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DOCOMOMO | Arquivo | Isso não é um cassino

Isso não é um cassino use as a museum) and a critical reading of the mu-
This is not a casino seum building itself in its present reality. As these
readings overlap, they highlight how the problems
Esto no es un casino related to the recognition of the building as a casi-
no and not as museum affect its preservation. For
Pedro Augusto Vieira SANTOS the MAP’s proper restoration and preservation as
Arquiteto, mestre e doutorando pela FAU USP; pedrov@usp.br a modern heritage and cultural institution, interdis-
ciplinary solutions coherent to its reality should be
sought (and not only building solutions restricted to
Resumo the field of architecture), employing contemporary
O texto aborda questões relativas ao Museu de artistic production, its own collection, curatorial
Arte da Pampulha (MAP), em Belo Horizonte, and museological strategies, graphical and exhib-
MG, e seu projeto de restauro no momento em it design, considering it as a living organism and
que completa 60 anos de sua fundação (1957), not merely a reified shell. In this sense, examples
e em que seu edifício-sede ganha maior visibili- of this interaction between pre-existences and artis-
dade, uma vez inserido no Conjunto Moderno da tic production are discussed, collaborating for the
Pampulha, reconhecido como Patrimônio Mundial preservation of a heritage site, and not the other
em 2016. São propostas três leituras críticas: dos way around.
documentos de candidatura e atribuição do títu- Keywords: Museu de Arte da Pampulha, World Her-
lo ao Conjunto Moderno da Pampulha; do pro- itage, Restoration, Contemporary Art.
jeto de restauro para o MAP (que de certa forma
subestima o uso já consolidado do edifício como Resumen
museu) e uma leitura crítica do edifício-museu em El texto aborda cuestiones relativas al Museo de
sua realidade presente. Sobrepostas, tais leituras Arte Pampulha (MAP), ubicado en Belo Horizonte,
evidenciam os problemas que o reconhecimento MG, y los proyectos concebidos para restaurarlo
daquele edifício como cassino, e não como mu- cuando finaliza su 60º aniversario desde su fun-
seu, acarretam à sua preservação. Para o restauro dación (1957) y su edificio principal gana visibili-
e a preservação do MAP, enquanto patrimônio mo- dad como resultado de su inserción en Pampulha
derno e instituição cultural, deveriam ser buscadas Modern Ensemble, reconocido como Patrimonio
soluções interdisciplinares (e não apenas soluções de la Humanidad en 2016. Se proponen tres lec-
construtivas restritas ao campo da arquitetura) coe- turas críticas: una lectura de los documentos para
rentes com sua realidade, valendo-se da produção su aplicación e inserción en Pampulha Modern
artística contemporânea e de seu acervo, de estra- Ensemble; del proyecto de restauración de MAP
tégias curatoriais e museológicas, do design grá- (que, de alguna manera, subestima el uso ya con-
fico e expositivo, considerando-o organismo vivo, solidado del edificio como museo) y una lectura
e não apenas como um invólucro reificado. Nesse crítica del propio edificio del museo en su realidad
sentido, são discutidos exemplos dessa interação actual. Tales lecturas evidencian los problemas
entre produção artística e pré-existências, que co- relacionados con el reconocimiento del edificio
labora para a preservação do patrimônio e não o como casino y no como museo y como eso afec-
contrário. ta su preservación. Para la correcta restauración y
Palavras-chave: Museu de Arte da Pampulha, Pa- preservación del MAP como patrimonio moderno
trimônio Mundial, Restauro, Arte contemporânea. e institución cultural, se deben buscar soluciones
interdisciplinarias coherentes con su realidad (y no
Abstract solo construir soluciones restringidas al campo de
This paper approaches questions related to the la arquitectura), empleando la producción artística
Pampulha Art Museum (MAP), located in Belo Hor- contemporánea, su propia colección, estrategias
izonte, MG, and the projects conceived to restore curatoriales y museológicas, del diseño gráfico y
it as it completes its 60th year since its founding de exposición, considerándolo como un organis-
(1957) and as its main building gains further visibili- mo vivo y no simplemente como un envoltorio rei-
ty as a result of its insertion into the Pampulha Mod- ficado. En este sentido, se discuten ejemplos de
ern Ensemble, recognized as a World Heritage Site esta interacción entre pre-existencias y producción
in 2016. Three critical readings are thus proposed: artística, colaborando para la preservación de un
a reading of the documents for its application and sitio patrimonial, y no al revés.
insertion into the Pampulha Modern Ensemble; of Palabras-clave: Museu de Arte da Pampulha,
the restoration project for MAP (which, in a way, Patrimonio de la Humanidad, Restauración, Arte
underestimates the building’s already consolidated Contemporáneo.

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Isso não é um cassino dessa instituição e a debater seu futuro. Neste


texto, o debate será apresentado por três dife-
“15 de Outubro de 2026. Dez anos se passaram. Es- rentes leituras críticas que se complementam:
tamos na metade do congelamento de gastos públicos dos documentos oficiais da candidatura e da
proposta pela PEC 241. Esse ano, diferente dos titulação concedida pela Unesco; do projeto
anteriores, não haverá nenhuma exposição no Museu de de restauro para o museu; e do edifício-museu
Arte da Pampulha. Chuvas e tempestades castigam os em sua complexa realidade presente, o que
grandes centros urbanos do sul. O fenômeno que ficou
significa tratar não apenas de seu edifício-se-
conhecido como ‘a queda do céu’ trouxe um volume de
de mas de seu acervo e seu programa.
agua imensurável. A Lagoa da Pampulha não consegue
escoar tanta água. A situação se agrava devido a um
problema no sistema de filtragem de água da Lagoa. Das leituras anunciadas, antecipam-se as três
Tudo ao seu redor começa a alagar. constatações que conduzem o texto: (1) a re-
Em poucos dias, o conjunto moderno da ferência constante ao edifício do MAP como
Pampulha estará todo submerso.” cassino nos documentos oficiais; (2) a inade-
Rafael RG1 quação de algumas soluções do projeto de
restauro diante da realidade de usos e condi-

E m 2016, o Conjunto Moderno da Pampulha, ções concretas do edifício e; (3) a inexistência


projetado na década de 1940 por Oscar de um curador permanente na instituição que
Niemeyer em Belo Horizonte, Minas Gerais, responda por sua programação. Essas cons-
foi reconhecido como Patrimônio Mundial,2 na tatações abrem alguns questionamentos: (a)
categoria Paisagem Cultural3. A campanha de dentro do Conjunto Moderno da Pampulha,
sua candidatura mobilizou, por décadas4, o reconhece-se o valor de um cassino ou de um
poder público e a sociedade. Os tombamen- museu?; (b) o projeto de restauro contempla
tos existentes nas esferas municipal (2003)5, o restauro do edifício como cassino ou como
estadual (1984)6 e federal (1997)7 alteraram museu?; (c) A programação do Museu de Arte
paulatinamente algumas dinâmicas do con- da Pampulha é elaborada pensando-se em
junto e de suas unidades. Os desdobramentos um museu ou em um edifício-patrimônio?
desse novo título deverão ser observados com As questões, em si, não são contraditórias,
mas as respostas podem ser. Problematizá-las
atenção nos próximos anos, no que diz respei-
torna-se necessário nesse momento, para que
to a aspectos físicos, materiais e de uso, mas
haja cautela nas ações a curto e médio pra-
também subjetivos e discursivos. Em 2017, o zo (como a iminente execução do projeto de
Museu de Arte da Pampulha (MAP), um dos restauro). Em suma, trata-se de ter consciência
edifícios que compõem o Conjunto Moderno dessas contradições, assumi-las e tirar provei-
da Pampulha, completou 60 anos de sua fun- to do que podem oferecer enquanto campo de
dação. Essa efeméride, mais que comemora- debate e soluções plurais. Não se deve ignorar
tiva, e junto ao título de Patrimônio da Huma- esses questionamentos, as ambiguidades e as
nidade, convida-nos a rever o histórico recente contradições, eles devem ser discutidos em um
campo que lhe é próprio – o do restauro – e
1Trecho do texto lido por Rafael RG em sua performance Es- por uma variedade de profissionais – arqui-
tamos esperando calmamente pelo desaparecimento do que tetos, historiadores, restauradores, curadores,
designamos nós/ a história de nós dois, durante a abertura da
6a edição da Bolsa Pampulha, em outubro de 2016.
artistas, entre tantos outros8.
2O título foi concedido na 40a sessão da Unesco, realizada
em Istambul, Turquia, em 2016. Report of the Decisions adop- Documentos do Patrimônio Mundial
ted during the 40th session of the World Heritage Committee.
3Para um aprofundamento do que a Unesco entende por pai- Dois documentos foram cotejados: o “Dossiê
sagem cultural, cf.: http://whc.unesco.org/fr/PaysagesCultu- de candidatura do Conjunto Moderno da Pam-
rels/ último acesso em 12/10/2017..
4A candidatura, idealizada desde 1996 com a inclusão do pulha para inclusão na Lista do Patrimônio
Conjunto na Lista Indicativa do Brasil, concretizou-se somente
Mundial” (que será referenciado aqui como
em 2014, quando foi entregue ao Iphan o Dossiê de Inscrição Dossiê)9 e o “ICOMOS Report for the World
na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.
5Deliberação no 106/2003, Diário Oficial do Município, Belo 8Faço menção aos Fóruns Museu Lado A, realizados em duas
Horizonte, Ano IX, Edição no 1979, 21 out. 2003. ocasiões (junho e agosto de 2017), no MAP, abrindo ao pú-
6Cf.: Decreto n° 23.646 de 26 de junho de 1984, Diário do blico em geral e aos especialistas a possibilidade de discutir
Executivo, Belo Horizonte, p. 6_col1, 27 ju. 1984. Retificado essas questões. Este autor apresentou as questões aqui siste-
em 13 jul. 1984. matizadas na primeira edição do Fórum. A equipe do MAP
7O processo foi aberto em 1994, cf.: Diário Oficial da União, deve ser parabenizada pela iniciativa, ocorrida na gestão do
Brasília, segunda-feira, nº 229, Seção 3, 05 dez. 1994; e sua arquiteto Carlos Henrique Bicalho.
9Cf.: Conjunto Moderno da Pampulha: Dossiê de candidatura
homologação se deu em 1997, cf.: Diário Oficial da União,
terça-feira, no 203, Seção 1, 21 out. 1997. do Conjunto Moderno da Pampulha para inclusão na Lista do
Patrimônio Mundial. 2014.

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Heritage Committee” (também em sua ver- tos13 que compõem o Conjunto Moderno da
são em francês, e que será referenciado aqui Pampulha a partir dos nomes originários. Mas
como Relatório)10. A escolha não é ao acaso: essa coerência não deveria se dar apenas no
primeiro, são documentos oficiais, públicos e interior do texto, deveria ser construída levan-
de amplo acesso, ou seja, são documentos do em conta o momento presente e o contexto
que provavelmente se tornarão fontes sistemá- em que se encontram, motivo pelo qual o que
ticas para as pesquisas futuras sobre o Con- aparentemente é coerente torna-se incoerente,
junto Moderno da Pampulha e que, portanto, como se demonstra nos casos a seguir.
serão citados e cada vez mais difundidos por
meio de novos trabalhos. Depois, trazem con- Logo na Descrição textual da delimitação do
sigo uma relação de causa e consequência, Bem candidato, o dossiê cita:
afinal, o título concedido pela Unesco foi ba-
seado na leitura do Relatório e que por sua vez “Conjunto urbano formado pelos edifícios e jardins do
foi baseado no Dossiê (entre outros trabalhos CASSINO (atual Museu de Arte da Pampulha),
específicos realizados por comissão designada da CASA DO BAILE (atual Centro de Referência
em Urbanismo, Arquitetura e Design), do IATE
para esse fim11). A leitura dos textos integrais,
GOLFE CLUBE (atual Iate Tênis Clube), da IGREJA
em suas fontes originais, é recomendada aos
DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, da Residência de Jus-
interessados no assunto, uma vez que poucos celino Kubitschek (atual Casa Kubitschek) e o espelho
trechos são transcritos neste artigo. d’água e a orla da Lagoa no trecho que os articula e
lhes confere unidade.” [grifo meu] (Dossiê, p. 11)
A análise dos textos não busca apontar erros
ou tirar o mérito dos trabalhos realizados – Analogamente o Relatório cita, já no segundo
trabalhos de grande envergadura e que não parágrafo de sua breve descrição:
se furtam a equívocos resultantes do proces-
so que os geraram, da diversidade de equipes “Within landscaped grounds, and linked by a board-
envolvidas e das fontes utilizadas, e que não walk around the edge of the lake, the Casino (now
devem ser desqualificados por isso. Trata-se the Pampulha art museum), the Ballroom (now
de uma construção crítica que se detém a um the Center of Reference in Urbanism, Architec-
preciosismo léxico – necessário em nosso cam- ture and Design), the Golf Yacht Club (present
Yacht Tennis Club), and the São Francisco De Assis
po – que pode ter desdobramentos na sintaxe
Church, were all designed by architect Oscar Niemey-
e na semântica, e que por sua vez podem ge-
er.” [grifo meu] (Relatório, p. 251)
rar compreensões e ações de todo equivoca-
das no campo do patrimônio, do restauro à
educação patrimonial. O opção pelo predicado “atual” indica uma
mesma atribuição histórica e temporal a situa-
A primeira questão levantada diz respeito à re- ções completamente distintas. O uso do edifí-
ferência ao edifício do Museu de Arte da Pam- cio em questão como cassino foi interrompido
pulha como cassino – e não como Museu de em 194614 e seu uso como museu consolidou-
Arte da Pampulha. Esse uso, para além de um se ao longo dos últimos 60 anos, situação bas-
dado quantitativo (no Dossiê, cassino apare- tante diversa da Casa do Baile, cujo uso como
ce 75 vezes, enquanto museu, referindo-se ao Centro de Referência em Urbanismo, Arquite-
MAP, aparece 56 vezes; no Relatório, 22 e 4 tura e Design é bastante recente (2002). É pos-
vezes; no Relatório de decisão12, 5 e 1, respec- sível inferir que o Relatório utiliza predicados
tivamente), revela também certa incoerência diferentes, como now e present (na versão em
na identificação e na atribuição de valor aos francês, actuellement e actuel), como modo
monumentos . Está claro que houve uma es- de diferenciar novos usos (museu e centro de
colha, coerente, por identificar os monumen- referência) de um uso contínuo e consolidado
(indicando apenas a mudança de nome, no
caso do clube). Se isso estiver correto, não se-
ria necessário o uso de um terceiro predicado,
10Cf.: ICOMOS Report for the World Heritage Committee –
que diferenciasse as três situações? Ou ainda,
40th ordinary session, Istanbul, 10-20 July 2016.
11Maria Eugenia Bacci, da Venezuela, foi designada para a não estaria o cassino mais próximo do clube
missão técnica de avaliação, e visitou o Conjunto Moderno da
em sua predicação?
Pampulha entre setembro e outubro de 2015, quando tam-
bém pode dialogar com outros agentes envolvidos na candi- 13É sempre válido retomar as discussões levantadas por Ul-
datura. Parte dos trabalhos realizados pode ser consultado em piano Bezerra de Meneses sobre a atribuição de valor no pa-
http://whc.unesco.org/en/decisions/6811. trimônio, como aquelas indicadas nas referências.
12Cf.: Report of the Decisions adopted during the 40th ses- 14A proibição dos jogos de azar no Brasil foi estabelecida
sion of the World Heritage Committee. pelo Decreto-lei 9.215, de 30 de abril de 1946.

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Essa confusão histórico-temporal15 fica evidente seu e o edifício que ocupa; ou essa relação é
quando os documentos tratam dos restauros aos reconhecida e naturalizada, o que corrobora
quais os edifícios foram submetidos. No item De- a inconsistência da referência ao museu como
claração de integridade do Dossiê, lê-se: cassino. Tal inconsistência torna-se redundân-
cia quando se diz que “a gestão de seus espa-
O Cassino passou por pelo menos três processos de ços tem privilegiado instalações artísticas”. A
restauração nos últimos quinze anos, nos quais gestão dos espaços de qualquer museu de arte
sucessivamente vêm sendo resolvidos seus problemas privilegia instalações artísticas, sendo isso uma
de conservação, basicamente oriundos de infiltrações.
regra, e não uma exceção a ser comentada.
Seus jardins foram inteiramente recuperados em 2013
e a gestão de seus espaços tem privilegiado
Como escrito, o trecho leva a crer que o cassi-
instalações artísticas que respeitem a sua natu-
no funciona e se presta a receber, vez ou outra,
reza construtiva (materiais e ambiências) e que obras de arte. Verdade é que, muitas vezes e
dialoguem com a edificação; de maneira muito positiva, as obras expostas
no Museu de Arte da Pampulha dialogam com
A Casa do Baile, também restaurada duas ve- sua edificação17.
zes nos últimos vinte anos, incluindo seus jardins,
resolveu seus problemas de conservação e manteve a Ainda no item Descrição do Relatório, as qua-
concepção e os materiais originais representativos dos lidades do edifício do Museu são elencadas a
atributos da Pampulha. A sua mudança de uso jus-
partir de sua espacialidade, geometria e ma-
tifica as alterações internas realizadas (inclu-
sive por seu próprio autor), estas reversíveis e
teriais, não fazendo menção a qualquer pro-
bastante coerentes com a estrutura formal ori-
grama, do cassino ou do museu, evidenciando
ginal; [grifo meu] (Dossiê, p. 203)
que não há demérito no uso atual, tampouco
sentimento saudosista:
Conteúdo análogo (vertido para o inglês/fran-
Of the four buildings, [the casino] it is the one that
cês) também aparece no item Descrição dos most closely follows Corbusian principles with its
bens do Relatório (p. 252). Levando em con- free-standing structures reflected in modulated
sideração que o Centro de Referência passou facades providing views of the lake. Circular and
a funcionar na Casa do Baile em 2002, após rectangular spaces, richly finished with marble
as mencionadas obras de restauro, é correto and ceramic tiles, are linked by ramps and ellip-
afirmar que a Casa do Baile passou por obras tical corridors to create a ‘promenade’ building, a
de restauro, e não o Centro de Referência. O form reinforced by the promenades in the landscaped
mesmo não se pode afirmar do cassino: como gardens designed by Burle Marx that culminate in the
algo que não existe mais pode ser restaura- detached porte-cochere that shelters a bronze sculpture
by Zamoyski. (Relatório, p. 252)
do? Todas as obras de restauro a que se re-
ferem os textos dizem respeito ao edifício do
Já o Dossiê (p. 72) apresenta a “composição
Museu de Arte da Pampulha. A circunscrição
arquitetural” do cassino, descrevendo a ar-
dos “seus problemas de conservação, basica-
mente oriundos de infiltrações” denota que es- ticulação entre seus ambientes, e cita “salão
sas obras não levaram em conta as demandas de jogos”, “boate”, “salão de danças” e “co-
zinha, esta última desativada”. Não há salão
do museu e seu uso, restringindo-se a reparos
de jogos, nem boate, nem salão de danças no
isolados no edifício entendido apenas como
museu, como também não há uma cozinha
construção. Em oposição, as obras de restauro
desativada, uma vez que todo o cassino foi
da Casa do Baile voltaram-se ao seu novo uso,
desativado em 1946. O que há no edifício que
e são qualificadas no Dossiê como coerentes
se descreve são salas de exposição, auditó-
(o que por sua vez é questionado pelo Rela-
tório, que critica a mudança do acesso16). Por rio, biblioteca e administração nas respectivas
que esse “novo uso” (já velho, é sempre válido áreas citadas. Posteriormente, o texto registra
lembrar) não é salientado quando se trata do que a área da cozinha “atualmente destina-
museu? Há duas hipóteses: ou se quer apagar se à área administrativa”, mas não atualiza os
a intrínseca relação estabelecida entre o mu- demais usos, ignorando a apropriação do es-
paço como museu: por que não registrar que
a área do salão de jogos destina-se a exposi-
15Utilizo a locução histórico-temporal para me referir a duas ções de arte, e que a área dos camarins desti-
situações distintas que se unem: à história como construção
social e ao tempo como sucessão de momentos, cronologia.
16No item Conservation do Relatório é registrado: “Although 17Uma seleção dessas obras pode ser encontrada no catá-
the Ballroom has been restored, the original entrance has logo da exposição Coisario Cassino >> Museu, realizada no
been changed. ICOMOS considered that the original should MAP em 2010, com curadoria de Marconi Drummond, indi-
be replaced.” (Relatório, p. 259) cado nas referências.

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na-se à reserva técnica? Já em relação à Casa quatro fotografias, que identificam, nessa or-
do Baile, o Dossiê (pp. 144-145) registra todas dem: Aerial view of the Ensemble, The Yacht
as mudanças ocorridas ali entre as décadas de Club, The Casino e The Ball Room. Se um lei-
1940 e 2000, enaltecendo seu uso final “ade- tor, sem referências, quiser relacionar as fotos
quado ao reconhecimento e divulgação de sua com as localizações no mapa, simplesmente
importância para a arquitetura moderna bra- não logrará resultado no caso do cassino/mu-
sileira.” E o uso do MAP?, não se adequa tam- seu.
bém a esse fim e a outros correlatos?
No Dossiê, são corretas as referências ao cas-
No item Declaração de integridade, o Dossiê sino no caso dos croquis de Oscar Niemeyer,
(pp. 204-205) registra que os edifícios “seguem de fotos da sua construção, ou de fotos até
mantendo a mesma linha de uso voltado para 1957, quando criado o MAP. A inconsistência
o entretenimento e lazer” e que, no museu, “as surge nas fotos posteriores à fundação do mu-
instalações artísticas que ali são exibidas de- seu, incluindo as atuais, como as identificadas
vem necessariamente dialogar com as formas como “salão do restaurante”, “brises do res-
e a integridade do edifício”, enquanto na Casa taurante”, “marquise do cassino” (ver Figura
do Baile “sua gestão e usos atuais garantem 01) – fotos do MAP, e não do cassino e seus
seguramente a integridade da obra”. A integri- espaços. Já os postais antigos denotam o reco-
dade do edifício do MAP vem sendo assegura- nhecimento do edifício como museu, como na
da há 60 anos sem qualquer tipo de imposição figura 208, em que se lê “Museu de Arte – Ex-
de diálogo das obras expostas com o edifício, Casino da Pampulha”, ou na figura 203, iden-
ainda que esse diálogo constantemente enseje tificada como “Cartão Postal com os jardins
produções das mais significativas. O mesmo do Museu de Arte da Pampulha na década de
não se poderia afirmar da Casa do Baile: ou 1960”. Vale salientar que não se defende o
um auditório18 obstruindo um espaço antes apagamento do histórico do edifício enquanto
absolutamente livre garante mais integridade
que uma obra de Farnese de Andrade ou de
Frans Krajcberg exposta no MAP19? Resta, ain-
da, apontar a perigosa redução que se faz ao
limitar e qualificar como entretenimento e lazer
a função desses equipamentos.

Também as figuras utilizadas em ambos do-


cumentos colocam as inconsistências em evi-
dência, embora algumas denotem o reconhe-
cimento do Museu de Arte da Pampulha.

No Relatório, são reproduzidos dois mapas20,


nos quais são identificados os seguintes pon- Figura 1
tos: Pampulha Art Museum, Ball Room, Yacht Reprodução da Figura 080 do Dossiê e sua legenda
Tennis Club e São Francisco de Assis Church Fonte: Dossiê, p. 81

(no Dossiê, são identificados em mapa como


Museu de Arte da Pampulha, Casa do Baile,
Iate Tênis Clube, Igreja São Francisco de As-
sis). Ao final do Relatório, são reproduzidas
18O auditório foi construído em 2002, quando a Casa do
Baile passou por intervenções coordenadas pelo escritório de
Oscar Niemeyer. O fato do projeto de intervenção ser de au-
toria de Niemeyer não o exime de seus equívocos e tampouco
lhe atribui integridade.
19Artistas cujas obras, a princípio, não dialogam diretamente
com o edifício. Ao longo do texto, diversas obras de arte que
foram expostas no MAP ou que pertencem ao seu acervo são
citadas e foram selecionadas a partir das ideias discutidas –
não se quer com isso coloca-las em evidência em relação às
demais obras do acervo, mas demonstrar a variedade e qua-
lidade desse acervo ao longo do texto. Figura 2
20Disponíveis em http://whc.unesco.org/en/list/1493/multi- Reprodução da Figura 208 do Dossiê e sua legenda
Fonte: Dossiê, p. 142
ple=1&unique_number=2077

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cassino, que deve ser rememorado e exaltado sadista sobre aquele edifício, que subestima
sempre que possível21, mas que não deve con- seu uso como museu e que insiste em uma
duzir isoladamente as ações de preservação perspectiva que já não deveria fazer parte
desse monumento. do campo do patrimônio: aquela que toma o
tempo como reversível e considera a obra não
Finalmente, no item Atividades previstas, fon- em sua realidade material e dinâmica pre-
tes e níveis de financiamento, talvez por ser sente, mas como imagem idealizada24. Não
apresentado com maior objetividade, o Dossiê se trata de uma leitura contrária ao projeto de
(p. 336) não se esquiva da correta identifica- restauro, mas que parte de algumas de suas
ção do bem, ao apontar a “Restauração do escolhas visando abrir o debate para outras
MAP” como ação de médio prazo. Resta con- soluções que busquem maior equilíbrio entre o
fiar que o objeto de restauro ali seja mesmo o patrimônio edificado e seu uso, entre patrimô-
Museu de Arte da Pampulha, e não o cassino. nio arquitetônico e artístico, o que será feito na
A partir dessas observações, passa-se à leitura última parte deste artigo.
crítica do projeto de restauro elaborado para
este fim.

Projeto de restauro: do as built para o


as used

Apresentadas as questões relativas aos docu-


mentos para candidatura e concessão do título
de Patrimônio Mundial, passa-se à análise22
do projeto de restauro elaborado pela Hori-
zontes Arquitetura e Urbanismo, e seu me-
morial23, para o edifício do MAP. É necessário
salientar que não há uma relação de causa e
consequência entre os documentos anteriores
e o projeto de restauro, mas será possível ob-
servar que algumas escolhas, traduzidas no
projeto, acabam por ratificar uma visão pas-

21Deve ficar claro para o leitor que essa crítica ao léxico cabe
especificamente à situação da qual estamos tratando. Textos
sobre a obra de Niemeyer, a arquitetura moderna ou a Pam-
pulha, escritos até 1957, naturalmente referem-se ao edifício
como Cassino. A maior parte dos textos posteriores também
o fazem, mormente quando são destinados a uma análise
formal das soluções empregadas por Niemeyer a partir do
programa estipulado por Juscelino Kubitschek, ou quando se
detêm à análise restrita desse mesmo período. Nesses casos,
limitam-se a indicar o uso “atual” do cassino como museu.
Ainda assim, é preocupante a constatação de que poucos tex-
tos tomam como objeto a ser analisado o MAP (e não o cassi-
no), insistindo numa análise passadista de algo que não existe
mais, e criando uma lacuna na historiografia.
22Registro aqui meus cumprimentos à equipe da Horizontes
Arquitetura e Urbanismo, principalmente ao Arquiteto Marcelo
Palhares Santiago, com quem tive a oportunidade de debater
as questões relativas ao restauro do MAP na ocasião do Fórum
Museu Lado A, realizado em junho de 2017 no MAP. Ciente
de meu posicionamento, dirijo essas palavras com o mais alto
respeito ao trabalho realizado por sua equipe e que muito
colabora para as discussões no campo do restauro hoje no Figura 1
Brasil. Indicação dos usos e conformações dos espaços em perío-
23A leitura que segue baseia-se em um conjunto específico de dos distintos: “original”, “1957-2016”, “proposta 2015-2016”
Fonte: Horizontes Arquitetura e Urbanismo
documentos, a saber: o Memorial descritivo e o kit-mídia, ela-
borados pela Horizontes Arquitetura e Urbanismo, bem como
24Sobre intervenções no patrimônio moderno e os problemas
matérias veiculadas na mídia e os projetos entregues ao MAP.
Cf.: HORIZONTES Arquitetura e Urbanismo. Memorial descriti- enfrentados, conferir as pesquisas de Simona Salvo indicadas
vo. Restauro do Museu de Arte da Pampulha. Contrato 263/11, nas referências. Conferir também os cadernos produzidos
Prefeitura de Belo Horizonte, Sudecap, Belo Horizonte, Março pelo Docomomo e os anais resultantes de seus encontros, em
de 2014. todo o Brasil, pois atestam a variedade de questões e aborda-
gens existentes.

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O projeto desenvolvido contemplou todo o Logo após a inauguração do cassino, a área


escopo solicitado pela Sudecap (Superinten- dos pilotis sob o auditório foi fechada com
dência de Desenvolvimento da Capital), o que esquadrias metálicas, encapsulando os pilo-
torna necessário ponderar a crítica ao proje- tis. O projeto prevê a troca desse fechamento
to, questionando também o escopo: “Restauro por um motivo bastante pertinente: em todo
completo da edificação; Adequação da área o edifício, há um tratamento distinto entre os
administrativa; Acessibilidade universal aos pilares externos, revestidos em travertino, e os
portadores de necessidades especiais; Comu- internos, revestidos em aço inox, e as esqua-
nicação visual; Reorganização ou remoção da drias deturpam essa leitura. Entretanto, a solu-
atual reserva técnica para criar espaço para re- ção proposta não é de todo plausível: recuar
ceber banheiros acessíveis.” (Memorial, p. 21) o fechamento, deixando os pilares externos
para fora seria coerente, mas justificar o uso
A primeira discussão que se impõe diz respeito de vidros inteiriços sem esquadria como forma
às afirmações de que “O edifício não possui de “recuperar a transparência visual e a leitu-
espaços adequados para exposição e guarda ra de pilotis” e “a unidade formal do volume
das obras de arte”, e “o edifício atual do MAP cilíndrico” não procede. A transparência que
não apresenta condições mínimas para execu- caracterizava o projeto de Niemeyer não era
tar estas funções adequadamente” (Memorial, apenas visual, mas atmosférica, valia-se de
p.13), contrariando o histórico sexagenário do um intervalo entre volumes que podia ser atra-
museu e sua função pública. Claro que exis- vessado. O vidro também não é um elemen-
tem limitações, impostas pelos espaços mas to “neutro”25, devido à sua reflexividade26, e
também pelas obras, mas é preciso relativizar uma transparência absoluta não seria atin-
o que se entende por “adequado” – e a parte gida, mesmo porque a solução indica o uso
final deste artigo demonstrará a adequação de uma película translúcida na parte inferior
parcial do MAP à sua função expositiva. (ver Figura 04). Ainda que fosse, não tardaria
a receber adesivos de segurança indicando o
Essa desqualificação e a afirmação de que “A obstáculo, e então a solução cairia por terra.
importância histórica do edifício e seu tomba- Ademais, descartar aquela caixilharia, que já
mento nos três níveis de patrimônio impedem foi historicizada como matéria e como ima-
soluções com ampliações ou interferências gem27, só seria justificável pela opção radical
radicais” justificam a opção da empresa pela de manter a área aberta – o que afirmam não
construção de um anexo. De maneira muito ser possível devido às demandas do museu.
cautelosa, a Horizontes condiciona o restauro Retrabalhar a caixilharia existente ou pensar
do MAP à sua construção, uma vez que o pro- em um desenho para um novo fechamento,
jeto prevê a retirada da reserva técnica, do la- consonante ou dissonante, mas nunca neutro,
boratório de conservação e do Centro de Do- talvez respondesse melhor à demanda.
cumentação do edifício-sede, liberando área
para outras ocupações, além da construção A área hoje ocupada pela reserva técnica re-
de salas expositivas no novo edifício. Entre- cebeu proposição análoga: com a retirada da
tanto, coloca como alternativa a transferência reserva e a demolição de suas paredes, pro-
do acervo para outro local adequado “caso o põe-se “a volta à solução de 1946”, descar-
Anexo não seja construído a tempo de iniciar tando a caixilharia existente e criando novos
a restauração do MAP”. Essa alternativa abre
um precedente perigoso para a precarização 25Para uma problematização do neutro no restauro, confe-
ainda maior das condições de funcionamento rir BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia, São Paulo:
do museu, e até mesmo para a paulatina des- Ateliê editorial, 2005 (2a ed.), pp. 41-51.
26O problema do uso do vidro como elemento neutro nas
vinculação de seu edifício-sede.
intervenções de restauro não é tema novo e possui variadas
interpretações. Como exemplo, cito “I viaggi dell’opere d’ar-
No que se refere às soluções de desenho no te”, 1952 e “Le vetrate per il Camposanto di Pisa”, 1961, de
projeto, o foco recai sobre as três alterações Cesare Brandi, reunidos na publicação Il Restauro, Roma, Edi-
tori Reuniti, 2009.
mais incisivas: na área dos pilotis sob o au- 27Das publicações consultadas, apenas duas apresentam
ditório, na área da reserva técnica e, na área imagens dessa área aberta, e que raramente é difundida: o
administrativa (Memorial, pp. 14-16), que se- catálogo da exposição Brazil Builts, MoMA, NY, 1943 e o ca-
rão comentadas a seguir (ver Figura 03 para o derno Pampulha, editado pela Sudecap em 1944. Na primei-
ra publicação também aparece uma foto da mesma área já
esquema de ocupação dos espaços, da déca- com os novos caixilhos, indicando que o fechamento ocorreu
da de 1940 à proposta de restauro). antes de 1943. Trata-se de ponderar entre uma imagem idea-
lizada de projeto e uma apreensão real daquele espaço que
se consolidou no imaginário coletivo.

72
Isso não é um cassino | Projeto | DOCOMOMO

Figura 4
Maquete virtual, proposta para área sob o auditório.
Fonte: Horizontes Arquitetura e Urbanismo

fechamentos em vidro, o que “permitirá uma por paredes, seja pelo mobiliário próprio des-
integração visual entre o interior e o exterior”. se tipo de instalação e, como espaço restrito,
não possuía a pretensão de uma leitura total,
Não fica claro se a solução de 1946 é aque- típica dos demais espaços. Assim, não se trata
la designada em projeto – no qual essa área de subdividir ou não o espaço, mas como fazê
é também de passagem, aberta –, ou se um -lo, e talvez a solução mais adequada recaia
novo fechamento foi acrescido em 1946. Os sobre o desenho de um mobiliário específico,
vidros aqui também recebem uma película de qualidade formal e material, à altura desse
translúcida – o que por si já cria um ruído na edifício. Ademais, a instalação do elevador no
transparência almejada –, e a caixa do novo hall dessa área, enquanto área administrativa
elevador, inserido nessa área, coloca-se entre de acesso restrito, caracteriza um uso cons-
o plano transparente e a caixa da escada ori- trangido, ou então se entende que o acesso a
ginal, projetada quase que como um elemento essa área de circulação passa a ser público, o
escultórico solto no espaço, tornando a solu- que não é nenhum demérito e poderia ensejar
ção questionável. Seja como for, os argumen- novas soluções.
tos anteriores podem ser aqui repetidos, e de-
ve-se frisar que, diante das condições políticas Ainda em relação à circulação vertical, o pro-
e administrativas do museu, a transferência de jeto cita a possibilidade de se instalar uma es-
sua reserva técnica deveria ser pensada com cada de acesso público para conectar o térreo
cautela. É nessa área, também, que seriam com o pavimento inferior a partir de uma pas-
instalados os banheiros acessíveis. sagem não utilizada atrás da parede de espe-
lhos (ainda que estreita, a passagem atende à
As soluções para a área administrativa apon- Norma NBR 9050, de acordo com o Memo-
tam para um afrouxamento da opção con- rial). Por que não optar apenas por essa nova
servativa indicada para as demais áreas do conexão, que poderia ser feita com uma plata-
museu: são previstas trocas de piso, da cai- forma elevatória, criando condições universais
xilharia, novas divisórias e um novo mobiliá- de acessibilidade e com interferências menos
rio. O projeto resulta em uma área, espaço e traumáticas à estrutura e à espacialidade do
materialmente, próxima a qualquer escritório edifício?
de mobiliário inexpressivo a ocupar uma laje
empresarial [ver figura 05]. O Memorial faz No que se refere às especificações de mate-
menção a uma “leitura total do espaço”, en- riais e procedimentos de conservação (Memo-
tretanto, em relação à conformação original, o rial, pp. 25-40), serão aqui comentadas algu-
uso como cozinha já subdividia o espaço, seja mas das indicações inconsistentes, uma vez

73
DOCOMOMO | Arquivo | Isso não é um cassino

ou resultante da higroscopia variada dos re-


vestimentos em pedra.

Os apontamentos acima indicam a complexi-


dade e variedade dos problemas impostos e
nos advertem sobre a relevância de se fazer
um diagnóstico completo desse patrimônio,
considerando seus aspectos materiais, estéti-
cos e históricos (BRANDI, 2005: 30), sua es-
pacialidade, sua geometria, sua estrutura e
seus materiais, mas também seu uso28. Se um
levantamento as built e das manifestações pa-
Figura 5 tológicas de um edifício deve considerar a sua
Maquete virtual, proposta para a área administrativa. situação atual – e não uma situação passada,
Fonte: Horizontes Arquitetura e Urbanismo
idealizada ou, mais perigoso, de projeto –, um
que consideram o material a ser preservado levantamento as used deveria ser feito, e com
mas não o uso que se faz dos espaços ou a os mesmos cuidados, considerando o uso e a
passagem do tempo. apropriação atual do edifício, suas demandas
e ofertas, suas restrições e possibilidades – sem
No piso térreo, revestido com mármore Ama- considerar um uso passado ou idealizado. A
relo Negrais, o Memorial indica a sobreposição desses dois levantamentos, sem
prejuízo de um para outro, certamente seria
“Proibição de exposição de obras que, de qualquer for- capaz de conduzir um projeto que fosse perti-
ma, interfiram com ou danifiquem o piso. Recomenda-se, nente ao objeto em questão, o Museu de Arte
assim, apenas a permissão de obras em superfícies leves da Pampulha.
e verticais (quadros, fotografias, painéis, pôsteres etc.),
impedindo ou limitando a exposição de esculturas, ins- O edifício-museu: articulação entre
talações e outras obras com suporte ‘contemporâneo’.” restauro, arte e arquitetura
Cuidados devem ser tomados na instalação de Até aqui, buscou-se evidenciar que a tarefa
obras específicas, mas o museu não pode se complexa de reconhecer e intervir no patrimô-
abster de mostrar determinadas obras porque nio construído exige rigor e sensibilidade, pois
possuem suporte “contemporâneo”. Obras as questões impostas, bem como as possíveis
de suporte não tradicional com frequência lo- soluções, são inúmeras29. Quando determi-
gram resultados satisfatórios no que se refe- nado bem, em sua existência física, é ainda
re aos projetos expositivos levados a cabo no associado a um programa complexo – como
MAP, como se demonstra ao final do texto. o de um museu –, a tarefa passa a ser ainda
mais abstrusa. Uma solução fértil, plausível e
Em relação ao tratamento dos espelhos belgas pertinente só pode ser alcançada tirando par-
do salão principal e dos vidros verdes locali- tido dessa associação e dessa complexidade.
zados na parte central do piso do auditório, Nesse sentido, toma-se aqui um outro ponto
o Memorial invoca as contribuições de Cesare de vista, ou um outro repertório, para debater
Brandi para discutir o tratamento de suas lacu- possíveis soluções para os problemas a serem
nas. Falam, entretanto, em “eliminar” as lacu- enfrentados na preservação e no restauro do
nas, ou em recuperar elementos de modo que MAP, considerando uma possível articulação
adquiram “aparência de peças novas”. Ainda
que parte dos procedimentos descritos seja
28A questão do uso, elaborada a partir da Teoria da Restau-
correto, deve-se registrar que lacunas não são
ração de Cesare Brandi, é tema complexo e mereceria ser
eliminadas, são tratadas, e que o tratamento melhor debatido – o que não cabe a este texto. Para um apro-
de lacunas ou da pátina, como proposto por fundamento, cf.: KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do pa-
Brandi, pressupõe compreender a passagem trimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos
de restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009 e a bibliografia
da obra pelo tempo, respeitando suas marcas. indicada relativa ao tema. Ressalta-se que, do ponto de vista
Assim, da mesma maneira que não se deve da teoria brandiana, o Museu é o objeto do restauro.
condenar o restauro ou a substituição de pe- 29Cada solução, do inventário ao projeto, possui pertinência
ças específicas, não se deve condenar a hete- relativa, o que é diverso de não ser pertinente. Para essa dis-
rogeneidade adquirida por diversas superfícies cussão, cf.: KÜHL, Beatriz Mugayar. “Cesare brandi e a teoria
da restauração” In: –Pós [FAU USP], São Paulo, n° 21, junho
– devido a diferentes graus de oxidação das de 2007. e “Restauração hoje: método, projeto e criativida-
superfícies em prata ou chumbo dos espelhos, de”. In: Desígnio. São Paulo, v. 6, 2007, pp. 19-34.

74
entre a produção artística contemporânea, sua condições limitadas para o acervo existente e
arquitetura e seu acervo. Em outras palavras, sua ampliação. Não há banheiros com aces-
uma articulação entre continente e conteúdo sibilidade universal, e não há área específica
do MAP, guiada pelo restauro30, um exercício para o setor educativo. Não há áreas expo-
arquitetônico-curatorial. sitivas com controle artificial de temperatura,
umidade e iluminação, criando restrições ou
Dados concretos devem ser considerados nes- dificuldades à exposição de obras que exijam
se exercício, evidenciando a enorme capacida- tais controles.
de que o museu possui de articular seu edifí-
cio, sua história, a arte contemporânea e suas Todos esses problemas não impediram o fun-
atividades (que incluem não só exposições, cionamento do museu nas últimas décadas.
mas a catalogação, conservação e difusão de Do histórico recente, vale ressaltar o período
seu acervo, projetos educativos variados, a entre os anos 1995 e 2012, quando uma sé-
manutenção de sua biblioteca e seu centro de rie de atividades exitosas e relevantes para a
documentação, etc.), afastando a crítica infun- arte no Brasil foram desenvolvidas ali, devido
dada de que “o edifício não possui espaços a um trabalho crítico e intelectual conduzido
adequados para exposição” e demonstrando por diferentes diretores e curadores que passa-
que as atividades ali desenvolvidas possuem ram pela instituição. Insiste-se, com isso, que
um vínculo inegável com o edifício que ocu- os problemas do museu não podem ser enca-
pa, com a comunidade artística em específico rados ou solucionados sem o diálogo direto
e com seu público de maneira geral. com os agentes responsáveis por seu funcio-
namento como museu, ou sem um claro plano
Dados concretos devem ser considerados nes- museológico e curatorial. Priscila Freire assu-
se exercício, evidenciando a enorme capacida- me a direção do museu em 1995, ocupando
de que o museu possui de articular seu edifí- o cargo até 2009, e o MAP passa por mudan-
cio, sua história, a arte contemporânea e suas ças substanciais na ocupação de seus espaços,
atividades (que incluem não só exposições, em sua programação, e na definição de no-
mas a catalogação, conservação e difusão de vas estratégias para a produção, conservação
seu acervo, projetos educativos variados, a e exposição da arte32. Em sua administração
manutenção de sua biblioteca e seu centro de são criados os projetos Arte Contemporânea e
documentação, etc.), afastando a crítica infun- Bolsa Pampulha, com a colaboração sucessiva
dada de que “o edifício não possui espaços dos curadores Adriano Pedrosa, Rodrigo Mou-
adequados para exposição” e demonstrando ra e Marconi Drummond, que esteve no mu-
que as atividades ali desenvolvidas possuem seu ainda nas administrações de Martim Fran-
um vínculo inegável com o edifício que ocu- cisco (2009-10) e Sergio Reis (2011). Renata
pa, com a comunidade artística em específico Marquez foi a última curadora efetiva do mu-
e com seu público de maneira geral. seu, durante a administração de Tereza Bruzzi
(2012)33.
É preciso também conhecer alguns dos proble-
mas que afetam o funcionamento do museu31. Desde 2013, o Museu de Arte da Pampulha
A biblioteca e o Cedoc possuem espaço e con- não possui um curador efetivo em sua equi-
dições limitadas para o acervo existente e sua pe. Essa ausência vem sendo justificada pelo
ampliação, e encontram-se em área de acesso anúncio do restauro do edifício, que se arrasta
restrito, dentro do setor administrativo. Igual- até hoje. Justificativa nada plausível, uma vez
mente, as reservas técnicas possuem espaço e
que o trabalho desempenhado por um cura-
dor não é momentâneo, mas exige pesquisa
30O itálico faz menção a uma construção de Brandi, quando
e planejamento: ainda que estivesse de por-
trata do espaço em que se insere uma obra, e que não deve
ser tutelado “apenas na restauração, mas pela restauração”
(2005, p. 93).
31Não se trata, aqui, de fazer um levantamento das manifes- 32Um depoimento muito bem humorado sobre o MAP – da
tações patológicas da edificação; tampouco de um relatório transformação do cassino em museu às transformações con-
completo dos problemas e das demandas específicas de cada duzidas por Priscila Freire – foi escrito por Sylvio Podestá: “Da
setor do museu (administração, conservação, educativo, bi- série ‘A’ de Cassino ao Museu de Arte da Pampulha. De Jusce-
blioteca, limpeza, etc.). Os problemas elencados aqui servem lino a Priscila/Nemmer”, indicado nas referências.
como baliza para o exercício a que se propõe o autor, e muitos 33Parte desse recente histórico do museu pode ser encontra-
deles foram tomados do Memorial elaborado pela Horizontes do na dissertação de Fabiola Moulin Mendonça, indicada nas
Arquitetura e Urbanismo. Para a condução satisfatória de um referências. Registro aqui meus agradecimentos à Luciana Bo-
projeto de restauro, um mapeamento completo deverá ser fei- nadio, restauradora do MAP que generosamente dividiu comi-
to junto à equipe do museu. go informações e preciosas leituras sobre seu funcionamento.
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tas fechadas, o MAP, na figura de seu curador, tos que se dobravam nos planos e se multipli-
poderia elaborar exposições em outros locais, cavam pela parede de espelhos, subvertendo
a partir do acervo da instituição, ou mesmo a escala humana e atordoando a racionalida-
participar das decisões e soluções projetuais de do edifício. Rivane Neuenschwander orga-
referentes ao seu projeto de restauro34, articu- nizou no espaço baldes de alumínio que cap-
lando-o a um projeto curatorial de médio ou tavam gotas d’água que caiam do teto. Não
longo prazo. se tratava de uma infiltração qualquer (aliás,
um dos maiores problemas dos edifícios mo-
Em 2010, foi publicado o inventário do acervo dernos e suas lajes planas), a água que caía
do MAP35, um trabalho de fôlego que identifi- era devolvida a outros baldes suspensos, per-
cou e catalogou 1.333 obras de arte. Interessa petuando um ciclo natural, mas também do
notar como muitas das obras foram incorpo- trabalho negociado entre a artista e os funcio-
radas ao acervo do MAP por um processo bas- nários que executavam tal tarefa. Ana Maria
tante comum, que caracteriza a constituição Tavares trouxe um vocabulário urbano para
de muitos acervos em todo o mundo36, a partir dentro do museu, espelhos de segurança, al-
do “prêmio aquisição” ou “doação” atrelado ças de ônibus e vagões de trem, controladores
à participação da obra em exposição no mu- de fluxos e bancos que se fundiam aos pilares
seu. Essas incorporações ao acervo ocorreram do museu. Marilá Dardot extrapolou o espaço
a partir dos salões de arte, realizados dos anos interno do museu dispondo placas de jardim
1960 até 199037, e recentemente a partir dos com citações filosóficas pelo gramado de Bur-
referidos programas Arte Contemporânea e le Marx. Essa pequena amostra, que cobre 10
Bolsa Pampulha. Conclui-se, assim, que a rea- anos de exposições, demonstra a potência da
lização de exposições que fomentem a pro- espacialidade desse museu, sua geometria,
dução contemporânea é fundamental para o seus materiais, seus usos e apropriações, sem
contínuo crescimento (quantitativo e qualitati- paredes, sem danos irreparáveis ao patrimô-
vo) de seu acervo. nio construído e oferecendo ao público de Belo
Horizonte a possibilidade de ter experiências
Vale lembrar que muitas obras comissiona- estéticas diversas e de alta qualidade.
das ao longo desses anos tomaram o próprio
histórico da Pampulha, incluindo o cassino, Todas essas exposições (e muitas outras), ade-
como ponto de partida: Laura Belém evocou mais, renderam importantes incorporações de
as roletas dos jogos e a travessia entre o Cas- obras ao acervo do MAP e demonstram, por si,
sino e a casa de Baile; Sara Ramo valeu-se que o edifício do Museu de Arte da Pampulha
de seu mobiliário, Débora Bolsoni de seus de- possui condições satisfatórias para a exibição
talhes construtivos e Alan Fontes da Casa Ku- de obras de arte.
bitscheck, entre tantas outras citações. Outras
obras estabeleceram uma relação direta com Mas não só instalações e esculturas ocuparam
a espacialidade do edifício: José Bento esten- o MAP nos últimos anos. Obras nos mais va-
deu por todo o salão principal uma plataforma riados suportes foram expostas ali – desenhos,
movediça de madeira. Sua obra era o próprio gravuras, fotografias, pinturas, vídeos, perfor-
espaço do edifício, e o próprio corpo do públi- mances, livros, documentos, etc. Se demanda-
co, era a apreensão daquela espacialidade al- ram a construção de suportes para exibição,
terada pelo acaso e pelo susto de uma pisada não se fez disso um problema: a concepção
inconsistente. Regina Silveira valeu-se da caixi- de estruturas para exposição, permanentes ou
lharia e teto para dispor seus gigantescos inse- efêmeras, é uma constante no universo dos mu-
seus. Algumas soluções são mais satisfatórias
35A publicação Inventário – Museu de Arte da Pampulha. Belo que outras, tanto em relação à obra exposta
Horizonte: MAP, 2010, bem como outras publicações do MAP quanto em relação ao espaço que ocupa, mas
podem ser acessadas em http://www.bhfazcultura.pbh.gov. esse julgamento deve recair sobre as escolhas
br/biblioteca-virtual. do arquiteto responsável, e não sobre o edifí-
36No caso brasileiro, exemplo significativo desse processo foi
cio. No caso do MAP, não se pode condenar a
a constituição do acervo do MAM SP, que por sua vez deu
origem ao acervo do MAC USP, a partir dos prêmios de aqui-
ocasional obstrução visual dos espaços uma
sição das Bienais de São Paulo (inicialmente organizadas pelo vez que isso é feito para atingir a finalidade es-
MAM). O MAC USP possui um dos mais relevantes acervos de pecífica do museu: exibir arte. O que se deve,
arte do país, e em parte isso se deve a essa política de aquisi-
ção. Cf.: LOURENÇO, Maria Cecilia França. Museus acolhem
entretanto, é estar atento a estratégias que mi-
o moderno. São Paulo: Edusp, 1999. tiguem o prejuízo da apreensão espacial ou
37Para melhor conhecimento dos Salões de Arte, conferir a dis- de diferentes tomadas de vista, seja do interior
sertação de Rodrigo Vivas Andrade, indicada nas referências. para o exterior, seja do exterior para o interior

76
do edifício. A disposição de painéis que não mente, articulando-as à produção artística e
conformem salas fechadas, o afastamento dos ao acervo do museu.
painéis da caixilharia possibilitando a circu-
lação, e a preferência por instalá-los no me- No caso dos pilotis, ao invés de um novo fe-
zanino e não no salão de entrada do museu, chamento, por que não dispor da área livre
seriam medidas simples, diretrizes gerais que para o comissionamento de obras de arte que
permitem maleabilidade nas respostas e que caracterizassem um espaço cerrado? Exemplos
combinadas com soluções específicas resulta- exitosos de comissionamento de construções
riam em projetos expográficos adequados38. efêmeras vinculadas a projetos curatoriais são
Na história das exposições muitos exemplos os da Serpentine Gallery40, em Londres, ou do
são encontrados, e nunca será demais fazer Metropolitan Museum41, em Nova Iorque. A
menção à pioneira colaboração de Lina Bo composição de novas espacialidades é tema
Bardi39, que tem ganhado cada vez prestígio dos mais caros à arte nos séculos XX e XXI42,
com a recente retomada de seu projeto expo- e basta lembrar da Merzbau de Kurt Schwitters
gráfico para a pinacoteca do MASP, em São ou dos penetráveis de Hélio Oiticica. Dos ar-
Paulo: um espaço sem paredes, com caixilha- tistas vivos, poderiam ser citados Dan Graham
ria de vidro do piso ao teto e que exibe um dos e seus pavilhões em vidro, Henrique Oliveira e
melhores acervos de arte da América Latina. sua manipulação de matéria orgânica, Lucia
Koch com seus cobogós e cortinas, Nuno Sou-
Fato é que o MASP foi construído para abrigar za Vieira e seus caixilhos desconstruídos; entre
um museu, enquanto o edifício do MAP, origi- tantos outros. Completado um ciclo de expo-
nalmente projetado como cassino, teve seu uso sição/ocupação, tais estruturas poderiam ser
adaptado. Mas essa também é uma constante transferidas para diferentes ambientes, praças
no universo dos museus: a Pinacoteca do Es- ou escolas públicas, enriquecendo e tornando
tado de São Paulo e o Museu Lasar Segall, em acessível a outros públicos o patrimônio artís-
São Paulo; o Museu de Arte do Rio e o Instituto tico da cidade.
Moreira Salles, no Rio de Janeiro; o Museu de
Arte Moderna, em Salvador; o Museu D’Orsay, No caso da biblioteca e do Cedoc, indepen-
em Paris; a Tate Modern, em Londres; o MoMA dente da área que ocupem e de sua magni-
PS1, em Nova Iorque, para citar apenas al- tude, seu uso pelo público poderia estar mais
guns exemplos de nova ocupação (às vezes atrelado à sua ativação que à sua conforma-
mais, às vezes menos satisfatória, deve-se fri- ção espacial. Isso já foi feito, por exemplo, por
sar) de edifícios cujos usos pretéritos foram os Mabe Bethônico, no arquivo Wanda Svevo da
mais variados: casas, escolas, estações ferro- Fundação Bienal de São Paulo, ou por Fernan-
viárias e usinas elétricas. A mudança de uso e do Piola, na biblioteca Lourival Gomes Macha-
as adaptações realizadas, entretanto, devem do do MAC USP. Muitos artistas ocupam-se de
sempre respeitar o patrimônio existente, aten- arquivos não só como fonte de pesquisa docu-
tas aos seus valores estéticos e históricos, inde- mental mas como procedimento de criação, e
pendente de seu tombamento. o MAP não encontraria dificuldades em tê-los
produzindo a partir de e para a sua biblioteca
Proposições em busca de e centro de documentação, transformando-os
novas conclusões também em espaços expositivos.

Conhecido esse breve histórico do museu e, Finalmente, no que diz respeito à área admi-
considerando algumas das indicações do pro- nistrativa, a proposta que segue deve ser en-
jeto de restauro da Horizontes, propõe-se re- carada como estratégia para se pensar me-
pensar e discutir as soluções para a área dos
pilotis, para a área da reserva técnica e para
40Nesse caso, são comissionados arquitetos. Os pavilhões vi-
a área administrativa, comentadas anterior-
sam atender à demanda de uma programação específica da
Serpentine Gallery durante o verão e, ao mesmo tempo, pro-
38Uma análise dos projetos desenvolvidos no MAP e a rela- mover e difundir a produção arquitetônica contemporânea.
41Anualmente, durante o verão, o terraço do MET é ocupado
ção entre curadoria e projeto expográfico pode ser encontra-
da nas dissertações de Fabíola Moulin Mendonça e Marconi por uma instalação artística. Mais uma vez, uma forma de
Drummond Lage, indicadas nas referências. promover e difundir a produção artística contemporânea, e
39Sobre a contribuição de Lina Bo Bardi, cf.: LATORRACA, tirar proveito de um espaço que à priori não é expositivo.
42Para um exame das pesquisas que articulam arte e espaço,
Giancarlo. Maneiras de expor: arquitetura expositiva de Lina
Bo Bardi. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2014 e PE- conferir: D’ALFONSO, Maddalena. Come lo spazio trasforma
DROSA, Adriano (org.) Concreto e Cristal: o acervo do Masp l’arte – come l’arte tranforma lo spazio. Milano: Silvana Edi-
nos cavaletes de Lina Bo Bardi. São Paulo: MASP, 2014. toriale, 2016.
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lhor os reais problemas que o museu enfrenta, projetos de intervenções futuras), a partir da
ainda que pareça inexequível. Se a área antes experiência de seus espaços e de seu acervo.
ocupada pela cozinha do cassino é menos no- Dessa situação adversa e precária poderiam
bre, espaço e materialmente, e não colabora emergir novas ideias, novas recursos, novas
diretamente para a leitura interna do edifício conclusões, que considerassem não uma solu-
(uma vez que é espaço isolado fisicamente e ção idealizada do que se aspira para o museu,
com acesso restrito), por que não alterá-la e mas uma solução ideal, radicada em sua com-
utilizá-la como área expositiva? Se fosse par- plexa realidade.
cialmente esvaziada, essa área poderia rece-
ber uma segunda pele interna, paredes que Uma das obras de Manfredo Souzaneto que
serviriam para a exposição de obras em su- compõe o acervo do Museu de Arte da Pam-
portes tradicionais. Tais paredes poderiam ser pulha é Olhe bem as montanhas (da série
afastada da fenestração, criando um corredor Réquiem para a Serra do Curral), criada em
de serviço para instalação de equipamentos 1980. Trata-se de um cartão postal que, a
(ar condicionado, desumidificador, etc.) e que cada exposição, é reproduzido e disponibili-
ainda colaboraria para amenizar a condução zado ao público – uma forma de circulação
do calor externo. Tal mudança resultaria numa bastante empregada por artistas contempo-
considerável área expositiva com controle de râneos, desde os anos 1960, mormente em
luz, umidade e temperatura (pelo menos 30 tempos de cerceamento político e de liberdade
metros lineares de parede, o que não é pou- de expressão. A arte contemporânea vem bus-
co para um “museu sem paredes”), acessível cando novas estratégias para ser produzida,
(considerando a conexão em rampa do térreo exibida e fruída pelo público. Deve-se estar
a esse piso), e que ainda tornaria a área da atento aos procedimentos aos quais se subme-
biblioteca/Cedoc visível ao público. Ainda que te o patrimônio construído: de documentação,
não fosse de todo ideal, poderia ser uma sala de projeto e de uso, como discutidos aqui. Não
adequada aos padrões vigentes de conser- se trata de recusar as contribuições seculares
vação e, mais importante, dentro do museu, no campo do restauro, pelo contrário, trata-se
criando condições razoáveis para a exposição de assimilá-las e interpretá-las para os novos
das pinturas de Alberto da Veiga Guignard, problemas que se apresentam hoje. Olhe bem
Maria Helena Andrés e Rodrigo Andrade, ou o Museu de Arte da Pampulha.
das gravuras de Mary Vieira, Oswaldo Goeldi
e Renina Katz, ou das fotografias de Luiz Braga, Agradecimentos
Roberto Bethônico e Rosangela Rennó, enfim,
para obras do acervo cujos suportes são mais O autor agradece à Coordenação de Aper-
sensíveis e que exigem maior controle ambien- feiçoamento de Pessoal de Nível Superior
tal. O departamento administrativo do museu (Capes) pela concessão de bolsa de doutorado.
poderia ser acomodado, provisoriamente, no
mezanino do museu, que ainda poderia ter
parte de sua área aberta à circulação do pú- Referências
blico. Seria uma oportunidade para que seus
funcionários e o público pudessem experimen- ANDRADE, Rodrigo Vivas. Os Salões Municipais de Be-
tar novas maneiras de assimilar os espaços do las Artes e a Emergência da Arte Contemporânea em
Belo Horizonte. 1960-1969. Tese de doutorado. Campi-
edifício e, também, de tornar público e visível nas: Unicamp, 2008.
o trabalho constante e ininterrupto do museu,
mesmo quando sem exposições. Inventário – Museu de Arte da Pampulha. Belo Horizon-
te: MAP, 2010.
Essa proposta não deve ser tomada como so-
lução permanente, trata-se de uma especula- MENESES, Ulpiano Bezerra de. “O campo do patrimô-
ção que enseja a compreensão aprofundada nio cultural: uma revisão de premissas”, in SUTTI, We-
desse edifício-museu43, continente e conteúdo, ber (coord). I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural :
por seus funcionários, seu público e pelos res- Sistema Nacional de Patrimônio Cultural : desafios, es-
tratégias e experiências para uma nova gestão, Ouro
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Isso não é um cassino | Projeto | DOCOMOMO

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