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Vigília lembra o milagre de Porto das Caixas

Sangue teria saído da imagem do Cristo Crucificado

O Globo
24/01/2015 - 12:58 / Atualizado em 24/01/2015 - 15:45

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PORTO DAS CAIXAS - Gotas de um líquido vermelho caia da imagem do


Cristo Crucificado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Porto das
Caixas. O padre Carlos Guillena enxugou a pequena mancha que se formou no
pedestal. Para ele, só podia ser o derretimento da tinta que recobria a
estátua. Afinal, o calor estava mesmo muito forte. O religioso chegou a
comentar que a relíquia, datada possivelmente do Século XVII, não duraria
muito tempo. Depois de celebrar a missa, porém, percebeu a inquietação
entre os fiéis, que testemunharam mais gotas vermelhas escorrendo da
imagem.
Uma vigília marca neste domingo, às 15h, na mesma igreja, o 47° aniversário
do Milagre do Cristo Crucificado de Porto das Caixas. Os registros do agora
Santuário do Jesus Crucificado indicam que o fenômeno ocorreu às 18h45 do
dia 26 de janeiro de 1968.

O tema da vigília é “A alegria do Evangelho”. Orações, missas e apresentações


das pastorais seguirão por toda a noite até às 17h desta segunda-feira. Os
padres Norberto Donizetti e Jeferson Lima da Costa celebrarão as missas. A
festa é um dos raros momentos em que Porto das Caixas volta a atrair
romeiros em grande número.

IMAGEM DE MAIS DE 300 ANOS

A notícia de que a imagem de Cristo jorrara sangue se espalhou rápido à


época. Jornais davam manchetes diárias sobre o fenômeno. Ondas de
romeiros inundavam o pequeno aglomerado urbano, a 60 quilômetros do Rio.
A crença no fenômeno se fortaleceu após a divulgação de exame clínico,
assinado pelo farmacêutico Enéas Heringer, confirmar quatro dias depois -
que o líquido era mesmo sangue, sem, no entanto, definir a tipagem.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Porto das Caixas Foto: Élcio Braga / O Globo

A própria história da imagem de Cristo Crucificado - de 1,30 metro fixada em


cruz de 2 metros - é surpreendente. Não se sabe quem a esculpiu. Mas,
embora confeccionada com matéria frágil como o cartão pierre, semelhante a
papelão revestido em gesso, persiste por mais de três séculos. Em 1670,
segundo registros no Santuário, relatos já davam conta de sua existência no
Convento São Boaventura dos Franciscanos, em Itaboraí, o mesmo em que
São Frei Galvão fez o noviciado, em 1760. Conta-se que um dia, sem o que
comer, o superior da ordem teria se ajoelhado aos pés da imagem e clamado
por ajuda. O socorro veio rápido: alguém teria batido à porta, logo em
seguida, trazendo comida.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição também é do período colonial. A


primeira construção, realizada pelos jesuítas, é de 19 de maio de 1595,
conforme informa placa logo na entrada da construção atual. Mas apenas
restaram duas paredes de pedras da igreja primitiva.
QUEDA NAS PEREGRINAÇÕES

Nas duas últimas décadas, principalmente, o fluxo de peregrinos diminuiu


muito em Porto das Caixas. Em consequência, o comércio minguou. As
barracas de santinhos e flores em frente à igreja estão quase sempre fechadas.
As notícias de milagres desapareceram das páginas dos jornais. A evaporação
dos fiéis fez reduzir as doações para a construção do novo santuário.

O novo santuário, a uma caminhada da igreja, tem o formato da coroa de


espinhos de Cristo. Embora idealizado desde os anos 70, para abrigar mais
peregrinos, a pedra fundamental só foi lançada em 1980. A construção apenas
começou em 1995. Mesmo assim, as obras se arrastam há 20 anos, sem
previsão de término.

Os poucos comerciantes que resistiram lamentam o longo tempo de vacas


magras.

— Após o milagre era muita gente. Mais de duzentos ônibus. Agora, vem três,
vem dois, no domingo — compara a florista Ilma Rodrigues, que tem uma
barraca na frente da igreja.

O comerciante Marco Antonio Serrano da Silva, 50 anos, dono de um


restaurante, lembra do movimento intenso no distrito:

— Ficou uns oito anos naquela euforia. Era uma faixa de 20 a 30 mil pessoas
quase todo dia. Vinha romaria de todos os lugares, como de Aparecida, em
São Paulo, do interior de Minas e do Vale do Paraíba.

Marco Antonio observa que a esperança voltou a renascer em Porto das


Caixas com os investimentos do Comperj - o Complexo Petroquímico do Rio
de Janeiro. O movimento no distrito melhorou, mas com as recentes baixas
nos projetos da Petrobras, a crença no novo polo também ficou abalada na
região.

Graças a um porto fluvial, Porto das Caixas já foi importante centro


comercial e político no Leste Fluminense, no Século XVII. Mas, a construção
de linha férrea na região alterou as rotas de transporte de mercadorias e o
distrito sofreu o esvaziamento econômico. De acordo com o último Censo
(2010), a população é de apenas 3.757 habitantes.

A fé em um futuro promissor, no entanto, resiste. Uma das grandes atrações


no Santuário do Jesus Cristo Crucificado, por exemplo, é a Sala das
Promessas . É ali que estão parte dos objetos deixados pelos romeiros em
agradecimento a graças alcançadas. São dezenas de fotos, bengalas,
reproduções do corpo humano em cera, casinhas de madeira, imagens de
santo, fardas e até vestidos de noiva. Para eles, é o lugar que comprova que o
impossível realmente acontece.

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