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POR QUE OS PAÍSES
RICOS SÃO RICOS
E OS PAÍSES POBRES SÃO POBRES

VARIOS AUTORES
Sumário
Introduçã o
Rainer Erkens

Teorias Que Nã o Funcionam


Daron Acemoglu e James Robinson
Só Existe Crescimento
Quando o Governo Nã o Atrapalha
John Tamny e Leandro Roque
A Pobreza é Fá cil de Ser Explicada
Walter Williams
A Pobreza Diminuiu na Medida
em que o Capitalismo Expandiu
Ryan McMaken

O Crescimento da Nova Zelâ ndia


Maurice McTigue
O Milagre Econô mico de Hong Kong
Lawrence W. Reed, Andrew P. Morris e Jean-François Minardi
Os Casos da Dinamarca e da Sué cia
Juan Ramón Rallo

Suı́ça e Cingapura sã o Ricas


por Causa do Sistema Financeiro?
Juan Ramón Rallo
A Desigualdade Nã o é o Problema
John Tamny

Quem é o Presidente da Suı́ça?


Bill Wirtz

A Recuperaçã o dos Paı́ses Bá lticos


Juan Ramón Rallo
Quanto Mais Capitalismo Mais Solidariedade
André Pereira Gonçalves

Irlanda e Islâ ndia – Quem se Saiu


Melhor apó s a Crise de 2008
David Howden

Paı́ses Pobres Tributam Importados


Paı́ses Ricos Abrem Suas Fronteiras
John Tamny

O Exito Econô mico da Alemanha


Juan Ramón Rallo
A Recessã o no Japã o
Peter Schiff
Por Que Cuba E Pobre
Juan Ramón Rallo e Diogo Costa

Todos os Paı́ses Ricos Tê m Liberdade


Econô mica e Valores Burgueses
Deirdre McCloskey

Uma Histó ria do Intervencionismo


Ludwig von Mises
Introdução
A desigualdade na distribuiçã o da renda é um traço distintivo das
sociedades modernas. Ela sempre provoca um mal-estar, mas é ao
mesmo tempo um importante estı́mulo para a competitividade, a
inovaçã o e o progresso. A ideia de que os paı́ses ricos sã o ricos porque
exploram outros paı́ses sustenta-se em duas hipó teses equivocadas,
estreitamente correlacionadas. A primeira hipó tese a irma que a
prosperidade é uma grandeza ixa, isto é , está tica. De acordo com ela, a
economia é um jogo de soma zero. Quem, como indivı́duo ou paı́s, se
bene icia acima da mé dia da prosperidade, forçosamente deve ter
tirado alguma coisa de outros. Mas esta tese nã o se sustenta. A riqueza
da humanidade tem crescido há mais de um sé culo no planeta e cada
vez mais é maior o nú mero dos bene iciá rios deste bem-estar crescente.
Tanto em termos relativos quanto em termos absolutos há cada vez
mais ricos no planeta e també m mais pessoas que vivem bem. Em
virtude do crescimento populacional, o nú mero de pobres pode
aumentar em algumas partes do mundo. Mas a sua parcela na
populaçã o mundial cai continuamente, embora nã o em todos os
lugares.
Uma sé rie de paı́ses outrora pobres logrou libertar-se de uma pobreza
secular. Eles aprenderam a aproveitar suas oportunidades. Isso vale,
por exemplo, para a maioria dos paı́ses do Extremo Oriente e do
Sudeste Asiá tico, mas també m para paı́ses como Botsuana ou o Chile.
Assim em 1957, no ano da independê ncia, a renda per capita de Gana
estava no mesmo patamar da renda per capita da Coré ia do Sul. Hoje a
proporçã o é de 1:8 em vantagem dos sul-coreanos. Mas nas enormes
melhorias já atingidas as coisas se passam como sempre na vida: o que
foi atingido é considerado, nas palavras de Hans Magnus Enzensberger,
algo natural, “um padrã o mı́nimo caı́do do cé u, ao qual todos tê m
direito”.

A segunda hipó tese parte do fato de que os paı́ses ricos sã o ricos
apenas porque exploram os paı́ses pobres. A isso subjaz uma espé cie de
teoria conspiracionista. Se um é rico e o outro pobre, isso só se pode
dever ao fato de que o rico adquiriu a sua fortuna por vias pouco
honestas e à s expensas dos pobres, impedindo os pobres de enriquecer.
Isso pode valer para a situação interna em alguns países em
desenvolvimento. Em muitos paı́ses os pobres continuam pobres, pois
os ricos e poderosos fazem tudo para impedir a liberdade, o direito e a
economia de mercado. Uma polı́tica liberal de desenvolvimento deve
iniciar també m na contestaçã o de tais relaçõ es ancilosadas.

Ocorre que a riqueza e a renda elevada nos paı́ses industrializados


foram geradas e ganhas pelo trabalho, pela produçã o de riqueza. Nã o
sã o o resultado da exploraçã o. Re letem em regra o alto rendimento, a
disciplina, a con iabilidade, a inteligê ncia ou o talento, nã o a maldade e
a falta de humanidade. Mesmo que essa constataçã o seja dolorosa para
alguns, os paı́ses industrializados sã o ricos porque aprenderam no
decorrer dos ú ltimos sé culos a lidar de forma mais e iciente com seus
recursos humanos e naturais do que outros paı́ses. Devem sua riqueza
nã o à exploraçã o de outros paı́ses, mas aos esforços dos seus cidadã os,
a um longo e penoso processo de aprendizagem e, nã o em ú ltimo lugar,
à luta pela liberdade e pelo direito, que lhes custou muitos sacri ícios. O
fato de que muitos paı́ses em desenvolvimento hoje como no passado
ainda nã o extraem nenhuma liçã o disso, mas continuam negando aos
seus cidadã os a liberdade, o direito e a economia de mercado,
praticamente nã o pode ser imputado aos paı́ses industrializados.
De resto, o simples interesse pró prio depõ e contra a teoria de que os
paı́ses ricos estã o interessados na pobreza de outros paı́ses. Paı́ses
ricos sã o para outros paı́ses ricos parceiros comerciais muito mais
interessantes do que paı́ses pobres. Nessa descoberta assenta-se toda e
qualquer polı́tica de desenvolvimento para liberais, alé m de todas as
fundamentaçõ es morais: é vantajoso para a Alemanha se os paı́ses até
agora pobres se desenvolvem. Por isso se justi ica e é um investimento
em princı́pio racional ajudar a esses paı́ses a chegar ao
desenvolvimento. Em 2005, as exportaçõ es alemã s para Cingapura
tinham atingido um valor de 4,272 bilhõ es (ou seja, 4.272 milhõ es) de
euros, enquanto as exportaçõ es para a Eritré ia cifraram-se em 10
milhõ es de euros. Uma desproporçã o similar vale para as importaçõ es
da Alemanha. Os ganhos de prosperidade dos alemã es resultantes do
comé rcio com Cingapura sã o muitas vezes superiores aos do comé rcio
com a Eritré ia (dados do Departamento Federal de Estatı́stica). Por que
a Alemanha nã o deveria estar interessada na prosperidade da Eritré ia,
mas querer perpetuar a pobreza desse paı́s?

Com aproximadamente 2%, a participaçã o da Africa no comé rcio


mundial corresponde apenas à da Bé lgica. Se a Africa saı́sse do
comé rcio mundial, as perdas diretas da prosperidade nos paı́ses
industrializados poderiam ser modestas. Os paı́ses industrializados
processam a parte predominante do seu comé rcio exterior com outros
paı́ses industrializados e o grupo dos paı́ses emergentes, que quase nã o
podem mais ser denominados pobres. Se, poré m, a Africa conseguisse
atingir por um perı́odo mais longo um forte crescimento econô mico, a
economia alemã indubitavelmente se bene iciaria. Os paı́ses
industrializados dependem de mercados nos quais podem
comercializar seus produtos. Necessitam de maté rias-primas e
produtos agrı́colas, muitos dos quais provê m de paı́ses em
desenvolvimento. Por im os paı́ses em desenvolvimento també m
oferecem cada vez mais localizaçõ es, nas quais empresas de paı́ses
industrializados podem produzir a custos baixos, melhorando assim a
sua competitividade. Por que os paı́ses ricos, portanto, estariam
interessados em manter alguns paı́ses em desenvolvimento na pobreza
e perder assim lucros advenientes da prosperidade?

Fosse correta a a irmaçã o de que os paı́ses industrializados sã o


responsá veis pela pobreza dos paı́ses em desenvolvimento,
praticamente també m nã o poderı́amos explicar que muitos paı́ses do
Extremo Oriente e do Sudeste Asiá tico tenham conseguido uma
ascensã o tã o espetacular nas ú ltimas dé cadas sem que isso tenha sido
evitado pelos paı́ses industrializados da Europa e Amé rica do Norte.
Muito pelo contrá rio: ao lado de reformas internas, justamente
os investimentos diretos do exterior, oriundos dos paı́ses
industrializados, contribuı́ram consideravelmente para aumentar a
prosperidade na Tailâ ndia, na Malá sia ou na Repú blica Popular da
China. Muitos paı́ses do Terceiro Mundo sã o bene iciá rios, nã o vı́timas
da riqueza dos paı́ses industrializados, nã o apenas por causa das
maiores oportunidades para o comé rcio e os investimentos, mas
també m por tirarem proveito das invençõ es e experiê ncias feitas nos
paı́ses industrializados sem precisar gerar novamente os recursos para
cobrir os custos conexos.
Os interesses particulares de grupos individuais dos paı́ses da OCDE
representam, poré m, um problema especial. Querem restringir ou
mesmo abolir a concorrê ncia pelo protecionismo comercial. Com isso
eles prejudicam nã o apenas os paı́ses pobres. Mas justamente os ramos
especialmente protegidos, como o setor agrı́cola ou a indú stria tê xtil, há
muito tempo nã o sã o mais as fontes mais importantes da prosperidade
nos paı́ses industrializados, perdendo cada vez mais importâ ncia. Aqui
o protecionismo encobre uma batalha de retaguarda. Os dias do
protecionismo estã o contados nos paı́ses industrializados. Um
argumento central dos liberais a irma que em princı́pio todos os
envolvidos se bene iciam do livre comé rcio. Em 1758 David Hume
a irmou: “Nã o rezo apenas como ser humano, mas como cidadã o inglê s,
pelo lorescimento do comé rcio da Alemanha, Espanha, Itá lia e mesmo
da França”.

Rainer Erkens
Teorias Que Não Funcionam
Daron Acemoglu e James Robinson

O primeiro paı́s a experimentar crescimento econô mico sustentado foi


a Inglaterra – ou Grã Bretanha, como é conhecida a uniã o de Inglaterra,
Paı́s de Gales e Escó cia desde 1707. O crescimento despontou
gradualmente na segunda metade do sé culo XVIII, à medida que a
Revoluçã o Industrial, baseada em grandes inovaçõ es tecnoló gicas e sua
aplicaçã o na indú stria, ia se estabelecendo. A industrializaçã o da
Inglaterra logo se seguiria a da maior parte da Europa Ocidental e
Estados Unidos. A prosperidade inglesa nã o tardou a espalhar-se
també m pelas “colô nias de povoamento” britâ nicas – Canadá , Austrá lia
e Nova Zelâ ndia. Uma lista dos 30 paı́ses mais ricos hoje inclui estes
que citamos mais Japã o, Cingapura e Coreia do Sul. A prosperidade dos
trê s ú ltimos é , por sua vez, parte de um padrã o mais amplo conforme o
qual diversas naçõ es do Leste Asiá tico, inclusive Taiwan e,
posteriormente, a China, experimentaram acelerado crescimento em
tempos recentes.
O segmento inferior da distribuiçã o da renda mundial apresenta um
quadro tã o agudo e peculiar quanto o superior. Se, ao contrá rio,
izermos uma lista dos 30 paı́ses mais pobres do mundo atual,
constataremos que quase todos se encontram na Africa subsaariana. A
estes se juntam paı́ses como Afeganistã o, Haiti e Nepal, que, mesmo nã o
se situando na Africa, tê m um elemento crı́tico em comum com as
naçõ es africanas, como vamos explicar. Se voltá ssemos 50 anos no
tempo, os 30 paı́ses mais ricos e mais pobres nã o seriam muito
diferentes. Cingapura e Coreia do Sul nã o igurariam entre os mais ricos
e haveria vá rios outros entre os 30 mais pobres, mas a situaçã o geral
que se apresentaria seria notavelmente consistente com o que vemos
nos dias atuais. Voltando 100 anos, ou 150, encontrarı́amos
praticamente os mesmos paı́ses, nos mesmos grupos.
O Mapa 1 mostra a situaçã o em 2015. Os paı́ses em vermelho e laranja
sã o os mais pobres, aqueles cuja renda per capita (chamadade PIB,
Produto Interno Bruto) é inferior a US$2 mil anuais. A maioria da Africa
aparece dessa cor, assim como Afeganistã o, Haiti, Cuba e partes do
Sudeste Asiá tico (como Camboja e Laos). A Coreia do Norte també m se
encontra nesse grupo de paı́ses. Aqueles em azul sã o os mais ricos –
com renda per capita anual de US$20 mil ou mais. Aqui, encontramos
os suspeitos de sempre: Amé rica do Norte, Europa Ocidental,
Australá sia e Japã o.

Outro padrã o interessante pode ser detectado nas Amé ricas. Se


arrolarmos os paı́ses americanos em ordem decrescente de riqueza,
dos mais pró speros para os mais pobres, veremos que no topo estã o
Estados Unidos e Canadá , seguidos do Chile, Argentina, Brasil, Mé xico e
Uruguai; em seguida, temos Colô mbia, Peru e Equador. No inal, há
outro grupo separado, bem mais pobre, composto por Haiti, Cuba,
Bolı́via, Paraguai e Venezuela. Se recuarmos 70 anos no tempo,
encontraremos a mesma classi icaçã o (com a exceçã o de Cuba). Cem
anos: a mesma coisa. Portanto, nã o sã o só Estados Unidos e Canadá que
sã o mais ricos que a Amé rica Latina; há també m uma separaçã o
de inida e persistente entre paı́ses ricos e pobres dentre os latino-
americanos.

Um ú ltimo padrã o interessante pode ser encontrado no Oriente Mé dio,


onde encontramos naçõ es ricas em petró leo, como Ará bia Saudita e
Kuwait, cujos nı́veis de renda sã o pró ximos à queles dos 30 mais ricos.
Caso o preço do petró leo caia, poré m, eles despencarã o para o estrato
inferior. Paı́ses do Oriente Mé dio com pouco ou nenhum petró leo, como
Egito, Jordâ nia e Sı́ria, aglomeram-se em torno de um nı́vel de renda
pró ximo ao da Guatemala ou Peru. Sem suas reservas petrolı́feras, as
naçõ es do Oriente Mé dio sã o tã o pobres quanto as da Amé rica Central e
dos Andes, ainda que nã o tanto quanto as da Africa subsaariana.
Apesar da grande persistê ncia dos padrõ es de prosperidade que
observamos hoje ao nosso redor, contudo, eles nã o sã o cristalizados
nem imutá veis. Em primeiro lugar, grande parte da atual desigualdade
mundial remonta ao inal do sé culo XVIII, tendo nascido no rastro da
Revoluçã o Industrial. As lacunas entre os diferentes nı́veis de riqueza
nã o só eram menores até meados do sé culo XVIII, mas a ordenaçã o que
desde entã o tem se mostrado tã o está vel nã o se manterá caso recuemos
mais longe no tempo. Nas Amé ricas, por exemplo, a classi icaçã o que se
manteve nos ú ltimos 150 anos era completamente outra 500 anos
atrá s.
Em segundo lugar, diversas naçõ es experimentaram dé cadas seguidas
de crescimento acelerado, como boa parte do Leste Asiá tico da Segunda
Guerra Mundial para cá e, mais recentemente, a China. E nã o poucas
delas viram posteriormente tal tendê ncia se inverter. A Argentina, por
exemplo, cresceu rapidamente por cinco dé cadas até 1920, chegando a
se tornar um dos paı́ses mais ricos do mundo, mas desde entã o iniciou
um longo declı́nio. A Uniã o Sovié tica constitui um exemplo ainda mais
notá vel, tendo apresentado crescimento acentuado entre 1930 e 1970,
mas experimentando depois um sú bito colapso.

O que explica essas diferenças signi icativas de grau de pobreza e


prosperidade e entre padrõ es de crescimento? Por que os paı́ses da
Europa Ocidental e seus rebentos coloniais, povoados com colonos
europeus, começaram a crescer no sé culo XIX sem olhar para trá s? O
que explica a persistê ncia do ranking da desigualdade nas Amé ricas? O
que impede a Africa subsaariana e o Oriente Mé dio de apresentarem o
mesmo crescimento econô mico ocorrido na Europa Ocidental,
enquanto tã o grande parte do Leste Asiá tico vem ostentando nı́veis de
crescimento estratosfé ricos?

A hipótese geográ ica


Uma teoria muito aceita sobre as causas da desigualdade mundial é a
hipó tese geográ ica, segundo a qual o abismo que separa paı́ses ricos e
pobres é gerado por diferenças geográ icas. Muitos paı́ses pobres, como
os da Africa, da Amé rica Central e do Sul da Asia, localizam-se entre os
tró picos de Câ ncer e de Capricó rnio. As naçõ es ricas, em contrapartida,
tendem a situar-se nas latitudes temperadas. Essa concentraçã o
geográ ica da pobreza e da riqueza confere um apelo super icial à
hipó tese geográ ica, ponto de partida das teorias e opiniõ es de nã o
poucos cientistas sociais e sumidades em geral – o que nã o a torna
menos equivocada.
Já no inal do sé culo XVIII, o grande iló sofo polı́tico francê s
Montesquieu assinalava a concentraçã o geográ ica da prosperidade e
da pobreza e propunha-se a explicá -la. A seu ver, os habitantes dos
climas tropicais tendiam a ser preguiçosos e pouco inquisitivos. Por
conseguinte, nã o trabalhavam com empenho su iciente nem eram
inovadores, motivos pelos quais eram pobres. Montesquieu especulava
també m que as pessoas preguiçosas tendiam a ser governadas por
dé spotas, sugerindo que a localizaçã o nos tró picos justi icaria nã o só a
pobreza mas també m parte dos fenô menos polı́ticos associados ao
fracasso econô mico, como regimes ditatoriais.
A teoria de que os paı́ses quentes sã o intrinsecamente pobres, embora
recentemente desmentida pelo acelerado avanço econô mico de paı́ses
como Cingapura, Malá sia e Botsuana, ainda é objeto de ardorosa defesa
por parte de alguns, como o economista Jeffrey Sachs. A moderna
versã o dessa tese salienta nã o os efeitos diretos do clima sobre a
dedicaçã o ao trabalho ou os processos mentais, mas dois outros
argumentos: primeiro, o de que as doenças tropicais, sobretudo a
malá ria, tê m consequê ncias muito adversas para a saú de e, por
conseguinte, para a produtividade; e, segundo, o de que os solos
tropicais nã o permitem uma agricultura produtiva. A conclusã o,
entretanto, é a mesma: os climas temperados possuem uma vantagem
relativa sobre as regiõ es tropicais e subtropicais.

As desigualdades mundiais, todavia, nã o podem ser explicadas pelo


clima ou doenças, nem qualquer outra versã o da hipó tese geográ ica. Se
a hipó tese geográ ica nã o dá conta de explicar as diferenças entre as
Coreias do Norte e do Sul, ou entre as Alemanhas Ocidental e Oriental
antes da queda do Muro de Berlim, poderia ter ainda alguma utilidade
para explicar as diferenças entre as Amé ricas do Norte e do Sul? Entre
Europa e Africa? Nã o.

A histó ria demonstra a inexistê ncia de ligaçõ es simples ou duradouras


entre clima ou geogra ia e ê xito econô mico. Por exemplo, nã o é verdade
que os tró picos tenham sido sempre mais pobres que as latitudes
temperadas. Na é poca da conquista das Amé ricas por Colombo a faixa
ao sul do Tró pico de Câ ncer e ao norte do de Capricó rnio, que hoje
compreendem Mé xico, Amé rica Central, Peru e Bolı́via, continha as
grandes civilizaçõ es asteca e inca – impé rios politicamente
centralizados e complexos, que construı́ram estradas e prestavam
auxı́lio contra a fome. Os astecas dispunham tanto de moeda quanto de
escrita, e os incas, embora lhes faltassem essas duas tecnologias
fundamentais, registravam vasta quantidade de informaçã o em cordõ es
cheios de nó s, chamados quipos.
Em agudo contraste, nessa mesma é poca, as á reas ao norte e ao sul
daquela habitada por esses dois povos – onde hoje se encontram
Estados Unidos, Canadá , Argentina e Chile – eram habitadas
basicamente por civilizaçõ es na Idade da Pedra, desprovidas de tais
tecnologias. Os tró picos nas Amé ricas eram, portanto, muito mais ricos
que as zonas temperadas, o que indica que o “fato ó bvio” da pobreza
tropical nã o é nem ó bvio e muito menos um fato. Pelo contrá rio, a
maior riqueza dos Estados Unidos e Canadá , hoje, representa uma
acentuada inversã o da fortuna em relaçã o ao cená rio vigente por
ocasiã o da chegada dos europeus.
Tal inversã o claramente nada teve a ver com a geogra ia, mas, como já
vimos, com o modo como se deu a colonizaçã o dessas á reas – um
processo que nã o se restringiu à s Amé ricas. Os povos do Sul da Asia,
sobretudo no subcontinente indiano e na China, eram mais pró speros
do que os de muitas outras partes da Asia – e certamente mais que as
populaçõ es da Austrá lia e Nova Zelâ ndia. També m esse quadro se
inverteu à medida que Coreia do Sul, Cingapura e Japã o despontaram
como naçõ es mais ricas da Asia, e Austrá lia e Nova Zelâ ndia
ultrapassaram quase todo o continente asiá tico em termos de
prosperidade.
Mesmo no â mbito da Africa subsaariana veri icou-se uma inversã o
similar. Em tempos mais recentes, antes de começar o intenso contato
europeu com os africanos, o sul da Africa era a á rea de menor
densidade populacional e a que estava mais longe de apresentar
Estados estruturados que exercessem algum tipo de controle sobre
seus territó rios. Nã o obstante, a Africa do Sul é hoje uma das mais
pró speras naçõ es da Africa subsaariana. Voltando atrá s na histó ria,
novamente vemos muita prosperidade nos tró picos; algumas das
grandes civilizaçõ es pré -modernas, como Angkor, no moderno
Camboja, Vijayanagara, no sul da India, e Aksum, na Etió pia,
loresceram nos tró picos, do mesmo modo como as civilizaçõ es do Vale
do Indo, de Mohenjo Daro e Harapa, no atual Paquistã o. Diante das
evidê ncias histó ricas, portanto, restam-nos poucas dú vidas de que nã o
existe correlaçã o simples entre localizaçã o tropical e sucesso
econô mico.
As doenças tropicais evidentemente sã o causa de profundo sofrimento
e elevadas taxas de mortalidade infantil na Africa, mas nã o constituem
a razã o da pobreza africana. O adoecimento é , em grande parte,
consequê ncia da pobreza e da falta de capacidade ou vontade dos
governos para tomar as medidas de saú de pú blica necessá rias à sua
erradicaçã o. A Inglaterra no sé culo XIX també m era um lugar bastante
insalubre, mas o governo efetuou investimentos graduais no
abastecimento de á gua limpa, no devido tratamento de esgotos e
e luentes, e, por im, em serviços de saú de e icazes. A melhoria das
condiçõ es de saú de e o aumento da expectativa de vida decerto nã o
foram as causas do ê xito econô mico britâ nico, mas um dos frutos de
suas transformaçõ es polı́ticas e econô micas pré vias. O mesmo vale para
Nogales, Arizona.

A outra parte da hipó tese geográ ica diz que os tró picos devem sua
pobreza à improdutividade da agricultura tropical. Os solos tropicais
sã o inos e incapazes de reter nutrientes, segundo esse argumento, que
enfatiza a rapidez com que eles sã o erodidos por chuvas torrenciais. A
ideia nã o deixa de ter seu mé rito, mas o principal determinante da
baixı́ssima produtividade agrı́cola em tantos paı́ses pobres, sobretudo
na Africa subsaariana, pouco tem a ver com a qualidade do solo. E
consequê ncia da estrutura de propriedade da terra e dos incentivos
criados para os fazendeiros pelos governos. A desigualdade mundial
nã o pode ser explicada por diferenças na produtividade agrı́cola. As
profundas disparidades do mundo moderno nascidas no sé culo XIX
foram causadas pela disseminaçã o desigual das tecnologias industriais
e da produçã o manufatureira, nã o por diferenças no desempenho
agrı́cola.
Outra versã o in luente da hipó tese geográ ica é defendida pelo
ecologista e bió logo evolutivo Jared Diamond, para quem a origem das
desigualdades intercontinentais nos primó rdios da era moderna, há
500 anos, jazem na falta de uniformidade na distribuiçã o histó rica de
espé cies vegetais e animais, que posteriormente in luenciaria a
produtividade agrı́cola. Em alguns lugares, como o Crescente Fé rtil, no
atual Oriente Mé dio, havia grande nú mero de espé cies passı́veis de
domesticaçã o pelos seres humanos. Em outros, como as Amé ricas, nã o.

O grande nú mero de espé cies domesticá veis tornou interessante para
as sociedades fazer a transiçã o de um estilo de vida de caça e coleta
para outro agrá rio. Por conseguinte, a agricultura desenvolveu-se antes
no Crescente Fé rtil que nas Amé ricas. A densidade demográ ica
aumentou, possibilitando a especializaçã o da mã o de obra, o comé rcio,
a urbanizaçã o e o desenvolvimento polı́tico. Fundamentalmente, nos
lugares em que a agricultura se tornou dominante as novaçõ es
tecnoló gicas ocorreram com mais rapidez do que em outras partes do
mundo. Assim, de acordo com Diamond, as discrepâ ncias na
disponibilidade de espé cies animais e vegetais acarretaram graus
variados de exploraçã o agrı́cola, o que, por sua vez, conduziu a
caminhos distintos de transformaçã o tecnoló gica e prosperidade em
cada continente.

Embora a tese de Diamond constitua uma abordagem respeitá vel ao


problema sobre o qual ele se debruça, nã o pode ser estendida à
explicaçã o da desigualdade no mundo moderno. Por exemplo, Diamond
defende que os espanhó is conseguiram dominar as civilizaçõ es das
Amé ricas graças à maior antiguidade de sua tradiçã o agrı́cola e
consequente superioridade tecnoló gica. Agora, poré m, precisamos
explicar por que os mexicanos e peruanos que habitam as antigas
terras dos astecas e incas sã o pobres. Por mais que o acesso a trigo,
cevada e cavalos tornasse os espanhó is mais ricos que os incas, a
disparidade de renda entre os dois povos nã o era tã o signi icativa. A
“renda mé dia de um espanhol correspondia, provavelmente, a menos
que o dobro da de um cidadã o do Impé rio Inca.
A tese de Diamond sugere que, uma vez que os incas viram-se expostos
a todas as espé cies e tecnologias delas resultantes que nã o haviam sido
capazes de desenvolver por conta pró pria, deveriam ter atingido
rapidamente o padrã o de vida dos espanhó is. Todavia, nã o foi em
absoluto o que aconteceu. Pelo contrá rio, nos sé culos XIX e XX abriu-se
uma lacuna muito maior entre as rendas de espanhó is e peruanos. Hoje,
o espanhol mé dio é seis vezes mais rico do que o peruano mé dio – um
abismo intimamente relacionado à heterogeneidade na disseminaçã o
das modernas tecnologias industriais, mas que pouco tem a ver tanto
com o potencial para a domesticaçã o de plantas e animais quanto com
as diferenças intrı́nsecas de produtividade agrı́cola entre os dois paı́ses.

Enquanto a Espanha, ainda que com atraso, adotou as tecnologias do


motor a vapor, ferrovias, eletricidade, mecanizaçã o e produçã o
manufatureira, o Peru nã o – ou, no má ximo, o fez de modo muito lento e
imperfeito. Tal lacuna tecnoló gica persiste ainda hoje e reproduz-se em
maior escala à medida que as novas tecnologias, sobretudo aquelas
relacionadas à tecnologia da informaçã o, alimentam mais crescimento
em muitas naçõ es desenvolvidas e outras em acelerado
desenvolvimento. A tese de Diamond nã o nos diz por que essas
tecnologias cruciais nã o se difundem e uniformizam a renda ao redor
do mundo.
A Amé rica do Norte, por exemplo, tornou-se mais rica que a Amé rica do
Sul justamente por haver adotado as tecnologias e avanços da
Revoluçã o Industrial. O nı́vel educacional da populaçã o aumentou e as
ferrovias se espalharam pelas grandes pradarias, em agudo contraste
com o que transcorreu na Amé rica do Sul. Isso nã o pode ser justi icado
apontando-se as distintas caracterı́sticas geográ icas das Amé ricas do
Norte e do Sul – as quais, diga-se de passagem, concederiam vantagem
à Amé rica do Sul.

As desigualdades no mundo moderno sã o em grande parte fruto da


falta de homogeneidade na disseminaçã o e adoçã o de tecnologias, e a
tese de Diamond de fato inclui dois argumentos importantes a esse
respeito. Por exemplo: ele defende, seguindo o historiador William
McNeill, que a orientaçã o leste-oeste da Eurá sia possibilitou que
produtos agrı́colas, animais e inovaçõ es se difundissem do Crescente
Fé rtil para a Europa Ocidental, ao passo que a orientaçã o norte-sul das
Amé ricas justi ica que os sistemas de escrita criados no Mé xico nã o se
disseminassem pelos Andes ou pela Amé rica do Norte.
Nã o obstante, a orientaçã o dos continentes nã o constitui explicaçã o
para as desigualdades mundiais existentes hoje. Consideremos a Africa.
Embora o Deserto do Saara constituı́sse de fato uma barreira
signi icativa à penetraçã o de bens e ideias do norte na Africa
subsaariana, nã o chegava a ser um obstá culo intransponı́vel. Os
portugueses, seguidos de outros europeus, circum-navegaram a costa e
eliminaram as diferenças de conhecimento num perı́odo em que as
diferenças de renda eram ı́n imas, comparadas à situaçã o atual. De lá
para cá , a Africa nã o só nã o alcançou a Europa como, pelo contrá rio, a
lacuna entre a renda da maioria dos paı́ses africanos e a dos europeus
apenas se aprofundou.

Deve estar claro també m que a argumentaçã o de Diamond, centrada na


desigualdade intercontinental, nã o é bem equipada para explicar as
variaçõ es dentro dos continentes – um aspecto essencial da moderna
desigualdade mundial. Por exemplo, por mais que a orientaçã o da
massa de terra eurasiá tica possa explicar como a Inglaterra logrou
bene iciar-se das inovaçõ es do Oriente Mé dio sem precisar reinventá -
las, nã o explica por que a Revoluçã o Industrial se deu na Inglaterra em
vez de, digamos, na Moldá via. Ademais, como o pró prio Diamond
destaca, China e India tiraram imenso proveito tanto da rica
diversidade da fauna e da lora quanto da orientaçã o da Eurá sia. Ainda
assim, a maior parte da populaçã o pobre do mundo, hoje, encontra-se
nesses dois paı́ses.

A hipó tese geográ ica nã o só é inú til na explicaçã o das origens da
prosperidade no decorrer da histó ria, alé m de basicamente incorreta
em sua ê nfase, mas també m incapaz de justi icar as circunstâ ncias com
que começamos este prefá cio. Seria possı́vel argumentar que qualquer
padrã o persistente, como a hierarquia de rendas nas Amé ricas ou as
acentuadas e duradouras diferenças entre Europa e Oriente Mé dio,
podem ser explicadas pela inalterabilidade da geogra ia. Todavia, nã o é
esse o caso.
E altamente imprová vel que os padrõ es no contexto das Amé ricas
tenham sido causados por fatores geográ icos. Antes de 1492, eram as
civilizaçõ es no vale central do Mé xico, Amé rica Central e Andes que
dispunham de tecnologia e padrõ es de vida superiores aos da Amé rica
do Norte ou lugares como Argentina e Chile. E, embora a geogra ia
tenha permanecido a mesma, as instituiçõ es impostas pelos colonos
europeus provocaram uma “inversã o da fortuna”. Di icilmente a
geogra ia també m explicaria a pobreza do Oriente Mé dio por motivos
similares. A inal, o Oriente Mé dio liderou o mundo na revoluçã o
neolı́tica, e as primeiras cidades desenvolveram-se onde atualmente
ica o Iraque. O ferro foi fundido pela primeira vez na Turquia e, até a
Idade Mé dia, o Oriente Mé dio era dinâ mico em termos tecnoló gicos.
Nã o foi a geogra ia do Oriente Mé dio que levou a revoluçã o neolı́tica a
lorescer naquela parte do mundo assim como tampouco foi a geogra ia
que tornou o Oriente Mé dio pobre. Pelo contrá rio, a expansã o e a
consolidaçã o do Impé rio Otomano − o legado institucional desse
impé rio − é que mantê m a regiã o imersa em pobreza ainda hoje.

Por im, os fatores geográ icos sã o inú teis para explicar nã o só as
diferenças que vemos entre as diversas partes do mundo hoje, mas
també m por que muitas naçõ es, como Japã o ou China, atravessam
longos perı́odos de estagnaçã o para depois encetar um processo de
“crescimento acelerado. Precisamos de outra teoria melhor.
A hipótese cultural
A segunda teoria que goza de ampla aceitaçã o, a hipó tese cultural,
correlaciona prosperidade e cultura. A hipó tese cultural, do mesmo
modo que a geográ ica, é de linhagem distinta, remontando no mı́nimo
ao grande soció logo alemã o Max Weber, que defendia que a Reforma
Protestante e a é tica protestante dela decorrente desempenharam
papel central na facilitaçã o da ascensã o da moderna sociedade
industrial na Europa Ocidental. A hipó tese cultural já nã o se baseia
exclusivamente na religiã o, mas enfatiza igualmente outros tipos de
crenças, valores e é ticas.
Por mais que nã o seja politicamente correto dizê -lo em pú blico, ainda
há quem mantenha, e nã o sã o poucos, que os africanos sã o pobres por
serem desprovidos de uma boa é tica de trabalho, insistindo em
acreditar em feitiçaria e magia ou resistindo à s novas tecnologias
ocidentais. Muitos acreditam també m que a Amé rica Latina jamais
enriquecerá devido ao cará ter intrinsecamente libertino e carente de
seu povo, que alé m disso sofre do mal da cultura “ibé rica”, a tendê ncia a
deixar tudo para amanhã . Evidentemente, muitos já acreditaram que a
cultura chinesa e o confucionismo fossem incompatı́veis com o
crescimento econô mico, muito embora a importâ ncia da é tica de
trabalho chinesa como motor do crescimento na China, Hong Kong e
Cingapura seja agora alardeada.

Será que a hipó tese cultural é ú til para compreender a desigualdade


mundial? Sim e nã o. Sim, no sentido de que as normas sociais, que sã o
relacionadas à cultura, exercem profunda in luê ncia e podem ser
difı́ceis de mudar – alé m de, por vezes, darem sustentaçã o à s diferenças
institucionais que, segundo este livro, sã o o que explica as
desigualdades mundiais. Em sua maior parte, poré m, nã o, à medida que
os aspectos culturais que se costuma enfatizar – religiã o, é tica nacional,
valores africanos ou latinos – nã o tê m importâ ncia para entendermos
como chegamos até aqui e por que as desigualdades do mundo
persistem. Outros aspectos, como até que ponto as pessoas con iam
umas nas outras ou sã o capazes de colaborar, sã o importantes, mas
constituem basicamente um resultado das instituiçõ es, nã o causas
independentes.

A Coreia do Sul é um dos paı́ses mais ricos do mundo, ao passo que a do


Norte enfrenta fomes perió dicas e uma pobreza absurda. Embora, hoje,
a “cultura” dos dois paı́ses seja muito distinta, ela nã o fez a menor
diferença nos destinos econô micos divergentes dessas duas meias-
naçõ es. A penı́nsula coreana tem um longo perı́odo de histó ria comum.
Até a Guerra da Coreia e a divisã o no paralelo 38, apresentava uma
homogeneidade completa em termos de idioma, etnia e cultura. O
importante é a fronteira. Ao sul ica um regime diferente, com
instituiçõ es singulares que criam incentivos diferentes da Coreia do
Norte. Eventuais divergê ncias culturais entre os dois paı́ses, portanto,
sã o consequê ncia e nã o causa da diferença nos nı́veis de prosperidade.

E a Africa e a cultura africana? Historicamente, a Africa subsaariana


sempre foi mais pobre do que a maior parte do resto do mundo e suas
civilizaçõ es antigas chegaram a desenvolver a roda, a escrita (exceto
por Etió pia e Somá lia) e o arado. Embora tais tecnologias nã o tivessem
utilizaçã o mais ampla até o advento da colonizaçã o formal europeia, no
inal do sé culo XIX e inı́cio do XX, as sociedades africanas tomaram
conhecimento de sua existê ncia muito antes. Os europeus começaram a
circum-navegar sua costa ocidental no inal do sé culo XV, e
embarcaçõ es asiá ticas chegavam à Africa Oriental já muito antes disso.

Podemos compreender por que essas tecnologias nã o foram adotadas


com base na histó ria do Reino do Congo, na foz do Rio Congo, que deu
seu nome à moderna Repú blica Democrá tica do Congo. O Congo
entabulou intensas relaçõ es com os portugueses apó s ser visitado pela
primeira vez pelo navegador Diogo Cã o, em 1483. Na é poca, o Congo
era um reino altamente centralizado pelos padrõ es africanos, cuja
capital, Mbanza, contava com uma populaçã o de 60 mil habitantes, o
que a tornava mais ou menos do mesmo tamanho da capital
portuguesa, Lisboa, e maior do que Londres, com sua populaçã o de
cerca de 50 mil habitantes em 1500. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu,
converteu-se ao catolicismo e mudou de nome para Joã o I.
Mais tarde, o nome de Mbanza seria mudado para Sã o Salvador. Graças
aos portugueses, os congolenses aprenderam sobre a roda e o arado,
cuja adoçã o foi mesmo incentivada por missõ es agrı́colas lusitanas em
1491 e 1512. Contudo, todas essas iniciativas fracassaram. Nã o
“obstante, os congolenses estavam longe de ser avessos à s modernas
tecnologias em geral; foram muito rá pidos, por exemplo, em adotar
outra venerá vel inovaçã o ocidental: a pó lvora. Usaram essa nova e
poderosa ferramenta para responder a incentivos de mercado: a
captura e exportaçã o de escravos. Nã o há nenhum indı́cio de que a
cultura ou os valores africanos de alguma maneira concorressem para
impedir a adoçã o de novas tecnologias e prá ticas. A medida que se
estreitavam seus laços com os europeus, os congolenses adotariam
outras prá ticas ocidentais: a escrita, estilos de indumentá ria e
arquitetura habitacional.

No sé culo XIX, nã o poucas sociedades africanas tiraram proveito


també m das crescentes oportunidades econô micas engendradas pela
Revoluçã o Industrial, mudando seus padrõ es de produçã o. Na Africa
Ocidental, veri icou-se rá pido crescimento econô mico com base na
exportaçã o de ó leo de palma e amendoim; em todo o sul do continente,
os africanos desenvolveram produtos a serem exportados para as á reas
industriais e de mineraçã o em acelerada expansã o no Rand, na Africa
do Sul. Contudo, esses promissores experimentos econô micos foram
obliterados, nã o pela cultura africana nem pela incapacidade dos
africanos comuns de tomar iniciativas em prol de seus pró prios
interesses, mas pelo colonialismo europeu, em primeiro lugar, e mais
tarde pelos governos africanos pó s-independê ncia.
A verdadeira razã o por que os congolenses nã o adotaram uma
tecnologia superior foi o simples fato de que lhes faltaram incentivos
para tanto. Enfrentavam elevado risco de expropriaçã o e tributaçã o de
sua produçã o pelo monarca todo-poderoso, houvesse ele se convertido
ao catolicismo ou nã o. Com efeito, a insegurança imperava, nã o só no
que dizia respeito à propriedade, mas a continuidade de sua pró pria
existê ncia encontrava-se sempre por um io. Muitos eram capturados e
vendidos como escravos – condiçõ es que di icilmente serviriam de
estı́mulo para investimentos que aumentassem a produtividade em
longo prazo. Tampouco o rei dispunha de incentivos para adotar o
arado em larga escala ou para fazer do aumento da produtividade
agrı́cola sua maior prioridade; a exportaçã o de escravos era muito mais
rentá vel.
Talvez se possa a irmar que, hoje, os africanos con iam menos uns nos
outros que outros povos, de outras partes do mundo – o que seria,
contudo, fruto de uma longa histó ria de instituiçõ es que solaparam os
direitos humanos e de propriedade na Africa. A possibilidade de serem
capturados e vendidos como escravos sem dú vida exerceu alguma
in luê ncia sobre o grau de con iança dos africanos entre si ao longo do
tempo.
E a é tica protestante de Max Weber? Embora seja verdade que paı́ses
predominantemente protestantes, como Holanda e Inglaterra, foram os
primeiros grandes sucessos econô micos da Era Moderna, há pouca
ligaçã o entre religiã o e prosperidade econô mica. A França, paı́s
predominantemente cató lico, rapidamente reproduziu o desempenho
econô mico dos holandeses e ingleses no sé culo XIX, e a Itá lia é tã o
pró spera quanto qualquer desses paı́ses hoje. Olhando mais para o
Oriente, veremos que nenhum dos sucessos econô micos do Leste
Asiá tico guarda qualquer relaçã o com a religiã o cristã , de modo que
tampouco aı́ a tese de uma conexã o especial entre o protestantismo e o
ê xito econô mico encontra grande respaldo.

Voltemo-nos para uma das regiõ es favoritas dos entusiastas da hipó tese
cultural: o Oriente Mé dio, onde os paı́ses sã o preponderantemente
islâ micos, e os que nã o produzem petró leo sã o muito pobres, como já
notamos. Os produtores de petró leo sã o mais ricos, mas esse golpe de
sorte pouco contribuiu para a instalaçã o de economias modernas e
diversi icadas na Ará bia Saudita ou Kuwait. Esses fatos nã o constituem
uma demonstraçã o cabal da in luê ncia da religiã o? Por mais plausı́vel
que seja, esse argumento també m nã o está correto. Sim, paı́ses como
Sı́ria e Egito sã o pobres e suas populaçõ es sã o basicamente
muçulmanas. Contudo, apresentam outras peculiaridades bem mais
signi icativas para efeitos de prosperidade. Em primeiro lugar, todos
foram provı́ncias do Impé rio Otomano, o que afetou intensa e
adversamente o modo como se desenvolveram. Apó s o colapso do
domı́nio otomano, o Oriente Mé dio foi absorvido pelos impé rios
coloniais inglê s e francê s, que continuaram tolhendo suas
possibilidades. Apó s a independê ncia, a exemplo de boa parte do antigo
mundo colonial, desenvolveram regimes polı́ticos hierá rquicos e
autoritá rios, de que faziam parte poucas das instituiçõ es polı́ticas e
econô micas que, como mostraremos, sã o cruciais para a geraçã o de
prosperidade econô mica. Essa trajetó ria de desenvolvimento foi
moldada, em grande parte, pela histó ria dos domı́nios otomano e
europeu. A relaçã o entre religiã o islâ mica e pobreza, no Oriente Mé dio,
é basicamente espú ria.
O papel desses acontecimentos histó ricos, e nã o de fatores culturais, na
conformaçã o do percurso econô mico da regiã o pode ser constatado
també m no fato de que aquelas partes do Oriente Mé dio que escaparam
temporariamente ao jugo do Impé rio Otomano e das potê ncias
europeias (como o Egito, entre 1805 e 1848, sob Muhammad Ali)
mostraram-se capazes de enveredar por um caminho de acelerado
crescimento. Muhammad Ali usurpou o poder logo apó s a retirada das
forças francesas que haviam ocupado o paı́s sob o comando de
Napoleã o Bonaparte. Aproveitando-se da tibieza do controle exercido
pelos otomanos sobre o territó rio egı́pcio na é poca, logrou fundar sua
pró pria dinastia, que, de uma forma ou de outra, governaria o paı́s até a
“revoluçã o encabeçada por Nasser, em 1952. As reformas de
Muhammad Ali, embora tenham sido impostas por coerçã o,
promoveram o crescimento do paı́s à medida que a burocracia estatal, o
Exé rcito e o sistema de arrecadaçã o iscal foram modernizados,
gerando crescimento na agricultura e na indú stria. Nã o obstante, tal
processo de modernizaçã o e crescimento chegou ao im com a morte de
Ali, quando o Egito voltou a cair sob in luê ncia europeia.
Todavia, essa talvez seja uma forma errada de considerar a presença da
cultura na equaçã o. Talvez os fatores culturais mais importantes nã o
estejam ligados à religiã o, mas a “culturas nacionais” especı́ icas. Quem
sabe a in luê ncia da cultura inglesa nã o seja importante e explique a
prosperidade de paı́ses como Estados Unidos, Canadá e Austrá lia? Por
mais sedutora que essa ideia possa parecer à primeira vista, també m
nã o funciona. Sim, Canadá e Estados Unidos foram colô nias britâ nicas,
mas Serra Leoa e Nigé ria, també m. As variaçõ es de prosperidade entre
as ex-colô nias inglesas é tã o grande quanto entre os demais paı́ses do
mundo. O legado britâ nico nã o é a causa do enriquecimento da Amé rica
do Norte.

Entretanto, há ainda outra versã o da hipó tese cultural: talvez a questã o
nã o seja ingleses versus nã o ingleses, mas europeus versus nã o
europeus. Será que os europeus sã o de algum modo superiores em
virtude de sua é tica do trabalho, perspectiva de vida, valores judaico-
cristã os ou legado romano? E verdade que a Europa Ocidental e a
Amé rica do Norte, cuja populaçã o é primordialmente de ascendê ncia
europeia, sã o as regiõ es mais ricas do mundo. Talvez o legado europeu
e sua superioridade cultural sejam as razõ es da prosperidade – e o
derradeiro refú gio da hipó tese cultural. Infelizmente, essa versã o da
hipó tese oferece tã o pouca capacidade de explicaçã o quanto as demais.
Argentina e Uruguai apresentam descendentes de europeus em
proporçõ es maiores de sua populaçã o total que o Canadá e os Estados
Unidos, mas o desempenho econô mico tanto de uma quanto do outro
deixa muito a desejar. Japã o e Cingapura nunca tiveram mais que uma
gota de descendentes de europeus entre seus habitantes, mas sã o tã o
abastados quanto muitas á reas da Europa Ocidental.
A China, apesar de umas tantas imperfeiçõ es em seu sistema econô mico
e polı́tico, tem sido o paı́s de crescimento mais rá pido nas trê s ultimas
dé cadas. Sua pobreza até a morte de Mao Tsé -Tung nada tinha a ver
com a cultura chinesa, mas com o modo desastroso como Mao
organizou a economia e conduziu a polı́tica. Na dé cada de 1950, ele
promoveu o Grande Salto Adiante, drá stica polı́tica de industrializaçã o
que acarretou fome em massa. Nos anos 1960, propagou a Revoluçã o
Cultural, que levou à perseguiçã o maciça de intelectuais e eruditos –
qualquer um cuja idelidade ao partido pudesse ser posta em dú vida –,
o que mais uma vez provocou enorme desperdı́cio dos talentos e
recursos da sociedade. Da mesma forma, o atual crescimento chinê s
nada tem a ver com os valores ou mudanças na cultura local; é fruto de
um processo de transformaçã o econô mica de lagrado pelas reformas
implementadas por Deng Xiaoping e seus aliados – que, apó s a morte
de Mao Tsé -Tung, foram pouco a pouco abandonando as instituiçõ es e
polı́ticas econô micas socialistas, primeiro na agricultura, depois na
indú stria.
Como no caso de sua correlata geográ ica, a hipó tese cultural tampouco
tem serventia para explicar outros aspectos do atual estado de coisas.
Há , evidentemente, diferentes crenças, valores e atitudes culturais entre
Estados Unidos e Amé rica Latina; poré m, assim como as que separam
as Coreias do Sul e do Norte e separaram a Alemanha Ocidental da
Oriental, tais disparidades sã o consequê ncias das diferentes
instituiçõ es e histó rias institucionais distintas dos dois lugares. Fatores
culturais que enfatizem o modo como a cultura “hispâ nica” ou “latina”
moldou o Impé rio Espanhol nã o dã o conta das divergê ncias no seio da
pró pria Amé rica Latina – por exemplo, por que o Chile é mais rico que
Paraguai e Bolı́via. Outros tipos de argumentos culturais – por exemplo,
os que salientam a cultura indı́gena contemporâ nea – saem-se
igualmente mal. O Chile tinha uma populaçã o nativa relativamente
pequena, se comparada ao Peru e Bolı́via. Embora seja verdade, a
cultura indı́gena como explicaçã o també m nã o funciona. Colô mbia,
Equador e Peru tê m nı́veis de renda similares, mas a Colô mbia hoje
apresenta muito poucos indı́genas, ao contrá rio do Equador e Peru. Por
im, as atitudes culturais, em geral de modi icaçã o tã o lenta,
di icilmente responderã o por si pelos milagres do crescimento no Leste
Asiá tico e China. Por mais persistentes que sejam as instituiçõ es, em
determinadas circunstâ ncias podem transformar-se rapidamente.
Só Existe Crescimento
Quando o Governo Não Atrapalha
John Tamny e Leandro Roque

Talvez o principal erro teó rico daqueles que se põ em a imaginar formas
de crescimento econô mico é ignorar o fato de que seu paı́s, seu estado e
sua cidade nã o sã o uma ilha isolada, mas sim uma simples delimitaçã o
geográ ica em meio a todo o globo terrestre.
Quando você imagina a economia de um paı́s como sendo uma entidade
completamente isolada do mundo, seu crescimento econô mico
realmente se torna algo difı́cil. A inal, nesse cená rio, você teria de
fabricar tudo localmente, você só poderia vender para seus vizinhos, e
toda a sua capacidade de investimento estaria limitada ao (escasso)
capital disponı́vel em sua vizinhança.
Por outro lado, quando você entende perfeitamente que seu paı́s é um
mero pedaço de terra envolto por vá rios outros no globo terrestre, a
perspectiva muda completamente.
A partir do momento em que você entende que o seu mercado é global
— em vez de apenas local —, que você pode transacionar com qualquer
indivı́duo do planeta, que você pode vender para, e comprar de,
qualquer pessoa de qualquer ponto do mundo, e que, principalmente,
qualquer indivı́duo do mundo pode investir em sua á rea, toda a aná lise
econô mica muda.

Pense, por exemplo, em uma determinada regiã o do seu paı́s que seja
extremamente pobre. Muito provavelmente, os habitantes locais nã o
terã o capital fı́sico nem recursos inanceiros para fazer grandes
investimentos. Consequentemente, será impossı́vel que essa regiã o
enriqueça. Entretanto, se você considerar que tal regiã o está inserida
em um grande contexto global, o cená rio muda totalmente. Os
habitantes locais podem nã o ter capital nem recursos pró prios para
investir, mas certamente há outros habitantes do resto do globo que
possuem esse capital e que, com os devidos incentivos, terã o sim
interesse de investir ali.

E isso muda tudo.


Implicações
Quando você passa a pensar em termos globais em vez de meramente
nacionais, estaduais ou locais, vá rios desa ios econô micos
desaparecem.
Um exemplo trivial bastante interessante é o do setor aé reo de um
determinado paı́s. Vá rios economistas temem um oligopó lio neste
setor simplesmente porque eles pró prios cometeram o erro de criar um
arranjo no qual empresas aé reas estrangeiras sã o proibidas de fazer
vô os nacionais dentro deste paı́s. Sendo assim, com o mercado nacional
fechado ao mercado global, e com as empresas aé reas nacionais
usufruindo uma reserva de mercado (por obra e graça das
regulamentaçõ es estatais, que proibiram empresas aé reas estrangeiras
de fazerem voos nacionais), a possibilidade de fusõ es e aquisiçõ es neste
setor realmente irá levar a um oligopó lio.
Ato contı́nuo, os pró prios criadores deste cená rio de reserva de
mercado passam a aplicar polı́ticas que visam a impedir o surgimento
deste oligopó lio — como leis anti-truste — ou que, em ú ltima instâ ncia,
visam a tentar regular esse oligopó lio.

Perceba, no entanto, que o erro foi cometido lá no inı́cio — quando o


governo proibiu empresas aé reas estrangeiras de fazer voos nacionais
—, e o que se está fazendo agora é um mero paliativo. A partir do
momento em que o governo fecha um mercado à concorrê ncia externa,
tentar regulá -lo é um esforço inú til. E impossı́vel tornar mais e iciente,
por meio de imposiçõ es burocrá ticas, um mercado fechado que foi
fechado à concorrê ncia.
Por outro lado, se o mercado aé reo de um paı́s é aberto ao mundo, de
modo que empresas estrangeiras nã o sã o proibidas de — ao contrá rio,
sã o bem-vindas para — fazer vô os nacionais, nã o há a mais mı́nima
possibilidade de fusõ es que levem a um oligopó lio. Para isso acontecer,
todas as empresas aé reas do mundo, teriam de se fundir em uma só .
O mesmo raciocı́nio acima se aplica ao setor de telefonia, ao setor de
internet, ao setor de TV a cabo, ao setor bancá rio, ao setor elé trico, ao
setor petrolı́fero, ao setor rodoviá rio e até mesmo ao setor de
saneamento. Aliá s, se aplica até mesmo a empresas de ô nibus, de
seguro-saú de, hospitais, escolas, açougues, restaurantes, churrascarias,
padarias, borracharias, o icinas mecâ nicas, shoppings, cinemas,
sorveterias, hoté is, moté is, pousadas etc.

Se você pensa nestes mercados apenas em termos locais ou nacionais,


partindo da premissa de que apenas pessoas que nasceram dentro dos
mesmos limites geográ icos que o seu podem investir nestes setores, aı́
realmente o desenvolvimento de vá rios destes setores será um grande
desa io. Se você proı́be o capital externo de investir nestes setores, a
melhoria deles se torna bem mais difı́cil.

Por outro lado, se você pensa nestes mercados em termos globais, de


modo que qualquer pessoa ou empresa do mundo tenha a liberdade de
investir nele e de auferir lucros, a realidade muda.

Como bem disse Lee Kwan Yew, o homem responsá vel por implantar as
reformas econô micas que izeram com que Cingapura deixasse de ser
um paı́s de terceiro mundo — praticamente uma favela a cé u aberto —
e se transformasse em um paı́s de primeiro mundo,

Enquanto a maioria dos países do Terceiro Mundo denunciava a


exploração das multinacionais ocidentais, nós as convidamos todas
para ir a Cingapura. Desse modo conseguimos crescimento,
tecnologia e conhecimento cientí ico, os quais dispararam nossa
produtividade de uma maneira mais intensa e acelerada do que
qualquer outra política econômica alternativa poderia ter feito.

Quando se entende que o mercado é global, e nã o meramente local,


vá rios obstá culos deixam de existir. Problemas como falta de recursos
fı́sicos ou de capital inanceiro sã o imediatamente mitigados. Se os
empreendedores de uma determinada regiã o nã o possuem recursos
para fazer um investimento vultoso e altamente demandado pelos
habitantes locais, certamente há empreendedores no resto do mundo
que possuem. E, se estes tiverem a garantia de que poderã o manter
seus lucros, eles virã o.

Se um determinado paı́s está sem recursos para construir portos,


aeroportos, estradas, sistemas de saneamento etc., certamente há
investidores e empreendedores em algum ponto do globo interessados
em ganhar dinheiro com este mercado. Basta apenas deixá -los livres
para tal.
Se um paı́s cria um ambiente de respeito à propriedade privada,
permite a liberdade de comé rcio, incentiva o investimento estrangeiro,
fornece plena liberdade à s transaçõ es comerciais, e permite a
acumulaçã o de capital, metade da estrada para o progresso já foi
percorrida.
Falta agora a outra metade.

As quatro barreiras ao crescimento econômico


Sim, o crescimento econô mico e o enriquecimento sã o possı́veis em
qualquer ponto do planeta. Sim, fazer uma economia crescer é fá cil.
Com efeito, o crescimento econô mico é algo que ocorre de maneira
natural. Como indivı́duos inseridos em um mercado global, nossa
predisposiçã o à produçã o e à s trocas comerciais é inata, pois nossa
sobrevivê ncia depende delas.

Um brasileiro transacionar comercialmente com outro brasileiro é tã o


efetivo quanto esse mesmo brasileiro transacionar com um vietnamita.
Em ambos os casos, ele está buscando melhorar seu padrã o de vida.
Nã o havendo barreiras ao exercı́cio dessas trocas comerciais, o
crescimento econô mico ocorre como que por gravidade. Por isso, é
essencial entender quais sã o as barreiras que podem impedir o
crescimento econô mico.

Moeda
A primeira e mais crucial barreira ao crescimento é a saú de da
moeda. Dado que o dinheiro representa a metade de toda e qualquer
transação econômica, a saú de da moeda irá determinar a saú de de toda
a economia. Se a moeda é instá vel, a economia també m se torna
instá vel.
Alé m de ser o meio de troca, a moeda é a unidade de conta que permite
o cá lculo de custos de todos os empreendimentos e investimentos. Se
essa unidade de conta é instá vel — isto é , se seu poder de compra cai
contı́nua e rapidamente, principalmente em termos das outras moedas
estrangeiras —, nã o há incentivos para se fazer investimentos.
Daı́ os economistas clá ssicos, à sua é poca, já defenderem a ideia de que
a moeda, para ser e icaz, deveria ser a mais está vel possı́vel. Tais
economistas corretamente compreenderam que ter uma moeda cujo
valor lutuasse constantemente seria o equivalente a utilizar unidades
de medida que lutuassem diariamente.
Hoje, infelizmente, a teoria econô mica que se tornou dominante — e
que é adotada por quase todos os governos — inverteu completamente
essa ló gica. Os economistas de hoje nã o mais veem o dinheiro como
uma unidade de conta que deve ser a mais está vel possı́vel. Ao
contrá rio: eles acreditam que uma unidade de conta totalmente volú vel
e lutuante, principalmente em relaçã o à s demais moedas estrangeiras,
turbina a atividade econô mica.
Eis o principal problema com esse raciocı́nio: quando investidores
investem — principalmente os estrangeiros —, eles estã o, na prá tica,
comprando um luxo de renda futura. Para que investidores (nacionais
ou estrangeiros) invistam capital em atividades produtivas, eles tê m de
ter um mı́nimo de certeza e segurança de que terã o um retorno que
valha alguma coisa.

Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e desvalorizada, se


sua de iniçã o é lutuante, há apenas caos e incerteza. Se um investidor
nã o faz a menor ideia de qual será a de iniçã o da unidade de conta no
futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem
menor), o mı́nimo que ele irá exigir serã o retornos altos em um curto
espaço de tempo.
Veja o caso do Brasil em 2015. Em dezembro de 2014, um dó lar custava
em torno de R$2,60. Naquela é poca, um investidor estrangeiro que
houvesse trazido US$ 100 para cá , converteria para R$ 260. Já ao inal
de 2015, com o dó lar a R$ 4, se esses R$ 260 fossem reconvertidos em
dó lares, o investidor estrangeiro teria apenas US$ 65.

Isso signi ica que, para que ele obtivesse algum ganho real com seu
investimento — por exemplo, para que ele pudesse voltar pra casa com
pelo menos US$ 101 —, sua taxa de retorno teria de ser de
aproximadamente 56% (os R$ 260 teriam que se transformar em R$
404) em um ano. Há algum investimento que gera um retorno de 56%
em um ano?
Para paı́ses em desenvolvimento, que precisam de investimentos
estrangeiros, essa questã o da estabilidade da moeda é crucial també m
por outro motivo: uma moeda está vel cria as condiçõ es necessá rias
para a transferência de conhecimento. O conhecimento acompanha o
investimento: o capital estrangeiro vem acompanhado de conhecimento
estrangeiro.

Um paı́s de moeda forte e está vel envia um sinal claro ao mundo:


"tragam seu dinheiro; mandem para cá seus especialistas; construam
suas fá bricas aqui; ensinem a nó s tudo o que você s sabem; e riqueza
que você s criarem aqui voltará para você s multiplicada e em uma
moeda que manté m seu valor".

Quando a moeda é está vel, investidores tê m mais incentivos para se


arriscar e inanciar ideias novas e ousadas; eles tê m mais
disponibilidade para inanciar a criaçã o de uma riqueza que ainda nã o
existe. O investimento em tecnologia é maior. O investimento em
soluçõ es ousadas para a saú de é maior. O investimento em
infraestrutura é maior. O investimento em ideias para o bem-estar de
todos é maior.

Já se um paı́s desvaloriza continuamente sua moeda, ele está mandando


um sinal claro aos investidores estrangeiros: "mantenham sua riqueza
inanceira e intelectual longe daqui; caso contrá rio, você irá perdê -la
sempre que for remeter seus lucros".
O má ximo a que um paı́s de moeda fraca pode aspirar é utilizar para
ins de curto prazo o capital puramente especulativo (o chamado "hot
money") que entra no paı́s à procura de ganhos rá pidos com
arbitragem. Os melhores cé rebros do paı́s abandonarã o as pro issõ es
voltadas para o setor tecnoló gico e irã o se concentrar no mercado
inanceiro, especialmente no setor de hedge.
Os investidores preferirã o se refugiar em investimentos tradicionais e
mais seguros, como imó veis e tı́tulos do governo (que terã o de pagar
juros altos para conseguir atrair esse capital). Nã o há segurança para
investimentos de longo prazo, que sã o os que mais criam riqueza.

Uma moeda instá vel desestimula investimentos produtivos. E,


consequentemente, age contra o crescimento econô mico. Uma moeda
forte e está vel é indispensá vel para atrair o capital estrangeiro e, com
isso, gerar crescimento econô mico. Estando a questã o da moeda
resolvida, restam trê s barreiras.

Impostos
Uma caracterı́stica humana que todos nó s temos, e que torna o
crescimento econô mico algo fá cil e natural, é o fato de que nossos
desejos sã o ilimitados. Estamos sempre desejando coisas a mais.

Só que, para poder consumir esses bens que desejamos, temos antes de
ter produzido algo. Como indivı́duos, nó s trocamos "produtos por
outros produtos". Trabalhamos em troca de dinheiro, é verdade, mas só
aceitamos esse dinheiro porque sabemos que, com ele, poderemos
adquirir outros produtos.

Ou seja, o que permite o nosso consumo é a nossa produçã o, que


necessariamente tem de vir antes do consumo. No nı́vel mais simples,
um indivı́duo tem primeiro de oferecer algo de valor para só entã o
poder comprar algo que deseja. E o fato de termos de produzir para
consumir — ou seja, o fato de que temos de trocar nossa mã o-de-obra
por alimentos, roupas, abrigos, veı́culos e amenidades vá rias que ainda
nã o possuı́mos — é o que gera o crescimento econô mico.
Portanto, para se estimular o crescimento econô mico, é crucial
estimular a produção. O caminho para o crescimento econô mico passa
pelo estı́mulo da oferta. E, para estimular a oferta, alé m de uma moeda
forte e está vel, é necessá rio remover as barreiras tributá rias,
burocrá ticas e comerciais que emperram a produçã o.

Vale repetir: para que os indivı́duos possam consumir, eles tê m antes de
produzir. Sendo assim, é crucial remover obstáculos à produção. E o
primeiro obstá culo a ser removido sã o os impostos. Impostos nada
mais sã o do que um preço que o governo coloca sobre a produtividade;
uma penalidade impingida ao trabalho.

Empreendedores sã o, por de iniçã o, indivı́duos que gostam de se


arriscar. Quando empreendedores talentosos de todos os cantos do
globo decidem investir em um paı́s, eles estã o correndo risco e esperam
enriquecer em decorrê ncia disso. No entanto, se o preço a ser pago sã o
impostos altos, vá rios serã o desestimulados.
Para o criador de software cujas inovaçõ es irã o aprimorar a e iciê ncia
das empresas, ou para o cientista cujo trabalho irá demandar vá rias
horas para encontrar a cura do câ ncer, passando pelo simples dono de
restaurante que alimenta as pessoas, tributar sua renda equivale a
cobrar um preço pelos seus esforços. Equivale a cobrar deles um preço
pelo seu trabalho, algo totalmente sem sentido.
Por isso, o objetivo deve ser o de diminuir esse preço do trabalho a im
de estimular ao má ximo os esforços econô micos. Em virtude de seu
sucesso, empreendedores melhoram substantivamente as nossas vidas,
e o fato de que eles devem ser punidos por isso, tendo uma fatia de sua
renda con iscada, deveria ser visto como algo grotesco. Nã o há
empregos sem investimentos. E nã o há empregos que paguem bem
sem investimentos vultosos. Se a renda dos investimentos será
tributada, o incentivo para empreendê -los é drasticamente reduzido.

Por tudo isso, é crucial que o governo seja o menor possı́vel. Quanto
maior for o governo, maiores serã o seus gastos. Quanto maiores forem
seus gastos, maiores terã o de ser os impostos. E quanto maiores forem
os impostos, menores serã o os incentivos ao investimento e à
produçã o. (Se o governo inanciar seu aumento de gastos por meio do
endividamento, o resultado será in laçã o, o que nos remete ao item
'moeda').
Quando polı́ticos falam que irã o aumentar os gastos, o que eles
realmente estã o dizendo é que irã o aumentar os custos sobre os
indivı́duos produtivos, que sã o aqueles que arcam com o ô nus dos
impostos. Aumentar os gastos do governo equivale a aumentar os
custos sobre aqueles que levantam cedo e vã o trabalhar.
Burocracia
Empreendimentos sã o feitos em busca do lucro. E a burocracia inibe o
processo. A burocracia exige que uma grande quantidade de tempo,
energia, esforço e dinheiro seja gasta apenas para se certi icar de que o
empreendimento está cumprindo todas as ordens pelos funcioná rios do
governo.

A burocracia nada mais é do que um custo arti icial imposto ao


empreendimento. Embora raramente atinja seus supostos objetivos, a
burocracia é extremamente bem-sucedida em sufocar a economia e
impedir o surgimento de novos empreendimentos. A burocracia rouba
dos trabalhadores e dos empreendedores o tempo e os recursos que
poderiam ser direcionados à produçã o de bens e serviços desejados
pelo mercado.
O mais irô nico de tudo é que toda a burocracia estatal — suas leis e
regulamentaçõ es — está majoritariamente sob o comando de pessoas
que jamais empreenderam em toda a sua vida, mas que se sentem
perfeitamente aptas a ditar ordens aos reais empreendedores.

Comércio
O comé rcio é o mais simples desses quatro elementos relacionados ao
crescimento econô mico. Cada um de nó s, na condiçã o de indivı́duo,
pratica diariamente o livre comé rcio. Todos nó s somos adeptos do livre
comé rcio porque o livre comé rcio é justamente o propó sito de
trabalharmos.

Todos nó s trabalhamos diariamente porque há muita coisa que


queremos mas que ainda nã o temos. Trocamos os frutos do nosso
trabalho pela comida, pelas roupas, pelos carros, e pelos aparelhos
eletroeletrô nicos que nã o produzimos, mas que sã o produzidos por
terceiros ao redor do globo. Sendo assim, tarifas de importaçã o nada
mais sã o do que uma puniçã o sobre o nosso trabalho e nossa produçã o.
Tarifas de importaçã o sã o na verdade um imposto sobre o nosso
trabalho e nossa produçã o.
Pior ainda, tarifas de importaçã o sempre sã o implantadas pelo governo
com o intuito de proteger a reserva de mercado de empresas
ine icientes (se fossem e icientes, nã o teriam medo da concorrê ncia
estrangeira), o que acentua a nossa privaçã o. Trabalhamos e
produzimos, mas o governo só nos permite trocar os frutos da nossa
produçã o por bens nacionais mais caros e de baixa qualidade.

No que mais, barreiras comerciais sempre sã o retaliadas pelos outros


paı́ses, o que signi ica que as empresas nacionais mais e icientes
arcarã o com o maior dos ô nus: mercados estrangeiros fechados. Isso
reduz o estı́mulo a novos investimentos em empresas e icientes, e
privilegia o investimento em empresas protegidas da concorrê ncia. No
geral, a ine iciê ncia econô mica é premiada e aumentada.

Atualmente, a economia passou a ser vista como algo intimidante, uma


ciê ncia sombria e impenetrá vel, compreendida apenas por acadê micos
especializados. Nã o deveria ser. Todos nó s somos microeconomistas
em nossa rotina diá ria. As principais noçõ es de economia estã o ao
alcance da compreensã o de qualquer pessoa que pratique trocas
comerciais em sua rotina. A economia está em todos os cantos para
onde você olhe. Nada é mais fá cil de entender do que as noçõ es bá sicas
de economia.

As medidas que geram crescimento econô mico sã o ló gicas, sensatas e
facilmente compreendidas por qualquer um, pois vivemos suas
consequê ncias diariamente. E necessá rio ter um Ph.D. em economia
para complicar o assunto.
A Pobreza é Fácil de Ser Explicada
Walter Williams

Acadê micos, polı́ticos, clé rigos e outros tipos sempre aparentam


perplexidade frente à seguinte questã o: por que existe pobreza no
mundo? As respostas normalmente variam, indo desde exploraçã o e
ganâ ncia até escravidã o, colonialismo e outras formas de
comportamento imoral. A pobreza é vista como um fenô meno que deve
ser explicado apenas por meio de aná lises complicadas, doutrinas
conspirató rias e fó rmulas má gicas. Essa visã o acerca da pobreza é , na
verdade, parte do problema, porque impede que a questã o seja
abordada corretamente.

Na realidade, há muito pouco de complicado ou de interessante na


pobreza. A pobreza tem sido a condiçã o natural e permanente do
homem ao longo de toda a histó ria. As causas da pobreza sã o bem
simples e diretas. Em termos gerais, indivı́duos em particular ou
naçõ es inteiras em geral sã o pobres por uma ou mais das seguintes
razõ es: (1) eles nã o podem ou nã o sabem produzir muitos bens ou
serviços que sejam desejados por outros; (2) eles podem e sabem
produzir bens ou serviços apreciados por outros, mas sã o impedidos de
fazer isso; ou (3) eles voluntariamente optam por ser pobres.

O verdadeiro misté rio é entender por que realmente existe alguma


riqueza no mundo. Isto é , como uma pequena porçã o da populaçã o
humana (em sua maioria no Ocidente), por apenas um curto perı́odo da
histó ria humana (principalmente nos sé culos XIX, XX e XXI), conseguiu
escapar do mesmo destino de seus predecessores?
Algumas vezes, referindo-se aos EUA, as pessoas justi icam sua riqueza
apontando para o fato de que o paı́s é abundante em recursos naturais.
Tal explicaçã o, entretanto, é insatisfató ria. Fosse a abundâ ncia de
recursos naturais a causa de riqueza, a Africa e a Amé rica do Sul seriam
os continentes mais ricos do mundo, e nã o o lar de algumas das pessoas
mais miseravelmente pobres do planeta. Em contrapartida, tal
explicaçã o, por uma questã o de ló gica, infere que paı́ses pobres em
recursos naturais, como Japã o, Hong Kong e Grã -Bretanha, deveriam
ser miserá veis, e nã o estarem classi icados entre os lugares mais ricos
do mundo.

Outra explicaçã o insatisfató ria para a pobreza é o colonialismo. Esse


argumento sugere que a pobreza do terceiro mundo é uma herança
pelo fato de tais paı́ses terem sido colonizados, explorados e espoliados
de suas riquezas pelos paı́ses colonizadores. Ocorre, poré m, que paı́ses
como Estados Unidos, Canadá , Austrá lia e Nova Zelâ ndia també m foram
colô nias; e ainda assim estã o entre os mais ricos do mundo. Hong Kong
foi colô nia da Grã -Bretanha até 1997 — quando a China reconquistou a
soberania da ilha —, mas consegui se tornar a segunda mais rica
jurisdiçã o polı́tica do Extremo Oriente. Por outro lado, Etió pia, Libé ria,
Tibete e Nepal jamais foram colô nias, ou foram por apenas alguns
poucos anos, e ainda assim iguram entre os paı́ses mais pobres e mais
atrasados do mundo.

Nã o obstante as vá rias crı́ticas justi icá veis ao colonialismo e, devo
acrescentar, à s multinacionais, o fato é que ambos serviram como uma
forma de transferê ncia de tecnologias e de instituiçõ es ocidentais,
fazendo com que pessoas de paı́ses atrasados entrassem em contato
com o mundo ocidental, mais desenvolvido. Um fato trá gico — embora
pouco comentado — é que vá rios paı́ses da Africa passaram por
expressivos declı́nios econô micos apó s suas independê ncias. Em
muitos desses paı́ses, o cidadã o mé dio pode dizer que comia mais
regularmente e usufruı́a mais proteçõ es aos seus direitos humanos
quando ainda estava sob domı́nio colonial. As potê ncias coloniais
jamais perpetraram os indescritı́veis abusos de direitos humanos —
incluindo-se aı́ o genocı́dio — que vimos ocorrer em paı́ses como
Burundi, Uganda, Zimbá bue, Sudã o, Africa Central, Somá lia e outros
lugares apó s sua independê ncia.

Qualquer economista que diga saber uma resposta completa para as


causas da riqueza deve ser imediatamente visto com muita
descon iança. Simplesmente nã o sabemos plenamente o que torna
algumas sociedades mais ricas que outras. Entretanto, podemos fazer
suposiçõ es baseadas em correlaçõ es. E relativamente simples. Comece
enumerando os paı́ses de acordo com seu sistema econô mico.
Conceitualmente, podemos ordená -los desde os mais capitalistas
(aqueles que possuem um mercado mais livre) até os mais comunistas
(aqueles que possuem ampla intervençã o e planejamento estatal).
Entã o consultamos a Anistia Internacional e seu ranking de paı́ses
ordenados de acordo com abusos de direitos humanos. E entã o
utilizamos as estatı́sticas de renda fornecidas pelo Banco Mundial para
ordenar os paı́ses da maior até a menor renda per capita.

Ao se compilar essas trê s listas, seria possı́vel observar uma correlaçã o


muito forte, embora imperfeita: aqueles paı́ses com maior liberdade
econô mica tendem també m a oferecer maiores proteçõ es aos direitos
humanos. E seus cidadã os sã o mais ricos. Dado que tal descoberta nã o
é uma coincidê ncia, especulemos os motivos dessa correlaçã o.

Direitos e prosperidade
Uma maneira de mensurar a proteçã o aos direitos humanos é
perguntando até que ponto o estado protege a propriedade privada e a
liberdade de trocas voluntá rias — ou seja, o direito de adquirir, possuir
e se desfazer de propriedade da maneira que mais aprouver ao
indivı́duo, desde que ele nã o viole os direitos de terceiros. A diferença
entre a propriedade privada e a propriedade coletiva nã o é meramente
ilosó ica. A propriedade privada produz incentivos e resultados
sistemicamente distintos da propriedade coletiva.

Dado que os coletivistas frequentemente banalizam os direitos de


propriedade privada, vale à pena elaborar essa questã o. Quando os
direitos de propriedade sã o aplicados integralmente à propriedade
privada, todos os custos e benefı́cios das decisõ es que um indivı́duo
proprietá rio toma icam concentrados nele e nele apenas. Já quando os
direitos de propriedade sã o coletivizados, eles se tornam difusos e
dispersos pela sociedade.

Por exemplo, a propriedade privada força os proprietá rios de imó veis a


levarem em consideraçã o o efeito que suas atuais decisõ es terã o sobre
o valor futuro de seus imó veis. Por quanto tempo mais um imó vel
continuará sendo valorizado como uma boa moradia — e, por
conseguinte, ser revendido a um bom preço — é algo que vai depender
exclusivamente de como seu proprietá rio irá cuidar dele. Assim, uma
propriedade gerida privadamente faz com que a riqueza de um
indivı́duo seja refé m de suas atitudes; esse indivı́duo, para manter sua
riqueza, terá de incorrer em uma atitude "socialmente responsá vel":
economizar recursos escassos.

Compare esses incentivos à queles gerados pela propriedade coletiva.


Quando o governo é o proprietá rio de um imó vel, um indivı́duo nã o tem
incentivos para cuidar bem deste imó vel simplesmente porque ele, caso
aja assim, nã o irá capturar o benefı́cio completo de seus esforços. O
resultado de seus esforços será disperso por toda a sociedade. Por
outro lado, para este mesmo individuo, os custos de ele ser descuidado
e desleixado com o imó vel coletivo també m serã o similarmente
dispersos pela sociedade. Nã o é necessá rio ser um gê nio para prever
que, sob tais circunstâ ncias, os cuidados para com essa propriedade
serã o muito menores. Simplesmente nã o há incentivos para tal atitude;
nã o há incentivos para se economizar recursos escassos. A propriedade
coletiva gera desperdı́cio de recursos escassos, sendo portanto
socialmente irresponsá vel — justamente o contrá rio do que almejam
seus apologistas.
Mas a propriedade nominalmente coletiva nã o é o ú nico arranjo que
desestimula essa responsabilidade social. Quando o governo tributa a
propriedade, ele altera as caracterı́sticas inerentes ao ato de possuir
uma propriedade. Se o governo, por exemplo, impuser um imposto de
75% sobre a venda de imó veis, tal medida irá reduzir os incentivos que
um indivı́duo possui para utilizar sua propriedade de maneira sensata,
economizando recursos escassos. Tal medida, na verdade, estimularia
um comportamento mais desleixado do indivı́duo proprietá rio, o que
levaria a uma rá pida deterioraçã o do imó vel, uma destruiçã o de
recursos escassos. A inal, para que cuidar bem de algo que, ao ser
vendido, nã o lhe trará grandes receitas?

Esse argumento se aplica para todas as atividades, inclusive trabalho e


investimento. Qualquer medida que reduza o retorno ou aumente o
custo de um investimento irá reduzir os incentivos para que se faça tal
investimento. Isso é vá lido tanto para investimentos em capital
humano quanto para investimentos em capital fı́sico — isto é , aquelas
atividades que elevam a capacidade produtiva dos indivı́duos.
De maneira signi icativa, a riqueza das naçõ es está incorporada em seus
cidadã os. O exemplo mais acabado disso é a experiê ncia dos alemã es e
japoneses apó s a Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, os
bombardeios das forças aliadas destruı́ram praticamente todo o
estoque de capital fı́sico desses dois paı́ses. O que nã o foi destruı́do foi
o capital humano das pessoas: suas habilidades fı́sicas e mentais, e sua
educaçã o. Em duas ou trê s dé cadas, ambos os paı́ses ressurgiram como
formidá veis forças econô micas. Nã o foi o Plano Marshall, tampouco os
outros subsı́dios americanos à Europa e ao Japã o, que trouxe a
recuperaçã o a esses dois paı́ses; nem haveria sentido econô mico caso
isso ocorresse.
A correta identi icaçã o das causas da pobreza é algo crı́tico. Se ela for
vista, como ocorre muitas vezes, como resultado da exploraçã o, a
polı́tica que naturalmente irá ser sugerida é a redistribuiçã o de renda
— isto é , o con isco governamental da renda "adquirida injustamente"
por algumas pessoas e sua subsequente "restituiçã o" aos seus
proprietá rios "por direito". Trata-se da polı́tica da inveja: programas
assistencialistas cada vez maiores em nome de uma suposta igualdade,
a qual é impossı́vel de ser obtida na prá tica.

Quando a pobreza passar a ser vista como o que realmente é , a saber, o


resultado de intervençõ es governamentais irracionais — como
regulamentaçõ es, burocratizaçã o, tributaçã o e in laçã o — e da falta de
capacidade produtiva, polı́ticas mais e icazes surgirã o.
A Pobreza Diminuiu na Medida
em que o Capitalismo Expandiu
Ryan McMaken

O Banco Mundial recentemente anunciou que o mundo alcançou um


novo marco. A pobreza extrema, disse o Banco, provavelmente cairá
para menos de 10% da populaçã o mundial pela primeira vez na histó ria
em 2015.

Pobreza extrema, de acordo com o Banco Mundial, é uma situaçã o em


que uma pessoa vive com uma renda menor que US$ 1,90 por dia. Em
outras palavras, trata-se de uma pobreza genuinamente opressiva, e nã o
uma pobreza "americana", em que os pobres possuem celulares e ar-
condicionado. Ou seja, esta medida de pobreza não é uma
medida relativa (por exemplo, os pobres nos EUA sã o mais ricos que a
classe media de boa parte da Europa), como é frequentemente feito
pelas Naçõ es Unidas em relató rios como os da UNICEF.
De acordo com o Banco: a pobreza global terá caído de 902 milhões de
pessoas, ou 12,8% da população global, em 2012, para 702 milhões de
pessoas, ou 9,6% da população global, em 2015.

Naturalmente, qualquer tendê ncia de queda na extrema pobreza é uma


ó tima notı́cia. Mas a pergunta ó bvia que tem de ser feita é por que os
nı́veis de extrema pobreza tê m caı́do. O Banco Mundial alega que as
melhorias "se deveram à s fortes taxas de crescimento econô mico nos
paı́ses em desenvolvimento nos ú ltimos anos, aos investimentos na
educaçã o e na saú de, e à ampliaçã o das redes de seguridade social, o
que impediu que pessoas voltassem para a pobreza".
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Alyson
:Clipping:2484d80852cc4790aeee77dace746871.jpg

Grá ico 1: pobreza extrema no mundo, em porcentagem da população total

Essa conclusã o, a princı́pio, é aceitá vel. Com efeito, transferir fundos de


um grupo de pessoas para outro grupo de pessoas realmente tende a
aumentar a renda deste ú ltimo grupo. Pelo menos no curto prazo.
Adicionalmente, aumentar investimentos na educaçã o e na saú de é uma
coisa boa. (E difı́cil dizer se, para o Banco Mundial, "investimento"
signi ica um genuı́no investimento privado ou simplesmente gastos
governamentais).
Entretanto, independentemente do que se pense a respeito de redes de
proteçã o social e gastos governamentais, o fato imutá vel é que, para
que a riqueza possa ser redistribuı́da, ela tem antes que ser criada. Essa
é uma realidade incontorná vel. Nã o se pode redistribuir aquilo que nã o
se criou.

Para que uma economia continue crescendo ao mesmo tempo em que o


governo redistribui a renda de um grupo (geradores de riqueza) para
outro grupo (consumidores de riqueza), a produtividade dos geradores
de riqueza tem de ser muito alta. E para a produtividade ser alta, a
criaçã o e a acumulaçã o de capital pela economia tê m de ser muito
altas. Apenas um alto grau de capital criado e acumulado pode permitir
uma alta produtividade.
Consequentemente, se uma economia nã o consegue aumentar a
produtividade de seus trabalhadores por meio da poupança e da
criaçã o e acumulaçã o de capital, nã o haverá a criaçã o de novos
excedentes que possam ser redistribuı́dos. Você pode querer
redistribuir riqueza inde inidamente; no entanto, se alguns
trabalhadores e empreendedores nã o mais estiverem criando riqueza
real, o resultado inal será simplesmente a redistribuiçã o da pobreza.

Portanto, a que podemos atribuir essa contı́nua queda na pobreza


extrema, que é a pior pobreza que existe? Para se ter uma melhor
perspectiva das causas do declı́nio na pobreza, vejamos em que parte
do mundo a pobreza extrema persiste.

Primeiramente, temos de notar que os paı́ses mais ricos do mundo já


erradicaram a pobreza extrema. Nã o há pessoas que vivem com menos
de US$ 1,90 nos EUA, no Canadá , na Austrá lia e na Europa Ocidental.
Tais paı́ses simplesmente nã o possuem um nú mero nem sequer ı́n imo
de pessoas que vivem em palhoças, que tê m de andar quilô metros
diariamente apenas para conseguir á gua potá vel, e que nã o possuem
acesso a serviços de saú de modernos. Mesmo no Leste Europeu, onde o
socialismo de estilo sovié tico durou até o inı́cio da dé cada de 1990, é
difı́cil encontrar uma populaçã o com mais de 1% das pessoas vivendo
em nı́veis de extrema pobreza.

Portanto, temos de olhar para Amé rica Latina, Asia e Africa para
encontrar as populaçõ es que continuam padecendo condiçõ es de
pobreza extrema.
Todos os dados sã o do Banco Mundial e foram coletados ao longo de 20
anos, de 1992 a 2012, o ú ltimo com dados disponı́veis. Durante esse
perı́odo, ao redor de todo o mundo, a pobreza extrema caiu de 34,7%
para 12,7%.

A Amé rica Latina é a menos pobre das regiõ es que estã o fora das ricas
Amé rica do Norte e Europa. Os maiores paı́ses da Amé rica Latina
icaram bem abaixo das taxas mundiais de pobreza extrema ao longo
dos 20 anos que vã o de 1992 a 2012:
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Alyson
:Clipping:d39b6e524cf74d2f8ad6838045880c18.jpg

Grá ico 2: porcentagem de pessoas vivendo na pobreza extrema na América Latina

Alé m de constatar que a Amé rica Latina possui menos pobreza extrema
do que o mundo como um todo, també m é possı́vel observar que houve
uma substancial melhora ao longo desse perı́odo de 20 anos. No
Mé xico, por exemplo, a pobreza extrema caiu de 9,7% para 2,7%. No
Brasil, a queda foi ainda mais intensa (graças, majoritariamente, à
estabilizaçã o da economia e ao im da hiperin laçã o, de 20,8% para
4,9%. Na Colô mbia (que já tinha menos pobreza que o Mé xico e muito
menos que o Brasil), a queda foi menor, mas se manteve no caminho
certo, com a pobreza extrema caindo de 8% para 6%.

Já no sul e sudeste da Asia, as condiçõ es sã o consideravelmente piores,


podendo ser encontradas taxas de pobreza extrema que excedem 40%.
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Alyson
:Clipping:8f475f60507b41b4ae865be88571c406.jpg

Grá ico 3: porcentagem de pessoas vivendo na pobreza extrema na Ásia

Nã o obstante, nestes casos també m observamos profundas melhorias


ao longo do perı́odo de 20 anos. Na China, por exemplo, a taxa de
pobreza extrema caiu de 57% para 11%. Na Indoné sia, a taxa caiu de
57% para 15%. O menor progresso ocorreu em Bangladesh. Mas,
mesmo lá , a pobreza extrema caiu 20 pontos percentuais, de 63% para
43%.
A pior situaçã o, no entanto, é encontrada na Africa, onde as taxas de
pobreza extrema sã o maiores e as melhorias observadas foram as
menores.
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Alyson
:Clipping:a5b1fe8246904deba2ed66c4f4b22380.jpg

Grá ico 4: porcentagem de pessoas vivendo na pobreza extrema na África.

Dentre os maiores paı́ses da Africa, percebe-se que a pobreza extrema


continua lagelando uma grande fatia da populaçã o, embora tenha
havido uma signi icativa melhoria na Africa do Sul e na Etió pia. Na
Etió pia, de 1992 a 2012, a pobreza extrema caiu de 67% para 33%, e na
Africa do Sul, de 32% para 17%.
Por que as disparidades entre regiões e países?
Se o Banco Mundial alega que a pobreza é reduzida por programas de
seguridade social e investimentos em saú de e educaçã o, entã o a
pergunta inevitá vel é : como uma populaçã o obté m um excedente
grande o su iciente para inanciar programas de seguridade social,
educaçã o e saú de?

A resposta está em uma mã o-de-obra mais produtiva, uma maior


inserçã o no comé rcio mundial, e mais atividades empreendedoras.
Igualmente essencial é um sistema legal con iá vel que proteja a
propriedade privada.
[N. do E.: em suma, o que permite que um paı́s gere riqueza — riqueza
essa que entã o poderia ser redistribuı́da — é divisã o do trabalho,
poupança, acumulaçã o de capital, capacidade intelectual da populaçã o
(se a populaçã o for despreparada, a mã o-de-obra terá de ser
importada), respeito à propriedade privada, baixa tributaçã o,
segurança institucional, desregulamentaçã o econô mica, moeda forte,
ausê ncia de in laçã o, empreendedorismo da populaçã o, leis con iá veis,
previsı́veis e está veis, arcabouço jurı́dico sensato e independente].
Ou seja, a resposta está em uma maior liberdade empreendedorial e em
maior segurança para as pessoas que atuam no mercado.
O mundo desenvolvido, por exemplo, onde a extrema pobreza deixou
de existir, é dominado por economias de mercado. Mesmo as supostas
economias "socialistas" de paı́ses como Sué cia e Dinamarca estã o entre
as economias mais liberais do mundo.
Com efeito, se olharmos para os paı́ses nó rdicos em um contexto mais
geral, veremos que a regiã o é obviamente formada por mercados que
sã o, ao menos parcialmente, livres. Sué cia e Dinamarca nã o tê m nada
em comum com as economias "planejadas" que eram populares no
mundo em meados do sé culo XX. Sim, esses paı́ses sã o menos ricos do
que poderiam ser graças a uma variedade de regulamentaçõ es
governamentais e polı́ticas redistributivas; poré m, se olharmos no
contexto global, nã o haverá nenhuma di iculdade em entender por que
a Dinamarca é muito mais rica do que, por exemplo, a India, paı́s este
que, até a dé cada de 1990, padeceu sob um ambiente extremamente
regulador e burocrá tico. A India ainda está tentando alcançar a
Dinamarca, mas nã o será capaz pelas pró ximas dé cadas, se nã o pelos
pró ximos sé culos.

Assistencialismo e redistributivismo só podem funcionar — e, ainda


assim, por tempo determinado — em sociedades que já enriqueceram e
já alcançaram altos nı́veis de produtividade. Apenas paı́ses ricos, que já
tê m capital acumulado, podem se dar ao luxo de consumir esse capital
com polı́ticas redistributivistas. Nã o dá para redistribuir aquilo que nã o
foi criado. Adotar um modelo sueco em um paı́s sudanê s nã o daria
muito certo.

A Amé rica Latina, por sua vez, reduziu suas taxas de pobreza extrema
tã o intensamente graças à adoçã o, ainda que tı́mida, de economias de
mercado. O Chile é uma grande histó ria de sucesso, e, se o paı́s
permanecer em seu atual caminho relativamente pró -mercado,
provavelmente entrará no clube dos paı́ses mais ricos do mundo na
pró xima geraçã o.

Embora mais pobre que o Chile, o Mé xico també m é uma histó ria de
ê xito, e a ascensã o de uma classe mé dia no paı́s ao longo dos ú ltimos
vinte anos é um sinal do comprometimento do paı́s em se afastar, ainda
que lentamente, de sé culos de domı́nio do governo sobre a economia.
As pessoas que se referem à Amé rica Latina como "terceiro mundo"
estã o paradas no tempo.

E, obviamente, Mé xico, Chile e outros paı́ses da Amé rica Latina em que
a pobreza extrema está desaparecendo simplesmente já vê m
participando da economia global há mais tempo do que grande parte do
mundo.

Nã o obstante todos os avanços e retrocessos polı́ticos, todos os ciclos


de expansã o e recessã o, a Amé rica Latina tem se voltado para uma
economia de mercado. Já o mesmo nã o pode ser dito da Asia e da
Africa. Dominados há muito tempo por, de um lado, polı́ticas
econô micas marxistas e, de outro, mercantilismo colonialista, os paı́ses
africanos izeram muito pouco para criar condiçõ es favorá veis para o
desenvolvimento econô mico. Flagelada por guerras, sistemas
judiciá rios corruptos, e ideologias que desprezam a propriedade
privada — como o islamismo e o marxismo —, a populaçã o do
continente africano continua sofrendo com a pobreza que domina a
paisagem do local.
Enquanto isso, na Asia, o cená rio é bem mais variado. China, India e o
sudeste asiá tico estã o continuamente abrindo suas economias. Os
maiores paı́ses da regiã o (com a exceçã o de Bangladesh) reduziram
suas taxas de pobreza extrema pela metade ao longo dos ú ltimos anos.
A China, obviamente, adotou uma economia mais aberta na dé cada de
1980, ao passo que a India vem abandonando a opressã o do seu bizarro
e extremamente burocrá tico sistema de licenças e regulamentaçõ es.

Para uma evidê ncia dessa difusã o da economia de mercado nã o é


necessá rio ir mais alé m do que contemplar a variedade de publicaçõ es
de esquerda que deploram a difusã o do "neoliberalismo" pela Amé rica
Latina e Asia.
Nó s defensores do laissez-faire nã o temos nenhuma simpatia pelo
neoliberalismo, pois os neoliberais defendem corporativismo, subsı́dios
para as grandes empresas, agê ncias reguladoras para proteger as
empresas aliadas do governo, e uma "Terceira Via" que permite um
contı́nuo controle estatal sobre vá rios aspectos da economia.
O problema com o neoliberalismo nã o é o "liberalismo", como a irmam
os crı́ticos anti-capitalistas. O problema é o pre ixo neo. E, embora o
neoliberalismo perpetue vá rios malefı́cios vigentes nas economias
controladas pelo estado, o fato é que — no que diz respeito à reduçã o
da pobreza — algum liberalismo é melhor do que nenhum liberalismo.
O Crescimento da Nova Zelândia
Maurice McTigue

Na dé cada de 1980, a Nova Zelâ ndia era um paı́s relativamente atrasado
(a renda per capita era igual à s de Portugal e da Turquia), estagnado e
sem grandes perspectivas. A economia era engessada, fechada,
protegida e ine iciente.
Até que, em meados da dé cada de 1980, um governo de esquerda fez o
inimaginá vel e adotou medidas contrá rias a sua ideologia: austeridade
monetá ria e iscal, reduçã o dos privilé gios, aboliçã o de vá rias tarifas
protecionistas e, principalmente, forte reduçã o da má quina pú blica,
com a demissã o de vá rios funcioná rios pú blicos.
Liderando esse processo, em conjunto com Roger Douglas,
estava Maurice P. McTigue, ex-ministro do governo trabalhista eleito em
1984. Ele nos conta como o governo fez as mudanças que
transformaram a Nova Zelâ ndia.

***
Se olharmos para a histó ria, notaremos que o crescimento do governo é
um fenô meno recente. Desde a dé cada de 1850 até as dé cadas de 1920
ou 1930, a fatia que o governo ocupava no PIB da maioria das
economias industrializadas do mundo raramente ultrapassava os 6%.
Poré m, desse perı́odo em diante — e em particular desde os anos 1950
—, vivenciamos uma explosã o maciça na fatia que o governo ocupa no
PIB. Em alguns paı́ses, o valor varia de 35 a 45%. (No caso da
Sué cia, houve um ponto que chegou a 65%, e o paı́s quase que se
autodestruiu como resultado. O paı́s agora está desmantelando alguns
de seus programas sociais para se manter economicamente viá vel).

Pode esta situaçã o de agigantamento do estado ser interrompida ou


mesmo revertida? Com base em minha experiê ncia pessoal, a resposta
é "sim". No entanto, isso nã o apenas requer altos nı́veis de
transparê ncia, como ainda é necessá rio saber lidar com as
consequê ncias severas de eventuais decisõ es erradas — e essas nã o sã o
coisas fá ceis.

A primeira mudança necessá ria está na mentalidade da populaçã o.


Tem de haver uma mudança na forma como as pessoas vê em as
atribuiçõ es do governo e suas responsabilidades, principalmente a
iscal. A antiga ideia de responsabilidade iscal simplesmente dizia que
o governo nã o deveria gastar mais dinheiro do que arrecadou. A nova
ideia de responsabilidade iscal tem de se basear na seguinte pergunta:
"O que é que obtivemos em termos de benefı́cios pú blicos como
resultado do gasto deste dinheiro?".

Esta é uma pergunta que sempre foi feita no setor privado, mas que
raramente foi a norma para o setor pú blico. E os governos que
resolveram lidar com essa questã o apresentaram resultados
extraordiná rios. Esta foi certamente a base das reformas bem-
sucedidas no meu pró prio paı́s, a Nova Zelâ ndia.

A renda per capita da Nova Zelâ ndia no perı́odo anterior ao inal da


dé cada de 1950 era a terceira maior do mundo, atrá s apenas de Estados
Unidos e Canadá . Poré m, já em 1984, a renda per capita havia caı́do
para 27º posiçã o, ao lado de Portugal e Turquia. Nã o apenas isso, a
nossa taxa de desemprego era de 11,6%, tı́nhamos tido 23 anos
sucessivos de dé icits (os quais, em algumas ocasiõ es, chegavam a 40%
do PIB), a nossa dı́vida pú blica havia alcançado para 65% do PIB, e as
nossas classi icaçõ es de risco — concedida pelas agê ncias Standard &
Poor's, Moody's e Fitch — eram continuamente rebaixadas.

Os gastos do governo chegavam a 44% do PIB, os investimentos


estavam em queda, os investidores estrangeiros estavam abandonando
o paı́s, e o governo queria gerenciar praticamente todas as atividades
da economia, desde as grandes empresas até as mercearias. Havia
controle de capitais e controle de câ mbio, o que signi icava que eu nã o
podia comprar uma assinatura da revista The Economist sem a
autorizaçã o do Ministé rio das Finanças. Eu nã o podia comprar açõ es de
uma empresa estrangeira sem abrir mã o da minha cidadania.
Havia controle de preços em todos os bens e serviços, em todas as lojas
e em todo o setor de serviços. Havia controle de salá rios e até mesmo
congelamento de salá rios. Patrõ es que eventualmente quisessem
conceder aumentos salariais aos seus funcioná rios — ou mesmo pagar-
lhes um bô nus — estavam legalmente proibidos.

Havia controle de importaçã o, com o governo determinando quais bens


eu podia trazer para o meu paı́s. Havia maciços subsı́dios à s indú strias,
a im de mantê -las viá veis. Os jovens neozelandeses estavam deixando o
paı́s em massa.
Gastos do governo e impostos
Quando um governo reformador foi eleito, em 1984, ele imediatamente
identi icou trê s problemas: gastos excessivos, impostos excessivos, e
excesso de governo. A questã o era como cortar gastos e impostos e
como diminuir o papel do governo na economia.

Bem, a primeira coisa a se fazer nesta situaçã o é descobrir o que se está


recebendo em troca de cada unidade de dinheiro gasto. Pare este im,
implantamos uma nova polı́tica, segundo a qual o dinheiro nã o seria
simplesmente distribuı́do aos ministé rios, agê ncias e repartiçõ es
governamentais; em vez disso, haveria um contrato com os altos
funcioná rios de cada ó rgã o do governo, claramente delineando o que
era esperado em troca do dinheiro alocado.
Os lı́deres de cada ó rgã o do governo passaram a ser escolhidos com
base em crité rios rigorosos. Foi feita uma seleçã o em nı́vel mundial e
os escolhidos receberam contratos a termo: cinco anos com uma
possı́vel extensã o de mais trê s anos. O ú nico fundamento para a sua
demissã o era a nã o-execuçã o do que fora acordado, de modo que um
governo recé m-eleito nã o pudesse simplesmente mandá -los embora
como havia acontecido com os funcioná rios pú blicos no sistema antigo.

Obviamente, com esse tipo de incentivo, os novos lı́deres dos ó rgã os do


governo — tais como os CEOs do setor privado — se certi icaram de
que seu grupo de subordinados també m tivesse objetivos muito claros,
os quais se esperava que també m fossem cumpridos.
A primeira medida que tomamos em relaçã o a cada ó rgã o tinha como
base as polı́ticas a serem adotadas. Isso tinha o objetivo de gerar um
vigoroso debate entre o governo e os lı́deres de cada ó rgã o sobre como
alcançar metas do tipo "reduzir a fome" e o "nú mero de sem-tetos". Isto
nã o signi icava, vale enfatizar, que o governo deveria fornecer casa e
comida para as pessoas. O que realmente era debatido era o grau em
que a fome e o nú mero de sem-tetos seria realmente reduzido.
Em outras palavras, deixamos claro que o que era importante nã o era
quantas pessoas estavam recebendo polı́ticas assistencialistas, mas sim
quantas pessoas estavam saindo do assistencialismo, deixando de
depender do estado e passando a viver com independê ncia.

Tã o logo começamos a trabalhar por meio deste processo, izemos


algumas perguntas fundamentais aos ministé rios e agê ncias. A primeira
pergunta foi: "O que você s estã o fazendo?". A segunda pergunta foi: "O
que você s deveriam estar fazendo?".
Com base nas respostas, dissemos: "Eliminem o que nã o deveriam estar
fazendo" — isto é , se estã o fazendo algo que claramente nã o é
responsabilidade do governo, parem de fazer isso.

E entã o izemos a pergunta inal: "Quem deveria estar pagando por isso
— os pagadores de impostos, o usuá rio, o consumidor ou a indú stria?".
Perguntamos isto porque, em muitos casos, os pagadores de impostos
estavam subsidiando coisas que nã o os bene iciavam. Quando você
afasta o custo dos serviços dos seus reais usuá rios e consumidores,
você inevitavelmente acaba promovendo o uso excessivo destes
serviços e, com isso, desvaloriza o que quer que esteja sendo feito.

Quando começamos este processo com o Ministé rio dos Transportes, o


mesmo tinha 5.600 funcioná rios. Quando terminamos, tinha apenas 53.
Quando começamos com o Ministé rio do Meio Ambiente, o mesmo
tinha 17.000 funcioná rios. Quando terminamos, tinha 17. Quando
aplicamos isso ao Ministé rio das Obras Pú blicas, o mesmo tinha 28.000
funcioná rios. Quando terminamos, tinha apenas um: eu mesmo. Eu fui
Ministro das Obras Pú blicas e acabei sendo o ú nico funcioná rio deste
ó rgã o. Neste ú ltimo caso, quase tudo que o ministé rio fazia era
construçã o e engenharia; mas havia muitas pessoas que poderiam fazer
tudo isso sem o envolvimento do governo.
"Ah, mas você destruiu todos os postos de trabalho!", você pode me
dizer. Só que isso simplesmente nã o é verdade. O governo deixou de
empregar pessoas naqueles postos de trabalho, mas a necessidade
daquele trabalho nã o desapareceu. Eu mesmo visitei alguns dos
trabalhadores lorestais alguns meses depois de terem perdido seus
empregos no Ministé rio do Meio Ambiente, e eles estavam bastante
felizes. Eles me disseram que estavam ganhando cerca de trê s vezes o
que costumavam ganhar — alé m disso, eles icaram surpresos ao saber
que conseguiam fazer cerca de 60% mais do que aquilo a que estavam
habituados. A mesma liçã o se aplica aos outros trabalhos que
mencionei.
Algumas das coisas que o governo estava fazendo simplesmente nã o
eram funçã o do governo. Por isso vendemos telecomunicaçõ es,
companhias aé reas, sistemas de irrigaçã o, serviços de informá tica,
grá icas governamentais, empresas de seguro, bancos, açõ es, hipotecas,
ferrovias, serviços de ô nibus, hoté is, empresas de navegaçã o, serviços
de assessoramento agrı́cola etc.
Resultado principal: quando vendemos estas coisas, sua produtividade
subiu e o custo dos seus serviços caiu, traduzindo-se em ganhos
importantes para a economia.
Alé m disso, decidimos que outros ó rgã os deveriam ser geridas como
empresas com ins lucrativos e que pagam impostos. Por exemplo, o
sistema de controle de trá fego aé reo foi transformado em uma empresa
autô noma, cujo objetivo era obter uma taxa de retorno aceitá vel e pagar
impostos, tendo sido alertada de que nã o receberia qualquer aporte,
investimento ou capital de seu proprietá rio (o governo).

Fizemos o mesmo com aproximadamente 35 ó rgã os. Juntos, eles nos


custavam cerca de um bilhã o de dó lares por ano; depois da mudança,
passaram a produzir cerca de um bilhã o de dó lares por ano em receitas
e impostos.
Conseguimos uma reduçã o global de 66% no tamanho do governo,
mensurado pelo nú mero de funcioná rios. A fatia que o governo ocupava
no PIB caiu de 44 para 27%. Está vamos agora com superá vit e
estabelecemos uma polı́tica de nunca deixar dó lares à disposiçã o:
sabı́amos que se nã o nos livrá ssemos desse dinheiro, algum
engraçadinho o gastaria em proveito pró prio. Consequentemente,
utilizamos a maior parte do superá vit para pagar a dı́vida, de modo que
a dı́vida baixou de 63 para 17% do PIB.
O que restava do superá vit de cada ano foi utilizado para reduzir a
carga de impostos. Reduzimos as alı́quotas do imposto pela metade e
eliminamos outros impostos. Como resultado destas polı́ticas, a receita
aumentou 20%. Sim, Ronald Reagan estava certo: alı́quotas de imposto
menores produzem mais receitas.
Subsídios, educação e competitividade
O que dizer sobre a invasã o governamental que ocorre sob a forma de
subsı́dios?

Em primeiro lugar, temos de reconhecer que o principal problema dos


subsı́dios é que eles tornam as pessoas dependentes; e quando você as
torna dependentes, elas perdem a criatividade e a capacidade de
inovaçã o, tornando-se ainda mais dependentes.
Deixem-me dar um exemplo: em 1984, 44% da renda da criaçã o de
ovelhas na Nova Zelâ ndia era oriunda de subsı́dios do governo. O
produto principal era o cordeiro e, no mercado internacional, o
cordeiro era vendido a 12,50 dó lares americanos (com o governo
neozelandê s fornecendo mais 12,50 dó lares americanos) por unidade.
Nó s entã o abolimos, em apenas um ano, todos os subsı́dios.
Obviamente, os criadores de ovelhas nã o icaram nada satisfeitos.
Poré m, tã o logo eles perceberam que a decisã o era permanente, que os
subsı́dios nã o iram voltar, eles montaram uma equipe de pessoas
encarregadas de descobrir como poderiam obter 30 dó lares por
unidade. A equipe concluiu que isso seria difı́cil, mas nã o impossı́vel.
Era necessá rio produzir um produto inteiramente diferente, processá -
lo de uma maneira diferente e vendê -lo em diferentes mercados.
Dois anos se passaram e, em 1989, haviam conseguido converter o seu
produto de 12,50 dó lares em algo cujo novo valor era de 30 dó lares. Por
volta de 1991, valia 42 dó lares; em 1994, valia 74 dó lares; e em 1999,
valia 115 dó lares. Em outras palavras, a indú stria de ovelhas da Nova
Zelâ ndia "saiu para o mercado" e descobriu pessoas que estavam
dispostas a pagar preços mais elevados pelo seu produto.
Hoje, você s podem ir aos melhores restaurantes dos EUA e comprar
cordeiro da Nova Zelâ ndia e pagar algo entre os 35 e os 60 dó lares por
meio quilo.

Desnecessá rio dizer que, quando abolimos os subsı́dios do governo à


indú stria, era previsto que houvesse um ê xodo de pessoas fugindo
desses setores. Mas isso nã o aconteceu. Para dar um exemplo, apenas
0,75% dos empreendimentos agropecuá rios apresentaram prejuı́zos e
quebraram – e essas eram pessoas que nem sequer deveriam estar no
ramo. Adicionalmente, alguns previram um grande movimento em
direçã o à organizaçã o corporativa em oposiçã o à agropecuá ria familiar.
Mas ocorreu exatamente o oposto. Em vez de uma expansã o na
agropecuá ria corporativa, foi a agropecuá ria familiar que se expandiu.
Todos viraram empreendedores, provavelmente porque as famı́lias
estã o dispostos a trabalhar por menos do que as empresas.

No inal, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. E demonstrou


que se as pessoas tiverem como ú nica opçã o serem criativas e
inovadoras, elas irã o encontrar soluçõ es.

A Nova Zelâ ndia tinha um sistema educacional que també m estava se


comprovando um fracasso. A taxa de repetê ncia chegava a 30% das
crianças — especialmente aquelas em á reas socioeconô micas mais
baixas. Ao longo dos 20 anos anteriores, o governo despejava cada vez
mais dinheiro na educaçã o, e os resultados eram cada vez piores.
Custava-nos duas vezes mais para obter um resultado pior do que o que
tinha sido obtido 20 anos antes com muito menos dinheiro.

E entã o decidimos repensar o que está vamos fazendo nesta á rea


també m. A primeira coisa que izemos foi identi icar para onde estavam
indo os dó lares despejados na educaçã o. Contratamos consultores
internacionais (porque nã o con iá vamos nos nossos pró prios ó rgã os
para executar esta tarefa) e eles relataram que, para cada dó lar que
gastá vamos com educaçã o, 70 centavos eram consumidos pela
administraçã o.
Assim que ouvimos isto, eliminamos imediatamente todo o Ministé rio
da Educaçã o. Cada escola passou a ser administrada por um conselho
de gestores eleito pelos pais das crianças que frequentavam aquela
escola, e por mais ningué m. Demos à s escolas uma quantia de dinheiro
com base no nú mero de alunos que matriculados nas mesmas, sem
impor condiçõ es especiais. Ao mesmo tempo, dissemos aos pais que
eles tinham o direito absoluto de escolher onde os seus ilhos seriam
educados. E absolutamente detestá vel que seja um burocrata qualquer
diga aos pais que eles tê m de mandar os seus ilhos para uma escola
ruim. Convertemos 4.500 escolas a este novo sistema em um ú nico dia.
Mas nó s fomos ainda mais longe: tornamos possı́vel à s escolas privadas
serem inanciadas exatamente da mesma forma que as escolas pú blicas,
dando aos pais a capacidade de gastar seu dinheiro onde quer que eles
escolhessem. Mais uma vez, vá rias pessoas previram que haveria um
grande ê xodo de estudantes do ensino pú blico para as escolas privadas,
pois as escolas privadas demonstravam uma superioridade acadê mica
de 14 a 15%. Isso nã o aconteceu, pois a diferença de desempenho entre
as escolas desapareceu em cerca de 18-24 meses. Por quê ? Porque
repentinamente os professores das escolas pú blicas perceberam que, se
eles perdessem alunos, perdiam o inanciamento; e se eles perdessem o
inanciamento, perderiam seus empregos.

Oitenta e cinco por cento dos nossos alunos iam para escolas pú blicas
no inı́cio deste processo. Este nú mero caiu para apenas 84% depois do
primeiro ano das reformas. No entanto, trê s anos depois, 87 por cento
dos estudantes estavam em escolas pú blicas. Mais importante, o nı́vel
educacional da Nova Zelâ ndia, que até entã o era 15% inferior ao de
seus pares internacionais, tornou-se 15% superior.

Agora, falemos sobre tributaçã o e competitividade. O que muitos no


setor pú blico hoje nã o conseguem reconhecer é que o desa io da
competitividade é mundial. Capital e mã o-de-obra conseguem se mover
tã o rapidamente de um lugar para outro, que a ú nica maneira de
impedir que as empresas saiam de um paı́s é dando a certeza de que o
clima de negó cios no seu paı́s é melhor que o de qualquer outro.

Sob este aspecto, houve uma circunstâ ncia muito interessante na


Irlanda. A Uniã o Europeia, liderada pela França, foi muito crı́tica em
relaçã o à polı́tica tributá ria irlandesa — particularmente na que diz
respeito à s empresas —, pois os irlandeses haviam reduzido alı́quota
do imposto de renda de pessoa jurı́dica de 48 para 12%, e, como
consequê ncia, vá rias empresas se mudaram para a Irlanda. A Uniã o
Europeia queria impor uma penalizaçã o à Irlanda, na forma de um
imposto de renda de pessoa jurı́dica de 17%, de modo a que o paı́s
icasse alinhado com outros paı́ses europeus.
Desnecessá rio dizer que os irlandeses nã o aceitaram nessa ideia. A
Comunidade Europeia respondeu dizendo que o que os irlandeses
estavam a fazer era injusto e contrá rio à ideia de competitividade. O
ministro das inanças da Irlanda concordou: ele destacou que o governo
da Irlanda estava cobrando 12% das empresas ao passo que cobrava
dos seus cidadã os apenas 10%. Ato contı́nuo, a Irlanda reduziu a
alı́quota de impostos para as empresas para 10% també m. Mais uma
batalha que os franceses perderam!

Quando nó s, na Nova Zelâ ndia, analisamos o nosso esquema tributá rio,
encontramos um sistema extremamente complicado, o qual distorcia
tanto os empreendimentos quanto as decisõ es privadas.
Consequentemente, izemos as seguintes perguntas para nó s mesmos:
o nosso sistema tributá rio estava preocupado em coletar receitas?
Estava preocupado em coletar receitas e també m em prestar de
serviços sociais? Ou estava preocupado em coletar receita, em prestar
serviços sociais e em alterar comportamentos? Decidimos entã o que
serviços sociais e questõ es comportamentais nã o tinham lugar em um
sistema racional de tributaçã o.

Ato contı́nuo, decidimos que só terı́amos dois mecanismos para obter
receitas — um imposto sobre a renda e um imposto sobre o consumo
— e que irı́amos simpli icar estes mecanismos e reduzir as alı́quotas ao
má ximo possı́vel.
Reduzimos a alı́quota má xima do imposto de renda de 66 para 33% e
ixamos essa taxa para todos os que tinham rendimentos mais elevados.
Alé m disso, reduzimos a alı́quota mı́nima de 38 para 19%, a qual se
tornou a taxa ixa para a populaçã o de menor renda. Em seguida,
de inimos uma alı́quota de imposto sobre o consumo de 10% e
eliminamos todos os outros impostos — impostos sobre ganhos de
capital, impostos sobre a propriedade etc.

O que realmente aconteceu foi que acabamos coletando 20% mais


receitas do que antes. Por quê ? Porque se as alı́quotas sã o baixas, os
pagadores de impostos mais ricos nã o irã o contratar advogados e
contadores caros para encontrar brechas na legislaçã o. Simplesmente
nã o compensa. Com efeito, todos os paı́ses do mundo que pesquisei
que simpli icaram e reduziram dramaticamente as suas alı́quotas de
imposto terminaram com mais receita, e nã o menos.
E quanto à s regulamentaçõ es? O poder regulador é normalmente
delegado a funcioná rios que nã o foram eleitos, os quais entã o
restringem as liberdades das pessoas sem serem cobrados e punidos
por isso. Essas regulaçõ es sã o extremamente difı́ceis de serem abolidas
uma vez implantadas. Mas nó s encontramos uma maneira:
simplesmente reescrevemos os estatutos em que as regulaçõ es estavam
baseadas.

Por exemplo, reescrevemos as leis ambientais, transformando as


mesmas na Lei de Gestã o de Recursos — reduzindo uma lei que tinha
25 polegadas de espessura (63,5 cm) para 348 pá ginas. Reescrevemos o
có digo tributá rio, todo o có digo lorestal e de exploraçã o agropecuá ria,
e as leis sobre segurança e saú de no trabalho. Para fazer isso, juntamos
os nossos cé rebros mais brilhantes e dissemos a eles para partirem do
princı́pio de que nã o havia nenhuma lei pré -existente e que deveriam
criar o melhor ambiente possı́vel para a indú stria prosperar. Estas
novas leis, com efeito, revogaram as antigas, o que signi ica que todas as
regulaçõ es vigentes — todas, uma por uma.

Pensar de forma diferente sobre o governo


Deixem-me compartilhar uma ú ltima histó ria: o Ministé rio dos
Transportes veio até nó s um dia para nos dizer que tinham de
aumentar as taxas para as carteiras de habilitaçã o. Quando
perguntamos o porquê , eles disseram que os custos para renovar uma
carteira nã o estavam sendo totalmente cobertos pelas taxas vigentes.
Entã o perguntamos por que o governo deveria estar envolvido nesse
tipo de atividade. Os funcioná rios do Ministé rio dos Transportes
claramente pensaram que essa era uma pergunta muito idiota. "Todos
precisam de uma carteira de habilitaçã o", disseram eles.

E entã o respondi que recebi a minha quando tinha 15 anos, e ainda


perguntei: "Como é que emitir uma nova carteira testa a competê ncia
do condutor?". Demos a eles dez dias para pensar sobre isso. Em um
determinado dia, eles disseram que a polı́cia precisa das carteiras de
habilitaçã o para ins de identi icaçã o. Respondemos que este era o
propó sito de uma carteira de identidade, nã o de uma carteira de
habilitaçã o.

Finalmente, eles admitiram que nã o conseguiram encontrar uma boa


razã o para o que estavam fazendo — por isso, extinguimos todo o
processo.

Agora, uma carteira de habilitaçã o é vá lida até a pessoa fazer 74 anos,
data apó s a qual deve fazer um teste mé dico anual para garantir que
ainda é capaz de dirigir. Assim, nã o apenas nã o precisá vamos de novas
taxas, como ainda eliminamos todo um ó rgã o estatal.
Isto é o que eu quero dizer quando conclamo a "pensar de forma
diferente sobre o governo". E nesta direçã o que um governo tem de se
mover.
O Milagre Econômico de Hong Kong
Lawrence W. Reed, Andrew P. Morris e Jean-François Minardi

Por vinte anos consecutivos, o ı́ndice de Liberdade Econô mica,


compilado pelo The Wall Street Journal e pela Heritage Foundation,
classi ica Hong Kong como a economia mais livre do mundo. Este
ú ltimo ranking da Heritage con irma o que o Fraser Institute, do
Canadá , també m a irmou em seu ú ltimo ı́ndice, o qual també m
classi icou a economia de Hong Kong como a mais livre do mundo. O
Banco Mundial, por sua vez, classi ica a “facilidade de fazer negó cios”
em Hong Kong como a melhor do planeta.
Embora faça parte da China desde que a Grã -Bretanha cedeu seu
controle em 1997, Hong Kong é governado em termos estritamente
locais. Até o momento, o governo chinê s tem se mantido razoavelmente
iel à sua promessa de deixar a economia de Hong Kong em paz.
O que torna a economia de Hong Kong tã o livre sã o aqueles detalhes
que soam como mú sica aos ouvidos de qualquer indivı́duo que ama a
liberdade: corrupçã o relativamente baixa; um judiciá rio e iciente e
independente; respeito pleno aos direitos de propriedade; impé rio das
leis; um sistema tributá rio extremamente simples e com baixas
alı́quotas tanto para pessoas fı́sicas quanto para jurı́dicas, e uma carga
tributá ria total de apenas 14% do PIB; ausê ncia de impostos sobre
ganhos de capital, de renda de juros e até mesmo de renda obtida no
exterior; ausê ncia de impostos sobre vendas e sobre valor agregado;
um aparato regulató rio quase invisı́vel; um orçamento governamental
equilibrado, sem dé icits, e com uma dı́vida pú blica praticamente
inexistente. Ah, e tarifas de importaçã o em praticamente zero. Isso
mesmo, zero!
Dizer que uma economia é a "mais livre" é o mesmo que dizer que ela é
"a mais capitalista". Capitalismo é o que ocorre naturalmente quando
você permite que pessoas pacı́ icas cuidem de suas pró prias vidas. Nã o
é necessá rio elaborar nenhum mecanismo arti icial comandado por
burocratas de carreira confortavelmente instalados em suas torres de
mar im. Nã o é necessá rio inventar nenhum esquema mirabolante e
aparentemente so isticado. Basta apenas deixar as pessoas em paz.

Se formos acreditar naquilo que dizem os crı́ticos do capitalismo, entã o


Hong Kong tem necessariamente de ser um inferno repleto de pobreza,
exploraçã o e desespero.
Mas nã o. Muito pelo contrá rio, aliá s.

Talvez seja por isso que os socialistas nã o gostam de falar sobre Hong
Kong: nã o apenas é a economia mais livre do mundo, como també m é
uma das mais ricas. Sua renda per capita, 2,64 vezes maior do que a
mé dia mundial, mais do que duplicou nos ú ltimos 15 anos. As pessoas
nã o fogem de Hong Kong; elas correm para Hong Kong. Ao inal da
Segunda Guerra Mundial, a populaçã o de Hong Kong era de 750.000.
Hoje é quase dez vezes maior: 7,1 milhõ es.
A colônia
Hong Kong é um ó timo exemplo do que acontece com a economia de
um local que nã o é explorado por polı́ticos. Hong Kong é produto
do abandono político. Isso mesmo: Hong Kong jamais teria se tornado a
potê ncia econô mica que é hoje caso os polı́ticos britâ nicos ou chineses
tivessem demonstrado algum interesse pelo local no sé culo XIX.

A Grã -Bretanha adquiriu a ilha de Hong Kong em 1842 (territó rios


adicionais viriam depois) por meio de um acordo entre um
representante britâ nico — o capitã o Charles Elliot — e um negociador
chinê s — o marques Ch'i-ying — como forma de solucionar um
pequeno con lito que havia se iniciado em decorrê ncia de contendas
comerciais. (Uma das contendas envolvia uma compensaçã o por causa
de um con isco chinê s do ó pio britâ nico, mas a pendenga era mais
ampla do que essa questã o do ó pio, e pesquisas recentes questionam a
acurá cia de se rotular toda essa questã o como sendo uma mera "guerra
do ó pio").

O acordo resultante foi impopular tanto para a Corte Imperial chinesa


quanto para o governo britâ nico. As autoridades chinesas nã o
gostaram de ter de ceder um pedaço de terra para os britâ nicos e se
preocuparam com o impacto sobre suas receitas tarifá rias em
decorrê ncia da criaçã o de um porto controlado pelos britâ nicos.
Adicionalmente, os chineses tinham desprezo pela obsessã o dos
britâ nicos com o comé rcio. Já o governo britâ nico enxergava Hong
Kong como uma localizaçã o ruim e pouco promissora em relaçã o à s
possı́veis alternativas, como a ilha de Formosa.

No entanto, a precá ria comunicaçã o vigente no sé culo XIX acabou


forçando os dois governos a delegar a autoridade da resoluçã o da
contenda aos seus representantes locais. O resultado foi aquilo que o
excelente livro de Frank Welsh, A History of Hong Kong, rotulou de
"uma fonte de constrangimento e aborrecimento para seus
progenitores desde seu surgimento no cená rio internacional".
(Doravante, todas as citaçõ es serã o do livro de Welsh).

Os primórdios
As primeiras avaliaçõ es do potencial de Hong Kong foram pessimistas.
O entã o futuro primeiro-ministro britâ nico Lord Palmerston, naquela
que talvez seja a pior previsã o já feita por um diplomata britâ nico,
concluiu que se tratava de "uma ilha esté ril e inaproveitá vel, a qual
jamais será um polo para o comé rcio". O entã o tesoureiro lotado em
Hong Kong, Robert Montgomery Martin, que també m escrevia
proli icamente sobre as possessõ es estrangeiras britâ nicas, fez eco à
aná lise de Palmerston em 1844, a irmando que "nã o há nenhum
comé rcio visı́vel em Hong Kong... E difı́cil encontrar uma empresa na
ilha. As poucas pessoas aqui se aventuraram estariam felizes se
conseguissem recuperar metade do dinheiro que gastaram na ilha e
fossem embora... Nã o parece haver a mais mı́nima probabilidade de
que, algum dia, sob quaisquer circunstâ ncias, Hong Kong venha a se
tornar um local propı́cio ao comé rcio".

No entanto, algum comé rcio começou a surgir em decorrê ncia do


estabelecimento de armazé ns de mercadores britâ nicos. Mas as
polı́ticas adotadas inicialmente pela Grã -Bretanha em relaçã o ao seu
novo territó rio quase nada izeram para promover o crescimento
econô mico. Com efeito, uma investigaçã o parlamentar de 1847 sobre a
situaçã o econô mica de Hong Kong descobriu que o domı́nio britâ nico
havia inicialmente levado consigo um governo empenhado em usar a
ilha para coletar o "má ximo possı́vel de receitas", o que afetou
severamente o comé rcio. E concluiu que "pode se datar desta é poca os
reveses sofridos por Hong Kong".

Apó s isso, a Grã -Bretanha fez relativamente muito pouco com sua nova
colô nia, se concentrando apenas em manter a ordem pú blica e ampliar
o impé rio das leis. O resultado foi essencialmente um Porto de Tratado,
muito semelhante à queles que as potê ncias europeias estabeleceram na
China sob o Tratado de Nanquim em 1842-43. Um dos motivos para
esta polı́tica relativamente sem interferê ncias da Grã -Bretanha foi a
persistê ncia da visã o adquirida pelos primeiros o iciais coloniais
britâ nicos de que os chineses residentes em Hong Kong nã o queriam ou
nã o apreciavam as legislaçõ es britâ nicas. Esta atitude foi ilustrada de
maneira bem clara no depoimento prestado pelo Coronel John Malcolm,
que estava lotado em Hong Kong, para um comitê do Parlamento
britâ nico em meados do sé culo XIX. Malcolm relatou que "os chineses
sã o um povo peculiar e nã o gostam de sofrer interferê ncias. Eles nã o
nos entendem; eles nã o conseguem entender nossos mé todos; e
quando sã o recomendados a fazer primeiro uma coisa e só depois
outra, eles se assustam e nã o mais nos procuram".
Se era ou nã o uma caracterı́stica "peculiar" dos chineses nã o gostar de
governos arbitrá rios, o fato é que a Grã -Bretanha parou de expedir
ordens con litantes e incompatı́veis, e a tendê ncia geral passou a ser a
de deixar as pessoas em paz. Ambas estas polı́ticas foram adotadas
com o intuito de estimular. Como consequê ncia, deram à colô nia o
benefı́cio de regras claras e simples desde seus primó rdios.

Um centro comercial natural?


O que a Grã -Bretanha criou em Hong Kong? A combinaçã o entre o
excelente porto e o primado das leis fez de Hong Kong um centro
comercial natural. Mas Hong Kong nã o era o melhor local para se
comercializar na China. Já no inı́cio do sé culo XX, Xangai vinha
crescendo em importâ ncia e, consequentemente, abocanhando uma
fatia do comé rcio que até entã o passava por Hong Kong. Xangai possuı́a
uma populaçã o mais educada e mais preparada, estava em uma
localizaçã o mais conveniente, desfrutava uma proteçã o europeia por
causa de tratados de concessõ es feitos pelo governo chinê s, e sofria
relativamente pouca interferê ncia do governo chinê s devido ao declı́nio
do poder imperial.
Por volta de 1910, Xangai já havia se tornado um centro comercial
signi icativamente mais importante do que Hong Kong. Com os
britâ nicos optando por Cingapura — que era mais fá cil de ser defendida
— como centro do poder naval britâ nico na regiã o, Hong Kong acabou
perdendo o que restava de sua já pequena importâ ncia para o governo
britâ nico. Como resultado, a colô nia de inhou e foi para o
esquecimento, tornando-se mais conhecida como um centro de
prostituiçã o e de jogatina.

Mas houve algo que a Grã -Bretanha nã o criou em Hong Kong: um
governo democrá tico. Ao contrá rio do que ocorreu na maioria das
outras colô nias britâ nicas, em Hong Kong nã o se permitiu que
nenhuma instituiçã o democrá tica local se desenvolvesse, pois os
britâ nicos nã o estavam dispostos a dar à maioria chinesa uma voz na
administraçã o. Como resultado, concluiu Welsh, "Hong Kong
continuaria tendo uma administraçã o tã o antidemocrá tica quanto
qualquer governo chinê s, mas com a importante diferença de que a
autoridade inal seria a lei, e nã o os caprichos de algum ditador".
O governo central imperial chinê s nunca defendeu a liberdade
econô mica ao longo de sua histó ria, e o perı́odo compreendido entre o
inal do sé culo XIX e inı́cio do sé culo XX nã o foi nenhuma exceçã o. A
medida que o poder do governo central foi se esvanecendo, dé spotas e
chefes militares regionais começaram a estabelecer centros de poder
rivais, mas igualmente predató rios. Os poderios europeu, americano e
japonê s també m se expandiram na China, tentando ampliar o acesso de
suas respectivas empresas ao mercado chinê s. Mas tais poderios nã o
criaram nenhuma liberdade econô mica para a populaçã o chinesa
dentro de suas esferas de in luê ncia.
Neste cená rio, a estabilidade polı́tica de Hong Kong começou a atrair
cada vez mais emigrantes que saı́am da China. A populaçã o da colô nia
cresceu de 600.000 em 1920 para mais de um milhã o em 1938. A
medida que as condiçõ es foram se deteriorando na China com a invasã o
japonesa e com os con litos entre os dé spotas regionais, o Kuomitang
(nacionalistas) e os comunistas, uma mé dia de 5.000 migrantes por dia
passou a aportar em Hong Kong.
Quando a ocupaçã o japonesa terminou, em 1945, a economia de Hong
Kong estava devastada. O golpe comunista na China, em 1949, acelerou
a fuga de migrantes para Hong Kong. Em março de 1950, a cidade já
tinha 2,3 milhõ es de pessoas.
Para piorar, embargos ao comé rcio com a China em 1951, durante a
Guerra da Coré ia, afetaram severamente a condiçã o de entreposto
comercial de Hong Kong, justamente a atividade sobre a qual se
baseava uma grande fatia da economia local.

No entanto, havia um aspecto positivo: o golpe comunista na China e a


consequente fuga de chineses para Hong Kong forneceu à colô nia nã o
apenas um nú mero signi icativo de mã o-de-obra, como també m um
grande capital humano, formado por empreendedores que
conseguiram fugir do exé rcito de Mao. Adicionalmente, a vitó ria dos
comunistas na China fez com que Xangai deixasse de ser um
concorrente para Hong Kong.

Superpovoada, refé m de embargos comerciais, e com um contı́nuo


in luxo de refugiados, o que praticamente estrangulou a infraestrutura
da colô nia, Hong Kong teve de se reinventar.
Da pobreza à prosperidade
Com milhõ es de refugiados chineses, sofrendo com um embargo
comercial e com sua infraestrutura estrangulada, a Hong Kong do inı́cio
da dé cada de 1950 parecia con irmar os prognó sticos pessimistas feitos
no sé culo XIX.
No entanto, esta enxurrada de refugiados era composta por milhõ es de
indivı́duos que, embora completamente pobres, fugiram para Hong
Kong em busca de liberdade. E embora Hong Kong nã o possuı́sse a
infraestrutura adequada para recebê -los, fornecia ampla liberdade para
qualquer indivı́duo que quisesse colocar seu talento empreendedor em
açã o.
Nã o havia na ilha as mesmas restriçõ es cambiais vigentes no Reino
Unido e em grande parte da Europa — o que signi icava que o dó lar de
Hong Kong, que era ancorado à libra esterlina, era livremente
conversı́vel em outras moedas —, e as regulamentaçõ es sobre a
economia era mı́nima.
A combinaçã o entre mã o-de-obra à procura de trabalho e
empreendedores com conhecimento e algum capital oriundos de
Xangai — até entã o a grande cidade capitalista chinesa — forneceu a
maté ria-prima para o crescimento industrial iniciado na dé cada de
1950. A economia começou a prosperar.

Os empreendedores de Hong Kong criaram rapidamente um nú mero


impressionante de pequenas e mé dias empresas durante este perı́odo,
especialmente no setor tê xtil. Estes empreendimentos, os quais
acabaram se diversi icando e se rami icando para setores como
vestuá rio, plá sticos e eletrô nicos, produziam principalmente para
atender a crescente demanda da Europa e dos EUA por bens
manufaturados e baratos.

Essa rá pida industrializaçã o da dé cada de 1950 foi possı́vel porque
ocorreu em condiçõ es nas quais: 1) os direitos de propriedade eram
respeitados, 2) o poder judiciá rio era independente e os tribunais eram
imparciais, e 3) a interferê ncia econô mica das autoridades coloniais era
mı́nima.

Como o ú ltimo governador britâ nico de Hong Kong, Christopher Patten,


escreveu em seu livro de memó rias, East and West, os refugiados do
comunismo que correram para Hong Kong chegaram à ú nica cidade
livre da China; era de fato "a ú nica sociedade chinesa que, por um breve
perı́odo de 100 anos, viveu um ideal jamais vivenciado em nenhum
outro momento da histó ria da sociedade chinesa — um ideal em que
nenhum homem tinha de viver com medo de uma batida à porta da sua
casa à meia-noite".

Hong Kong tinha um governo limitado (sem ó rgã os reguladores) e


competente, que se restringia a manter a lei e a ordem, e permitia o
funcionamento da economia de mercado. Era um governo que honrava
a iloso ia confuciana: "Deixe as pessoas locais serem felizes e atraia
migrantes longı́nquos."

Mais curioso foi o fato de que, enquanto o Reino Unido criava um


estado altamente intervencionista e assistencialista em casa
(esquerdista), sua colô nia desfrutava uma polı́tica econô mica de livre
mercado (direita).

No entanto, houve um responsá vel pela prolongada existê ncia desta


polı́tica de livre mercado, que contrariou vá rias ordens do governo
britâ nico e, com isso, permitiu a prosperidade de Hong Kong.
O homem que permitiu a prosperidade de Hong Kong
John Cowperthwaite foi nomeado secretá rio das inanças de Hong Kong
para o perı́odo de 1961 a 1971. Escocê s e discı́pulo iel de Adam Smith,
ele era assumidamente um economista na tradiçã o da Escola de
Manchester, ardorosa defensora do livre mercado.
Na é poca, com a Grã -Bretanha indo a passos irmes rumo ao socialismo
e ao assistencialismo, Cowperthwaite permaneceu in lexı́vel: Hong
Kong deveria se manter iel aos princı́pios do laissez-faire. Tendo
praticamente controle completo sobre as inanças do governo de Hong
Kong, ele se recusou a impor qualquer tipo de tarifa de importaçã o e
sempre insistiu em manter os impostos no nı́vel mais baixo possı́vel.

Ele era um liberal-clá ssico, bem ao estilo dos liberais do sé culo XIX. Era
iel adepto da ideia de que os paı́ses deveriam se abrir unilateralmente
para o comé rcio, sem esperar contrapartidas. Em 1946, os britâ nicos
lhe pediram para elaborar planos e programas para que o governo
pudesse estimular o crescimento econô mico. Cowperthwaite apenas
respondeu dizendo que a economia já estava se recuperando sem
nenhuma ordem do governo.

Mais tarde, ao ser efetivamente nomeado secretá rio das inanças, em


1961, tornou-se um defensor daquilo que passou a rotular de "nã o-
intervencionismo do estado na economia" e passou a pessoalmente
controlar a polı́tica da colô nia.

Cowperthwaite transformou Hong Kong na economia mais livre do


mundo. Cowperthwaite se recusava a obrigar os cidadã os a comprar
bens caros produzidos localmente se eles podiam simplesmente
importar produtos mais baratos de outros paı́ses. O imposto de renda
sempre teve uma alı́quota ú nica, de 15%. A total escassez de recursos
naturais em Hong Kong e o fato de que a ilha tinha de importar até
mesmo toda a sua comida tornam o sucesso de Hong Kong ainda mais
fascinante.

"Para toda a nossa economia, é preferı́vel con iarmos na teoria da 'mã o


invisı́vel' do sé culo XIX ao invé s de aceitarmos que as canhestras mã os
de burocratas manipulem os delicados mecanismos do mercado",
declarou Cowperthwaite em 1962. "Nã o podemos deixar que
burocratas dani iquem os principais mecanismos da economia, que sã o
a livre iniciativa e a livre concorrê ncia".
Ele era contrá rio a dar subsı́dios e a conceder benefı́cios especiais para
empresas. Quando um grupo de empresá rios pediu a ele que
providenciasse fundos para a construçã o de um tú nel atravé s da
enseada de Hong Kong, ele disse que, se o tú nel fosse economicamente
sensato, o setor privado iria construı́-lo. O tú nel foi construı́do pelas
empresas privadas.

Ele nã o aceitava protecionismo nem para as chamadas “indú strias


infantes”: "Uma indú stria pequena, quando protegida se torna mimada,
tende a permanecer pequena, e jamais irá crescer e se tornar e iciente".
També m acreditava irmemente que, "no longo prazo, o agregado das
decisõ es individuais dos empreendedores, exercitando seu juı́zo
individual em uma economia livre, mesmo cometendo erros, tende a ser
bem menos danoso do que as decisõ es centralizadas de um governo; e
certamente o eventual dano tende a ser contrabalançado mais
rapidamente."
Desde os dias de John Keynes (economista de esquerda), a ciê ncia
econô mica vem sendo atormentada pela ideia de que a açã o humana
deve ser destilada em nú meros, os quais se transformam em uma
"pretensã o ao conhecimento" para aspirantes a planejadores centrais.
Nas vá rias faculdades de economia atuais é difı́cil saber quando acaba a
matemá tica e quando começa o real conhecimento econô mico. Para
Cowperthwaite, no entanto, a compilaçã o de estatı́sticas para
planejamento econô mico era um aná tema. Ele simplesmente se
recusou a coletá -las. Quando Milton Friedman (nobel de economia) lhe
questionou, em 1963, a respeito da "escassez de estatı́sticas",
Cowperthwaite respondeu: "Se eu deixá -los coletar estatı́sticas, irã o
querer utilizá -las para planejar a economia".
Perguntado qual era a coisa mais premente que os paı́ses pobres
deveriam fazer, Cowperthwaite respondeu: "Deveriam abolir seus
institutos de estatı́sticas econô micas". Ele acreditava que, se estatı́sticas
fosse coletadas em Hong Kong, elas estimulariam o governo britâ nico a
implantar polı́ticas supostamente corretivas, o que inevitavelmente
afetaria a capacidade da economia de mercado funcionar
corretamente. Isso gerou consternaçã o no governo britâ nico. Uma
delegaçã o de burocratas foi enviada a Hong Kong para saber por que as
estatı́sticas nã o estavam sendo coletadas. Cowperthwaite literalmente
mandou-os de volta a Londres no primeiro aviã o.
O desprezo de Cowperthwaite pela teoria econô mica em voga (o
keynesianismo) e sua abordagem nã o-intervencionista eram garantia
de con litos diá rios tanto com o governo britâ nico quanto com
empresá rios. Os britâ nicos haviam elevado a alı́quota do imposto de
renda em Cingapura; quando ordenaram a Hong Kong que izesse o
mesmo, Cowperthwaite recusou.

O legado de Cowperthwaite
Nã o obstante sua postura contrá ria, há estatı́sticas sobre a Hong Kong
daquela é poca. Durante sua dé cada como secretá rio das inanças, os
salá rios reais subiram 50%, e a fatia da populaçã o vivendo na pobreza
extrema caiu de 48% para 15%. O mais impressionante é que Hong
Kong fez tudo isso sem contar com nenhum outro recurso que nã o fosse
sua populaçã o. A colô nia nã o possuı́a nenhuma terra agrı́cola e
nenhum recurso natural. E até mesmo o ú nico recurso que ela possuı́a
— as pessoas — nã o tinha educaçã o su iciente. Com efeito, a maior
parte da massa de refugiados que chegou a Hong Kong na dé cada de
1950 seria vista apenas como um fardo para o estado.

També m digno de mençã o é todo o contexto mundial vigente à é poca. A


transformaçã o de Hong Kong ocorreu exatamente quando os social-
democratas controlavam a Europa e quando o democrata Lyndon
Johnson e seu programa da Grande Sociedade dominava a polı́tica
americana, o que re letia o consenso entre as elites polı́ticas da Europa
e dos EUA de que assistencialismo e polı́ticas econô micas
intervencionistas eram a ú nica direçã o sensata para as sociedades
avançadas. Mesmo nos paı́ses em desenvolvimento, polı́ticas
econô micas intervencionistas, como a industrializaçã o para substituir
importaçõ es eram a norma. Essa polı́tica se baseia na imposiçã o de
altas tarifas de importaçã o para proteger as indú strias domé sticas e
ainda hoje é defendida pela esquerda.

A pequena Hong Kong, portanto, conseguiu adotar e manter polı́ticas de


livre mercado e de livre comé rcio que iam totalmente contra as
polı́ticas de altos impostos (esquerda) dos governos britâ nico,
europeus e americanos, e contra o consenso de economistas
desenvolvimentistas em todo o mundo. E fez tudo isso enquanto ainda
era pobre e estava perigosamente ao lado de uma poderosa e
imperialista ditadura comunista: a China.
E difı́cil argumentar contra o sucesso. Apó s a aposentadoria de
Cowperthwaite, em 1971, sucessores menos adeptos aos seus
princı́pios se mostraram mais propensos a aumentar os gastos
assistencialistas. Felizmente esses gastos foram inanciados por meio
da venda de terras, e nã o com o aumento de impostos. As alı́quotas
tributá rias estã o hoje exatamente no mesmo valor em que Sir John
James Cowperthwaite as deixou.

O avanço
As polı́ticas de livre comé rcio, de nã o-intervençã o do estado na
economia, de orçamentos governamentais rigidamente equilibrados, de
imposto de renda de pessoa fı́sica com alı́quota ú nica (15%), de
mercado de trabalho bastante lexı́vel, de livre luxo de capitais, de nã o-
restriçã o a investimentos estrangeiros (estrangeiros podem investir
livremente em empresas locais e també m deterem 100% do capital) se
mantiveram inalteradas apó s a saı́da de Cowperthwaite.
Esta polı́tica econô mica, a qual promoveu a concorrê ncia e o espı́rito
empreendedor, criou as condiçõ es para o acelerado crescimento
econô mico vivenciado por Hong Kong nas dé cadas seguintes. Entre
1961 e 2012, o PIB real per capita de Hong Kong foi multiplicado por 9.
Hoje, o PIB per capita de Hong Kong, em termos de paridade do poder
de compra, é o 7º maior do mundo.

Ou seja, em apenas algumas dé cadas, Hong Kong, sem recursos


naturais, sofrendo dos mesmos problemas enfrentados por todos os
outros paı́ses em desenvolvimento, e cuja renda mé dia per capita era de
apenas 28% da dos residentes do Reino Unido, deixou de ser uma
favela a cé u aberto e se tornou uma das economias mais ricas do
mundo, superando em muito a renda mé dia per capita de sua
metró pole.

De economia industrial a uma economia de serviços


O primeiro está gio do desenvolvimento de Hong Kong baseou-se na
indú stria manufatureira. No entanto, as reformas econô micas feitas na
China e a polı́tica de abertura ao investimento estrangeiro adotada por
Deng Xiaoping a partir de 1978 alteraram profundamente a natureza da
economia de Hong Kong nas dé cadas seguintes.

O setor manufatureiro começou a declinar e a perder peso na economia


no inal de dé cada de 1970 em decorrê ncia de aumentos nos preços da
terra — uma inevitabilidade para um local tã o pequeno e povoado — e
nos salá rios. No entanto, a crescente integraçã o econô mica entre Hong
Kong e China permitiu à ilha realocar sua produçã o para as zonas
econô micas especiais na provı́ncia adjacente de Guangdong, na China.

Estas zonas, que foram criadas no inı́cio de 1980, ofereceram aos


investidores de Hong Kong a oportunidade de aumentar sua
competitividade ao recorrerem a uma mã o-de-obra barata e abundante
(chinesa) ao mesmo tempo em que ainda usufruı́am as mesmas
condiçõ es nã o-intervencionistas do governo chinê s quanto recebiam
em Hong Kong. De 1978 a 1997, o comé rcio entre Hong Kong e China
cresceu a uma taxa mé dia anual de 28%. Ao inal de 1997, o
investimento direto feito por Hong Kong representava 80% de todo o
investimento estrangeiro direto em Guangdong.
Estes novos desenvolvimentos alteraram signi icativamente a economia
de Hong Kong. A participaçã o da indú stria na economia declinou de
31% em 1980 para 14% em 1997 e 8% em 2008; o setor de serviços,
por outro lado, aumentou sua participaçã o consideravelmente, de 68%
em 1980 para 86% em 1997 e 92% em 2008.

Desde 1997, a economia de Hong Kong se tornou um polo para serviços


de alto valor agregado ( inanças, administraçã o, logı́stica, consultoria
empresarial, comé rcio etc.). Atualmente ela atrai tanto empresas
chinesas que querem entrar no mercado internacional quanto
empresas de todo o mundo que querem ter acesso aos mercados da
China e do resto da Asia.

Manutenção das instituições de livre mercado


Já no inı́cio da dé cada de 1980, a perspectiva de uma iminente
devoluçã o de Hong Kong à soberania chinesa produziu grande
incerteza com relaçã o à manutençã o das instituiçõ es que tornaram o
territó rio uma regiã o rica e pró spera. Esta preocupaçã o, no entanto, foi
rapidamente abrandada.
Na Declaraçã o Conjunta Sino-Britâ nica, assinada no dia 9 de dezembro
de 1984, foi estabelecido que Hong Kong deixaria de ser um territó rio
sob controle britâ nico no dia 1º de julho de 1997. O princı́pio do "um
paı́s, dois sistemas" també m foi acordado nesta data. Com a exceçã o
das relaçõ es exteriores e da defesa nacional, o acordo concedeu ampla
autonomia ao territó rio e permitiu a Hong Kong manter seu sistema
capitalista e seu estilo de vida por um perı́odo de 50 anos, até 2047.
Hong Kong hoje é uma Regiã o Administrativa Especial da Repú blica
Popular da China. Ela preservou o grosso do seu sistema polı́tico,
judicial, econô mico e inanceiro que caracterizou a colô nia quando
estava sob controle britâ nico. O poder judiciá rio é independente do
poder polı́tico e continua a operar sob o sistema do direito
consuetudiná rio herdado dos britâ nicos. Os direitos de propriedade
sã o garantidos na Constituiçã o da Regiã o Administrativa Especial de
Hong Kong. Seus cidadã os desfrutam amplas e fundamentais
liberdades individuais.
Em 1960, a renda mé dia per capita de Hong Kong era de apenas
28% da renda mé dia per capita da Grã -Bretanha. Atualmente, é de
140%. Ou seja, de 1960 a 2012, a renda per capita de Hong Kong
deixou de ser de aproximadamente um quarto da da Grã -Bretanha e
passou a ser mais de um terço maior. E fá cil falar destes nú meros.
Muito mais difı́cil é se dar conta de sua signi icâ ncia.

Compare a Grã -Bretanha — o berço da Revoluçã o Industrial, a potê ncia


econô mica do sé culo XIX em cujo impé rio o sol jamais se punha — a
Hong Kong, uma mera restinga de terra, superpovoada, sem nenhum
recurso natural, exceto uma enseada. No entanto, em menos de quatro
dé cadas, os residentes desta restinga de terra alcançaram um nı́vel de
renda um terço maior do que aquele desfrutado pelos residentes de sua
metró pole.
O retorno de Hong Kong à China era inevitá vel, assim como era
inevitá vel a determinaçã o do governo chinê s em preservar o
capitalismo de Hong Kong. O interesse da China em preservar sua
galinha dos ovos de ouro era claro: a China sempre utilizou Hong Kong
— a qual ela podia atacar e tomar à força a qualquer momento — como
um meio de acesso aos mercados estrangeiros e també m como fonte de
capital. Houve é pocas em que 80% das receitas externas da China
entrava atravé s de Hong Kong. A China també m queria demonstrar a
Taiwan que uma reuni icaçã o pacı́ ica era possı́vel.
O perigo sempre foi o de a liderança chinesa nã o entender a relaçã o
entre o hardware de Hong Kong (a economia capitalista) e o seu
software (uma sociedade pluralista). E o seu software que permite que
seu hardware funcione tã o bem. Até o momento, os novos governantes
de Hong Kong vê m se comprovando notavelmente aptos a dar
continuidade ao funcionamento harmô nico entre o hardware e o
software. A grande questã o é se isso permanecerá assim no futuro.

Nã o foram apenas os britâ nicos que izeram de Hong Kong um sucesso.
Foi principalmente a populaçã o de Hong Kong, de operá rios de fá bricas
a empreendedores, quem transformou uma ilha esté ril em potê ncia
econô mica. Essas pessoas foram capazes de fazer isso porque o
governo de Hong Kong, na maior parte do tempo, as deixou em
paz. Hong Kong está longe de ser perfeita, e longe de ser um paraı́so
libertá rio. Mas permanece sendo um dramá tico exemplo de como a
genialidade humana e o talento empreendedor podem trazer
prosperidade a uma sociedade originalmente pobre.

Por que Hong Kong sempre foi tã o livre? Em parte, Hong Kong teve a
sorte de ser governada por homens que entendiam que sua funçã o era
bastante limitada. Nã o era exatamente o ideal liberal-clá ssico, mesmo
sob Cowperthwaite, mas ainda assim foi a sociedade que mais
signi icativamente se aproximou deste ideal no sé culo XX. E a
combinaçã o entre a incapacidade do governo britâ nico em fornecer
instituiçõ es democrá ticas e sua falta de interesse em Hong Kong
permitiu à queles homens manter suas polı́ticas econô micas, mesmo
enquanto sua pró pria Grã -Bretanha natal experimentava o desastre
econô mico do socialismo light dos anos 1950-70. Hong Kong també m
se bene iciou do exemplo das desastrosas polı́ticas econô micas da
China na dé cada de 1960. Com tantos residentes chineses fugindo do
comunismo e se refugiando em Hong Kong, a demanda por liberdade
era alta.
Hong Kong é um dos mais formidá veis e conclusivos exemplos de uma
sociedade que teve grande ê xito em fugir do subdesenvolvimento e
enriquecer recorrendo à liberdade econô mica. Hong Kong teve sorte
em ter tido essa liberdade. E a sua populaçã o provou que a liberdade
funciona.
Os Casos da Dinamarca e da Suécia
Juan Ramón Rallo

A Dinamarca é , em muitos sentidos, um paı́s invejá vel: sua renda per


capita, ajustada pela paridade do poder de compra, é uma das maiores
da Europa (e 30% maior que a espanhola), o paı́s está em pleno
emprego, a percepçã o da populaçã o quanto à corrupçã o é a mais baixa
do planeta e seus cidadã os iguram em quase todos os rankings entre
os mais felizes do mundo.
Nã o é à toa que, alé m da Sué cia, a Dinamarca també m se tornou o
modelo que todos os partidos polı́ticos mais progressistas dizem
querer copiar. Até mesmo nos EUA, o atual candidato à nomeaçã o pelo
Partido Democrata, o confesso socialista Bernie Sanders, já exortou seu
partido a copiar o modelo dinamarquê s.
E qual o grande problema nisso tudo? E simples: se alguns socialistas
estã o conclamando uma emulaçã o do modelo dinamarquê s, entã o
certamente eles desconhecem algumas de suas caracterı́sticas, as quais
nã o desagradariam em nada ao mais conservador dos partidos
polı́ticos.
A maioria dos progressistas que elogia o sistema dinamarquê s opta por
se concentrar exclusivamente nas partes deste sistema que lhes
parecem atrativas (quanto o estado fornece de serviços) e ignoram os
custos necessá rios para manter essas partes. No entanto, basta uma
rá pida aná lise sobre trê s importantes aspectos do marco institucional
da Dinamarca — seu mercado de trabalho, seu sistema tributá rio e seu
sistema previdenciá rio — para entender como um lado (o
empreendedor) manté m o outro (o parası́tico). Ato contı́nuo, seria
interessante constatar se os socialistas continuariam apoiando o
modelo dinamarquê s.

Comecemos pelo mercado de trabalho: na Dinamarca, nã o apenas nã o


existe salá rio mı́nimo imposto pelo governo, como també m
praticamente nã o há nenhuma indenizaçã o por demissã o (nem por
demissã o sem justa causa). O má ximo que existe é uma indenizaçã o de
seis meses de salá rio para quem trabalhou na mesma empresa por mais
de 15 anos. Mais ainda: nã o há leis trabalhistas que restrinjam horas
extras (empregado e patrã o acordam voluntariamente as horas de
trabalho), o que permite que as empresas dinamarqueses operem 24
horas por dia, 365 dias por ano.

E mais: o empresá rio nã o paga absolutamente nada em termos de


previdê ncia social do empregado. Tudo ica por conta do pró prio
empregado (que paga 8%). Eventuais negociaçõ es coletivas entre
sindicatos e empresas nã o demoram menos do que 30 anos para a
maioria dos assuntos relevantes (como estipular um salá rio-base para
uma categoria ou as horas de trabalho semanais). Com efeito, 25% dos
trabalhadores dinamarqueses nã o estã o cobertos por nenhum acordo
coletivo, sendo livres para negociar face a face com o empresá rio.

Em suma: a Dinamarca desfruta pleno emprego graças a um mercado


de trabalho altamente liberalizado, em que os custos de contratar sã o
baixos e os custos de demitir sã o quase nulos. O mercado de trabalho
dinamarquê s é o quarto mais desregulamentado do mundo, perdendo
apenas para EUA, Hong Kong, Cingapura e Brunei.

Com relaçã o aos impostos, a Dinamarca se caracteriza por uma


tremendamente agressiva tributaçã o sobre o consumo. Há apenas uma
alı́quota para o imposto sobre o consumo, o IVA (Imposto sobre Valor
Agregado), e essa alı́quota é de 25%. O imposto sobre a eletricidade
representa quase 60% do preço inal do kWh (quase o triplo do da
Espanha, por exemplo).

E a lista de impostos especiais é interminá vel: sobre produtos


petrolı́feros, sobre o carvã o, sobre o gá s natural, sobre as emissõ es de
CO2, sobre o dió xido de enxofre e sobre o dió xido de nitrogê nio, sobre
pratos e talheres de plá stico, sobre pilhas e baterias, sobre a á gua, sobre
o desperdı́cio de á gua, sobre pneus, sobre bolsas de plá stico, sobre
automó veis, sobre o á lcool, sobre o café , sobre o chá , sobre o sorvete,
sobre o açú car, sobre o tabaco, sobre os papeis de cigarro, sobre o jogo,
sobre nozes e amê ndoas, sobre seguros etc. Esse modelo de tributaçã o
pesada sobre o consumo nã o é exatamente uma forma de "justiça
social" para com os mais pobres.

Mas nã o para por aı́. A tributaçã o sobre a renda, por sua vez, també m
nã o é muito solidá ria para com os mais pobres. Façamos uma
comparaçã o entre o Imposto de Renda de Pessoa Fı́sica da Dinamarca
com o da Espanha: entre 3 mil e 19 mil euros, um dinamarquê s paga
37,5% de IRPF, ao passo que um espanhol paga entre 19 e 24%. Entre
19 mil e 23 mil euros, um dinamarquê s paga 43,5% de IRPF, ao passo
que um espanhol paga 30%. E, a partir de 23 mil euros, um
dinamarquê s paga 59% de IRPF, ao passo que um espanhol paga 52%.

Ou seja, é justamente nas faixas de renda mais baixa que ocorrem as


maiores discrepâ ncias na Dinamarca.

Por outro lado, no que tange ao Imposto de Renda de Pessoa Jurı́dica, a


Dinamarca apresenta um dos menores do mundo: a alı́quota mais alta é
de 22% (sendo que na Espanha é de 28%). No entanto, há inú meras
deduçõ es que os empresá rios podem legalmente fazer. Quando se leva
em conta essas deduçõ es, a alı́quota real cai para 7,5%, perante 20% na
Espanha.

Por im, o sistema previdenciá rio dinamarquê s se baseia em uma


pequena previdê ncia pú blica complementada por um sistema
previdenciá rio privado. A previdê ncia pú blica chega a um máximo de
17% do salá rio mé dio do cidadã o (o equivalente a 4 mil euros anuais na
Espanha), e o cidadã o só tem acesso a ela quando chegar aos 67 anos de
idade e se houver contribuı́do por 40 anos. No Brasil, esses valores sã o,
respectivamente, 60 e 35 para os homens e 55 e 30 para as mulheres.

Todo o resto da previdê ncia dinamarquesa advé m de fundos de pensã o


privados (alguns de contribuiçã o obrigató ria e outros de contribuiçã o
voluntá ria).

Somente aquelas pessoas que comprovarem insu iciente pensã o


privada receberã o um complemento da pensã o pú blica, recebendo um
montante que, na Espanha, seria o equivalente a 5 mil euros anuais
adicionais (de modo que a previdê ncia pú blica chega a um má ximo de 9
mil euros anuais).
Tudo isso relatado acima também é a Dinamarca, mas este é um lado
que os socialistas apologistas desse regime preferem ignorar. Todos
eles preferem ressaltar os aspectos mais populares do sistema
dinamarquê s, ocultando os aspectos que realmente permitem que o
lado popular funcione. Para que uma economia que faz uso maciço de
polı́ticas assistencialistas continue crescendo, nã o apenas sua
produtividade tem de ser muito alta, com també m sua liberdade
empreendedora tem de ser a mais alta possı́vel.

E, segundo o site Doing Business, nas economias escandinavas, você


demora no má ximo 6 dias para abrir um negó cio (contra mais de 130
no Brasil); as tarifas de importaçã o estã o na casa de 1,3%, na mé dia (no
Brasil chegam a 60% se a importaçã o for via internet); o imposto de
renda de pessoa jurı́dica é de 22% (34% no Brasil); o investimento
estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restriçõ es); os direitos de
propriedade sã o absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem
fazendas e a justiça os convida para negociar); e o mercado de trabalho
é extremamente desregulamentado. Nã o apenas pode-se contratar sem
burocracias, como també m é possı́vel demitir sem qualquer justi icativa
e sem qualquer custo. Nã o há uma CLT nos paı́ses nó rdicos.)
Sem as liberdades no empreendedorismo citadas, e sem a pesada
tributaçã o que incide també m sobre a renda e o consumo dos mais
pobres, o sistema dinamarquê s seria de impossı́vel sustentaçã o. Mas
essas sã o caracterı́sticas que os socialistas preferem esconder, pois nã o
condizem com o seu modelo imaginá rio.
O caso da Suécia
O desejo de "ser como a Sué cia" está ubiquamente presente nos debates
polı́ticos de quase todas as democracias do mundo, das mais pobres à s
mais ricas. Nã o é incomum ver autoproclamados "democratas
socialistas" dizendo ter o objetivo de copiar o "bem-sucedido modelo
sueco de bem-estar social".

O mais interessante nisso tudo é perceber que tais pessoas olham para
um paı́s rico como a Sué cia e automaticamente concluem que o alto
padrã o de vida daquele paı́s nã o tem nada a ver com seu passado de
laissez-faire, com uma baixa dı́vida pú blica, com sua independê ncia
monetá ria, com a ausê ncia de um salá rio mı́nimo estipulado pelo
governo, com uma forte proteçã o dos direitos de propriedade, com um
Banco Central equilibrado, com baixas taxas de imposto de renda para
pessoa jurı́dica e até mesmo com graduais adoçõ es de privatizaçã o no
sistema de saú de, no sistema previdenciá rio, e na educaçã o.

Ao contrá rio, tais pessoas olham para a Sué cia e, nã o apenas ignoram
estes fatos, como ainda naturalmente pressupõ em que o alto padrã o de
vida da populaçã o sueca é produto de sua alta carga tributá ria e de suas
mundialmente desconhecidas empresas estatais.
Imagine se LeBron James (astro da NBA) começasse a fumar. Qualquer
sucesso que ele continuasse apresentando nas quadras
seria apesar desse há bito destrutivo e nã o por causa dele. O ê xito
econô mico sueco ocorreu apesar de sua alta carga tributá ria sobre
pessoas fı́sicas, e nã o por causa dela.
Dado que a Sué cia sempre é citada por progressistas como o paraı́so na
terra e o modelo a ser seguido, este artigo irá se concentrar apenas
neste paı́s. Uma (extremamente) breve histó ria deste fascinante paı́s
pode nos ajudar a entender melhor o atual alto padrã o de vida da
Sué cia e as vá rias maneiras nas quais o "socialismo" sueco impô s um
desnecessá rio limite sobre a produtividade do paı́s.

Duzentos e cinquenta anos atrá s, a á rea que hoje é conhecida como


"Sué cia" era apenas uma tundra congelada e habitada por uma massa
de camponeses esfomeados. Suas vidas eram rigidamente controladas
por uma sé rie de reis, aristocratas e outros homens arti icialmente
respeitados. Foi necessá rio o surgimento de uma sé rie de indivı́duos
empreendedores e de mentalidade liberal-clá ssica para arrancar o
controle das elites e colocar a Sué cia no caminho da prosperidade.

Poderosos que ditavam quem poderia ou nã o receber licenças


pro issionais, um opressivo sistema de guildas corporativas que proibia
a liberdade de associaçã o e o livre empreendedorismo, e uma litania de
onerosas regulaçõ es sobre as liberdades comerciais e de
empreendimento — tudo isso foi ou dramaticamente reduzido ou
simplesmente abolido.
No sé culo entre 1850 e 1950, a populaçã o dobrou e a renda real dos
suecos decuplicou. Nã o obstante a quase nã o-existê ncia de um estado
assistencialista ou de qualquer grande controle estatal sobre os setores
da economia, em 1950 a Sué cia já era a quarta naçã o mais rica do
mundo. O extraordiná rio crescimento da Sué cia durante aquele sé culo
rivalizou até mesmo com o dos EUA — e o fato de a Sué cia nã o ter
participado de nenhuma das duas grandes guerras, o que deixou sua
infraestrutura intacta e nã o destruiu sua economia, sem dú vida ajudou
bastante.

Com efeito, a formaçã o de capital e a criaçã o de riqueza se mostraram


tã o abundantes na Sué cia durante a depressã o global de 1930, que até
mesmo os social-democratas do governo da é poca praticaram uma
forma de "negligê ncia salutar" para garantir que a prosperidade
continuaria. Como em qualquer outro paı́s, o impressionante estoque
de capital da Sué cia foi construı́do por empreendedores operando em
um sistema de livre mercado.
O "socialismo nórdico" é recente e destruiu o crescimento
econômico
Nas dé cadas seguintes a este impressionante crescimento econô mico,
aconteceu aquilo que parece inevitá vel: grandes empresá rios em busca
de proteçã o do governo contra a concorrê ncia se aliaram a polı́ticos
ambiciosos e a lı́deres sindicais para forçar o governo a adotar polı́ticas
socialistas. As dé cadas de 1970 e 1980 viram um estado
assistencialista crescendo descontroladamente, ampliando
enormemente suas á reas de intervençã o.
Vá rios novos benefı́cios governamentais foram criados; leis trabalhistas
extremamente rı́gidas foram introduzidas; setores estagnados da
economia passaram a receber amplos subsı́dios do governo; as
alı́quotas de impostos sofreram aumentos drá sticos, sendo que algumas
alı́quotas marginais chegaram a ultrapassar os 100%.
Com o tempo, os gastos do governo mais do que duplicaram, e os
impostos sobre determinados setores da economia foram dobrados e
até mesmo triplicados.
Ainda em 1970, a OCDE classi icava a Sué cia como o quarto paı́s mais
rico do mundo. No entanto, no ano 2000, a Sué cia já havia despencado
para a 14ª posiçã o. Em um artigo publicado em 2009 no perió dico
Ekonomisk Debatt, da Associaçã o de Economia Sueca, os economistas
Bjuggren e Johansson, mostraram a triste verdade. Baseando-se em
dados pú blicos divulgados pela agê ncia governamental de Estatı́sticas
Suecas e utilizando um novo sistema de classi icaçã o para designar o
tipo de propriedade das empresas, eles descobriram que nã o houve
absolutamente nenhum emprego criado no setor privado de 1950 a
2005.

Sim, você leu corretamente: nã o houve nenhum aumento lı́quido no


nú mero de empregos no setor privado na Sué cia durante um perı́odo
de 55 anos. Em outras palavras, em um perı́odo que começou cinco
anos apó s o im da Segunda Guerra Mundial, a economia sueca icou
completamente estagnada.

O socialismo nó rdico congelou no tempo um povo que outrora era


empreendedor e pró spero. Com algumas poucas exceçõ es, as grandes
empresas suecas tê m muito poucos incentivos para inovar (e elas nã o
inovaram), e vá rias empresas sobrevivem hoje exclusivamente graças a
contratos de fornecimento para o governo, contratos esses cujos
valores sã o impossı́veis de serem corretamente determinados sem um
sistema de livre mercado capaz de estabelecer preços para bens e
serviços.
A Sué cia conseguiu viver confortavelmente por dé cadas apesar de suas
polı́ticas "socialistas" somente porque um grande estoque de capital e
riqueza já havia sido criado nas dé cadas anteriores por seus laboriosos
empreendedores. Primeiro a Sué cia enriqueceu e acumulou muito
capital (e tal tarefa foi auxiliada por uma continuamente austera
polı́tica monetá ria, que fez com que a Sué cia jamais conhecesse um
perı́odo prolongado de alta in laçã o de preços). Depois, só depois de
ter enriquecido, é que o paı́s começou a implantar seu sistema de bem-
estar social no inal da dé cada de 1960.

No entanto, o consumo deste capital acumulado está erodindo a riqueza


da Sué cia.
Para que uma economia que faz uso maciço de polı́ticas
assistencialistas continue crescendo, sua produtividade tem de ser
muito alta. E para a produtividade ser alta, seu capital acumulado já
tem de ser muito alto. Apenas um alto grau de capital acumulado pode
permitir uma alta produtividade. Ou seja, o paı́s tem de já ser muito
rico. Apenas um paı́s que já enriqueceu e já acumulou o capital
necessá rio (e já alcançou a produtividade su iciente) pode se dar ao
luxo de adotar abrangentes polı́ticas assistencialistas por um longo
perı́odo de tempo. Assistencialismo é algo que só pode funcionar — e,
ainda assim, por tempo determinado — em sociedades que já
enriqueceram e já alcançaram altos nı́veis de produtividade. Nã o dá
para redistribuir aquilo que nã o foi criado. Adotar um modelo sueco em
um paı́s sudanê s nã o daria muito certo.

Em 2007, o professor Mark J. Perry, da George Mason University


demonstrou que, se a Sué cia se tornasse o 51º estado americano, ela
seria o estado mais pobre em termos de desemprego e renda familiar
mé dia. Sim, seria mais pobre até mesmo do que o Mississipi. Com
efeito, o atual estado assistencialista da Sué cia suprime a renda das
famı́lias de modo tã o efetivo, que um estudo de 2012 descobriu que os
americanos que moram na Sué cia vivenciam praticamente a mesma
taxa de desemprego dos suecos, mas ganham, em mé dia, 53% mais em
termos anuais.

Nos anos recentes, o paı́s começou, ainda que de maneira lenta, a


privatizar fatias de seus setores socializados, como saú de, previdê ncia e
educaçã o. Ano passado, a revista Reason mostrou que o uso de planos
de saú de privados estã o explodindo em um paı́s em que pacientes de
câ ncer podem ter de esperar mais de um ano para receber tratamento
de saú de estatal. E essa tendê ncia só faz crescer. A Sué cia,
adicionalmente, começou a terceirizar a educaçã o para fornecedores
privados e, com isso, vivenciou nã o apenas uma reduçã o dos custos mas
també m um aumento na satisfaçã o dos pais e no aprendizado dos
alunos.
Somente um sistema de livre mercado e de livres transaçõ es comerciais
pode coordenar empreendedores e seus recursos de maneira a criar
bens e serviços que de fato acompanhem as necessidades e demandas
dos consumidores. Polı́ticas socialistas nã o participam criam riqueza;
elas só aparecem quando o livre mercado já produziu riqueza su iciente
e reclamam os cré ditos pela proeza. A Sué cia vem praticando essa
forma de socialismo parasitá rio sobre a riqueza acumulada no passado,
mas, com isso, vem afetando signi icativamente a produtividade do
paı́s.

As polı́ticas do "socialismo nó rdico" tê m restringido o crescimento


sueco por dé cadas. A ideia de que é possı́vel implantar um socialismo
nó rdico em qualquer paı́s sem destruir a mobilidade da mã o-de-obra,
sem tributar o capital até sua aniquilaçã o, e sem paralisar a inovaçã o é
uma ilusã o completa. Felizmente, a Sué cia está retornando lentamente
à s suas produtivas raı́zes capitalistas. Seus pretensos imitadores
deveriam tentar imitar isso també m.
Suı́ça e Cingapura Sã o Ricas
Por Causa do Sistema Financeiro?
Juan Ramón Rallo

Suı́ça e Cingapura sã o duas das economias mais ricas do planeta em


termos per capita. Em 2016, a renda per capita da Suı́ça foi de 58.600
dó lares (em termos de paridade do poder de compra), ao passo que a
de Cingapura chegou a impressionantes 85.200 dó lares. Para se ter uma
ideia, a da Finlâ ndia foi de 41.120 dó lares, a da Dinamarca foi de 45.700
dó lares, a da Alemanha foi de 46.900 dó lares, e a da Sué cia foi de
47.900 dó lares.
A exceçã o da Alemanha, que possui 81,4 milhõ es de habitantes, todos
os demais paı́ses acima tê m um nú mero populacional semelhante. A
Suı́ça tem 8,2 milhõ es de habitantes. Cingapura tem 5,6 milhõ es.
Dinamarca, 5,7 milhõ es. Finlâ ndia, 5,5 milhõ es. Sué cia, 10,1 milhõ es.
E, ainda assim, Suı́ça e Cingapura vencem com folga em termos de
riqueza per capita.
E por que faço esta introduçã o? Porque virou rotina social-democratas
e intervencionistas de todos os tipos dizerem que os exemplos de Suı́ça
e Cingapura nã o servem a ningué m porque a riqueza destes dois paı́ses
se deve essencialmente a seu "hipertro iado setor inanceiro". Segundo
tais pessoas, ambos os paı́ses seriam apenas um receptá culo iscal de
todo o capital estrangeiro; meras caixas-fortes para onde os magnatas
do resto do mundo enviam seu dinheiro para fugir do isco de seus
respectivos paı́ses.
Consequentemente, sempre segundo tais pessoas, ambos os paı́ses
apresentam bons nú meros apenas por causa desta peculiaridade, de
modo que suas economias reais sã o inexistentes. Suı́ça e Cingapura
seriam apenas os banqueiros do mundo, e nã o exemplos a serem
copiados de economias reais produtivas e competitivas.

De um lado, até é verdade que o peso do setor inanceiro na Suı́ça e em


Cingapura seja superior aos de Finlâ ndia, Sué cia, Dinamarca e
Alemanha. No entanto, nã o é substantivamente superior de modo a
explicar as signi icativas diferenças de renda per capita entre ambos os
grupos de paı́ses: a inal, o setor inanceiro suı́ço representa apenas
9,5% de sua economia, e o de Cingapura, 13,7%.

Agora vem o mais importante: se, de um lado, mantivermos constante a


atividade dos outros setores econô micos e, de outro, aumentarmos o
tamanho do setor inanceiro de Finlâ ndia, Sué cia, Dinamarca e
Alemanha até que tenham, em relaçã o ao PIB, o mesmo peso do suı́ço, a
renda per capita da Finlâ ndia subiria para 44.250 dó lares, a da
Dinamarca iria para 49.400 dó lares, a da Alemanha, para 50.000
dó lares, e a da Sué cia, para 50.800 dó lares.

Ou seja, as diferenças de renda per capita em relaçã o à Suı́ça (58.600


dó lares) continuariam notá veis.

Se izermos o mesmo para Cingapura, a renda per capita da Finlâ ndia


subiria para 46.300 dó lares, a da Dinamarca iria para 51.800 dó lares, a
da Alemanha, para 52.500 dó lares, e a da Sué cia, para 53.250 dó lares.
Ou seja, se estes paı́ses adotassem o mesmo peso do setor inanceiro de
Cingapura, eles nã o apenas continuariam muito longe da renda per
capita de Cingapura (85.200 dó lares), como ainda nem sequer
alcançariam a Suı́ça.
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Alyson
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Logo, parece
ó bvio que as
economias de
Suı́ça e
Cingapura sã o muito mais que seus respectivos setores inanceiros.
Suas economias reais existem e sã o complexas e gigantescas.

Nã o em vã o, os maiores setores de ambas as economias sã o o industrial


(que opera sem nenhum protecionismo; a tarifa de importaçã o é zero
paraSuı́ça e Cingapura) e o comercial, muito à frente do setor
inanceiro.
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Com efeito, Suı́ça e Cingapura estã o entre os maiores exportadores de


mercadorias do mundo (estou desconsiderando totalmente a
exportaçã o de serviços, para assim excluir a in luê ncia do setor
inanceiro). Apenas Cingapura, por exemplo, exporta mais materiais
eletrô nicos em relaçã o ao seu PIB (38,5% do PIB) do que exportam, em
relaçã o a qualquer produto, Finlâ ndia, Sué cia, Dinamarca ou Alemanha.
E, evidentemente, tã o proeminente competitividade també m se re lete
em um enorme superá vit no setor externo (balança comercial e conta-
corrente): de 11,9% do PIB para a Suı́ça e de 19% do PIB para
Cingapura). O paı́s que mais se aproxima é a Alemanha, com 8,4% do
PIB.
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Alyson
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De initivamente, a prosperidade de Suı́ça e Cingapura nã o gira em torno


de — e nem muito menos está ligada exclusivamente ao — seu setor
inanceiro. Muito pelo contrá rio: ambos os paı́ses possuem economias
reais extraordinariamente desenvolvidas, modernas e competitivas.

As razõ es que explicam este impressionante desenvolvimento sã o as


mesmas que, historicamente, explicam o crescimento de qualquer outra
economia: segurança jurı́dica e institucional, respeito à propriedade
privada, populaçã o produtiva, baixos impostos, livre comé rcio com os
estrangeiros, abertura total a investimentos estrangeiros, poucas
regulaçõ es, facilidade de empreender, e leis con iá veis e está veis.
E, acima de tudo, estabilidade monetá ria e moeda forte: o franco suı́ço e
o dó lar de Cingapura estã o entre as moedas mais está veis do mundo;
elas continuamente se apreciam em relaçã o ao dó lar (vide os links
anteriores). Consequentemente, ambos os paı́ses apresentaram as mais
baixas taxas de in laçã o das ú ltimas dé cadas.

Nada fomenta mais investimentos do que segurança jurı́dica, moeda


está vel e baixos impostos e regulaçõ es. Quando a moeda é está vel,
quando há segurança jurı́dica, quando há facilidade de se empreender e
quando há a garantia de que os frutos do seu empreendimento poderã o
icar com você , investidores de todo o mudo tê m mais incentivos para
se arriscar e inanciar ideias novas e ousadas, e mais disponibilidade
para inanciar a criaçã o de uma riqueza que ainda nã o existe. O
investimento em tecnologia é maior. O investimento em soluçõ es
ousadas para a saú de é maior. O investimento em infraestrutura é
maior. O investimento em ideias para o bem-estar de todos é maior.
Alé m de ser o meio de troca, a moeda é a unidade de conta que permite
o cá lculo de custos de todos os empreendimentos e investimentos. Se
essa unidade de conta é instá vel — isto é , se seu poder de compra cai
contı́nua e rapidamente, principalmente em termos das outras moedas
estrangeiras —, nã o há incentivos para se fazer investimentos. Logo,
nã o há como haver grande progresso.

Com efeito, todas estas caracterı́sticas constituem exatamente os


principais pontos fortes para que estes dois paı́ses tenham se
convertido nos refú gios prediletos da poupança global: estas economias
sã o ricas e pró speras nã o porque seu setor inanceiro é hipertro iado;
seu setor inanceiro é pujante porque estas economias sã o ricas e
pró speras.
E elas sã o ricas e pró speras, e seu setor inanceiro é pujante,
exatamente porque estes paı́ses respeitam a propriedade privada
(inclusive a moeda) muito mais do que qualquer outra regiã o do
planeta.

Por tudo isso, Suı́ça e Cingapura — dois paı́ses culturalmente muito


diferentes, mas com resultados econô micos muito semelhantes —
proporcionam, sim, liçõ es valiosas para todos os paı́ses do mundo:
quem quer mais crescimento e mais prosperidade deve apostar —
exatamente como vem fazendo a Irlanda — em menores impostos,
regulaçõ es e burocracia, maior segurança jurı́dica, mais estabilidade
monetá ria, e livre comé rcio pleno.

Tal arranjo sempre estimula a livre concorrê ncia, a qual leva ao


aumento da produçã o e da oferta de bens e serviços, gerando todo um
aumento no padrã o de vida da populaçã o.
Realmente, nã o é necessá rio muito mais do que isso para multiplicar o
bem-estar de todos os cidadã os.
A Desigualdade Não é o Problema
John Tamny

O economista Robert Shiller prevê , em um recente artigo para o The


New York Times, que a desigualdade econô mica "pode se tornar um
pesadelo nas pró ximas dé cadas".
Mais: ele acredita que aquela mesma evoluçã o econô mica que gera um
padrã o de vida continuamente mais alto para todos "poderá nos levar a
um mundo em que ter um emprego bá sico com um salá rio decente será
impossı́vel de encontrar". Shiller cita a proliferaçã o da automaçã o e
dos robô s para sustentar esse seu argumento.
Ambas as projeçõ es de Shiller servem como um lembrete de por que
devemos encarar as re lexõ es de economistas da mesma maneira como
encaramos as projeçõ es de cartomantes.
A desigualdade só é menor em países pobres
Para entender por que Shiller está promovendo apenas desinformaçã o
e alarmismo em detrimento da razã o e da ló gica, apenas pense em
Henry Ford, no falecido Steve Jobs e no empreendedor da informá tica
Michael Dell. Cada um destes se tornou extraordinariamente rico nã o
por prejudicar os pobres e a classe mé dia, mas sim por saber
transformar luxos que até entã o eram usufruı́dos apenas pelos ricos (o
automó vel, um smartphone — que, na prá tica, é um supercomputador
—, e o computador portá til) em bens corriqueiros acessı́veis a todos.
E, graças à globalizaçã o, os inventos desses empreendedores nã o
icaram restringidos à s suas fronteiras, mas se espalharam por todo o
mundo. Para o cidadã o comum, pouco importa se o empreendedor é
americano, chinê s, indiano ou alemã o: no inal, graças à globalizaçã o e
ao livre comé rcio, ele terá acesso a este invento. E nã o icará mais
pobre por causa disso. Ao contrá rio.
Ao popularizarem seus inventos, esses trê s empreendedores se
tornaram extremamente ricos. Bem mais ricos que o resto de nó s,
meros mortais. Houve um aumento da desigualdade.
Logo, a desigualdade nã o apenas não é uma catá strofe, como, na
verdade, seu aumento pode representar uma redução na diferença de
estilo de vida entre pobres e ricos. Quando a desigualdade está
aumentando, a diferença de padrã o de vida entre ricos e pobres está
diminuindo. Por de inição.

E é assim porque, como a histó ria sobre a riqueza do mundo deixa


bastante claro, numa economia de mercado, indivı́duos se tornam ricos
majoritariamente à medida que suas inovaçõ es melhoram o padrã o de
vida de todas as classes sociais. Eles só podem enriquecer se
conseguirem satisfazer as necessidades daquela maioria que nã o é rica.

Supondo um mundo de inido pela falta de um "salá rio decente", como


teme Shiller, nã o haveria nenhuma chance de empreendedores sequer
enriquecerem, pois nã o haveria mais consumidores com renda para
adquirir suas inovaçõ es. Logo, e por de iniçã o, neste "pesadelo"
previsto por Shiller, de falta de emprego e de salá rio decente para as
massas, a desigualdade irá diminuir, simplesmente porque nã o haverá
nenhum mercado consumidor para adquirir as inovaçõ es criadas por
empreendedores.

Portanto, qualquer pessoa que diga, ao mesmo tempo, que a


desigualdade irá aumentar e que a renda das pessoas irá cair, tem
problemas de ló gica. Por de iniçã o.

E os dados empı́ricos comprovam isso: maior a igualdade de renda em


uma economia nã o tem nenhuma relaçã o com mais riqueza. O
indicador de mediçã o da desigualdade mais utilizado no mundo é o
Coe iciente de Gini. Quando mais pró ximo de 1, mais desigual é um paı́s.
Quanto mais pró ximo de zero, mais justa e igualitá ria é uma sociedade.
Segundo dados do Banco Mundial, pode-se concluir que:

O Afeganistã o (27,8) é mais justo e igualitá rio que a Bulgá ria (28,2),
Alemanha (28,3) e a Austria (29,2).
A Etió pia (29,6) e o Paquistã o (30) sã o mais justos e igualitá rios que a
maioria dos paı́ses desenvolvidos, como Austrá lia (35,2), Coré ia do Sul
(31,6) e Luxemburgo (30,8) e Canadá (32,6).

Tadjiquistã o (30,8), Iraque (30,9), Timor Leste (31,9), Bangladesh


(32,1) e Nepal (32,8) sã o mais igualitá rios que Bé lgica (33), Suı́ça
(33,7), Polô nia (34), França (35,2), Reino Unido (36) e Portugal (38,5).

Burundi (33,3), Indoné sia (34), Togo (34,4), Nı́ger (34,6), India (33,4)
sã o mais igualitá rios que Irlanda (34,3) Espanha (34,7), Itá lia (36),
Israel (39,2).
E todos os citados anteriormente mais Quirguistã o (36,2), Mongó lia
(36,5), Tanzâ nia (37,6), Camboja (37,9), Libé ria (38,2), Senegal (39,2),
Djibouti (40) sã o mais justos e igualitá rios que Estados Unidos (40,8),
Cingapura (42,5) e Hong Kong (43,4).

Para simpli icar, podemos dizer que os EUA sã o mais desiguais que o
Senegal; o Canadá é mais desigual que Bangladesh; a Nova Zelâ ndia é
mais desigual que o Timor Leste; a Austrá lia é mais desigual que o
Cazaquistã o; o Japã o é mais desigual que o Nepal e a Etió pia. Já o
Afeganistã o é uma das naçõ es mais igualitá rias do mundo.

Como era de se esperar, há uma completa falta de relaçã o entre


desenvolvimento e igualdade de renda. Mais: desigualdade e pobreza
nã o sã o sinô nimos.

Diferenças na propriedade de ativos nã o signi icam igual diferença no


padrã o de vida. A riqueza de Bill Gates deve ser 100.000 vezes maior
do que a minha. Mas será que ele ingere 100.000 vezes mais calorias,
proteı́nas, carboidratos e gordura saturada do que eu? Será que as
refeiçõ es dele sã o 100.000 vezes mais saborosas que as minhas? Será
que seus ilhos sã o 100.000 vezes mais cultos que os meus? Será que
ele pode viajar para a Europa ou para a Asia 100.000 vezes mais rá pido
ou mais seguro? Será que ele pode viver 100.000 vezes mais do que
eu?

A preocupaçã o nã o tem de ser com a pobreza relativa, mas sim com a
pobreza absoluta. E esta está sendo devidamente aniquilada pelo
capitalismo.
Automação e robótica
O que nos leva à questã o da automaçã o e dos robô s. Ao contrá rio do
que prevê Shiller, a intensi icaçã o do uso de robô s e da automaçã o nã o
signi ica uma vida de desemprego e baixos salá rios. Muito pelo
contrá rio.

Houve uma é poca em que praticamente todos os seres humanos tinham


de trabalhar no campo — querendo ou nã o — apenas para
sobreviver. A tecnologia acabou com a necessidade de utilizar seres
humanos para fazer trabalhos agrı́colas pesados, e os liberou para ir
buscar outras vocaçõ es fora do campo. Foi assim que começou nosso
processo de enriquecimento e de melhora no padrã o de vida.
O automó vel, o computador, a luz elé trica, a internet e a mecanizaçã o da
agricultura tornaram vá rias formas de emprego totalmente obsoletas.
Nã o obstante, isso nã o apenas nã o empurrou a humanidade para a
pobreza endê mica e para a " ila do pã o", como ainda gerou a criaçã o de
maneiras totalmente novas de se ganhar a vida. A robotizaçã o promete
uma multiplicaçã o de tudo isso.

Os temores de economistas, polı́ticos e trabalhadores de que os robô s e


a automaçã o irã o destruir os empregos nã o apenas sã o exagerados,
como ainda revelam um desconhecimento da histó ria. A crescente
automatizaçã o é propícia à criaçã o de novos empregos. Uma abundante
criaçã o de empregos sempre foi, em todo lugar e em qualquer perı́odo
da histó ria, o resultado de avanços tecnoló gicos que tautologicamente
levaram à destruiçã o de trabalhos obsoletos.

Uma automaçã o agressiva liberta o ser humano do fardo de ter de fazer


trabalhos pesados — até entã o essenciais — e o libera para se
aventurar em novos empreendimentos. Isso é propı́cio à criaçã o de
novos empregos.
Sempre tenha isso em mente: tudo o que é poupado no processo de
produçã o se transforma em mais capital disponı́vel para novas ideias.
Se passamos a utilizar menos mã o-de-obra e menos recursos em um
determinado processo produtivo, essa mã o-de-obra liberada e esses
recursos poupados estarã o livres para ser utilizados em outros
processos de produçã o, em novas ideias e em novos empreendimentos.
Quais as consequê ncias disso? E simples: para que empreendedores
possam fazer grandes tentativas empreendedoriais, eles tê m antes de
ter capital e mã o-de-obra disponı́vel para fazê -lo. A robó tica gera
e iciê ncias que aumentam os lucros, e isso permitirá um enorme surto
de investimentos, os quais nos brindarã o com todos os tipos de novas
empresas e de avanços tecnoló gicos que criarã o novos tipos de
empregos hoje inimaginá veis. E maiores salá rios.

Por isso, robô s, automaçã o e outros inventos que poupam mã o-de-obra
sinalizam para um futuro com uma força de trabalho mais bem
empregada, mais voltada para aquilo que gosta, e mais bem paga, sendo
capaz de adquirir um volume crescente de bens e serviços a preços
menores.
A massi icaçã o da automaçã o permitirá que descubramos novas
aptidõ es e novos trabalhos, os quais, no futuro, nos deixarã o atô nitos ao
percebermos o tanto de energia que gastamos com trabalhos
monó tonos e repetitivos no passado. Os "destruidores de emprego" do
passado — como o automó vel (que destruiu empregos no setor de
carroças), o computador (que destruiu empregos no setor de má quinas
de escrever), a luz elé trica (que destruiu empregos no setor de vela) —
parecerã o ı́n imos em comparaçã o.
A desigualdade futura será maior?
A desigualdade de renda futura, portanto, será muito maior do que é
hoje, e será o resultado de empreendedores satisfazendo as
necessidades e desejos dos indivı́duos a preços espantosamente
baixos. Quanto mais essa desigualdade aumentar no futuro, mais
garantidos serã o os sinais de que as necessidades e desejos de todos os
trabalhadores serã o satisfeitos.
Falando mais simplesmente, as pessoas de mais baixa renda no futuro
terã o um padrã o de vida e um acesso a todos os tipos de bens e serviços
que fará com que o padrã o de vida do 1% mais rico atual pareça
austero em comparaçã o. Se você duvida, apenas compare o padrã o de
vida do cidadã o comum hoje com o padrã o de vida dos reis e
aristocratas do sé culo XIX.
Implı́cito em todo esse argumento anti-progresso está a crença de que a
natureza do trabalho é está tica. Mas a realidade é que o tipo de
trabalho que fazemos hoje nã o prevê o tipo de trabalho que teremos no
futuro, assim como o tipo de trabalho de 150 anos atrá s (quando mais
da metade do mundo estava no campo) nã o previu o tipo de trabalho
que fazemos hoje. Nenhum economista pode prever os tipos de
empregos que os inovadores e empreendedores que operam com o
sistema de lucros e prejuı́zos irã o criar nas dé cadas e sé culos à frente.
Mas o que é realmente garantido é que, se conseguirmos blindar a
economia desse tipo de previsã o arti icial e falsa feita por economistas
como Shiller, a natureza dos empregos e do trabalho evoluirá
belamente graças à automaçã o cada vez mais avançada, a qual nos
libertará de trabalhos maçantes e exaustivos, e nos permitirá
concentrarmo-nos naquilo que realmente gostamos de fazer, e que
potencializará nossa produtividade de uma maneira tal que fará com
que nossos empregos de hoje pareçam prosaicos em comparaçã o.
O curioso sobre esses ataques à desigualdade de renda é que jamais foi
explicado por que seria deleté rio para a economia indivı́duos buscarem
carreiras que, caso bem-sucedidos, os tornarã o muito mais desiguais
em relaçã o a seus pares. Levando ao extremo, se um grupo de
cientistas descobrir a cura de initiva para o câ ncer, e enriquecer
enormemente por causa dessa descoberta, os crı́ticos da desigualdade
terã o de exigir que essa descoberta seja revogada, pois levou a um
aumento da desigualdade.

Nessa mesma linha, Henry Ford morreu muito rico, Steve Jobs morreu
valendo bilhõ es, e Michael Dell vale dezenas de bilhõ es. Como
exatamente o fato de eles serem muito ricos prejudicou você ? Algué m
realmente diria que o mundo estaria melhor caso estes trê s fossem
meros preguiçosos sem ambiçã o? A desigualdade, sem dú vida, seria
menor.
O fato é que todos nó s, ainda que nã o tenhamos coragem para falar isso
abertamente, queremos viver em um mundo repleto de
empreendedores visioná rios e inovadores, que enriqueçam bastante
em decorrê ncias de seus inventos que aumentam substantivamente
nosso padrã o de vida. Quanto mais eles enriquecerem e mais
inanceiramente desiguais forem em relaçã o a nó s, maior será o nosso
padrã o de vida e menor será a diferença de estilo de vida entre eles e
nó s.
Caso contrá rio, sempre podemos nos mudar para o Afeganistã o, paı́s
com a menor desigualdade de renda do mundo.
Quem é o Presidente da Suíça?
Bill Wirtz

Doris Leuthard é o atual presidente da Suı́ça. Mas nem se preocupe em


decorar esse nome: ano que vem o presidente já terá mudado. Assim
como era outro presidente no ano passado. Sim, a Suı́ça muda seu
presidente anualmente. Aliá s, há algo de muito interessante sobre a
polı́tica suı́ça: você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum polı́tico
suı́ço em nenhum momento da histó ria.
Você certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de polı́ticos
da França, da Alemanha, do Reino Unido, da Itá lia, da Austria, de
Portugal, da Espanha, da China, do Japã o, e dos principais paı́ses da
Amé rica Latina. Uma simples pesquisa no Google irá lhe apresentar
toda a equipe do atual chefe de governo de cada um desses paı́ses.
Mas você absolutamente nada sabe sobre a polı́tica da Suı́ça. Você
simplesmente nunca ouviu falar de nenhum polı́tico da Suı́ça, nem atual
nem do passado. Com efeito, você sequer sabe ao certo qual é o sistema
polı́tico vigente na Suı́ça. (Há uma piada antiga que diz que nã o há
corrupçã o na Suı́ça porque as pessoas simplesmente nã o sabem onde
estã o os polı́ticos que elas devem tentar subornar para conseguir
favores.)

A questã o é : como é que um paı́s tã o famoso (e tã o invejado) no cená rio
internacional possui um executivo totalmente desconhecido?

Os suíços se opuseram a um governo central desde o início de sua


história
O começo da confederaçã o suı́ça nunca esteve relacionado à busca pelo
poder. Do sé culo XIV em diante, enquanto toda a Europa estava
dilacerada ou por con litos territoriais ou por con litos religiosos (como
Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantõ es
da Antiga Confederaçã o Helvé tica eram um microcosmo de paz e
prosperidade.
Sim, dentro desses cantõ es també m havia diferenças religiosas, mas sua
populaçã o, em vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: izeram um
pacto de mú tua assistê ncia militar para proteger a neutralidade da
regiã o e sua paz.

O Sacro Impé rio Romano-Germâ nico havia concedido a essa


comunidade de cantõ es a imediatidade imperial, o que signi icava que
os cantõ es estavam livres do domı́nio do Impé rio (eram autô nomos) ao
mesmo tempo em que faziam parte dele. Considerando-se que as
realezas europeias extraı́am volumosas quantias de impostos de seus
sú ditos para inanciar suas guerras que duravam dé cadas, ser um suı́ço
à quela é poca era compará vel a viver no primeiro genuı́no paraı́so iscal
da histó ria.

Mais ainda: por qualquer â ngulo que se olhe, as seguidas destruiçõ es


que ocorriam em toda a Europa faziam com que as eventuais diferenças
que havia entre os cantõ es suı́ços parecessem totalmente
insigni icantes.

Posteriormente, as diferenças religiosas começaram a crescer també m


na Suı́ça, gerando con litos entre os cantõ es cató licos e os cantõ es
protestantes. Cada um desses con litos teve seus vencedores, mas,
mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma verdadeira
mudança de regime, uma vez que os cantõ es eram diversos demais para
serem governados centralizadamente. Os governos cantonais
simplesmente se recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal
nã o seguia ordens de nenhum outro governo cantonal. A ú nica polı́tica
com a qual todas concordavam era a polı́tica externa de neutralidade, a
qual acabou por poupar o paı́s de todas as guerras.

Em 1798, poré m, o Exé rcito Revolucioná rio Francê s invadiu a


Confederaçã o e estabeleceu a Repú blica Helvé tica. A Suı́ça deixava de
ser uma confederaçã o e se tornava um estado centralizado. A soberania
cantonal foi abolida e os cantõ es foram reduzidos a distritos
administrativos, tudo à imagem da França revolucioná ria. A Repú blica
Helvé tica, "Una e Indivisı́vel", foi proclamada e as forças de ocupaçã o
estabeleceram um estado centralizador baseado nas ideias
da Revoluçã o Francesa.
Mas essas ideias "progressistas" sofreram ampla resistê ncia e foram
abolidas 5 anos depois, pois a populaçã o suı́ça se recusava a cooperar
com quaisquer tentativas de centralizaçã o. A Repú blica Helvé tica era
simplesmente incompatı́vel com a mentalidade suı́ça: os indivı́duos
exigiam que todas as decisõ es governamentais fossem feitas em nı́vel
cantonal, e nã o em nı́vel federal.

A centralização e a Guerra Civil da Suíça


A Repú blica Helvé tica acabou em 1803 com a Ata de Mediaçã o,
promulgada por Napoleã o Bonaparte. O estado centralizado foi abolido.
Mas ainda havia uma pendenga sobre a legitimidade de se ter um
governo federal. Apó s dé cadas de desavença quanto a essa questã o,
uma guerra civil acabou por encerrar a querela.

A Guerra de Sonderbund ("aliança separada", em alemã o), de novembro


de 1847, foi uma batalha originada por sete cantõ es cató licos
conservadores que se opunham à centralizaçã o do poder e que, por
isso, se rebelaram contra a Confederaçã o que estava em vigor desde
1814. Esta foi provavelmente uma das menos espetaculares guerras da
histó ria do mundo: com duraçã o de 26 dias, o exé rcito federal perdeu
78 homens e teve outros 260 feridos. Mas saiu vencedor. A Conspiraçã o
Sonderbund se dissolveu e a Suı́ça se tornou, em 1848, o estado que é
até hoje.

Apenas pense nisso: a guerra suı́ça (caracterizada por sua


inacreditavelmente baixa violê ncia quando comparada à s outras
guerras) foi motivada puramente pela rejeiçã o à centralizaçã o do poder
e pelo ceticismo quanto aos poderes usufruı́dos por uma entidade
grande. E lembre-se de que estamos falando de um paı́s
territorialmente pequeno (apenas 41 mil quilô metros quadrados). O
resultado foi, e é , um estado relativamente neutro que permite uma
maior quantidade de liberdade e prosperidade que praticamente todas
as outras naçõ es europeias.
O Conselho Federal, impotente por natureza
Mas entã o, qual é o icialmente o governo da Suı́ça? O executivo do paı́s
é representado por um ó rgã o chamado Conselho Federal. Ele é
composto por 7 membros, sendo cada membro responsá vel por um dos
sete ministé rios da Suı́ça (que lá sã o chamados de Departamentos).
Esses sete membros sã o nomeados pelas duas câ maras da Assembleia
Federal.

A presidê ncia e a vice-presidê ncia do Conselho Federal sofrem um


rodı́zio anual. Já o mandato dos 7 membros é de quatro anos. O atual
Conselho é formado por 2 social-democratas, 2 conservadores de
centro-direita, 2 conservadores nacionalistas, e um democrata-cristã o
(Doris Leuthard, que é a atual presidente).
Embora a Confederaçã o da Suı́ça tenha sido criada para seguir o
exemplo dos EUA no que diz respeito ao federalismo e aos direitos dos
estados, os suı́ços conseguiram evitar que o poder executivo se
concentrasse em apenas uma pessoa.

E interessante notar que, embora cada paı́s europeu tenha feito (e ainda
faça) constantes alteraçõ es em sua forma de governo, o formato do
Conselho suı́ço é o mesmo desde 1848. A ú nica mudança polı́tica já
ocorrida no Conselho Federal foi a recente reversã o da Fó rmula Má gica,
també m conhecida como o "consenso suı́ço", que é o costume polı́tico
de repartir os 7 assentos do Conselho entre os quatro maiores partidos:
com a chegada do industrial bilioná rio e opositor da Uniã o Europeia
Christoph Blocher e seu Partido Popular Suı́ço, esse acordo polı́tico foi
chacoalhado. Mais ainda: fez com que uma eventual entrada da Suı́ça na
Uniã o Europeia seja ainda mais imprová vel.

O Conselho demonstra unidade em relaçã o ao povo e a maioria de suas


decisõ es é feita por consenso. E é assim porque seu papel é muito mais
decorativo do que funcional, dado que a maior parte do poder é
prerrogativa dos cantõ es. Decisõ es relacionadas a educaçã o, saú de,
assistencialismo e até mesmo criaçã o de impostos sã o feitas
exclusivamente em nı́vel regional. O governo federal nã o pode editar
medidas provisó rias e nã o tem poder de veto.

O presidente da Suı́ça nã o tem praticamente nenhum espaço nas


discussõ es polı́ticas e econô micas que ocorrem no paı́s. Portanto, se
você nã o sabia quem é o presidente da Suı́ça, nã o se preocupe; vá rios
suı́ços també m nã o sabem.
O localismo funciona na Suíça
Os cantõ es suı́ços sã o os responsá veis pelo equilı́brio da polı́tica: os
cantõ es conservadores sã o todos aqueles que estã o fora das grandes
cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a capital). A populaçã o das
comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo distante e
centralizado em uma capital nacional. Como resultado, os suı́ços
continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a
energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos
suı́ços mensais para cada cidadã o. Mais de 75% dos suı́ços foram
contra a medida.
Essa propensã o ao localismo seria consideravelmente mais difı́cil nã o
fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederaçã o.
Todas as leis federais sã o submetidas à s quatro etapas abaixo:

1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas na administraçã o


federal.

2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande nú mero de pessoas


por meio de uma pesquisa de opiniã o: governos cantonais, partidos
polı́ticos, ONGs, associaçõ es da sociedade civil podem comentar sobre o
projeto de lei e propor mudanças.
3. O resultado é apresentado a comissõ es parlamentares dedicadas ao
assunto nas duas câ maras do parlamento federal, é discutido em
detalhes a portas fechadas e inalmente é debatido em sessõ es pú blicos
em ambas as câ maras do parlamento.
4. O eleitorado possui o poder inal de veto sobre o projeto de lei. Se
qualquer pessoa conseguir encontrar, em trê s meses, 50.000 cidadã os
dispostos a assinar uma petiçã o pedindo um referendo sobre esse
projeto de lei, um referendo será marcado. Para que um referendo seja
aprovado, o projeto de lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do
eleitorado nacional, e nã o pela maioria dos cantõ es. E comum a Suı́ça
fazer mais de dez referendos em um determinado ano.
Tais referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por
partidos da situaçã o e da oposiçã o: se nã o houver consenso, a oposiçã o
pode usar a iniciativa popular (referendo) para derrubar qualquer
decisã o tomada em nı́vel nacional.
Entre 1893 e 2014, apenas 22 de 192 iniciativas populares foram
aprovadas pelos eleitores. A reticê ncia com que essas iniciativas sã o
recebidas pelos suı́ços indica prudê ncia da parte dos eleitores e aversã o
a leis criadas centralizadamente.

E foi esse sistema de pesos e contrapesos, representado tanto pelos


cantõ es agressivamente localistas quanto pela ferramenta da
democracia direta, que tornou a Suı́ça particularmente resistente ao
crescimento do poder do governo, e um dos poucos bastiõ es da
liberdade na Europa.
A Recuperação dos Países Bálticos
Juan Ramón Rallo

Em 2009 e 2010, as polı́ticas de austeridade que estavam sendo


aplicadas pelos paı́ses bá lticos pareciam estar levando-os ao mais
inexorá vel dos colapsos: em relaçã o a 2008, o governo da Estô nia havia
reduzidos seus gastos em 4,5% em termos nominais; a Lituâ nia, em
4,7%; e a Letô nia em espetaculares 20,1%.
Paralelamente, e para efeitos de comparaçã o, em 2010 o governo da
Espanha havia aumentado seus gastos em 7,7% em relaçã o a 2008.
Hoje, nã o obstante alguns cortes feitos pelo governo de Mariano Rajoy,
os gastos governamentais da Espanha seguem acima do nı́vel alcançado
em 2008.
O efeito de curto prazo sobre os bá lticos certamente foi doloroso: em
2009, em plena vigê ncia das polı́ticas austeridade, o PIB destes trê s
paı́ses chegou a despencar algo entre 15 e 20% em relaçã o ao nı́vel
má ximo alcançado durante o á pice da bolha de cré dito que havia se
formado em suas economias. Foi aı́ que os apologistas do
esbanjamento e da gastança estatal se puseram a fazer suas
pan letagens ideoló gicas. Por exemplo, em 2009, o jornal espanhol
Pú blico escreveu esta maté ria a respeito da Letô nia: El bastión
neoliberal de Europa se derrumba.
No entanto, a austeridade do lado dos gastos estatais logrou sanear as
inanças pú blicas destes paı́ses. A Estô nia registrou superá vit
orçamentá rio já em 2010; a Letô nia, que partiu de um dé icit superior a
7% em 2009, conseguiu equilibrar seu orçamento em 2012; e a
Lituâ nia, partindo de um dé icit de 9,4% em 2009, conseguiu reduzi-lo
para 3,3% em 2012. Esta ortodoxia inanceira també m permitiu que
estes paı́ses consolidassem seu endividamento estatal em nı́veis
invejá veis para o Ocidente: a dı́vida pú blica da Estô nia em relaçã o ao
PIB é de ı́n imos 10%; a da Letô nia é de 38% e a da Lituâ nia é de 42%.
Foi justamente este clima de rigor, de seriedade e de compromisso com
um orçamento equilibrado o que transmitiu con iança aos investidores
e ao mercado internacional, e que afastou por completo os temores
sobre uma até entã o tida como inevitá vel desvalorizaçã o de suas
moedas, as quais seguiram irmemente atreladas ao euro. Esta
previsibilidade e estabilidade proporcionou a seus cidadã os e a seus
empresá rios a con iança su iciente para manter ou até mesmo
aumentar seus nı́veis de poupança, o que proporcionou a suas
respectivas economias o capital su iciente para alterar sua estrutura,
até entã o voltada para atividades sustentadas meramente por bolhas
creditı́cias.
Por exemplo, a taxa de poupança da Estô nia passou de 20% do PIB em
2008 para 26% em 2013, o que facilitou a manutençã o de suas taxas de
investimento em elevados 27% do PIB. Já a taxa de poupança da
Letô nia passou de 17% para 24%, consolidando sua taxa de
investimento em quase 26% do PIB. Finalmente, a taxa de poupança da
Lituâ nia, mais lenta, passou de 14 para 18%, alcançando uma taxa de
investimentos de 18% do PIB.
A combinaçã o entre estes notá veis volumes de investimento — em
plena crise econô mica — e mercados internos substancialmente mais
livres e lexı́veis do que os do resto da Europa permitiu aos bá lticos
fazer uma revolucioná ria transformaçã o na estrutura produtiva de suas
economia. Se até entã o suas economias exibiam nú meros robustos em
decorrê ncia de uma acentuada expansã o do cré dito e do consumismo
que isso permitia, a recessã o e sua consequente austeridade izeram
com que sua populaçã o adotasse uma postura mais poupadora e menos
consumista.
Como resultado desta combinaçã o entre menos gastos e mais
poupança, o setor exportador voltou a crescer (sem que houvesse
nenhuma desvalorização cambial), o que reduziu enormemente o
grande dé icit nas contas externas destes paı́ses, bem como seu
endividamento externo.
Entre 2007 e 2012, as exportaçõ es da Estô nia subiram de 50% do PIB
para 72% do PIB. As da Letô nia subiram de 27% para 44% do PIB, e as
da Lituâ nia foram de 44 para 70%. Graças a essa transformaçã o na
estrutura produtiva, as contas externas destes trê s paı́ses —
marcadamente de icitá rias durante a é poca da bolha creditı́cia —
passaram por um acentuado aprimoramento: Estô nia e Lituâ nia, que
até entã o apresentavam um dé icit externo de 15% do PIB, passaram a
apresentar equilı́brio nas contas externas; já a Letô nia reduziu seu
dé icit externo de 22% do PIB para 1%.
Vale ressaltar: todo este equilı́brio foi conseguido sem nenhuma
desvalorizaçã o cambial e sem qualquer imposiçã o de tarifas de
importaçã o. Houve apenas um rearranjo da estrutura produtiva da
economia, que deixou de ser consumista e se tornou mais poupadora e
mais voltada para produçã o. O equilı́brio interno gerou o equilı́brio
externo. Tudo sem pirotecnias e sem prejudicar o poder de compra da
populaçã o e nem sua liberdade de importaçã o.
E o resultado disso tudo foi espetacular e se traduziu em um
vertiginoso crescimento do PIB e do emprego: entre 2010 e 2013, o PIB
da Estô nia cresceu 16% e a ocupaçã o, 10%. O PIB da Letô nia se
expandiu 15% e a ocupaçã o, quase 6%. Finalmente, o PIB da Lituâ nia
cresceu 13% com uma criaçã o lı́quida de empregos de 3%.
O ê xito dos bá lticos deveria ser uma bofetada contra os keynesianos, os
quais, no entanto, seguem ardorosamente apegados aos seus lugares-
comuns. Por exemplo, segundo Paul Krugman, nenhum destes paı́ses
ainda recuperou os nı́veis de PIB e de emprego vigentes antes da crise.
Só que esta crı́tica é infundada: dado que a composiçã o do PIB em 2007
era formada por investimentos insensatos fomentados por bolhas
creditı́cias insustentá veis e por um hiperendividamento externo, tal
valor do PIB nã o deveria constituir referê ncia humana.
Poré m, em todo caso, a crı́tica ao menos soava verossı́mil. A inal, se os
bá lticos estavam indo tã o bem, por que ainda nã o superaram as marcas
alcançadas em 2007 ou 2008?
Felizmente, este desesperado discurso keynesiano rapidamente passará
para os livros de histó ria: prevê -se que Estô nia e Lituâ nia irã o superar,
em 2014, o PIB que apresentavam antes da crise, ao passo que a
Letô nia logrará tal feito entre 2015 e 2016.
No entanto, há sim um nú mero que parece ser ruim: as previsõ es de
emprego. Em 2014, o nú mero de pessoas ocupadas na Estô nia será 4%
menos do que o má ximo alcançado antes da crise. Na Letô nia, será de
14%, e na Lituâ nia, de 8%. Sendo assim, o ê xito dos bá lticos neste
quesito pode parecer um tanto parco, algo que aparentemente poderia
dar razã o aos keynesianos. No entanto, há ressalvas.
Podemos começar comparando os bá lticos com a economia espanhola,
a qual nã o irá de recuperar o nı́vel de PIB alcançado antes da crise pelo
menos até o inal desta dé cada, e cujo nı́vel de emprego em 2014 será
quase 20% inferior ao de 2007. Ou podemos també m comprar os
bá lticos à Islâ ndia, a menina dos olhos de Krugman e do resto dos
keynesianos — paı́s este que, em decorrê ncia de sua acentuada
desvalorizaçã o monetá ria, passou a ser um paradigma de como superar
uma crise com prontidã o —, e que, nã o obstante haver triplicado seu
endividamento pú blico, só irá recuperar o PIB alcançado antes da crise
em 2016 (igual à Letô nia e pior do que Lituâ nia e Estô nia). Mais ainda:
seu nı́vel de emprego em 2014 será 8% inferior ao má ximo alcançado
antes da crise.
Ademais, os dados de emprego dos bá lticos, embora nã o sejam
lustrosos, devem ser ponderados por sua evoluçã o demográ ica. Por
causa de sua baixa natalidade e, principalmente, por causa de seus
intensos movimentos migrató rios, Estô nia, Letô nia e Lituâ nia já vem
perdendo sua populaçã o há 25 anos. Embora haja a tendê ncia de se
imaginar que as fortes emigraçõ es que estes paı́ses vivenciaram nos
ú ltimos anos se deveram à crise econô mica, a realidade é que essa
in luê ncia foi meramente secundá ria. Por exemplo, na Letô nia — que é
o pior entre os bá lticos em termos econô micos e que també m é o paı́s
com a maior emigraçã o —, o saldo migrató rio lı́quido apresentava uma
saı́da mé dia de 15.600 entre 1991 e 2007 e passou a apresentar uma
mé dia de 24.800 entra 2008 e 2012 (isto é , a perda anual de populaçã o
via emigraçã o durante os anos da crise nã o chegou a 0,5% dos
cidadã os, uma porcentagem similar à apresentada pela Espanha em
2012).
A emigraçã o dos bá lticos está mais vinculada a fatores polı́ticos e
é tnicos: a populaçã o russa nestes trê s paı́ses foi reduzida em 40% nos
ú ltimos 25 anos, o que signi ica que quase metade da variaçã o de
populaçã o que estes paı́ses sofreram desde entã o decorreu deste
movimento de russos.
No entanto, contrariamente ao que gostam de a irmar seus crı́ticos, esta
queda da populaçã o nã o apenas nã o retira o mé rito do milagre
econô mico dos bá lticos, como na realidade o intensi ica ainda mais:
a inal, conseguir crescimentos econô micos intensos mesmo com um
declı́nio demográ ico é algo muito mais difı́cil. Por exemplo, a renda
per capita da Lituâ nia já superou, em 2012, o auge alcançado antes da
crise. A Letô nia fará isso em 2014. Já a Islâ ndia, por outro lado, só
conseguirá tal feito em 2018, segundo as atuais previsõ es.
Desta forma, portanto, se corrigirmos o emprego pela variaçã o
demográ ica, obtemos um retrato mais representativo do ocorrido: o
nú mero de empregados em relaçã o à populaçã o total na Estô nia será ,
em 2014, de 47,6% em relaçã o aos 49% de 2008; para a Letô nia será de
43,8% em relaçã o aos 46,3% de 2008; e para a Lituâ nia será de 39,2%
em relaçã o aos 37,8% de 2008. Compare isso à Espanha, que caiu de
45,4% em 2007 para 37,7% em 2014 ou com a muito keynesianamente
admirada Islâ ndia, que caiu de 52% para 46,6%.
O que podemos concluir em de initivo é que os bá lticos sã o um modelo
de recuperaçã o a ser seguidos por paı́ses como Espanha, Gré cia ou
Islâ ndia, ou por todos aqueles paı́ses que ainda virã o a enfrentar uma
forte correçã o em suas economias que atualmente estã o sendo
atividades por bolhas creditı́cias. O segredo do sucesso é o mesmo de
sempre: austeridade do setor pú blico e liberalizaçã o do setor privado;
mais poupança e investimento, e menos gastança; mais mercado e
menos estado.
Quanto Mais Capitalismo Mais
Solidariedade
André Pereira Gonçalves

Um dos maiores lugares-comuns que ouvimos a respeito da


solidariedade é que, sem o estado — ou seja, sem uma agê ncia coerciva
que obriga as pessoas a pagarem impostos, os quais serã o
imediatamente gastos em prol dos mais necessitados —, e sem essa
redistribuiçã o forçada de renda comandada pelos burocratas do estado,
os pobres seriam abandonados à sua pró pria sorte.
Pior ainda: sem o estado para tomar o dinheiro dos ricos, eles jamais
abririam os cordõ es de suas bolsas para ajudar os mais necessitados. O
problema é que tanto a ló gica quanto os pró prios fatos empı́ricos nã o
apenas contradizem essa a irmaçã o, como, aliá s, con irmam o exato
oposto. Comecemos diretamente pelos fatos.
Uma das maneiras de medir a solidariedade espontâ nea — ou seja, a
caridade — é analisar o tempo e o dinheiro dedicados pelas pessoas ao
voluntariado, isto é , a todo o tipo de atividades que tê m um impacto
direto sobre terceiros, sem que o prestador receba uma compensaçã o
material em troca. Neste caso, nos apoiaremos sobre o World Giving
Index, que todos os anos apresenta um estudo sobre o voluntariado no
mundo e que mede a porcentagem de pessoas que foram solidá rias
espontaneamente. O que o World Giving Index chama de "voluntariado"
sã o pessoas que (1) doaram dinheiro a uma organizaçã o, (2) doaram
tempo a uma organizaçã o ou (3) ajudaram um estranho ou
desconhecido que necessitava de ajuda.

Eis um mapa do mundo para 2014:


Macintosh
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81bf1ecba9b.png

Os paı́ses em vermelho sã o os mais caridosos. Os paı́ses em vá rios tons


de amarelo vê m em segundo lugar (quanto mais escuro o amarelo, mais
caridoso).
Já os paı́ses em azul sã o os menos caridosos. Quanto mais escuro o
azul, menos caridosa é a populaçã o do paı́s. Portanto, dentre os paı́ses
mais caridosos — ou seja, paı́ses cuja populaçã o é espontaneamente
solidá ria — temos EUA, Canadá , Austrá lia, Nova Zelâ ndia, Reino Unido,
Holanda, Islâ ndia, e vá rios paı́ses do Sudeste Asiá tico. (A Suı́ça está em
branco, o que signi ica que ela nã o foi incluı́da na pesquisa).

Em segundo lugar entre os mais caridosos destacam-se Finlâ ndia,


Sué cia, Alemanha, Austria, Eslovê nia, alguns paı́ses do Oriente Mé dio,
alguns paı́ses do Sudeste Asiá tico, Africa do Sul, Chile e Colô mbia. Já
dentre os menos caridosos destacam-se Brasil, Venezuela, Equador,
Argentina, Paraguai, Peru, Portugal, França, Itá lia, todos os do Leste
Europeu, vá rios da Africa, Rú ssia, Japã o e China.

Agora, comparemos esse mapa com o ı́ndice de liberdade econô mica da


Heritage Foundation e do Wall Street Jornal.
Este ı́ndice utiliza uma sé rie de indicadores que mensuram liberdade
de empreender, livre comé rcio com o exterior, facilidade dada aos
investimentos estrangeiros, tamanho dos gastos do governo, respeito à
propriedade privada, nı́vel da in laçã o de preços, entre outros. Por
conseguinte, este ı́ndice mede o liberalismo econô mico de um paı́s.
Para 2014, os resultados globais sã o estes:

Macintosh
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3d7840b5e.png

Aqui, os paı́ses verdes sã o os mais economicamente livres (quanto mais


escuro o verde, mais livre ele é . Dentre estes, destacam-se EUA, Canadá ,
Chile, Colô mbia, Reino Unido, Suı́ça, Alemanha, Austria, Holanda,
Repú blica Tcheca, Estô nia, Lituâ nia, todos os nó rdicos, Austrá lia e Nova
Zelâ ndia.

Já os paı́ses amarelos sã o os relativamente livres economicamente.


Destaque para Mé xico, Peru, Paraguai, Uruguai, Portugal, Espanha,
França, Itá lia, Leste Europeu e Africa do Sul. Já os paı́ses menos livres
estã o em vá rios tons de vermelho e laranja. Quanto mais escuro, menos
economicamente livre é o paı́s. Destaque para Brasil, Venezuela,
Argentina, Bolı́via, Equador, quase todos da Africa, e todo o bloco que
vai da Rú ssia à India.

Agora os dois mapas em conjunto (lembrando que, no mapa da


caridade, o primeiro, vermelho é algo positivo e no da liberdade
econô mica, o negativo):
Macintosh
HD:Users:alyson.nonato:Desktop:136d8c897d794fa5a56
5581bf1ecba9b-1.png

Macintosh
HD:Users:alyson.nonato:Desktop:c7274c71ce26424d8995633
3d7840b5e-1.png

Como é possı́vel constatar, existe uma correlaçã o bastante forte entre


mais liberalismo econô mico e mais voluntariado.
No entanto, o leitor mais cé tico poderá retorquir dizendo que també m
poderı́amos comparar o grá ico do voluntariado com o de riqueza por
habitante, com o de porcentagem de protestantes ou ainda com o do
tamanho mé dio do ó rgã o sexual, e ainda assim constataremos que,
quanto mais elevadas essas estatı́sticas (menos para a ú ltima), mais
voluntariado haverá . Logo, será generoso, em mé dia, quem for
abastado, protestante e mediamente constituı́do.
Pode ser. A inal, como disse o jornalista canadense Jean Dion, "as
estatı́sticas sã o para os analistas o que os postes de iluminaçã o sã o para
os embriagados: fornecem muito mais um apoio que um
esclarecimento". Sim, as estatı́sticas utilizadas tê m obviamente as suas
falhas e nã o podem nos explicar, por si só s, toda a realidade.
No entanto, mesmo o leitor mais cé tico tem de ter reparado que os
paı́ses mais ricos sã o també m os mais generosos. Isso é indiscutı́vel.
Nesse caso, parece que, parodiando Jean Dion, o poste de iluminaçã o
ilumina tanto quanto serve de apoio.

Poré m, para uma aná lise mais completa, passemos agora à ló gica: qual
é a razã o que dita que mais liberdade econô mica signi icará també m
mais caridade?
A sociologia por trás do altruísmo
Em uma sociedade livre, o grau de responsabilidade individual tem de
ser elevado. E é assim pela simples razã o de que o corolá rio da
liberdade é a responsabilidade. (Quando existe liberdade sem
responsabilidade, há apenas uma licenciosidade).
Consequentemente, em uma sociedade livre, as pessoas tê m de ter elas
pró prias a responsabilidade de se precaverem e de se salvaguardarem.
Sã o elas que tê m de assumir sozinhas as consequê ncias de suas
decisõ es. Essa noçã o de que elas tê m de se cuidar para o futuro — tã o
estranha a nó s de ascendê ncia latina — as impulsiona a serem mais
precavidas desde cedo. Incentiva, por exemplo, as pessoas a pouparem
mais, a fazerem seguros de vida, a fazerem planos inanceiros para suas
aposentadorias etc.
Isso, por si só , já estimula um comportamento mais soberbo e austero,
estimulando atitudes que visam a um horizonte temporal de longo
prazo e desestimulando atitudes que visam apenas ao curto prazo.

Adicionalmente, como praticamente todos os indivı́duos tê m,


arraigados em si, um altruı́smo natural, e dado que a pressã o social
tende també m a rechaçar os egoı́stas primá rios, em uma sociedade
liberal as pessoas sentem uma maior necessidade de ajudar ao
pró ximo. Nã o é uma pressã o exatamente coerciva, mas sim aquela
obrigaçã o moral de ajudar quem necessita.
E é assim porque, em primeiro lugar, elas sentem que, se nã o izerem
nada para ajudar os destituı́dos, estes serã o abandonados à pró pria
sorte, o que choca com o seu altruı́smo natural.
Em uma sociedade economicamente menos livre, o estado já se arvorou
à funçã o de ajudar os necessitados. As pessoas simplesmente pensam:
"eu já pago meus impostos e o estado já tem seus programas sociais.
Logo, estou moralmente desobrigado de ajudar os outros".
Em segundo lugar, dado que muitas destas pessoas altruı́stas já terã o
passado por situaçõ es difı́ceis — e, na ocasiã o, foram socorridas pelo
voluntarismo de terceiros —, elas se sentem devedoras e agirã o
igualmente assim para com os outros desvalidos.

Em terceiro lugar, como os pró prios desvalidos sabem que estã o sendo
ajudados por terceiros, sem que estes nã o tenham nenhuma obrigaçã o
legal de fazê -lo, isso implica que, se os auxiliados abusarem da bondade
dos outros, um dia poderã o já nã o mais se bene iciar dela. Uma coisa é
ter ajudas pontuais para se reerguer. Outra coisa é icar completamente
encostado sem se esforçar. Consequentemente, essas mesmas pessoas
sob assistê ncia tenderã o a fazer de tudo para sair da situaçã o difı́cil em
que atualmente se encontram.
Por outro lado, se o governo se arroga o papel de cobrar impostos para
cuidar de todos para sempre, haverá o estı́mulo à indolê ncia e à
improdutividade.
Por ú ltimo, e por tudo descrito acima, os pró prios caridosos sabem
també m que os auxiliados tê m o interesse de se aprumar o mais
rapidamente possı́vel, pois nã o será possı́vel viver pendurado para
sempre na caridade de terceiros. Logo, os caridosos sabem que os
auxiliados nã o irã o abusar, caso contrá rio perderã o todos os auxı́lios.
Consequentemente, os caridosos estarã o dispostos a ajudar mais,
exatamente porque sabem que, em caso de abuso, sempre poderã o se
retirar.
Nã o apenas a teoria, como a pró pria empiria, con irma que
voluntariado e caridade andam juntos com liberdade econô mica. Uma
sociedade livre tem os seus pró prios mecanismos naturais de
solidariedade e estes sã o pouco visı́veis agora, para nó s, precisamente
porque um estado gigante já monopolizou a assistê ncia social
absorvendo os recursos da sociedade civil que seriam destinados a
esses ins. "Por que farei caridade se já pago impostos para que o
estado faça a caridade por mim?"
Creio nã o ser necessá rio explicar por que um sistema coercivo
gerenciado por um estado que promete cuidados do berço ao tú mulo
incentiva mais o egoı́smo e o abuso da generosidade alheia.
Irlanda e Islândia – Quem se Saiu
Melhor Após a Crise de 2008
David Howden

Ao longo dos ú ltimos cinco anos, é difı́cil encontrar outros dois paı́ses
cujas polı́ticas adotadas em resposta à crise inanceira de 2008 tenham
sido tã o divergentes e, por isso mesmo, tenham polarizado tanto os
comentaristas econô micos. Estes dois paı́ses sã o a Irlanda e a Islâ ndia.
Ambos foram talvez os dois paı́ses mais afetados pelo congelamento da
liquidez ocorrido em 2008.
Uma conclusã o bastante recorrente nos meios econô micos a irma que
um destes paı́ses fez tudo certo e que o outro fez tudo errado. Qual paı́s
fez tudo certo e qual fez tudo errado vai depender inteiramente da
ideologia do economista. Sendo assim, meu objetivo aqui é fazer uma
abordagem mais pragmá tica. Há aspectos positivos em ambos os casos,
assim como també m há aspectos negativos.
Sempre correndo o risco de estar simpli icando em demasia a situaçã o
de ambos, eis as principais diferenças nas polı́ticas econô micas
adotadas:

1. O governo da Islâ ndia permitiu que fatias substanciais do seu setor


inanceiro fossem à bancarrota (majoritariamente sucursais de bancos
domiciliados no estrangeiro), sem dar nenhum socorro. Já a Irlanda
utilizou dinheiro de impostos para socorrer seus bancos e, com isso,
manter seu setor inanceiro solvente.
2. O governo da Islâ ndia in lacionou substancialmente sua moeda, a
coroa, em uma tentativa de desvalorizar sua taxa de câ mbio e, com isso,
dar alguma competitividade ao seu setor exportador. Já a Irlanda, por
estar presa ao euro, nã o pô de trilhar um caminho semelhante. Em vez
de recorrer à desvalorizaçã o da moeda, a Irlanda tentou se tornar mais
atraente aos investidores estrangeiros por meio de uma reduçã o em
seus preços domé sticos (a baixa sindicalizaçã o dos irlandeses e um
setor estatal mais enxuto permitiram que preços caı́ssem em até 6%,
sem enfrentar grandes resistê ncias).
3. A Islâ ndia adotou controle de capitais para impedir que houvesse
uma fuga de capitais e para impedir que o capital estrangeiro saı́sse do
paı́s, desta forma mantendo os investimentos presos dentro de suas
fronteiras. Já a Irlanda, por fazer parte da Uniã o Europeia, teve de
manter seu compromisso com uma livre mobilidade de capitais, e os
investidores puderam continuar entrando e saindo do paı́s a seu bel-
prazer.

No que diz respeito a qual conjunto de soluçõ es foi mais e icaz, as


evidê ncias sã o mistas. A primeira vista, a Islâ ndia parece ter
conseguido suavizar melhor o impacto imediato de sua recessã o, mas o
atual crescimento da Irlanda é mais só lido, como veremos mais abaixo.
De maneira similar, o desemprego na Islâ ndia foi menor e ainda
permanece mais baixo atualmente.

Para os propó sitos deste artigo, irei me concentrar apenas nos efeitos
das respectivas polı́ticas monetá rias de ambos os paı́ses, e em como os
ganhos de curto prazo gerados pela reaçã o in lacioná ria da Islâ ndia sã o
hoje pequenos em comparaçã o à reaçã o mais branda da Irlanda.
O grá ico abaixo mostra a evoluçã o do PIB nominal de ambos os paı́ses,
isto é , o PIB que desconsidera a in laçã o de preços. A Irlanda está de
verde e a Islâ ndia, de azul.
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3d39d749da0.jpg

Grá ico 1: PIB Nominal (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St.
Louis

O grá ico 1 mostra aquilo que o senso comum prevê . A polı́tica


in lacionista da Islâ ndia estimulou as exportaçõ es, ocultou o alto
endividamento da populaçã o e das empresas, e permitiu que o paı́s
saı́sse da tempestade de forma aparentemente ilesa. Já a Irlanda, por
outro lado, segue presa a um baixo crescimento e, cinco anos depois do
inı́cio da crise, a renda nominal do paı́s ainda é 10% menor do que o
pico alcançado antes da crise.
Mas esta aná lise, no entanto, ignora completamente os efeitos da
in lação sobre a economia da Islâ ndia. A polı́tica in lacionista da
Islâ ndia aumentou a oferta monetá ria em quase 20% apenas em 2008,
e levou a um imediato e acentuado aumento de preços.
O grá ico abaixo mostra a evoluçã o do PIB real, isto é , o PIB que leva em
conta a in laçã o de preços. A Irlanda está de verde e a Islâ ndia, de azul.
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d04639dc04.jpg

Grá ico 2: PIB Real (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis
O grá ico 2 mostra uma realidade mais acurada da situaçã o vivenciada
pelo islandê s e pelo irlandê s comum. Quando o Banco Central da
Islâ ndia in lacionou a oferta monetá ria do paı́s e depreciou o câ mbio, a
in laçã o de preços disparou para quase 20%. A medida que o poder de
compra dos cidadã os da Islâ ndia diminuı́a, eles sentiam que sua
segurança inanceira estava piorando. Mas isso nã o era aparente para o
resto do mundo, cujos observadores estavam ixados nos indicadores
nominais da economia da Islâ ndia. Em seu ponto mais baixo, alcançado
no quarto trimestre de 2010, a renda da Islâ ndia ajustada pela in laçã o
de preços havia caído 35%.
Já na Irlanda, este declı́nio foi sensivelmente mitigado pela de laçã o de
preços de 6% ocorrida. A medida que os preços domé sticos caı́am, foi
se tornando mais fá cil para os cidadã os da Irlanda continuar
sobrevivendo com uma renda nominal declinante. Em seu pior
momento, a economia da Irlanda caiu 10% em termos reais.
Isso parece sugerir que a Irlanda recorreu a uma soluçã o melhor ao nã o
implantar uma polı́tica monetá ria in lacionista. Já outros irã o notar, no
entanto, que a recuperaçã o da Islâ ndia desde 2010 tem sido bastante
robusta.
Com efeito, se analisarmos a queda na taxa de emprego (atençã o: taxa
de emprego e nã o de desemprego) em ambos os paı́ses, é natural que
sintamos mais comiseraçã o pelas massas de desempregados irlandeses.

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35ecd7b67e.jpg

Grá ico 3: Taxa de Emprego (2008 = 100) Fonte: Federal Reserve Bank of
St. Louis
Poré m, se analisarmos mais profundamente, as coisas nã o sã o
exatamente como o grá ico acima sugere. Por causa da in laçã o de
preços maior, vá rios cidadã os da Islâ ndia tê m de trabalhar em dois
empregos para chegar até o im do mê s. Este efeito foi se tornando
cada vez mais pronunciado ao longo da recessã o à medida que a
in laçã o de preços ia tornando mais difı́cil a sobrevivê ncia com apenas
um salá rio. Como consequê ncia, vá rios islandeses que perderam um de
seus dois empregos durante a recessã o nã o aparecem nas estatı́sticas
de desemprego, pois eles mantiveram o outro emprego.

Já na Irlanda, a situaçã o é outra. E mais confortá vel. Alé m do fato de


um emprego por pessoa continuar sendo a norma, a de laçã o de preços
tornou mais fá cil para uma pessoa empregada manter seu padrã o de
vida à medida que a recessã o continuava.
Uma maneira mais acurada de mensurar a situaçã o do emprego em
ambos os paı́ses é analisar a evoluçã o das horas trabalhadas em um
ano.

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e62d523b4eec2.jpg

Grá ico 4: Horas anuais trabalhadas (2008 = 100)


Este grá ico permite ver como a situaçã o se inverte. No auge da
recessã o, em 2010, o nú mero de horas trabalhadas pelo cidadã o da
Islâ ndia havia caı́do 6%, ao passo que, na Irlanda, a queda foi de apenas
3,5% — quase a metade.

Ambos os paı́ses ainda tê m problemas. Os controles de capital


adotados pela Islâ ndia notavelmente estã o afetando os investimentos,
que sã o extremamente necessá rios. Já a Irlanda está sufocada por uma
enorme dı́vida pú blica gerada pelo socorro dado pelo governo aos
bancos. O fardo da dı́vida está impedindo sua recuperaçã o. Uma coisa,
no entanto, é clara: os efeitos da polı́tica monetá ria sã o nı́tidos e os
supostos benefı́cios da polı́tica in lacioná ria adotada pela Islâ ndia
foram contrabalançados pela in laçã o de preços que ela causou.
Jamais deixe que uma crise passe em branco; aprenda algo com ela.
Como a histó ria destes dois paı́ses demonstra, in lacionar uma moeda
pode dar a aparê ncia de recuperaçã o, mas a realidade é bem menos
ró sea do que supõ em os in lacionistas.
Países Pobres Tributam Importados
Países Ricos Abrem Suas Fronteiras
John Tamny

Uma pergunta rá pida: você seria capaz de fabricar, sozinho, o


computador (ou o tablet ou o smartphone) no qual você está lendo este
artigo? Você seria capaz de inventar e fabricar os milhares de
componentes necessá rios para fabricar estes aparelhos? Se sim, entã o
você é um ser sobre-humano, dotado de invejá veis habilidades
intelectuais, mecâ nicas e engenheiras.
Ainda assim, vale dizer que o ato de, literalmente, construir um
computador absolutamente do nada, sem utilizar um ú nico
componente "importado" — seja de outro paı́s, seja do outro lado da
rua —, seria um trá gico desperdı́cio de tempo. Tal ato, muito
provavelmente, exigiria de você vá rios anos de sua vida (se nã o todos),
e, ao inal, você teria construı́do algo tã o tosco, desajeitado e de
baixı́ssimo desempenho, que seria uma piada em relaçã o a esta rá pida,
bonita e in initamente mais capaz má quina que você está utilizando
agora.

Você teria se esforçado imensamente, teria perdido anos da sua vida, e,


ao inal, nã o teria criado nada de ú til. Nã o teria criado valor para
ningué m.

O fato de você estar utilizando este computador (ou tablet ou


smartphone) signi ica, muito claramente, que você é um ardoroso
defensor do livre comércio, ainda que você vocalmente nã o se manifeste
desta maneira. Sua vida sem o livre comé rcio seria horrivelmente
desoladora. Poré m, graças à divisã o do trabalho, que agora ocorre em
escala global, você tê m à sua disposiçã o toda a abundâ ncia do mundo a
preços continuamente em queda (a menos, é claro, que seu governo
atrapalhe esse processo desvalorizando continuamente sua moeda e
impondo tarifas de importaçã o crescentes).
Há nã o mais do que 10 anos, o computador (ou tablet ou smartphone)
no qual você está lendo este artigo seria classi icado como um
supercomputador (muito provavelmente seu modelo de tablet ou
smartphone nem existia ainda), e seu preço certamente estaria na casa
dos milhõ es de dó lares. Mas graças ao livre comé rcio, à divisã o global
do trabalho, e à interaçã o de mercado entre os produtores
especializados, é bem prová vel que o preço da sua atual má quina nã o
ultrapasse os 200 dó lares.

O único propósito
Pouco importa se o produto foi fabricado na cidade vizinha ou do outro
lado do mundo: as importaçõ es sã o o ú nico propó sito de acordarmos
cedo para ir trabalhar, produzir e ganhar dinheiro. Você produz para
poder consumir produtos bons e baratos. E aquele produtor que
fornecer o bem pode morar tanto na cidade vizinha ou no Vietnã . Ao
comprar produtos dele, você está importando.

Importaçõ es també m sã o um sinal claro de riqueza. Na prá tica,


trocamos produtos ou serviços por outros produtos ou serviços (o
dinheiro sendo apenas um meio de troca), de modo que, quanto mais
produzimos, mais podemos importar.

Por tudo isso, polı́ticos que agem como se importaçõ es fossem


deleté rias para a economia e tentam restringi-las com tarifas de
importaçã o, cotas, ou desvalorizaçõ es cambiais estã o, na prá tica,
dizendo que devemos trabalhar e produzir, mas nã o podemos
consumir. Com efeito, eles querem que consumamos apenas os bens
produzidos por aqueles que moram dentro das mesmas linhas
imaginá rias que nó s, algo que, economicamente, nã o faz o mais mı́nimo
sentido. (Isso, é claro, na teoria; na prá tica, eles simplesmente recebem
dinheiro do lobby da indú stria nacional, que quer manter uma reserva
de mercado, blindada da concorrê ncia dos produtos estrangeiros).
Importaçõ es sã o um claro indicador da riqueza e pujança de uma
naçã o. Paı́ses ricos possuem altos volumes de importaçã o; é
exatamente nas economias pobres que as importaçõ es sã o baixas ou
inexistentes.
E a explicaçã o é ló gica: quanto mais aberta é a economia de um paı́s,
quanto mais livres sã o seus cidadã os para adquirir bens importados,
maior é o poder de compra de seus salá rios. Por quê ? Porque os
indivı́duos que formam a economia de um paı́s recebem um salá rio em
troca de sua mã o-de-obra; sendo assim, se as fronteiras do paı́s sã o
abertas para os bens e serviços produzidos em todos os pontos do
globo — ou seja, o governo nã o proı́be, restringe ou tributa
importaçõ es —, entã o, por de iniçã o, o poder de compra dos salá rios
desses indivı́duos alcança sua má xima capacidade.

Se as fronteiras do territó rio dentro do qual você vive estã o


completamente abertas para todos os bens e serviços produzidos
mundialmente, entã o você está na privilegiada situaçã o de ter os
indivı́duos mais talentosos do mundo trabalhando e produzindo para
atender à s suas demandas. Mais ainda: esses indivı́duos talentosos
estã o concorrendo acirradamente entre eles para fornecer a você as
melhores ofertas.
Nesse cená rio, qualquer empresa nacional que eventualmente seja
dominante em um determinado setor do mercado irá gradualmente
perder seus lucros monopolistas graças à chegada de novos entrantes.
Nã o há como haver monopó lio ou oligopó lio se a concorrê ncia é livre
para vir qualquer ponto do planeta. Fronteiras abertas ao comé rcio
naturalmente aceleram o processo por meio do qual o maior nú mero
possı́vel de produtores globalmente talentosos se esforça
vigorosamente para nos servir aos preços mais baixos possı́veis.

Nã o há como haver monopó lio ou oligopó lio se a concorrê ncia é livre
para vir de qualquer ponto do planeta.

Já se as fronteiras sã o fechadas, você vive em um estado de autarquia,


podendo consumir apenas aquilo que você produz. Suas opçõ es sã o
drasticamente reduzidas. Os preços sã o maiores. A indú stria é
ine iciente, pois nã o precisa se preocupar com a concorrê ncia de
estrangeiros. A populaçã o nacional se torna refé m do baronato
industrial nacional, que tem seus lucros garantidos sem a contrapartida
de uma prestaçã o decente de serviços. Por isso o padrã o de vida em
paı́ses de economia fechada é tã o baixo.
O principal argumento é outro
Veja, por exemplo, a pujança da Suı́ça, dos EUA, da Alemanha e dos
paı́ses asiá ticos que se abriram ao comé rcio (como Hong Kong,
Cingapura, Taiwan etc.): a populaçã o desses paı́ses usufrui o privilé gio
de ter as pessoas mais talentosas ao redor do mundo concorrendo
entre si para produzir e ofertar a ela produtos a preços baixos. Paı́ses
que sã o abertos ao comé rcio internacional tê m todos os produtores
mundiais á vidos para lhes fornecer bens e serviços de qualidade e a
preços baixos. Qual a melhor maneira de se aumentar o padrã o de vida
senã o por meio da oferta abundante de bens e serviços a preços baixos?
Mas mesmo esta ampla variedade de bens e serviços que aumentam o
poder de compra dos salá rios destas populaçõ es ainda nã o diz tudo
sobre a real maravilha do livre comé rcio. O que faz com que o livre
comé rcio seja uma inquestioná vel maravilha é o fato de que ele
maximiza a possibilidade de que nó s, como indivı́duos atuantes na
economia, possamos nos dedicar exatamente ao tipo de trabalho que
mais estimula nossos talentos individuais.
Obvio: se nó s podemos simplesmente importar aquilo que nã o somos
bons em produzir, entã o somos livres para concentrar nossos esforços
justamente naquelas á reas em que somos realmente bons.

Nos paı́ses que restringem o livre comé rcio, as pessoas sã o


praticamente proibidas de utilizar os frutos do seu trabalho para
adquirir aqueles bens e serviços que sã o mais bem produzidos por
estrangeiros. Sendo assim, tais pessoas acabam sendo obrigadas a
desempenhar vá rias atividades nas quais nã o tê m nenhuma habilidade.
Uma pessoa boa em informá tica, por exemplo, acaba tendo de trabalhar
como operá rio em uma siderurgia, pois seu governo restringe a
importaçã o de aço, que poderia ser adquirido mais barato de
estrangeiros. Engenheiros acabam virando operá rios de fá bricas.
Estando isoladas da divisã o mundial do trabalho, tais pessoas
trabalham apenas para sobreviver, e nã o para desenvolver seus
talentos. Elas nã o podem trabalhar naquilo em que realmente sã o boas,
pois a restriçã o ao livre comé rcio obriga os cidadã os a fazerem de tudo,
inclusive aquilo de que nã o entendem. Elas passam suas vidas sendo
obrigadas a desempenhar vá rias atividades que nã o sã o do seu
domı́nio.
Já em paı́ses que usufruem o livre comé rcio, as pessoas, justamente por
poderem adquirir bens e serviços fornecidos por estrangeiros que sã o
melhores no suprimento destes, podem se concentrar naquilo em que
realmente sã o boas. Seus cidadã os possuem uma mirı́ade de opçõ es de
trabalho: eles podem ser inancistas, instrutores de ioga, artistas,
cineastas, chefs, contadores e empreendedores do ramo de tecnologia.
Tã o rica e com tamanha liberdade de comé rcio é a economia, que todos
têm opções.

Em paı́ses de economia aberta, o lazer é um dado da realidade. As


pessoas, ao nã o terem de perder tempo trabalhando naquilo em que
nã o sã o boas, podem dedicar boa mais tempo a passatempos de luxo.
Quantas pessoas podem se dar ao luxo de se divertir luxuosamente em
paı́ses como Myanmar, Zimbá bue e Venezuela?

Isso nos leva à conclusã o de que uma economia aberta é o caminho


mais fá cil para o aumento do padrã o de vida. Qual o sentido de laborar
arduamente para fabricar algo em que você nã o é bom, se você pode
simplesmente adquiri-lo, a preços baixos, de quem realmente é bom em
fabricá -lo?

Ao contrá rio do que a irmam os protecionistas, os americanos, os


suı́ços, os alemã es, os cingapurianos, os honcongueses nã o sã o ricos
apesar de serem abertos ao comé rcio estrangeiro; ao contrá rio, sua
abertura ao comé rcio estrangeiro é a fonte essencial de sua espantosa
riqueza. Como as tarifas de importaçã o destes paı́ses sã o, em geral,
muito baixas, seus cidadã os sã o cada vez mais capazes de se dedicar
à quelas pro issõ es que dã o vazã o ao seu real talento.

Importaçõ es sã o a bê nçã o que nos liberta de termos de trabalhar


naquilo que odiamos. Imagine, de novo, ser forçado a construir o
computador no qual você terá de trabalhar. O simples ato de ter de
fazer isso já empobreceria você .
Uma economia é simplesmente uma coleçã o de indivı́duos, e cada
indivı́duo está em melhor situaçã o econô mica quando pode se
especializar naquilo que faz melhor e, em decorrê ncia disso, pode
importar, ao menor preço possı́vel, os bens de que necessita.
E a isso que se resume o livre comé rcio. Sem ele, sua vida seria uma
tragé dia
O Êxito Econômico da Alemanha
Juan Ramón Rallo

Até meados da dé cada de 2000, a Alemanha era considerada uma das
naçõ es paı́ses mais doentes da Europa. Com uma economia engessada e
um mercado de trabalho pouco lexı́vel, sua taxa de desemprego era
persistentemente alta (chegando a 12%, maior até mesmo que o da
França à é poca). E por causa dos gastos crescentes do governo, o dé icit
orçamentá rio nã o só era um dos maiores da Europa, como també m
estava à beira do descontrole.

Foi neste cená rio que o entã o primeiro-ministro, o social-democrata


Gerhard Schroeder, que icou no cargo de 1998 a 2005, resolveu adotar
vá rias medidas que desagradaram em cheio a sua base de apoio:
chamada de Agenda 2010, Schroeder atacou o entã o generoso estado
de bem-estar social alemã o, fazendo cortes em vá rios programas como
seguro-desemprego (cuja concessã o se tornou bem mais rigorosa e a
duraçã o foi encurtada), previdê ncia e até mesmo na saú de.
Mais: lexibilizou o mercado de trabalho e reduziu as alı́quotas do
imposto de renda de pessoa jurı́dica (de 56% para 38%); Reduziu
també m a alı́quota má xima do imposto de renda de pessoa fı́sica (de
57% para 44%).

Schroeder, talvez por ter adotado tais medidas impopulares já no inal
de seu mandato — janeiro de 2005, sendo que as eleiçõ es seriam em
novembro daquele ano —, nã o apenas nã o colheu os frutos de suas
reformas, como ainda foi punido pelos seus eleitores —
majoritariamente sindicatos e defensores do estado assistencialista —
nas urnas.

Mas desde entã o, o desemprego só fez cair, indo de 12% para 3,6%. E o
orçamento do governo nã o só icou equilibrado, como passou a
apresentar um superá vit. Merkel deve muito a Schroeder.
A reação na crise
Os economistas keynesianos sempre dizem que a ú nica forma de uma
economia superar rapidamente uma crise é aumentando os gastos e
estı́mulos governamentais. Quando o setor privado nã o quer gastar —
pois está acometido de grandes incertezas em relaçã o ao futuro —,
entã o o setor estatal tem de ocupar o seu lugar, ampliando os gastos e
os dé icits.

No entanto, os dados mostram que a robustez alemã simplesmente nã o


tem como ser atribuı́da a estı́mulos keynesianos deste tipo: desde 2011,
o dé icit orçamentá rio do governo é menor que 1% do PIB. E, desde
2014, virou superá vit. Mesmo no crı́tico ano de 2009, o dé icit chegou a
"apenas" 4%, um valor muito menor que o de outros paı́ses como
França (7,2%), Japã o (9,5%), Reino Unido (10,2%), Espanha (11%) ou
EUA (9,8%).

[Para efeitos comparativos, no caso do Brasil, o exemplo é ainda mais


explı́cito: o dé icit em 2009 foi pequeno, de 3,2% do PIB. Já durante o
governo Dilma chegou a incrı́veis 10,2% do PIB.

Como consequê ncia desta prudê ncia orçamentá ria, a Alemanha foi o
ú nico paı́s que reduziu seu endividamento: era de 72,6% do PIB em
2009 e terminou 2016 em 68,3%. Pode parecer pouco, mas compare
isso com Reino Unido (de 64,5% para 89%), França (de 79% para
96%), Espanha (de 53% para 99,4%), ou EUA (de 82% para 106%).

Ou seja: a Alemanha praticou crescimento com austeridade, e nã o com


dé icits perdulá rios. E é fá cil entender por que um orçamento
equilibrado estimula o crescimento econô mico e por que um orçamento
desarranjado afeta o crescimento.

Quando o governo incorre em dé icits orçamentá rios, ele tem de pegar
dinheiro emprestado. Consequentemente, investidores e empresas
passam a direcionar sua poupança para bancar os gastos do governo, e
nã o para inanciar investimentos produtivos. Consequentemente, o
investimento privado passa a ser diretamente afetado pelos dé icits
orçamentá rios do governo. Se a poupança vai para os tı́tulos do
governo, necessariamente haverá menos poupança disponı́vel para o
investimento produtivo.
Ademais, dé icits orçamentá rios sempre geram o temor de que o
governo irá elevar impostos no futuro. Contas desarranjadas nã o duram
por muito tempo. Se o orçamento do governo está de icitá rio,
empreendedores e investidores sabem que o ajuste futuro muito
provavelmente ocorrerá via aumento de impostos. E aumento de
impostos, ainda que no futuro, sempre gera custos adicionais à s
empresas, mudando totalmente o cená rio no qual elas basearam seus
planos de investimentos. Isso inibe investimentos produtivos. A inal,
como investir quando nã o se sabe nem como serã o os impostos no
futuro?
Estabilidade, porto seguro e lexibilização trabalhista
Ou seja, ao manter um orçamento equilibrado e nã o incorrer em
dé icits, a Alemanha mostrou o que deve ser feito durante uma
recessã o: criar uma estabilidade macroeconô mica crı́vel.

Dado que o setor pú blico alemã o optou por nã o abusar do dé icit
pú blico, e tampouco contribuiu para gerar qualquer tipo de incerteza
nos investidores quanto à sua solvê ncia, a Alemanha acabou se
tornando um porto seguro para os investidores durante o auge da crise.
Boa parte do capital global foi buscar um porto seguro na economia
alemã .

Investidores saberem que nã o serã o vı́timas de calotes, nem de


desvalorizaçõ es, nem de depreciaçõ es, e nem de con iscos tributá rios
extraordiná rios é essencial para manter calmas as expectativas dos
investidores, fazendo com que eles, consequentemente, sigam
apostando em imobilizar seu capital dentro do paı́s.

Adicionalmente, a lexibilidade salarial adotada pelo paı́s ajudou


enormemente a economia alemã a nã o perder competitividade em
relaçã o aos mercados globais. Como bem detalhado pelos economistas
Christian Dustmann, Bernd Fitzenberger, Uta Schö nberg e Alexandra
Spitz-Oener na monogra ia Do mais enfermo da Europa ao estrelato
econômico: o ressurgimento econômico da Alemanha, a Alemanha foi
sistematicamente ganhando competitividade ao fazer com que
a produtividade de seus trabalhadores crescesse mais que seus salários.
Ou seja, o bom comportamento da economia alemã tampouco se deve a
estı́mulos arti iciais ao consumismo interno por meio de aumentos
salariais. Ao contrá rio, a poupança, o investimento e a capitalizaçã o
empresarial foram a ordem durante este perı́odo.

O grá ico abaixo mostra os custos trabalhistas em alguns paı́ses


ocidentais em relaçã o à competitividade de sua economia. A Alemanha
é disparado o melhor paı́s neste quesito.

Macintosh
HD:Users:alyson.nonato:Desktop:62b14fe3aebb4cd7a145a6da54
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Mas de onde veio tamanho grau de lexibilidade laboral? A diferença do


que ocorre em outros paı́ses europeus, o governo alemã o nã o se
intromete na estipulaçã o dos salá rios, embora haja salá rios mı́nimos
em pro issõ es isoladas estabelecidos por um acordo entre patrõ es e
sindicatos — construçã o civil, consertos de telhados e eletricistas.
Os trabalhadores alemã es tê m liberdade para negociar seus salá rios
com seus empregadores, sem nenhuma intervençã o governamental. Os
salá rios sã o negociados entre os representantes dos trabalhadores e os
empresá rios, seja em escala regional, industrial ou mesmo para cada
empresa.
Mas o principal ponto é que as empresas tê m plena liberdade para
aderir ou sair destes acordos coletivos, o que permite evitar aumentos
salariais desacoplados da situaçã o econô mica de cada empresa.
Foi esta grande lexibilidade salarial, em conjunto com a manutençã o da
estabilidade econô mica — a qual gerou um luxo de investimentos
voltados para melhorar a produtividade de seus trabalhadores — o que
permitiu que a Alemanha superasse a crise como nenhuma outra das
grandes economias mundiais.
Foi essa incontestá vel prosperidade econô mica durante os anos de
crise que permitiu que Merkel obtivesse sua quarta vitó ria eleitoral
consecutiva, nã o obstante toda a irritaçã o que ela causou ao permitir o
in luxo de imigrantes islâ micos.

E verdade que muito pouco desta incontestá vel prosperidade pode ser
atribuı́da estritamente a Merkel, uma vez que o crescimento deriva das
reformas trabalhistas, iscais e assistencialistas adotadas ainda durante
o governo de Gerhard Schroeder. No entanto, o partido de Merkel
mostrou uma virtude fundamental durante estes ú ltimos 12 anos: nã o
cedeu aos cantos da sereia keynesiana e consolidou uma invejá vel
estabilidade macroeconô mica dentro da qual o setor privado pô de se
desenvolver sem grandes temores.
Semelhante prudê ncia em meio à maior crise econô mica desde a
Segunda Guerra Mundial poderá fazer com que Merkel supere o
recorde de Konrad Adenauer e Helmut Kohl à frente do executivo
alemã o.
A Recessão no Japão
Peter Schiff

A medida que o primeiro-ministro do Japã o vai transformando seu paı́s


em um laborató rio de ideias keynesianas, a trajetó ria da economia
japonesa tem muito a nos ensinar sobre o bom senso dessas polı́ticas
adotadas. Dados divulgados no inal de 2014 mostram que a economia
no Japã o voltou para a recessã o apó s se contrair pelo segundo trimestre
consecutivo. E, nos ú ltimos quatro trimestres, a economia japonesa
encolheu em trê s deles.

A conclusã o apresentada pelos apologistas do keynesianismo é a de que


os eventuais benefı́cios gerados pela in laçã o de preços — que saltou de
zero para 3,1% ao ano, em decorrê ncia das polı́ticas expansionistas do
Banco Central do Japã o — foram contrabalançados, temporariamente,
pelos efeitos negativos gerados por um aumento do imposto sobre
vendas, ocorrido em abril deste ano.
Essa ló gica tortuosa já deveria servir como um claro indicador de que
as polı́ticas eram ruins desde o inı́cio.

Embora a economia do Japã o já apresente uma estagnaçã o há mais de


20 anos, as coisas pioraram bastante desde dezembro de 2012, quando
Shinzo Abe assumiu o governo e implantou sua cirurgia econô mica
radical, batizada de Abenomics. Desde o inı́cio, seu principal objetivo
era desvalorizar o iene e criar in laçã o de preços. Nesse front, seu ê xito
foi absoluto: o iene se desvalorizou 23% em relaçã o ao dó lar e a
in laçã o de preços, como dito acima, foi "exitosamente" elevada de zero
para 3,1%, de acordo com as estatı́sticas do governo japonê s.
Mas nã o há nenhum misté rio e nenhuma grande di iculdade em criar
in laçã o ou desvalorizar a moeda. Todo o necessá rio é o governo
aumentar a quantidade de dinheiro em circulaçã o ou — como ocorre na
nossa era moderna — estimular os bancos a criar cré dito
eletronicamente, nem que seja para inanciar os dé icits
orçamentá rios do governo. Esse "ê xito" do governo japonê s nã o
deveria ser nenhuma surpresa quando se considera o tamanho relativo
do programa de afrouxamento quantitativo implantado pelo Banco
Central de Abe.

Durante os ú ltimos dois anos, o Banco Central do Japão (BoJ) comprou


tı́tulos do governo em uma quantidade equivalente a 7 trilhõ es de ienes
por mê s, o que é igual a US$65 bilhõ es. Simultaneamente, o BoJ
anunciou sua intençã o de praticamente triplicar seu ritmo de aquisiçã o
de açõ es na bolsa de valores do Japã o. De acordo com a Nikkei’s Asian
Review, o BoJ deté m em seu portfó lio aproximadamente 7 trilhõ es de
ienes em açõ es em ETFs de imó veis.

E o que todo esse ativismo inanceiro do Banco Central do Japã o


logrou? Alé m de uma in laçã o de preços acima de 3% (algo que nã o
acontecia no Japã o desde 1990), de um iene enfraquecido (o que,
dentre outras coisas, encarece sobremaneira as importaçõ es de
petró leo), e de um rali na bolsa de valores (o que bene icia
majoritariamente os mais ricos), esse ativismo inanceiro aprofundou a
recessã o e aumentou a ameaça de uma estag laçã o.

Supostamente, um iene mais fraco deveria estimular as exportaçõ es e,


com isso, ajudaria a balança comercial do Japã o. Só que ocorreu
exatamente o oposto. Em setembro, o paı́s apresentou um dé icit
comercial de 958 bilhõ es de ienes (o equivalente a US$9 bilhõ es), o 27º
mê s consecutivo de dé icits comerciais. A deterioraçã o ocorreu nã o
obstante o fato de os preços das importaçõ es terem encarecido
substantivamente, o que deveria ter reduzido as importaçõ es e
estimulado as exportaçõ es. Mas nã o há surpresa nenhuma nisso. Uma
moeda desvalorizada encarece as importaçõ es de recursos essenciais e
indispensá veis, como petró leo e maté rias-primas. Um iene mais fraco
logrou apenas encarecer os dispê ndios com esses itens essenciais,
afetando a balança comercial em vez de estimulá -la.

E enquanto alguns grandes conglomerados japoneses atribuem ao iene


desvalorizado uma melhora em suas exportaçõ es, as pequenas e as
mé dias empresas japonesas, que vendem majoritariamente para o
mercado interno, estã o sofrendo com vendas estagnadas ao mesmo
tempo em que os preços dos combustı́veis e das maté rias-primas só
fazem aumentar. Eis as maravilhas de uma desvalorizaçã o da moeda:
ajudam os grandes e destroem os pequenos e mé dios.

No que mais, e ao contrá rio do que esperavam os keynesianos, a


in laçã o de preços — surpresa! — nã o está estimulando os salá rios dos
japoneses. Em agosto, o Japã o relatou que seus salá rios reais (ou seja,
ajustados pela in laçã o) caı́ram 2,6% em relaçã o a 2013, o que
representou o 14º mê s seguido de declı́nio. Isso simplesmente signi ica
que os consumidores japoneses hoje podem comprar menos do que
podiam antes da implantaçã o da Abenomics. Nã o creio que isso seja
uma receita para a felicidade do povo.

Os consumidores japoneses també m estã o tendo de lidar com o


extremamente impopular aumento no imposto sobre vendas, o qual
subiu de 5% para 8% em abril deste ano. O imposto sobre vendas foi
elevado com o intuito de impedir que o endividamento do governo
aumentasse descontroladamente em decorrê ncia dos enormes
estı́mulos iscais implantados pela Abenomics.

E isso gerou uma situaçã o paradoxal, a qual ilustra perfeitamente o


atual estado de descalabro que reina no debate econô mico. Os
economistas dizem que o aumento de preços gerado por esse aumento
de impostos sobre as vendas foi o responsá vel pela forte queda no
consumo. Correto. No entanto, e curiosamente, esses mesmos
economistas não aplicam essa mesma ló gica para um aumento de
preços gerado por in laçã o monetá ria e desvalorizaçã o da moeda.
Segundo eles, um aumento dos preços gerado por desvalorizaçã o da
moeda e por expansã o do cré dito irá gerar resultados distintos aos de
um aumento de preços gerado por um aumento dos impostos sobre as
vendas. Por quê ? Eles nã o explicam.

Uma das pedras fundamentais do pensamento keynesiano é a de que


uma queda nos preços gera recessã o porque tal queda estimula os
consumidores a adiar suas compras: eles apenas icariam em casa
esperando que os preços caı́ssem ainda mais. De acordo com essa
teoria, até mesmo uma queda anual de 1% nos preços já seria o
su iciente para dizimar a propensã o dos consumidores a fazer
compras.

Inversamente, os keynesianos acreditam que preços crescentes irã o


estimular o consumo, e consequentemente o crescimento econô mico,
uma vez que a carestia inspiraria as pessoas a comprarem agora antes
que os preços subam ainda mais no futuro. Ora, mas se os
consumidores japoneses foram claramente desanimados pelo aumento
de preços em decorrê ncia do aumento do imposto sobre vendas, por
que iriam eles se sentir estimulados a consumir caso a carestia fosse
decorrente de estı́mulos monetá rios?
Nã o procure por explicaçõ es; nã o haverá nenhuma. A realidade é que,
como bem sabe todo e qualquer comerciante, consumidores compram
quando os preços estã o baixos, e icam em casa quando os preços estã o
altos.
Nã o obstante os resultados desanimadores do Japã o, Abe continua
recebendo o amor de economistas ocidentais. Em uma entrevista
concedida ao The Daily Princetonian no dia 6 de outubro, Paul
Krugman, que se transformou na principal tiete de Shinzo Abe,
respondeu a uma pergunta sobre a economia europeia dizendo que "a
Europa precisa de algo como a Abenomics; só que apenas a Abenomics
ainda seria pouco. A Europa precisa de algo realmente agressivo".
Trata-se do procedimento padrã o do keynesiano: se um estı́mulo nã o
funcionou — aliá s, se ele gerou resultados opostos ao esperado —,
entã o é porque ele nã o foi agressivo o su iciente. O certo seria
aprofundá -lo ainda mais.

Quantas outras notı́cias ruins geradas pelo experimento keynesiano


japonê s teremos de esperar até que os keynesianos mudem de ideia?
Resposta: todas, pois eles nã o sã o suscetı́veis à ló gica. Já quem ainda
nã o está cego pelo dogma intervencionista deveria analisar bem o que
ocorre no Japã o para ver até onde a estrada dos estı́mulos permanentes
pode levar.
Todos os Países Ricos Têm Liberdade
Econômica e Valores Burgueses
Deirdre McCloskey

O mundo está cada vez mais rico e vai se tornar ainda mais rico. Nem
todo o mundo já está rico, é claro. Aproximadamente um bilhã o de
pessoas no planeta ainda sobrevive com a equivalente a US$ 3 por dia
ou menos. No entanto, no ano de 1800, praticamente todas as pessoas
sobreviviam com US$ 3 ao dia (em valores de hoje).
O Grande Enriquecimento começou na Holanda do sé culo XVII. No
sé culo XVIII, o fenô meno já havia se espalhado para Inglaterra, Escó cia
e as colô nias americanas. Hoje, ele é praticamente universal.
Economistas e historiadores concordam quanto à sua espantosa e
surpreendente magnitude: em 2010, a renda mé dia diá ria de uma
grande variedade de paı́ses, incluindo Japã o, EUA, Botsuana e Brasil,
havia crescido de 1.000 a 3.000% em relaçã o aos nı́veis de 1800. As
pessoas deixaram de viver em tendas e cabanas de lama e foram morar
em casas de dois andares e apartamentos em condomı́nios. Saı́ram de
uma realidade marcada por doenças causadas por á gua suja e infectada
e alcançaram uma expectativa de vida de 80 anos. Saı́ram da ignorâ ncia
plena para a alfabetizaçã o e o conhecimento.

Ainda há quem diga que os ricos se tornaram mais ricos e os pobres,
mais pobres. Nada mais errado. A se julgar pelo padrã o de conforto
bá sico trazido por itens essenciais, as pessoas mais pobres do planeta
foram as que mais ganharam. Em locais como Irlanda, Cingapura,
Finlâ ndia e Itá lia, mesmo as pessoas que sã o relativamente pobres tê m
acesso a alimentaçã o adequada, educaçã o, alojamento e cuidados
mé dicos. Seus ancestrais nã o tinham nada disso. Nem mesmo
remotamente.
Desigualdade de riqueza inanceira é algo que varia intensamente ao
longo do tempo; no entanto, no longo prazo, esta se reduziu. A
desigualdade inanceira era maior em 1800 e em 1900 do que é hoje,
como até mesmo o economista (de esquerda) francê s Thomas Piketty
reconheceu. E quando se toma como base o conforto trazido pelo
consumo de itens bá sicos — que é o padrã o mais importante de
mensuraçã o —, a desigualdade dentro de um paı́s, e també m entre
paı́ses, caiu quase que continuamente.

O capitalismo que gerou essa desigualdade é o mesmo que hoje permite


com que boa parte do mundo possa viver com uma qualidade de vida
muito melhor que a dos reis de antigamente. Hoje vivemos em
condiçõ es melhores do que praticamente qualquer pessoa do sé culo
XVIII.

Em todo caso, o problema sempre foi a pobreza, e nã o a desigualdade


em si. O problema nã o é quantos iates possui a herdeira da L'Oreal
Liliane Bettencourt, mas sim se a francesa mé dia possui o su iciente
para se alimentar. A é poca em que se passa a histó ria de "Les
Misé rables", ela nã o tinha. Nos ú ltimos 40 anos, estima o Banco
Mundial, a proporçã o da populaçã o mundial vivendo com apavorantes
US$ 1 ou US$ 2 por dia caiu 50%.

Paul Collier, economista da Universidade de Oxford, nos exorta a ajudar


aquele "1 bilhã o de pessoas mais pobres do mundo" entre as mais de 7
bilhõ es de pessoas que habitam a terra. Claro, esse é nosso dever
moral. Mas ele també m observa que, 50 anos atrá s, de cinco bilhõ es de
pessoas, quatro bilhõ es (80%) viviam em condiçõ es miserá veis. Em
1800, eram 95% de um bilhã o.

Podemos melhorar as condiçõ es da classe operá ria. Aumentar a


produtividade — o que permite aumentos salariais — por meio de
engenhos possibilitados pela criatividade humana é o que sempre
funcionou. Em contraste, tomar dos ricos para dar aos pobres é um
truque que fornece alı́vio apenas momentâ neo. Por de iniçã o, a
expropriaçã o é sempre um truque efê mero, sem qualquer efeito
bené ico de longo prazo. Já o enriquecimento trazido por
aprimoramentos testados e aprovados pelo mercado é algo perene e
que pode se perpetuar por sé culos. Mais ainda: é o que trará ainda
mais conforto em termos de acesso a itens bá sicos e essenciais a
praticamente qualquer pessoa do planeta.

As causas deste Grande Enriquecimento


Mas o que entã o gerou este grande enriquecimento iniciado ainda na
Holanda do sé culo XVII? Em termos simpli icados, houve uma mudança
radical na mentalidade das pessoas. Houve uma mudança na atitude
das pessoas em relaçã o ao empreendedorismo, ao sucesso empresarial
e à riqueza em geral.

Antes de os holandeses, por volta de 1600, ou de os ingleses, por volta


de 1700, mudarem o seu modo de pensar, havia honra em apenas duas
opçõ es: ser soldado ou ser sacerdote. A honra estava apenas em estar
ou no castelo ou na igreja. As pessoas que meramente compravam e
revendiam coisas para sobreviver, ou mesmo as que inovavam, eram
desprezadas e escarnecidas como trapaceiras pecaminosas.

Um carcereiro, no ano de 1200, rejeitou apelos de misericó rdia de um


homem rico: "Ora, Mestre Arnaud Teisseire, o senhor chafurdava na
opulê ncia! Como poderia nã o ser um pecador?"

E entã o algo mudou. Primeiro na Holanda, quando a populaçã o se


revoltou contra o controle espanhol do paı́s. Depois na Inglaterra, com
sua revoluçã o, a qual é considerada a primeira revoluçã o burguesa da
histó ria. As revoluçõ es e reformas da Europa, de 1517 a 1789, deram
voz a pessoas comuns fora das hierarquias de bispos e aristocratas. As
pessoas passaram a admirar empreendedores como Benjamin Franklin,
Andrew Carnegie e, atualmente, Bill Gates. A classe mé dia, a burguesia,
passou a ser vista como boa e ganhou a autorizaçã o para enriquecer.

De certa forma, as pessoas assinaram o 'Tratado da Burguesia', o qual


se tornou uma caracterı́stica dos lugares que hoje sã o ricos, como a
Inglaterra, a Sué cia ou Hong Kong: "Deixe-me inovar e ganhar dinheiro
no curto prazo como resultado dessa inovaçã o, e eu o tornarei rico no
longo prazo".

E foi isso que aconteceu. Começou no sé culo XVIII com o para-raios de
Franklin e a má quina a vapor de James Watt. Isso foi expandido, nos
anos 1820 (sé culo XIX), para uma nova invençã o: as ferrovias com
locomotivas a vapor. E entã o vieram as estradas macadamizadas, assim
chamadas em homenagem ao engenheiro escocê s John Loudon
McAdam. Depois surgiram as ceifadeiras, criadas por Cyrus
McCormick, e as siderú rgicas, criadas por Andrew Carnegie. Ambos
eram escoceses que viviam nos EUA.
Tudo se intensi icaria ainda mais no restante do sé culo XIX e aceleraria
fortemente no inı́cio do sé culo XX. Consequentemente, o Ocidente, que
durante sé culos havia icado atrá s da China e da civilizaçã o islâ mica, se
tornou incrivelmente inovador. As pessoas simplesmente passaram a
ver com bons olhos a economia de mercado e a destruiçã o
criativa gerada por suas lucrativas e rá pidas inovaçõ es.

Deu-se dignidade e liberdade à classe mé dia pela primeira vez na


histó ria da humanidade e esse foi o resultado: o motor a vapor, o tear
tê xtil automá tico, a linha de montagem, a orquestra sinfô nica, a
ferrovia, a empresa, o abolicionismo, a imprensa a vapor, o papel
barato, a alfabetizaçã o universal, o aço barato, a placa de vidro barata, a
universidade moderna, o jornal moderno, a á gua limpa, o concreto
armado, os direitos das mulheres, a luz elé trica, o elevador, o
automó vel, o petró leo, as fé rias, o plá stico, meio milhã o de novos livros
em inglê s por ano, o milho hı́brido, a penicilina, o aviã o, o ar urbano
limpo, direitos civis, o transplante cardı́aco e o computador.

O resultado foi que, pela primeira vez na histó ria, as pessoas comuns e,
especialmente os mais pobres, tiveram sua vida melhorada. Será que o
mundo enriqueceu, como diz a esquerda, por meio da exploraçã o de
escravos ou de trabalhadores? Ou por meio do imperialismo? Nã o. Os
nú meros sã o grandes demais para ser explicados por um roubo de
soma zero.
Nã o foi a exploraçã o dos pobres, nem investimentos, nem instituiçõ es já
existentes. O que causou o Grande Enriquecimento foi uma mera
mudança de mentalidade, uma mera mudança de atitude. Ou, para
simpli icar, uma mera ideia, a qual o iló sofo e economista Adam Smith
rotulou de "o plano liberal para a igualdade, a liberdade e a justiça". Em
uma palavra, foi o liberalismo. Dê à s massas de pessoas comuns
igualdade perante a lei e igualdade de dignidade social, e entã o deixe-as
em paz. Faça isso e elas se tornam extraordinariamente criativas e
energé ticas.
A ideia liberal foi gerada por uma feliz coincidê ncia de acontecimentos
no noroeste europeu de 1517 a 1789: a Reforma, a Revolta Holandesa,
as revoluçõ es na Inglaterra e na França, e a proliferaçã o da leitura.
Estes acontecimentos, conjuntamente, libertaram as pessoas comuns,
dentre elas a burguesia e sua livre iniciativa.
Em termos sucintos, o Tratado da Burguesia é este: primeiramente,
deixe-me tentar este ou aquele aprimoramento. Ficarei com os lucros,
muito obrigado. Poré m, em um segundo ato, estes lucros servirã o de
chamariz para aqueles importunos concorrentes, os quais irã o també m
entrar no mercado, aumentar a oferta de bens e serviços, pegar parte
da minha clientela e, consequentemente, erodir esses meus lucros
(como a Uber fez com a indú stria de tá xi). Já no terceiro ato, apó s todos
os aprimoramentos e melhorias que criei terem se espalhado, eles farã o
com que você melhore de vida substantivamente e ique rico.

E foi isso o que ocorreu.


Você pode discordar e dizer que ideias sã o coisas corriqueiras e nada
especiais, sendo que, para torná -las realidade, é necessá rio termos um
capital fı́sico e humano adequado, bem como boas instituiçõ es. Esta é
uma ideia muito popular, principalmente à direita, mas é errada. Sim, é
necessá rio ter capital e instituiçõ es para implantar e incorporar as
ideias. Mas capital e instituiçõ es sã o causas intermediá rias e
dependentes, e nã o a raiz.
A causa bá sica do enriquecimento foi, e ainda é , a ideia liberal, a qual
originou a universidade, a ferrovia, as edi icaçõ es, a internet e, mais
importante de tudo, nossas liberdades. A acumulaçã o de capital é
extremamente importante, mas nã o é a causa precı́pua do
enriquecimento. Qual foi a acumulaçã o de capital que in lamou as
mentes de William Lloyd Garrison e Sojourner Truth?

Desde Karl Marx, a humanidade criou o há bito de buscar explicaçõ es


materiais para o progresso humano. Depender exclusivamente do
materialismo para explicar o mundo moderno — seja o materialismo
histó rico da esquerda ou o economicismo da direita — é um erro.
Ideias sobre a dignidade humana e a liberdade foram as grandes
responsá veis. O mundo moderno surgiu quando se começou a tratar as
pessoas com mais respeito, concedendo a elas mais liberdade.

Mudanças econô micas em todo e qualquer perı́odo da histó ria


dependem — muito mais do que os economistas acreditam — da
mentalidade das pessoas. Dependem daquilo em que elas acreditam.
Foram ideias e mudanças de atitude o que geraram o nosso
enriquecimento.

E claro que nem todas as ideias sã o doces. Fascismo, racismo, eugenia e
nacionalismo sã o ideias que, recentemente, estã o adquirindo um
alarmante ı́ndice de popularidade. Mas ideias prá ticas e agradá veis a
respeito de tecnologias lucrativas e de instituiçõ es libertadoras, bem
como a ideia liberal que permitiu que pessoas comuns, pela primeira
vez na histó ria, tivessem liberdade para empreender e enriquecer,
geraram o Grande Enriquecimento. Por isso é importante inspirar,
estimular e encorajar as massas. As elites nã o precisam desse
empurrã o, pois já sã o plenamente inspiradas. Igualdade perante a lei e
igualdade de dignidade ainda sã o a raiz do desenvolvimento econô mico
e espiritual.
A grande ameaça à nossa prosperidade nã o sã o as recessõ es
econô micas temporá rias, mas sim a adoçã o de atitudes contrá rias ao
lucro e ao progresso. Quando o ato de empreender e ganhar dinheiro
passa a ser demonizado, e quando a inovaçã o é obstaculizada,
perdemos aquilo que Adam Smith rotulou de "o ó bvio e simples sistema
da liberdade natural". Aceitar e respeitar o capitalismo é uma ideia que
funcionou muito bem para as pessoas ao longo dos dois ú ltimos
sé culos. Sugiro que a aceitaçã o e o respeito devem continuar.
Uma História do Intervencionismo
Ludwig von Mises

Diz uma frase famosa, muito citada: "O melhor governo é o que menos
governa". Esta nã o me parece uma caracterizaçã o adequada das
funçõ es de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para
as quais ele é necessá rio e para as quais foi instituı́do. Tem o dever de
proteger as pessoas dentro do paı́s contra as investidas violentas e
fraudulentas de bandidos, bem como de defender o paı́s contra
inimigos externos. Sã o estas as funçõ es do governo num sistema livre,
no sistema da economia de mercado.

Já se disse que, nas condiçõ es atuais, nã o temos mais uma economia de
mercado livre. O que temos nas condiçõ es presentes é algo a que se dá
o nome de "economia mista". E como provas da efetividade dessa nossa
"economia mista", apontam-se as muitas empresas de que o governo é
proprietá rio e gestor. A economia é mista, diz-se, porque, em muitos
paı́ses, determinadas instituiçõ es - como as companhias de telefone e
telé grafo, as estradas de ferro - sã o de posse do governo e
administradas por ele. Nã o há dú vida de que algumas dessas
instituiçõ es e empresas sã o geridas pelo governo. Mas esse fato não é
su iciente para alterar o cará ter do nosso sistema econô mico. Nem
sequer signi ica que se tenha instalado um "pequeno socialismo" no
â mago do que seria — nã o fosse a intrusã o dessas empresas de gestã o
governamental - a economia de mercado livre e nã o socialista. Isto
porque o governo, ao dirigir essas empresas, está subordinado à
supremacia do mercado, o que signi ica que está subordinado à
supremacia dos consumidores.
Ao administrar, digamos, o correio ou as estradas de ferro, ele é
obrigado a contratar pessoal para trabalhar nessas empresas. Precisa
també m comprar as maté rias-primas e os demais produtos necessá rios
à operaçã o das mesmas. E, por outro lado, o governo "vende" esses
serviços e mercadorias para o pú blico. Todavia, embora administre
essas instituiçõ es utilizando os mé todos do sistema econô mico livre, o
resultado, via de regra, é um dé icit. O governo, contudo, tem condiçõ es
de inanciar esse dé icit - pelo menos é esta a irme convicçã o nã o só
dos seus integrantes como també m dos que se ligam ao partido no
poder.
A situaçã o do indivı́duo é bem diversa. Sua capacidade de gerir um
empreendimento de icitá rio é muito restrita. Se o dé icit nã o for logo
eliminado, e se a empresa nã o se tomar lucrativa (ou pelo menos dar
mostras de que nã o está incorrendo em dé icits ou prejuı́zos
adicionais), o indivı́duo vai à falê ncia e a empresa acaba. Já o governo
goza de condiçõ es diferentes. Pode ir em frente com um dé icit, porque
tem o poder de impor tributos à populaçã o. E se os contribuintes se
dispuserem a pagar impostos mais elevados para permitir ao governo
administrar uma empresa de icitá ria - isto é , administrar com menos
e iciê ncia do que o faria uma instituiçã o privada -, ou seja, se o pú blico
tolerar esse prejuı́zo, entã o obviamente a empresa se manterá em
atividade. Nos ú ltimos anos, na maioria dos paı́ses, procedeu-se à
estatizaçã o de um nú mero crescente de instituiçõ es e empresas, a tal
ponto que os dé icits cresceram muito alé m do montante possı́vel de
ser arrecadado dos cidadã os atravé s de impostos. O que acontece nesse
caso nã o é o tema da palestra de hoje. A consequê ncia é a in laçã o,
assunto que devo abordar amanhã . Mencionei isso apenas porque a
economia mista nã o deve ser confundida com o problema
do intervencionismo.

Que é o intervencionismo? O intervencionismo signi ica a nã o-restriçã o,


por parte do governo, de sua atividade, em relaçã o à preservaçã o da
ordem, ou — como se costumava dizer cem anos atrá s — em relaçã o à
"produçã o da segurança". O intervencionismo revela um governo
desejoso de fazer mais. Desejoso de interferir nos fenô menos de
mercado. Algué m que discorde, a irmando que o governo nã o deveria
intervir nos negó cios, poderá ouvir, com muita frequê ncia, a seguinte
resposta: "Mas o governo sempre interfere, necessariamente. Se há
policiais nas ruas, o governo está interferindo. Interfere quando um
assaltante rouba uma loja ou quando evita que algué m furte um
automó vel". Mas quando falamos de intervencionismo, e de inimos o
signi icado do termo, referimo-nos à interferê ncia governamental no
mercado. (Que o governo e a polı́cia se encarreguem de proteger os
cidadã os, e entre eles os homens de negó cio e, evidentemente,
seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior,
é efetivamente uma expectativa normal e necessá ria, algo a se esperar
de qualquer governo. Essa proteçã o nã o constitui uma intervençã o,
pois a ú nica funçã o legı́tima do governo é , precisamente, produzir
segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao
desejo que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e
fraudes. O intervencionismo signi ica que o governo nã o somente
fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de
mercado, como també m interfere em vá rios fenô menos de mercado:
interfere nos preços, nos padrõ es salariais, nas taxas de juro e de lucro.
O governo quer interferir com a inalidade de obrigar os homens de
negó cio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que
escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores.
Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental tê m por
objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer
arrogar a si mesmo o poder — ou pelo menos parte do poder — que, na
economia de mercado livre, pertence aos consumidores. Consideremos
um exemplo de intervencionismo bastante conhecido em muitos paı́ses
e experimentado, vezes sem conta, por inú meros governos,
especialmente em tempos de in laçã o. Re iro-me ao controle de
preços. Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois
de terem in lacionado a oferta de moeda e de a populaçã o ter começado
a se queixar do decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos
exemplos histó ricos do fracasso de mé todos de controle dos preços,
mas mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram, de
fato, extremamente ené rgicos ao impor, ou tentar impor, seus controles
de preço.

O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador romano Diocleciano,


notó rio como o ú ltimo imperador romano a perseguir os cristã os. Na
segunda metade do sé culo III, os imperadores romanos dispunham de
um ú nico mé todo inanceiro: desvalorizar a moeda corrente por meio
de sua adulteraçã o. Nessa é poca primitiva, anterior à invençã o da
má quina impressora, até a in laçã o era, por assim dizer, primitiva.
Envolvia o enfraquecimento do teor da liga metá lica com que se
cunhavam as moedas, especialmente as de prata. O governo misturava
à prata quantidades cada vez maiores de cobre, até que a cor das
moedas se alterou e o peso se reduziu consideravelmente. A
consequê ncia dessa adulteraçã o das moedas e do aumento associado
da quantidade de dinheiro em circulaçã o foi uma alta dos preços,
seguida de um decreto destinado a controlá -los. E os imperadores
romanos nã o primavam pela moderaçã o no fazer cumprir suas leis: a
morte nã o lhes parecia uma puniçã o demasiado severa para quem
ousasse cobrar preços mais elevados que os estipulados. Conseguiram
impor o controle de preços, mas foram incapazes de preservar a
sociedade. A consequê ncia foi a desintegraçã o do Impé rio Romano e do
sistema da divisã o do trabalho.
Quinze sé culos mais tarde, a mesma adulteraçã o do dinheiro aconteceu
durante a Revoluçã o Francesa. Mas desta vez utilizou-se um mé todo
diferente. A tecnologia para a produçã o de dinheiro fora
consideravelmente aperfeiçoada. Os franceses já nã o precisavam
recorrer à adulteraçã o da liga metá lica empregada na cunhagem das
moedas: tinham a má quina impressora. E esta era extremamente
e iciente. Mais uma vez, o resultado foi uma elevaçã o dos preços sem
precedentes. Mas na Revoluçã o Francesa os preços má ximos nã o foram
garantidos atravé s do mesmo mé todo de aplicaçã o da pena capital de
que lançara mã o o imperador Diocleciano. Produzira-se um
aperfeiçoamento també m na té cnica de matar cidadã os. Todos se
lembram do famoso doutor J. I. Guillotin (1738-1814), o inventor da
guilhotina. No entanto, apesar da guilhotina, os franceses també m
fracassaram com suas leis de preço má ximo. Quando chegou a vez de
Robespierre ser conduzido numa carroça rumo à guilhotina, o povo
gritava: "Lá vai o bandido-mor!". Se menciono este fato é porque é
comum ouvir: "O que é preciso para dar e icá cia e e iciê ncia ao controle
de preços é apenas maior implacabilidade e maior energia". Ora,
Diocleciano foi indubitavelmente implacá vel, como també m o foi a
Revoluçã o Francesa. Nã o obstante, as medidas de controle de preço
fracassaram por completo em ambos os casos.
Analisemos agora as razõ es desse fracasso. O governo ouve as queixas
do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é , sem dú vida, muito
importante, sobretudo para a geraçã o em crescimento, para as
crianças. Por conseguinte, estabelece um preço má ximo para esse
produto, preço má ximo que é inferior ao que seria o preço potencial de
mercado. Entã o o governo diz: "Estamos certos de que izemos tudo o
que era preciso para permitir aos pobres a compra de todo o leite de
que necessitam para alimentar os ilhos".
Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o
aumento da demanda do produto; pessoas que nã o tinham meios de
comprá -lo a um preço mais alto, podem agora fazê -lo ao preço reduzido
por decreto o icial. Por outro lado, parte dos produtores de leite,
aqueles que estã o produzindo a custos mais elevados — isto é , os
produtores marginais — começam a sofrer prejuı́zos, visto que o preço
decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este é o ponto
crucial na economia de mercado. O empresá rio privado, o produtor
privado, nã o pode sofrer prejuı́zo no cô mputo inal de suas atividades.
E como nã o pode ter prejuı́zos com o leite, restringe a venda deste
produto para o mercado. Pode vender algumas de suas vacas para o
matadouro; pode també m, em vez de leite, fabricar e vender derivados
do produto, como coalhada, manteiga ou queijo.

A interferê ncia do governo no preço do leite redunda, pois, em menor


quantidade do produto do que a que havia antes, reduçã o que é
concomitante a uma ampliaçã o da demanda. Algumas pessoas
dispostas a pagar o preço decretado pelo governo nã o conseguirã o
comprar leite. Outro efeito é a precipitaçã o de pessoas ansiosas por
chegarem em primeiro lugar à s lojas. Sã o obrigadas a esperar do lado
de fora. As longas ilas diante das lojas parecem sempre um fenô meno
corriqueiro numa cidade em que o governo tenha decretado preços
má ximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes.
Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite foi
controlado. Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos
economistas — obviamente apenas pelos economistas sensatos, que,
aliá s, nã o sã o muito numerosos. Mas qual é a consequê ncia do controle
governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a
satisfaçã o dos consumidores de leite, mas na verdade, descontentou-
os. Antes de sua interferê ncia, o leite era caro, mas era possı́vel
comprá -lo. Agora a quantidade disponı́vel é insu iciente. Com isso, o
consumo total se reduz. As crianças passam a tomar menos leite, e
chegam a nã o mais tomá -lo. A medida a que o governo recorre em
seguida é o racionamento. Mas racionamento signi ica tã o somente que
algumas pessoas sã o privilegiadas e conseguem obter leite, enquanto
outras icam sem nenhum. Quem obté m e quem nã o obté m é
obviamente algo sempre determinado de forma muito arbitrá ria. Pode
ser estipulado, por exemplo, que crianças com menos de quatro anos de
idade devem tomar leite, e aquelas com mais de quatro, ou entre quatro
e seis, devem receber apenas a metade da raçã o a que as menores
fazem jus.
Faça o governo o que izer, permanece o fato de que só há disponı́vel
uma menor quantidade de leite. Consequentemente, a populaçã o está
ainda mais insatisfeita que antes. O governo pergunta, entã o, aos
produtores de leite (porque nã o tem imaginaçã o su iciente para
descobrir por si mesmo): "Por que nã o produzem a mesma quantidade
que antes?". Obté m a resposta: "E impossı́vel, uma vez que os custos de
produçã o sã o superiores ao preço má ximo ixado pelo governo". As
autoridades se põ em em seguida a estudar os custos dos vá rios fatores
de produçã o, vindo a descobrir que um deles é a raçã o. "Pois bem", diz
o governo, "o mesmo controle que impusemos ao leite, vamos aplicar
agora à raçã o. Determinaremos um preço má ximo para ela e os
produtores de leite poderã o alimentar seu gado a preços mais baixos,
com menor dispê ndio. Com isto, tudo se resolverá : os produtores de
leite terã o condiçõ es de produzir em maior quantidade e venderã o
mais." Que acontece nesse caso? Repete-se, com a raçã o, a mesma
histó ria acontecida com o leite, e, como é fá cil depreender, pelas
mesmı́ssimas razõ es. A produçã o de raçã o diminui e as autoridades se
veem novamente diante de um dilema.
Nessas circunstâ ncias, providenciam novos interlocutores, no intuito de
descobrir o que há de errado com a produçã o de raçã o. E recebem dos
produtores de raçã o uma explicaçã o idê ntica à que lhes fora fornecida
pelos produtores de leite. De sorte que o governo é compelido a dar um
outro passo, já que nã o quer abrir mã o do princı́pio do controle de
preços. Determina preços má ximos para os bens de produçã o
necessá rios à produçã o de raçã o. E a mesma histó ria, mais uma vez, se
desenrola. Assim, o governo começa a controlar nã o mais apenas o
leite, mas també m os ovos, a carne e outros artigos essenciais. E todas
as vezes alcança o mesmo resultado, por toda parte a consequê ncia é a
mesma. A partir do momento em que ixa preços má ximos para bens
de consumo, vê -se obrigado a recuar no sentido dos bens de produçã o,
e a limitar os preços dos bens de produçã o necessá rios à elaboraçã o
daqueles bens de consumo com preços tabelados. E assim o governo,
que começara com o controle de alguns poucos fatores, recua cada vez
mais em direçã o à base do processo produtivo, ixando preços má ximos
para todas as modalidades de bens de produçã o, incluindo-se ai,
evidentemente, o preço da mã o-de-obra, pois, sem controle salarial, o
"controle de custos" efetuado pelo governo seria um contra-senso.

Ademais, o governo nã o tem como limitar sua interferê ncia no mercado
apenas ao que se lhe a igura como bem de primeira necessidade: leite,
manteiga, ovos e carne. Precisa necessariamente incluir os bens de
luxo, porquanto, se nã o limitasse seus preços, o capital e a mã o-de-obra
abandonariam a produçã o dos artigos de primeira necessidade e
acorreriam à produçã o dessas mercadorias que o governo reputa
supé r luas. Portanto, a interferê ncia isolada no preço de um ou outro
bem de consumo sempre gera efeitos — e é fundamental compreendê -
lo — ainda menos satisfató rios que as condiçõ es que prevaleciam
anteriormente: antes da interferê ncia, o leite e os ovos sã o caros;
depois, começam a sumir do mercado.

O governo considerava esses artigos tã o importantes que interferiu;


queria torná -los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o
contrá rio: a interferê ncia isolada deu origem a uma situaçã o que — do
ponto de vista do governo — é ainda mais indesejá vel que a anterior,
que se pretendia alterar. E o governo acabará por chegar a um ponto
em que todos os preços, padrõ es salariais, taxas de juro, em suma, tudo
o que compõ e o conjunto do sistema econô mico, é determinado por
ele. E isso, obviamente, é socialismo.

O que lhes apresentei aqui, nesta explanaçã o esquemá tica e teó rica, foi
precisamente o que ocorreu nos paı́ses que tentaram impor preços
má ximos, paı́ses cujos governos foram teimosos o bastante para
avançarem passo a passo até a pró pria derrocada. Foi o que aconteceu,
na Primeira Guerra Mundial, com a Alemanha e a Inglaterra.
Analisemos a situaçã o que existia nos dois paı́ses. Ambos
experimentavam a in laçã o. Como os preços subiam, os dois governos
impuseram controles sobre eles. Tendo começado com apenas alguns
preços, nada mais que leite e ovos, foram forçados a avançar cada vez
mais. Mais a guerra se prolongava, maior se tornava a in laçã o. E apó s
trê s anos de guerra, os alemã es — de maneira sistemá tica, como é de
seu estilo — elaboraram um grande plano. Chamaram-no Plano
Hindenburg (naquela é poca, tudo na Alemanha que parecia bom ao
governo era batizado de Hindenburg).

O Plano Hindenburg estabelecia o controle governamental sobre todo o


sistema econô mico do paı́s: preços, salá rios, lucros..., tudo. E a
burocracia tratou imediatamente de pô r em prá tica este plano. Mas,
antes de concluı́-lo, veio a derrocada: o Impé rio Alemã o desintegrou-se,
o aparelho burocrá tico esfacelou-se, a revoluçã o produziu seus efeitos
terrı́veis — tudo chegou ao im. Os fatos, na Inglaterra, inicialmente
ocorreram dessa mesma maneira, mas, depois de algum tempo, na
primavera de 1917, os Estados Unidos entraram na guerra e
abasteceram os ingleses com quantidades su icientes de tudo. Dessa
forma, o caminho do socialismo, o caminho da servidã o, foi obstado.
Antes da ascensã o de Hitler ao poder, o controle de preços foi mais uma
vez introduzido na Alemanha pelo chanceler Brü ning, pelas razõ es de
costume. O pró prio Hitler aplicou-o antes mesmo do inı́cio da guerra:
na Alemanha de Hitler nã o havia empresa privada ou iniciativa privada.
Na Alemanha de Hitler havia um sistema de socialismo que só diferia
do sistema russo na medida em que ainda eram mantidos
a terminologia e os rótulos do sistema de livre economia. Ainda
existiam "empresas privadas", como eram denominadas. Mas o
proprietá rio já nã o era um empresá rio; chamavam-no "gerente" ou
"chefe" de negó cios (Betriebsführer).

Todo o paı́s foi organizado numa hierarquia de führers; havia


o Führer supremo, obviamente Hitler, e em seguida uma longa
sucessã o de führers, em ordem decrescente, até os führers do ú ltimo
escalã o. E, assim, o dirigente de uma empresa era o Betriebsführer. O
conjunto de seus empregados, os trabalhadores da empresa, era
chamado por uma palavra que, na Idade Mé dia, designara o sé quito de
um senhor feudal: o Gefolgschaft. E toda essa gente tinha de obedecer
à s ordens expedidas por uma instituiçã o que ostentava o nome
assustadoramente longo de Reichsführerwirtschaftsministerium
(Ministé rio da Economia do Impé rio), a cuja frente estava o conhecido
gorducho Goering, enfeitado de joias e medalhas. E era desse corpo de
ministros de nome tã o comprido que emanavam todas as ordens para
todas as empresas: o que produzir, em que quantidade, onde comprar
maté rias-primas e quanto pagar por elas, a quem vender os produtos e
a que preço. Os trabalhadores eram designados para determinadas
fá bricas e recebiam salá rios decretados pelo governo. Todo o sistema
econô mico era agora regulado, em seus mı́nimos detalhes, pelo
governo.

O Betriebsführer nã o tinha o direito de se apossar dos lucros; recebia o


equivalente a um salá rio e, se quisesse receber uma soma maior, diria,
por exemplo: "Estou muito doente, preciso me submeter a uma
operaçã o imediatamente, e isso custará quinhentos marcos". Nesse
caso, era obrigado a consultar o führers do distrito (o Gauführer ou
Gauleiter), que o autorizaria — ou nã o — a fazer uma retirada superior
ao salá rio que lhe era destinado. Os preços já nã o eram preços, os
salá rios já nã o eram salá rios - nã o passavam de expressões quantitativas
num sistema de socialismo.

Permitam-me agora contar-lhes como esse sistema entrou em colapso.


Um dia, apó s anos de combate, os exé rcitos estrangeiros chegaram à
Alemanha. Procuraram conservar esse sistema econô mico de direçã o
governamental; mas para isso teria sido necessá ria a brutalidade de
Hitler. Sem ela, o sistema nã o funcionou. Enquanto isso acontecia na
Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, a Grã -Bretanha fazia
exatamente a mesma coisa: a partir do controle do preço de algumas
mercadorias, o governo britâ nico começou, passo a passo (assim como
Hitler procedera em tempo de paz, antes mesmo de de lagrada a
guerra), a controlar cada vez mais a economia, até que, por ocasiã o do
té rmino da guerra, tinham chegado a algo muito pró ximo do puro
socialismo.

A Grã -Bretanha nã o foi conduzida ao socialismo pelo governo do


Partido Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista
durante a guerra, ao longo do governo que tinha à frente, como
primeiro-ministro, Sir Winston Churchill. O governo trabalhista
simplesmente manteve o sistema de socialismo já introduzido pelo
governo de Sir Winston Churchill. E isso a despeito da grande
resistê ncia do povo. A estatizaçõ es efetuadas na Grã -Bretanha nã o
tiveram grande signi icado. A estatizaçã o do Banco da Inglaterra foi
inó cua visto que essa instituiçã o inanceira já estava sob completo
controle governamental. E o mesmo se deu com a estatizaçã o das
estradas de ferro e da indú stria do aço. O "socialismo de guerra", como
era chamado — denotando o sistema de intervencionismo implantando
passo a passo — já estatizara praticamente todo o sistema.

A diferença entre o sistema alemã o e o britâ nico nã o foi signi icativa,
porquanto seus gestores tinham sido designados pelo governo e, em
ambos os casos, eram obrigados a cumprir as ordens do governo em
todos os detalhes. Como eu disse antes, o sistema dos nazistas alemã es
conservou os ró tulos e termos da economia capitalista de livre
mercado. Mas essas expressõ es adquiriram um signi icado muito
diverso: já nã o passavam agora de decretos governamentais.
Isto també m se aplica ao sistema britâ nico. Quando o Partido
Conservador foi reconduzido ao poder, alguns desses controles foram
suprimidos. Temos hoje na Grã -Bretanha tentativas, por um lado, de
conservar os controles e, por outro, de aboli-los (mas nã o se deve
esquecer que as condiçõ es existentes na Inglaterra sã o muito diferentes
das que prevalecem na Rú ssia). O mesmo se passou em outros paı́ses
que, por dependerem da importaçã o de alimentos e de maté rias-
primas, foram obrigados a exportar bens manufaturados. Em paı́ses
profundamente dependentes do comé rcio de exportaçõ es, um sistema
de controle governamental simplesmente nã o funciona.
Assim, a subsistê ncia de alguma liberdade econô mica (e ainda existe
uma substancial liberdade em paı́ses como a Noruega, a Inglaterra, a
Sué cia) é fruto da necessidade de preservar o comércio de
exportação. Aliá s, se escolhi anteriormente o exemplo do leite, nã o foi
por ter alguma predileçã o especial pelo produto, mas porque
praticamente todos os governos - ou sua grande maioria —
regulamentaram, nas ú ltimas dé cadas, os preços do leite, dos ovos ou
da manteiga.
Quero lembrar, em poucas palavras, um outro exemplo, o do controle do
aluguel. Uma das consequê ncias do controle dos alugué is por parte do
governo é que pessoas que teriam — por causa de alteraçõ es na
situaçã o familiar — de mudar de apartamentos maiores para outros
menores, já nã o o fazem. Considere-se, por exemplo, um casal cujos
ilhos saı́ram de casa em outras cidades. Casais como este tendiam a se
mudar, passando a habitar apartamentos menores e mais baratos. Com
a imposiçã o do controle sobre os alugué is, essa necessidade
desaparece.

Em Viena, no começo da dé cada de 20, o controle do aluguel estava


irmemente estabelecido. Assim, a quantia que um locador recebia por
um apartamento de dimensõ es mé dias, submetido a controle de
aluguel, nã o excedia o dobro do preço de uma passagem de bonde —
sistema de transporte pertencente à municipalidade. Pode-se imaginar
que nã o se tinha incentivo algum para mudar de apartamento. E, por
outro lado, nã o se construı́am novas casas. Condiçõ es semelhantes
prevaleceram nos Estados Unidos apó s a Segunda Guerra Mundial e
perduram até hoje em muitas cidades americanas. Uma das principais
razõ es por que muitas cidades nos Estados Unidos se encontram em
enorme di iculdade inanceira reside na adoçã o do controle sobre os
alugué is, com a decorrente escassez de moradias. Ela se produziu pelas
mesmas razõ es que acarretaram a escassez do leite quando seu preço
foi controlado. Isto signi ica: sempre que se interfere no mercado, o
governo é progressivamente impelido ao socialismo.

E esta é a resposta aos que dizem: "Nã o somos socialistas, nã o


queremos que o governo controle tudo. Mas por que nã o poderia ele
interferir um pouco no mercado? Por que nã o poderia abolir
determinadas coisas que nos desagradam?" Essas pessoas falam de
uma polı́tica de "meio-termo". O que nã o se percebe é que a
interferê ncia isolada, isto é , a interferê ncia num ú nico pequeno detalhe
do sistema econô mico, produz uma situaçã o que ao pró prio governo —
e à queles que estã o reivindicando a sua interferê ncia — parecerá pior
que aquelas condiçõ es que se pretendia abolir: os que propunham o
controle dos alugué is icam irritados ao se darem conta da escassez de
apartamentos e moradias em geral.
Mas essa escassez de moradias foi gerada precisamente pela
interferê ncia do governo, pela ixaçã o dos alugué is num padrã o inferior
ao que se iria pagar num sistema de livre mercado. A ideia de que
existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro sistema — como
o chamam seus defensores —, o qual, sendo equidistante do socialismo
e do capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as desvantagens
de um e de outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na existê ncia
possı́vel desse sistema mı́tico podem chegar a ser realmente lı́ricos
quando tecem loas ao intervencionismo. Só o que se pode dizer é que
estã o equivocados. A interferê ncia governamental que exaltam dá lugar
a situaçõ es que desagradariam a eles mesmos.
O mesmo acontece com o protecionismo: o governo procura isolar o
mercado interno do mercado mundial. Introduz tarifas que elevam o
preço interno da mercadoria acima do preço em que é cotada no
mercado mundial, o que possibilita aos produtores nacionais a
formaçã o de carté is. Logo em seguida, o mesmo governo investe contra
os carté is, declarando: "Nestas condiçõ es, impõ e-se uma legislaçã o
anticartel."

Foi precisamente esse o procedimento da maioria dos governos


europeus. Nos Estados Unidos, somam-se a isso razõ es adicionais para
a legislaçã o antitruste e para a campanha governamental contra o
fantasma do monopó lio. E absurdo ver o governo — que gera, por meio
do pró prio intervencionismo, as condiçõ es que possibilitam a
emergê ncia de carté is nacionais — voltar-se contra o meio empresarial,
dizendo: "Há carté is, portanto é necessá ria a interferê ncia do governo
nos negó cios". Seria muito mais simples evitar a formaçã o de carté is
sustando a interferê ncia governamental no mercado — interferê ncia
esta que vem a gerar as possibilidades de formaçã o desses carté is. A
ideia da interferê ncia governamental como "soluçã o" para problemas
econô micos dá margem, em todos os paı́ses, a circunstâ ncias no
mı́nimo extremamente insatisfató rias e, com frequê ncia, caó ticas. Se
nã o for detida a tempo, o governo acabará por implantar o socialismo.

Nã o obstante, a interferê ncia do governo nos negó cios continua a gozar
de grande aceitaçã o. Mal acontece no mundo algo que desagrada à s
pessoas é comum ouvir-se o comentá rio: "O governo precisa fazer
alguma coisa a respeito. Para que temos governo? O governo deveria
fazer isso". Temos aqui um vestı́gio caracterı́stico do modo de pensar
de é pocas passadas, de eras anteriores à liberdade moderna, ao governo
constitucional moderno, anteriores ao governo representativo ou ao
republicanismo moderno.

Ao longo de sé culos, manteve-se a doutrina — a irmada e acatada por


todos — de que um rei, um rei ungido, era o mensageiro de Deus; era
mais sá bio que os seus sú ditos e possuı́a poderes sobrenaturais. Até
princı́pios do sé culo XIX, pessoas que sofriam certas doenças
esperavam ser curadas pelo simples toque da mã o do rei. Os mé dicos
costumavam ser mais e icazes: mesmo assim, permitiam aos seus
pacientes experimentar o rei. Essa doutrina da superioridade de um
governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos reis hereditá rios
extinguiu-se gradativamente — ou, pelo menos, assim imaginá vamos.
Mas ela ressurgiu. O professor alemã o Werner Sombart (a quem
conheci muito bem), homem de renome mundial, foi doutor honoris
causa de vá rias universidades e membro honorá rio da American
Economic Association. Esse professor escreveu um livro que tem
traduçã o para o inglê s — publicada pela Princeton University Press —,
para o francê s e provavelmente també m para o espanhol. Ou melhor,
espero que tenha, para que todos possam conferir o que vou dizer.
Nesse livro, publicado nã o nas "trevas" da Idade Mé dia, mas no nosso
sé culo, esse professor de economia diz simplesmente o seguinte:
"O Führer, nosso Führer" — refere-se, é claro, a Hitler — "recebe
instruçõ es diretamente de Deus, o Führer do universo".
Já me referi antes a essa hierarquia de führers e nela situei Hitler como
o "Führer Supremo". Mas, ao que nos informa Werner Sombart, há
um Führer em posiçã o ainda mais elevada. Deus, o Führer do universo.
E Deus, escreve ele, transmite suas instruçõ es diretamente a Hitler.
Naturalmente, o professor Sombart nã o deixou de acrescentar, com
muita modé stia: "nã o sabemos como Deus se comunica com o Führer.
Mas o fato nã o pode ser negado."

Ora, se icamos sabendo que semelhante livro pô de ser publicado em


alemã o — a lı́ngua de um paı́s outrora exaltado como "a naçã o dos
iló sofos e dos poetas" —, e o vemos traduzido em inglê s e francê s, já
nã o nos espantará que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a
se considerar mais sá bio e melhor que os demais cidadã os, e deseje
interferir em tudo, ainda que ele nã o passe de um reles burocratazinho,
em nada compará vel ao famoso professor Werner Sombart, membro
honorá rio de tudo quanto é entidade. Haveria um remé dio contra tudo
isso? Eu diria que sim. Há um remé dio. E esse remé dio é a força dos
cidadã os: cabe-lhes impedir a implantaçã o de um regime tã o
autoritá rio que se arrogue uma sabedoria superior à do cidadã o
comum. Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidã o.

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