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CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL III

6. TEOREMAS DE GAUSS E DE STOKES

1 Operadores Diferenciais
Seja U um subconjunto aberto de R3 . Para funções escalares f : U → R e vectoriais
F : U → R3 (que representaremos por F~ = (F1 , F2 , F3 ), onde Fi : U → R para cada i)
~
definimos, sempre que existam as derivadas, as seguintes funções:

Gradiente de f :

grad f = ∇f : U → R3
 ∂f ∂f ∂f 
grad f = f = , ,
∂x ∂y ∂z

Divergência de F~ :

div F~ = ∇ · F~ : U → R
∂F1 ∂F2 ∂F3
div F~ = ∇ · F~ = + +
∂x ∂y ∂z

Rotacional de F~ :

rot F~ = ∇ × F~ : U → R3
 ∂F ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 
3
rot F~ = ∇ × F~ = − , − , −
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

Laplaciano de f :

Lap f = ∆f = ∇2 f : U → R

∂2f ∂2f ∂2f


Lap f = ∆f = ∇2 f = + +
∂x2 ∂y 2 ∂z 2

Laplaciano de F~ :

Lap F~ = ∆F~ = ∇2 F~ : U → R3

1
Lap F~ = ∆F~ = ∇2 F~ = (∆F1 , ∆F2 , ∆F3 )

 ∂2F ∂ 2 F1 ∂ 2 F1 ∂ 2 F2 ∂ 2 F2 ∂ 2 F2 ∂ 2 F3 ∂ 2 F3 ∂ 2 F3 
1
= + + , + + , + +
∂x2 ∂y 2 ∂z 2 ∂x2 ∂y 2 ∂z 2 ∂x2 ∂y 2 ∂z 2

Estas definições podem ser mais intuitivas se considerarmos o operador formal nabla
 ∂ ∂ ∂ 
∇ = , , . Quando este operador é aplicado directamente a uma função
∂x ∂y ∂z
escalar, obtemos o gradiente. A divergência de uma função vectorial aparece como o
 ∂ ∂ ∂ 
produto interno , , · (F1 , F2 , F3 ), e o laplaciano ∇2 f de uma função escalar
∂x ∂y ∂z
equivale a fazer o produto interno de ∇ com ∇f . Para o rotacional de uma função
vectorial, obtemos um produto externo:

i j k

∂ ∂ ∂  ∂F
3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 
∇ × F~ = = − , − , − .
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

F1 F2 F3

Propriedades dos Operadores Diferenciais:

div(grad f ) = Lap f (se f for duas vezes diferenciável)


 ∂f ∂f ∂f  ∂ ∂f ∂ ∂f ∂ ∂f
porque div(grad f ) = div , , = + + = Lap f .
∂x ∂y ∂z ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z

div(rot F~ ) = 0 (se F~ for de classe C 2 em U )

 ∂F ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 


3
porque div(rot F̃) = div − , − , −
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

∂  ∂F3 ∂F2  ∂  ∂F1 ∂F3  ∂  ∂F2 ∂F1 


= − + − + −
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y

∂ 2 F3 ∂ 2 F2 ∂ 2 F1 ∂ 2 F3 ∂ 2 F2 ∂ 2 F1
= − + − + −
∂x ∂y ∂x ∂z ∂y ∂z ∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y

= 0,

2
onde no último passo se usou o Teorema de Schwartz (que garante a igualdade de deri-
vadas parciais em relação às mesmas variáveis sempre que estas derivadas parciais sejam
contı́nuas.)

rot(rot F~ ) = grad div(F~ ) − Lap F~ (se F~ for de classe C 2 em U )


 ∂F ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 
3
porque rot(rot F~ ) = rot − , − , −
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

 ∂  ∂F ∂F1  ∂  ∂F1 ∂F3  ∂  ∂F3 ∂F2  ∂  ∂F2 ∂F1 


2
= − − − , − − − ,
∂y ∂x ∂y ∂z ∂z ∂x ∂z ∂y ∂z ∂x ∂x ∂y

∂  ∂F1 ∂F3  ∂  ∂F3 ∂F2 


− − −
∂x ∂z ∂x ∂y ∂y ∂z

 ∂2F ∂ 2 F3 ∂ 2 F3 ∂ 2 F1 ∂ 2 F1 ∂ 2 F2 
2
= + , + , +
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y ∂x ∂y ∂x ∂z ∂y ∂z

 ∂2F ∂ 2 F1 ∂ 2 F2 ∂ 2 F2 ∂ 2 F3 ∂ 2 F3 
1
− + , + , +
∂y 2 ∂z 2 ∂z 2 ∂x2 ∂x2 ∂y 2

 ∂2F ∂ 2 F2 ∂ 2 F3 ∂ 2 F2 ∂ 2 F3 ∂ 2 F1 ∂ 2 F1 ∂ 2 F2 ∂ 2 F3 
1
= + + , + + , + + − Lap F~
∂x2 ∂y ∂x ∂z ∂x ∂y 2 ∂z ∂y ∂x ∂y ∂x ∂z ∂y ∂z ∂z 2

 ∂F ∂F2 ∂F3 
1
= grad + + − Lap F~
∂x ∂y ∂z

= grad div(F~ ) − Lap F~

rot(grad f ) = 0 (se f for duas vezes diferenciável), porque:


 ∂f ∂f ∂f   ∂ 2 f ∂2f ∂2f ∂2f ∂2f ∂2f 
rot(grad f ) = rot , , = − , − , − = 0.
∂x ∂y ∂z ∂y∂z ∂z∂y ∂z∂x ∂x∂z ∂x∂y ∂y∂x

Estas relações vão ser importantes para as implicações dos teoremas que veremos em
seguida.

3
2 Teorema de Gauss
O Teorema de Gauss generaliza o Teorema de Green, que relacionava integrais de
linha de curvas fechadas com integrais duplos nas regiões delimitadas pela curvas.

Teorema de Green
Seja D ⊂ R2 uma região elementar delimitada por uma curva fechada e simples c.
Seja F~ : (P, Q) : D → R2 um campo vectorial de classe C 1 .

Então, ‰ ¨ 
∂Q ∂P 
F~ · dg = − dx dy
c D ∂x ∂y

Nota: A curva deve ser percorrida no sentido directo para que se obtenha a igualdade
anterior.

O Teorema de Gauss (ou Teorema da Divergência) irá relacionar integrais de funções


vectoriais ao longo de superfı́cies fechadas com integrais triplos no volume delimitado
por essas superfı́cies. Podemos pois ver o Teorema de Gauss como uma versão “uma
dimensão acima” do teorema de Green.

Diremos que uma região V de R3 é elementar na direcção z se puder ser descrita


como
{(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R ∧ z1 (x, y) ≤ z ≤ z2 (x, y)},
onde R é uma região limitada e fechada de R2 e z1 e z2 são funções de classe C 1 em
R. Geometricamente, isto significa que consideramos o conjunto limitado verticalmente
pelos gráficos das duas funções apresentadas, e limitado em x e y por R. Um exemplo
de um conjunto elementar na direção z é o cilindro x2 + y 2 ≤ 1 para z entre 0 e 1.

De modo semelhante, podemos considerar regiões elementares na direcção x ou na


direcção y, bastando para tal utilizar no primeiro caso funções x1 (y, z) e x2 (y, z), e no
segundo funções y1 (x, z) e y2 (x, z) (sempre definidas em regiões compactas R de R2 ).

Diremos que uma região V de R3 é elementar se for elementar segundo as três di-
recções x, y e z. Um exemplo é a esfera x2 + y 2 + z 2 ≤ 1.

Finalmente, diremos que uma região V de R3 é regular se puder ser decomposta num
número finito de regiões elementares. Ou seja, se for obtida pela união de tais regiões
elementares, que são ”coladas”ao longo de porções das superfı́cies que as delimitam.
Um exemplo de região regular é o volume entre duas superfı́cies esféricas de raios 1 e 2
(note-se que esta região não é elementar).

É a regiões regulares que se aplica o Teorema de Gauss.

4
Teorema de Gauss (ou Teorema da Divergência)
Seja V ⊂ R3 uma região regular delimitada por uma superfı́cie fechada S.
Seja F~ : V → R3 um campo vectorial de classe C 1 .

Então, ˚ ¨
div F~ dx dy dz = F~ · ~n dS
V S

onde ~n é a normal unitária exterior a V .

Demonstração. Começaremos por provar o teorema para F~ da forma (0, 0, F3 ) e V ele-


mentar na direcção de z. Generalizações dessa prova permitem-nos ver que o teorema
é válido para qualquer região elementar. Finalmente, usaremos este último resultado
para mostrar que o teorema também é válido para qualquer região regular.

Seja então V = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R ∧ z1 (x, y) ≤ z ≤ z2 (x, y)} e consideremos


~
F (x, y, z) = (0, 0, F3 (x, y, z)). Temos que
˚ ¨ ˆ z2 (x,y) ¨ h
∂F3 i
div F~ dx dy dz = dz dx dy = F3 (x, y, z2 (x, y))−F3 (x, y, z1 (x, y)) dx dy
V R z1 (x,y) ∂z R

A superfı́cie S que delimita V é constituı́da por três porções:

S1 = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R ∧ z = z2 (x, y)} (a superfı́cie de cima),


S2 = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R ∧ z = z1 (x, y)} (a superfı́cie de baixo)
e S3 = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ ∂R ∧ z1 (z, y) ≤ z ≤ z2 (x, y)} (a superfı́cie lateral).

Calculemos o fluxo de F~ segundo a normal exterior através de cada uma destas três
superfı́cies:
Devido à forma da superfı́cie S3 , podemos
¨ ver que a normal exterior ~n a S3 é hori-
~
zontal, donde F · ~n = 0 em S3 , e portanto F~ · ~n dS = 0.
S3
Uma parametrização para S1 é g : R → R3 dada por g(x, y) = (x, y, z2 (x, y)),
∂g ∂g  ∂z2 ∂z2 
e por isso × = − ,− , 1 tem o mesmo sentido da normal unitária
∂x ∂y ¨∂x ∂y ¨
~
 ∂z2 ∂z2 
exterior em S1 . Obtemos F · ~n dS = (0, 0, F3 ) · − ,− , 1 dS =
¨ S1 S1 ∂x ∂y
F3 (x, y, z2 (x, y)) dxdy.
R ¨ ¨
Do mesmo modo, F~ · ~n dS = − F3 (x, y, z1 (x, y)) dxdy (onde o sentido da
S2 R
normal é neste
¨ caso oposto¨ao obtido para S1 ). ¨ ¨
Ou seja, ~
F ·~n dS = ~
F ·~n dS = F3 (x, y, z2 (x, y)) dxdy− F3 (x, y, z1 (x, y)) dxdy,
S ˚
S1 ∪S2 ∪S3 R R

o mesmo valor obtido para div F~ dx dy dz. O teorema é portanto válido para este
V
primeiro caso.
˚
O mesmo tipo de argumentos pode ser aplicado para mostrar que div F~ dx dy dz =
¨ V

F~ ·~n dS quando V for elementar segundo a direcção de x (com F da forma (F1 , 0, 0)),
S

5
ou segundo a direcção de y (com F~ da forma (0, F2 , 0)).
Para um F~ = (F1 , F2 , F3 ) genérico, e para V elementar, podemos usar estes resulta-
dos para obter

˚ ˚ ˚ ˚
div F~ dx dy dz = div (F1 , 0, 0) dx dy dz + div (0, F2 , 0) dx dy dz + div (0, 0, F3 ) dx dy dz
V V V V

¨ ¨ ¨
= (F1 , 0, 0) · ~n dS + (0, F2 , 0) · ~n dS + (0, 0, F3 ) · ~n dS
S S S

¨
= F~ · ~n dS,
S

e o teorema é portanto também válido neste caso mais geral.

Para provar o teorema no caso de uma região regular, basta subdividi-la num número
finito de regiões elementares e aplicar o resultado anterior a cada uma destas regiões,
reparando que as contribuições para o fluxo que provêm de duas superfı́cies contı́guas
coladas se cancelam devido aos sentidos contrários da normal unitária em cada uma
delas.

Exemplo:

Pretende-se calcular o fluxo do campo F~ (x, y, z) = (x, y, z) ao longo da superfı́cie


esférica x2 + y 2 + z 2 = 1, no sentido da normal unitária exterior, usando o Teorema de
Gauss.
Definimos V = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 ≤ 1}. Pode ver-se que esta é uma
região elementar, logo regular. Por exemplo, é elementar na direcção z porque os seus
elementos (x, y, z) verificam f1 (x, y) ≤ z ≤ f2 (x, y),
p
para f1 : {(x, y) ∈ R2 : x2 + y ≤ 1} → R dada por f1 (x, y) = − 1 − x2 − y 2
p
e f2 : {(x, y) ∈ R2 : x2 + y ≤ 1} → R dada por f2 (x, y) = 1 − x2 − y 2 .

Como F~ é de classe C 1 em V , podemos usar o teorema e concluir que

¨ ˚ ˚  ∂F
1 ∂F2 ∂F3 
F~ · ~n dS = div F~ dx dy dz = + + dx dy dz
S V V ∂x ∂y ∂z

˚
= 3 dx dy dz = 3 Vol(V ) = 4π.
V

Exemplo:

Pretende-se calcular o fluxo do campo F~ (x, y, z) = (xy 2 , x2 y, z) ao longo da superfı́cie


cilı́ndrica
S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 1, −1 ≤ z ≤ 1}

6
no sentido da normal unitária exterior.

Não é possı́vel usar o Teorema de Gauss directamente para efectuar este cálculo,
porque a superfı́cie S não é fechada (a sua fronteira consiste nas circunferências x2 +y 2 =
1, resp. com z = −1 e z = 1.) Podemos no entanto considerar a região V em R3 definida
por
V = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 1, −1 ≤ z ≤ 1},
que é uma região regular limitada por uma superfı́cie fechada S ∪ S1 ∪ S2 , onde S1
e S2 são as ”tampas”

S1 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 1, z = 1}

e S2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 1, z = −1}.

Como V é uma região regular e F é de classe C 1 , o Teorema de Gauss pode ser


aplicado a esta situação, e obtemos
¨ ˚
F~ · ~n dS = div F~ dx dy dz.
S∪S1 ∪S2 V

Ou seja,
¨ ˚ ¨ ¨
F~ · ~n dS = div F~ dx dy dz − F~ · ~n dS − F~ · ~n dS = ∗
S V S1 S2

Em S1 e S2 , as normais unitárias exteriores são verticais, na direcção do eixo dos zz,


dadas resp. por (0, 0, 1) e (0, 0, −1).
Obtemos também que F~ · ~n S1 = (xy 2 , x2 y, z) · (0, 0, 1) S1 = 1 e que F~ · ~n S2 =
(xy 2 , x2 y, z) · (0, 0, −1) S2 = 1. Assim,
¨ ¨
~
F · ~n dS = 1 dS = Área (S1 ) = π
S1 S1

¨ ¨
e F~ · ~n dS = 1 dS = Área (S2 ) = π.
S2 S2

Obtemos
˚ ˚
~ y 2 + x2 dx dy dz − 2π

∗= div F dx dy dz − 2π =
V V

ˆ 2π ˆ 1 ˆ 1
1
ρ2 · ρ dz dρ dθ − 2π = 2π · · 2 − 2π = −π.

=
0 0 −1 4

(Foram usadas coordenadas cilı́ndricas para calcular o integral triplo.)

Exemplo:

7
/ ∂V e F~ : R3 \{(0, 0, 0)} →
Seja V ⊂ R3 uma região regular qualquer tal que (0, 0, 0) ∈
3
R dada por
1
F~ (x, y, z) = (x, y, z).
(x2 + y 2 + z 2 )3/2
A divergência de F~ é dada por

∂F1 ∂F2 ∂F3


div F~ = + +
∂x ∂y ∂z

(x2 + y 2 + z 2 )3/2 − x · 3/2 · (x2 + y 2 + z 2 )1/2 · 2x


=
(x2 + y 2 + z 2 )2

(x2 + y 2 + z 2 )3/2 − y · 3/2 · (x2 + y 2 + z 2 )1/2 · 2y


+
(x2 + y 2 + z 2 )2

(x2 + y 2 + z 2 )3/2 − z · 3/2 · (x2 + y 2 + z 2 )1/2 · 2z


+
(x2 + y 2 + z 2 )2

3(x2 + y 2 + z 2 )3/2 − (3x2 + 3y 2 + 3z 2 ) · (x2 + y 2 + z 2 )1/2


=
(x2 + y 2 + z 2 )2

=0

Se V não contém (0, 0, 0), F~ é de classe C 1 em V , e podemos portanto usar o Teo-


rema de Gauss e calcular (para a normal unitária exterior ~n)
¨ ˚
~
F · ~n dS = div F~ dxdydz = 0.
∂V V

Se V contém (0, 0, 0), não podemos usar directamente o Teorema de Gauss, porque
F não é de classe C 1 em V . Porém, como (0, 0, 0) ∈ int (V ) por hipótese, existe uma
esfera B (de raio suficientemente pequeno) centrada em (0, 0, 0) e contida em V , e
podemos então aplicar o Teorema de Gauss à região regular V \ B , obtendo (para a
normal unitária ~n exterior à fronteira de V \ B ):

¨ ˚
F~ · ~n dS = div F~ dx dy dz = 0.
∂(V \B ) V \B

Ou seja,

¨ ¨
F~ · ~n dS = − F~ · ~n dS = ∗
∂V ∂B

8
No cálculo do integral de superfı́cie sobre ∂B , a normal unitária em questão é a
exterior a V \ B , e portanto a interior à esfera, cuja expressão é, em cada (x, y, z) da
superfı́cie esférica,

(−x, −y, −z) 1


~n = = − (x, y, z).
||(−x, −y, −z)|| 

Na superfı́cie esférica, temos portanto


   
~ 1 1
F · ~n = (x, y, z) · − (x, y, z) = −1/2 , e assim:
(x2 + y 2 + z 2 )3/2 

∗ = 1/2 · Área(B ) = 4π.

Este exemplo mostra que, se div F~ = 0, e desde que F~ seja de classe C 1 na região
(regular) compreendida entre duas superfı́cies (regulares) fechadas, o fluxo de F~ é igual
para ambas (segundo o mesmo sentido da normal). Podemos pois, em casos como o do
exemplo, alterar as superfı́cies sobre as quais pretendemos calcular o integral para outras
cuja parametrização seja mais simples e que conduzam a cálculos também mais directos.

Isto deve ser comparado com o que sucedia para os integrais de linha sobre curvas
fechadas: se F~ fosse um campo fechado na região compreendida entre duas curvas
regulares fechadas, então (pelo Teorema de Green) os integrais de linha de F~ teriam o
mesmo valor para ambas as curvas (quando percorridas no mesmo sentido.)

9
3 Teorema de Stokes
Dizemos que uma superfı́cie S em R3 é orientável se existir uma função contı́nua
definida em S que a cada ponto atribua um vector unitário normal a S. Se S é ori-
entável, uma tal escolha é uma orientação para S. Cada superfı́cie orientável tem duas
orientações possı́veis, que correspondem a poder-se escolher para a superfı́cie duas faces
diferentes. Por exemplo, uma superfı́cie esférica é orientável, e apresenta assim uma face
interior e uma face exterior distintas.

Um exemplo de uma superfı́cie não orientável é a banda de Möbius, que pode ser
construı́da a partir de um rectângulo identificando-se dois dos seus lados opostos após
um deles rodar meia volta:

M = [0, 3] × [0, 1]/{(0, y) = (3, 1 − y)}

A banda de Möbius possui apenas uma face: não é possı́vel distinguir nela uma face
interior e uma exterior, e colori-las com cores diferentes.

Se uma superfı́cie regular S for dada por uma parametrização g : R → R3 , onde R é


uma região limitada e fechada de R2 , e se a restrição de g a ∂R for injectiva, dizemos
que g(∂R) é a fronteira de S, denotada por ∂S. Esta fronteira é dada por uma curva
regular fechada e simples, que pode portanto ser percorrida em dois sentidos diferentes.

Em R2 , a superfı́cie plana R pode ser orientada escolhendo-se em todos os pontos ou


uma normal vertical a apontar para cima ou em todos os pontos uma que aponte para
baixo, e a fronteira ∂R pode ser percorrida no sentido directo ou no sentido contrário;
se quando escolhermos o sentido directo para ∂R também escolhermos para R a normal
a apontar para cima, dizemos que a orientação de R é compatı́vel com a de ∂R. A
parametrização g transfere estas escolhas de orientação para S e ∂S, que também se
dizem então compatı́veis. (Um modo intuitivo de comprovar isso é usar a chamada regra
da mão direita.)

É a superfı́cies orientáveis que se aplica o Teorema de Stokes, que relaciona integrais


de superfı́cies com integrais de linha, e pode ser considerado uma versão em 3 dimensões
do Teorema de Green.

10
Teorema de Stokes
Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie orientável cuja fronteira ∂S é uma curva regular simples.
Seja F~ : V → R3 um campo vectorial de classe C 1 .

Então, ¨ ˛
rot F~ · ~n dS = F~ · dg,
S ∂S

onde a orientação ~n de S deve ser compatı́vel com a de ∂S.

Demonstração. Consideremos primeiro que F~ é da forma (F1 , 0, 0).

Seja g : R → R3 uma parametrização para S, onde R é uma região limitada e fechada


do plano (u, v). Seja γ : [a, b] → R2 uma parametrização para a fronteira c de R no
plano (u, v).

Então,

˛ ˆ b ˆ b
F~ · dg = F~ (g(γ(t)) · (g ◦ γ)0 (t) dt = F~ (g(γ(t))Dg(γ(t)) · γ 0 (t) dt
∂S a a

ˆ ˆ 
∂g ~ ∂g 
= (F~ ◦ g) · Dg dγ = (F~ ◦ g) · , (F ◦ g) · · dγ
c c ∂u ∂v

¨
∂ h ~ ∂g i ∂ h ~ ∂g i
= (F ◦ g) · − (F ◦ g) · dudv = ∗,
R ∂u ∂v ∂v ∂u

onde no último passo utilizámos o Teorema de Green.

Podemos desenvolver mais explicitamente o último termo, relembrando que F~ = (F1 , 0, 0)


e que g(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u.v)). Temos então que

11
∂ h ~ ∂g i ∂ h ~ ∂g i
(F ◦ g) · − (F ◦ g) ·
∂u ∂v ∂v ∂u

 ∂   ∂x ∂y ∂z   ∂   ∂x ∂y ∂z 
= (F1 ◦ g), 0, 0 · , , − (F1 ◦ g), 0, 0 · , ,
∂u ∂v ∂v ∂v ∂v ∂u ∂u ∂u

 ∂g   ∂x ∂y ∂z   ∂g   ∂x ∂y ∂z 
= ∇F1 · , 0, 0 · , , − ∇F1 · , 0, 0 · , ,
∂u ∂v ∂v ∂v ∂v ∂u ∂u ∂u

 ∂F ∂x ∂x ∂F ∂y ∂x ∂F ∂z ∂x   ∂F ∂x ∂x ∂F ∂y ∂x ∂F ∂z ∂x 
1 1 1 1 1 1
= + + − + +
∂x ∂u ∂v ∂y ∂u ∂v ∂z ∂u ∂v ∂x ∂v ∂u ∂y ∂v ∂u ∂z ∂v ∂u

∂F1 ∂y ∂x ∂F1 ∂z ∂x ∂F1 ∂y ∂x ∂F1 ∂z ∂x


= + − −
∂y ∂u ∂v ∂z ∂u ∂v ∂y ∂v ∂u ∂z ∂v ∂u

Por outro lado,

 ∂g ∂g   ∂F1 ∂F1   ∂g ∂g 
rot F~ (g(u, v)) · × = 0, ,− · ×
∂u ∂u ∂z ∂y ∂u ∂u

i j k

 ∂F
1 ∂F1  ∂x ∂y ∂z
= 0, ,− · ∂u ∂u ∂u
∂z ∂y
∂x ∂y ∂z
∂v ∂v ∂v

 ∂F ∂F1   ∂y ∂z ∂z ∂y ∂z ∂x ∂x ∂z ∂x ∂y ∂y ∂x 
1
= 0, ,− · − , − , −
∂z ∂y ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v ∂u ∂v

∂F1 ∂z ∂x ∂F1 ∂x ∂z ∂F1 ∂x ∂y ∂F1 ∂y ∂x


= − − +
∂z ∂u ∂v ∂z ∂u ∂v ∂y ∂u ∂v ∂y ∂u ∂v

Como os dois últimos cálculos produziram a mesma expressão, obtemos,


¨  ∂g ¨
∂g 
∗= rot F~ (g(u, v)) · × dudv = rot F~ · ~n dS,
R ∂u ∂u S

como querı́amos provar.

Note-se que o Teorema de Green obriga a que c seja percorrida no sentido directo.
Ou seja, devemos escolher de inı́cio uma parametrização g(u, v) que garanta que a nor-
mal ~n seja compatı́vel com o sentido que c impõe a ∂S.

12
Os cálculos anteriores podem ser feitos de modo semelhante para campos F~ da forma
(0, F2 , 0) e (0, 0, F3 ). O Teorema de Stokes para um campo genérico (F1 , F2 , F3 ) segue-se
de o considerar como uma soma de três campos com uma das formas anteriores, e de
aplicar o resultado a cada uma dessas parcelas.

Exemplo:

Consideremos a meia superfı́cie esférica S = {(x, y, x) ∈ R3 : x2 +y 2 +z 2 = 1, z > 0},


e seja F~ : R3 → R3 dada por F~ (x, y, z) = (y, −x, exz ).
¨
Pretende-se calcular o fluxo rot F~ ·~n dS segundo a normal exterior. Vamos comparar
S
três maneiras diferentes de o fazer.

1. Directamente, pela definição de integral de superfı́cie:

i j k

∂ ∂ ∂
O rotacional de F~ é dado por rot F~ = = (0, −zexz , −2).
∂x ∂y ∂z

y −x exz

Como foi visto anteriormente, a meia superfı́cie esférica pode ser parametrizada
através de coordenadas esféricas:

g(θ, φ) = (sen ϕ cos θ, sen ϕ sen θ, cos ϕ), com g : [0, 2π] × [0, π/2] → R3 .

∂g
= (cos ϕ cos θ, cos ϕ sen θ, −sen ϕ)
∂ϕ

∂g
= (−sen ϕ sen θ, sen ϕ cos θ, 0)
∂θ

∂g ∂g
× = (sen2 ϕ cos θ, sen2 ϕ sen θ, sen ϕ cos ϕ)
∂θ ∂ϕ

∂g ∂g
× define uma normal exterior.
∂θ ∂ϕ

Obtemos então,

13
¨ ˆ 2π ˆ π/2
rot F~ · ~n dS = (0, −cos ϕ esen ϕ cos θ cos ϕ
, −2) · (sen2 ϕ cos θ, sen2 ϕ sen θ, sen ϕ cos ϕ) dϕ dθ
S 0 0

ˆ 2π ˆ π/2
− cos ϕ sen2 ϕ sen θ esen ϕ cos θ cos ϕ

= − 2 sen ϕ cos ϕ dϕ dθ
0 0

ˆ π/2 θ=2π
ˆ π/2
= sen ϕ esen ϕ cos θ cos ϕ
dϕ + 2π −2 sen ϕ cos ϕ dϕ
0 θ=0 0

h iϕ=π/2
= 2π cos2 ϕ
ϕ=0

= −2π

2. Usando o Teorema de Stokes:


∂g ∂g
A superfı́cie S é orientável, como se prova pelo cálculo de × feito acima.
∂θ ∂ϕ
A fronteira ∂S é a circunferência {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 1, z = 0}, que é uma
curva regular simples.

Uma parametrização para esta curva, compatı́vel com a orientação de S, pode ser

g : [0, 2π] → R3 dada por g(t) = (cos t, sen t, 0).

Obtemos então,

¨ ‰ ˆ 2π ˆ 2π
rot F~ · ~n dS = F~ · dg = F~ (g(t)) · g 0 (t) dg = (sen t, −cos t, 1) · (−sen t, cos t, 0) dg
S ∂S 0 0

ˆ 2π
= −1 dg = −2π
0

3. Usando o Teorema de Gauss:

Não estamos nas condições do Teorema de Gauss, porque S não é uma superfı́cie
fechada. No entanto, considerando o cı́rculo S1 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 ≤ 1, z = 0},
obtemos que a superfı́cie S ∪S1 já é fechada, e delimita uma região regular V , e podemos
aplicar o teorema a este V .

Como div rot F~ = 0 para qualquer F~ de classe C 2 , a nota no final da secção anterior
permite afirmar que
¨ ¨
~
rot F · ~n dS = rot F~ · ~n dS1 = ∗
S S1

14
se considerarmos as duas normais com o mesmo sentido.

Ou seja,
¨ ¨
∗= rot F~ · (0, 0, 1) dS = −2 dS = −2 Área(S1 ) = −2π
S S

O Teorema de Stokes pode ser extendido ao caso em que a fronteira de S é cons-


tituı́da por mais de uma curva fechada e simples. Cada uma dessas curvas deve ser
percorrida de modo compatı́vel com a escolha da normal que orienta a superfı́cie.

Exemplo:

Seja F~ : R3 → R3 dada por F~ (x, y, z) = (y, −x, 1)

e S a superfı́cie cilı́ndrica S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 1, 0 ≤ z ≤ 1}.


¨
Pretende-se calcular o valor do fluxo rot F~ · ~n dS no sentido da normal exterior.
S

A fronteira de S é composta por duas circunferências:

c1 = {(x, y, z) : x2 + y 2 = 1, z = 0}

e c2 = {(x, y, z) : x2 + y 2 = 1, z = 1}

Para que o sentido em que cada uma destas curvas é percorrida seja compatı́vel com
o da escolha da normal unitária exterior a S, devemos percorrer c1 no sentido directo e
c2 no sentido contrário (quando observamos o cilindro de cima).

Usando o Teorema de Stokes,


¨ ‰ ‰
rot F~ · ~n dS = F~ · dg − F~ · dg = ∗.
S c1 c2

Parametrizações para c1 e c2 são resp. g1 (t) = (cos t, sent, 0) e g2 (t) = (cos t, sent, 1)
(para t ∈ [0, 2π]). Com estas parametrizações, as curvas estão a ser percorridas no sen-
tido directo (quando observamos o cilindro de cima). Obtemos então:

15
ˆ 2π ˆ 2π
∗= F~ (g1 (t)) · g10 (t) dt − F~ (g2 (t)) · g20 (t) dt
0 0

ˆ 2π ˆ 2π
= F~ (cos t, sent, 0) · (−sent, cost, 0) dt − F~ (cos t, sent, 1) · (−sent, cost, 0) dt
0 0

ˆ 2π ˆ 2π
= (sent, −cost, 1) · (−sent, cost, 0) dt − (sent, −cost, 1) · (−sent, cost, 0) dt
0 0

ˆ 2π ˆ 2π
= −1 dt − −1 dt = 0
0 0

Suponhamos que um F~ é de classe C 2 em todo o R3 . Então, o fluxo


¨
rot F~ · ~n dS
S

(para uma escolha de ~n) não depende de S mas apenas da sua fronteira. Ou seja, se S1
e S2 se apoiam na mesma curva, obtemos

¨ ¨
rot F~ · ~n dS = rot F~ · ~n dS
S1 S2

(para o mesmo sentido de ~n). Para além


˛ disso, e devido ao Teorema de Stokes, qual-
quer um deste integrais tem o valor de F~ · dg (percorrendo-se a curva num sentido
∂S
compatı́vel com a escolha de ~n).

Isto pode ser comparado com o que sucedia com os campos conservativos: o integral
de um F~ conservativo ao longo de uma curva que una dois pontos não depende da curva,
mas sim da diferença de valores de um potencial ϕ para F~ no ponto final e no ponto
inicial da curva.

16
4 Potenciais Vectoriais
Seja U um subconjunto aberto de R3 . F~ : U → R3 é um campo solenoidal em U se
div F~ = 0 em U . Se F~ = rot A para algum A : U → R3 , F~ é solenoidal, pela propriedade
anteriormente vista: div rot A~ = 0 para qualquer A
~ de classe C 2 .

Dado um campo solenoidal F~ , podemos tentar procurar um campo A ~ tal que F~ =


~ Um tal A
rot A. ~ pode nem sempre existir, dependendo esse facto das propriedades do
domı́nio de definição U . Quando exista, diz-se um potencial vectorial para F~ .

Esta situação deve ser comparada com o que acontecia com os campos fechados F~
definidos em subconjuntos abertos U de algum Rn : em certos casos (e isso dependia das
propriedades topológicas de U ), existia um potencial escalar para F~ , que era um campo
escalar ϕ : U → R tal que ∇ϕ = F~ .

Exemplo:

F~ : R3 → R3 dado por F~ (x, y, z) = (y, z, ex ) é um campo solenoidal, porque


∂y ∂z ∂ex
div F~ = + + = 0.
∂x ∂y ∂z

~ para F~ . Como
Podemos procurar um potencial vectorial A

i j k

~= ∂ ∂ ∂  ∂A
3 ∂A2 ∂A1 ∂A3 ∂A2 ∂A1 
rot A = − , − , − ,
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

A1 A2 A3

devemos portanto resolver o sistema

 ∂A ∂A2
3
 − = F1 = y
∂y ∂z








∂A1 ∂A3

− = F2 = z
 ∂z
 ∂x




 ∂A2 − ∂A1 = F3 = ex



∂x ∂y

Este sistema não é fácil de resolver em geral, ao contrário do que acontecia com
o sistema usado para descobrir um potencial escalar ϕ. Para facilitar esta resolução,
podemos por exemplo procurar um A ~ tal que A1 = 0. Note-se que não é garantido que
haja um potencial vectorial que seja desta forma.

17
O sistema fica agora

∂A ∂A2

 3−
 =y



 ∂y ∂z




∂A3
− =z


 ∂x



 ∂A2 = ex



∂x

Da segunda equação, obtemos A3 (x, y, z) = −xz + c1 (y, z).

Da terceira equação, obtemos A2 (y, z) = ex + c2 (y, z).

Substituindo estas expressões na primeira equação, obtemos


∂c1 ∂c2
− = y.
∂y ∂z

y2
Uma solução possı́vel é c1 = e c2 = 0, e assim um potencial vectorial para F~
2
pode ser
2
~ y, z) = 0, ex , −xz + y .
A(x,
2

Se F~ for um campo solenoidal


¨ em todo o R3 , a nota no final da secção anterior
permite dizer que o valor de F~ · ~n dS (para uma escolha de ~n) não depende de S
S
mas sim da sua fronteira, e esse valor é dado por
˛
A~ · dg,
∂S

onde A ~ é um qualquer potencial vectorial para F~ em R3 e se percorre a curva num


sentido compatı́vel com a escolha de ~n. Sendo o campo F~ definido em todo o R3 , pode
ver-se que existe sempre um potencial vectorial A~ para F~ .

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