Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
R O B ER T O P O N T U A L
Este livro l¡ga-se intim am ente á exposipao A rte Agora lil / América Latina: Geometría Sensível,
que o JO RNAL DO BRASIL, a empresa Light e o Museu de A rte Moderna do Rio de Janeiro
decidiram realizar entre junho e julho de 1978, na continuidade de um ciclo de mostras que se
vem desdobrando, no museu em causa e sob o mesmo patrocinio, desde 1976.
A primeira das A rte Agora cuidou de levantar um panorama da jovem criapao plástica brasileira, a
partir de obras de 75 artistas surgidos e /o u afirmados no país do final dos anos 60 até aquela
data. Para conservar-lhe memória, preparou-se um catálogo no form ato tablóide, em papel de jo r
nal, bem mais inform ativo do que interpretativo. A A rte Agora II, em 1977, agrupou no M A M 12
conhecidos artistas do Brasil — pintores, desenhistas, gravadores e escultores de regióes, ge-
rapóes e tendencias m uito distintas, mas todos identificados com o que fo i a idéia-mestra do
evento: urna Visao da Terra, proposta de amostragem e debate envolvendo urna possível definipao
de arte brasileira. Em term os de profundidade e prolongam ento, já se conseguía, entao, ir além da
pura exibipao de obras, amparando-as didaticam ente através de mesas-redondas e do lanpamento
do livro Visao da Terra, com longas análises sobre o trabalho de cada um dos 12 artistas ali re
presentados.
O alcance internacional da terceira A rte Agora — esta de 1978 — tornou indispensável cercá-la
dos mesmos ou de maiores cuidados didáticos. Disto, o livro presente é o testem unho mais
¡mediato. Ele nao só reflete e, em parte, registra a presenpa das 200 e poucas obras com ponentes
da mostra, com o, sobretudo, procura ampliar, clarificar e aprofundar os seus objetivos e signifi
cados. Procura dar-lhe urna espinha dorsal, a garantía de permanéncia da idéia básica com o fo co
de conhecimento e discussao.
Tratemos primeiro, portanto, do que vem a ser a mostra A rte Agora III / América Latina: Geo
metría Sensível. Na sua origem , estao dados gerais e outros mais particulares. Dentro e fora do
nosso continente, cresce a olhos vistos o interesse em torno da arte produzida por artistas da
e/ou na América Latina. Fenómeno aínda nao avaliado a fundo em todas as suas motivapoes e
implicapóes, inclusive as extra-estéticas, a verdade é que especialmente de 1975 para cá se
acumulam as provas de acelerapao da tendencia. Em fins do ano referido, houve o duplo simpósio
sobre arte e literatura atuais na Am érica Latina, prom ovido pela Universidade do Texas, em Aus-
tin. Em 1977, a Bienal de París, sempre pouco propensa a abrir-se para áreas além do eixo Eu-
ropa/EUA, abrigou um conjunto expressivo de obras oriundas de latino-americanos. E 1978 já nos
ofereceu urna segunda Reuniao Interamericana de Diretores de Museus de A rte, na cidade me
xicana de Oaxaca, antecedendo a Arte Agora III, a I Bienal Ibero-Americana de Pintura do M é
xico, o I Encontró Ibero-Am ericano de Críticos de A rte e Artistas Plásticos, em Caracas, e a mos-
7
tra inaugural da série latino-americana da Bienal de S io Paulo volt h
Magia. Um leque de eventos suficientemente comprobatório do interesa?
crescente. 8 Para
e que 0 'tema
ai está Rr,f , ¡tos 06
er>voivente
0 ponto de partida para a definipao de propósitos da A rte Agora III surgiu quando Angel Kalen-
berg diretor do Museu Nacional de Artes Plásticas de M ontevidéu, me acenou, em meados de
1977, com a possibilidade de apresentar no Brasil a retrospectiva do período construtivista (1928-
1944) de Joaquín Torres García, por ele organizada em 1975 para o Museu de Arte Moderna da
Cidade de Paris. A oferta era atraente, por m uitos m otivos — antes de mais nada, pelo quase
total desconhecimento que ainda mantemos, no Brasil, em relapao ao pensamiento e á obra desse
importantíssimo pintor e teórico uruguaio, morto em 1949 aos 75 anos de idade. Trazendo cerca
de 60 pinturas, diversas délas de grandes dimensóes, e urna série de pequeños objetos em ma-
deira incisa e pintada, de Torres García, estaríamos ao menos comepando a corrigir grave lacuna
no nosso panorama plástico contemporáneo. E, também , a propiciar novos elos para o melhor en
tendimiento da manifesta vocapáo construtiva, aqui e no resto da Am érica Latina.
Aceita a proposta e confirmada a sua viabilidade, pense! desde logo que ela ganharia dinamismo
se enriquecida com peculiaridades do m om ento que estamos vivendo. A visáo da sala especial
latino-americana na Bienal de Paris e da mostra do Projeto Construtivo Brasileiro na Arte -
1950/1962, em Sao Paulo e no Rio, mais ou menos á mesma época do contato inicial com Ka-
lenberg, convenceu-me da oportunidade de colocar, num único recinto, dois núcleos distintos,
mas naturalmente interligados: no primeiro, as obras construtivo-sim bólicas de Torres García, urna
das matrizes fundamentáis do interesse pelo rigor e a disciplina na arte deste continente; no
segundo, um conjunto qualificado da produpao recente de artistas latino-americanos vivos, todos
concentrados na preocupapáo por um trabalho precisamente construido. O objetivo era estabelecer
urna ponte do comepo do século até a atualidade.
haviam°urS| deHineditisrno, umar vezaquer osS^a' f P° nte f01 geom etria senslvel - nem sequer com
minha p a íé ^ f? 6m diferentes circu^stáncias n r é ti^ 96^ ^ 05 Damián Bayón e Aldo Pellegrini já o
pinturas3 despnhnr° pÓ" ° ' a9 °ra' com” arren¡mImS?A ^ UniCa desej ada novidade n0 seu us0' de
cobre os p x riJ ^ °S,_.escu,turas e objetos n lia tador de um complexo de aproximadamente 200
sível tanto a arn1?8 de Um Per¡odo de 50 anos pXecu9 ^°' de Torres García aos jovens de hoje,
° 8 amP,lttJde quanto a precisSo E' também' de conferir á idéia de geometria sen-
Se na pintura e nos objetos de Joaquín Torres García ainda se tem como perceber sernos ai
gum residuo de referénc.a ao m undo concreto - af,nal, para ele o caráter simbólico s e g u T p á ^ o
a passo a exigencia de c o n s tru y o - nos trabalhos dos 26 artistas latino-americanos W ¿2
aceitaram o convite para participar da A rte Agora I I, o abandono de qualquer apoio ñas form a!
nrévlas da realidade exterior á obra, se nao é absolutam ente radical em todos eles, constituí a !
menos urna das primeiras e mais firm es constantes a aproxim á-los. É o que nos provam as Din
turas, desenhos, esculturas, objetos e ambientes dos mexicanos Vicente Rojo e Enrique Carbaial
Sebastian; dos venezuelanos Alejandro Otero e Jesús Rafael Soto; dos colombianos Edgar Negret
Omar Rayo, Carlos Rojas e Ana Mercedes Hoyos; do peruano Orlando Condeso; dos uruguaios
Washington Barcala e Nelson Ramos; dos argentinos Marcelo Bonevardi, Mercedes Esteves e Jac-
ques Bedel; e dos brasileiros A lfredo V olpi, Mira Schendel, Am ílcar de Castro, Arcangelo lanelli
Rubem Valentim, Eduardo Sued, A vatar Moraes, A ntonio Dias, Adriano d'Aquino, Paulo Roberto
Leal, Ronaldo do Regó M acedo e W ilson Alves — alguns residindo há mais ou menos tempo fora
de seus países de origem . Para que a escolha nao se processasse a frió, na distáncia, contatei-os
diretamente nao só em viagens pelo Brasil, com o (com a única excepao de Soto, trocando corres
pondencia) durante circuito que fiz de New York a Buenos Aires, no inicio deste ano. Cada um
dos artistas citados participa da mostra com trabalhos recentes, na maioria dos casos em número
de cinco; quando reproduzidos no livro, a legenda desses trabalhos vem acrescida de um asteris-
É certo que a selegao dos artistas poderia ser outra, e maior ou menor, dependendo de quem a
fizesse. Mas aqueles que agora a compóem (tres dos originalmente convidados nao puderam
aceitar a convocagao) nela se incluem sob a dupla justificativa da qualidade da obra e de sua
mútua compatibilidade, numa mostra que almeja sobretudo tornar orgánica — isto é, ao mesmo
tempo articulada e flexível — a apresentagao de um tema específico.
O livro, enfim , vai além dos lim ites da pura amostragem das obras. Na sua primeira parte, reúne
sete estudos especialmente preparados para ele, cobrindo desde urna visao geral da vocapao cons-
trutiva na arte da América Latina e da presenga pioneira da obra de Joaquín Torres García, neste
sentido, até o levantam ento do ponto de partida geométrico (e, aquí, nao apenas o sensíveD na
criagao plástica do Brasil, do M éxico, da Venezuela, da Colombia e da Argentina de hoje. Pelos
textos em causa, responsabllizaram-se os críticos Frederico Moráis (1936), autor, entre outros, do
livro Artes Plásticas / A Crise da Hora A tu a l (Rio, 1975); Angel Kalenberg (1936), diretor do
Museu Nacional de Artes Plásticas de M ontevidéu; Jorge Alberto Manrique (1936), diretor do Ins
tituto de Investigagoes Estéticas da Universidade Nacional Autónom a do México; Marta Traba
(1930), argentina hoje em Caracas, de quem tivemos langada há pouco no Brasil a edigao em por
tugués de seu Dos Décadas Vulnerables en las A rtes Plásticas Latinoamericanas (México, 1973);
Eduardo Serrano (1939), curador do Museu de A rte Moderna de Bogotá e de quem o último livro
editado foi Un Lustro Visual (Bogotá, 1976), de ensaios sobre a arte contemporánea colombiana; e
Damián Bayón (1915), outro argentino que deixou o seu país e reside atualmente em París, autor
de vários livros, entre os quais A ventura Plástica de Hispanoamérica (México, 1974). Coube a
mim elaborar o estudo a respeito da disposigao construtiva ou construtivista na arte brasileira,
desde o inicio do século.
A parte final do livro compoe-se, de material inform ativo, em texto e imagem, sobre os artistas
que aceitaram incluir-se na mostra A rte Agora III / América Latina: Geometría Sensível. A eles
pediu-se um depoimento inédito em torno do sentido que observam no desenvolvimento de seu
trabalho; quando disto nao se pode dispor (o que ocorreu em menos de um terpo dos casos),
foram utilizados textos anteriores, dos próprios artistas ou daquelesque melhor os focalizaram.
Para a edigao do presente volume fo i de fundam ental im portáncia a adesáo do colecionador Gil
berto Chateaubriand, que a ele se dispós a acrescentar sua cháncela editorial. Lembre-se ainaa,
para concluir, p colaboragao prazerosamente dada ao projeto da mostra e do livro P °r °
vasta lista de pessoas e entidades sem as quais o corpo de idéias e de obras que agora g
ao público nao teria ido além da capacidade de imaginar e da vontade de realizar.
9
Dos frutos colhidos comeráo os povoadores
que hao de vir. Teráo assim natureza igual á da
sua comida. Nunca teráo outra Morreráo no
día em que cheguem a té-la distinta.
FREDERICO MORAIS
0 exame das manifestagóes construtivas na arte é importante notar as afinidades entre a produgáo
latino-americana deve ser feito, simultáneamente, neoconcretista brasileira e as diferentes manifes-
á luz de diferentes enfoques. Existem razóes his tagóes construtivas russas.
tóricas, socioculturais, psicológicas e até mesmo
políticas e económicas. Como nagóes dependen Os bichos de Lygia Clark (1920), as estruturas-cor
tes, de desenvolvimento subsidiário e ancilar, im de Hélio Oiticica (1937), certas obras de Aluísio
portamos, em épocas diferentes, teorjas de arte Carváo (1918) e a pintura de Décio Vieira (1922),
construtiva. Em nosso continente, sao as cha tém muito que ver com os contra-relevos óelaXWn,
madas sociedades abertas, de desenvolvimento com os quadros suprematistas de Malevitch —
exógeno, as que manifestaram maior interesse pela aliás, homenageado por Oiticica com um dos seus
arte construtiva européia. Países onde é menor a bólidos. Por sua vez, Gyuia Kosice e Rod Rothfuss,
presenga da cultura pré-colombiana ou mesmo do do grupo Madí, na Argentina, ao negarem a mol
barroco. Porém, se até pouco tempo a arte cons dura e, conseqüentemente, o espago represen
trutiva estava restrita a Buenos Aires, Montevidéu, tativo, também se aproximaram de Tatlin e Rod-
Caracas e a Rio/Sao Paulo, hoje o geometrismo é chenko, que Dora Vallier e Míchel Seuphorapon-
urna das tendéncias dominantes no México e na tam como os pioneiros dos móbiles e das escul
Colombia. turas sem pedestal.
Entretanto, creio ser possível caracterizar nossa
vontade construtiva como algo mais profundo e Contudo, alguns artistas, como o brasileiro Sérgio
anterior á própria existencia do construtivismo em de Camargo (1930) e o argentino Leopoldo Torres-
alguns países europeus. O fato de que nao tí- Agüero (1924), já assinalaram possíveis afinidades
nhamos um espago próprio, codificado, onde nos entre nossa concepggo de espago e a dos artistas
mover e agir — ou melhor, urna cultura definida, orientáis. O primeiro fala do espago árabe, que
como a européia — nos levou a assimilar, antes repercutiría no Brasil via península ibérica; o se
mesmo da Franga, por exemplo, o purismo de Le gundo, do espago extremo-oriental, chegando á
t-orbusier e Ozenfant, a didática da Bauhaus, o América Latina pelo Pacífico e disseminando-se a
construtivism0 e o suprematismo russos, o con- partir da Cordilheira dos Andes. A receptividade
tlsmo de Max Bill. Em urna sociedade como a que Le Corbusier encontrou quando aquí esteve,
a, onde tudo está por fazer, por construir, a ar- em 1929, da parte de nossos melhores arquitetos, é
_' e9rar)d° um esforgo de definigao de um reveladora desta disposigáo ou vontade para a or-
ti(J ri° nacioHale/o u continental, adquire o sen- dem. É dele, como se sabe, o risco original do
rnnct 6 ~r9an'za$a° do real, de transformagao e edificio do Ministério da Educagáo e Cultura, no
rugao de urna nova sociedade. Neste sentido, Rio de Janeiro, cuja construgáo data de 1939 —
13
aínda hoje urna das obras mestras de nossa ar-
quítetura. Le Corbusier marcaría profundamente a
obra de Oscar Niemeyer (1907), Lúcro Costa (1902)
e outros arquítetos nossos. Pouco antes, aliás,
chegara a Sao Paulo, e aquí permanecería, Gregorí
W archavchík (1896-1972), trazendo para o Brasil o
espirito funcíonalista dos anos 20.
Weber, Marcel Duchamp e também com Ka- ta Sidney Jannis, quando expós a obra do artista
therine Dreier, a qual logo comepou a comprar uruguaio, visitou ¡numeras vezes sua galería, an-
obras suas para a Sociedade Anónima que fu n tecipando-se na explicapao do significado de sua
dara com o criador dos ready-mades naquele mes- obra aos visitantes), Adolf Gotlieb, Mark Rothko e
mo ano. Na Europa, foi amigo de Friedrich Vor- Louise Nevelson.
demberg-Gildewart, Michel Seuphor e Piet Mon-
drian. Decidido a reunir os artistas abstratos, Torres García regressou a Montevidéu em 1934,
apesar da diversidade de estilos, TG conseguiu in- depois de 43 anos de ausencia. Nesse mesmo ano
teressar no seu projeto o crítico Seuphor, que fundou ali a Associación de Arte Construtivo, com
reuniu em sua casa, entre outros importantes ar a intenpao de divulgar suas idéias por toda
tistas europeus, além dos citados, Jean e Sophie América Latina. Entre 1936, ano em que visitou
Taeuber-Arp, Russolo, Vantongerloo e Herbin. Buenos Aires pela primeira vez, e 1943, publicou a
Com eles, fundaría o grupo Cerde et Carré, em revista Círculo e Quadrado, na qual divulgou tex
1930, e seria a sua forpa motriz. Até o nome do tos de sua autoría e de construtivistas europeus.
grupo, diz Susan Bradford, sugere a influencia de
Dois anos depois de seu retorno, terminou o
Torres García. O próprio Seuphor, co-fundador do
M onum ento Cósmico, implantado no Parque
grupo, de acordo com os principios de TG, viu no
Rodó, em Montevidéu e, em 1944 publicou, na
círculo e no quadrado emblemas da totalidade das
coisas. O mundo racional e o mundo sensorial, a Argentina, sua obra síntese, Universalismo Cons
térra e o céu, a geometría de linhas retas e a trutivo. De Montevidéu escreveu para a revista
geometría de linhas curvas, o homem e a mulher, A rturo (1944), de onde saíram as idéias geradoras
Mondrian e Arp. Como desdobramento do Cerde dos grupos Arte Concreto-Invención (1945) e
et Carré, surgida, um ano depois, outro grupo, o Madí (1946), ativos em Buenos Aires. A pintora
Abstraction-Création, tendo á frente Herbin, Van portuguesa María Helena Vieira da Silva, que
tongerloo e Beothy. Bradford, Werner Haftmann sempre esteve ligada á Escola de Paris, enquanto
e Jacqueline Barnitz reconhecem a influéncia de residiu no Brasil manteve contatos permanentes
Torres García sobre Barnett Newmann (este, con- com Torres García e com o grupo da revista Ar-
16
EDUARDO RAMIREZ VILLAMIZAR
Construyo como Nave Espacia/ / metal pintado / 1976
turo. E ela, que desde 1930 compartilhava das própria pintura, o argentino Torres-Agüero fala de
¡déias de TG, aínda que nao as manifestasse em um geometría caliente, Tomasello de urna "c o r
sua pintura, servíu como urna espécie de ponte, mais viva e sensual" em seus relevos, enquanto
pela qual passavam ao Brasil as idéias construtivas Villamizar observa que "dentro de nossa exu
do artista uruguaio. O prestigio de Torres García berancia, meu geometrismo parece frió, árido, eu
no Brasil cresceu sobretudo a partir da Bienal de sei, mas perto de outras geometrías que vao até
Sao Paulo, em 1959, da qual obras suas partici- ao extremo, o meu é quase lírico. Estou próximo
param. Theon Spanudis, crítico e poeta neocon- do romantismo". No cinetismo de Soto emerge
creto, no número de se t./ou t. de 1959 da revista como qualidade principal um lirismo próximo dos
paulista de arte Habitat, analisa A Significapao ritmos naturais; Volpi envolve sua geometría em
Americana e Mundial de Torres García, reco- ritmos aquáticos e aéreos, fazendo a cor navegar
nhecendo sua influencia sobre vários artistas em pinceladas vibráteis sobre a tela; o cinetismo
brasileiros. Ali, Spanudis diz ser ele “ a primeira de Le Pare e seu grupo desdobra-se em happenings
voz original e ¡ndependente das Américas a incor de participaqáo pública; e o neoconcretismo de
porar em sua arte as antigas idéias plásticas das Lygia Clark e Oiticica antecipa o plurisensorialis-
civilizaqoes deste continente". Vários artistas mo que depois seria moeda corrente na body-arte
latino-americanos, em depoimentos talados ou na arte povera. A crítica latino-americana (Angel
escritos, confirmam terem sido influenciados Kalenberg, Severo Sarduy, Mário Pedrosa, Jorge
pelas idéias de Torres García: Rubem Valentim Alberto Manrique, Juan Acha, entre outros) é
(Brasil), Eduardo Ramirez Villamizar (Colombia), unánime em constatar o caráter orgánico de nossa
Carlos Mérida (México), Fernando de Szyszlo arte construtiva. Urna geometría que vai além da
(Perú), Roberto Ossaye (Guatemala), entre ou- geometría - "minha arte nao é rigorosa, é feita
tros. com rigor", diz Torres-Agüero. Em um dos vários
ensaios que compóem o livro El Geometrismo
Porém, é importante assinalar, a presenta latino Mexicano (Universidade Nacional Autónoma do
americana na arte internacional tem um sentido México, 1977), Juan Acha diz que "n o cinetismo
Riáis vitalista e orgánico. Referindo-se á sua de todos estes latino-americanos aflora também
17
um lirismo que cabe figurar como t- ■
nosso, já que o registramos em m u i m ^ t e
latino-americanos, é um lirismo estra u arti$tas
jetividade norte-americana, ainda que ai- oh
sibilidade francesa ou italiana", enquant1á SC
rique, no mesmo livro, nota a inexistñ -
México de um geom etrism o puro: o a u a 9 no
ali, é "um geometrismo orgánico, com . existe-
ponente inevitável de vitalidade". Se no B •0rT''
neoconcretos foram buscar em Susanne LaS'' °s
nogao de organism o vivo, reintroduzindiT96^
pressao pessoal e subjetiva como valor e 3 ex‘
dade, contra a ortodoxia concretista um Gi 9Uali‘
Gerzso (México) e um Marcelo Bonévardi (a er
tino residente nos Estados Unidos) estabelp98n'
urna ponte aparentemente inviável entre6CerT1
metria e surrealismo. Seo-
18
SERGIO DE CAMARGO / Relevo 351 i madeira pintada / 50x50x3cm /1971
col. Gilberto Chateaubriand (Rio)
Maldonado e Jorge Romero Brest. O primeiro é se reunir em torno do Grupo Ruptura, em Sao
autor do projeto original da Escola Superior de Paulo (1952), base do concretismo paulista, e do
Desenho Industrial, prevista inicialmente para fun Grupo Frente (1953), base do neoconcretismo
cionar no Museu de Arte Moderna do Rio, mas, carioca. Da repercussao das viagens de Brest por
afinal, inaugurada como entidade autónoma, em diversos países latino-americanos dá conta Fer
1962. E o segundo, que fundara com Emilio nando de Szyszlo (1927) no depoimento que pres-
Petorutti e Lucio Fontana, a Academia Altamira, tou ao crítico peruano Mirko Lauer (Indagación y
em Buenos Aires, durante algum tempo frequen- Collage, Mosca Azul, 1975): "Este nao convenceu
tada por Sérgio de Camargo, e que criou a revista tanto os pintores (creio que neste sentido era
Ver y Estimar, aqui realizou conferencias em 1948 alimento demasiado sofisticado para a juventude
e 1953. Sua passagem pelo Brasil, em 1948, antes artística), mas convenceu o crítico Juan Acha,
da exposipao de Max Bill e da inaugurapao da que, desde entao, retomou a atitude romeriana de
Bienal de Sao Paulo, em 1951, e em seguida, por crítico criador, fomentando através de sua colu-
ocasiáo da mostra dos concretos argentinos, no na em Eí Comércio um grupo de artistas".
Museu de Arte Moderna do Rio, em 1953 — mos
tra que ele apresentou — foi sem dúvida esti Já mencionei a influencia de Torres García no
mulante para os artistas que, pouco depois, iriam continente e poderia falar da presenpa de
20
Grete Stern, fotógrafa da Bauhaus, em Buenos
Aires, em cuja residencia foi realizada a primeira
mostra Madí. No Brasil, além de Le Corbusier,
tivemos a visita, em 1950, de Max Bill, que rea-
lizou exposipáo individual no Museu de Arte de
Sao Paulo. Um ano depois era premiado na I
Bienal de Sao Paulo com sua famosa escultura
Unidade Tripartida. A obra de Bill provocou gran
de impacto em alguns artistas brasileiros, que
depois percorreriam os caminhos construtivos,
dentro e fora do país. Mencionada Franz Weiss-
mann (1914) Mary Vieira (1927) — que se mu
daría para a Suípa, ali unindo-se a Bill, no Grupo
Alianza - e Almir Mavignier (1925), como Mary
até hoje vivendo na Europa, em Hamburgo, na
Alemanha, depois de ter ensinado em Ulm.
24
ABRAHAM PALATNIK / MobiHdade / campos m agnéticos / 40x40x40cm / 1959-72
concretistas ou neoconcretistas nao sao feitas pode ser um instrum ento eficaz de transformagao
alusoes as possíveis implicagóes políticas desses da sociedade, quer construir urna nova realidade,
movimentos, mas esta ausencia nao nos impede inclusive no plano social e político. O artista cons
de localizar em suas propostas urna p re se n ta tru tivo sonha de olhos abertos, quer esculpir o
política ou o desejo utópico de renovar e tra n sfo r fu tu ro no presente. O gesto construtivo é um ges
mar a sociedade. Afinal, dentro da perspectiva da to fu ndador de mundos. Gesto prim eiro, aberto ao
arte construtiva, o fazer artístico deve ser en fu tu ro . Nao se trata, portanto, de copiar ou imitar
carado como um esforgo de ordenagao do caos o existente, o já gasto e, portanto, im perfeito; mas
(qualquer que seja o nome ou a origem que se dé a de inventar, de fazer surgir um m undo novo,
ele). Pretende o artista co n stru tivo transform ar o claro, lim po, transparente, criar, com o diz ainda o
caos em cosmos — "faze r da pedra crista l", mesmo Joao Cabral, " o espago de um m undo de
deseja "o perfil claro e so la r", co m o diz o poeta luz limpa e sadia, portanto, ju s to ".
Joao Cabral de Mello Neto. Entre expressar a crise
ou a construgao, prefere o segundo cam inho, pois
considera mais útil revelar o hom em ñas suas Ora, nao creio que se possa considerar mera coin-
memores possibilidades do que m ostrá-lo fra g cidéncia o aparecimiento dos m ovim entos cons-
mentado e caótico. A arte encarada nao com o tru tivo s argentinos no m om ento em que a Europa
a®ao ° u escapismo, mas com o "u m m odo mais se apresenta destruida pela guerra ou que esses
Taru a 6 se estar no m u n d o ", com o diz G iulio m ovim entos correspondam a urna consciencia
artp Argan a propósito da Bauhaus. O projeto da crescente de nossas possibilidades económicas,
utómrnnSn Ut'V-a ® fundam entalm ente otim ista. E etc. Há um paralelismo de situagoes entre a ex-
• U artista construtivo acredita que a arte pansao das idéias construtivas e o esforgo de
25
"o dos diversos países latino-americanos
un¡f¡ca<?a nnlítico e económico: conferencias do
n0 campo P ) r .q de j anejro ( 1947), Bogotá
Méx'C° ' ú|' jma resultando na criapao da Or-
(1948), f dQS EStados Americanos. Nao importa
9ani nFA como depois outros projetos vazios - a
se a uc I ara 0 Progresso e a Operapao Pan-
Al¡an?a Y _ n§o alcanparam os resultados
Amer|can submissao ou burocracia, ou se a
desejaa ' |_at¡n0 _Americana de Livre Comércio
A sSa'i r ) também nao cumpriu seus objetivos
(A -micos é certo também que há m uito a
eCDAi decretou a falencia do modelo desen vol-
■ tista o desarrollismo latino-americano, subs-
vim®m anQS so pelos mi/agres económ icos
1 -dos na crista de profundas modificapoes
sU£ !° com sensíveis derrotas para a demo-
cracía em nosso continente.
29