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Cálculo III – Poli

Teoremas de Stokes e Gauss (ou da Divergência)

Edson de Faria

Departamento de Matemática
IME-USP

15/07/2020
Introdução

Nesta aula apresentaremos os seguintes tópicos:


Operadores diferenciais: gradiente, laplaciano, divergente e
rotacional
Teorema de Stokes
Teorema de Gauss, também conhecido como Teorema da
Divergência
Algumas aplicações

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Operadores diferenciais
Existem quatro operadores diferenciais de grande importância no
cálculo a várias variáveis e aplicações. Dois deles atuam em funções
escalares, enquanto os outros dois atuam em funções vetoriais. São
eles:
Operador gradiente. Este é nosso velho conhecido: dada uma função
escalar diferenciável φ(x1 , x2 , . . . , xn ), seu gradiente é a função
vetorial denotada por grad (φ) ou ∇φ e definida assim:
!
∂φ ∂φ ∂φ
grad (φ) = ∇φ = , , ... , .
∂x1 ∂x2 ∂xn
Operador laplaciano. Dada uma função escalar φ(x1 , x2 , . . . , xn ) de
classe C 2 (ou no mı́nimo duas vezes diferenciável), seu laplaciano é
a função escalar denotada por ∆φ ou ∇2 φ e definida assim:
∂2 φ ∂2 φ ∂2 φ
∆φ = ∇2 φ = + + · · · + .
∂x12 ∂x22 ∂xn2

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Operador divergente. Se F = (F1 , F2 , . . . , Fn ) é um campo de
vetores, onde cada Fi é uma função diferenciável em n variáveis, seu
divergente é a função escalar denotada por div (F ) ou ∇ · F e
definida assim:
∂ F1 ∂ F2 ∂ Fn
div (F ) = ∇ · F = + + ···+ .
∂x1 ∂x2 ∂xn
A notação ∇ · F é mais sugestiva, pois indica que o divergente é o
produto escalar (simbólico) do operador ∇ = (∂x1 , . . . , ∂xn ) pelo
campo F . (Aqui, usamos a abreviação ∂xi = ∂/∂xi .)
Operador rotacional. Este último só está definido em dimensão três
(n = 3). Se F = Pi + Qj + Rk é um campo de vetores, onde cada
componente P , Q , R é uma função diferenciável a três variáveis, seu
rotacional é a função vetorial denotada por rot (F ) ou ∇ × F e
definida assim:
   
rot (F ) = ∇ × F = Ry − Qz i + (Pz − Rx ) i + Qx − Py i .
A notação ∇ × F é mais sugestiva, pois indica que o rotacional é o
produto vetorial (simbólico) do operador ∇ = (∂x , ∂y , ∂z ) pelo
campo F .
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De fato, é fácil verificar que, simbolicamente,

i j k

∇ × F = ∂x ∂y ∂z

P Q R

Observações:
Os quatro operadores diferenciais introduzidos acima são
extremamente úteis na formulação sintética de algumas das
equações fundamentais da Fı́sica.
Entre os exemplos, citamos as equações de Maxwell do
eletromagnetismo, a equação do calor, a equação da onda, as
equações básicas da mecânica dos fluı́dos (entre as quais as
equações de Navier-Stokes).

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Exemplo 1: Seja φ : R3 \ {(0, 0, 0)} → R a função escalar
1
φ(x , y , z ) = p .
x 2 + y 2 + z2
Então
!
−x −y −z
∇φ(x , y , z ) = , , .
(x 2 + y 2 + z 2 )3/2 (x 2 + y 2 + z 2 )3/2 (x 2 + y 2 + z 2 )3/2
Além disso, temos
∂2 φ 2x 2 − y 2 − z 2
= ,
∂x 2 (x 2 + y 2 + z 2 )5/2
∂2 φ −x 2 + 2y 2 − z 2
= ,
∂y 2 (x 2 + y 2 + z 2 )5/2
∂2 φ −x 2 − y 2 + 2z 2
= ,
∂z 2 (x 2 + y 2 + z 2 )5/2
e portanto ∇2 φ = 0, ou seja, o laplaciano de φ é identicamente nulo. Uma
função com esta propriedade é chamada de função harmônica, e a
equação ∇2 φ = 0 é conhecida como equação de Laplace.
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Considere agora o campo vetorial F = ∇φ (um campo com esta
propriedade é chamado de campo gradiente). Um cálculo direto mostra
que
i j k

∇ × F (x , y , z ) = ∂x ∂y ∂z = (0, 0, 0) ,
−x −y −z
(x 2 +y 2 +z 2 )3/2 (x 2 +y 2 +z 2 )3/2 (x 2 +y 2 +z 2 )3/2

ou seja, o rotacional de F é identicamente nulo. Um campo com esta


propriedade é denominado um campo irrotacional.
Observações:
O que ocorre com o campo F no exemplo acima é geral: todo campo
gradiente de classe C 1 é irrotacional (exercı́cio!).
Outro fato geral que está por trás desse exemplo é a identidade
∇2 φ = ∇ · (∇φ), ou seja, o laplaciano de uma função (de classe C 2 )
é o divergente de seu gradiente. Para mais identidades deste tipo,
veja o livro de T.M.Apostol, Cálculo, vol. II, §12.14.
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Teorema de Stokes
O teorema de Stokes é uma generalização do teorema de Green:
relaciona a integral de superfı́cie do rotacional de um campo de
vetores ao longo de uma superfı́cie limitada por uma curva com a
integral de linha do campo ao longo desta curva.

Teorema
Sejam F : Ω → R3 um campo de vetores de classe C 1 e S ⊂ Ω uma
superfı́cie paramétrica orientada cujo bordo ∂S ⊂ Ω é uma curva suave.
Seja n : S → R3 a normal unitária, e suponha que a curva ∂S está
orientada com a orientação induzida por n. Então temos:
, "
F · dr = (∇ × F ) · n dA (1)
S
∂S

Observação: O teorema ainda é válido se o bordo ∂S é união de duas ou


mais curvas fechadas; neste caso o lado esquerdo de (1) é a soma das
integrais de linha sobre cada curva, com a orientação induzida.
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Demonstração: Escrevamos F = P i + Q j + R k , como de praxe. Com
essa notação, queremos mostrar que:
,
P dx + Q dy + R dz
∂S
"
= (Ry − Qz ) dy ∧ dz + (Pz − Rx ) dz ∧ dx + (Qx − Py ) dx ∧ dy .
S

É suficiente provarmos as seguintes três igualdades:


, "
P dx = −Py dx ∧ dy + Pz dz ∧ dx ,
S
∂S
, "
Q dy = −Qz dy ∧ dz + Qx dx ∧ dy , (2)
S
∂S
, "
R dz = −Rx dz ∧ dx + Ry dy ∧ dz .
S
∂S

De fato, somando essas três igualdades obtemos (1).


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Basta demonstrar a primeira das igualdades em (2); as outras duas são
totalmente análogas. Seja σ : W → R3 a parametrização da superfı́cie S ,
onde W ⊂ R2 é uma região do plano, e escrevamos σ em termos de suas
componentes:

σ(u, v ) = X (u, v ) i + Y (u, v ) j + Z (u, v ) k .

Assumiremos que X , Y , Z são funções de classe C 2 . Com essa notação,


temos
" " " #
∂(X , Y ) ∂(Z , X )
−Py dx ∧ dy + Pz dz ∧ dx = −P y + Pz dudv .
S W ∂(u, v ) ∂(u, v )
(3)
A idéia da prova é aplicar o teorema de Green a esta última integral dupla.
Mas para tanto, precisamos reescrever o integrando. Observe que as
derivadas parciais Py e Pz são calculadas no ponto σ(u, v ). Isto nos
motiva a considerar a função de duas variáveis

φ(u, v ) = P (X (u, v ) , Y (u, v ) , Z (u, v )) .

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Afirmamos que o integrando na integral dupla acima é igual a

∂ ∂
(φXv ) − (φXu ) .
∂u ∂v
Utilizando a regra da cadeia (e a regra de Leibniz), temos

∂ h i
(φXv ) = φu Xv + φXuv = Px Xu + Py Yu + Pz Zu Xv + φXuv . (4)
∂u
∂ h i
(φXu ) = φv Xu + φXvu = Px Xv + Py Yv + Pz Zv Xu + φXvu . (5)
∂v
Subtraindo (5) de (4) e tendo em conta que Xuv = Xvu (pois X é de classe
C 2 ), concluı́mos que

∂ ∂
(φXv ) − (φXu ) = −Py [Xu Yv − Xv Yu ] + Pz [Zu Xv − Zv Xu ]
∂u ∂v
∂(X , Y ) ∂(Z , X )
= −P y + Pz ,
∂(u, v ) ∂(u, v )

o que estabelece nossa afirmação.


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Portanto, podemos escrever
" " # " " #
∂(X , Y ) ∂(Z , X ) ∂ ∂
−P y + Pz dudv = (φXv ) − (φXu ) dudv .
W ∂(u, v ) ∂(u, v ) W ∂u ∂v
(6)
Aplicando o teorema de Green a esta última integral, obtemos
" " # ,
∂ ∂
(φXv ) − (φXu ) dudv = (φXu ) du + (φXv ) dv . (7)
W ∂u ∂v
∂W

O que podemos dizer sobre esta última integral? Seja r (t ) = (u(t ), v (t )),
a ≤ t ≤ b , uma parametrização da curva ∂W , e escreva

x (t ) = X (u(t ), v (t )), y (t ) = Y (u(t ), v (t )), z (t ) = Z (u(t ), v (t )) .

Observe que, novamente pela regra da cadeia,

dx du dx
= Xu + Xv .
dt dt dt

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Além disso, temos φ(u(t ), v (t )) = P (x (t ), y (t ), z (t )). Juntando esses
fatos, podemos escrever
,
(φXu ) du + (φXv ) dv
∂W
Z b " #
du dx
= φ(u(t ), v (t )) Xu (u(t ), v (t )) + Xv (u(t ), v (t )) dt
a dt dt
Z b ,
dx
= P (x (t ), y (t ), z (t )) dt = P (x , y , z ) dx . (8)
a dt
∂S
Substituindo (8) em (7) e a expressão resultante em (6), deduzimos que
" " # ,
∂(X , Y ) ∂(Z , X )
−P y + Pz dudv = P dx . (9)
W ∂(u, v ) ∂(u, v )
∂S
E finalmente, substituindo (9) em (3), obtemos
" ,
−Py dx ∧ dy + Pz dz ∧ dx = P dx .
S
∂S

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Isto estabelece a primeira fórmula em (2). Como observamos antes, a
demonstração das outras duas fórmulas é inteiramente análoga. E como
também observamos antes, somando as três fórmulas em (2), obtemos a
fórmula (1) do enunciado. Isto conclui a demonstração do teorema de
Stokes.
Observações:
A integral de linha no lado esquerdo de (1) é às vezes chamada de
circuitação do campo F ; já a integral de superfı́cie no lado direito de
(1) é o fluxo do campo ∇ × F . Portanto, o teorema de Stokes diz que
a circuitação de um campo ao longo de uma curva fechada que é
fronteira de uma superfı́cie orientada S é igual ao fluxo do rotacional
do campo através de S . (Aqui, assume-se que a orientação da curva
∂S é a induzida pela orientação de S .)
Em particular, o teorema de Stokes possui como corolário imediato,
enunciado no slide a seguir, um critério bastante útil no cálculo de
certas integrais de superfı́cie.

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Corolário
Sejam S1 e S2 duas superfı́cies orientadas por normais ni : Si → R3 ,
i = 1, 2, tendo como fronteira comum uma curva C = ∂S1 = ∂S2 . Seja F
um campo C 1 definido numa região que contém as duas superfı́cies e a
curva C. Se as orientações induzidas por n1 e n2 em C coincidem, então
" "
(∇ × F ) · n1 dA1 = (∇ × F ) · n2 dA2 , (10)
S1 S2

onde dAi é o elemento de área da superfı́cie Si (i = 1, 2).

A demonstração do corolário acima é óbvia: pelo teorema de Stokes,


ambos
, os lados da igualdade (10) são iguais à integral de linha
F · dr .
C
Apresentaremos agora um exemplo tı́pico de aplicação do corolário
acima.

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Exemplo 2: Seja F : R3 → R3 o campo dado por

F (x , y , z ) = (x 2 z , −xy 2 , yz sin z ) .

Seja S a parte do parabolóide z = x 2 + y 2 que fica abaixo do plano


z = y + 4 (veja a figure 1 no slide a seguir), orientada pela normal unitária
n cuja componente z é positiva. Queremos calcular o fluxo de ∇ × F
através de S . O primeiro passo é, naturalmente, calcular o rotacional de
F . Temos:

i j k

∂ ∂ ∂
∇ × F (x , y , z ) = = (z sin z , x 2 , −y 2 ) .
∂x ∂y ∂z

x 2z −xy 2 yz sin z

No entanto, calcular diretamente a integral de superfı́cie deste rotacional


sobre S é uma tarefa um tanto inglória...

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Figura 1: O parabolóide z = x 2 + y 2 e o plano z = y + 4.

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Ao invés disto, observe que o bordo da superfı́cie S é a curva γ = ∂S
obtida como a interseção do parabolóide z = x 2 + y 2 com o plano
z = y + 4 (veja a figura (1)). A projeção ortogonal dessa curva sobre o
plano z = 0 é o cı́rculo
!2
12 17
C: x + y− = .
2 4

A curva γ também é o bordo de outra superfı́cie S ′ , a saber, a região do


plano z = y + 4 que é limitada por γ (cuja projeção ortogonal sobre o
plano z = 0 é o disco limitado pelo cı́rculo C ). Seja n′ a normal unitária ao
plano z = y + 4 cuja componente na direção do eixo z é positiva. Pelo
corolário acima, temos
" "
(∇ × F ) · n dA = (∇ × F ) · n′ dA ′
S S′

Portanto basta calcularmos esta última integral. Para tanto, consideramos


a parametrização de S ′ dada por r (x , y ) = (x , y , z + 4).

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Temos:
∂r ∂r
× √
′ ∂ x ∂y 1 ∂r ∂r
n = = √ (0 , −1 , 1) ; dA ′ = × dxdy = 2 dxdy .
∂r ∂r 2 ∂x ∂y
×
∂x ∂y
A primeira dessas igualdades nos diz em particular que

1
(∇ × F ) · n′ = − √ (x 2 + y 2 ) .
2
Portanto, temos:
" "

(∇ × F ) · n dA = − ′
(x 2 + y 2 ) dxdy ,
S′ D

onde D é o disco x 2 + (y − 21 )2 ≤ 17
4
.

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Para calcular esta última integral dupla, usamos a mudança de √
coordenadas r = r cos θ , y = 21 + r sin θ, onde 0 ≤ θ ≤ 2π e 0 ≤ r ≤ 1
2
17.
Obtemos então:
" Z √
17 Z 2π
 !2 
2  2 1 
(x 2 + y 2 ) dxdy = r cos2 θ + + r sin θ  d θ rdr
D 0 0 2

17
Z
2
Z 2π h i
= r 3 + r 2 sin θ d θ dr
0 0

Z 17
2 289π
= 2π r 3 dr = .
0 32

Portanto, temos finalmente:


" "
289π
(∇ × F ) · n dA = (∇ × F ) · n′ dA ′ = − .
S S′ 32
+
[Disto também segue que C x 2 z dx − xy 2 dy + yz sin z dz = −289π/32,
cujo cálculo direto seria bem mais trabalhoso.]
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Teorema de Gauss (ou da Divergência)

Suponhamos dados um sólido W ⊂ R3 limitado por uma superfı́cie


fechada suave S , e um campo de vetores F definido numa região do
R3 que contém W e S em seu interior.
O teorema de Gauss estabelece uma igualdade entre duas integrais,
a saber, a integral de superfı́cie que fornece o fluxo de F através de
S e a integral de volume do divergente de F sobre o sólido W . Mais
precisamente:

Teorema
Seja F : Ω → R3 um campo de vetores C 1 numa região Ω ⊂ R3 e seja
W ⊂ Ω um sólido cuja fronteira ∂W é uma superfı́cie suave (fechada)
inteiramente contida em Ω. Assuma que ∂W está orientada pela normal
unitária n exterior a W . Então temos:
" $
F · n dA = ∇ · F dV . (11)
∂W W

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Demonstração: Faremos a demonstração supondo que o sólido W é
especial, no seguinte sentido. Dizemos que W é de tipo I se existem duas
funções suaves ϕ(x , y ) e ψ(x , y ), ambas definidas numa mesma região
Ωxy ⊂ R2 e satisfazendo ϕ ≤ ψ, tais que
n o
W = (x , y , z ) : (x , y ) ∈ Ωxy , ϕ(x , y ) ≤ z ≤ ψ(x , y ) .

(Veja a figura 2 no slide a seguir). Em outras palavras, W é a região do


espaço limitada pelos gráficos das duas funções ϕ, ψ. De maneira
inteiramente análoga definimos sólidos de tipos II e III. (Estas definições
já foram vistas em aula, quando discutimos integrais triplas.)
Vamos supor que W é simultaneamente um sólido de tipos I, II e III. É
possı́vel reduzir o caso geral a este, mas não o faremos aqui.
O primeiro passo é reescrever ambos os lados da igualdade desejada
(11) de maneira mais explı́cita.

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z
S+ : z = ψ(x , y )
n+

S0

W
n0

0
y
n−
S− : z = ϕ(x , y )
Ωxy
x

Figura 2: Teorema de Gauss: W é um sólido de tipo I.


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Em termos das componentes do campo, o lado esquerdo da equação (11)
pode ser escrito como segue:
" "
F · n dA = P dy ∧ dz + Q dz ∧ dx + R dx ∧ dy
∂W ∂W

Já o lado direito se escreve:


$ $ " #
∂P ∂Q ∂R
∇ · F dV = + + dxdydz .
W W ∂x ∂y ∂z
Assim, para provarmos a igualdade (11), é suficiente mostrarmos as
seguintes três igualdades:
" $
∂P
P dy ∧ dz = dxdydz
∂x
" ∂W $W
∂Q
Q dz ∧ dx = dxdydz (12)
∂y
"∂W $W
∂R
R dx ∧ dy = dxdydz .
∂W W ∂z

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Vamos demonstrar apenas uma das três fórmulas em (12), a saber, a
terceira; as outras duas provam-se da mesma forma.
Como W é um sólido de tipo I (figura 2), podemos escrever, utilizando
Fubini:
$ " Z ψ(x ,y )

∂R  ∂R 
dxdydz =  dz  dxdy
W ∂z Ωxy ϕ(x ,y ) ∂z
"
= [R (x , y , ψ(x , y )) − R (x , y , ϕ(x , y ))] dxdy .
Ωxy
(13)

Por outro lado, sabemos que


" "
R dx ∧ dy = R (k · n) dA
∂W ∂W

Além disso, ∂W = S− ∪ S0 ∪ S+ , onde S− é o gráfico de z = ϕ(x , y ), S+ é


o gráfico de z = ψ(x , y ), e S0 = ∂W \ (S− ∪ S+ ), a parte lateral de ∂W , é
a superfı́cie regrada formada pela união de segmentos verticais (figura 2).
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Assim, temos:
" " " "
R dx ∧dy = R (k ·n− ) dA + R (k ·n0 ) dA + R (k ·n+ ) dA ,
∂W S− S0 S+
(14)
onde n− , n0 , n+ são as restrições de n às superfı́cies S− , S0 , S+ ,
respectivamente. Observe que k · n0 = 0, pois em S0 o vetor unitário
normal é paralelo ao plano xy . Logo a segunda integral do lado direito da
expressão acima se anula.
Como S− é o gráfico de z = ϕ(x , y ) e a normal unitária n− deve apontar
para baixo do gráfico (veja a figura 2), um cálculo simples nos diz que

(ϕx , ϕy , −1)
n− = q ,
1 + ϕx2 + ϕ2y

de modo que
−1
k · n− = q .
1+ ϕx2 + ϕ2y

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q
Além disso, o elemento de área de S− é dA = 1 + ϕx2 + ϕ2y dxdy .
Juntando esses fatos, deduzimos que
" "
R (k · n− ) dA = − R (x , y , ϕ(x , y )) dxdy . (15)
S− Ωxy

Analogamente, usando que S+ é o gráfico de z = ψ(x , y ) e que a normal


unitária n+ deve apontar para cima (veja novamente a figura 2),
concluı́mos que
(−ψx , −ψy , 1)
n+ = q ,
1 + ψ2x + ψ2y
de modo que
1
k · n+ = q .
1+ ψ2x + ψ2y
q
Como o elemento de área de S+ é dA = 1 + ψ2x + ψ2y dxdy , deduzimos
que " "
R (k · n+ ) dA = R (x , y , ψ(x , y )) dxdy . (16)
S+ Ωxy
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Substituindo (15) e (16) em (14), obtemos:
" "
R dx ∧ dy = [R (x , y , ψ(x , y )) − R (x , y , ϕ(x , y ))] dxdy . (17)
∂W Ωxy

Juntando (17) com (13), deduzimos finalmente a terceira das fórmulas em


(11). Como já dissemos, as outras duas fórmulas demonstram-se da
mesma forma. Isto conclui a demonstração do teorema de Gauss.
Observação: O teorema de Gauss também é válido quando a fronteira
do sólido W é a união de duas ou mais superfı́cies duas a duas disjuntas.
Basta escrever a integral de superfı́cie sobre ∂W como soma da integrais
sobre as componentes, levando em conta a orientação. Por exemplo, seja
B0 ⊆ R3 uma bola contendo outras bolas B1 , B2 , . . . , Bn , duas a duas
disjuntas, e seja W o sólido B0 \ (B1 ∪ B2 ∪ · · · ∪ Bn ). Então
∂W = ∂B0 ∪ ∂B1 ∪ · · · ∪ ∂Bn . Se n é a normal exterior a W e ni ,
i = 0, 1, . . . , n, são as normais exteriores às bolas Bi , então temos n = n0
em B0 , e n = −ni em Bi , i = 1, . . . , n, e portanto:
" " n "
X
F · n dA = F · n0 dA − F · ni dA
∂W ∂B0 i =1 ∂Bi

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Exemplo 3: Seja F : R3 → R3 o campo de vetores dado por
q
2
F (x , y , z ) = (x 2 + e −yz ) i + (y − sin xz ) j + (2z (1 − x ) + 1 + y 2) k .

Suponhamos que nossa tarefa seja calcular o fluxo deste campo através
da superfı́cie S que é a esfera de centro na origem e raio 2, que
assumimos orientada pela normal unitária exterior. Calcular a integral de
superfı́cie diretamente seria extremamente penoso. Mas utilizando o
teorema da divergência, nossa tarefa torna-se praticamente trivial. De
fato, o divergente de F é constante:
" #
∂ h 2 i ∂ ∂
q
−yz 2 2
∇· F = x +e + [y − sin xz ] + 2z (1 − x ) + 1 + y = 3 .
∂x ∂y ∂z

Logo, denotando por B a bola de centro na origem e raio 2 e aplicando o


teorema de Gauss:
" " "
4π · 23
F · n dA = ∇ · F dV = 3 dV = 3vol (B ) = 3 · = 32π .
S B B 3

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Exemplo 4: A equação do calor.
Uma aplicação interessante do teorema da divergência é a dedução da
chamada equação do calor. Consideremos um sólido W ⊂ R3 com
densidade ρ = ρ(x , y , z ), feito de um certo material condutor térmico.
Denotemos por u = u(t , x , y , z ) a temperatura deste sólido no ponto
(x , y , z ) ∈ W no instante t . O problema fı́sico que se coloca é entender
como a temperatura em cada ponto do sólido evolui com o tempo.
Para tanto, utilizaremos a lei do resfriamento de Fourier, que diz algo
intuitivamente bastante simples, a saber: o calor sempre flui “do mais
quente para o mais frio”, ou seja, o fluxo de calor num ponto é
diretamente proporcional ao gradiente de temperatura naquele ponto, mas
tem o sentido oposto ao mesmo.
Ao mesmo tempo, sabemos que a quantidade de calor presente num
pequeno elemento de volume ∆V do sólido é diretamente proporcional à
temperatura ali, bem como diretamente proporcional à massa daquele
elemento. O fator de proporcionalidade, que denotamos por c , é chamado
de calor especı́fico; para sólidos homogêneos, c é constante, e é o que
assumiremos aqui.
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Assim, denotando por Q (t ) a quantidade de calor total presente numa
parte Ω ⊂ W do sólido no instante t , temos
$
Q (t ) = c ρ(x , y , z )u(t , x , y , z ) dxdydz .

A derivada Q ′ (t ) mede a taxa de variação do calor no sub-sólido Ω no


instante t . Tal taxa de variação deve ser igual à quantidade de calor que
entra em Ω no instante t , ou seja, ao fluxo de calor através da fronteira
∂Ω. Pela lei do resfriamento de Fourier, tal fluxo é igual a
"
− (−κ∇u) · n dA ,
∂Ω

onde, como de praxe, n é a normal unitária exterior a Ω, e κ é o que


chamamos de condutibilidade térmica do corpo, que pode ou não ser
constante.
Importante: Aqui e na sequência, os operadores aplicados a u, tais como
∇u, são relativos apenas às variáveis espaciais x , y , z .
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Assim sendo, podemos escrever:
$ "

c ρ(x , y , z )u(t , x , y , z ) dxdydz = (κ∇u) · n dA .
∂t Ω ∂Ω

Passando a derivada em relação a t para dentro da integral no primeiro


membro, e aplicando o teorema da divergência à integral de superfı́cie no
segundo membro, obtemos:
$ $
∂u
c ρ(x , y , z ) (x , y , z ) dxdydz = ∇ · (κ∇u) (t , x , y , z ) dxdydz
Ω ∂t Ω

Subtraindo o segundo membro do primeiro e omitindo as variáveis de


integração, podemos reescrever esta igualdade sob a forma:
$ " #
∂u
cρ − ∇ · (κ∇u) dV = 0 . (18)
Ω ∂t

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Mas como Ω ⊂ W é um pedaço arbitrário do sólido, a única forma de (18)
ser verdadeira é se o integrando for identicamente nulo, ou seja, devemos
ter:
∂u
cρ − ∇ · (κ∇u) = 0 .
∂t
Normalmente, lidamos com situações em que a densidade e a
condutibilidade térmica são constantes. Neste caso, escrevendo
k = κ/(c ρ) e tendo em conta que ∇ · ∇u = ∇2 u, obtemos a equação

∂u
= k ∇2 u .
∂t
Esta é a forma clássica da equação do calor, descoberta por Fourier em
1822. A constante k é chamada de coeficiente de difusibilidade térmica
do material, ou simplesmente coeficiente de difusão. Materiais isolantes
térmicos, tais como amianto, borracha ou madeira, possuem um k baixo,
enquanto materiais condutores térmicos, sobretudo metais como
alumı́nio, aço, cobre, ouro, etc, possuem um k alto.

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Exemplo 5: Lei de Gauss
Seja E o campo elétrico gerado por uma distribuição finita de cargas
q1 , q2 , . . . , qN localizadas em pontos do espaço cujos vetores-posição são
r1 , r2 , . . . , rN respectivamente, e seja S ⊆ R3 uma superfı́cie fechada que
contém todas essas cargas em seu interior. A lei de Gauss do
eletromagnetismo afirma que o fluxo do campo elétrico E através de S é
igual a uma constante universal multiplicada pela carga total no interior de
S . Mais precisamente:
"
E · n dA = 4π (q1 + q2 + · · · + qN ) ,
S

onde, como de praxe, n é a normal unitária exterior a S e dA é o elemento


de área. Vamos demonstrar essa lei (partindo da lei de Coulomb) com o
auxı́lio do teorema da divergência e da observação que fizemos logo após
a prova daquele teorema. Para começar, lembremos que E = −∇φ, onde
φ é o potencial eletrostático.1

1
Assumimos a ausência de campo magnético, o que inviabilizaria essa relação.
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O potencial eletrostático, ou de Coulomb, é dado por
N
X qi
φ(r ) = .
i =1
kr − ri k

(Aqui, adotamos unidades em que a constante de Coulomb é igual a 1.)


Logo, podemos escrever E = −∇φ = E1 + E2 + · · · + EN , onde
!
1
Ei (r ) = −qi ∇ , i = 1, 2, . . . , N .
kr − ri k

Escrevamos r = (x , y , z ) epri = (xi , yi , zi ) (i = 1, 2, . . . , N ). Com esta


notação, temos kr − ri k = (x − xi )2 + (y − yi )2 + (z − zi )2 . Assim, pelos
mesmos cálculos que efetuamos no Exemplo 1, podemos ver facilmente
que !
1 r − ri
∇ =− . i = 1, 2, . . . , N .
kr − ri k kr − ri k3

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Em particular, temos para todo i = 1, 2, . . . , N :
! !
1 r − ri
∇ · Ei (r ) = −qi ∇2 = qi ∇ · = 0 , ∀ r , ri ,
kr − ri k kr − ri k3

novamente pelos cálculos do Exemplo 1.


Sejam agora B1 , B2 , . . . , BN bolas centradas nos pontos onde se situam as
cargas q1 , q2 , . . . , qN respectivamente, suficientemente pequenas para
que estejam inteiramente situadas no interior da região limitada por S e
sejam duas a duas disjuntas. Para cada i , seja ni a normal unitária
exterior a Bi . Seja W o sólido limitado pelas superfı́cies S e ∂Bi ,
i = 1, 2, . . . , N . Pelo teorema da divergência (e mais a observação que
fizemos logo após sua demonstração), temos
" N "
X $
E · n dA = E · ni dA + ∇ · E dV . (19)
S i ∂Bi W

Mas em W , temos ∇ · Ei = 0 para todo i , e portanto ∇ · E = 0. Logo a


integral tripla no segundo membro de (19) se anula.
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Por outro lado, para cada i fixado temos
" " 
X N

 N "
X
E · ni dA =  E  · n dA = Ej · ni dA . (20)
 j  i
∂Bi ∂Bi j =1 ∂B j =1 i

Para cada j , i , sabemos que a carga qj está fora da bola Bi , e portanto


∇ · Ej = 0 no interior desta bola. Logo, novamente pelo teorema da
divergência, podemos escrever
" $
Ej · ni dA = ∇ · Ej dV = 0 , ∀ j , i .
∂Bi Bi

Para j = i , como a carga qi está localizada no centro de Bi , o campo Ei é


singular ali. Portanto não podemos aplicar diretamente o teorema da
divergência neste caso. Ao invés disso, calculamos a integral de
superfı́cie explicitamente.

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Lembrando que em Bi temos kr − ri k = Ri , onde Ri é o raio de Bi , e que a
normal unitária é ni = (r − ri )/kr − ri k, concluı́mos que
" " !
r − ri )
Ei · ni dA = qi · ni dA
∂Bi kr − ri k3
"∂Bi
1 qi
= qi dA = 2 Area (∂Bi ) = 4πqi . (21)
∂Bi Ri2 Ri

Levando esses fatos para (20), deduzimos que


"
E · ni dA = 4πqi , ∀ i = 1, 2, . . . , N . (22)
∂Bi

Finalmente, substituindo (22) em (19), obtemos


" N
X
E · n dA = 4π qi .
S i =1

Isto conclui a prova da lei de Gauss.


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