línguas dos falantes de outras línguas
como fatores adversos ao aprendizado do Português como Língua Não Materna, e
que tais idiossincrasias advindas de sistemas linguísticos distintos do português
implicariam na “capacidade ou incapacidade de associação som/grafia pelos alunos”
no processo de aquisição idiomática, o que não se quer dizer mas se pratica, se
expressa como visão de mundo é a suposta existência de hierarquias qualitativas
entre tais sistemas e que a difusão de uma língua portuguesa “dura e sem cultura” (já
que estas seriam dissociadas), na verdade, voltaria a colonizar as culturas de
referências de seus aprendentes.
Por isso é privilegiada a aquisição das competências gramaticais e lexicais
dentre as seis propostas pelos documentos orientadores, evidenciando uma
“concepção de língua como sistema de associações, combinações e de encaixes de
estruturas; a aquisição de língua é concebida como o conhecimento de palavras e
suas propriedades e de unidades de sentido”, (SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, A. F.,
2016, p. 09), escolha que se afasta muito das concepções Brasileiras, sobretudo no
papel das atividades no ensino de PLA, como veremos mas adiante.
No Brasil, por outro lado, as políticas para o ensino de PLA é, a despeito de
ser notória a relevância da difusão do repertório cultural-idiomático para qualquer
país/nação que se pretenda relevante no cenário internacional, absolutamente omissa
ao ponto de quase apresentar-se de modo contraproducente.
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Apenas em 1997 foi instituído os “Parâmetros Curriculares Nacionais para o


ensino de Língua Portuguesa”, para orientar o ensino deste idioma nas escolas de
educação básica de nosso território, com base na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB; com acréscimos para o ensino de Português para o Ensino
Médio (2006) e da “consolidação” da nova “Base Nacional Comum Curricular para a
Educação Básica” - BNCC apenas em 2015, isto é, ontem.
Considerando que as normatizações para o ensino de Português para os
brasileiros em território nacional, na rede formal de ensino tenha sido (ou esteja sendo)
normalizada a tão pouco tempo e, sabendo que somente em 1959 foi instituída a
primeira Nomenclatura Gramatical Brasileira para nortear a disciplina que vinha sendo
ministrada desde a reforma Pombalina (1758)1 sem qualquer parâmetro
uniformizador, não estranha, mas entristece, que ainda não tenhamos uma diretriz
formal unificadora para o ensino de PLA, e, por conta disso, o Brasil se vale dos
documentos de referência utilizados para o exame do Celpe-Bras, criado apenas em
1998.
Dialogando com SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, A. F, sobre o contexto
geopolítico mais recente no qual o Brasil se insere e passa a ser destino migratório
majoritário para fins de trabalho, formação educacional, (favorecidas quando o
interessado alcança a certificação Celpe-Bras de proficiência em nosso idioma), além
da maior abertura para política de liberação de vistos humanitários sobretudo oriundos
de África, América do Sul e Central, constatamos que um fator implícito é o
incontestável crescimento econômico e as mudanças simbólicas da percepção de
nosso país no exterior (apud Uebel, 2015), fator este que somado às políticas de
abertura e incremento das relações exteriores de nossa chancelaria nestes

1História do ensino da Língua Portuguesa no Brasil. Disponível em:


https://www.clubedoportugues.com.br/ensino-da-lingua-portuguesa-no-
brasil/#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20ensino%20da,e%20escrever%20com%20os%20jesu%C3
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continentes, desencadearam o crescente interesse pelo Brasil e pela certificação


Celpe-Bras.
Entretanto, observando os dados do Celpe-Bras 20232, resumidos em
números são: 129 postos de aplicação; 48 no Brasil e 81 no exterior, com um total de
3.122 inscritos pode-se deduzir que a significativa redução de interesse no exame em
a 2015, quando foram confirmados 10.345 examinados, reforça nossa convicção de
que as expectativas geradas na comunidade internacional, pelos resultados e
proposições dos governos de centro-esquerda que estiveram no poder entre 2002 à
2016 contribuiu decisivamente para a elevação sem precedentes no interesse na
certificação Celpe-Bras, dado que não se observa no presente, e que, ao nosso ver,
é imanente da percepção internacional da conjuntura de instabilidade sociopolítica e
econômico-institucional inaugurada com o golpe político-jurídico de contra Dilma e os
governos que a sucederam.
Os autores apontam que mesmo não havendo, “no Brasil, parâmetros oficiais
orientadores do ensino de PLA. Apesar disso, não é possível dizer que não existe
uma perspectiva teórica brasileira que oriente o ensino e as pesquisas na área.”
(SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, A. F., 2016, p. 19) e para isso argumentam que os
exames do Celpe-Bras tomam como parâmetros tanto os Parâmetros Curriculares
Nacionais quanto a BNCC, que, cujo marco teórico viria mais ao Leste, pois teriam:

Esteio teórico as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin15, que representam


uma visão discursiva da linguagem subsidiadora, como delineia Rojo (2000),
do combate ao iletrismo e da garantia do direito à cidadania – concebida
como o acesso a atitudes críticas e conscientes perante a sociedade,
a história, a língua e a cultura. Isso se constata pela definição de gêneros
apresentada no documento, segundo a qual eles seriam, em uma alusão a
Bakhtin (2011), “determinados historicamente, constituindo formas

2Dados do Celp-Bras 2023: Disponíveis em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/celpe-


bras/encerrada-a-aplicacao-do-celpe-bras-
2023#:~:text=O%20exame%2C%20que%20teve%20in%C3%ADcio,realizaram%20provas%20escrita
s%20e%20orais. . Acesso em 18 de junho de 2023.
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relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura.” (Brasil,


1998:21, grifo nosso), compreendendo as três dimensões propostas
pelo filósofo russo, a saber, o conteúdo temático, a construção composicional
e o estilo.

E sem qualquer divorcio cognitivo entre concepções, métodos e práticas de


ensino aprendizagem no ensino de PLA, o Brasil apresentas as atividades domo
instrumento de prática de inserção na escola e em sociedade, e não como ferramenta
para recorrente para a fixação de aspectos formais da estrutura linguística, reforçando
que mesmo não possuindo documentos oficiais norteadores para tal ensino, a
orientação usada tanto para o Celpe-Bras e, por conseguinte para a preparação dos
examinandos nos espaços formais de ensino do Português sob a perspectiva
brasileira, se vale das tarefas como “um convite para agir no mundo, um convite para
o uso da linguagem com um propósito social. Em outras palavras, uma tarefa deve
envolver basicamente uma ação, com um propósito, direcionada a um ou mais
interlocutores” (Brasil, 2006: 5).
Os autores do artigo em estudo, citando (Schoffen, Gomes e Schlatter, 2013),
reforçam o entendimento dessa perspectiva e dos propósitos teórico-práticos para o
uso social em contextos sócio-históricos reais, e por conseguinte propõe as atividades
como formas didáticas que são favorecidas e favorecem à medida que o aprendente
vai experenciando a cultura, a língua-cultura viva e dinâmica brasileira no processo
de imersão e aprendizagem da língua meta. Dessa forma, a abordagem brasileira se
diferencia da portuguesa e do Quadro Comum Europeu, dentre outros fatores, por
entender a impressibilidade do desenvolvimento de todas as proficiências de forma
equilibrada e da progressão desta com o “grau de consciência da relação de
interlocução configurada no texto”, ao passo que, com o já dito anteriormente, as
Orientações Pragmáticas lusitanas privilegiam as competências léxicas e gramaticais
em detrimento das demais, além de entenderem o nivelamento a partir do domínio
dos usos das estruturas gramaticais e usos léxicos na composição textual.
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Por fim, a guisa de conclusão os autores reportam que as escolhas


portuguesas na elaboração de seus documentos norteadores decorrem da
necessidade social e da adesão aos tratados europeus, sem aprofundar na natureza
anterior dos aspectos ideológicos e do passado histórico desse país cujas
consequências para a forma como a língua portuguesa foi difundida no mundo não
deveria ser ignorada e, de outra parte, apontam para a necessidade do Brasil criar
seus próprios parâmetros para o ensino de PLA, a partir de bases teóricas e
metodológicas próprias, que em certa medida, mesmo com a histórica omissão
governamental e certo “espírito de vira latas”, se pode dizer que já possui sementes
lançadas.

Belém, 18 de junho de 2023.

REFERÊNCIAS

SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, A. F. Políticas linguísticas e definição de parâmetros


para o ensino
de português como língua adicional: perspectivas portuguesa e brasileira. ReVEL, v.
14, n. 26, 2016.
[www.revel.inf.br].

História do ensino da Língua Portuguesa no Brasil. Disponível em:


https://www.clubedoportugues.com.br/ensino-da-lingua-portuguesa-no-
brasil/#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20ensino%20da,e%20escrever%20com%20
os%20jesu%C3%ADta

Dados do Celp-Bras 2023: Disponíveis em: https://www.gov.br/inep/pt-


br/assuntos/noticias/celpe-bras/encerrada-a-aplicacao-do-celpe-bras-
2023#:~:text=O%20exame%2C%20que%20teve%20in%C3%ADcio,realizaram%20p
rovas%20escritas%20e%20orais.

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