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AFROTERRITORIALIDADE CAMPINEIRA: ALGUMAS POSSIBILIDADES NO

ENSINO DE GEOGRAFIA

Cursista: Joseane Carina Borges de Carvalho

E-mail: joseanecarina@prof.educacao.sp.gov.br

Eixo Temático: Práticas Pedagógicas

RESUMO

As políticas educacionais brasileiras estão em um momento de implantação


gradativa de sua Base Nacional Curricular Comum – BNCC e, por isso, algumas
mudanças são decorrentes deste fato. No que tange a Geografia, interesse
especial será dado no presente estudo às questões étnico-raciais presentes na
BNCC, especialmente àquelas referentes às territorialidades da cultura afro-
brasileira, para o 7° Ano do Ensino Fundamental – Anos Finais. Acredita-se que a
relevância do presente trabalho esteja no exercício de fortalecer, de maneira
explícita, no dia a dia da sala de aula, o que muitas políticas educacionais trazem
por vezes de modo implícito, com especial foco na BNCC e na Lei 10.639/03.
Diante disso, averiguou-se haver ricas possibilidades de se promover, junto aos
alunos, a construção de um conhecimento contextualizado, uma vez que este se
ampara em questões que atravessam nossas práticas socioespaciais e, portanto,
territoriais.
PALAVRAS-CHAVE: Territorialidade; BNCC; Lei 10.639/03.

1. INTRODUÇÃO

Dentre as políticas educacionais que promovem reformas, o Brasil


encontra-se em um momento de implantação gradativa de sua Base Nacional
Curricular Comum – BNCC. A referida base estabelece, para os (as) alunos (as)
de cada ano/série do ensino, os direitos e objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento, em cada área do conhecimento para a Educação Básica (MEC,
2016).

Todavia, vale ressaltar que o currículo ainda se mostra como uma ação
exclusiva e de controle do Estado e, que as suas tentativas de se definir um
currículo comum são permeadas por relações de poder, uma vez que não lança
luz nas tensões de ordem social, o que termina por fazer emergir “bases in
(comuns)”, que não dialogam com as diferenças. Mas vejamos por meio de quais
brechas a BNCC tornará possíveis, as professoras e os professores, trabalharem
em suas respectivas áreas de conhecimento.

No que tange a Geografia, interesse especial será dado no presente estudo


às questões étnico-raciais presentes na BNCC, especialmente àquelas referentes
às territorialidades da cultura afro-brasileira, para o 7° Ano do Ensino
Fundamental – Anos Finais. Tal segmento de ensino da Educação Básica foi
eleito por se tratar daquele em que, a presente autora, apresenta maior dedicação
de suas horas/aula atualmente.

Diante do exposto, acredita-se que a relevância do presente trabalho esteja


no exercício de fortalecer, de maneira explícita, no dia a dia da sala de aula, o que
muitas políticas educacionais trazem por vezes de modo implícito, com especial
foco na BNCC e na Lei 10.639/03.

2. EMBASAMENTO TEÓRICO

2.1 As Africanidades no Ensino de Geografia: uma breve reflexão

Inicialmente, acerca das Africanidades, tem-se que estas se referem ao


tratamento teórico efetuado a partir do levantamento e interpretação de formas de
apreensão do mundo, organização do trabalho e transformação da natureza, que
compartilhem de referenciais africanos comuns (informação verbal) 1. Assim, na
Educação Básica se faz necessário o exercício de transpor, para as diferentes
áreas do conhecimento, esses referenciais africanos como lentes de investigação
e apreensão do mundo.

No Brasil, a Geografia Escolar tem um importante papel junto aos alunos


da Educação Básica, principalmente no que se refere a uma análise crítica das
organizações espaciais, diferentemente do que ocorria até meados da década de
1970, cujas bases dessa ciência, em sua vertente escolar, repousavam na
descrição, memorização e fragmentação analítica, o que colaborou para o
processo de alienação dos fenômenos expressos num espaço geografado, ou
1
Informação fornecida por Anselma G. Sales na vídeo-aula “Epistemologia em Africanidades”, em
Campinas, junho de 2019.
seja, um espaço natural modificado socialmente, demarcado pelos interesses e
disputas. Apenas nas décadas finais do século XX, é que esta concepção de
Geografia, bem como suas repercussões no currículo escolar, começa a perder
força no cenário educacional brasileiro (CAVALCANTI, 2012).

Neste sentido, Moreira (1988) afirma que a Geografia, quando esteve


essencialmente atrelada à descrição e explicação superficial e aparente da
realidade, apresentou uma colaboração irrisória no que se refere à compreensão
do espaço geográfico como resultado da materialidade do trabalho e, portanto,
retrato das contradições de nossa sociedade de classes, e estas, quando se
referindo à classe daqueles menos prestigiados, estes tem cor, a cor de um povo
negro feito escravo.

Ainda sobre uma Geografia Escolar pouco engajada, crê-se que isso seja
decorrente da forte influência das obras europeias, carregadas de um viés racista,
próprio do colonizador. Assim, acredita-se que uma nova fonte documental
precise ser acessada, a fim de que se amplie o campo de pesquisa em África na
Geografia Escolar Brasileira.

Pode-se afirmar que, a situação descrita é própria de um epistemicídio. Tal


fenômeno, na compreensão de Sueli Carneiro (2005), é tido como indigência
cultural (inferiorização intelectual; negação ao acesso à educação, deslegitimação
do negro como produtor e portador de conhecimento, etc.), tudo isso compromete
a autoestima dos povos dominados que, por sua vez, dificultam sua luta para
alcançar a legitimação de seus conhecimentos.

A negação da plena humanidade do outro, a sua apropriação em


categorias que lhe são estranhas, a demonstração de sua
capacidade inata para o desenvolvimento e aperfeiçoamento
humano, a sua destituição da capacidade de produzir cultura e
civilização prestam-se a afirmar uma razão racializada, que
hegemoniza e naturaliza a superioridade europeia (CARNEIRO,
2005 p. 99).

Acredita-se ainda que, a devida relevância ao ensino sobre a África


perpasse, primeiramente, por uma admissão de uma educação que atenda de
fato ao povo negro no Brasil. Esse processo, ao longo de nossa história, tem sido
marcado pela lentidão, mas nas últimas décadas, o que se constata é um avanço
mais rápido da legislação a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), que
trouxe a criminalização do racismo.

Deste modo, o legado da cultura e educação dos afrodescendentes, com


base em suas próprias características étnico-raciais, só ocorreria de modo
proeminente com a criação da Lei Federal 10.639 de 2003 (BRASIL, 2004). Em
especial na Geografia, Ferracini (2018) afirma que, anteriormente à Lei nº
10.639/03, a atenção do tema da África no ensino de Geografia no Brasil,
apresentava um particular interesse eurocêntrico, sobre os quais muito se discutiu
em debates acadêmicos e pesquisas, não só sobre a África especificamente, mas
também sobre as Africanidades e as relações étnico-raciais no território brasileiro.

A partir das considerações feitas até o momento, a Lei 10.639/03 foi o


marco legal e histórico eleito para apoiar a análise e proposta didática do presente
artigo. Por isso, no próximo item, as potencialidades da atualíssima BNCC em
legitimar as proposições desta lei serão analisadas.

2.2 A BNCC e o Ensino de Geografia em Africanidades

Iniciemos com as principais competências da Lei 10.639/03, sancionada


pelo governo federal (BRASIL, 2004) e alterada pela Lei 11.645/08. A referida lei
instaurou a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até
o ensino médio. É inegável a importância desse marco legal para educação
brasileira em Africanidades. Essa é uma decisão que resgata e reconhece
oficialmente a importância dos negros na construção e formação da sociedade e
territorialidade brasileira.

Nesta perspectiva, é importante que se destaque ainda a criação das


“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (BRASIL, 2004). Tal
documento ampara a Lei 10.639/03, cujo um trecho de seu item “Determinações”
de caráter normativo, pode auxiliar em uma compreensão mais aclarada da
abrangência e a relevância que os estudos a serem desenvolvidos na temática
das Africanidades na Educação Básica, apresentam:
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política,
com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de
professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir
vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar
devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos,
que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A
relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-
brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz
respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto
cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica,
capazes de construir uma nação democrática (BRASIL, 2004, p. 17).

Desse modo, o presente estudo, de cunho geográfico e escolar, analisa as


potencialidades da recém-vigorada BNCC, em legitimar as proposições da Lei
10.639/03 (BRASIL, 2004) para uma sequência didática cujo tema é a Formação
Territorial Brasileira, tema este cerne no 7º Ano do Ensino Fundamental – Anos
Finais - conforme Quadro 1.

Quadro 1. O conceito de Território no Ensino de Geografia do 7º Ano - Ensino


Fundamental – Anos Finais - BNCC (MEC, 2016, p. 338 e 339).

OBJETOS DE
UNIDADES TEMÁTICAS HABILIDADES
CONHECIMENTO
Avaliar, por meio de
exemplos extraídos dos
O sujeito e seu lugar no Ideias e concepções sobre a meios de comunicação,
mundo formação territorial do Brasil ideias e estereótipos acerca
das paisagens e da formação
territorial do Brasil.
Conexões e escalas Formação territorial do Brasil; Analisar a influência dos
Características da população fluxos econômicos e
brasileira; populacionais na formação
socioeconômica e territorial
do Brasil; Selecionar
argumentos que reconheçam
as territorialidades indígenas,
de remanescentes de
quilombolas, de povos das
florestas e do cerrado, de
ribeirinhos e caiçaras, entre
outros grupos sociais do
campo e da cidade, como
direitos legais dessas
comunidades.
Analisar a distribuição
territorial da população
brasileira, considerando a
diversidade étnico-cultural
(indígena, africana, europeia
e asiática), assim como
Desigualdade social e o
Mundo do trabalho aspectos de renda, gênero e
trabalho
idade nas regiões brasileiras;
Elaborar e interpretar gráficos
de barras, gráficos de setores
e histogramas, com base em
dados socioeconômicos das
regiões brasileiras.

A sistematização proposta no Quadro 1 foi inspirada naquela presente na


própria BNCC (MEC, 2016), em que se têm unidades temáticas, objetos de
conhecimento e habilidades. Cada unidade temática contempla uma gama maior
ou menor de objetos de conhecimento, assim como cada objeto de conhecimento
se relaciona a um número variável de habilidades. As habilidades expressam as
aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes
contextos escolares.

Assim, o Quadro 1 é fruto de uma primeira análise realizada na BNCC


(MEC, 2016), cujo filtro inicial foi o tema geral Formação Territorial Brasileira e,
posteriormente, por consequência deste tema, o conceito de Território. Tais
escolhas deram-se de modo proposital, uma vez que as territorialidades da
cultura afro-brasileira e africana estão fortemente apoiadas no conceito de
território, conceito este caro à Geografia e, por isso, potente no processo de
legitimação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2004) nas salas de aula de Geografia.

2.2.1 O conceito de território na Geografia

Teórico cujo trabalho foi e é internacionalmente conhecido na Geografia, o


geógrafo baiano, negro, Milton Santos, falecido em 2001, contribuiu
substancialmente para a elaboração do conceito de território. Segundo ele, “É o
uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise
social” (SANTOS, 1998, p. 15). Também alertava para o fato de antes serem
comuns apenas designações de um território como fundamento de um Estado-
Nação. Tinha-se, portanto, um território “estatizado”, mas, os dias atuais permitem
afirmar uma dada evolução da sua conceituação, ainda mais devido à
intensificação do processo de mundialização ou globalização.

Para Marcelo Lopes de Souza têm-se as mais diversas escalas no


processo de construção e desconstrução dos territórios, escalas estas que vão da
rua à internacional, esta última, por exemplo, como quando se considerada a área
formada pelo conjunto de territórios dos países-membros da Organização do
Tratado do Atlântico do Norte – OTAN (SOUZA, 1995).

Para Raffestan (1993) seria apenas por meio da ocupação do espaço ou


da apropriação do mesmo, que se formaria o território. Essa apropriação do
espaço dar-se-ia por intermédio de um ator sintagmático (aquele que realiza um
programa), de modo concreto ou abstrato. Ou seja, há intencionalidades, visto
que o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de
coisas superpostas, ele precisa ser entendido como território usado. “O território
usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertencem.” (Santos, 1998, p. 14). Nas palavras de Silva (2010) “...
a construção das identidades está intimamente ligada à organização territorial e à
maneira como é percebida por quem é responsável por essa organização ou a
experimenta”.

Conforme Anjos (2011, p. 262), geógrafo empenhado em cartografar a


diáspora África-Brasil,

(...) o território é na sua essência um fato físico, político, social,


categorizável, possível de dimensionamento, onde geralmente, o Estado
está presente e estão gravadas as referências culturais e simbólicas da
população. Não podemos perder de vista que a geografia é a área do
conhecimento que tem o compromisso de tornar o mundo e suas
dinâmicas compreensíveis para a sociedade, de dar explicações para as
transformações territoriais (...).

Numa perspectiva geográfica de estudos sobre os quilombolas, Oliveira


(2017) compreende que as relações dadas no território não se restringem a seus
limites físicos e, quando assim entendido, tem-se uma territorialidade, ou seja,
uma dinâmica que transcende a ideia de território primário, dado que se considera
o uso comum da terra, a etnicidade e a reminiscências sobre o passado
escravista.

Diante do explanado, acredita-se que elaborar uma proposta didático-


pedagógica que corrobore com a apreensão daquilo se nomeou para este estudo
de Territorialidade Afrocampineira, na perspectiva de um ensino significativo de
Geografia, contribuirá para explícita aplicação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2004).

3. AFROTERRITORIALIDADE CAMPINEIRA: UMA PROPOSTA DIDÁTICO-


PEDAGÓGICA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

Nas últimas décadas, as manifestações culturais de diversos grupos têm


sido consideradas, tanto na sua materialidade, como também na imaterialidade e,
quando se tratam de grupos sociais que, num dado momento histórico teve sua
importância sufocada por interesses hegemônicos, contribuir para mudança desse
quadro, se faz latente, para que não se tenha um proposital apagamento de
histórias.

Tais considerações, em muito se relacionam com a cidade de Campinas


(SP), altamente marcada pela presença da matriz africana, contudo, o devido
valor não lhe foi conferido ao longo da história, o que em parte se explica por esta
ter sido uma cidade que submeteu o povo negro africano a uma longa e cruel
escravidão.

Mas através do e pelo território, Campinas não só expressa aspectos


políticos-administrativos dessa categoria analítica, esta é também cultural,
constituinte de identidades e por isso, constrói territorialidades. Dessa maneira, a
partir do que foi explanado sobre os aspectos da BNCC, Lei 10.639/03, ensino de
Africanidades, concepções de território e territorialidade, uma sequência didática
será proposta.

Sendo assim, seguem os elementos extraídos do Quadro 1 para


elaboração da sequência didática: Unidade Temática “Conexões e escalas”;
Objetos do Conhecimento “Formação territorial do Brasil e “Características da
população brasileira”; Habilidades “Analisar a influência dos fluxos
econômicos e populacionais na formação socioeconômica e territorial do Brasil”;
“Selecionar argumentos que reconheçam as territorialidades indígenas, de
remanescentes de quilombolas, de povos das florestas e do cerrado, de
ribeirinhos e caiçaras, entre outros grupos sociais do campo e da cidade, como
direitos legais dessas comunidades”.

Etapa I - Introdução: “Conexões e escalas”

O objetivo da introdução é compreender como o tema “Escalas” auxiliará


numa primeira aproximação acerca das Africanidades, o que se daria,
inicialmente, ao se trabalhar com o Planisfério Político (Escala mundial – Figura
1), por meio do qual, se analisaria na escala continental, a grandeza física e
territorial da África, bem como as principais rotas África-Brasil do tráfico de
africanos com intuito de escravizá-los em terras brasileiras.

Figura 1. Planisfério Político (IBGE, 2016)

A observação via mapa Rotas de Origem dos Afro-brasileiros (Figura 2),


costumeiramente presente nos livros didáticos, possibilitará se trabalhar ainda na
escala de país, uma vez que se terá conhecimento de quais países descendiam
os africanos capturados, além da escala de estado e município, ao se tratar de
seus principais destinos no Brasil.
Além disso, se estaria trabalhando junto aos alunos, a ideia de como,
diferentes escalas, se conectam entre si, como sugere a Unidade Temática
“Conexões e Escalas”, conexão essa que não se restringe apenas a relação
existente entre áreas/territórios de tamanhos diferenciados, mas também, as
escalas, na Geografia, tem um papel de “medir” os fenômenos em estudo. Ou
seja, as diferentes escalas promovem mudanças nos conteúdos e, para além de
saber que as coisas mudam com o tamanho, faz-se importante ainda se saber
como elas mudam (CASTRO, 1995).

Etapa 2 - Desenvolvendo os conteúdos: “Formação territorial do Brasil

É comum, na maioria dos livros didáticos, ao se referirem à formação


territorial do Brasil, terem por base as atividades econômicas desenvolvidas
historicamente e, que contribuíram para a construção de um espaço geográfico
não indígena, ou seja, passa-se, segundo essa concepção que predomina, a se
ter um espaço geográfico construído por europeus ou luso-brasileiros.

Mas ao se fazer memória daquela atividade econômica posterior à


exploração do pau-brasil da Mata Atlântica (promotora da primeira grande
transformação espacial brasileira), que foi desenvolvimento da cultura da cana-
de-açúcar e a produção do açúcar, não se considera ou explora a grande
importância dos africanos trazidos para o Brasil em regime de escravidão, uma
vez que, para que essa atividade se desse de maneira exitosa, possuíam, esses
africanos, todo um conhecimento acumulado do modo de produção dessa cultura,
bem como ainda, o conhecimento tecnológico para se fazer o seu beneficiamento
através dos engenhos, tecnologia esta que já dominavam em seus países de
origem, como se pôde averiguar na mostra “Arte, adorno, design e tecnologia no
tempo da Escravidão”, realizada pelo Museu AFROBRASIL, cujo registro
fotográfico (Foto 1) foi extraído do acervo digital do mesmo (MUSEU
AFROBRASIL, 2019).

Foto 1. Mostra “Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da Escravidão”


(MUSEU AFROBRASIL, 2019)

Desse modo, ao se debruçar sobre os quase quatro séculos de uma geo-


história da formação do território brasileiro, percebe-se o quão frágil é formação
dos professores de geografia como um todo, uma vez que aqueles que são
elaboradores de livros didáticos (por vezes único material que se tem a disposição
dos professores) terminam por reforçar a invisibilidade de certos “Brasis”, ou seja,
povos e territórios que existiram e se mantém sobreviventes, mas de uma
maneira marginal, não oficial na sua plenitude.

Por isso, o presente estudo se pretende propositivo-provocativo, uma vez


que faz o exercício de trazer uma África existente-resistente no Brasil, em
Campinas no estado de São Paulo, em diálogo com a escola, promovendo-se
uma Geografia VIVA e potente, uma vez que amplia, traz novas referências sobre
as formações territoriais locais.

Etapa 2.1 - Trabalho de Campo – Afroterritorialidade Campineira

Pelo fato da educação formal ser marcadamente descontextualizada da


realidade dos evolvidos, nesse processo, o que se presencia nas escolas é um
alunado que pouco sentido vê na sua prática discente, muitas vezes fadada a ser
um mero espectador comportado das falas dos professores que reproduzem os
conhecimentos de terceiros.

Para tanto, é importante frisar que as práticas escolares precisam ser


formuladas, por professores e alunos, a partir do lugar onde vivem, para que se
sentindo pertencentes ao lugar, elaborem e participem de soluções possíveis às
problemáticas vigentes (Compiani, 2015, p.12). É a partir dessa perspectiva que
se projeta o trabalho de campo a ser proposto como atividade de fechamento da
proposta didático-pedagógica em Africanidades, com ênfase na especificidade da
formação territorial brasileira-campineira.

Portanto, a “encarnação” das categorias de território, territorialidade e


identidade territorial, se darão na prática do trabalho de campo, uma vez que a
cidade de Campinas (SP) apresenta latentes manifestações do povo de matriz
africana, que se dão na sua urbanidade, ou nas formas de uso e de manutenção
de suas raízes culturais latentes, mesmo quando aparentemente estas não são
vistas pela maioria de sua população, como afirmam Martins e Santos Junior
(2017).

Quando os coletivos ligados à matriz africana se estruturam e


reterritorializam suas ações, tendo a criatividade como elemento gerador,
cresce o grau de liberdade. Nessa perspectiva as ruas, praças e
logradouros de matriz africana consolidam e impactam a cultura local de
Campinas (MARTINS & SANTOS JUNIOR, 2017).

Figura 3. Projeto “Conheça Campinas” – Roteiro Afro (Prefeitura Municipal de Campinas -


PMC, 2019)
Assim, o território torna possível o que por vezes a memória já não dá
conta, a partir dele é que memórias são resgatadas no contexto urbano, sendo
este os casos das seguintes localidades: Casa de Cultura Fazenda Roseira; a
Rua 13 de Maio; Casa de Cultura Tainã; Instituto Baobá de Cultura e Arte (IBAÔ);
Clube Machadinho; Largo de São Benedito; Corporação Musical Campineira dos
Homens de Cor; Igreja de São Benedito; Largo Santa Cruz e Casa Grande e
Tulha, todos eles situados na área urbana da cidade de Campinas.

As referidas localidades e espaços públicos, como ruas, praças,


monumentos e prédios, são territórios identitários, que apresentam um
reconhecimento considerável, uma vez que há um “Roteiro Afro” (Figura 3) já
inserido nas propostas de roteiros turísticos da prefeitura de Campinas (Projeto
“Conheça Campinas” - https://conheca.campinas.sp.gov.br/tours/9), demostrando
que as lutas para a legitimidade desses espaços ganhou um certo
reconhecimento, fortalecendo suas permanências e resistências, que não podem
passar despercebidos de um processo de ensino-aprendizagem contextualizados.

4. RESULTADOS PRELIMINARES E ESPERADOS

A partir dos estudos realizados no primeiro semestre deste ano de 2019, no


curso de extensão “Educação para as Africanidades: Formação para a Cidadania”
(Faculdade de Educação e Pró-Reitoria de Extensão da UNICAMP), algumas
práticas de ensino-aprendizagem pilotos foram realizadas na temática das
Africanidades.

Desse modo, para sensibilizar os alunos do 7º Ano do Ensino Fundamental


– Anos Finais sobre a contribuição dos africanos e afro-brasileiros na formação da
população brasileira, projetou-se, um vídeo do canal do youtube chamado
“Conhecendo museus”, um episódio nomeado “Museu AfroBrasil” 2. Este vídeo
realiza neste museu um tour, mesmo que remotamente, possibilitando assim aos
alunos, um primeiro acesso a uma vasta e, por vezes desconhecida história desse
povo e de sua rica cultura por meio de fotografias, pinturas, gravuras, documentos
e peças.

2
Acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=C_utYJ41hMM&t=231s
O referido curso de extensão, ao trazer para a reflexão dos cursistas a
temática “Ações afirmativas”, tornou possível a realização de outra prática de
ensino-aprendizagem junto a estes mesmos alunos do 7º Ano. A prática ocorreu a
partir do tema geral abordado no livro didático adotado: “Os afro-brasileiros no
Brasil Atual”, este se desdobrava nos subtemas “Desigualdades entre negros e
não negros”; “Os movimentos dos afro-brasileiros” e “Ações afirmativas”, este
último possibilitou que outro vídeo fosse inserido para subsidiar uma reflexão
acerca das referidas políticas, vídeo esse que nos foi apresentado no curso de
extensão e que trazia a música “Cota não esmola” 3, composta e interpretada por
Bia Ferreira.

Constatou-se que houve um interesse particular dos alunos em se


envolverem no diálogo acerca do conteúdo trazido nos vídeos que, por mais novo
que fosse se refletir de modo mais detido sobre tais questões, lá se encontrava o
retrato de algo vivido por muitos de nós, dada a nossa ancestralidade
predominantemente africana, partia-se, portanto, do espaço do vivido, do
experimentado, diferentemente do que ocorre ao se trabalhar com essa temática
com base apenas em registros de localidades que pouco se relacionam com os
educandos, fato este comum ao se adotar apenas o livro didático.

Ambas as intervenções mencionadas, constituíram-se no pano de fundo


para se pensar em ações melhor elaboradas, caldadas no tema das Africanidades
no ensino de Geografia, tal como o que se terminou por constituir o presente
artigo e, espera-se que a mesma possibilite contribuir com a elaboração de uma
metodologia em que principalmente alunos e professores, apropriem-se de um
conhecimento relacionados à vida e para a vida, uma vez que este pretende
expressar o que esses grupos sentem, percebem, atuam, vivem e transformam os
territórios e a territorialidades por meio das Africanidades.

3
Acessado em https://www.youtube.com/watch?v=QcQIaoHajoM
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