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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS DE CRUZEIRO

DIREITO PENAL – I

“TEORIA GERAL DO CRIME – PARTE 01”.

Professor Márcio Godofredo de Alvarenga

Cruzeiro-SP
2012
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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS DE CRUZEIRO – FACIC

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS DE CRUZEIRO

Professor: MÁRCIO GODOFREDO DE ALVARENGA

Disciplina: DIREITO PENAL Termo: 1º

Edição e Revisão: 1 ed. – fev/2011 Curso: DIREITO Departamento: DIREITO

Carga Horária: 60 H/A

Palavras chaves:

CRIME, FATO TÍPICO, CONDUTA, RESULTADO, NEXO CAUSAL, TIPICIDADE, ANTIJURIDICIDADE,


EXCLUDENTES, CULPABILIDADE, DIRIMENTES.

Ementa:

Teoria Geral do Crime

Objetivos Gerais da Disciplina:

 Estudo da Parte Geral do Código Penal (complemento de estudo).

Critérios de Avaliação:

Duas provas oficiais: P1 e P2.

Atividades, Debates e Trabalhos Acadêmicos, todos facultativos, que poderão acrescer pontos à nota das
provas.

Cálculo da média semestral: (P1 + P2)/2 >= 7,0

Frequência mínima de 75% da carga horária da disciplina.

Bibliografia:

BÁSICA
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. V.1. 15ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
______. Tratado de Direito Penal. V.2. 15ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Geral. V. 1. 15 ed.São Paulo: Saraiva, 2011.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. 8 ed. São Paulo: DPJ, 2005.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. V.1. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
______, Código Penal Anotado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V.1. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
______, Código Penal Interpretado. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

COMPLEMENTAR
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000.
ESTEFAM, André. Direto Penal. São Paulo: Saraiva, 2010.
ISHIDA, Válter Kenji. Curso de Direto Penal. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
_______. Código Penal Comentado. 9 ed. São Paulo: RT, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direto Penal. 5 ed. São Paulo: RT, 2009.
_______. Código Penal Comentado. 9 ed. São Paulo: RT, 2009.
DIREITO PENAL – IV – PROFESSOR MÁRCIO GODOFREDO DE ALVARENGA.
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Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 06

1. Conceito de crime.................................................................................................. 08

1.2 O fato típico ........................................................................................................ 09

1.2.1 Conduta ............................................................................................................ 10

1.2.1.1 Consciência ................................................................................................... 18

1.2.1.2 Vontade ......................................................................................................... 18

1.2.1.3 Finalidade ...................................................................................................... 21

1.2.1.4 Exteriorização do pensamento ...................................................................... 22

1.2.1.5 Elemento Subjetivo do Tipo........................................................................... 23

1.2.2 Resultado ......................................................................................................... 28

1.2.3 Nexo causal...................................................................................................... 29

1.2.4 Tipicidade ......................................................................................................... 35

2. Antijuridicidade ...................................................................................................... 36

2.2 Causas Excludentes ............................................................................................37

2.2.1 Estado de necessidade ....................................................................................38

2.2.2 Estrito cumprimento do dever legal .................................................................. 40

2.2.3 Exercício regular de direito ............................................................................... 40

2.2.4 Legítima defesa ................................................................................................41

2.2.4.1 Agressão atual ou iminente e injusta.............................................................42

2.2.4.2 Defesa de um Direito próprio ou alheio .........................................................43

2.2.4.3 Uso moderado dos meios necessários ..........................................................43

2.2.4.4 Inevitabilidade da agressão ........................................................................... 44

2.2.4.5 Questões relativas à legítima defesa.............................................................44

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3. Objetos do crime ................................................................................................... 45

4. Crime consumado ................................................................................................. 46

5. Tentativa................................................................................................................ 47

5.1 Aplicação da pena na tentativa ........................................................................... 48

5.2 Inadmissibilidade da tentativa ............................................................................. 49

6. Desistência voluntária e arrependimento eficáz ....................................................49

7. Arrependimento posterior ......................................................................................50

8. Crime impossível ................................................................................................... 52

9. Culpabilidade......................................................................................................... 53

9.1 Elementos da Culpabilidade ................................................................................ 55

9.1.1 Imputabilidade .................................................................................................. 56

9.1.2 Potencial consciência da ilicitude ..................................................................... 58

9.1.3 Exigibilidade de conduta diversa ...................................................................... 59

9.2 Causas que excluem a culpabilidade (dirimentes) .............................................. 60

9.2.1 Doença mental, desenvolvimento mental incompleto e retardado ...................61

9.2.1.1 Doença mental e embriaguez decorrente de vício ........................................ 62

9.2.2 Menoridade ...................................................................................................... 63

9.2.3 Coação moral irresistível .................................................................................. 63

9.2.4 Obediência hierárquica.....................................................................................64

9.2.5 Embriaguez ...................................................................................................... 65

9.2.5.1 Embriaguez acidental ....................................................................................65

9.2.5.2 Embriaguez voluntária ou culposa................................................................. 66

9.2.5.3 Actio libera in causa (ações livres nas causas) ............................................. 66

9.2.5.4. Embriaguez Patológica................................................................................. 67

9.2.5.5 Fases da embriaguez ....................................................................................67

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9.2.6 Erro de proibição escusável ............................................................................ 68

9.2.7 Descriminantes putativas ................................................................................. 69

9.2.8 Inexigibilidade de conduta diversa.................................................................... 70

9.2.9 Estado de necessidade exculpante .................................................................. 71

9.2.10 Excesso exculpante........................................................................................75

9.2.11 Excesso acidental...........................................................................................76

9.2.12 Outras causas supralegais de exclusão da culpabilidade ..............................76

9.3 Emoção e Paixão ................................................................................................78

ANEXO – I - Quadro didático representando o conceito analítico de crime ............. 80

ANEXO – II – Teorias da Conduta: ........................................................................... 81

ANEXO – III (Obediência hierárquica – quadro comparativo) ................................... 82

ANEXO – IV (Culpabilidade – esquema prático) .......................................................83

ANEXO – V (Embriaguez – esquema prático)...........................................................85

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INTRODUÇÃO
Inicialmente, deve ser consignado que apesar do esforço que fazemos em
retirarar das obras os conceito necessários ao estudo dos temas por nós estudados,
insistimos em lembrar aos nobres e valorosos colegas de que a leitura constante da
Doutrina se faz extremamente necessária neste fase de vossas vidas acadêmicas,
ocasião em que lembrando-nos da brilhante citação feita pelo célebre doutrinador
Damásio Evangelista de Jesus, na apresentação do livro “A paixão no banco dos
réus”, de autoria da Dra. Luiza Nagib Eluf (procuradora de justiça do Ministério
Público de São Paulo, especializada na área criminal):

“A História, ensinava Cícero, “é testemunha do passado, luz da


verdade, vida da memória, mestra da vida e anunciadora dos
tempos antigos”. Cervantes, certa vez, a qualificou como a mãe
da verdade, êmula do tempo, depositária das ações, testemunha
do passado, exemplo e anúncio do presente, advertência para o
futuro”1

Isto posto, reiteramos a importância da cultura geral para o profissional do


Direito, sobretudo, no que se refere ao estudo da origem de sua ferramenta de
trabalho (a lei), ou seja, é preciso conhecer como surgiram e evoluiram as leis que
hoje regulam a sociedade, pois, assim procedendo, poderemos verificar o quanto
corremos o risco de, motivados pela pressão popular, muitas vezes impulsionada
pelo senso comum do leigo e da força exercida pela mídia, igualmente leiga, de
adotarmos posições já superadas e comprovadamente danosas a evolução da
sociedade e da própria humanidade.

Nesta esteira, iniciamos este módulo conhecendo os vários conceitos


analíticos de crime, passando ao estudo da conduta e de suas teorias, momento em
que nos lembraremos dos Fundamentos Históricos do Direito Penal, tema outrora
explorado pelos valorosos Acadêmicos quando cursaram a Disciplina de Direito
Penal I, ocasião em que já demonstravam a grande vocação que possuem pelas
“letras forenses”.

1
ELUF, Luiza Nagib. A Paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002.

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Assim, como o nosso propósito vai além de simplesmente orientá-los, a curto


prazo para as provas bimestrais, bem como a longo prazo prepará-los para o exame
de ordem, nos preocupamos em trabalhar a tão necessária articulação dos
conceitos, visto que o maior desafio do egresso do curso de Direito é desempenhar
sua profissão enquanto operador do Direito, seja seguindo uma carreira pública ou
no exercício da advocacia.

Não obstante, reiteramos que nossa função não vai além de orientá-los, visto
que em verdade, o acadêmico aprende devido à sua dedicação, cabendo o
professor o papel de coadjuvante nesta empreitada, motivando o discente a ouvir
sua vocação, bem como se limitando a oferecer debates, contextualizações e
indicação de obras, momento em que, o próprio personagem principal do processo
ensino-aprendizagem encontra o caminho do conhecimento e faz sua história
particular.

Desta forma, observamos que o sucesso pessoal é feito com o próprio


esforço, razão pela qual, este professor reconhece em seus colegas de estudo,
Doutores e Doutoras, pessoas gabaritadas a vencer os desafios oferecidos pela vida
acadêmica, sendo assim, rendemos as devidas homenagens aqueles que dividem
conosco preciosos momentos, em que deixamos o conforto de nossos lares, bem
como a companhia de nossos familiares para investir em um futuro melhor, muitas
vezes após uma longa jornada de trabalho.

Assim sendo, este que muito os estima, deseja-lhes um bom estudo.

Prof. Márcio Godofredo de Alvarenga.

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1. Conceito de crime

O conceito de crime pode ser observado sob três aspéctos:

Conceito Material: seria crime, de acordo com Nucci (2009, p. 160), a


conduta que ofende um bem juridicamente tutelado (prevista pelo ordenamento
jurídico, sobretudo em lei), merecedora de pena (igualmente cominda, somente por
lei).

Conceito Formal: crime seria a mera subsunção2 da conduta ao tipo legal,


pouco importando o seu conteúdo, não levando em consideração a essência ou
lesividade material (afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana),
constituindo, segundo Nucci (2009, p. 161), na realização da conduta proibida por
lei, sob a ameaça de aplicação de pena.

Conceito Analítico, que na prática, é o mais importante, sendo definido de


acordo com várias correntes, como leciona Nucci (2009, p. 161-162):

a) um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas


um pressuposto de aplicação da pena (René Ariel Dotti, Damásio de
Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augusto
Monteiro de Barros, entre outros);

b) um fato típico, antijurídico, culpável e punível (Basileu


Garcia, Hassemer, Battaglini, Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini,
entre outros);

c) um fato típico e culpável, estando a antijuridicidade ínsita


ao próprio tipo (Miguel Reale Júnior entre outros adeptos da teoria
dos elementos negativos do tipo);

d) um fato típico, antijurídico e punível, constituindo a


culpabilidade a ponte que liga o crime à pena (Luiz Flávio Gomes);

e) um fato típico, antijurídico e culpável. Corrente majoritária


no Brasil e no exterior, dividem–se em finalistas (Assis Toledo,
Heleno Fragoso, Juarez Tavares, José Henrique Pierangeli, Eugênio
Raúl Zafforoni, Fernando de Almeida Pedroso, Jair Leonardo Lopes,
Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, Rodolfo Tigre, Jorge
Alberto Romeiro, Luiz Luisi, David Texeira de Azevedo, Rogério
Grecco, Reinhart Maurach, Heinz Zipf, entre outros) e causalistas
(Nelson Hungria, Frederico Marques, Aníbal Bruno, Magalhães
Noronha, Paulo José da Costa Júnior, Vicente Sabino Júnior,

2
Segudo Acquaviva (2000, p. 1237), podemos entender como sendo o raciocínio consistente em descobrir que
um fato jurídico reporduz a hipótese contida na norma jurídica. É a revelação do liame lógico de uma situação
concreta, específica, com a previsão genérica, hipotética da norma, revelada pelo aplicador da lei.

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Salgado Martins, Euclides Custódio da Silveira, Manoel Pedro


Pimentel, Roque de Brito Alves, Baumann, Mezger, entre outros),
além daqueles que são adeptos da teoria social da ação, propondo-
se a ser uma tentativa de ajuste, num só quadro, dos principais
aspectos do causalismo e do finalismo (Jescheck, Wessels, Engisch,
Wolff, entre outros).

Assim sendo, destacamos as seguintes concepções:

Concepção bipartida3 - crime: fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade


apenas pressuposto para a aplicação da pena. Adotam esta concepção: Damásio,
Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augusto Monteiro de Barros, entre outros;

Concepção tripartida - crime: fato típico e antijurídico e culpável.

1.2 O fato típico

Independentemente da conceito analítico de crime adotado, o primeiro


elemento, comum a todas as concepções, será sempre o “fato típico”, pois se
verificarmos a sua ausência, ou melhor, a mera falta de qualquer de seus elementos,
não haverá crime.

Segundo o conceito fornecido por Capez (2011, p. 136), fato típico é o fato
material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto
na lei penal.

Destarte, são elementos que compõe o fato típico:

a) Conduta;

b) Resultado (apenas nos crimes materiais);

c) Nexo Causal (igualmente, exigido apenas nos crimes materiais) e;

d) Tipicidade.

3
Por razões didáticas, passaremos a adotar esta concepção como norte para a continuidade de nosso estudo
da Teoria Geral do Crime.

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Sendo oportuno consignar, que a ausência de qualquer destes elementos afastará a


verificação da ocorrência de um crime.4

1.2.1 Conduta

A Conduta se apresenta em regra, como POSITIVA, realizada através de


uma ação – matar, subtrair etc e enquanto exceção, como NEGATIVA, dando-se
causa ao resultado pela via da omissão, quando o agente deixa de fazer o que é
devido. Sendo certo, que a conduta é verificada no tipo penal pelos verbos que o
compõem, o qual denominamos núcleo do tipo.

Analisando os fundamentos históricos do Direito Penal, observamos várias


teorias que se desenvolveram ao longo dos tempos, sendo certo que ainda hoje são
estas objeto de estudo e discussão quanto a sua aplicação ante a legislação pátria,
dentre estas, destacamos:

a) Teoria naturalista ou causal, desenvolvida por Liszt no Séc. XIX, nasceu


sob Influência do positivismo jurídico, que surgiu em um momento, no qual, a
sociedade traumatizada pelo Absolutismo Monárquico que vigorou até o final do
Séc. XVIII instalou o Estado Formal de Direito, passando a sociedade a não ser mais
submetida ao império de uma só pessoa (rei), mas sim, ao império da lei (Estado).
Momento em que, os Iluministas pregavam a igualdade entre os homens que, no
entanto, era apenas formal (o Estado estabelecia as regras de forma impessoal, mas
não se preocupava com as desigualdades sociais.

4
Valendo reforçar que o Resultado e Nexo Causal são necessários apenas aos crimes materiais (aqueles que
exigem um resultado naturalístico (concreto) para se consumar, ou seja, a consumação coincide com a
ocorrência do evento, como no homicídio, que somente se consumará com a morte da vítima). Desta forma,
em se tratando de crimes formais ou de mera conduta, tanto o resultado quanto o nexo causal serão
dispensáveis (ocasião em que restando a realização de um resultado teremos apenas o exaurimento do crime,
como no caso do crime de corrupção passiva, no qual o agente público consuma o crime quando solicita a
vantagem indevida, apenas o exaurindo quando a recebe), observando Nucci (2009, p. 173), que são os delitos
formais, aqueles que se contentam com a ação humana esgotando a descrição típica, havendo ou não
resultado naturalístico (por exemplo no crime de formação de quadrilha, o qual se consuma com a mera
associação dos delinquentes, sem a necessidade do cometimento de nenhum outro delito), igualmente, os
delitos de mera conduta (caso em que são os delitos consumados com a mera atividade do agente, como por
exemplo o crime de violação de domicílio).

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Nesse Estado (formal e positivista) não havia campo para a interpretação das
normas, que deveriam ser cumpridas sem discussão. O lema era: “Lei se cumpre,
não se discute, nem se interpreta”. Período em que a interpretação da norma penal
ficava reduzida a um mero exercício lógico formal.

Ex.: Um suicida se joga na frente de uma carruagem, é atropelado e morre.


Como a carruagem era conduzida por um cocheiro. Logo, concluí-se que o cocheiro
causou a morte de alguém. Assim sendo, prevê a lei: “matar alguém” – pena de 6 a
20 anos de reclusão.

Para essa Teoria, o que importava era o causador e o resultado (definido


em lei como crime). Não se analisava os aspectos subjetivos (dolo ou culpa).

b) Teoria Neoclássica ou Neokantista, contrária à concepção positivista,


destacou-se por levar em consideração também a finalidade do agente ao
desempenhar a conduta, passando a analisar os aspectos subjetivos da conduta.

Ex.: Um homem arrasta uma mulher pelos cabelos para dentro de uma
cabana na mata (floresta). Qual crime cometeu?

Vai depender da finalidade da conduta:

Se a finalidade era libidinosa – estupro; se pretendia castigar sua


companheira – violência doméstica; se tinha por objetivo obter determinado valor
como resgate – sequestro etc;

Antes dessa teoria, frisava-se apenas os aspectos objetivos da norma penal,


contudo, a partir desta, ficou claro a necessidade de se analisar os aspectos
subjetivos, sendo estes vitais para a adequação da conduta ao tipo penal (que
difere do fato típico (conduta, resultado, nexo causal e tipicidade).

c) Teoria Finalista da Ação, a qual tomou força no final da década de 1920 e


início dos anos 30, sendo seu maior defensor Hans Welzel. Nesta fase, acentua-se a

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observação quanto à finalidade da ação, bem como, “a forma como é praticada esta
ação”, passando-se a valorizar, além do resultado, a conduta do agente.

Ex.: Matar alguém, do ponto de vista objetivo, sempre vai configurar a mesma
ação, mas matar um sujeito para vingar o estupro sofrido pela filha difere de matar
alguém para receber dinheiro (como faz o pistoleiro).

A VONTADE é a mesma: MATAR;

RESULTADO é o mesmo: MORTE DE ALGUÉM;

DESVALOR DA AÇÃO, no entanto, é menor, no caso de quem mata o


estuprador de sua filha (agindo com violenta emoção, após injusta provocação),
merecendo receber a causa de diminuição de pena prevista no art. 121 § 1º do
Código Penal.

DE OUTRO LADO, matar alguém por dinheiro(recompensa), constitui um


motivo torpe, que qualifica o crime de homicídio, ensejando a aplicação de uma
pena maior, como ocorre no caso previsto pelo art. 121 § 2º, I do Código Penal.

ASSIM, EMBORA AMBOS TENHAM COMETIDO, EM TESE, O MESMO


CRIME DE HOMICÍDIO, RETIRANDO DA MESMA FORMA A VIDA DE ALGUÉM, A
LEI LEVA EM CONSIDERAÇÃO A FINALIDADE DA AÇÃO.

No exemplo do “homem que arrasta a mulher pelos cabelos” – sem a análise


da finalidade, como elemento inseparável da conduta, não há como saber se o fato é
típico ou não.

Segundo Francisco de Assis Toledo, “a conduta é uma causalidade


dirigida” – O agente realiza a conduta com o fim antecipado em sua mente.

Esse entendimento foi consagrado em nosso Código Penal, nos incisos do


artigo 18, ao prever os elementos subjetivos do tipo, sem os quais, não há crime,
quer sejam:

I – Dolo (direto), quando o agente quis o resultado ou assumiu


o risco de produzi-lo (Dolo eventual) e II – (Culpa em sentido estrito)
quando o agente não quis causar o resultado, mas o causou por
imprudência, negligência ou imperícia.

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Sendo que a Culpa em sentido amplo abrange tanto o dolo quanto a culpa
em sentido estrito (responsabilidade pelo fato).

d) Teoria Social da Ação, inicialmente apresentada pelo próprio Welzel


(defensor ardoroso da Teoria Finalista da Ação), propõe uma adequação social,
visando que um fato considerado normal, correto, justo e adequado perante a
coletividade, não pode ser considerado crime, ainda que formalmente possa ser
enquadrado em um tipo penal incriminador.

Ex.: "EMENTA: Habeas corpus. Ato obsceno (art. 233 do Código Penal). 2.
Simulação de masturbação e exibição das nádegas, após o término de peça
teatral, em reação a vaias do público. 3. Discussão sobre a caracterização da
ofensa ao pudor público. Não se pode olvidar o contexto em se verificou o ato
incriminado. O exame objetivo do caso concreto demonstra que a discussão está
integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que
inadequada e deseducada. 4. A sociedade moderna dispõe de mecanismos
próprios e adequados, como a própria crítica, para esse tipo de situação,
dispensando-se o enquadramento penal. 5. Empate na decisão. Deferimento da
ordem para trancar a ação penal. Ressalva dos votos dos Ministros Carlos Velloso e
Ellen Gracie, que defendiam que a questão não pode ser resolvida na via estreita do
habeas corpus”.(STF – 2ª T. – HC nº 83.996-7-RJ – Rel. Min. Gilmar Mendes –
decisão de 17.08.05 – m. v. – DJU 26.08.05, pág. 65).

Esta teoria, que teve como grande expoente Jescheck, definiu ação como
comportamento humano socialmente relevante, critica os finalistas por estes não
levarem em consideração o aspecto social do comportamento humano, contudo,
dependendo do enfoque prático, esta teoria poderá encontrar como óbice o Princípio
da Legalidade, bem como, na proibição de revogação de lei pelos costumes (art. 2º
da LICC) – costume contra legem.

Sua importância reside na interpretação da lei penal, bem como no fomento


às reformas (abolitio criminis). Ex.: O crime de Adultério – que deixou de integrar o
ordenamento penal (Revogado pela Lei n. 11.106/05) em virtude de forte pressão
social derivada da evolução dos costumes.

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e) Teoria Constitucional do Direito Penal, segundo a qual os Princípios


Constitucionais devem assumir a grande importância que possuem para o Direito
Penal, relegando o tipo penal a uma posição subalterna em relação ao Texto Magno.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – Império dos Princípios – PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e dos demais que dele irradiam.

A colisão da conduta descrita no tipo penal com a ausência de antijuridicidade


em decorrência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e demais Princípios.
Ex.: “Furto de uma tampinha de garrafa” – percorre perfeitamente o tipo penal,
contudo, não se reveste de antijuridicidade por não trazer qualquer lesão ou perigo
de lesão ao patrimônio alheio, tratando a prisão do sujeito de ofensa ao Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, bem como violação ao Princípio da Bagatela, que
dele deriva.

Para melhor fixação das teorias da conduta recomendamos a análise do


ANEXO I, desta Orientação de Estudo.

Observadas as várias teorias que ao longo dos anos trabalharam o conceito


de conduta (penalmente relevante)5, entendemos por bem conceituar este elemento
do fato típico, a exemplo de Capez (2011, p. 136), nos valendo da junção dos
elementos da própria conduta, conceituando-a como ação6 ou omissão7 humana8,
consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade9.

5
Dentre estas, enumera e pontua Ishida (2010, p. 76): a Causalista (Hungria e Noronha) – movimento corpóreo
capaz de produzir alteração no mundo (sem dolo ou culpa), sendo requisitos a ação ou omissão voluntária; a
Finalista (Damásio e Mirabete) – comportamento humano consciente dirigido a uma finalidade, abrangindo o
dolo e a culpa e a Constitucionalista (Luiz Flávio Gomes) – realização voluntária de um fazer ou não fazer,
típico, dominado ou dominável pela vontade.
6
Comportamento positivo (fazer).
7
Comportamento negativo (deixar de fazer aquilo que se está obrigado a fazê-lo em atenção a um dever legal).
8
Lembrando que nem os animais nem tampouco os fenômenos naturais, desprovidos da influência humana,
poderão ensejar a prática de qualquer delito. Por oportuno, leciona Fernando Capez, in Curso de Direito
Processual Penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 180), que com a Constituição Federal de 1988, tornou-se
possível em crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5º), bem
como nas condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (art. 225, § 3º), tornou-se possível a incriminação das
pessoas jurídicas, manifestando-se o Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, contudo, “desde que haja a

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Desta forma, passemos a observar os elementos da conduta, lembrando que


verificada a ausência de qualquer destes elementos, estará ausente o fato típico
sem o qual, não existirá crime.

Sendo Ação o comportamento positivo (movimento corpóreo), observamos


que, em regra, os crimes que exigem tal forma devem ser classificados como
comissivos. Ex.: atirar, subtrair, ofender, ameaça. Por outro lado, sendo a Omissão
a inatividade (deixar de fazer), abstenção ao movimento – “não fazer uma coisa
devida”, verificamos a ocorrência de um tipo penal omissivo, quando o sujeito pratica
a conduta descrita em lei, por meio da ausência “do fazer”, podendo tais crimes
serem classificados como omissivos, sendo estes divididos pela doutrina como:

a) CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS OU PUROS – onde a omissão é um


elemento do tipo penal, ocasião em que não existe o dever jurídico de agir (norma
impondo o que deve ser feito). Ex.: “omissão de socorro” (art. 135 do Código Penal);

b) CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS (COMISSIVOS POR OMISSÃO OU


COMISSIVOS-OMISSIVOS) – casos em que a conduta descrita no tipo é comissiva,
mas o resultado ocorre pelo fato do sujeito ativo não a ter impedido. Porém, para
que responda pelo crime, será necessário que este tenha o DEVER DE AGIR (dever
jurídico de agir) ou seja, dever de impedir o resultado. Exemplo do atropelamento e
fuga, o sujeito responderá em caso de morte da vítima, por homcídio no trânsito e
não por omissão de socorro.

Fundamento Legal: art. 13 § 2º do Código Penal – “Relevância da


Omissão”

A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para


evitar o resultado. Nesse sentido, leciona Mirabete (2010, p. 92), que o dever de agir
incumbe a quem:

a) Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício” (STJ, 5ª T.,
REsp 889.528/SC, rel. Min. Félix Fischer, j. 17-4-2007, DJ 18 jun. 2007, p. 303).
9
Momento em que observamos que se acrescentarmos a este conceito a exteriorização do pensamento e o
Elemento Subjetivo do Tipo, teremos os elementos da conduta.

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b) De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o


resultado;

c) Com seu comportamento anterior, criou risco da ocorrência do


resultado.

Dever legal: A norma jurídica impõe dever de cuidado, proteção e vigilância


(inclui os deveres implícitos na lei, excluindo aqueles não previstos). Ex.: pais em
alimentar os filhos; diretor do presídio em zelar pela integridade física dos presos
etc;

Posição de garantidor (garante): quando o sujeito assume a


responsabilidade de evitar o resultado – a lei abrange o dever originado de uma
manifestação unilateral da vontade (função tutelar ou encargo sem mandato) ou
contrato. Ex.: (garante) Médico do Pronto-socorro; pessoa que se compromete a
levar um bêbado para casa; (por contrato) guia que leva exploradores até o interior
da caverna; enfermeiro contratado para cuidar do doente em casa, etc;
Segundo Mirabete (2010, p. 93): Não responde o salva-vidas que faltou ao
trabalho no dia em que uma criança se afogou na piscina; Responde pelo crime de
homicídio a enfermeira que, permanecendo no quarto do doente, mesmo após o
término do horário de seu turno, não impediu a morte deste.

Ingerência: “comportamento anterior” que gerou o risco do resultado. Ex.:


causador involuntário de incêndio, que foge do local e não informa a ninguém do
ocorrido; acompanhante do nadador principiante induzido a atravessar um rio a
nado; o empregador que descobre que um empregado ficou preso no interior da
fábrica e nada faz; posse de animais (cães); substâncias explosivas (fogos);
motorista que atropelou um pedestre (por imprudência ou mesmo sem culpa) que
foge sem prestar socorro na tentativa de evitar a morte da vítima – Para parte da
doutrina, poderia ser possível o dolo eventual, contudo, o Código Penal no seu
art. 121 § 4º - classifica essa conduta como homicídio culposo na modalidade
qualificada (isso ocorre porque a Parte Especial mantém a redação original de
1940 – enquanto o artigo 13 é fruto da reforma de 1984).

Nesse mesmo exemplo, o 3º que passa pelo local e não socorre (ou tenta
socorrer) responderá pela omissão pura (art.135 do CP).

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Levando-se em consideração os critérios de solução para os conflitos


aparente de normas, entendemos que o artigo 305 do CTB (que prevê a pena de
detenção de 06 meses a 01 ano, ou multa, somente deve ser aplicado no caso de
“afastar-se (o condutor do veículo) do local do acidente, para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída” – desde que nenhum
crime mais grave possa ser atribuído ao agente.

Com efeito, leciona Mirabete (2010, p. 94), que são apontados pela Doutrina
como elementos do dever de agir:

a) Conhecimento da situação de fato;


b) Consciência da condição que o coloca na qualidade de garantidor;
c) Consciência de que pode executar a Ação;
d) Possibilidade real-física de executar a Ação.

Atenção: Não haverá crime se o garantidor se esforçou para impedir a


realização do resultado. Quem tem o dever legal, não pode alegar “estado de
necessidade” para se omitir da ação (art. 24 § 1º do CP).

Ainda segundo Mirabete (2010, p. 95), responde por crime culposo o omitente
nas seguintes hipóteses:

a) Pai que, ouvindo os gritos do filho, não o socorre pensando que se trata de
uma brincadeira, enquanto este se afoga (erro de apreciação da situação típica);
b) Sujeito que joga substância inflamável em lugar de água para apagar o
incêndio, deixando de verificar a natureza do líquido (erro na execução da ação);
c) Garantidor supõe que a vítima está afogando-se em um lugar profundo do
rio, onde seria impossível salvá-la, permitindo que se afogue em águas rasas (erro
sobre a possibilidade de agir).

Por oportuno, cabe observarmos de forma detida todos os elementos da


conduta.

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18
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1.2.1.1 Consciência

Como bem esclarece Nucci (2009, p. 193-194), para a caracterização da


conduta humana, como penalmente relevante, se faz indispensável a verificação do
binômio vontade e consciência, sendo esta última definida como a possibilidade que
o ser humano possui de separar o mundo que o cerca dos próprios atos, realizando
um julgamento moral das suas atitudes, significando possuir a clara noção da
diferença existente entre realidade e ficção10,

Em suma, não há consciência no estado de sonambulismo (sono


patológico), tampouco no casos de narcolepsia (doença que provoca acessos de
sono repentinos), lembrando-se como exemplo o fomoso caso James Bilton, citado
por Nucci (2009, p. 195).

1.2.1.2 Vontade

A vontade é conceituada por Nucci (2009, p. 193) como sendo o querer ativo
do ser humano, apto a desencadear movimentos corpóreos tendentes à realização
dos seus propósitos, lecionando o citado mestre que:

O desenvolvimento da vontade está associado com valores culturais


apreendidos, padrões morais e correlatos. A vontade tem poder
apenas sobre o pensamento e a ação conscientes, e não pode afetar
diretamente processos instintivos ou processos inconscientes,
embora tenha um poder indireto substancial entre eles.

Segundo o magistério de Capez (2011, p. 161-162), a:

Ausência de voluntariedade: acarreta a ausência de conduta, pela


falta de um de seus elementos essenciais.

10
Segundo Nucci (2009, p. 195), Não há consciência nos estados de: a) sonambulismo, doença de quem age ou
fala durante o sono, tornando seus sentidos obtusos. Trata-se de um “sono patológico”, quando o enfermo
nem percebe estar dormindo, embora mantenha a sua atividade locomotora; b) narcolepsia, outra doença que
provoca acessos repentinos de sono, transportando o enfermo a um estado de irrealidade, permitindo-lhe, no
entanto, continuar a ter movimentos e ralações com o meio ambiente.

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Reflexos não são condutas, constituindo atos desprovidos de


qualquer vontade ou finalidade.

A coação moral irresistível (vis compulsiva) não exclui a conduta,


uma vez que ainda resta um resíduo de vontade. A vontade é
viciada, mas não eliminada. Por essa razão, na vis compulsiva o
coacto pratica um fato criminoso, embora não responda por ele, ante
a ausência de culpabilidade. O ato voluntário não implica
necessariamente que a vontade seja livre, pois, quando um
assaltante deixa a vítima com a angustiante opção de entregar-lhe o
dinheiro ou perder a vida, ao preferir continuar viva, ela realiza um
ato voluntário, porém não livre, já que certamente gostaria de
também permanecer com a carteira. Nesse sentido ensina-nos
Pierangelli: “A conduta é voluntária ainda quando a decisão do
agente não tenha sido tomada livremente, ou quando este a tome
motivado por coação ou por circunstâncias extraordinárias, uma vez
que isso se resolve no campo da culpabilidade e não no da conduta,
pois em ambas as situações a conduta sempre existirá. Conduta não
significa conduta livre”11. Só a coação física (vis absoluta), que
consiste no emprego de força física, exclui a conduta pela
absoluta falta de vontade. Nesse caso, o coacto não pratica
crime, pois o fato será atípico. É o caso do bombeiro, impedido de
cumprir seu dever legal e salvar uma criança, por ter sido seguro
pelos amigos, os quais não queriam vê-lo exposto a uma situação de
perigo. Grifo Nosso.

Assim sendo, observamos que os crimes poderão ocorrer pela ação ou


omissão (consciente e voluntária do agente), sendo certo, que denominamos de
comissivos os crimes praticados por meio de um comportamento positivo, quer seja
uma ação (por exemplo o estupro – CP, art. 213; a calúnia – CP, art. 138 etc) e
omissivos aqueles praticados por meio de uma omissão, ou seja, um
comportamento negativo (como no crime de omissão de notificação de doença – CP,
art. 269.

Com relação ao crimes omissivos, devemos observar que o Código Penal


adotou a teoria normativa, segundo a qual, a omissão somente terá relevância
causal se existir uma norma impondo, na hipótese concreta, o dever jurídico
de agir.

Desta forma, os crimes omissivos podem ser próprios, quando a conduta


negativa que impõe o dever jurídico de agir está descrita no preceito primário do tipo

11
Conduta: “pedra angular” da teoria do delito, RT, 573/318.

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penal incriminador, consumando-se o crime com a omissão do sujeito, independente


de qualquer resultado, sendo seu exemplo clássico o crime descrito no art. 135 do
Código Penal, enquanto nos crimes omissivos impróprios, também chamados de
comissivos por omissão, são aqueles que necessitam da produção de um
resultado naturalístico, não bastando a mera omissão, como por exemplo, o caso da
mãe que deixa o filho morrer de fome, pretendendo causar-lhe a morte por inanição,
respondendo assim por homicídio, nos termos do disposto no do Código Penal em
seu art. 13, § 2º (Relação de causalidade).

Esclarece Nucci (2009, p. 193-195), que não há voluntariedade nos


seguintes atos:

a) Movimentos obtidos por coação física irresistível (ex.: A é


empurrado violentamente por B, caindo em cima de C, que
se lesiona. Não se pode dizer que A praticou uma “ação”,
pois faltou-lhe vontade);
b) movimentos reflexos, que são as reações motoras,
secretórias ou fisiológicas, produzidas pela excitação de
órgãos do corpo humano (ex.: tosse, movimentos das ações
semi-automáticas, pois estas são penalmente relevantes,
uma vez que resultam de um processo de formação da
vontade, originalmente existente, que se concentrou no
subconsciente. Embora não seja dirigida pela consciência
atual de quem a desenvolve, é passível de dominação.
Exemplo de movimento reflexo em contraposição a uma
conduta semi-automática: se o motorista de um veículo é
picado por uma vespa perto do olho, durante a condução, e,
em face de um instintivo movimento de defesa, move
bruscamente o volante, causando um acidente, não existe
conduta penalmente relevante, pois o movimento é reflexo,
provocado pela dor originária da picada. Trata-se de atitude
involuntária. Mas, se uma vespa ingressa no interior do
veículo e começa a voltear a cabeça do motorista,
perturbando-o, e fazendo com que, num gesto brusco,
visando a atingir a vespa, colocando-a para fora do carro,
vire o volante, causando um acidente, temos uma ação
semi-automática. Trata-se de conduta penalmente
relevante, pois passível de dominação (cf. Maurach e Zipf,
Derecho penal – Parte general, v.1, p. 247);
c) movimentos resultantes de hipnose, que é um estado
mental semelhante ao sono, provocado artificialmente por
alguém, levando o hipnotizado a agir como se fosse um
autômato, obedecendo ordens e comandos. É um
“sonambulismo provocado”. Trata-se de matéria controversa

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aceitar que a hipnose seja causa suficiente para eliminar a


vontade e a consciência de alguém. Entretanto, há vários
estudos nesse sentido. Freud esclarece que a “hipnose,
quando tem seu mais pleno êxito, nada mais é do que o
sono comum, coisa tão conhecida de todos nós, embora,
sob muitos aspectos, sem dúvida ainda não a
compreendamos; e por outro lado, quando menos
completamente desenvolvida, a hipnose corresponde às
diferentes fases do processo do adormecer. É verdade,
que, no sono, perdemos nosso equilíbrio psíquico, e a
atividade de nosso cérebro durante o sono é uma atividade
desordenada que, em muitos aspectos, lembra a loucura;
esta analogia, contudo, também não impede que
despertemos do sono com renovada força mental. (...)
Quando a pessoa que está sob hipnose, é possível exercer,
pela sugestão, os mais amplos efeitos sobre quase todas as
funções do sistema nervoso e, entre elas, sobre aquelas
atividades cuja dependência com relação aos processos
que ocorrem no cerebro é geralmente estimada como
bastante reduzida (...) Outros fatos inquestionáveis são a
dependência da atividade mental da pessoa hipnotizada em
relação à do hipnotizador e a produção daquilo que se
conhece como efeitos ‘pós-hipnóticos’ na pessoa
hipnotizada – isto é, a determinação de atos psíquicos que
só são executados muito tempo depois de cessada a
hipnose” (Artigos sobre hipnotismo e sugestão. A
psicoterapia da histeria, p. 26-29).

1.2.1.3 Finalidade

Este elemento da conduta foi introduzido com o advento da Teoria


Neoclássica ou Neokantista, que se contrapunha à concepção positivista
desenvolvida por por Liszt no Séc. XIX (Teoria Naturalista ou causal).

Antes da Teoria Neoclássica, frisava-se apenas os aspectos objetivos da


norma penal, contudo, a partir desta, ficou claro a necessidade de se analisar os
aspectos subjetivos, havendo o nosso Direito Penal, na atualidade, por exigir o
respeito ao Princípio da Responsabilidade Subjetiva, reconhecendo apenas
algumas poucas exceções, como a embriaguez pré-ordenada.

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Porém, foi com a Teoria Finalista da Ação, que tomou força no final da
década de 1920 e início dos anos 30, sendo seu maior defensor Hans Welzel, que
passou-se a acentuar-se a observação quanto à finalidade da ação, bem como, “a
forma como é praticada esta ação”, valorizando-se, além do resultado, a conduta
praticada pela agente e sua motivação.

Momento em que, lembramo-nos de um dos pais do Código Penal em vigor,


Francisco de Assis Toledo, segundo o qual, “a conduta é uma causalidade
dirigida”, quer seja, o agente a realiza com o fim antecipado em sua mente.

Assim sendo, não haverá crime se a conduta derivar de caso fortuito ou


motivo de força maior, lecionando Capez (2011, p. 166):

Fortuito: é aquilo que se mostra imprevisível, quando não inevitável;


é o que chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do
homem, que não pode impedir. Exemplo: incêndio provocado pelo
cigarro derrubado do cinzeiro por um golpe de ar inesperado.

Força maior: trata-se de um evento externo ao agente, tornando


inevitável o acontecimento. O exemplo mais comum é a coação
física.

Destarte, o caso fortuito e o motivo de força maior impedem o reconhecimento


da conduta como penalmente relevante, destacando a Doutrina, que em se
verificando qualquer dos casos restaria afastado o elemento subjetivo do tipo (dolo e
culpa), bem como, ao nosso ver, a referida finalidade.

1.2.1.4 Exteriorização do pensamento

Como já observamos, em regra, a conduta humana é dotada de consciência,


vontade e finalidade, contudo, estes elementos (que se processam na mente do
sujeito) somente serão relevantes para o Direito Penal, se o agente exteriorizar seu
pensamento, valendo, por oportuno, trazer a lume a lição de Capez (2011, p. 137):

O pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na


consciência, não representa absolutamente nada para o Direito
Penal (pensiero non paga gabella; cogitationis poena Nemo patitur).
Somente quando a vontade se liberta do claustro psíquico que a
aprisiona é que a conduta se exterioriza no mundo concreto e

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perceptível, por meio de um comportamento positivo, a ação (“um


fazer”), ou de uma inatividade indevida, a omissão (“um não fazer o
que era preciso”).

No mesmo sentido, leciona Stefam (2010, p. 180) que só haverá conduta se


houver exteriorização do pensamento, mediante um movimento corpóreo ou a
abstenção indevida de um movimento, valendo lembrar, que a cogitação jamais
será punível, sob risco de violação ao Princípio da Alteridade.

1.2.1.5 Elemento Subjetivo do Tipo

Também conhecido por culpa em sentido lato; elemento subjetivo do tipo;


elemento subjetivo do crime; elemento subjetivo do injusto ou ainda elemento
subjetivo do ilícito, como leciona Nucci (2009, p. 220), se divide entre o dolo e a
culpa em sentido estrito.

O Código Penal, em seu artigo 18, I, adotou as seguintes teorias: da vontade


(segundo a qual, dolo é a vontade de praticar uma conduta, ocorrendo quando o
sujeito “quer” causar o resultado) e a do assentimento ou consentimento (caso em
que o sujeito “prevê” e “assume” o risco de com sua conduta, dar causa ao
resultado). Tratando a primeira figura do dolo direto ou determinado e a segunda
do dolo indireto ou indeterminado (eventual ou por assunção), sendo alguns
casos pacificados pela doutrina, bem como pela jurisprudência, como por exemplo,
“racha” e “roleta russa”.

Alguns tipos penais não admitem o dolo eventual, v.g., o crime de receptação
previsto no “caput” do art. 180 do Código Penal. O sujeito para ser enquadrado
neste crime deverá saber que o objeto receptado é produto de furto, visto que se
agir com imprudência, deverá ser enquadrado no § 3º do referido artigo.

Diferença prática: Desclassificada a conduta do caput para o § 3º do art. 180


do CP, o sujeito passará a responder por uma infração de menor potencial ofensivo,
havendo assim a possibilidade de aplicação dos benefícios instituídos pela Lei N.
9.099/95, sendo competente para tanto o Juizado Especial Criminal.

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Ainda quanto ao dolo, cabe informar que este é formado apenas por
consciência e vontade, sendo um fenômeno puramente psicológico. Assim
sendo, analisar o dolo é saber se o agente quis praticar a conduta ou poderia prever
o resultado, assumindo o risco de produzi-lo.

Atenção: a consciência da ilicitude não é competência do dolo, mas


elemento autônomo que integra a culpabilidade (juízo de reprovação cujo um dos
elementos é a capacidade de entendimento e determinação).

Além do dolo direto e do eventual, a doutrina apresenta outras espécies:

Dolo de dano: vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico. Ex.:
furto, roubo etc;

Dolo de perigo: mera vontade de expor o bem jurídico a um perigo de lesão.


Ex.: artigos 132 (Perigo para a vida ou saúde de outrem) e 133 (Abandono de
incapaz) ambos do Código Penal.

Dolo genérico: vontade de realizar uma conduta sem um fim especial, ou


seja, a mera vontade de praticar o núcleo de uma ação típica, sem qualquer
finalidade específica. O exemplo pode ser qualquer crime que não contemple uma
necessidade específica, por exemplo, o homicídio.

Dolo específico: ao contrário do genérico, nesse caso, o agente possui


vontade de realizar a conduta visando o fim especial previsto no tipo, Capez
exemplifica esta modalidade, citando o crime de extorsão mediante sequestro,
previsto pelo art. 159 do CP, o qual não se limita com a simples vontade de
seqüestrar a vítima, sendo necessária a sua finalidade de obter, para si ou para
outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate (fim específico).

Atenção: No crime de furto, do mesmo modo, não basta a vontade de subtrair,


sendo necessário o ânimo de assenhoramento definitivo do bem, sendo em razão
desse elemento subjetivo (específico), que o furto de uso (subtrair para uso
momentâneo) constitui um FATO ATÍPICO (não constitui crime).

Dolo geral, erro sucessivo ou “aberratio causae”: quando o agente, após


realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser

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um exaurimento e nesse momento atinge a consumação. Ex.: Um sujeito serve uma


determinada quantia de veneno para sua sogra, que vem a desmaiar. Acreditando
que a mesma já estava morta, o agente a atira no mar. Contudo, a perícia apontou
como “causa mortis” afogamento e não envenenamento. O criminoso responderá
por homicídio de toda forma, apesar de ter exaurido o crime no momento em que
acreditava estar ocultando o “cadáver”. Tal erro, é portanto, irrelevante para o Direito
Penal, pois a vontade do agente foi realmente a de matar, o que acabou
efetivamente fazendo.

A culpa em sentido estrito12, segundo Ishida (2010, p.103), pode ser


conceituada como uma “conduta voluntária que produz um resultado (evento)
antijurídico não querido, mas previsível e excepcionalmente previsto, que podia, com
a devida atenção, ser evitado”.

Em um primeiro conceito, a culpa foi conceituada como o elemento


normativo da conduta (Capez), visto que esta, só existira, mediante previsão de um
tipo penal (“se o crime é culposo, a pena será de ...”).

Assim sendo, em regra, os tipos penais são em regra dolosos, sendo


culposos apenas por exceção, segundo dispõe o Parágrafo único do art. 18 do
Código Penal.

*Atenção: SE O FATO NÃO FOR PREVISÍVEL, AO MENOS PELA


PERSPICÁCIA COMUM, NORMAL DOS HOMENS, A CONDUTA SERÁ ATÍPICA.

Em razão deste entendimento, muitos doutrinadores elegem a previsibilidade


objetiva como a mais adequada. Ex.: (Imperícia) – piloto de aviação que enfrenta
uma situação anormal, a qual exigiria uma técnica mais apurada do que a
convencional, para evitar o acidente.

São elementos da culpa:

a) Conduta voluntária;

b) Resultado danoso involuntário;

12
Lembrando que a culpa em sentido lato comporta tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito.

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c) Nexo causal;

d) Tipicidade;

e) Previsibilidade;

f) Quebra do dever de objetivo de cuidado.

Destarte, temos por certo que a culpa em sentido estrito decorre da


inobservância do dever objetivo de cuidado do agente, ou seja, aquele dever que a
todos é imposto, sendo verificado por três vias, conforme o disposto no artigo 18, II
do Código Penal, quer sejam, por imprudência; negligência ou imperícia.

A imprudência se verifica por meio de uma conduta positiva, ou seja, uma


ação discuidada, citando Capez (2011, p. 233) que esta se desenvolve
paralelamente a ação, servindo como exemplos a conduta do agente que provoca
um acidente devido a uma ultrapassagem proibida; ou por excesso de velocidade;
por trafegar na contramão de direção ou mesmo o sujeito que causa a morte
indesejada de outrem, ao manejar uma arma carregada.

Já a negligência é uma conduta negativa ou seja, uma omissão, que se


verifica quando o agente deixa de tomar o cuidado devido antes de começar a agir,
lecionando Capez (2011, p. 233):

O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria.


Novamente, Magalhães Noronha é preciso: “No sentido do Código,
ela é a inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material
(corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a um comportamento
negativo. Negligente é quem, podendo agir de determinado modo,
por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo
diverso”. Exemplos: deixar de reparar os pneus e verificar os freios
antes de viajar, não sinalizar devidamente perigoso cruzamento,
deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança etc.

Não obstante, a imperícia é verificada pela inaptidão técnica para o


desempenho de profissão, arte ou ofício, que pode ser observada pela falta de
capacidade ou habilitadade para a prática de uma atividade, servindo de exemplos

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os casos do médico que opera o joelho errado do paciente ou o motorista de ônibus


que causa um acidente por não saber manobrar o veículo de grande porte.

No que se refere às espécies de culpa, verificamos a Culpa Inconsciente,


que é a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o resultado, que
objetivamente seria previsível e a Culpa Consciente, que é aquela em que o agente
prevê o resultado, embora não o aceite, pois acredita que poderá evitar o resultado
lesivo com sua habilidade. O exemplo clássico é o do caçador.

Na prática, não existe distinção legal entre a culpa inconsciente e a


consciente, contudo, o juiz no momento de dosar a pena, levará em conta o “grau de
culpabilidade” da conduta do agente (art. 59 “caput” do CP), elevando a pena no
caso da culpa consciente.

Por oportuno, uma importante distinção diz respeito ao dolo eventual e a


culpa consciente, pois, enquanto no dolo eventual (ou indireto) o sujeito prevê o
resultado e assume o risco de produzi-lo, na culpa consciente, o sujeito prevê o
resultado, porém, não acredita que este ocorrerá. Assim sendo, vejamos a diferença
prática:

Dolo eventual Culpa Consciente


Homicídio Doloso Homicídio Culposo
(Art. 121 “caput” do CP) (Art. 121, § 3º do CP)

Pena: reclusão 6 a 20 anos; Pena: detenção 1 a 03 anos;

Julgamento pelo Tribunal do Júri; Juízo monocrático (Técnico);

Reclusão (regime mais gravoso – fechado, Detenção (regime mais leve -


semi-aberto ou aberto); semi-aberto ou aberto);

Fechado: penitenciária (grades) Semi-aberto: colônia penal


76 em SP, 01 de segurança máxima Agrícola ou Industrial
Potim 1 (capacidade 768/1310) 02/2010 Centro de Progressão Penitenciária de Tremembé
Potim 2 (capacidade 768/1281) 02/2010 (capacidade 1060/1073)
Fem. de Tremembé (100/189) 02/2010 Aberto: Trabalha de dia e se recolhe a noite;

Incapacidade para o exercício do pátrio poder, Manutenção do exercício do pátrio poder, tutela ou
tutela ou curatela; curatela;

Impossibilidade da aplicação de Perdão Possibilidade de Perdão Judicial


Judicial (Art. 121 § 5º do CP). Art. 121 § 5º do CP.

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1.2.2 Resultado

Quanto ao resultado, o legislador pátrio adotou a Teoria Jurídica ou


Normativa, a qual, na lição de Capez (2011, p. 177-178) conceitua resultado como
toda lesão ou ameaça de lesão a um interesse penalmente relevante. Não obstante,
segundo o referido autor, resultado é a modificação no mundo exterior provocada
pela conduta.

Assim, nos crimes materiais se exige a produção de um resultado


naturalístico (modificador do mundo exterior). Exemplo: Homicídio; aborto; furto;
estupro etc. Enquanto nos crimes formais ou de mera conduta: a lei se contenta com
a mera ação humana (não havendo necessidade da produção de qualquer
resultado). Ex.: Corrupção Passiva (art. 317 CP), se o agente “recebe a vantagem”
temos o exaurimento do crime, visto que este já se consumou com a “solicitação”.

Não obstante, vale observar que de acordo com o resultado produzido, os


tipos penais podem ser qualificados, lecionando Nucci (2009, p. 235), que os crimes
qualificados quanto ao resultado podem ser conceituados como:

Delitos que possuem um fato-base, definido e sancionado como


crime, embora tenham, ainda, um evento que os qualifica,
aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva, bem
como existindo entre eles um nexo de ordem física e subjetiva.

Quando, de um roubo (fato-base), ocorre o resultado “morte da


vítima em face da violência empregada” (evento qualificador), está-se
diante de um crime qualificado pelo resultado, cuja pena é bem maior
que a prevista para o delito-base. A pena para o roubo é de 4 a 10
anos de reclusão, enquanto o latrocínio varia de 20 a 30 anos.

Destarte, os crimes qualificados quanto ao resultado apresentam sempre 03


elementos: a) Conduta antecedente; b) Conduta consequente e c) Tipicidade nos
crimes preterdolosos (previsão legal).

Assim sendo, são preterdolosos os crimes nos quais o agente pratica a


conduta com dolo na conduta antecedente; culpa na conduta consequente, havendo
previsão legal , sendo um exemplo dos mais didáticos o crime de aborto qualificado,
caso em que o sujeito agindo com dolo quer provocar o aborto, causando

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igualmente, com sua conduta imprudente uma lesão corporal grave (por exemplo,
perfuração do útero e bexiga) – CP, art. 127.

1.2.3 Nexo causal

Podemos conceituar o nexo causal como sendo uma relação física que liga a
conduta do agente ao resultado naturalístico.

A Teoria adotada pelo nosso Código Penal foi a da “conditio sine qua non”
ou Teoria da equivalência das condições (como afirma Mirabete) ou Teoria da
equivalência dos antecedentes, segundo a qual, todos os antecedentes causais se
equivalem, de modo que não há uma causa mais importante do que outra,
tampouco, diferença entre causa e concausa (outra causa, que, ligada à primeira,
concorre para ao resultado). Assim, todos os fatos que concorrem para a ocorrência
do resultado são considerados causa.

Para que a teoria da equivalência das condições funcione, é necessário


analisar sempre o elemento subjetivo do tipo (conduta), para que não se regrida
até o infinito, como no exemplo do homicídio – agente – vendedor da arma –
fabricante – chinês ... etc.

O próprio Código Penal, por influência de Francisco Assis de Toledo (na


reforma de 1984), mantém a definição de causa no “caput” do artigo 13: “O
resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não
teria ocorrido”.

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ESPÉCIES DE CAUSAS:

o Dependentes Preexistente

o Absolutamente Concomitante

o Independentes Superveniente

Preexistente
o Relativamente Concomitante
Superveniente

Causa Dependente da Conduta, é aquela que se encontra na mesma linha


de desdobramento causal.

Linha de desdobramento causal

Facada – hemorragia – queda de pressão arterial – parada cardíaca - morte

Consequência: existe nexo causal, pois, suprimida qualquer causa,


desaparece o resultado.

Causa Independente: quando ocorrer um desdobramento imprevisível (é


aquela que por si só produziu o resultado. Divide-se em:

Absolutamente independente: aquela que não guarda qualquer relação com


a conduta, ou seja, totalmente independente, com origem em conduta diversa (não
se origina da conduta). Esta espécie subdivide-se em:

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Causa absolutamente independente preexistente: aquelas que existiam


antes da conduta ser praticada;

Exemplo citado por Capez (2009, p. 167): Agente atira na sogra, mas ela
morre em consequência de um envenenamento anterior provocado por uma nora,
por ocasião do café matinal – “causa mortis”: intoxicação e não hemorragia causada
pelo ferimento com arma de fogo. Por ser anterior a conduta, denomina-se
preexistente.

Causa Absolutamente independente, porque por si só produziu o resultado,


possuindo origem em conduta diversa;

Preexistente por acontecer antes da conduta.

Consequência Jurídica: a causa absolutamente independente preexistente


rompe o nexo causal, respondendo o agente apenas pelos atos praticados – como
não deu causa a morte, responderá pela tentativa.

Causa absolutamente independente concomitante: não tem qualquer


relação com a conduta, produzindo o resultado independentemente desta, no
entanto, por coincidência, atuando exatamente no momento em que a ação é
realizada.

Exemplo citado por Capez (2009, p. 167): No exato momento em que o genro
está inoculando veneno letal na artéria da sogra, dois assaltantes entram na
residência e efetuam disparos contra a velhinha, matando-a instantaneamente –
“causa mortis”: hemorragia causada pelo ferimento com arma de fogo e não
intoxicação.

Absolutamente independente, porque por si só produziu o resultado


possuindo origem em conduta diversa;

Concomitante por acontecer ao mesmo tempo da conduta.

Consequência Jurídica: a causa absolutamente independente rompe o nexo


causal, respondendo o agente apenas pelos atos praticados – como não deu causa
a morte, responderá pela tentativa (qualificada em razão do emprego de veneno –
art. 121 § 2º, III, do Código Penal).

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Causa absolutamente independente superveniente: não tem qualquer


relação com a conduta, produzindo o resultado independentemente desta, no
entanto, por após prática da primeira conduta.

Exemplo citado por Capez (2009, p. 168): Após o genro haver inoculando
veneno letal na artéria da sogra, um maníaco invade a casa e mata a “indesejável”
senhora a facadas – “causa mortis”: hemorragia causada pelo ferimento com arma
branca e não intoxicação.

Absolutamente independente, porque por si só produziu o resultado


possuindo origem em conduta diversa;

Superveniente por acontecer após a conduta.

Consequência Jurídica: a causa absolutamente independente rompe o nexo


causal, respondendo o agente apenas pelos atos praticados – como não deu causa
a morte, responderá pela tentativa (qualificada em razão do emprego de veneno –
art. 121 § 2º, III, do Código Penal).

Causas relativamente independentes: como são causas independentes,


produzem por si só o resultado, não se situando dentro da linha de desdobramento
causal da conduta. Por serem, no entanto, apenas relativamente independentes,
encontrando sua origem na própria conduta praticada pelo agente. Esta espécie
subdivide-se em:

Causa relativamente independente preexistente: atuam antes da conduta.

Ex.: Agente atira causando um ferimento de raspão no braço da vítima que é


hemofílica, que morre em razão da deficiência em conter-se o sangramento em
razão da patologia (preexistente).

Causa independente, porque por si só produziu o resultado;

Relativamente independente, porque o processo patológico só foi denotado


a partir da conduta do agente;

Preexistente por esta causa já existir antes da conduta.

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Consequência Jurídica: O agente responderá por homicídio culposo (visto


que se mantém o nexo causal) – artigo 13 do Código Penal.

Causa relativamente independente concomitante: tem relação com a


conduta, porém, produz o resultado independentemente desta, no entanto, por
coincidência, visto que derivam da mesma ação.

Ex.: Agente atira na vítima (visando matar), porém, esta se assusta, tem um
ataque cardíaco e morre. Assim, o tiro provocou o susto e indiretamente a morte (e
não a hemorragia traumática causada pelo disparo).

Causa independente, porque por si só produziu o resultado;

Relativamente independente, porque teve origem na mesma conduta;

Concomitante por acontecer ao mesmo tempo.

Consequência Jurídica: O agente responderá pelo homicídio (visto que se


mantém o nexo causal em razão do elemento subjetivo) – artigo 13 do Código
Penal.

Causa relativamente independente superveniente: tem relação com a


conduta, porém, o resultado é produzido independentemente desta, por causa
superveniente à primeira conduta.

Ex.: A vítima de um atentado que era levada a um hospital, morre em


decorrência do capotamento da ambulância.

Causa independente, porque por si só produziu o resultado;

Relativamente independente, porque teve origem em conduta diversa;

Superveniente por acontecer após a conduta.

Consequência Jurídica: Embora pela regra geral a conduta seja causa,


por opção do legislador, fica rompido o nexo de causalidade, o agressor deixa
de ser considerado o causador da morte da vítima, respondendo apenas por
sua conduta anterior (tentativa de homicídio) – nos termos do § 1º do artigo 13
do Código Penal.

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Superveniência de causa independente

Código Penal, artigo 13, § 1º - A superveniência de causa


relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a
quem os praticou.

Por que a causa relativamente independente superveniente exclui a


imputação do resultado e a absolutamente independente superveniente não?

Em razão do elemento subjetivo:

Na absolutamente – o resultado ocorre no mesmo sentido da conduta do


agente. Ex.: Após o genro haver inoculando veneno letal na artéria da sogra, um
maníaco invade a casa e mata a “indesejável” senhora a facadas – “causa mortis”:
hemorragia causada pelo ferimento com arma branca e não intoxicação. (Dolo)

Na relativamente – o agente, o resultado se dá por razões alheias a vontade


do agente (rompimento do nexo causal por determinação normativa).

Ex.: Capotamento da ambulância. (caso fortuito)

CONCLUSÃO: Nos casos de causa relativamente independente


preexistentes e concomitantes, o sujeito responde pelo resultado, visto que está
delineado o nexo causal (a menos que não tenha concorrido para o resultado com
dolo (elemento psicológico) ou culpa (elemento normativo) da conduta. Contudo, na
hipótese de ocorrência de causa relativamente independente superveniente, embora
exista nexo físico naturalístico, a lei, por expressa disposição do § 1º do artigo 13 do
Código Penal, excepciona a regra geral, jamais respondendo o agente pelo
resultado, apenas pela tentativa (Teoria da condicionalidade adequada).

ATENÇÃO: Se a causa superveniente estiver na linha de desdobramento


físico-anatômico ou anatomopatológico da ação, o resultado será atribuído ao
agente, por tratar-se de causa dependente (Ex.: parada cardiorrespiratória durante
uma cirurgia ortopédica a que se submeteu a vítima para a reparação de uma fratura
decorrente de um atropelamento – tal morte será atribuída ao autor, em razão do

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desdobramento causal obrigatório, respondendo o agente de acordo com o


elemento subjetivo do tipo).

Contudo, se provada a ocorrência de causa inesperada e inusitada (de


acordo com a análise do caso na prática), poderá ser rompido o nexo causal,
passando a concausa a ser considerada superveniente relativamente independente.

1.2.4 Tipicidade

A tipicidade em um primeiro momento pode ser entendida como sendo a


previsão de uma conduta pela lei, contudo, seu conceito deve ir além, razão pela
qual, a tipicidade deve ser entendida como sendo a adequação típica entre a
conduta prevista em lei e a praticada pelo agente.

Com efeito, ensina Mirabete (2010, p. 100), que a tipicidade é a


correspondência exata (adequada) entre o fato natural (concreto) e a descrição
contida na lei. Lecionando ainda o referido doutrinador, ao exemplificar este
elemento do fato típico citando que há tipicidade no homicídio se o agente pratica a
conduta de matar “alguém” (elemento objetivo), contudo, ao analisarmos o art.
159 do CP, verificamos que só haverá violação de segredo profissional, se esta
ocorrer “sem justa causa” (elemento normativo), caso contrário, a conduta será
atípica (por faltar um dos elementos do fato típico, quer seja, a tipicidade).

Ainda segundo Mirabete (2010, p. 101), é certo concluir que “a tipicidade é o


indício da antijuridicidade do fato”. Assim, praticado um fato típico, presume-se sua
antijuridicidade ou ilicitude, a qual somente poderá ser afastada se verificarmos uma
causa que a exclua, como por exemplo, em havendo a morte de alguém provocada
por uma conduta dolosa de outrem, em princípio, verificaremos o crime de homicídio,
já que um agente matou outro, havendo tipicidade (enquanto previsão legal – CP,
art. 121), presumindo-se a ilicitude de tal conduta, porém, tal presunção será
imediatamente afastada se verificarmos que o agente que praticou a referida
conduta, o fez agindo em legítima defesa, que é uma causa que exclui a
antijuridicidade.

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Neste ponto, observamos que o sujeito que praticou a conduta, não buscou
apenas matar, mas sim, se defender legitimamente, razão pela qual, a adequação
típica correta, não é aquela que o classifica como homicida, visto que não ocorreu
crime de homicídio, pois, embora tenhamos um fato típico, este não será antijrídico.

Como é possível observar, tipicidade e antijridicidade são institutos que


caminham próximos, quando na análise dos fatos.

Há fatos, entretanto, que apesar de antijurídicos, não são típicos, v.g., “fuga
de presos sem ameaça ou violência e sem colaboração de outrem” ou “dano
culposo”, pois falta a tipicidade, que constitui um elemento do FATO TÍPICO.

Portanto, deve-se frisar a distinção entre Tipo Penal, Tipicidade e Fato Típico:

a) Tipo Penal (descrição abstrata de uma conduta prevista em lei);

b) Tipicidade: é um dos elementos do fato típico, trata-se da adequação do


fato (natural, concreto) ao tipo penal;

c) Fato Típico (conduta, resultado, nexo causal e tipicidade).

É a tipicidade o principal elemento que verificará a ocorrência do fato típico


nos crimes contra a honra:Ex.: Na difamação, o interprete é que terá de fazer a
perfeita adequação do que é “fato ofensivo à reputação” (art. 139) etc.

2. Antijuridicidade

A Antijuridicidade ou ilicitude deve ser conceituada como sendo a


contrariedade entre a norma e conduta praticada pelo agente. Assim, enquanto a
tipicidade se traduz na previsão legal e adequação típica, presente a tipicidade,
podemos verificar indícios da antijuridicidade, que poderá se verificar ou não,
porque, nem sempre ao praticar uma conduta típica, o agente estará em
contrariedade à norma jurídica, pois, se a praticou sob o manto de uma causa

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excludente da antijuridicidade, sua conduta não será antijurídica, ou seja, não


ocorrerá crime13.

São as causa que afastam a antijuridicidade conhecidas por várias


denominações, quer sejam, excludentes de antijuridicidade; excludentes da
criminalidade; excludentes da ilicitude; causas de justificativas; eximentes ou
descriminantes etc.

Conforme o já exposto, não se confunde, antijuridicidade com tipicidade, nem


tampouco, estas com a culpabilidade, que para a concepção bipartida que conceitua
analiticamente crime, nada mais é do que pressuposto de aplicação da pena. Sendo
certo, de acordo com a concepção tripartida, a culpabilidade integra o conceito de
crime, sendo esta entendida como juízo de reprovabilidade da conduta, como se
constatá adiante.

2.2 Causas Excludentes

As causas que afastam a antijuridicidade podem ser classificadas de acordo


com sua origem, assim sendo, verificamos serem estas:

a) Gerais, quando previstas na Parte Geral do Código Penal14, sendo estas


enumeradas pelos incisos do art. 23 do referido Estatuto, como por exemplo a
legítima defesa (CP, art. 23, II);

b) Especiais, quando previstas na Parte Especial do Código Penal ou na


legislação penal especial, servindo de exemplo os casos em que o aborto não é
considerado crime, previstos nos incisos do art. 128 do mencionado Estatuto;

b) Extrapenais, localizadas em outras normas, como por exemplo a defesa


no esbulho possessório, continda no § 1º do art. 1.210 do Código Civil15;

13
Por essa razão é comum afirmar-se que o conceito de antijuridicidade é estabelecido a contrário senso, visto
que toda conduta prevista em lei, quando praticada deve ser considerada como ilícita, apenas não o sendo se
existir uma causa que disponha em contrário, ou seja, uma causa que justifique tal conduta, por isso, estas
causas podem ser denominadas “justificativas”.
14
São estas as mais comuns.

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c) Supralegais, que são as causas não previstas expressamente em lei,


exemplificando Nucci (2009, p. 242) com o consentimento do ofendido no caso da
acusação de furto16

Por oportuno, se faz necessário uma análise mais detida das causas gerais.

2.2.1 Estado de necessidade

Com fundamento legal no inciso I, do artigo 23 do Código Penal, consiste o


Estado de necessidade na primeira causa excludente de antijuridicidade, sendo esta
emanada de um Direito Natural do homem, segundo a qual, em determinadas
circunstâncias, garante o legislador ao agente, a possibilidade de sacrificar um bem
por outro, desde que respeitados os requisitos legais para tanto.

Assim sendo, devida a sua grande importância e representatividade perante o


Direito, bem como pelo rigor com que se ensejam seus requisitos, encontramos de
forma positivada sua definição, que a esse exemplo, quando positivada em lei,
denominamos “definição legal”, no caso em tela, insculpida no artigo 24 do Código
Penal:

Estado de necessidade

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica


o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade,
nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

São exemplos clássicos trazidos pela Doutrina: furto famélico; tábua de


salvação ou a antropofagia em caso de acidente.

15
Sendo esta causa um resquício da fase da vingança privada.
16
Nesse caso, parte da Doutrina entende que na verdade, as causas supralegais afastam a própria tipicidade e
não a antijuridicidade. Nesse sentido Capez (2011, p. 297), citando como exemplo a perfuração da orelha da
recém-nascida por sua mãe.

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Dispõe o Art. 24 § 1º do Código Penal que: Não pode alegar estado de


necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

Dever legal é aquele previsto em uma norma jurídica (lei, decreto,


regulamento etc), entendendo parte da Doutrina não há diferença entre dever legal
(emanado de lei) e dever jurídico (mera obrigação contratual ou voluntária), v.g.,
Nucci (2009, p. 249), sugerido uma interpretação extensiva, para incluir também,
nesse caso, pessoas que se responsabilizem por contrato de trabalho ou promessa
feita pelo garantidor. Ex.: vigilantes e guias de turismo.

Em sentido contrário, Nelson Hungria, citado por Nucci (2009, p. 249),


ressalvando que somente o dever advindo de lei é capaz de impedir o estado de
necessidade.

Assim, se o bem sacrificado for de valor maior do que o protegido, o juiz


poderá aplicar uma redução de pena, desde que presentes os demais requisitos
autorizadores do Estado de Necessidade, conforme determina o § 2º do artigo 24 do
Código Penal, não sendo excluída a antijuridicidade do fato, respondendo o agente
pelo crime.

Por oportuno, vale observar que o referido § 2º do artigo 24 do Código Penal


possui a seguinte dicção: “Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito
ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”, nestes termos,
observamos que a expressão “poderá” positivada na referida disposição, não deve
ser entendida como faculdade do magistrado sentenciante em concedê-la ou não,
mas sim, deve ser interpretada como determinante das balizas que limitam a
redução de pena obrigatória, neste caso, “de um a dois terços”, ou seja, o juiz
poderá reduzir neste montante, nem mais, nem menos.17

Ainda, cabe esclarecer, que esta excludente pode ser aplicada para a
proteção de qualquer bem jurídico tutelado pelo Direito, inclusive, em benefício de
terceiro, estendendo-se a discriminante aos co-autores e partícipes. Exemplo: um
incêndio na faculdade, Simas atira uma cadeira contra a porta de vidro da sala de

17
Nesse sentido, a redução de pena deve ser considerada como direito subjetivo do réu, do qual, o juiz
aplicador da lei não pode se furtar a conceder.

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aula, sendo seguido por Edu e Giordano, que juntos a quebram, possibilitando,
assim, a saída dos demais alunos.

2.2.2 Estrito cumprimento do dever legal

Com previsão Legal no Código Penal em seu art. 23, III, “primeira figura”, esta
causa excludente não possui definição legal, sendo reservada tal tarefa à Doutrina,
sendo este fixado segundo a seguinte justificação: “Quem cumpre (agente público)
regularmente um dever não pode ao mesmo tempo praticar um ilícito penal, uma vez
que a lei não contém contradições. Ex.: O policial que emprega força física para
efetuar uma prisão, gerando lesões no preso; O fiscal sanitário que viola domicílio;

2.2.3 Exercício regular de direito

Com previsão Legal no Código Penal em seu art. 23, III, “2ª figura”, esta
causa excludente, assim como ocorre no estrito cumprimento do dever legal,
igualmente, não possui definição legal, sendo reservada tal tarefa à Doutrina, que
com base no entendimento, segundo o qual, “qualquer pessoa pode exercitar um
direito subjetivo ou faculdade previstos na lei (penal ou extrapenal), garante em tais
circunstâncias a exclusão da ilicitude de uma conduta, em tese, típica.

Outrossim, lança mão a Doutrina, da necessidade de respeitar-se o Princípio


da Legalidade, esculpido na Carta Magna em seu Art. 5º, II, segundo o qual,
“Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei”, razão pela qual, a lei igualmente não pode comportar contradições, sendo
exemplos desta excludente: o direito de correção dos filhos (palmadas, ou castigos
moderados); expulsão pela força de pessoas que insistam em permanecer em locais
de acesso vedado, entre outros.

Não obstante, como não existe definição legal para determinadas causas
excludentes de ilicitude, algumas questões polêmicas permeiam a Doutrina e a
Jurisprudência, verbi gratia:

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VIOLÊNCIA ESPORTIVA: danos à integridade física (boxe; luta livre; futebol


etc.) – ocorrerá crime se o praticante desobedecer as regras, causando a lesão por
excesso;

INTERVENÇÕES MÉDICAS: atividades autorizadas pelo Estado (necessária


a autorização do paciente ou de seu representante legal) X estado de necessidade
em favor de terceiro.

Cônjuge que se recusa à prestação do débito conjugal (ainda que imotivadamente);

Trote acadêmico: violação da liberdade individual (Mirabete) x costume


NORONHA, Magalhães; MARQUES, José Frederico (excesso x moderação);

Ofendículos (ofendícula ou onfensácula): aparelhos predispostos para a


defesa da propriedade. Ex.: arame farpado; cacos de vidro; cerca elétrica.

Consentimento do Ofendido: Em regra: Não há crime se o direito tutelado for


disponível (violação de domicílio), contudo, haverá se for indisponível (a vida, no
caso da eutanásia).

Exceções (integridade física): vasectomia, piercing, operações de mudança


de sexo etc.

2.2.4 Legítima defesa

Por razões didáticas, reservamos o estuda da legítima defesa para esta


ocasião, em razão da grande quantidade de circunstâncias que cercam esta causa
excludente, que igualmente ao estado de necessidade, é oriunda de um Direito
Natural do homem, tratando de verdadeiro resquício da era em que a vigança
privada dominava o Direito, tratando, outrossim, de verdadeira exceção às cláusulas
teóricas fixadas pelo “Contrato Social”, celebrado entre os homens (sociedade) e o
Estado.

Outra semelhança guardada entre o estado de necessidade e a legítima


defesa, consiste no fato de que esta, igualmente devido a sua importância e
obdiência a requisitos legais, também, possui definição legal, a qual ficou reservada
ao artigo 25 do Código Penal, segundo o qual:

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Legítima defesa

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando


moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão,
atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

No entanto, valemo-nos desta oportunidade observar, que todas as causas


excludentes de antijuridicidade possuem um requisito em comum, quer seja, o
elemento subjetivo do tipo (dolo), em outras palavras, o agente deve ter
conhecimento de que esta agindo abrigado pelo manto de uma causa
excludente.

2.2.4.1 Agressão atual ou iminente e injusta

Considera-se agressão, como ato humano que lesa ou põe em perigo um


direito. Embora, geralmente implique em violência, poderão ocorrer casos
excepcionais, como por exemplo: (furto; omissão do carcereiro que não cumpre o
alvará de soltura).

A seu turno, consideramos ato humano, como sendo o agir contra força da
natureza ou ato de um animal (estado de necessidade), salvo se o ataque do animal
foi instigado por outrem.

Atual é a agressão que está se desencadeando, iniciando-se ou


desenrolando-se, pois ainda não se concluiu. Nesse sentido, não há legítima defesa
contra agressão futura, remota ou em face daquela que pode ser evitada por outro
meio, nem tampouco, não cabe a alegação no caso de já haver cessada a agressão.
Ex.: Ramalho, que após se livrar de seu agressor retornou ao local dos fatos,
causando-lhe lesões.

Injusta é a agressão não autorizada pelo Direito. A injustiça deve ser


considerada objetivamente (a agressão oriunda de um menor, embora não constitua
ilícito penal punível, autoriza a legítima defesa).

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2.2.4.2 Defesa de um Direito próprio ou alheio

Quando o legislador garante o uso da legítima defesa, que o sujeito possa


agir valendo-se da defesa de um Direito próprio, igualmente, na defesa de um Direito
alheio (de terceiro), consagra a lei a solidariedade humana.

Contudo, vale lembrar, que quando se tratar da defesa de Direitos próprios é


esta praticada de forma ampla e irrestrita, contudo, quando versar sobre Direito
alheio, só poderão ser abrangidos os indisponíveis (vida ou a integridade física).

Adimite-se a legítima defesa em interesse da coletividade contra atos


obscenos em locais públicos ou perturbação de cerimônia fúnebre, sendo a doutrina
pacífica a este respeito.

Contudo, em se tratando de legítima defesa, existe muito matéria


controvertida, entre estas: A Legítima Defesa da Honra, empregada perante o
Tribunal do Júri na defesa do Homicídio com motivação passional (caso
emblemático: Doca Street/Ângela Diniz (1976), tese sustentada pelo lendário
criminalista, que foi Ministro do STF, Dr. Evandro Lins e Silva (1979) - resultando
em uma condenação de reclusão por 02 anos com direito a sursis (porém, revista
em 1981, sendo fixado em Novo Júri a pena de 15 anos de reclusão, dos quais Doca
cumpriu apenas 5 anos, parte em regime aberto, até obter liberdade condicional).

2.2.4.3 Uso moderado dos meios necessários

São estes os que causam o menor dano indispensável à defesa do direito:

a) Meio necessário é aquele que dispõe o agente no momento em que


rechaça a agressão;

b) Havendo flagrante desproporção entre a ofensa e a reação, desnatura-se a


legítima defesa.

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2.2.4.4 Inevitabilidade da agressão

Requisito sustentado pela Doutrina e pela Jurisprudência, visto que o texto


legal não comporta tal exigência, como faz a Lei Italiana (commodus discessus).
Embora não se obrigue o sujeito a ser covarde, deve este evitar a agressão a ele
dirigida. Ex.: volta no quarteirão para que se evite o desafeto ou agressões
provenientes de crianças, jovens imaturos, doente mentais.

2.2.4.5 Questões relativas à legítima defesa

LEGÍTIMA DEFESA RECÍPROCA: Pressupondo esta justificativa uma


agressão injusta, não é possível falar-se em legítima defesa recíproca.

Um dos contendores (ou ambos, no caso do duelo) estará agindo ilicitamente


quando tomar a iniciativa da agressão.

Curiosidade: Poderá ocorrer a absolvição de ambos os contendores se, por


falta de provas, não se apurar qual deles tomou a iniciativa, mas não poderá falar-se
em Legítima Defesa.

LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA: Quando o agente supõe, por erro, que


está sendo agredido, repele a suposta agressão, sendo oportuno consignar que
ocorre o crime, pois faltam os requisitos da agressão real, atual ou iminente,
contudo, poderá o agente ser isentado de pena se o erro for plenamente justificado
pelas circunstâncias, na qual o agente supõe situação de fato que, se existisse,
tornaria a ação legítima, nos termos do previsto na 1ª figura do art. 20, § 1º do
Código Penal, prevendo a lei, na 2ª figura, a possibilidade da punição, no caso do
erro derivar de culpa (falta de cuidado do agente), sendo requisito para tanto,
igualmente, a tipicidade do crime na modalidade culposa.

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Descriminantes putativas

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas


circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a
ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa
e o fato é punível como crime culposo.

EXCESSO: Exige a lei moderação quando no emprego dos meios


necessários,

Excesso Doloso, aquele que ocorre de forma direta (intencional) ou eventual


(sendo possível prever o resultado, assumindo o agente o risco de sua produção).
Ex.: Após efetuar um disparo que derruba o agressor o agente dispara mais dois
outros tiros;

Excesso Culposo, quando o agente excede conduta, contudo, sem intenção,


dando causa ao resultado excessivo por imprudência ou negligência. Ex.: Após
dominar o seu agressor, o agente continua a sufocá-lo, temendo uma reação deste,
que acaba por morrer asfixiado (agente não tinha vontade de matar, mas deu causa
a morte por imprudência), sendo outro exemplo o caso do sujeito que após trocar
tiros com seu agressor, após atingi-lo, não se preocupa em prestar-lhe socorro,
dando causa a morte deste por negligência.

3. Objetos do crime

Segundo Mirabete (2010, p. 112), é tudo aquilo contra o que se dirige a


conduta criminosa. Divide-se em:

a) Objeto jurídico do crime, que é o bem-interesse tutelado pela lei penal,


v.g., “a vida” no crime de homicídio ou no infanticídio; “a integridade física” no crime
de lesão corporal; “a honra” na calúnia, injúria ou difamação; a incolumidade pública
no crime de incêndio etc. A Parte Especial do Código Penal obedece a um critério
que leva em consideração o objeto jurídico dos crimes, colocando em primeiro lugar
os mais importantes.

b) Objeto material do crime, ou substancial, é a pessoa ou a coisa sobre


as quais recai a conduta. É o objeto da ação. Ex.: O objeto material no crime de

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homicídio é a pessoa que morre; no furto é a coisa alheia móvel sobre a qual se
opera a subtração etc.

4. Crime consumado

A consumação ocorre quando preenchidos todos os elementos do tipo penal,


conforme preceitua o Código Penal no Art. 14 em seu inciso I. Ex.: No homicídio
e no infanticídio (art. 123 do CP), quando a vítima morre; no estelionato (art. 171 do
CP), com a obtenção da vantagem indevida etc.

Assim, não se confunde consumação com exaurimento do crime, que é a


realização, após a consumação, de outros resultados lesivos, como por exemplo: o
recebimento da vantagem indevida no crime de corrupção passiva (art. 317 do CP),
visto que o delito já se consumou com a solicitação, razão pela qual, lembramo-nos
do Iter criminis, caminho ou itinerário do crime, nada mais é do que a descrição das
fases da conduta delituosa:

a) Fase interna (cogitação) – Princípío da Alteridade - não punição do


pensamento (pensiero non paga gabela);

b) Fase externa (atos preparatórios ou preparação) – em regra não


puníveis (Ex.: estudo do local do roubo ou fabricação de chave falsa para furto).
Exceção: art. 291 do CP – Petrechos para falsificação de moedas – “(...) possuir ou
guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente
destinado à falsificação de moeda”;

Caso curioso ocorre com o crime de “Induzimento, instigação ou auxílio ao


suicídio” previsto pelo art. 122 do CP, sendo importante notar que, como leciona
Mirabete, “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, não são puníveis, se o
crime não chega, pelo menos, a ser tentado, nos termos do art. 31 do Código Penal:

Casos de impunibilidade

Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio,


salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime
não chega, pelo menos, a ser tentado.

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c) Atos executórios (execução): realização da conduta prevista no núcleo do


tipo (verbo): roubar, matar, subtrair etc.

d) Consumação: realização completa do tipo penal, em todos os seus


elementos.

5. Tentativa

Tentativa, do latim conatus, é a realização incompleta do tipo penal, ou seja,


a prática dos atos de execução, sem chegar o autor à consumação por
circunstâncias alheias à sua vontade, como estabelece o inciso II do art. 14 do
Código Penal (Fundamento Legal). Sendo oportuno observar, que neste caso,
informa o Parágrafo único do referido artigo: “Salvo disposição em contrário, pune-se
a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a
dois terços”.

Para se fixar a precisa tipificação legal, deve-se realizar a conjugação do tipo


penal (arts. 121, 122 etc.) com o dispositivo que define e prevê a sua punição pela
tentativa (art. 14, inciso II e parágrafo único).

Exemplo: No caso de tentativa de homicídio “simples” o réu responderá pelas


penas previstas no Código Penal em seu art. 121 c.c. art. 14, inciso II e parágrafo
único.

Atenção: A tentativa só pode ser reconhecida quando a conduta é de tal


natureza que não deixa dúvida quanto à intenção do agente. Ex.: Na hipótese de ser
o agente detido no interior de uma casa de onde “supõe-se”, pretendia subtrair
objetos, se o sujeito sequer tenha tocado neles, não se pode afirmar que iniciou uma
"subtração".

São espécies de tentativa:

Tentativa Perfeita (ou crime falho) – a consumação não ocorre apesar do


agente haver praticado todos os atos de execução, v.g., “vítima de tiros é salva
pelos médicos”;

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Tentativa Imperfeita – o sujeito não consegue praticar todos os atos, por


interferência externa, v.g., “sujeito é seguro enquanto está desferindo os golpes; o
assaltante é preso antes de subtrair a coisa”;

Tentativa Cruenta – a vítima é atingida (ocorrência de lesão) – podendo


ocorrer na tentativa perfeita ou imperfeita, v.g., “vítima recebe um (havendo mais –
imperfeita) ou vários tiros (descarregada a arma – perfeita)”;

Tentativa Incruenta (ou branca) – a vítima sai ilesa (não é atingida) –


igualmente, perfeita ou imperfeita, v.g., “há um único disparo (havendo mais –
imperfeita) ou vários tiros (descarregada a arma – perfeita)”.

Assim, observemos no que se refere à punibilidade, a fórmula aplicada


pelo Juiz:

1. Quanto mais próximo da consumação – menor a redução da pena;

2. Quanto maior a lesão – menor a redução.

Perfeita – mais grave Imperfeita – menos grave.

Cruenta – mais grave Incruenta – menos grave.

5.1 Aplicação da pena na tentativa

O Parágrafo único do art. 14 do Código Penal disciplina a redução obrigatório


de pena, a quem faz jus o agente que não chega a alcançar o resultado pretendido
por razões alheias à sua vontade, que seja, em regra, deve a pena ser reduzida,
neste caso, de um a dois terços, desde que não exista disposição em contrário, caso
em que se verificará a exceção, v.g., o disposto no art. 352 do CP - Evasão
mediante violência contra a pessoa - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o
indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a
pessoa ou o previsto no art. 309 do Código Eleitoral – votar ou tentar votar duas
vezes.

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5.2 Inadmissibilidade da tentativa

De acordo com a doutrina, não se admite a tentativa nos seguintes casos:

a) Crime culposo – visto que a necessidade de ocorrer um resultado lesivo é


um dos elementos deste crime; Exceção: culpa imprópria (erro de tipo inescusável) –
caso Jason e o primo – dolo punido como culpa;

b) Crime preterdoloso – dolo no antecedente e culpa no consequente


(resultado lesivo);

c) Crimes unissubsistentes – ato único – uso de documento falso (se tentar


usar, estará usando; se só portar – conduta atípica; se falsificar – outro crime)

d) Crimes omissivos puros – não se exige o resultado (Ex.: omissão de


socorro, deixou a vítima consumou o crime);

e) Crime habitual – reiteração de atos (consumação), ex.: furto do balconista;

f) Contravenção Penal – Disposição legal expressa (art. 4º da LCP);

g) Disposições expressas em contrário – Parágrafo único do art. 14 do CP,


v.g., art. 352 do CP – Evasão de presos.

6. Desistência voluntária e arrependimento eficáz

Prevê o Código Penal em seu Art. 15, que: “O agente que, voluntariamente,
desiste de prosseguir na execução, ou impede que o resultado se produza, só
responde pelos atos já praticados”.

A Natureza Jurídica da desistência voluntária é considerada pela doutrina


como sendo uma causa de exclusão da tipicidade (ou seja, não há adequação
típica). Ex.: Ladrão que invade o domicílio e nada leva (ausência de tipicidade para o
crime de furto), respondendo o agente por invasão de domicílio;

Atenção, a desistência tem de ser voluntária, pois, não será o caso, no


exemplo anterior, se a polícia cercar o domicílio, obrigando o ladrão a se render.

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No Arrependimento eficaz o sujeito, depois de encerrada a execução, se


arrepende, impedindo a realização do resultado. Ex.: “o sujeito que ministra antídoto
na vítima por ele envenenada; retirada da água a vítima que se pretendia afogar,
prestados os primeiros socorros e encaminhamento ao hospital; agente que subtrai
o bem, contudo, o devolve para a vítima antes que este saísse de sua esfera de
vigilância etc”.

É necessário que o agente logre êxito no impedimento da concretização do


resultado (ação eficaz), do contrário, o agente responderá pelo crime, por mais que
tenha feito para impedir a consumação. Ex.: caso a vítima de envenenamento, por
mais que insista o autor, se recuse a tomar o antídoto, vindo a falecer, esse
responderá por homicídio consumado (podendo o magistrado levar em consideração
o seu arrependimento, “ineficaz”, quando na fixação da pena).

Obs.: Nos crimes de mera conduta e formais, v.g., ato obsceno (art. 233 do
CP), não é possível a ocorrência de arrependimento eficaz, visto que encerrada a
execução o crime já esta consumado, não existindo resultado naturalístico a ser
evitado.

7. Arrependimento posterior

Com fundamento legal no Art. 16 do Código Penal, verificamos que: “Nos


crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou
restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do
agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

Entende a doutrina que sua natureza jurídica é de causa obrigatória de


redução de pena. Tratando-se de uma medida de Política Criminal para incentivar a
reparação do dano, imediatamente após o crime.

Requisitos:

 Crimes cometidos sem violência ou grave ameaça;

 Reparação do dano ou restituição da coisa (integralmente)* até o


recebimento da Denúncia ou queixa;

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 Ato voluntário praticado pelo agente.

*Tratando-se de reparação parcial, poderá esta ser entendida como uma


circunstância atenuante inominada18 (prevista pelo art. 66 do Código Penal);

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de


circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei.

Particularidades apontadas pela doutrina:

 A Rubrica é redundante, pois, arrependimento só poderá mesmo ser


posterior;

 Somente se aplica aos crimes em que ocorra lesão patrimonial direta,


não sendo possível, por exemplo, nos casos em que o agente responde por causar
lesões corporais culposas na vítima, ainda que o réu repare o dano patrimonial
causado pelo ilícito (Entendimento Doutrinário);

 Entende o STJ, que por tratar-se de uma circunstância objetiva,


havendo a reparação por um dos autores do ilícito, a causa de diminuição de pena
estende-se aos co-autores e partícipes (RHC 4.157-1/SP);

 O critério para a redução de pena, em decorrência do reconhecimento


do arrependimento posterior, leva em consideração a rapidez com que o réu faz o
ressarcimento do dano, ou seja, quanto mais rápido, maior a redução na pena.

18
Denominação doutrinária, visto que a norma em comento não possuí rubrica.

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Quadro comparativo:

Desistência Voluntária Arrependimento Eficaz Arrependimento Posterior

Art. 15 do CP, “1ª figura” Art. 15 do CP, “2ª figura” Art. 16 do CP


Agente desiste da execução Agente realiza toda execução Consumado o crime, o agente
impedindo o resultado. e se arrepende, impedindo o repara o dano causado, no
resultado prazo legal e de forma
voluntária

Requisitos: Requisitos: Requisitos:


Execução em curso Finda a execução Sem violência ou grave
Voluntariedade: vontade própria Arrependimento voluntário ameaça;
do agente (não poderá haver (sem coação) Antes do recebimento da
qualquer tipo de coação) Eficácia: não basta tentar, o denúncia;
agente terá de impedir Ato voluntário;
totalmente o resultado; Reparação integral;
Natureza Jurídica: Natureza Jurídica: Natureza Jurídica:
Causa geradora de atipicidade. Causa obrigatória de redução
Exclusão da tipicidade (ou seja, de pena, oriunda de Política
não há adequação típica). Idem Criminal – reparação do dano.
Consequência jurídica: Diminui a pena;
Afasta-se a tentativa de um Pode ser aproveitado por co-
crime mais grave e o agente só Idem atores e partícipes;
responde pelos atos praticados. Quanto mais breve a
reparação maior a redução

8. Crime impossível

Crime impossível (ou tentativa impossível; tentativa inidônea; tentativa


inadequada, ou ainda quase-crime), possue seu fundamento legal previsto no artigo
17 do Código Penal:

Crime impossível

Art. 17. “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do


meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime”.

Natureza Jurídica: Trata-se de uma causa de exclusão de tipicidade (e não


de isenção de pena, como parece sugerir o dispositivo legal). Assim, considera-se a
prática de um crime impossível uma conduta atípica.

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Diferenças entre crime impossível e tentativa:

Crime impossível Tentativa

A consumação jamais ocorrerá, por ineficácia A consumação deixa de ocorrer pela


absoluta do meio ou por absoluta interferência de causa alheia à vontade
impropriedade do objeto do agente
Ausência de tipicidade Ocorrência de tipicidade (CP – “tipo
penal” – c.c. art. 14, II e parágrafo único)
Não há crime – ausente a tipicidade, excluí-se Fato típico, porém, ocorrência de redução
um dos elementos do fato típico, sem o qual da pena, visto que não houve
não há crime (FATO TÍPICO – a) conduta; b) consumação (um a dois terços).
nexo causal; c) resultado e e) tipicidade.

Modalidades de crime impossível:

a) Ineficácia absoluta do meio: quando o meio empregado ou o instrumento


utilizado, jamais levará o agente à consumação do crime.

Ex.: um palito de dente para matar um adulto (o mesmo objeto perfurando a


moleira de um recém-nascido poderá ser eficaz); arma de brinquedo (configura
crime impossível de homicídio, mas não de roubo); falsificação grosseira de
documentos etc;

b) Impropriedade absoluta do objeto material: quando a pessoa ou a coisa


sobre a qual recai a conduta é absolutamente inidônea para a produção de qualquer
resultado lesivo.

Ex.: disparar tiros em um cadáver; ingestão de substância abortiva, acreditando-se


estar grávida etc.

9. Culpabilidade

O conceito de culpabilidade se apresenta sobre dois aspectos, pois, em um


primeiro momento, para aqueles que adotam a concepção bipartida do conceito
analítico de crime, esta seria mero pressuposto de aplicação da pena, contudo,
levando-se em consideração a concepção tripartida, na qual, esta integra o referido

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conceito, a culpabilidade é tida como juízo de reprovabilidade da conduta típica e


antijurídica praticada pelo agente.

Por oportuno, vale trazer a lume a lição de Capez (2011, p. 323):

Na culpabilidade afere-se apenas se o agente deve ou não


responder pelo crime cometido. Em hipótese alguma será possível a
exclusão do dolo e da culpa ou da ilicitude nesta fase, uma vez que
tais elementos já foram analisados nas precedentes. Por essa razão,
culpabilidade nada tem que ver com o crime, não podendo ser
qualificada como seu elemento.19

A análise de uma conduta típica e antijurídica como reprovável ou não, deve


percorrer o caminho necessário da verificação acerca da possibilidade do agente ter
agido de acordo com as regras postas pelo Direito, sendo assim necessária a
constatação de sua culpabilidade, uma vez presente seus elementos.

Ao estudarmos a culpabilidade, nos deparamos com as teorias que surgiram


com a evolução do Direito Penal, valendo lembrar da Teoria Psicológica20, segundo
a qual a culpabilidade é estabelecida por um vínculo psicológico estabelecido entre a
conduta do agente e o resultado causado pelo dolo ou por culpa (ocasião em que
eram elementos da culpabilidade: a imputabilidade; o elemento subjetivo do tipo
(dole e culpa).

Da Teoria Psicológica, evoluiu-se para a Teoria Normativa (ou Psicológico-


normativa), inovação introduzida em 1907, como leciona Capez (2011, p. 329), por
Reinhard Frank, sendo o dolo considerado um elemento normativo, possuindo em
seu conteúdo a consciência atual da ilicitude, ou seja, o conhecimento de que a
ação ou omissão é injusta aos olhos da coletividade, ensinando o referido
doutrinador:

(...) Assim, se acaso o agente tivesse consciência e a vontade de


realizar uma conduta, mas não soubesse que, aos olhos da
coletividade, ela era tida como injusta, não poderia ser
responsabilizado. Algo parecido com uma pessoa que conviveu toda

19
De acordo com o magistério de Capez, podemos observar que, em se tratado de conceito analítico de crime,
o mesmo adota a concepção bipartida, a qual excluí a culpabilidade.
20
Teoria que trata especificamente da Culpabilidade, empregada pelos adeptos da Teoria causal-naturalista da
ação.

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a sua existência com traficantes de drogas e, por essa razão, vende


cocaína como se fosse uma mercadoria qualquer. Por essa teroria
não há dolo nessa conduta.

Com efeito, concluí Capez (2011, p. 330) sobre a Teoria Normativa:

A principal crítica que se faz a esta teoria consiste em ignorar que o


dolo e a culpa são elementos da conduta e não da culpabilidade. Na
verdade, segundo alguns autores, eles não são elementos ou
condições de culpabilidade, mas objeto sobre o qual ela incide.

Com o advento da Teoria Finalista da Ação de Hans Wezel, surgiu a Teoria


Normativa Pura da Culpabilidade, segundo a qual, o “dolo” abandonaria a
culpabilidade21, passando a integrar a conduta, razão pela qual, desta oportunidade
em diante passou a culpabilidade a contar com três elementos, quer sejam, a
imputabilidade, que sempre integrou seu conceito; a exigibilidade de conduta diversa
e agora, o terceiro elemento, a potencial consciência da ilicitude, sendo que, ao
nosso moderno ver, foi esta a Teoria adotada pelo nosso Código Penal.22

9.1 Elementos da Culpabilidade

A culpabilidade se compõe de 03 elementos, quer sejam, imputabilidade;


potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, sem os

21
Para alguns doutrinadores já com o advento da Teoria Psicológico-normativa, o elemento subjetivo já
abandonara a culpabilidade, contudo, segundo Capez (2011, p. 329) isto se deu com a Teoria Normativa Pura,
decorrente da Teoria Finalista da Ação de Wezel (1930), todavia, salientamos que trata-se aqui, puramente de
uma discussão acadêmica.
22
No entanto, leciona Capez (2011, p. 331), que da Teoria Normativa Pura haveria uma derivação, denominada
Teoria limitada da culpabilidade, a qual ao ser ver teria sido a adotada pelo Código Penal Pátrio, divergindo da
primeira, apenas no que se refere ao tratamento legal atribuído às descriminantes putativas fáticas, visto que o
referido Estatuto represivo as teria tratado como erro de tipo (art. 20, §1º), enquanto as descriminantes
putativas por erro de proibição, ou erro de proibição indireto, seriam consideradas apenas como “erro de
proibição”, nos termos do disposto no art. 21, o que ao nosso modesto ver, valeria apenas discutir no campo
acadêmico mais aprofundado, momento em que, justificamos a presente nota em razão do respeito que
nutrimos em relação aos nobres acadêmicos.

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quais, não é possível a aplicação de pena, bastanto para tanto apenas que se afaste
um destes elementos por meio da verificação de uma dirimente23.

9.1.1 Imputabilidade

A imputabilidade é um elemento que sempre compôs a culpabilidade, desde


suas primeiras teorias, sendo seu conceito extraído à contrário senso das
disposições contidas no caput do art. 26 do Código Penal, assim, é imputável o
agente que possui PLENA capacidade psíq uica de ENTENDER o caráter ilícito
do fato e de DETERMINAR-SE de acordo com esse entendimentos (QUERER),
reunindo-se condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está
realizando um ilícito penal, possuindo ainda, totais condições de controle sobre sua
vontade, como lecionam Capez (2011, p. 331) e Mirabete (2010, p. 183).

Com efeito, leciona Nucci (2009, p. 289), que o binômio necessário para a
formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e
maturidade.

Assim sendo, a Doutrina aponta três critérios24:

a) O biológico, segundo o qual, somente se faz necessário verificar se o


agente é portador de alguma doença mental ou possui desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, casos em que deverá ser considerado inimputável,
consignando Capez (2011, p. 335), que “independentemente de qualquer verificação
concreta de essa anomalia ter retirado ou não a capacidade de entendimento e
autodeterminação”, tratando-se de uma presunção legal;

b) O psicológico, o qual verifica unicamente a capacidade de entendimento e


autodeterminação no momento da conduta;

c) O biopsicológico, que combina os dois primeiros, explicando Capez


(2011, p. 336), que esse sistema exige uma causa geradora prevista em lei, atuando

23
Causa excludente de culpabilidade.
24
Nesse sentido Nucci (2009, p. 290-291) ; Capez (2011, p. 335-336) e Mirabete (2010, p. 196).

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essa, efetivamente, no momento da conduta, retirando do agente sua capacidade de


entendimento e vontade.

O legislador pátrio adotou como regra o sistema biopsicológico, conforme o


disposto no caput do artigo 26 do Código Penal, bem como, adotou como exceção o
biológico, conforme se verifica nos termos do artigo 27 do mesmo diploma legal.

Atenção: o critério puramente psicológico não foi adotado, pois, se assim


fosse, por exemplo, estariam isentos de pena os casos em que o sujeito agindo
motivado por violenta emoção cometesse um crime (por exemplo, lesões corporais
graves perpetradas após flagrante adultério).

No que se refere a prova da inimputabilidade do réu somente se procede pelo


exame pericial (exame médico-legal), devendo ser realizado sempre que houver
dúvidas quanto a sua integridade mental, podendo ser ordenado de ofício pelo
magistrado (sem provocação de qualquer interessado), ou através do chamado
incidente de sanidade mental (que suspenderá o andamento do processo), quando
for realizado mediante requerimento do representante do Ministério Público ou de
seu defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do
acusado, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal:

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do


acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão
ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

Atenção: A Doutrina e a Jurisprudência firmaram entendimento de que o juiz


não pode dispensar o exame pericial, decidindo por convicção própria sobre a
inimputabilidade do réu, por se tratar de uma questão que exige conhecimentos
técnicos próprios da medicina.

No que toca à distinção entre imputabilidade e responsabilidade, leciona


Capez (2008, p. 309):

Responsabilidade é a aptidão do agente para ser punido por seus


atos e exige três requisitos: imputabilidade, consciência potencial da
ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Deste modo, o sujeito

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pode ser imputável, mas não ser responsável pela infração praticada,
quando não tiver a possibilidade de conhecimento do injusto ou
quando dele for inexigível conduta diversa.

Regra: todo agente é imputável, a não ser que ocorra causa


excludente da imputabilidade (chamada de causa dirimente)25. A
capacidade penal é, portanto, obtida por exclusão, ou seja, sempre
que não se verificar a existência de alguma causa que a afaste.
Dessa constatação ressalta a importância das causas dirimentes.

Deste modo, o sujeito pode ser imputável, mas não ser responsável pela
infração praticada, quando não tiver a possibilidade de conhecimento do injusto
ou quando dele for inexigível conduta diversa. Por exemplo: Na coação moral
irresistível - gerente de banco (Imputável) – retira do cofre o dinheiro e entrega aos
assaltantes que mantém seus empregados sob a mira de armas de fogo -
inexigibilidade de conduta diversa.

Na lição de Nucci (2009, p. 289), o binômio necessário para a formação das


condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.

Assim, temos a seguinte fórmula:

IMPUTABILIDADE = sanidade mental + maturidade.

9.1.2 Potencial consciência da ilicitude

Leciona o mestre Mirabete (2010, p. 183), citando Welzel26:

Não basta, porém, a imputabilidade. É indispensável, para o juízo de


reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço
de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. É imprescindível
apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade
antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se
conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há
falta ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. Essa condição

25
Atenção: Dirimente é toda causa que exclui a culpabilidade, assim, a inimputabilidade é uma dirimente, pois,
se o agente, por exemplo, é doente mental, deverá ser isento de pena, nos termos do art. 26 “caput” do Código
Penal, afastando-se assim a culpabilidade.
26
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte geral. 11. Ed. Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1970. p. 221.

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intelectual é chamada possibilidade de conhecimento da


antijuridicidade do fato (ou da ilicitude do fato).

Assim, obeservamos que a potencial consciência da ilicitude, foi um elemento


da culpabilidade, assim fixado, em razão da adoção do legislador pátrio, com
reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984, da teoria limitada da culpabilidade,
a qual, por sua vez, se funda na Teoria Finalista da Ação, levando-se em
consideração, para possibilitar ao Estado que aplique uma pena, que o agente
possua, consciência de que pratica uma conduta antijurídica.

Por oportuno, registramos as sábias palavras do Mestre Damásio Evangelista


de Jesus, que além de nos explicar sua posição, com seu exemplo, mostra o quanto
é importante, no estudo do Direito, estarmos abertos a novos conceitos:

Éramos partidários da teoria naturalística da conduta. Seduzidos pelo


estudo das teorias da culpabilidade no direito penal alemão,
sucumbimos à lógica da teoria finalista da ação, que passamos a
adotar. Com a sua aplicação, a solução dos mais árduos problemas
é encontrada com lógica e justiça, evitando presunções legais e,
principalmente, a responsabilidade penal objetiva, que não se
harmoniza com o moderno direito penal da culpabilidade.27

Lembramos ainda, que com a adoção da teoria finalista da ação, verificamos


apenas dois requícios da responsabilidade objetiva em nossa legislação, conforme
leciona Damásio (2010, p. 501), quer sejam, na actio libera in causa na embriaguez
(CP, art. 28, II), a qual verificaremos adiante e no crime de rixa qualificada (CP, art.
137, Parágrafo único).

9.1.3 Exigibilidade de conduta diversa

Além da imputabilidade e da potencial conciência da ilicitude, para que a


conduta do agente seja considerada culpável, será preciso que não se possa exigir

27
Jesus (2010, p. 510)

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deste, no momento do fato, uma conduta diversa, ou seja, qualquer pessoa28


naquele momento, agiria da mesma forma.

Neste momento, é preciso analisar as circunstâncias de fato, para poder na


realidade entender o comportamento do agente imputável, conciênte da ilicitude de
sua conduta, consistente em um fato típico e antijurídico, visto que, igualmente,
como leciona Mirabete (2010, p. 184), podem ocorrer circunstâncias ou motivos
pessoais que tornam inexigível uma conduta diversa, caso em que, verificar-se-á
afastada a culpabilidade do agente.

9.2 Causas que excluem a culpabilidade (dirimentes)

Didaticamente, concordamos com Nucci (2009, p. 289), igualmente dividindo


as dirimentes, para facilitar seu estudo, em dois grupos, com suas subdivisões:

I – Quanto ao agente:

a) existência de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou


retardado (Fundamento Legal: Código Penal, art. 26, caput.);

b) existência de embriaguez decorrente de vício (Fundamento Legal: Código


Penal, art. 26, caput.);

c) menoridade (Fundamento Legal: Código Penal, art. 27);

II – Quanto ao fato:

II.1. Causas legais:

a) coação moral irresistível (Fundamento Legal: Código Penal, art. 22);

b) obediência hierárquica (Fundamento Legal: Código Penal, art. 22);

c) embriaguez decorrente de caso fotuito ou força maior (Fundamento Legal:


Código Penal, art. 28, § 1º);

28
Na lição do Mestre Bitencourt (2010, p. 406), não se trata aqui de verificar como agiria o homem médio, mas
sim o sujeito em questão, pois, somente se pode dirigir um juízo de culpabilidade ao autor quando este podia
conhecer o injusto e adequar o seu proceder de acordo com esse entendimento.

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d) erro de proibição escusável (Fundamento Legal: Código Penal, art. 21);

e) descriminantes putativas, desde que o erro não derive de culpa com


previsão legal do tipo na modalidade culposa (Fundamento Legal: Código Penal, art.
20 § 1º);

II.2. Causas supralegais:

a) inexigibilidade de conduta diversa;

b) estado de necessidade esculpante;

c) excesso esculpante;

d) excesso acidental.

9.2.1 Doença mental, desenvolvimento mental incompleto e retardado

Conforme leciona Nucci (2009, p. 291-292), podemos entender como doente


mental, o agente que apresenta um quadro de alterações psíquicas qualitativas,
devendo esse conceito ser analisado no sentido lato, abrangendo as doenças tanto
de origem patológicas, quanto toxicológicas, exemplificando o primoroso
Doutrinador:

A epilepsia: acessos convulsivos ou fenômenos puramente


cerebrais, com diminuição da consciência (estado crepuscular) –
ações automáticas; histeria: desagregação da consciência que
acaba por falsear a verdade, fazendo o sujeito agir por impulso;
neurastenia: fadiga do caráter psíquico, com manifesta irritabilidade
e alteração do humor; psicose maníaco-depressiva: vida
desregrada, mudando de humor e caráter alternativamente,
tornando-se capaz de ações cruéis, com detrimento patente das
emoções; melancolia: doença dos sentimentos que faz o enfermo
olvidar a própria personalidade, os negócios, a família e as
amizades; paranóia: doença de manifestações multiformes,
normalmente composta por um delírio de perseguição sendo
primordialmente intelectual, pode matar acreditando estar em
legítima defesa; alcoolismo: doença que termina por rebaixar a
personalidade com frequentes ilusões e delírios de perseguição;
esquizofrenia: perda do senso de realidade, havendo nítida apatia,
com constante isolamento, perde-se o elemento afetivo, existindo
introspecção, [o agente] não diferencia realidade de fantasia;
demência: estado de enfraquecimento mental, impossível de
remediar, que desagrega a personalidade; psicose carcerária: a

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mudança de ambiente faz surgir uma espécie de psicose;


senilidade: modalidade de psicose, surgida na velhice, com
progressivo empobrecimento intelectual, idéias delirantes e
alucinações.

O desenvolvimento mental incompleto ou retardado, distingui-se dos casos de


doença mental, visto que neste o sujeito não possui maturidade intelectual e física
para entender o caráter ilícito de sua conduta, bem como se autodeterminar, seja em
razão da menoridade ou por apresentar, como leciona Nucci (2009, p. 292) “uma
característica particular, citando como exemplos o silvícola não civilizado e o surdo
sem capacidade de comunicação. Outrossim, adverte o brilhante Doutrinador:

Deve-se dar enfoque às denominadas doenças da vontade e


personalidades anti-sociais, que não são consideradas doenças
mentais, razão pela qual não excluem a culpabilidade, por não
afetarem a inteligência e a vontade. As doenças da vontade são
apenas personalidades instáveis, que se expõe de maneira
particularizada, desviando-se do padrão médio, considerado normal.
Exemplo: o desejo de aparecer; os defeitos ético-sexuais; a
resistência à dor; os intrometidos entre outros.

9.2.1.1 Doença mental e embriaguez decorrente de vício

A embriaguez decorrente de vício é considerada como doença mental,


portanto, afasta a culpabilidade do agente. Contudo, faz-se necessário distinguir a
embriaguez proveniente de mera intoxicação do organismo com a embriaguez
crônica, como ocorre no alcoolismo.

Todavia, no se refere a embriaguez (patológica) deve ser frisado que esta


abrange além dos alcooltras, também os dependentes químicos de remédios
controlados e de drogas, afastando-se, após comprovada a doença da qual decorre
sua embriaguez, a culpabilidade, impondo-se ao réu a Medida de Segurança e não o
cumprimento de pena.

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9.2.2 Menoridade

Quanto a menoridade penal, esta encontra sua limitação no dia em que o


sujeito completar 18 anos, havendo uma presunção legal, adotando o legislador, por
exceção, no art. 27 do Código Penal o sistema biológico.

9.2.3 Coação moral irresistível

A coação moral irresistível exclui a culpabilidade, pois nesse caso se verifica


a inexigibilidade de conduta diversa, visto que ninguém deve ser obrigado a agir
como herói. Nesse caso, é chamado de “coacto” agente que pratica a conduta,
denominando-se “coator” o que obriga o coacto a praticar a ação ou omissão.

A coação física ou vis absoluta (aquela que ocorre mediante o emprego de


força física), difere da coação moral ou vis relativa (na qual ocorre o emprego de
grave ameaça).

A consequência do ato praticado mediante coação, vai depender da


modalidade desta, senão vejamos:

Coação Física Coação Moral Irresistível Coação física ou moral


Vis absoluta Vis relativa resistível
Exclui a conduta (elemento Há crime, sendo a conduta Há crime, sendo a conduta típica,
do fato típico), pois elimina típica, pois, mesmo sendo pois, restou vontade no agente.
totalmente a vontade, grave a ameaça ainda existe Contudo, como se poderia exigir,
ensejando a absolvição do um resquício de vontade no nas circunstâncias, conduta
coacto. agente. Contudo, como não se diversa, visto ser resistível a
poderia exigir, nas coação, fica mantida a
circunstâncias, conduta diversa, culpabilidade, porém, deverá
fica excluída a culpabilidade, ser reduzida a pena do coacto.
isentando-se o agente da pena.
Atipicidade por ausência de Fundamento Legal: Artigo 22 Fundamento Legal:
elemento subjetivo do tipo. do Código Penal. circunstância atenuante
genérica prevista no Código
Pernal art. 65, III, “c”, 1ª parte.
Ex.: Sujeito forçado a disparar Ex.: Gerente do banco que abre Ex.: José, recebendo uma
uma arma, pois o coator lhe o cofre e entrega todo o ligação ameaçadora, subtrai o
apertava o dedo sob o gatilho. conteúdo ao coator, pois este dinheiro do caixa do banco onde
mantinha a sua família como trabalha e o entrega ao coator.
refém.

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9.2.4 Obediência hierárquica

Conceitua Capez (2011, p. 354), a obediência hierárquica como sendo a


obediência a ordem não manifestadamente ilegal de superior hierárquico, tornando
viciada a vontade do subordinado e afastando a exigência de conduta diversa.

Para Nucci (2009, p. 299), a obediência hierárquica pode ser conceituada


como sendo a ordem de duvidosa legalidade dada pelo superior hierárquico ao seu
subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob pena de responder pela
inobservância da determinação.

A Doutrina reconhece como elementos da obediência hierárquica:

a) Como regra, a existência de três partes envolvidas,29 quer sejam,


superior, subordinado e vítima;

b) Aparente legalidade da ordem, visto que a ordem manifestadamente


ilegal, poderia levar o subordinado a incorrer em erro de proibição, não havendo
exclusão da culpabilidade por se tratar de um erro evitável, constituindo mera causa
de redução de pena nos termos da parte final do art. 21 do Código Penal, contudo,
se fosse a ordem legal, acabaria por excluir a ilicitude, com fundamento no Código
Penal, art. 23, III, 1ª figura – Estrito cumprimento do dever legal);30

c) Relação de subordinação hierárquica, a qual sempre deverá envolver


uma função pública, estando portanto, excluída qualquer hipótese de relação
privada;

d) Estrito cumprimento da ordem, assim, não será o caso de afastar-se a


culpabilidade do agente que excedeu a determinação recebida por seu superior.

29
Requisito que não é pacífico na doutrina.
30
Vide ANEXO – I – p. 70.

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9.2.5 Embriaguez

Conceitua Nucci (2009, p. 300-301), embriaguez é uma intoxicação aguda


provocada no organismo pelo álcool ou por substância de efeitos análogos, sendo
possível a sua constatação de três maneiras diferentes:

a) exame clínico, que é o contato direto com o paciente, analisando-


se o hálito, o equilíbrio físico, o controle neurológico, as percepções
sensoriais, o modo de falar, a cadência da voz, entre outros; b)
exame de laboratório, que é a dosagem etílica (quantidade de
álcool no sangue); c) prova testemunhal, que pode atestar as
modificações de comportamento do agente. Naturalmente, o critério
mais adequado e seguro é a união dos três, embora se existir
apenas um deles já possa ser suficiente, no caso concreto, para
demonstrar a embriaguez.

9.2.5.1 Embriaguez acidental

Embriaguez acidental é aquela decorrente de caso fortuito ou força maior,


casos em que restará afastada a culpabilidade do agente, nos termos do disposto no
Código Penal, art. 28, § 1º, in verbis:

“É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,


proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação
ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Grifo
nosso.

Caso fortuito: situações raras, o agente age sem dolo ou culpa. Ex.: sujeito
que recebe medicamentos que combinados causam embriaguez;

Força maior: força externa, contra a vontade do agente. Ex.: sujeito coagido,
física ou moralmente à fazer uso de substâncias alucinógenas.

Atenção: A embriaguez incompleta não afasta a culpabilidade, visto que


restava ao agente, ao menos parcialmente, capacidade de entendimento e
autodeterminação, ensejando, no entanto, uma redução de pena de 1/3 a 2/3, nos

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termos do previsto pelo § 2º do artigo 28 do Código Penal – “A pena pode ser


reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso
fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.”

9.2.5.2 Embriaguez voluntária ou culposa

A embriaguez voluntária é aquela que deriva de uma ação livre e consciente


do sujeito (decorrente de dolo), enquanto a culposa, é a proveniente de imprudência
ou negligência, visto que o agente não desejava se embriagar.

9.2.5.3 Actio libera in causa (ações livres nas causas)

Ação livre do agente, ou Actio libera in causa, ocorre quando o agente


ingere a substância livremente (embriaguez preordenada), podendo não fazê-lo,
com o escopo de motivar-se a delinguir razão pela qual, mesmo sendo completa, tal
embriaguez não afastará a imputabilidade, sendo o fato culpável.

Essa teoria leva em consideração a consciência do agente no momento da


ingestão da substância e não o momento da prática delituosa, constituindo
verdadeiro resquício da Responsabilidade Objetiva no Direito Penal.

Atenção: embora ainda exitam entendimentos em contrário, entendemos,


assim como Damásio, Capez e Nucci, que a responsabilidade objetiva deve ser
afastada por completo nos casos de embriaguez voluntária, diversos da
preordenada (actio libera in causa), assim, se não é possível ao julgador concluir se
o agente embriagou-se para cometer o crime ou cometeu o crime após embriagar-se
completamente, sem premeditá-lo, caso em que deve o réu ser absolvido, pois a
dúvida milita em seu favor, prevalescendo o Princípio do estado de inocência,
previsto na Carta Magna em seu artigo 5º, LVII.

Nessa esteira, leciona Capez (2011, p. 340 apud DAMÁSIO, 1995, p. 451):

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Com o advento da Constituição de 1988, “o art. 28, II, do Código


Penal, na parte em que ainda consagrava a responsabilidade
objetiva, uma vez que permitia a condenação por crime doloso ou
culposo sem que o ébrio tivesse agido com dolo ou culpa, foi
revogado pelo princípio constitucional do estado de inocência (CF,
art. 5º, LVII)”.

O legislador pátrio, além de não afastar a culpabilidade nos casos de


embriaguez preordenada, ainda a considera como uma circunstância agravante
genérica, com previsão legal no Código Penal em seu artigo 61, II, “l”, in verbis:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando


não constituem ou qualificam o crime:

II - ter o agente cometido o crime:

(...)

l) em estado de embriaguez preordenada.

9.2.5.4. Embriaguez Patológica

São aquelas derivadas de uma patologia (doença), como nos casos de


demência ou psicose alcoólicas, devendo o agente ser considerado, como leciona
Mirabete (2010, p. 283) portador de doença mental ou em estado de perturbação da
saúde mental, distinguindo-se, portanto, do simples ébrio habitual.

Reconhecida a embriaguez patológica, estará o agente isento de pena nos


termos do previsto no Código Penal em seu artigo 26, 1ª figura.

9.2.5.5 Fases da embriaguez

a) Excitação: estado eufórico inicial provocado pela inibição dos mecanismos


de autocensura. O agente torna-se inconveniente, perde a acuidade visual e tem seu
equilíbrio afetado - “FASE DO MACACO”;

b) Depressão: passada a excitação inicial, estabelece-se uma confusão


mental e há irritabilidade, que deixam o sujeito mais agressivo - “FASE DO LEÃO”;

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c) Sono: nessa última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas,
o agente fica em estado de dormência profunda, com perda do controle das funções
fisiológicas (fase em que ocorrem, comumente os crimes omissivos) - “FASE DO
PORCO”.

9.2.6 Erro de proibição escusável

Com fundamento legal no Código Penal, art. 21, 2ª figura, o erro de proibição
escusável, consiste na hipótese em que o agente atua sem consciência potencial da
ilicitude, razão pela qual não deve sofrer prejuízo de censura, caso pratique um fato
típico e antijurídico.

No erro de proibição, o agente acredita que a conduta que esta praticando


não é proibida pela lei, visto lhe faltar, no caso do erro de proibição escusável (ou
desculpável) a consciência da ilicitude do fato.

Um exemplo de erro de proibição poderia ser o caso do homem que vive em


uma comunidade rural isolada, que tem por tradição costumes como castigar os
filhos, aplicando-lhes surras e castigos como ajoelhar em porções de milho etc,
causando-lhes lesões corporais de natureza leve, o que, constitui uma conduta
típica, entendida como violência doméstica. Assim, tal homem, imagina que bater
em alguém, causando-lhe lesões corporais leves consiste em crime, contudo,
acredita que, em se tratando de seus filhos, é seu direito corrigi-los como entender,
acritando, ainda, ser esta prática permitida pela lei, que nunca leu por não ter acesso
e por ser analfabeto.

Nesse exemplo, o homem comete o crime, mas deve ser isentado de pena,
pois, não existe juízo de reprovabilidade em sua conduta, visto que agiu acreditando
estar fazendo um bem aos filhos, educando-os, bem como, acobertado por um
direito, que de fato não existe. Sendo igualmente desculpável sua conduta, em razão
de suas condições de isolamento do mundo moderno, vivendo o mesmo sob o rito
das tradições.

Outros exemplos podem ser colhidos da doutrina, v.g., Mirabete (2010, p.


189): citando o do sujeito que vendeu o relógio deixado em seu estabelecimento

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para conserto, depois de passado o prazo em que o proprietário deveria buscá-lo,


supondo que a lei lhe permite a venda para pagamento dos serviços prestados.

Sobre o tema, leciona Mirabete (2010, p. 190), que se o agente não tinha
possibilidade de consciência sobre a ilicitude da ação (por deficiência intelectual, por
impossibilidade física, por circunstância de tempo e de lugar etc.), não será punido.

9.2.7 Descriminantes putativas

As descriminantes putativas são também dirimentes, desde que o erro não


derive de culpa com previsão legal do tipo na modalidade culposa (Fundamento
Legal: Código Penal, art. 20 § 1º, 1ª figura), caso em que o agente supõe que está
agindo licitamente, crendo estar acobertado por uma causa excludente de
antijuridicidade, contudo, na prática, faltam os requisitos legais para tanto.

Como ocorre no exemplo na legítima defesa putativa, quando o sujeito que


era constantemente ameaçado por um seu desafeto, encontra com este em uma rua
escura e acredita que o mesmo iria sacar uma arma, quando colocou a mão no
bolso da blusa, momento em que o agente atirou contra este, acreditando estar
agindo em legítima defesa, contudo, na realidade faltava o requisito da real agressão
injusta, pois a vítima portava apenas uma carteira de cigarros em seu bolso.

Nesse exemplo, se a conduta do agente for desculpável, de acordo com as


circunstâncias fáticas, estará este isento de pena. No entanto, se for indesculpável,
como por exemplo, se ficar comprovado que houve precipitação do agente ao atirar,
este responderá por homicídio culposo, uma vez que agiu com imprudência, bem
como existindo tipicidade na modalidade culposa para o crime por ele praticado
(Código Penal - art. 121, § 3º).

Vale lembrar que a descriminante putativa pode ocorrer em se tratando de


qualquer das excludentes de antijuridicidade.

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9.2.8 Inexigibilidade de conduta diversa

A inexigibilidade de conduta diversa é classificada pela doutrina como uma


causa supralegal de exclusão da culpabilidade, visto que não existe tal previsão de
forma expressa na legislação penal pátria, sendo esta causa oriunda da doutrina
alemã.

É no magistério de Nucci (2009, p. 306), que encontramos o primeiro caso de


sua aplicação, quer seja, Leinenfanger, cavalo indócil que não obedece às rédeas:

O proprietário de um cavalo indócil ordenou ao cocheiro que o


montasse e saísse a serviço. O cocheiro, prevendo a possibilidade
de um acidente, se o animal disparasse, quis resistir à ordem. O
dono o ameaçou de dispensa caso não cumprisse o mandado. O
cocheiro, então, obedeceu e, uma vez na rua, o animal tomou-lhe as
rédeas e causou lesões em um transeunte. O Tribunal alemão
absolveu o cocheiro sob o fundamento de que, se houve
previsibilidade do evento, não seria justo, todavia, exigir-se outro
proceder do agente. Sua recusa em sair com o animal importaria a
perda do emprego, logo a prática da ação perigosa não foi culposa,
mercê da inexigibilidade de outro comportamento.

Nesta oportunidade, cabe esclarecer que a doutrina, em sua porção


majoritária possui certas restrições ao emprego da inexigibilidade de conduta diversa
como causa excludente da culpabilidade, recomendando uma análise apurada do
caso prático, todavia, a lei prevê duas hipóteses que, quando verificadas, não
deixam dúvidas a respeito da aplicação desta dirimente, quer sejam, a coação moral
irresistível e a obediência hierárquica.

No entanto, a jurisprudência tem exemplificado casos em que a inexigibilidade


de conduta diversa tem reconhecido dirimentes supralegais. Nessa esteira, cita
Capez (2011, p. 357):

O Tribunal Regional Federal também afirmou a tese de que a


inexigibilidade de conduta diversa não se limita às hipóteses de
coação moral irresistível e obediência hierárquica, aplicando-a em
um caso de utilização de passaporte falso para permitir ingresso no

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Estados Unidos da América, por pessoa que procura melhores


oportunidades e condições de vida.31

Em suma, a reprovabilidade da conduta de alguém somente será possível


quando for exigível um comportamento social diferente daquele adotado pelo
agente, pois, se este agiu da mesma forma que a coletividade, naquela situação
teria agido, estaremos diante da inexigibilidade de uma conduta diversa, ocasião em
que a culpabilidade deverá ser afastada.

9.2.9 Estado de necessidade exculpante

Trata-se, sem dúvida, de um tema polêmico, pois a doutrina diverge a


respeito da aceitação do estado de necessidade exculpante como causa que afaste
a culpabilidade, desta forma, antes de adentrarmos ao tema, se faz necessário
analisarmos as teorias existentes, de acordo com o magistério de Andreucci (2010,
p. 112-113):

a) A teoria unitária, a qual não leva em consideração o valor do bem


sacrificado, nem tampouco o protegido, na hipótese de aplicação do estado de
necessidade (tanto faz, vida por patrimônio ou patrimônio por vida), havendo
exclusão da antijuridicidade em qualquer dos casos.

b) Teoria diferenciadora, oriunda do Direito Alemão, contrapõe-se à teoria


unitária, por levar em consideração o valor dos bens jurídicos envolvidos na situação
de perigo, razão pela qual, considera justificante, o estado de necessidade em que
o agente sacrifica um bem de menor valor para salvar um de maior valor, afastando
assim a antijuridicidade do fato. Contudo, caso o bem sacrificado for de valor igual
ou maior, que o protegido, inexigindo-se, uma conduta diversa, verificar-se-ai o
estado de necessidade exculpante, consistindo este em uma causa que exclui a
culpabilidade.

31
TRF, 2ª Região, 3ª T., Ap. 1999.02.0362777-3-RJ, Rel. Juiz convocado Guilherme Drefenlhaeler, j. 1º-12-1999,
unânime, DJU, 27-6-2000, p. 228.

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72
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Diante das duas teorias exposadas, a doutrina diverge:

Para Andreucci (2010, p. 112), o nosso Código Penal adotou a teoria unitária,
ao não estabelecer em seu art. 24 qualquer diferenciação entre o estado de
necessidade justificante e o exculpante, tratando, na opinião deste doutrinador, em
se verificando um estado de necessidade, de uma causa excludente de ilicitude.32

Em sentido contrário, porém, Capez (2011, p. 298-299), não admite a


adoção do estado de necessidade exculpante como dirimente, pois em seu
magistério, entende que para agir em estado de necessidade, sendo afastada a
antijuridicidade, o agente em sua conduta, escolhe, dentro de um critério de
razoabilidade, ditado pelo senso comum, qual bem jurídico deve ser salvo, em
prejuízo de outro, lecionando que, desta forma:

Não existe comparação de valores, pois ninguém é obrigado a ficar


calculando o valor de cada interesse em conflito, bastando que atue
de acordo com o senso comum daquilo que é razoável. Assim, ou o
sacrifício é aceitável, e o estado de necessidade atua como
causa justificadora, ou não é razoável, e o fato passa a ser
ilícito.

O estado de necessidade jamais atuará como causa supralegal


de exclusão da culpabilidade. Tal interpretação aflora do texto
legal, pois o art. 24, § 2º, do CP dispõe que, quando o sacrifício não
for razoável, o agente deverá responder pelo crime, tendo apenas
direito a uma redução de pena de 1/3 a 2/3. Ora, se a falta de
razoabilidade leva tão-somente à diminuição de pena, isto significa
que ficou caracterizado o fato típico e ilícito, e, além disso, o agente
foi considerado responsável por ele (somente se aplica a pena,
diminuída ou não, a quem foi condenada pela prática de infração
penal). Grifo nosso.

A posição que nos parece, com a devida vênia aos mestres, ser a mais
correta, é a defendida pelo festejado doutrinador Cesar Roberto Bitencourt, segundo
a qual, o nosso Código Penal consagra o estado de necessidade como excludente
da antijuridicidade, sem as restrições adotadas pela doutrina alemã, não
estabelecendo a ponderação de bens (maior, igual ou menor valor), nem tampouco
definindo a natureza destes ou as condições de seus titulares.

32
Nesse sentido Costa Júnior (2006, p. 64)

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No entanto, leciona o referido mestre, que a doutrina alemã, com o obejtivo de


preencher as lacunas existente na legislação pátria, passou a sustentar a existência
de um estado de necessidade supralegal, resultando desta, a teoria diferenciadora.

Desta forma, leciona Bitencourt (2009, p. 365), que o estado de necessidade


justificante, oriundo da construção pretoriana alemã, configura-se quando o bem ou
interesse sacrificado for de menor valor. Sendo certo que a doutrina brasileira,
historicamente, também admitiu o emprego desta causa excludente da
antijuridicidade no caso de igualdade entre os bens e interesses, como no clássico
exemplo da “tabua de salvação”.

Nessa esteira, o estado de necessidade exculpante teria lugar, quando,


embora o bem sacrificado fosse de maior valor que o preservado, não se
pudesse exigir um comportamento diverso do agente, estando assim excluída a
sua culpabilidade, tratando-se este, de uma causa supralegal (não prevista pelo
Direito posto, mas reconhecida como um Princípio Geral do Direito).

Admitindo tal dirimente, exemplifica Nucci (2009, p. 246):

Um arqueólogo que há anos buscava uma relíquia valiosa, para


salvá-la de um naufrágio, deixa perecer um dos passageiros do
navio. É natural que o sacrifício de uma vida humana não pode ser
considerado razoável para preservar-se um objeto, por mais valioso
que seja. Entretanto, no caso concreto, seria demais esperar do
cientista outra conduta, a não ser a que ele teve, pois a decisão que
tomou foi fruto de uma situação de desespero, quando não há
tranqüilidade suficiente para sopesar os bens que estão em disputa.
Não poderá ser absolvido por excludente de ilicitude, visto que o
direito estaria reconhecendo a supremacia do objeto sobre a vida
humana, mas poderá não sofrer punição em razão do afastamento
da culpabilidade (juízo de reprovação social).

Contudo, se em análise às circunstâncias, verificar-se que o sujeito agiu com


flagrante desproporcionalidade entre os bens em conflito, sacrificando o bem mais
valioso, na lição de Bitencourt (2009, p. 366), afasta-se, legalmente, não só o
estade de necessidade justificante, mas também o estado de necessidade
exculpante, aplicando-se, todavia, a redução de pena prevista no § 2º do art. 24 do
Código Penal.

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Desta forma, importantíssimo se faz, nesta oportunidade, trazer a lume o


magistério de Damásio (2010, p. 528), o qual se coaduna com nossa modesta
posição:

Como ensina Aníbal Bruno, a não exigibilidade vale por um


princípio geral de exclusão da culpabilidade, que vai além das
hipóteses tipificadas no Código e pode funcionar também com
este caráter nos casos dolosos em que de fato não seja
humanamente exigível comportamento conforme ao Direito. Esta
aplicação encontra sobretudo oportunidade nos crimes por omissão,
em que a pressão da situação total do momento anula no agente a
capacidade de agir em cumprimento ao dever que lhe incumbe,
deixando-o inativo, a permitir que lhe consume o resulado danoso.33

A aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa como


causa supralegal de exclusão da culpabilidade encontra apoio na
integração da lei penal. Vimos que o Direito Penal positivo possui
lacunas. Havendo omissão legislativa no conjunto das normas penais
não incriminadoras, e não havendo o obstáculo do Princípio da
Reserva Legal, a falha pode ser suprida pelos processos
determinados pelo art. 4º da LICC: analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito. Se o caso é de inexigibilidade de conduta
diversa e não encontrando o juiz norma a respeito no direito positivo,
pode lançar mão da analogia para absolver o agente. Não se trataria
bem de uma hipótese supralegal de exclusão da culpabilidade, pois,
em última análise o juiz estaria a disposição reitora do caso
semelhante ao fao concreto. Mas, não havendo norma descritiva de
fato semelhante, o juiz pode absolver o sujeito com base nos
costumes e nos princípios gerais de direito em que se fundamenta a
inexigibilidade. Então, o juiz não estaria aplicando uma norma
contida na legislação penal, mas sim em uma causa supralegal
de exclusão da culpabilidade. Herzbruch ensina que as causas de
exclusão da culpabilidade contidas nos Códigos não são mais que
simples manifestações do princípio geral segundo o qual a não
exigibilidade de outra conduta exclui a culpabilidade, pelo que
não vê inconveniente que o juiz absolva o agente que atuou sem
que lhe pudesse exigir outro comportamento, ainda que sua
situação não se encontre prevista em lei.34 Não se trata da
adoção de um critério anárquico, que viria a trazer embarasso e
incerteza à aplicação da lei penal, mas de um critério a ser
adotado pelo juiz com ponderação, atendendo a situações
excepcionalíssimas não previstas pelo legislador. Grifo nosso.

Por oportuno, cabe consignar que o estado de necessidade exculpante,


consiste em uma dirimente que está ligada diretamente à inexigibilidade de conduta

33
A culpabilidade, Revista Pernambucana de Direito Penal e Criminologia, 1954, p. 163.
34
Apud José Antonio Sainz Canteiro, La exigibilidad de conducta adecuada a la norma en derecho penal, p. 84.

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diversa, tratando-se dos casos em que o agente em aparente estado de


necessidade justificante, sacrifica um bem de valor maior para salvar outro de valor
menor, não lhe sendo possível, nas circunstâncias em que se encontrava,
exigir-se outro comportamento. Caso em que, insistimos, não se excluí a
Antijuridicidade (como ocorreria se estivesse agindo em estado de necessidade,
sendo o bem sacrificado de valor inferior (como se depreende do caput do art. 24 do
CP) ou igual (conforme o entendimento doutrinário majoritário) ao preservado, mas
sim a culpabilidade, de acordo com a opinião embasada na citada doutrina.

9.2.10 Excesso exculpante

O excesso exculpante esta diretamente ligado à legítima defesa, sendo


verificado quando o agente, em razão do medo, cansaço, excitação, consternação,
surpresa ou perturbação de ânimo, excede no emprego da justificativa, como se
verifica no exemplo do sujeito que desfere várias estocadas com a faca retirada de
seu agressor, durante a luta corporal que travavam, agindo por mais vezes do que
seria necessário para repelir o ataque, matando seu agressor, hipótese em que
poderíamos verificar a ocorrência de imprudência, contudo, encontramos justificativa
na conduta excessiva do agente, em função da especial situação por que passava.

Sobre o tema, vale transcrever o magistério de Nucci (2009, p. 280-281),


segundo o qual:

Convém mencionar, também, que, no direito espanhol o medo chega


a se constituir causa de exclusão da culpabilidade, conforme a
situação (art. 20, 6º, CP Espanhol). Narra Enrique Esbec Rodríguez
que o medo é um autêntico sobressalto do espírito, produzido por um
temor fundado de um mal efetivo, grave e iminente, que obscurece a
inteligência e domina a vontade, determinando alguém a realizar um
ato que, sem essa perturbação psíquica, deveria ser considerado
criminoso. Para a apreciação desta excludente é imprescindível que
o medo seja o móvel único da ação (Psicología Forense y
Tratamiento Jurídico Legal de la discapacidad, p. 104). Embora no
direito brasileiro não se possa considerar o medo como excludente
de culpabilidade, é certo que ele pode dar margem à reações
inesperadas por aquele que o sente, valendo levar este estado de
espírito em conta na análise da legítima defesa e do estado de
necessidade, em especial quando se discute ter havido excesso.

Finalmente, deve-se considerar que a hipótese do excesso


exculpante vem prevista no Código Penal Militar (art. 45,

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Parágrafo único: “Não é punível o excesso quando resulta de


escusável surpresa ou perturbação de animo, em face da
situação”), inexistindo razão para deixar de considerá-lo
também no direito penal comum. Grifo nosso.

Em sentido contrário, leciona Capez (2011, p. 312) sobre o excesso


exculpante:

Não deriva nem de dolo, nem de culpa, mas de erro plenamente


justificado pelas circunstâncias (legítima defesa subjetiva). Apesar de
consagrada pela doutrina, tal expressão não é adequada, uma vez
que não se trata de exclusão da culpabilidade, mas do fato típico,
devido à eliminação do dolo e da culpa. O excesso na reação
defensiva decorre de atitude emocional do agredido, cujo estado
interfere na sua reação defensiva, impedindo que tenha condições de
balancear adequadamente a repulsa em função do ataque, não se
podendo exigir que o seu comportamento seja conforme a norma.

Data máxima venia, ousamos discordar do mestre Capez, nos filiando aos
doutrinadores que reconhecem o excesso exculpante como uma dirimente.

9.2.11 Excesso acidental

O excesso acidental, deriva do exagero decorrente de caso fortuito, na


medida empregada pelo agente que agia abrigado por uma das causas excludentes,
exemplificando Nucci (2009, p. 281), com o caso da legítima defesa em que o sujeito
efetua disparos de arma de fogo, alvejando seu agressor, que atingido, cai e bate a
cabeça na guia da calçada, morrendo em decorrência desta contusão e não pelos
tiros que recebeu. Nesse caso, se reconhecido o excesso de tiros, o resultado não
poderá ser atribuído ao agente, pois resultou de caso fortuito, o qual exclui o dolo e
a culpa. Sendo certo que, não há reprovabilidade na conduta do sujeito que disparou
os projéteis, devendo ser afastada sua culpabilidade em relação ao resultado.

9.2.12 Outras causas supralegais de exclusão da culpabilidade

Sendo pacífico que podemos definir causas supralegais como sendo aquelas
que não estão contidas na legislação de forma expressa, porém, presentes em

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nosso Direito por meio de Princípios Gerais do Direito, sendo um deles a


inexigibilidade de conduta diversa, citamos como exemplo a polêmica questão do
aborto em caso de feto com deformidade ou portador de enfermidade incurável que
impediria sua sobrevivência após o nascimento.

Sobre os casos de anencefalia de feto, encontramos a lição de Ishida (2010,


p. 146), segundo a qual:

Sobre a matéria, em 19-11-2003, G. O. C. obteve do Tribunal de


Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) a permissão para abortar filha
anencéfala. Um sacerdote católico ingressou perante o STJ com
Habeas Corpus em favor do nascituro (HC 32156). Em 26 de
novembro, a Ministra Laurita Vaz cassava a decisão do TJRJ e
proibia a prática do aborto. Em 17-02-2004, a 5ª Turma do STJ
confirmava a decisão da Ministra de impedir o aborto. Um grupo de
pessoas, todavia, em 26-02-2004, ingressou perante o STF com
Habeas Corpus (HC 84025) em favor da gestante. Quando o plenário
do STF estava para julgar a matéria, em 04-03-2004, o Ministros
receberam a notícia de que a criança já havia nascido em 28-02-
2004, e que havia sobrevivido sete minutos após o nascimento. O
Habeas Corpus no STF perdera então seu objeto. A Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) ingressou perante o
Supremo Tribunal Federal (STF) em 17-06-2004, com uma Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54). O
advogado Luís Roberto Barroso, patrono da causa, argumentava
que, ao se proibir o aborto de bebês anencéfalos, esta se violando a
dignidade humana das gestantes. Seu pedido é de que o STF
interpretasse os dispositivos do CP em relação ao aborto, de tal
modo que considere atípica a expulsão de anencéfalos do útero
materno. Essa interpretação, se for aceita, terá eficácia contra todos
e efeito vinculante. A partir de então, nenhum juiz ou Tribunal poderá
considerar aborto a antecipação da morte de um nascituro
anencéfalo (Luiz Carlos Lodi da Cruz. A fraude da ADPF nº 54 a
respeito do aborto de fetos anencefálicos).

De acordo com o magistério de Estefam (2010, p. 275) o aborto de feto


anencefálico, segundo parte da doutrina e da jurisprudência, não constitui fato
punível, porque não se pode exigir da gestante que leve adiante tal gravidez,
sabendo da impossibilidade de sobrevida do feto após o nascimento, sendo esta,
igualmente, a nossa posição.

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9.3 Emoção e Paixão

Nos termos do disposto no Código Penal em seu artigo 28, I, a emoção e a


paixão não excluem a imputabilidade penal.

Leciona Mirabete (2010, p. 282) trata-se a emoção de uma “violenta


perturbação do equilíbrio psíquico”, completando Capez (2011, p. 344), trata-se de
um “sentimento abrupto, súbito, repentino, arrebatador, ao mesmo tempo fugaz,
efêmero, passageiro”.

Sobre a paixão, afirma Mirabete (2008, p. 282) que esta “é uma profunda e
duradoura crise psicológica”, completando Capez (2011, p. 344), trata-se de um
“sentimento lento, que vai se cristalizando paulatinamente na alma humana até
alojar-se de forma definitiva”.

Cita Capez (2011, p. 344), de forma inspirada:

“A emoção é o vulcão que entra em erupção; a paixão, o sulco que


vai sendo pouco a pouco cavado na terra, por força das águas
pluviais”.

“A emoção é o gol marcado pelo seu time; a paixão, o amor que se


sente pelo clube, ainda que ele já não lhe traga nenhuma emoção”.

“A ira momentânea é a emoção; o ódio recalcado a paixão.”

“O ciúme excessivo, deformado pelo egoístico sentimento de posse,


é a paixão em sua forma mais perversa. A irritação despertada pela
cruzada de olhos da parceira com terceiro é pura emoção.”

Cabe consignar, que a emoção pode funcionar como causa especial de


redução de pena, como verificamos no homicídio privilegiado (CP, Art. 121, § 1º) e
na lesão corporal privilegiada (CP, Art. 129 § 4º), notando, por oportuno, sua idêntica
redação, quer seja: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.

Contudo, são requisitos para a verificação destes casos de diminuição de


pena:

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a) A emoção deve ser violenta;

b) O agente deve estar sobre o domínio desta emoção (não mera


influência)35;

c) A emoção deve ter sido provocada por um ato injusto da vítima e;

d) A reação do agente deve ser logo em seguida à provocação.

Por oportuno esclarece Mirabete (2007, p. 532), citando uma importante


distinção, colhida de um didático julgado emanado do Pretório Excelso:

Distinção entre causa genérica atenuante e causa especial de


diminuição de pena – STJ: “ A causa especial de diminuição da
pena não se confunde com a atenuante. A primeira reduz a sanção
dentro de limites determinados. A segunda diminui a pena conforme
juízo de valor do magistrado. A norma do art. 121, § 1º, não se
confunde com a do art. 65, III, c, “in fine”. A primeira registra
circunstância temporal – logo em seguida – inexistente na segunda”
(RSTJ 94/381).

Ante ao exposto, como expressamente consignou o legislador pátrio no art.


28 do Código Penal, a emoção e a paixão não excluem o crime, valendo lembrar o
magistério de Estefam (2010, p. 275), segundo o qual, o autor de um delito (por mais
anormal que seja) sempre agira revestido de alguma emoção, podendo ser esta
qualificada sob diversas formas, tais como, tensão, apreensão, nervosismo, alegria,
prazer, irritação, ansiedade e etc, concluindo o doutrinador que, fosse alguém
impune por emocionar-se, não se apricaria mais pena criminal alguma.

35
Se o sujeito agir sob “mera influência”, a emoção atenuará a pena de maneira mais branda, na forma de uma
CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE GENÉRICA, conforme o disposto no artigo 65, III, “c” do Código Penal.

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ANEXO – I - Quadro didático representando o conceito analítico de crime pela


concepção bipartida, com os elementos da conduta especificados:

Culpabilidade
CRIME = FATO TÍPICO e ANTIJURÍDICO
Juízo de reprevabilidade da
conduta e pressuposto de
aplicação da pena.
Na concepção bipartida
a) Conduta; não integra o conceito de
crime.
Elementos da conduta:

a) Vontade; DOLO DIRETO


b)Finalidade; (quer )
Elementos c)Exteriorização do
do
pensamento;
Fato Típico DOLO
d) Consciência.
DOLO INDIRETO
ou EVENTUAL
e) Elemento Subjetivo do (prevê e assume
tipo o risco de
Culpa em sentido lato produzir o
resulado)

CULPA
(em sentido Imprudência
estrito)
(ação)

Negliência
b) Nexo Causal (somente nos crimes materiais*); (omissão)

c) Resultado (somente nos crimes materiais*);


Impériacia
(inaptidão
d) Tipicidade. técnica)
ELEMENTOS DA CULPA EM SENTIDO ESTRITO:
a) Conduta voluntária;
b) Resultado danoso involuntário;
c) Nexo causal;
d) Tipicidade;
e) Previsibilidade;
f) Quebra do dever de objetivo de cuidado.

*Crimes materiais: aqueles que somente se consumam com a produção do


resultado naturalístico (deixando vestígios). Exemplos: morte no homicídio;
subtração no furto etc;

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ANEXO – II – Teorias da Conduta:

Ishida (2010, p. 7 apud GOMES36, 2003, p. 216-218) apresenta uma tabela


explicativa sobre as teorias da conduta:

Teorias Causalista Finalista Constitucionalista

(Hungria, Noronha) (Damásio, Mirabete) (Luiz Flávio Gomes)

Conduta Movimento corpóreo Comportamento Realização voluntária de


capaz de produzir humano consciente um fazer ou não fazer,
alteração no mundo dirigido a uma típico, dominado ou
(sem dolo ou culpa). finalidade (abrange dominável pela vontade.
o dolo ou a culpa).

Requisitos Conduta voluntária, Conduta dolosa ou Fato formal e


resultado culposa, resultado materialmente típico, com
do fato típico
naturalístico, nexo e naturalístico, nexo e 3 dimensões: formal,
adequação à lei. subsunção a lei. material-normativa e
subjetiva.

A tipicidade material
abrange o juízo de
desaprovação da conduta
e do resultado e o juízo da
imputação objetiva desse
resultado.

36
GOMES, Luiz Flávio e outro. Direito Penal, v.2, parte geral, São Paulo: RT, 2003.

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ANEXO – III (Obediência hierárquica – quadro comparativo)

Obediência hierárquica a:

Ordem legal Ordem aparentimente legal Ordem manifestadamente


(ilegal) ilegal

Aquela dentro dos Trata-se da ordem de legalidade É o cumprimento de uma


parâmetros da duvidosa, da qual o subordinado ordem ilegal, da qual se
normalidade. não poderia ter certeza quanto a esperava uma conduta
sua legalidade. diversa da adotada pelo
subordinado, devido a
manifesta ilegalidade.

Conduta atípica, ante a A conduta é típica, ocorrendo o O subordinado incorre em


exclusão da ilicitude, crime, pois presentes os seus erro de proibição, pois
com fundamento no elementos, contudo, o supõe que a ordem é legal,
Código Penal, art. 23, III, subordinado deverá ser isentado tratando-se de erro evitável,
1ª figura – Estrito de pena, nos termos do art. 22 do constitui causa de
cumprimento do dever Código Penal diminuição de pena (CP,
legal art. 21, in fine).

Ex.: Policial que usando Ex.: Policial que recebe ordem de Ex.: Carcereiro, que recebe
de força necessária e um superior (sem determinação ordens para não abrir as
moderada para efetivar judicial), para deter o advogado celas durante um incêndio
uma prisão, causa uma do réu, de modo a impedir o provocado pelos presos,
lesão corporal no preso. contato momentâneo deste com o causando-lhes ferimentos
réu preso. graves.

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ANEXO – IV (Culpabilidade – esquema prático)

Pressuposto de aplicação da pena;


Culpabilidade
Juízo de Reprovabilidade da conduta típica e antijurídica praticada pelo agente.

a) Imputablidade;
Elementos da Culpabilidade b) Potencial consciência da ilicitude;
c) Exigibilidade de conduta diversa.

Agente é aquele que Consequência:

Imputável possui PLENA capacidade Sujeita-se à pena.


psíquica de entendimento e
autodeterminação.
(entender e querer)

Semi-imputável possui capacidade psíquica Haverá redução de pena de 1/3


REDUZIDA de entendimento e a 2/3 ou aplicação de Medida
autodeterminação. de Segurança, mas nunca as
duas espécies de sanção em
razão da adoção do sistema
vicariante.
Inimputável Não possui a dupla Aplicação de Medida de
capacidade (entendimento e Segurança (Internação - CP,
autodeterminação), bastando art. 96, I ou tratamento
para ser considerado ambulatorial – CP, art. 96, II).
inimputável que lhe falte
qualquer das duas (entender ou
querer).

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ELEMENTOS DA CULPABILIDADE EXCLUDENTES

Doença mental: falta capacidade de entender


(ex.: o louco) ou de querer (ex.: o dependente
químico – doente mental por equiparação)

Imputabilidade
Desenvolvimento mental incompleto: em
razão da menoridade (criança ou adolescente)
ou por inadaptação social (ex.: o silvícula
inadaptado).

Desenvolvimento mental retardado: Tríade


que se denomina oligofrenia (os oligofrênicos,
pessoas que possuem reduzidíssima capacidade
mental, se dividem de acordo com o grau em:
débil mental ( - ); imbecil (+ ou -) e idiota (mais
algo grau).

Embriaguez acidental completa (agente que


mistura medicamentos que reagem entre si,
deixando o sujeito completamente embriagado.

Erro de proibição inevitável ou escusável


(exemplo do retirante que vende cópias
Potencial consciência da ilicitude falsificadas de filmes, desconhecendo totalmente
que comete um ilícito).

Coação moral irresistível (como no exemplo do


do assalto ao banco, onde o funcionário entrega
Exigibilidade de conduta diversa o dinheiro temendo pela segurança dos demais
funcionários).

Obediência hierárquica à ordem não


manifestadamente ilegal (como no caso do
policial que recebe ordem de seu superior,
acreditando que o mesmo possui um mandado,
que na verdade não existia).

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ANEXO – V (Embriaguez – esquema prático)37

Espécies de embriaguez Consequências

Completa

Voluntária Não excluem a imputabilidade


Não Incompleta
acidental (excepcionalmente poderá ser excluída se
o agente, no momento em que se
Completa embriagava, não tinha como prever a
ocorrência do crime – ausência de
Culposa previsibilidade mínima)
Incompleta

Completa Exclui a imputabilidade

Acidental
Incompleta Diminuirá a pena de 1/3 a 2/3

Patológica Exclui a imputabilidade, aplicando-se


medida de segurança

Preordenada Não exclui a imputabilidade e ainda agrava


a pena de acordo com o disposto no
Código Penal, art. 61, II, “i”.

37
De acordo com RODRIGUES, Ana Paula da Fonseca; CAPOBIANCO, Rodrigo Júlio. Como se preparar para o
exame de ordem. 3 ed. São Paulo: Método, 2006, p. 70.

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