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A cad emia Im perial de Belas A r tes no Rio
de Janeiro: rev isão historiográfica e esta­
do da que stão
Sonia Gomes Pereira

Este artigo analisa a recente revisão historiográfica sobre a


Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro e delineia o estado da
questão nas principais instâncias em que a Academia se oferece paro estudo:
como estruturo de ensino, como instituição normalizadoro do campo artístico e
participante do projeto político de construção do imaginário nacional,

Academ ia; e s truturo de ensI no: imaginório nacional.

É notório o interesse que vem despertando o interesse de pesquisadores, curadores,


o estudo do século 19 nas duas últimas editores e público para o assunto.' Acredito,
décadas, tanto no plano internacional no entanto, que um avanço mais palpável
quanto no nacional. Não cabe aqui estender­ nessa questão deverá resultar de uma
se muito sobre as razões dessa retomada: abordagem voltada para monografias
basta para o momento colocá-Ia na explorando estudos de caso, sem a
perspectiva da compreensão de que a pretensão, por enquanto, de generalizações.
historiografia de boa parte do século 20 Há muito a ser pesquisado e a ser retirado
interpretou o século anterior a partir do daquele "limbo" homogeneizador do passado.
modernismo, valorizando aquilo que servia
Um dos assuntos privilegiados nessa recente
como marcos de origem e evolução das
reavalização crítica da arte brasileira do
futuras vanguardas e relegando todo o resto
século 19 tem sido o interesse de reestudar
a um "pacote" comodamente etiquetado
a academia - no caso do Rio de Janeiro, a
como acadêmico. Escapar a esse
Academia Imperial de Belas Artes - nas várias
enclausuramento e analisar sua produção de
instâncias em que ela se oferece a estudo:
um ponto de vista diferenciado - esse tem
como estrutura de ensino propriamente
sido o interesse crítico de vários historiadores
dita; como instituição normalizadora do
recentes. Predomina nessa nova posição o
campo artístico, pela organização das
entendimento de que o século 19 enfrentou
exposições gerais e pela concessão de
a urgência da modernização, sem fazer
prêmios; e como instituição participante de
tabulo raso da tradição. Assim, seus embates
um projeto político mais amplo de
são ainda atuais para nossos problemas em
construção da nação - por meio de uma
plena pós-modernidade.
produção induzida temática e formalmente.
No caso da arte brasileira - com exceção
Aqui mesmo, na pós-graduação da Escola
dos estudos urbanos e da atual paixão
de Belas Artes da UFRJ, temos desenvolvido
editorial pela iconografia da cidade
esses estudos, que se concretizaram em
oitocentista - esses estudos têm tido ainda
algumas frentes de trabalho: um projeto
pouca visibilidade. Aqueceram-se
envolvendo o Museu D. João VI. o seminário
recentemente com a realização de grandes
exposições e seus respectivos catálogos ­ EBA 180, a publicação de seus Anais 2 ­
iniciativas importantes, que certamente além da rotina natural de dissertações e
trarão dividendos, no sentido de despertar teses de nossos alunos e de pesquisas de
alguns professores]

A RTIG o • 5 o N IA G o M E5 P EREI RA 73
a/e R E V 1ST A Do P Ro G RA M A DE P oS - G R A D U A ç A o EM A RT ES V I SUA I S E BA UFRJ 2 o 01

o qu e tem sido dito nesses trabalhos) década, que muito enriqueceu a leitura do
Qual tem sido a tônica de abordagem? funci o namento da Academ ia B O papel dos
Qua is os pontos novos q ue podem ser diretores Fé li x- Émil e Taunay e Manu e l de
f
incor porados a essa nova historiografia?
Q ue pontos aind a permanecem na sombra)
Araújo Po rto -Alegre na for mul ação dessa
política tem sido destacado. Apesa r de
I
Neste artigo, farei o esforço de tentar antagônicos, os do is ex pressa ram desejos
responder a essas perguntas - o u pelo quase sim ilares em re lação à Academia:
menos di sc ut ir alg uns dos temas que co nso lidar seu prestígio co mo instância
considero mais importantes -, separando cons ultiva e decisória para as questões
essas reavaliações da Academia em artísticas, a lçar o arti sta ao status de
basicamente três grupos: a análise de sua intelectu al e co nstr uir uma arte brasilei ra de
produção artística, se u papel como padrão inte rnac io nal. Onde estaria, e ntão, a
instituição cu ltura l e se u desempenho raiz de suas di vergências) Alfredo Galvão já
pedagógico. procurava entender esse confl ito:
Do ponto de vista da prod ução vinculada à
Não é fácil descobrir-se a cau sa inicial da
Acade mia,4 a pintura tem mere cido mais antipatia entre Porto-Alegre e Félix- Émile
aten ção - sobretudo a pintura histórica e , Taunay. É prováve l, todavia, que tenha sido a
num a escala bem men o r, o retrato -, em amizade e a proteção que deram os
geral re lacionando-a ao pro jeto de imperadores D. Pedro I e D. Pedro /I ao
construção da nação durante o Impér io. primeiro. Talvez Taunay tivesse algum
Nesse co ntexto, tem sido enfatizada a candidato para a cadeira de Pintura
articul ação entre nacionalismo e Histôrica(...) Certamente, as idéias inovadoras
que Porto-Alegre trouxe da Europa teriam
romanti smo, o que significa um grande
sido uma das causas da campanha promovida
avanço em relação à atitude típica da pelos colegas conservadores e acomodados a
historiografia ante rior. que lam entavel mente uma vida estática na Academia(.. .) Porto­
ident ifi cava academicismo apenas ao Alegre, pelos seus atos, por suas palavras e
neoclassicismo, desconhecendo o processo atitudes, foi um homem de grande elevação
de acad e mização de todos o s de mais estilos moral e extrema austeridade(. .. )
do séc ul o 19.5 Na pintura de paisage m e de 'Seus inimigos em geral, principalmente os
mestres franceses da Missão de 1816 , eram
natureza-m orta, até re centem ente as
também da maior dignidade e saber, de
atenções ficavam co ncentradas em torno de
modo que só uma sincera e completa
dois focos básicos de inte resse: o Gru po divergência de pontos de vista os levaria aos
Grimm, t o mado como ruptura pela prática extremos a que chegaram . 9
da pintura ao ar livre, e a produção paralela
dos viajantes. Nestes últim os anos, esse Mais do qu e luta pelo po der, diferenciação
campo começa a ser ampliado, explo ra ndo de ge ração ou divergência quanto aos
outros artistas - como Agostinho José da métodos de ensino, a "sincera e comp leta
Mot a, Estévão da Sil va, José dos Reis divergência" pa rece se r de ordem ideológica
Carvalho, Zeferino da Costa -, eviden ciando não só em re lação à interpretação da
a preocupação com a práti ca fora do ate liê, nac ionalidade, mas tamb ém nas co ncepções
antes mesmo da interferência do Grim m, a est éticas - aspecto que merece ser mais
relação entre rep resentação artísti ca e dese nvolvido por um apro fun damento no
registro científico e a própria co nstru ção do universo intelectual de cada um deles,
conce ito de paisagem no séc ul o 19 6 mapeand o não apenas suas posições
Comparada à pintura, a prod ução so bre ideológi cas mais gerais, mas também e
escultu ra é bem menor. em geral so bretud o q uestões estéticas específicas. 10
destacando seu caráter ideológico? Outro po nto ai nda sombreado na história
Na perspectiva da instituição, há uma da instituiçã o diz respeito aos diretores que
compreen são mais clara do papel da se seguiram a Porto-Al egre: Tomás Gomes
Acade mi a na const rução do im aginário dos Sant os e Antôn io Nico lau To lentino não
nacional - abordagem re corre nte na última faziam parte do corpo docente da

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que se alte rna m ava li ações laudatórias e
depreciativas. Pesquisas mais recentes t êm­
se conce ntrado na aná lise nos regimentos e
em dados paralel os - como o número de
alunos mat ricu lados em cada um dos
cursos; a concessão de med alhas e
so bretud o prê mi os de viagem; a
partic ip ação nas e xposições gerais. Grosso
modo evide nciam a deficiência do ensino,
mesmo dep ois d a Reforma Pedreira, de
1855, e atribuem sua causa à sucessão de
crises que a Academ ia enfrento u ao longo
de todo o sécul o 19: dificuldades de
recursos para contrat ação de professo res,
para aq uisição do material de apoio às
aul as, para a manuten ção da regula ridade
d os prêmios de viage m e das e xposições
gerais; dificuldades de es paço, dada a
exigüidade do préd io da Academia; e
dificuldades com o nível dos alunos, a
Academia, e Ernesto Gomes Morei ra Maia, ma io ria pobre e com po uca inst rução. 14
apesar de t er sido professor de desenho, era
Realme nte a hist ória da Academia foi
engenheiro de formação. Por que a direção
sempre atrope lada por toda sorte de
da Academia, depoi s dos anos 50, passou a
obst áculos , tanto externos quanto internos,
ser entregue a não-artistas? Uma explicação
que mina ram grande part e dos esforços de
nos é dada po r Gonzaga Duq ue:
reforma surgidos em seu interior. As críticas
negativas cont emporâneas partem não
Há muitos anos (...) a malquerença, a
ap enas dos est ranh os a ela, como a ac ima
intriga(.. .) apareceram nas coisas da
Academia. De então para diante aqueles citada de Gonzaga Duque, co mo também
males não mais cessaram de influir na vida de se us pró prios alunos e professores. É o
administrativa do instituto. E em 1857, o mesmo Gon zaga Duque que nos fala do
governo imperial (.. .) resolveu cortar o mal descontentamento dos alunos:
pela raiz afastando da sua direção os
profissionais(.. .).' 2 Em fins de 1887 o descontentamento la vrara
pela maioria dos estudantes da Imperial
Apesar de ser uma explicação possível, nã o
Academia. Mas este descontentamento
deixa de ser si ntomática do esvaziamento provinha mais diretamente da organização
político da instituição. Se dos anos 30 aos obso leta do que, propriamente, das su as
50 os art istas podiam interferir na po lítica nugas e quizilias, a que estavam acostumados
cu ltural - por inte rmédio de figuras do todos os artistas daquele tempo.I S
prestígio de Félix Taunay e Porto-Alegre -,
Vários professores da Academia criti cavam a
a partir dos anos 60 os artistas de maior
instituição ou se us métodos de ensino.
ren ome parecem confinad os a se u próp rio
trabalho, como Vict o r Meirelles, ou Bethencourt da Silva, professor de
arquitetu ra de 1858 a 1888, demonst ra
co nstantemente vo ltados para a can-ei ra
plen a co nsciência das limitações da
no exterior, como Pedro Amé rico, e os
fazedores de opinião, então, são Academia para atender a um projeto
preferencialm e nte os médicos e os modernizado r de integração entre art e e
in dústria, q uando decide fundar o Lice u de
engen heiros.' 3
Artes e O fícios, em 1858. '6 Também
Em relação ao ensino, o est udo da Zeferino da Cost a, professor honorário, que
Academia esteve semp re mergulhado na dirigiu interinamente várias disciplinas ­
radi calização da histo ri ografia ant erior; e m

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a/e REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS - GRAD UA ÇÃO EM ARTES VISUAIS EBA • UFRJ 2001

pintura histórica, pintura da paisagem, trabalho manual sofria todo tipo de descrédito
desenho figurado e desenho de modelo vivo social. Bethencourt da Silva, em discurso na
- critica duramente o de spreparo dos Sociedade Propagadora de Belas Artes,
alunos, o método ultrapassado no ensino de menciona claramente esse preconceito:
desenho. a falta de acessó rios para modelos
e cenários. a péssima iluminação e o No exercício de nossa vida social (. ..) há
tamanho reduzido da sala. I ? apenas 4 carreiras a seguir: a das armas, a
da magistratura, a da medicina e a dos
Assim. as críticas contemporâneas e as empregos públicos (. ..)a mocidade que não
pesqui sas mais recentes evidenciam as conseguia entrar em uma dessas quatro
dificuldades da Academia - financeiras, classes pereceria a inanição, que lhe
administrativas e pedagógicas. Gostaria. no preparava uma pobreza pouco digna, a
exercer um oficio ou uma arte (...)
entanto. de discutir essas dificuldades num
contexto mais amplo. abordando mais praticados unicamente pelos escravos. 20
detalhadamente três pontos que me Em geral, a entrada na Academia dava-se a
parecem importantes. partir da identificação do talento para
Em primeiro lugar, não se pode de forma desenho, como fica evidente nas inúmeras
nenhuma esperar da Academia os objetivos biografias tradicionais dos artistas - Victor
de uma escola democrática, pensada nos Meirelles e Pedro Américo, por exemplo ­
termos atuais. A Academia, do ponto de justificando até o deslocamento de
vista do ensino, representava uma escola de províncias distantes para a corte.
ensino especial. Não era de ensino médio ­ Uma vez matriculado na Academia, iniciava­
como o Colégio Pedro II -, nem de ensino se um percurso de dificuldades crescentes,
superior - como as faculdades que que são organizadas sob a forma de
começavam a surgir nesse período, em meio concursos a que os alunos deviam
às quais a de Medicina do Rio de Janeiro, apresentar-se e cuja avaliação era
criada em 1832. Apesar de ter hesitado concretizada pela concessão de medalhas e
bastante entre o formato belas artes e o menções. É uma prática muito competitiva,
artes/ofícios, acaba predominando o modelo em que os alunos se encontravam sempre
da Académie e da École des Beaux-Arts de defrontados uns com outros. O objetivo
Paris. '8 Voltava-se, sobretudo, para a evidente é definir o mais talentoso, aquele
identificação de talentos e para seu que vai obter maior número de medalhas
aprimoramento, sob uma visão elitista - no e provavelmente ganhar o prêmio de
sentido de uma concepção de que apenas viagem ao estrangeiro.
alguns teriam talento para prosseguir até os
últimos degraus de um ensino escalonado O ensino em Paris - que foi o modelo
em dificuldades crescentes. adotado internacionalmente no século 19­
também tinha essa estrutura, com algumas
Esse tipo de ensino era democrático na ressalvas. Não era tão fácil entrar na École,
origem: qualquer um podia almejar. No Rio, pois havia um exame de se leção bastante
era relativamente fácil entrar na Academia ­ difícil, mas era relativamente fácil ser
bastava saber ler, escrever e contar. '9 É admitido como aspirante - bastava ser
verdade que num país de escravos e aceito num ateliê particular para iniciar a
analfabetos, isso eliminava uma grande parte preparação para as provas. Logicamente a
da população. Mas por outro lado é notório vida estudantil era muito mais competitiva ­
que no Brasil a opção pela Academia foi com tantos alunos, franceses e estrangeiros
sempre uma escolha das classes mais do mundo todo, incluindo o Brasil. Também
pobres, constituindo mesmo uma em Paris a estrutura de ensino era piramidal.
possibilidade de ascensão social. Raramente excluindo ca ndidatos sucessivamente até
no Brasil os filhos das classes abastadas chegar ao degrau máximo - o Prêmio de
interessaram-se pela Academia, pressionados Roma, concurso anual. de onde saía apenas
pelo bacharelismo. num país em que o um, o primeiro colocad0 21

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Portanto. no RIo. como em Paris. o obJetivo corporativista" -. é como realmente se
da Academia era formar uma elite de passava o aprendizado. A assistênCia às
artistas treinados segundo valores disciplinas teóricas na école não era
considerados os melhores para uma obrigatória e parece ter sido
produção ofiCiaI. Em relação sistematicamente neglicenclada pelos alu nm .
academia/Estado é fundamental tanto na pelo menos na seç~o de arqiJitetura- A
França como no Brasil. enquanto em outros École propriamente dita ficava. aSSim. como
países. como a Inglaterra. o vinculo com o o lugar da realização e lulgamento dos
Estado existe em termos de patrocínio. mas concursos. Com exceção de um breve
não de controle de uma produção oficia!.l' tempo. após a Reforma de 1863. em que
esse sistema foi alte rado, foi assim que
O diploma fOI Introduzido no Brasil em 1831 funcionou durante praticamente todo o
e na França em 1867. mas deve ser relativizada século 19 e boa parte do 20 o ensino
a significação da anterioridade do diploma
artístico francês - só abolido com a reforma
no Brasil. pois na verdade não teve por
da univerSidade francesa. após as
muito tempo nenhuma Impordncia. Me'>mo
manifestações de maiO de 1968. 21
na França. o diploma só foi valorizado quando
equiparado. em 1887. ao Grande PrêmiO de A Academia no Rio logicamente nunca pôde
Roma. eVidenciando o prestigio ma,or do contar com esse sistema paralelo de atehês
sistema tradicional de concursos - o que Independentes. Num campo artístiCO tão
valia mesmo era o percurso do alunoJl reduzido, é ela que vai fornecer também o
ate!,ê. Sabemos que mesmo os artistas
Em segurdo lugar. quando se diz que o consagrados - como Victor Meirelles e
ensino na Academia era f(deo. tomando
Pedro Américo - tinham dificuldades em
como ~ferénCla o modelo francês. é preCISO manter um atehê nos moldes europeus. Ao
ter em mente as diferenças entre os dois
receber encomendas de maior vulto. como
sistemas. de Paris e do Rio.
as pinturas de grardes cenas históricas. por
Em Paris. sabemos que o ensino se exemplo. dirigiam-se à Europa - não apenas
estruturava apoiado em duas partes para estudar quadros com tipologias
autõnomas. mas complementares. A tcole semelhantes. mas também para viabihzar
oferecia apenas as disciplinas teóncas e facilidades de modelos. indumentária entre
administraya os concursos de todas as OUtros. ASSim. a Academia não pode gozar.
disciplinas. A parte prática era toda como em Paris. da diverSidade de ateliês.
desenvolvida em ateliês privados, escolhidos muitas vezes flvalS. A Academia no Rio era
pelos alunos e por eles administrados. e tudo: ministrava o enSino teórico e prátICO,
entregues cada um a um mestre - em geral -organizava e julgava os concursos - tudo
artista de renome. antigo ganhador do concentrado num corpo docente redUZido.
Grande Prêmio de Roma. Era ali que o Não e, a~sim. surpresa sua auto·referência
aluno aprendia a desenhar. pintar. modelar, recorrente. Nem o ambiente de intrigas.
projetar. Ali desenvolvia os projetos a serem iambém a Académie e a tco le em Paris
apresentados nos concursos mensais e nos eram palCO de polêmicas acrrradas -
grandes concursos anuais. A importância questionamento de ~sultados de concursos.
desses ateliês independentes não diminuiu. acusações de proteclonlsmo, entre outros,
nem mesmo quando foram Introduzidos Mas haVia vida anistlca fora desse cirCc./lto e
alguns ateilês oficiais. dentro da École, com a havia ateliês dissidentes . l~
Reforma de 1863. No sistema acadêmico.
Alem diSSO, e preCISO venflcar que a
esta relaçao aluno/ateliê ê fundamental -
Academia no Rio congregava nela mesma as
tanto que o aluno fo i sempre identificado
funções que em Paris estavam divididas em
den tro da ~co le como aluno de um
três insta nclas distintas e complementares.
determinado mestre A vivência do ateliê.
Pois lá. além de a Ecole e os atellês
com o professor e os alunos mais ou mef10S
independentes terem espaços de atuação
adiantados - num ~pfflto 'saudavelmente
claramente definidos. também a École e ii

.o. ~ T I(iO • sow, .o. GOo.1( S '( .('~ .o. 77


a/e REVISTA DO PROGRAMA DE P6S-GR ADUAÇÃ O EM AR TE S V ISUAI S EBA UFRJ • 2001

Académie tinham funçõe s distintas e se apática nessas questões, enquanto reage


hie rarquizadas. Se à École cabia a viru lentamente quanto aos problemas
organização e o julgamento dos concursos técnicos de seus afazeres.
mensais, cabia à Académ ie a organização e o
Se, po rém, a Academia tinha dificuldade de
julgamento do concurso mais importante do
assumir e desenvolve r esse lado teórico
calendário acadêmico - o Grande Prêmio
inerente ao sistema acadêmico de sde sua
de Roma -, além da nom eação dos
origem, ela exerceu na prática o papel de
professores. Cabia, portanto, à Académie o
balizadora de normas de produção e
controle das duas in stâ ncias máximas dessa
avaliação das obras de arte. Isso é
estrutura: o concurso final e a indicação dos
claramente vi sível na concessão dos prêmios
professores responsáveis pelos concursos
nos concursos de viagem ao estrangeiro e
mensais. Na França, esse papel da Académie
nas exposições gerais. É a instância de
foi sempre rigidamente segu ido. Tanto é
consagração de artistas. É também a
assim, que a Reforma de 1863, na ve rdade ,
instância de valorização de estilos e gêneros.
se voltava muito mais a fazer a separação
Mas esse papel normativo da Academia é
entre a École e a Académie - possibilitando
muito mais nitidamente percebido no
o aparecimento de outras opções estéticas,
campo da pintura/escultura do que no da
que não o idealismo classicista - do que
arquitetura. A indu ção de temas
propriamente uma mudança no
preferenciais, no bojo de um projeto
método pedagógic0 26
romântico de construção da nação, foi
No Rio, a Academ ia, além de ter de fazer o plenamente bem-sucedido. Correspondendo
papel da École e dos ateliês independentes, à pintura pompier e em menos escala à
ainda acumulava as funções da Académie. estatuamania, que se generalizam na França
Deveria, assim, fazer a discussão das na segunda metade do século 19 - e no
questões doutrinárias, definindo as normas caso da escultura sob retudo após os anos
estéticas norteadoras da produção da época 70 com a Terceira República -, adquiriu aqui
e de seu julgamento. Quando se lêem os um colorido local, apoiado por literatura e
documentos de Félix Taunay e Porto-Alegre, música análogas. Pensada nessa perspectiva,
evidencia-se que a grande luta dos dois é no a atuação da Academia é admirável. Na
sentido de que a Academia funcione como contramão de uma instituição espremida
uma verdadei ra academia. Que exponha sua entre funções amplas e ambiciosas demais
opinião sobre os assuntos da vida nacional,
que lhe dizem respeito - como as
propostas para monumento s públicos; que
refiita sobre os assuntos de ponta em sua
época e divulgue suas conclusões - esse é,
por exemplo, o esforço de Porto-Alegre
com seus temas para refiexã0 27 Mas esse
talvez seja o objetivo mais dif(cil a ser
alcançado. Porto-Alegre luta com uma
congregação refratária a mudanças,
encolhida em se us nichos particulares,
entregue a uma rotina que parece
inalterável dentro de uma prática auto­
centrada. Porto-Alegre quer o padrão
internacional, isto é, quer trazer as
discussões internacionais e tratá- Ias segundo
a problemática brasileira - ele quer um
nacionalismo que acompanhe o avanço
inte rnacional. Mas a congregação mantém­

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para sua estrutura raquítica; na contramão da palavra disegno, como conceituado pelos
de um país de escravos, em que o trabalho artistas renascentistas: a idéia que preced e a
manual continuava sendo visto como obra 31 É nesse sentid o que Leonardo da
inferior; na contramão de uma persistência Vinci afirmava que a pintura é uma coisa
da tradição colonial de simples afazeres mental. Ela existe como idéia, antes da
técnicos; na contramão de uma e lite que concret ização na tela e tem tudo a ver com
va loriza a poesia e a música, mas admira e a concepção clássica de arte, em sua raiz
consome menos as artes visuais, a Academia platônica, O ensino e o método de trabalho
consegue concretizar essa atuação induzida acadêmicos repousam sobre essa noção
- mais um dos inúmeros projetos de básica, O tre inamento é sempre feito no
atualização e modernização, entre os sentido de primeiro vir à tona esse disegno,
inúmeros que tem os conhecido até hoje 28 Daí o método dos croquis (esquisses),
Já em relação à arquitetura, a situação A título de exemplo, gostaria de examinar
t o rnava-se muito mais complexa, Apesar de com mais atenção o caso dos co ncursos de
algumas obras de vulto, essas iniciativas são arquitetura na École, Vamos pegar os mais
isoladas e não parecem apontar para um sim ples: os conc ursos mensais de emulação,
programa artic ulado de intervenção na O aluno apresentava-se para o concurso,
cidade, Assim, são muitos os projetos recebia o programa e fi cava, em geral. 12
arquitetônicos e urbanísticos que não saem horas numa ce la (foge ), em que desenvolvia
do papel 29 À ausência de um verdadeiro a esquisse, isto é, o esboço com o partido
projeto nacional para a arquitetura, podem que apresentava como solução ao programa
se r somadas a confusão de territórios entre proposto, Entregava esse esboço, tendo o
a Academ ia, a Escola Politécnica e o Liceu cuidado de fazer um a cópia para si, E, e ntão,
de Artes e Ofícios, no que diz respeito ao no ateliê, desenvolvia o projeto, podendo
ensino, e a falta de legislação norteadora da contar com o aconselhamento do mestre e
prática profissional. que permite aqui no dos colegas, mas sem poder se afastar da
Brasil, como na França, que qualquer pessoa solução adotada no esboço inicial. Ao final
se respon sab ilize pela atividade de de em geral quatro meses, entregava
construção, Além daquela com os mestres­ os desenhos - planta, corte e fachada ­
de-obras, mão-de-obra obviamente mais para julgamento,
barata, aparece também na segunda metade
Esse método obrigava os alunos a várias
do séc ulo 19 a competição com arquitetos
atit udes em relação ao trabalho: concentrar­
e engenheiros emigrantes, É um campo de
se no principal, na idéia geral - devendo ser
trabalho muito mais conturbado do que o
capaz de chegar a essa so lução rapidamente
da pintura/escultura, Acredito que seria
- , e deixando o detalhamento para depois,
importante aprofundar a análise da atuação
Representava uma maneira eficiente de
e sobretudo da prática de ensino dos
desenvolver nos alunos a imaginação
professores de arquitetura após Montigny
espacial da composiçã0 32 Como já referi, a
para conhecer mais de perto esses impasses 30
Reforma de 1863, da qual Vio llet-Ie-Duc foi
E finalmente, em terceiro lugar; existe Qutro o principal instigador, não se insurgia contra
aspecto que merece atenção e que não é esse método de ensino e trabalho - tanto,
específiCO da Academia no Rio, mas do que eles se manti veram -, mas sim contra
ensino acadêmico como um todo, Sempre os va lores formais clássicos que
se fala a respeito da importância do predominavam na Académie,
desenho, entendido como desenho
É interessante verifi car que toda a primeira
propriamente dito, aq uele em oposição à
grande geração de arquitetos modernos se
cor, como na quere la e ntre poussinistas e
insurgiu contra os va lores revivalistas do
rubenistas e, depois, entre neoclássicos e
séc ulo 19, mas quase todos foram formados
românticos na França, É claro que se trata
naquela metodologia, em que o disegno se
também desse desenho, mas me parece que
destaca o priori, definindo uma atitude
se refere sobretudo ao desenho no sentido

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ale R E v 1S T A DO P Ro G RA M A DE P o S - G RA D U A ç Ã o EM A RTES V I S UA I S E BA UFRJ 2001

específica em relação ao projeto e à projeto de construção do imaginário nacional. ver:


Bittencour1. José Neves. Espelho da "nossa" história:
composição]) Acredito que seria também imaginário, pintura histórica e reprodução no século
interessante analisar essa relação entre esse X IX brasileiro. In Tempo Brasileiro 87- Memória e
método de ensino e de trabalho centrado História. Rio de Janeiro, out/dez, 1986: 58-78. Para a
no disegno e o desenvolvimento da pintura pintura de retratos, ver: Cadorin. Mônica de
A lmeida. A pintura de retratos de Victor Meirelles.
e escultura do início da modernidade. Rio de janeiro: EBA/UFRJ. 1998 (dissertação de
mestrado) .
Todas essas considerações, apesar de
circunscritas a questões trazidas pela revisão 6 Sobre a paisagem no século 19. ver a coletânea:
Salgueiro. Heliana A ngotti. coord. Paisagem e arte ­
historiográfica da instituição academia e do
a invençõo da natureza. a evolução do olhar. São
método acadêmico de ensino, não deixa m Paulo: Comitê Brasilei,-o de História da A rte, 2000
de ser instigantes para as discussões atuais (conferências e comunicações do I Colóquio
sobre a formação do artista e do arquiteto. Internacional de História da Arte. setembro/ I 999); e
o cat álogo: Paisagem carioca. Rio de Janeiro: Museu
de Arte Moderna, 2000. Quanto aos métodos de
Sonia Gomes Pereira é professora titu lar da Escola de Belas
Artes I UFRJ. Fez o mestrado em História da Arte na
ensino para a pintura de paisagem, o Estatuto de
Umversldade de Pe nnsylvania em Philadelphia, o doutorado em 183 I já recomendava o trabalho direto da natureza.
Comunicação e Cultura na UFRJ e pós-doutorado no Seria necessário aprofundar como esse ensino se
Laboratoire de Rech erche sur le Patrimolne / CNRS em Paris. dava na prática. Seg undo Alfredo Galvão. os
professores da disCiplina pintura de paisagem. nores
e animais na Academia foram: Nicholas-Antoine
Notas Taunay (de 181 6 a 1821), Félix-Émile Taunay (de
1824 a 1851). Augusto Müller (de 1851 a 1860).
I Os catálogos das exposições são: O Brasil redescoberto.
Agostinho José da Motta (de 1860 a 1878; durante
Rio de Janei,-o: Paço Imperial, 1999; Mostra do
redescobrimento - arte do sécu lo XIX. São Paulo: sua doença, em 1878, foi interino Victor Melrelles).
Associação Brasil 500 anos artes visuais. 2000. João Zeferino da Costa (interino de 1878 a
julho/ I 88 I ). Leo ncio da Costa Vieira (de julho a
2 O projeto integrado I 80 anos da Escola de Belas setembro/ I 881 ). Zefenno da Costa (interino de
Artes. apoiado pelo CNPq, desenvolveu-se no setembro/ I 881 a 1882). George Grimm (de 1882 a
Museu D. João VI/EBAlU FRJ. de agosto/ I 995 a 1884) . Victo r Meirelles (interino em 1884). Zeferino
julho/ I 999. e realizou o invent ário dos acervos da Costa (interino em 1885). Rodolfo A moedo (de
museológico e arquivístico (referentes às antigas 1889 a 1890). Antônio Parreiras (em 1890). Ver
Academia Imperial de Belas Artes e Escola Nacional Galvão, Alfredo. Subsídios para a históna da Academia
de Belas Artes) - parte desse inventário foi Imperial. Rio de Janeiro: ENBA/UB, 1954: 47-5 1.
publicada em: Museu D. joõo VI - Católogo do acervo Cybele Fernandes detalha o período 1887-1888 de
de artes visuais. Rio de janeiro: EBA/U FRJ. 1996. O Zeferino da Costa. em que esse reclama das
seminário 180 anos da Escola de Belas Artes. péssimas condições de trabalho: entre outras coisas.
apoiado pelo CNPq e pela Capes. realizou-se em da iluminação inconve niente da sala de aula e da
novembro/I 996 - as conferências e comunicações
falta de recursos para o deslocamento dos alunos
foram publicadas em: Pereira. Sonia Gomes. coord.
para a pintura ao natural (Fernandes. C V.N .. op. cit.:
Anais do seminório EBA 180. Rio de Janeiro: Pós­
183-187 e 193-195).
Graduação da Escola de Belas Artes, 1997.
7 Sobre a relação entre ideologia e escultura, ver: Weisz,
J Com relação ao ensino acadêmico, ver: Uzeda. Helena Suely de Godoy. Estatuária e ideologia: monumentos
Cunha de O ensino de arquitetura no contexto da comemorativos de Rodolpho Bernardelli. Rio de
Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janei ro: janeiro: EBA/UFRj. 1996 (dissertação de mestrado).
1816- 1889. Rio de janeiro: EBAlUFRJ . 2000 Também Fernandes, C.V.N., op. cit.. especialmente a
(dissertação de mestrado); Fernandes, Cybele Vida l parte referente a Estótua eqüestre de D. Pedro I,
Neto. Os caminhos da arte. O ensino artístico na projeto de joão Maximiniano Mafra e execução de
Academia Imperial das Belas Artes - 1850 / 1890. Louis Rochet. e a Alegoria ao Império Brasile/Co. de
Rio de Janei,-o: IFCS/UF Rj. 200 I (te se de Francisco Chaves Pinheiro: 2 18-220 e 308 -312.
doutorado).
• Sobre o projeto de história nacional do Império ver:
, Ao longo deste artigo tratarei a Academia Imperial de Guimarães. Manoel Luís Salgado. Nação e ci vilização
Belas Artes no R,o de Janeiro simpl esmente de nos trópicos: o Instituto Histórico e GeográfiCO
Academia. Brasileiro e o projeto de uma história nacional. In
Estudos históricos: caminhos da historiografia. São
5 Sobre a pintura histórica e o romantismo acadêmico ­
Paulo:Vértice, 1988; Santos, Afonso Carlos Marques
não apenas na temática. mas também formalment e
dos. A Academia Imperial de Belas Artes e o projeto
-.ver: Sá. Ivan Coelho. A academização da pintura
civilizatório do Império. In Pereira, S.G. (coord.). op.
romântica no Brasil e sua ligação com O
cit.: 127-146.
pompierismo francês: o caso de Pedro Américo. Rio
de janeiro: EBA/UFRJ, 1995 (dissertação de , Galvão. Alfredo. Manuel de Araújo Porto-Alegre: sua
mestrado). Para a relação entre pintura hist órica e o innuência na Academia Imperia l das Belas Artes e

80
no meio artístico do Rio de jane iro. In Revisto do professor de desenho geométnco e indJstria l de
Património Histórico e Artislico Nacional, n° 14, 1959: 1854 a 1888 e oc upou a direção inte rina da
116. Academia entre 1871 e 1874, durante o pel"iodo de
doença de Tomás Gomes dos Santos. É também
10 Sobre as administrações de Félix Taunay e Porto­ relevante destacar a importância do cargo de
Alegre, ver Fernandes, C.V.N .. op. cit.: 68 -1 17, que secretário, que tem - da mesma forma como
enfatiza as divergências entre Félix Taunay e Porto­ aco ntecia na França - funções import antes na
Alegre e evidencia a semelhança de seus projetos Academ ia: preferenc ialment e é um professor,
para a Academia. Ver também Uzeda, H.C .. op. cit.: assessora o diretor eM ~odos OS assunt os de
94-105, que destaca sobretudo a ligação de PO I"tO­ inte resse acadêmico, (l, ;da da biblioteca. da
Alegre com O romantismo, a panir da experiência pinacoteca e das exposições (Ver Estatuto de 1855:
na rev ista Ni terói, com o poet a Gonça lves de artigos 100. 10 1 e 102). A part ir de 1854 , na vaga
Magalhães. Sobre o pensamento de Port o-Alegre do arquiteto Antô nio Bat ista da Roc ha. esse cargo
em relação à paisagem e os impasses de sua fo i oc upado por Joâo i"iaximiano Mafra - que tinha
Interpretação de nacio nalismo, ver: Squeff, LetíCia sido aluno da Academia e se to rnou professor
Coelho. Fundando a paisagem nac ional: o urbano e subst;tuto de pint ura "istó ria em 185 I . passando a
o selvagem no pensamento de Ara újo Port o"Alegre. professor de desenho ce ornatos de 1856 a 1890.
In Salgueiro, H.A, op. C/t.: 273-279. Nos Inúmeros Muito ligado a Port o-Alegre, Mafra desempenhou
con nitos da Academia, é comum o entrecruzam ento papel importante, incluindo a administ ração dos
de disputas pessoais e discordâncias estéticas, connitos int ernos, como revela Duque Estl"ada: "A
dificultando sua le itura. No episódio famoso da índole pacífica e afetiva do Sr. Maximlano Mafra,
suspensão do pensionato do escultor Alm eida ReiS prestimoso e por vários serviços beneménto
- a partir da recusa pela Academia de seus envios secretário da Academia encarregava-se de remed iar
em 1867 e 1868 - a questão doutrinária mistura-se os danos causados pelas intl"lgas, despeitos e invejas,
com a competição e a briga pelos espaços q ue ali reinavam" (Gonzaza Duque Est rada, L., op.
profissionais: Almeida Reis indispusera-se com seu Clt: 2 17)
antigo professor FranCISCO Chaves Pinhe iro, t it ular da
disciplina escultura de 1850 a 1884. 11 Gonzaga Duque Estrada. L.. op. cit.: 2 16.

II Até então, os diretores da Academia t inham sido I) Sobre a hegemonia Intelect ual dos e nge nhelCos e
artistas: o pintor Henrique José da Silva, de 1820 a médicos na segunda metade do século 19 , ver:
1834; o pintor Félix-Émile Taunay, de 1834 a 185 I; o Pereira, Sonia Gomes. A reforma urbano de Pereira
arquiteto job justino de Alcântara Barros, Interino Possas e a construçôo da identidade carioca. Rio de
de 185 I a 1854; o pintor e arquitet o Ma nue l de jane iro: Pós-graduação da EBNU FRj, 1998, 2' ed.:
AraÚJO Porto-Alegre, de 1854 a 1857. Depois de 107 - 129 e 139-14 3. Para alguns professores da
1857 até a reforma com a República, os direto res Academia, o cargo era apenas um emprego que,
são:Tomás Gomes dos Santos, de 1857 a 1874; apesar de mal remunerado, deveria ser útil. dada sua
Antônio Nicolau Tolent ino, de 1874 a 1888: e estabilidade . É bastante possível que o tot al
Ernesto Gomes Moreira Maia, de 1888 a 1889. De descompromisso de Pedro América em relação à
Tomás Gomes dos Sant os sabe-se que era professor Academia - quase não dá aulas, devido às inúmeras
de clínic a e higiene na Faculdade de Medicina, e longas licenças para viagens ou por doença - se
deputado prOVincial e geral, vice-presidente em enquadre nesse caso. Veja-se seu pedido de
exercício da Província do Rio de janeiro, diretor da transferência da disciplina de desenho para a de
In strução Primária da Corte, conselheiro do histÓria. estét ica e antigüidades em maiol 1869: "O
Império; recebeu vár ias condecorações e e nSino de Desenho, tal como oferece a Acade mia
conSiderado homem de prestígio (Morales de los das Be las Artes, exige que o professor lecione
Rios Filho, Ado lpho. O ensino anístico.subsídio para durante três a cinco horas pai" dia, a moços tão
a sua história - um capítulo 1816-1889. In: AnaiS do pouco instruídos, que ignoram até os termos
Terceiro Congresso de História Nacional. RIO de vulgares com que se designam as diversas part es
janeiro: IH GB, 1942: 160; Galvão, A, op.cie.. 15). O e lementares de uma figura humana. Nestas
conselheiro Antônio Nlcolau Tolentino é descrito cIrcunstâncias o traba lho de ensinal- é sobl"emodo
por Gonzaque Duque: "...gênio bondoso, conciliador fast idi oso e pesado, poucas horas bastam para
e o t rato delicadíssimo... " (Go nzaga Duque E~trada, cansar o espíl"ito e tomá- lo incapaz de e nceta r
Luiz. Contemporâneos: pintores € escultores. Rio de composições que I-eque."m medit ação e sossego:
janeiro: Benedito de Souza, 1929: 2 16). Exist e uma quanto mais três horas de lição, e às vezes cinco por
biografia escrita por seu bIsneto, AntÔniO Cândido dia (...) A Academia das Belas Artes tem por fim
de Mello e Souza, que deverá ser publicada pela fo rmar artistas, e não paralisar-lhes a inspiração e
editora O uro sobre Azul. com o t ítulo Um absorver-lhes o tempo em que podena m executar
(uncionório da monarquia - estudo sobre o segundo trabalhos ar tísticos para il ustrar o país. Mas além de
escalôo. Homem de origem modesta, galgou sozinh o não poder exercer o pincei, o professor de
a pirâmide soc ial no Império: "um burocrat a impel-ial Desenho é mais mal pago do que qualquer opel-árlo
que saiu do nada e chegou a posições elevadas, hábil. porque, traba lhando todos os dias da semana
capitalizando o esforço pal"a conquIStar apoios e de três a cinco horas, apenas ganha 126$000 réis
praticamente reivindicando o mél"ito" (O tesouro mensais, o que tra z-lhe de contínuo presente a idéia
familiar de Antônio Cândido,Jornal do de miséria, a mais ass ustadora de quantas anigem o
Brasil/Caderno B, 20/5/200 I. I). O engenheiro artista no Brasil, Em semelh antes circunstâ nCias a
Ernesto Gomes Moreira Maia, apesa r de não-artista, falta de tempo acarreta dificu ldades insuperáveis, e
t inha uma longa ligação com a Acade mia: foi priva o país de ter obras de arte de algum valor, e o

ARTIGO SONIA GOM E S PERE IR A 81


a/e REVISTA DO PROGR AMA DE PÓS·GRADUAÇÃO EM A RTE S VIS U A I S EB A UFRJ 2001

profi ssional de produzir tanto quanto poderia fazer to dos os annos nomeado s dous exami nadore s pelo
em melhores conjunturas. Prevendo uma vida Director da Academia . que os presiderá. e com e ll es
infrutuosa e est éril. o suplicante requ er que lhe seja votará" .
conced ida a cadeira de História. estética e
Antigüidades (... l". (Arq uivo Nacional. Série 20 Bethe nco urt da Silva. Francisco. O 8razil ArtístICo. tomo
Edu cação - Cultura e Belas Artes. Códice IE7 92. I, nov.l1856: 38 - seção de ob ras raras da Biblioteca
Sessão DAS: doc. 284 e 286; citado por Fernandes. Nacional - PR-SOR2794( I) 1857-58; citado por
C.V.N.. op. cit.: 203-204 ). Também Rodolfo Amoedo. Uzeda. H.C, op. cit.: 207.
t endo assumido a cadeira de pintura de paisagem 21 Para o sistema de ensino na École em Paris, ver:
e m o utubro/l889. pede dispensa em maio/1890. Egbert. Do nald Drew. The 8eaux-Arts trodw on in
declarando que "o cargo não lhe convinha mais" French architecture. New je rsey: Pn nceton Universit y
(Fernandes. CV.N" op. cito . 187). Press. 1980; C hafee. Richard . The teachi ng of
14 Segu ndo Fernandes. C.V.N" op. cit.: I 18-247. os alunos architect ure at the tcole des Beaux-Arts. In Drexler.
Arthur (ed.). The architecture of the École des 8eaux­
não t êm base; a maioria é pobre: poucos concluem
Arts. New Yo rk: Museum of Modern Art, 1977;
e menos ainda chegam ao prêmio de viagem; os
Laurent. jeanne . À propos de l'École des 8eaux-Arts.
pensionistas. mal pre parados. têm dificuldades de
Paris: École Nat io nale Su pé rieure des Beaux-Arts.
adaptar-se ao ensino na Itália e na França. tendo.
1987; Segré. Monoque. L'École des 8eaux-Ans: XIXe.­
port anto. pouco ap roveitame nt o; o retorno do
XXe. siecles. Paris: Harmattan. 1998. Em quase todo
investImento do prêmiO de viagem é discreto, pois
~ século 19. para ser registrado como aspirante na
poucos se tornam professores o u se destacam na
Ecole, a única exigê ncia era a apresentação de do is
Vida artística; o prédio era deficiente. mesmo de pois
documentos: uma carta de recome ndação de um
das obras de acré scimo; dentro deste quadro geral.
artista. ge ralmente mestre em um ateliê part icular. e
o curso de p intu ra apresenta melhores resultados:
a comprovação de idade . po is tinha-se de ter entre
mais alunos. mais professores, maiS prêmios de
15 e 30 anos. A título de comparação. o exame de
viagem e maior part icipação na s exposições gerais;
admissão na seção de Arquitetura na Éco le constava
nos cursos de escult ura e arq uitetura, estes
de provas escr itas e orais de mat emátic a. geometria
resultado s são bem mais modestos e os seus
descriti va. história (depo is de 1864). desenho
professores não eram, como vários de pintura,
(depois de 1867) e projet o arquitetônico (C hafee.
aperfeiçoados na Eu ro pa". Ver també m Uzeda. H.C..
R.. op. ci1.: 82).
op. cic.: 52-254: "trabalhando apenas com a seção de
arquitetu ra, também en fati za a deficiência do ensino, 22 Apesar de a Engl ish Royal Academy. fund ada em 1768.
mas contrapõe a qualid ade da obra de vários seguir o sistema fra ncês em termos doutr inános,
arq uitetos saídos da Academia. atri buindo -a à dife rencia-se muito em termos de relacionamento
implantação do ensino sistematizado de maneira co m o Estado (Egbe rt. O.. op. ci1.: 52).
geral. e ao sistema acadêmico em particular.
especialm ente ao seu método com posit ivo. que irá. 23 Em Paris. o dip loma. introduzi do em 1867. envolvia a
aprovação em um concurso anual específico
inclusive, influenciar a pn meira geração de
arquiteto s modernos. (Egbert. O.. op. cit.: 66; C hafee. R.. op. cit.: 88 e 105).
N o Rio. o Estatuto de 1831. no artigo 6. afirmava:
IS Gon zaga Duque Estrada. L . op. cic.: 217. "(. ..) os alumnos (...) das differentes app licações.
serão obrigados a apresentar no fim do 5° anno,
16 Para a biografia de Bethencourt da Si lva e sua para conseguirem seus res pectivos diplo mas.
pre ocupação com a educação. es pecialmente certidão de haverem frequentado as li ções de
propi ciando o desenvolvimento da indústria, ver : optica na aula de physica da Academia Militar(.,,)". O
Baltar. Francisca Maria Teresa dos Re is. As esco las próprio Porto-Alegre refere-se à inutilidade do
construídas pelo arquiteto Bethencourt da Si lva. Rio diplo ma. afirmando que o aluno da Academia
de jane iro EBAlU FRj . 1998 (dissertação de te rminava o curso "(. ..) desenga nado. quando no fim
mestrado). de sete Ou mais anos e com um dipl oma que nada
significa alé m do tempo material que aqui passou
17 Ve r Galvão. Alfredo. João Zeferino do Costa. Rio de
janeiro. s/ed. 1993: 93. 94 e 97; Fe rnand es. CVN..
('..l". (Porto-Aleg re. MA In LIVro de Atas das Sessões
do Congregação da Academia Imperial de Belas Artes:
op. ci1. : 183-187 e 193- 195.
I 84 I-I 856. p. 562 - Livro 6.678 I Museu D. João
18 Ao longo deste art igo vo v·me referir a essas duas VI/ EBAlUFRj; citado por Uzeda. H. C, op. cit: 142).
institUições francesas como Académie e Écol e. para
l4 Apesa r de a fun dação das acade mi as francesas no
marcar a diferença com a institui ção carioca.
século 17 ter a ver com a política real de restrição
19 O Estatuto de 1831 recomendava no seu capítulo 111. às corporações de o fícios. e las não substitu em
arti go 1°: "A Acade mia estará abert a a todos os to talmente as guildas. uma vez que só ofereciam
jovens de 12 a 18 annos de id ade. que se quizerem ensino teórico , por meio das conferências: o
nella matricular( ... l"; o Estatuto de 1855 criou a t re iname nto prático do aluno cont inuou sendo feito
obrigatoriedade das ciênc ias acessórias, entre as no sistema tradi cional dos oficios, como aprend iz, ou
quais matem át ica aplicada. que devia ser cursado no nos ateliês de artistas (Chafee. R. op. cit.: 62 e 75).
primeiro ano; no seu artigo 39 . aformava que: "Para Assim. desde o século 17, o ensino art íst ico francês
qualquer alumno poder ser ad mittido na aula de estruturou-se sobre estes dois elementos: a teoria
Mat hematicas apllicadas he indispensavel que saiba na Academia e a prática em ateliê privado. Sobre o
ler, escrever e contar as quatro especies de numeros funcionam ento dos ateliês independentes de
inteiros. Para verificar-se esta circuns tancia serão arquitetura. ver: Chafee, R.. op. cit.: 88-9 7.

82
25 Como exemplo de um dos ateliês dissidentes mais lO Fica evidente não se r possível trabalh ar com todos os
famosos, podemos citar o de Henri labrouste. cursos da Academia em conjunto. A arquitetura
Ganhador do Grande Prêmio e pensionista na deve ser analisada separadamente da
Academia de França em Roma, labrouste tem seu pintura/escultura. Como já visto, O curso de pintura
envio sobre a reconstitUição de Pestum em 1829 tem muito mais alunos e mesmo professores, até
criticado pelo secretário da Academia, Quatremere atendendo aos diversos gêneros, como pintura
de Q uincy. De volta a Paris, dirigiu de 1830 a 1856 histórica, pintura de paisagem: houve muito mais
um dos mais in nuentes ate liês - em que a tônica prêmiOS de viagem: a participação nas exposições
era a crítica à Académie. Sua marginalização foi gerais é crescentemente expressiva. já o curso de
evidente: quase não teve acesso às encomendas arquitetura parece muito mais fraco: tem muito
o ficiais, nenhum aluno seu alcançou o prêmio menos alunos e muito menos professores, devendo
má ximo e só foi indicado para membro da o aluno em alguns períodos procurar disci plinas na
Académie em I 867, com 66 anos. Ve r Egbert. O., op. Academia Militar; ho uve muito menos prêmios de
ôt: 5 1-5 2,58; Chafee, R" op. ci!.: 97-99). viagem; e a participação nas e xpoSições gerais é
reduzidíssima. Os professores de arquitetura foram.
26 Do ponto de vista estritamente pedagógico, a Reforma Grandjean de Montigny ( 1816-1850); job justino de
de 1863 introduziu algumas novas disciplinas, Alcântara ( 1850-1 858); Francisco Bethencourt da
incluindo história da arte e estética, diminuiu o Si lva (1858- 1888). Sobretudo no caso de Bethencourt,
limite de idade má xima para admissão e concursos é no mínimo estranho que ele critique a Academia ­
de 30 para 25 anos e criou alguns ateliês internos, tanto que decide fundar o liceu - e, no entanto, é
sem extinguir os externos. O sistema de ensino, no ele o professor de arquitetura por 30 anos '
entanto, continua basicamente o mesmo: estrutura 31 Ao longo deste artigo usarei a palavra disegno para
escalonada com concursos mensais e anuais, em que designar desenh o nesse sentido específico.
o aluno progredia individualmente: não houve
também mudança na forma dos concursos e nos 32 Egbert destaca muito a positividade desse método das
tipos de premiação. A mudança mais profunda da esqUlsses, e eu concordo inteiramente com ele
Reforma de 1863 foi a separação da École da (Egbert. O" op. cit.: 17).Van Zanten e Orexler
Académie: um Conselho de Ensino passava a dirigir destacam o método compositivo - montado sobre
os concursos do Prêmio de Roma e a indicar os eixos perpendiculares, que tornavam os espaços
professores. Motivo de enorme reação em todas as internos muito mais nexíveis às necessidades
instâncias - em meio a membros da Académie. funcionais do século 19 (O rexler. Arthur. Engineer's
professores e alunos da École -. quase todas as suas architecture: trut h and its consequences. In Orexler.
medidas acabaram revogadas. após a renúncia de A (ed.). op. cit.: 13-60;Van Zanten. David.
seu idealizador. Vio llet- Ie-Ouc: e le ocupou a cadeira Archteictural compoSltion at the Éco le des Beaux­
de história da arte e estética de novembroll 863 a Arts from Charles Percier to Charles Garnier. In
março/l864. sendo substituído por Hippo lyte Taine, Orexler, A (ed.), op. ci1.: I I 1- 324).
que lecionou até 1883,Ver Egbert, O" op. ci1.: 63-67;
Chafee, R" op. ci!.: 97-105. )) "A importância da Escola de Belas Artes francesa na
produção arquitetônica do século XIX dispensa
27 São os 30 temas que Porto-Alegre propõe à comentários. Sua innuência sobre a gênese da
Congregação da Academia para debate na sessão de arquitetura moderna é reconhecida já há bastante
27/9/1855 - paradigmáticos de suas concepções tempo (Banham, Rowe,Colquhoun)" (Comas, Carlos
estéticas e preocupações nacionais. e cujo estudo Eduardo. Teoria acadêmica, arquitetura moderna e
merece ser aprofundado. Ver Galvão, A( 1959). op. corolário brasileiro. In revista Góveo n. I I, abri1/1994.
cie: 56-61. PU C/Rj: 181-193). Orexler. remetendo a Émile
Kauffmann (Von ledoux bis le Corbusier, 1933),
28 Tem sido recorrente no Brasil ao longo dos séculos 19 identifica o sistema de composição desenvolvido
e 20 a metodologia de lançar mão de projetos de pela escola francesa como sendo esse elemento
atualização, que arranquem o país de suas comum essencial. no qual formas geométricas se
estrutura s arcaicas e o alcem à tão sonhada encaixam como blocos, que, superpostos, criam
modernização. Embora eles em geral não consigam espaços simétricos e comunicantes com zonas de
atingir ple name nte esse objetivo maior, acabam circulação: uma solução capaz de adaptar-se às maiS
introduzindo mudanças significativas nesse contexto. variadas possibilidades de dema ndas arquitetônicas
Um e xe mplo perfeito é a reforma Pe reira Passos (O rexler. A , op. cit.: 27-28). Além da composição.
(ver Pereira. S.G" op. ci1.: 205-226). Esse método de acredito que deva ser destacado o fato de que e m
"empurrar o pais ladeira acima" tem cri ado uma ambas e xiste o priori um disegno , antenado a um
sit uação que parece surrealista: o Brasil muda . mas conjunto de valores formais considerados superio res
não muda - situação percebida de forma cada vez - que são os valores da beleza cláSSICa de um lado
mais do lorosa nesta passagem do século 20 para o 21 . e a "boa forma" de outro.
" Em relação à cidade, o Segundo Reinado tentou
sempre a via liberal. fazendo concessões à in iciativa
privada. Ver Pereira, S.G., op. cit.: 84-143. É ve rdade
que o imperador troca uma estátua sua por escolas
públicas (ver Baltar, F.M.T.R" op. cit.: I 13-120): são
exemplos notáveis, mas ainda constituem, na minha
opinião. casos de investimentos pontuai s.

ARTIGO 5 O N I A G O M E5 PER EI RA 83

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