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MINISTÉRIO
ADVENTISTA
Uma Revista Para Pastores e Obreiros

Onde Está o Fogo?


EDITORIAL

Pastores que
não Escrevem
Temos, só no Brasil, um grande contingente de pastores e obreiros que realizam
um valioso trabalho na Obra do Senhor. Desempenham, com elogiável esmero, as
mais diversas, nobres e espinhosas funções, com dedicação e idealismo. E os resultados
dessa boa disposição, verificam-se na conquista de almas para o reino dos Céus.
No empenho de fazer com que a mensagem chegue ao maior número de pessoas,
pregam-se vibrantes sermões. Primorosos discursos são pronunciados, empregadas
as mais atualizadas técnicas de oratória, as quais fazem estremecer até mesmo os
corações mais indiferentes. A cruz torna-se um irresistível apelo, pois que pintada
em cores fascinantes. Verdadeiras cascatas de palavras, cheias “de graça e verdade”
(João 1:14), convidam a uma mudança de vida e a um retomo ao Criador.
Há, até mesmo, uma espécie de competição sadia, por parte de muitos, com o
propósito de levar ao batismo o maior número de almas em seu campo de trabalho,
e isto é sempre motivo para se dar glórias ao Senhor. Aqueles que exercem a função
de departamentais, por outro lado, empenham-se em suprir de materiais evangelísticos
os vários setores do campo, a fim de que a pregação possa ir avante com sucesso.
Além disso, viajam, fazem congressos e pregam nas igrejas. Tudo isso é saudável e
benéfico ao progresso do evangelho.
Mas, enquanto se ouve o som da trombeta anunciando aos quatro ventos a
mensagem de que Cristo logo vem, por uma “grande nuvem de testemunhas” (Heb.
12:1) que pregam, poucos são os pastores que se dedicam a escrever artigos para
nossas revistas e mesmo livros. Só de longe em longe, toma alguém tempo para
produzir algum trabalho escrito. Enquanto isso, vai continuando virgem ou praticamente
inexplorado esse filão de recurso evangelístico, à espera de que alguém se atreva a
garimpá-lo.
Alguns pastores com os quais tenho conversado, cujo sucesso no evangelismo é
indiscutível, parecem estremecer ao pensamento de terem que produzir algum trabalho
escrito. Peça-se-lhes que façam um sermão, e não terão a mínima dificuldade em
assumir essa incumbência. Quando se trata de escrever, porém, as coisas mudam de figura.
Alguns, por não quererem expor-se. A insegurança no uso do vernáculo, impede-os
de apresentar por escrito suas idéias. Quando falam do púlpito, não precisam
preocupar-se tanto com a grafia das palavras, imaginam; muitas vezes, até com a
concordância e outras exigências gramaticais. Ao escreverem, porém, temem revelar
quanto deixaram de cultivar o seu idioma; em muitos casos, em benefício de uma
língua estrangeira!
Mas, conforme temos aprendido, nunca é tarde para se começar a fazer alguma
coisa. O que não falta são livros que ensinam como se deve dedicar a essa bela arte,
a arte de escrever. É bom saber que, se o artigo for aproveitável, no que se refere
ao seu conteúdo, o redator sempre colabora com o autor, corrigindo possíveis
imperfeições. Mesmo entre pessoas acostumadas a escrever, raramente o que escrevem
é publicado sem alguma alteração ou acomodação às normas de publicidade. Vale,
portanto, a pena tentar.
Ser um bom orador é muito importante. Mas se o orador puder ser também
escritor, vai sentir-se ainda melhor. Seu auditório será muito mais amplo, e certamente
também o resultado do seu trabalho. — O Redator.
MINISTÉRIO
ADVENTISTA
Ano 62 - Número 14 - Mar/Abr. 1992 - Periódico Bimestral
Uma Revista Para Pastores e Obreiros

ARTIGOS

4 ONDE ESTÁ O FOGO?


David Vandenburgh

7 POLIGAMIA: UM PROBLEMA PERMANENTE EM PAÍSES


AFRICANOS
Josephat R. Siron

10 A FÉ E A HISTÓRIA DA FÉ: TRANSPONDO O ABISMO


Arthur N. Patrick

18 a FAMÍLIA: UM SÓCIO NA OBRA


Victor D. Flauta

22 "O DIA DO SENHOR": UM DIA DA SEMANA?


Almir A. Fonseca

26 É A BÍBLIA NOSSA AUTORIDADE FINAL?


George W. Reid

Gerente Geral: Carlos Magalhães Borda; Redator-Chefe: Rubens S. Lessa; Editor: Almir A. Fonseca;
Diretor de Arte: Erlo Kõhler; Diagramação: Germano Liedke; Colaborador Especial: Amasias Justiniano,
Jaime Castrejón; Colaboradores: Wilson Sarli, Jorge Burlandy, Jefté Carvalho, Adamôr Pimenta.
Capa: Erlo Kõhler

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Onde Está o Fogo?
DAVID VANDENBURGH
Pastor em Loma Linda, Califórnia

Jesus incendiou o mundo. Onde está e pousou sobre cada um deles. Todos fica-
esse fogo hoje? ram cheios do Espírito Santo” (Atos 2:3 e 4).
Quando os discípulos receberam o Espí-
rito Santo, o fogo que Jesus viera lançar
sobre a Terra foi ateado. O livro de Atos
parece retratar toda a igreja do Novo Tes­
Jesus disse: “Eu vim para lançar fo- tamento em chamas, cada cristão testemu­
go sobre a Terra” (Luc. 12:49). E nhando do salvador domínio de Cristo,
Ele o fez. Toda vez que curou, sempre a igreja crescendo aos saltos e pulos, si-
que ensinou, toda vez que expulsou um nais e milagres por toda parte, o fogo sa-
demônio lançou Ele fogo sobre a Terra. grado passando de pessoa para pessoa.
Ele ateou fogo em vilas e corações. Era “Acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia,
perigoso encontrar-se com Jesus; Ele era os que iam sendo salvos” (Atos 2:47), e
incendiário. o mundo foi virado de cabeça para baixo.
A obra de lançar fogo está intimamen­ E agora uma pergunta: Onde está o fo­
te ligada com o Espírito Santo. João Batis­ go? Jesus estava em chamas; os apóstolos
ta disse que Jesus batizaria “com o Espíri- foram inflamados no Pentecostes; a igre­
to Santo e com fogo” (Mat. 3:11). Essa ja primitiva ardeu ofuscantemente. Onde
promessa se cumpriu literalmente no Pen­ está o fogo hoje?
tecostes, quando o Espírito Santo veio so- A meu ver, a igreja de Jesus Cristo ne­
bre os discípulos: “E apareceram, distri­ cessita de uma renovação. Poucas congre-
buídas entre eles, línguas como de fogo; gações, grandes ou pequenas, de qual­

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quer denominação, poderiam provar com tãos”, devíamos cantar:
facilidade a alegação de estar em chama. Como uma grande tartaruga, move-se
No presente clima, os tições incandescen­ a igreja de Deus.
tes passam por fogueiras, as espirais de Irmãos, estamos andando onde já pisamos.
fumaça por conflagrações. E quando aten­ Estamos todos divididos, somos muitas
tamos para Deus, ouvimo-Lo chorando corporações.
— chorando porque o fogo aceso por Seu Muito fortes em doutrina, fracos em
sangue foi abafado pela indiferença. caridade.
“Conheço as tuas obras, que nem és frio Bem fazemos em alimentar a casca das
nem quente. Quem dera fosses frio, ou quen­ pessoas — a casca da teologia e da morali­
te! Assim, porque és morno, e nem és quen­ dade — mas não somos muito bons para
te nem frio, estou a ponto de vomitar-te dar-lhes o alimento para sua alma. A pre-
da Minha boca; pois dizes: Estou rico e gação atingiu uma condição inferior. Já
abastado, e não preciso de coisa alguma, não somos o povo do Livro. A verdadei­
e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserá­ ra oração é quase desconhecida entre nós.
vel, pobre, cego e nu” (Apoc. 3:15-17). Raramente se percebe o prazer do Senhor.
Com certeza, nós, adventistas do séti- Temos confundido religiosidade com
mo dia, não deveriamos surpreender-nos espiritualidade, sem perceber que a religio­
com um apelo para reavivamento. Cem sidade não é senão uma pobre, superfi­
anos atrás, Ellen White escreveu: “Um cial e pálida paródia de ombros curvados
reavivamento da verdadeira piedade entre da espiritualidade.
nós, eis a maior e a mais urgente de to­
das as nossas necessidades. Buscá-lo, de-
e ser nossa primeira ocupação.”1
Lamento dizê-lo, mas não posso perce- “Há perigo de
ber que tenhamos ouvido o conselho;
não temos tornado a busca do reaviva- dependermos dos nossos
mento nossa primeira ocupação. O evan- próprios esforços, em lugar
gelismo pode ser nossa primeira ocupa­
ção, ou talvez a preservação institucio­ de permitir que o Espírito
nal, mas não a busca do reavivamento.
Ao menos parece. Somos muitas coisas,
Santo realize a obra; mas
mas não somos um povo “espiritual”. a Igreja continua sendo
Também não somos povo “natural” —
não convertido, não regenerado. A desig­
de Cristo”.
nação que melhor se presta é “carnal”.
Paulo diz que as pessoas carnais necessi­
tam de leite, em lugar de alimento sóli­
do, pois são imaturas. Elas não são “na­ “Tendo começado no Espírito, (estais)
turais”, embora vivam como pessoas co- agora vos aperfeiçoando na carne?” (Gál.
muns (I Cor. 2:14-3:4). 3:3). Nos dias de Paulo, a questão consis­
tia em saber se os gálatas, em lugar de
A igreja: obstáculo à fé? continuarem a depender somente de Cris-
to para a salvação, procuravam acrescen-
creditamos que a igreja, ao in­ tar suas realizações, na vã esperança de
que ao assim fazerem poderiam tornar

A
nou-Se o maior obstáculo à fé. De manei­
mais certa sua salvação. Era uma mudan­
vés de ser o instrumento de sal­ ça da centralização em Deus para a cen­
vação que Deus pretendia que fosse,
tralização
tor- no homem.
Em nossos dias, um novo perigo cres­
ras diversas, tem-se ouvido os que não ce junto com o perigo antigo — a tentati­
são cristãos dizerem: “Jesus, sim; a igre­ va de substituir a dependência do Espíri-
ja, não.” Ao ser dito que a cristandade to Santo pela dependência do esforço e
não trabalha, G. K. Chesterton discordou. habilidade humanos, de abandonar a nos-
Disse ele: “Ainda não foi comprovado.” sa fé de que a igreja é de Cristo e confiar
Alguém ouviu um hindu dizer: “Eu me nos esforços humanos para divulgá-la.
tornaria cristão se pudesse ver um.” Ninguém que lê a respeito do início, seja
Em lugar de “Avante, Soldados Cris- da igreja do Novo Testamento ou da Igre­

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 5
ja Adventista do Sétimo Dia, duvidará de Que podemos fazer?
que elas começaram com o Espírito. Ter-
miraremos pela carne? ue podemos fazer? Podemos ar­
Convém lembrarmos que o Espírito
Santo não habita em planos, programas,
projetos ou promoções; habita nas pesso­
as. Ele não unge o maquinário, mas as
pessoas.
Carl Bates disse certa vez: “Se o Espí-
Q repender-nos, podemos orar.
Ellen White disse: “Nosso Pai celeste está
mais disposto a dar Seu Espírito Santo àque­
rito Santo fosse retirado subitamente les que Lho peçam, do que pais terrenos
da Terra, 90 por cento do que a igreja o estão a dar boas dádivas a seus filhos.
realiza não mais seria correto.’’ Temo Cumpre-nos, porém, mediante confissão,
que ele esteja certo. Temo que já não humilhação, arrependimento e fervorosa
sejamos um povo espiritual. Deveriamos oração, cumprir as condições estipuladas
orar em lugar de planejar. Esperar no por Deus em Sua promessa para conceder-
Senhor, em lugar de trabalhar. Devería- nos Sua bênção. Só podemos esperar um
mos ser ministros, em lugar de gerentes. reavivamento em resposta à oração.”12
Vemos a igreja mais como uma empre­ Gastamos muito tempo procurando ser
sa do que como uma irmandade. Vemos fortes e em dominar-nos, porque não com­
o pastor mais como um diretor-executi- preendemos que o Seu poder “se aperfeiçoa
vo do que como apascentador. (Por que na fraqueza”. Estamos tão ocupados, lutan­
os pastores se tornam administradores, do por nós mesmos, nossos pontos de vis-
mas os administradores raramente se tor- ta, nossos planos — tão ocupados, provan­
nam pastores?) Pensamos na organiza- do que sabemos o que é certo para a igre­
ção como uma hierarquia de autorida- ja — que somos incapazes de avaliar as irre­
de, ao invés de como uma comunidade gularidades. A confissão e o arrependimen­
de colegas de trabalho todos os quais to são palavras que não têm som muito agra-
são irmãos e irmãs. dável para nós. Humilhação é a última coi-
Outrora, nossas instituições foram apa­ sa que desejamos. Contudo, não podemos
relhadas para realizar nossa missão no experimentar reavivamento sem eles.
mundo; agora, porém, a manutenção Cumpre-nos ser determinados acima
de nossas instituições é nossa missão no de tudo, para que sejamos líderes espiri-
mundo. Elas se tornaram a cauda que tuais. Precisamos abrir espaço para Deus
abana o cachorro. Para manter nossas em nossa vida, assim como Ele abriu espa­
instituições, estamos esvaindo nossas con- ço para nós em Seu concerto de família.
gregações locais, e temos dificuldade de Devemos aquietar-nos diante dEle e pres­
conceber qualquer ministério separado tar atenção à Sua voz mansa. Precisamos
das instituições. dar o primeiro lugar em nossas agendas
Há muito pouca confiança entre nós. à prática das disciplinas espirituais, que
Temos medo de expressar nossas opiniões. por vinte séculos foram a espinha dorsal
Porque não confiamos uns nos outros, da liderança da igreja.
construímos elaborados sistemas de che­ Cumpre lembrar-nos — constantemen­
ques e balanças para estar certos de que te — de que esta é a igreja de Cristo e
ninguém pode roubar a igreja. Muitos de que Ele não precisa de nós. Devemos
de nós desconfiam grandemente de que lembrar-nos de que Ele não nos chamou
a igreja funciona de acordo com o siste- para ser bem-sucedidos, mas para ser fi­
ma do “tudo bem”. Quando a igreja se éis. Devemos lembrar-nos de que ser é
reúne para tratar de negócios, usam-se mais importante do que fazer.
técnicas maquiavélicas para conseguir o Se o ministério não pode ou não quer
resultado previamente determinado. A servir de modelo de tais convicções, on-
liderança não está interessada nas pesso­ de pode o fogo ser reacendido? Oremos
as a serviço das quais se supõe que ela uns pelos outros, para sermos pessoas es-
esteja. A prestatividade se transformou pirituais. Oremos para que o fogo que
em autocracia. Sabemos bem pouco a Jesus lançou sobre a Terra possa arder
respeito da “força na fraqueza” e da sempre — dentro de nós.
“morte para o eu”.
Temo que tendo começado pelo Espíri- 1. Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 121.
to, estejamos terminando pela carne. 2. Ibidem.

MINISTÉRIO/março/abril 1992 6
Poligamia: um
Problema
Permanente em
Países Africanos
JOSEPHAT R. SIRON
Pastor no Quênia

Os adventistas do sétimo dia têm toma- não reside na assinatura do certificado de


do duas posições básicas ao lidar com a casamento, mas no consentimento, com
poligamia. Qual é a melhor? a aprovação de Deus, entre aqueles que
pretendem casar-se e que se confiam um
ao outro física, mental e espiritualmente.
Com a entrada do pecado neste plane­
ta, e após algumas gerações, as pessoas
Criou Deus, pois, o homem à começaram a pôr em prática a poligamia:
Sua imagem, à imagem de Deus “Vendo os filhos de Deus que as filhas
o criou; homem e mulher os criou” (Gên. dos homens eram formosas, tomaram pa-
1:27). As Escrituras declaram que Deus ra si mulheres, as que, entre todas, mais
criou um casal, homem e mulher; e esses lhes agradaram” (Gên. 6:2).
dois (não três ou quatro) tornaram-se os Deve-se notar que nas sociedades onde
pais da raça humana. Foi uma família a poligamia é legal, ela é considerada co-
monógama a primeira a ser estabelecida mo aceitável e mesmo desejável. Em mui-
neste planeta. Há bastante razão para crer­ tas comunidades da África oriental e oci­
mos que esta tenha sido a combinação dental, é a primeira esposa quem busca
ideal, pois “viu Deus tudo quanto fizera, uma co-esposa para seu marido. Encon-
e eis que era muito bom” (Gên. 1:31). trei um membro da igreja cuja esposa o
O Novo Testamento confirma este ide­ havia persuadido a ter uma segunda espo-
al: “Eis por que deixará o homem a seu sa. Mais tarde essa família se converteu
pai e a sua mãe, e se unirá à sua mulher, e desejou ser batizada e aceita como mem-
e se tornarão os dois uma só carne” (E- bros da igreja ainda em seu estado de po-
fés. 5:31). Sem dúvida alguma, Deus pre­ lígamos. O marido argumentou que consi­
tendia que o primeiro casamento servisse derava ambas as mulheres suas esposas
de modelo para todas as famílias que se legítimas e que as mulheres também con­
sucedessem nas várias gerações. A forma sideravam uma à outra como co-esposa.
original de casamento é essencial para a Os problemas que têm que ver com o
sociedade; é, na verdade, a base sobre a casamento estão entre os mais complexos
qual a sociedade existe. e embaraçosos de todos com os quais os
O fato de que no casamento o homem pastores precisam lidar. Eles são comple­
e a mulher se tornam uma só carne, tor- xos porque afetam a mais fundamental
na evidente que o matrimônio é uma união das instituições humanas, e são embaraço­
vitalícia entre aqueles que assim concordam sos porque, com relação a muitos deles,
em viver. A solenidade do matrimônio a Bíblia não oferece nenhuma posição clara

M?NISTÉRlO/março/abril 1992 7
de sim ou não. Dessa forma, os pastores cial tradicional. Os demais são despreza­
devem empregar um critério exegético e dos. Eles encontram apoio para sua posi­
colocar-se na posição correta e considerar ção em Provérbios 5:18. De acordo com
o problema da perspectiva de Deus. Se sua maneira de ver, quando o homem
Jesus estivesse andando nas ruas de nos- que pratica a poligamia se converte, ele
sas cidades ou nas colinas e vales de nos- deve separar-se de todas as suas esposas,
sas vilas e encontrasse e convertesse uma ficando só com aquela com quem entrou
família polígama — como deve ter feito primeiro em relações matrimoniais. Eles
2.000 anos atrás na Palestina — o que fa­ concordam com os proponentes da posi­
ria Ele com essa família? ção Nl, segundo a qual o homem deve
preencher as necessidades materiais das
Duas posições esposas separadas.
Os proponentes tanto da Nl como da
s teólogos modernos têm encon­ N2, sugerem que uma vez que, na sua
maneira de ver, não tenha existido casa­

O
marei de posição N, e a outra, posição S.
mento válido, no caso das esposas das
trado exemplos variados de quais o marido se separou, essas esposas
nãos e de sins com respeito à poligamia.
estão livres para casar com outro homem.
Vejo duas posições básicas. A uma, cha­ Mas isso é impraticável em muitas socie­
dades, pois o ambiente social tem o casa­
A posição N requer que os polígamos mento em alta conta, a ponto de conside-
efetuem uma mudança completa antes rar a esposa como ainda casada com al-
do batismo e da admissão na igreja co- guém que já morreu. Quando a igreja su-
mo membros. Os proponentes dessa posi­ gere que essas esposas podem casar-se com
ção apelam para Gên. 1:27; 2:22 e 24; e outro homem, enquanto a comunidade
Marcos 10:7. Eles aplicam também o sím- as considera ainda casadas com o primei-
bolo de uma igreja como a noiva e de ro marido a imagem da igreja pode ficar
Cristo como o noivo (Oséias 2:19). grandemente prejudicada — como promo­
Aqueles que defendem essa posição es- tora de imoralidade e destruidora — da
tão ainda divididos em dois campos: NI sociedade e da família.
e N2. Os membros da posição NI dizem Ambas as divisões da posição N podem
que quando o polígamo é convertido, de- fazer com que surja um problema muito
ve escolher apenas uma esposa entre as grave — um problema que pode ser perpe­
que tem. Ele deve pôr as restantes de la- tuado pelas gerações seguintes. Muitas
do e manter relações maritais apenas com das esposas abandonadas talvez não sejam
aquela que escolheu. Essa posição diz que capazes de casar-se; contudo, elas ainda
o homem continua tendo a responsabilida­ desejam o amor de um homem. Muitas
de de atender as necessidades materiais vezes elas acabam em relacionamentos
de suas antigas esposas. Em outras pala- imorais e têm filhos ilegítimos.
vras, todas as esposas têm igual direito à
propriedade do homem.* Posição A
A dificuldade com respeito a essa posi­
ção é que, sendo a natureza humana co-
mo é, o homem tem a tendência de esco­
lher e conservar a mais jovem ou a mais posição A é mais liberal. Os
bonita das esposas e separar-se das mais que defendem esta posição acham
velhas, ao passo que biblicamente, aque­ que o que afeta socialmente as pessoas,
la com quem ele se casou primeiro talvez também as atingirá espiritualmente, de
tenha mais direito na família. As causas maneira que elas procuram uma solução
por que algumas das esposas não são per­ para o problema da poligamia, que trate
suadidas à fé do marido (ou vice-versa) dos seus aspectos sociais, bem como dos
e podem não ver razão para separação, espirituais. Eles levam a espada em uma
também apresentam problemas. das mãos e a enxada na outra. “Arrancai
Aqueles que são a favor da posição as ervas daninhas e cultivai a sementei­
N2 reconhecem apenas o primeiro casa­ ra”, é seu moto não escrito.
mento — caso seja celebrado numa cor­ Esse grupo vê duas espécies de casos:
te legal ou no escritório do comissário, aqueles que já se encontravam em uniões
ou ainda de acordo com o costume nup- polígamas quando foram alcançados pelo

MINISTÉRIO/março/abril 1992 8
evangelho, e o dos que haviam professa­ Deus. Sabemos que nem todo ato ou
do o cristianismo e depois resvalaram prática da Bíblia recebeu o selo da apro­
para a prática polígama. Eles argumen­ vação divina.
tam que aqueles cuja conversão atual Em terceiro lugar, quando um assunto
ao cristianismo constitui sua primeira ex- não é diretamente esclarecido na Bíblia,
periência, que não haviam professado a devemos aplicar a razão, certos de que
fé cristã antes e a abandonaram depois, nossas conclusões se harmonizam com a
devem ser plenamente aceitos como mem- posição bíblica geral e com a ortodoxia
bros da igreja por meio do batismo, sem doutrinária.
necessidade de separar-se de nenhuma Em certos meios e ao lidarmos com
das esposas. Segundo eles, a separação algumas questões sociais, nossas solu-
não é um pré-requisito para o batismo e ções podem indicar que estamos subscre­
aceitação na igreja. vendo práticas não ortodoxas, quando
Os que defendem este ponto de vista na realidade não estamos. Como igreja,
crêem que os que são recebidos na igre­ devemos estar dispostos a permitir que
ja na condição de polígamos, não deve­ o evangelho que pregamos cumpra o
riam ser escolhidos para nenhum cargo seu propósito de transformar seres hu­
de liderança na igreja (I Tim. 3:2). Co- manos e sua sociedade sem a ajuda de
mo os da posição N, eles também defen­ mãos humanas. Quando o evangelho
dem que nesses casos em que há separa­ for apresentado em sua pureza, vere­
ção, o bem-estar dos filhos deve ser leva­ mos a própria sociedade levantar-se con-
do em consideração. tra os males que nela existem. Quando,
O principal problema apresentado por por outro lado, algum mal é perpetua­
essa posição é que muitas vezes é difícil do na sociedade, talvez seja porque fa­
determinar se aqueles que estão desejan­ lhamos em nossa responsabilidade de
do o batismo estão realmente experimen­ levar a verdadeira mensagem às pesso­
tando sua primeira conversão à fé cristã. as. No caso da poligamia, temos a oca-
Isto é verdade princípalmente no caso sião de fazer isso; a igreja deve mostrar
das respostas de massa durante as campa­ aos membros faltosos que seu evange-
nhas evangelísticas. O desejo de ser bati­ lho transforma os pecadores e que se
zados pode levar alguns dos conversos a eles voltarem a pecar sua situação é
tal ponto que o testemunho que dão da pior do que antes que recebessem o co­
história de sua vida talvez não seja de nhecimento da verdade.
confiança. Os contrários a esse ponto Não deve existir nenhuma verdadeira
de vista também dizem que ele não é res­ razão por que devamos negar às pessoas
paldado pelas Escrituras, e que uma vez o privilégio da salvação, simplesmente
que a Bíblia não apresenta nenhuma orien- porque elas eram polígamas quando ouvi-
tação clara, permitindo batismo dos que ram o evangelho. Se fizermos isso, torna-
praticam a poligamia, não devemos acei- mo-nos meros metodologistas que formu­
tar essa prática. lam muitas regras e regulamentos sem prin­
A poligamia é um verdadeiro proble- cípio bíblico; somos meros juizes na igre­
ma, especialmente na África — de manei- ja. A principal preocupação do ministro
ra que temos que enfrentá-lo. Mas como não é imaginar maneiras e meios de admi­
responder às perguntas com as quais a tir e/ou desmascarar os poligamistas,
Bíblia não trata diretamente? mas salvar pregando o evangelho da salva-
Em primeiro lugar, precisamos enten- ção quando este se refere à instituição
der que nosso principal objetivo aqui na do casamento.
Terra é pregar o evangelho da salvação;
e não, resolver as questões sociais.
Em segundo, devemos procurar saber * Para complicar ainda mais a situação, muitos da-
como Deus trata com situações dessa queles que defendem a posição NI consideram to-
dos os casamentos fora da igreja como não válidos
espécie, buscando o princípio orienta­ e o casamento comum tradicional como mau e bar-
dor que nos capacite a tratar com o pro- bárico. Eles consideram aqueles que se uniram des-
blema que enfrentamos. Nesse ponto, sa maneira como não estando verdadeiramente casa-
devemos evitar apelar para o exemplo dos, e, sim, vivendo em concubinato. Esse grupo
ainda se sente perplexo quanto à maneira de respon-
do homem, mesmo quando relatado nas der a pergunta de uma família polígama em que ca­
Escrituras, a não ser que o comporta­ da um dos cônjuges toma lugar na corte legal ou
mento tenha recebido a condenação de no escritório do comissário.

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 9
A Fé e a História
da Fé: Transpondo
o Abismo
ARTHUR N. PATRICK
Arquivista do Colégio Avondale, Austrália

É nossa história teológica um embara­ fase da concentração de sua vida so-


ço para a fé e a proclamação atuais? bre a história. As principais revisões
dessa obra produzida em 1884, 1888 e
1911 ajudaram os adventistas a enten­
s Adventistas do Sétimo Dia são derem melhor a orientação do Senhor
do começo ao fim da história cristã

O em geral, e em sua herança em particu-


um povo peregrino sobre o qual lar. Durante 1903, Ellen White decla­
o passado e o futuro incidem constante
rou: “­Devemos aprender a descobrir
mente. Parte do nosso trabalho pastoral a melhor maneira de reconsiderar nos-
é ajudar nosso povo a lembrar-se das jor­ sas experiências do início de nossa
nadas da fé que ficaram para trás, e com obra.”1 Tais injunções têm levado as
elas explorar o terreno do futuro, à luz publicações adventistas a fazerem refe-
da história e da profecia bíblica combinadas. rências freqüentes à nossa herança.
Os primeiros cristãos estavam certos Contudo, em décadas recentes o
de que a experiência passada do povo de apelo ao passado tem estado repleto
Deus tinha significado contínuo. Paulo de perigos, bem como de promessas.
estava convencido de que a história de Is- Este problema não é exclusivo dos
rael não era apenas um exemplo para os Adventistas do Sétimo Dia. Na verda-
crentes, mas seus muitos registros destina- de, durante a segunda parte do sécu-
vam-se à benéfica perseverança daqueles lo vinte muitas áreas da história cris-
“sobre quem os fins dos séculos têm che­ tã foram submetidas a novo exame,
gado’’ (I Cor. 10:11). muitas vezes com resultados traumá­
Os primeiros adventistas apoderaram-se ticos para os crentes. Por exemplo,
dessa idéia e a aplicaram ao seu desenvol­ um artigo recente analisou as ramifi­
vimento teológico e eclesiológico ao procu­ cações resultantes da “maturação da
rarem aprender tanto da história judaica historiografia evangélica e do fenôme­
como da cristã. Nosso periódico mais im- no da história do espectador-partici-
portante The Second Advent Review pante”.2 Outro artigo, depois de salien­
and Sabbath Herald foi desenhado tar as importantes mudanças que ocor­
em 1850 com uma cena do passado reram no curto período de tempo en-
bem como do presente: ele se propu­ tre 1960 e 1980, concluiu que já não
nha rever o ressurgir do movimento mais está certo ver a história como
do segundo advento e anunciar o séti- “um ato da piedade, laudatória no tom,
mo dia da semana como o sábado bí­ e compilatória quanto à natureza.
blico. Em 1858, com a publicação de Os antiquários nostálgicos, que des­
The Great Controversy, Between Christ crevem acontecimentos triunfalistas
and His Angels, and Satan and His An­ ou polêmicos ajudam no sepultamen­
gels, Ellen White começou uma nova to do passado, mas isto é inaceitável

MINISTÉRIO/março/abril 1992 10
para uma geração que requer análise
de perspectiva. “Os temas tradicionais
de sobrevivência heróica e unidade em
face de muitos inimigos’’, já não falam
a uma era que está desconfiada de ha-
giografia.3
Em 1970, A. Graham Maxwell decla­
rou que a muito custo a igreja adventis-
ta desenvolveu um corpo de pessoas dis­
postas e capazes de examinar criticamen­
te o movimento do qual faz parte. O
Dr. Maxwell observou também que no
passado “nenhum movimento religioso
foi capaz de sobreviver além desse pon-
to sem graves perdas de unidade e senti-
do de missão’’.4 Desde 1972, nossa igre­
ja tem planejado e proporcionado facili­
dades relacionadas com o seu centro de
operações e com os principais centros
em todo o mundo. Isto tornou possível
aos historiadores experimentados usarem
materiais de primeira-mão ao escreverem
as narrativas dos participantes-especta-
dores do passado, ajudando assim o pro-
cesso de amadurecimento da historiogra­
fia adventista.
A história adventista é a história da
crença e administração adventista. Ela
traça o impacto das idéias teológicas
sobre os crentes e seu mundo. Demar­
ca os esforços apaixonados e as gran-
des vitórias em vários níveis — pesso­
al, teológico, organizacional, missioló­
gicos. Mostra como o Senhor nos diri­
ge, ensina-nos, transforma-nos, disci­
plina-nos e nos faz avançar. Temos tam-
bém às vezes a tendência de esquecer
os altos e baixos do passado, e imagi­
nar que nossas doutrinas têm sido está­
ticas. Esta dificuldade para perceber a
natureza e extensão do desenvolvimen-
to histórico da fé, doutrina e prática
na igreja adventista, tem causado uma
lacuna de compreensão entre a fé de
muitos adventistas e as realidades de
sua herança.
O problema tem despertado certo nú-
mero de respostas. Alguns crentes mais
zelosos negam a existência da lacuna,
e procuram silenciar ou disciplinar os
que a descobrem ou descrevem. Outros
estão tão preocupados com a lacuna
que se recusam a tratar com o passado
de maneira inteligente e às vezes aban­
donam a igreja. Outros ainda procuram
transpor o abismo entre o presente e o
passado.

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 11
cia de uma brecha entre a fé dos crentes
“Temos também às e os fatos da história nessa área. Contu-
do, desde o Seminário de Orientação Pro-
vezes a tendência de fética Internacional em 1982, tem havido
sérias tentativas de entender o problema.
esquecer os altos e baixos Em lugar de negar-lhe a existência ou su­
do passado, e imaginar bestimar sua realidade, podemos agora
admitir que Deus dirigiu passo a passo
que nossas doutrinas têm os nossos pioneiros e que o conceito da
sido estáticas.” “porta-fechada” os ajudou a manter um
senso de identidade durante uma época
de difícil transição.5 Esta maneira de ver
o assunto, ajuda-nos a enfrentar a nossa
história de maneira honesta e criativa, e
Podemos aplaudir os motivos daqueles a interpretar o enfoque de nossos pionei­
que dizem que a fé adventista não tem ros para com a teologia. Relacionar-nos
experimentado crescimento desenvolvimen­ assim com a história, é equipar-nos me-
tista e mudança. Os bons motivos, contu- lhor no cumprimento de nossa atribuição
do, não tornam, necessariamente, válida pastoral.
uma posição. A história testifica que tive­ Um segundo exemplo da lacuna que
mos a coragem de mudar quando foi ne- se estabeleceu entre o passado e o presen­
cessário fazê-lo, e que a mudança e o cres- te pode ser citada de uma área diferente
cimento em si mesmos não necessitam ser — a preciosa doutrina da justificação pe-
igualados com colapso. Uns poucos exem­ la fé. A começar por volta de 1950, hou-
plos do passado ilustrarão o assunto. ve um constante realce sobre Cristo nos-
sa justiça e a justificação pela fé. Fizeram-
Evidências de uma lacuna se esforços para retomar os verdadeiros
ensinos de A. T. Jones e E. J. Waggoner
necessidade de entender o desen- sobre justificação e santificação, e ne-
nhum empenho foi poupado para a repro­

A dução de seus escritos. A leitura cuidado­


volvimento das doutrinas é apro­ sa de suas apresentações, porém, tão ne­
priadamente ilustrada pela interpretação
cessária quando eles escreveram, tem si-
da “Porta-Fechada” de 1844. Essa idéia do desapontadora para muitos adventis-
tem um significado especial para o Adven­ tas. Seus escritos não se ajustam à neces­
tismo devido à sua relação com questões sidade da igreja como o faziam em tem-
fundamentais para a identidade do nos- pos passados. Só à luz da história aqueles
so movimento — a doutrina do santuário, escritos se tornam convincentes. O Se-
a função de Ellen White e a missiologia. nhor continuou a dirigir o Seu povo, e
Os escritos mais antigos da primeira visão essa guia nos é mais plenamente provada,
de Ellen White, fazem referência à teoria por exemplo, em “The Dynamics of Sal-
da porta-fechada. Cartas de Tiago Whi- vation” (A Dinâmica da Salvação), expo­
te de 1845 em diante, salientam o signifi- sição primeiramente publicada na Adven­
cado da doutrina para o Adventismo. tist Review durante 1980.6
Os escritos apologéticos de Uriah Smith Usemos uma terceira ilustração, desta
durante os anos 1860, deram uma forma vez do âmbito da ciência. A maioria dos
mais permanente e sistemática à doutri- vinte e cinco livros escritos por George
na. Como resultado, a doutrina da porta- McCready Price (1870-1963) afirmam a
fechada trouxe críticas do Adventismo doutrina da criação em contraste com as
do Sétimo Dia, desde os tempos mileritas teorias evolucionistas. Este realce é uma
até o presente, com uma de suas mais con­ necessidade contínua. Todavia, algumas
venientes armas ofensivas. das questões agora em foco e os argumen­
Ainda hoje, poucos de nós falariam a tos que apresentamos são completamen­
respeito da teoria da porta-fechada com te diferentes dos existentes na época de
algum entusiasmo teológico. Na verdade, Price. Desde 1902 a “melodia característi­
temos uma situação anômala: a literatu­ ca” de Price declarava: “A disposição
ra adventista oficial ainda recentemente dos fósseis nas rochas é apenas uma série
esteve pouco inclinada a admitir a existên- taxionômica ou classificação, um corte

MINISTÉRIO/março/abril 1992 12
tas têm assumido desde que o livro
Desde 1950, houve um de Smith foi publicado.10 Provavelmen­
te ninguém argumentaria hoje que a
constante realce sobre amalgamação seja um fato. Fazê-lo su­
Cristo como nossa justiça. geriría que deixamos de beneficiar-
nos da riqueza de informações que
Fizeram-se esforços para Deus tornou disponível sobre a ciência
retomar os verdadeiros da criação. Ainda assim, uma compre­
ensão apropriada da história e desen-
ensinos da justificação volvimento da doutrina, levar-nos-ia
a considerar o dilema de Smith com
pela fé. simpatia, e talvez até a apreciar tudo
o que pode tê-lo levado a sua posição.
Tal atitude tornaria possível discordar
transversal, se desejarem, da vida do mun- de Smith sobre a amalgamação, sem
do antediluviano.”7 Os adventistas infor­ contudo entrar no mérito de sua con­
mados, porém, que continuam atualmen­ tribuição para a igreja ou nossa confian-
te a cruzada de Price em favor do criacio­ ça em nosso passado.
nismo, em geral concordam em que há Finalmente, durante os anos de
alguma espécie de ordem na camada geoló­ 1970 os adventistas se viram diante
gica. Em lugar de dedicar suas energias a de dados novos, relacionados com a
negar a estrutura geológica, procuram ex­ reforma de saúde, novamente indica­
plicar por que esta se acha presente.8 As- tivos da lacuna que se estabeleceu en-
sim, fazemos bem em evitar ser dogmáti­ tre a fé da igreja e sua história. Em
cos quanto a assuntos que podem consti­ Prophetess of Health (A Profetisa da
tuir apenas uma questão de interpretação, Saúde), Ronald Numbers focalizou al-
em lugar do claro ensino das Escrituras. gumas das questões problemáticas.11
Os pastores eficientes alimentam seus reba­ Alguns membros e ministros ficaram
nhos; eles não os dividem por meio de afir­ grandemente preocupados com algu-
mações dogmáticas de idéias controversas. mas das descobertas de Numbers.
Um quarto exemplo, também relaciona­ Os estudiosos enfrentaram problemas
do com a ciência, é ainda mais vivido. difíceis sobre fontes e interpretações.
Nos anos 1860, Uriah Smith procurou de­ Lentamente, a igreja foi tomando cons-
fender Ellen White das 52 objeções susci­ ciência dessa reforma de saúde, bem
tadas por seus escritos. Tiago White aplau­ como de nossas outras doutrinas, ex­
diu os artigos de Smith na Review and perimentou progresso gradual nas
Herald e os vendeu amplamente quan­ muitas décadas, antes de atingir a
do eles foram reimpressos na forma sua condição presente, e que este pro-
de livro. Em um daqueles artigos, gresso ocorresse em resposta a caute­
Smith defendeu a declaração de Ellen losos estímulos.
White sobre a amalgamação do ho-
mem com o animal. Ele não só argu­ Relacionado com o ministério profético
mentou que essa amalgamação era
um fato, como declarou também que
seu “efeito ainda é visível em certas
raças de homens” e mostrou exem­ m grande parte, a falha da má
plos de pessoas que viviam em dois compreensão entre a atual fé ad-
continentes. Smith buscou mais tar- ventista e a história adventista antiga, re-
de apoio para sua teoria, de naturalis­ laciona-se com o ministério profético de
tas que achavam impossível “dizer Ellen White. Uma riqueza de dados no-
com precisão onde o homem termi­ vos relacionados com sua vida e escritos,
na e começa o animal”.9 veio à tona nos passados 20 anos, levan­
Esta foi a história. Agora vejamos do a interpretações e conclusões que po-
uma análise recente. Com notável cora­ dem assemelhar-se, nas divergências, às
gem e clareza, Gordon Shigley contou posições anteriores. Por exemplo, antes
de novo a história da justificativa de de 1970, a maioria dos crentes aceitavam
Smith sobre este assunto, e mencio­ as seguintes declarações com pouca ou
nou as várias posições que os adventis- nenhuma hesitação:

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 13
1. Os escritos de Ellen White fazem papel que ela atribuiu a suas assistentes
um forte apelo à verdade eterna. e conselheiros indica que essa beleza literá­
2. Eles contêm certos elementos espe- ria não deveria ser usada como prova de
ciais. sua divina inspiração.
3. Seus escritos sobre saúde colocaram Embora esses exemplos sejam poucos
os adventistas em posição vantajosa, pe- em número e enunciados apenas de for-
lo fato de relacionarem a saúde corporal ma abreviada, eles ilustram a espécie de
com o bem-estar espiritual básico e indica­ ponte construída, essencial ao interesse
rem inúmeros caminhos para viver bem. da lacuna que existe entre a fé atual do
4. Ela fez uso eficaz da Bíblia em seus crente adventista e a compreensão históri­
escritos. ca do pensamento adventista. Levar isto
5. Muitas vezes ajudou a igreja a desen­ avante com eficácia, eis a responsabilida­
volver-se e expor a sua teologia. de do pastor. Pois o preparo pastoral de-
6. Manteve o controle sobre sua produ­ ve incluir o conhecimento da “origem e
ção literária. subseqüente modificação dos ensinos ca­
7. Seus escritos revelam uma notável racterísticos do adventista do sétimo
beleza literária. dia”.15 Esse empenho, porém, não deve
São eles normas inteiramente apropria­ cessar com o preparo de seminário; cons­
das para hoje? Estudos recentes12 parecem titui ele parte importante do permanente
indicar que não. Na verdade, as conclu­ trabalho do pastor.
sões de alguns desses estudos falam a fa- Alguns crentes mais zelosos, incapazes
vor de alguma alteração ou modificação de conviver com a realidade da mudança
nas sete declarações acima, mais ou me- doutrinária e o crescimento, concluem que
nos nos seguintes termos: nossa herança é indigna e necessita ser des­
1. Os escritos de Ellen White fazem prezada. Raras vezes se referem eles à his-
um forte apelo à verdade eterna, embora tória adventista ou aos escritos de Ellen
estejam historicamente condicionados White, e experimentam uma sensação de
em grau significativo. intranqüilidade quando outros o fazem.
2. Eles contêm certos elementos espe- Esta luta entre a fé e a história, tornou-
ciais, embora estejam relacionados de for- se um fator crucial na perda de pontos
ma clara tanto com a literatura adventis- dos ministros e membros na década passa­
ta como a não adventista da sua época. da. E a batalha podia ser vencida com efi­
3. Seus escritos sobre saúde colocaram cácia, apenas reconhecendo a realidade
os adventistas em posição vantajosa, pe- da lacuna, por um lado, e, por outro, acei­
lo fato de relacionarem a saúde corporal tando a necessidade de mudança e cresci­
com o bem-estar espiritual básico e indica­ mento. Negar a realidade da lacuna é per­
rem inúmeros caminhos para o viver sa­ petuar o problema. Apartar-se de nossa
dio, embora ela reflita algumas das idéias herança é experimentar a perda da identi-
de seus contemporâneos adventistas e não dade espiritual. O pastorado responsável
adventistas. requer que transponhamos o abismo.
4. Ela fez uso eficaz da Bíblia em seus
escritos, embora empregasse as Escrituras Objetivos da construção de ponte
de várias maneiras, das quais nem todas
expressam o sentido e intenção da Biblia.13
5. Conquanto ela muitas vezes tenha
ajudado a igreja a desenvolver-se e a ex­
S e o abismo entre a fé e a história
por sua teologia, sua compreensão doutri­ deve ser transposto de maneira efi­
nária foi submetida tanto ao crescimento caz, precisamos manter em foco um con­
como à mudança, durante toda a sua vi- junto claro de objetivos. Nosso estudo
da ministerial.14 da fé e história jamais deveria continuar
6. Ela manteve uma posição de contro­ sendo uma busca excitante pela:
le sobre sua produção literária, mas suas * Verdade: Isto é, precisão histórica.
assistentes literárias e seus conselheiros * Discernimento: Isto é, a compreen-
desempenharam mais do que simplesmen- são de como o passado ilumina o pre-
te um papel mecânico no preparo de seus sente e o futuro.
escritos para publicação. * Estabilidade: a saber, compreen-
7. Seus escritos revelam uma notável são suficiente dos dados relevantes,
beleza literária, mas ela usa fontes, e o de maneira que os novos itens da in-

MINISTÉRIO/março/abril 1992 14
1. Ellen G. White, Carta 105, 1903, citado em
Consels to Writers and Editors, pág. 145.
2. Leonard I. Sweet, “Prudentes Como as Ser­
pentes, Simples Como as Pombas: A Nova Historio­
grafia Evangélica”, Journal of the American Aca­
demy of Religion, vol. LVI, N9 3 (outono 1988),
págs. 397-416.
3. J. D. Bollen, A. E. Cahill, Bruce Mansfield,
e Patrick O’Farrell, “História Religiosa Australia­
na, 1960-1980”, The Journal of Religious History,
Vol. XI, n9 1 (junho 1980), págs. 8-44.
4. A. Graham Maxwell, “A Missão Distintiva
da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, em Vern Car­
ner e Gary Stanhiser, eds., The Stature of Christ:
Essays in Honor of Edward Heppenstall (Loma Lin­
da: Impresso e Publicado Reservadamente, 1970),
págs. 89-96.
5. Escritores adventistas, incluindo F. D. Ni­
chol, Arthur L. White, Rolf J. Poehler, Ingemar
Lindon e Douglas Hackleman lidaram com este as-
sunto. Ver especialmente Robert W. Olson, “Os
Documentos da ‘Porta Fechada’” (Washington,
D.C.: E. G. White Estate, 1982).
6. A declaração resultante de uma série de con­
sultas sobre justificação pela fé, a qual vem sendo
publicada desde então em várias partes do mundo
em periódicos e panfletos.
7. Harold W. Clark, Crusader for Creation:
The Life and Writings of George McCready Price
(Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn.,
1966), págs 17 e 18.
8. Esta discussão se tornou importante não mui-
to depois da morte de Price, como foi mostrado
formação não ameacem o sistema de cren­ em Harold G. Coffin, Creation: Accident or Design
ça da pessoa. (Washington, D.C.: Review and Herald Pub. Assn.
* Identificação: isto é, um senso aguça­ , 1969), pág. 108. Ver também págs. 174-183 para
do de que a história adventista é nossa explicação de Clark.
9. Uriah Smith, The Visions of Mrs. E. G. Whi-
herança pessoal e, portanto, preciosa. te, a Manifestation of Spiritual Gifts According to
* Compromisso: isto é, convicção de the Scriptures (Battle Creek, Mich.: The Seventh-day
que a igreja adventista tem uma missão Adventist Publishing Association, 1868), págs.
digna de nossos melhores talentos e ener- 102-105.
10. Gordon Shigley, “Formação das espécies por
gias. Amalgamação: Uma História da Controvérsia Que
* Reverência: a saber, fé em que o Renunciava às Declarações de Amalgamação de El-
Deus das Escrituras e Jesus Cristo têm len G. White”, Colégio União do Sul da China, ju­
guiado e continuam a guiar o movimen- nho de 1979. Uma versão abreviada da pesquisa de
to do segundo advento. Shigley apareceu como “Amalgamação do Homem
e do Animal”, Spectrum, junho de 1982, págs. 10-19.
* Comemoração: isto é, o desejo de 11. Nova Iorque: Harper and Row, 1976.
comemorar a integridade, as realizações 12. Alguns dos melhores estudos estão disponí­
e a fé do passado — e assim informar e veis em Roger W. Coon, ed., Anthology of Recently
inspirar o presente. Published Articles on Selected Issues in Prophetic
A responsabilidade do pastor como in- Guidance 1980-1988, sexta ed. (Barrien Springs,
Mich.: Andrews University, 1989).
téprete do passado e observador do futu- 13. Raymond F. Cottrell, “A Avaliação de Ellen
ro é uma responsabilidade exigente. Re­ G. White e o Uso da Bíblia”, em Gordon M. Hyde,
quer ela a habilidade de um construtor ed., A Symposium on Biblical Hermeneutics (Wa­
de pontes; envolve a paciência dos santos; shington, D.C.: Comissão de Investigação Bíblica,
1974), págs. 142-161.
demanda o exercício de fé viva. 14. Aiden Thompson, “Do Sinai ao Gólgota”,
E isto pode ser feito, especialmente se Adventist Review, dezembro de 1981.
fizermos uma das afirmações famosas 15. O Seminário Teológico Adventista da Andrews
do Adventismo, bem familiares a nós: “Na- University tem-se movimentado grandemente para
da temos que recear quanto ao futuro, a incluir o curso “Desenvolvimento da Teologia
ASD” como parte de seu currículo de Master em
menos que esqueçamos a maneira em que Divindade. Ver Boletim do Seminário, 1988-1989,
o Senhor nos tem guiado, e os ensinos págs. 89.
que nos ministrou no passado.”16 16. Ellen G. White, Test. Sel., vol. 3, pág. 443.

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 15
Vitória Sobre os
Demônios
MOSES OLADELE TAIWO
Professor de teologia na África ocidental

Em nossa pregação não devemos mos- po de Paulo. Aquele mundo era um mun-
trar apenas as implicações do evangelho do cheio de espíritos e todas as formas
para o futuro, mas também seu significa­ de poderes cósmicos, que precisavam ser
do para o mundo em que os ouvintes vi- constantemente apaziguados por alguém
vem agora. para se sentir a Presença Divina. Os habi­
tantes daquele mundo enfrentavam um
universo hostil com seus inúmeros archai
cristianismo parece estar ga- (principados) e exousiai (poderes). Sua
observação dos movimentos regulares das

O nhando mais terreno, no conti­


nente africano, do que qualquer uma das
outras religiões. Não obstante, como nos
dias da heresia dos Colossenses (ver Col.
estrelas havia levado muitos a concluírem
que as estrelas possuíam poder sobre os
assuntos humanos e que as posições indi­
viduais dos corpos celestes, por ocasião
do nascimento de um homem, traçavam
1:13-23; 2:8-3:5), muitos não têm visto a o seu destino. Criam que para obterem a
suficiência de Cristo. Muitos conversos felicidade na vida, as pessoas deviam pro­
não vêem nenhum conflito em ir à igreja, curar entender e, se necessário, apaziguar
ouvir os sermões, orar, cantar e dar o dí- os espíritos dos astros.2
zimo e as ofertas e, ao mesmo tempo, prin- Crenças semelhantes existem hoje em
cipalmente nas provações e situações difí- muitas partes do mundo — como aconte­
ceis, visitar um adivinho (babalawo) ou ce na Nigéria, especialmente entre os po­
um profissional tradicional (onisseguri) vos de fala ioruba. Os africanos vivem
para saber o que diz o futuro. em constante temor, em um mundo infes­
Creio firmemente que nossos missioná- tado de espíritos de demônios, que eles
rios, pastores, evangelistas e pregadores acreditam habitarem nas estrelas e nos ele-
locais necessitam voltar suas mensagens mentos naturais como o vento, o trovão,
evangélicas para esta situação. Não estou o relâmpago e a chuva. Eles temem tam-
dizendo que devamos mudar o evangelho bém aqueles que, acreditam, podem usar
apresentado nas Escrituras, mas estou ver- essas forças espirituais para o bem ou pa-
dadeiramente convencido de que nos tem- ra o mal.
pos do Novo Testamento o evangelho ja- Os iorubas crêem que há milhares de
mais foi pregado num vazio que o distan­ espíritos e divindades que devem não só
ciasse do ambiente. Cumpre-nos relacio­ ser reverenciados mas cultuados. Indistin­
nar nossa pregação de Cristo com os di- tamente, ninguém deve agir sem consul­
versos ambientes culturais.1 tar uma dessas divindades, pois se acredi­
ta que esses deuses e espíritos controlam
Os Colossenses e os países africanos o acesso à presença divina. Por essa razão,
os africanos consideram a religião como
mundo que a igreja enfrenta capaz de prover não só a salvação da al-
ma e orientação para a vida moral, co-

O hoje na África, assemelha-se


grandemente ao dos Colossenses
mo também proteção contra esses pode­
res cósmicos empíricos.
Para
do tem - o africano, a pregação de Cristo

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 16
só está repleta de significação quando se
relaciona com os problemas do alto. Pa-
ra os cristãos africanos, a “salvação em
‘‘Devemos tornar as
Cristo apenas’’ deve abranger toda a esfe­ pessoas cientes da presença
ra da vida. Deve proporcionar a vitória
sobre os poderes demoníacos, a contínua
de Jesus e da vitória que
proteção desses poderes, a provisão das Sua morte e ressurreição
necessidades diárias e a segurança para a
sociedade na qual os africanos se encon- alcançaram em favor dos
tram — em outras palavras, deve propor­ crentes.”
cionar o bem-estar geral das pessoas.
Mas sinto dizer que nossos evangelistas
e os pregadores e pastores locais lamenta-
velmente estão deixando de atender a es- rias necessidades das pessoas. Conquan­
sas necessidades. Alguns têm negado to­ to ao evangelizarmos devamos pregar o
talmente a realidade dos poderes demonía­ perdão dos pecados por meio de Cristo,
cos, considerando como superstição a cren­ devemos mostrar também às pessoas o to­
ça na existência deles. Outros têm aceito tal ajuste de Cristo a todas as suas neces-
de má vontade esta realidade, mas têm sidades agora e no futuro. Cumpre-lhes
feito pouco esforço para relacionar a men- observar isto em sua experiência diária.
sagem do evangelho com esses problemas. A proclamação do evangelho não deve
Em lugar disso, têm ressaltado a salvação apresentar somente a realidade da escravi-
da alma e a vida moral. dão demoníaca, mas proclamar também
Essa falha em deixar de relacionar o a emancipação que Cristo proporciona.
cristianismo com o mundo em que vivem Como escreveu K. Koch: “Onde o fenô­
os africanos, tem dado a impressão de meno anormal da possessão, como a ma­
que a salvação cristã está interessada pri­ nifestação extrema do império do mal,
mordialmente na vida por vir. Por causa realmente aparece, devemos enfrentá-lo
dessa maneira de agir, muitos africanos com as alegres novas da mensagem de li­
acreditam ou que Cristo não está interes­ bertação.’’123
sado nos seres cósmicos com os quais eles Devemos tornar cientes as pessoas da
devem lutar, ou que Ele não tem nenhum constante presença de Jesus e da vitória
poder sobre eles. Uma canção popular que Sua morte e ressurreição alcançaram
das festividades entre a tribo ioruba à em favor dos crentes. Nosso povo necessi­
qual pertenço, diz: ta saber acerca do poder da oração.
Festejaremos o ritual de nossa terra. Precisamos pregar a Cristo à luz da
Festejaremos o ritual de nossa terra. compreensão cultural de nosso auditório,
O cristianismo jamais proíbe. Não, o com vistas a remover os problemas da
cristianismo jamais proíbe a participação vida dúplice com que muitos deles ain-
no cerimonial. da se debatem diariamente. Somente quan­
Celebraremos o ritual de nossa terra. do relacionarmos Jesus com o seu mun-
É pelo fato de as igrejas cristãs rara­ do de cada dia, podem eles vê-Lo não
mente terem lidado de maneira adequa­ apenas como o Salvador do pecado, mas
da com esta situação, que muitas igrejas como o Vencedor, a quem foi dado to­
africanas independentes estão surgindo do o poder tanto no Céu como na Ter-
hoje em dia, e as igrejas da Missão Afri­ ra; Aquele que é suficiente para todas
cana estão aumentando. Essa postura tem as suas necessidades. Aqui, Paulo é nos-
influenciado também a tendência da teolo­ so maior exemplo.
gia cristã sobre o continente africano.

Que devemos fazer? 1. Warneck, The Living Forces of the Gospel


(Nova Iorque: Fountainhead Pub., Inc., 1970), pág.
232; ver também S. O. Abogunrin, “The Back­
s pregadores devem dar contex- ground to St. Paul’s Concept of Freedom”, Orita,

O
junho de 1977, págs. 28-40.
2. H. C. Kee e F. W. Young, The Living World
to ao seu trabalho evangelísti­ of the New Testament (London: Darton, Longman,
and Todd, 1974), págs. 18 e 19.
3. co
co interior e externo. Devem mostrar - Christian Counselling and Occultism
Kock,
mo o evangelho de Cristo atende às vá- (Grand Rapids: Kregel Pubs., 1973), pág. 338.

MINISTÉRlO/março/abril 1992 17
A Família: um Sócio
na Obra
VICTOR D. FLAUTA
Obreiro nas Filipinas

Na alegria e na tristeza, no planejamen­ tos temos experimentado o amor, a fé e


to e na execução, nossa família é um só­ a esperança. Nossa família é uma sociedade.
cio agora e sempre.
A sociedade nos negócios
sociedade começou no Éden, e

A tem a sua confirmação nas pala-


vras do sábio: “Melhor é serem
que um, porque têm melhor paga do seu
trabalho. Porque se caírem, um levanta
dois do
tualmente, estou cuidando de
52 igrejas em um dos maiores
distritos da missão adventista nas Filipi­
nas. É desnecessário dizer que estou mui-
o companheiro... o cordão de três dobras to ocupado, e às vezes viajar e dar orien­
não se rebenta com facilidade” (Ecles. tações produz dificuldades, principalmen-
4:9, 10 e 12). te na igreja da qual sou o pastor. Em tais
Pertenço a uma sociedade. Tem ela 22 ocasiões, minha família vem em meu au­
anos de idade. Desde que nos casamos, xílio, pregando a Palavra, organizando
minha esposa e eu temos considerado nos- algum trabalho, dando um estudo bíbli-
sa vida uma sociedade dedicada ao minis- co ou atendendo a uma visita marcada.
tério de Cristo. Quando vieram os filhos O preparo de nossos filhos para emer­
— em número de quatro — cada qual se gências assim, não aconteceu da noite pa-
tornou um novo membro dessa socieda­ ra o dia, mas é o produto de anos de en­
de. Temos trabalhado juntos; juntos te- sino no lar. Quando nossos filhos cursa­
mos sofrido; temos resistido juntos, e jun- vam ainda a escola primária, já lhes ensi-

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 18
návamos maneiras simples de dar um estu­ A reunião de família em estudo e ora-
do bíblico. No processo, eles aprenderam ção neste caso, ensinou-me uma importan-
a amar o Mundo, bem como a partilhar te lição: nada é impossível para Deus,
a sua fé. Certa vez tive que deixar a cida- quando vamos a Ele em oração. A via es-
de numa emergência. Isto interrompeu piritual continua sendo o meio mais efi­
uma série de estudos bíblicos que eu esta­ caz nas relações humanas. A oração, em
va dando a uma secretária executiva. O especial a oração coletiva, feita pelos fiéis,
seu interesse pela verdade havia chegado pode abrandar corações, resolver dificul­
ao auge, e eu não queria que houvesse dades e conseguir o inimaginável. Sem o
uma interrupção naquele momento. Per- culto e a oração familiar, nossa família
guntei àquela senhora se meus filhos po­ não teria sobrevivido durante todo esse
deriam substituir-me enquanto eu estives­ tempo. A intimidade com Deus e uns com
se fora. Meus filhos de 12 e 14 anos de os outros, é a maravilha que os joelhos
idade estudaram a Bíblia com ela, e a le­ dobrados realizam. Tem-se tornado uma
varam a aceitar o Senhor e a aceitar o ba­ prática em nossa família orar sem cessar;
tismo. Ao permitir que tomassem parte em tempos de aflição, sussurre uma ora-
no serviço de Deus, não só fiz com que ção; nos momentos de alegria, expresse
meus filhos se sentissem importantes, louvor.
mas fui também capaz de elevar ao máxi­
mo suas potencialidades. Uma satisfação Sociedade financeira
pelo resultado: meus filhos jamais se quei­
xaram de que eu não gastei tempo suficien-
te com eles.
Parte do meu trabalho envolve cuidar Sou o gerente financeiro da família.
das atividades legais da igreja. Em meu Minha esposa é a tesoureira, a au­
distrito, apenas 10 por cento da proprieda­ ditora e a administradora das finanças.
de da missão estão legalizados, muitas Não temos nenhum problema pessoal no
propriedades não têm nenhuma documen­ que se refere às nossas funções; somos re­
tação e os litígios contra a igreja são um almente sócios em conservar saudável, es-
problema constante. Mesmo nos assuntos piritual e forte o núcleo familiar. Logo
seculares da igreja onde apenas a estrita após o nosso casamento, decidimos que
aplicação da lei pode prevalecer, os mem- minha esposa manejaria as finanças da
bros da família podem constituir uma fon­ família, e ela tem feito um excelente tra-
te de apoio e poder. Certa ocasião um in­ balho. Os filhos e eu temos nossas respon­
fluente cidadão deu entrada com uma sabilidades, em especial quando precisa­
ação contra uma de nossas igrejas — as mos viver com um salário limitado e o
escolas integradas alegaram que ele tinha sempre crescente custo de vida. Cada mem-
a documentação legal do terreno. Nossa bro da família está envolvido no ajusta­
posição parecia insustentável. Ele tinha mento do orçamento familiar. A família
a lei do seu lado. Que poderiamos fazer? discute e vota qualquer despesa que exce­
Em meus pedidos a meus filhos, fizemos da a uma certa quantia.
desse caso um assunto de oração e inter­ Nossos filhos, possuídos de um senso
cessão da família. Podia haver alguma de participação nos ganhos da família,
deficiência no título de posse da terra, começaram, desde os seus primeiros anos
mas o tipo e o propósito da obra em que de vida, a fazer contribuições. Viver den­
a igreja estava empenhada — em favor tro de suas posses e não fazer exigências
de centenas de jovens — estavam acima que não pudessem ser satisfeitas, foram
da demanda. Seria possível a Deus inter­ algumas das lições mais precoces de parti-
vir no caso e pleitear contra os queixosos? cipação familiar que eles aprenderam.
Por que não? Como família, oramos. Es­ Quando crescessem mais, haveriam de co­
tudamos a Palavra de Deus e oramos fer­ laborar com dinheiro de verdade, fazen­
vorosamente para que se fizesse Sua von­ do alguns trabalhos remunerativos. As
tade. Não tardou, aquele que se pensava meninas, costurando. Os meninos, colpor­
fosse um litigante irredutível, propôs uma tando, mantendo assim a família, bem
saída amigável; de maneira que o colégio como partilhando sua fé. Ensinamos aos
pôde continuar o seu trabalho. Mais ain- nossos sócios menores uma promessa que
da, vimos uma porta aberta para a prega- é como se fizesse parte de nossa vida:
ção do evangelho. “Não há limites à utilidade de uma pes-

MINlSTÉRIO/março/abril 1992 19
soa que, pondo de parte o próprio eu, viamente estabelecido. No final da sema-
oferece margem à operação do Espírito na, avaliávamos o desempenho e ajudáva­
Santo na alma, e vive uma vida de intei­ mos uns aos outros com sugestões a res-
ra consagração a Deus.’ peito de como poderiamos ter realizado
A despeito de todos os esforços para melhor o trabalho. A apreciação de um
viver dentro do orçamento familiar, hou- trabalho bem feito constituía um fator im-
ve ocasiões em que o mês parecia mais portante para tornar o trabalho um pra­
longo do que o dinheiro. Passar necessida­ zer, e variávamos a maneira de expressar
de e ter déficit fazem muitas vezes parte nossa satisfação às crianças — estrelas
da vida, mas não se deve permitir que se em seus nomes no mapa de trabalho, pe­
tornem o todo. A vida é o quadro maior, quenos presentes ou mesmo um abraço.
são as belas discussões, o horizonte que Quando os filhos cresceram, a carga e a
sempre se expande, e jamais deveria ser espécie de trabalho também aumentaram,
medida por aquilo que temos ou não te- e cada qual assumiu a vez de cuidar das
mos. Em nossa função como administra­ responsabilidades domésticas com títulos
dores financeiros de nossa família, essa desafiadores: gerente de soalho (esfregar
lição assume a prioridade. Minha esposa o chão), engenheiro sanitário (limpar o
e eu nos dispusemos a fazer com que nos- banheiro), chefe (cozinha), paisagista (ca­
sos filhos aprendessem essa lição básica pinar o jardim), donzela (lavanderia e ca­
nas finanças: que Deus suprirá “em Cris- mas), capelão (dirigente do culto), etc.
to Jesus, cada uma de vossas necessida- Ao tornarmos o trabalho dentro e ao re­
des” (Filip. 4:19). dor da casa um deleite para as crianças,
não só havíamos solucionado o proble-
Participação social ma da conservação da casa, mas ensina­
do também lições sobre solidariedade na
solidez de um lar depende da família, dignidade do trabalho, contabili­
dade e consciência do tempo.

A Como sócios de uma unidade social,


ordem e da unidade que assina­ ocasionalmente nos achamos em confli­
to uns com os outros. Como pais, procu­
lam o seu funcionamento. Este princípio
é duplamente aplicável a um lar cristão, rávamos dar exemplo a nossos sócios
pois “uma casa cristã bem ordenada é mais jovens. Ao primeiro sinal de possí-
poderoso argumento em favor da realida­ vel argumento, havíamos estabelecido
de da religião cristã”.2 uma regra de pararmos e perguntarmos
A família que ora junta, permanece a nós mesmos: é o argumento válido?
unida. É um ditado antigo, mas verdadei- Há outra maneira de resolver o proble-
ro. Podemos subscrever essa verdade, di- ma? Por que não tomar tempo para re­
zendo que a família que trabalha unida, fletir sobre isto? O culto e a oração em
brinca junta, diverte-se mais junta, tem família sempre proporcionaram oportu-
mais possibilidades de ser uma família fe­ nidade de realçar o melhor no relaciona-
liz. Nossa família não é muito boa nos mento familiar e no trato com os proble-
esportes, mas gostamos de fazer as coisas mas que magoam.
juntos. Gostamos de jardinagem. Anda­ Quando os conflitos envolvem os fi­
mos um pouco a pé. Ocasionalmente, jo­ lhos, procuramos ser justos e ouvir a ver­
gamos peteca. Partilhamos nossos servi­ são e o ponto de vista de cada um deles.
ços domésticos. Passar tempo juntos é o Mas mesmo antes do início do conflito,
grude que mantém os membros da famí­ procuramos ser justos em tudo o que os
lia unidos. membros da família recebem ou fazem.
Quando nossos filhos estavam ainda Deixamos claro que o que damos aos
na escola primária, nós os utilizávamos filhos — roupas, bonecas, presentes, fes­
do lado social da participação familiar. tas; e o que esperamos deles: trabalho,
Dávamos a eles pequenos deveres domés­ responsabilidade, prestação de contas
ticos, de início, aumentando-os à medi- — não reflete quaisquer tendências ou
da que eles iam ficando mais velhos. Colá- discriminação. Quando somos justos e
vamos na porta da cozinha uma lista de damos o exemplo no relacionamento e
trabalhos, convencionada entre os mem- maneira de viver, os filhos acham fácil
bros da família. Cada pessoa tinha um aceitar a orientação e levam adiante os
dever a cumprir dentro de um tempo pre­ problemas interpessoais.

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 20
Sócios educacionais crianças de livros de gravura, cadernos
de desenho, giz e instrumentos musicais
educação ocupa lugar saliente para cultivarem seus talentos. A Escola
Sabatina proporcionou também um meio

A nas prioridades de nossa famí­


lia. O entendimento familiar com
a isto tem sido claro como cristal desde
o início. Os sócios mais antigos proporcio­
educativo. Quando nossos filhos entraram
na escola secundária, já estavam traduzin­
relação
do e ensinando as lições da Escola Sabati­
na. No colégio, nós os animamos a se en­
volverem em atividades espirituais, cientí­
nam a base de sustentação, enquanto os ficas, físicas e sociais. Elogiávamos seus
mais jovens fazem sua parte, cumprindo êxitos; compartilhávamos de suas frustra-
alegremente todas as suas exigências, prin- ções; ali estávamos, quando eles necessita­
cipalmente as que se referem ao estudo. vam, para fosse qual fosse a razão.
Como pais, prometemos a nós mesmos, A educação cristã era dispendiosa, mas
no começo de nossa vida matrimonial, tra­ valeu a pena tudo o que nela investimos.
çar o futuro de nossos filhos. Como pais, Ela ajudou na formação de vidas, no
não tivemos todas as oportunidades de amoldamento dos caracteres e na decisão
uma boa educação, mas sabíamos que em favor da eternidade. Ajudou-nos a
nossos sócios mais jovens não deveriam ver o cumprimento da promessa feita
ser privados da busca da excelência. Des- muito tempo atrás: “Que estas minhas
sa maneira, planejamos logo a espécie palavras... estejam presentes, diante do
de programa que nossos filhos deveriam Senhor nosso Deus, de dia e de noite, pa-
ter: uma educação cristã na qual o dinâ- ra que faça justiça ao Seu servo... segun­
mico e o espiritual, o presente e o futuro, do cada dia o exigir” (I Reis 8:59).
estivessem protegidos. Nossos filhos cres­
ceram com uma educação cristã sustenta­ Eternos participantes
da por uma forte base doméstica e apoia­
da por uma igreja solícita. Ainda nos instituição da família, da mes-
dias da pré-escola, a família proveu as

A ma forma que a do sábado, te­


ve sua origem no Éden. Antes que o peca-
do interrompesse as relações e trouxesse
os espinhos e cardos, o lar surgiu no cená­
rio terrestre como uma dádiva divina. O
dom é para sempre e, como o sábado, a
sociedade da família transcenderá as ‘bar­
reiras do tempo e se achará uma vez mais
enraizada na eternidade. A família é uma
sociedade sagrada, e pela graça de Deus
ela pode sê-lo para sempre.
Minha esposa e eu temos levado a sério
este conceito, e procurado edificar um lar
que possa chegar à eternidade. Aquilo
que fizermos do lar hoje, decidirá o que
ele será amanhã e no dia seguinte. A ma-
neira como nossos filhos refletirem os va­
lores da graça cristã hoje, determinará
os contornos de seu desenvolvimento ama­
nhã: “As companhias que têm, os princí-
pios que adotam, os hábitos que formam,
decidirão quanto a serem ou não úteis
aqui, bem como seu futuro destino”.3

1. Ellen White, O Desejado de Todas as Nações,


pág. 227.
2. O Lar Adventista, pág. 36.
3. Idem, pág. 455.

MINISTÉRIO/março/abril 1992 21
“O Dia do Senhor”:
Um Dia da Semana?
ALMIR A. FONSECA
Editor da revista “O Ministério”

Existem algumas teorias quanto ao que daquilo que pretende o texto no original.
significa “o dia do Senhor”, de Apocalip­ A Bíblia de Jerusalém, uma das versões
se 1:10. A que o considera como a parou- modernas mais conceituadas das Escritu­
sia parece ter mais fundamento. ras, acompanha essa tendência de conside-
rar o domingo como sendo “o dia do Se-
s opiniões sobre o ‘‘dia do Se- nhor” de que fala João. “No dia do Se-
nhor”, diz ela, “fui movido pelo Espíri-

A nhor” a respeito do qual fala


o apóstolo João em Apocalipse
continuam divididas, tiveram pelo menos
o mérito de levar as pessoas a examinarem
to”. E a Bíblia Viva afirma até que João
estava adorando, quando teve a revelação.
“Era seo dia do Senhor e eu estava adoran­
1:10,
do”, afirma esta versão. A Bíblia Sagra­
da, das Edições Paulinas, porém, vai mais
com profundidade o assunto. Como resul- longe, quando declara: “Num domingo,
tado, diversas têm sido as contribuições caindo eu em êxtase, ouvi atrás de mim
apresentadas; para benefício daqueles que uma voz forte, como de trombeta”.
gostariam de saber a verdade. Um terceiro grupo, contudo, fundamen­
Como é do nosso conhecimento, João ta-se na linguagem do próprio livro do
diz em Apocalipse 1:10 o que aconteceu Apocalipse, para argumentar que João
com ele, enquanto se achava prisioneiro não se referia a nenhum dia da semana,
na ilha de Patmos. Conforme lemos na especificamente, mas à parousia e ao dia
edição Revista e Atualizada da Versão do juízo, embora seja este o único lugar
Almeida, declara ele: “Achei-me em espí­ em que, excepcionalmente, a expressão
rito, no dia do Senhor, e ouvi por detrás aparece escrita dessa forma, em grego.
de mim grande voz, como de trombeta”. João, de acordo com essa espécie de inter-
Na tentativa de interpretar o que João pretação, teria recebido um conjunto de
quis dizer pela expressão “dia do Senhor”, revelações a respeito do dia em que nos-
estudiosos há que dizem tratar-se do pri- so Senhor Jesus deverá retornar a este pla­
meiro dia da semana, o domingo, enquan- neta a fim de dar a recompensa a cada
to outros são de parecer que o apóstolo se um conforme os seus feitos.
referia ao sábado dos dez mandamentos.
Os primeiros supõem que o autor de Apo- Defensores do domingo
calipse tinha como “dia do Senhor” aquele
em que Cristo ressuscitou, ao passo que
os últimos consideram mais lógico pensar
que, sendo conhecedor do Antigo Testa- De fendem a tese de que o exila-
mento, o vidente de Patmos estava familia­ do de Patmos se referia ao do­
rizado com a linguagem nele existente, que mingo, primeiramente os católicos, pio­
considera o sábado como o dia do Senhor. neiros em ligar a ressurreição com a guar­
Não surpreende, por exemplo, que num da de um dia. Depois, o protestantismo
esforço por fazer com que o seu ponto de um modo geral. Logicamente, na fal-
de vista prevaleça, os defensores da obser- ta de um texto bíblico mais explícito, que
vância do domingo tornem a linguagem lhes favorecesse a defesa do primeiro dia
bíblica cada vez mais afoita, em prejuízo da semana como dia de guarda, utilizaram-

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 22
se de Apocalipse 1:10, imaginando assim
ter justificado a observância dominical.
Enquanto isso, têm-se feito incursões Os que acham que
a fontes históricas do segundo século da
era patrística, como Didaquê, Epístola Apocalipse 1:10 se refere
aos Magnisianos de Inácio, e o Evangelho
de Pedro, entre outras, pretendendo que
ao sábado, pensam dessa
essas obras dêem a pista, quem sabe, o maneira com base em
“elo perdido” de que se precisa, para che­ expressões de outras partes
gar ao domingo.1 O exame detido dessas
fontes, porém, revela que também elas das Escrituras, que
nada podem fazer para justificar a obser-
vância do domingo. consideram o sábado
Alguns, na ânsia de levar o domingo como dia do Senhor.
às eras mais recuadas do cristianismo,
chegam a fazer uma analogia entre as pa-
lavras de João e o “dia do imperador”,
expressão usada nos dias do apóstolo pa-
ra designar o dia de veneração ao impera­ Numa apostila de sua autoria, tradu­
dor romano. João estaria usando a expres- zida para o português em 1961, Edwin
são “dia do Senhor”, com referência a R. Thiele declara, referindo-se ao sába­
Cristo, para caracterizar sua desaprova­ do: “A palavra traduzida por ‘do Se­
ção ao culto do magistrado romano, pos­ nhor’ neste texto não é um substanti-
sibilidade descartada por Bacchiocchi.2 vo, mas um adjetivo ‘kuriakee’, no ca­
Outra possibilidade, preferem alguns, so dativo. — Como não há nenhuma
seria a de que a expressão do autor do forma adjetiva adequada do substanti-
Apocalipse refere-se ao Domingo de Pás- vo ‘Senhor’ em inglês, a forma posses­
coa, celebrado anualmente; e não, ao do­ siva ‘do Senhor’ é usada. Ela significa
mingo semanal. Embora veja “algum mé­ ‘pertencendo ao Senhor’. Nos tempos
rito” nesse esforço de estabelecer ligação do Novo Testamento o imperador come-
entre o “dia do Senhor” e a Páscoa, Bac­ çou a ser chamado ‘Senhor’ e ‘Filho
chiocchi mostra os pontos falhos dessa de Deus’. O termo ‘kuriakos’ era co­
argumentação.3 mum no Egito e na Ásia Menor, duran­
te o período imperial, e significava ‘im­
O “dia do Senhor” seria o sábado perial’. Havia, assim, um tesouro impe­
rial, e um serviço imperial.... A signifi­
cação era, ao que tudo indica, algo se­
melhante ao ‘dia do Imperador’. O uso
or outro lado, a expressão utiliza-
P de João deste título ‘dia do Senhor’ pa-
da pelo vidente de Patmos teria ra distinguir o sábado de Deus era sem
relação com o sábado dos Dez Manda­ dúvida um pretexto consciente contra
mentos. Expressões do quarto mandamen- o crescente culto imperial com o seu
to, bem como outras declarações espalha­ ‘dia do Imperador’.”5 Essa hipótese
das tanto no Antigo como no Novo Testa- de ligação entre o dia do Senhor e o
mento, levariam a concluir dessa manei- dia do imperador é descartada no livro
ra. Têm-se mostrado inclinados a aceitar de Bacchiocchi.6
essa forma de interpretação, os Adventis- Outra contribuição em defesa do sába­
tas do Sétimo Dia. do, vem de C. Mervyn Maxwell. Como
O Comentário Bíblico Adventista, por o autor da citação anterior, também ele
exemplo, considera o seguinte: “Do lado é de parecer que Apocalipse 1:10, ou me-
positivo da questão, há o fato de que em­ lhor, a expressão “dia do Senhor” se refe­
bora as Escrituras identifiquem o domin- re ao sábado. Sobre o assunto, diz ele:
go como não tendo nenhuma ligação reli- “Era apropriado que ele visse o Senhor
giosa com o Senhor, repetidamente elas no dia do Senhor. A visão pegou João
reconhecem que o sétimo dia, o sábado, de surpresa, pois sabemos que a escolha
é o dia especial do Senhor. Diz-se que do dia não foi sua. O Senhor escolheu
Deus abençoou e santificou o sétimo dia dar-lhe a visão de Si mesmo em Seu pró-
(Ver Gên. 2:3)”4 prio dia.”7

MINISTÉRIO/março/abril 1992 23
O dia escatológico a visita no dia de sábado.
Não se deve inferir, contudo, que Ellen
White estivesse fazendo a declaração por
TI
Há, contudo, boas razões para
considerar “o dia do Senhor”, de que tra­
ta Apocalipse 1:10, como sendo o sába­
se admitir que o apóstolo João do. Nada impedia que a visão tivesse ocor­
não estivesse tratando de um dia da sema- rido no sábado, repetimos, mas não signi-
na, fosse ele o sábado ou o domingo. O fica que o dia fosse sábado porque João
Prof. Bacchiocchi, que já citamos neste estava usando a expressão “dia do Se-
trabalho, defende o ponto de vista de nhor”. Ele podia perfeitamente ter recebi­
que o autor do Apocalipse se referia à do a visita de seu Senhor num dia de sá-
ocasião do retorno de Cristo a este mun- bado e, todavia, estar falando do dia em
do. “O contexto imediato que precede e que Cristo há de voltar.
segue Apocalipse 1:10 contém referências
inequívocas ao dia escatológico do Se- A preposição, o artigo e o verbo
nhor”,8 diz ele.
O autor citado diz ainda que “um estu­ a maioria das vezes, os estudio­
do temático do conteúdo do livro do Apo-
calipse confirma que o dia da parousia
constitui o ponto focal de toda a visão e
o tema fundamental em torno do qual gi­
ra todo o livro”.9 Entre os muitos argu­
mentos que mostram não se tratar de
N sos de Apocalipse 1:10 restrin­
gem-se ao exame da expressão “dia d
Senhor”, sem levar em consideração ou-
tros termos da oração em que o apósto-
um dia de vinte e quatro horas, ele cita lo diz ter recebido a visão. Naturalmente,
a opinião de J. F. Walvoord, que conside­ a preocupação em saberem a respeito de
ra “questionável em todo caso que a es­ que dia da semana está falando o autor
pantosa revelação concedida em todo o do livro, faz com que busquem encontrar
livro possa ter sido transmitida a João historicamente quando o dia começou a
em um dia de vinte e quatro horas; e é ser observado, embora o texto possa le­
mais provável que ela tenha consistido var a conclusões diferentes das pretendidas.
de uma série de revelações”.10* Se considerarmos, por exemplo, a pre­
Bacchiocchi faz inúmeras outras consi­ posição ev (em), e a função que ela está
derações, à luz das quais, diz ele, “pare­ exercendo na frase usada por João para
ce muito improvável que a expressão ‘dia contar o que viu, notaremos que há pou­
do Senhor’ de Apocalipse 1:10 se refira ca probabilidade de o apóstolo estar falan­
ao domingo. Ela parece antes ser uma va­ do de um dia da semana.
riação da expressão ‘o dia do Senhor’, Em contração com o artigo feminino
comumente empregada nas Escrituras pa- singular tñ (tê), está ela formando a pala­
ra designar o dia do juízo e daparousia”.11 vra na (= em + a), o que nos levaria a
Mas, perguntará alguém, não diz a Sra. ler “na dia do Senhor”, visto que a pala­
White que “foi no sábado que o Senhor vra dia, à semelhança de muitas outras
da glória apareceu ao exilado apóstolo”?12 que para nós são masculinas, é feminina
E que “o sábado era tão religiosamente em língua grega. Palavras como átrio, ca-
observado por João em Patmos como minho, coração, deserto, dia, etc., são to­
quando estava pregando ao povo nas cida- das femininas em grego.
des e vilas da Judéia”?13 Pois bem, a preposição ev e o artigo
De fato, ela faz esta afirmação. Contu- tñ aparecem juntos mais de 309 vezes no
do, não significa que estivesse afirman­ Novo Testamento, e são traduzidos por:
do que o Senhor apareceu a João, basea- à, ao, com a, de, durante, em, para, pa-
da no texto grego. Nada impedia que ra a, pela, pelo, por, sobre, etc. Em Lu-
João fosse visitado num dia de sábado. cas 12:51, por exemplo, lemos: “Supon­
Naturalmente, ele teria que ser visitado des que vim para dar paz à terra?” Nes-
em um dia da semana, e é melhor que es- sa frase, o a craseado (à), que antecede a
se dia tenha sido o sábado. A Sra. Whi- palavra terra, é a contração da preposição
te, contudo, deve ter feito uso do dom ev com o artigo feminino singular tñ.
de profecia, de que fora investida, para Pelo menos em um dos usos da prepo­
fazer a afirmação; por inspiração, achou- sição ev com o artigo tñ, a contração
se ela autorizada a dizer que João recebeu em português deu ao. Lucas 1:59, na edição

M?NISTÉRlO/março/abril 1992 24
do entre outros, pelos verbos sair, passar,
O emprego do chegar, vir, subir a, etc.14
De fato, onde se lê hoje, nas edições
DATIVO, e a regra com mais modernas da versão Almeida “achei-
relação aos verbos me em espírito” (Apoc. 1:10), lê-se na
Edição Revista e Corrigida a expressão
de movimento, contribuem “fui arrebatado em espírito”, o que indi­
para esclarecer ca movimento. É a mesma idéia que Paulo
dá, ao falar sobre o seu arrebatamento
que não se trata de um ao paraíso (II Cor. 12:2 e 4), embora se-
ja outro o verbo empregado para arrebata-
dia da semana, e, sim, de mento, neste texto bíblico. Ora, ninguém
um dia no futuro, diz que Paulo foi arrebatado “no paraí­
so”, mas ao paraíso, e certamente porque
o da vinda de Cristo. o verbo arrebatar é verbo de movimento.
Trata-se de um fato A respeito de tais verbos, dizem os gra­
máticos: “Não devemos usar a preposição
escatológico. em com verbos de movimento, porquan­
to em indica lugar onde: ‘Vou ao colégio’
— e não: ‘Vou no colégio’. — Só se em­
prega em com os verbos de movimento,
Revista e Corrigida de Almeida, declara: quando se associa a idéia de lugar onde',
“E sucedeu que, ao oitavo dia, vieram assim é que se pode dizer ‘lançar no mar’,
circuncidar o menino.” Em grego, temos: ‘ingressar no seminário... — Note-se que
Kai egéneto ev tn hemera ogdon, isto é, o verbo chegar não admite a preposição
ao dia oitavo vieram... Fazem também em. Deve-se dizer ‘chegar a um lugar’, e
este uso de ao, Atos 10:40 e Marcos 1:16. não ‘chegar em’. Chegamos ao Rio”15
Assim, onde lemos ev tn kuriaké heme­ Dessa maneira, com sua frase egenóme­
ra, em lugar de darmos à tradução “no ne ev pneumati ev tn kuriaké hemera (fui
dia do Senhor”, podemos perfeitamen­ arrebatado em espírito ao dia do Senhor),
te dizer “ao dia do Senhor”. Nesse ca­ João quer dizer que foi levado ao dia
so, João teria sido levado em espírito em que o Senhor estará voltando a este
não no, mas ao dia do Senhor, o que faz mundo, em cumprimento da promessa
grande diferença. Ao ser levado ao dia daquilo que o apóstolo Paulo chama de
do Senhor, o vidente de Patmos teve o “a bendida esperança e a manifestação
privilégio de contemplar os acontecimen­ da glória do nosso grande Deus e salva­
tos que ocorrerão por ocasião do regres­ dor Cristo Jesus”.16
so de Cristo a este mundo; não a ter
uma visão em um dia da semana, seja
ele sábado ou domingo.
Além disso, o artigo feminino singular 1. Samuelle Bacchiocchi, From Sabbath to Sun­
tn está no caso DATIVO, em Apocalip­ day, pág. 113.
2. Ibidem, pág. 115.
se 1:10, que em português é o caso do ob­ 3. Ibidem, págs. 118-129.
jeto indireto. Ora, estando no caso dati- 4. SDABC, vol. 7, págs. 735 e 736.
vo, a contração de ev tn nesta frase neces­ 5. Edwin R. Thiele, Apocalipse — Esboço de Es-
sariamente tem que ser ao, dando, portan­ tudo, 1961, pág. 27.
to, “ao dia do Senhor”, e não “no dia 6. Bacchiocchi, op. cit., pág. 116.
7. C. Merwin Maxwell, God Cares, vol. 2, pág. 82.
do Senhor”. João foi arrebatado ou foi 8. Bacchiocchi, op. cit., pág. 123.
levado não em um dia da semana, mas 9. Ibidem, pág. 124.
ao dia do regresso de Cristo à Terra. 10. Ibidem, pág. 125.
O verbo guinomai, que dá origem à ora- 11. Ibidem, pág. 130.
ção na qual o apóstolo declara ter recebi­ 12. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 581.
13. Ellen G. White, op. cit., pág. 581.
do a visão, também nos ajuda a compre­ 14. Isidro Pereira, S. J., Dicionário Grego-Portu-
ender o sentido daquilo que o autor do guês e Português-Grego, Livraria Apostolado da Im­
livro estava dizendo. Na primeira pessoa prensa, pág. 110.
15. Napoleão Mendes de Almeida, Gramática
do singular do indicativo, 2- aoristo (ege­ Metódica da Língua Portuguesa, 14- edição, 1962,
nómene), este verbo pertence à categoria págs. 292 e 293.
dos “verbos de movimento”, e é traduzi­ 16. Tito 2:13.

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 25
É a Bíblia Nossa
Autoridade Final?
George W. Reid

Qual o significado de inspiração hoje? Com estas condições a prevalecerem,


Qual o valor normativo das Escrituras? a pretensão da Bíblia, de ser a expressa
vontade de Deus, encontra-se sob fogo
cerrado, mesmo nas questões entre os ad-
iretor do Instituto de Pesquisa ventistas. Cumpre reconhecermos o fato
de que o mais intenso esforço formador

D Bíblica, Silver Spring, Maryland.


A afirmação do filósofo do século dezesse­
te, John Locke, segundo à qual em toda
pessoa reside uma autonomia autodirigi-
de opinião, incluindo-se a opinião teológi-
ca adventista, procede do ambiente social
circunjacente, algo particularmente verda-
deiro em países industrializados. Pode-
mos negar isto, mas os pastores no cam-
da, que não deve ser diminuída a não ser po conhecem muito bem esta verdade.
com permissão do seu possuidor, parece Observar isso não é de maneira algu-
ter conquistado época. A princípio visível ma diminuir a gravidade do debate sério
politicamente nas revoluções na América em torno da autoridade; antes é salientar
do Norte e na França, tornou-se funda- a necessidade de dizer as coisas com clare-
mental para cada segmento do pensamen- za. As reafirmações de uma posição, não
to ocidental. Agora os extremistas contem­ importa quão ardorosas sejam, nada pode­
porâneos desafiam toda sorte de autoridade. rão fazer. Os adventistas devem empreen­
Uma ilustração interessante é o impac­ der uma reavaliação de onde estão, e ex­
to dessa autonomia sobre a autoridade reli- plorar uma vez mais a autoridade da Bí-
giosa e a moralidade. A idéia de que nin­ blia. Isto inclui a questão de se a mensa-
guém tem o direito de limitar meus desejos gem apresentada nas Escrituras voltará
pessoais e de que minha permissão deve ser às mais profundas nascentes do espírito
solicitada antes que qualquer tipo de restri­ adventista e, em caso afirmativo, como
ção seja imposto a minhas atividades, conti­ pode vir a acontecer. Devido à insistência
nua a espalhar-se em círculos nos quais se do adventismo histórico em fundamentar
pensava outrora fossem da esfera da dire- todas as coisas na Palavra de Deus, esta
ção de Deus. Como resultado, a moral, o questão é de vital importância. O desgas­
comportamento e mesmo as crenças doutri­ te da autoridade bíblica, é de tão grande
nárias são agora ditados pela vontade da significado que anuvia muitas das ques-
comunidade, em pesquisa de opinião da tões em debate, e, na verdade, contribui
maioria. A amoldagem dessa opinião se tor­ para as discussões de alguns desses assuntos.
nou uma grande atividade quando os pro­
gramas de relações públicas lisonjeiros tra­ Fontes de autoridade
balhavam com o grupo num esforço por in­
fluenciar as opiniões ou produzir a disposi- uais são as fontes da autorida-
ção que induz as pessoas a um fim desejado.
Num clima tal, não é de surpreender
que muitas pessoas considerem as normas
objetivas que governam o certo e o erra­
do como o resíduo antiquado de uma épo­
ca menos iluminada.
Q de religiosa? São dadas muitas
sugestões: uma força mística interior (típi­
ca das várias crenças orientais); concepções

M?NISTÉRIO/março/abriI 1992 26
humanas (muitas vezes precedidas da análi­
se racional); uma organização religiosa (cul­
tos com um só líder): uma combinação das
Escrituras com a tradição da igreja (várias
ramificações católicas); experiência humana
que se diz sob a direção do Espírito Santo
(os grupos carismáticos); a Bíblia como a
autorizada palavra de Deus (protestantes con­
servadores), e as várias combinações destes.
Alguns, como os Mórmons, subordinam a
autoridade das Escrituras canônicas a outros
escritos. De todos estes, os adventistas têm
até agora colocado a Bíblia — todos os 66
livros — em posição elevada. Como escreveu
Ellen White: “Deus terá sobre a Terra um
povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só,
como norma de todas as doutrinas e base
de todas as reformas. As opiniões de ho­
mens ilustrados, as deduções da ciência, os
credos ou decisões dos concílios eclesiásticos,
tão numerosos e discordantes como o são
as igrejas que representam, a voz da maioria
— nenhuma destas coisas, nem todas em
conjunto, deveriam considerar-se como pro­
va, em favor ou contra qualquer ponto de
fé religiosa. Antes de aceitar qualquer dou-
trina ou preceito, devemos pedir em seu
apoio um claro — ‘assim diz o Senhor’”.1
Ellen White não está diminuindo o valor
de outros meios de aprendizado; ao contrá­
rio, está identificando as Escrituras como
sendo a palavra final em assuntos de fé re­
ligiosa. Que ela não pretende limitar a opi­
nião bíblica a assuntos religiosos apenas,
é evidente de sua recomendação da Bíblia
como fonte de informação histórica e co-
mo um autêntico registro das origens.
Quando, porém, levamos a autoridade
escriturística além dos limites religiosos essen­
cialmente, tornamo-la vulnerável à pesqui-
sa histórica e à científica, e aí está o ponto
de colisão que opõe as pessoas honestas
umas contra as outras sobre a natureza da
Palavra. Além disso, o processo comum
dos estudos críticos tem apresentado substan­
ciais números de dificuldades no texto bíbli-
co. Essas questões dificultam qualquer com-
preensão aceitável de inspiração. Lidar com
esses denominados fenômenos, apresenta
um desafio para os adventistas.

Teorias da inspiração

s livros sobre revelação e inspira­

O ção, a partir de 1975, apresen­


tam no mínimo seis teorias da inspiração,

MINlSTÉRIO/março/abriI 1992 27
três das quais merecem um breve comentário. Por último, a essência de Cristo deve ser
Os três pontos de vista são (1) o libe­ encontrada em sua grandeza humana.
ral, (2) o neo-ortodoxo, e (3) o evangéli- Olhando por esse lado, as discrepân­
co. Após considerarmos o caráter essen­ cias que existem no texto bíblico não pos­
cial de cada um desses pontos de vista, suem nenhum problema especial, pois a
voltaremos a verificar onde se encontram tônica repousa sobre a humanidade de
os adventistas. Cristo. Não importa se Mateus cita uma
Liberal. O protestantismo liberal tem passagem como sendo de Jeremias, quan­
sua origem na idéia do filósofo alemão do tal passagem não se encontra em nos-
Schleiermacher, de que Deus é intima- so texto atual de Jeremias (Mat. 27:9 e
10). Todos esses relatos são de origem hu-
mana, mas o que importa é que eles con­
duziram o leitor a Jesus. É neste transpor­
“Quando levamos a te contínuo para a fé em Jesus que os teó-
autoridade escriturística logos liberais encontram inspiração.
Como diz Paul Achtemeier, ocorre a
além dos limites religisos, inspiração, como uma atividade do Espí-
nós a tornamos vulnerável rito Santo, onde a tradição, a situação
correta e um reagente se combinam. Pa-
à pesquisa histórica e ra ele, respondente não é apenas a pessoa
que escreveu, mas toda pessoa que se tor­
científica.” nou ativa em reunir, pastorear, preservar,
modificar e reinterpretar a tradição no
decorrer dos anos, incluindo o escritor fi-
nal. Por essa razão, a inspiração é uma
mente percebido e é variável quanto à dinâmica contínua, presente em todas as
forma. Este ponto de vista pode ser des­ épocas, sempre que as Escrituras são li­
crito como um senso de dependência de das. Poder-se-ia dizer muito mais sobre
um poder mais elevado. Esse conceito o assunto, mas obviamente muita coisa
foi logo associado ao exame crítico dos desta maneira de ver não é compatível
livros bíblicos. com o pensamento adventista.
Em essência, o ponto de vista liberal Neo-ortodoxo. Mesmo os defensores do
começa com o “fenômeno” das Escritu­ ponto de vista liberal da inspiração, admitem
ras, os milhões de partes fragmentárias que o seu produto final é amorfo e fortemen­
de informação, e avança no sentido da te subjetivo. Na ausência de absolutos, em
formulação de um ponto de vista total que firmará o crente a sua fé? A resposta
da inspiração, que pode servir para to- em geral é: Naquilo que a razão diz ser bom,
dos os elementos examinados. Ele exige extraído da experiência total da vida.
fidelidade total ao texto em si, permitin­ Essa incerteza levou a uma reação do sé-
do que as conclusões surjam do texto, culo vinte, chamada neo-ortodoxia ou teolo­
em lugar de impô-las a partir de normas gia do encontro, que procura retomar a
predeterminadas. uma autoridade ampliada da Escritura. Aí
Com o prosseguimento da obra, emer­ encontramos Barth, Brunner e Bultmann.
gem três temas repetidos: Primeiro, a ver- A tarefa: reconciliar um texto sujeito a erro
dade divina não deve situar-se em um li- com a idéia da verdadeira autoridade. Os
vro antigo, mas é representada na obra meios: Conceber a Bíblia em dois níveis.
do Espírito em andamento na comunida- No nível inferior está o texto como o encon-
de. Essa obra é discernida por meio do tramos, passível de erro, em linguagem hu-
julgamento crítico racional. Seu principal mana, absurdo no contexto da cultura. Quan-
alvo não é identificar a verdade objetiva, do examinado de maneira crítica, achamos
mas buscar um autêntico conhecimento que o texto foi o registro do encontro do
de Deus. Em segundo lugar, Jesus apare­ humano com Deus.
ce como o arquétipo da compreensão e Em um nível mais elevado, porém, Deus
excelência religiosa. A salvação se torna age acima das limitações da linguagem huma-
um assunto do ensino e pioneirismo de na. Aqui, Ele Se move numa linha experien-
Jesus, uma maneira melhor de se enten- cial, dinamicamente envolvida no relaciona-
der a Deus. O realce é sobre a humanida­ mento com o texto bíblico mas, paradoxal­
de de Jesus, acima de outras qualidades. mente, pairando livre dele. O encontro com

MINISTÉRIO/março/abril 1992 28
Deus é um evento do Espírito Santo no concordar exatamente sobre o que enten­
'coração do crente, embora sob a influên- dem por “infalível”.
cia do testemunho da confirmação bíblica. A maioria dos evangélicos apela para
O produto final: Porque o valor des­ o princípio estabelecido pela Reforma de
se ponto de vista repousa no nível supe- sola Scriptura. De acordo com este princí­
rior do encontro flutuante, podemos ocu­ pio, os reformadores estavam apelando
par-nos do registro do nível inferior com para a Bíblia como a corte de apelação
análise crítica, sem lhe perturbar a função. final. Esta posição difere dos ensinos evan­
Assim a revelação se torna, não a trans- gélicos de hoje, de um texto isento de er-
missão do objetivo, da verdade proposito- ro nos manuscritos originais, idéia efetiva­
ra, mas um encontro subjetivo com Deus, mente desenvolvida na era pós-Reforma.
intimamente recebido. Não é difícil perce- Ao distinguirem os seus pontos de
ber a influência de Schleiermacher nesse vista dos defendidos pelos neo-ortodo­
sistema e como sua ambigüidade tem leva­ xos, os evangélicos insistem em que em­
do muitos à insatisfação. bora a Bíblia defenda o encontro com
Evangélico: Os evangélicos começam Deus, ela vai além. Transmite-lhes con-
com o conceito de que a Escritura é a Pa- tentamento no significado das palavras.
lavra escrita de Deus. A importância re­ A Bíblia apresenta verdades factuais,
pousa fortemente em seu aspecto Palavra proposicionais e objetivas que fornecem
de Deus, muitas vezes com a minimização normas para a fé e prática quanto à re­
do elemento humano. Embora raramen­ velada vontade de Deus, normas válidas,
te a própria Bíblia apresente uma ordem quer aceitas ou não, e normas permanen­
sistemática de inspiração, tem ela muito tes, porque Lhe revelam o caráter tan-
o que dizer sobre a maneira como Deus to nas mensagens escritas como nos rela­
determinou que Sua Palavra fosse falada tos do ministério de Seu Filho. Assim
e escrita. Bernard Ramm desenvolve essa como o Espírito Santo esteve operando
tese em sua obra Special Revelation and ao transmitir ao escritor, também está
the Word of God (A Revelação Especial ativo em levar o leitor a responder ao
e a Palavra de Deus), 1961. apelo de Deus.
Temos as conhecidas declarações de Assim, a perspectiva evangélica vê a
II Timóteo 3:15-17 (“Toda escritura é ins­ inspiração, não só como o Espírito atuan­
pirada por Deus”, literalmente, soprada do no meio da comunidade de crentes,
por Deus [verso 16, RSV]), e de II Pedro mas também como um fenômeno objeti-
1:20 e 21 (“Nenhuma profecia da Escritu-
ra provém de particular elucidação, mas
homens movidos pelo Espírito Santo fala­ “As verdades reveladas
ram de Deus” [verso 21, RSV]).
Os evangélicos aceitam o modelo pro­ são todas ‘dadas por
fético das Escrituras. Ao assim fazerem, inspiração de Deus’;
seu forte realce sobre as qualidades ou­
torgadas por Deus à Bíblia tem-se feito embora sejam expressas
acompanhar da afirmação de que os
manuscritos originais devem ter sido isen­
em palavras de homens e
tos de erro. A perplexidade presente es- adaptadas às necessidades
tá ao se lidar com cópias cuja perfeição humanas.”
original se perdeu, por causa de erros
dos copistas, interpretações erradas, e
uma série de outros problemas surgidos
com o processo de transmissão. Entre vo. Ainda que expresso na linguagem,
os evangélicos eruditos, a preocupação cultura e épocas da humanidade, o texto
tem sido conciliar as divergências da bíblico encerra valores transcendentes aci-
melhor maneira possível. Algumas pro­ ma e além, valores destinados a apresen­
postas apresentam considerável ingenui­ tar o Filho de Deus como o centro unifi­
dade, e falta de credibilidade. A palavra- cador de uma coleção de documentos es-
chave é “infalível”. De novo, entre os critos em ocasiões e lugares diversos. E
mais bem informados esta não requer junto com a revelação do Filho há a ex­
a teoria mecânica do ditado, mas os evan­ pressão da vontade de Deus e do caminho
gélicos têm encontrado dificuldade em da salvação.

MINISTÉRIO/março/abril 1992 29
A resposta adventista vem Colégio de Battle Creek e na série
de artigos de George I. Butler, publicada
na Review and Herald de 1884, na qual
ele indicou graus de inspiração, um dos
Como os Adventistas do Sétimo suportes do ponto de vista liberal de ho-
Dia consideram estas teorias je. Com esta rubrica, os eruditos liberais
da inspiração? Distantes da posição libe­ classificaram os elementos bíblicos segun­
ral e quase tão distantes da perspectiva do a sua própria maneira de julgar. Ellen
neo-ortodoxa, os adventistas também se White respondeu: ‘‘Foi-me mostrado que
sentem inconformados com a infalibilida­ o Senhor não inspirou os artigos acerca
de evangélica. A idéia de defender a posi­ da inspiração, publicados na Review, nem
ção isenta de erro dos manuscritos perdi­ aprovou o endosso deles perante nossa
dos se afigura sem valor. Ela se parece mocidade no colégio. Quando os homens
uma forma preventiva de combate ao ad­ se atrevem a criticar a Palavra de Deus,
versário hipotético. Mas o desafio é tão atrevem-se a pisar em terreno santo, sa-
sério para os adventistas como o é para grado, e melhor lhes seria temer e tremer
os evangélicos: como manter um ponto e esconder sua sabedoria como loucura.
de vista elevado da autoridade escriturísti­ Deus não designou homem algum para
ca, enquanto, ao mesmo tempo, se reco­ proferir juízos sobre Sua Palavra, escolhen­
nhecem as limitações das Escrituras? Po- do umas coisas como inspiradas e desacre­
de a posição “a Bíblia e a Bíblia só” ser ditando outras como não inspiradas.”2
defendida? Embora Butler abandonasse seus pon­
Os adventistas já começaram a lidar tos de vista, a ameaça continuou, obrigan­
com estes problemas. Vários artigos cuida­ do Ellen White a prosseguir publicando
dosamente elaborados e uma quantidade artigos sobre a autoridade da Bíblia.
de ensaios e coleções de ensaios na for- Uma segunda proposta foi a idéia de
ma de extensos livros já apareceram. Te- limitar a autoridade da Bíblia a assuntos
mos a Biblical Interpretation Today, de religiosos apenas. Isto livraria as declara­
Gerhard Hasel (que de modo especial apli­ ções históricas e científicas das limitações
ca os métodos); Was Luke a Plagiarist? da inspiração. Em um dos seus mais im­
(Foi Lucas um Plagiador?), de George pressivos e antigos escritos, que apareceu
Rice; Who’s Afraid of the Old Testament em 1876 com o disfarçado título de ‘‘Bio­
God? (Quem Tem medo do Deus do An- grafias Bíblicas”, Ellen White renovou
tigo Testamento?), que contém simplifica­ sua defesa da historicidade dos relatos
ções para os hermeneutas; e outras publi­ bíblicos, naquela época desafiados por
cações do Instituto de Pesquisas Bíblicas, Wellhausen e outros. Escreveu ela: ‘‘As
tais como Biblical Hermeneutics (Herme­ vidas relatadas na Bíblia são histórias au­
nêuticas Bíblicas). Devemos considerar tênticas de indivíduos reais. Desde que
também a valiosa publicação de vários Adão caiu, através das gerações sucessi­
escritos de Ellen White sobre a natureza vas até aos tempos dos apóstolos, temos
da Bíblia e da influência da inspiração. um claro e sincero computo daquilo que
Na verdade, eles nos colocam numa posi­ realmente ocorreu e da verdadeira experi­
ção que no mínimo oferece a solução par­ ência de pessoas reais.... Os escribas de
cial das tensões. Deus escreveram como lhes foi ditado pe-
Uma preocupação contínua da histó- lo Espírito Santo, não tendo eles próprios
ria da inspiração, adventista, é a tentati­ nenhum controle sobre a obra.”3 A últi­
va de aliviar o firme compromisso de ma sentença é uma asserção notável que
manter um elevado conceito das Escritu­ preocupa alguns. Em outro lugar, ela tam-
ras. Sem nos dobrarmos a tal espécie de bém defende os relatos do Gênesis dos se­
tentativa, podemos considerar três opções. te dias da Criação e do Dilúvio como lite-
Os pioneiros adventistas estavam bem ralmente verdadeiros.
cientes das dificuldades, sobre a credibili­ Mais recentemente, certos adventistas
dade da Bíblia, que os cercavam no sécu- têm declarado que, sem alguns de seus
lo passado. Ellen White e outros ficaram elementos racionalísticos, a crítica históri­
alarmados com o rápido crescimento do ca pode ser um instrumento válido no es-
cepticismo e da alta crítica, melhor conhe- tudo da Bíblia. Este ponto de vista trata
cida hoje como crítica histórica. a crítica histórica não como um método
A tendência se manifestou até no jo­ integrado, mas como uma combinação de

M?NISTÉRIO/março/abril 1992 30
elementos dos quais se pode escolher. Como podemos conciliar todas estas
Por exemplo, considerar o método grama­ declarações com a declaração anteriormen­
tical histórico, usado pelos adventistas. te citada das “Biografias Bíblicas”? Pe-
Esse método funciona também em áreas la referência ao contexto. Aqui a Sra.
examinadas pela crítica histórica. Contu- White está dando a idéia de que os escrito­
do, um exame acurado mostra que os ob­ res da Bíblia foram impelidos a dizer to-
jetivos dos dois sistemas não se coadunam. da a verdade sobre os personagens da Bí-
Reconhecendo os problemas envolvidos, blia, em lugar de cederem à tentação nor­
a reunião do Concilio Anual da igreja, mal de lisonjear, omitindo os fatos me-
celebrada em 1986 no Rio de Janeiro, apro­ nos louváveis. É neste aspecto que os es­
vou uma declaração considerando o méto­ critores foram rigorosamente guiados pelo
do da crítica histórica, como é classica- Espírito Santo, não na escolha de pala-
mente defendido, como impróprio para vras específicas.
uso pelos adventistas. E o que dizer da confiança de Ellen
White nas Escrituras finitas? Continua in­
Ellen White sobre inspiração e autoridade tocável pelo cepticismo. Enquanto assistia
à Conferência Geral de Mineápolis em
1888, escreveu ela: “O Senhor, porém,
tem guardado este Santo Livro em sua
forma atual mediante o miraculoso poder
á vimos o vibrante endosso de Ellen dEle — uma carta ou guia para a família
White à veracidade e autoridade humana a fim de mostrar-lhe o caminho
das Escrituras, não só em assuntos religio­ do Céu.”10
sos mas também no relato de seus aconte­ Ellen White aceitava a humanidade
cimentos. Contudo, Ellen White não se da linguagem e os meios de expressão e,
encontra onde os evangélicos estão. Con­ contudo, mantinha sua clara, sonora e
quanto afirme a autoridade da Bíblia, re­ inabalável confiança na autoridade dessas
conhece ela nos mais elevados perfis o ele- mesmas Escrituras. Poucos parágrafos
mento humano nas Escrituras. Eis o que depois, ela continua dizendo: “Tomo a
ela escreveu: Bíblia tal como ela é, como a Palavra Ins­
‘“Não acha que deve ter havido algum pirada. Creio nas declarações de uma Bí-
erro nos copistas ou da parte dos traduto­ blia inteira.... Nenhuma mente ou mão
res?’ Tudo isto é provável.... Mesmo to- se empenhe em criticar a Bíblia.” E de
dos os erros não causarão dificuldade a novo: “Irmãos, apegai-vos à Bíblia, tal
uma alma, nem farão tropeçar os pés de como ela reza, parai com vossas críticas
alguém.’’4 relativamente a sua validade, e obedecei
“Os escritores da Bíblia tiveram de à Palavra, e nenhum de vós se perderá”.11
exprimir suas idéias em linguagem hu-
mana.”5 Conciliando as tensões
“Nem sempre há perfeita ordem ou
aparente unidade nas Escrituras.”6 evido a sua insistência sobre o
“A Bíblia precisa ser dada na lingua-
gem dos homens. Tudo quanto é huma­
no é imperfeito.”7
“A Bíblia foi escrita por homens ins­
pirados, mas não é a maneira de pensar
e exprimir-se de Deus. Esta é da humani-
D lado humano das Escrituras ins­
piradas, como podia ela conciliar sua ina­
balável confiança na autoridade da Bíblia?
Ela emprega dois princípios básicos.
dade. Deus, como escritor, não Se acha Primeiro, a acomodação. Ela não es­
representado.... Os escritores da Bíblia perava descobrir o estilo ou a majesta­
foram os instrumentos de Deus, não Sua de de Deus de uma maneira que exigis­
pena.”8 se uma Bíblia sem erro. Escreveu ela:
“Não são as palavras da Bíblia que “As verdades reveladas são todos “da­
são inspiradas, mas os homens é que o das por inspiração de Deus’; embora se-
foram. A inspiração não atua nas pala- jam expressas em palavras de homens e
vras do homem ou em suas expressões, adaptadas às necessidades humanas. As-
mas no próprio homem que, sob a influên- sim, é possível dizer do Livro de Deus,
cia do Espírito Santo, é possuído de pen­ o que foi dito de Cristo, que ‘a Palavra
samentos.”9 Se fez carne”’.12

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E de novo: “O Senhor fala aos seres
humanos em linguagem imperfeita, a fim
de os sentidos degenerados, a percepção
pesada, terrena, dos seres da Terra pode­
rem compreender-Lhe as palavras.... Ele
vai ao encontro dos caídos seres humanos
onde eles se acham.”* 12
13

“As verdades reveladas são todas ‘dadas


por inspiração de Deus’; embora sejam
expressas em palavras de homens e adap­
tadas às necessidades humanas”.

Segundo, interrupção do julgamento.


“A entrada do pecado no mundo, a en­
carnação de Cristo, a regeneração, [e] a
ressurreição... são mistérios profundos
demais para a mente humana.... Mas
Deus nos deu nas Escrituras suficiente
evidência de seu divino caráter, e não de­
vemos duvidar de Sua Palavra por não
sermos capazes de entender todos os mis­
térios de Sua providência.”14

Devido às nossas limitações de dados


e compreensão, Ellen White nos anima
a menter nosso conceito até que tenha­
mos informação suficiente, a agir a par­
tir de uma premissa de fé, certeza e con-
fiança, e a deixar que no devido tempo,
e por Seus próprios meios, Deus abra
as portas do entendimento. No reino dos
Céús, provavelmente nos perguntemos:
Por que me preocupei tanto com isto?
À explicação do próprio Cristo, tudo se
ajustará ao modelo de Sua ordem, pla-
no e Palavra.

1. Ellen White, O Grande Conflito, pág. 601.


2. Ellen White, Mensagens Escolhidas, Livro I, pág. 23.
3. Ellen White, Testimoniesfor the Church, vol. 4, pág. 9.
4. Ellen White, Mensagens Escolhidas, Livro I, pág. 16.
5. Idem, pág. 19.
6. Idem, pág. 20.
7. Ibidem
8. Idem, pág. 21.
9. Ibidem
10. Idem, pág. 15.
11. Idem, págs. 17 e 18.
12. Ellen White Testimonies, vol. 5, pág. 747.
13. Ellen White Mensgens Escolhidas, Livro I, pág. 22.
14. Ellen White Testimonies, vol. 5, pág. 699.

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