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Dom Marcel Lefebvre

ROMA E AS REVOLUÇÕES NA IGREJA

Roma, o que fizeste do martírio de São Pedro e São Paulo?

Meus caríssimos irmãos,

Eis-nos outra vez reunidos sob o patrocínio de São Pedro e São Paulo, mártires. Como não lançar nossos
olhares, pelo pensamento, pelo coração, para Roma? Roma que este Papa e o apóstolo São Paulo regaram
com o seu sangue, acompanhados de tantos e tantos mártires. Foi também com emoção que lemos esta
manhã as lições do Papa São Leão, que se dirigia assim à Cidade Eterna:

"Ó Roma, quæ eras magistra erroris facta est discípula veritatis – Ó Roma, tu que eras mestra do erro, que
ensinaste o erro, eis que te fizeste serva da Verdade”.

Que bela palavra: serva da Verdade! E ele acrescentava que esta cidade de Roma reunia todos os erros de
todas as nações: Omnium gentium serviebat erroribus...

Roma parecia estar a serviço dos erros de todas as nações. Acolhendo todas as divindades, Roma julgava,
diz ainda São Leão, que tinha uma grande religião, magnam religionem, porque, precisamente, ela reunia
todos os erros, todas as religiões, em seu seio.

Estas palavras de São Leão descrevendo a Roma pagã, a Roma antiga, faz-nos refletir hoje.

A grande traição: a mentalidade católico-liberal

Reconciliar a Igreja com a Revolução: tal é a empresa dos liberais que se dizem católicos.

Os liberais que se dizem católicos sustentam que a doutrina católica do Reino Social de Nosso Senhor Jesus
Cristo e da união da Igreja com o Estado é sem dúvida verdadeira, mas inaplicável mesmo nos países
católicos:

· Na teoria, pode-se aceitar a tese proposta pelos Papas e teólogos.

· Na prática, deve-se ceder ante as circunstâncias e resolutamente aderir à hipótese: promover o pluralismo
religioso e a liberdade de cultos:

Os liberais católicos não têm deixado de sustentar que desejam a ortodoxia tanto quanto os mais
intransigentes, e que sua única preocupação são os interesses da Igreja: "a reconciliação que procuram não é
teórica nem abstrata, mas somente prática”
Infiltração do Modernismo na Igreja
Na conferência que leremos agora, Mgr. Marcel Lefebvre nos dá alguns detalhes do
árduo combate que ocupou os últimos anos de sua vida para conseguir manter a
Tradição, no que toca seu relacionamento com Roma. É claro que muitos anos já se
passaram desde que ele deu esta conferência que data de meados da década de 80.
Houve o encontro de Assis e diversos atos do Papa João Paul II que empurraram o
Vaticano cada vez mais adentro no ecumenismo e no progressismo. A crise se agravou.
Mas os princípios católicos que o lúcido bispo apresenta permanecem os mesmos.

A INFILTRAÇÃO DO MODERNISMO NA IGREJA


Breve História

Fico contente em constatar que no mundo inteiro, no mundo católico, em todo lugar, pessoas corajosas se
reúnem em torno de padres fiéis à fé católica e à Igreja Católica, para manter a tradição que é a fortaleza de
nossa fé.

Se existe um movimento tão geral é porque a situação da Igreja é verdadeiramente grave. Pois, para que
padres, fiéis católicos, aceitem ser tratados de rebeldes, de dissidentes, de desobedientes, mesmo se tratando
de bons padres, alguns dos quais já serviram em paróquias durante trinta anos com grande satisfação de
seus paroquianos, é para manter a fé católica. Eles o fazem conscientemente no espírito dos mártires.

Ser perseguido por seus irmãos ou pelos inimigos da Igreja, qualquer que seja a mão que bata, por vista que
seja contra a manutenção da fé, é sofrer um martírio. Esses padres, esses fiéis, são testemunhas da fé
católica. Eles preferem ser considerados como rebeldes e dissidentes a perder a fé.

Nós assistimos, no mundo inteiro, a uma situação trágica, inacreditável, que parece não se ter jamais
produzido na história da Igreja. É preciso então tentar explicar esse fenômeno extraordinário. Como podem
bons fiéis, bons padres, se esforçarem por manter a fé católica num mundo católico que está em plena
dissolução? Foi o Papa Paulo VI, ele mesmo, que falou de autodemolição da Igreja. O que significa esse
termo de autodemolição senão que a Igreja se destrói, ela mesma, por ela mesma, por seus próprios
membros? É isso o que já dizia o Papa São Pio X na sua primeira encíclica, quando escrevia: «Hoje, o
inimigo da Igreja não está mais no exterior da Igreja, está no interior». E o Papa não hesitava em designar
os lugares aonde ele se encontrava: «O inimigo se encontra nos seminários». Por conseqüência, já no início
do século, o Santo Papa Pio X, na sua primeira encíclica, denunciava a presença de inimigos da Igreja nos
seminários.

E é evidente que esses seminaristas que estavam imbuídos do modernismo, do Sillonismo e do progressismo
se tornaram padres. Alguns deles se tornaram bispos e entre eles cardeais. Poderia-se citar os nomes
daqueles que fizeram seu seminário no início do século, que morreram agora, mas cujo espírito era
modernista e progressista.

Assim, já o Papa Pio X denunciava essa divisão na Igreja, uma certa ruptura no interior mesmo da Igreja e
do Clero.

Eu não sou mais jovem e já tive ocasiões, ao longo de minha vida de seminarista, de minha vida sacerdotal
e de minha vida episcopal, de constatar essa divisão, e isso já no seminário francês de Roma, onde eu fazia
meus estudos, pela graça do Bom Deus. Confesso que não estava muito entusiasmado pelos estudos feitos
em Roma. Eu pessoalmente preferia estar, como os seminaristas de minha diocese, no seminário de Lille e
me tornar um pequeno vigário e em seguida um simples cura numa paróquia do campo.

Manter a fé numa paróquia: eu me via um pouco pai espiritual de uma população a qual nos apegamos, para
lhe inculcar a fé e os modos cristãos. Era o meu ideal. Mas, aconteceu que meu irmão estava já, depois da
Guerra de 1914-1918, em Roma, porque ele tinha se separado da família por circunstâncias da guerra no
norte da França e, por conseqüência, meus pais insistiram para que eu fosse reencontrar meu irmão. « Como
seu irmão já está em Roma, no seminário francês, vá então encontrá-lo e fazer seus estudos com ele». E eu
parti para Roma. Fiz meus estudos na Universidade gregoriana, de 1923 a 1930. Fui ordenado em 1929 e
fiquei como padre no seminário durante um ano.

As primeiras vítimas do Modernismo


Ora, durante esses anos no seminário, passaram-se coisas trágicas que me lembram exatamente tudo o que
eu vi depois do Concílio. Estou praticamente na mesma situação em que estava nosso superior do seminário
francês naquele momento: o padre Le Floch, que foi o superior do seminário francês de Roma durante trinta
anos. Era um homem muito digno, um Bretão, forte e firme na sua fé como o granito da Bretanha. Ele nos
ensinava as encíclicas dos papas e o que era o modernismo condenado por S. Pio X, os erros modernos
condenados por Leão XIII, o que era o liberalismo condenado por Pio IX. E nós amávamos nosso padre Le
Floch. Nós éramos muito apegados a ele.

Mas sua firmeza na doutrina, na tradição, desgostava aos modernistas, evidentemente. Já existiam
progressistas naquela época, pois os papas os condenavam. Ele desagradava não somente aos progressistas,
mas também ao governo francês. O governo francês tinha medo que, por intermédio do Pe. Le Floch, por
essa formação dada aos seminaristas, os bispos tradicionalistas viessem se implantar na França e dessem à
Igreja da França um clima tradicional e evidentemente antiliberal. Ora, o governo francês era maçônico e
por conseqüência, fundamentalmente liberal e não podia nem pensar que bispos não liberais pudessem
tomar os postos mais importantes. Pressões foram exercidas sobre o papa para eliminar o Pe. Le Floch. Foi
Francisque Gay, futuro líder do M.R.P., o encarregado dessa operação. Ele desceu a Roma e fez pressão
sobre o Papa Pio XI, denunciando o Pe. Le Floch como sendo, por assim dizer, da Action Française, e um
homem político ensinando aos seminaristas a serem membros da Action Française.

Tudo isso era mentira. Durante três anos eu escutei o Pe. Le Floch nas suas conferências espirituais. Nunca
ele nos falou da Action Française. Hoje eles me dizem: «Você foi naquele tempo membro da Action
Française». Eu nunca fui membro da Action Française.

Evidentemente, dizem que somos membros da Action Française, nazistas, fascistas, tudo o que se pode nos
rotular como etiquetas pejorativas, porque nós somos anti-revolucionários e antiliberais.

Então uma pesquisa foi feita: o cardeal arcebispo de Milão foi enviado ao local. Não era o menor dos
cardeais. Beneditino, homem de uma grande santidade e de uma grande inteligência, foi designado pelo
Papa Pio XI para pesquisar no seminário francês para ver se o que dizia Francisque Gay era exato ou não. A
pesquisa foi feita. O resultado foi: o seminário francês funciona perfeitamente bem sob a direção do Pe. Le
Floch. Não temos absolutamente nada a reprovar ao superior do seminário.

Bem, isto não foi o suficiente. Três meses depois, nova pesquisa, dessa vez com a ordem de acabar com o
Pe. Le Floch. A nova pesquisa foi feita por um membro das Congregações Romanas que concluiu, com
efeito, que o Pe. Le Floch era amigo da Action Française, que ele era perigoso para o seminário e que era
preciso pedir sua demissão. O que foi feito. Em 1926, a Santa Sé pediu ao Pe. Le Floch para deixar a
direção do seminário francês. Nós ficamos estarrecidos. O Pe. Le Floch nunca foi um homem político. Era
um homem tradicional, apegado à doutrina da Igreja, aos papas, grande amigo do Papa Pio X, que tinha
uma grande confiança nele. E, precisamente, porque ele era um amigo do Papa Pio X, então ele era inimigo
dos progressistas.

E depois, nessa época em que eu estava no seminário francês, não somente o Pe. Le Floch foi atacado, mas
também o Cardeal Billot, teólogo de primeiro valor, hoje ainda reputado e estudado nos nossos seminários.
Monseigneur Billot, cardeal da Santa Igreja, foi deposto. Tiraram-lhe a púrpura e enviaram-lhe, como
penitência, para perto de Albano, Castelgandolfo, na casa dos Jesuítas, proibido de sair, sob o pretexto de
que ele tinha ligações com o Action Française. De fato, o Cardeal Billot não era da Action Française, mas
ele estimava a pessoa de Maurras e o citava em seu livro de teologia. Por exemplo, no segundo livro da
Igreja, «De Ecclesia», o Cardeal Billot fez um magnífico estudo sobre o liberalismo, onde, em notas, fez
algumas citações de Maurras. Era um pecado mortal!Eles acharam isso para depor o Cardeal Billot. Isto não
é pouca coisa, um dos maiores teólogos de sua época deposto como cardeal, reduzido ao estado de simples
padre, pois ele não era bispo (naquele tempo ainda havia cardeais diáconos). Já era a perseguição.
O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas
O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas que se achavam já em Roma. Nós vemos aí precisamente,
uma certa diferença entre os papas que se sucederam e portanto nessa época o Papa Pio XI fez encíclicas
magníficas. Não era um liberal. Sua encíclica contra o comunismo Divini Redemptoris, sua encíclica sobre
o Cristo-Rei, instaurando a festa do Cristo Rei , logo, o reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo é
magnífico. Sua encíclica sobre educação cristã é absolutamente admirável e permanece hoje um documento
fundamental para aqueles que querem defender a escola católica.

Então, no plano da doutrina, o Papa Pio XI foi um homem admirável, mas fraco no domínio da ação prática.
Ele era influenciável. Foi assim que ele foi muito influenciado na guerra do México (1926-1929) e que ele
deu ordem aos Cristeros, àqueles que defendiam a religião católica e combatiam pelo Cristo-Rei, de confiar
no governo e entregar as armas. Desde que entregaram as armas, foram todos massacrados. Ainda se
lembram, no México, desse massacre horrível. O Papa Pio XI confiou no governo, que o enganou. Depois
do que se passou, ele mostrou-se desolado. Ele não imaginava que um governo que lhe prometera tratar
com honra àqueles que defendiam sua fé iria em seguida massacrá-los. Foram, com efeito, milhares de
mexicanos que foram massacrados por causa de sua fé.

Já no início do século certas situações anunciam uma divisão na Igreja. E chegamos lentamente, mas
seguramente, às vésperas do Concílio.

O Papa Pio XII foi um grande papa. Tão bom nos seus escritos quanto na sua maneira de conduzir a Igreja.
E no tempo de Pio XII a fé foi firmemente mantida e, naturalmente, os progressistas não gostavam dele,
porque ele lembrava os princípios fundamentais da teologia e da verdade.

Então veio João XXIII, ele que não tinha o temperamento de Pio XII. João XXIII era um homem muito
simples, muito familiar. Ele não via problemas em lugar nenhum.

Quando ele quis fazer um sínodo em Roma, lhe disseram: «Mas, Santo Padre, um sínodo tem que ser
preparado, é preciso ao menos um ano, talvez dois, para preparar tal reunião, afim de que os frutos sejam
numerosos e que as reformas possam ser verdadeiramente estudadas e em seguida aplicadas para que Vossa
diocese de Roma tire proveito. Isto não pode se fazer assim, no espaço de dois ou três meses e depois
quinze dias de reuniões, e tudo irá bem. Não é possível !».

«Ah, sim, sim, eu conheço, eu sei, vamos fazer um pequeno sínodo, vamos preparar isso em alguns meses e
tudo irá bem».

Preparou-se o sínodo rapidamente: comissões em Roma, todo mundo trabalhando. Quinze dias de sínodo e
depois tudo acabou. O Papa João XXIII estava contente, seu pequeno sínodo foi feito; resultado: nenhum.
Nada mudou na diocese de Roma. A situação ficou exatamente a mesma.

À deriva com o Concílio


A mesma coisa para o Concílio. «Tenho a intenção de fazer um Concílio». Já o Papa Pio XII tinha sido
solicitado por certos cardeais para reunir um Concílio. Mas ele recusou, estimando que isso seria
impossível. Não se pode, dizia ele, na nossa época, fazer um Concílio com 2.500 bispos. As pressões que se
pode sofrer do fato dos meios de comunicação social são muito perigosas para que se possa reunir um
Concílio. Corre-se o risco de perder o controle. E ele não fez o Concílio.

Mas o Papa João XXIII disse: não se pode ser pessimista; é preciso ver as coisas com confiança. Vamos nos
reunir durante três meses, com todos os bispos do mundo inteiro. Começamos em 13 de outubro e entre 8
de dezembro e 25 de janeiro, tudo terminado, todo mundo vai embora e volta para suas casas e acaba-se o
Concílio.

E o papa lançou o Concílio! Era preciso prepará-lo. Não se faz um Concílio como um sínodo. Foi preciso
prepará-lo dois anos antes. Fui nomeado pessoalmente membro da Comissão Central Preparatória, sendo
arcebispo de Dakar e presidente da Conferência Episcopal do Oeste Africano. Eu vim, então, a Roma,
durante dois anos, ao menos umas dez vezes, para participar das reuniões dessa Comissão Central
Preparatória que era, de fato, muito importante porque para ela todos os documentos das comissões
secundárias eram enviados, para serem estudados e submetidos ao Concílio. Havia nessa comissão setenta
cardeais e uns vinte arcebispos e bispos, além dos peritos. Mas estes não eram membros da comissão.
Estavam lá somente para serem eventualmente consultados pelos membros.

A aparição da divisão
Ora, durante esses dois anos, as reuniões se sucederam e apareceu claramente, para todos os membros que
estavam presentes, que havia uma divisão profunda no interior da Igreja. Uma divisão profunda, não
acidental ou superficial, mas uma divisão profunda mais ainda entre os cardeais que entre os arcebispos e
bispos. Na ocasião dos votos que foram feitos vimos os cardeais conservadores votarem de uma maneira e
os cardeais progressistas de outra. E todos os votos eram sempre mais ou menos no mesmo sentido. Está
claro que havia uma divisão real entre os cardeais.

Relatei em um de meus livros, Un Evêque Parle, um pequeno incidente que sempre lembro porque
caracteriza verdadeiramente o fim dessa Comissão Central e o início do Concílio. Foi durante a última
sessão; nós tínhamos recebido dois documentos sobre o mesmo tema. O Cardeal Bea tinha preparado um
texto De Libertate Religiosa,“Da Liberdade Religiosa”. O Cardeal Ottaviani tinha preparado um outro: De
Tolerantia Religiosa, “Da Tolerância Religiosa”.

Tratando do mesmo assunto, já os dois títulos eram significativos de duas concepções diferentes. O Cardeal
Bea falava da liberdade de todos as religiões e o Cardeal Ottaviani da liberdade da religião católica e da
tolerância do erro, tolerância das falsas religiões. Como isso poderia se arrumar em comissão ?

E desde o começo o Cardeal Ottaviani apontou o dedo sobre o Cardeal Bea e lhe disse: «Eminência, não
tens o direito de fazer esse documento». O Cardeal Bea respondeu: «Perdão, como presidente da Comissão
de Unidade eu tinha perfeitamente o direito de fazer esse documento. Logo, eu fiz esse documento
cientemente. E, aliás, eu sou radicalmente opositor de vossa tese.

Assim, dois cardeais dos mais eminentes, o Cardeal Ottaviani, prefeito do Santo Ofício, e o Cardeal Bea,
confessor do Papa Pio XII, jesuíta, tendo uma grande influência sobre todos os cardeais, que era bem
conhecido no Instituto Bíblico, que fez estudos bíblicos muito superiores. Ou seja, duas personalidades
eminentes que se opõem sobre uma tese fundamental na Igreja. Outra coisa é a liberdade de todas as
religiões, isto é, por-se sobre o mesmo pé a liberdade e o erro e depois, de outro lado, a liberdade da religião
católica e a tolerância dos erros.

É totalmente diferente. Tradicionalmente a Igreja foi sempre pela tese do Cardeal Ottaviani e não por
aquela do Cardeal Bea, que é totalmente liberal.

Então, o Cardeal Ruffini, de Palermo, se levantou e disse: «Nós estamos na presença de dois confrades que
se opõem um ao outro sobre uma questão muito importante na Igreja. Nós vamos ser obrigados a apelar à
autoridade suprema».

Com freqüência, o papa vinha presidir nossas reuniões. Mas ele não estava nessa última. Então os cardeais
pediram para votar: «Nós não queremos esperar ir ver o Santo Padre, nós vamos votar». Fizeram um voto.
A metade dos cardeais, mais ou menos, votou pela tese do Cardeal Bea e a outra pela do Cardeal Ottaviani.
Ora, todos os que votaram pelo Cardeal Bea eram os cardeais da Holanda, da Alemanha, da França, da
Áustria, todos, em geral, da Europa e da América do Norte. Quanto aos cardeais tradicionais, eles eram da
Cúria romana, da América do Sul e em geral os de língua espanhola.

Era uma verdadeira ruptura na Igreja. E desde esse momento eu me perguntei como o Concílio iria se
passar, com oposições parecidas sobre teses também importantes. Quem vai prevalecer? É o Cardeal
Ottaviani com os cardeais de língua espanhola e de língua latina, ou os cardeais europeus e os da América
do Norte?
E, com efeito, a luta começou imediatamente no interior do Concílio desde os primeiros dias. O Cardeal
Ottaviani apresentou a lista dos membros que faziam parte das comissões preparatórias, dando plena
liberdade a cada um de escolher o que queria. Porque era evidente que nós não nos conhecíamos. Nós
chegáramos, cada um de sua diocese, como conhecer os 2.500 bispos do mundo ?

Pede-se para votar para designar os membros das comissões do Concílio. Quem escolher? Nós não
conhecíamos os bispos da América do Sul, da África do Sul, da Índia.

Então o Cardeal Ottaviani pensou: Roma já fez uma escolha para todas as Comissões Preparatórias, isso
poderia ser uma indicação para ajudar os padres do Concílio a escolher. Era perfeitamente normal.

O Cardeal Lienart se levantou e disse: «Nós não aceitamos esse procedimento. Pedimos 48 horas de
reflexão afim de melhor conhecer aqueles que poderiam fazer parte de diferentes comissões. É uma pressão
que é exercida sobre o julgamento dos padres. Nós não o aceitamos».

O Concílio tinha começado há dois dias e já era um afrontamento entre os cardeais. O que aconteceu?

Durante essas duas horas os cardeais liberais tinham já preparado listas variadas de todos os países do
mundo e eles distribuíram nas caixas de correio de todos os padres do Concílio. Nós todos recebemos então
uma lista propondo: membros de tal comissão, este, aquele... de diferentes países. Muitos disseram: – enfim,
porque não? Eu não os conheço. Como a lista já está pronta, só temos que nos servir. Quarenta e oito
horas depois foi a lista dos liberais que veio em primeiro lugar. Mas ela não passou com dois terços de
votos, como previa o regulamento do Concílio.

Então, o que faria o Papa? O Papa João XXIII iria fazer uma exceção ao regulamento do Concílio ou aplicá-
lo ? Evidentemente os cardeais liberais tiveram medo e se precipitaram em busca do Papa e disseram:
«Escute, temos mais da metade das vozes, quase 60%. O senhor não pode recusar isso. Não se vai ainda
refazer uma eleição, não se sairá mais disso. Isto representa bem a maioria do Concílio, só podemos aceitar
isso». E o Papa João XXIII aceitou. E desde o começo todos os membros da Comissão do Concílio foram
nomeados pela fração liberal. Pode-se calcular que influência enorme isso iria ter no Concílio.

Estou certo que o Papa João XXIII morreu prematuramente do que ele viu e anteviu do Concílio. Ele que
pensava que no fim de alguns meses tudo teria acabado. Um Concílio de três meses. Todos se abraçam e
voltam para casa, felizes e contentes de ter estado em Roma e de ter feito uma boa reuniãozinha.

Ele descobriu que o Concílio era um mundo e um lugar onde haveria disputas. Nenhum texto saiu da
primeira sessão do Concílio. O Papa João XXIII ficou desconcertado e eu acho que isso acelerou sua morte.
Disseram mesmo que sobre seu leito de morte ele disse: «Pare o Concílio, pare o Concílio».

Paulo VI dá seu apoio aos liberais


Veio o Papa VI. E é evidente que ele deu seu apoio à facção liberal. Como assim?

Desde o começo de seu pontificado, na Segunda sessão do Concílio, ele nomeou imediatamente quatro
moderadores. Mas já havia os dez presidentes que durante a primeira sessão presidiram os trabalhos do
Concílio. Cada um dentre eles presidia uma sessão, depois o segundo, depois o terceiro. Eles estavam numa
mesa mais elevada que os outros. Eles dirigiam o Concílio.

O Papa Paulo VI nomeou imediatamente esses quatro moderadores, e os presidentes se tornaram os


presidentes de honra. Os quatros moderadores tornaram-se os verdadeiros presidentes do Concílio.

Ora, quem eram esses moderadores? O Cardeal Döpfner, de Munich, muito progressista, muito ecumênico.
O Cardeal Suenens, que todo mundo conhece como mais carismático e que fez conferências em favor do
casamento dos padres. O Cardeal Lercaro, conhecido por seu filo-comunismo e que tinha um vigário geral
inscrito no partido comunista. E, enfim, o Cardeal Agagionian. Ele representava um pouco a facção
tradicional, pode-se dizer. Era um homem discreto, sério, que por conseqüência não teve verdadeira
influência sobre o Concílio. Mas os três outros conduziram a tarefa com o vento em popa. Eles reuniam
constantemente os cardeais liberais, o que deu uma força considerável à facção liberal do Concílio.
Evidentemente os cardeais e os bispos tradicionalistas se acharam, desde então, como postos de lado,
desprezados.

Quando o pobre cardeal Ottaviani, cego, pedia a palavra, se ele não terminasse no fim dos dez minutos que
lhe era dado, escutava-se murmúrios entre os jovens bispos para lhe fazer calar, lhe fazer compreender que
se estava satisfeito de lhe ouvir. Que já bastava. Foi horrível. Esse venerável cardeal, venerado por toda
Roma, que teve uma influência enorme na Santa Igreja, prefeito do Santo Ofício, não é uma função
qualquer. Era escandaloso ver como eram tratados aqueles que eram tradicionalistas.

Monsenhor Stoffa (nomeado cardeal mais tarde) muito ativo, recebeu da presidência do Concílio pedido
que se calasse. Coisas inimagináveis.

A Revolução na Igreja
Assim se passou o Concílio. É evidente que todos as teses, todos os textos do Concílio foram influenciados
pelos cardeais liberais e as comissões liberais. Não devemos nos espantar que tenhamos tido textos
ambíguos, favoráveis a mudanças, a uma verdadeira revolução na Igreja.

Será que nós poderíamos ter feito alguma coisa, nós que representávamos a facção tradicional dos bispos e
cardeais? Pouca coisa, em definitivo. Éramos duzentos e cinqüenta favoráveis à permanência da Tradição e
desfavoráveis a mudanças de vulto na Igreja: falsa renovação, falso ecumenismo, falsa colegialidade. Nós
éramos opostos a essas coisas. Esses duzentos e cinqüenta bispos, evidentemente, tiveram algum peso e, em
certas ocasiões, os textos foram modificados. O mal foi um pouco limitado. Mas nós não conseguimos
impedir certas teses de passar, particularmente a da liberdade religiosa, cujo texto foi refeito cinco vezes.
Cinco vezes a mesma tese voltava. Nós nos opusemos sempre. Havia sempre duzentos e cinqüenta vozes
contra. Então o Papa Paulo VI fez adicionar duas pequenas frases no texto, dizendo: «não há nada nesse
texto que seja contrário à doutrina tradicional da Igreja» e «a Igreja permanece sempre a verdadeira e única
Igreja de Cristo».

Então, os bispos espanhóis, em particular, disseram: «bem, já que o Papa adicionou isso, agora não há mais
problema, já que não há nada contra a tradição». Se as coisas são contraditórias, essa pequena frase
contradiz tudo o que está no interior do texto. É um esquema contraditório. Não se pode aceitar isso. Então
sobraram somente, se eu me lembro bem, setenta e quatro bispos que permaneceram contra. É o único
esquema que encontrou uma tal oposição: 74 sobre 2.500, é pouca coisa !

Então terminou o Concílio, não podemos nos espantar com as reformas que foram feitas. Depois de toda a
história do liberalismo, os liberais saindo vitoriosos no interior do Concílio, exigiram do Papa Paulo VI
lugares nas Congregações romanas. E, de fato, os lugares importantes foram dados aos progressistas.
Quando morria um Cardeal, ou numa ocasião qualquer que permitisse ao Papa Paulo VI afastar um cardeal
tradicionalista, ele colocava imediatamente um cardeal liberal no seu lugar.

Foi assim que Roma achou-se ocupada pelos liberais. É um fato que não se pode mais negar, nem que as
reformas do Concílio foram reformas que respiram esse espírito de ecumenismo, um espírito protestante,
nem mais nem menos.

A Reforma Litúrgica
O mais grave foi a reforma litúrgica. Ela foi operada, sabe-se, por um padre bem conhecido, Bugnini, que
tinha preparado isso muito tempo antes.

Já em 1955, o Padre Bugnini fez traduzir os textos protestantes por Mons. Pintonello, Capelão Geral do
exército italiano, que tinha passado muito tempo na Alemanha durante a ocupação, pois ele próprio não
conhecia alemão. Foi Mons. Pintonello que disse a mim mesmo que ele tinha traduzido os livros litúrgicos
protestantes para o Padre Bugnini, que naquele momento era um membro menor de uma comissão litúrgica.
Ele não era nada. Depois foi professor de liturgia no Latrão. O Papa João XXIII lhe mandou embora por
causa de seu modernismo, de seu progressismo. Pois bem, ele tornou-se presidente da Comissão da
Reforma da Liturgia. É inacreditável. Eu tive ocasião de constatar eu mesmo a influência do Padre Bugnini.
Como isso pôde acontecer em Roma.

Eu era, naquele tempo, logo depois do Concílio, superior geral da Congregação dos Padres do Espírito
Santo e nós tínhamos, em Roma, uma Associação de superiores gerais.

Nós pedimos ao Pe. Bugnini para nos explicar o que era sua nova missa, porque enfim, não era um pequeno
acontecimento. Depois do Concílio, logo depois, ouviu-se falar de Missa normativa, Missa nova, novus
ordo, o que é isso tudo? Não se falou disso no Concílio. O que está acontecendo? Então nós pedimos ao Pe.
Bugnini para explicar ele mesmo aos 84 superiores gerais que se reuniram, entre os quais eu me encontrava.

O Padre Bugnini, com muito boa vontade, nos explicou o que era a Missa normativa: vai-se mudar isso,
vai-se mudar aquilo, vamos pôr um outro ofertório, poderemos escolher os Canons, poderemos reduzir as
orações da Comunhão, poderemos ter muitos esquemas para o final da Missa. Poderemos dizer a Missa em
língua vernácula. Nós nos olhávamos dizendo: não é possível!

Ele falava exatamente como se nunca tivesse tido uma Missa antes dele. Falava de sua Missa normativa
como de uma invenção nova.

Pessoalmente, fiquei atônito e mudo, quando, habitualmente, eu tomo com facilidade a palavra para me
opor àqueles com os quais não estou de acordo. Não conseguia dizer uma palavra. Não é possível que seja a
esse homem que está aí diante de mim que foi confiada toda a reforma da Liturgia Católica, do Santo
Sacrifício da Missa, dos Sacramentos, do Breviário, de todas as nossas orações. Aonde vamos nós? Aonde
vai a Igreja?

Dois superiores gerais tiveram a coragem de se levantar. E um deles questionou o Padre Bugnini: «É uma
participação ativa, é uma participação corporal, isto é, orações vocais, ou é a participação espiritual? Em
todo caso, o senhor falou tanto da participação dos fiéis, que parece que não se justifica mais a Missa sem
fiéis, porque toda a sua Missa foi feita em função da participação dos fiéis. Nós beneditinos, celebramos
nossas Missas sem fiéis. Então, devemos continuar a dizer nossas Missas privadas, visto que não temos
fiéis que aí participem?»

Eu vos repito exatamente o que disse o Pe. Bugnini, eu tenho ainda nos meus ouvidos tanto isso me chocou:
«Para falar a verdade, não se pensou nisso», disse ele!

Depois um outro se levantou e disse: «Reverendo Padre, o senhor disse: vamos suprimir isso aqui, suprimir
aquilo lá, substituir isso por aquilo, e sempre orações mais curtas, eu tenho a impressão que a sua nova
Missa vai ser dita em dez, doze minutos, um pequeno quarto de hora, não é razoável, não é respeitoso para
um tal ato da Igreja». E ele lhe respondeu isso: «Poder-se-á sempre adicionar qualquer coisa». É sério? Eu
ouvi com os meus ouvidos. Se fosse qualquer um que me tivesse contado eu teria quase duvidado, mas eu
escutei eu mesmo.

Depois, no momento em que essa Missa normativa começou a se realizar, eu estava tão horrorizado que nós
fizemos uma pequena reunião com alguns padres, alguns teólogos, de onde saiu o “Breve exame crítico”
que foi levado ao Cardeal Ottaviani. Eu presidia essa pequena reunião. Foi dito: «É preciso ir aos cardeais.
Não se pode deixar fazer isso sem reagir.»

Então fui procurar eu mesmo o secretário de Estado, o Cardeal Cicognani e lhe disse: «Vossa Eminência
deixará passar isto? Não é possível. O que é essa nova Missa? É uma revolução na Igreja, uma revolução
na liturgia.»

O Cardeal Cicognani, que era o Secretário de Estado de Paulo VI, pôs a cabeça entre as mãos e disse-me:
«Oh, Monsenhor, eu bem sei: Eu estou de acordo com o senhor, mas o que eu posso fazer ? O Pe. Bugnini
pode entrar no escritório do Santo Padre e lhe fazer assinar o que ele quer.» Foi o Cardeal Secretário de
Estado que me disse isso! Então, o Secretário de Estado, a personalidade número dois da Igreja depois do
Papa, foi posta em estado de inferioridade em relação ao Pe. Bugnini. Ele podia entrar nos aposentos do
Papa quando ele queria e lhe fazer assinar o que ele quisesse.

Isso pode explicar, então, porque o Papa Paulo VI teria assinado textos que ele não tinha lido. Ele disse isso
ao Cardeal Journet, que era um homem muito ponderado, professor na Universidade de Friburgo, na Suiça,
um grande teólogo. Quando o cardeal viu essa definição da Missa na Instrução que precede o novo “Ordo”,
ele disse: não se pode aceitar essa definição da Missa; é preciso que eu vá a Roma ver o Papa. Ele foi e
disse: «Santo Padre, não podeis deixar essa definição, ela é herética. Não podeis continuar a deixar vossa
assinatura numa coisa como essa». E o Santo Padre lhe respondeu (o Cardeal Jounet não me disse a mim
mesmo, mas a alguém que me repetiu): «Bem, realmente, eu não a li. Eu assinei sem ler.»
Evidentemente, se o Pe. Bugnini tinha uma tal influência sobre ele, é possível. Ele dizia ao Santo Padre:
«Podeis assinar» «Mas o senhor prestou bem atenção?» — «Sim, vós podeis assinar.»E ele assinou.

E isso não passou pelo Santo Ofício. Eu o sei, pois o Cardeal Seper ele mesmo me disse que estava ausente
quando o Novo Ordo foi editado e que isso não passou pelo Santo Ofício. Então, foi realmente o Pe.
Bugnini que obteve essa assinatura, que contrariou talvez o Papa, nós não sabemos, mas que tinha, sem
dúvida alguma, uma influência extraordinária sobre o Santo Padre.

Terceiro fato do qual eu fui testemunha a propósito do Pe. Bugnini: na ocasião da permissão que estava
sendo dada para a comunhão na mão (mais uma coisa horrível!) eu achei que não podia deixar passar isso.
É preciso que eu vá ver o Cardeal Guth – um suiço – que era prefeito da Congregação do Culto. Eu fui
então a Roma, onde o Cardeal Guth me recebeu muito amavelmente, e imediatamente me disse: «Eu vou
fazer entrar o meu segundo, o Arcebispo Antonini, afim de que ele possa ouvir o que o senhor diz.» E nós
conversamos. Eu disse: «Escute, o senhor que é responsável pela Congregação do Culto, não pode deixar
publicar esse decreto autorizando a comunhão na mão. Imagine todos os sacrilégios que isso vai
representar. Imagine a falta de respeito pela Santa Eucaristia que vai se espalhar em toda a Igreja. É
inadmissível, o senhor não pode deixar fazer algo assim. Já os padres começam a dar a comunhão dessa
maneira. É preciso parar isso imediatamente. E com essa nova missa eles pegam sempre o pequeno cânon,
o segundo, que é muito breve». A esse propósito, o Cardeal Guth disse a Mons. Antonini: «Veja, eu disse
que isso aconteceria, que os padres pegariam o cânon mais curto, para ir mais rápido, para acabar mais
rápido com a Missa».

Depois o Cardeal Guth me disse: – «Monsenhor, se pedissem minha opinião (quando ele dizia "pedissem",
era ao Papa que ele se referia, porque só o Papa era seu superior), mas eu não estou certo que vão me
pedir (ele que era Prefeito da Congregação do Culto, encarregado de tudo que era ligado ao culto e a
liturgia!), eu me poria de joelhos, Monsenhor, diante do Papa e lhe diria: Santo Padre, não faça isso, não
assine esse decreto! Eu me poria de joelhos, Monsenhor. Mas eu não sei se me interrogarão pois não sou
eu que mando aqui». Isso eu ouvi com meus ouvidos. Ele fazia alusão a Bugnini, que era o terceiro na
Congregação do Culto. Havia o Cardeal Guth, o Arcebispo Antonini e o Pde. Bugnini, presidente da
Comissão de Liturgia. É preciso ter escutado isso! É preciso compreender também minha atitude quando
me dizem: o senhor é um dissidente, um desobediente, um rebelde.

Infiltrados na Igreja para destruí-la


Sim, eu sou um rebelde. Sim, eu sou um dissidente. Sim, eu sou um desobediente dessa gente, dos Bugnini.
Porque são eles que se infiltraram na Igreja para destruí-la. Não é possível fazer de outro modo.

Então, vamos contribuir para a destruição da Igreja? Vamos dizer: sim, sim, amém, mesmo se é o inimigo
que penetrou até junto do Santo Padre e que pode fazê-lo assinar o que ele quer? Sob quais pressões? Não
sabemos. Existem coisas escondidas que nos escapam, evidentemente. Alguns dizem que é a maçonaria. É
possível, eu não sei. Em todo caso, há um mistério. Como um padre que não é cardeal nem mesmo bispo,
um padre ainda jovem naquela época, que subiu contra a vontade do Papa João XXIII, que o tinha
expulsado da Universidade do Latrão, que subiu, subiu e que chegou ao topo que se ri do Cardeal Secretário
de Estado, que se ri do Cardeal Prefeito da Congregação do Culto, que vai diretamente ao Santo Padre e lhe
faz assinar o que ele quer. Nunca se viu nada de parecido na Santa Igreja. Tudo passa sempre pelas
autoridades. Faz-se Comissões. Estuda-se os documentos. Mas esse rapaz era todo poderoso!

Foi ele que trouxe esses pastores protestantes para mudar nossa Missa. Não foi o Cardeal Guth. Não foi o
Cardeal Secretário de Estado, talvez nem mesmo o Papa. Foi ele. Que tipo de homem era esse Bugnini?

Um dia o Abade de São Paulo fora dos Muros, beneditino que precedeu Bugnini na Comissão de Liturgia,
me disse: «Monsenhor, não me fale do Pe. Bugnini; eu sei muito sobre ele. Não me pergunte quem ele é ».
Eu retomei: «Mas diga-me, porque é necessário que as pessoas saibam, é necessário que as coisas
apareçam» «Eu não posso lhe falar do Pe. Bugnini». Logo, ele o conhecia bem. É provável que tenha sido
ele que tenha pedido a João XXIII de sair da Universidade do Latrão.

Este conjunto de coisas nos mostra que o inimigo penetrou no interior da Igreja, como já dizia São Pio X;
ele está no mais alto cume, como anunciou Nossa Senhora de La Salette, e como está, sem dúvida, no
terceiro segredo de Fátima.

Mas, se o inimigo está realmente dentro da Igreja, deve-se lhe obedecer? Ah! sim, ele representa o Papa...
Antes de tudo, não se sabe de nada, não se sabe o que pensa o Papa.

É bem verdade que eu tenho provas pessoais de que o Papa Paulo VI era muito influenciado pelo Cardeal
Villot. Diziam que o Cardeal Villot era maçom. Não sei. Aconteceram coisas. Fotocopiaram cartas de
maçons endereçadas ao Cardeal Villot. Não tenho as provas. Mas, de qualquer forma, o Cardeal Villot tinha
grande influência sobre o Papa. Ele reuniu em suas mãos todos os poderes em Roma. Tornou-se o mestre,
muito mais do que o Papa. Tudo passava por suas mãos. Isso eu sei. Um dia, fui ver o Cardeal Wright,
sobre o catecismo canadense. Eu lhe disse: «Veja esse catecismo. O senhor conhece estes livretos
intitulados Ruptura? São abomináveis. Eles ensinam às crianças a romper: romper com a família, com a
sociedade, com a Tradição...são os catecismos que se ensina às crianças no Canadá, com Imprimatur de
Mgr. Courdec. O senhor é encarregado dos catecismos no mundo inteiro, o senhor está de acordo com este
catecismo?» «Não, não - me disse ele - este catecismo não é católico» «Ele não é católico? Diga isso
imediatamente à Conferência Episcopal do Canadá. Diga-lhes para parar, de joga-lo no fogo e retomar
verdadeiros catecismos». «Como quer o senhor que eu me oponha a uma Conferência Episcopal?»

Eu disse então: acabou-se. Não há mais autoridade dentro da Igreja. Terminado! Se Roma não pode dizer
mais nada a uma Conferência Episcopal, mesmo se ela esta destruindo a Fé das crianças, então é o fim da
Igreja.

Esta é a situação: Roma tem medo das Conferências Episcopais. Estas Conferências são abomináveis. Na
França, existe uma campanha patrocinada pelos bispos em favor da contracepção. Acho que eles foram
convencidos pelo governo socialista que passa constantemente na televisão este slogan: tome a pílula para
impedir o aborto. Eles não acharam nada melhor do que isso e fazem uma campanha irracional em favor da
pílula. Elas são subvencionadas para meninas de doze anos, para evitar o aborto! E os bispos aprovam! No
boletim da diocese de Tulle, que continuo a receber porque é a minha antiga diocese, havia documentos
oficiais em favor da contracepção, firmados pelo bispo, Mgr. Bruneau, um antigo superior geral dos padres
de Saint Sulpice, um dos melhores bispos da França. É assim!

Porque eu não obedeço


O que devemos fazer? Eles dizem: o senhor deve obedecer, o senhor é desobediente, não tem o direito de
continuar o que está fazendo, está dividindo a Igreja.

O que é uma lei? O que é um decreto? O que nos obriga à obediência? Uma lei, diz Leão XIII, é uma
ordenação da razão para o bem comum, nunca para o mal comum – é para o bem. Isso é tão evidente que,
se for para o mal, deixa de ser uma lei. Leão XIII dizia isso explicitamente na Encíclica Libertas. Uma lei
que não é para o bem comum não é mais uma lei e não deve ser obedecida.

Muitos canonistas, em Roma, dizem que a Missa de Bugnini não é uma lei. Não houve lei para a Nova
Missa. Admitamos que tenha até havido uma lei, vinda de Roma, uma ordenação da razão para o bem
comum e não para o mal comum. Ora, a Nova Missa está destruindo a Igreja, destruindo a Fé. É evidente. O
Arcebispo de Montreal (Canadá), Mgr. Grégoire, numa carta publicada, foi muito corajoso. É um dos raros
bispos a ter ousado escrever uma carta denunciando os males que sofre a Igreja em Montreal. «Ficamos
assustados de ver o abandono das paróquias por grande número de fiéis. Atribuímos isso, em grande parte,
à reforma da Liturgia». Ele teve a coragem de falar assim.

Estamos diante de uma verdadeira conjuração dentro da Igreja, da parte dos atuais cardeais, como o Cardeal
Nox, que fez essa famosa pesquisa sobre a Missa de S. Pio V no mundo inteiro. É uma mentira clara e
evidente para influenciar o Papa João Paulo II, para que ele dissesse: se é só esse pequeno número que quer
a Tradição, isso vai acabar sozinho, não vale nada. Na verdade, o Papa, quando me recebeu em audiência,
em Roma, em novembro d e1978, queria assinar um ato, pelo qual os padres pudessem rezar a Missa de sua
escolha. Ele estava inclinado a fazer isso.

Mas existe em Roma um grupo de cardeais que é radicalmente contra a Tradição. O Cardeal Casaroli,
prefeito da Congregação dos Religiosos; o Cardeal Baggio, prefeito da Congregação dos Bispos, posto
muito importante que cuida da nomeação dos bispos. E o famoso Virgínio Lévi, segundo da Congregação
do Culto, talvez pior do que Bugnini. O Cardeal Hamer, arcebispo belga, segundo do Santo Ofício, nascido
na região de Louvain, formado com todas as idéias modernistas de Louvain. Estes são radicalmente contra a
Tradição; não querem nem ouvir falar. Creio que se pudessem me esganar eles o fariam.

Que eles nos deixem ao menos a liberdade


Eles se unem contra mim assim que sabem que eu faço um esforço junto ao Santo Padre para tentar obter a
liberdade para a Tradição. Que eles nos deixem em paz; que nos deixem rezar como se rezou durante
séculos; que nos deixem continuar o que nós aprendemos no seminário; que eles nos deixem continuar o
que aprendemos quando éramos moços, que é procurar a melhor maneira de se santificar. É isso que nos
ensinaram no seminário. Pratiquei isso quando me tornei padre; quando me tornei bispo, ensinei isso aos
meus padres e a todos os meus seminaristas: eis o que é preciso fazer para tornar-se santo. Amar o Santo
Sacrifício da Missa, a que nos é dada pela Igreja; os sacramentos, o catecismo. Principalmente, não mudem
nada, preservem a Tradição que dura há vinte séculos. É isso que nos santifica, foi isso que santificou os
santos. Agora eles querem mudar tudo. Não é possível. Que eles nos deixem, ao menos, a liberdade!

Ora, quando eles ouvem isso, imediatamente eles vão ao Santo Padre e dizem: nada para Mgr. Lefebvre,
nada para a Tradição. Não volte atrás!

Como são cardeais muito importantes, o Cardeal Casaroli, Secretário de Estado, e outros, o Papa não ousa.
Há alguns cardeais que aceitariam uma norma favorável, como o Cardeal Ratzinger. Ele substituiu o
Cardeal Seper, que morreu no Natal de 1981. E olha que o Cardeal Ratzinger era muito liberal na época do
Concílio. Foi amigo de Rahner, de Hans Kung, de Schillebeeckx. Mas por causa de sua nominação como
arcebispo de Munich ele abriu um pouco os olhos. Ele está, certamente, mais consciente do perigo das
reformas e mais desejoso de voltar às normas tradicionais, junto com o Cardeal Palazzini, da Congregação
das beatificações, e do Cardeal Oddi, da Congregação do clero. Esses três cardeais estariam dispostos a nos
deixar a liberdade. Mas os demais têm ainda muita influência sobre o Santo Padre...

Fui a Roma, há cinco semanas, para ver o Cardeal Ratzinger, que foi nomeado pelo Papa para substituir o
Cardeal Seper junto à Fraternidade São Pio X, junto a mim. O Cardeal Seper tinha sido nomeado quando da
audiência que o Papa João Paulo II me tinha concedido. Ele chamou o Cardeal Seper e lhe disse:
«Eminência, o senhor manterá as relações entre Mgr. Lefebvre e eu. O senhor será o intermediário».
Agora ele nomeou o Cardeal Ratzinger.

Fui vê-lo e conversamos durante quase duas horas. Certamente o Cardeal Ratzinger parece mais positivo e
mais capaz de alcançar uma boa solução. A única dificuldade que permanece séria é a questão da Missa. No
fundo, sempre foi a Missa, desde o início. Pois eles sabem muito bem que eu não sou contra o Concílio. Há
coisas que eu não aceito no Concílio. Não assinei o texto da liberdade religiosa; não assinei o texto da Igreja
no mundo. Não se pode dizer que eu sou contra o Concílio, mas há coisas que não se pode aceitar, que são
contrárias à Tradição. Isso não deveria lhes importar tanto, pois o próprio Papa disse que se deve analisar o
Concílio à luz da Tradição. Se fosse visto o Concílio à luz da Tradição, isso não me incomodaria em nada.
Eu assinaria esta frase, pois tudo o que é contrário à Tradição seria, evidentemente, rejeitado. Durante uma
audiência que o Papa me concedeu, ele me perguntou: «O senhor estaria disposto a assinar esta fórmula?»
Eu respondi: «Foi o senhor mesmo que a utilizou e eu estaria disposto a assina-la». «Então, disse ele, não
há dificuldade dogmática entre nós». E eu disse: «Assim eu espero» «O que sobra, então? O senhor aceita
o Papa?» «É claro que nós reconhecemos o Papa e rezamos pelo Papa nos nossos seminários. Nós somos,
talvez, os únicos seminários do mundo onde se reza pelo Papa. E respeitamos muito o Papa. Quando o Papa
me pediu para vir, eu sempre vim. Mas há a questão da liturgia, disse eu, que é realmente muito difícil. A
liturgia está demolindo a Igreja, demolindo os seminários. É uma questão muito grave». «Não, não, é uma
questão disciplinar, não é grave. Se só existe isso, penso que chegaremos a uma solução».
Em seguida o Papa chamou o Cardeal Seper que veio imediatamente. Se ele não tivesse vindo, penso que o
Papa teria assinado um acordo. O Cardeal Seper chegou e o Papa lhe disse: «Acho que as coisas não são
difíceis de se acertar com Mgr. Lefebvre; creio que poderíamos chegar a uma solução, há apenas a
questão da liturgia que é um pouco difícil» E o Cardeal respondeu: «Ah! não dê nada a Mgr. Lefebvre. Eles
fazem da Missa de S. Pio V uma bandeira». E a mim de intervir: «Uma bandeira, claro, a bandeira de nossa
Fé, a Santa Missa, Misterium Fidei, é o grande mistério de nossa Fé. É claro, é nossa bandeira, é a
expressão de nossa Fé».

Mas isso impressionou muito ao Santo Padre, que pareceu mudar imediatamente. Para mim, isso mostrou
que o Papa não é um homem forte. Se ele tivesse sido forte, ele teria dito: sou eu que vou ver isso. Vamos
resolver isso. Mas não. De repente ele teve como um medo, tornou-se temeroso e, no momento em que
deixava seu escritório ele disse ao Cardeal Seper: «O senhor poderia conversar já agora. Poderia tentar
acertar as coisas com Mgr. Lefebvre. Fiquem aqui, eu tenho que ir ver o Cardeal Baggio. Ele tem muitos
dossiers para ver comigo sobre os bispos. Eu tenho de ir». E ao sair ele me disse: «Pare, Monsenhor,
pare». Ele estava transformado. Em poucos minutos ele tinha mudado completamente. Foi nesta audiência
que eu lhe mostrei uma carta que tinha recebido de um bispo polonês.

Ele me tinha escrito um ano antes, para me dizer que ele me felicitava pela obra que eu tinha fundado em
Écône, dos padres que eu formava. Ele queria que eu mantivesse a Missa antiga em toda sua Tradição, e
acrescentava: não sou o único. Somos vários bispos que vos admiram, que admiram seu seminário e a
formação que o senhor dá aos padres e a Tradição que o senhor mantém dentro da Igreja, porque nós, nos
obrigam a tomar a nova Liturgia para arrancar a fé dos nossos fiéis.

Isso dizia este bispo polonês. Então eu levei esta carta no meu bolso quando fui ver o Santo Padre, pois eu
pensava: ele vai certamente me falar da Polônia. E não me enganei. Ele me disse: « O senhor sabe, na
Polônia tudo vai muito bem. Porque o senhor não aceita as reformas? Na Polônia não há problemas. Só se
sente falta do latim, nós éramos muito ligados ao latim, pois isso nos unia a Roma, e nós somos muito
romanos. É pena, mas o que o senhor quer que eu faça, não há mais latim nos seminários, nem no
Breviário, nem na Missa. Não tem mais latim. É uma infelicidade, mas é assim. O senhor vê, na Polônia
aceitou-se as reformas, não há nenhum problema: nossos seminários estão cheios, nossas igrejas estão
cheias».

Eu respondi ao Santo Padre: «O senhor me permite mostrar uma carta que recebi da Polônia?» E mostrei a
carta. Quando ele leu o nome do bispo disse: «Oh! é o pior inimigo dos comunistas...ah! é uma boa
referência.». E o Papa leu atentamente a carta. Eu olhava seu rosto para ver sua reação diante dessas
palavras ditas duas vezes na carta: nos obrigam a tomar a reforma litúrgica para arrancar a fé dos nossos
fiéis. Evidentemente era difícil de engolir. No final ele me disse: «O senhor recebeu esta carta assim?» -
«Sim, é uma fotocópia que eu trouxe para o senhor». - «Oh! deve ser falsa».

O que eu podia dizer? Não havia nada mais a responder. O Papa me disse: «O senhor sabe, os comunistas
são muito hábeis para tentar provocar divisões nos episcopados». Ou seja, segundo ele, seria uma carta
fabricada pelos comunistas que me teria sido enviada. Mas eu duvido muito, pois esta carta foi postada na
Áustria e eu suponho que seu autor tenha tido medo do extravio da carta pelos comunistas e que ela não
chegasse. Por isso ela foi postada na Áustria. Eu respondi a este bispo, porém não recebi mais nada dele. É
para mostrar que há, eu penso, também na Polônia, divisões profundas. Aliás, sempre houve, entre os
padres da Pax e os que querem manter a Tradição. Isso foi trágico atrás da cortina de ferro.

A influência dos comunistas em Roma


É preciso ler o livro Moscou e o Vaticano, do padre jesuíta Lepidi. É extraordinário. Ele mostra a influência
que têm os comunistas em Roma e como eles chegam a fazer nomear bispos e até dois cardeais: o Cardeal
Lekaï e o Cardeal Tomaseck. O primeiro, sucessor do Cardeal Mindszenty. O segundo, sucessor do Cardeal
Beran, que foram heróis e mártires da Fé. Em seus lugares puseram os padres da Pax, ou seja, pessoas
decididas, antes de mais nada, a se entenderem com os governos comunistas e que perseguem os padres
tradicionais. Os padres que vão secretamente batizar alguém no interior ou fazer o catecismo escondido
para continuar sua obra de pastores da Igreja Católica, são perseguidos por estes bispos que lhes diz: vocês
não têm o direito de não respeitar as ordens dos governos comunistas. Vocês nos atrapalham agindo assim.
Esses padres estão prontos a dar suas vidas para preservar a fé de seus filhos, para preservar a fé das
famílias, para dar os sacramentos aos que têm necessidade. É claro que nestes países é preciso sempre pedir
autorizações, quando vão levar o Santíssimo Sacramento nos hospitais ou para qualquer outra coisa. Se eles
saem de suas sacristias têm de perguntar ao P.C. se lhes autoriza. É impossível. As pessoas morrem sem
sacramentos; as crianças não são mais educadas de modo cristão. Por isso eles fazem escondido. E quando
eles são presos, são os próprios bispos que os perseguem. É assustador.

Não seriam o Cardeal Wyszynski, nem o Cardeal Slipyi, nem o Cardeal Mindszenty, nem o Cardeal Béran
que fariam algo parecido. Eles, ao contrário, empurravam seus bons padres dizendo: vamos, partam. Se
forem para a prisão terão feito seu dever de padre. Se for para serem mártires, sejam mártires.

Isso mostra a influência exercida sobre Roma e que temos dificuldade de imaginar. É difícil de acreditar.

Quanto a mim, nunca estive contra o Papa. Nunca disse que o Papa não era papa. Sou inteiramente pelo
Papa, pelo sucessor de Pedro. Não quero me separar de Roma. Mas sou contra o Modernismo, contra o
progressismo, contra toda esta influência má, nefasta, do protestantismo nas reformas, e contra todas as
reformas que nos envenenam e envenenam a vida dos fiéis. Eles dizem: o senhor é contra o Papa. Ao
contrário, eu venho socorrer o Papa, pois o Papa não pode ser modernista e progressista, é uma fraqueza ele
deixar acontecer. Isso pode acontecer. São Pedro foi fraco também diante de S. Paulo, quanto aos judeus. E
São Paulo o repreendeu duramente: «Não andas segundo o Evangelho», disse São Paulo a São Pedro. São
Pedro era Papa e São Paulo o repreendeu. Ele disse com vigor: «Repreendi o chefe da Igreja que não
andava segundo a lei do Evangelho» Era grave dizer isso ao Papa. E Santa Catarina de Sena, também fez
críticas veementes aos Papas. Nós temos a mesma atitude ao dizer: Santíssimo Padre, o senhor não está
cumprindo seu dever. É preciso voltar à Tradição se deseja que a Igreja refloresça. Se o senhor permite
que esses cardeais, que esses bispos, persigam a Tradição, estará realizando a ruína da Igreja.

Tenho certeza que, no seu coração o Papa tem uma profunda inquietação e que ele procura um meio de
renovar a Igreja, e eu espero que com nossas orações, com nossos sacrifícios, com as orações de todos os
que amam a Igreja, todos que amam o Papa, tenho certeza que conseguiremos.

E principalmente com a devoção à Santíssima Virgem. Se nós rezarmos à Santíssima Virgem, ela não pode
abandonar seu Filho, ela não pode abandonar a Igreja que seu Filho fundou, a esposa mística de seu Filho.
Vai ser difícil, vai ser um milagre, mas nós vamos conseguir.

Mas para mim, não quero que me façam dizer que a Nova Missa é boa, que ela é simplesmente menos boa
que a outra, mas que é boa. Não posso dizer isso. Não posso dizer que estes sacramentos são bons. Eles
foram feitos pelos protestantes, eles foram feitos por Bugnini. E o próprio Bugnini disse, como podemos ler
no Observatório Romano e na Documentation Catholique, que traduziram o discurso de Bugnini, de 19 de
março de 1965, ou seja, antes de todas as reformas:

«Devemos tirar das nossas orações católicas e da liturgia católica tudo que possa ser sombra de choque
para nossos irmãos separados, quero dizer, para os protestantes».

Será possível que se tenha de ir perguntar aos protestantes, sobre o Santo Sacrifício da Missa, dos
sacramentos, de nossas orações, do nosso catecismo: em que vocês não estão de acordo? Vocês não gostam
disso ou daquilo? Bom, vamos suprimir.

Não é possível. Talvez não nos tornemos heréticos, mas a fé católica será diminuída. É assim que não se
acredita mais no limbo, no purgatório, no inferno. Não se acredita mais no pecado original, nem nos anjos.
Não se acredita mais na graça, não se fala mais do sobrenatural. É o fim da nossa fé.

Então devemos manter inteiramente nossa fé e rezar à Santíssima Virgem porque, por nós mesmos... é um
trabalho de gigantes que nós queremos realizar, e sem o socorro do Bom Deus não conseguiremos. Dou-me
conta da minha fraqueza, do meu isolamento. O que posso fazer sozinho diante do Papa? Diante dos
cardeais? Não sei. Vou como um peregrino, com meu cajado de peregrino. Vou dizer: guardem a fé,
guardem a fé. Sejam mártires mas não abandonem a fé. É preciso manter os sacramentos e o Santo
Sacrifício da Missa.

Não podemos dizer: ah! você sabe, se mudou não faz mal. Eu tenho a fé bem enraizada e não corro o risco
de perder a fé.
Percebemos que os que estão habituados a freqüentar a nova missa e os novos sacramentos, pouco a pouco
mudam de mentalidade. Alguns anos mais tarde, conversando com alguém que vai nessa nova missa, nessa
missa ecumênica, percebemos que adotou o espírito ecumênico. Termina-se colocando todas as religiões no
mesmo plano. Podemos perguntar-lhe: pode-se salvar pelo protestantismo, pelo budismo, pelo islamismo?
Ele responderá: mas claro, todas as religiões são boas. E pronto! Tornou-se um liberal, protestante. Não é
mais católico.

Só existe uma religião, não há duas. Se Nosso Senhor é Deus e se Deus fundou uma religião, a religião
Católica, não pode haver outras religiões, não é possível. As outras religiões são falsas. É por isso que o
Cardeal Ottaviani disse: «Da tolerância religiosa». Tolera-se os erros porque não se pode impedir que eles
se espalhem. Mas não se os coloca em pé de igualdade com a Verdade. Ou então se acaba com o espírito
missionário. Se todas essas falsas religiões salvam, então porque sair em missão, para quê? Deixem-nos em
suas religiões e eles vão se salvar...Não é possível. O que fez a Igreja durante vinte séculos? Porque todos
esses mártires? Porque todos os que foram massacrados nas missões? Os missionários perderam seu tempo,
perderam seu sangue, perderam suas vidas! Não podemos aceitar isso.

Precisamos permanecer católicos e é muito perigoso escorregar no ecumenismo e embarcar numa religião
que não é mais católica.

Desejo vivamente que todos sejam testemunhas de Nosso Senhor, da Igreja Católica, testemunhas do Papa,
da Catolicidade, mesmo se devemos ser desprezados, insultados nos jornais, nas paróquias, nas igrejas. E
daí! Somos as testemunhas da Igreja Católica, os verdadeiros filhos da Igreja Católica e os verdadeiros
filhos da Santíssima Virgem Maria.

Muito se falou de Dom Marcel Lefebvre. Poucos bispos do século XX foram tão caluniados e perseguidos.
Em geral, as pessoas emitem suas opiniões acerca desse homem da Igreja sem terem conhecimento do que
ele representou para o seu tempo.
Ele foi o missionário da África, responsável pelo imenso desenvolvimento da Igreja naquele continente.
Tornou-se professor e diretor do Seminário dos padres da Congregação do Divino Espírito Santo. Foi
também eleito Superior Geral daquela Congregação, devendo comandar mais de cinco mil sacerdotes
espalhados pelo mundo todo. Foi o defensor da Tradição durante e após o Concílio Vaticano II; o fundador
de uma sociedade sacerdotal que já deu quase 600 padres à Igreja. Mas poucos se interessam em conhece-lo
mais profundamente.

Este filme, realizado pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X, é a oportunidade de se conhecer melhor este
santo bispo. Terão a oportunidade de ouvir muitos estudiosos, padres, fiéis da Africa e da Europa,
testemunhando sobre a grandeza de sua alma sacerdotal.

Para quem conheceu Dom Lefebvre, assistir ao filme Dom Lefebvre, um bispo na tormenta representa um
momento de emoções fortes, de saudosas lembranças dos encontros, sermões, conversas e de uma amizada
toda sobrenatural, vivida no Altar de Nosso Senhor.

Mais do que um evento comercial, esse DVD representa uma homenagem singela da Permanência ao bispo
de Ecône, que nos honrou com sua amizade, com suas numerosas visitas ao Rio de Janeiro, seus conselhos
paternais, suas orações constantes. E também, por ter sido ele o bispo que impôs as mãos sobre as cabeças
de dois dos numerosos sacerdotes da Tradição saídos da Permanência. Que ele interceda por nós, nos ensine
a guardar os mesmos critérios que foram os seus nas difíceis decisões que teve de tomar ao longo da vida,
sobretudo na defesa da Fé e da Tradição.
Declaração contra a Reunião de Assis
Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer.

Por ocasião da reunião de Assis, de 1986, Dom Marcel Lefebvre e Dom Antônio de Castro Mayer
fizeram esta declaração conjunta para manifestar o caráter anti-católico daquela reunião. Hoje, quando
o Papa chama novamente 250 chefes de falsas religiões para repetir o escândalo de Assis, é preciso reler
estes preciosos textos dos dois grandes bispos da Tradição.

DECLARAÇÃO
como conseqüência dos acontecimentos da visita de João Paulo II à Sinagoga e ao Congresso das Religiões
em Assis.

O dever da desobediência
Dentro do trabalho de defesa da fé que empreendemos há cinco anos aqui no site da Capela faltavam
algumas explicações sobre a delicada questão da obediência ao Papa. Iniciamos hoje com algumas
explicações de Dom Lefebvre num texto que tem um valor histórico extraordinário. Ele foi escrito dois
meses antes da assinatura do famoso protocolo de intenções, entre o Vaticano e Dom Marcel Lefebvre, de
5 de maio de 1988 (cf. Tradição versus Vaticano, ed. Permanência, 2001). Como sempre costumamos
fazer, daremos ênfase às explicações doutrinárias, aos fundamentos claros e objetivos tirados da fé
católica, da prática bi-milenar da Igreja, mais do que a questões de opinião pessoal. Que nossos críticos
saibam responder com argumentação tão criteriosa quanto a nossa.

Resposta de D. Marcel Lefebvre ao Cardeal Ottaviani


Em sua entrevista ao site Dici.org, da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, Dom Bernard Fellay explicava
alguns pontos da conversa com o Papa Bento XVI, de 29 de agosto passado: "Bento XVI assinalou que só
há um modo de estar na Igreja Católica: é ter o espírito do Vaticano II interpretado à luz da Tradição, ou
seja, na intenção dos padres do Concílio e segundo a letra dos textos. Esta é uma perspectiva que nos
assusta muito... Em seguida, pensa o Soberano Pontífice, seria necessário para nós uma estrutura que nos
convenha para o rito tradicional e para outras práticas exteriores - sem que nada nos proteja do espírito
do Concílio, o qual deveríamos adotar". (www.dici.org, em 17/9/2005)

Estando nas vésperas do 40º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II (8/12/1965) pareceu-nos
importante lhes trazer uma carta verdadeiramente profética, de Dom Marcel Lefebvre, enviada ao Cardeal
Ottaviani, em 1966, quando este era pró-prefeito do Santo Ofício (que tornou-se mais tarde Congregação
para a Doutrina da Fé) onde o autor descreve os frutos envenenados que se devia esperar do Concílio, "a
mais grave tragédia jamais sofrida pela Igreja".

Seguindo os passos deste santo defensor da fé, parece-nos evidente que só há um meio de se manter dentro
da Igreja Católica: é recusar o espírito do Concílio e trabalhar com todo o empenho para a difusão do
Reino de Cristo-Rei e do Imaculado Coração de Maria.

A visibilidade da Igreja e a situação atual


A conferência que apresentamos aqui tem várias qualidades. Além de tratar com profundidade da questão
da visibilidade de Igreja em meio à crise terrível que atravessamos, traz o pensamento autêntico de Mgr.
Marcel Lefebvre, tal como ele o expôs aos seus padres pouco tempo depois de Dom Gérard Calvet ter feito
seu acordo com o Vaticano. Mesmo se em determinadas cartas, como é natural, ele tenha falado com
maiores cuidados na esperança de mover os adversários a compreender e aceitar a Tradição, não resta
dúvida de que seu pensamento estava longe de aceitar Vaticano II ou a Missa de Paulo VI. Nossa tradução
é tirada da Revista dos dominicanos franceses, Le Sel de la Terre, de 2002.
Construir, não destruir
Vinte anos se passaram, podia-se crer que as reações suscitadas pelas reformas conciliares se apaziguariam,
que os católicos perderiam a esperança na religião na qual haviam sido criados, que os mais jovens, não a
tendo conhecido, entrariam nas fileiras da nova. Tal era ao menos a aposta feita pelos modernistas. Eles não
se admiravam demasiadamente das contracorrentes, seguros de si mesmos nos primeiros tempos. Eles o
ficaram menos em seguida: as múltiplas e essenciais concessões feitas ao espírito do mundo não davam os
resultados antecipadamente gozados, ninguém queria mais ser sacerdote do novo culto, os fiéis se
afastavam da prática religiosa, a Igreja que se queria a Igreja dos pobres tornava-se uma Igreja pobre,
obrigada a recorrer à publicidade para fazer recolher o dinheiro do culto, e a vender seus imóveis.

Durante este tempo, a fidelidade à tradição se fortificava em todos os países cristãos e particularmente na
França, na Suíça, nos Estados Unidos, na América Latina. O artífice da nova missa, Mons. Aníbal Bugnini,
foi ele mesmo obrigado a verificar esta resistência mundial no seu livro póstumo1. Resistência que não
cessa de se desenvolver, de se organizar, de atrair o mundo. Não, o movimento “tradicionalista” não está
“em perda de velocidade”, como escrevem de tempos em tempos os jornalistas progressistas para se
tranqüilizarem. Onde há tanta gente na missa como em São Nicolau de Chardonnet, e também tantas
missas, tantas visitas ao Santíssimo Sacramento, tantos belos ofícios? A Fraternidade de São Pio X conta no
mundo setenta casas com ao menos um sacerdote, igrejas como a de Bruxelas, a que compramos
ultimamente em Londres, a que foi colocada à nossa disposição em Marselha, escolas, quatro seminários.

Carmelos se abrem e já enxameiam. As comunidades de religiosos e de religiosas, criadas desde uma


quinzena de anos ou mais e que aplicam estritamente a regra das ordens de que dependem, regurgitam de
vocações, é preciso sem cessar ampliar os alojamentos, construir novos edifícios. A generosidade dos
católicos fiéis não deixa de maravilhar-me, particularmente na França.

Os mosteiros são centros de irradiação, para aí se dirigem em grande número e freqüentemente de muito
longe; jovens extraviados pelas ilusórias seduções do prazer e da evasão sob todas as suas formas aí
encontram seu caminho de Damasco. Ser-me-ia preciso citar todos os lugares onde se conserva a verdadeira
fé católica e que por esta razão atraem: Le Barroux, Flavigny sur Ozeraim, La Haye-aux-Bonshommes, as
beneditinas de Alès, de Samairé, as irmãs de Fanjeaux, de Brignoles, de Pontcallec, as comunidades do
padre Lecareux.

Viajando muito, eu vejo claramente por toda a parte a mão de Cristo que abençoa a sua Igreja. No México,
o povo humilde expulsou das igrejas o clero reformador conquistado pela pretensa teologia da libertação, o
qual queria retirar as estátuas de santos. “Não são as estátuas que partirão, sois vós”. As condições políticas
nos impediram de fundar uma casa no México; é dum centro instalado em El Paso, na fronteira dos Estados
Unidos, que irradiam os sacerdotes fiéis. Os descendentes dos Cristeros lhes fazem festa e lhes oferecem
suas igrejas. Eu administrei ali 2.500 confirmações, chamado pela população.

Nos Estados Unidos, os jovens casais com numerosos filhos vão ter com os padres da Fraternidade. Em
1982 ordenei neste país os três primeiros sacerdotes formados inteiramente nos nossos seminários. Os
grupos tradicionais se multiplicam, enquanto que as paróquias se degradam. A Irlanda que havia
permanecido refratária às novidades, fez sua reforma desde 1980, altares foram lançados nos rios ou
reutilizados como material de construção. Simultaneamente se formavam grupos em Dublin e em Belfast.
No Brasil, na diocese de Campos, da qual já falei, a população ficou agrupada em torno dos padres
excluídos de suas paróquias pelo novo bispo; desfiles de 5.000, 10.000 pessoas percorreram as ruas.

É portanto o bom caminho que nós seguimos; a prova está aí, a árvore se reconhece pelos seus frutos. O que
fizeram clérigos e leigos apesar da perseguição do clero liberal — pois, dizia Luis Veuillot “nada há mais
sectário do que um liberal” — é quase miraculoso.

Não vos deixeis iludir, caros leitores, pelo termo ”tradicionalista” que se tenta fazer tomar em mau sentido.
É de certo modo um pleonasmo, pois não vejo o que pode ser um católico que não fosse tradicionalista.
Creio tê-lo demonstrado neste livro, a Igreja é uma tradição. Nós somos uma tradição. Fala-se também de
“integrismo”; se se entende com isto o respeito da integridade do dogma, do catecismo, da moral cristã, do
Santo Sacrifício da Missa, então sim nós somos integristas. Mas eu não vejo como possa ser católico quem
não fosse integrista neste sentido.

Escreve-se também que minha obra desaparecerá depois de mim, porque não haverá bispos para substituir-
me. Estou certo do contrário, não tenho inquietação alguma. Posso morrer amanhã, o Bom Deus tem todas
as soluções. Encontrar-se-ão pelo mundo, eu o sei, bispos suficientes para ordenar nossos seminaristas.
Mesmo se ele se cala hoje em dia, um ou outro destes bispos receberia do Espírito Santo a coragem de se
erguer a seu turno. Se minha obra é de Deus, Ele saberá mantê-la e fazê-la servir ao bem da Igreja. Nosso
Senhor no-lo prometeu: as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

É por isso que eu me obstino, e se quereis conhecer a razão profunda desta obstinação, ei-la. Eu não quero,
na hora de minha morte, quando Nosso Senhor me perguntar: “Que fizeste de teu episcopado, da tua graça
episcopal e sacerdotal?” ouvir de sua boca estas palavras terríveis: “Tu contribuíste para destruir a Igreja
com os outros.”

Dom Marcel Lefebvre, 4 de julho de 1984.

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